O Homem Do Castelo Alto - Philip K Dick

172

description

Livro de Philip K Dick, denominado O Homem do Castelo Alto

Transcript of O Homem Do Castelo Alto - Philip K Dick

  • DADOS DE COPYRIGHT

    Sobre a obra:

    A presente obra disponibilizada pela equipe Le Livros e seus diversos parceiros, com o objetivode oferecer contedo para uso parcial em pesquisas e estudos acadmicos, bem como o simplesteste da qualidade da obra, com o fim exclusivo de compra futura.

    expressamente proibida e totalmente repudavel a venda, aluguel, ou quaisquer uso comercialdo presente contedo

    Sobre ns:

    O Le Livros e seus parceiros disponibilizam contedo de dominio publico e propriedadeintelectual de forma totalmente gratuita, por acreditar que o conhecimento e a educao devemser acessveis e livres a toda e qualquer pessoa. Voc pode encontrar mais obras em nosso site:LeLivros.us ou em qualquer um dos sites parceiros apresentados neste link.

    "Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e no mais lutando por dinheiro epoder, ento nossa sociedade poder enfim evoluir a um novo nvel."

  • PHILIP K. DICK

    O HOMEM DO CASTELO ALTO

    Traduo de SYLVIA ESCOREL

    1971

    Diagramao: ANTNIO HERRANZReviso: JLIO BIERRENBACH

  • Direitos reservados EDITORA SABI LIMITADA. Rua Toneleros, 191 Casas 4 e 5 Tels.: 257-0923 e 256-2601 Rio de Janeiro, GB, por acordo com Scott Meredith Literary

    Agency . Proibida reproduo integral ou parcial em livro de qualquer espcie ou outra forma depublicao, sem autorizao expressa da Editora. Copyright by Philip K. Dick, 1962.

    Ttulo original: The Man in the High Castle

    COLEO ASTERIDE 2Direo de JOS SANZ

  • Sobreoautor

    Trs pontos do a medida do talento de Philip K. Dick. O primeiro um certo nmero dequalidades essenciais, como: capacidade de urdir uma intriga e desdobr-la de maneiracomplexa, sem afetar a coeso da estrutura; faculdade de construir um ambiente; criao de umdilogo convincente e sempre pertinente; imaginao excepcionalmente desenvolvida. Osegundo a maneira quase alucinatria de dar detalhes referentes a qualquer mundo no realque ele resolva criar. O terceiro a capacidade de retornar, tantas vezes quantas julgarnecessrio, a um tema j abordado num livro anterior, que ele sente no ter esgotado, e oresultado mostra que ele tem razo. Seus principais temas cclicos so: o mundo vazio, ou seja,uma sociedade em que as pessoas importantes so reduzidas a um nmero nfimo; o exerccio dopoder, cujo conceito subjacente parece ser a faculdade de agarrar a oportunidade no vo, graas determinao e malcia; a iluso substituindo a realidade, disseminada, alis, em toda a suaobra; a alucinao provocada pela ingesto de drogas, criando mundos imaginrios sem sada; amaleabilidade do universo exterior o desejo do homem de aceitar no uma "realidade"hipottica, no sentido kantiano do das Ding an sich, mas uma construo elaborada pelo efeito deidias preconcebidas implantadas no seu crebro; finalmente, o tema desenvolvido em The Manin the High Castle: nossa existncia e o universo inteiro so manifestaes de um substratoflutuante, uma cera virgem onde os humanos vo imprimir, por suas decises e percepes, umaforma dotada de sentido s para eles.

    Philip K. Dick nasceu em Chicago, em 1928, e vive atualmente na Califrnia.Apaixonado por msica, empregou-se numa loja de discos e produziu um programa clssico naestao de rdio KSMO, de San Mateo, Califrnia. Estudou na Universidade daquele Estado, masno terminou o curso porque "havia gente demais fumando e lendo o Daily Cal, o que no mepermitia ouvir os professores". Comeou a ler f.c. aos 12 anos em conseqncia de um engano:comprou Stirring Science Fiction em vez de Popular Science. Lia tambm Joyce, Kafka,Steinbeck, Proust, Dos Passos. Casou-se com Anne, que conheceu na loja de discos, comprouuma casa, comeou a escrever e a vender f.c, largou o emprego na loja, continua ouvindoMonteverdi e Buxtehude mas passa a maior parte do tempo lendo Ibsen e escrevendo. Adoragatos.

  • Para minha mulher Anne, sem cujo silncio este livro nunca teria sido escrito.

  • 1 HAVIA uma semana que Mr. Childan aguardava ansiosamente o carteiro. Mas a valiosa

    encomenda proveniente dos Estados das Montanhas Rochosas ainda no chegara. Quando abriu aloja na sexta-feira cedo e viu apenas cartas na caixa do correio pensou logo: vou ter um fregusfurioso.

    Tirou uma xcara de ch instantneo da mquina automtica na parede, apanhou umavassoura e ps-se a varrer; em pouco tempo a frente da American Artistic Handcrafts Inc. estavapronta para o dia, limpinha, com a caixa cheia de troco, um vaso de margaridas frescas e o rdiotocando msica de fundo. L fora na calada passavam homens de negcios a caminho de seusescritrios em Montgomery Street. Ao longe, um bonde; Childan parou para observ-lo comprazer. Mulheres com seus longos e coloridos vestidos de seda... observou-as tambm. Ento otelefone tocou. Voltou-se para atender.

    Sim disse uma voz conhecida, quando atendeu.O corao de Childan ficou gelado. Aqui fala Mr. Tagomi. O meu cartaz de alistamento da Guerra de Secesso j chegou,

    senhor? Por favor, lembre-se; foi-me prometido para a semana passada.A voz era exigente, breve, apenas polida, apenas mantendo a etiqueta. No lhe dei um depsito, Mr. Childan, com aquela exigncia? para presente, sabe? J

    tinha explicado. Um cliente. Pesquisas prolongadas comeou Childan feitas s minhas prprias custas, Mr.

    Tagomi, referentes encomenda prometida que, como o senhor sabe, origina-se fora destaregio e portanto...

    Mas Tagomi interrompeu: Ento no chegou. No, Mr, Tagomi. Uma pausa glacial. No posso mais esperar disse Tagomi. Sim, senhor.Childan olhou com tristeza atravs da vitrine da loja, o dia quente brilhante e os edifcios

    comerciais de So Francisco. Um substituto, ento. Que recomenda, Mr. Childan?Tagomi propositalmente pronunciou mal o nome; era um insulto dentro da etiqueta que fez

    arderem as orelhas de Childan. Estava numa falsa posio, sua situao causava-lhe uma terrvelmortificao. As aspiraes, os medos e os tormentos de Robert Childan vieram tona e ficaramexpostos, inundando-o, paralisando sua lngua. Gaguejou, com a mo crispada no telefone. O arde sua loja cheirava a margaridas; a msica continuava a tocar, mas ele sentiu como se estivessemergulhando em algum mar distante.

    Bem... conseguiu murmurar. Batedeira de manteiga. Mquina de fazer sorvete de1900.

    Sua mente recusava-se a pensar. Como quando a gente se esquece; como quando a gente seengana. Ele tinha trinta e oito anos, recordava os dias anteriores guerra, os outros tempos.Franklin D. Roosevelt e a Feira Mundial; o antigo mundo, muito melhor.

    Talvez pudesse levar vrios artigos interessantes ao seu escritrio? sussurrou.

  • Foi marcado um encontro para as duas horas. Preciso fechar a loja, pensou, enquantodesligava. No havia escolha. Era preciso manter a boa-vontade desse gnero de clientes; osnegcios dependiam deles.

    Ali de p, ainda trmulo, percebeu que algum um casal entrara na loja. Jovens,elegantes, bem vestidos. De aspecto agradvel. Acalmou-se e caminhou, sem pressa, na direodeles, sorrindo. Estavam debruados sobre o mostrurio no balco, e tinham escolhido umlindssimo cinzeiro. Casados, adivinhou. Moram na Cidade das Neblinas Sinuosas, os novosapartamentos exclusivos no Sky line, com vista para Belmont.

    Al disse, e sentiu-se melhor. Sorriram-lhe sem nenhuma superioridade, apenas comafabilidade. Seu mostrurio que era realmente o que havia de melhor no gnero ali na Costa tinha impressionado; percebeu isso e ficou agradecido. Eles compreenderam.

    Peas de fato excelentes, senhor disse o jovem.Childan inclinou-se espontaneamente.Os olhos deles, brilhantes no s pela ligao humana, mas ainda pelo prazer comum que

    sentiam ao ver os objetos de arte que ele vendia, por seus gostos e satisfaes mtuos, fixaram-senele; agradeciam-lhe por ter coisas como estas, que eles podiam ver, tocar, examinar, manuseartalvez, at mesmo sem comprar. Sim, pensou, sabem em que espcie de loja esto; aqui no hbugigangas para turista, placas de sequia onde se lia MUIR WOODS, MARIN COUNTY,P.S.A., coisinhas, aneizinhos ou cartes postais com a vista da Ponte. Especialmente os olhos damoa, grandes, escuros. Como seria fcil, pensou Childan, me apaixonar por uma garota assim.Que trgica seria ento minha vida; como se j no estivesse bastante ruim. Esse cabelo preto namoda, as unhas pintadas, as orelhas furadas com os longos brincos de metal feitos a mo.

    Seus brincos murmurou. Comprados aqui, talvez? No disse ela. Em minha terra.Childan balanou a cabea. Nada de arte americana contempornea; apenas o passado

    poderia estar representado ali, numa loja como a dele. Vo ficar muito tempo aqui? perguntou. Na nossa So Francisco? Vou ficar aqui por tempo indeterminado disse o homem. Trabalho na Comisso de

    Inqurito para Planejamento do Nvel de Vida das reas Sinistradas..Seu rosto demonstrou orgulho. No era militar. No era um daqueles recrutas provincianos,

    mascadores de chicletes, com seus rostos de camponeses gananciosos, perambulando por MarketStreet, boquiabertos diante dos cabars, dos filmes sexy, dos tiro-ao-alvo, das boates baratas comfotos de louras de meia-idade sustentando as tetas entre dedos enrugados, com um risodebochado nos lbios... os antros de jazz, que formavam a maior parte da baixa So Francisco,frgeis barracos de lata e de tbuas que surgiram das runas mesmo antes de cair a ltimabomba. No aquele jovem era da elite. Culto, educado, mais ainda que Mr. Tagomi, queafinal era um alto funcionrio, com o posto de Adido Comercial para a Costa do Pacfico.Tagomi era um homem velho. Sua formao vinha do tempo do Gabinete de Guerra.

    Queriam objetos de arte popular tradicional americana para presente? perguntouChildan. Ou talvez para decorar seu novo apartamento aqui? Se fosse esta ltima hiptese... seu corao apressou-se.

    Acertou disse a moa. Estamos comeando a decor-lo. Estamos ainda um poucoindecisos. Acha. que poderia ajudar-nos?

  • Poderia passar em seu apartamento, sim disse Childan. Levarei vrias malas commaterial e l, no ambiente, posso sugerir coisas que lhes convenham. Esta: , naturalmente, anossa especialidade.

    Baixou os olhos para encobrir suas esperanas. Poderia ser um negcio de milhares dedlares.

    Estou para receber uma mesa da Nova Inglaterra, toda de madeira de encaixe, no temum prego. De enorme beleza e valor. E um espelho da poca da guerra de 1812. E tambm aarte aborgene: um grupo de tapetes de plo de cabra com tintura vegetal.

    Por mim disse o homem prefiro a arte das, cidades. Pois no disse Childan ansiosamente. Oua,, senhor. Tenho um mural do perodo dos

    correios W. P. A., original, feito de madeira, em quatro partes, retratando Horace Greeley. Peade colecionador, de valor inestimvel.

