1 Por: Silvio Benedito Alves Tenente Coronel PM Gerente Executivo dos CIOPS.
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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
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O GRUPO ESCOLAR TENENTE CORONEL JOSÉ CORREIA E AS INOVAÇÕES PEDAGÓGICAS DO GOVERNO REPUBLICANO NO
CONTEXTO SOCIOCULTURAL DA CIDADE DO ASSÚ (1911-1949)
Gilson Lopes da Silva1
Marlúcia Menezes de Paiva2
Introdução
O governo republicano foi instalado no Brasil nos finais do século XIX repensando
vários espaços sociais. No setor educacional são criados novos instrumentos para o ensino
público: os grupos escolares. Nesse modelo de escola as propostas do governo republicano
eram colocadas em prática com a finalidade central de formar um povo em sintonia com os
valores de Ordem e Progresso, através da propagação de hábitos de civilidade e patriotismo,
entre outros.
Antes do surgimento dos grupos escolares a educação primária se desenvolvia
geralmente em espaços que funcionavam na casa do professor e em outros ambientes pouco
adaptados ao funcionamento de uma escola pública de qualidade. Contando com recursos
didáticos e métodos pedagógicos ultrapassados, sem normas rígidas e uma estrutura
organizacional que regulamentasse e fiscalizasse o funcionamento das escolas, esses fatores
tornavam-se um obstáculo quase que intransponível para a realização da tarefa educadora e
salvacionista republicana.
Seguindo o processo de universalização do ensino moderno na Primeira República, o
Estado do Rio Grande do Norte, durante a gestão de Antônio José de Mello e Souza, edita no
dia 22 de novembro de 1907 a Lei n° 249, que autoriza a reforma da instrução pública no
Estado, dando ao ensino primário moldes mais amplos e garantindo sua proficuidade.
Em 15 de maio de 1925, a Diretória Geral do Departamento de Educação, sob a
responsabilidade de Nestor dos Santos Lima, lança dois documentos relacionados
especificamente ao funcionamento dos grupos escolares no Rio Grande do Norte: o
Regimento Interno dos Grupos Escolares, compreendendo normas para organização e plano
de cursos, período letivo, matrículas e frequência, regime didático e disciplinar, promoções e
1 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Educação/UFRN. E-mail: <[email protected]>. 2 Professora do Departamento de Fundamentos e Políticas da Educação e do Programa de Pós-Graduação em
Educação - UFRN. E-mail: <[email protected]>.
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exames, material escolar e regras para os funcionários, entre outras informações, e o
Programa de ensino dos Grupos Escolares, compreendendo as disciplinas e horários
destinados para os cursos infantil mixto, elementar e complementar.
O Grupo Escolar Augusto Severo foi a primeira instituição que seguia os novos
preceitos pedagógicos do ensino republicano instalada no Rio Grande do Norte. Criado pelo
decreto n°174 em 5 de março de 1908, o grupo passa a servir de Escola-Modelo para outras
instituições construídas no Estado, como o Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia,
inaugurado na cidade do Assú, no dia 07 de setembro de 1911 e objeto de estudo desse
trabalho.
Estipulamos como objetivo investigar a aplicação das propostas de modernização do
ensino que se configuraram no cotidiano do Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia
durante as primeiras décadas do governo republicano. Delimitamos esse recorte temporal
por acreditarmos que esse período é significativo para a compreensão da validade da
implantação e da manifestação dessas práticas inovadoras no espaço educacional.
Trabalhamos com as reflexões de Magalhães (2004), que afirma que a partir do século
XIX os processos de educação e escolarização foram marcados pela construção de políticas,
cumplicidades, identidades e territorialidades e o espaço escolar recebe a interpretação de
um fator de tecnologização e institucionalização da nova realidade num movimento que
rompe com as marcas da ruralidade e das práticas ancestrais. Nesse processo de
modernização das instituições educativas, o autor credita importância fundamental para as
noções de agentes e sujeitos, compreendendo a origem e a finalidade dos personagens
envolvidos na trama institucional, e práticas educativas, pelas quais se veiculam nos espaços
educacionais uma série de fatores relacionados aos contextos sociopolíticos e culturais.
Como procedimento metodológico realizamos levantamento documental e bibliográfico
e a leitura e análise de algumas das referências que estamos utilizando. As fontes são livros de
escritores que evidenciam o cotidiano da cidade do Assú, os trabalhos de Pinheiro (1997) e
Silva (2010), documentos referentes ao Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia, como o
Decreto de criação, e jornais publicados no período investigado.
O Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia e a modernização do ensino na cidade do Assú
Com a instituição da República, em 1889, seus representantes defenderam um projeto
de reforma social moderna, repensando vários espaços sociais. No setor educacional, são
realizadas reformas como a reestruturação da direção superior da instrução pública e a
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normatização do ensino primário e secundário. Para o funcionamento da educação primária
no novo regime governamental foram estabelecidos os grupos escolares. Esse novo modelo de
escola conta com métodos pedagógicos e recursos modernos e inovadores e era visto como a
base para a formação de uma nova identidade nacional.
Por meio dos grupos escolares, as propostas dos republicanos eram colocadas em
prática com a finalidade de formar um povo em sintonia com os valores de ordem e
progresso, propagando hábitos de civilidade, urbanidade e patriotismo, entre outros. Caberia
à escola difundir os valores e comportamentos que seriam a base da nova nacionalidade -
República e educação escolar estavam intrinsecamente ligadas à ideia de civilização e crença
do progresso (FERREIRA, 2009).
Para Vidal e Faria Filho (2000), os grupos escolares eram apresentados como prática e
representação que permitiam aos republicanos romper com o passado imperial em espaços
que projetavam para um futuro, em que o povo, reconciliado com a nação, plasmaria uma
pátria ordeira e progressista. Esse novo modelo educacional era constituído pela reunião ou
agrupamento de três ou mais escolas regidas cada uma por um professor, compreendendo
cursos infantil, elementar e complementar, sob a direção de um diretor.
