O inconsciente e o corpo falante - AMP-2016 · O inconsciente e o corpo falante Apresentação do...

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O inconsciente e o corpo falante Apresentação do tema do X Congresso da AMP Jacques-Alain Miller Mais do que na cereja sobre o bolo, prefiro pensar na infusão que lhes servirei como um digestivo, depois das iguarias trazidas por este Congresso[1], a fim de abrir o apetite enquanto pensam naquele que acontecerá daqui a dois anos. Espera-se, então, que eu introduza o tema do próximo Congresso. Digo a mim mesmo que isso dura há mais de trinta anos, se considerarmos que os Congressos da AMP deram continuidade aos Encontros do Campo Freudiano que começaram em 1980. Aqui estamos, portanto, mais uma vez, ao pé do mesmo muro (mur). A palavra Muro me veio à cabeça, ela não deixa de evocar o neologismo que debocha do amor. É ao amuro (amur) que devo a honra invariável de dar o lá da sinfonia, aquela que os membros da AMP, nós, terão de compor ao longo dos dois anos que se passarão antes de nos encontrarmos? Seria esse um fato de transferência remanescente com relação ao lugar daquele a quem coube a tarefa de fundar nossa Associação outrora? Mas, como acabo de lembrar, assumi essa tarefa, de intitular, de dar um nome, pelo menos um tema, desde antes, desde o primeiro Encontro Internacional que aconteceu em Caracas com a presença de Lacan. Se há amuro, eu não o remeterei à função de fundador, em nada consagrada nos nossos estatutos, mas gostaria de referi-lo à de um batedor, função que me atribuí ao intitular meu curso como «A Orientação Lacaniana». Amuro quer dizer sobretudo que é preciso atravessar, a cada vez, o muro da linguagem, pata tentar cingir mais de perto – não digamos o real – o que fazemos em nossa prática analítica. Orientar-me pelo pensamento de Lacan constituiu minha preocupação e sei que a compartilhamos. A Associação Mundial de Psicanálise, de fato, não tem outra coesão. Essa preocupação está no princípio do conjunto que formamos, para além dos estatutos, dos mutualismos e até mesmo mais além dos laços de amizade, de simpatia que se tecem entre nós no decorrer dos anos.

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O inconsciente e o corpo falante

Apresentação do tema do X Congresso da AMP

Jacques-Alain Miller

Mais do que na cereja sobre o bolo, prefiro pensar na infusão que lhes servirei como umdigestivo, depois das iguarias trazidas por este Congresso[1], a fim de abrir o apetiteenquanto pensam naquele que acontecerá daqui a dois anos. Espera-se, então, que euintroduza o tema do próximo Congresso.

Digo a mim mesmo que isso dura há mais de trinta anos, se considerarmos que osCongressos da AMP deram continuidade aos Encontros do Campo Freudiano quecomeçaram em 1980. Aqui estamos, portanto, mais uma vez, ao pé do mesmo muro (mur).A palavra Muro me veio à cabeça, ela não deixa de evocar o neologismo que debocha doamor. É ao amuro (amur) que devo a honra invariável de dar o lá da sinfonia, aquela que osmembros da AMP, nós, terão de compor ao longo dos dois anos que se passarão antes denos encontrarmos? Seria esse um fato de transferência remanescente com relação ao lugardaquele a quem coube a tarefa de fundar nossa Associação outrora? Mas, como acabo delembrar, assumi essa tarefa, de intitular, de dar um nome, pelo menos um tema, desdeantes, desde o primeiro Encontro Internacional que aconteceu em Caracas com a presençade Lacan. Se há amuro, eu não o remeterei à função de fundador, em nada consagrada nosnossos estatutos, mas gostaria de referi-lo à de um batedor, função que me atribuí aointitular meu curso como «A Orientação Lacaniana».

Amuro quer dizer sobretudo que é preciso atravessar, a cada vez, o muro da linguagem,pata tentar cingir mais de perto – não digamos o real – o que fazemos em nossa práticaanalítica. Orientar-me pelo pensamento de Lacan constituiu minha preocupação e sei quea compartilhamos. A Associação Mundial de Psicanálise, de fato, não tem outra coesão.Essa preocupação está no princípio do conjunto que formamos, para além dos estatutos,dos mutualismos e até mesmo mais além dos laços de amizade, de simpatia que se tecementre nós no decorrer dos anos.

Lacan reivindicava a dignidade para seu pensamento. Deve-se, dizia ele, ao fato de seesmerar em sair dos clichês. De fato, esse pensamento atordoa. Trata-se, para nós, desegui-lo nas vias inéditas. Essas vias são com frequência obscuras, ainda mais quandoLacan mergulha em seu último ensino. Poderíamos tê-lo deixado ali, abandoná-lo. Mas nosengajamos em segui-lo. Os dois últimos Congressos atestam isso.

