O Hipnotismo - Psicologia, Tecnica e aplicacao – Karl Weissmann

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Orlando Samej Spenser11/04/2008

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O HIPNOTISMOPSICOLOGIA TCNICA E APLICAO

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KARL WEISSMANN

O HIPNOTISMOPSICOLOGIA TCNICA E APLICAO

1958

LIVRARIA PRADO LTDA.RUA VISCONDE DE INHAUMA,

134 - 9. - RIO DE JANEIRO

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Anas, minha companheira

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INTRODUO

O

hipnotismo uma cincia fascinante. Aos olhos da grande maioria, o hipnotista ainda se apresenta como o homem que faz dormir e que impe a sua vontade vontade dos outros. o homem que tem fra. E uma fra tda especial, universalmente ambicionada. ( * ) Por isso, psicolgicamente falando, as restries que se vm fazendo prtica e difuso do hipnotismo, ainda as mais sensatas e eruditas 1, excluem, automticamente, a primeira pessoa. Ningum jamais se manifestou contra o hipnotismo prprio, seno nicamente contra o hipnotismo dos outros. Os hipnotistas so notriamente achacados2 de sentimentos ambiciosos e exclusivistas, tanto os de palco como os de ctedra3. No gostam de difundir seus segredos e geralmente no poupam sacrifcios para neutralizar uma possvel concorrncia. que hipnose sugesto, e sugesto, prestgio. O prestgio, por sua vez, motivo de cime. Exige exclusividade. No estranhemos que muitos dos entraves encontrados pelo desenvolvimento do hipnotismo, incluindo celeumas4, malentendidos e, inclusive, ameaas de perseguio penal, provenham dos prprios praticantes desta cincia, que tantos benefcios ainda promete na luta contra os males da Humanidade. As dificuldades do hipnotismo derivam, pois, de sua prpria natureza, de sua notria complexidade, de seu carter um tanto quanto espetacular, das manifestaes psicolgicas que envolvem, em grau mais ou menos comprometedor, a maioria dos seus estudiosos e praticantes, de seu vinculamento histrico s prticas sibilinas5 e crenas no sobrenatural, aliado a uma ignorncia ainda bastante generalizada a seu respeito. Tudo isso a tornar o hipnotismo um assunto, seno declaradamente suspeito, ao menos melindroso6. O pblico, de um modo geral, ainda lhe conserva um temor supersticioso, e as cincias ortodoxas dle se aproximam com receio e cautela. Mas, como quer que seja, a situao est melhorando. Aps um cochilo, um perodo de esquecimento de uns vinte ou trinta anos, o hipnotismo, segundo o testemunho de renomados historiadores, celebra em nossos dias seu terceiro renascimento. Notadamente depois da II Guerra Mundial, vem se verificando um revigoramento no intersse pela tcnica, pelo estudo e pela aplicao hipnticas. Essa redescoberta ou volta triunfal da hipnose, assinalada entre outras coisas por diversas publicaes importantes, notadamente na Europa e nos Estados Unidos, largamente devida psicanlise. J no*

( * ) O povo atribui ao hipnotista o poder de agir sbre animais e at sbre plantas, fazendo-as murchar e morrer. 1 Que ou aquele que tem erudio: instruo vasta e variada. 2 Maltratado; Molestado; Acusado; Tachado. 3 Cadeira pontifcia, ou professoral. 4 Barulho; Algazarra. 5 Relativo a sibila: Entre os antigos, profetisa, feiticeira; Difcil de compreender. 6 Delicado; Sensvel; Embaraoso.

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se tenta negar que a tcnica hipntica, com suas bases psicolgicas modernas, uma conseqncia direta da orientao e penetrao psicanalticas. Como ramo legtimo da cincia do conhecimento e do contrle da natureza humana, o hipnotismo apontado como uma das poucas armas eficientes de que dispe a Humanidade em sua luta incessante contra os males que a afligem. Sob o seu efeito abremse realmente chances inestimveis para o xito teraputico. Um dos reparos clssicos feitos ao hipnotismo o de sua utilizao em demonstraes pblicas. O autor dste trabalho, embora veterano na psicanlise e psiclogo em uma das maiores penitencirias, onde orienta em regime de recuperao mais de mil detentos, realizou centenas de demonstraes pblicas e colheu as impresses mais autorizadas e insuspeitas, segundo as quais um espetculo de hipnotismo pode ser mais do que um mero espetculo de curiosidade, divertido e interessante. Vem a propsito o testemunho de dois eminentes educadores, respectivamente o Padre Loebmann, professor catedrtico da Universidade Catlica, e Guido de Maforeschi, pseudnimo que esconde um pastor protestante e conhecido jornalista de So Paulo Um espetculo que uma lio da nossa grandeza e ignorncia declara o primeiro, e continua O filsofo Kant se extasiava com as maravilhas do firmamento celeste como com as do firmamento da conscincia psquico-moral do homem. Karl Weissmann levantou aos seus ouvintes o vu do nosso maravilhoso e to pouco conhecido psiquismo, abrindo horizontes fazendo ver e sentir estas maravilhas. So de Guido de Maforeschi as palavras abaixo : Notvel o trabalho do prof. Weissmann, agora no Municipal. O adjetivo no nos vem mente seno ao trmino de seu trabalho de ontem. No que tenha havido qualquer reserva quanto honestidade ou mesmo quanto a qualquer mnima circunstncia no processo de quanto l se realiza. Tudo claro, tudo evidente, tudo no mximo respeito da verdade cientfica. Por isso mesmo que se compreendeu ao fim, que essa obra do professor Weissmann foge qule sentido superficial e comum de espetculo, de coisa para ver. coisa que sugere ser verdade, e que abre mente curiosa todo um mundo ainda apenas entrevisto nos domnios da psiquiatria e das investigaes para alm nas veredas interiores do homem. E mais : naqueles convites ao inconsciente, para um bem-estar e uma paz interior na soluo dos problemas, aquilo penetra realmente os ntimos escaninhos7 do paciente para um sentido de serenidade, de paz, de compenetrao da vida. Notvel, portanto, pelo sentido cientfico e til, o que ficou patente 8 aos olhos de quantos l estiveram. Os pacientes no foram apenas pacientes. Alm de voluntriamente dispostos s experincias, cremos que colheram benefcios dos trabalhos que ajudaram a realizar. No se tem um mero espetculo de curiosidade : tem-se uma exposio de fatos srios e7 8

Pequeno compartimento em gaveta, cofre, armrio, etc. Aberto; Acessvel; Claro; Evidente.

KARL WEISSMANN O HIPNOTISMO suscetveis de produzir benefcios no equilbrio da personalidade.

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As transcries acima no tm por finalidade destacar qualidades pessoais do autor, seno nicamente deixar patente que o hipnotismo de palco em si no constitui necessriamente um desservio para a cincia, desde que se lhe eleve o nvel e que se o apresente de forma sincera, transmitindo ao pblico um sentido de beleza e de verdade. Despertando a curiosidade e o intersse pblicos, espetculos desta natureza contribuem para uma difuso mais ampla dos aspectos cientficos dsse ramo legtimo da psicologia. E no nicamente as massas populares, seno tambm as classes acadmicas costumam beneficiar-se com sse gnero de diverso. Neste pas coube ao autor dste trabalho a responsabilidade de ter ministrado os primeiros cursos de hipnotismo e suas tcnicas a turmas de mdicos e dentistas, muitos dos quais vm empregando essas tcnicas com grande proveito para a cincia mdica e odontolgica. E no foram as conferncias ou publicaes cientficas, mas, sim, as demonstraes pblicas, realizadas em teatros e TVs, que inspiraram a nobre iniciativa. Aos que ainda insistem em propalar9 que a hipnose mdica nada ou quase nada tem em comum com o hipnotismo de palco e da televiso e que sse ltimo desfigura necessriamente a verdadeira natureza dos fenmenos hipnticos e que s consegue impressionar e convencer a ignorantes, opomos o testemunho do prprio F r e u d : Quando ainda estudante declara Freud em sua autobiografia assisti a uma demonstrao pblica do magnetizador H a n s e n. Notei como um dos sujets10 adquiriu palidez cadavrica ao entrar na rigidez catalptica11. E a palidez perdurou durante todo o transe. Foi o que consolidou, de uma vez por tdas, minha convico em relao legitimidade dos fenmenos hipnticos. ( * ) Negar ao hipnotismo sua adequao ao palco desconhecer-lhe a natureza essencialmente dramtica. O hipnotismo , por definio, dramatizao, animao e ativao de idias. teatro por excelncia, conforme veremos mais adiante. Por outro lado, a hipnose uma tcnica no contrle das condies psicossomticas, e das mais eficientes, o que equivale a dizer que uma chance teraputica nada desprezvel. Bastaria considerar que 85% das doenas consideradas at hoje orgnicas, so na realidade de origem emocional (funcional). Portanto, suscetveis de tratamento hipnoterpico. E temos de considerar ainda a aplicao da hipnose na vida cotidiana em situaes no especficamente teraputicas. Os maiores expoentes12 do hipnotismo cientfico contemporneo recomendam, por isso, uma colaborao mais estreita entre os hipnotistas leigos e os hipnotistas mdicos, visando uma mais ampla e exata compreenso do fenmeno em apro13. O objetivo dste livro mostrar o que a hipnose, luz dos nossos conhecimentos a respeito at a data presente, realando seu valor e importncia cientficos; indicar a sua aplicao e, na medida do possvel, ensinar a hipnotizar.9

Tornar pblico; Divulgar; Propagar. Pessoa a ser hipnotizada; Paciente; Cliente. 11 Relativo a, ou atacado de catalepsia: Estado em que se observa rigidez dos msculos, permanecendo o paciente na posio em que colocado. * ( * ) Sigmund Freud: Selbstdarstellung, S. 18, Imago Publishing CO. Ltd. London, 1946. 12 Representante ilustre duma classe, profisso, etc. 13 Valor em que se tem algo; Considerao.10

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Excusado14 ser dizer que cada um dsses trs objetivos faria jus a um volume a parte, comportando o ltimo ainda algumas aulas prticas, j que a capacidade psicolgica e o desembarao necessrio para uma eficiente hipnotizao no se adquirem fcilmente atravs de simples leitura. Por outro lado, cabe no caso a ponderao, segundo a qual os expedientes hipnticos dominam, embora de forma no-sistemtica, toda nossa vida social, domstica e profissional. O leitor, qualquer que le seja, j experimentou e exerce, em grau maior ou menor, a tcnica hipntica no convvio cotidiano com os seus semelhantes. E muitos so autnticos hipnotizadores avant la lettre, a exemplo do personagem da pea de Mollire, que, j velho, casualmente, em conversa com um professor, descobriu que durante tda sua vida fizera prosa sem o saber. Na parte tcnica, o livro necessriamente um tanto repetitivo e montono. ste, no entanto, um aspecto inerente aos processos de aprendizado em geral e ao tratamento hipntico em particular. Um dos fatres hipnotizantes mais decisivos , conforme veremos, a monotonia, a monotonia nos motivos sugeridos e sobretudo na maneira de suger-los, incluindo a monotonia do olhar, da voz e dos gestos. De um modo geral, as coisas se tornam hipnticas pela monotonia e montonas pela repetio. Em compensao, o leitor ter na parte tericos aspectos mais variados e menos montonamente instrutivos.

