O IMPACTO DA DEFICIÊNCIA NAS FAMÍLIAS: DESAFIOS E … · 2017-02-06 · ... bem como seus...
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FACULDADE CATÓLICA DE UBERLÂNDIA
ELAINE SUELY RODRIGUES
O IMPACTO DA DEFICIÊNCIA NAS FAMÍLIAS:
DESAFIOS E SUPERAÇÕES
Uberlândia
2011
ELAINE SUELY RODRIGUES
O IMPACTO DA DEFICIÊNCIA NAS FAMÍLIAS:
DESAFIOS E SUPERAÇÕES
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado
ao Curso de Serviço Social da Faculdade Católica de Uberlândia – FCU - como
requisito para obtenção do título de Bacharel
em Serviço Social.
Orientadora: Profª Ms. Maria Guimarães
Silva
Uberlândia
2011
ELAINE SUELY RODRIGUES
O IMPACTO DA DEFICIÊNCIA NAS FAMÍLIAS:
DESAFIOS E SUPERAÇÕES
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado
ao Curso de Serviço Social da Faculdade Católica de Uberlândia - FCU - como
requisito para obtenção do título de Bacharel
em Serviço Social.
Orientadora: Profª Ms. Maria Guimarães da
Silva
Banca Examinadora
___________________________________________________________
Profª. Ms. Maria Guimarães da Silva
Orientadora / FCU
___________________________________________________________
Profª Ms. Marilene Genari
Docente / FCU
___________________________________________________________
Profª Ms. Maria Isabel Silva.
Docente / FCU
Uberlândia, 30 de junho de 2011
Dedico este trabalho às minhas netas, Lavínia e
Lizandra. Que meu esforço sirva de exemplo: para
se alcançar o conhecimento não existe idade, basta
querer!
AGRADECIMENTOS
A DEUS pelo Seu poder infinito e Sua generosidade em ter me possibilitado a
oportunidade de realizar conquistas tão importantes.
“Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara.”
José Saramago
RESUMO
O presente trabalho apresenta os resultados da pesquisa realizada com as mães de
crianças com algum tipo de deficiência que fazem tratamento na Instituição CERTO.
Discute os desafios enfrentados pela pessoa com deficiência, bem como seus reflexos
no âmbito familiar. Trata ainda sobre as políticas públicas voltadas para a questão da
deficiência, com a inserção do olhar do Serviço Social. Para tanto, foi necessária
pesquisa bibliografia, a partir da qual foi possível estabelecer um diálogo entre vários
autores estudiosos da questão, dentre eles, citamos BUSCAGLIA (2006), SILVA
(1986), CARMO (1991), NETTO (2001), IAMAMOTO (2001, 2002). A pesquisa foi
realizada por meio de entrevistas, utilizando como instrumental para coleta de dados um
formulário. Foram entrevistadas as mães das crianças atendidas na Instituição CERTO
e cuja previsão de alta não ultrapasse o ano de 2011. Dentre os resultados obtidos,
verificou-se que a mãe é o único membro familiar que se dedica exclusivamente aos
cuidados da criança com deficiência, relegando sua profissão e, até mesmo sua vida
pessoal, ao segundo plano. O estudo demonstra ainda, que parte considerável das mães
entrevistadas desconhece a própria deficiência do filho, interferindo no tratamento da
mesma, também desconhecem a legislação que assegura os direitos das pessoas com
deficiência e seus familiares. Há indícios claros de que as relações familiares se
transformam quando é recebido, no seio familiar, um filho com deficiência.
PALAVRAS-CHAVE: Deficiência. Família. Serviço Social. Políticas Públicas.
ABSTRACT
This paper aims at presenting, discussing and analyzing the challenges faced by people
with disabilities and their reflections in the family. It also aims at searching for a better
understanding of public policies directed to the issue of disability, through the
perspective of the Social Work. Thus, it was necessary to do a bibliographical research,
from which it was possible to establish a dialogue among several authors who studied
the issue. Among them we quote Buscaglia (2006), SILVA (1986), Carmo (1991),
Netto (2001), Iamamoto (2001, 2002). The first chapter deals with disabilities on a
conceptual way, understanding of it by the society and their protection policies. In the
second chapter, the family structure, the importance of family in the rehabilitation of
people with disabilities, as well as reflexes of disability on family relationships will be
addressed. The third chapter will discuss the relation of Social Work with disabilities
and also the results obtained through a survey developed at the Centro de Excelência,
Reabilitação e Trabalho Orientado - CERTO – a philantropic institution that assists and
provides specialized treatment for people with disabilities. The survey was conducted
through interviews with mothers of children who are served by the CERTO institution
and who will be discharged by the end of 2011. Among the results, it was found that the
mother is the only family member who is exclusively dedicated to the care of disabled
children, leaving their profession aside; that a considerable proportion of the mothers
interviewed are unaware of their own child's disability, which interferes in the
treatment; that most mothers are unaware of the legislation that guarantees the rights of
people with disabilities and their family; and that family relationships are transformed
when a child with disabilities is received within the family.
KEYWORDS: Disabilities. Family. Social Work. Public Policies.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO................................................................................................................. 09
1 POLÍTICAS PÚBLICAS DE ATENÇÃO À PESSOA COM DEFICIÊNCIA............. 12
1.1 A compreensão da deficiência na sociedade.............................................................. 12
1.2 As políticas públicas de proteção............................................................................... 16
1.3 A seguridade social e o BCP – Benefício de Prestação Continuada.......................... 19
2 AS RELAÇÕES FAMILIARES NA CONTEMPORANEIDADE ............................... 24
2.1 Os reflexos da deficiência no cotidiano das relações familiares................................ 28
2.2 O terceiro setor........................................................................................................... 32
3 A DEFICIÊNCIA, O SERVIÇO SOCIAL E AS RELAÇÔES FAMILIARES: UM
COTIDIANO DE CUIDADOS E PROTEÇÃO.................................................................
36
3.1 A atuação do Serviço Social na atenção à pessoa com deficiência............................ 36
3.2 A Instituição CERTO................................................................................................. 40
3.3 Metodologia da pesquisa............................................................................................ 42
3.4 A deficiência na ótica familiar: as mães da Instituição CERTO................................ 42
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................... 53
5 REFERÊNCIAS................................................................................................................ 55
6 ANEXOS....................................................................................................................... .. 57
6.1 Instrumental de pesquisa............................................................................................ 57
6.2 Termo de consentimento livre e esclarecido.............................................................. 62
9
INTRODUÇÃO
Entender a deficiência e as questões que a cercam, é compreendê-la como parte
do desenvolvimento humano e social na perspectiva do acesso aos direitos e à dignidade
da pessoa humana. Isso significa dizer que antes de ser pessoa com deficiência, se é
SER HUMANO. A ênfase se dá na pessoa e não na deficiência. A dificuldade de
compreensão não está relacionada à complexidade da questão, mas sim à ignorância da
sociedade em relação a ela. Acredita-se que essa ignorância acontece por diversos
fatores: falta de conhecimento da população, de informações, e, principalmente falta de
interesse e envolvimento com a questão.
As pessoas com deficiência existem desde o início da vida humana na face da
Terra. De acordo com Silva (1987, p. 29), o que difere a situação das pessoas com
deficiência da antiguidade das pessoas com deficiência nos dias atuais está relacionado
à própria sobrevivência. Antigamente, por falta de recursos, o sofrimento delas podia
ser fatal.
Silva (1987, p. 22) ressalta que, desde a antiguidade, já existia a questão da
exclusão, discriminação e preconceito. Naquela época, pessoas idosas e deficientes ou
eram aceitas ou eram eliminadas. No século XVIII, na Europa, a deficiência se destaca
abrindo campo para direitos e deveres. Na Inglaterra o Rei Henrique VIII criou a Lei
dos Pobres, recolhendo impostos em favor dos menos favorecidos. No entanto, a
questão não estava resolvida, pois as classes mais baixas continuavam a ser
marginalizadas e descriminadas, mas ainda assim já era a marcação do início dos
direitos sociais.
No Brasil, com a vinda da Corte Portuguesa, em 1884, Dom Pedro II ordenou a
construção de três organizações no campo da assistência e reabilitação das pessoas com
deficiência: o Instituto dos Meninos Cegos; O Instituto dos Surdos-Mudos e o Asilo dos
Inválidos da Pátria.
No final do século XIX e início do século XX, com a industrialização e a II
Guerra Mundial, surgiram vários movimentos de mobilização numa luta pelos direitos
dos trabalhadores. Com isso, surge também, o conceito de conscientização, e por meio
das políticas sociais, surgiram também programas de reabilitação para as pessoas com
deficiência. No Brasil, a partir de 1988, com a Constituição Federal, obtivemos vários
progressos. Esse processo de avanços dos direitos sociais teve início graças à seguridade
10
social instaurada no inciso 31 do Art.179 da Constituição de 1824, sob o conceito de
Socorros Públicos (Simões 2009, p. 93).
A seguridade, instituída pela Constituição Federal de 1988, compreende um
conjunto integrado de ações, de iniciativas dos poderes públicos da sociedade, que visa
assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à Assistência Social. A
Constituição Federal de 1988 apresenta-se como uma importante conquista, pois
institucionaliza as políticas de Assistência Social e Saúde como responsabilidade do
Estado e direito do cidadão. Entretanto, viabilizar os acessos a essas políticas ainda é
um desafio para a população.
A Constituição Federal considera a família como núcleo básico de tudo e
entende que o Estado tem a responsabilidade de valorizar a família, dando atenção
especial àquela que possui pessoa com deficiência. A preocupação com a família está
clara na Constituição Federal, embora as ações sejam efetivadas de forma fragmentadas
e focalizadas em determinados segmentos ou especificidades da família. O sistema
capitalista contribui significativamente para essa visão estática e dividida do homem e
da sociedade, em decorrência disso, essa visão fragmentada das políticas sociais.
Com o crescimento econômico de 1960 a 1970, são instituídas políticas sociais
de atenção às mulheres do grupo familiar. As mulheres, além de cuidar do lar, passam a
trabalhar e a ocupar espaços cada vez mais importantes na sociedade, para tanto, é
necessário que elas desenvolvam papéis múltiplos, se aperfeiçoando, fazendo cursos de
capacitação. Na família da pessoa com deficiência, os reflexos dessas mudanças são os
mesmos, mas o cotidiano dessas famílias sofre proporções maiores e diversas. Hoje,
com a emancipação das mulheres, muitas delas assumem sozinhas as responsabilidades
do lar. Nesse sentido, essa pesquisa justifica-se pela necessidade de compreender o
cotidiano da mãe moderna que, além de assumir vários papéis, dedica atenção especial
ao filho com deficiência.
A deficiência, seja ela congênita ou adquirida, como a auditiva, mental, física,
múltipla ou intelectual, necessita de tratamento adequado no processo de reabilitação, e
atenção a cada tipo específico de limitação, para que sua qualidade de vida seja melhor.
Para tanto, é necessário que a família seja um apoio condicional nesse processo.
Esse trabalho dedica-se à pesquisa de questões referentes à deficiência,
enfatizando a ótica das mães. O primeiro capítulo deste trabalho trata da deficiência de
forma conceitual, da compreensão da mesma pela sociedade e de suas políticas de
proteção. No segundo capítulo, são abordadas as configurações familiares, a
11
importância da família para a reabilitação da pessoa com deficiência, bem como os
reflexos da deficiência nas relações familiares. No terceiro capítulo se discute a relação
do Serviço Social com a deficiência e a análise dos resultados obtidos por meio da
pesquisa desenvolvida no Centro de Excelência, Reabilitação e Trabalho Orientado -
CERTO -, instituição filantrópica que atende e oferece tratamentos especializados para
as pessoas com deficiência.
O trabalho foi desenvolvido por meio de pesquisa bibliográfica e pesquisa de
campo. O universo da pesquisa se concentrou nas mães das crianças com idade de 0 até
12 anos, atendidas na Instituição e que estejam com alta prevista para dezembro de
2011.
12
1 POLÍTICAS PÚBLICAS DE ATENÇÃO À PESSOA COM DEFICIÊNCIA
NO BRASIL
1.1 A compreensão da deficiência na sociedade
Apesar de ser difícil encontrar traços de civilizações em épocas anteriores a
4.000 A.C., o homem já conseguia, em várias fases de tempos tão remotos, e em
memória da chamada Pré-História, fazer criações e descobertas de extremo valor para a
evolução da vida de grupos humanos. A partir do quarto milênio A.C., grupos maiores
de homens surgem na Mesopotâmia, no Egito. Esses grupos humanos eram organizados
e progrediam na medida em que desenvolviam suas atividades, muito embora a maior
preocupação fosse com a própria sobrevivência, pois o cotidiano estava relacionado a
atividades que visavam suprir necessidades de alimentação e abrigo. Além de se
preocuparem com a sobrevivência, alguns dos grupos se dedicavam também aos
primeiros ensaios da ciência; havia os que cuidavam de funções vitais para o grupo,
como as construções; os que entendiam de doença; os que observavam corpos celestes
no céu; os que se dedicavam à natureza; os que se dedicavam à criação das crianças; e
os que trabalhavam na troca de bens (SILVA, 1986, p. 54).
