O jornal como recurso didático para as práticas pedagógicas em Geografia

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O JORNAL COMO RECURSO DIDÁTICO PARA AS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS EM GEOGRAFIALawrence Mayer Malanski1Resumo Motivar com qualidade estudantes e professores ao longo do processo de ensino/aprendizagem pode parecer uma tarefa difícil se consideramos a disseminação dos meios de comunicação e entretenimento dos dias atuais. Além disso, romper com modelos de educação tradicionais pautados na linearidade do conhecimento pode parecer ainda mais complexo. Contudo, algumas mídias, como o jornal, podem se to

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O JORNAL COMO RECURSO DIDÁTICO PARA AS PRÁTICAS

PEDAGÓGICAS EM GEOGRAFIA Lawrence Mayer Malanski1

Resumo Motivar com qualidade estudantes e professores ao longo do processo de ensino/aprendizagem pode parecer uma tarefa difícil se consideramos a disseminação dos meios de comunicação e entretenimento dos dias atuais. Além disso, romper com modelos de educação tradicionais pautados na linearidade do conhecimento pode parecer ainda mais complexo. Contudo, algumas mídias, como o jornal, podem se tornar recursos bastante interessantes para tanto. Em práticas pedagógicas em Geografia, por exemplo, ele pode contribuir para a análise e compreensão das diferentes escalas de análise geográfica de modo não linear, valorizando a vivência dos estudantes e aproximando-os de espaços distintos.

Palavras-chave: Geografia Escolar, jornal, escalas geográficas.

Motivação e conhecimento

Motivar estudantes e professores ao longo do caminho da construção do

conhecimento pode parece, atualmente, bastante difícil. Alguns podem pensar que

nada mais pode “encantar” os envolvidos nesse processo devido ao fácil acesso às

informações, oferecido pelos diversos meios de comunicação e entretenimento de

nossa sociedade imersa, em diferentes níveis, na Era da Informação. Contudo, o

que contribui positivamente para o desenvolvimento do ser não é o acesso à

informação por si só, mas como este será, ou se será, convertido em conhecimento

crítico. Nossa sociedade está repleta de informações, mas de nada adiantam se não

soubermos como tratá-las.

Em ambiente escolar, é possível trabalhar algumas dessas informações de

forma dinâmica e instigante, desde que, para tanto, haja recursos didáticos,

criatividade e, principalmente, vontade de romper com um modelo rígido, pautado

em aulas expositivas e leitura do livro didático. Não que não sejam necessárias

aulas dessa forma, mas elas não podem ser resumidas a elas mesmas de modo

1 Mestrando em Geografia pela Universidade Federal do Paraná. Professor da Secretaria de Estado da Educação do Paraná. E-mail: [email protected].

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anacrônico ao período em que vivemos. Exigências incomuns para uma organização

escolar que parece estar se degringolando.

Uma dessas formas é o uso do jornal em sala de aula. O jornal pode ser um

recurso rico e bastante útil para auxiliar os professores em sua complexa mediação

entre as informações e os estudantes, em busca da construção do conhecimento.

Esse recurso oferece uma visão ampla e atualizada que proporciona o trabalho em

conjunto dos recursos que a comunicação oferece, juntamente com tabelas,

gráficos, assuntos que exploram a interdisciplinaridade e a multidisciplinaridade.

A Geografia, como área do conhecimento escolar, está aberta a inter e

multidisciplinaridade. Além disso, ela, assim como todo o currículo escolar, permeia

entre a realidade da sala de aula e da escola, as transformações e debates da

pesquisa científica e as muitas ações governamentais, como os Parâmetros

Curriculares Nacionais (PCNs), refletindo, portanto, o momento histórico vivido e

nossa sociedade. Aqui está, então, a relação entre o uso do jornal e as aulas de

Geografia, tema desse artigo, que abordaremos a seguir.

Geografia e jornal: uma combinação possível?

A Geografia é a área do conhecimento escolar responsável por fazer o

estudante refletir, compreender, observar, interpretar e pensar o espaço geográfico

numa conjuntura em constante transformação. O espaço geográfico, por sua vez,

pode ser compreendido através da interrelação dos conceitos de paisagem,

território, lugar e ambiente na busca de um processo de ensino/aprendizagem

preocupado em formar pessoas comprometidas com o espaço que ocupam (Puntel,

2007). Assim, a Geografia é responsável por tornar o mundo compreensível para os

estudantes (Brasil, 1999).

