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1 Eixo: 07. Instituições Escolares O INSTITUTO DE EDUCAÇÃO DA PARAÍBA: UMA OUTRA ANÁLISE SOBRE SUA CRIAÇÃO (1935-1937) Mariana Marques Teixeira I [email protected] UFPB/PPGE/CAPES Resumo: Esta comunicação tem por intuito divulgar as primeiras constatações de uma análise, que está em andamento por meio da realização de um doutoramento em História da Educação no programa de pós-graduação em Educação da Universidade da Paraíba, e versa sobre a contexto da formação de professores, da criação do Instituto de Educação da Paraíba e sua configuração nos seus primeiros anos de funcionamento no período de 1935 a 1937. Neste sentido, tomou-se como objeto de estudo o principal aparelho educativo para formação docente no Estado à época: o Instituto de Educação da Paraíba (IEP). O referencial teórico-metodológico balizou-se numa perspectiva exploratória qualitativa através da qual teve-se como principais interlocutores Savianni (2007) quando se tratou da categoria de Instituições Escolares e Magalhães (2004) quando do uso de sua sistematização para compreensão das fases pelas quais passa uma instituição escolar. Nosso recorte temporal centrou-se no período entre 1935 ano em que a legislação educacional do Estado criou o Instituto de Educação da Paraíba - até o de 1937 ano no qual o país passou por uma grande mudança política dando início ao estado de exceção do Estado Novo. Para realizar a discussão tomou-se como fontes principais a documentação oficial legislativa (leis e decretos-leis) encontrada em arquivos públicos e particulares do Estado e as notícias encontradas no jornal A União referentes ao Instituto. Além disso, muito deve essa análise à interlocução realizada com valiosa bibliografia referente a temática em questão. Dessa maneira, diante do que temos estudando em nossas análises, em nossos resultados parciais concluímos que entre a criação e os primeiros anos de consolidação do IEP houveram particularidades que fizeram o instituto paraibano ir tomando sua forma peculiar ao mesmo tempo em que apresentava, em certa medida, como a referência para orientar, fiscalizar e, de certa forma, uniformizar o Ensino Normal na Paraíba. Palavras-chave: Instituição Escolar; Institutos de Educação; Formação de Professor; I Mariana Marques Teixeira é formada em História, cursa Pedagogia, é mestra em Educação e doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Educação - PPGE na Universidade Federal da Paraíba- UFPB vinculada a linha de História da Educação sob orientação do Profº Dº Antonio Carlos Ferreira Pinheiro. Sua tese, ainda em processo de construção, tem o título provisório: “O Instituto de Educação na Paraíba: a formação de professores por meio de uma instituição de referência (1939-1958)”.

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Eixo: 07. Instituições Escolares

O INSTITUTO DE EDUCAÇÃO DA PARAÍBA: UMA OUTRA

ANÁLISE SOBRE SUA CRIAÇÃO (1935-1937)

Mariana Marques TeixeiraI

[email protected]

UFPB/PPGE/CAPES

Resumo:

Esta comunicação tem por intuito divulgar as primeiras constatações de uma análise,

que está em andamento por meio da realização de um doutoramento em História da

Educação no programa de pós-graduação em Educação da Universidade da Paraíba, e

versa sobre a contexto da formação de professores, da criação do Instituto de Educação

da Paraíba e sua configuração nos seus primeiros anos de funcionamento no período de

1935 a 1937. Neste sentido, tomou-se como objeto de estudo o principal aparelho

educativo para formação docente no Estado à época: o Instituto de Educação da Paraíba

(IEP). O referencial teórico-metodológico balizou-se numa perspectiva exploratória

qualitativa através da qual teve-se como principais interlocutores Savianni (2007)

quando se tratou da categoria de Instituições Escolares e Magalhães (2004) quando do

uso de sua sistematização para compreensão das fases pelas quais passa uma instituição

escolar. Nosso recorte temporal centrou-se no período entre 1935 – ano em que a

legislação educacional do Estado criou o Instituto de Educação da Paraíba - até o de

1937 – ano no qual o país passou por uma grande mudança política dando início ao

estado de exceção do Estado Novo. Para realizar a discussão tomou-se como fontes

principais a documentação oficial legislativa (leis e decretos-leis) encontrada em

arquivos públicos e particulares do Estado e as notícias encontradas no jornal A União

referentes ao Instituto. Além disso, muito deve essa análise à interlocução realizada com

valiosa bibliografia referente a temática em questão. Dessa maneira, diante do que

temos estudando em nossas análises, em nossos resultados parciais concluímos que

entre a criação e os primeiros anos de consolidação do IEP houveram particularidades

que fizeram o instituto paraibano ir tomando sua forma peculiar ao mesmo tempo em

que apresentava, em certa medida, como a referência para orientar, fiscalizar e, de certa

forma, uniformizar o Ensino Normal na Paraíba.

Palavras-chave: Instituição Escolar; Institutos de Educação; Formação de Professor;

I Mariana Marques Teixeira é formada em História, cursa Pedagogia, é mestra em Educação e doutoranda

pelo Programa de Pós-Graduação em Educação - PPGE na Universidade Federal da Paraíba- UFPB

vinculada a linha de História da Educação sob orientação do Profº Dº Antonio Carlos Ferreira Pinheiro.

Sua tese, ainda em processo de construção, tem o título provisório: “O Instituto de Educação na Paraíba:

a formação de professores por meio de uma instituição de referência (1939-1958)”.

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1. Introdução:

O Brasil e o favorecimento da relação entre a modernização do ensino, a Escola

Nova e a formação docente.

Não há como iniciar nossas reflexões sem localiza-las, ainda que em breve

apontamentos, do ponto de vista do cenário social e político do Brasil no início do

século XX. Neste momento o país estava marcado pela perspectiva de uma República

oligárquica coronelista de política centralizada nos interesses, principalmente, dos

estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais – que garantia o poder político

regional a elites locais dessa região do país. Todavia, já nos idos dos anos 1920, essa

tendência começou a mudar dando lugar a um processo de transição no qual a economia

agrária de exportação de café, que já havia possibilitado ao país um considerável

acúmulo de capital, passou gradualmente a investir numa nascente industrialização, pelo

menos no Sudeste.

Simultaneamente a esse cenário, o país precisava conviver com uma crise

mundial concomitantemente a crise de suas próprias oligarquias rurais – que atingiu em

cheio a produção cafeeira devido a chegada gradual da industrialização, o consequente

aumento da urbanização e, por fim, a crescente consolidação da classe operária. Além

disso, é preciso que não se esqueça que esse conjunto de fatores, todavia, se deu em

meio ao advento do processo (que era reflexo de um movimento global) da

modernização. Assim, também no Brasil, como pensa Le Goff (1990, p.185), a questão

do “moderno” foi posta paralelamente a da identidade nacional e não tardou para que as

instituições, também as educacionais, fizessem parte da implementação da tal

modernidadeII a ser efetivada.

Foi neste interim que mais tarde, em 1930, o Brasil viveu uma revolução que

possibilitou a tomada de poder, por uma nova elite, a industrializante, representada, à

ocasião, por Getúlio Vargas. Esse foi o marco de um novo momento para a República

brasileira no qual passou a predominar a modernização cunhada ainda num sistema

político elitista, mesmo que com maior participação popular.

II Para maiores reflexões acerca das questões que envolvem a discussão sobre modernidade, modernismo

e o moderno no Brasil, consultar, dentre outros, Le Goff (1990) e Mate (2002).

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No tocante a Paraíba, essa tendência modernizadora também pôde ser observada,

tanto de um ponto vista mais amplo – econômico, comercial, social, cultural – como,

principalmente, do ponto de vista educacional, fazendo com que a Educação também

sofresse pressão a fim de colaborar no preparo de um novo homem, para uma nova

sociedade, a moderna.