    Ah! disse o homem, com os olhos escuros brilhando. E uma vitrola de 1920, transformada em bar. Ah! E, senhor, oua: um retrato emoldurado e autografado de Jean Harlow.O homem ficou com os olhos esbugalhados. Vamos marcar um encontro? perguntou Childan, aproveitando o momento psicolgico

    certo.Tirou do bolso interno do casaco a caneta e a caderneta. Anotarei seu nome e endereo, senhor e senhora. Mais tarde, quando o casal saiu da loja,

    Childan ficou de p, mos nas costas, olhando a rua. Feliz. Se todos os dias fossem assim... Masera mais do que os negcios, era o sucesso de sua loja. Era a oportunidade de conhecer umjovem casal japons socialmente, na base de uma aceitao dele como homem mais do quecomo um yank ou, na melhor das hipteses, como um comerciante de objetos artsticos. Sim,esses jovens da gerao em ascenso, que no se lembravam dos dias de antes da guerra, nemda prpria guerra eram a esperana do mundo. Diferena de lugar nada significava para eles.

    Isso acabar, pensou Childan. Algum dia. A prpria idia de lugar. No mais governados egovernantes, mas gente.

    E contudo tremia de medo ao se imaginar batendo porta deles. Examinou suas anotaes.Os Kasouras. Se fosse recebido, sem dvida lhe ofereceriam ch. Faria direito as coisas? Saberiacomo agir e falar no momento exato? Ou iria se desgraar, como um idiota, com alguma gafeterrvel?

    O nome dela era Betty. Que compreenso em seu rosto, pensou. Os olhos delicados,sensveis. Certamente, mesmo naquele pouco tempo na loja, percebera suas esperanas ederrotas.

    Suas esperanas de repente ficou tonto. Que aspiraes eram essas, beirando a loucura seno o suicdio? Mas no eram desconhecidas as relaes entre japoneses e yanks, emborageralmente fossem entre um japons e uma yank. Mas... estremeceu idia. E ela era casada.Afastou da cabea esse desfile de pensamentos involuntrios e ps-se a abrir a correspondnciamatinal com toda ateno.

    Suas mos, descobriu, ainda estavam tremendo. E foi ento que se lembrou do encontro comMr. Tagomi s duas; diante da idia, suas mos deixaram de tremer e seu nervosismo

  • transformou-se em deciso. Preciso encontrar alguma coisa aceitvel, disse a si prprio. Onde? Ecomo? O qu? Um telefonema. Fontes. Habilidade comercial. Desenterrar um Ford 1929totalmente restaurado, com capota de tecido preto e tudo. Uma grande jogada para mantersempre a clientela. Avio trimotor do correio areo, modelo original, encontrado num celeiro emAlabama, etc. Apresentar a cabea mumificada de Mr. B. Bill, incluindo os cabelos brancosesvoaantes; sensacional objeto americano. Firmar minha reputao nos mais altos crculos deconnoisseurs do Pacfico, incluindo o arquiplago nipnico. Para inspirar-se, acendeu um cigarrode niarijuana da excelente marca Land-O-Smiles.

    Em seu quarto de Hayes Street, Frank Frink estava na cama pensando em como se levantar.

    O sol entrando pela persiana brilhava no monte de roupa cada no cho. Seus culos, tambm.Pisaria neles? Tentar chegar ao banheiro por outro caminho, pensou. Arrastar-se ou rolar. Suacabea doa mas no se sentia triste. Nunca olhe para trs, resolveu. Horas? O relgio nacmoda. Onze e meia! Santo Deus. Mas continuava na horizontal.

    Estou despedido, pensou.Ontem cometera um erro na fbrica. Tivera uma conversa errada com Mr. Wyndam-

    Matson, um sujeito de cara amassada e nariz tipo Scrates, com anel de brilhante e fecho-eclerde ouro na braguilha. Em outras palavras, uma fora. Um monarca. Os pensamentos de Frinktropeavam s cegas.

    Sim, pensou, e agora vo me boicotar; meus conhecimentos so inteis, no tenho profisso.Quinze anos de experincia. Perdidos.

    E agora teria que aparecer diante da Comisso de Justificao dos Trabalhadores para umareviso de sua categoria de trabalho. Como nunca tinha conseguido descobrir qual exatamente arelao de Wy ndam-Matson com os pinocs o governo fantoche branco instalado emSacramento no tinha idia da influncia que seu ex-patro poderia ter junto s autoridadesreais, os japoneses. A C. J. T. era dirigida por pinocs. Teria que enfrentar quatro ou cincofisionomias balofas de meia-idade, do tipo de Wy ndam-Matson. Se no conseguisse suajustificao ali, iria s Misses Comerciais de Importao-Exportao que operavam fora deTquio, com escritrios na Califrnia, Oregon, Washington e nas regies de Nevada includas nosEstados Americanos do Pacfico. Mas se seu apelo fracassasse tambm l...

    Mil planos rodavam em sua cabea enquanto ele, deitado, observava o antigo globo de luz noteto. Poderia, por exemplo, passar para os Estados das Montanhas Rochosas. Mas esses Estadostinham uma certa ligao com os E.A.P. e talvez o extraditassem. E o Sul? Seu corpo arrepiou-se.Isso no. Como branco teria bastante lugar, na verdade mais do que tinha aqui nos E.A.P. Mas...no queria aquele tipo de lugar.

    E, pior ainda, o Sul tinha um emaranhado de ligaes econmicas, ideolgicas e Deus sabe oque mais, com o Reich. E Frank Frink era judeu.

    Seu nome original era Frank Fink. Nascera na Costa Leste, em Nova York e, em 1941, foraconvocado pelo Exrcito dos E.U.A., logo aps a derrota da Rssia. Depois dos japonesestomarem o Hava, foi enviado Costa Oeste. Quando a guerra terminou, l estava ele, do ladojapons da linha demarcadora. E ali continuava, quinze anos mais tarde.

    Em 1947, no Dia da Capitulao, tinha ficado meio frentico. Odiando os japoneses como

  • odiava, jurou vingana; tinha enterrado suas armas dez ps abaixo da terra, num poro, bemembrulhadas e lubrificadas, para o dia do levante, dele e de seus camaradas. Contudo, o tempofuncionou como um blsamo, um santo remdio, fato este que ele no levara em considerao.Quando se lembrava da idia, do grande banho de sangue, da depurao dos pinocs e seussenhores, era como se estivesse revendo um daqueles manchados almanaques de seus dias deginsio, encontrando uma relao de suas aspiraes juvenis. Frank "Goldfish" Fink serpaleontlogo e jura desposar Norma Prout. Norma Prout era a schnes Mdchen da classe e elerealmente jurara casar-se com ela. Aquilo tudo acontecera h muito tempo, como ouvir FredAllen ou ver um filme de W. C. Fields. Desde 1947 ele devia ter visto ou falado com unsseiscentos mil japoneses e o desejo de agredir um ou todos eles simplesmente nunca seconcretizou depois dos primeiros meses. Deixou de ter qualquer importncia.

    Mas sim. Havia um, um Mr. Omuro, que adquirira o controle de uma grande rea de imveisno centro de So Francisco e que, por uns tempos, foi proprietrio da casa de Frank. Aquilo sim que era um salafrrio, pensou. Um tubaro que nunca fazia consertos, que dividira os quartos empedaos cada vez menores, que aumentara os aluguis... Omuro explorava os pobres, sobretudoos ex-soldados beira da misria, durante a depresso, no incio dos anos cinqenta. Contudo,fora uma das misses comerciais japonesas quem cortara a cabea de Omuro como castigo. Ehoje em dia uma tal violao da dura, rgida porm justa, lei civil japonesa era inimaginvel. Eraum ponto a favor da incorruptibilidade dos oficiais japoneses de ocupao, sobretudo os queentraram depois da queda do Gabinete de Guerra.

    Lembrando-se da honestidade slida e estica das Misses Comerciais, Frank sentiu-seconfortado. At Wyndam-Matson seria espanado como uma mosca barulhenta. Fosse ou nodono da corporao W. M. Pelo menos, assim esperava. Acho que eu tenho mesmo f nessenegcio de Aliana de Co-Prosperidade do Pacfico, disse a si prprio. Estranho. Lembrando osprimeiros dias... parecia to obviamente falso, ento. Propaganda, vazia. Mas agora...

    Levantou-se da cama e foi trocando as pernas at o banheiro. Enquanto se lavava e sebarbeava, ouviu as notcias do meio-dia no rdio.

    "No depreciemos este esforo", dizia o rdio quando ele momentaneamente fechou a gua quente."No, no o faremos", pensou Frank amargamente. Sabia a que esforo particular o rdio se

    referia. Mas, no fundo, havia um qu de cmico na situao, a imagem de alemes fortes ecarrancudos marchando por Marte, na areia vermelha virgem de ps humanos. Ensaboando oqueixo, Frink ps-se a cantarolar uma stira a si prprio. Gott, Herr Kreisleiter. Ist dies vielleichtder Ort wo man das Konzentrationstlager bilder kann? Das Wetter ist so schn. Heiss, aber dochschn...

    O rdio dizia: A Civilizao da Co-Prosperidade precisa parar e considerar se, no desejo de fornecer uma

    igualdade de responsabilidade e deveres mtuos juntamente com remuneraes... Jargo tpico da hierarquia dominante, notou Frink.

  • ... no deixamos de levar em considerao a futura arena em que se desenrolaro osnegcios dos homens, sejam eles nrdicos,. japoneses, negros...

    E continuava, continuava.Enquanto se vestia, repassava com prazer a sua stira. O tempo est schn, to schn. Mas

    no h o que respirar...Contudo, era um fato; o Pacfico no fizera nada para a colonizao dos planetas. Estava

    envolvido ou melhor, atolado na Amrica do Sul. Enquanto os alemes estavam ocupadosem lanar no espao enormes sistemas robotizados, os japoneses queimavam as florestas dointerior do Brasil, erguendo edifcios de apartamentos de oito andares, de alvenaria, para ex-caadores de cabea. At os japoneses lanarem seu primeiro foguete, os alemes teriam postoo sistema solar no bolso. Segundo os pitorescos e antigos livros de histria, os alemes ficarampara trs enquanto o resto da Europa solidificava seus imprios coloniais. Mas, refletiu Frink,desta vez no iam chegar por ltimo; aprenderam.

    E isso o levou a pensar na frica e na experincia nazista l. E seu sangue parou de correr,hesitou, e por fim continuou.

    Aquela enorme runa vazia.O rdio dizia: ...devemos contudo considerar com orgulho nossa insistncia nas necessidades fsicas

    fundamentais dos povos de todos os lugares,.suas aspiraes subespirituais que devem ser...Frink desligou o rdio. Ento, mais calmo, ligou-o novamente.Cacete, pensou. frica. Para os fantasmas das tribos mortas. Varridas para fazer uma terra

    de... qu? Quem sabia? Talvez nem mesmo os grandes arquitetos de Berlim soubessem. Bando deautmatos, construindo e trabalhando. Construindo? Esmagando. Ogres de uma exposio depaleontologia, atarefados em fazer um copo com o crnio do inimigo, a famlia inteiraempenhada em pescar primeiro o contedo os miolos crus para comer. Depois fazerutenslios dos ossos das pernas dos homens. Era lucrativa essa idia de no s comer quem no segosta, mas com-los dentro do seu prprio crnio. Os primeiros tcnicos! O homem pr-histricode blusa branca esterilizada num laboratrio de alguma universidade de Berlim, pesquisandocomo aproveitar crnios, pele, orelhas e gordura de outras pessoas. Ja, Herr Doktor. Uma novautilidade para o dedo grande do p; veja, pode-se adaptar a junta para funcionar como isqueiro.Agora, se Herr Krupp puder produzir em quantidade...

    Aquela idia horrorizava-o: o antigo e gigantesco' canibal quase homem vicejando agora,dominando o mundo mais uma vez. Passamos um milho de anos fugindo dele, pensou Frink, eagora ei-lo de volta. E no apenas como adversrio... Mas como senhor.

    ... podemos deplorar, O rdio, a voz dos barriguinhas-amarelas de Tquio estava falando. Cristo, pensou Frink; e ns

    os chamamos de macacos, esses pigmeus civilizados de pernas tortas que no mais instalarocmaras de gs nem derretero suas esposas para transformar em cera.

    ...e deploramos no passado o terrvel desperdcio de seres humanos nesta ansiedade fantica

    que coloca a maioria dos homens totalmente fora da comunidade legal.