Por que nos engajarmos nisto, nesse difícil ramo último de seu ensino? Nosso gosto peladecifração não é gratuito. Tenho esse gosto, nós o temos pelo fato de sermos analistas. E osomos o bastante para perceber, mediante alguns clarões perfurando as nuvens obscurasda proposição de Lacan, o fato de ele ter conseguido destacar um realce que nos instruisobre o que se tornou a psicanálise, que não está mais exatamente em conformidade com oque se pensava sobre ela. Numa posição extremada, ele chegou até a dizer que a práticaanalítica era uma prática delirante. Não nos deteremos nisso.

A psicanálise muda. Não é um desejo, mas um fato. Ela muda em nossos consultórios deanalistas e essa mudança, no fundo, é para nós tão manifesta que o Congresso de 2012sobre a ordem simbólica, assim como o deste ano sobre o real, têm, cada um, em seu título,a mesma menção cronológica: «no século XXI». Como dizer melhor o fato de termos osentimento do novo e, com ele, a percepção da urgência da necessidade de umaatualização? Como não termos, por exemplo, a ideia de uma fissura quando Freudinventou a psicanálise, se assim podemos dizer, sob a égide da rainha Vitória, paradigmada repressão da sexualidade, ao passo que o século XXI conhece a difusão maciça do que échamado depornô, ou seja, o coito exibido, tornado espetáculo, show acessível a cada umpela internet por meio de um simples clique com o mouse? De Vitória ao pornô, nãoapenas passamos da interdição à permissão, mas à incitação, à intrusão, à provocação, aoforçamento. O que é o pornô senão uma fantasia filmada com uma variedade própria parasatisfazer os apetites perversos em sua diversidade? Nada melhor que a profusãoimaginária de corpos se entregando a um «se dar» e a um «se pegar» para mostrar aausência da relação sexual no real.

É algo novo na sexualidade, em seu regime social, em seus modos de aprendizagem, entreos jovens, entre as jovens classes que entram na carreira. Eis então os masturbadoresaliviados de terem de produzir eles mesmos os sonhos quando despertos, uma vez que osencontram feitos, já sonhados para eles. O sexo frágil, no que concerne ao pornô, é omasculino, que cede a isso de muito bom grado. Quantas vezes não ouvimos em análisehomens que se queixam das compulsões de acompanhar as peripécias pornográficas e atémesmo de estocá-las em uma reserva eletrônica! Do outro lado, o das esposas e dasamantes, pratica-se menos do que o conhecimento que se tem da prática de seu parceiro.Então, depende: considera-se uma traição ou um divertimento sem consequências. Essaclínica da pornografia é do século XXI – só a evoco, mas ela mereceria ser detalhada porser insistente e porque há aproximadamente quinze anos tornou-se extremamente

presente nas análises.

Como não evocar, a propósito dessa prática tão contemporânea, o que foi, assinalado porLacan como a irrupção dos efeitos do cristianismo na arte, efeitos levados a seu apogeupelo barroco? De volta de uma turnê pelas igrejas da Itália, que ele chamava de uma orgia,Lacan notava, em seu Seminário Mais, ainda: «tudo é exibição de corpo evocando ogozo»[2]. No que concerne à pornografia, estamos nisso. Contudo, a exibição religiosa doscorpos lânguidos deixa sempre fora de seu campo a própria copulação, assim como acopulação está fora do campo, diz Lacan, na realidade humana.

Curioso retorno desta expressão: «realidade humana». Ela foi usada pelo primeirotradutor de Heidegger, para o francês, a fim de expressar o Dasein. Mas há um bom tempocortamos a via do deixar-ser desse Dasein. Na era da técnica, a copulação não fica maisconfinada no privado nutrindo as fantasias particulares a cada um. Ela foi reintegrada aocampo da representação, passando a uma escala de massa.

Uma segunda diferença entre o pornô e o barroco deve ainda ser enfatizada. Tal comodefinido por Lacan, o barroco visaria à regulação da alma por meio da visão dos corpos, daescopia corporal. Não há nada disso no pornô, nenhuma regulação, há mais, antes, umaperpétua infração. A escopia corporal funciona na pornografia como uma provocação a umgozo destinado a se fartar sob o modo do mais-gozar, modo transgressivo em relação àregulação homeostática e precária em sua realização silenciosa e solitária. Em geral, acerimônia se realiza sem falas, de ponta a ponta na tela, mas com os suspiros ou gritos damímica do prazer. A adoração do falo, outrora segredo dos mistérios, permanece umepisódio central – exceto no pornô lésbico -, porém, doravante, banalizado.