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Escusado: Intil; Desnecessrio.

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I HISTRIA DO HIPNOTISMOPR-HISTRIA A prtica do hipnotismo , sabidamente, velha. Velha como a prpria Humanidade, conforme o provam os achados arqueolgicos e indcios psicolgicos prehistricos. Em sua origem, o hipnotismo aparece envolto num manto de mistrios e supersties. Os fenmenos hipnticos no eram admitidos como tais. Seus praticantes freqentemente se diziam simples instrumentos da vontade misteriosa dos cus. Enviados diretos de Deus ou de Satans. Eram feiticeiros e bruxos, shamans e medicinemen. Suas curas eram levadas invarivelmente conta dos milagres. Embora o hipnotismo tivesse abandonado sse terreno, ingressado cada vez mais no campo das atividades cientficas, tornando-se matria de competncia psicolgica, ainda aparecem, em intervalos irregulares, em todos os quadrantes da terra, hipnotistas do tipo prehistrico, a realizar curas inexplicveis e a dar trabalho s autoridades. Deixando de lado a parte sibilina e supersticiosa, os fenmenos produzidos pela tcnica hipntica j eram observados como tais, na velha civilizao babilnica, na Grcia e na Roma antigas. No Egito existiam os Templos dos Sonhos, onde se aplicavam aos pacientes sugestes teraputicas enquanto dormiam. Um papiro de nada menos que trs mil anos contm instrues tcnicas de hipnotizao, muito semelhantes s que encontramos nos mtodos contemporneos. Inmeras gravuras daquela poca mostram sacerdotes-mdicos colocando em transe hipntico presumveis pacientes. Os gregos realizavam peregrinaes a Epidaurus, onde se encontrava o templo do Deus da Medicina, Esculpio. Ali, os peregrinos eram submetidos hipnose pelos sacerdotes, os quais invocavam alucinatriamente a presena de sua divindade a indicar os possveis expedientes de cura. As sacerdotisas de sis, postas em estado de transe, manifestavam o dom da clarividncia; hipnotizadas, revelavam ao Fara fatos distantes ou fatos ainda a ocorrer. Semelhantemente, os orculos e as sibilas articulavam suas profecias sob o efeito do transe auto-hipntico. Pela auto-hipnose se explica tambm a anestesia dos mrtires, que se submetiam s maiores torturas, sem dar o menor sinal de sofrimento. Os sacerdotes de Caem recorriam hipnose em massa para mitigar15 os descontentamentos coletivos. Dentre os grandes homens, sbios, filsofos e lderes religiosos, que se dedicaram ao hipnotismo, figura Avicena, no sculo X; Paracelso, no sculo XVI, e muitos outros. Em plena Idade Mdia, Richard Middletown (Ricardo Mdia-Vila), discpulo de So Boa Ventura, elaborou um tratado alentado16 sbre os fenmenos que mais tarde reconheceramos como hipnticos. O oriente, ainda mais do que o Ocidente, vem mantendo uma tradio ininterrupta na prtica hipntica. Os mtodos Yogas so considerados dignos de ateno cientfica at15 16

Abrandar; Amansar; Suavizar; Aliviar. Valente; Avantajado; Volumoso.

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os nossos dias. Dentre os hindus, mongis, persas, chineses e tibetanos, a hipnose vem sendo exercida h milnios, ainda que preponderantemente17 para fins religiosos, no se sabendo ao certo at que ponto sua verdadeira natureza ali est sendo conhecida. O PADRE GASSNER Na segunda metade do sculo XVIII, na Alemanha do Sul, apareceu um padre jesuta, de nome Gassner. Era um padre um tanto teatral. Realizava curas espetaculares numa dezena de milhares de pessoas. A fim de assegurar-se a aprovao da Igreja, explicava seus mtodos como um processo de exorcismo. Consoante18 a crena comum da poca, os doentes eram simplesmente possudos pelo demnio. E os que se sentiam com o diabo no corpo vinham ao padre para que le o expulsasse. E o padre aparecia sua clientela, todo de prto, de braos estendidos, segurando um crucifixo cravejado de diamantes frente dos pacientes. Usava ambiente escuro, decoraes lgubres. Falava em latim e com voz cava. Um mdico que assistiu a uma sesso dessas com uma jovem camponesa, nos descreve sse mtodo fantstico : Entrando de maneira dramtica no aposento, o Pe. Gassner tocou a jovem com o crucifixo, e essa, como que fulminada, caiu ao cho em estado de desmaio. Falando-lhe em latim, a paciente reagiu instntaneamente. ordem Agitatur bracium sinistrum, o brao esquerdo da jovem comeou a mover-se num crescendo de velocidade. E ao comando tonitroante Cesset!, o brao se imobilizara, voltando posio anterior. Ato contnuo, o padre sugere que est louca, e a jovem, com o rosto horrvelmente desfigurado, corre furiosamente pela sala, manifestando todos os sintomas caractersticos da loucura. Bastou a ordem enrgica Pacet! para que ela se aquietasse como se nada houvesse ocorrido de anormal. O padre Gassner nesta altura lhe ordena falar em latim, e a jovem pronuncia o idioma que normalmente lhe desconhecido. Finalmente, Gassner ordena moa uma reduo nas batidas do corao. E o mdico presente constata uma diminuio na pulsao. Ao comando contrrio, o pulso se acelera, chegando a 120 pulsaes por minuto. Em seguida, a jovem, estendida no cho, recebe a sugesto de que suas pulsaes iriam reduzir cada vez mais, at cessarem completamente. Seus msculos se iriam relaxando totalmente e ela morreria, ainda que apenas temporriamente. E o mdico, espantado, no percebendo sequer vestgios de pulso ou de respirao, declara a jovem morta! O padre Gassner sorri confiantemente. Bastou uma ordem sua para que a jovem tornasse gradativamente vida. E com o demnio devidamente expulso de seu corpo, a moa, sentindo-se como nascida de novo, desperta e agradece sorridente ao padre o milagre de sua cura. No resta dvida que o padre Gassner era um perito hipnotista e um grande psiclogo. Hoje tamanha teatralidade constituiria uma afronta dignidade cultural de muitos pacientes. J no temos que recorrer ao latim, podendo hipnotizar na lngua do pas. Contudo, o mtodo do padre Gassner, ligeiramente modificado, ainda surtiria efeito em muita gente.

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Tendo maior peso, ou mais influncia, ou importncia. Conforme; Segundo.

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uso ainda fazer remontar histricamente o como do hipnotismo cientfico ao aparecimento de Franz Anton Mesmer. Estudioso da Astronomia, Mesmer deu uma verso no menos fantstica e romntica aos fenmenos hipnticos do que o padre Gassner. Em lugar de responsabilizar o demnio pelas enfermidades, responsabilizava os astros. No podia haver nada mais lisonjeiro s nossas pretenses do que isso de ligar o humilde destino humano ao glorioso destino astral. Educado para seguir a carreira eclesistica, Mesmer teve suas primeiras instrues num convento, tendo aos 15 anos ingressado num colgio de jesutas em Dillingen. Todavia, interessando-se muito pela fsica, pela matemtica e, sobretudo, pela astronomia, resolveu trocar a carreira religiosa pela medicina. Entrou na universidade de Viena, onde se doutorou com uma tese intitulada : De Planetarium Influx, trabalho em que se propunha demonstrar a influncia dos astros e dos planetas, ao mesmo tempo como causas de doenas e como fras curativas. Sabemos que no passado muitos dos mais eminentes filsofos e cientistas incorreram nesta vaidade. Entre sses, o grande Kepler, o indigitado19 autor do horscopo de Wallenstein. Santo Toms de Aquino mesmo acreditava na influncia astral. Dizia que certos objetos, como vivendas20, obras de arte e vestimentas deviam suas qualidades ao influxo21 misterioso dos astros. Existia ainda uma estreita relao de sentidos entre a crena primitiva nos demnios e a astrologia. Entre os fantasmas da terra e os astros, os fantasmas do cu. Ambos povoando a noite. Ambos refletindo os anseios e as esperanas, os temores e as vaidades humanas. Ambos pertencendo ao mundo das projees psquicas, contribuindo para o mundo das lendas e das supersties. Tanto para mostrar que a explicao demoniolgica de Gassner e a doutrina do influxo astral de Mesmer apresentavam, ao menos naquela poca, as suas afinidades ideolgicas. A tese, segundo a qual fludos invisveis, emanados dos astros, afetavam o organismo, consubstanciada22 na doutrina do Magnetismo Animal, foi logo bem recebida e despertou o intresse do padre Hell, um jesuta que foi professor da Universidade de Viena e um dos astrlogos da Crte de Maria Teresa. O padre Hell comeou a intentar curas por meio de ims. E Mesmer, reconhecendo nesse processo teraputico identidade de princpios, por sua vez, passou a usar im com seus doentes. O sensacionalismo da imprensa fz o resto, espalhando a notcia de curas magnticas espetaculares em pacientes desenganados. A doutrina de Mesmer se resume no seguinte : A doena resulta da freqncia irregular dos fluidos astrais, e a cura depende da regulagem adequada dos mesmos. Certas pessoas teriam o poder de controlar sses fluidos. Eram, por assim dizer, os donos dos fluidos e da sade, podendo comunica-los a outrem, direta ou indiretamente, por intermdio de objetos adredemente23 magnetizados pelo seu contato. Era sse fluido vital, uma espcie de corrente eltrica que se aplicava parte enferma do paciente. Ao contato dessa corrente, o indivduo tinha de entrar em crise, caracterizada por convulses, sem o que no seria curado. Mesmer, a princpio, tocava os pacientes com uma vara de metal para provocar as19 20

Diz-se de, ou indivduo apontado como culpado de crime ou de falta. Habitaes mais ou menos suntuosas. 21 Influncia. 22 Consolidada; Unida. 23 Propositalmente.