Um dos fatores que contribuiu para um progresso rápido do homem primitivo foi
o surgimento da escrita, o que possibilitou a comunicação e transmissão de informações
no desenvolvimento de atividades, como a troca de mercadorias. A invenção da escrita
foi de suma importância e de muita utilidade no Egito, pois por meio dela, foi possível
ao homem, documentar sua evolução e transmitir melhor toda a informação que o
cercava.
Com a escrita, temos a história de toda a humanidade, contada, às vezes, até
mesmo por meio dos desenhos (SILVA, 1986, p. 51). Perguntamo-nos, então, e a
história das pessoas com deficiência? De que forma será que ela é contada desde os
primórdios? A história da deficiência acompanha os homens desde o início da
civilização, mas pouco ou nada foi escrito sobre ela. Na história das pessoas com
deficiência, desde a Antiguidade, o que temos são marcas de discriminação e
preconceito que estão na cultura de cada povo: quando as pessoas doentes, idosas ou
13
portadoras de deficiência não eram cuidadas por métodos da feitiçaria, elas eram
eliminadas.
Algumas tribos da África não abandonavam as crianças “anormais”, pois
acreditavam que poderiam sofrer efeitos de feitiçaria. Outras tribos primitivas também
não prejudicavam as crianças e adultos com deficiência porque acreditavam que se
tratava de maus espíritos que habitavam e conviviam com todos. Entretanto, o mesmo já
não ocorria nas tribos dos esquimós, nos territórios canadenses, e nas tribos dos índios
Ajores (no Rio Paraguai, na Bolívia). Por volta do século XVII e XVIII, os esquimós
davam as pessoas idosas e as pessoas com deficiência como alimento para ursos
brancos, que eram considerados sagrados e de grande utilidade para a tribo, por isso
precisavam ser bem alimentados. Já na tribo dos índios Ajores, os recém- nascidos com
deficiência e os idosos eram enterrados vivos (CARMO, 1991, p. 22).
A ideia de que a deficiência era bruxaria, coisa dos maus espíritos, acompanhou
o homem por longas épocas. De acordo com CARMO (1991, p.22), entre os hebreus,
“toda doença crônica ou deficiência física, ou qualquer deformidade corporal
simbolizava impureza ou pecado”.
No Museu do Louvre, em Paris, no Código de Hamurabi, está outro exemplo de
como era vista a deficiência. Trata-se de uma pequena coluna de mais de dois metros de
altura, de cor negra, em forma de cone, e toda escrita em caracteres uniformes. A obra é
dividida em 46 (quarenta e seis), pequenas colunas com 3.600 (três mil e seiscentas)
linhas escritas, uma coleção das leis mais antigas que se tem conhecimento. Nessa lei,
algumas formas de punições para quem infringia as normas eram amputações. Essas
formas de punições objetivavam informar a todos que o infrator era escravo, criminoso
ou traidor.
De acordo com Goffuman (1980, p. 7) apud Carmo (1991, p. 23), os três tipos de
estigmas1 ainda presentes na sociedade são:
Em primeiro lugar, há abominações físicas. Em segundo, as
culpas de caráter individual, percebidas como vontade para
paixões tirânicas ou não naturais, crenças falsas e rígidas,
desonestidade, sendo essas inferidas a partir de relatos
conhecidos, de, por exemplo, distúrbio mental, prisão, vício,
alcoolismo, homossexualismo, desemprego, tentativas de
1 Segundo o dicionário enciclopédico ilustrado Veja Larousse (2006), estigma é o mesmo que cicatriz
causada por ferimentos, um sinal, ou uma marca.
14
suicídio e comportamento político radical. Finalmente, há os
estigmas tribais de raça, nação e religião, que podem ser
transmitidos através da linhagem e contaminar por igual todos
os membros da família (GOFFUMAN1980, p.7 Apud CARMO,
1991, p.23).
Nos exemplos de estigmas, percebemos que os povos associavam os corpos
disformes ou mutilados à maldade. Na Idade Média, se os indivíduos tinham qualquer
deformidade física, suas chances de sobreviver eram poucas. A questão demoníaca,
satânica, era relacionada à deformidade física, o que se pode confirmar nos quadros
pintados naquela época.
Com o Renascimento2, as pessoas com deficiência começaram a se destacar e se
sobressair. Vale lembrar que o período renascentista vai desde o fim do século XV até o
fim do século XVI e se difundiu na Europa, sendo considerado um marco, pois abriu
campo dos direitos e deveres das pessoas com deficiência. Na Inglaterra, o Rei
Henrique VIII criou a Lei dos Pobres, cujo objetivo era ajudar os pobres, velhos e
pessoas com deficiência. Na França, em 1554, o Gran Bureaux des Pauvres era um
grupo de burgueses importantes que arrecadavam dinheiro e iam a hospitais que
atendiam pobres, paralíticos, amputados, cegos e pessoas com outras deficiências. De
acordo com Carmo (1991, p. 25), um dos importantes indicadores das melhorias da
situação das pessoas com deficiência é que, naquela época, grandes personalidades
possuíam alguma anomalia congênita ou adquirida. Dentre essas personalidades,
destacamos: Camões, poeta português que ficou cego de um olho durante a guerra;
Galileu Galilei, astrônomo alemão, que ficou cego nos últimos anos de sua vida, e
mesmo assim continuou suas pesquisas; Johamnes Kepler, astrônomo alemão,
pesquisador importante sobre o movimento dos planetas, ficou cego em decorrência do
sarampo, quando criança; Ludwig Von Beethoven, músico, nos últimos anos de vida
perdeu a audição, mas conseguia compor e nos deixou obras famosas; Antonio
Francisco Lisboa, o “Aleijadinho”, foi vítima de uma tromboangite obliterante nas
mãos, o que não o impediu de esculpir os 12 (doze) profetas no adro da Igreja de
Matozinho, fazendo com que ele fosse considerado um dos maiores escultores
brasileiros.
2 Movimento de renovação cultural surgido na Europa (século XV e XVI) não só na literatura, artes e
ciências, mas também no campo econômico e social, com grandes descobertas (Dicionário Enciclopédico
Ilustrado Veja Larousse).
15
Apesar da evidência de várias pessoas com deficiência ilustres, a situação
continuava a mesma para os pobres, pois as pessoas de classe mais baixas continuavam
a ser marginalizadas e discriminadas. No entanto, o avanço corresponde ao fato de que
eles já não eram mais vistos como inúteis, imprestáveis. Na maioria das organizações e
instituições, o atendimento aos pobres, velhos e paralíticos eram de cunho
assistencialista e filantrópico. A partir dessa forma de assistência, surgiram as tentativas
de recuperação, reabilitação, um olhar para a capacidade dessas pessoas e até mesmo
para a sua inserção no mercado de trabalho.
Durante séculos, as pessoas com deficiência foram tratadas como invalidas,
sendo consideradas inúteis. De acordo com definição do dicionário3, deficiência é uma
palavra derivada do latim que significa perda de quantidade ou valor; falta; carência
insuficiência orgânica ou psíquica. De acordo com Couto (2007, p.10), no século XX,
até os anos de 1960, as pessoas “aleijadas” eram reconhecidas como incapacitadas. Já
em 1980, eram reconhecidas como pessoas “defeituosas’, ou excepcionais, sendo que de
1981 a 1987, passaram a ser chamadas de pessoas deficientes. Segundo Simões (2009,
p.340), de 1988 até 1993 adotou-se o termo de pessoas portadoras de deficiência, mas
como já havia referência a pessoas com necessidades especiais, adotou-se a expressão
portadora de necessidades especiais. No entanto, o termo foi considerado inadequado,
pois o termo “portador” sugeria algo negativo, era como afirmar que as pessoas com
deficiência carregavam um fardo, uma deficiência. Dessa forma, atualmente, usa-se o
termo “pessoas com deficiência”, sendo o mais adequado, pois não estigmatiza a pessoa
que apresenta a deficiência.
O Brasil já tinha assistência aos enfermos desde o período colonial, com os
jesuítas, desde o começo da fundação de São Paulo. O Brasil segue a influência da
Europa, e com a instalação da rica Corte Portuguesa de D. Pedro II, é ordenado que se
construa, nas cidades mais importantes do país, as chamadas “Beneficências
Portuguesas”. Segundo Carmo (1991, p.27), dados históricos brasileiros afirmam que os
índios não apresentavam anomalias, se tinham, eram poucas e em consequência de
guerras. Quando as crianças apresentavam casos congênitos, elas eram sacrificadas. As
doenças mais comuns naquela época era a cegueira, o raquitismo, e beribéri, e
geralmente eram causadas por falta de alimentação. Quanto aos escravos, era grande o
3 Dicionário Enciclopédico Larousse, p. 806, 2006.
16
número de “inválidos”, vítimas de acidentes no engenho ou lavoura de cana e maus
tratos.
Dom Pedro II, em 1884, ordenou a construção de três organizações no campo da
assistência ou reabilitação das pessoas “deficientes”: O Imperial Instituto dos meninos
cegos; O Instituto dos Surdos-mudos (1887) e o Asilo dos Inválidos da Pátria, para os
combatentes mutilados na guerra. Entretanto, historiadores ressaltam que no Brasil, até
o século XVIII, não havia muitos médicos e muito menos reabilitação, e assim, fica
“claro que tanto a Medicina como a reabilitação física no Brasil praticamente não
existiram nos quatro primeiros séculos de nossa história (CARMO, 1991, p. 28).
Hoje, vale destacar que a história se constrói com avanços e retrocessos. Foram
várias as conquistas na segunda metade do século XIX e início do século XX, como o
acesso a direitos sociais como o trabalho, previdência social. No processo de
reconhecimento dos direitos da pessoa com deficiência também tivemos conquistas nas
políticas que integram a Seguridade Social como a descentralização e a participação
social; a universalização do acesso à saúde; o estabelecimento da Assistência Social
como política pública; a criação do Benefício de Prestação Continuada - BPC - mensal
com valor de um salário mínimo, a idosos e portadores de deficiência que possam
comprovar que não possuem meios de prover seu sustento.
1.2 As políticas públicas de proteção
Desde os primórdios da existência humana, sabemos que, a partir do trabalho
materializado no cotidiano, o homem se distinguiu de todas as formas pré-humanas,
sendo fundamentalmente porque o trabalho é condição para sua existência. O trabalho é,
ainda, uma forma de socialização. As pessoas com deficiência, como cidadãos comuns
que são, necessitam do trabalho para se reconhecerem também, como sujeitos sociais,
por isso é necessária a sua entrada no mercado de trabalho. No entanto, os direitos de
cidadania e inclusão social dos sujeitos com deficiência só se concretiza a partir dos
anos de 1980, quando a Organização das Noções Unidas (ONU) proclamou o Ano
Internacional da Pessoa Portadora de Deficiência, com o lema “Participação e Igualdade
Plena”. Em 1982, a Assembleia Geral aprovou o PAM, Programa de Ação Mundial, por
meio da Resolução nº 37/52. Aprovada em 14 de dezembro de 1990, a Resolução nº
17
45/1991 da ONU propõe mudanças no Programa das Nações Unidas sobre deficiência:
o que era de conscientização passa agora para ação, com objetivo de atingir a sociedade.
O Brasil assinou este documento (Decreto Legislativo nº 3.956/2001). No ano de 1993 a
ONU proclamou o começo da década de Equiparação de Oportunidades. O significado
de inclusão social vem para combater a discriminação.
Com relação à integração do trabalho, o inciso XXIII da Declaração Universal
dos Direitos do Homem proclamou o direito às pessoas com deficiência. De acordo com
a ONU, no mundo, para cada dez pessoas, pelo menos uma tem algum tipo de
deficiência. Segundo IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas -, da
população do Brasil, 5% representa o número de pessoas com deficiência Mental; 2%
com deficiência Física; 2% com Deficiência Auditiva: 2% Com Deficiência Visual; 1%
Com Deficiência múltipla. Os dados do Censo Demográfico do IBGE do ano de 2006
demonstram que no Brasil havia aproximadamente 24,6 milhões de pessoas com
deficiência, ou seja, 14,5% da população (SIMÕES, 2009, p. 342).