A difusão planetária da pornografia por meio da tela eletrônica teve, sem dúvida, efeitosdos quais o psicanalista recebe testemunhos. O que diz, o que representa a onipresença dopornô no começo deste século? Nada senão: a relação sexual não existe. É isso que érepercutido, de algum modo cantado, por esse espetáculo incessante e sempre disponível.Pois apenas essa ausência é suscetível de dar conta dessa empolgação, cujas consequênciasnos costumes das novas gerações, quanto ao estilo das relações sexuais, já estamosacompanhando: desencantamento, brutalização, banalização. A fúria copulatória alcançana pornografia um zero de sentido, que faz os leitores de A fenomenologia do espíritopensarem no que disse Hegel sobre a morte infligida pela liberdade universal diante doterror: ela é «a mais fria e a mais rasa, sem maior significação do que o cortar a cabeça deum repolho ou engolir um gole d'água»[3]. A copulação pornográfica tem a mesmavacuidade semântica.

A relação sexual não existe! É preciso entender essa sentença com a ênfase posta porPlutarco quando relata, o único a fazê-lo na Antiguidade, a fala fatal que ressoa sobre o

mar:O grande Pã está morto! O episódio figura no diálogo intitulado «Sobre odesaparecimento dos oráculos», que outrora evoquei em meu curso[4]. E a fala ressoacomo o último oráculo anunciando que, depois dele, não haverá mais oráculos. Como ooráculo que anuncia o desaparecimento dos oráculos. De fato, nessa época, sob Tibério, emtodo o território do império romano, os santuários nos quais a multidão outrora seaglomerava para solicitar e recolher os oráculos conheceram um desafeto crescente. Umamutação invisível caminhando nas profundezas do gosto fechava a boca dos oráculosinspirados pelos demônios da mântica – digo demônios não pelo fato de eles seremmalvados, mas porque eram chamados de demônios os seres intermediários entre osdeuses e os homens, e a figura de Pã sem dúvida os representava.

Não há como não sermos sensíveis ao destino dos oráculos, já que um dia, de fato, elesdesapareceram em uma zona onde foram avidamente procurados, uma vez que nossaprática de interpretação, temos o costume de dizer, é oracular. Mas nosso oráculo, paranós, é justamente o dito de Lacan sobre a relação sexual. Ele nos permite pôr em seu lugaro fato da pornografia e Lacan o formulou muito antes da chegada da pornografia eletrônicada qual falo. Esta não é de modo algum – quem o cogitaria? – a solução dos impasses dasexualidade. Ela é sintoma desse império da técnica, que vai estendendo seu reino sobre asmais diversas civilizações do planeta, até mesmo as mais retrógradas. Não se trata dedepor as armas diante desse sintoma e de outros da mesma fonte. Eles exigem dapsicanálise interpretação.

Quem sabe essa digressão sobre a pornografia nos dê acesso ao título do próximoCongresso? Apresentei, por ocasião de um desses Congressos e Leonardo Gorostiza olembrou, a disciplina que escolhi me impor na escolha do tema para a AMP. Eles se dão emgrupo de três, dizia eu, e cada um, alternadamente, dá a prevalência a uma das trêscategorias de Lacan, cujas iniciais são R.S.I. Depois de «A ordem simbólica...», depois de«Um real...», seria de se esperar, como Gorostiza e outros deduziram perfeitamente, que oimaginário viesse em primeiro plano. De que melhor forma isso poderia se fazer senão atítulo do corpo, uma vez que encontramos a seguinte equivalência formulada por Lacan: oimaginário é o corpo. E ela não é isolada, seu ensino, em seu conjunto, testemunha a favordessa equivalência.

Em primeiro lugar, nesse ensino, o corpo se introduz, inicialmente, como imagem, imagemno espelho. Disso decorre o fato de Lacan dar ao eu [moi] um estatuto que se distinguesingularmente daquele que Freud lhe reconhecia em sua segunda tópica. Em segundolugar, é ainda com um jogo de imagem que Lacan ilustra a articulação prevalecente entre oIdeal do eu e o eu ideal, cujos termos ele toma emprestado de Freud, mas para formalizá-los de maneira inédita. Em terceiro, essa afinidade entre o corpo e o imaginário é tambémreafirmada em seu ensino dos nós. A construção borromeana enfatiza que é pelo viés desua imagem que o corpo participa, primeiro, da economia do gozo. Em quarto lugar, maisalém, o corpo condiciona tudo o que o registro imaginário aloja de representações:significado, sentido e significação, a própria imagem do mundo. É no corpo imaginário que

as palavras da língua fazem entrar as representações, que nos constituem um mundoilusório sob o modelo da unidade do corpo. Aqui estão muitas razões para escolher que opróximo Congresso faça variar o tema do corpo na dimensão do imaginário.