...a preparação de uma nação moderna, com o trabalho agrícola

avançado e técnico, com a produção mineira e fabril em fase de

industrialização crescente, e com os serviços de transportes e de

comunicações, de assistência médica e social, de educação e de justiça

etc, elevados a níveis consideráveis de especialização e complexidade.

Tal sociedade se faz toda ela tecnológica, exigindo para seu

funcionamento um nível escolar considerável para toda a população

(Teixeira, 1994, p.14)

Neste contexto, em esfera Nacional e também Estadual, quando se tratou de

Educação, o que representou com mais veemência essa modernidade foi o advento e a

força com que a concepção pedagógica trazida pela Escola NovaIII tomou os debates

educacionais no país.

Os pressupostos teórico-metodológicos da Escola Nova começam a melhor

influenciar a educação no Brasil após a Primeira Guerra Mundial, quando nosso país

estreitou os laços comerciais com os EUA. Esse aumento de contato comercial nos

trouxe também transformações culturais, uma vez o que estilo de vida norte americano

passou a ser bastante difundido em solo brasileiro. Dessa forma, a influência educativa

dos EUA também começou a nos alcançar por meio da leitura que esse país Norte

Americano propunha acerca do Movimento da Escola Nova, principalmente sob a

perspectiva dos olhares de John Dewey e William Kilpatrick. O “encontro” dessa

perspectiva escolanovista com o clima de otimismo pedagógicoIV que se vivia no Brasil

III Em linhas gerais pensamos que é preciso dizer que a Escola Nova no Brasil dos anos 1930 (que já era

discutida desde a década anterior) era tida moderna, reformadora e renovadora, pois, propunha, dentre

outros aspectos: a laicização do ensino, o ensino público, gratuito e para todos de maneira democrática,

considerando os regionalismos e com intuitos profissionalizantes baseado numa filosofia extremamente

pragmatista, que valoriza a ação por meio da experiência. IV O otimismo pedagógico no Brasil, segundo Ghiraldelli Junior (2001), “centrava suas preocupações na

reorganização interna das escolas e no redirecionamento dos padrões didáticos e pedagógicos”. Essa é

uma perspectiva menos preocupada com o quantitativo educacional do que com a qualidade com que a

Educação deveria ser ofertada ao povo.

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favoreceu a ampla disseminação dessa nova concepção educativa para os brasileiros. E,

além disso tudo, foi possível perceber que, no Brasil, a Escola Nova muito mais do que

uma indicação pedagógica, tomou corpo, diferente da maioria dos países em que se foi

proposta, de política pública educacional - o que em muito fomentou um ciclo de

reformas educativasV estaduais que foi levado a cabo combatendo principalmente a

Pedagogia Tradicional. Assim, o escolanovismo, no Brasil, ficou conhecido de muitas

formas, dentre elas: Escola Ativa, Progressista, Formadora ou pragmatista Deweyana.

Além das inovações pedagógicas que propunha, essa propositura educacional foi muito

debatida no país principalmente por que, além de ser pensada como possibilidade real

de política pública educacional nacional, fazia frente a tida escola Tradicional, que se

encontrava majoritariamente espalhada pelo paisVI.

Na tentativa de melhor elucidar os distanciamentos entre ambas as perspectivas

educacionais no caso brasileiro, Ghiraldelli Junior (2001) demonstra alguns aspectos

das divergências entre essas concepções que nós aqui resolvemos sistematizar em forma

de quadro afim de facilitar compreensão e reflexão

Quadro 01:

Distanciamentos entre as perspectivas pedagógicas antagônicas em questãoVII

Escola Tradicional/Conservadora Escola Nova/ reformadora

Geralmente associava-se aos interesses e

aspirações das oligarquias e da Igreja

Católica.

Geralmente associava-se a movimentos da

burguesia e da classe média em prol da

modernização da sociedade e do Estado.

Foi composta por substratos de modernas

teorias pedagógicas alemãs e americanas

O movimento influenciado por John Dewey

enfatizava “métodos ativos” de ensino-

V A expansão das perspectivas da Escola Nova no país, inspirou muitas das reformas educativas que

aconteceram em vários Estados brasileiros, quais sejam: a de 1920 – realizada por Sampaio Dória realizad

em São Paulo; a de 1922-1923 – realizada por Lourenço Filho no Ceará; a de 1924 – por Anísio

Teixeira realizada na Bahia; a de 1925-1928 – realizada por José Augusto Bezerra de Menezes no Rio

Grande do Norte e as de 1927-1928 realizada por Lisímaco Costa no Paraná, Francisco Campos em

Minas Gerais e a da capital da República, liderada por Fernando de Azevedo nos anos de 1927-1930. VI A crítica que se fazia a tida Escola Tradicional (e muitas vezes ainda se faz) dizia respeito

principalmente quando as práticas desta, pois por meio delas o “professor ensina, fala, sabe, disciplina

enquanto que os alunos aprendem, escutam, nada sabem, são disciplinados” Freire (2016). Ou seja, essa é

uma pedagogia que favorece, segundo os escolanovistas, uma escola passiva, expositiva, memorizadora e

formalista. VII Para maiores minúcias acerca do que foi apresentado no Quadro 01 indica-se a consulta Ghiraldelli

Junior (2001).

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condensadas no conhecido herbatismo, de

J.F.HerbartVIII

aprendizagem.

Interesse e motivação dos alunos eram frutos

de pensamentos ideativos, logo, resultado dos

processos de ensino aprendizagem.

Interesse e motivação dos alunos eram as

condições básicas para o início do processo

de ensino aprendizagem.

Herbart preparou os famosos “cinco passos

formais de ensino”:

1.preparação do conteúdo

2.apresentação do conteúdo

3.associação do conteúdo

4.generalização do conteúdo

5.aplicação do conteúdo

Dewey propõe “cinco passos para o

funcionamento do raciocínio indutivo”:

1.consciência do problema

2.coleta de dados e análise dos elementos

3.sugestões de solução dos problemas

4.desenvolver sugestões e experiências

5.recusa ou aceitação das soluções propostas

FONTE: Ghiraldelli Junior (2001, P.20-29).

Diante dos distanciamentos observados entre as duas principais tendências em

questão à época compreende-se melhor os motivos de tantos embates entre os

conservadores – tradicionais, geralmente representados pela Igreja – e os liberais –

representados pelos escolanovistas.IX

Reforçando esse cenário de densidão e conflitos educacionais paraibanos

Kuleska também contribui na apresentação de uma Paraíba, nos idos anos 1930, que

seguia a tendência Nacional de grande investimento em educação popularX

Num contexto nacional marcado pelas escolhas das constituintes

federal e estadual, nas quais as demandas por educação tinham um

papel destacado, não só em termos ideológicos, mas também em

termos eleitorais, o impulso educacional em prol da educação primária

ia se mantendo, apesar de seu apelo original estar claramente

direcionado para uma sociedade urbano-industrial. (KULESKA, 2001,

pg.2)

VIII A teoria do herbatismo, apesar de ser uma pedagogia laica, foi muito utilizada por educadores

católicos que dela se apropriaram, como é o caso de Otto Williann, educador muito citado pelos

educadores conservadores. No caso brasileiro também foram acopladas às teorias de herbatismo as teorias

de Pestalozzi e as positivistas, que, juntas, genericamente pode-se dizer, formavam as características

gerais relativamente homogêneas da Pedagogia Tradicional brasileira. IX O maior defensor paraibano, à época, e representante desta última, foi José Baptista de MelloIX que

tinha fortes e explícitas orientações/inspirações na Escola Nova. Mello foi ex-aluno da Escola Normal,

fundador da Sociedade dos Professores Primários, editor na década de 1920 da revista O Educador,

diretor da Instrução Pública de 1931 a 1935, criador da Revista do Ensino em 1932, criador das Semanas

Pedagógicas a partir de 1933 no Estado e Primeiro diretor da Escola de Aperfeiçoamento de Professores

da Paraíba em 1934. X Tomando-se apenas os dados censitários, verifica-se que enquanto a população total no país aumentou

34% de 1920 a 1940, a matrícula no ensino primário cresceu 300%. Nenhum período da história da

educação brasileira conhecera até então – 1932-1936 – um crescimento efetivo da mesma envergadura

(Romanelli, 1980, pg. 57).

