O humanismo de Jacques Maritain e a educação

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O humanismo de Jacques Maritain e a educação Na segunda metade do século XIV surgiu na Itália um movimento estético, literário e filosófico denominado Humanismo. Tal movimento exaltava o valor humano como meio e finalidade. O Humanismo difundiu- se por toda a Europa e caracterizou o início da cultura moderna. O humanismo integral caracterizou a filosofia de Jacques Maritain, filósofo francês nascido em 1882. Oriundo de família protestante, Maritain converteu-se ao catolicismo em 1906. A influência do catolicismo fez Maritain aprofundar-se nos estudos filosóficos de Tomás de Aquino, tornando-se mais tarde um dos maiores intérpretes do chamado neotomismo. No presente artigo busco traçar um resumo da história do humanismo com ênfase para o pensamento de Jacques Maritain e sua relação com a questão da educação. Palavras-chave: humanismo, fundamentos da educação, neotomismo, história. Na segunda metade do século XIV surgiu na Itália um movimento estético, literário e filosófico denominado Humanismo. Tal movimento exaltava o valor humano como meio e finalidade. O Humanismo difundiu- se por toda a Europa e caracterizou o início da cultura moderna. Para o pensamento humanista o valor fundamental de uma doutrina é o homem, seu sentimento, sua originalidade e sua superioridade sobre os outros animais. O homem passa a ser visto como um ser que pode construir seu próprio destino, um ser que constitui o centro do universo. Conforme leciona Abbagnano (2003), O Humanismo foi um aspecto fundamental do Renascimento, mais precisamente o aspecto em virtude do qual o Renascimento é o reconhecimento do valor do homem em sua totalidade e a tentativa de compreendê-lo em seu mundo, que é o da natureza e da história. É possível identificar três fases distintas do movimento humanista, a saber: entre os anos de 1304 a 1374 houve a fase precedente, que prenunciava o Humanismo na sua versão mais primitiva e pouco pragmática. Nesta fase, na Itália, viveu Francesco Petrarca (1304- 1374). Considerado o “Pai do Humanismo”. Giovanni Bocaccio (1313-1375) também se sobressaiu escrevendo “Decameron”, sua obra-prima, precursora da literatura humanista. Entre os anos de 1374 a 1494 houve a fase intermediária marcada pela queda de Constantinopla e pela morte do filósofo Pico della Mirândola

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O humanismo de Jacques Maritain e a educaçãoNa segunda metade do século XIV surgiu na Itália um movimento estético, literário e filosófico denominado Humanismo. Tal movimento exaltava o valor humano como meio e finalidade. O Humanismo difundiu-se por toda a Europa e caracterizou o início da cultura moderna. O humanismo integral caracterizou a filosofia de Jacques Maritain, filósofo francês nascido em 1882. Oriundo de família protestante, Maritain converteu-se ao catolicismo em 1906. A influência do catolicismo fez Maritain aprofundar-se nos estudos filosóficos de Tomás de Aquino, tornando-se mais tarde um dos maiores intérpretes do chamado neotomismo. No presente artigo busco traçar um resumo da história do humanismo com ênfase para o pensamento de Jacques Maritain e sua relação com a questão da educação.

Palavras-chave: humanismo, fundamentos da educação, neotomismo, história.

Na segunda metade do século XIV surgiu na Itália um movimento estético, literário e filosófico denominado Humanismo. Tal movimento exaltava o valor humano como meio e finalidade. O Humanismo difundiu-se por toda a Europa e caracterizou o início da cultura moderna. Para o pensamento humanista o valor fundamental de uma doutrina é o homem, seu sentimento, sua originalidade e sua superioridade sobre os outros animais. O homem passa a ser visto como um ser que pode construir seu próprio destino, um ser que constitui o centro do universo.

Conforme leciona Abbagnano (2003),

O Humanismo foi um aspecto fundamental do Renascimento, mais precisamente o aspecto em virtude do qual o Renascimento é o reconhecimento do valor do homem em sua totalidade e a tentativa de compreendê-lo em seu mundo, que é o da natureza e da história.