Analisando a implantação e os novos métodos pedagógicos presentes nas primeiras
edificações escolares construídas em São Paulo no início dos anos 1890, Souza (1998, p. 171)
identificou que o modelo educacional desse Estado foi tomado como sinônimo de progresso e
serviu de modelo-base para diversos outros grupos escolares que se desenvolveram pelo país
perpetuando uma visão de que “a escola representa as luzes, a vitória da razão sobre a
ignorância, um meio de luta contra a monarquia e, consequentemente, um instrumento de
consolidação do regime republicano”.
O primeiro grupo escolar do Rio Grande do Norte foi instalado na cidade de Natal.
Moreira (2005), informa que o Grupo Escolar Augusto Severo foi criado pelo decreto n°174
em 5 de março de 1908, no exercício do governo de Antônio José de Souza e Melo (1907-
1908). E no ano seguinte foi instalada a Reforma da Instrução Pública na perspectiva de
estabelecer diretrizes para o sistema de ensino público, no âmbito do ensino primário,
secundário e normal, sob a responsabilidade do Estado. O Grupo Escolar Augusto Severo
também passa a ser a “Escola-Modelo” para outros grupos construídos no Estado.
Os grupos escolares faziam parte do projeto de modernização do Rio Grande do Norte,
juntamente com outros aspectos de melhoramento como “a abertura de estradas, a
construção de linhas férreas, o aformoseamento de praças e ruas, a iluminação elétrica e as
práticas de higienização e de civilidade da população” (SILVA, 2011, p. 56).
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Moreira (2005, p. 110), ainda considera que a consolidação desses novos espaços de
escolarização estavam “intrinsecamente relacionadas às demandas políticas e às diferentes
práticas econômicas” que se desenvolviam nas regiões de implantação e que estavam
visivelmente correlacionadas “às localidades inscritas nas áreas da produção do açúcar e do
algodão”, núcleos mais representativos do Estado do Rio Grande do Norte e mais fortes
politicamente. Esse era o caso da cidade do Assú, que despontava no início do século XX
como um importante empório comercial no interior do Estado do Rio Grande do Norte por
meio da produção de algodão e cera de carnaúba.
De acordo com Bezerra (2010, p. 84):
A euforia da sociedade assuense na busca para desenvolver o município e ter condições de acompanhar o ritmo do Estado e do País era surpreendente. A alta estima do povo era algo louvável, digno de reconhecimento pela história. A cidade já contava com Blocos Carnavalescos de Rua (1902); Bandas de Música; Grupos de Teatro; Grupos Folclóricos os quais se apresentavam quando das festas juninas e natalinas; diversos jornalistas, poetas, músicos e artesãos os quais tinham a palha de carnaúba como matéria prima. Economicamente, o algodão e a cera de carnaúba já despontavam com suas primeiras grandes produções para exportações. O jornal A República, no ano de 1908, informou que o Rio grande do Norte tinha participado da Exposição Nacional de Produtos e que a produção de cera de carnaúba do Estado, naquele ano, tinha sido de 324.500 quilos destacando que o Assú sozinho produziu 160 mil quilos. Mas toda esta empolgação carecia de algo capaz de assegurar a elevação não só cultural, mas, acima de tudo a formação educacional da juventude assuense.
A ideia de implantação de um grupo escolar na cidade do Assú se deu a partir de 1910
sob a iniciativa do juiz de Direito José Correia de Araújo Furtado. Diante dos sinais de
desenvolvimento pelos quais a cidade passava, José Correia percebeu o quanto era necessário
um local apropriado que pudesse oferecer educação primária de qualidade para a população e
realizou campanhas comunitárias para levar adiante o empreendimento.
O intendente municipal era o coronel Antônio Saboya de Sá Leitão (1908-1913), que já
vinha desenvolvendo importantes obras no espaço urbanístico da cidade, como a construção
da fonte pública, a reforma do edifício da Intendência Municipal e do mercado público,
ampliou o calçamento das ruas, instalou a iluminação pública movida a querosene, organizou
a charanga musical e abraçou a ideia da implantação de um grupo escolar no Assú, “sendo
esse um acontecimento de alto relevo para a cidade, que já necessitava de um
estabelecimento de ensino à altura do seu desenvolvimento e da sua elevação demográfica”
(AMORIM, 1982, p. 44).
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De acordo com Silva (2004, p. 53), “os municípios que apresentavam interesse em
instalar uma escola desse porte precisavam assumir o compromisso com as despesas da
construção do prédio”. Além disso, a criação de um grupo escolar era feita através da
solicitação do intendente do município, associações ou particulares, que se
responsabilizavam pelo pagamento do porteiro-zelador, das despesas materiais e de
expediente, como a conservação do prédio e o mobiliário. O Estado se responsabilizava pela
nomeação e remuneração do professorado.
Durante a administração do Governador Alberto Maranhão foi lançado no dia 11 de
agosto de 1911 o decreto n° 254 que criava “na cidade do Assú um Grupo Escolar denominado
‘Tenente Coronel José Correia3’, comprehendendo duas escolas elementares, uma para cada
sexo e uma mista infantil” (RIO GRANDE DO NORTE, 1911). Demonstrando o envolvimento
do povo assuense com os ideais patrióticos que tomavam conta do país à época “suas portas
foram abertas na data em que se comemorava a Independência do Brasil” (BEZERRA, 2006,
p. 5), no dia 07 de setembro de 1911.
O processo de escolarização presente nesse novo espaço educacional é pensado com a
finalidade de romper com a imagem arcaica e tradicional dos modelos e métodos das escolas
de primeiras letras do período imperial. Os grupos escolares se mostraram uma instituição
escolar com traços marcantes, que dispunham de um grande aparato de inovações
pedagógicas e tinham a finalidade de construir uma nova identidade nacional e um perfil de
povo civilizado e letrado, formando cidadãos amantes da ordem e do progresso.