A Lei nº 7.853/89 dispõe em seus artigos sobre a inclusão das pessoas com
deficiência no sistema educacional, assegurando oferta obrigatória e gratuita da
Educação Especial. À CORDE - Coordenadoria Nacional para a Pessoa Portadora de
Deficiência - compete coordenar as ações governamentais, elaborar planos, programas e
projetos, propondo providências necessárias, bem como acompanhar e orientar a
execução dos mesmos pela Administração Pública Federal. E no parágrafo único do
art.12 está disposto que, “na elaboração dos planos, programas e projetos a seu cargo,
deverá a CORDE recolher, sempre que possível, a opinião das pessoas, entidades
interessadas, bem como considerar a necessidade de efetivo apoio aos ente particulares
voltados para a integração social das pessoas portadoras de deficiência”
(LEGISLAÇÃO SOCIAL, p. 410).
O Decreto nº 3.298/99 regulamenta a Lei 7.853/89 que dispõe sobre a integração
da Pessoa com deficiência, consolidando as normas de proteção. Em seu art. 2
especifica que cabe aos órgãos e às entidades do Poder Público assegurar à pessoa com
deficiência, o exercício de seus direitos básicos, inclusive dos direitos à educação, à
saúde e ao trabalho.
Com relação à habilitação e reabilitação profissional, a pessoa com deficiência,
beneficiária ou não da Previdência Social, tem direito à reabilitação profissional para
capacitar-se para o mercado de trabalho. Quanto ao acesso ao trabalho, a finalidade
principal da política de emprego dispõe que a que pessoa com deficiência seja inserida
18
no mercado ou incorporada ao sistema produtivo por meio de um regime especial de
trabalho protegido. De acordo com a Legislação Social, no art.36 está disposto que:
A empresa com cem ou mais empregados está obrigada a preencher de
dois a cinco por cento de seus cargos com beneficiários da
Previdência Social reabilitados ou com pessoa portadora de deficiência habilitada, na seguinte proporção
I- Até duzentos empregados, dois por cento;
II- De duzentos e um a quinhentos empregados, três por cento: III- De quinhentos e um a mil empregados, quatro por cento; ou
IV- Mais de mil empregados, cinco por cento;
§1º - A dispensa de empregado na condição estabelecida neste artigo,
quando se trata de contrato por prazo determinado, superior a noventa dias, e a dispensa imotivada, no contrato por prazo indeterminado,
somente poderá ocorrer após a contratação de substituto em condições
semelhantes. §2º- Considera-se pessoa portadora de deficiência habilitada aquela
que concluiu curso de educação profissional de nível básico, técnico
ou tecnológico ,ou curso superior, com certificação ou diplomação expedida por instituição pública ou privada ,legalmente credenciada
pelo Ministério da Educação ou órgão equivalente, ou aquela com
certificado de conclusão fornecido pelo Instituto Nacional do Seguro
Social-INSS. §3º - Considera-se também, pessoa portadora de deficiência habilitada
aquela que, não tendo se submetido a processo de habilitação ou
reabilitação, esteja capacitada para o exercício da função (LEGISLAÇÃO SOCIAL, p. 423-424).
A competência de fiscalizar e avaliar o controle das empresas fica a cargo do
Ministério do Trabalho e Emprego – TEM, bem como viabilizar meios de instituir
formulários que possibilitem o conhecimento das estatísticas referentes aos empregados
portadores de deficiência e das vagas preenchidas.
O Brasil é um país reconhecido internacionalmente por sua atuação na área dos
Direitos Humanos, por defender valores como a dignidade e combater a discriminação.
Pouco a pouco os defensores dos direitos humanos estão aumentando, ganhando mais
atenção, tanto das instituições governamentais como da sociedade. Por meio desse
diálogo entre os defensores dos direitos humanos e as instituições governamentais, é
possível a garantia da promoção e defesa dos direitos humanos, bem como de melhores
condições de vida e acesso a bens e serviços com segurança e autonomia. A
globalização vivida hoje nos remete ao caminho da justiça social, da concórdia, respeito
entre todos os povos.
19
O Brasil é um país que encontra- se dentro de um terço dos países membros da
ONU que dispõe de legislação para as pessoas com deficiência. A Convenção sobre os
direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, que garantem
monitoramento e cumprimento das obrigações do Estado, foi assinado pelo governo
brasileiro em 30 de março de 2007. Foram redigidos cinquenta artigos tratando dos
direitos civis, políticos, econômicos sociais e culturais, com todo respaldo necessário
indispensável para a emancipação desses cidadãos. Os princípios da Convenção são:
o respeito pela dignidade inerente, a independência da pessoa,
inclusive a liberdade de fazer as próprias escolhas, e a autonomia
individual, a não-discriminação, a plena e efetiva participação e
inclusão na sociedade, o respeito pela diferença. A igualdade de oportunidade, a acessibilidade, a igualdade entre o homem e a mulher
e o respeito pelas capacidades em desenvolvimento de crianças com
deficiência (BRASIL, 2007, p. 9).
Frente ao exposto, percebemos que, por meio de novas políticas e programas de
reabilitação de pessoas com deficiência, foi possível o alcance de uma conscientização
mundial. No Brasil, a partir de 1988, com a Constituição Federal, vários progressos
foram alcançados. No entanto, sabemos que há uma grande distância entre as leis e a
seguridade social.
1.3 A seguridade social e o BPC – Benefício de Prestação Continuada
O conceito de Seguridade no Brasil compreende um conjunto integrado de
ações, de iniciativas dos poderes públicos e da sociedade, destinado a assegurar os
direitos relativos à saúde, à previdência e à Assistência Social, instituído pela
Constituição Federal de 1988. Historicamente, a Previdência Social, formatada na
lógica do Seguro Social, respondeu pela proteção ao trabalhador, em especial, nos
eventos básicos previstos e nas eventualidades. Essa cobertura está relacionada às ações
estatais de segurança na adversidade, oferecendo um suporte quando esse trabalhador
não se apresentar em condições de sobreviver pelo próprio trabalho em situações de
doenças, velhice, dentre outras. Por oferecer esse tipo de cobertura aos trabalhadores, a
previdência associou-se às outras políticas sociais, embora esta seja uma política
20
contributiva direta. Ou seja, constitui obrigação do trabalhador contribuir diretamente
para acessar seus programas.
É inegável que a Seguridade Social foi uma das grandes conquistas sociais da
Constituição Brasileira de 1988, pois institucionaliza as políticas de Assistência Social e
Saúde como responsabilidades do Estado e direito do cidadão, entretanto, o acesso a
essas políticas ainda é um desafio à grande parte da população. Embora a Carta Magna
traga a universalização dos direitos, com uma determinação legal que garante a todos os
brasileiros o acesso à saúde e à Assistência Social, os resultados obtidos até o momento,
ainda têm sido excludentes. Nesse mesmo sentido, a intersetorialização, integração das
políticas ainda não se efetivaram. O sentido da Seguridade Social só é completo quando
há um conjunto de ações estatais que atenda às necessidades na perspectiva de um
sistema de proteção social, garantindo igualdade nos direitos, enfatizando a prevenção, a
inclusão e o desenvolvimento social.
A Seguridade constituiu assim, uma instituição político-estatal, com participação
da sociedade civil, por meio de convênios e consórcios que centram seus objetivos de
ação social na saúde, na previdência e na assistência, buscando assegurar à população os
mínimos sociais.
Sobre a Assistência Social, no Art. 203 da Legislação Social está disposto que
ela será prestada a quem dela necessitar, independente de contribuição à seguridade
social, e tem por objetivo:
IV A habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária;
V a garantia de um salário mínimo mensal à pessoa portadora de
deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à sua própria manutenção ou tê-la provida por sua família conforme
dispuser a lei (LEGISLAÇÃO SOCIAL, 2007).
As décadas de 1980 e 1990 foram vitais para as mudanças no cenário político,
econômico e social brasileiro. Na transição do governo militar para o governo civil,
houve promulgação da Constituinte em 1988, mas com a grande recessão e contradição
no campo econômico, surgiu um paradoxo, os impulsos no sentido da formulação e
implantação de políticas sociais nacionais universais que seriam operadas de forma
centralizada foram minados pela política macroeconômica.
21
De acordo com Couto (2006, p. 19), importantes avanços foram alcançados,
trazendo novas configurações e novas concepções para a área dos direitos civis,
políticos e sociais, possibilitando uma nova forma de organizar e gestar o sistema de
seguridade social brasileiro como política de natureza pública. No mundo, todas as
orientações seguiam o Consenso de Washington, neoliberal, e o caminho passa a ser a
desestruturação dos sistemas de proteção social vinculados à estrutura estatal para que
os mesmos passassem a ser gestados pela iniciativa privada.
De 1990 a 1992, o governo de Collor foi marcado pela sua intervenção na
economia por meio do plano Collor I e Collor II, na abertura do mercado brasileiro com
caráter populista, clientelista e assistencialista dos programas sociais de seu governo.
Segundo Couto (2006, p. 146) no campo social, esse período caracteriza-se por
mecanismos que afetaram o sistema de proteção social, desmontando-o, principalmente
em relação às seguridades sociais. Foi uma rejeição total ao padrão seguridade social. O
governo reiterou ao desvincular os benefícios previdenciários e da Assistência Social do
valor do salário mínimo, isto já era tentativa da administração anterior, só foi reforçada.
Houve resistência na aprovação de benefícios e organização do custeio da seguridade
social. O projeto de lei que regulamentava a Assistência Social foi vetado e represou por
vários meses a concessão de benefícios previdenciários.
O fim da era Collor foi marcado na história da democracia brasileira, com
inúmeras denúncias de corrupção nos altos escalões do governo, culminado num
processo de impeachment que o retirou do poder. O vice - presidente, Itamar Franco,
assumiu em seu lugar, mas o governo ficou centrado novamente no projeto econômico,
e para conter o déficit e a inflação, utilizou a estratégia do Plano Real. Entretanto, tanto
no seu governo, como no anterior, as políticas sociais entram em choque no que diz
respeito ao caráter universalista e de direito social previsto na Constituição de 1988. As
políticas já estavam sendo desconstituídas.
De acordo com Couto (2006, p. 151), Sarney, Collor, Itamar Franco e Fernando
Henrique Cardoso governaram na base da centralização econômica. O Brasil inicia um
percurso seguindo orientações neoliberais, fazendo um grande esforço para acompanhar
o mundo desenvolvido. Com o capitalismo monopolista, a desigualdade social ganhou
maiores proporções, pois com a enorme concentração de renda por parte da burguesia, o
Estado foi impedido de dar respostas à sociedade, deixando de ser assistencialista.
A Lei Orgânica de Assistência Social - LOAS - nº 8.742/93 foi aprovada como
resultado dos movimentos de parcela da sociedade civil, de organizações de classe e da
22
ação do Ministério Público. Entre as entidades que atuaram ativamente no processo de
regulamentação da Assistência Social como política pública, encontra-se a categoria dos
Assistentes Sociais.
O Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social – BPC – LOAS - é
um benefício da Assistência Social, integrante do Sistema Único da Assistência Social –
SUAS. Benefício pago pelo Governo Federal, cuja operacionalização do
reconhecimento do direito é do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS - e
assegurado por lei, e visa garantir aos idosos e pessoas com deficiência, condições
mínimas para uma vida digna.
A Lei Orgânica da Assistência Social nº8. 742 de 07 de dezembro de 1993
dispõe que:
Art. 1º - A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é
Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos
sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às
necessidades básicas.
V – a garantia de 1 (um) salário mínimo de benefício mensal à pessoa
portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-lo provido por sua família.
Parágrafo único- a assistência social realiza-se de forma integrada às
políticas setoriais, visando ao enfrentamento da pobreza, à garantia dos mínimos sociais, ao provimento de condições para atender
contingências sociais e à universalização dos direitos sociais.
(LEGISLAÇÃO SOCIAL, p. 210).
A pessoa idosa deverá comprovar que possui 65 (sessenta e cinco) anos, ou
mais, que não recebe nenhum benefício previdenciário e ainda confirmar renda mensal
familiar per capta inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo. A pessoa com deficiência
deverá comprovar que a renda do grupo familiar per capta é inferior a ¼ do salário
mínimo. Deverá também passar por uma avaliação para confirmação de que sua
deficiência o incapacita para a vida independente e para o trabalho. Esta avaliação é
realizada pelo Serviço Social e pela perícia do INSS.
O benefício assistencial pode ser pago a mais de um membro da família desde
que comprovadas todas as condições exigidas. Deixará de receber o benefício quando
houver superação das condições que deram origem à concessão do benefício ou por
morte do beneficiário. O benefício assistencial é intransferível e, portanto, não gera sua
23
pensão aos dependentes. De acordo com o Art.21 da Legislação Social, “o benefício de
prestação continuada deve ser revisto a cada 2 (dois) anos para avaliação da
continuidade das condições que lhe deram origem” (LEGISLAÇÃO SOCIAL, p. 216).