Estava quase endossando essa ideia quando me dei conta de que o corpo, como corpofalante, muda de registro. O que é o corpo falante? Ah, é um mistério[5], disse Lacan umdia. Esse dito de Lacan deve ser ainda mais mantido pelo fato de que mistério não ématema, é até mesmo o oposto. Em Descartes, o que faz mistério, mas permaneceindubitável, é a união da alma com o corpo. A «Sexta meditação» lhe é dedicada e, por sisó, ela mobilizou tanto a engenhosidade de seu mais eminente comentador quanto as cincoprecedentes. Essa união, uma vez que ela concerne meu corpo, meum corpus, vale comoterceira substância entre substância pensamento e substância extensão. Esse corpo, dizDescartes – a citação é famosa -, «não apenas estou alojado em meu corpo, como um pilotoem seu navio, mas, além disso, estou muito estreitamente ligado a ele e de tal formaconfundido e misturado que componho com ele como uma só totalidade»[6]. Sabemos quea dúvida hiperbólica figurada pela hipótese do gênio maligno poupa o cogito e nos entrega,dele, a certeza como um resto que resiste à dúvida, até mesmo a mais ampla que se possaconceber. Sabe-se menos que,a posteriori, precisamente nessa sexta meditação, descobre-se que a dúvida poupava também a união do eu penso com o corpo[7], aquele que sedistingue, entre todos, por ser o corpo desse eu penso.

Sem dúvida, para dar-se conta disso, é preciso prolongar o arco desse a posteriori atéEdmund Husserl e suas Meditações cartesianas. Ali, ele distingue com uma palavrapreciosa, de um lado, os corpos físicos entre os quais os de meus semelhantes e, do outro,meu corpo.E, para meu corpo, ele introduz um termo especial. Ele escreve: "Penso minhacarne com uma caracterização singular, meinen Leibe, a saber, o que, sozinho, não é umsimples corpo, mas sim uma carne, o único objeto no interior de minha camada abstrata daexperiência ao qual atribuo um campo de sensação à altura da experiência"[8]. A palavrapreciosa é carne,distinta do que são os corpos físicos. Por carne, ele entende o que apareciaa Descartes sob as formas da união da alma e do corpo.

Essa carne é sem dúvida apagada no Dasein heideggeriano, embora tenha alimentado areflexão de Merleau-Ponty em sua obra inacabada O visível e o invisível[9], livro ao qualLacan dedicou sua atenção ao longo de seu Seminário Os quatro conceitos fundamentaisda psicanálise[10]. Ali, ele não enfatiza seu interesse por esse vocábulo, mas, no entanto, ovocábulo carne será retomado por ele quando evoca a carne que traz a marca do signo. Osigno recorta a carne, a desvitaliza e a cadaveriza, o corpo, então, se separa dela. Nadistinção entre o corpo e a carne, o corpo se mostra apto para figurar, como superfície deinscrição, o lugar do Outro do significante. Para nós, o mistério cartesiano da uniãopsicossomática se desloca. O que faz mistério, mas permanece indubitável, é o que resultado domínio do simbólico sobre o corpo. Para dizê-lo em termos cartesianos: o mistério ésobretudo o da união da fala com o corpo. Por esse fato de experiência, pode-se dizer queele é do registro do real. Convém, então, dar lugar a isto que o último ensino de Lacan

propõe: um nome novo para o inconsciente. Há uma palavra para dizê-lo. Não podemosmantê-la para o Congresso por se tratar de um neologismo. Não se pode traduzi-la. Sevocês se reportarem ao texto intitulado «Televisão»[11], vocês verão que, ali, interpeloLacan a propósito da palavra inconsciente. Digo-lhe muito simplesmente: «Inconsciente –que palavra esquisita!». É que já me parecia não ser um termo que conjugasse muito bemcom o ponto no qual ele estava em sua doutrina. Ele me respondeu – vocês podem ver, jáviram, já sabem – com uma recusa categórica: «Freud não encontrou outra melhor e nãohá porque voltar a isso». Portanto, ele admite que essa palavra é imperfeita e desiste dequalquer tentativa de mudá-la. Dois anos mais tarde, porém, ele muda de opinião, seconsiderarmos seu escrito «Joyce o Sintoma»[12], no qual lança o neologismo de quefalava, o falasser, a respeito do qual ele profetiza que substituirá a palavra freudianainconsciente.

Eis aqui a operação que proponho a fim de nos dar a bússola para nosso próximoCongresso. Essa metáfora, a substituição do inconsciente freudiano pelo falasser lacaniano,fixa um lampejo. Proponho tomá-la como índice do que muda na psicanálise no séculoXXI, quando ela deve levar em conta outra ordem simbólica e outro real diferentesdaqueles sobre os quais ela se estabelecera.