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convulses teraputicas. Mais tarde produzia essas mesmas crises com a imposio das mos e passes, expediente sse que vem de data imemorial e que at hoje est sendo usado pelos ocultistas. No fim, j no podendo atender individualmente numerosa clientela, recorreu magnetizao indireta, dispensando o toque pessoal ao paciente. Os pacientes, em nmero de trinta a quarenta, assentavam-se em volta de uma tina circular, contendo garrafas com gua magnetizada, sando de cada gargalo uma vara metlica. Estabelecendo contato com essas varas, num recinto escurecido e ouvindo uma msica suave, os pacientes eram acometidos das convulses teraputicas. Um mtodo realmente engenhoso de hipnotizao por sugesto indireta. No obstante as demonstraes bem sucedidas, as idias de Mesmer no eram bem recebidas pelos crculos mdicos de Viena. Intimado pelas autoridades a descartar-se de seu mtodo teraputico to extravagante, Mesmer, desgostoso, mudou-se para Paris. Em Paris, a fama de Mesmer espolhou-se rpidamente. O mesmerismo tornou-se moda na aristocracia francesa. Era o assunto de todos os sales. Quem quer que se prezasse, tinha de ser mesmerisado. As curas coletivas assumiram em Paris propores muito mais espetaculares do que em Viena. Deleuze, em sua Histria Crtica do Magnetismo Animal, descreveu uma dessas cenas : Num dos compartimentos, sob a influncia das varetas, que saam de garrafas contendo gua magnetizada, e aplicadas s diversas partes do corpo, ocorriam diriamente as cenas mais extraordinrias. Gargalhadas sardnicas24, gemidos lancinantes25 e crises de pranto se alternavam. Indivduos atirando-se para trs a contorcer-se em convulses espasmdicas. Respiraes semelhantes aos estertores26 de moribundos e outros sintomas horrveis se viam por tda parte. Sbitamente sses estranhos atores atiravam-se uns nos braos dos outros ou ento se repeliam com expresses de horror. Enquanto isso, num outro compartimento, com as paredes devidamente forradas, apresentava-se outro espetculo. Ali mulheres batiam com as mos contra as paredes ou rolavam sbre o assoalho coberto de almofadas, com acessos de sufocao. No meio dessa multido arfante e agitada, Mesmer, envergando um casaco lils, moviase soberanamente, parando, de vez em quando, diante de uma das pacientes mais excitadas. Fitando-lhe firmemente os olhos, enquanto lhe segurava ambas as mos, estabelecia contato imediato por meio de seu dedo indicador. Doutra feita operava fortes correntes, abrindo as mos e esticando os dedos, enquanto com movimentos ultra-rpidos cruzava e descruzava os braos, para executar os passes finais. ( * ) Semelhante sucesso no se exerce impunemente. Mais uma vez a medicina ortodoxa27 moveu a Mesmer um processo de perseguio. Em 1784, Lus XVI, instigado pela classe mdica, de certo modo despeitada nomeou uma comisso de sbios para24 25

Foradas e sarcsticas. Atormentantes; Aflitantes. 26 Respirao rouca e crepitante dos moribundos; Rudo pulmonar. * ( * ) Deleuze, F.; Histoire Critique du Magnetisme Animal, Hipolyte Baillire, Paris, 1819. Vol. 4, pg. 34. 27 Conforme com os princpios tradicionais de qualquer doutrina.

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investigar a natureza do fenmeno mesmeriano. A comisso era composta das trs figuras mais eminentes da cincia daquele tempo, Lavoisier, Bailly e Benjamin Franklin, na ocasio embaixador americano em Paris. Uma petio dirigida por Mesmer, em data anterior, Academia Francesa, no sentido de investigar-lhe o fenmeno, fra indeferida. Mesmer, indignado com o indeferimento, recusou-se a submeter-se prova dos citados cientistas. stes limitaram-se a presenciar as demonstraes realizadas por alunos. Enfiaram as mos nas tinas, e excusado ser dizer que o banho magntico no lhes provocou os efeitos descritos acima. Nada de crises ou de convulses. Nada de fluidos ou coisas semelhantes foram registrados. Enfim, os sbios nada sentiram de anormal e saram inclumes28 da experincia. Hoje seriam simplesmente classificados como insuscetveis. Como seria de esperar, o parecer da comisso era condenatrio ao mesmerismo. No obstante os xitos obtidos em centenas de pessoas tudo era classificado taxativamente de fraude, farsa e embuste. Oficialmente desacreditado, Mesmer abandonou Paris. Viveu algum tempo sob nome suposto na Inglaterra, tendo depois voltado para a ustria, onde morreu em completo ostracismo29 em 1815. Julgado pela posteridade, a figura de Mesmer no merecia essa degradao. Mesmer era sincero nas suas convices. No reconheceu a verdadeira natureza do fenmeno hipntico que soube desencadear to espetacularmente. Note-seque, ainda hoje, alguns dos aspectos do hipnotismo esto por ser explicados, ou pelo menos melhor explicados. O mesmerismo, ou magnetismo animal, continuou ativo ainda por algum tempo depois da morte de seu fundador. E at hoje muita gente confunde hipnotismo com magnetismo, usando esta palavra como sinnimo daquela. Para Mesmer, a hipnose ainda era uma fora, emanada, ainda que por via astral, da pessoa do hipnotizador. o estranho poder hipntico no qual ainda se acredita a maioria dos nossos contemporneos. O MARQUS DE PUYSGUR Dentre os discpulos de Mesmer que fizeram reviver a cincia que estava por cair em esquecimento com a morte de seu fundador, figurava uma personalidade influente : o marqus de Puysgur. Puysgur continuava a empregar os mtodos do mestre at o dia em que, por mera casualidade, magnetizou um jovem campons de nome Victor30, que sofria de uma afeco pulmonar, verificou que o expediente magntico podia produzir um estado de sono e repouso, em lugar das clssicas crises de convulses. E o paciente do marqus no se detinha no sono : dormindo, movia os lbios e falava, mais inteligentemente do que no estado normal. Chegou mesmo a indicar um tratamento para a sua prpria enfermidade, tratamento sse que obteve pleno xito, valendo-lhe o completo restabelecimento. Nesse estado de sono, Victor parecia reproduzir pensamentos alheios, muito superiores sua cultura rudimentar. No mais o paciente se conduzia como um sonmbulo. Puysgur estava diante de um fenmeno que no hesitou em rotular de Sonambulismo artificial. Puysgur percebeu de um relance a transcendncia dsse fenmeno hipntico que ainda se considerava magntico, e passou a explor-lo sistemticamente. Enquanto o mestre28 29

Ilesos. Afastamento da vida social, intelectual, etc. 30 Victor Race, mordomo do Marqus de Puysgur.

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provocava crises nervosas, convulses histricas, prantos e desmaios, o discpulo agia em sentido contrrio, sugerindo aos pacientes paz, repouso, ausncia de dor e um estado posthipntico agradvel. Uma norma que se iria perpetuar na prtica hipntica da em diante. Embora continuasse a usar passes, conjuntamente com a sugesto, na induo do transe, Puysgur deu um impulso decisivo ao hipnotismo cientfico. A le se devem os primeiros critrios psicolgicamente corretos de hipnose e suscetibilidade hipntica, o que no impediu que depois dle outros fenmenos hipnticos fssem registrados. O marqus de Puysgur observou em muitos dos seus sujets fenmenos telepticos e clarividentes. Uma repulsa, de certo modo convencional, para com tais aspectos do hipnotismo, fz com que muitos dos autores contemporneos mais ortodoxos se insurgissem31 sistemticamente contra semelhantes possibilidades. A maioria dsses ltimos no hesita em desmerecer a importantssima contribuio de Puysgur smente por sse motivo ( * ) . O ABADE FARIA No mesmo ano em que faleceu Mesmer, apareceu em Paris um monge portugus, o Pe. Jos Custdio de Faria, mais conhecido sob o nome de Abade Faria graas ao famoso romance de Alexandre Dumas O Conde de Monte Cristo. Excusado ser dizer que a vida agitada do padre portugus era na realidade bem diversa da que nos apresentou o ficcionista dos Trs Mosqueteiros. Nascido e criado nos arredores de Goa, nas ndias Portugusas, o abade Faria, segundo nos informam seus bigrafos, descende de uma famlia de brmanes hindus, convertida ao cristianismo no sculo XVI. Em Paris, em plena Revoluo, o jovem padre portugus travou relaes com o marqus de Puysgur. Estimulado pelo marqus, o jovem abade Faria (que na realidade nunca foi abade) entregou-se de corpo e alma carreira do hipnotismo, j tendo anteriormente adquirido conhecimentos bsicos da matria no Oriente e na sua terra natal. O Abade adiantou-se cintficamente em muitos pontos a Puysgur. Seu mtodo j era prticamente o nosso. Foi o primeiro a lanar a doutrina da sugesto. Tambm o primeiro a mostrar que hipnose no era sinnimo de sono, logo no nascedouro dessa confuso. Recomendava o relaxamento muscular ao sujet, fitava-lhe firmemente os olhos e em seguida ordenava em voz alta : DURMA! A ordem era vrias vzes repetida. E consoante as experincias modernas, os elementos mais suscetveis entravam imediatamente em transe hipntico. No obstante ordenar o sono, o abade Faria contribuiu poderosamente no desenvolvimento daquilo que, sculo e meio mais tarde, se chamaria de hipnose acordada. Foi o primeiro hipnotista na acepo cientfica da palavra. O primeiro a reconhecer o lado subjetivo do fenmeno em tda sua extenso. O primeiro a propagar que a hipnose se produzia e se explicava em funo do sujet. O transe estava no prprio sujet e no era devido a nenhuma influncia magntica do hipnotizador. Suas teorias j eram as atuais, despidas de tda ingerncia 32 mstica ou sobrenaturalista. Nada de eflvios33 misteriosos. Nada de fras invisveis. Tudo uma questo de sugesto, psicologia ou pouco mais.31

Rebelassem; Insubordinassem. ( * ) O autor, nas milhares de pessas que hipnotizou, teve um caso de clarividncia e inmeros casos de incidncia teleptica, indiscutvelmente provados. 32 Ato ou efeito de ingerir (-se); Interveno. 33 Emanao (es) de um fluido.*

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No obstante sua sinceridade e objetividade cientficas, o padre Faria era um tipo de personalidade um tanto quanto teatral. Chamava a ateno pelo seu aparato, suas vestimentas e suas maneiras um tanto extravagantes. esta, no entanto, de certo modo, at aos nossos dias, parte integrante do expediente psicolgico da hipnotizao. J no princpio do sculo XIX o nome do abade Faria era muito popular em Paris. Sua figura era vista com freqncia nos sales da nobreza e da alta sociedade parisiense. A exemplo de todos os expoentes do hipnotismo antes e depois dle, viveu ao mesmo tempo horas de glria e de oprbrio34. Ofereceram-lhe uma cadeira de Filosofia na Academia de Marselha, e sem nunca ter estudado medicina foi proclamado membro da Ordem dos Mdicos. Em Paris, onde desfrutava de enorme prestgio, o padre Faria abriu uma escola de magnetismo, depois que a polcia lhe proibira as experincias de hipnotismo em Nimes. Explicando a verdade sbre o hipnotismo, o padre Faria no escapou perseguio maliciosa de seus contemporneos. Seus inimigos recorreram a um dos expedientes mais estpidos (ainda muito usado) para desacredit-lo diante da opinio pblica : contrataram um ator para simular hipnose e na hora oportuna abrir os olhos e gritar : Embuste! O golpe, no obstante irracional, no deixou de surtir o efeito almejado. Por incrvel que possa parecer, o abade Faria ficou desmoralizado devido a um engano, o qual poderia ocorrer ao mais experiente e confiante dos hipnotizadores modernos. E at hoje, muitos hipnotistas de palco caem vtima dessa cilada maliciosa e deshonesta . Na minha prpria prtica uso aparar sse golpe com um simples aviso : As pessoas que se apresentarem com propsitos de simulao daro prova de ser, entre outras coisas, portadoras de doena mental ou tara caracterolgica. Contudo, o abade Faria, envolvido nas agitaes da Revoluo Francesa, sofreu mais perseguio poltica do que cientfica. Segundo um livro publicado h mais de um sculo, da autoria de um antigo funcionrio da polcia parisiense, descrevendo o caso verdadeiro que serviria de fonte inspiradora a Alexandre Dumas, o abade Faria teria morrido em uma priso de Esterel, onde fra lanado por motivos polticos, tendo deixado tda sua fortuna a um dos seus companheiros de priso, condenado devido a uma denncia falsa, fortuna essa calculada naquele tempo em quatro bilhes. Fadado assim a tornar-se personagem de uma das mais famosas obras de fico, o padre Faria, heri de Monte Cristo, no deixou de vingar como pesquisador e cientista, reconhecido pela posteridade. O padre Faria declarou recentemente o doutor Egas Moniz, Prmio Nobel de Medicina e um dos maiores expoentes da psiquiatria contempornea viu o problema da hipnose em suas prprias bases com uma grande preciso e com clareza. Foi le o primeiro a marcar hipnose os seus limites naturais Foi le que defendeu, pela primeira vez, a doutrina sbre a interpretao dos fenmenos do sonambulismo, ponto de partida de tda sua doutrina filosfica. O mais importante, porm, a sua contribuio doutrina da sugesto. ELLIOSTON Aquilo que j comeara a denunciar-se como fenmeno essencialmente psicolgico e subjetivo, ainda funcionaria por algum tempo e para efeitos teraputicos importantes, sob o nome de magnetismo ou mesmerismo. Um dos derradeiros expoentes do magnetismo era34

Desonra; Afronta infamante; Injria.