É possível identificar três fases distintas do movimento humanista, a saber: entre os anos de 1304 a 1374 houve a fase precedente, que prenunciava o Humanismo na sua versão mais primitiva e pouco pragmática. Nesta fase, na Itália, viveu Francesco Petrarca (1304-1374). Considerado o “Pai do Humanismo”. Giovanni Bocaccio (1313-1375) também se sobressaiu escrevendo “Decameron”, sua obra-prima, precursora da literatura humanista. Entre os anos de 1374 a 1494 houve a fase intermediária marcada pela queda de Constantinopla e pela morte do filósofo Pico della Mirândola (1463-1494), que distinguiu-se pelo seu saber enciclopédico. “De omni re scibili” era a divisa de Pico della Mirândola. Sempre buscando o conhecimento sobre todos os ramos das ciências humanas, o humanista italiano defendeu dezenas de teses na área filosófica e teológica. Entre os anos de 1494 a 1564 tem-se o período áureo do Humanismo. Marca seu término o Concílio de Trento, que dá ensejo ? Contra-Reforma. O Humanismo, sobretudo no seu aspecto literário, caracterizou-se pela ênfase dada ? cultura antiga em contraposição ? escolástica da Idade Média. O culto ao classicismo dos tempos da antiga Grécia e de Roma marcou a literatura de então. Na Holanda o filósofo Erasmo de Roterdam (1466-1536), “príncipe do humanismo”, como era chamado, escreveu “O Elogio da Loucura”, obra na qual teceu duras críticas ? Igreja dogmática. Havia naquela época uma batalha ideológica sobrepondo o homem aos dogmas. Erasmo de Roterdam, sem dúvida, contribuiu para o ensejo da Reforma Protestante. Na Alemanha o movimento humanista promoveu a valorização do homem e de sua liberdade de consciência. O livre-arbítrio, em oposição ao determinismo, era defendido por muitos pensadores. A Bíblia passou a ser interpretada de forma diversa daquela tradicionalmente imposta pela Igreja Católica. Isso representava uma tentativa de restabelecer contato com as fontes originárias do cristianismo. A renovação religiosa trazida pelo Renascimento impôs a existência de um Homo religiosus livre e consciente. As novas idéias trouxeram consequências, como a Reforma protestante de Martinho Lutero. Na Inglaterra, Thomas More foi o maior vulto humanista. Escreveu “Utopia”, onde expôs o sonho de

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uma sociedade democrática, sem guerras e sem disputas de classe. Em França, Michel de Montaigne (1533-1592), filósofo cético e avesso a qualquer dogmatismo, foi um grande moralista e julgava que a arte de viver deve fundamentar-se na sabedoria cautelosa, inspirada pelo bom senso e pelo espírito de tolerância. Foi autor de “Ensaios”, sua melhor obra. A história contemporânea evidencia a existência de humanistas oriundos das mais diversas vertentes filosóficas. Para o pensador alemão Karl Marx, o humanismo deve ser entendido sob o prisma de uma sociedade igualitária e livre da exploração capitalista. Jean-Paul Sartre, pai do existencialismo contemporâneo, afirmou ser o existencialismo um humanismo. Segundo Sartre, o existencialismo ateu entende o homem como sendo o único responsável por sua existência. Não há um Deus, logo não há essência a priori: a existência precede a essência. O homem cria a sua própria moral e se define como homem em razão das escolhas que faz. Outros pensadores consagraram-se como cristãos humanistas. Pierre Teilhard de Chardin, Jean Guiton e Jacques Maritain são alguns exemplos. No Brasil, Alceu Amoroso Lima e André Franco Montoro são nomes que se sobressaíram. Atualmente, o Humanismo pode ser entendido como qualquer movimento filosófico que tome como fundamento a natureza humana ou os limites e interesses do homem. Segundo Abbagnano (2003), humanismo significa “qualquer tendência filosófica que leve em consideração as possibilidades e, portanto, as limitações do homem, e que, com base nisso, redimensione os problemas filosóficos”. Ser humanista significa, portanto, valorizar o ser humano, defendendo-o das injustiças sociais impostas pela ordem vigente. Significa, ainda, colocar o homem e sua dignidade acima de tudo na complexidade das relações sociais. É o homem sobrepondo-se aos dogmas, preconceitos e instituições injustas. Jacques Maritain, um dos maiores humanistas da história, descrevia o verdadeiro humanismo como aquele sistema capaz de fazer florescer no âmago do ser humano todas as suas virtudes, que lhes são próprias enquanto filho de Deus. Jacques Maritain nasceu na cidade de Paris em 18 de novembro de 1882, oriundo de família protestante. Converteu-se ao catolicismo apenas em 1906, quando então fora batizado. A influência da formação católica fez Maritain aprofundar-se nos estudos filosóficos de Santo Tomás de Aquino, tornando-se mais tarde um dos maiores intérpretes do chamado neotomismo. Maritain estudou na Universidade de Paris (Sorbonne) onde concluiu o curso de licenciatura em filosofia no ano de 1905. Estudou também biologia entre os anos de 1906 e 1908 na Universidade de Heidelberg, Alemanha. Frequentou ainda o Collége de France onde conheceu Henri Bergson, seu professor cuja influência marcou o início do pensamento filosófico de Jacques Maritain. Além de Bergson, Spinoza e Driesch formaram a base do pensamento do filósofo humanista, antes que se aprofundasse em Tomás de Aquino, isto em 1909. Em 1910, Maritain que se tornaria autor de inúmeras obras célebres, publicou seus primeiros escritos versando sobre ciência moderna e razão. Jacques Maritain foi professor de filosofia no Instituto Católico de Paris, entre os anos de 1914 e 1939. Lecionou também no Instituto de Estudos Medievais em Toronto, Canadá, a partir de 1932. Os cursos no Canadá eram anuais de modo que Maritain não se desligou de Paris, nem do Institut Catholique. Durante treze anos o filósofo morou nos Estados Unidos, tendo sido professor na Universidade de Princeton e na Universidade Columbia. Entre os anos de 1945 e 1948, Maritain foi embaixador da França junto ao Vaticano. Nesta época o humanista destacou-se como um dos mentores da Declaração Universal dos Direitos Humanos, promulgada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 10 de dezembro de 1948. A obra de Jacques Maritain continua sendo alvo de inúmeros debates e pesquisas acadêmicas em universidades de todo o mundo, graças a seu caráter contemporâneo. Entre as obras publicadas por Maritain temos: Elementos de Filosofia (1923), Distinguir para unir ou Os graus do saber (1932), Humanismo Integral (1936), De Bergson a Thomas de Aquino (1944), Princípios de uma Política Humanista (1944), O Homem e o Estado (1951), O Camponês de Garona (1966). Esta última obra destacou-se devido ? oposição que fazia ao Concílio Vaticano II e suas medidas extremistas. No ano de 1961 a Academia Francesa de Letras premiou Maritain pela importância de suas obras. Durante boa parte de sua vida, Jacques Maritain foi casado com a judia Raissa. Ambos se conheceram em Paris nos tempos em que estudavam na Universidade Sorbonne. Raissa Maritain viveu entre 1883 e 1960, tendo sido grande colaboradora na extensa produção filosófica de seu marido.