  • Eles, os japoneses, eram fortes em leis. ...Para citar um santo ocidental conhecido de todos ns: "De que adianta a um homem ganhar

    o mundo inteiro se perde a alma? O rdio parou. Frink, dando o n na gravata, tambm parou. Era a abluo matinal.Tenho que entrar em algum acordo com eles aqui, decidiu. Boicotado ou no, seria a morte

    para mim deixar o territrio controlado pelos japoneses e aparecer no Sul ou na Europa emqualquer parte do Reich.

    Vou ter que entrar num acordo com o velho Wy ndam-Matson.Sentado na cama, com uma xcara de ch morno ao lado, Frink tirou o I Ching da prateleira.

    Do tubo de couro, tirou as quarenta e nove varetas de yarrow. Refletiu, at ter os pensamentos sobcontrole e as perguntas formuladas.

    Disse em voz alta: "Como deverei aproximar-me de Windam-Matson de maneira a conseguirum acordo decente com ele?" Escreveu a pergunta na tabuinha e comeou a passar as varetas deuma mo para a outra at obter a primeira linha, o incio. Um oito. Metade dos sessenta e quatrohexagramas eliminados de sada. Dividiu as varetas e obteve a segunda linha. Como tinha prtica,logo conseguiu todas as seis linhas; o hexagrama estava formado e nem era preciso consultar oquadro. Reconheceu-o como o Hexagrama Quinze Ch'ien. Modstia. Ah! Os humildes subiro, ossoberbos cairo, as famlias poderosas sero humilhadas; nem precisava consultar o texto j osabia de cor. Um bom pressgio. O orculo estava dando conselhos favorveis.

    Apesar disso, sentiu-se um pouco decepcionado. Havia uma certa infantilidade noHexagrama Quinze; muito ingnuo. Claro que tinha de ser modesto. Talvez fosse esse o negcio.Afinal, ele no tinha nenhum poder sobre o velho W.M. A nica coisa que podia fazer era adotaro ponto de vista do texto do Hexagrama Quinze; o momento era daqueles em que precisosolicitar, esperar, aguardar com f. O cu na hora certa faria com que fosse readmitido ou talvezat promovido.

    No tinha para ler nenhuma linha, pois no tirara nenhum seis ou nove; era um hexagramaesttico. De modo que estava terminado. No ia comear outro hexagrama.

    Uma nova pergunta, ento. Preparando-se, disse alto: "Ser que ainda verei Juliana?"Era sua mulher. Ou melhor, sua ex-mulher. Juliana divorciara-se dele h um ano, e no se

    viam h meses; ele nem sabia onde ela estava morando, obviamente, deixara So Francisco.Talvez at os E.A.P. Os amigos comuns no tinham recebido notcias ou as estavam escondendodele.

    Dividiu as varetas de yarrow com ateno, os olhos fixos nas combinaes. Quantas vezesindagara sobre Juliana, de uma forma ou de outra? L vinha o hexagrama, surgido da diviso dasvaretas ao acaso. Indefinido, mas enraizado no momento que estava vivendo, em que sua vidaestava ligada a todas as outras vidas e partculas do universo. O hexagrama representavanecessariamente, com seu padro de linhas inteiras e partidas, a situao. Ele, Juliana, a fbricade Gough Street, a autoridade das Misses Comerciais, a explorao dos planetas, os bilhes decorpos amontoados na frica, que agora no eram nem mais cadveres, mas matrias-primasqumicas, de criaturas vivendo em torno dele nos barracos de So Francisco, os dementes deBerlim, com seus rostos calmos e planos manacos todos ligados a este momento de jogar as

  • varetas para selecionar a sabedoria apropriada num livro iniciado no sculo XXX a. C. Um livrocriado pelos sbios da China num perodo de cinco mil anos, burilado, aperfeioado, aquelasoberba cosmologia e cincia codificada antes que a Europa tivesse aprendido a extrair raizquadrada.

    O hexagrama. Seu corao parou. Quarenta e quatro. Kou. Vir ao Encontro. Seu julgamentoponderado. A donzela poderosa. No se deve casar com tal donzela. Mais uma vez saa isso emrelao a Juliana.

    Oy vey, pensou, tornando a deitar. Ento no era feita para mim; eu sei. No foi isso queperguntei. Por que o orculo tem que me lembrar disso? Uma falta de sorte para mim, t-laencontrado e me apaixonado e estar apaixonado por ela.

    Juliana a mulher mais bonita com quem j se casara. Sobrancelhas e cabelos negros: levestraos de sangue espanhol distribudos em pura cor, at em seus lbios. Seu andar leve esilencioso; usava sapatos de tnis do tempo de colgio. Mesmo suas roupas tinham todas um armeio arruinado, deliberadamente usadas e muito lavadas. Eles passaram tanto tempo semdinheiro que, apesar de sua beleza, ela tivera que usar suter de algodo, jaqueta de pano comfecho-ecler na frente, saia castanha de tweed e meias curtas de colegial; e ela o odiava porquedizia que desse jeito ficava parecendo uma daquelas mulheres que jogam tnis ou (pior ainda)recolhem cogumelos nos bosques.

    Mas acima e alm de tudo, ele fora atrado de incio por seu ar aloucado; sem a menor razo.Juliana cumprimentava gente totalmente estranha, com um portentoso sorriso Mona Lisa, queas pessoas ficavam surpresas e paravam, antes de responder, fosse para dizer al ou no. E elaera to atraente que na maioria das vezes diziam mesmo al, diante do que Juliana passava ereta.No incio, chegou a pensar que ela fosse mope, mas depois verificou que era mesmo umaprofunda estupidez cuidadosamente escondida. E assim, finalmente, comeou a irritar-se comseu cumprimento de relance a estranhos e com a maneira vegetal, silenciosa, que tinha de ir e vircomo se estivesse em alguma misso secreta. Mas, mesmo assim, mesmo no final, quandobrigavam tanto, ele nunca deixou de encar-la corno uma inveno direta, literal, de Deus,surgida em sua vida por motivos que no lhe eram dados a conhecer. E por isso uma espciede intuio religiosa ou f em relao a ela no se conformava de t-la perdido.

    Parecia to prxima agora... como se ainda fosse sua. Aquele esprito, ainda ativo em suavida, girando silenciosamente pelo quarto em busca de fosse o que fosse que Juliana buscava. Etambm em sua mente, cada vez que apanhava os volumes do orculo.

    Sentado na cama, cercado da desordem de sua vida solitria, preparando-se para sair ecomear seu dia, Frank Frink se perguntou quem mais na vasta e complicada So Franciscoestaria naquele exato momento consultando o orculo. Teriam recebido conselhos to ttricosquanto ele? Seria o teor do Momento to adverso para eles quanto o era para ele?

  • 2 MR. NOBUSUKE Tagomi estava consultando o Quinto Livro da Sabedoria Confuciana, o

    orculo taosta conhecido h sculos pelo nome de I Ching ou O Livro das Transmutaes.Naquele dia, ao meio-dia, comeara a se sentir apreensivo quanto ao seu encontro com Mr.Childan, que teria lugar dai a duas horas.

    Seu grupo de salas no vigsimo andar do edifcio Nippon Times, em Tay lor Street, dava para abaa. Atravs da parede de vidro ele podia observar os navios passando sob a ponte Golden Gate.Naquele instante, um navio de carga podia ser avistado alm de Alcatraz mas Mr. Tagomi noprestava ateno. Indo at a parede, desamarrou a corda e abaixou as cortinas de bambu,encobrindo a vista. O grande escritrio central ficou mais escuro; no tinha que fechar os olhospara se proteger do brilho do sol. Agora podia pensar com maior clareza.

    No tinha como agradar seu cliente, pensou. No importava o que Mr. Childan trouxesse: ocliente no ficaria impressionado. Encaremos os fatos, disse a si prprio. Mas podemos ao menosevitar desagrad-lo.

    Podemos evitar ofend-lo com um presente de pouco valor.O cliente logo chegaria ao aeroporto de So Francisco, a bordo de um novo foguete alemo

    excepcional, o Messerschmitt 9-E. Mr. Tagomi nunca viajara numa nave semelhante; quandoencontrasse Mr. Baynes, teria que prestar ateno para ficar bem blas, por maior que o foguetefosse. Vamos ensaiar. Ficou de p diante do espelho na parede do escritrio, criando umaexpresso estudada, levemente entediada, um ar glacial e impenetrvel. Sim, so muitobarulhentas, Mr. Baynes. No se pode ler. Mas tambm o vo de Estocolmo a So Francisco deapenas quarenta e cinco minutos.

    Poderia talvez mencionar falhas mecnicas dos alemes? Imagino que tenha ouvido pelordio. Aquele desastre sobre Madagascar. Sinceramente, eram melhores os velhos avies apisto.

    Essencial evitar poltica. Pois no conhecia as opinies de Mr. Baynes a respeito dosprincipais temas do dia. Contudo poderia surgir, e Mr. Baynes, como sueco, seria neutro. Masescolhera a Lufthansa em lugar da S.A.S. Faria uma sondagem cautelosa... Mr. Baynes, dizemque Herr Bormann est bastante doente. Que um novo Chanceler do Reich ser escolhido peloPartei neste outono. Apenas boatos? H tantos segredos, infelizmente, entre o Pacifico e o Reich.

    Na pasta em sua mesa, havia um recorte do New York Times contendo um recente discurso deMr. Baynes. Mr. Tagomi passou a estud-lo com ateno, inclinando-se devido ligeiraincorreo de suas lentes de contato. O discurso era a respeito da necessidade de procurar maisuma vez nonagsima oitava vez? nascentes de gua na lua.

    "Ainda poderemos resolver este dilema constrangedor",citava Mr. Baynes."Nosso vizinho mais prximo e at agora o menos compensador, a no ser para fins

    militares".Sic!, pensou Mr. Tagomi, empregando uma palavra em latim de bom efeito. Um dado

    concernente a Mr. Baynes. Ele olha sem complacncia tudo o que exclusivamente militar. Mr.Tagomi tomou nota mentalmente.

  • Apertando o boto do intercom, Mr. Tagomi disse: Miss Ephreikian, gostaria que trouxesse seu gravador, por favor.A porta externa do escritrio deslizou para o lado e Miss Ephreikian surgiu, naquele dia

    agradvelmente enfeitada com flores azuis nos cabelos. Lilases observou Mr. Tagomi.J cultivara flores profissionalmente, quando vivia em Hokkaido.Miss Ephreikian, uma armnia alta e morena, inclinou-se: Est preparada com seu Zip-Track Speed Master? perguntou Mr. Tagomi. Sim, Mr. Tagomi.Miss Ephreikian sentou-se, com o gravador porttil de pilha pronto.Mr. Tagomi comeou : Interroguei o orculo: "Ser proveitoso meu encontro com Mr. Childan?" e, para minha

    consternao, obtive o pouco auspicioso hexagrama A Preponderncia do Grande. A cumieiraest cedendo. Peso demais no meio; tudo desequilibrado. Claramente em desacordo com o Tao.

    O gravador zumbia.Fazendo uma pausa, Mr. Tagomi refletia. Miss Ephreikian observou-o na expectativa. O

    zumbido cessou. Pea a Mr. Ramsey que venha aqui um momento, por favor disse Mr. Tagomi. Sim, Mr. Tagomi.Levantando-se, ela colocou o gravador na mesa; seus saltos ressoavam medida que se

    afastava.Mr. Ramsey apareceu, com uma enorme pasta cheia de recibos, faturas e duplicatas. Jovem,

    sorridente, aproximou-se, usando gravata fina, tipo Plancies do Meio Oeste Americano, camisaquadriculada e blue-jeans apertadas, sem cinto, consideradas o fino da elegncia pelos queacompanhavam a moda.

    Oi, Mr. Tagomi disse ele. Um dia e tanto,, no ?Mr. Tagomi inclinou-se.Diante disso, Mr. Ramsey empertigou-se abruptamente e tambm se inclinou. Estive consultando o orculo disse Mr. Tagomi, enquanto Miss Ephreikian sentava-se

    novamente com seu gravador. Voc compreende que Mr. Bay nes, que como sabe devechegar daqui a pouco, adota a ideologia nrdica com relao chamada cultura oriental. Poderiafazer o esforo de deslumbr-lo, levando-o a uma melhor compreenso das obrasrepresentativas da pintura chinesa em pergaminho ou das cermicas do nosso PerodoTokugawa... mas nossa funo no converter.