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o Dr. John Ellioston, eminente mdico ingls e uma das figuras mais eminentes da histria mdica britnica. Professor de Medicina na Universidade de Londres e Presidente da Royal Medical Society, era o homem que introduziu o estetoscpio na Inglaterra, alm dos mtodos de examinar o corao e o pulmo, ainda em uso. O Dr. Ellioston foi o primeiro a usar a hipnose (ainda no conhecida por sse nome) no tratamento da histeria. E comeou a introduzir o sono magntico na prtica hospitalar, tanto para fins cirrgicos como para os expedientes psiquitricos. Os mtodos to pouco ortodoxos do Dr. Ellioston no tardaram em criar uma onda de oposio. E o conselho da Universidade acabou por proibir o uso do mesmerismo no hospital. Ellioston, em virtude disso, pediu sua demisso, deixando a famosa declarao : A Universidade foi estabelecida para o descobrimento e a difuso da verdade. Tdas as outras consideraes so secundrias. Ns devemos orientar o pblico e no deixar-nos orientar pelo pblico. A nica questo saber se a coisa ou no verdadeira. Ellioston fundou posteriormente o Mesmeric Hospital em Londres e hospitais congneres se iam fundando em outras cidades inglsas e no mundo afora. Os adeptos da escola magntica anunciavam seus feitos teraputicos em tda parte. Na Alemanha, na ustria, na Frana e mesmo nos Estados Unidos se realizavam intervenes cirrgicas sob sono magntico. Na Amrica, o Dr. Albert Wheeler remove um plipo35 nasal de um paciente, enquanto o magnetizador Phineas Quimby atua como anestesista. J em 1829 o Dr. Jules Cloquet usou o mesmo recurso anestsico numa mastectomia. Jeane Oudet comunica Academia Francesa de Medicina seus sucessos magnticos obtidos em extraes de dentes. A cincia ortodoxa poderia ter aceito o fenmeno e rejeitar apenas as teorias. Acontece que, em relao ao mesmerismo, nem os fatos eram aceitos, sobretudo na ctica Inglaterra. ESDAILE Os PACIENTES de Esdaile (outro adepto da escola mesmeriana) que sofriam as mais severas intervenes cirrgicas, inclusive amputaes sob sono magntico, eram apontados pela cincia ortodoxa como um grupo de endurecidos e renitentes36 impostores. O lugar de Esdaile na histria do hipnotismo no se justifica como criador de mtodos ou de escola, mas, sim, como exemplo de pioneiro na luta pelo reconhecimento da hipnose como coadjuvante valiosa da cirurgia. James Esdaile, jovem cirurgio escocs, inspirou-se na leitura dos trabalhos de Ellioston sbre o mesmerismo. Esdaile comeou a sua prtica na ndia, como mdico da British East India Company. Em Calcut realizou milhares de intervenes cirrgicas leves e centenas de operaes profundas, inclusive dezenove amputaes, apenas sob o efeito da anestesia hipntica. O ter e o clorofrmio ainda no eram conhecidos como agentes anestsicos. Uma das testemunhas descreve de como Esdaile extirpara um lho de um paciente, enquanto ste acompanhava com o outro o andamento da operao, sem pestanejar. Os fatos eram de esmagadora evidncia. Contudo, o Calcutta Medical College moveu-lhe insidiosa37 campanha de desmoralizao. A anestesia no valia como prova de coisa alguma. Os mdicos faziam circular a notcia de35 36

Excrescncia carnosa que surge de membrana mucosa. Teimoso; Obstinado. 37 Traioeira.

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pacientes que haviam sido comprados para simular a ausncia de dor. As publicaes mdicas recusavam-se a aceitar as comunicaes do cirurgio escocs. Conta Esdaile usava-se ainda o argumento bblico. Deus institura a dor como uma condio humana. Portanto, era sacrlega a ao anestsica do magnetizador. ( * ) Em 1851, Esdaile teve que fechar seu hospital. Voltou Esccia completamente desacreditado. Mudou-se posteriormente para a Inglaterra, onde no teve melhor sorte. A Lancet publicou a propsito a seguinte admoestao 3 8 : O mesmerismo uma farsa demasiado estpida para que se lhe possa conceder ateno. Consideramos seus adeptos como charlates e impostores. Deviam ser expulsos da classe profissional. Qualquer mdico que envia um doente a um charlato mesmerista devia perder sua clientela para o resto de seus dias. A Sociedade Britnica de Medicina acabou por interditar a Esdaile o exerccio profissional. A exemplo de seu mestre Mesmer, sse mrtir do hipnotismo morreu no mais completo ostracismo. BRAID Por volta de 1841 apareceu o homem que marcou o fim do magnetismo animal. A partir dle a cincia passaria a chamar-se hipnotismo. Era o Dr. James Braid um cirurgio de Manchester. Braid assistiu a uma demonstrao do famoso magnetizador suo Lafontaine, que na ocasio se exibia em sensacionais espetculos pblicos na Inglaterra. Era Braid um dsses cticos que no perdem uma oportunidade para uma converso, desde que se lhes d uma base cientficamente aceitvel. A primeira demonstrao no convenceu a Braid. Sua curiosidade, no entanto, fz com que assistisse a uma segunda. Na segunda aceitou o fenmeno, mas no a teoria. Estava Braid diante de um fato em busca de uma explicao que no constitusse, como a do magnetismo animal, uma afronta dignidade cientfica da poca. Para no incorrer na pecha39 de charlatanismo mesmeriano, le tinha de encontrar uma causa fsica para o fenmeno. Era ainda e sempre a velha preveno contra tudo o invisvel, tudo que no concreto e palpvel. Preveno essa que, de certo modo, ainda persiste na era do rdio, do raio X e dos projetis teleguiados. Numa poca de abusos fludicos e msticos, um fenmeno tinha de ser de origem provadamente fsica para merecer a ateno de um cientista. E Braid era, na opinio dos seus bigrafos mais autorizados, antes de mais nada, um cientista e nada dle faria suspeitar o esprito do charlato. Tendo observado que Lafontaine usava a fascinao ocular para a induo, concluiu Braid que a causa fsica do transe era o cansao sensorial, ou seja, o cansao visual. Experimentou em casa com a sua espsa, um amigo e um criado, mandando-os fixar firmemente o gargalo de um vaso ornamental. Nos trs sujets o intento foi coroado de xito. Todos entraram em transe. O processo de induo hipntica pelo cansao visual passou a fazer escola. At aos nossos dias, os livros populares sbre hipnotismo insistem em ensinar o desenvolvimento da resistncia ocular fadiga e ao deslumbramento. E at hoje as vtimas, cujo nmero incalculvel, ainda fixam horas seguidas um ponto prto sem pestanejar. E sse ponto se lhes fixa para o resto da vida na sua viso em forma de escotma. Livros h que, no contentes com sse abuso, manda fitar lmpadas e o prprio*

( * ) Identico argumento se usou contra Benjamim Franklin. O para-raios tambm era condenado como uma tentativa mpia de anular a vontade de Deus. 38 Repreenso. 39 Defeito; Falha; Falta.

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sol, para desenvolver a fra do olhar. No responsabilizemos, porm, Braid por essas prticas ignorantes. O que Braid procurou demonstrar o fato de o transe assemelhar-se a um estado de sono que podia ser induzido por agente fsico. Baseando o processo hipntico num princpio onrico40, nos deu a palavra h i p n o t i s m o, derivada do vocbulo grego hypnos, significando sono. Todavia, o sono hipntico no se confundia com o sono fisiolgico, ou seja, o sono normal. Consoante seus conceitos neuro-fisiolgicos, o transe hipntico era descrito como s o n o n e r v o s o (Nervous Sleep). J quase no fim de sua carreira, Braid descartou-se em parte do mtodo do cansao visual e do da fascinao, pois descobriu que podia hipnotizar cegos ou pessoas em recintos obscurecidos. Dessa observao em diante passou a dar maior importncia sugesto verbal. Vencida esta fase, no tardou em descobrir que tambm o sono no era necessrio. Para produzir os fenmenos hipnticos, tais como a anestesia, a amnsia, a catalepsia e as alucinaes sensoriais, no era preciso submergir o sujet na inconscincia onrica. Quando, porm, Braid se capacitou de que a hipnose no era sono, a palavra h i p n o t i s m o j estava cunhada. E, certo ou errado, o nome que vigora at os nossos dias. Em 1843, Braid publicou seu livro intitulado Neurypnology, or the Rationale of Nervous Sleep, no qual expe seus mtodos para o tratamento de enfermidades nervosas. Malgrado41 a sua ndole anti-charlatanesca, Braid no escapou s campanhas maliciosas da classe mdica, embora essas fssem muito mais brandas do que as movidas contra seus antecessores mesmerianos. Consoante o provrbio segundo o qual ningum profeta em sua terra42, as publicaes cientficas de Braid encontraram melhor aceitao na Frana e em outros pases do que no seu torro natal. BERTRAND Para efeitos histricos, Braid considerado o pai do hipnotismo. Todavia, o adgio43 latino que conclui com o P a t e r s e m p e r i n c e r t u m, se aplica com muito mais razo s paternidades cientficas. Sabemos que muito antes de Braid, o abade Faria tinha suas idias modernas e psicolgicamente corretas sbre o fenmeno hipntico, explicado por le como fenmeno subjetivo. E antes do Abade, o mesmerista Alexander Betrand, em 1820, j apontava no estado hipnaggico uma causa psicolgica. Tudo, dizia, era sugesto aplicada. Escreveu a propsito Pierre Janet : Betrand antecipou-se ao abade Faria e a Braid. Foi o primeiro a afirmar francamente que o sonambulismo artificial podia explicarse simplesmente base das leis da imaginao. O sujet dorme simplesmente porque pensa em dormir e acorda porque pensa em acordar. As obras do abade Faria, do general Noizet, na Frana, e as de Braid, na Inglaterra, s contribuiram com uma formulao mais clara dstes conceitos, desenvolvendo esta interpretao psicolgica em forma mais40 41

Relativo A Sonhos. No obstante; Apesar de. 42 Provrbio bblico, encontrado nos evangelhos de Mateus 13:57b (s em sua prpria terra e em sua prpria casa que um profeta no tem honra.); Marcos 6:4 (s em sua prpria terra, entre seus parentes e em sua prpria casa, que um profeta no tem honra.); Lucas 4:24a (continuou ele (Jesus): digo-lhes a verdade: nenhum profeta aceito em sua terra). (Bblia Sagrada Nova Verso Internacional). 43 Provrbio.