Ainda, “Construir a idéia do espaço na sua dimensão cultural, econômica,

ambiental e social é um grande desafio da Geografia e da Geografia Escolar. Mais

ainda, pensar que os fenômenos geográficos podem ser analisados articuladamente

e em diferentes escalas, o que significa analisá-los conceitualmente, em função de

diversas práticas e das representações sociais.” (Castellar, 2005, p. 211).

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Convém destacar que o espaço está impregnado de representações e

significados dados a partir da percepção que o indivíduo e a sociedade têm dele e

que os estudantes, por exemplo, convivem diariamente nesse espaço. Desse modo,

trabalhar com o imaginário do estudante no estudo geográfico valoriza os fatores

culturais da vida cotidiana, permitindo a compreensão da singularidade e da

pluralidade dos lugares (Brasil, 1999). Contudo, deve-se assegurar que a vivência

do estudante não deve ficar limitada a ela mesma, pois o processo de ensino

necessita de reflexão (Puntel, 2007).

Para tanto, algumas aulas de Geografia poderiam ter como ponto de partida,

além de exemplos do mundo vivido pelos estudantes, informações dos lugares dado

por relatos de viagens, obras literárias, sons, músicas e mídias. Essa discussão não

é recente. Na década de 1950 o geógrafo francês Pierre Monbeig (1908 - 1987),

bastante influente na formação das raízes da Geografia brasileira, já afirmava o

seguinte: Convém que o ensino acompanhe as transformações do globo.(...) Para um mundo moderno convém um ensino moderno. (...) A evolução do ensino da Geografia, nesse sentido, é facilitada pelos contatos de todo o gênero que tem a mocidade com os problemas do dia. A conversação em família em alguns meios, o rádio, a televisão, os jornais, as atualidades cinematográficas mergulham os jovens, e às vezes as crianças, nesse banho cotidiano de inquietação, pelo menos no que se refere aos debates econômicos. Não é difícil ao professor aproveitar-se disso para animar o seu ensino. Os alunos encontrarão aí uma prova de que a vida não pára à porta da classe, que deixará de ser um meio artificial (Monbeig, 1956, p. 18).

Atualizando alguns termos utilizados por Monbeig no trecho acima,

percebemos que sua ideia permanece atual. Assim, nota-se que, como professor, o

ideal é favorecer a interação do estudante com a realidade social, sendo o jornal

considerado um dos recursos para tanto.

O jornal coloca o estudante na vivência e reflexão da atualidade, tornando-o

um ser ativo e consequentemente participativo da realidade social. Além disso,

conforme Kozel (2006), as mídias proporcionam um mundo mais complexo daquele

apresentado nas salas de aula. Segundo o linguista russo Mikhail Bakhtin (1895 -

1975), é no movimento de interação social que os sujeitos constituem seus

discursos, indo além da simples transmissão de informações (Bakhtin, 2004).

Seguindo o raciocínio dialógico do lingüista, o jornal como recurso pedagógico, é,

então, um espaço de divulgação de ideias, de comunicação e opinião, refletindo,

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também, os interesses e conflitos sociais da sociedade em que estudantes e

professores convivem.

Além disso, os meios de comunicação, como o jornal, proporcionam a

aproximação de espaços distintos, estabelecendo ligações entre as diferentes, mas

indissociáveis, escalas espaciais - ou escalas de análise geográfica (do local ao

global), o que raramente é considerado nas práticas pedagógicas em Geografia.

Tais meios apresentam os principais acontecimentos, sejam estes locais, nacionais

ou globais, de modo rápido e atualizado (Kozel, 2006).

Assim, o uso do jornal durante as aulas de Geografia possibilita, também, a

análise de diferentes escalas geográficas, fornecendo e ampliando as informações a

respeito do mundo vivido e imaginado pelos estudantes podendo torná-los, então,

representáveis. Portanto, criam-se condições para que o estudante ordene os

espaços estudados, compreenda, analise e compare os diferentes fenômenos

geográficos neles existentes. Convém lembrar que todo processo de representação

é uma atividade intelectual que exige apreensão, compreensão e significação de

determinado fenômeno. Assim sendo, é uma atividade mental complexa. Tal

representação, para fins avaliativos, pode ocorrer, por exemplo, a partir de: texto

escrito, mapas mentais, imagens, tabelas, gráficos, cartazes, ilustrações, sons etc.

Por outro lado, nas práticas pedagógicas geográficas, ainda prevalece uma

metodologia pautada na hierarquização linear e mecânica do espaço, partindo do

local e caminhando gradativamente para o global, sem parecer haver interrelação

entre estes (Kozel, 2006). Contudo, entendemos que a Geografia Escolar vai além

da descrição e da informação do espaço e, por isso, as práticas pedagógicas

deveriam conceber a construção do raciocínio espacial.