    Compreendo disse Mr. Ramsey, com o rosto caucsico contorcido em penosaconcentrao.

    Devemos, portanto, nos conformar com seu preconceito e oferecer-lhe, em lugar disso,um objeto americano de valor inestimvel.

    Sim. O senhor de origem americana. Embora se tenha dado o trabalho de escurecer a pele.Ele examinou Mr. Ramsey com ateno. Este bronzeado foi obtido com lmpada ultravioleta murmurou Mr. Ramsey . Apenas

    para adquirir vitamina D.

  • Mas sua expresso de humilhao dizia tudo. Garanto-lhe que conservo autnticas razes... Mr. Ramsey tropeava nas palavras.

    No cortei todas as ligaes com minhas origens tnicas.Mr. Tagomi disse a Miss Ephreikian: Continuemos, por favor.O gravador rodou novamente. Ao consultar o orculo e obter o Hexagrama Ta Kuo vinte e oito, recebi, alm disso, a linha

    desfavorvel nove no quinto lugar, assim expressa:Um lamo seco floresce.Uma mulher mais velha arranja marido.Sem culpa. Sem mrito. Isto claramente indica que s duas horas Mr. Childan no ter nada de valor a nos

    oferecer.Mr. Tagomi calou-se. Sejamos francos continuou. No posso confiar em minha prpria opinio sobre

    objetos de arte americanos. Por isso... Deteve-se na escolha das palavras. Por isso osenhor, Mr. Ramsey, que , como direi, nativo, necessrio. Naturalmente temos que nosesforar ao mximo.

    Mr. Ramsey ficou sem resposta. Mas, apesar do esforo para se controlar, seu rosto exprimiamgoa, raiva e uma reao muda e frustrada.

    Agora disse Mr. Tagomi consultei outra vez o orculo. Por motivos de ordeminterna, no posso dizer-lhe, Mr. Ramsey , qual a pergunta.

    Em outras palavras, seu tom significava: voc e sua espcie pinoc no tm direito a participardos assuntos importantes com que lidamos.

    Basta dizer, contudo, que recebi uma resposta estimulante. Levou-me a meditarlongamente.

    Tanto Mr. Ramsey quanto Miss Ephreikian observavam-no atentamente. Relaciona-se com Mr. Baynes disse Mr. Tagomi.Sacudiram a cabea, concordando. Minha pergunta com relao a Mr. Baynes produziu, atravs das maquinaes ocultas do

    Tao, o Hexagrama Sheng, quarenta e seis. Um bom julgamento. E as linhas Seis no incio e Noveem segundo lugar.

    Sua pergunta tinha sido: "Terei sucesso com Mr. Bay nes?" E o Nove no segundo lugar diziaque sim. Dizia:

    Se algum for sincero,mesmo uma pequena oferta adiantar.Sem culpa.Obviamente, Mr. Baynes ficaria satisfeito com qualquer presente que a Misso Comercial lhe

    desse, atravs dos bons ofcios de Mr. Tagomi. Mas Mr. Tagomi, ao formular a pergunta, tinhauma indagao mais profunda em mente, da qual mal tinha conscincia. Como costumaacontecer, o orculo percebera aquela indagao mais fundamental e, enquanto respondia outra, encarregara-se de responder tambm subliminar.

    Como sabemos disse Mr. Tagomi Mr. Baynes est nos trazendo um relatriodetalhado dos novos moldes injetveis fabricados na Sucia. Se conseguirmos firmar um acordo

  • com a empresa dele, poderemos certamente substituir muitos metais atualmente em uso e queesto rareando, por plstico.

    Durante anos, o Pacfico estava tentando conseguir do Reich assistncia bsica no campo dossintticos. Mas os grandes cartis qumicos alemes, sobretudo a I. G. Farben, haviam recolhidosuas patentes; chegaram mesmo a criar um monoplio mundial de plstico, sobretudo no ramodo polister. Desta forma, o comrcio do Reich estava sempre frente do comrcio do Pacficoe, em matria de tecnologia, o Reich estava pelo menos dez anos adiantado. Os foguetesinterplanetrios partindo de Festang Europa eram feitos principalmente de plsticos termo-resistentes, muito leves, to fortes que resistiam at a grandes impactos de meteoros.

    O Pacfico no tinha nada assim; fibras naturais, como as de madeira, ainda eram usadas enaturalmente os eternos metais de panela. Mr. Tagomi estremeceu com esta lembrana; tinhavisto, nas feiras comerciais, algumas das criaes mais avanadas da Alemanha, inclusive umautomvel totalmente sinttico, o D S S Der Schnelle Spuk que custava, em moeda--E.A.P.,uns seiscentos dlares.

    Mas sua pergunta oculta, aquela que nunca revelaria aos pinocs que andavam pelosescritrios das misses comerciais, era ligada a um aspecto das atividades de Mr. Bay nes,sugerido pelo telegrama codificado original, chegado de Tquio. Antes de mais nada, mensagensem cdigo eram raras e tratavam geralmente de questes de segurana, no de negcios. E ocdigo era do tipo metfora, empregando aluso potica, que fora adotado para confundir ocontrole do Reich que decifrava qualquer cdigo literal, por mais elaborado que fosse.Obviamente, era com o Reich que as autoridades de Tquio estavam preocupadas, no com asquase-desleais camarilhas nas ilhas japonesas. A frase chave: "Leite desnatado seu regime",referia-se a Pinafore, a cano fantstica que dizia "... As coisas raramente so o que parecem /O leite desnatado finge ser creme". E o I Ching consultado por Mr. Tagomi, confirmou suaintuio. Dizia assim:

    ...Aqui se pressupe que se trata de um homem forte. verdade que ele no combina comseu grupo, pois por demais brusco e d pouca ateno forma. Mas como de carter firme,responde a esse apelo...

    Isso queria dizer, simplesmente, que Mr. Baynes no era o que parecia; que a verdadeirarazo de sua visita a So Francisco no era assinar um acordo sobre moldes injetveis. Que, narealidade, Mr. Bay nes era um espio.

    Mas, por mais que quebrasse a cabea, Mr. Tagomi no conseguia descobrir que espcie deespio, para quem e para qu.

    uma e quarenta daquela tarde, Robert Childan, com grande relutncia, trancou a porta da

    American Artistic Handcrafts Inc. Arrastou suas pesadas maletas at a beira da calada, fez sinala um velotxi e disse ao chink que o levasse ao edifcio Nippon Times.

    O chink, abatido, curvo e suado, assentiu e comeou a arrumar as malas de Mr. Childan noveculo. Ento, tendo ajudado o prprio Mr. Childan a sentar-se no banco acolchoado, ligou otaxmetro, sentou no seu lugar e pedalou Montgomery Street abaixo, entre carros e o nibus.

    Childan passara o dia inteiro procura da pea para Mr. Tagomi e a amargura e ansiedade ooprimiam enquanto via os edifcios passarem. E, contudo, tivera sucesso, um talento especial,independente dele prprio, fizera com que encontrasse a coisa exata. Mr. Tagomi ficaria grato e

  • seu cliente, fosse quem fosse, radiante. Sempre satisfao meus fregueses, pensou.Tinha conseguido, milagrosamente, o volume I, nmero um, dos Tip Top Comics. Datando dos

    anos trinta, era uma valiosa pea do folclore americano; um dos primeiros livros divertidos, itemmuito procurado pelos colecionadores. Naturalmente, tinha outras coisas tambm, para mostrarprimeiro. Chegaria por fim revistinha, que repousava bem protegida num estojo de couroembrulhado em papel de seda no centro da maleta maior.

    O rdio do velotxi berrava melodias populares, competindo com os rdios de outros txis,carros e nibus. Childan no ouvia; estava habituado. Nem prestava ateno aos enormesletreiros luminosos com seus anncios obliterando permanentemente a frente de quase todos osedifcios maiores. Afinal, ele tambm tinha seu letreiro; noite acendia e apagava junto com osoutros da cidade. Que outra forma havia de se fazer propaganda? Era preciso ser realista.

    Na realidade, a barulheira dos rdios, do trnsito, os letreiros e as pessoas, embalavam-no.Apagavam suas preocupaes interiores. E era agradvel ser carregado por outro ser humano,que pedalava no lugar dele, sentir o esforo muscular do chink transmitida sob a forma devibraes regulares; uma espcie de mquina de relaxar, ponderou Childan. Ser puxado em vezde ter que puxar. E ocupar, mesmo que por um momento, uma posio mais elevada.

    Despertou com um sentimento de culpa. Havia coisa demais para planejar; no havia tempopara a sesta. Ser que ele estava vestido direito para entrar no edifcio Nippon Times?Possivelmente desmaiaria no elevador ultra-rpido. Mas estava levando tabletes contra enjo,um produto alemo. As vrias formas de se dirigir s pessoas... ele sabia. A quem tratarpolidamente, a quem rudemente. Ser brusco com o porteiro, com o ascensorista, recepcionista,guia, qualquer espcie de servente. Inclinar-se diante de qualquer japons, claro, mesmo quefosse obrigado a fazer centenas de reverncias. Mas os pinocs. rea nebulosa. Inclinar-se masdeixar que o olhar os atravessasse, como se no existissem. Ser que isso englobava todas assituaes? E um visitante estrangeiro? Nas Misses Comerciais era comum encontrar-sealemes, bem como neutros.

    E havia a possibilidade de avistar um escravo.Navios alemes ou sulistas atracavam no porto de So Francisco a toda hora, s vezes era

    permitido aos negros descer por um breve perodo. Sempre em grupos de menos de trs. E nopodiam ficar na rua depois que escurecesse; mesmo sob a lei do Pacfico, tinham que respeitar otoque de recolher. Mas havia tambm escravos que descarregavam mercadorias no porto e estesviviam permanentemente em terra, em barracos sob o cais, logo acima do nvel do mar. Nohaveria nenhum nos escritrios da Misso Comercial, mas se fosse preciso carregar algo... porexemplo, teria que carregar suas maletas at a sala de Mr. Tagomi? Certamente no. Seriapreciso encontrar um escravo, ainda que tivesse que esperar uma hora de p. Ainda que perdesseo encontro. Era inconcebvel deixar que um escravo o visse carregando alguma coisa; tinha quetomar cuidado com isso. Um erro desse tipo poderia lhe sair caro; nunca mais teria um lugar deespcie alguma entre os que o tivessem visto.

    No fundo, pensou Childan, at que eu acharia divertido carregar minhas prprias malasdentro do Nippon Times, em pleno dia. Que grande gesto! No seria exatamente ilegal, no meporiam na priso. E eu revelaria meus sentimentos reais, aquele lado que nunca transparece navida pblica. Mas,..

    Talvez eu o fizesse, pensou, se no fossem aqueles malditos escravos negros espiando por

  • todos os lados; suportaria os olhares dos que esto acima de mim, seu desprezo... Afinal, eles medesprezam e humilham todos os dias. Mas suportar o olhar dos inferiores, seu desprezo, nunca.Como esse chink pedalando aqui minha frente. Se eu no tivesse tomado um velotxi, e ele metivesse visto tentando ir p a um encontro de trabalho...

    Os alemes eram os culpados dessa situao. Essa tendncia a ter os olhos maiores do que abarriga. Afinal, mal conseguiram ganhar a guerra e logo puseram-se a conquistar o sistemasolar, enquanto em casa davam ordens que... Bom, ao menos a idia era boa. E afinal, forambem sucedidos com os judeus, os ciganos e os bblia. Tambm os eslavos foram devolvidos aocorao da sia, para mais dois mil anos de atraso. Inteiramente expulsos da Europa, para alviogeral. Voltaram a montar os yaks e a caar de arco e flecha. E aquelas revistas impressas emMunique, em papel couch, venda em todas as livrarias e jornaleiros... cada um podia ver porsi as ilustraes coloridas de pgina inteira: os colonos arianos de olhos azuis e cabelos louros,cuidadosamente plantando, selecionando, cultivando o vasto celeiro do mundo, a Ucrnia.Aqueles sujeitos pareciam felizes mesmo. E suas fazendas e casas eram limpas. No se viammais fotos de poloneses burros e bbados, cados nas varandas em runas ou oferecendo algunsnabos murchos no mercado da aldeia. Tudo coisas do passado, como as estradas de terraesburacadas que ficavam intransitveis na poca das chuvas, atolando as carroas.