A psicanálise muda. É um fato. Ela havia mudado, enfatizava Lacan com malícia, uma vezque ela foi inicialmente praticada na solidão, por Freud, e que, em seguida, ela passou a serpraticada por um par. Mas ela conheceu muitas outras mudanças que podemos mensurar,do momento em que lemos Freud, e até mesmo lemos, relemos o primeiro Lacan. Elamuda, de fato, apesar de nossa atrelagem a palavras e a esquemas antigos. É um esforçocontinuado permanecer o mais próximo possível da experiência para dizê-la sem se deixaresmagar sob o muro da linguagem. Para nos ajudar a ultrapassá-lo é preciso um(a)muro[13], uma palavra agalmática que perfura esse muro. E encontro essa palavra nofalasser.

Ela não estará no cartaz do próximo Congresso. Mas, entre nós, saberemos que se trata dofalasser que se substitui ao inconsciente, uma vez que analisar o falasser não é maisexatamente a mesma coisa que analisar o inconsciente no sentido de Freud, nem mesmo oinconsciente estruturado como uma linguagem. Diria inclusive o seguinte: façamos aaposta de que analisar o falasser é o que já fazemos, resta-nos saber dizê-lo.

Aprendemos a dizê-lo, por exemplo, quando falamos do sintoma como de um sinthoma. Aíestá uma palavra, um conceito que é da época do falasser. Ele traduz um deslocamento doconceito de sintoma, do inconsciente ao falasser. Como vocês sabem, o sintoma comoformação do inconsciente estruturado como uma linguagem é uma metáfora, um efeito desentido induzido pela substituição de um significante por outro. Em contrapartida, osinthoma de um falasser é um acontecimento de corpo, uma emergência de gozo. O corpoem questão, aliás, nada diz que é o de vocês. Você pode ser o sintoma de outro corpo desde

que você seja uma mulher. Há histeria quando há sintoma de sintoma, quando você fazsintomado sintoma de um outro, ou seja, sintoma no segundo grau. O sintoma do falasserresta, sem dúvida, a ser esclarecido em sua relação com os tipos clínicos – apenas evoco,sobre os rastros de Lacan, o que acontece na histeria.

Não chegaremos a isso esquecendo a estrutura do sintoma do inconsciente, nem tampoucoesquecendo que a segunda tópica de Freud não anula a primeira, mas se compõe com ela.Do mesmo modo, Lacan não veio para apagar Freud, mas para prolongá-lo. Osremanejamentos de seu ensino se fazem sem fissuras utilizando-se os recursos de umatopologia conceitual que garante a continuidade sem interditar a renovação. Assim, deFreud a Lacan, diremos que o mecanismo do recalque nos é explicitado pela metáfora, talcomo do inconsciente ao falasser a metáfora nos dá o envelope formal do acontecimento decorpo. O recalque explicitado pela metáfora é uma cifração e a operação de cifraçãotrabalha para o gozo que afeta o corpo. É com um remendo como este, de peças diversas,de diferentes épocas, tomadas emprestadas de Freud e de Lacan, que se tece nossa reflexão- não temos de recuar diante do fato de assim fazer um remendo a fim de avançar nacircunscrição da psicanálise no século XXI.

Aponto outro vocábulo – depois de sinthoma -, da época do falasser e que situarei ao ladodo sinthoma. É uma palavra que obriga também a proceder a uma nova classificação dasnoções que nos são familiares. A palavra que situo ao lado de sinthoma éescabelo[escabeau], que tomo emprestado de «Joyce o Sintoma» [14]. O escabelo não éuma escada – é menor que uma escada -, mas tem degraus. O que é o escabelo? Penso noescabelo psicanalítico, não apenas aquele que precisamos para pegar os livros na estantede uma biblioteca. O escabelo é, de um modo geral, aquilo sobre o qual o falasser se ergue,sobepara se fazer belo. É seu pedestal, que lhe permite elevar a si mesmo à dignidade daCoisa[15]. Isto, por exemplo, é um pequeno escabelo para mim [mostrando o pequenoestrado sob a mesa].

O escabelo é um conceito transversal. Traduz de maneira imagética a sublimaçãofreudiana, mas em seu cruzamento com o narcisismo. Aqui está uma aproximação que épropriamente da época do falasser. O escabelo é a sublimação, mas na medida em que elase funda sobre o eu não penso inicial do falasser. O que é esse eu não penso? É a negaçãodo inconsciente por meio da qual o falasser se crê senhor de seu ser. E, com seu escabelo,ele acrescenta a isso o fato de se crer um senhor belo. O que chamamos de cultura não énada além da reserva dos escabelos na qual se vai buscar com o que esticar o colarinho ebancar o glorioso.

Para dar o exemplo dessas categorias que parecem despontar e das quais necessitamos, medizia que poderia tentar traçar um paralelo entre o sinthoma e o escabelo. O que fomenta oescabelo? O falasser sob sua face de gozo da fala. Esse gozo da fala origina os grandesideais do Bem, do Verdadeiro e do Belo. O sinthoma, em compensação, como sintoma do

falasser, está ligado a seu corpo. O sintoma surge da marca escavada pela fala quando elatoma a aparência do dizer e faz acontecimento de corpo. O escabelo está do lado do gozo dafala que inclui o sentido. Em contrapartida, o gozo próprio ao sinthoma exclui o sentido.