Pinheiro (2002, p. 140) esclarece que esses novos espaços de funcionamento da
educação primária apresentavam como principais características físicas:
[...] prédios escolares, projetados com base na racionalização do espaço interno, com várias salas de aula, sala de direção, sala dos professores, secretaria, laboratórios didáticos, museu, biblioteca, áreas de recreação de cuja configuração constavam pátios internos, jardins, largos, refeitório e/ou cantina, quadra para jogos e, posteriormente, campo de futebol.
O programa de ensino empregado nos grupos escolares seguia o modelo da escola
graduada, por meio da qual se esperava alterar, através da uniformidade escolar, padrões
antes existentes e atingir a homogeneidade no ensino brasileiro. A graduação do ensino
levava a uma eficiente divisão do trabalho escolar ao formar classes com alunos do mesmo
nível de aprendizagem, possibilitando um melhor rendimento escolar. O Grupo Escolar
3 Aos grupos escolares eram atribuídos nomes de homens que ocuparam cargos públicos, senadores, deputados, políticos, barões e coronéis, perpetuando a memória dessas autoridades ilustres.
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Tenente Coronel José Correia iniciou suas atividades com a matrícula de 90 alunos: 30 na
classe infantil, 30 na classe elementar feminina e 30 na classe elementar masculina.
Os novos elementos presentes nesse espaço institucional nos remetem a Magalhães
(2004, p. 58). Segundo o teórico:
A ideia de instituição consagra uma combinatória de finalidades, regras e normas, estruturas sociais organizadas, realidade sociológica envolvente e fundadora, relação intra e extra-sistémica; é, por consequência, uma ideia mais ampla e mais flexível do que a de sistema. Consagra ainda a ideia de relação/ comunicação e de categoria social, como condições instituintes que, no plano educativo, compreendem alteridade, autonomização, participação e implica materialidade, representação, apropriação, normatividade.
Amorim (1982, p, 44), que contava com 12 anos na época da implantação do Grupo
Escolar Tenente Coronel José Correia, informa que a solenidade de inauguração “foi por
demais festiva e teve seleto comparecimento”. A festa foi destaque na matéria intitulada A
Reforma da Instrução Pública, do Jornal A República do dia 09 de setembro de 1911,
importante veículo de comunicação de Natal, que circulava em todo o Estado.
Segundo a matéria, a festa de inauguração contou com uma série de discursos por parte
das autoridades presentes que enaltecia o novo modelo de educação proposto pelo ideário
republicano. Em seu discurso, por exemplo, o professor Anphilóquio Câmara abriu a sessão
de inauguração enaltecendo a reforma da instrução pública realizada na época pelo
governador Alberto Maranhão e mostrava “os erros e prejuízos existentes no sistema de
ensino de outrora e os meios de evita-los”, referindo-se ao modelo educacional aplicado no
período imperial, “passando em seguida a dissertar sobre as três espécies de educação, física,
moral e intelectual e explicando como deveria ser ministrado o ensino moderno nos novos
grupos escolares”.
As inovações do ensino presentes nos grupos escolares diferenciavam-se dos modelos
anteriores por contar com um corpo de funcionários comprometidos com a qualidade da
educação e que deveriam trabalhar respeitando as orientações estipuladas nos documentos
reguladores. Souza (1998, p. 62), afirma que os grupos escolares foram “responsáveis por
uma nova organização do trabalho e pela distribuição interna do poder dentro da escola”.
Magalhães (2004, p. 144), chama a atenção para as relações e hierarquias que se
estabelecem entre os sujeitos e agentes que participam das instituições educativas. Segundo o
teórico:
Na área pedagógica e didática, a relação entre professores, alunos e funcionários é fundamental (sendo contudo central a relação entre o corpo docente e o discente). Na área de direção e gestão, quer os alunos quer os
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professores, enquanto docentes, são secundados ante os órgãos de administração, chefia e poder.
Os grupos escolares favorecem uma nova maneira do fazer pedagógico e das relações
que se estabelecem entre professores e alunos. Contudo, do ponto de vista hierárquico é
entronizada a figura do diretor, “desconhecida nas escolas primárias durante os anos do Rio
Grande do Norte imperial” (ARAÚJO, 1979, p. 136), que assumiu a organização central dos
processos desenvolvidos na escola.
Segundo o artigo 123° do decreto n° 239 de 15 de dezembro de 1910 (RIO GRANDE DO
NORTE, 1910, p. 135) competia ao diretor dos estabelecimentos de instrução uma série de
funções: representação oficial nas relações externas; direção geral das cadeiras para regular o
funcionamento; representar contra funcionários faltosos e aplicar penas regulamentares;
velar pela conservação e utensílios do prédio; requisitar fornecimento de material e
expediente ao poder competente; encerrar diariamente o livro de ponto marcando as faltas;
organizar no último dia de cada mês a folha de pagamento do pessoal, mencionando as faltas
e seus motivos; apresentar relatório anual do movimento da repartição e fazer cumprir as leis
do ensino e as instruções da Diretoria Geral.
Luiz Correia Soares de Araújo assumiu a cadeira masculina elementar e esteve à frente
da direção do Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia até 1913. Em seu discurso durante
a sessão de inauguração do grupo Escolar, o professor Amphilóquio Câmara parabenizava a
“família assuense pela aquisição de Luiz Soares para professor do grupo, no qual folgava de
ver um verdadeiro amante da instrução e que na escola, ele seria um verdadeiro continuador
da obra do lar” (A REFORMA DA INSTRUÇÃO PÚBLICA, 1911). O destaque dado a presença
do professor Luiz Soares como diretor e professor do grupo escolar também expressam a
relação que deveria existir entre escola e família para que o ensino fosse eficiente e obtivesse
resultados satisfatórios4.