    Mas havia a frica. L, eles simplesmente deixaram-se levar pelo entusiasmo e podamosadmir-los por isso, embora uma opinio mais ponderada os teria aconselhado a aguardar maisum pouco at, por exemplo, que o Projeto Agrrio fosse completado. A sim, os nazistasmostraram-se geniais; sua face artstica veio tona. O mar Mediterrneo engarrafado, drenado,transformado em terra cultivvel, graas ao emprego da energia atmica... que audcia! Osgozadores foram desbancados, como certos comerciantes debochados de Montgomery Street. E,na verdade, a frica foi quase um sucesso... mas num projeto daquela envergadura, era nefastocomear a usar a palavra quase. O conhecido e poderoso panfleto de Rosenberg fora publicadoem 1958; foi quando a palavra primeiro apareceu. Quanto Soluo Final do Problema Africano,estamos quase alcanando nossa meta. Infelizmente, contudo...

    Mesmo assim, foram necessrios duzentos anos para resolver o problema dos aborgenesamericanos e a Alemanha quase completara o servio na frica em quinze anos. De modo que,no cabia nenhuma crtica legtima. Childan havia, na realidade, discutido o assuntominuciosamente quando almoava com outros comerciantes. Esperavam milagres,evidentemente, como se os nazistas pudessem reformar o mundo por mgica. No, tratava-se decincia, de tecnologia e daquele fabuloso talento para trabalhar duro; os alemes nuncadeixavam de se esforar. Quando faziam alguma coisa, faziam certo.

    Em todo caso, os vos a Marte distraram a ateno mundial das dificuldades encontradas nafrica. De modo que tudo voltava ao que dissera aos seus companheiros loj istas: o que os nazistastm e que nos falta ... grandeza. Pode-se admir-los pelo seu amor ao trabalho ou por suaeficincia... mas o sonho que faz agir primeiro, os vos espaciais Lua, depois a Marte; amenos que fosse o desejo mais antigo da humanidade, nossa maior esperana de glria. Agora,no que toca aos japoneses, conheo-os bastante bem; afinal, trato todos os dias de negcios comeles. So encaremos os fatos orientais. Amarelos. Ns, brancos, temos que nos inclinardiante deles porque tm o poder nas mos. Mas observamos a Alemanha; vemos o que pode serfeito nas regies conquistadas pelos brancos e bem diferente.

  • Estamos nos aproximando do edifcio Nippon Times, senhor disse o chink, ofegante porcausa da subida.

    Diminuiu a marcha.Childan tentou imaginar o cliente de Mr. Tagomi. Obviamente era algum de importncia

    excepcional, como o tom de Mr. Tagomi no telefone e sua tremenda agitao revelaram. Veio-lhe mente a imagem de um de seus mais importantes clientes, ou melhor, compradores,homem que fizera muito para ajud-lo a criar uma reputao entre as figuras de importncia,que moravam em Bay rea.

    Quatro anos atrs, Childan no comerciava com objetos raros e procurados, como agora;dirigia uma pequena e escura livraria de segunda-mo em Geary. Seus vizinhos vendiam mveisusados ou ferragens, quando no eram lavanderias. No era uma vizinhana agradvel. De noite,havia assaltos a mo-armada e algumas vezes curras nas caladas, apesar dos esforos doDepartamento de Polcia de So Francisco e at dos Kempeitai, altos funcionrios japoneses.Todas as vitrines eram cobertas por grades de metal no final do dia, para evitar arrombamentos.Apesar disso, fora morar naquela parte da cidade um ex-militar japons, j idoso, o major ItoHumo. Alto, magro, de cabelos brancos, marchando como nas paradas e porte sempre rgido, foio major Humo quem levou Childan a descobrir o que mais lhe convinha para negociar.

    Sou colecionador explicou o major Humo. Tinha passado a tarde inteira remexendovelhas revistas num monte que havia na loja. Com sua voz suave explicou algo que Childan nocompreendeu imediatamente: para muitos japoneses ricos, cultos, os objetos histricos dacivilizao popular americana tinham tanto interesse quanto as antigidades mais procuradas. Porque era assim, o prprio major no sabia; ele se interessava sobretudo por velhas revistas quetratassem de botes de lato americanos, bem como pelos botes em si. Era como colecionarmoedas ou selos; no havia explicao racional. E os colecionadores ricos pagavam altos preos.

    Vou lhe dar um exemplo disse o major. Conhece os cartes "Os Horrores daGuerra"?

    Olhou Childan avidamente.Forando a memria, Childan acabou se lembrando. Os cartes eram distribudos, na sua

    infncia, nos pacotes de chicletes. A um centavo cada. Havia vrias sries, cada carto evocandoum horror diferente.

    Um bom amigo meu continuou o major coleciona "Os Horrores da Guerra". Falta-lhe apenas um agora. The Sinking of the Panay. Est oferecendo uma quantia considervel poraquele carto.

    Cartes voadores disse Childan, de repente.. Como? Ns os fazamos voar. Cada carto tinha uni lado cara e outro coroa. Ele devia ter uns

    oito anos. Cada um de ns tinha um mao de cartes. A gente ficava em p, um em frente aooutro. Cada um jogava seu carto de modo a que virasse no ar. O garoto dono do carto quecasse com o lado desenhado para cima ganhava os dois cartes.

    Que prazer recordar aqueles bons tempos, aqueles primeiros dias felizes da sua infncia.Refletindo, o major Humo disse:

    Ouvi muitas vezes meu amigo comentar os cartes "Os Horrores da Guerra" e ele nuncamencionou isso. Na minha opinio ele no sabe realmente como esses cartes so usados.

  • Logo aps, o amigo do major apareceu na loja para ouvir, pessoalmente, o relatrio histricode Childan. E ele, tambm oficial reformado do Exrcito Imperial, ficou fascinado.

    Tampinhas exclamou Childan, subitamente. O japons piscou sem compreender. Costumvamos colecionar as tampas das garrafas de leite. Quando garotos. As tampas

    redondas com o nome da leiteria escrito. Devia haver milhares de leiterias nos Estados Unidos.Cada uma imprimia sua prpria tampa.

    Os olhos do oficial falsearam instintivamente. O senhor ainda guarda alguma parte de sua antiga coleo?Naturalmente, Childan no tinha mais. Mas... talvez ainda fosse possvel conseguir as antigas e

    h muito esquecidas tampas dos dias anteriores guerra, quando o leite vinha em garrafas e nonessas embalagens de papelo de usar e jogar fora.

    E foi assim que, aos poucos, estabelecera-se nesse tipo de comrcio. Outros abriram lojassemelhantes, aproveitando a crescente mania dos japoneses por peas do folclore americano...mas Childan mantinha sempre a primazia.

    O preo disse o chink, interrompendo seus pensamentos um dlar, senhor.Descarregara as maletas e estava esperando.Distraidamente, Childan pagou-lhe. Sim, era provvel que o cliente de Mr. Tagomi fosse

    parecido com o major Humo; ao menos, pensou Childan causticamente, do meu ponto de vista.Tratara com muitos japoneses... mas ainda tinha dificuldades em distinguir uns dos outros. Haviaos baixos, atarracados, com a constituio de lutadores. Havia os do tipo farmacutico. Osjardineiros tipo rvore-arbusto-flor... Ele tinha suas categorias. E os jovens, que para ele nempareciam japoneses. O cliente de Mr. Tagomi seria, provavelmente, um homem de negciosgordo, fumando um charuto filipino.

    E ento, de p diante do edifcio Nippon Times, ao lado de suas maletas na calada, Childan derepente pensou, estremecendo: e se o cliente no for japons! Tudo o que havia nas malas foraescolhido em funo disso, considerando seus gostos...

    Mas o homem tinha que ser japons. Um cartaz de alistamento da Guerra de Secesso tinhasido a encomenda original de Mr. Tagomi; claro que s um japons poderia se interessar por talrelquia. Tpico de sua atrao pelo vulgar, sua fascinao de legisladores por documentos,proclamaes, anncios. Conhecera um que dedicava seu tempo livre a colecionar anncios deremdios americanos patenteados do incio do sculo XX.

    Havia outros problemas a considerar. Problemas imediatos. Pelas portas altas do edifcioNippon Times passavam homens e mulheres apressados, todos bem vestidos; suas vozeschegaram aos ouvidos de Childan, que ps-se a caminhar. Uma olhada para o alto do edifciogigantesco, o maior de So Francisco. Uma parede de salas, janelas, a fabulosa concepo dosarquitetos japoneses e os jardins em torno com suas rvores ans sempre verdes, pedras, e opanorama karesansui, areia imitando um riacho seco que passa tortuoso entre razes pedraschatas, simples e irregulares...

    Viu um carregador negro livre. Chamou-o imediatamente ; Carregador!O preto trotou em sua direo, sorrindo. Ao vigsimo andar disse Childan, com sua voz mais dura. Suite B. Imediatamente.Indicou as maletas e caminhou em largas passadas para a entrada do prdio. Naturalmente

  • no olhou para trs.Um momento depois viu-se amontoado num dos elevadores expressos; a maioria em torno

    dele era de japoneses, cujas faces bem lavadas brilhavam ligeiramente na luz forte do elevador.A seguir, o vertiginoso impulso do elevador subindo, o rpido clique dos andares passando; fechouos olhos, firmou os ps no cho e rezou para terminar o vo. O negro, naturalmente, levara asmaletas pelo elevador de servio. Seria totalmente fora de cogitao permitir que entrasse ali. Narealidade Childan abriu os olhos e deu uma olhada rpida ele era um dos poucos brancos noelevador.

    Quando o elevador depositou-o no vigsimo andar, Childan j estava se inclinandomentalmente, preparando-se para o encontro no escritrio de Mr. Tagomi.

  • 3Ao CAIR DA TARDE, olhando para cima, Juliana Frink viu o ponto de luz no cu subir em

    arco e desaparecer a oeste. Um daqueles foguetes nazistas, pensou. Rumo Costa. Cheio defigures. E eu estou aqui embaixo. Acenou com a mo, embora o foguete naturalmente jtivesse passado.

    As sombras avanavam vindas das Montanhas Rochosas. Picos azuis sumindo na noite. Umbando de pssaros lentos, migratrios, acompanhava, a linha das montanhas. Aqui e ali um carroacendia os faris; viu pontos gmeos na estrada. Luzes, tambm, de um posto de gasolina. Casas.

    J vivia ali em Canon City , Colorado, havia alguns meses. Era professora de jud.Seu dia de trabalho terminara e preparava-se para tomar uma chuveirada. Sentia-se cansada.

    Todos os chuveiros estavam ocupados pelos clientes do Rays Gym, de modo que ela ficara emp, esperando l fora, saboreando o ar fresco e a quietude da montanha. A nica coisa que ouviaagora era o som abafado da lanchonete no fim da rua, beira da estrada. Dois enormescaminhes diesel estavam parados e entrevia, na penumbra, os choferes que caminhavamvestindo suas jaquetas de couro antes de entrar na barraca.

    Ela pensou: no foi Diesel quem se atirou pela escotilha do camarote? Quem tentou o suicdionuma viagem martima? Talvez eu devesse fazer o mesmo. Mas ali no havia mar. No entantoh sempre um jeito. Como em Shakespeare. O alfinete de um broche espetado no peito e adeusFrink. A garota que no tem medo de vagabundar no deserto. Que anda de cabea erguida,consciente das diversas formas de pressionar o nervo do adversrio ofegante. Em vez disso,poderia morrer, digamos, aspirando o gs da descarga de um carro na estao rodoviria, talvezcom um canudo comprido.

    Aprendera aquilo, pensou, com os japoneses. Eles lhe ensinaram a atitude de calma diante damorte, juntamente com o meio de ganhar dinheiro com o jud. Como matar, como morrer. Yange yin. Mas isso agora pertence ao passado, aqui terra protestante.

    Era bom ver os foguetes nazistas passarem sem parar, sem o menor interesse por Canon City ,Colorado. Nem por Utah, Wyoming, nem pela regio leste do Nevada, nem por nenhum dosestados cobertos de desertos ou de pastagens. No valemos nada, pensou. Podemos viver nossasvidinhas. Se quisermos. Se nos interessar.