Os direitos da pessoa com deficiência estão assegurados pela Lei nº 7.853 de 24
de outubro de 1989, e dispõe sobre o apoio e integração social das pessoas com
deficiência. Em seu Art. 1º, são estabelecidas normas gerais que asseguram o pleno
exercício dos direitos individuais e sociais e sua efetiva integração social. A
Coordenadoria Nacional para integração da Pessoa Portadora de Deficiência – CORDE
- considera “Pessoa Portadora de Deficiência” aquela que apresenta, em caráter
permanente, perdas ou anormalidades de sua estrutura ou função psicológica,
fisiológica, ou de anatomia, que gerem incapacidade para o desempenho de atividades,
dentro do padrão normal para o ser humano.
Todas as pessoas com deficiência têm proteção e os mesmos direitos comuns a
todos os cidadãos, todos garantidos pela Lei nº 3. 298 de 20 de dezembro de 1999, que
regulamenta a Lei 7.853 de 24/10/89, e consolida as normas de proteção. A legislação é
bastante específica e ampla, mas faltam divulgação e a implementação das políticas
sociais. As diretrizes federais e/ou estaduais quase sempre são precisas, para tanto, é
preciso que cheguem aos municípios, às instituições especializadas, às pessoas com
deficiência, suas famílias e comunidades, em forma de programas, projetos e serviços.
Vários fatores podem determinar a efetivação ou não, de políticas sociais para
pessoas com deficiência, o problema é que muitas famílias não acreditam no potencial e
no desenvolvimento do mesmo. Sabemos que a sociedade ainda discrimina e exclui,
mas é preciso que a família da pessoa com deficiência não desanime e incentive o seu
filho a lutar pela seguridade de seus direitos, pois a família é a unidade básica de todo o
agrupamento e é de suma importância para o desenvolvimento da personalidade
humana. Dessa forma, é necessário que a pessoa com deficiência esteja bem integrada
em seu meio familiar, assim, terá possibilidade de enfrentar as limitações propostas pela
sociedade.
24
2 AS RELAÇÕES FAMILIARES NA CONTEMPORANEIDADE
Ao longo da história, o conceito de família tem sido alvo das mais diversas
discussões. A família nuclear conjugal moderna, ou seja, pai, mãe e filhos, na definição
como é hoje, não foi sempre assim. No século XV, na Europa, a família já começou a
traçar costumes, e já no século XVIII fica definido que cada um deveria morar em sua
casa e ser responsável pela educação de seus filhos, sem a interferência da comunidade.
De acordo com Szymanski, (1992, p 5), no final do século XIX e início do
século XX, com o advento da industrialização, as famílias saem do campo e vão
trabalhar nas indústrias da cidade. A partir daí, a família se organiza em torno da figura
do pai. Se esta organização fortaleceu a família como instituição social, para as esposas
e filhos afetou a economia no lar.
No Brasil, observou-se que esse modelo de família institucionalizada variava
principalmente em famílias pobres. Um estudo em São Paulo revelou que as pessoas
modificaram seu modo de viver, não seguiam a família dada como modelo, em
decorrência, principalmente, das dificuldades que passaram.
Geralmente, em algumas famílias, a mulher é a chefe, e quando tem a
presença do homem, ele é que tem posição mais alta e a função de mantê-la. Em pleno
século XXI, com o império do capitalismo, a globalização tem que ser seguida para a
sobrevivência. O conceito familiar pode ser ampliado no contexto geral como:
grupos de indivíduos vinculados par laços sanguíneos, matrimônio ou adoção, formando uma unidade econômica, cujos
responsáveis pela educação das crianças são em princípio, os adultos”.
A família pode ser nuclear (consistindo em dois adultos vivendo juntos numa casa com os filhos próprios ou adotivos), ou estendida
(definida como um grupo de três ou mais gerações-avós, irmãos,
cônjuges). É uma instituição vigente em todas as sociedades, mesmo
que a natureza de suas relações se altere... Na sociedade moderna, a função educativa se realiza fora do âmbito familiar. A escola passa a
ser outra importante referência para a educação (DICIONÁRIO DA
EDUCAÇÃO PROFISSIONAL, 2000, p. 154-155).
A promulgação da Constituição de 1988 trouxe a possibilidade de assegurar o
exercício dos direitos sociais e individuais. Essa Carta Magna se direciona por
25
princípios de defesa da liberdade, segurança, bem estar, desenvolvimento, igualdade e
justiça. Explicita também, valores no sentido de uma sociedade sem preconceitos, sem
discriminação, respeitando o diferente. A Carta Magna constitui-se como um marco na
organização do Estado brasileiro na perspectiva de garantia dos direitos sociais. Nessa
mesma direção, compreende a família como um espaço de aprendizagem e proteção de
seus membros, sendo responsabilidade do Estado e da sociedade civil zelar pelo seu
bem estar e desenvolvimento. Há uma redescoberta da família enquanto usuária das
políticas sociais.
A família constitui espaço central na construção das relações pessoais e
comunitárias, na formação do individuo e do cidadão. Independente dos modelos ou
configurações presentes, suas funções permanecem nos processos de atenção, cuidado e
proteção. Assim, tanto em nível privado quanto nas relações com os espaços
institucionais, no acesso aos direitos e serviços, a vida doméstica e comunitária não se
separa. Ambas se inserem na dinâmica da política, da economia e da sociedade como
um todo. Nesse sentido, é importante que a proteção e a ação das políticas públicas se
direcionem na perspectiva da família, e não apenas na direção de seus membros
isoladamente. Em decorrência das alterações constitucionais, da Seguridade Social,
alterando-se o status da Assistência Social, entendendo-a com uma política social,
valoriza-se a família, priorizando-a na agenda das políticas sociais. Essa conquista vem
buscando o aperfeiçoamento nos serviços públicos comunitários, nas políticas sociais e
na intervenção e proteção do Estado. Embora o caminho ainda seja longo, em termos de
resultados efetivos, em especial no que se refere às políticas de atenção às famílias que
possuem pessoa com deficiência entre seus membros, desafios vem sendo superados.
Superar a visão fragmentada das políticas sociais e dar vida às leis que regulam essas
políticas também são desafios a serem vencidos no que concerne à atenção às famílias.
Se um membro da família precisa de proteção, entende-se que as políticas sociais devam
voltar atenção para toda a família. A própria Constituição Federal de 1988 reflete tal
tendência de valorização da família na agenda das políticas sociais brasileiras.
Como foi dito acima, a Constituição Federal do Brasil recupera e reforça o olhar
sobre a família, entretanto, as políticas sociais continuam fragmentadas em suas ações.
A ênfase se dá nos direitos da mulher, do idoso, da criança, do trabalhador, da pessoa
com deficiência. Continuam sendo divididos, não só por segmentos da população, mas,
ainda nas diversas áreas. Estabelecem-se ações de saúde, educação, segurança, gerando
diferentes programas e instituições, muitas vezes conflitando e competindo entre si,
26
desconsiderando o universo familiar e comunitário, trazendo um desgaste para os
membros cuidadores e responsáveis pela proteção e educação da família, papel esse, em
geral, executado pela mulher. Esse papel responde aos interesses do sistema capitalista
que, aproveitando o período de crescimento econômico, da década de 1960/1970, com a
falta de mão de obra, insere as políticas sociais de atenção à mulher no grupo familiar.
Era preciso dar às mesmas, condições de melhorar através de cursos de capacitação,
meios de melhor conduzir o lar e se inserir no mercado de trabalho.
Por um lado, é inegável a importância de entender a mulher enquanto sujeito
político, sua função na sociedade, suas lutas nos movimentos de emancipação feminina
e os debates travados na conquista de direitos, espaços de fortalecimento dos vínculos
familiares, de melhor qualidade de vida e de cidadania. Por outro lado, estão presentes
nessa discussão, os interesses do capital e do mercado. A família é uma instituição que
preenche lacunas do mercado e do Estado, principalmente nas economias capitalistas.
Portanto, as reflexões sobre as políticas públicas de proteção, representando a
preocupação do Estado no enfrentamento das expressões da questão social, das
vulnerabilidades sociais, no âmbito da proteção à mulher e à família, carece de uma
visão crítica e necessita de permanente aperfeiçoamento.
Hoje, a família, devida à sua reestruturação, passou a ser sustentada pelas
mulheres, além das responsabilidades que já lhe são atribuídas, como cuidar das
crianças, enfermos idosos, pessoas com deficiência e também trabalhar. O conceito
agora de família segue diversos arranjos e ocasiona mudanças na Constituição Federal,
dispostas no Art. 226: “a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
(...) os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo
homem e pela mulher” (LEGISLAÇAO SOCIAL, 2007, p. 96). Dessa forma, o novo
código civil tem como referência não mais o “homem”, e sim a “pessoa”. Essas
mudanças são decorrentes dos novos papéis de homens e mulheres na sociedade, bem
como das exigências da dinâmica social incorporada no conjunto da população.
De acordo com Castro, (1980) em 1990 ocorre no país a entrada do
neoliberalismo. A palavra de ordem é de redução dos direitos sociais e trabalhistas. Há
desemprego estrutural, precarização do trabalho e desmonte da previdência pública. A
saúde e a educação são sucateadas. O neoliberalismo faz com que o Estado seja
mediador da sociedade e reduze suas funções: sua intervenção passa a ser para a
população pobre, e com isso, acaba com os direitos historicamente conquistados, sendo
que o assistencialismo é valorizado. Ocorre o chamado retorno à filantropia e ao
27
primeiro damismo (políticas sociais desenvolvidas na perspectiva do favor e não na
perspectiva do direito, desqualificada, sem profissionalização e capacidade de gestão
social).
No Estado Mínimo, as privatizações dos serviços públicos refletem na família,
que tem que adaptar-se às transformações do mercado, principalmente a família da
pessoa com deficiência.
Assim, contraditoriamente, no Brasil, a partir de 1990, ao mesmo
tempo em que toma corpo a versão liberal de proteção social –
atingindo a previdência social através de reformas que impactam a vida dos trabalhadores, a assistência social com a estruturação de uma
série de programas de transferência de renda e a saúde com a criação
do Programa de Saúde da Família - tem lugar também a luta pela implementação do SUS (Sistema Único de Saúde), conforme a Lei
8.080, de 1990 que dispõe sobre as condições de promoção, proteção e
recuperação da saúde, e da Lei 8.142, que dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do SUS; do Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA) de 1990 e da Lei Orgânica da Assistência Social
(LOAS) em 1993, além da regulamentação de outras leis e normas
operacionais (MIOTO, 2008, p.142 APUD CASTRO, 2008, p. 122).
Com toda transformação política e social, a família brasileira torna-se mais
pobre e fragilizada. O Benefício de Prestação Continuada (BPC) torna-se necessário,
pois a família do idoso e da pessoa com deficiência não tem como se sustentar.
A partir da discussão e efetivação da política de Assistência Social, da
organização e implementação do Sistema Único de Assistência Social – SUAS - o
Brasil começa a dar visibilidade a essa política, tendo como priorização a centralidade
na família. Mais uma vez, a família é reconhecida como importante espaço para a
efetivação das políticas sociais. Dá-se ênfase no fortalecimento dos vínculos familiares
e comunitários. A convivência familiar é valorizada enquanto uma oportunidade de
participação, aprendizado e emancipação de seus membros. Nesse sentido, os
mecanismos de controle social e de efetivação de direitos, por meio das políticas
sociais, são aprimorados e articulados na tentativa de alcançar os segmentos específicos
e às famílias como um todo. Em relação à pessoa com deficiência, retoma-se a
importância dos Conselhos de Direitos e de Defesa dos portadores de Deficiência no
âmbito nacional, estadual e municipal. Discutir, socializar conhecimentos e capacitar as
famílias para compreender e participar desses órgãos, são estratégias para acessar
28
direitos e serviços da pessoa com deficiência. Os Conselhos são organizados para
mediar a participação e interferência na gestão das políticas públicas, sendo
intermediário entre poder público e a população, fiscalizando o orçamento e a aplicação
dos recursos destinados pelo Estado. Esses conselhos possuem uma dinâmica própria e
podem ser aperfeiçoados com a participação ativa da população interessada.
2.1 Os reflexos da deficiência no cotidiano das relações familiares
Segundo Buscaglia (2006), a maior parte das famílias possui uma estrutura
razoavelmente estável, papéis bem definidos, suas próprias regras estabelecidas em
comum acordo, e seus próprios valores. Na família da pessoa com deficiência, também
se encontram definições de papéis, estabelecimento de regras e certa estabilidade,
embora, com uma pessoa com deficiência na família, presenciam-se outras demandas
específicas. Essas demandas exigem diversos mecanismos de atenção das políticas
sociais de saúde, educação, de habitação, de urbanização, possibilitando a inclusão
social.