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precisa. ( * ) Os historiadores da psicologia mdica consideram Bertrand como um ponto de transio entre o magnetismo e o hipnotismo. LIBEAULT44 Em 1864, um exemplar da obra de Braid caiu nas mos de Libeault, um jovem mdico rural francs. Libeault j adquirira noes de magnetismo em poca anterior, quando ainda estudante de medicina. Ao estudar a obra de Braid j se encontrava em Nancy, cidade na qual se dedicou durante mais de vinte anos hipnoterapia e que devido sua atividade clnica tornou-se a Capital do Hipnotismo. Libeault descrito pelos seus bigrafos como tendo sido um homem sereno, agradvel, bondoso e estimado pelos pobres, que o chamavam L e b o n p r e L i b e a u l t. Dizia Libeault aos seus clientes, em sua quase totalidade humildes camponeses : Se desejais que vos trate com drogas, o farei, mas tereis de pagar-me como antes. Se, entretanto, me permitis que vos hipnotize, farei o tratamento de graa. Ao mtodo de fixao ocular de Braid, Libeault acrescentou o da sugesto verbal. J. M. Bramwell, um mdico que praticava o hipnotismo naquela mesma ocasio na Inglaterra, visitou Libeault e deixou a seguinte descrio de sua atividade hipnoterpica : No vero de 1889 passei uma quinzena em Nancy a fim de ver o trabalho hipntico de Libeaut. Sua clinique, sempre movimentada, compreendia dois compartimentos que davam pelos fundos em um jardim. Seu interior no apresentava nada de especial que pudesse atrair a ateno. certo que todos que l iam com idias preconcebidas sbre as maravilhas do hipnotismo tinham de sair decepcionados. Com efeito, fazendo caso omisso do mtodo de tratamento e algumas ligeiras diferenas, a impresso que se tinha era a de estar em um departamento pblico, numa penso ou num hospital de clnica geral. Com a diferena de que os pacientes falavam um pouco mais livremente entre si e se dirigiam ao mdico de uma maneira mais espontnea do que se costumava ver na Inglaterra. Eram chamados por turno, e no livro dos casos clnicos registrava-se sua anamnese. Em seguida induzia-se o paciente rpidamente hipnose Seguiam-se as sugestes e as anotaes Quase todos os pacientes dos que eu vi foram hipnotizados de uma maneira fcil e rpida, mas Libeault me informou que os nervosos e os histricos eram mais refratrios45. Libeault soube conquistar a simpatia e a cooperao dos seus pacientes. Contrriamente ao exemplo de Mesmer, que tressudava de pompas46, Libeault era modesto e sem aparato teatral, quer na sua apresentao indumentria, quer no ambiente domiciliar. Com isso estabeleceu a nova linha de conduta para os hipnotizadores modernos. Em Nancy, Libeault trabalhou durante dois anos em sua obra Du Somneil et tats analogues, considers surtout du point de vue de laction de la morale sur le physique. Afirma o j citado Bramwell que Libeault vendeu exatamente um exemplar daquela sua obra. E, no obstante, muitos historiadores conferem a Libeault a paternidade do hipnotismo cientfico.*

( * * ) Pierre Janet: La Mdicine Psychologique, Paris, 1924, p. 22. ( * ) Gregory Zilboorg: A History of Medical Psychology. 44 Dr. Auguste-Ambroise Libeault. 45 Que resistem a certas influncias qumicas ou fsicas. 46 Aparato suntuoso e magnfico; Grande luxo.

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Conforme se infere do prprio ttulo de sua obra principal, Libeault ressaltava a influncia do psquico sbre o fsico. Acontece que o psquico ainda era uma coisa misteriosa : a alma humana prticamente inexplorada e as conjeturas que se faziam em trno de sua estrutura e dinmica, baseadas ainda em provas empricas. Entrementes, Libeault estava no caminho certo, podia progredir modesta e tranqilamente, sem ser muito molestado pelos colegas, mesmo por ser discreto, pobre e no aceitar dinheiro dos pacientes que tratava hipnticamente. BERNHEIM Hyppolite Bernheim, um dos expoentes da medicina da Frana, homem de reputao inatacvel, a princpio contrrio ao hipnotismo, resolveu, em 1821, visitar Libeault em Nancy, presumvelmente para desmascar-lo como charlato. Bernheim tratara durante seis meses um caso de citica e fracassara. O caso foi posteriormente curado por Libeault. O eminente clnico, que vinha com propsitos hostis, e como ctico, logo convenceu-se da autenticidade do fenmeno e tornou-se amigo e discpulo do modesto mdico rural. O prestgio de Bernheim muito contribuiu para que o mundo cientfico acolhesse o hipnotismo ao menos como uma tentativa em marcha. Bernheim, o criador da escola mental, insistiu no carter subjetivo, ou seja, essencialmente psicolgico, da hipnose. Em sua obra De la Suggestion, publicada em 1884, Bernheim insiste na necessidade de estudar a tcnica sugestiva e as caractersticas da sugestibilidade. Seu mtodo de induo, que rigorosamente cientfico, ainda serve de base a todos os mtodos modernos e o que oferece as maiores possibilidades de xito. Bernheim foi o primeiro a vislumbrar na hipnose um estado psicolgico normal. O primeiro a lanar a compreenso dsse fenmeno em bases mais amplas, mostrando que a sugestibilidade no era um apangio47 dos doentes, pois no se limitava aos indivduos histricos, conforme se proclamava na Salpetrire. Todos ns somos sugestionveis, uns mais outros menos. Todos somos alucinveis ou alucinados, hallucinables ou hallucins Com efeito, todos somos indivduos potencial e efetivamente alucinados durante a maior parte de nossas vidas Todos temos a nossa propenso inata crena, nossa c r d i b i l i t naturelle. So conceitos modernssimos. Mostram a viso ampla e profunda de um autntico cientista a transcender os limites convencionais da cincia de sua poca. CHARCOT Concomitantemente48 com a escola de Nancy, representada por Libeault e Bernheim, funcionava em carter independente outra em Paris, no hospital da Salpetrire, que se intitulava a escola do g r a n d h i p n o t i s m e , chefiada por um neurologista de grande prestgio, o prof. Jean Martin Charcot. Charcot, que s lidava com histricos e histero-epilpticos, e cujas experincias hipnticas se limitavam a trs pacientes femininos, estabeleceu a premissa, segundo a qual smente os histricos podiam ser47 48

Propriedade caracterstica. Que se manifesta ao mesmo tempo que outro.

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hipnotizados, no passando o estado de hipnose de um estado de histeria. Concomitantemente com essa premissa, formulou sua teoria dos trs estgios hipnticos : a letargia, a catalepsia e o sonambulismo. O primeiro estgio, que se podia produzir fechando simplesmente os olhos do sujet, caracterizava-se pela mudez e pela surdez; o segundo estgio, os olhos j abertos, era marcado por um misto de rigidez e flexibilidade dos membros, stes permanecendo na posio em que o hipnotista os largasse. O terceiro estgio, o sonambulismo, se produziria fricionando enrgicamente a parte superior da cabea do sujet. Por sua vez a escola da Salpetrire procurou reabilitar a ao magntica. Charcot tentou convencer os discpulos que, aplicando um im em determinado membro, ste se paralizava. Seria de estranhar que um homem daquela reputao e responsabilidade cientficas tivesse idias to retrgradas e mesmo ridculas. Bernheim apontou a Charcot os erros, mostrando-lhe que as caractersticas por le consideradas como critrio de hipnose podiam ser provocadas artificialmente por mera sugesto. Nasceu da a histrica controvrsia entre as duas escolas, a da Salpetrire e a de Nancy. Recorrendo a um delicado eufemismo 49, os dirigentes desta ltima, classificaram o hipnotismo daquela de hipnotismo cultivado, cujo valor em relao ao hipnotismo de verdade se comparava ao da prola cultivada em confronto com a prola natural. Charcot tinha ainda uma teoria metlica relacionada ao hipnotismo. Segundo essa teoria, a cura de certas doenas dependia to smente do uso correto dos metais. Conta-se a propsito dessa metaloterapia lembrada nicamente a ttulo de curiosidade histrica um episdio pitoresco : Um grupo de alunos de procedncia estrangeira estava discutindo sbre a diversidade dos sintomas nervosos dentre os diversos povos, enquanto percorriam em companhia do mestre as diversas dependncias da Salpetrire. Charcot aproveitou o ensejo para provar aos forasteiros a universalidade do fenmeno anestsico. Iria mostrar que a perda da sensibilidade de uma determinada parte do corpo era rigorosamente a mesma em todos os quadrantes da terra. Todavia, ao espetar a agulha no brao de um paciente, ste gritou. A reao inesperada causou um misto de desiluso e de hilaridade entre os discpulos. O mestre, no entanto, no tardou em desvendar-lhes o mistrio. No local mesmo teria sido informado de que, durante a sua ausncia, um dos seus assistentes, o Dr. Burcq, colocara uma placa de ouro no brao do doente. E foi em virtude disso que o enfrmo recuperou a sensibilidade Essa experincia teria convencido Charcot, de uma vez por tdas, da veracidade de sua metaloterapia. As cincias tambm sofrem os seus golpes de retrno, e sses so tanto mais danosos quando se revertem de uma roupagem pseudo-cientfica e quando alcanam os gumes da consagrao acadmica. Charcot representa um retrocesso s teorias fludicas de Mesmer. E a expresso retroceder a Charcot est sendo injusta e maliciosamente usada pelos que procuram desmerecer o hipnotismo contemporneo. Entrementes, o hipnotismo ia ganhando terreno, espalhando-se pela Europa e pelos Estados Unidos. Conquanto na imaginao popular o hipnotismo ainda continuasse sendo uma fra que no era em dste mundo e o hipnotista uma espcie de diabo disfarado em curandeiro ou homem de cincia, eminentes cientistas se incumbiam de sua difuso. Homens como Krafft-Ebing e Breuer na ustria, Forell na Sua, Watterstrand na Sucia, Lloyd Tuckey e Bramwell na Inglaterra, Heidenhain na Alemanha, Felkin na Esccia, Pavlov na Rssia, McDougall e Phineas Puimby nos Estados Unidos, a prestigiar a cincia49

Ato de suavizar a expresso duma idia substituindo a palavra prpria por outra mais cortez.

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e dar-lhe impulso cientfico-teraputico. E no apenas o hipnotismo mdico, seno tambm o hipnotismo recreativo, proporcionava s platias daqueles tempos soberbos espetculos. Grandes hipnotizadores de palco como D o n a t o e H a n s e n arrebatavam as multides com suas demonstraes pblicas. FREUD E, no entanto, ocorreu um cochilo, um perodo de esquecimento de trinta e mais anos no mundo das atividades hipnticas. Como responsvel por sse eclipse os historiadores apontam a popularidade da psicanlise e a pessoa de seu fundador, Sigmund Freud, que rejeitou o hipnotismo em seu mtodo teraputico. Acontece que o homem destinado a assestar50 ao hipnotismo semelhante golpe se tornou posteriormente responsvel pela sua ressurreio. J se disse que a volta triunfal do hipnotismo em bases psicolgicas modernas largamente devida psicanlise. Quanto s suas tcnicas modernas, so uma conseqncia direta da orientao e penetrao psicanalticas. Fazendo nossas as palavras de Zilboorg, ningum duvida atualmente de que a influncia e os efeitos do magnetizador ou hipnotizador se fundam essencialmente, seno exclusivamente, nas profundas reaes inconscientes do sujet. E o conceito do inconsciente ainda era desconhecido na poca de Braid e coube a ste formular de uma maneira puramente descritiva o que sentia intuitivamente. Em outro captulo tornaremos a falar na contribuio da psicanlise moderna hipnoterapia, e na figura de Freud como personagem na histria do hipnotismo.