    Ouviu abrir a porta de um dos chuveiros. A imagem da enorme Miss Davis apareceu,terminado seu banho, vestiu-se, ps a bolsa debaixo do brao.

    Oh, estava esperando, Mrs. Frink? Desculpe. Nada a desculpar disse Juliana. Sabe, Mrs. Frink, tenho aproveitado tanto o jud. Mais ainda que o Zen. Queria dizer-lhe. Afine os quadris pelo mtodo Zen disse Juliana. Perca peso sem dor com o satori.

    Desculpe, Miss Davis. Ando com a cabea meio confusa.Miss Davis disse: Fizeram-lhe muito mal? Quem? Os japoneses. Antes de voc aprender a se defender. Foi terrvel disse Juliana. Voc nunca esteve l, na Costa Oeste. Onde eles esto.

  • Nunca sa do Colorado disse Miss Davis, com voz trmula de timidez. Pode acontecer aqui disse Juliana. Talvez resolvam ocupar esta regio tambm. No depois de tanto tempo! Nunca se sabe o que vo fazer disse Juliana. Escondem seus verdadeiros

    pensamentos. O que foi forada a fazer?Miss Davis, apertando a bolsa contra o peito com os dois braos, aproximou-se, no

    crepsculo, para ouvir. Tudo disse Juliana. Nossa Senhora! Eu teria reagido disse Miss Davis.Juliana pediu licena e entrou no chuveiro; algum se aproximava de toalha no brao.Mais tarde, sentada no Tasty Charley's Broiled Hamburgers, passou os olhos pela lista dos

    sanduches. O jukebox tocava uma msica caipira qualquer, guitarra e cantoria soluantes... O arestava pesado de fumaa gordurosa. Apesar disso, o local estava quente e alegre e reconfortou-a.Gostava da presena dos choferes no balco, da garonete, do imenso cozinheiro irlands comseu casaco branco, dando troco na caixa.

    Ao v-la, Charley aproximou-se para servi-la pessoalmente. Mostrando os dentes, falouarrastado:

    Missy quer ch agora? Caf disse Juliana, aturando o incansvel humor do cozinheiro. T bem disse Charley , balanando a cabea. E um sanduche quente de fil com molho. No quer sopa ninho-de-rato? Ou talvez miolos de cabra fritos no azeite?Os dois motoristas de caminho voltaram-se nos tamboretes, rindo tambm da piada. Alm

    disso, tinham prazer em olh-la. Mesmo sem a brincadeira do cozinheiro, teria sido olhada pelosmotoristas. Aqueles meses de jud lhe haviam dado um fsico excepcional; sabia o quanto forabeneficiada e o controle que tinha do seu corpo.

    tudo conseqncia dos msculos do ombro, pensou, ao ser olhada. Como nas bailarinas.Nada tem que ver com tamanho. Mandem suas esposas academia e ns as ensinaremos. Evocs ficaro muito mais satisfeitos com a vida.

    No cheguem perto dela o cozinheiro avisou aos motoristas com uma piscada. capaz de atir-los no cho.

    Ela perguntou ao motorista mais jovem: Voc est vindo de onde? Missouri responderam os dois, ao mesmo tempo. So dos Estados Unidos? perguntou. Eu sou disse o mais velho. De Filadlfia. Tenho trs filhos l. O mais velho com onze

    anos. Olhem disse Juliana: ... fcil conseguir um bom emprego l?O mais moo disse: Claro. Se voc tiver a cor certa.Ele tinha o rosto escuro, os cabelos negros crespos. Sua expresso tornara-se amarga e

    contrada.

  • Ele carcamano disse o mais velho. E da? disse Juliana. A Itlia no ganhou a guerra?Ela sorriu ao jovem mas ele no retribuiu. Em lugar disso, seus olhos sombrios puseram-se a

    brilhar ainda mais intensamente e de repente afastou-se.Sinto muito, pensou ela, mas no disse nada. No posso evitar que voc nem ningum sejam

    morenos. Pensou em Frank. Imaginou se j teria morrido. Nunca falava o que devia e semprefora de hora. No, pensou. De uma certa forma, ele gosta dos japoneses. Talvez se identifiquecom eles porque so feios. Ela sempre dissera a Frank que ele era feio. Poros dilatados. Narigo.Ela tinha pele fina, excepcional. Ser que, sem mim, ele morreu? Um alcagete uma espciede pssaro (*). E dizem que pssaros morrem.

    (*) Traduo aproximada. O texto : A fink (alcagete) is a finch (tentilho). And they saybirds die. (N. da E.)

    Voc vai voltar estrada hoje noite? perguntou ao jovem motorista italiano. Amanh. Se voc no se sente feliz nos Estados Unidos, por que no fica aqui de uma vez?

    perguntou ainda. Eu vivo nas Rochosas h muito tempo e no to ruim. J morei na Costa,em So Francisco. Eles l tambm tm esse negcio de cor de pele.

    Olhando-a de relance, do banquinho no qual se instalara comodamente, o italiano disse: Madame, j bastante chato ter que passar um dia ou uma noite numa cidade dessas.

    Morar aqui? Nossa Senhora! Se eu pudesse conseguir um outro tipo de emprego qualquer e notivesse que estar nesta estrada comendo em lugares como este...

    Notando que o cozinheiro ficara vermelho, parou de falar e comeou a tomar o seu caf. Omotorista mais velho disse:

    Joe, voc um esnobe. Voc podia viver em Denver disse Juliana. mais agradvel que aqui.Conheo esses americanos do Leste, pensou. Gostam da vida folgada. Fantasiando grandes

    coisas. Aqui o fim do mundo para eles, as Rochosas. Nada acontece aqui desde antes da guerra.Gente velha, aposentada, fazendeiros burros, retardados, pobres... e todos os rapazes espertospartiram para o Leste, para Nova York, atravessando a fronteira, legalmente ou no. Porque,pensou, l que est o dinheiro, o abundante dinheiro da grande indstria. A expanso. Osinvestimentos alemes foram de grande ajuda... No tardaram a reconstruir os Estados Unidos.

    O cozinheiro disse numa voz rouca e zangada: Meu chapa, no gosto nada de judeus, mas vi alguns deles fugindo dos seus Estados Unidos

    em 49 e voc pode, portanto, ficar com os seus Estados Unidos. Se construram muito e se hmuito dinheiro sobrando por l porque roubaram tudo daqueles judeus quando

    OS expulsaram de Nova York, com aquela maldita Lei Nazista de Nuremberg. Morei emBoston quando era menino e no morria de amores pelos judeus, mas nunca pensei que chegariaa ver aquela lei racial nazista aplicada nos Estados Unidos, mesmo tendo perdido a guerra.Surpreende-me voc no estar nas Foras Armadas Americanas, preparando-se para invadiruma republiqueta sul-americana, abrindo uma nova frente para os alemes, permitindo-lhesfazer recuar os japoneses mais um pouco...

    Os dois motoristas se levantaram, de cara fechada. O mais velho apanhou um vidro de

  • ketchup do balco, que segurou de cabea para baixo pelo gargalo. O cozinheiro, sem deixar deenfrentar os dois, estendeu a mo atrs das costas at tocar um dos espetos de carne. Empunhou-o, preparado.

    Juliana disse: Denver vai ter uma daquelas pistas com grande resistncia ao calor para que os foguetes

    da Lufthansa possam pousar.Nenhum dos trs homens moveu-se ou falou. Os outros fregueses ficaram sentados em

    silncio. Finalmente o cozinheiro disse: Passou um hoje de tarde. No estava indo para Denver disse Juliana. Estava indo para o Oeste, para a Costa.Aos poucos, os dois motoristas retomaram seus lugares. O mais velho resmungou: Sempre me esqueo; so meio amarelos aqui. O cozinheiro disse: Os japoneses no mataram judeus, nem durante nem depois da guerra. Os japoneses no

    construram fornos crematrios. pena que no o tenham feito disse o mais velho.Mas, segurando a xcara de caf, recomeou a comer.Amarelos, pensou Juliana. , suponho que seja verdade. Ns aqui gostamos dos japoneses. Onde est hospedado? perguntou a Joe, o motorista mais moo. Para passar a noite? No sei respondeu. Sa do caminho para entrar aqui. Detesto este Estado inteiro.

    Talvez durma, no caminho. O Honey Bee Motel no mau disse o cozinheiro. T disse o jovem. Talvez eu v pra l. Se: no se incomodarem por eu ser italiano.Ele tinha o sotaque carregado, embora tentasse disfarar.Observando-o, Juliana pensou: idealismo o que O' faz to amargo. Exigir demais da vida.

    Sempre em movimento, inquieto e aflito. Eu tambm sou assim; no agentava mais ficar naCosta Oeste e daqui a pouco no agento mais ficar aqui. Os pioneiros no eram assim? Mas,pensou, agora a fronteira no fica aqui; fica nos outros planetas.

    Pensou: eu e ele podamos nos engajar num foguete colonizador. Mas os alemes no oaceitariam por causa de sua pele morena e a mim por meu cabelo escuro. Aqueles SS nrdicos,bichas, magros e plidos, nos seus castelos de treinamento na Baviera. Este sujeito Joe no seio qu no tem nem mesmo a expresso correta no rosto; devia ter aquela expresso fria econtudo entusiasta de quem no cr em nada e assim mesmo tem f absoluta. Sim, eles soassim. No so idealistas feito Joe e eu; so cnicos dotados de uma f total. uma espcie dedeficincia cerebral, como uma lobotomia aquela mutilao que os psiquiatras alemesfazem e que um miservel sucedneo da psicoterapia.

    O problema deles, concluiu, o sexo; nos anos 30 j praticavam coisas infames e isso tempiorado. Hitler foi o iniciador com sua o que era? Sua irm? Tia? Sobrinha? E a famlia jsofria de consanginidade; seus pais eram primos. Esto todos praticando incesto, voltando aopecado original de desejar as prprias mes. por isso que eles, as bichas da elite do SS, tmaquele risinho angelical, aquela inocncia loura de beb; esto se guardando para a mame. Oupara os camaradas.

    E quem mame para eles? pensou ela. O lder, Herr Bormann, que dizem estar morrendo?Ou... o Doente.

  • O Velho Adolf, que se supe estar num sanatrio em alguma parte, num estado senil. Sfiliscerebral, datando de seus dias miserveis de vagabundo em Viena... casaco preto comprido,cuecas sujas, abrigos para mendigos.

    Obviamente, era a vingana irnica de Deus, como num filme mudo. Aquele homemhorrvel comido por uma sujeira interna, o castigo histrico para a maldade humana.

    E o pior era que o Imprio Alemo atual era um produto daquele crebro. No incio umpartido poltico, depois uma nao, depois metade do mundo. E os prprios nazistas haviamdiagnosticado, haviam reconhecido, aquele curandeiro que cuidou de Hitler com plantas, aqueleDr. Morell que tratou Hitler com um remdio chamado Plulas Antigas do Dr. Koester forainicialmente especialista em doenas venreas. O mundo inteiro sabia e, mesmo assim, ofalatrio do Lder ainda era sagrado, ainda era o Evangelho. Suas idias j tinham agoracontaminado uma civilizao inteira e, como esporos do mal, as bichas louras cegas voavam daTerra aos outros planetas, espalhando a infeco.

    Resultado do incesto: loucura, cegueira, morte.Brr. Sacudiu-se. Charley Juliana chamou o cozinheiro. Minha comida no est pronta?Sentiu-se totalmente s; ficando de p foi at o balco e sentou-se ao lado da caixa.Ningum reparou seu movimento a no ser o jovem^ motorista italiano; seus olhos negros

    fixaram-se nela. Chamava-se Joe. Joe o qu? ela se perguntou.Agora mais perto dele, viu que no era to moo assim. Difcil dizer: a energia que emanava

    dele perturbava-lhe o julgamento. A toda hora passava a mo pelos cabelos, empurrando-os paratrs com dedos curvos e rgidos. H alguma coisa de especial neste homem, pensou. Ele respira...morte. Perturbava-a, porm a atraa. Agora o motorista mais velho inclinou a cabea e sussurroualgo no ouvido dele. Ento os dois examinavam-na, desta vez com um olhar que era apenas ointeresse masculino comum.