Quando o bebê é esperado em uma família dita “normal”, geralmente ela já está
estruturada, com regras estabelecidas. Dessa forma, cria-se uma expectativa sobre a
chegada do bebê e sua inserção no seio familiar. Com a chegada de um bebê com
deficiência, as mudanças serão drásticas, a mãe que foi para o hospital radiante de
felicidade agora vê que tudo mudou. Vai chegar de volta em casa, não com celebrações,
pois o impacto de ter um bebê com deficiência lhe é estranho e diferente. A reação
também depende de como a notícia foi recebida, normalmente é o médico que informa,
mas como a mãe está hospitalizada, comunica ao pai e este se encarrega de falar com
todos os familiares. Nem sempre a família consegue compreender de imediato a
situação, mas a verdade é que a maneira de aceitação dessa criança com deficiência será
de sua importância para seu futuro.
De acordo com Buscaglia (2006, p. 86), pesquisas clínicas constatam que a
rejeição ou aceitação da criança com deficiência pela família vem por parte da mãe,
dependendo de sua atitude, esta se refletirá nos membros da família, o pai, os irmãos e
todos seguirão o que ela decidir.
29
A mudança da família será radical, pois a criança causará problemas de todos os
tipos, vai exigir da família uma total adaptação. Será preciso uma reestruturação
familiar do tempo, principalmente da mãe, pois esta terá que mudar de atitudes, valores,
estilo de vida, sempre tentando envolver toda a família. Esta tarefa não é fácil para o
marido e filhos, pode demorar para que ocorra um ajustamento, e nesse espaço de tempo
o casamento pode ir se acabando, já que a criança com deficiência precisa de cuidados
por tempo integral. Às vezes, o resultado é devastador, como o exemplo citado por
Buscagli (2006), de um profissional liberal da classe média alta do sul da Califórnia:
Pai de duas crianças com graves deficiências físicas, assim como de
duas crianças normais, ficou desesperado frente à sua incapacidade em
lidar com as acentuadas mudanças sociais e psicológicas, necessárias à adaptação à deficiência, que cometeu assassinato em massa – matou a
mulher, os quatro filhos e finalmente a si mesmo. O curto bilhete
como explicação estava repleto de dor e confusão de alguém cujos problemas diários ofuscaram de tal maneira sua percepção que ele se
perdeu e tornou-se incapaz de encontrar qualquer solução satisfatória
(BUSCAGLIA, 2006, p. 88).
Os problemas refletirão em toda a família, geralmente a cobrança é sobre a mãe,
que por ter de cuidar o tempo todo do bebê com deficiência, acaba dando prioridade a
ele e o resto da família se sente excluído. A família vai se ajustando à medida que suas
necessidades vão surgindo.
O filho com deficiência é apenas uma parte, pois a família vai ter que lidar com
pressões internas e com problemas exercidos por forças sociais externas. Os amigos,
parentes e vizinhos, em geral, com boa intenção, querem ajudar, mas acabam fazendo
pressão na família da pessoa com deficiência, sugerindo médicos, clínicas
especializadas ou tratamento de última geração. Isto para a família é angustiante, pois
faz com que se sintam incapazes de cuidar da criança.
São muitos os problemas da vida em família e aquela que tem pessoa com
deficiência têm mais um obstáculo a vencer. A sociedade não consegue conviver com a
diferença, e demonstra de várias formas a dificuldade em relação ao não convencional.
Falta conhecimento, sensibilidade e aceitação nos casos de um familiar com deficiência.
A rejeição e o preconceito em relação a elas são atitudes comuns no cotidiano.
O papel da família da pessoa com deficiência pode ser compreendido como se
fosse uma família comum, com todos seus problemas, a diferença é que no caso da
30
família com pessoa com deficiência, a vivência dos problemas se dá de forma mais
intensa. No dia a dia, devido à deficiência, fatos comuns da vida são obstáculos, pois a
sociedade não está preparada para receber o diferente. Não existem políticas de saúde,
de educação de trânsito, de meio ambiente e de urbanização que facilitem o acesso
dessas pessoas. Saber conviver com a sociedade requer aprendizado e exercícios de
solidariedade. Alguns se sentem inferiores devido às atitudes depreciativas da
sociedade, atitudes discriminatórias que exclui a pessoa e a família das possibilidades da
vida comunitária. Cria no imaginário da família uma visão de que a família da pessoa
com deficiência é inferior, possui uma menos valia que a impede de acessar muitos dos
direitos da pessoa humana. Há uma segregação no sentido de afastar seus membros de
um convívio de relações qualitativas. Dependendo do lugar e da situação, parece
inapropriado comparecer acompanhado da pessoa com deficiência. Essa é uma visão de
uma cultura excludente, uma cultura que valoriza padrões físicos, mentais, econômicos
e sociais definidos a partir de um modelo. Tudo que sai diferente do padrão estabelecido
é rejeitado. Assim, a família que apresenta um membro com deficiência para o convívio
social agride esses padrões e conseqüentemente, a sociedade. Buscaglia (2006, p. 106)
cita o caso dos pais que levaram o filho ao restaurante para comemorar seu aniversário
de dez anos. A criança demonstrou evolução ao comer sozinho, o que fez com esforços,
se sujando um pouco, babando e causando barulho. Para a família, era um grande
acontecimento, mas para os que ali estavam era uma afronta, pois acabaram saindo do
restaurante.
As famílias acabam sendo forçadas a se ajustarem a estas atitudes
preconceituosas, e às vezes até se isolam para poder proteger e atender às necessidades
de seus filhos dentro da própria casa. Quando a família da criança com deficiência (a
minoria) compreende ter alguns direitos básicos, ela começa a exercê-lo e não se sente
mais uma família inferior, isso ajuda na solução de problemas e qualidade de vida
digna. De acordo com Buscaglia (2006, p.118), são direitos básicos de uma família da
pessoa com deficiência:
O direito à informação médica responsável sobre o problema físico ou mental da criança.
O direito a algum tipo de reavaliação contínua da criança em
intervalos periódicos definidos e uma explicação completa e lúcida
dos resultados das descobertas.
31
O direito à informação útil, relevante e específica quanto ao seu papel
no atendimento das necessidades físicas e emocionais da criança.
O direito ao conhecimento das oportunidades educacionais para a criança com problemas semelhantes ao do seu filho e o que será
necessário para a posterior admissão no processo de educação formal.
O direito ao conhecimento dos serviços de reabilitação na comunidade e os recursos disponíveis através destes.
O direito à esperança, apoio e solidariedade humana na educação de
uma criança com necessidades especiais.
O direito à ajuda para que vejam o potencial da criança em lugar de só se encontrarem imperfeições.
O direito a um bom material de leitura a fim de obterem o máximo de
informações relevantes possível. O direito à interação com outros pais de deficientes.
O direito de exercer seu direito de crescimento pessoal como
indivíduos únicos, distintos dos filhos (BUSCAGLIA, 2006, p. 118).
O acesso a esses direitos contribui para a autonomia e independência nas
atividades diárias, relações pessoais e sociais, pois possibilita à pessoa com deficiência
maior controle sobre suas escolhas e realizações. Conforme Freire e Rezende (2008, p.
104),
o senso de domínio sobre o ambiente significa ter competência para
manejá-lo; usufruir as oportunidades que surgem ao seu redor; apresentar habilidades para escolher ou criar contextos adequados às
suas necessidades e valores; eliminar barreiras e fazer adaptações
pessoais ou no ambiente, quando necessárias. Pessoas que apresentam maior habilidade para manejar o ambiente têm senso de controle mais
elevado, o que pode ajudar, na presença da deficiência, a compensar
os sentimentos de desamparo e angústia, bem como auxiliar na
recuperação do senso de bem-estar (RESENDE e FREIRE, p.104, 2008).
A política nacional para a integração da Pessoa com Deficiência, em seu artigo
primeiro, afirma que essa política compreende o conjunto de orientações normativas que
objetivam assegurar o pleno exercício dos direitos individuais e sociais das pessoas
portadoras de deficiência. Da mesma forma, em seu artigo segundo, afirma que cabe aos
órgãos e às entidades do poder público, assegurar à pessoa com deficiência o pleno
exercício dos direitos à educação, à saúde, ao trabalho, ao desporto, ao turismo, ao lazer,
à previdência social, à Assistência Social, ao transporte, à edificação pública, à
habitação, à cultura, ao amparo, à infância e à maternidade, e de outros que propiciem
seu bem-estar pessoal, social e econômico.
32
Embora a Política Nacional para a integração da Pessoa com deficiência traga,
em seus princípios, o estabelecimento de mecanismos que favoreçam a inclusão e o
acesso, ampliando alternativas de inserção social, ainda existe uma distância entre a lei
e a realidade vivida por essa população. O próprio Estado não consegue atender, em
suas três esferas, as exigências de acessibilidade da pessoa com deficiência aos direitos
e serviços constantes da legislação.
2.2 O Terceiro Setor
Garantidos pela Lei nº 7.853/89, a legislação beneficia a pessoa com deficiência.
Entretanto, os interesses do capitalismo direcionam o Estado para o mercado. A crise
capitalista, com seus reflexos no Brasil, abre espaço para grupos da sociedade civil
assumir determinados papéis de responsabilidade pública. Por um lado, o Estado
desenvolve políticas públicas de maneira focalizada, fragmentada e no
acompanhamento da economia mundial, setores públicos são privatizados. De outro
lado, os grupos da sociedade civil organizam-se em entidades sem fins lucrativos para
gerir recursos públicos no atendimento às demandas da população. Dessa forma, para
atender à população, entra em cena o Terceiro Setor.
É uma designação vaga, utilizada para dar conta de um vastíssimo
conjunto de organizações sociais que não são nem estatais nem mercantis, ou seja, organizações sociais que por um lado, sendo
privadas, não visam fins lucrativos e, por outro lado, sendo animadas
por objetivos sociais, públicos ou coletivos, não são estatais. Estas
organizações sociais expressam a possibilidade de uma terceira via de constituição da ordem social, potencialmente capaz de contrapor-se
aos interesses privados e ao poder estatal. São as ONGS, organizações
formadas na sociedade civil composta por quadros profissionalizados ou voluntários, voltadas para assessorar movimentos populares e criar
poderes na base da sociedade (DICIONÁRIO DA EDUCAÇÃO
PROFISSIONAL, 2000, p. 327).
33
O Terceiro Setor, ou ONG4 – Organização não Governamental - no processo de
reestruturação do capital (pós-1970), vem, segundo princípios neoliberais, seguindo o
Consenso de Washington, de flexibilização dos mercados nacional e internacional, das
relações de trabalho e produção do investimento financeiro, do afastamento do Estado
das suas responsabilidades sociais (MONTÃNO, 2005, p. 16).
Na solução parcial da crise capitalista, o neoliberalismo visa à constituição do
mercado, tendo como vilã a Constituição de 1988, na sua concepção de seguridade
social no tripé Previdência – Saúde – Assistência. O Estado elimina sua intervenção
social em várias atividades, passando para a sociedade a responsabilidade pela
população. As ONGs surgem em resposta à questão social, em um novo padrão, ou seja,
por meio da solidariedade. O Terceiro Setor desenvolve parcerias com o Estado no
objetivo de solucionar graves problemas sociais, econômicos e culturais, dando resposta
a setores carentes da sociedade civil.
De acordo com MONTÃNO (2005), as ONGs, nos anos 1970 e 1980, já tinham
seu papel definido junto aos movimentos sociais na captação de recursos para as
mesmas. Em 1990, as ONGs começam a ocupar o lugar dos movimentos sociais e
tornam-se parceiras do Estado. O Estado, por meio das ONGs, constrói uma nova
concepção de cidadania social fora da órbita estatal. Conforme BECKER (2003, p.117),
apud Machado (2010, p. 74):
O Estado começa a reconhecer que as ONGs acumularam um capital
de recursos, experiências sobre as formas de enfrentamento da questão
social, que as qualificaram como interlocutor e parceiros governamentais. Com isso, novas formas de articulações entre Estado
e Sociedade vêm sendo criadas, permitindo uma maior participação
das ONGs na definição das políticas públicas.
4 O termo Organização Não Governamental surgiu em 1945, num documento das Nações Unidas. No
Brasil, esse termo foi usado depois da conferência ECO-RIO 92, para denominar as organizações
ecológicas que, em paralelo a esse evento, se manifestaram em protesto. As organizações Não
Governamentais se colocam como alternativa às instituições privadas, mas informadas pelos interesses
públicos e orientadas à sua realização. Em razão disso, reivindicam utilizar recursos públicos na
implementação de suas atividades em parceria com o Estado. Elas se definem sem fins lucrativos e com
objetivos sociais de promoção humana, educação, comunicação, melhoria da qualidade de vida da
população, etc. As ONGs apresentam grande diversidade quanto à origem, funcionamento, relação com
outras instituições e formas de atuação (DICIONÁRIO DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL, 2000, p.