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Apontar; Dirigir.

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II QUE A HIPNOSE?UM FENMENO DE PROJEO ARTE E CINCIA Para as pessoas que ignoram os mecanismos psicolgicos que presidem ao fenmeno da hipnose e para todos aqules que acreditam no poder hipntico, a hipnose resulta da ao direta de uma vontade mais forte, ou seja, a vontade do hipnotista, sbre uma vontade mais fraca, ou seja, a vontade do sujet. Ao menos enquanto dura o transe, le, sujet, considerado escravo de uma vontade mais forte do que a sua. Na realidade, o sujet sucumbe sua prpria vontade, que se confunde ou entra em choque com a idia ou a imaginao do hipnotista. Assim, a monotonia, que um dos fatres tcnicos mais decisivos na induo hipntica, para produzir efeito, tem de basear-se na reciprocidade. A monotonia externa, ou seja, a monotonia do hipnotizador, tem de refletir, de certo modo, a monotonia interna, ou seja, a monotonia do paciente. O sujet, sem dar-se conscientemente conta do fato, projeta sbre a pessoa do hipnotizador os efeitos hipnticos de sua prpria monotonia, assim como projeta sbre o mesmo seus prprios desejos de fazer milagres e suas prprias fantasias de onipotncia. Pelo lado psicolgico, indiscutvelmente o lado mais importante, a hipnose explica-se, entre outras coisas, como um fenmeno de projeo. Ao menos em grande parte, o sujet vencido pelas suas prprias armas, armas essas que o hipnotista tem de saber selecionar e utilizar adequadamente. No percamos de mente que tda sugesto , em ltima anlise, largamente auto-sugesto, tda hipnose, em ltima anlise, largamente auto-hipnose, e todo mdo, no fundo, mdo de si mesmo. Contrriamente ao que ensinam os livros populares, a f inabalvel no hipnotismo e a vontade forte no constituem os atributos fundamentais e diretos do hipnotizador, mas, sim, do sujet. A experincia mostra que os melhores pacientes so precisamente os tipos impulsivos, os voluntariosos, em suma, as pessoas de muita vontade ou de vontade forte. Os livros do tipo Querer Poder nos quais os autores se comprazem em confundir a simples vontade de poder com o poder da vontade tm contribudo largamente para formar timos sujets e pssimos hipnotistas. A notria escassez de bons hipnotizadores pode ser atribuda em grande parte a sse gnero de literatura sbre o assunto. Do que se acaba de expor no se infere que o hipnotizador no deva ter vontade, ou que seja, necessriamente, dotado de pouca vontade ou de uma vontade dbil. le tambm tem a sua vontade, e de certo, uma dessas vontades respeitveis ou invencveis, smente no a utiliza de maneira irracional, ou seja, de forma direta. le no comete a ingenuidade de confundir a simples vontade de poder com o poder j concretizado, ou seja, com o poder da prpria vontade. Dizia Nietzsche : Todos os nossos movimentos no passam de sintomas. Tambm todos os nossos pensamentos no passam de sintomas. Atrs de cada sintoma esconde-se um apetite. E o apetite fundamental a vontade de poder. esta uma

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frmula que se aplica atividade humana (e no smente humana) em geral e atividade hipntica em particular. O xito hipntico presume a existncia de apetites, ou seja, disposio, a qual, por sua vez, no prescinde de estmulos desta ou daquela natureza. A hipnose representa para o operador a ao da vontade aplicada racional, ou melhor diremos, indiretamente. O que equivale a dizer que o hipnotista no tm de fazer fra com a sua vontade. Para todos os efeitos, le tem de saber e no apenas querer hipnotizar. O segrdo do poder hipntico, como de qualquer outro poder exercido pelo homem, reduz-se, mais cedo ou mais tarde, ao conhecimento. Nesse sentido, a prpria arte tende a transformar-se em tcnica e cincia e vice-versa. No podemos, por isso, negar importncia prtica s diversas teorias sbre hipnotismo que comeamos a expor. Nenhuma delas satisfaz isoladamente, contendo cada uma apenas uma parcela maior ou menor da verdade ; mas, aproveitadas em conjunto, contribuem decididamente para aprimorar o conhecimento e o contrle sbre a natureza humana. A hipnose um fenmeno muito mais complexo do que uma simples irradiao cerebral ou manifestao direta da fra da vontade. No se afirma categricamente que no possa ser tambm um pouco disso. O que se pode afirmar o fato de ser muito mais do que isso. Sarbin v na hipnose uma das manifestaes mais generalizveis do comportamento social, e Wolberg declara que as variantes interpessoais inerentes ao fenmeno hipntico so to complexas, que nem sequer podemos determinar-lhes as medidas. E j sabemos que o fenmeno em apro transcende em sua complexidade aos limites da prpria espcie. A LEI DA REVERSO DOS EFEITOS Numa sesso de hipnotismo observa-se um impacto, no precisamente entre duas vontades, uma mais forte e outra mais fraca, mas, sim, um impacto entre a vontade, geralmente violenta, do sujet e a imaginao ou a idias do hipnotista. Quanto mais forte aquela, tanto mais vitoriosa esta ltima. a lei da reverso dos efeitos de Emile Cou : Num impacto entre a vontade e a idia, vence invarivelmente a idia. Dentre os exemplos mais tpicos dessa lei, ocorre-nos citar a sistemtica dificuldade que experimentamos quando, de sbito, queremos lembrar um nome. Justamente no momento em que mais precisamos do nome, le no vem tona. Est, como se diz popularmente, na ponta da lngua. Quanto maior a nossa pressa, quanto mais nos esforamos, maiores as dificuldades. o impacto da idia do esquecimento contra a vontade imperiosa da lembrana a bloquear a memria. O nome invocado vem mente medida em que renunciamos ou moderamos a vontade da lembrana. Nas sesses de hipnotismo, essa reverso de efeitos se produz artificialmente pela intensa e sbita mobilizao da vontade no sujet. Dizemos ao sujet que le incapaz de lembrar-se de seu prprio nome. E le reage desesperadamente nossa sugesto, ou seja, nossa idia (no fundo vontade) de provocar o fenmeno, porm em vo. Semelhantemente, sugere-se que le no consegue articular uma determinada palavra, que est prso na cadeira, que no consegue abrir os olhos etc., etc., e o efeito, ou melhor, a reverso de efeitos, a produzir os resultados espetaculares que todos conhecemos das demonstraes de hipnotismo que realizamos ou s quais assistimos. Subentende-se, entretanto, que a lei que acabamos de citar no se pe em ao com

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a mesma simplicidade com que se pe a funcionar um engenho mecnico, isto , ligando uma chave ou apertando um comutador. Para que a referida lei funcione preciso que o sujet esteja convencido da autenticidade da experincia e, subsidiriamente51, tambm das vantagens que se lhe propem. E para tanto, preciso que o hipnotista convena. No fra assim e qualquer pessoa, sem nenhuma habilitao, em qualquer circunstncia, poderia hipnotizar qualquer indivduo. Bastaria proferir uma sugesto para ser obedecido, o que, sabidamente, no acontece. Visto sob ste aspecto, o hipnotismo, ao menos por enquanto, no apenas uma cincia. tambm uma arte. a arte de convencer. Hipnotizar convencer. E convencer sugestionar. S sugestiona quem convence. E s quem convence hipnotiza. Com um mnimo de noes, um indivduo ignorante pode hipnotizar perfeitamente, desde que as circunstncias lhe sejam favorveis e desde que convena. Os indivduos vitoriosos na poltica, nas profisses liberais, no comrcio, na indstria, nas carreiras artsticas e em tudo mais, usam, que o saibam ou no, as tcnicas hipnticas. So hipnotizadores potenciais. E note-se que em matria de hipnotismo, o artista, no raro, leva vantagens sbre o cientista. Desde os primrdios da civilizao at a poca de Mesmer, o hipnotizador agia intuitivamente, baseado em premissas cientficas inteiramente falsas. E ainda em nossos dias o xito hipntico vem freqentemente associado a uma espantosa ignorncia em relao s leis psicolgicas que presidem ste fenmeno. A capacidade hipntica, antes adquirida de forma emprica e intuitiva, hoje, graas aos conhecimentos tcnico-cientficos, suscetvel de aquisio e desenvolvimento. A arte tende a transformar-se, como dissemos h pouco, em tcnica e cincia, e, inversamente, a tcnica e a cincia se convertem em uma verdadeira arte.

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Secundariamente.

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III HIPNOSE SUGESTONo existe uma teoria abrangente e definitiva sbre hipnose. A definio que nos d um dos mais acatados dicionrios de trmos psicolgicos, o Dictionary of Psychology, de Warren, a seguinte : Hipnose, um estado artificialmente induzido, s vzes semelhante ao sono, porm sempre fisiolgicamente distinto do mesmo, tendente a aguar a sugestibilidade, acarretando modificaes sensoriais e motoras, alm de alteraes de memria. Um estado tendente a aguar a sugestibilidade. Equivale quase a dizer que hipnose , antes de mais nada, do princpio ao fim, sugesto. sugestibilidade aumentada ou generalizada, na teoria de Hull. Com efeito, tdas as teorias e conceitos sbre hipnose, seja qual for a parcela de verdade que contenham e o grau de sua importncia prtica, no valem seno na medida em que elucidam as motivaes e os mecanismos dsse fenmeno eminentemente psicolgico que a sugesto, nas suas mais diversas graduaes. H uma tendncia de desmerecer o fenmeno da hipnose com o argumento de que tudo no passa de sugesto. Como se a sugesto fsse necessriamente coisa superficial, desprezvel e sem maior importncia para a nossa vida. Acontece que a sugesto representa uma das fras dinmicas mais ponderveis da comunidade humana, fra essa que transcende aos limites da prpria espcie, atuando sob a forma de reflexo condicionado, no prprio hipnotismo animal. No acarreta nicamente alteraes sensoriais e modificaes de memria, podendo afetar tdas as funes vitais do organismo, tanto no sentido positivo como no sentido negativo dessa palavra. A sugestibilidade, embora sujeita a variaes de grau e de natureza, um fenmeno rigorosamente geral. Todos somos mais ou menos sugestionveis e possvel que todos ou quase todos fssemos hipnotizveis se dispusssemos de mtodos adequados de induo. No fra a sugesto uma fra de eficincia social incomparvel e no se justificaria a mais abrangente de tdas as indstrias modernas, que a indstria publicitria, isto , os anncios, que ocupam duas tras partes de quase todos os rgos de imprensa, alm dos dispendiosos patrocnios de rdio e televiso. Com efeito, j existem sistemas de publicidade, sobretudo a chamada publicidade indireta, capaz de criar no nimo dos consumidores, um desejo irresistvel, e, s vezes, inconsciente, de adquirir determinados produtos, deixando-os amiudo52 num estado que se avizinha bastante da hipnose. Dissemos no captulo precedente que hipnotizar convencer. Notemos que no mundo das atividades comerciais, convencer , por sua vez, sinnimo de vender. difcil encontrar exemplos mais convincentes da eficcia do poder da sugesto e de sua transcendncia, do que os que nos fornece o hipnotismo comercial, consubstanciado nos modernos processos publicitrios. ( * )52