    Miss disse o mais velho. Os dois estavam tensos, agora. Sabe o que isto?Mostrou uma caixa branca, chata, no muito grande. Sei disse Juliana. Meias de nylon. Fibra sinttica feita unicamente pela I.G. Farbeno,

    grande cartel de Nova York. Muito raras e carssimas. Devemos isso aos alemes; monoplio no m idia.O mais velho passou a caixa ao companheiro, que empurrou-a com o cotovelo em direo

    dela. A senhora tem carro? perguntou o jovem italiano, tomando seu caf.Charley saiu da cozinha, trazendo a comida dela. Voc podia me levar quele lugar. Os olhos fortes, selvagens, ainda a estudavam e ela

    ficou cada vez mais nervosa e ainda mais fascinada. Aquele motel, ou no sei o qu, ondedeverei passar a noite, no ?

    Sim disse ela. Eu tenho um carro. Um velho Studebaker. O alto-falante no fundo do corredor disse: Achtung, meine Damen und Herren. Na sua

    poltrona, Mr. Baynes teve um sobressalto e abriu os olhos. Atravs da janela sua direita podiaver, muito abaixo, o castanho e verde da terra, e depois o azul. O Pacfico. O foguete, percebeu,

  • comeara sua longa e vagarosa descida.Primeiro em alemo, depois em japons e por fim em ingls, o alto-falante explicou que no

    era permitido fumar nem desamarrar-se do assento acolchoado. A descida, explicou, levaria oitominutos.

    Os retro-jatos foram ativados ento, to de repente e com tamanha violncia, sacudindo anave de tal forma, que diversos passageiros tiveram a respirao cortada. Mr. Baynes sorriu e,na poltrona do outro lado da passagem, um homem mais jovem, com cabelos louros cortadosrente, tambm sorriu.

    Sie frchten dasz comeou o jovem, mas Mr. Baynes disse imediatamente, em ingls: Desculpe; no falo alemo.O jovem alemo fitava-o com uma indagao nos olhos, de modo que repetiu a frase em

    ingls. No alemo? disse o jovem surpreendido, num ingls com sotaque. Sou sueco disse Baynes. Embarcou em Tempelhof. Sim, estive na Alemanha a servio. Meus negcios me levam a muitos pases.Obviamente, o jovem alemo no podia acreditar que algum no mundo moderno, algum

    que tinha negcios internacionais e viajava podia dar-se ao luxo de viajar no mais recentefoguete da Lufthansa, no soubesse ou no quisesse falar alemo. Virou-se para Baynes:

    Qual seu ramo de negcios, mein Herr? Plsticos. Polister. Resinas. Ersatz para usos industriais. Compreende? Nenhum produto de

    consumo. A Sucia tem uma indstria de plsticos? O tom era de incredulidade. Sim, e muito boa. Se me der seu nome enviar-lhe-ei um folheto da firma. Mr. Baynes

    tirou bloco e caneta. No se preocupe. Seria intil. Sou artista, no homem de negcios. No se ofenda. Talvez

    tenha visto meus trabalhos quando esteve no Continente. Alex Lotze.Esperou. Lamento mas no me interesso por arte moderna disse Br. Baynes. Gosto dos

    cubistas e abstratos de antes da guerra. Gosto de um quadro que signifique alguma coisa, noapenas um ideal.

    Voltou-se para o lado. Mas esta a tarefa da arte disse Lotze. Fazer progredir a espiritualidade do homem

    alm do sensvel. Sua arte abstrata representava um perodo de decadncia espiritual, de caosespiritual, devido desintegrao da sociedade, a velha plutocracia. Os milionrios judeus ecapitalistas, o international set, que sustentavam a arte decadente. Aqueles tempos passaram; aarte tem que continuar no pode ficar parada.

    Baynes assentiu com a cabea, olhando para fora da janela. J esteve no Pacfico? perguntou Lotze. Diversas vezes. Eu no. Est havendo em So Francisco uma exposio de meus trabalhos, organizada

    pelo escritrio do Dr. Goebbels em colaborao com as autoridades japonesas. Um intercmbiocultural para promover compreenso e boa vontade. Precisamos aliviar as tenses entre

  • o Oriente e o Ocidente, no concorda? preciso ter mais comunicao e a arte pode ser omeio.

    Bay nes fez que sim com a cabea. Abaixo, alm do anel de fogo do foguete, podia ver agoraa baa e a cidade de So Francisco.

    Onde se come em So Francisco? perguntou Lotze. Eu tenho reserva no PalaceHotel, mas ouvi falar que se come bem no setor internacional, como em Chinatown.

    verdade disse Baynes. E os preos so altos em So Francisco? Estou meio sem dinheiro nesta viagem. O

    Ministrio muito econmico.Lotze riu. Depende do cmbio que voc conseguir. Imagino que esteja trazendo letras de cmbio do

    Reichsbank. Sugiro que v ao Banco de Tquio em Samson Street e troque l. Dank sehr- disse Lotze. Eu teria trocado no hotel.O foguete havia quase pousado. Agora Baynes podia ver a prpria pista, os galpes, os

    estacionamentos, a autobahn para a cidade, as casas... Linda vista, pensou. Montanhas e gua, erestos de neblina flutuando pelo Golden Gate.

    O que aquela enorme estrutura ali embaixo? perguntou Lotze. Est semi-acabada,aberta de um lado. Um espaoporto? Pensei que os nipnicos no tivessem espaonaves.

    Com um sorriso, Baynes disse: Aquele o Golden Poppy Stadium. Campo de baseball.Lotze riu. Sim, eles adoram beiseball. Incrvel. Comearam a construir aquela imensa estrutura para

    um passatempo, um esporte intil, uma perda de tempo...Interrompendo, Baynes disse: Est pronta. Aquela a forma permanente.. Aberta de um lado. Um novo desenho

    arquitetnico. Orgulham-se dele. Parece disse Lotze olhando para baixo ter sido desenhado por um judeu.Bay nes fitou o sujeito durante alguns segundos. Sentiu, intensamente, por um momento, o

    desequilbrio, o trao psictico da mente germnica. Ser que Lotze queria mesmo dizer aquilo?Seria um comentrio realmente espontneo?

    Espero que nos encontremos depois em So Francisco disse Lotze, enquanto o foguetetocava o cho. Ficarei perdido sem um conterrneo com quem conversar.

    No sou conterrneo seu disse Baynes. Ah, sim, verdade. Mas, racialmente, est muito prximo. Para todos os efeitos, d na

    mesma.Lotze comeou a agitar-se na poltrona, preparando-se para desamarrar os complicados

    cintures.Estou racialmente prximo deste homem? perguntou-se Baynes. To prximo que, para

    todos os efeitos, d na mesma? Ento tambm possuo o trao psictico. O mundo psictico emque vivemos. Os loucos esto no poder. H quanto tempo sabemos disto? Encaramos isto? E...quantos de ns sabem? Lotze no. Talvez se a gente souber que louco ento no esteja louco.Ou est, finalmente, deixando de ser. Acordando. Suponho que apenas poucos tenhamconscincia disto. Pessoas isoladas, aqui e ali. Mas as grandes massas... o que pensam? As

  • centenas de milhares de pessoas aqui nesta cidade. Ser que imaginam que vivem num mundoso? Ou adivinham, entrevem, a verdade...?

    Mas, pensou, o que significa louco? Uma definio legal. O que quero dizer com isso? Eusinto, vejo, mas o que ?

    alguma coisa que eles fazem, alguma coisa que so. seu inconsciente. Sua falta deconhecimento dos outros. No sabem o que fazem aos outros, desconhecem a destruio quecausaram e esto causando. No, pensou. No isso. Eu no sei; sinto, tenho a intuio. Mas...so deliberadamente cruis... isso? No. Meu Deus, pensou. No consigo encontrar, esclarecer.Ser que ignoram partes da realidade? Sim. Mas mais do que isso. So seus planos. Sim, seusplanos. A conquista dos planetas. Algo frentico, demento, como a conquista da frica e, antesdisso, Europa e sia.

    Sua viso: csmica. No um homem aqui, uma criana ali, mas uma abstrao: i-aa,terra. Volk. Land. Blut. Ehre. No homens honrados, mas Ehre em si, honra: o abstrato real, oreal c invisvel para eles. Die Gte, mas no homens bons, este homem bom. seu sentido deespao e tempo. Enxergam alm do aqui, do agora, no vasto, negro e profundo alm, o imutvel.E isto fatal vida. Porque conseqentemente no haver mais vida; houve um dia em que oespao era s partculas de poeira, gases quentes de hidrognio, mais nada e ser assim outra vez.Isto um intervalo, ein Augenblick. O processo csmico est se acelerando, fazendo a vidaretroceder ao granito e ao metano; a roda gira para toda vida. Tudo temporrio. E estes estesloucos obedecem ao granito, ao p, ao apelo do inanimado; querem auxiliar a Natur.

    E, pensou, eu sei por qu. Querem ser os motores da histria, no as vtimas. Identificam-secom o poder de Deus e acreditam-se a sua imagem. esta sua loucura bsica. Foram dominadospor algum arqutipo; seus egos expandiram-se psicticamente ao ponto de no saberem ondeeles comeam e onde pra a essncia divina. No orgulho; uma hipertrofia do ego levado aoseu mximo confuso entre quem adora e quem adorado. O homem no devorou Deus;Deus devorou o homem. O que no compreendem a fragilidade do homem. Eu sou fraco,pequeno, sem a menor importncia diante do universo. No sou notado dentro dele; vivo sem servisto. Mas por que isto mau? No melhor assim? Quem chama a ateno dos deuses destrudo. Seja pequeno... e escape inveja dos grandes.

    Enquanto soltava seu cinto de segurana, Haynes disse: Mr. Lotze, eu nunca disse isso a ningum. Eu sou judeu. Compreende?Lotze fitou-o com compaixo, fixamente. O senhor nunca descobriria disse Baynes porque no tenho nenhum trao fsico de

    judeu; alterei meu nariz, diminu meus grandes poros gordurosos, clareei minha pelequimicamente, modifiquei a forma de meu crnio. Em suma, fisicamente no posso serdescoberto. Posso e tenho freqentado as rodas mais altas da sociedade nazista. Ningum medescobrir. E...

    Parou, chegando perto, bem perto de Lotze e falando numa voz baixa que s Lotze podiaouvir:

    H outros de ns. Est ouvindo? Ns no morremos. Ainda existimos. Vivemos invisveis.Aps um momento Lotze balbuciou: A Polcia de Segurana... O D.S. pode examinar minha ficha disse Bay nes. Voc pode me denunciar. Tenho

  • relaes nos altos crculos. Alguns so arianos, outros so judeus em posies importantes emBerlim. Sua denncia no ser levada a srio e depois eu o denunciarei. E atravs destas mesmasrelaes, farei com que o metam em priso preventiva.

    Sorriu, inclinou a cabea e seguiu pelo corredor da nave, afastando-se de Lotze para juntar-seaos outros passageiros.

    Todos desceram a rampa para a pista fria ebatida de vento. Embaixo, Baynes momentaneamente viu-se outra vez perto de Lotze. Na realidade disse Baynes, andando ao lado dele eu no gostei da sua cara, Mr.

    Lotze, por isso acho que o denunciarei de qualquer forma.Afastou-se, ento, deixando Lotze para trs.Na extremidade da pista, no porto de entrada, havia um grande nmero de pessoas

    esperando. Parentes, amigos dos passageiros, alguns acenando, buscando, sorrindo, ansiosos,perscrutando rostos. Um japons corpulento, de meia-idade, bem vestido num sobretudo ingls,sapatos pontudos Oxford, chapu-coco, estava um pouco frente dos outros, com um japonsmais moo ao seu lado. Na lapela usava o importante distintivo da Misso Comercial do GovernoImperial para o Pacfico. Ei-lo, percebeu Bay nes. Mr. N. Tagomi, vindo pessoalmente parareceber-me.