231).
34
De acordo com Machado, (2010, p.74), temos como pressuposto que as ONGs
têm uma pluralidade em suas ações, por um lado, há a questão da cidadania - direitos
sociais, mobilização social, atendimento às necessidades, moralização, humanização -,
por outro, a pressão por parte do mercado capitalista de privatização de serviços.
A instituição pesquisada neste trabalho, o Centro de Excelência em Reabilitação
e Trabalho Orientado de Uberlândia – CERTO -, é da ordem do Terceiro Setor,
objetivando assistir, reabilitar, promover e incluir pessoas em vulnerabilidade social,
agindo no seguimento da pessoa com deficiência, abrangendo também seus familiares.
A ação desenvolvida na CERTO baseia-se em princípios como a aceitação das
diferenças, a valorização do ser humano, a busca pela justiça e equidade social, a
convivência com a diversidade, dentre outros. O trabalho é feito de forma que a pessoa
com deficiência possa ser vista pelo seu potencial, suas habilidade, inteligência, para
que seus familiares se sintam cidadãos, percebendo seus direitos e deveres frente à
sociedade. O trabalho, profissional do Assistente Social na instituição é de suma
importância, pois ele atua
no processo de reprodução das relações sociais fundamentalmente
como uma atividade auxiliar e subsidiada no exercício do controle
social e na difusão da ideologia da classe dominante entre a classe trabalhadora. Isto é: na criação de bases políticas para o exercício do
poder da classe. Intervém ainda, através dos serviços sociais, na
criação de condições favoráveis à reprodução da força de trabalho. Por outro lado, se essas relações são antagônicas; se, apesar das iniciativas
do Estado visando o controle e à atenuação dos conflitos, esses se
reproduzem, o Serviço Social contribui, ainda, para a reprodução
dessas mesmas contradições que caracterizam a sociedade capitalista. (IAMAMOTO, 2002, p. 100).
A instituição tem seu trabalho voltado para a política de Assistência Social, com
seu reconhecimento de direito social e dever estatal pela Constituição de 1988 e pela Lei
Orgânica de Assistência Social (LOAS). A Assistência Social não é política exclusiva
de proteção social, ela deve articular seus serviços e benefícios dos direitos assegurados
pelas outras políticas sociais e junto com a seguridade social na formação de um sistema
de proteção mais amplo.
A instituição também está ligada à saúde. De acordo com Machado (2010, p.
76), as ONGs, no campo da saúde, tem sua diferença no fazer profissional na questão
das políticas públicas. As ONGs da saúde tem sua atuação voltada para a vertente
35
assistencialista, estendendo seus cuidados à população carente e a grupos excluídos do
atendimento do Estado ou órgão público, e ganha força com a criação do Sistema Único
de Saúde (SUS).
36
3 A DEFICIÊNCIA, O SERVIÇO SOCIAL E AS RELAÇÕES FAMILIARES:
COTIDIANO DE CUIDADOS E PROTEÇÃO
3.1 A atuação do Serviço Social na atenção à pessoa com deficiência
O primeiro curso de Serviço Social surgiu no Brasil em 1936, com
regulamentação apenas em 1959. Institucionaliza-se e legitima como profissão no
processo de reconceituação no início da década de 1960 (Parâmetros CFESS, 2009, p.
10). A “questão social”, de acordo com Iamamoto (2001, p.16-17) é entendida como:
conjunto das desigualdades sociais engendradas na sociedade
capitalista madura, imprensáveis sem a intermediação do Estado. Tem
sua gênese no caráter coletivo da produção contraposto a apropriação privada da própria atividade humana- o trabalho-, das condições
necessárias à sua realização, assim como de seus frutos. É
indissociável da emergência do “trabalhador livre”, que depende da venda de sua força de trabalho com meio de satisfação de suas
necessidades vitais. A questão social expressa, portanto disparidades
econômicas, políticas e culturais das classes sociais, mediatizadas por
relação de gênero, características étnico-raciais e formações regionais, colocando em causa as relações entre amplos seguimentos da
sociedade civil e poder estatal (IAMAMOTO, 2001, p. 16-17).
A questão social se apresenta em diferentes manifestações, nos vários estágios
pelos quais passou o sistema capitalista, com diversas formas de enfrentamento, tanto
pela sociedade quanto pelo Estado, mas sua gênese é marcada pela contradição de
classes durante o decorrer da história. Assim, entendendo essas diversas manifestações
como expressões da questão social, o Serviço Social as define como o objeto de
intervenção do Assistente Social. Entretanto, esse não foi sempre o objeto de
intervenção do Serviço Social, ao longo de sua trajetória, e, de acordo com a visão de
mundo e de realidade, da sua fundamentação teórica, o objeto foi tratado
diferentemente. Conforme a ordem monopólica vai invadindo o universo dos indivíduos
e da sociedade como um todo, surgem propostas para definições de características
pessoais, com estratégias e terapias de ajustamento. Partindo desse processo, o Serviço
Social vai emergindo para atender às demandas daquela conjuntura, a atividade de
37
ajuste é funcionalista, ajusta-se o indivíduo ao meio em que vive, sem questionar as
relações sociais que perpassam e configuram a realidade. Nesse sentido, acredita-se que
o ajustamento, a adaptação desse indivíduo e de sua família ao meio, seja suficiente e
necessário no processo de ação do Serviço Social. Esse pensamento direciona o trabalho
em uma perspectiva imediatista e assistencialista, ignorando a sociedade de classes e o
papel de sujeitos sociais os quais indivíduos e famílias podem ocupar na sociedade.
Portanto, em sua gênese, a base do Serviço Social é a intervenção, com condutas
assistencialistas e filantrópicas, surgindo como resposta às contradições capitalistas com
foco na “questão social” e “com suas peculiaridades no âmbito da sociedade burguesa
fundada na organização monopólica” (NETTO, 2001, p. 18). Essa compreensão da
sociedade burguesa, da relação contraditória entre capital e trabalho aparece no Serviço
Social a partir da fundamentação da profissão na perspectiva marxiana. Segundo
Iamamoto (2002, p. 89) é necessário “um esforço de compreender a prática profissional
na sua dimensão histórica, como uma prática em processo, em constante renovação”.
Ao defender a classe trabalhadora, a profissão busca a fundamentação teórica
para a compreensão da realidade contraditória na qual se insere, produzindo novos
conhecimentos, e nesse sentido, buscando respostas para seu exercício profissional no
atendimento das demandas colocadas pela “questão social”.
Na segunda metade do século XX, a história do Serviço Social dá início a um
debate denominado Projeto – Ético - Político, com base na transição da década 1970
para 1980, quando a profissão é marcada pelo enfrentamento e pelo conservadorismo.
De acordo com Netto (1999, p.1),
na verdade, desde a segunda metade dos anos sessenta (quando o
movimento de Reconceituação) que fez estremecer o Serviço Social na América Latina e deram seus primeiros passos, aquele
conservadorismo já era objeto de problematização. O trânsito dos anos
de 1970 a 1980, porém, situou esta problematização num nível
diferente na escala em que em que coincidiu com a crise da ditadura brasileira, exercida desde 1º de abril de 1964 por tecnocracia civil sob
a tutela militar a serviço do grande capital (NETTO, 1999, p.1).
Neste contexto histórico, o Serviço Social se engaja na luta pela democracia
brasileira, e esse período revela a busca dos profissionais do Serviço Social por
38
referências teórico-metodológicas, para sustentar a nova proposta da profissão que está
no Código de Ética de 1986 e no currículo mínimo de 1982.
A profissão estabelece interlocução com as ciências sociais e revela um quadro
de intelectuais respeitado. De acordo com Netto (1999, p. 12), trata-se de “uma
especialização do trabalho coletivo, no marco da divisão técnica do trabalho -, com
estatuto jurídico reconhecido (Lei 8662, de 17 de junho de 1993)”. Dessa forma,
consolida-se a materialização do compromisso ético-político da profissão com a classe
trabalhadora.
Com as mudanças que aconteceram na sociedade brasileira, o Serviço Social
teve grande processo de renovação, sendo que o serviço profissional em 1990 se
apresenta como profissão de reconhecimento acadêmico e legitimado socialmente. Para
Iamamoto (2002, p. 95), “o Serviço Social se institucionaliza e legitima como profissão,
extrapolando suas marcas de origem no interior da Igreja Católica. O exercício
profissional, nos diversos espaços sócio-ocupacionais, ligados aos organismos estatais,
paraestatais ou privados, tendo como objeto de trabalho a “questão social”, o Assistente
Social exerce funções de planejamento, operacionalização e viabilização dos serviços
sociais à população. Sua atuação contribui para a compreensão da realidade
contextualizada em termos de políticas sociais, econômicas e relações éticas. A partir do
rigor teórico possibilitado pelo método em Marx, a produção do conhecimento sobre a
realidade social foi ampliada no sentido de conhecer para intervir e, ao mesmo tempo
transformá-la.
O Assistente Social brasileiro tem seu trabalho alicerçado na defesa e
reafirmação dos direitos e das políticas sociais, buscando firmar as condições
econômicas, sociais e políticas para, assim, construir os meios da equidade, num
processo que possa garantir a cidadania:
A concepção presente no projeto ético-político profissional do Serviço Social brasileiro articula-se direitos amplos, universais e equânimes,
orientados pela perspectiva de superação das desigualdades sociais e
pela equidade de condições e não apenas pela intuição da parca,
insuficiente e abstrata igualdade de oportunidades que constituiu a fonte do pensamento liberal (CEFSS, 2009, p.11).
39
As lutas são fundamentadas no reconhecimento da liberdade, emancipação e
autonomia dos direitos humanos, e nos interesse dos indivíduos sociais, na garantia dos
direitos da classe trabalhadora. Os princípios fundamentais contidos no Código de Ética,
consolidados em 1986, são a base de orientação, direção e intervenção dos Assistentes
Sociais brasileiros. Apesar da revisão que incorporou e norteou a profissão até o século
XXI, a categoria, em todo o país, articulou nova revisão, com o objetivo de assegurar a
explicitação dos valores essenciais da liberdade e equidade.
Os profissionais do Serviço Social têm seu trabalho assegurado com autonomia
para planejar e exercer suas atividades, com suas competências e atribuições privativas
asseguradas pela Lei 8662/1993, Lei da Regulamentação da Profissão, disposta no
Código de Ética.
A política de assistência é legalmente reconhecida como direito social
e dever estatal pela Constituição de 1988 e pela Lei Orgânica da
Assistência (LOAS), vem sempre sendo regulamentada pelo governo com aprovação pelo Conselho da Assistência Social (CNAS), por
meio da Política Nacional de Assistência Social (2004) e do Sistema
Único de Assistência Social (2005) (CEFSS, 2009, p.4).
As atribuições e competências dos profissionais na atuação da política de
Assistência Social e na Instituição que atende pessoa com deficiência, CERTO - Centro
de Excelência em Reabilitação e Trabalho Orientado de Uberlândia, instituição
escolhida para a realização deste estudo - também tem o respaldo do Código de Ética,
sendo que os direitos de profissional e instituição empregadora devem ser respeitados.
Nesta instituição, o trabalho interdisciplinar está ligado à saúde, cujas equipes de
profissionais de diversas áreas se unem num mesmo propósito: a saúde e bem estar de
pacientes e familiares.
3.2 A Instituição CERTO
Ao longo da história, o conceito de família tem sido alvo das mais diversas
discussões. A família nuclear conjugal, ou seja, pai, mãe e filhos, na definição como é
40
hoje, não foi sempre assim. Por séculos, só se considerava família o conjunto de
membros ligados por sangue que moravam na mesma casa: pais e filhos. Hoje, o
conceito de família é amplo e há várias configurações que ajudam a defini-la. De acordo
com Kaslow (2001), há nove tipos de composição familiar que podem ser consideradas
“famílias”: 1) família nuclear, incluindo duas gerações com filhos biológicos; 2)
famílias extensas, incluindo três ou quatro gerações; 3) famílias adotivas temporárias; 4)
famílias adotivas, que podem ser bi-raciais ou multiculturais; 5) casais; 6) famílias
monoparentais, chefiadas por pai ou mãe; 8) famílias reconstruídas depois do divórcio;
9) várias pessoas vivendo juntas, sem laços legais, mas com forte compromisso mútuo.
Considerando que é por meio da família que os indivíduos nela inseridos
aprendem noções de valores e condutas pessoais, seja qual for a sua configuração, a
pesquisa realizada neste estudo visa uma maior compreensão da questão da deficiência
de acordo com a ótica familiar das pessoas com deficiência. Para tanto, foram
pesquisadas as famílias de pacientes atendidos por uma instituição filantrópica que
presta serviços à pessoa com deficiência. Nessa pesquisa, a ótica da família é
representada pela participação das mães que acompanham seus filhos nos tratamentos.