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Maritain defende a essência de Deus como primazia no universo real. O tomismo de Maritain distingue o saber racional do supra-racional. Enquanto o saber supra-racional concentra-se na experiência religiosa, o saber racional parte da objetivação do real, confrontando-o ? luz da razão. Em Maritain os instintos são guiados pela sabedoria cristã, enquanto que ? razão deve-se o guia das atitudes intelectuais. Maritain crê numa revolução moral que altere a consciência social, favorecendo o espírito de comunhão e trazendo paz e justiça social aos homens. Dizia: “a obscura esperança de milhões de homens se encontra em trabalho nos subterrâneos da história”. Segundo Maritain o homem tem o livre-arbítrio para construir uma sociedade justa, ou para fazer deste mundo um universo de injustiças. As artes, a pedagogia e a moral também fizeram parte dos estudos de Jacques Maritain. O filósofo via com preocupação o fato de a educação não ser valorizada em muitos países, considerando ser ela o melhor caminho para a libertação do homem. Para o filósofo a educação deve visar essencialmente libertar a pessoa humana. “As democracias estão conscientes hoje de sua negligência em defender e afirmar nas escolas seus próprios princípios e suas próprias razões de ser intelectuais e morais”. (MARITAIN, 1968, p.160). O célebre humanista defendeu a democracia social cristã. As relações sociais foram um dos temas mais privilegiados pelo humanista em seus estudos. Maritain acreditava na relação existente entre cristianismo e democracia. Para o humanista a política tem por função alcançar o bem comum da população, sem privilegiar camadas, assegurando o equilíbrio econômico-social. O essencial é democratizar os benefícios sociais fazendo das riquezas econômicas não um fim em si, mas um meio de promover a construção de uma sociedade justa. Maritain pode ser entendido como um democrata liberal. Defendia uma sociedade de classes integradora e libertadora. Defendia ainda o direito de propriedade. Condenava a hegemonia partidária, que poderia trazer o regime totalitário. O pensador advogava a importância de a classe política dirigente atuar de forma concreta em prol do bem comum. Nunca propôs uma sociedade igualitária como a pleiteada pelos comunistas, mas acreditava nas políticas sociais que respeitam as diferenças individuais, tratando cada um segundo seus méritos. Defendia a igualdade de oportunidades para o comum acesso ao desenvolvimento de todo o potencial humano. Para Jacques Maritain a justiça social se fundamenta numa igualdade cristã. Todos os homens são iguais em essência, mas há a necessidade de que alguns estejam no comando, enquanto outros obedeçam. A fundamentação do sentimento democrático traduz a idéia de que a obediência, em última análise, refere-se a valores de consciência. “A autoridade política, esse direito de governar e de ser obedecido em vista do bem comum, não é oposta ? liberdade humana, mas exigida por ela”. (MARITAIN, 1968, p.155). Maritain foi um pensador católico liberal, não via na educação um ato político, dizia: “o fim último da educação refere-se ? pessoa humana na sua vida pessoal e progresso espiritual, não nas suas relações com o meio social”. (MARITAIN, 1968, p.42). Ressaltava o aspecto utilitário da educação. Para o filósofo a finalidade da educação está em