Repetidas vezes. ( * ) No momento em que ste livro est sendo organizado. surge nos Estados Unidos um tipo de publicidade que faz js ao ttulo de Hipnotismo Comercial. Trata-se de uma nova entidade publicitria chamada Subliminal Projection Company Inc. que utiliza uma engenhosa projeo subconsciente que*

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A quase totalidade das pessoas veste-se de acrdo com as sugestes da moda, ingere medicamentos em bases sugestivas. Se, por omisso voluntria ou involuntria, o laboratrio deixa de agregar o elemento medicamentoso droga, o efeito teraputico ser o mesmo, salvo rarssimas excees. O mesmo ocorre na aquisio de objetos, muitas vzes suprfluos. Um simples engano na marcao de preos numa vitrina, e as pessoas compram o objeto barato como se fsse caro e vice-versa. A sugesto do meio faz com que uma pessoa se assimile ao mesmo tempo em que assimilada. Cedendo, por necessidade e em seu prprio benefcio, ao sugestiva de um novo ambiente, o indivduo no admitir que sucumbiu ao mesmo, ao contrrio, dir que o conquistou, uma vez que voluntria e ativamente cooperou para a sua prpria mudana. Em relao fra da sugesto, o critrio de derrota e de vitria reside largamente nos fatres vantagem e desvantagem, distribuidos respectivamente entre hipnotista (ou agente sugestivo) e o paciente. O passarinho, que, na verso popular do hipnotismo animal, cai nas garras do gato esfaimado, e o sapo, que, segundo a mesma verso, se deixa atrair hipnticamente pela serpente, sucumbem literalmente hipnose. O gato ou a serpente humanos atraem seu passarinho a fim de extrair-lhe um dente sem dor, para submet-lo a uma interveno mais profunda sem anestesia qumica, para livr-lo de alguma neurose ou proporcionar um espetculo aos demais. E o passarinho humano no devorado. Ao contrrio, beneficiado. Em lugar de oferecer sua prpria carne, paga na forma convencional do honorrio mdico. Quanto serpente, vai ingerir as substncias necessrias sua manuteno no seio pacfico de sua famlia ou nalgum restaurante. E no se pode dizer que o rptil no caso tenha atrado o passarinho a fim de extrair-lhe os emolumentos 53 a trco do servio prestado, uma vez que o passarinho veio de moto prprio (muitas vzes j sugestionado e atrado pela fama) ao hipnotista, sugerindo-lhe a hipnose e aceitando-lhe as condies, antes de serem por le sugeridas. Para compreender a natureza da sugesto, o seu modus operandi e ainda as suas possibilidades prticas, preciso um conhecimento razovel das reaes psicolgicas e um entendimento mais profundo da alma humana, na sua trplice diviso em Consciente, Inconsciente e Conscincia. E conhec-la tanto no que se refere sua dinmica como sua estrutura. A sugesto uma fra que nos domina a todos, em grau maior ou menor, e longe est de exercer uma ao superficial ou apenas acidental em nossa vida. Vejamos algumas formulaes sintticas de sugesto na definio de alguns autores.consiste na apresentao de frases-relmpago. Durante a projeo de um filme projeta-se na tela, a intervalos regulares, uma srie de frases curtas, tais como: Beba Coca-Cola, ou Coma Pipoca. A durao da projeo na tela de dcimos de segundo, to rpida que no prejudica a sequncia do filme e que o espectador no se d conscientemente conta do que viu. Destarte, a imagem imperceptvel viso consciente, dirigir-se ao subconsciente, tal como procede o hipnotizador. E fra da repetio cria o desejo de beber ou comer os produtos anunciados. De acrdo com uma entrevista concedida imprensa Americana, a venda da Coca-Cola aumentou em 18% e a de outros produtos de maior vendagem, em 58%. Pela sua transcendncia e capacidade de intervir na vontade inconsciente das massas tal excesso de tcnica sugestiva pde tornar-se perigosa, no momento em que fr utilizada para anunciar coisas menos incuas do que pipocas ou refrigerantes. Acrescentam os comentaristas: Assusta pensar o partido que um Hitler ou um Stalin poderiam tirar de uma tal inveno. Escusado ser dizer que as autoridades da Comisso Federal de comunicaes do Govrno de Washington foram alertadas para evitar possveis abusos dessa inovao, ou melhor diriamos, dsse aperfeioamento da velha tcnica publicitria, a qual, pela sua prpria natureza tem de ser sugestiva. 53 Lucro; Proveito; Gratificao.

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Por sugesto entendemos comumente a tendncia que o indivduo tem de agir sob o mando ou a influncia de outrem, quer por meio de uma ordem ou instruo direta, quer por outros meios quaisquer. Definiu-se tambm a sugesto como sendo a tendncia a criar na pessoa uma atitude, fazendo com que ela aceite coisas imaginrias como se fssem reais. Outro dicionrio define a sugesto como uma idia, crena ou impulso apresentado mente. Para McDougall, um processo de comunicao que resulta na aceitao convicta de idias, crenas ou impulsos, sem necessidade de fundamento lgico. O j citado Dicionrio de Trmos Psicolgicos de Warren define a sugesto como sendo a induo ou tentativa de induo de uma idia, crena, deciso ou ato, realizada na pessoa alheia, por meio de estmulos verbais ou outros estmulos, base de uma argumentao exclusivista; e continua : um estmulo, geralmente de natureza verbal, por cujo intermdio intentamos levar uma pessoa a agir independentemente das suas funes crticas e integradoras. Esta definio omite um dos aspectos mais caractersticos do fenmeno, a saber, a possvel ao projetiva ou reflexiva da sugesto, ou seja, o carter auto-sugestivo. verdade que, para efeitos prticos e executivos, o princpio psicolgico, segundo o qual tda sugesto auto-sugesto, de certo modo se inverte. Acontece que a sugesto, pela sua complexidade psicolgica, dificlima de definir. Insistem certos autores que sugesto ainda no seja hipnose. Podemos estar certos, entretanto, de que tda e qualquer hipnose comea pela sugesto, ainda que a sugesto fsse veiculada por vias telepticas. O estado de hipnose , sabidamente, o estado em que a sugesto atinge sua ao mais poderosa. Seus efeitos raiam, s vzes, ao inacreditvel, ao inexplicvel e mesmo ao maravilhoso, embora, de um modo geral, a hipnose no tenha sse carter espetacular que popularmente se lhe atribui. Pode-se eventualmente concordar em que a hipnose no seja apenas sugesto, ou sugesto pura, mesmo porque a sugestibilidade no representa uma condio anmica54 isolada. SUGESTO E PRESTGIO Comeamos a nossa srie de definies de sugesto com a tendncia que a pessoa tem de agir sob o mando ou influncia de outrem A pergunta que se nos impe no caso esta : O que determina psicolgicamente essa tendncia de agir sob o mando ou a influncia alheia, e aceitar coisas imaginrias como se fssem reais, mais fcilmente em relao a certos fatos ou pessoas do que em relao a outras? A resposta j est formulada pelos psiclogos : o prestgio. Reconhecemos no prestgio um dos fatres decisivos na induo hipntica. Note-se que, geralmente, s se consegue hipnotizar as pessoas junto s quais se tem o prestgio necessrio. Portanto, o prestgio uma componente indissolvelmente ligada ao expediente social da hipnotizao. Quanto ao prestgio, sabemos que se deriva da idia de poder, que, por sua vez, emana da aparncia ou atitudes de uma pessoa. Para os psicanalistas o prestgio se forma, largamente, em virtude de uma situao de transferncia. Seria, citando Ferenczi, a expresso inconsciente, instintiva e automtica da submisso filial frente autoridade materna ou paterna. O prestgio do54

Pertencente ou relativo alma; Psquico.

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hipnotista resultaria, portanto, de uma confuso inconsciente da pessoa do hipnotizador com papai ou mame. Consoante essa teoria, as escolas alems passaram a dividir respectivamente as tcnicas hipnticas em hipnose materna e hipnose paterna (MutterHypnose e Vater-Hypnose). Muitos dos autores modernos refutam sses pontos de vista psicanalticos, alegando que nesse caso os hipnotistas femininos s conseguiriam hipnotizar sujets dominados pela autoridade materna, enquanto os hipnotizadores masculinos s induziriam indivduos habituados ao mando do pai, fenmeno sse que na realidade nem sempre se confirma. Convenhamos, porm, que o fato de um bom sujet ser hipnotizvel, prticamente por qualquer hipnotista, independentemente das suas emoes preformadas, no chega a invalidar a teoria que acabamos de expor, levando em conta que o fator prestgio no se forma exclusivamente base da experincia infantil da autoridade parental. A SUGESTO IDEOMOTORA Excusado ser dizer, entretanto, que a sugesto hipntica no se reduz exclusivamente ao fator prestgio. Existem tambm as sugestes ideomotoras. Estas se formam, notriamente, base de tendncias preservativas e estados de expectativas comuns, independentes dos fatres familiares e sociais que regem emocionalmente a personalidade. A teoria ideomotora, preconizada por Hull, define a hipnose como um estado de sugestibilidade generalizada, resultante da atitude passiva do sujet em faze das palavras proferidas pelo hipnotizador. A sabedoria popular tem a intuio da eficincia dsse processo sugestivo, quando diz : gua mole em pedra dura tanto d at que fura. sse estado de sugestibilidade generalizada, que a hipnose, na definio do autor mencionado acima, coadjuvado, entre outras coisas, pela recomendao feita ao paciente, no sentido de relaxar os msculos e de pensar nicamente no repouso e no sono. do conhecimento geral que o relaxamento muscular aumenta a sugestibilidade. O descanso fsico predispe a mente a estados imaginativos e a locubraes fantsticas. sse requisito fsico, no entanto, no constitui um conditio sine qua non da induo hipntica. possvel hipnotizar pessoas em p, portanto, sem estarem muscularmente relaxadas, desde que sejam suficientemente sensveis.