O Centro de Excelência em Reabilitação e Trabalho Orientado de Uberlândia
(CERTO) é uma instituição filantrópica de utilidade pública que presta serviços de
tratamentos de reabilitação de pacientes com deficiência. Foi fundada em 20 de outubro
de 1986 pela Sra. Carlota Guilhermina de Faria Smith. As ações dessa instituição são
coordenadas pela diretoria e pelo conselho. Os recursos são obtidos por meio de
projetos, eventos, bazares beneficentes, doações especiais, apadrinhamento,
contribuições mensais e parcerias com órgãos públicos. Dentre as ações desenvolvidas
pela coordenação estão: reuniões, avaliações, estudo de casos para reabilitação,
socialização e inclusão dos pacientes e seus familiares.
A instituição tem como principal objetivo assistir e promover a assistência
realizando tratamento multidisciplinar de reabilitação e integração à pessoa com
deficiência, sustentando as iniciativas da organização, trazendo novos colaboradores e
profissionais, operacionalizando as ações dos objetivos definidos.
Ao Departamento de Serviço Social do CERTO, cabe executar e desenvolver
todos os atendimentos propostos as pacientes por meio de escuta qualificada, cumprindo
suas atribuições e funções em compromisso com o projeto ético - político da profissão,
com base no Código de Ética (1993), seguindo um dos princípios fundamentais:
41
“compromisso com a qualidade dos serviços prestados à população e com o
aprimoramento intelectual, na perspectiva da competência profissional”.
A instituição atende atualmente 140 pacientes, funcionando diariamente. Dentre
os tratamentos oferecidos às pessoas com deficiência no CERTO, estão: fisioterapia,
numa perspectiva de reabilitação física, proporcionando aos pacientes melhor
qualidades de vida, funcionalidade e reinserção social; psicologia, numa perspectiva de
reabilitação emocional, recuperando a auto-estima do paciente para melhor adaptação à
realidade e integração familiar e social; fonoaudiologia, visando à capacitação,
aperfeiçoamento e recuperação dos padrões de comunicação, pesquisando e
diagnosticando de maneira preventiva, amenizando as sequelas dos pacientes e
promovendo o desenvolvimento contínuo de suas habilidades comunicativas;
equoterapia utilizando o cavalo como instrumento cinesioterápico de reabilitação e
reeducação de pessoas com necessidades especiais; terapia ocupacional e hidroterapia
prevenindo, tratando e reabilitando o paciente para suas atividades cotidianas,
desenvolvendo trabalho interdisciplinar em diversos programas e projetos, utilizando do
trabalho em grupos como pode ser observado abaixo.
Atividades interdisciplinares desenvolvidas pela instituição:
- Grupo de Estimulação Sensorial: O grupo é composto por quatro crianças, seus
responsáveis, uma fisioterapeuta, uma terapeuta ocupacional, uma fonoaudióloga e uma
psicóloga. É proposto ao grupo um programa de atividades a serem desenvolvidas pelos
pais em casa.
- Grupo de AVC: composto de três a quatro pacientes com sequelas de acidente
vascular encefálico, um fisioterapeuta e um fisioterapeuta ocupacional. São trabalhados
alongamentos, atividades musculares e atividades funcionais para a melhora do quadro
motor do paciente. A proposta é fazer os exercícios sejam feitos também em casa.
- Grupo Neurológico: formado por quatro ou mais pacientes, um terapeuta
ocupacional, uma psicóloga, um educador físico e uma arte terapeuta. A esses pacientes
são apresentados um esquema para ser seguido. Na primeira semana o trabalho é de
fisioterapia, treino de mobilização articular, alongamento, etc. Na semana seguinte, arte
42
terapia e, na terceira semana, equoterapia. As atividades também devem ser
desenvolvidas em casa.
A importância do trabalho interdisciplinar na instituição pode ser comprovada
pelos resultados obtidos entre paciente, profissional e a família, pois, ao ser realizado
em conjunto, a família torna-se participativa.
3.3 Metodologia da pesquisa
O trabalho foi desenvolvido por meio de pesquisa bibliográfica e pesquisa de
campo. O universo de pesquisa abrange as mães de crianças que são atendidas pela
Instituição- CERTO, tendo suas altas previstas para dezembro de 2011, e com idade
entre 0 a 12 anos. A seleção das participantes da pesquisa se deu de forma acidental,
sendo entrevistadas aquelas mães que estavam presentes no dia da entrevista e
concordaram em responder o instrumental. O questionário composto por vinte e uma
questões de múltipla escolha, voltadas para a compreensão sobre a deficiência dos
filhos, relações familiares, instituição de tratamento e qualidade de vida. Após a
aceitação das mães em participar da pesquisa, os procedimentos da mesma foram
explicados e após esclarecimentos de todas as questões metodológicas, o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (ver documento em Anexos) foram assinados.
3.4 O perfil das mães e a visão que possuem sobre a deficiência
Considerando o trabalho desenvolvido na instituição CERTO de atenção à
pessoa com deficiência e à sua família o estudo priorizou a compreensão das mães dos
pacientes com deficiência que são atendidos por esta instituição. Com intuito de
construir um panorama desse atendimento, bem como das relações familiares do
paciente, de acordo com a ótica das mães, apresenta-se a discussão dos dados coletados
durante a pesquisa e das fundamentações de autores que trabalham com a temática e
com os quais essa autora se identifica. Assim, os dados abaixo são discutidos e
analisados a partir de um diálogo estabelecido com Buscaglia (2006), que muito
43
contribuiu para a discussão teórica desse trabalho no que diz respeito à pessoa com
deficiência e seu âmbito familiar.
Gráfico 1: Distribuição das mães segundo a faixa etária.
Com relação à faixa etária das mães pesquisadas, 50% têm entre 20 e 30 anos,
16% têm de 31 a 40 anos, 17% têm entre 41 e 50 anos e 17% têm entre 51 e 60 anos
(Ver Gráfico 1). Os dados apontam para uma grande maioria de mães ainda jovens, para
os padrões atuais, que se dedicam quase que exclusivamente aos cuidados dos filhos.
Observou-se que a maioria delas apresentou restrições profissionais para se inserir no
mercado de trabalho. Grande parte delas deixou de trabalhar para acompanhar os filhos
no tratamento.
Gráfico 2: Distribuição das mães segundo a situação financeira.
Conforme dados apresentados no Gráfico 2, sobre os rendimentos financeiros
das familias pesquisadas, 33 % contam com o Benefício de Prestação Continuada -
BPC – com a principal renda familiar, 25% contam com o BPC e o trabalho formal,
17% contam com o rendimento do trabalho, pois não recebem o BPC, 8% vivem da
44
aposentadoria e também não recebem BPC e 17% vivem às margens da formalidade,
contando com rendas de trabalhos informais, ou seja, são vulneráveis financeiramente,
pois não contam com os benefícios das políticas públicas voltadas para o trabalho.
Gráfico 3: Distribuição da população pesquisada segundo o
número de pessoas que contribuem com a renda familiar.
Com relação à quantidade de pessoas que contribuem com a renda familiar,
verifica-se que 67% das famílias contam com a contribuição de uma pessoa, 25% das
famílias contam com o apoio financeiro de duas pessoas e apenas 8% das famílias têm a
renda familiar composta pelo apoio financeiro de três pessoas (Ver gráfico 3). Percebe-
se, que nas famílias da pessoa com deficiência, geralmente, um dos componentes
familiares precisa se dedicar ao tratamento da criança e cuidados diários, ficando
impossibilitado de trabalhar fora, o que justifica o grande percentual de famílias que
vivem apenas de uma fonte de renda.
Gráfico 4: Distribuição da população segundo os dados
referentes à habitação.
45
O gráfico 4 apresenta os resultados voltados para a questão da moradia da
família da pessoa com deficiência. De acordo com as entrevistadas, verificou-se que
50% pagam aluguel, 42% têm moradia própria e 8% moram em casas financiadas.
Considerando que muitas famílias, entre as pesquisadas, contam com uma renda
financeira insuficiente, pois, o aluguel consome parte do dinheiro que poderia ser
investido em tratamento que pudesse possibilitar melhores condições para o filho.
Embora, o tratamento na Instituição CERTO, seja gratuito, incluindo alimentação e
transporte, existe outras formas de tratamentos que poderiam ser buscadas e utilizadas
pelos pacientes com maior poder aquisitivo e melhores condições financeiras.
Gráfico 5: Distribuição dos dados segundo o meio de transporte
utilizado.
De acordo com o gráfico 5, verifica-se que 67% dos pacientes contam com a
ajuda da instituição pesquisada para se locomoverem, para suas consultas, enquanto
25% utilizam ônibus e apenas 8% vão de carro próprio. Novamente, esses dados
apontam para a necessidade de apoio às famílias no que diz respeito às atividades que
exigem serviços de transportes e outros investimentos financeiros.
46
Gráfico 6: Distribuição dos dados segundo o diagnóstico
dos (as) filhos(as) em tratamento.
Dentre os pacientes com deficiência que foram pesquisados, 83% têm paralisia
cerebral e 17% têm Síndrome de Down (Ver Gráfico 6). As duas formas de deficiências
exigem cuidados especiais, no entanto, sabe-se que as pessoas vítimas de paralisia
cerebral têm mais limitações e dependem mais de apoio, enquanto a os pacientes com
Síndrome de Down são mais independentes. Dessa forma, é grande o número de mães
que dedicam maiores cuidados aos filhos, justificando, portanto, os dados apresentados
anteriormente que apontam para a falta de disponibilidade das mães para o mercado de
trabalho
Gráfico 7: Compreensão das mães pesquisadas sobre a deficiência
do filho.
Dentre as mães pesquisadas, 83% compreendem a deficiência do filho, enquanto
17% não compreendem (Ver gráfico 7). Os dados apresentados são positivos, pois é
necessário compreender para agir. No entanto, ainda há um percentual considerável de
mães que precisam compreender de forma que elas possam aceitar melhor as condições
de seus filhos. Conforme dados analisados a seguir, poderemos verificar que 92% das
famílias receberam o diagnóstico do filho por meio de médicos. Pergunta-se então,
considerando que a deficiência do filho foi noticiada por profissionais, resta nos uma
47
dúvida: não compreendem porque não aceitam ou não compreendem porque os
profissionais não se fizeram compreender. De acordo com Buscaglia (2006, p.98),
“exercer a função de pais de uma criança deficiente é um papel novo e complexo. Para
executar essa extraordinária tarefa, os indivíduos devem dispor de um diagnóstico
médico compreensível”. Além de noticiarem de forma clara e com linguagem acessível,
é necessário que os médicos também demonstrem atenção e conforto às famílias da
pessoa com deficiência.
O gráfico abaixo apresenta dados em relação aos profissionais de saúde que em
geral fornecem a noticia sobre a deficiência. O que se observa no cotidiano das
instituições, é que os profissionais também abordam a situação com dificuldades.
Quando informam à família sobre a situação de deficiência, nem sempre oferecem
conhecimentos adequados e informações claras sobre as perspectivas atuais de
desenvolvimento dos filhos e sobre as expectativas futuras. Da mesma forma, não
oferece as respostas esperadas pela família.
Gráfico 8: Distribuição dos dados segundo o profissional
que informou sobre a deficiência.
Sobre quem noticiou a deficiência do filho, os dados apontam para uma grande
percentual (92%) que dizem respeito à participação dos médicos nesse momento
enquanto 8% dos casos foram percebidos pela própria mãe (Ver Gráfico 8). Apesar de
sabermos que muitas famílias ainda não compreendem a deficiência dos próprios filhos,
os dados são positivos, pois apresentam o envolvimento de profissionais da saúde desde
a descoberta da deficiência.
48
Gráfico 9: Distribuição dos dados segundo as dificuldades
vivenciadas pelas mães.
Dentre as mães pesquisadas, 58% afirmaram não enfrentar dificuldades no
cuidado com seus filhos com deficiência, enquanto 42% relatam vivenciar momentos de
muitas dificuldades (Ver Gráfico 9). Os dados obtidos apontam para uma certa
contradição nas respostas fornecidas pelas mães: Grande parte delas afirmam que não
enfrentam dificuldades, mas todas passaram por adaptações, afirmaram que houveram
modificações nas relações familiares, além de não afirmarem que não podem trabalhar
para ajudar no sustento da família, vivem, em sua maioria, com a renda apenas do BPC.
Gráfico 10: Distribuição dos dados segundo o tipo de ajuda profissional
oferecida à família.