guiar o homem no desenvolvimento dinâmico no curso do qual se constituirá como pessoa humana, dotada das armas do conhecimento, do poder de julgar e das virtudes morais, transmitindo-lhe ao mesmo tempo o patrimônio espiritual da nação e da civilização ? s quais pertence e conservando a herança secular das gerações. O aspecto utilitário da educação, que quer tornar a criança apta a exercer mais tarde um ofício e ganhar sua vida, não deve ser menosprezado, pois, os filhos do homem não forma feitos para o ócio aristocrático. (MARITAIN, 1968 p.37).

Uma questão bastante debatida na atualidade refere-se ao ensino do Criacionismo nas escolas. Para os criacionistas o mundo e o homem foram criados por Deus, como reza a Bíblia. De maneira geral tem prevalecido o entendimento de que a escola laica tem a incumbência de ensinar o Evolucionismo, ou Teoria da Evolução de Charles Darwin, enquanto ? Igreja cabe o encargo de apresentar a versão cristã da origem do mundo. Maritain advogava o ensino facultativo da religião nas escolas:

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a formação religiosa deve se tornar possível - não a título obrigatório, mas como matéria de livre escolha - ? população estudantil de acordo com os seus desejos e os de seus pais, e deve ser ministrada por representantes dos diversos credos. (…) Não compreendemos como se pode admitir que Deus tenha menos direito de ocupar um lugar na escola, do que os elétrons ou então Bertrand Russell. (MARITAIN, 1968, p.230).

Com a morte de Raissa em 1960, Maritain passou a viver na cidade de Toulouse, na França. Viveu seus últimos anos em um convento católico, vindo a falecer em 28 de abril de 1973. O humanismo integral caracterizou o pensamento de Jacques Maritain, fazendo deste pensador um dos maiores filósofos católicos do nosso tempo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGR?Ã?FICAS

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia, São Paulo: Martins Fontes, 2002. LIMA, Alceu Amoroso. Pelo humanismo ameaçado, São Paulo: Tempo Brasileiro, 1965. MARITAIN, Jacques. Princípios de uma política humanista, Rio de Janeiro: Agir, 1960. _________________. Cristianismo e democracia, 4.ed, Rio de Janeiro: Agir, 1957. _________________. O Homem e o Estado, Rio de Janeiro: Agir, 1952. _________________. Rumos da educação, 5.ed., Rio de Janeiro: Agir, 1968. MONTAIGNE, Michel de. Ensaios, São Paulo: Globo, 1961. NOGARE, Pedro Dalle. Humanismos e anti-humanismos, 5.ed., Petrópolis(RJ): Vozes, 1979. PICO DELLA MIRANDOLA, Giovanni. A dignidade do homem, São Paulo: GRD, 1988. SANTOS, Francisco de Araújo. Humanismo de Maritain no Brasil de hoje, São Paulo: Loyola, 2000. ROTTERDAM, Erasmo de. Elogio da loucura, São Paulo: Martins Fontes, 2000. www.maritain.org.br

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JACQUES MARITAIN E O HUMANISMO INTEGRAL* Pubnlicado por Cultura Geral em Uncategorized Deixe um comentário

Resumo

Este artigo enfoca como sua temática central a teoria do Humanismo Integral, tal como foi exposta pelo filósofo francês contemporâneo Jacques Maritain. Inicialmente, é apresentado o pensamento de Maritain dentro do contexto do Neotomismo, sistema filosófico abraçado pelo intelectual em tela. Depois é abordado o tema do Humanismo, mostrando sua conceituação e desenvolvimento. Enfim, há uma exposição teórica acerca do Humanismo Integral e seus desdobramentos.

Palavras-chave: Maritainismo. Neotomismo. Humanismo Integral.