Nascido em Assú, o professor Luiz Soares formou-se pela Escola Normal de Natal e foi
o orador da primeira turma de diplomados da instituição tornando-se “uma notável vocação
de educador, que se projetou pela vida toda” (NONATO, 1988, p. 150). Iniciou suas
atividades no magistério em 1911 no Grupo Escolar Almino Afonso, em Martins/RN, e foi
removido no mesmo ano para o Assú. Luiz Soares era primo do juiz de direito José Correia de
Araújo Furtado, que idealizou a construção do grupo escolar no Assú. Depois de sua atuação
4 Alguns anos depois, o professor Alfredo Simonetti (apud PINHEIRO, 1997, p. 143) vai afirmar que “A missão do professor primário cada vez mais se evidencia, não só porque o seu fito é espalhar por toda a parte a luz intensa do abecedário como também porque é seu mister amoldar os caracteres infantis, lapidar estes diamantes ainda não lapidados, contribuindo para a fortaleza da família e consequentemente a grandeza da pátria”.
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no Assú, foi designado em 1913 para a capital do Estado, Natal, onde dirigiu por diversos
anos o Grupo Escolar Frei Miguelinho, a Escola Profissional e colaborou com a fundação e a
expansão do escotismo no Rio Grande do Norte, recebendo a comenda Tapir de Prata, a mais
alta insígnia mundial do escotismo5.
Outro diretor que se destacou no Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia foi o
professor Alfredo Simonetti, que administrou a instituição entre os anos de 1923 e1930. O
professor nasceu em Natal no dia 24 de outubro de 1900 e formou-se em 1920 pela Escola
Normal de Natal, diplomando-se professor primário. Ele iniciou no magistério em 1920
quando foi nomeado para o Grupo Escolar Moreira Brandão, na vila de Goianinha/RN, e em
1923 foi promovido como professor do curso complementar do Grupo Escolar Tenente
Coronel José Correia.
Alfredo Simonetti mudou-se para Mossoró/RN em 1930, passando a atuar como
professor e diretor da Escola Normal da cidade. Somente em 1935, foi nomeado por concurso
efetivo para reger as cadeiras de pedagogia e pedologia desse estabelecimento. Ainda em
1933, foi designado inspetor das escolas públicas do Assú, Macau, Areia Branca, Mossoró,
Augusto Severo (Campo Grande), Santana do Matos e Flores (Florânia). Raimundo Nonato,
memorialista mossoroense, descreve que o desempenho do professor Alfredo Simonetti e sua
ação na escola “foi assim, como uma espécie de aticismo de claridade fixadora e espontânea,
de sensação do respeito à disciplina, de atos enérgicos, de força moral e persuasão pessoal
que revestiam todas as suas manifestações e atitudes humanas” (Apud SIMONETTI, 1995, p.
31).
Além do professor Luiz Correia Soares de Araújo, na primeira turma de docentes do
Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia também foram empossadas as professoras Clara
Carlota de Sá Leitão e Maria Carolina Wanderley Caldas (Sinhazinha Wanderley) e o
porteiro-zelador Manoel Marcolino Filho6.
Clara Carlota de Sá Leitão e Sinhazinha Wanderley faziam parte de famílias
tradicionais do Assú. No grupo escolar da cidade, foram nomeadas provisoriamente para
assumir as cadeiras feminina elementar e infantil mista, respectivamente. As professoras não
tinham titulação formal na época da criação do Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia.
5 Luiz Correia Soares de Araújo administrou a Federação Norte-rio-grandense de Desportos, onde inaugurou o Estádio Juvenal Lamartine, em 1929 e contribui decisivamente para “a criação da Policlínica do Alecrim, que hoje tem seu nome, e para a criação da Faculdade de Farmácia e Odontologia e a de Direito de Natal. Foi vereador em Natal e presidente da Câmara. Sócio da Associação dos Professores e do Instituto Histórico, do Conselho de Educação e Cultura, da Academia Potiguar de Letras” (SILVEIRA, 1995, p. 31).
6 Manoel Marcolino Filho também atuou como oficial de justiça e tornou-se uma figura muito conceituada e estimada na cidade do Assú que “gozava da amizade de juízes, tabeliães, promotores e advogados junto a quem servia, sempre fiel ao seu mandato judicial” (SILVEIRA, 1995, p. 32).
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Para assumirem o cargo efetivo era exigida a formação profissional do ensino primário que
deveria ser realizada num curso oferecido pela Escola Normal com um estágio realizado no
Grupo Escolar Augusto Severo, em Natal. De acordo com Pinheiro (1997, p. 133) o curso
normal contava com quatro anos de duração, sendo que:
Ao concluir o último ano, o aluno aprovado requeria a prova de capacitação profissional, a qual lhe dava o diploma de professor primário em regime efetivo, em qualquer Grupo Escolar do Estado do Rio Grande do Norte. Os professores atuantes em grupos escolares que funcionavam no interior do Estado, e em regime de contrato provisório, poderiam solicitar ao Diretor Geral de Instrução, cargo hoje correspondente ao de Secretário de Educação, a inscrição nos exames de habilitação.
No ano de 1918 as professoras fazem o pedido de requerimento de inscrição nos
referidos exames de admissão e enfrentaram uma longa viagem que durou três dias, a cavalo,
de Assú para Taipu, onde pegariam o trem para Natal e prestariam os exames de capacitação.
As provas foram realizadas entre os dias 10 e 14 de janeiro de 1918 por uma comissão
composta pelos professores Ivo Cavalcante, Cônego Estevam Dantas, Theódulo Câmara,
Tavares Guerreiro e Luiz Correia Soares de Araújo, antigo colega de trabalho das professoras.
Maria Carolina Wanderley Caldas e Clara Carlota de Sá Leitão receberam seus títulos de
professoras primárias e permaneceram no grupo escolar do Assú até meados da década de
1950.