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Entretanto, o autor também faz coro à historiografia paraibana no sentido da

observação do complexo contexto no qual essa tendência se desenrolava na Paraíba pois

conviviam neste Estado as liberais orientações de José Baptista de Mello, a força da

tradição da educação católica e os interesses preeminentes das oligarquias rurais

...as hostes católicas no Estado eram lideradas pelo Monsenhor Pedro

Anísio, que publica em 1933 seu Tratado de Pedagogia, já no interior

da disputa entre católicos e liberais acerca do papel do Estado na

Educação, contendo forte crítica aos partidários da Escola Nova. Por

outro lado, refletindo o pensamento das oligarquias de base rural, o

companheiro de Mello no Serviço de Estatística Educacional,

Sizenando Costa, defende na Revista de Ensino em 1934, órgão oficial

do Departamento de Educação do Estado, a necessidade de se criar na

Paraíba uma Escola Rural Modelo, exatamente para aprimorar a base

produtiva da economia paraibana (Pinheiro, 2001, pg.186). Como se

vê, a redistribuição produtiva encabeçada pelo capital industrial do

Sudeste em curso no Brasil a partir de 1930 demorou a ser assimilada

pela oligarquia local. (KULESCA, 2001, pg.3)

Neste contexto, em 1931 o país passou por uma grande reforma educacional,

conhecida como Reforma Francisco Campos, que esteve sob responsabilidade do

Ministro da Educação e Saúde. Todavia, no que tangia o Ensino Normal ela não

apresentou mudanças consistentes, uma vez que esse nível de ensino seguiu sendo de

responsabilidade e competência dos Estados – herança imperial e do Ato Adicional de

1834 nele ocorrido. Por isso que nos parece que mesmo nestas circunstâncias (e após a

criação em 1930 do Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública) somente

com a Constituição de 1934, através do Plano Nacional de Educação/ PNE, o país

conseguiu definir que caberia a União, dentre outros deveres, a fiscalização,

coordenação e difusão no país do ensino em todos os níveis e graus e nos parece que foi

nessa oportunidade oficial que a União tratou de conduzir a Educação sutilmente para

os fins a que lhe interessavam.

Com a Constituição de 1934 e diante dessa incipiente, mas estimulante

organização da Educação, no Brasil foi publicado em 1932 o Manifesto dos pioneiros

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da Educação NovaXI. Esse importante documento, assinado por relevantes educadores e

intelectuais brasileiros à época, foi também usado como arma política na busca por uma

consistente reforma do sistema educacional do país que solicitava ao Estado o

cumprimento de seu dever histórico, ainda não assumido – segundo o documento - de

educar a todos dando-lhes iguais oportunidades. Para tanto, o Manifesto apresentava,

inclusive, um plano de reconstrução da educação nacional.

Dentre tantos pontos relevantes presentes e discutidos neste Manifesto, nos

deteremos nesse artigo, ao que chama atenção para a necessidade de uma outra

formação para o docente no Brasil, uma formação preocupada em elevar verticalmente

o nível cultural dos professores não só de maneira geral no nível secundário, mas com

formação universitária, superior, conforme demonstra o trecho abaixo

Da elite culta do país deve fazer parte evidentemente o professorado

em todos os graus, cuja preparação geral se adquirirá nos

estabelecimentos de ensino secundário. Devem no entanto, formar seu

espírito pedagógico, conjuntamente, nos cursos universitários, em

faculdades ou escolas normais, elevadas ao nível superior e

incorporadas à universidades (...) a formação universitária dos

professores não é somente uma necessidade da função educativa, mas

o único meio de, elevando-lhes em verticalidade a cultura, e abrindo-

lhes a vida sobre todos os horizontes, estabelecer, entre todos para a

realização da obra educacional, uma compreensão recíproca, uma vida

sentimental comum e um vigoroso espírito comum nas aspirações e

nos ideias. (Manifesto dos pioneiros da educação, 1932, p.9) – grifos

nossos.

É preciso lembrar que até esse momento da História da Educação brasileira, a

instituição formal que respondia oficialmente pela formação docente primária no país

ainda era a Escola Normal. Essa instituição de formação docente não foi criada no

Brasil, pois, ainda em 1794, pós Revolução Francesa, ela surgiu naquele país ocidental.

No caso brasileiro, foi somente no período Regencial (1831-1840) que a primeira

Escola Normal surgiu em Niterói/RJ por meio do Ato nº10 de 01/04/1835.

XI Para acesso a esse documento é possível busca-lo virtualmente em: Manifesto dos Pioneiros da

Educação Nova – a reconstrução educacional no Brasil ao povo e ao governo (1932). Disponível em

www.pedagogiaemfoco.pro.br..

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Mergulhado nessa conjuntura, Anísio TeixeiraXII, um dos principais mentores do

Manifesto e nesta ocasião Diretor da Instrução Pública do Distrito Federal no Brasil,

propôs no estado do Rio de Janeiro uma “transformação ampliativa” da antiga Escola

NormalXIII, quase 100 anos após sua criação, transformando-a no primeiro Instituto de

EducaçãoXIV do país com vistas de melhorar e qualificar a tão necessária formação

docente brasileira.

2. Desenvolvimento:

2.1 Pensando uma instituição de Educação

Neste momento pensamos que se faz necessário esclarecer que compactuamos

da perspectiva desse pensador quanto ao fazer do historiador no caminho da

“reconstrução histórica”, pois, assim como ele, pensamos que

O objeto do historiador não é construído por ele, enquanto

pesquisador. O que lhe cabe construir é o conhecimento do objeto e

não o próprio objeto. E construir o conhecimento do objeto não é

outra coisa senão reconstruí-lo no plano do pensamento (Idem, p.15)

Neste sentido, o que temos tentado fazer neste texto é a reconstrução histórica do

o Instituto de Educação da Paraíba de maneira sintética e sistematizada. Todavia, para a

melhor aproximação e trato com o objeto de estudo em questão, o IEP, adentraremos a

uma reflexão analítica de fundamental importância que nos direcionará os olhares para o

manejo com o mesmo.

Essa reflexão perpassa a necessidade premente de tentar definir e conceituar qual

a nossa ideia de instituição, enquanto categoria de análise. Entretanto, essa não é tarefa

XII Aproximar-nos de Anísio Teixeira e sua primeira experiência de Instituto de Educação nos parece ser

fundamental já que muitos são os indícios que apontam para o Instituto do Distrito Federal como a

principal referência para a experiência do IE na Paraíba. Foi devido ao contato de Anísio a partir de 1927,

por meio de sua pós-graduação nos EUA, que seu olhar parece ter encontrado em meio ao universo

educacional um foco central. Isso deveu-se, principalmente, ao tempo que passou junto com educador e

filósofo norte americano John Dewey e a sua perspectiva pragmatista de pensar a Educação. Teixeira foi

aluno, orientando e tradutor de algumas obras de Dewey no Brasil. Em 1931 Teixeira assumiu a Diretoria

da Instrução Pública do Distrito Federal função por meio da qual realizou considerável reforma na rede de

ensino integralizando-a da escola primária à Universidade. Neste contexto surge o Instituto de Educação

do Rio de Janeiro. XIII Mais sobre essa temática, principalmente na perspectiva paraibana, consultar Rose (2010). XIV O termo Instituto de Educação, daqui em diante, pode ocasionalmente ser escrito por sua abreviação

IE, assim como o Instituto de Educação da Paraíba também poderá aparecer no decorrer do texto como

IEP, segundo sua abreviação oficial.