    Adiantando-se, o japons chamou: Herr Baynes... boa-noite Sua cabea inclinou-se hesitante. Boa noite, Mr. Tagomi disse Baynes, estendendo a mo.Cumprimentaram-se, depois inclinaram-se. O japons mais jovem tambm inclinou-se,

    sorrindo. Faz um pouco de frio, senhor, nesta pista aberta dis.se Mr. Tagomi. Iniciaremos a

    viagem de volta ao centro da cidade no helicptero da Misso. Est bem? Ou precisa fazeralguma coisa?

    Examinou o rosto de Mr. Baynes com ansiedade. Podemos partir j disse Baynes. Quero ver se o hotel est reservado. Minha

    bagagem, contudo... Mr. Katomichi cuidar disso disse Mr. Tagomi. Ele vir depois. Sabe, senhor, nesta

    estao terminal preciso quase uma hora de fila para retirar a bagagem. Mais do que a viagem.Mr. Katomichi sorriu simpticamente. Est bem disse Baynes. Mr. Tagomi disse: Tenho um presente para o senhor. Como? disse Baynes. Para atrair suas boas graas.Mr. Tagomi ps a mo no bolso do sobretudo e extraiu uma pequena caixa. Escolhido entre os mais finos objets dart da Amrica.Ofereceu a caixa. Bem disse Baynes. Obrigado. Aceitou a caixa. Durante uma tarde inteira, diversos funcionrios competentes examinaram todas as

    possibilidades disse Mr. Tagomi. Este o mais autntico objeto da velha e moribundacultura americana, artigo raro conservando o sabor de passados dias tranqilos.

    Mr. Baynes abriu a caixa. Na almofada de veludo preto repousava um relgio de pulso

  • Mickey Mouse.Ser que Mr. Tagomi estava pregando-lhe uma pea? Levantou os olhos e viu a fisionomia

    tensa, preocupada, de Mr. Tagomi. No, no era brincadeira. Muito obrigado disse Baynes. lato realmente incrvel. Apenas existem alguns poucos, talvez uns dez autnticos relgios Mickey Mouse 1938 no

    mundo inteiro hoje disse Mr. Tagomi, estudando seu rosto, absorvendo sua reao, suaapreciao. No conheo nenhum colecionador que tenha um, senhor.

    Entraram na estao terminal e subiram juntos a rampa.Atrs deles, Mr. Katomichi dizia: Harusame ni nuretsutsu yane no temari kana... Que foi? disse Mr. Baynes a Mr. Tagomi. Um velho poema disse Mr. Tagomi. Do perodo mdio Tokugawa.

  • 4 ENQUANTO Frank Frink observava seu ex-patro balanar o corpo corredor abaixo, em

    direo rea de servio principal da W.M. Corporation, pensava: o gozado que Wyndam-Matson no tem a menor pinta de dono de fbrica. Parece um vagabundo, um bbado, que foilavado, vestido, barbeado, penteado, enchido de vitaminas e posto no mundo com cinco dlarespara tentar uma vida nova. O velho tinha uma atitude fraca, incerta, nervosa, at aduladora,como se considerasse todo mundo um inimigo em potencial mais forte do que ele, a quemprecisasse agradar e apaziguar. "Vo me pegar", seus modos pareciam dizer.

    E contudo o velho W.-M. era na realidade muito poderoso. Controlava uma variedade deempresas, financeiras, imobilirias. Alm da fbrica da W.-M. Corporation.

    Seguindo o velho, Frink empurrou a grande porta de metal que dava acesso rea de serviocentral. O estardalhao das mquinas, que ouvira sua volta todo dia por tanto tempo a visodos homens nas mquinas, o ar abundantemente iluminado, o p, o movimento. E l ia o velho.Frank acelerou o passo.

    Ei, Mr. W.-M.! chamou.O velho parou ao lado de Ed McCarthy , o gerente de braos cabeludos. Ambos levantaram os

    olhos quando Frink aproximou se.Umedecendo os lbios nervosamente, Wyndam-Matson disse: Desculpe, Frank; no posso readmiti-lo. J contratei outra pessoa, pensando que voc no

    fosse voltar. Depois do que voc disse...Seus pequenos olhos redondos piscaram com o jeito evasivo que Frink sabia ser quase

    hereditrio. Estava no sangue do velho.Frink disse: Vim buscar minhas ferramentas. Mais nada. Sua prpria voz, felizmente, estava firme, at

    brusca. Bem, vejamos murmurou W.-M., evidentemente incerto quanto s ferramentas de

    Frink.Disse para Ed McCarthy : Acho que isso com voc, Ed. Talvez possa ajudar Frank. Eu tenho outras coisas a fazer.Examinou seu relgio de bolso: Oua, Ed. Mais tarde discutimos essa fatura; preciso ir andando.Deu um tapinha no brao de Ed e saiu apressado, sem olhar para trs.Ed McCarthy e Frink ficaram um ao lado do outro. Voc veio para ser readmitido disse McCarthy , depois de um instante. Foi disse Frink. Fiquei orgulhoso do que voc disse ontem. Eu tambm disse Frink. Mas... Meu Deus, no arranjei trabalho em nenhum outro

    lugar.Sentia-se derrotado, desesperado.

  • Voc sabe disso.Os dois tinham, no passado, discutido seus problemas.McCarthy disse: No, no sei no. Voc to bom na mquina de flexicabo quanto

    qualquer outro na Costa. J te vi aprontar uma pea em cinco minutos, incluindo o polimento.Partindo do Cratex bruto. E a no ser a solda...

    Eu nunca disse que sabia soldar disse Frink.. Voc j pensou em montar um negcio prprio?' Frink surpreendido, balbuciou: Para fazer o qu? Jias. Ora, pelo amor de Deus! Peas originais, no comerciais McCarthy levou-o para o canto, longe da barulheira.

    Com dois mil dlares d para montar uma loja num poro ou garagem. Teve uma poca que eudesenhava brincos e broches de mulher. Voc se lembra estilo contemporneo, moderno.

    Apanhando um papel de rascunho, comeou a desenhar, lentamente, seriamente.Espiando sobre seu ombro, Frink viu o desenho de uma pulseira, um abstrato de linhas curvas. Mas existe mercado?A nica coisa que ele conhecia eram os tradicionais at antigos objetos do passado. Ningum quer objetos americanos contemporneos ; no existe nada desse gnero, no

    depois da guerra. Crie um mercado disse McCarthy , com uma careta zangada. Voc quer dizer vender, eu mesmo? Leve ao comrcio varej ista. Como aquele... como o nome mesmo? Em Montgomery

    Street, aquela loja chique de objetos artsticos. American- Artistic Handcrafts disse Frink. Ele nunca havia entrado em lojas elegantes e

    caras como aquela. Poucos americanos entravam; s japons tinha dinheiro para tanto. Voc sabe o que aqueles sujeitos esto vendendo? disse McCarthy. E por uma

    fortuna? Aquelas malditas fivelas de prata do Novo Mxico. Como se fosse arte nativa.Por um longo momento, Frink fitou McCarthy . Eu sei o que mais eles vendem disse finalmente. E voc tambm. Pois disse McCarthy .Ambos sabiam, porque ambos estiveram diretamente envolvidos e por muito tempo.O negcio legal, oficial da W.-M. Corporation era produzir escadarias, grades, lareiras e

    enfeites de ferro-batido para os novos apartamentos, em larga escala, partindo de desenhosstandard. Para um prdio de quarenta unidades a mesma pea era produzida quarenta vezesseguidas. Ostensivamente, a W.-M. Corporation era uma usina metalrgica. Mas alm disso, tinhaoutros negcios dos quais tirava seus lucros reais.

    Utilizando uma enorme variedade de ferramentas, materiais e mquinas, a W.-M.Corporation produzia um fluxo constante de imitaes de objetos americanos de antes da guerra.Estas imitaes eram cautelosa e eficientemente introduzidas no mercado atacadista de objetosde arte, para juntar-se aos objetos genunos colecionados por todo o continente. Como nocomrcio de selos e moedas, seria impossvel calcular o nmero de imitaes em circulao. Eningum sobretudo os comerciantes e os prprios colecionadores estava interessado.

    Quando Frink sara do emprego havia em seu banco de trabalho um revlver Colt da poca

  • das fronteiras, semi acabado; tinha feito o molde ele mesmo, enformado a arma e estava polindoas peas. Havia um enorme mercado para armas pequenas da Guerra de Secesso americana eda poca das fronteiras; a W.-M. Corporation, vendia tudo que Frink produzia. Era a especialidadedele.

    Encaminhando-se lentamente para o banco, Frink apanhou a vareta ainda no polida dorevlver. Mais trs dias e estaria pronto. , pensou, era um bom trabalho. Um especialista saberiaver a diferena... mas os colecionadores japoneses no eram autoridades no sentido estrito dapalavra, no tinham modelos nem testes para comparar.

    Na verdade, ao que soubesse, nunca lhes ocorrera indagar se os chamados objetos de artehistricos venda nas lojas da Costa Oeste eram ou no autnticos. Talvez um dia eles ofizessem... e ento a bolha de sabo estouraria e o mercado entraria em colapso at para aspeas autnticas. Uma Lei de Gresham: os falsos minariam o valor dos verdadeiros. E era porisso com certeza que no investigavam; afinal, estava todo mundo satisfeito. As fbricas, aqui eali nas vrias cidades, que produziam as peas, tinham seu lucro. Os atacadistas as passavamadiante e os vendedores expunham e anunciavam. Os colecionadores tiravam dinheiro do bolso elevavam suas compras para casa felizes da vida, para impressionar seus colegas, amigos ouamantes.

    Como o papel moeda do aps-guerra, era timo at ser investigado. Ningum saia ferido at o dia da liquidao. E a todos, igualmente, ficariam arruinados. Mas enquanto isso, no sefalava no assunto, mesmo aqueles que ganhavam a vida produzindo imitaes; fechavam osolhos para o que estavam fazendo, fixando sua ateno nos problemas puramente tcnicos.

    H quanto tempo voc no tenta um desenho original? perguntou McCarthy .Frink deu de ombros. Anos. Posso copiar perfeitamente bem. Mas... Voc sabe o que eu acho? Acho que voc assimilou a idia nazista de que os judeus no

    podem criar. Que s sabem imitar e vender. Intermedirios.Seus olhos fixavam Frink sem piedade. Talvez disse Frink. Experimente. Tente alguns desenhos originais.Ou trabalhe diretamente no metal. Brinque. Coma brinca uma criana. No disse Frink. Voc no tem f disse McCarthy. Voc perdeu completamente a f em voc

    mesmo... certo? pena. Porque sei que voc seria capaz.Afastou-se do banco de trabalho. uma pena, pensou Frink. Mas uma verdade. fato. No posso adquirir f nem entusiasmo

    s querendo. Resolvendo ter.Aquele McCarthy, pensou, um timo gerente, Tem o dom de perturbar, de fazer com que o

    sujeito se esforce ao mximo, queira ou no queira. um lder nato; quase me inspirou, por ummomento. Mas... McCarthy partira, agora; o esforo falhara.

    Pena que eu no tenha meu exemplar do orculo aqui, pensou Frink. Podia consult-lo sobreisso; apresentar o problema aos seus cinco mil anos de sabedoria. Ento lembrou-se de que haviauma cpia do I Ching na sala de espera dos escritrios da W.-M. Corporation. Atravessou a reade servio, passou pelo corredor, apressando-se pelos escritrios at a sala.

  • Sentado numa das cadeiras de cromo e plstico da sala, escreveu a pergunta no verso de umenvelope: "Devo tentar esse negcio particular de criao que me apareceu agora?" E comeoua lanar as peas.

    A linha inferior era um sete, e a segunda e a terceira tambm. O trigrama inferior era Ch'ien,percebeu. Bom sinal; Ch'ien era o criativo. Depois a quarta,, um oito. Yin. A quinta, tambm oito,yin. Nossa senhora, pensou agitado; mais uma linha yin e tiro o Hexagrama Onze, T'ai, Paz.Julgamento muito favorvel. Ou... suas mos tremiam enquanto sacudia as peas. Uma linhayang e da o Hexagrama Vinte e Seis, Ta Ch'u, o Poder Domador do Grande. Ambos tmjulgamentos favorveis e tem que ser um ou outro. Jogou as trs peas.

    Yin. Um seis. Era Pa