As mudanças presentes nos grupos escolares apontavam novos comportamentos no
cotidiano da sala de aula e na ação dos professores que se afastavam do direito de autonomia
didática e do sentimento de propriedade da escola como era tão comum nas escolas de
primeiras letras do período imperial. Pinheiro (1997, p. 141) informa que com a aplicação
desse novo modelo inaugurava-se:
Uma forma diferente de ensinar que implicava diretamente na relação entre alunos e o conhecimento que antes, na maioria das vezes, caracterizava-se pelo tédio, pavor ou monotonia. Para aprender era preciso, quase sempre, experimentar a dor, o terror, o pavor, o medo ou a humilhação. Não aprender significava vivenciar o sentimento de fracasso diante das expectativas dos colegas, do professor, da família, e, consequentemente, a humilhação. Significava, também, a possibilidade de ser punido, na maior parte das vezes, fisicamente.
Com os novos métodos utilizados nos grupos escolares, os castigos físicos eram
abolidos e as novas orientações afirmavam que a base da disciplina seria a afeição reciproca
entre os mestres e discípulos e instituíam como meios acessórios para os professores o
emprego moderado de prêmios e penas (RIO GRANDE DO NORTE, 1910).
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Dessa forma, a palmatória que representava o principal instrumento de punição
adotado no cotidiano das escolas de primeiras letras do período imperial e representava o
poder e a autoridade do professor, além de uma provável segurança de que o processo de
escolarização seria eficaz, perde seu lugar central e sua função disciplinadora. Ao menos
legalmente, os castigos físicos dão lugar a uma prática mais branda e respeitável entre
professores e alunos apresentando uma transformação de cumplicidade, respeito e afeto nas
relações que se estabelecem entre ambos. De acordo com Faria Filho (2014, p. 166), nesse
novo momento da educação primária “elogiava-se a professora que não mais empregando o
‘bolo’ conseguia conduzir sua turma com energia, carinho e sensibilidade”.
Essas novas formas de interação entre professores e alunos nos remetem as reflexões
de Magalhães (2004, p. 34). O teórico afirma que “responsabilidade e reflexividade marcam a
relação entre educador e educando, como entre mestre e discípulo, como marcam ainda a
relação do sujeito com o contexto e a apropriação da realidade objetual”.
A Diretória Geral do Departamento de Educação concebia nos documentos e planos de
ensino discussões sobre a arquitetura dos prédios escolares destacando a localização,
tamanhos, distribuição de salas, iluminação, aeração dos espaços e equipamentos com o
intuito de substituir a imagem das escolas de primeiras letras que funcionavam nas
residências dos professores, em galpões ou casebres e que existiam em função do professor,
pois, se ele fosse transferido, a escola também seria transferida. Da mesma forma, se ele fosse
destituído do cargo ou morresse, a escola fechava.
Azevedo e Stamatto (2012, p. 54), observam que a partir do estabelecimento de um
prédio para o funcionamento da escola, em caso de qualquer eventualidade com o professor
“a instituição escolar continuava presente na comunidade, não pela ação do mestre, mas pela
presença suntuosa do edifício onde funcionava a aula”. Moreira (2005, p. 40), também
afirma que o funcionamento da escola em um prédio apropriado e dotado de amplas
instalações também elevava “os edifícios escolares à altura da importância atribuída à
educação nas primeiras décadas do período correspondente à República Velha”.
Sobre o Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia, a matéria do Jornal A República
(A REFORMA DA INSTRUÇÃO PÚBLICA, 1911), informa que “O belo e elegante edifício do
grupo está situado na Rua São Paulo, em lugar seco e elevado, afastado do centro e de grande
atividade comercial e quase no meio de uma área de 52 metros de largura, por 65 metros de
comprimento” com “orientação para o norte e mede 14m.50 de largura por um comprimento
de 17m.50 e 14m.30 de altura”. A nota destaca ainda as divisões internas do grupo escolar:
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O edifício grupal tem todos os compartimentos exigidos por lei e em muito boas condições. São eles: três salas de aula, 1 no centro (a infantil) com 4m.25 de largura, 7m.10 de comprimento e 4m de altura; uma esquerda, lado oeste (classe elementar masculina) medida 8 metros de comprimento por 4m.45 de largura, e uma outra a direita, do lado nascente, que é a sala da classe elementar feminina tendo as mesmas dimensões da elementar masculina; dois vestiários, lado do norte, continuação das salas d’aula elementar, medindo cada um 4m.45 de largura por 5m.25 de comprimento; um gabinete para a diretoria e arquivo, com 2m.70 de comprimento e 4m.25 de largura, e mais um salão colocado no lado ao sul, que se presta perfeitamente ao funcionamento de uma aula com bancos individuais, tendo 2m.70 de largura por 13m.60 de comprimento correspondendo está extensão a largura do prédio. Em todos esses compartimentos há luz e ar suficientes, as duas questões capitais a se resolver no estabelecimento de ensino, pois crescido é o número de aberturas, portas e janelas, que o edifício oferece (Idem).
O lado do ocidente do grupo também apresentava cinco janelas e uma porta no centro
com passagem para o recreio dos meninos, e no lado nascente o mesmo número de janelas e
porta, que facultavam a fiscalização de ambos os recreios. No lado norte, a classe infantil
tinha uma porta e cada vestiário duas janelas. Ainda sobre as áreas destinadas ao recreio “são
muito espaçosas e divididas por um muro ao meio, com divisão para ambos os sexos, sendo
alpendradas” (Ibidem).
Os processos didáticos e metodológicos adotados nos grupos escolares expressavam
uma nova orientação pedagógica dada ao ensino que trouxe novos rumos para a educação
primária. Segundo o artigo 42 da Lei 405 de 29 de novembro de 1916 (RIO GRANDE DO
NORTE, 1916, p. 53), as lições aplicadas nos grupos escolares serão encaminhadas pelos
professores “de modo que as faculdades do alumno sejam incitadas a um desenvolvimento
gradual e harmônico, cumprindo ter em vista o desenvolvimento da faculdade de observação,
empregando-se para isto processos intuitivos”.