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fácil, uma vez que muitas podem ser as leituras a essa categoria direcionadas. Neste

artigo, todavia, preferimos entende-la, inspirados em Saviani (2007), como um lugar de

educação no qual aglutinam-se pessoas em torno de determinados procedimentos,

ordenando o que estava disperso, com objetivos de formação dos seres vivos e

favorecimento à criação.

Assim, definida essa questão, partimos para a necessidade, no caso do nosso

estudo, de associar a primeira categoria, instituição, a outra: escolar – termo

proveniente da ideia de escola. Também nesse caso foi preciso fazer uma escolha de

leitura do termo que pareceu-nos responder nossa necessidade, qual seja:

Pensar a definição de “escola” indissociada da ideia de “educação”

não parece possível, pois se concebe neste estudo a ideia de escola

como lugar de promoção de educação (...) Assim, decidiu-se

compreendê-la [a educação] como um processo de desenvolvimento

humano no qual se adquirem experiências de acordo com as

necessidades do tempo e do espaço em que se vive, a fim de integrar

socialmente o indivíduo. Nessa direção é que se percebe a escola

regular formal como apenas mais um espaço difusor de educação, mas

não o único. (Teixeira, 2012 p.33)

Neste ensejo, encaramos também a instituição escolar não só como aquela que

ficou reservada à função de reproduzir desigualdades sociais do sistema capitalista –

como pensam muitos os historiadores da educação marxistas. Mas comungamos da

leitura de Antonio Gramsci quando diz que a escola pode ser, em certa, medida

Transformadora, sempre que possa proporcionar as classes subalternas

os meios iniciais para que, após uma longa trajetória de

conscientização e luta, se organizem e se tornem capazes de

“governar” aqueles que as governam (MOCHCOVITCH, 1988, p.02

Escolhemos encarar a instituição escolar como um espaço que pode possibilitar

aos sujeitos das mais diversas classes sociais, sobretudo das subalternas, uma condição

de esclarecimento e de conhecimento de seus direitos e deveres em uma sociedade

moderna que os torne mais críticos e proativos socialmente.

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Logo, assim como Gramsci, não pretendemos negar a função reprodutora e

produtora de conformismo e adesão também presentes na instituição escolar, mas

preferimos lê-la priorizando sua outra capacidade: a de levar esclarecimento e, por

consequência, elevação cultural às massas. Dessa forma, e, na medida do possível,

iremos considera-la sempre nessa sua dupla dimensão.

Gramsci, conforme lembra MOCHCOVITCH (1988), esteve menos preocupado

em interpretar o mundo do que em transforma-lo e é por isso que acreditamos ser esse

um bom interlocutor para as reflexões sobre a implementação dos Institutos de

Educação uma vez que o maior mentor desses Institutos no país, Anísio Teixeira,

também parecia ter essa preocupação primeira, transformar.XV

Mas seria possível aproximar Antonio Gramsci, um intelectual assumidamente

de esquerda que refletiu sobre perspectivas de transformações sociais a partir de um

contexto italiano fascista do início do século XX, de Anísio Teixeira, que defendeu

também durante o século XX transformações sociais, mas numa perspectiva muito mais

liberal inspirada em muitos sentidos na sociedade norte americana? Pensamos que sim,

pelo menos no que nos interessa: a discussão da educação, e mais especificamente da

instituição escolar, como promotora de uma outra consciência educacional e como

instrumento de transformação de comportamento de pessoas através do acesso ao

conhecimento e a consequente elevação cultural.

A cultura é um bem em si mesmo a ser adquirido pelas vantagens

diretas que oferece e não em virtude de “direitos” que a lei venha

XV Acreditamos que Anísio se aproxima de Gramsci também em outro aspecto – que entendemos como

improcedente e contraditório – quando uma vez que por muitos, em seu tempo, (principalmente e

veementemente pelos católicos conservadores) ele foi/é interpretado como tendo sua inspiração

educacional nas teorias de Marx e no materialismo histórico, viga mestra do comunismo. Acusavam-no

principalmente de pregar o monopólio estatal da Educação como forma de revolução social através da

escola e que, em consequência disso, Anísio seria inimigo da educação privada e, portanto, também das

instituições religiosas por ela responsáveis - o que redundaria no laicismo do ensino. Por anos, Anísio foi

perseguido pelos educadores tradicionais que o taxavam, dentre outros adjetivos, de “comunista”,

“excessivamente democrático”, defensor de uma educação “agnóstica e materialista”. Mas o educador

sabia que por trás dos ataques pessoais a sua pessoa estava um duro embate entre projetos antagônicos de

educação no país, o da escola pública e o da escola privada. Assim, ele ressentia-se, pois, acreditava que

seu pensamento era “tendenciosamente” deturpado. Aqui inferimos que o problema, no fundo, era que

pensar uma educação para todos era ameaçar a tradicional divisão social reproduzida pela educação do

país até então: elite intelectual X massa trabalhadora braçal, o tal “dualismo educacional” tão combatido

por Anísio.

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acrescentar aos títulos que a pressuponham. (TEIXEIRA, 1994,

pg.116)

Como vimos, no caso do Brasil e da Educação, essa aquisição cultural estava

sendo proposta com maior ênfase pelos pioneiros da Educação Nova, todavia, a

assimilação do pragmatismo no Brasil também não foi homogênea, variadas leituras

foram feitas dele. Uma das mais aceitas o percebia como uma propositura de escola

“não-dualista”, “progressiva” e “experimental”, pensando-a como a única metodologia

capaz de se constituir um agente de mudança cultural, consequentemente, capaz de

contribuir para a formação de uma consciência comum favorável ao desenvolvimento.

(MENDONÇA, 2005, pg.17).

Nesse interim é relevante a lembrança de que para John Dewey, o teórico

inspirador de Anísio, a escola pública não seria apenas uma instituição transmissora de

cultura, nem tampouco de adaptação do ser humano à sociedade existente, mas, sim, um

meio de melhoria social.

Nessa perspectiva Anísio nos mostra em seus registros que o que propõe e

defende, inclusive por meio do Manifesto, não se tratava de uma simples substituição do

direcionamento pedagógico no país, mas de uma renovação do racionalismo tradicional,

naquilo em que ele se mostrava insuficiente – grifos nossos. Nisso o vemos um tanto

distante de Gramsci uma vez que enquanto Anísio, balizado em seus referenciais

liberais, pensa a educação, mas no melhoramento, reordenando o que está posto (mesmo

que ousando em suas dimensões, nunca antes vividas neste país) para favorecer a

demanda de modernidade nacional e seu consequente desenvolvimento, Gramsci fala

explicitamente em esclarecimento, ascensão cultural, crítica ao senso comum também

pela escola, mas para a transformação, não apenas para o melhoramento – grifos

nossos. Ou seja, entendemos que melhorar, para Gramsci, seria transformar

completamente, enquanto que para Anísio, seria reconstruir, mas somente o que

considerava insuficiente – mesmo que isso fosse boa parte do todo.

Adentrando ainda mais nessa seara percebemos, focando na escola em sua dupla

dimensão – a de reprodutora do sistema e a de possibilitadora de esclarecimento, que

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Gramsci reflete também sobre a dimensão ideológica da dominação, que a nosso ver

tem terreno fértil em ambiente escolar. Esse intelectual, todavia, subdivide essa

dimensão ideológica da dominação em dois momentos: a dominação econômica (que é

a do capital sobre o trabalho, gerando a exploração dos subalternos) e a dominação

político-ideológica (que se faz tanto por meio da repressão estatal como pela dominação

ideológica, que produz consensos sociais que favorecem a aceitação da direção dada

pela classe dominante à sociedade). Além disso, o teórico demonstra que a dominação

acontece tanto pela interiorização da ideologia dominante, como pela ausência de uma

visão de mundo coerente e homogênea que não esteja tão ligada ao folclore, religião e

ao senso comum por parte das classes subalternas. Por esse motivo, Gramsci diz que é

muito difícil que os subalternos alcancem autonomia, enquanto se encontrarem

subordinados ideologicamente e, consequentemente intelectualmente. Se, para o teórico,

a base que sustenta e unifica essa dominação ideológica das massas é o senso comum,

então para ele esse tal senso precisaria ser combatido.