Se Lacan se apaixonou por James Joyce e especialmente por sua obra Finnegans Wake, foidevido à façanha – ou à farsa – que representa por fazer convergir sintoma e escabelo. Emtermos exatos, Joyce fez do próprio sintoma como fora do sentido, ininteligível, o escabelode sua arte. Ele criou uma literatura cujo gozo é tão opaco quanto o do sintoma, nem porisso deixando de ser um objeto de arte elevado sobre o escabelo à dignidade da Coisa.Podemos nos perguntar se a música, a pintura, as Belas Artes tiveram seu Joyce. Talvez oque corresponda a Joyce, no registro da música, seja a composição atonal, inaugurada porSchoenberg, de quem ouvimos falar há pouco[16]. E, no que concerne ao que chamamos deBelas Artes, o iniciador talvez tenha sido um certo Marcel Duchamp. Joyce, Schoenberg,Duchamp são fabricantes de escabelos destinados a fazer arte com o sintoma, com o gozoopaco do sintoma. E teríamos bastante dificuldade em ponderar sobre o que é o escabelo-sintoma no que concerne à clínica. Temos, antes, de tirar disso uma lição.

Mas, digam-me uma coisa, fazer de seu sintoma um escabelo não é precisamente o de quese trata no passe, no qual se joga com seu sintoma e com seu gozo opaco? Fazer umaanálise é trabalhar a castração do escabelo para trazer à luz o gozo opaco do sintoma. Fazero passe é jogar com o sintoma assim esvaziado, a fim de fazer dele um escabelo, sob osaplausos do grupo analítico. E, para dizê-lo em termos freudianos, isso é evidentementeum fato de sublimação e os aplausos não são fortuitos. O momento em que a assistênciaestá satisfeita faz parte do passe. Pode-se até dizer que o passe se realiza aí. No tempo deLacan, nunca se narrou os relatos de passe ao público. A operação ficava sepultada nasprofundezas da instituição. Ela só era conhecida por um pequeno número de iniciados. Opasse era uma questão para não mais de dez pessoas. Digamos que eu inventei fazer umamostração pública dos passes porque eu sabia, eu pensava, acreditava que isso era aprópria essência do passe. Os escabelos aí estão para fazer a beleza, pois esta é a defesaúltima contra o real. Mas, uma vez que os escabelos são derrubados, queimados, restaainda ao falasser analisado demonstrar seu saber fazer com o real, saber fazer com ele umobjeto de arte, seu saber dizer, saber bem dizê-lo. É o que constitui o estopim, a tomada dapalavra que ele é convidado a fazer. O acontecimento de passe não é a nomeação, a decisãode um coletivo de expertos. O acontecimento de passe é o dizer de um sozinho, o Analistada Escola, quando ele ordena sua experiência, quando ele a interpreta em benefício de todoaquele que vem ao Congresso, o qual se trata de seduzir e inflamar. E isso foi posto à prova,amplamente, durante o último Congresso.

Um dizer é um modo da fala que se distingue de fazer acontecimento. Freud discriminava,entre os modos da consciência: consciente, pré-consciente e inconsciente. Para nós, se hámodos a se distinguir não são relativos à consciência, mas modos da fala. Em termos deretórica, há a metáfora e a metonímia. Em termos de lógica, há o modal e o apofântico, oafirmativo e mesmo o imperativo. Na perspectiva estilística, há o clichê, o provérbio, o

refrão. E da fala depende a escrita. Pois bem, quando inconsciente é conceitualizado apartir da fala e não mais a partir da consciência, ele porta um nome novo: o falasser. O serde que se trata não precede a fala. É o contrário, a fala outorga o ser a esse animal por umefeito a posteriori. Desde então, seu corpo se separa desse ser para passar para o registrodo ter. O falasser não é o corpo, ele o tem[17].