Para a instituição do método intuitivo nos grupos escolares era necessário uma série de
aparatos que despertassem o desejo do aprendizado pelos alunos e contextualizassem de
forma mais dinâmica a observação e a assimilação dos conteúdos colocando em circulação as
novas ideias pedagógicas despertadas pelo método. A iminência da Revolução Industrial
viabilizou a produção de novos materiais didáticos como suporte físico do método de ensino.
Saviani (2013, p. 138), informa que esses materiais, difundidos em exposições universais,
realizadas na segunda metade do século XIX com a participação de diversos países,
“compreendiam peças do mobiliário escolar; quadros-negros parietais; caixas para ensino de
cores e formas; quadros do reino vegetal, gravuras, objetos de madeira, cartas de cores para
instrução primária; aros, mapas, linhas, diagramas”.
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Os princípios do método intuitivo rejeitavam as aulas apenas expositivas com o intuito
de despertar a atenção dos alunos com perguntas e explicações, provocando a sua
participação. Azevedo e Stamatto (2012, p. 57), assinalam também que para o benefício do
método intuitivo, “a experiência baseada nos sentidos deveria ser associada à recreação e ao
prazer, estratégia para o desenvolvimento da criatividade dos alunos com o fito de levar à
educação intelectual”.
O Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia, seguindo os novos preceitos
pedagógicos, contava com a utilização de recursos que ajudavam no auxílio da aprendizagem
do aluno, como figuras, mapas geográficos e outros recursos que deixavam as salas coloridas,
alegres, propícias para o aprendizado. A professora Sinhazinha Wanderley, por exemplo,
sempre procurou desenvolver atividades prazerosas, lúdicas, trabalhando a leitura, a escrita,
a literatura, o teatro e o canto. Nessas aulas o aluno tinha a possibilidade de observar,
vivenciar, experimentar o conteúdo conforme sugere o método intuitivo (SILVA, 2010).
O novo cotidiano escolar da escola primária republicana traz a preocupação com a
higiene e a formação de um povo ordeiro, educado, organizado, limpo não só fisicamente
como também mentalmente. Segundo o Regimento Interno dos Grupos Escolares (RIO
GRANDE DO NORTE, 1925, p. 18), em seu artigo 39, “Antes do início dos trabalhos de cada
dia, haverá revistas de asseio não só do corpo, como das roupas” e expressa que era uma das
funções do professor “providenciar para que seja sanada qualquer falta que encontrar” sem
expor o aluno ao ridículo.
As orientações existentes nos documentos relacionadas aos cuidados com o corpo, com
a saúde e a higiene física e mental exerciam diversas funções e contribuíam para acabar com
os vícios, cultivar e promover atitudes saudáveis e de higiene e prevenir doenças desde a
infância. Além disso, também existia o objetivo premente de desenvolver hábitos de
civilidade e urbanidade necessários para a vida em uma sociedade moderna que o governo
republicano buscava formar.
Sobre o Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia, a matéria do Jornal A República
(1911) destacava que:
O grupo está erguido do nível do solo um metro e 90 tendo uma escadaria de sete degraus, que dá subida em frente para a aula mixta nos lados para os vestuários o porão sobre que está posto o pavimento assoalhado do edifício, possui muitos ventiladores, de sorte que, na parte inferior do prédio, o ar renova-se bem, não causando prejuízo a saúde dos que diariamente vem ao grupo. No salão do gabinete do Diretor há uma escadaria em forma de espiral, dando acesso a um sótão de um dos salões que tem 10m.10 de comprimento por 4m.25 de largura, com cinco janelas para o oeste, outras 4 para leste e duas portas com varandas para sul e mais duas para norte.
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As latrinas estão construídas de conformidade com o que recomenda o art. 50 do Cód. de Ensino, tendo uma, a dos meninos 5,50 metros de comprimento e 2,50 metros de largura e outra, a das meninas, 3 metros de largura e 5,50 metros de comprimento.
Percebemos na nota que o prédio do Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia
seguia as orientações do Regimento Interno dos Grupos e demonstrava ser um ambiente
favorável por contar com uma grande quantidade de janelas que favorecia a circulação do ar
no ambiente, além de contar com ventiladores. Essa orientação para a circulação do ar era
necessária inclusive para evitar a proliferação de possíveis doenças no espaço escolar. Os
cuidados com as concepções de higiene e saúde também ficam evidentes na descrição das
latrinas, construídas em conformidade com as recomendações do código de ensino.
A percepção desses elementos que preconizavam hábitos saudáveis e higiênicos
também exerciam sobre os alunos um papel pedagógico e disciplinar sendo levados,
inclusive, para a convivência fora do espaço escolar. De acordo com Azevedo e Stamatto
(2012, p. 31), os diversos princípios higienistas presentes nas práticas escolares
“possibilitariam às crianças o contato com um ambiente confortável e permeado de
influências positivas para o seu processo de formação, aspectos nem sempre presentes em
suas próprias residências”.
Se as escolas de primeiras letras eram marcadas por um ensino individual, com um
tempo aleatório marcado pelo ritmo da aprendizagem do aluno ou da livre decisão do
professor, no cotidiano dos grupos escolares, o emprego do tempo mostrou-se extremamente
relevante para a racionalização das atividades pedagógicas. Era necessário criar um
calendário escolar determinando início e término do ano letivo e fixando uma jornada escolar
marcada por cadencias, ritmos, intervalos e descansos num horário de aulas também
estabelecido.
Souza (1998, p. 37) chama a atenção para o fato de que esse novo formato de aplicação
da educação primária funcionava com períodos de ocupação e descanso de professores e
alunos “nos diversos momentos da aula e a fragmentação do saber em matérias, unidades,
lições e exercícios, reforçando mais os aspectos que distinguiam uma matéria da outra do que
daqueles que as aproximavam”.