O ideal, para Gramsci, seria substituir o senso comum, visão de mundo reinante

entre a classe subalterna, que é ocasional, desagregador, inconsciente e conformista –

funcionando quase no plano da crença e fé - pelo bom senso, que é coerente,

homogêneo, consciente. Por essa razão, como não pensar na instituição escolar como

um dos ambientes favoráveis para a promoção da autonomia e criticidade que Gramsci

diz ser imprescindível para que seja rompida a aceitação cega e a obediência irracional

ao senso comum em prol do advento de sujeitos afeitos ao bom senso coerente e

homogêneo? E mais, como não pensar que essa superação do senso comum na

propositura da formação dos sujeitos mais críticos e autônomos tem tudo a ver com as

orientações educacionais indicadas por Anísio Teixeira, e pelos pioneiros da Educação

Nova nos anos 1930 para o Brasil, por meio de uma escola que não deveria ser

privilégio e que seria canal de desvelamento de habilidades individuais utilizadas em

prol do progresso e do desenvolvimento do país?

...para criar-se uma escola capaz de introduzir as novas técnicas de

produção requeridas pelo desenvolvimento em ser, e não apenas

habilitar o indivíduo a delas aproveitar-se para a fruição e gozo mais

ou menos inteligente. A modificação necessária para isso não é fácil,

importanto em escolas muito mais caras em instalações, equipamento,

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tempo letivo e, sobretudo, servidas por um novo professor, cujo

preparo, para se fazer aceleradamente, exigiria esforços equivalentes

aos do preparo dos quadros de um exército moderno, ante uma guerra

em curso. (TEIXEIRA, 1994, pg.171)

Gramsci delineia caminhos de ascensão cultural dos sujeitos que os levem a

transformação do sistema econômico. Anísio pensa no melhoramento desses sujeitos,

entretanto associado ao desenvolvimento do sistema econômico. Muitos podem

analisa-los preferindo focar em seus antagonismos, se observarem claro, apenas o fim

de seus propósitos. Aqui, no entanto, escolhemos olhar esses dois grandes pensadores

em suas aproximações quanto a importância que ambos deram ao desenvolver

intelectual, cultural e esclarecedor dos indivíduos para que esses se tornem críticos e

autônomos enquanto sujeitos por meio da Educação. Ou seja, é na proposição de um

viés social da Educação que os encontramos.

Ambos, Gramsci e Anísio, em seus contextos, estão embebidos de

intencionalidades políticas e econômicas quando apresentam suas argumentações. Mas

o fato é que, ainda assim, não nos parece que há como negar a convergência de

pensamentos entre eles quanto a relevância do papel do acesso à cultura na vida e

comportamento dos sujeitos independente do uso que esse sujeito de fato faça com o

que adquiriu.

O desenvolvimento crítico das concepções de mundo proposto por Gramsci se

dá, segundo o teórico, por meio da filosofia da práxis – que acontece inicialmente com a

crítica ao senso comum e posteriormente à crítica das filosofias dos intelectuais,

atualizando-as e sustentando-as. Dessa forma, quem seria o sujeito, segundo Gramsci,

responsável por levar às massas a prática da tal filosofia da práxis? O intelectual

orgânico, a partir da prática cotidiana das massas e de sua experiência. Esses

intelectuais deveriam procurar, dessa forma, elevar a consciência dispersa e

fragmentária das massas ao nível de uma concepção de mundo coerente e homogêneo.

No nosso contexto, pensamos que o intelectual orgânico descrito nas teorias de

Gramsci se faz no ambiente escolar formal principalmente pela figura do professor, mas

do professor preparado, formado e consciente do papel “revolucionário” que tem no

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favorecimento de um ambiente de vivências, experiências e reflexões que levem seus

alunos ao esclarecimento, à cultura. Neste sentido, tanto Gramsci como Anísio pensam

em seus intelectuais orgânicos/professores como os canais para a elevação da

consciência do senso comum à consciência filosófica das massasXVI.

Neste bojo, não há como relegar a importância das instituições escolares

responsáveis pela formação desses professores, aqui lidos por nós como potenciais

intelectuais orgânicos, não importando em que nível educacional atuassem, uma vez

que eles deveriam ser uns dos maiores catalizadores para a transformação dos sujeitos

tendo como instrumento principal a educação.

2.2 Uma perspectiva de leitura quando da constituição de uma Instituição escolar

Somada ao esclarecimento do tipo de leitura conceitual que faremos sobre a

Instituição Escolar que é nosso objeto neste estudo, o IEP, pensamos ser também

necessário, mesmo que brevemente, compreende-lo em sua particular sistemática de

organização a fim de melhor entender o processo que o configurou.

Nesse sentido, e para efeitos de reconstrução histórica do IEP, por meio da

propositura de Magalhães (2004, p.133-169) trazemos abaixo seu esquema figurativo

que, segundo esse autor, descreve etapas pelas quais passam as instituições escolares,

com as quais concordamos.

Quadro 02: Demonstração das fases pelas quais passa uma instituição

segundo Magalhães (2004)

Etapa Fase Descrição

1. Instituir Da materialidade A escola já está instalada. Há suporte

físico para as práticas educativas.

2. Institucionalizar Da representação Apresenta o papel desempenhado pela

Instituição. São seus modelos, currículos,

XVI Todavia, é importante que não se simplifique o processo. O intelectual orgânico não surge

eventualmente, precisa ser também formado. Para tanto, e ainda assim, mesmo num contexto brasileiro de

incentivo a pedagogia moderna em 1932 e às práticas desse tipo intelectual, Vidal (2001, p.36) nos mostra

situação de resistência docente, no IE do Distrito Federal – referência para o país como local de

favorecimento do “novo fazer pedagógico” – quando trás o seguinte relato de entrevista: “Nem todos os

professores seguiam a Escola Nova. No dizer de D. Helena (ex-aluna entrevistada), os “empistolados”

ou aqueles que não faziam parte da “patota do Anísio Teixeira” continuavam com suas aulas

tradicionais, “de cuspe”. Para sua turma, havia três tipos de professores no Instituto: os “cultos”, os

“semicultos” e os “empistolados”.

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planejamentos, estatutos. Antecipa o ideal

daquilo que deverá constituir a atividade

própria da instituição.

3. A Instituição Da apropriação São as práticas pedagógicas propriamente

ditas. É a aprendizagem que possibilita a

incorporação do ideal pedagógico.

É a definição da identidade do sujeito e da

instituição.

FONTE: Saviani (2007, P.25

A relevância da apresentação do quadro acima, e das reflexões que Magalhães

(2004) propõe através dele nesse estudo, é fundamental primeiro porque foi partindo

desse pressuposto que tentamos reconstruir os muitos movimentos educacionais feitos

em prol dos Institutos de Educação no país, e especialmente na Paraíba, e depois porque

foi esse esquema que nos despertou para questões cruciais para os debates seguintes,

quais sejam: apenas o ato de criação legal de uma instituição já a institui em si? Pode-se

dizer institucionalizada uma instituição que, até onde foi possível apurar, nem

oficialmente nem legalmente apresentou a sociedade documentos que demonstrem sua

representação? Como lidar com uma instituição oficial aparentemente despreocupada

em institucionalizar-se formalmente?