O falasser tem de se haver com seu corpo como imaginário, assim como tem de se havercom o simbólico. O terceiro termo, o real, é o complexo ou o implexo dos dois outros.Trata-se do corpo falante com seus dois gozos, gozo da fala e gozo do corpo: um leva aoescabelo, o outro sustenta o sinthoma. No falasser há, a um só tempo, gozo do corpo etambém gozo que se deporta para fora do corpo, gozo da fala que Lacan identifica, comaudácia e com lógica, ao gozo fálico, uma vez que este é desarmônico em relação ao corpo.O corpo falante goza, portanto, em dois registros: por um lado, ele goza de si mesmo, ele seafeta de gozo, ele se goza – uso do verbo na forma reflexiva; por outro, um órgão dessecorpo se distingue de gozar de si mesmo, ele condensa e isola um gozo à parte que sereparte entre os objetosa. Nesse sentido, o corpo falante é dividido quanto a seu gozo. Essecorpo não é unitário como o imaginário o faz crer. Por essa razão, é preciso que o gozofálico se separe, no imaginário, na operação chamada de castração. O corpo falante fala emtermos de pulsões. Isso autorizava Lacan a apresentar a pulsão sob o modelo de umacadeia significante. Ele prosseguiu na via desse desdobramento em sua lógica da fantasia,na qual ele disjunta o Isso e o inconsciente. Mas, em contrapartida, o conceito de corpoestá na junção do Isso com o inconsciente. Ele lembra que as cadeias significantes quedeciframos à maneira freudiana são conectadas com o corpo e são feitas de substânciagozante. Quanto ao Isso, Freud dizia que ele era o grande reservatório da libido. Esse dito édeportado para o corpo falante que, como tal, é substância gozante. É do corpo que sãoextraídos os objetos a; é no corpo que é buscado o gozo para o qual trabalha o inconsciente.

Freud dizia que a teoria das pulsões era uma mitologia. O gozo, em compensação, não é ummito. No capítulo 7 da Die Traumdeutung, Freud chama o aparelho psíquico de uma ficção.O corpo falante, porém, não é uma ficção. É no corpo que Freud encontra o princípio desua ficção do aparelho psíquico. Ele é construído sobre o arco reflexo como um processoregulado de maneira a manter o mais baixo possível a quantidade de excitação. Lacansubstituiu o aparelho psíquico estruturado pelo arco reflexo pelo inconsciente estruturadocomo uma linguagem. Não se trata de estímulo-resposta, mas de significante-significado.Só que – e esta é uma expressão de Lacan já enfatizada e explicitada por mim – essalinguagem é uma elucubração de saber sobre lalíngua[18], lalíngua do corpo falante. Dissodecorre o fato de o inconsciente ser, ele próprio, uma elucubração de saber sobre o corpofalante, sobre o falasser.

O que é uma elucubração de saber? É uma articulação de semblantes a um só tempo sedesprendendo do real e envelopando-o. A mutação maior que atinge a ordem simbólica noséculo XXI é o fato de ela ser, doravante, amplamente conhecida como uma articulação desemblantes. As categorias tradicionais que organizam a existência passam para o nível de

simples construções sociais, votadas à desconstrução. Não é apenas o fato de os semblantesvacilarem, mas de eles serem reconhecidos como semblantes. E, devido a um curiosoentrecruzamento, é a psicanálise que, por meio de Lacan, restitui o outro termo dapolaridade conceitual: nem tudo é semblante, há um real.

O real do laço social é a inexistência da relação sexual. O real do inconsciente é o corpofalante. Enquanto a ordem simbólica era concebida como um saber regulando o real e lheimpondo sua lei, a clínica era dominada pela oposição entre neurose e psicose. Agora, aordem simbólica é reconhecida como um sistema de semblantes que não comanda o real,mas lhe é subordinada. Um sistema respondendo ao real da relação sexual que não existe.

Disso resulta, se assim posso dizer, uma declaração de igualdade clínica fundamental entreos falasseres. Os seres falantes estão condenados à debilidade mental pelo próprio mental,precisamente pelo imaginário como imaginário de corpo e imaginário de sentido. Osimbólico imprime no corpo imaginário representações semânticas tecidas e desatadaspelo corpo falante. É nesse sentido que sua debilidade destina o corpo falante como tal aodelírio. Perguntamo-nos como alguém que foi analisado poderia ainda se imaginar comosendo normal.

Na economia do gozo, um significante mestre equivale a um outro. Da debilidade aodelírio, a consequência é boa. A única via que se abre mais além é, para o falasser, fazersetolo [dupe] de um real, quer dizer, montar um discurso no qual os semblantes obstringemum real, um real no qual se crer sem a ele aderir, um real que não tem sentido, indiferenteao sentido e que só pode ser aquilo que ele é. A debilidade é, ao contrário, a tapeação[duperie] do possível. Ser tolo, tapeado por um real – o que ostento – é a única lucidezaberta ao corpo falante para se orientar. Debilidade – delírio – tapeação, esta é a trilogia deferro que repercute o nó do imaginário, do simbólico e do real.