Disciplinas como leitura, escrita e cálculo, já existentes nas escolas de primeiras letras,
consistiam no fundamento básico do ensino primário proposto no Programa de Ensino dos
Grupos Escolares e continuavam mostrando-se como habilidades fundamentais para a
inserção dos alunos na sociedade da escrita, além de constituir oportunidades
imprescindíveis para a formação do caráter.
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Mas são acrescidas língua materna, desenho e disciplinas acessórias seguindo um
cuidadoso processo de desenvolvimento dos conteúdos nos cursos infantil misto, elementar e
complementar de acordo com a dinâmica da seriação presente nos grupos. Eram aplicadas
aulas de canto com destaque para os hinos patrióticos e canções cívicas; leitura e escrita;
aritmética; lições de coisas que constava de constantes exercícios para cultivar os sentidos
(visão, audição, tato, olfato e paladar), valorizando a intuição como fundamento do
conhecimento, e palestras sobre objetos, animais e toda a espacialidade que estava em torno
do cotidiano dos alunos; geografia com destaque para a observação dos acidentes geográficos
próximos ao grupo escolar ou durante os passeios e excursões a lugares próximos7; história
pátria onde se destacavam os fatos e os heróis da nossa história; moral e civismo destacando
regras de comportamento e valores; desenho natural; trabalhos manuais e exercícios físicos.
Na classe feminina elementar também era inserida a disciplina economia doméstica
que trazia uma conotação explicita do modo de ser da mulher. Permeada por uma série de
conteúdos que despertassem nas meninas habilidades domésticas e formando-as para serem
anfitriãs perfeitas, boas esposas e mães dedicadas. A implantação dessa disciplina destinava-
se “a suprir um modelo de mulher idealizado pelo discurso republicano, que era o de
educadora dos filhos e futuros cidadãos, além de se pretender um traquejo social e a boa
representatividade na mulher junto ao esposo” (SILVA, 2010, p. 41).
O curso complementar, que poderia funcionar com turmas mistas, era graduado em
dois anos com uma nomeação simples ou desdobrada e disciplinas distintas. As disciplinas
do curso simples aprofundavam o programa iniciado no curso elementar. No curso
desdobrado eram ofertados estudos especiais de línguas estrangeiras, datilografia,
escrituração mercantil, noções de agricultura, zootecnia, veterinária, mecânica, eletricidade,
artes manuais, industriais ou economia doméstica.
A segunda parte do curso apresentava um perfil voltado exclusivamente para a
profissionalização dos estudantes logo que terminassem os estudos. Exatamente por isso, o
curso complementar também era chamado de integração e possibilitava o ingresso direto nas
escolas normais sem a necessidade de fazer exames de admissão. Para Souza (1998, p. 247),
assim a escola primária deixava de ser apenas a aprendizagem das primeiras letras,
7 A orientação do Departamento de Educação era de que os passeios escolares ocorressem de preferência nos campos de cultura, fábricas, estabelecimentos industriais e fazendas. Esses momentos tinham a finalidade de aproximar os alunos de realidades apresentadas durante as aulas de lições de coisas e contextualizar o aprendizado através da observação e da prática dos sentidos. Sobre os passeios escolares, o Jornal A Cidade (Apud PINHEIRO, 1997, p. 158) noticiou no dia 30 de agosto de 1925 que “O nosso Grupo Escolar realizou mais um proveitoso passeio escolar para o sítio Lagoa do Ferreiro, onde os alunos ouviram excelentes preleções sobre geografia, coisas e história local e fizeram vários exercícios educativos”.
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conferindo “ao aluno status e poderia facultar-lhe uma inserção melhor no mercado de
trabalho, atestando ao indivíduo a posse de um determinado saber”.
No final do ano letivo, que ocorria geralmente na segunda dezena de novembro, o
Departamento de Educação orientava que fossem realizadas as provas de promoção e os
exames finais dos cursos graduados. Os alunos eram cobrados por provas de caligrafia,
ditado ou redação, desenho, cálculo e outras matérias e poderiam ser considerados
habilitados com distinção, plenamente, ou simplesmente. Também eram comuns serem
realizados exames orais em que os alunos seriam questionados sobre determinados temas
por uma comissão examinadora presidida pelo diretor do grupo e composta pelo professor da
classe e de outro professor do grupo ou um estranho. As sessões constituíam acontecimentos
e momentos de visibilidade social do universo escolar, e eram acompanhadas pelos pais e
pela população tornando-se verdadeiros espetáculos nas cidades, inclusive com cobertura da
imprensa.
Os grupos escolares também diferenciam-se das escolas de primeiras letras por
explorarem disciplinas que estão relacionadas com uma formação mais integral, voltadas
para temas que ampliavam as dimensões de ensino-aprendizagem por parte dos alunos,
atentando para uma noção de aspectos diversos e a assimilação de conteúdos mais amplos.
Nesse sentido, a própria realidade social se insere no universo escolar e os modelos
formativos conformam novas ideias pedagógicas e práticas de alfabetização.
Magalhães (2004, p. 16), afirma que o conceito educação mostra-se complexo e está
sustentado numa base polissêmica. Para o teórico:
O processo educativo funciona de forma integrada e integrativa por parte dos sujeitos, no que se refere à sua construção como pessoa humana, correlacionando designadamente os quadros da pedagogia escolar e da instrução educativa, na sua internalidade e no contexto da sociedade.
Como exemplo desse novo aspecto do processo de escolarização nos grupos escolares, e
de uma educação que apresenta uma relação de internalidade e de interação com a sociedade,
podemos citar as disciplinas moral e civismo, ou instrução cívica no curso complementar, e
história pátria. Essas disciplinas tinham a finalidade de disseminar e divulgar os ideais
republicanos transformando a própria realidade social. Por meio delas, a educação era
concebida como responsável pela organização da nação, repassando valores de urbanidade e
de civilidade aos indivíduos crianças. Segundo Pinheiro (2002, p. 165), verifica-se dessa
forma, “que a preocupação em formar o indivíduo, humanizando-o, viria a consubstanciar, de
forma mais consequente, o fortalecimento da nação, da pátria”.