Essas e tantas questões demonstram a complexidade do estudo e análise do

Instituto de Educação da Paraíba que em alguns períodos de sua existência parece ter

funcionado, na prática, com muito pouco ou quase nada de orientação formal e

institucionalização legal, concidentemente numa conjuntura de resseção política

(iniciada durante a Ditadura do Estado Novo /1937-1945/ e de seus reflexos na política

estadual) que parece ter interferido diretamente para essa situação - e, infelizmente,

para a atual realidade de raros registros documentais salva guardados da época na

própria instituição, devido a um incêndio vivido no IEP durante a Ditadura MilitarXVII.

Some a isso a dificuldade de encontrar documentação oficial ou legal do mesmo

XVII Essa informação foi obtida informalmente com funcionários do IEP em 2015 quando interpelados

quanto a ausência da documentação particular da instituição, principalmente anterior aos anos 1950.

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período, de uma maneira geral, nos arquivos por onde já estivemosXVIII e entenda

melhor a breve reflexão que apresentaremos daqui em diante.

2.3 O Instituto de Educação do Rio de Janeiro

Parece não haver outro caminho que nos leve ao IEP, se não aquele que tem

como primeira parada o IE do Rio de Janeiro/Distrito Federal já que este foi, ao que

tudo indica, a maior inspiração para o que se deu em terras paraibanas.

O primeiro Instituto de Educação do Brasil foi o carioca, criado em 1932 sob os

auspícios do então Diretor Geral da Instrução Pública do Distrito Federal/Rio de

Janeiro, Anísio Teixeira. As primeiras informações que nos chegaram sobre o

funcionamento cotidiano dessa instituição no Distrito Federal se deu por meio do

Relatório de viagem de José Baptista de Mello de 1935 publicado na Paraíba pelo jornal

“A União”. Como Diretor da Instrução Pública, Mello foi enviado ao Distrito Federal

para observar a organização educacional desse centro de referência no país. No tocante

aos nossos interesses, focamos no seu relato quanto a formação de professores através

do Instituto de Educação.

De acordo com o que foi observado no Rio de Janeiro percebemos Mello

encantado com o que estava encontrando do ponto de vista da renovação educacional e

de sua reorganização, em muitas medidas, bastante aproximadas do que pretendia a

Escola Nova. No caso carioca, o cenário parecia bastante favorável naquele momento ao

escolanovismo, uma vez que Anísio era o Diretor do Departamento de Educação e

Lourenço Filho o diretor do Instituto de Educação do Rio – ambos declarados

defensores da metodologia da Escola Ativa. Aliada a influência desses dois pioneiros da

educação estava as suas inserções em cargos administrativos/políticos da Educação

daquele Estado transformando muito do que o Manifesto indicou em efetiva política

educacional. Segundo Mello, a presença dessa nova política influenciara os cariocas do

XVIII Do ponto de vista metodológico este estudo está assentado na pesquisa documental, realizada,

prioritariamente, no Arquivo do próprio IEP, no Arquivo Histórico Waldemar Bispo Duarte, do Estado da

Paraíba, vinculado à Fundação Espaço Cultural – FUNESC, no Instituto Histórico e Geográfico Paraibano

(IHGP), no acervo documental particular Maurílio de Almeida recentemente aberto à pesquisas e ainda

sob sistematização, ao Arquivo Afonso Pereira – alimentado majoritariamente por documentação de

acervo particular do intelectual e mantido aberto ao público com zelo exemplar além das consultas setor

de Obras Raras da Biblioteca Central da Universidade Federal da Paraíba.

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aparelhamento escolar, cuidados com a saúde dos alunos à renovação do professorado.

Quando o foco de Jose Baptista de Mello foi a formação docente e o pessoal do ensino

muito pôde observar no Rio, principalmente através do Instituto de Educação. O

estabelecimento dirigido por Lourenço Filho recebia professores que convergiam dos

mais diversos Estados no país e contava com um operoso Arquivo de publicações

internas que informava sobre sua organização e cotidiano. Assim, chamava atenção o

cuidado institucional com sua função de arquivo de dados para pesquisas educacionais e

possível sensibilização do pensamento pedagógico brasileiro.

O segundo contato com o intramuros do Instituto de Educação do Rio de Janeiro

se deu pelo acesso ao livro de tese O exercício disciplinado do olhar: livros, leituras e

práticas de formação docente do Instituto de Educação do Distrito Federal (1932-

1937) da professora Diana Vidal. Dentre outras e profundas análises o livro expõe as

práticas de Inquérito, (nucleares no Programa Institucional), o regime disciplinar

institucional subvertido por táticas sutis, dispositivos de formação docente vazados

pelos preceitos da Educação Nova e a maneira como o livro e a leitura tinham atenção

especial. O objetivo maior seria, portanto, apresentar as forças e limites do programa de

formação docente institucionalizando-se na Escola de Professores daquela instituição

nos anos 1930.

Muitas foram as semelhanças encontradas nas descrições entre o relatório de

Mello e as análises de Vidal (2001) – não esquecendo, claro, o fato de um documento

ser um relatório e o outro ser uma tese de doutoramento e por isso mesmo ressalvamos

aqui as devidas proporções. Todavia foi Vidal (2001, pg. 19) que nos confirmou com

mais clareza e assertividade que foi no IE do Distrito Federal que pela primeira vez, a

formação do magistério era elevada ao nível superior. Ou seja, exigia-se a frequência

ao curso secundário para o ingresso na Escola de professores. Além disso, a autora

seguiu inferindo, após observação das atividades ali desenvolvidas, sobre a possível

gestação de princípios de uma nova cultura profissional docente.

Dessa forma, a aproximação com a reconstrução histórica do cotidiano e

organização do IE carioca, declaradamente fonte de inspiração para o Diretor da

Instrução Pública à época tanto por meio do relatório de Mello como pelas análises de

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Vidal foram fontes de ricas reflexões de interface entre o que aconteceu na capital

federal e o que se desenvolveu na Paraíba, logo, foi a partir dessas leituras que

chegamos às novas inquietações que apontamos a seguir.

2.4 O Instituto de Educação da Paraíba: outra leitura das abordagens clássicas

Como sabemos, quando o assunto é Escola Nova nos anos 1930 na Paraíba, o

Diretor do Ensino Primário, José Baptista de Mello que, foi o seu maior representante.

Segundo Pinheiro (2002 p.186), foi “[...] bastante receptivo aos processos educacionais

e de ensino, ou seja, a ideia era dar à escola paraibana um teor mais prático, mais

utilitário seguindo os ideais propostos pelo Manifesto”.

Dessa maneira, sabemos que havia harmonia entre a condução dada por Mello

na Paraíba e pelos educadores que representavam o pensamento escolanovista à nível

nacional - dentre outros preceitos uma das principais orientações era que não deveria

haver efetivação dos novos e modernos ideais da Escola Nova no país sem a formação

de um novo e moderno professor, intelectual orgânico, que precisava ser reconhecido,

valorizado e formado como tal.

Assim, atuando constantemente em favor da Educação paraibana José Baptista,

ainda em função do supracitado cargo, foi enviado pelo Governador do Estado da

Paraíba em 1935, Argemiro de Figueiredo, para realizar visitas de observação e estudo

de a organizações escolares no Rio de Janeiro e em São Paulo que resultaram no já

supracitado minucioso relatório de viagem e um “Plano de Reforma” da instrução

pública na Paraíba.

Não obstante, o “Plano de Reforma” posto oficialmente por Mello em agosto

daquele ano já apresentava visíveis diferenças entre o que ele observou e relatou

minuciosamente tanto no Rio como em São Paulo, e o que ele planejara para a Paraíba.

Pensamos, a priori, que isso se dá pelo que o próprio justifica

Estudando cuidadosamente a organização escolar dos dois grandes

estados brasileiros, tive vista, particularmente delas tirar o maior

proveito para o ensino parahybano. Não tenho veleidade de querer

transplantar para o nosso Estado os trabalhos formidáveis que

realizam Rio e São Paulo. Além da impossibilidade material, o

nosso meio não comportaria ainda uma renovação completa de

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nosso aparelhamento de ensino. Mas precisamos agir – grifos

nossos. (A UNIÃO, 03/08/1935).