Introdução

O sistema filosófico maritainista exerceu profunda influência no pensamento ocidental durante o século XX. Mormente no Brasil, onde tal sistema foi disseminado amplamente pelos neotomistas. Um dos maiores divulgadores do maritainismo foi o fundador do CESMAC, Pe. Teófanes Augusto de Araújo Barros. Filósofo, teólogo e pedagogo alagoano, Pe. Teófanes chegou a criar, em Maceió, o Centro de Estudos Jacques Maritain, para difundir e aprofundar as idéias do pensador católico francês. Homem erudito e extremamente idealista, Pe. Teófanes aderiu integralmente ao corpo doutrinário de Maritain, com o qual se correspondeu através de cartas por algum tempo. Professor de História da Filosofia no Seminário de N. Srª da Assunção, na Capital alagoana, Pe. Teófanes conseguiu catalizar a admiração de

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vários intelectuais às teses maritainistas, sendo que muitos deles acabaram, tornando-se seguidores de tais teorias, aumentando, assim, o número de adeptos do maritainismo.

Jacques Maritain, literato e filósofo neotomista francês, nasceu em Paris, no ano de 1882. Vinculado na primeira juventude ao socialismo revolucionário, converteu-se ao catolicismo em 1906, com sua esposa Raíssa, influenciado por Léon Bloy, tornando-se, desde então, o expoente máximo do neotomismo no século XX. Maritain refletiu muito e apaixonadamente sobre a situação da sociedade moderna, sua cultura, seus ideais, sua condição moral, política e religiosa. Como fruto dessas reflexões nasceu a sua célebre teoria do Humanismo Integral, que alcançou ressonância máxima no campo da filosofia político-social. O arguto pensador cristão faleceu em Toulouse (França), no ano de 1973, após uma profícua existência e uma fértil produção intelectual.

O presente artigo pretende, exatamente, enfocar a doutrina do Humanismo Integral de Jacques Maritain. Para tanto, é claro, faz-se mister a contextualização do chamado “corpus maritainista” no quadro geral da Filosofia Cristã Contemporânea, marcada pelo Neotomismo. Assim, estabelecemos uma divisão natural deste trabalho em duas partes: a primeira, onde apresentamos uma visão global do sistema filosófico de Maritain dentro do contexto do Neotomismo; já a segunda parte aborda especificamente o Humanismo Integral como é proposto pelo maritainismo.

O Neotomismo e o Sistema Filosófico de Maritain

O Humanismo Integral defendido pelo pensador francês Jacques Maritain deve ser compreendido dentro do contexto mais abrangente do desenvolvimento do Neotomismo.

O termo Neotomismo significa o ressurgimento da filosofia de Tomás de Aquino. Não se trata de mera ressurreição do antigo, pois as intenções e tarefas propostas por neotomistas denotam muito maior alcance. Trata-se de um verdadeiro retorno às fontes, retomando a corrente tradicional, quase desfeita na época do Iluminismo, tarefa essa empreendida primeiro na Itália por Vicente Buzzetti (1777-1824). Contudo, convém ressaltar que, neste primeiro momento do Neotomismo, se fizeram sentir algumas idéias ainda da Escolástica do século XVIII influenciada pelo racionalismo.

O desenvolvimento sistemático ulterior do Neotomismo procurou incorporar a moderna ciência natural e a psicologia empírica. A assimilação dos novos conhecimentos por parte da antiga filosofia natural e da psicologia filosófica exigiu reformas mais ou menos profundas em certos pontos de doutrina. Ao mesmo tempo, os progressos da fisiologia e da psicologia experimental fecundaram os estudos de crítica do conhecimento.

Após um período de orientação positivista, que reduzia a filosofia quase exclusivamente a epistemologia, pouco a pouco foi despertando, por fins do século XIX, um filosofar dotado de conteúdo. Os pensadores cristãos deram-se conta, cada vez mais claramente, de que a tarefa principal era a conciliação criadora com a filosofia moderna, e precisamente não só com a filosofia contemporânea, mas também com os grandes filósofos da Idade Moderna, sem os quais é absolutamente incompreensível o movimento filosófico atual. A tragédia da escolástica moderna, de modo especial a partir do século XVII, consistiu exatamente em não haver repercutido de maneira viva no ambiente intelectual da época, com o que deixou que a filosofia moderna seguisse mais e mais seu próprio caminho, convertendo-se ela -a escolástica- em assunto puramente interno de seminários e de escolas de Ordens religiosas. O que Santo Tomás realizou em relação a Aristóteles, a Avicena e a Averróis, não o fez a escolástica relativamente aos pensadores da Idade Moderna.