Antigamente falava-se das indicações de análise. Avaliava-se se tal estrutura se prestava àanálise e se indicava a recusa da análise para quem a demandava por falta de indicações.Na época do falasser, digamos a verdade, analisa-se qualquer um. Analisar o falasserdemanda jogar uma partida entre delírio, debilidade e tapeação. É dirigir um delírio demaneira que sua debilidade ceda à tapeação do real. Freud tinha ainda de se haver com oque ele chamava de recalque. E pudemos constatar, nos relatos de passe, a que ponto essacategoria é, doravante, pouco utilizada. Claro, há relembranças. Mas nada atesta aautenticidade de alguma delas. Nenhuma é final. O chamado retorno do recalcado ésempre arrastado no fluxo do falasser, no qual a verdade se revela incessantementementirosa. No lugar do recalcado, a análise do falasser instala a verdade mentirosa quedecorre do que Freud reconheceu como o recalque originário. Isso quer dizer que averdade é intrinsicamente da mesma essência que a mentira. O proton pseudos é tambémo falso último. O gozo, ou os gozos do corpo falante, porém, é aquilo que não mente.

A interpretação não é um fragmento de construção incidindo sobre um elemento isoladodo recalque, como o pensava Freud. Ela não é a elucubração de um saber. Ela não étampouco um efeito de verdade logo absorvido pela sucessão das mentiras. A interpretaçãoé um dizer que visa ao corpo falante para produzir nele um acontecimento, para passarpara as tripas,dizia Lacan. Isso não se antecipa, mas se verifica a posteriori, pois o efeito degozo é incalculável. Tudo o que a análise pode fazer é afinar-se com a pulsação do corpofalante para se insinuar no sintoma. Quando se analisa o inconsciente, o sentido dainterpretação é a verdade. Quando se analisa o falasser, o corpo falante, o sentido dainterpretação é o gozo. Esse deslocamento da verdade ao gozo dá a medida do que se tornaa prática analítica na era do falasser.

Por essa razão, proponho, para o próximo Congresso, nos reunirmos sob a seguintebandeira: «O inconsciente e o corpo falante». Isto é um mistério, dizia Lacan. Tentaremospenetrar nele e esclarecê-lo. Para tanto, que cidade nos seria mais propícia senão o Rio deJaneiro? Com o nome Pão de Açúcar, ela tem como emblema o mais magnífico dosescabelos.

Obrigado.

[Versão estabelecida por Anne-Charlotte Gauthier, Ève Miller-Rose e Guy Briole. Textooral, não revisto pelo autor].

Version du 30.09.2014

Tradução: Vera Avellar Ribeiro.

Revisão: Marcus André Viera.

Versão no idioma original: L'inconscient et le corps parlant (Francês)

N O T A S

1. Conferência pronunciada por Jacques-Alain Miller por ocasião do encerramento do IX

Congresso da Associação Mundial de Psicanálise (AMP), em 17 de abril de 2014, apresentando o

tema de seu X Congresso.

2. Lacan J., O Seminário, livro 20: mais, ainda, Rio de Janeiro, JZE, 2008, p. 121.

3. Hegel G.W.F., Phénoménologie de l'esprit, trad. J. Hippolyte, t. 2, Paris, Aubier, 1941, p. 136.

4. Cf. Miller J.-A., « A orientação lacaniana. Um esforço de poesia », lição de 13 de novembro de

2002, inédito.

5. Cf. Lacan J., O Seminário, livro 20: mais, ainda, op. cit., p. 140.

6. Descartes R., « Méditation sixième », Méditations. Objections et réponses, Paris, Gallimard,

1953, p. 326.

7. Ibid., p. 330.

8. Husserl E., Méditations cartésiennes.

9. Merleau-Ponty M., « L'entrelacs – Le chiasme », Le Visible et l'invisible, Paris, Gallimard, 1964,

p. 172-204.

10. Lacan J., O Seminário, livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise, Rio de

Janeiro, JZE, 1985, p. 75.

11. Lacan J., « Televisão », Outros escritos, Rio de Janeiro, JZE, 2003, p. 510.

12. Cf. Lacan J., « Joyce o Sintoma », Outros escritos, op. cit., p. 564. Sobre esse ponto, reportar-se

também ao : O Seminário, livro 23: o sinthoma, Rio de Janeiro, JZE, 2007, p. 55 : « no sujeito que

se sustenta no falasser, que é o que designo como sendo o inconsciente ».

13. Lacan J., Je parle aux murs, Paris, Seuil, 2011, p. 103.

14. Cf. Lacan J., « Joyce o Sintoma », op. cit., p. 560-565.

15. Lacan J., O Seminário, livro 7: a ética da psicanálise, Rio de Janeiro, JZE, 1988, p. 141.

16. Cf. Masson D., « Impromptu. Les chemins du réel en musique », intervenção por ocasião do IX

Congresso da AMP, Paris, 17 de abril de 2014, inédito – disponível à escuta na internet, no site

radiolacan.com.e em vídeo no site congresamp2014.

17. Cf. Lacan J., O Seminário, livro 23: o sinthoma, Rio de Janeiro, JZE, 2007, p. 150.

18. Cf. Lacan J., O Seminário, livro 20: mais, ainda, op. cit., p. 149.