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IV HIPNOSE E SONOAinda no se chegou a um acrdo quanto relao exata entre a hipnose e o sono. No tempo de Mesmer, o hipnotista ainda no era o homem que faz dormir, embora o fsse em pocas anteriores. Nos primrdios do hipnotismo cientfico, o primeiro a associar o estado de hipnose ao estado onrico foi o marqus de Puysgur, em 1784, com sua j citada teoria do sonambulismo artificial. Puysgur tinha, sem dvida, sua parcela de razo. At hoje reconhecemos nos indivduos sonmbulos timos sujets. E at hoje o estgio mais profundo de hipnose acertadamente denominado : estgio sonamblico. O primeiro a intentar uma discriminao mais acurada entre o sono natural e o sono hipntico foi, como j sabemos, Braid, com a sua teoria do neurohipnotismo. Braid chamou o estado de hipnose de sono nervoso (nervous sleep). A hipnose passou a ser sono ou uma espcie de sono, para quase toda a totalidade dos pesquisadores ulteriores, dentre os quais se apontam Libeault, Binet, Fere, Bernheim e muitos outros cientistas, mais ou menos eminentes55. O psiclogo contemporneo Pavlov tambm nos descreve o estado hipntico em trmos onricos. De acrdo com sse autor, a diferena que existe entre o sono hipntico e o sono natural uma diferena de grau e no de natureza e ainda uma diferena topogrfica : o sono hipntico apresentaria uma inibio cortical menos completa do que a do sono fisiolgico. A hipnose corresponderia a um sono parcial, ou um sono distribudo em partes localizadas e canalizadas em limites estreitos, enquanto o sono natural uma inibio contnua e difusa. Pavlov insiste ainda em que a hipnose represente uma inibio das funes corticais superiores. Se sse seu ponto de vista correspondesse realidade, as pessoas hipnotizadas seriam incapazes de executar atos inteligentes, o que sabidamente no se verifica.(*) Dentro da prpria psicanlise encontramos ainda pontos de apio em favor dos conceitos onricos da hipnose. Tanto no estado de hipnose como no sono fisiolgico, mergulhamos nos meandros56 do inconsciente. O estado de hipnose apresenta fenmenos que se assemelham aos mecanismos e dinmica dos sonhos. E os sonhos, na definio de F r e u d , representam, por sua vez, a nossa vida mental durante o sono. Um dos fenmenos mais tpicos da hipnose, a regresso, ocorre no estado onrico como no estado hipntico, com a diferena que sse ltimo, s mais das vzes, tem de ser reforado pela sugesto. Pela hipnose podemos fazer com que uma pessoa volte, no nicamente adolescncia ou infncia. O sujet devidamente hipnotizado vai at vida intra-uterina e remonta a nveis prehistricos da prpria organizao mental. Idnticos processos regressivos se observam em relao ao sono fisiolgico, conforme o prova a interpretao55

Emissores. ( * ) O Reflexo Condicionado pde prevalecer, de certo modo, como explicao cientfica do sono fisiolgico e do sono artificial, mas no explica a hipnose humana, seno nicamente na parte onrica. 56 Sinuosidade(s) de curso(s) de gua, caminho(s), etc.*

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psicolgica dos sonhos. A linguagem dos sonhos caracteriza-se notriamente pelo anacronismo57 de expresso e pela simbologia arcaica. Fenmeno igualmente observado em relao aos elementos hipnotizados. Com todos sses e outros pontos de contato, que existem entre o estado hipntico e o estado onrico, a hipnose ainda no pode ser considerada como uma perfeita paralela do sono. Pois, no obstante os muitos pontos em comum, os dois estados ainda apresentam notveis diferenas. Existe, conforme sabemos desde B r a i d , uma srie de efeitos extraordinrios tais como a rigidez catalptica, a anestesia, a amnsia post-hipntica, e isso sem falarmos dos efeitos sugestivos de um modo geral que so prprios da hipnose, no ocorrendo no sono fisiolgico. A pessoa fisiolgicamente adormecida no reage aos estmulos sensoriais da mesma forma pela qual reage o indivduo hipnotizado. Dirigindonos a uma pessoa submersa em sono natural, no obteremos resposta, a no ser que tenhamos convertido adredemente o sono natural em sono hipntico, ou que se trate de um sonmbulo. Enquanto o indivduo hipnotizado atenta no mais leve sussurro, criatura adormecida temos de falar alto ou mesmo gritar, para nos fazer ouvir. muito acatado o conceito segundo o qual a hipnose corresponde modorra 58, ou seja, ao breve momento que medeia entre o estado de viglia e o sono. sse breve momento seria artificialmente induzido e prolongado pelo hipnotizador. esta a explicao que se costuma dar ao paciente ao condicion-lo para a hipnotizao. A hipnose um estado que s vzes se assemelha ao sono, mas que sempre se distingue fisiolgicamente do mesmo. Para provar a diferena fisiolgica entre o estado de hipnose e o estado de sono, tem-se feito tda uma srie de testes. Observou-se, entre outros, o reflexo psico-galvnico. Anotou-se cuidadosamente o aparelho respiratrio, assim como o sistema circulatrio e a circulao cerebral. Todos sses testes indicam que o estado de hipnose se assemelha mais ao estado de viglia do que prpriamente ao estado de sono. Assim tambm o eletroencefalograma, feito em laboratrios psicolgicos, mostra que o indivduo hipnotizado se assemelha mais ao indivduo acordado do que ao fisiolgicamente adormecido. Se, entretanto, insistirmos durante o transe hipntico na sugesto especfica do sono, o eletroencefalograma passar a igualar-se ao da pessoa submersa em sono normal. Tudo indica que nesse estado de sugestibilidade aguada ou generalizada, que a hipnose, conforme veremos ainda adianta, a sugesto do sono encontra um clima particularmente propenso, ao ponto de dispensar, em muitssimos casos, uma formulao verbal. H mtodos modernos de hipnose acordada e outros em que se evita deliberadamente o emprgo da palavra sono, e, no obstante, essa concomitante clssica da hipnose (o sono) s vezes se apresenta inopinadamente. So freqentes os casos nos quais o sujet no se detm no sonambulismo artificial, no sono parcial, ou no sono nervoso, passando espontneamente do transe para o sono natural, sono sse em que todos os efeitos inerentes hipnose desaparecem. A distino entre o transe hipntico e o sono, sutil e imcompleta que seja sob certos aspectos, tem o seu valor prtico, tanto para o hipnotista como para o paciente. Quando ste ltimo declara quele que no dormiu e que se lembra de tudo, j no invalida o resultado da induo. J no desaponta, nem decepciona. Obter simplesmente a explicao de que hipnose no sono e que no transe ligeiro e mdio, nos quais ainda no se produz o fenmeno da amnsia post-hipntica, o indivduo conserva plena conscincia de tudo o que57 58

Confuso de data quanto a acontecimentos ou pessoas. Estado intermedirio entre o estar acordado e dormindo; Prostrao mrbida, ou sonolncia, ou preguia.

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se passa, podendo ter e dar a impresso de que nem sequer esteve hipnotizado. Excetuando alguns mtodos modernos, recomendados em casos especiais, na tcnica hipntica corrente ainda se recorre sugesto especfica do sono para efeito de hipnotizao, conforme veremos mais adiante. Ex. : V. vai sentir sono O sono continua cada vez mais profundo para voc, etc., etc Para o pblico, de um modo geral, o hipnotizador continuar, para todos os efeitos, e ainda por muito tempo, sendo o homem que faz dormir.

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A imobilidade e certa palidez caracterizam, s mais das vzes, o transe profundo. O paciente se assemelha a uma figura de cra.

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V ALGUMAS TEORIAS SBRE HIPNOSEA HIPNOSE COMO ENTREGA AMOROSA O paralelo freqentemente traado entre a hipnose e o apaixonamento no se justifica nicamente base da motivao etiolgica59 do fenmeno. Pouco antes de abandonar a tcnica hipntica, Freud formulou sua teoria. Segundo esta, o estado de hipnose corresponderia a uma entrega amorosa. Em sua auto-biografia, conta de como uma jovem o abraou ao sair do transe. Concluiu Freud que a hipnose trai um certo grau de masoquismo, ou seja, necessidade instintiva de submisso, envolvendo uma gratificao de carter libidinal60. Com efeito, as reaes e a prpria expresso fisionmica de muitos pacientes femininos indicam visvelmente estados dessa natureza. Muitos, ao despertarem, conquanto no cheguem a abraar o hipnotista, declaram-lhe que acharam a experincia muito gostosa. Outros, tm uma crise de pranto. Essas reaes traduzem, respectivamente, aprovao e arrependimento pelo que acabaram de experimentar. Tais manifestaes, no raro, assustam e despertam a suspeita de dissimulao 61, principalmente quando se trata de um hipnotizador inexperiente e que no possui em grau bastante o poder de que mais necessita : o poder sbre si mesmo, oriundo62 de um profundo conhecimento de suas prprias tendncias e paixes. A MAMADEIRA HIPNTICA Em seus aspectos meta-psicolgicos, a hipnose se identifica freqentemente com a experincia infantil da lactao. O paciente em transe, cujas fronteiras do Ego se dissolveram, agarra-se s palavras do hipnotizador, mais ou menos como a criana se apega ao seio materno, considerado por ela como parte de seu prprio corpo. Naquele momento, o seio materno pertence-lhe orgnicamente, ou melhor, quase to orgnicamente como os prprios ps e mos. Pesquisas psicolgicas provaram que a hipnotizao pela sugesto verbal troca-se no inconsciente freqentemente pelo processo da amamentao. O paciente verbalmente amamentado pelo hipnotizador, cujas palavras montonas, constantes, e fluentes atuam como um substitutivo simblico do leite materno. Desta forma, a prpria voz do hipnotista um dos elementos notriamente importantes no trabalho de induo se incorpora ao Ego do paciente, em sua dormente monotonia. A mamadeira a alimentar o transe so as palavras suaves e montonas do59 60

Parte da medicina que trata das causas das doenas. (Libido): Instinto ou desejo sexual. 61 Ocultao; Disfarce. 62 Originrio.

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hipnotizador. Muitos dos meus pacientes, segundo declaraes feitas a mim ou a outras pessoas, tiveram a impresso de que, entre outras coisas, eu os fizera mamar durante o transe. E note-se que, dentre as pessoas mais hipnotizveis, figuram os chamados tipos orais, ou sejam aqules indivduos mal desmamados, que se fixaram em sua evoluo instintiva fase pr-genital, denominada a fase oral, que o primeiro dos trs estgios marcantes da evoluo libidinal para a genitalidade madura e adulta. De acrdo com as teorias psicanalticas mais modernas, a hipnose reproduz os processos normais do desenvolvimento do Ego infantil. uma recapitulao da prpria infncia. A HIPNOSE COMO GNERO DRAMTICO A hipnose representa como diria Sarbin uma forma de comportamento psicolgico social mais generalizada do que a simples entrega amorosa ou o apaixonamento : dramatizao, rol-playing ou rol-taking. O sujet seria, antes de mais nada, um artista animado pelo desejo de representar um papel : o papel do indivduo hipnotizado. esta uma teoria que confere com a impresso popular, segundo a qual o sujet est fingindo o estado de hipnose, quer pelo prazer de representar sse papel especfico, quer para agradar ao hipnotista. E, no entanto, essa teoria no indica, necessriamente, ceticismo quanto autenticidade dos fenmenos hipnticos e nem tampouco compromete a idoneidade dos atres. O desejo de representar e o de cooperar com o hipnotista e obedecer-lhe, desde que no contrarie os intersses vitais, constitui uma caracterstica inerente hipnose. uma manifestao daquilo que designamos pelo nome de rapport. Sem estar hipnticamente afetado, o sujet no se dispe a colaborar com tanta docilidade, nem representa o papel do hipnotizado de forma to perfeita e convincente. Sirva-nos de exemplo o paralelo da intoxicao etlica. Ningum pe em dvida a realidade da intoxicao alcolica ao descobrir que o brio63 no assim porque bebe, mas bebe precisamente por ser assim. E no se duvida, tampouco, da influncia do lcool pelo fato de o indivduo conservar a lembrana parcial ou total do que ocorreu enquanto influenciado pela bebida. Acontece que o sujet representa o papel do indivduo hipnotizado da mesma forma como o alcolatra representa o papel do brio. Assim como ste, a fim de poder representar convincentemente seu papel predileto, de recorrer ao lcool, aqule tambm no dispensa as condies inerentes ao transe para poder desincum