Como principal resultado dessa viagem, no mês de outubro do mesmo ano, foi

levado pelo líder da maioria dos partidos na Câmara Estadual paraibana, um projeto

inspirado no plano de Mello, que propunha a reorganização da Instrução Pública - que

ainda era regida sob as orientações legais do Regulamento da Instrução Pública nº873

de 1917, atualizado e reformado pelo Decreto nº1.484 em 1927.

Abaixo, a fim de melhor visualizar as aproximações e os distanciamentos no

processo iniciado por Mello (1996) que culminou com a efetivação da Lei nº 16 de 13

de dezembro de 1935, elaboramos o quadro abaixo que melhor apresenta o que ele

apresentou como Plano de Reforma e o que de fato foi regulamentado pela lei.

Plano de Reforma para a

Instrução paraibana

(Agosto de 1935)

Lei nº16 de 13 de dezembro de 1935

Departamento de Educação

para superintender todos os

serviços da Instrução Pública.

Organizado nas seguintes

secções:

I. Secretaria

II. Inspetoria Geral do Ensino

e Serviço de Estatísticas

Educacionais.

III. Biblioteca, Rádio, Cinema

Educativo, Publicidades e

Instituições auxiliares do

Ensino.

IV. Serviço de prédio,

mobiliário e Almoxarifado.

Os serviços de Instrução Pública na Paraíba passam a formar o

Departamento de Educação mantido com verbas consignadas nos

orçamentos e com as contribuições a que os municípios estão sujeitos pela

Constituição Federal.

Além disso, terá as seguintes divisões:

I. Secretaria

II. Inspetoria Geral do Ensino e Serviço de Estatísticas Educacionais.

III. Instituto de Educação

IV. Escola Normal Rural.

V. Escola Rural Modelo.

VI. Escolas Profissionais.

VII. Ensino Primário em geral.

Conselho de educação: órgão

consultivo e julgador

constituído por autoridades de

ensino de estabelecimentos

oficiais e particulares.

Conselho de educação: constituído por autoridades de ensino de

estabelecimentos oficiais e particulares, sendo eles os diretores do

Departamento de Educação, do Instituto de Educação e de seu curso

ginasial, do Liceu Paraibano, do Inspetor Geral do Ensino.

Múltiplas instituições

escolares auxiliares do ensino:

cinema educativo, serviço de

rádio difusão, clubes agrícolas,

oficinas, museu de artes e

produtos regionais.

(-)

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Plano de Reforma para a

Instrução paraibana

(Agosto de 1935)

Lei nº16 de 13 de dezembro de 1935

Ensino Normal, para elevar o

nível cultural do professorado,

com a seguinte organização:

Escola de Professores, Escola

Secundária,

Grupos Escolares

e Jardim de Infância.

Instituto de Educação - composto por: Escola de Professores,

Escola Secundária,

Escola de Aplicação

e Jardim de Infância

Logo que os atuais alunos do curso normal terminarem esse curso,

este será extinto pois passará a acontecer no Instituto de Educação.

As atuais escolas equiparadas à Escola Normal serão assim

chamadas até que se equiparem ao Instituto de Educação.

Aos atuais professores efetivos da Escola Normal serão

garantidos seus direitos atuais quando passarem a exercer sua função no

Instituto de Educação.

Tipos escolares: Normal

Rural, Rural Modelo, Escolas

profissionais.

Tipos escolares: Grupos Escolares (divididos em 3 categorias conforme o

número de alunos existentes)

Ensino Particular:

*Teria suas escolas

elementares subvencionadas,

se regulamentadas como o

previsto, pelo governo, sendo

regidas por professoras

diplomadas.

*Os particulares, para ensinar,

deveriam ter a licença do

Departamento de Educação e

se não diplomado deverá

passar por prova da

habilitação.

*Esses estabelecimentos

estariam sempre sujeitos a

fiscalização.

*pessoas sem título de

habilitação precisariam

ministrar gratuitamente aula a

30% de seus alunos.

Ensino Particular:

*Escolas particulares e rudimentares serão subvencionadas pelo governo

se regulamentadas como o previsto e funcionando regularmente a pelo

menos um ano, sendo regidas por professoras diplomadas e dando aula

gratuitamente a pelo menos 10% dos seus alunos. As Escolas

profissionais e rurais serão subvencionadas se regidas por técnicos

diplomados.

*Esses estabelecimentos estarão sempre sujeitos a fiscalização.

Fundo Escolar. (-)

(-) (-)

Recenseamento Infantil. (-)

(-) (-)

Educadoras sanitárias. (-)

(-) (-)

Pessoal do Ensino:

*seria imprescindível uma

reforma no quadro de

vencimentos do professorado.

*cada turma de escola pública

seria provida de um professor

Pessoal do Ensino:

*No Estatuto dos funcionários públicos serão incluídos dispositivos

especiais referentes ao magistério nas seguintes bases:

A) classe uniforme, dividida e classificada em 5 entrâncias tendo em vista

seus vencimentos:

- 5ª Entrância (os que lecionem em escolas diurnas elementares da Capital

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Plano de Reforma para a

Instrução paraibana

(Agosto de 1935)

Lei nº16 de 13 de dezembro de 1935

normalista.

*para ser nomeado, esse

professor precisaria, no

mínimo, de um ano de estágio

num Grupo Escolar.

*os atuais adjuntos

diplomados seriam

promovidos à professores.

*os professores nomeados

teriam vencimentos fixos e, de

quatro em quatro anos,

seguindo os Regulamentos,

receberiam gratificações.

*as atuais Escolas

Rudimentares passariam a

Escolas Elementares regidas

por uma normalista.

*as Escolas Rudimentares em

sítios poderiam ser

interinamente regidas por

pessoas aprovadas em

concurso até que requeridas

por normalistas diplomadas.

*em cada município um

estabelecimento seria

transformado em Escola Rural

regida por professora

diplomada que faria estágio na

Escola Rural Modelo na

Capital.

+ atuais adjuntos efetivos da Capital trabalhando a mais de 16 anos no

serviço público). 4ª entrância (os que lecionem em escolas elementares da

cidade + atuais adjuntos efetivos da Capital trabalhando de 12 a 16 anos

no serviço público). 3ª entrância (os que lecionem em escolas elementares

de vila + atuais adjuntos efetivos da Capital trabalhando de 8 a 12 anos no

serviço público). 2ª entrância (os que lecionem em escolas diurnas

elementares de povoados + atuais adjuntos efetivos da Capital trabalhando

de 4 a 8 anos no serviço público). 1ª entrância (os que lecionem em

cadeiras rudimentares diurnas e noturnas + atuais adjuntos efetivos da

Capital com menos de 4 anos de serviço público).

*para o interior valerá a mesma norma.

B) estágio no magistério para nomeação efetiva.

C) promoção quatrienal, mediante requisitos predeterminados.

* os atuais regentes das cadeiras noturnas da Capital passarão a

professores da 4ª entrância.

*professores não diplomados: atuais adjuntos leigos do interior e os

habilitados por concurso de habilitação continuarão no desempenho da

função enquanto bem servirem a Instrução (observada por meio de

inquérito administrativo) sendo-lhes assegurados todas as vantagens à

exceção da promoção, ao qual não terão direito.

* só serão nomeados professores diplomados normalistas e só haverá

promoção para entrância imediata.

*na falta normalistas, o Governo pode nomear interinamente, pessoas

habilitadas em concurso.

*em cada município um estabelecimento seria transformado em Escola

Rural regida por professora diplomada que faria estágio na Escola Rural

Modelo na Capital.