No entanto, para o Neotomisno conseguir transformar-se em força viva da filosofia contemporânea, deveria instalar-se na problemática atual e desenvolver, dentro dela, de maneira original, as grandes idéias fundamentais que lhe são peculiares. Neste esforço distinguiu-se, sobre tudo, Jacques Maritain(1882-1973), o qual conseguiu dar às doutrinas neotomistas uma veste de tal atualidade, mostrando a sua extraordinária correspondência com todos os problemas da filosofia moderna, que as

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tornou dignas de apreço e fê-las penetrar também em ambientes laicos e protestantes que lhes eram tradicionalmente desfavoráveis. As linhas gerais da grande síntese realizada por Maritain apresentam cinco teses mais importantes. Em criteriologia, existência da certeza e objetividade do conhecimento. Em cosmologia, composição substancial dos seres. Em metafísica, individualismo acentuado, construído sobre as noções aristotélicas de ato e potência, substância e acidente. Em teodicéia, transcendência e personalidade de Deus, Criação e Providência. Em Psicologia, espiritualismo moderado, unidade, substancialidade e espiritualidade da alma, distinção entre o conhecimento sensitivo e o intelectivo, origem sensitiva das idéias e livre-arbítrio.

Além destes caracteres doutrinais intrínsecos, o sistema maritainista distingue-se ainda pela tendência a construir uma síntese geral do saber humano, pela orientação aristotélica de suas especulações e pela harmonia de suas teses com as verdades reveladas da teologia cristã.

O Humanismo Integral

O termo Humanismo foi usado pela primeira vez em alemão pelo mestre e educador bávaro F.J. Niethammer em sua obra Der Streit des Philanthropismus und des Humanismo in der Theorie des Erziehungsunterrichts unserer Zeit (1808) Niethammer entendia por Humanismo a tendência a destacar a importância do estudo das línguas e dos autores “clássicos” (latim e grego). Na Itália, o termo foi utilizado para designar os mestres das chamadas “humanidades”, isto é, aqueles que se consagravam aos “studia humanitatis”. O humanista era, pois, aquele que se dedicava às ditas “artes liberais” e, dentro destas, especialmente às que mais levavam em conta o “geral humano”: história, poesia, retórica, gramática e filosofia moral.

Segundo o que foi dito anteriormente, o termo Humanismo pode ser aplicado (retrospectivamente) ao movimento que surgiu na Itália, em fins do século XIV, e prontamente se estendeu para outros países durante os séculos XV e XVI. Característico dos humanistas é o fato de terem herdado muitas tradições dos mestres medievais de gramática e de retórica, os chamados “dictadores”, e de terem acrescentado a essas tradições a insistência no estudo dos grandes autores latinos e da língua e da literatura gregas.

Na época atual, falou-se de Humanismo não apenas para designar o movimento descrito anteriormente, mas também, ou sobretudo, para qualificar certas tendências filosóficas, especialmente aquelas nas quais se ressalta algum ideal humano. Como os ideais humanos são muitos, proliferaram-se os Humanismos. Assim, temos um humanismo liberal, um humanismo socialista, um humanismo existencialista, um humanismo científico ou positivista, um humanismo cristão, um humanismo integral ou “humanismo da encarnação” no sentido de Maritain e muitas outras, quase incontáveis, variedades.

O Humanismo Integral de Jacques Maritain se propõe a estabelecer uma metafísica cristã e reafirma o primado da questão ontológica sobre a gnosiológica, permitindo evitar os erros e distorções em que, a seu ver, desembocou o idealismo moderno.

Diante do panteísmo, em seus dois aspectos racionalista e irracionalista, contra o antropocentrismo, que significa, no fundo, uma negação da transcendência, Maritain sustenta o personalismo enquanto filosofia que, sem negar a subsistência do homem, sua independência diante das coisas, não equivalha tampouco a fazê-lo fundamento último das coisas. O homem é, para ele, uma pessoa, não apenas um indivíduo isolado ou o servo de qualquer falsa transcendência puramente terrena; como tal, o homem está vinculado com Deus e na direção Dele se realiza a expansão de todas as suas possibilidades. Desta forma, só pelo caminho do personalismo cristão se poderá, de acordo com o nosso filósofo, superar a dificuldade interna do idealismo moderno e, ao mesmo tempo, ampliar o campo do saber, que dessa maneira integrará em sua unidade não apenas a ciência e a filosofia, como também a sabedoria tal como definida e concebida por Santo Agostinho. A rigor, a questão do saber é tudo, menos um problema puramente técnico e está no próprio cerne de uma reforma do homem. A preocupação à formação de uma hierarquia dos saberes e dos graus do saber destinado a proporcionar um firme alicerce à ordem intelectual que deve substituir a desordem moderna, a distinção e ao mesmo tempo a complementação

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da ciência e da sabedoria, o esforço para definir o campo de uma filosofia da natureza, autônoma com relação à metafísica e à ciência positiva, são diversos exemplos que mostram até que ponto a filosofia “teórica” está indissoluvelmente vinculada à filosofia “prática”.

