o Informado Político (Final)

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O (MAL) INFORMADO POLÍTICO Por James Wilker Há dias que observo como certas pessoas, geralmente das redes sociais, estão cada vez mais seguras de si sobre o que sabe da questão política, principalmente quando chegam as eleições. Sabem tudo do candidato A, do partido B, do jornal C, da revista E, do grupo H, as intenções, a carreira política, o jogo por trás de cada ação, os interesses, as propostas, o que vai acontecer se Fulano ganhar, o que vai acabar se Beltrano perder. Rotulam tudo e todos: “esse é direita, aquele é esquerda, acolá é um corrupto, ali é um honesto, este é imputável, está é imperadora”. “Com este grupo lá se vai a democracia”. “A mídia da direita é comprada”, a “da esquerda é vendida”. “Quem vota em X é cego, quem vota em Y não sabe ler, quem vota em Z só pensa em si, quem não vota não ta nem aí pro país”, etc. É tanta informação que eles têm que eu me sinto um analfabeto. Impressiona-me tanta certeza, tantos dados, números, a matemática das políticas, as estatísticas do (mal) informado político. Ele sabe tudo que aconteceu no passado, no presente e no futuro. É a mãe Diná dos votos. É sociólogo, pedagogo, filósofo, economista, ambientalista, engenheiro, administrador, cientista político e astrólogo, numa só pessoa. Tudo isso numa dose diária de navegação pela internet. Ali ele encontra a verdade sobre o mundo, sobre o Brasil, as cidades, os homens e seu tempo histórico. Os fragmentos de notícias e artigos de opiniões dos “mandatários da verdade” lhe serve de evangelho. “Ah, foi Reinaldo Azevedo que disse, quer discordar de Sakamoto? Já leu Constantino hoje? Li em Leornador Atucch. Ah, Olavo, ah Nassif”. Fora as páginas do “face-verdade”: TV Revolta, Canal da Direita, Vire a Esquerda. Quando eu era adolescente lia constantemente sobre política, devorava jornais e revistas na biblioteca

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O (MAL) INFORMADO POLÍTICO

Por James Wilker

Há dias que observo como certas pessoas, geralmente das redes sociais, estão cada vez mais seguras de si sobre o que sabe da questão política, principalmente quando chegam as eleições. Sabem tudo do candidato A, do partido B, do jornal C, da revista E, do grupo H, as intenções, a carreira política, o jogo por trás de cada ação, os interesses, as propostas, o que vai acontecer se Fulano ganhar, o que vai acabar se Beltrano perder. Rotulam tudo e todos: “esse é direita, aquele é esquerda, acolá é um corrupto, ali é um honesto, este é imputável, está é imperadora”. “Com este grupo lá se vai a democracia”. “A mídia da direita é comprada”, a “da esquerda é vendida”. “Quem vota em X é cego, quem vota em Y não sabe ler, quem vota em Z só pensa em si, quem não vota não ta nem aí pro país”, etc. É tanta informação que eles têm que eu me sinto um analfabeto.

Impressiona-me tanta certeza, tantos dados, números, a matemática das políticas, as estatísticas do (mal) informado político. Ele sabe tudo que aconteceu no passado, no presente e no futuro. É a mãe Diná dos votos. É sociólogo, pedagogo, filósofo, economista, ambientalista, engenheiro, administrador, cientista político e astrólogo, numa só pessoa. Tudo isso numa dose diária de navegação pela internet. Ali ele encontra a verdade sobre o mundo, sobre o Brasil, as cidades, os homens e seu tempo histórico. Os fragmentos de notícias e artigos de opiniões dos “mandatários da verdade” lhe serve de evangelho. “Ah, foi Reinaldo Azevedo que disse, quer discordar de Sakamoto? Já leu Constantino hoje? Li em Leornador Atucch. Ah, Olavo, ah Nassif”. Fora as páginas do “face-verdade”: TV Revolta, Canal da Direita, Vire a Esquerda.

Quando eu era adolescente lia constantemente sobre política, devorava jornais e revistas na biblioteca municipal, e o poema de Bertolt Brecht sobre o analfabeto político um dia veio me assombrar. Eu, ainda um jovem curioso, procurei participar, conhecer e construir algumas certezas sobre a política. Com o tempo, vi que existiam dois tipos de políticas bem distintas: a participativa e a partidária. Uma que transformava e outra que destruía. Uma de lutas diárias, de alicerce, de silêncio, de paciência e de seriedade, construída por todos desde o menino da rua ao senhor da venda, do rude vaqueiro ao diplomado doutor. Dos anônimos aos heróis. E a outra repleta de espetáculo, de pirotecnias intelectuais e rasteira, de enfeite, de confete, de gritaria e deboche, de falsidade, do velho toma-lá-da-cá brasileiro. Feita por donos e bobos da corte. Por quem come do bolo a cereja e pelos que querem pelo menos dar uma lambida no recheio.

Hoje, quando digo que não sei quase nada de política, que ando sempre em dúvida, sem saber onde realmente está o certo, sou chamado de covarde, de indiferente, de indeciso, de despolitizado. De que estou perdendo a oportunidade de mudar o mundo com um número e um clique no botão verde da urna. Simples assim: de 4 em 4 anos resolvem-se os problemas, constrói-se uma nação nova, educa-se um povo, com uma decisão em quem votar. Um voto e nada mais! É tanta certeza que tem horas que não consigo identificar quem é pior, se o analfabeto político de Brech e seu afastamento do debate ou se o (mal) informado político que pensa que sabe tudo, enxerga tudo, prevê tudo (o

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Nostradamus dos votos) e ainda quer formar a opinião dos demais sobre política, mesmo sem saber nada de essencial que ela contém. Só a parte partidária, com todo o seu câncer incurável de conchavos e interesses particulares.

É uma pena que muitos se deixam confundir informação com conhecimento. E ser mal informado é deveras pior que não saber nada. No fundo, acaba-se servindo de muleta para os mal-intencionados e os vigaristas de plantão. Por isso, às vezes, (des)informar-se é o melhor caminho para achar as pedras.