Sobre o Plano de Reforma da Instrução paraibana de Mello temos algumas

consideraçõesXIX a fazer quanto o que é dito por parte da historiografia paraibana. Foi

XIX Fizemos essas considerações no único intuito de propor a ampliação das reflexões sobre os discursos

que temos construído ora sobre José Baptista de Melo, ora sobre seu Plano de Reforma e ora sobre a Lei

nº 16 de 13 dezembro de 1935. Concordamos que há real mérito em todos eles e que muito deve a

Educação paraibana aos três. Todavia, ratificamos o desejo que as afirmações sobre todos sejam

colocadas menos incisivamente, com cautela, principalmente quando além das fontes que permitem

nossas pesquisas ainda não serem tão diversas e numerosas – ainda não foi encontrado até hoje, por

exemplo, um projeto pedagógico, um regulamento, um estatuto interno (ou similares) do IEP ou do

Ensino Normal no geral no período que vai de 1935 até 1952 (quando da Reforma Estadual do Ensino

Normal, que atingiu minuciosamente seu funcionamento) – falar sobre IEP, Ensino Normal ou formação

docente entre as complexas décadas de 1930 e 1940 nos parece muito difícil diante da densidade da

conjuntura política, ideológica, social da época tanto na Paraíba como no Brasil.

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por nós “comum” encontrar um discurso historiográfico de muita exaltação ao Plano de

Reforma já mencionado. Obviamente que não há como negar, e a história da educação

paraibana não nos deixaria, que parece mesmo ter havido da parte de Mello muito

empenho e interesse pelo melhoramento da Educação no Estado no seu tempo. Neste

sentido, seu Plano de Reforma instrucional é mesmo um bom, quiçá o melhor, exemplo

disso. Entretanto, pensamos que é preciso que a historiografia não seja parcial ou tão

“apaixonada” a ponto de não ponderar determinadas perspectivas nesse sentido. É assim

que inferimos sobre citações como essas:

O plano de Reforma estadual estabelecia a criação de um

Departamento de Educação, e previa a renovação do mobiliário e

das instalações escolares, a construção de novos grupos escolares e

a criação, em João Pessoa, do Instituto de Educação da Paraíba.

(Oliveira, 2013, pg.13) – grifos nossos.

Optou-se por essa instituição porque ela foi projetada como modelo

do novo arranjo do sistema educacional paraibano previsto pelo

Plano de Reforma da Instrução Pública de 1935. (Oliveira, 2013,

pg.13) – grifos nossos.

De fato, o Plano era ousado em muitos aspectos, mas nele não encontramos

indicações, nem diretas nem indiretas, quanto a renovação do mobiliário e das

instalações escolares, a construção de novos grupos escolares e a criação, em João

Pessoa, do Instituto de Educação da Paraíba, assim como nada observamos quanto a

criação do IEP, muito menos sobre essa instituição como sendo projetada como modelo

do novo arranjo do sistema educacional paraibano previsto pelo Plano de Reforma da

Instrução Pública de 1935.

Um outro caso que podemos citar neste mesmo sentido é o de Freire (2016) quando

defende que

Foi tão expressiva a preocupação de José Baptista de Mello pela

qualificação dos professores primários que o mesmo elaborou um

projeto para a organização do Instituto de Educação da Paraíba, tomando como referência o Instituto de Educação do Rio de Janeiro

que foi inspirado por Anísio Teixeira. (...) Vale a pena ressaltar que

todo esse projeto foi pensado para ser executado pelos professores

primários, prioritariamente nos grupos escolares, haja vista que

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estes eram os espaços de excelência onde se efetivava em tese o

melhor ensino primário. (Freire, 2016, pg.53) – grifos nossos.

Voltamos a dizer: nada no Plano de Reforma de Mello, em nossa leitura, aponta

para diretamente para a organização do Instituto de Educação da Paraíba ou para o

fato de Mello ter pensado que seu plano deveria necessariamente ser executado pelos

professores primários, prioritariamente nos grupos escolares – inclusive no Plano ele

só cita os Grupos Escolares uma única vez, como uma das divisões da nova organização

do Ensino Normal que está propondo, mas não desenvolve nada para além disso.

Outra leitura sobre a época em questão faz críticas severas ao que foi o Instituto de

Educação já foi desde sua criação

Conforme o apresentado, percebemos que o Instituto de Educação na

Paraíba não conseguiu caminhar de acordo com o modelo previsto.

E julgamos que, o que se concretizou na Paraíba, não coube

chamar naquele momento de “Instituto de Educação” (Crispim,

2012, pg.92) – grifos nossos.

Ora, mas que modelo era previsto? Sim, porque não há fonte oficial – pelo menos

até aqui encontrada - nenhuma que explicite diretamente qual o modelo ou o projeto a

ser seguido. O que se sabe é de um agente da Educação do Estado, Mello, que em 1935

foi enviado para observação de uma de instituição de referência nacional (O IE do Rio

de Janeiro) e que posteriormente, inspirado no que viu, propôs um Plano de Reforma –

plano este que, como vimos, em muitos aspectos não se concretizou em forma de Lei. É

isso o que temos no caso da Paraíba, uma inspiração. Ou seja, a partir disso seria

possível concluir que a Paraíba não conseguiu caminhar de acordo com o modelo

previsto? E mais, seria mesmo possível diz que o que se concretizou na Paraíba, não

coube chamar naquele momento de “Instituto de Educação”?

Até o momento discordamos dessas leituras. Baseados no fato da ausência de fonte

oficial que apresente qual o modelo ou o projeto (pedagógico, político/ideológico) bem

como demais documentações que indiquem orientações para o funcionamento cotidiano

do IEP (ou seja, para sua institucionalização, sua representação, que antecipe o ideal

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daquilo que deveria constituir a atividade própria da instituição), logo, não podemos

inferir sobre o “não cumprimento do modelo” e consequente sobre não ter havido – ao

menos nesse recorte estudado – um Instituto de Educação na Paraíba. Pelo contrário,

acreditamos que justamente por aparentemente não haver uma normatização oficial, um

modelo oficial a se seguir para além da inspiração carioca e dos preceitos da teoria

escolanovista, é que o IEP, desde sua criação, construção e até seus primeiros anos de

funcionamento, se consolidou e funcionou de maneira bastante particular, de acordo

com o que o contexto político e educacional paraibano permitiu e foi o conduzindo.

Dessa maneira, o argumento defendido aqui é que desde o início houve sim IEP, mas “à

moda paraibana de ser”.

3. Conclusão

Neste artigo propõe outra reflexão sobre, principalmente, o instituir e o

institucionalizar do Instituto de Educação da Paraíba no que concerne ao contexto de

sua criação em 1935 até o início do endurecimento do governo, com a ditadura do

Estado Novo, em 1937.O contexto paraibano que fomentou o instituir do IEP, em suas

particularidades, muito nos ajuda a entender a maneira como esta Instituição começou a

se organizar e funcionar no Estado.

A presença forte dos preceitos educacionais escolanovistas em solo paraibano é

inegável, tanto os jornais como os relatórios de governo, é possível averiguar indícios

dessa influência. Ademais, a defesa pública dessa perspectiva de Educação por parte do

Diretor da Instrução Pública à época, José Baptista de Mello, a reforçou. Todavia

encontrar indícios dessa inspiração, como é o caso do IE do Distrito Federal para a

Paraíba, não foi suficiente, a nosso ver, para que oficialmente fossem criados

instrumentos institucionalizantes do IEP (pelo menos nesses primeiros anos de seu

funcionamento) o que, mostra-nos os registros históricos, pode em muito ter contribuído

para a maneira como foi sendo conduzida a instituição daí em diante.

Não obstante, as fontes nos mostram que tanta complexidade conjuntural para o

surgimento do IEP não o impediram de se colocar enquanto instituição “modelar” para

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o Estado e, em muitas medidas, como o que se tinha mais próximo como referência para

orientar, fiscalizar e, de certa forma, uniformizar o Ensino Normal na Paraíba.

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