Na célebre obra Humanismo Integral, que veio a lume pela primeira vez no ano de 1936, sendo publicada no Brasil pela Companhia Editora Nacional em 1945, Maritain propõe dar ao termo Humanismo uma significação nova, elucidada pelos pensamentos de Aristóteles e Tomás de Aquino. Aqui é importante trazer a definição maritanista de humanismo, apresentada em seu livro mais famoso:

O humanismo tende essencialmente a tornar o homem mais verdadeiramente humano, e a manifestar sua grandeza original, fazendo-o participar de tudo o que, na natureza e na história [...] o possa enriquecer; suas exigências são exaustivas, levando o homem a desenvolver suas virtualidades intrínsecas, suas forças criativas e a vida da razão, se esforçando também a transformar as forças do mundo físico em instrumentos de sua liberdade. (MARITAIN, 1945, p. 298).

Em 1936, quando Maritain publicou seu livro pela primeira vez, o humanismo era socialista ou não era humanismo. O nosso pensador rejeita esse humanismo em voga, ainda que nele reconheça o mérito de propor questões essenciais. Todavia, visto que o aristotelismo e o tomismo afirmam a primazia do espírito no homem, é necessário regenerar a noção de humanismo, atribuindo o maior quinhão àquilo que, na ordem do humano, ultrapassa ou transcende o humano ou, em todo caso, não se reduz a ele: seu espírito. O Humanismo deve ter fonte e alcance espirituais, se não quisermos ver o homem afundar no biológico ou no social. Mas também deve desenvolver uma filosofia prática, ou seja, princípios de ação. O Humanismo Integral de Maritain é cristão. Concebe a ação do homem numa perspectiva espiritual, e não materialista, como fazia o socialismo.

O Humanismo Maritanista apresenta quatro conceitos fundamentais: homem como pessoa, lei natural, direitos humanos e bem-comum. O primeiro conceito fundamental no Humanismo de Jacques Maritain é este: o ser humano é concebido com uma dignidade humana, ou seja, é uma pessoa humana. O ser humano é pessoa por não ser objeto nem animal, mas ser dotado de racionalidade e vontade, e é pessoa humana porque também é dotado de uma individualidade, isto é, forma um todo completo em si, uma vez que possui valores humanos e um espírito digno de respeito e liberdade. Sobre este princípio fundamental, explica Maritain:

Ao afirmar que um homem é uma pessoa, queremos significar que ele não é somente uma porção de matéria [...] O homem é um indivíduo que se sustenta e se conduz pela inteligência e pela vontade [...] Não existe apenas uma existência física, há nele uma existência mais rica e mais elevada, que o faz superexistir em conhecimento e amor. (MARITAIN, 1967, p. 16).

O ser humano é um todo em si, mas é um todo aberto, que precisa viver em sociedade, pelas próprias necessidades naturais, pois, segundo afirma Maritain, “… o valor da pessoa, sua liberdade, seus direitos, pertencem à ordem das coisas naturalmente sagradas. (IDEM, ibidem, p. 17).

Pressupondo, destarte, que os seres humanos possuem uma natureza comum, é conseqüente a idéia de que há uma lei natural a indicar os propósitos à ação dos seres humanos, o que é o segundo conceito fundamental do Humanismo Maritainista. Este direito natural implica direito à vida, à saúde ao trabalho digno, à educação, à não-exploração, dentre outros. É referente a uma ordem superior das coisas, que até mesmo antecede qualquer formação social. São os preceitos da natureza humana que, se forem seguidos, fazem a sociedade ter uma vida pacífica, com amizade e fraternidade entre seus membros. Neste sentido, Maritain assevera:

[...] Há, em virtude mesmo da natureza humana, uma ordem ou disposição que a razão humana pode descobrir, e segundo a qual a vontade humana deve agir a fim de se pôr de acordo com os fins necessários do ser humano. A lei não escrita ou o direito natural não é outra coisa. (IDEM, ibidem, p. 59).