Dentre as famílias pesquisadas, 75% não recebem nenhum apoio profissional,
enquanto 17% recebem ajuda psicológica e apenas 8% contam com apoio médico (Ver
Gráfico 10). Os dados apresentados causam preocupação, visto que, de acordo com
Buscaglia (2006, p. 296), “freqüentemente, a família se encontra tão enredada em seus
49
sentimentos de impotência e desesperança, que não conseguem enfrentar os problemas
de outra forma que não através das lágrimas”. Dessa forma, segundo o autor, é
fundamental que a família receba apoio desde a descoberta da deficiência da criança,
para que ela possa discernir o que é verdade daquilo que é mito sobre a deficiência
Gráfico 11: Distribuição dos dados segundo o tipo de tratamento
recebido na Instituição CERTO.
De acordo com os dados apresentados no gráfico 11, observa-se que 8% dos
pacientes recebem tratamento terapêutico e cirúrgico, enquanto 92% recebem todos os
tratamentos apontados. Ressalta-se que, estes tratamentos são fornecidos pela instituição
pesquisada - CERTO – e são de extrema importância para a reabilitação dos pacientes e
promoção da socialização de direitos dos mesmos, apesar de se tratar de uma instituição
filantrópica.
Gráfico 12: Distribuição dos dados segundo o grau de parentesco do responsável pelos cuidados com o filho com deficiência.
Conforme discussão, anterior, se confirma a presença da mãe como a grande
responsável pelos cuidados com o deficiente na família. É unânime o cuidado da mãe
50
em relação ao filho com deficiência. De acordo com essa pesquisa, 100% das famílias
entrevistadas contam exclusivamente com o apoio da mãe (Ver Gráfico 12). Os dados
apontam, mais uma vez para a dedicação de apenas um membro familiar envolvido com
o tratamento do filho.
Gráfico 13: Distribuição dos dados segundo o conhecimento que a família
possui sobre a deficiência.
O Gráfico 13 apresenta os resultados obtidos sobre a questão voltada para o
conhecimento da legislação no que diz respeito aos direitos da pessoa com deficiência.
Dentre as famílias pesquisadas, 83% desconhecem seus direitos, enquanto apenas 17%
sabem da existência de uma legislação que assegura os direitos da pessoa com
deficiência. Dentre as mães pesquisadas, uma delas afirmou ter descoberto após ver o
sofrimento da criança na escola, que a filha tinha direitos educacionais especiais que
não estavam sendo atendidos. A filha estava matriculada no ensino regular e ao invés de
ser incluída, estava sendo excluída, pois a escola não tinha em seu quadro de
professores, uma pessoa especializada para o atendimento de sua filha. A mãe, após
descobrir sobre os direitos da filha, correu atrás e conseguiu. A história dessa mãe nos
leva a um questionamento muito importante: será que o discurso de inclusão é mesmo
eficiente? Temos percebido, muitas vezes, que o discurso de inclusão é uma forma de
executar práticas excludentes. De acordo com Buscaglia (2006, p. 206), “o preconceito
e a discriminação em relação aos deficientes são baseados principalmente em conceitos
errôneos, ignorância e temores herdados através da cultura”. Dessa forma, para que os
direitos das pessoas com deficiência sejam assegurados, é necessário que a
51
discriminação e o preconceito seja banidos da sociedade e a escola é, inclusive, o
melhor lugar para se difundir as questões de igualdade.
Gráfico 14: Distribuição dos dados segundo as mudanças ocorridas na família em relação à deficiência.
Com relação aos reflexos da deficiência no âmbito familiar, os dados
apresentados no gráfico14, apontam números significantes. Dentre as mães
pesquisadas, 8% relatam mudanças nos relacionamentos conjugais. Delas, 33% relatam
mudanças nos relacionamentos profissionais, 17% afirmam que suas relações conjugais
e profissionais sofreram mudanças, 17% afirmam que todas as relações passaram por
mudanças, enquanto outros 17% afirmam que, nenhuma de suas relações sofreu
modificações. De acordo com Buscaglia (2006, p.89), “as famílias não terão de lidar
apenas com as pressões internas, mas também com aquelas exercidas por forças sociais
externas. (...) A sociedade tem dificuldade em conviver com diferenças, e deixará isso
claro de muitas formas sutis, dissimuladas e mesmo inconscientes”. Dessa forma,
questionamos os dados apresentados pelas mulheres que afirmaram que as relações não
sofreram mudanças. Se todas as mães afirmam não trabalhar fora porque precisam se
dedicar aos filhos, as relações profissionais sofreram mudanças, necessariamente.
52
Gráfico 15: Distribuição dos dados segundo o relacionamento da
família com a criança.
Foi observado na pesquisa que 92% das mães entrevistadas relataram que o
relacionamento da família com a criança é satisfatório, enquanto 8% afirmam que a
família tem uma relação insatisfatória com a criança. Os dados apresentados são
positivos e nos levam a refletir sobre a aceitação da família com relação à deficiência.
Sabemos das dificuldades de adaptação, são muitas, no entanto, a aceitação, o amor e o
carinho dedicados são fundamentais para que as dificuldades sejam superadas.
Gráfico 16: Distribuição dos dados segundo a satisfação em relação ao
tratamento recebido na Instituição.
Sobre a qualidade dos tratamentos recebidos na Instituição pesquisada, houve
unanimidade na resposta: todas as mães pesquisadas afirmaram que o atendimento é
satisfatório (Ver Gráfico 16). Os dados denotam a excelência com a qual são
desenvolvidos os tratamentos e cuidados oferecidos pela instituição, que vão desde os
mais simples aos mais avançados. Para além da tecnologia nos atendimentos, há ainda,
um cuidado especial com a família da pessoa com deficiência.
53
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A respeito da família da pessoa com deficiência, entendemos que, apesar das
políticas e do avanço da legislação, houve pouca evolução. A dificuldade de se inserir
na sociedade, deixa explícita que a convivência com a diferença ainda deve ser
exercitada e é um processo de aprendizado que encontra inúmeras barreiras. Barreiras
físicas, sociais, emocionais, discriminatórias e preconceituosas, dentre outras. O difícil
acesso, das pessoas com deficiência, às políticas públicas existe, por isso, a família
precisa vencer obstáculos na busca pela seguridade e pelos seus direitos a serviços de
qualidade e de serem respeitados em sua dignidade.
De acordo com os resultados expostos e discutidos, percebeu-se que é a mãe que
acaba ficando responsável pelo filho. Dessa forma, ela fica impedida de trabalhar e se
inserir profissionalmente no mercado, restando-lhe o trabalho do lar, o cuidado com a
família e o exercício da proteção familiar. A maioria das entrevistadas sobrevive com
apenas uma renda e desconhece a legislação. Algumas dessas mães, entrevistadas,
cuida da filha sozinha porque o pai foi embora, sendo que amigos e familiares se
afastaram e o filho foi morar com a avó. Outra mãe precisou mudar de cidade por causa
do tratamento do filho, sendo que o marido continuou na cidade de origem. Dessa
forma, confirma-se a hipótese apresentada nesta pesquisa: a visão da família sobre
deficiência é restrita, pois não há informações técnicas ou científicas. A família
desconhece sobre aspectos importantes relacionados à deficiência e apresenta
dificuldades para se inserir na rede de serviços e na sociedade do trabalho.
Entendemos que por motivo de descaso e falta de informação, essas mães
compreendam a deficiência do seu filho de forma resignada. Para ela o importante é
cuidar do seu filho para que ele tenha uma vida digna.
Nesse sentido, se fazem necessárias as ações das Instituições Não
Governamentais, como a instituição pesquisada, que se preocupam com essas mães e
seus filhos, na busca por políticas públicas, tratamentos adequados e terapias
qualificadas. A importância do Assistente Social nesta instituição é de suma
importância para que o trabalho oferecido possa atender tanto à criança com deficiência
quanto à família, orientando sobre seus direitos e encaminhando a seus devidos
tratamentos quando necessário.
54
Por fim, é importante ressaltar que o estágio e a elaboração da pesquisa
desenvolvida pelo estagiário é o primeiro contato que este tem com o campo sócio-
ocupacional e trata-se também de sua primeira experiência profissional. Portanto, este
trabalho foi muito importante para esta autora, tanto em nível de estágio quanto na
realização dessa pesquisa. Assim, os resultados da pesquisa acadêmica, já de imediato,
contribuíram para que a equipe da Instituição desenvolvesse trabalho sobre legislação e
direitos da pessoa com deficiência. Na medida em que se constatou que a maioria das
famílias não conhecia a legislação, a informação foi relatada ao Assistente Social da
Instituição e, juntamente com demais profissionais se apropriaram desses resultados e
se mobilizaram para atender a demanda e o público alvo da instituição.
55
5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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57
6 ANEXOS
6.1 Instrumental de pesquisa
1. Idade da mãe:
( ) De 20 a 30 anos
( ) De 31 a 40 anos
( ) De 41 a 50 anos
( ) De 51 a 60 anos
( ) Acima de 60 anos
2. Situação Familiar
Grau de Parentesco Idade Sexo Escolaridade Profissão
3. De onde provêm seus rendimentos financeiros?
( ) BPC
( ) Trabalho informal
( ) Aposentadoria
( ) Trabalho Formal
4. Quantas pessoas contribuem com a renda familiar?
( ) Uma
( ) Duas
( ) Três
( ) Quatro
5. Situação habitacional:
( ) Moradia própria
( ) Alugada
58
( ) Financiada
( ) Cedida
( ) Outros
_______________________________________________________________
6. O transporte utilizado para levar seu filho (a) para a terapia é:
( ) Ônibus
( ) Próprio
( ) Van porta a porta
( ) Outros
7. Diagnóstico clínico do paciente:
_________________________________________
8. Idade do paciente:
( ) De 0 a 2
( ) De 2 a 5
( ) De 5 a 7
( ) De 7 a 10
9. Você compreende a deficiência de seu (a) filho(a), causa, tipos de
tratamentos, etc.?
( ) Sim
( ) Não
10. De quem você recebeu a notícia sobre a deficiência de seu filho?
( ) Médico
( ) Enfermeira
( ) Parentes
( ) Outros_________________________
11. A família enfrentou ou ainda enfrenta dificuldades em relação à
deficiência?
( ) Sim
59
( ) Não
12. Houve mudança no relacionamento familiar após a descoberta da
deficiência?
( ) Não
( ) Sim
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______
13. Que tipo de ajuda profissional a família recebeu ou ainda recebe?
( ) Médica
( ) Psicológica
( ) Assistência Social
( ) Outras__________________________________
14. Tratamentos feitos pelo seu filho(a)?
( ) Terapias
( ) Cirurgia
( ) Fisioterapia
( ) Outros
15. Quem é o maior responsável pelos cuidados com a criança?
( ) Pai
( ) Mãe
( ) Avós
( ) Irmão
( ) Outros ______________________________________
16. Você encontra alguma dificuldade para dar sequência ao tratamento de seu
filho (a)?
( ) Muita dificuldade
_______________________________________________________
60
( ) Pouca
dificuldade______________________________________________________
( ) Nenhuma dificuldade
17. Você conhece a legislação sobre a deficiência?
( ) Sim
( ) Não
18. Como a instituição que dá assistência ao seu filho (a) contribui para a
qualidade de vida?
( ) Gratuidade
( ) Apoio emocional
( ) Socialização
( ) Tratamento médico
19. Com a deficiência de seu filho (a), alguma relação sofreu modificação?
Como?
( ) Relação
conjugal_______________________________________________________
( ) Relação
familiar________________________________________________________
( ) Relações
profissionais___________________________________________________
( ) Não houveram mudanças em nenhuma relação
20. Como é o relacionamento da família com a criança?
( ) Satisfatório
( ) Pouco satisfatório
( ) Insatisfatório
21. Desde o início do tratamento de seu filho (a), a família passou por algum
tipo de adaptação? Qual?
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
61
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
22. Como você classifica o tratamento recebido pela criança?
( ) Satisfatório
( ) Pouco satisfatório
( ) Insatisfatório
62
6.2 Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Você está sendo convidado para participar da pesquisa O IMPACTO DA
DEFICIÊNCIA NAS FAMÍLIAS: desafios e superações, sob responsabilidade da
pesquisadora Elaine Suely Rodrigues e da professora Maria Guimarães da Silva
(Faculdade Católica de Uberlândia). Esta pesquisa tem como objetivos investigar a
deficiência de acordo com a ótica das mães dos pacientes atendidos na Instituição
CERTO. Em nenhum momento você será identificado. Os resultados da pesquisa serão
publicados e ainda assim a sua identidade será preservada. Você não terá nenhum gasto
ou ganho por participar na pesquisa. Você é livre para parar de participar a qualquer
momento sem nenhum prejuízo para você.
Uberlândia, _____de_____________de 2011
____________________________________________
Assinatura do pesquisador
____________________________________________
Assinatura pesquisador
Eu ________________________________________________ aceito participar do
projeto citado acima, voluntariamente, após ter sido devidamente esclarecido.
_______________________________________
Assinatura participante da pesquisa.