Atendendo a proposta dos PCNs, o conteúdo dos jornais pode ser útil para o

desenvolvimento de temas transversais, trabalhando questões éticas e de cidadania,

por exemplo. Cabe lembrar que esses temas possuem forte apelo inter e

multidisciplinar.

Para se trabalhar Geografia a partir do jornal necessita-se, contudo, tomar

alguns cuidados. Primeiramente, devem-se ter claro quais conteúdos serão

trabalhados e quais os objetivos do trabalho com jornal. Além disso, o professor

precisa escolher o material jornalístico adequado, verificando seu conteúdo, sua

relação com o objetivo e tema do trabalho, sua adequação à faixa etária, à série e

ao contexto local e socioeconômico dos estudantes. Em seguida, é necessário

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definir qual será a metodologia a ser usada, para que a atividade não perca o seu

foco e deixe de ter a devida importância para o processo de formação do

conhecimento. Também, o professor precisa ficar atento em relação a divergências

conceituais existentes entre trabalhos jornalísticos e as áreas do conhecimento

escolar, pois podem surgir desarmonias entre eles. É comum conceitos como o de

paisagem, lugar, tempo e clima, território, região e cultural, por exemplo, aparecerem

em textos jornalísticos de forma distinta as do vocabulário geográfico.

Apontamentos finais

Fazer com que os estudantes pensem a respeito do espaço geográfico é o

principal objetivo da Geografia como área do conhecimento escolar. Para tanto, ela

faz uso de conceitos e linguagens próprias que as distingue de outros saberes

escolares. Contudo, não se espera que os estudantes compreendam todas as

complexas relações existentes entre os seres humanos e os espaços que habitam,

mas não se deve privá-los de estabelecer hipóteses, observar e elaborar

explicações sobre elas.

O espaço vivido pelos estudantes é repleto de representações e significados

construídos a partir da percepção social e, aproximar os estudantes dessa realidade

valoriza os fatores culturais e permite a compreensão das diferentes escalas de

análise geográfica. O jornal pode ser um recurso didático para auxiliar nesse

processo.

A ideia de usar o jornal como instrumento pedagógico é transformá-lo em um

recurso para a motivação dos estudantes e, assim, dinamizar e diversificar o

processo de ensino/aprendizagem. Em Geografia, o jornal contribui para a

compreensão das diferentes escalas geográficas, uma vez que apresenta os

principais aconteci mentos (do local ao global) de forma rápida e contextualizada.

Além disso, há possibilidade de desenvolvimento de trabalhos

interdisciplinares ou multidisciplinares a partir do jornal, usando como eixo os temas

transversais propostos, por exemplo, nos PCNs. A Geografia é uma área do

conhecimento bastante aberta a esses trabalhos.

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Assim, se tomados os devidos cuidados em relação ao planejamento do

trabalho com jornais e ao conteúdo do material utilizado, o uso do jornal durante as

aulas de Geografia pode contribuir positivamente para o desenvolvimento do

processo de ensino/aprendizagem e do conhecimento geográfico e, assim, cooperar

para a formação de cidadãos conscientes e críticos a respeito do meio que habitam,

a fim de torná-lo cada vez melhor.

Mapa conceitual do artigo

Organização: MALANSKI, L. M., 2010

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Referências BAKHTIN, Mikhail (VOLOCHÍNOV, Valentin.) Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo: Hucitec, 2004. BRASIL. MEC. Secretaria da Educação Básica: Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) – Ensino Fundamental: Geografia. Brasília: MEC/SEB, 1999. Disponível em: < http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/geografia.pdf > Acesso em: 29 jul. 2008. CASTELLAR, Sonia Maria Vanzella. Educação Geográfica: a psicogenética e o conhecimento escolar. Cadernos CEDES, Campinas, n. 66, p. 209 – 225, 2005. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ccedes/v25n66/a05v2566.pdf> Acesso em: 29 jul. 2009. KOZEL, Salete Teixeira. Geografia, Representação e Ensino: um olhar sobre a dimensão cultural. In: I Colóquio Nacional do Núcleo de Estudos em Espaço e Representação, 2006, Curitiba. Anais do I Colóquio Nacional do Núcleo de Estudos em Espaço e Representação. Curitiba: Editora da UFPR, 2006. p. 45-58. MONBEIG, Pierre. Papel e Valor do Ensino de Geografia e de sua Pesquisa. São Paulo, 1956. PUNTEL, Geovane Aparecida. A Paisagem no Ensino de Geografia. Ágora, Santa Cruz do Sul, v. 13, n. 1, p. 283-298, jan./jun. 2007.