O direito natural, além de princípio formador de qualquer lei que exista, uma vez que é constituído pelos “princípios fundamentais” de que se serve o direito positivo, também é a base dos direitos humanos,

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terceiro conceito fundamental. A força dos direitos humanos reside no seu fundamento, que é a igual dignidade de todos os seres humanos, desde sua concepção até sua morte natural. E o Humanismo é, em última análise, o respeito aos direitos do ser humano. Tudo derivando da ordem superior que é o direito natural. Os direitos humanos se referem à interpretação que as leis humanas tentam fazer da lei natural. É preciso, pois, que a sociedade, ao promover as leis que regularão as relações entre as pessoas, atente para que elas não estejam em desacordo com o direito natural.

E, por fim, o quarto conceito humanista aqui abordado é o de bem-comum. Por bem-comum entende-se a própria vida feliz em comunidade. Em termos humanistas, pode-se afirmar que o bem-comum é o próprio objetivo de uma sociedade orientada para os princípios humanos, é o resultado prático da aplicação dos direitos naturais. O bem-comum implica respeito aos seres humanos. No Humanismo Cristão de Maritain somente o ser humano tem dignidade, porque é filho de Deus, e por isso cada indivíduo tem de ser respeitado por todos os outros, seus iguais. Cabe ao Estado o fomento do bem-comum e da ordem pública. Nunca, porém, o Estado pode ficar superior ao ser humano. O Estado é uma criação humana, ele não tem dignidade própria, é apenas um instrumento do ser humano, que tenta possibilitar que este atinja seu fim como pessoa humana, através do bem-comum. Maritain esclarece bem este ponto:

O homem supera a comunidade política segundo as coisas que, nele e dele, originárias que são da orientação da própria personalidade para o absoluto, dependem, quanto à sua própria essência, de algo mais alto que a comunidade política, e dizem respeito à contemplação – supranatural- da pessoa como pessoa. (IDEM, ibidem, p. 27).

Logo, a finalidade do ser humano não é satisfazer as necessidades do Estado, mas ao contrário. Como foi dito, é o Estado que existe para satisfazer as necessidades coletivas humanas. O fim da pessoa humana, ao menos durante a vida terrena, é utilizar sua liberdade, respeitando os outros, e desenvolver, assim, cada vez mais, seu espírito.

Conclusão

Como vimos, no sistema maritanista, a linha da filosofia tomista apresenta-se como um divisor de águas, uma linha de cumeeira entre duas vertentes ao longo das quais se despenham os erros dos outros sistemas filosóficos. O nosso pensador ilustra constantemente a solução tomista pelo seu confronto com as outras, mostrando, em cada caso, a gravidade trágica do abandono de alguns dos grandes princípios da “philosophia perennis”. Maritain dá a medida do seu gênio, criando um novo método de apresentação da filosofia de santo Tomás, perfeitamente adaptado às aspirações e também às deficiências do nosso tempo.

Quanto à sua teoria humanista, o filósofo católico em foco parte do princípio de que o homem é pessoa, que deve ser compreendido na sua totalidade, bem de acordo com o seu Humanismo Integral. Desse modo, ele vai do engajamento sócio-político do Eu-cidadão ao mais elevado estágio de transcendência humana rumo ao Absoluto, como um projeto infinito. Portanto, o Humanismo Maritainista ou, como queiram, o Humanismo Integral, considera o homem apoiado num fundamento transcendente, aberto às fecundações da graça e às relações vitais com Deus, que o salva e o santifica. E considera o mundo como situação intra-mundana da pessoa, isto é, não como definidor absoluto do seu ser, mas como momento da sua presença no ser.

É claro que este trabalho não esgota todo o assunto. O Humanismo Integral e o sistema filosófico de Jacques Maritain constituem temática vastíssima, abrangente e profunda para que se chegue a uma palavra final. Antes, o presente artigo deve se tornar ponto de partida para novos e mais complexos estudos, pois se trata de tema atual e envolvente.

Referências

ALLEN, E. L. Christian Humanism.  A guide to the thought of J.  Maritain. New York: Philosophical Library, 1951.

Page 9: O humanismo de Jacques Maritain e a educação

DAUJAT, J. Maritain: Un Maitre pour Notre Temps. Paris: Téqu, 1978.

MARITAIN, J. Humanismo Integral. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1945.

______. Os Direitos do Homem. Rio de Janeiro: José Olympio, 1967.

______. Por um Humanismo Cristão. São Paulo: Paulus, 1999.

______. MONDIN, B. Curso de Filosofia. 4. ed. São Paulo: Paulinas: 1987