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As lições de moral deveriam acontecer em lugar próprio, no horário das classes,
aproveitando-se os estímulos que derivam da vida escolar, social e familiar e a oportunidade
das boas ou más ações dos alunos, estimulando e corrigindo por meio do conselho e do
exemplo. A formação do sentimento cívico deveria ser feita por meio de explicações sobre a
organização política do Brasil, do Estado e seus municípios, do exercício dos direitos e
deveres do cidadão e referências aos principais fatos da história pátria.
Mas, outros momentos também poderiam ser aproveitados para fortalecer o espírito
nacionalista e propagar os ideias de amor à pátria. Pinheiro (1997), informa que no Grupo
Escolar Tenente Coronel José Correia, durante as aulas-passeio realizadas para o Rio Açu ou
nos sítios locais, além das aulas do programa que poderiam ser aplicadas nesses momentos
como geografia e lições de coisas, os professores, juntamente com os alunos, cantavam o
Hino dos Voluntários do Norte, homenageando os irmãos Ulisses e Olegário Caldas e outros
soldados assuenses que morreram na Guerra do Paraguai8.
Os momentos de alusão aos heróis nacionais também visavam despertar nos alunos o
amor e pertencimento à pátria e a formação moral e cívica dado que os valores presentes nas
biografias dos soldados e heróis e a narração de fatos notáveis da história do país também
serviam como exemplo a ser seguido pelos alunos.
O projeto pedagógico modernizador do ideário republicano que se estabeleceu
principalmente por meio da atuação dos professores relaciona-se com a importância dada
por Magalhães (2004) para as ações dos agentes e sujeitos que participam efetivamente das
instituições educativas e agem no sentido de atingir seus intentos, demonstrando ser
necessário inferir os propósitos, as perspectivas, as formas de realização e participação e os
itinerários escolares e extraescolares.
Esse processo de consolidação dos intentos educativos citados por Magalhães
encontram expressão na ideia das práticas educativas citadas pelo próprio autor, por meio
das quais se veiculam crenças, normas, condutas, valores e capacidades apropriadas pelos
estudantes e que mantem uma estrita relação com o contexto sociocultural e político.
8 De acordo com Lima (1990, p. 145), “Na Guerra com o Paraguay, foi grande e valioso o concurso do povo do Assú, mandando em 1865, para os campos de batalha, a fina flor da sua mocidade: Ulysses Caldas, Ponciano Souto, João Perceval, Manoel Barbalho e tantos outros que se salientaram na rude peleja, em que o Brasil contou victoria, cobrindo-se de glórias militares”. O Tenente Ulisses Olegário Lins Caldas morreu no dia 7 de novembro de 1866 em plena campanha da Guerra do Paraguai e tornou-se um dos participantes mais aclamados na cidade do Assú. Seu irmão, João Perceval Caldas, foi porta-bandeira e depois alferes. Lutou contra a resistência do Forte de Humaitá, morrendo em 19 de fevereiro de 1868. Na disciplina história da pátria, o Programa de Ensino dos Grupos Escolares indicava o estudo da Guerra do Paraguai e de Ulisses Caldas e Baraúna Mossoró para o curso elementar.
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A educação tinha a finalidade de orientar e organizar diversos setores da nação através
da formação moral, incutindo valores capazes de destruir vícios, perversões e outros
malefícios que ameaçavam a moralidade social. Simonetti (1995, p. 16) acredita que para os
educadores que atuaram nos grupos escolares, espaços de transformação da própria
realidade social, “inserir-se no contexto do ensino público [...] significou não só, um feito de
caráter pessoal e individual, mas, um compromisso de cunho social com a educação de
quantos foram seus alunos, e, de seu saber, aprendizes”.
Para Faria Filho (2014, p. 38), nesse novo momento da história da educação primária
brasileira “reinventar a escola significava, dentre outras coisas, organizar o ensino, suas
metodologias e conteúdos; formar, controlar e fiscalizar a professora; adequar espaços e
tempos ao ensino; repensar a relação com as crianças, famílias e com a própria cidade”.
Desse modo, a educação também cumpre uma série de papéis e finalidades
determinadas pela sociedade e que se materializam no cotidiano escolar através de projetos,
discursos e teorias pedagógicas. De acordo com Magalhães (2004, p. 31):
[...] a analogia e idiossincracia entre formação/participação escolar e ação/participação cívica constituíram e constituem questões fundamentais na pedagogia contemporânea, podendo estabelecer-se, uma vez mais, um continuum desde a vivência e a participação escolar, como embrião da renovação das práticas sociais, até uma adaptação e submissão estreitas das práticas escolares às normas e às regras sociais vigentes”.
Conclusão
Neste trabalho, analisamos as inovações pedagógicas presentes no Grupo Escolar
Tenente Coronel José Correia, inaugurado na cidade do Assú/RN em setembro de 1911.
Tendo como modelo a educação presente no Estado de São Paulo, esses espaços educacionais
se consolidaram difundindo uma série de novos elementos e recursos pedagógicos
possibilitando um importante momento para a história da educação brasileira.
Diferentemente das propostas inovadoras do governo republicano, a escolarização
primária durante o Império foi marcada por dificuldades de consolidação de um sistema de
educação unificado que apresentava aspectos e métodos considerados rudimentares e
ultrapassados. Os principais fatores apontados nesse período são a prática dos castigos físicos
por parte dos professores, a falta de um espaço institucional que propiciava o
desenvolvimento do fazer pedagógico, dado que as aulas ocorriam geralmente nas residências
dos próprios professores ou em lugares pouco adaptados para o funcionamento de uma
escola e os poucos recursos destinados para o funcionamento das escolas de primeiras letras,
modelo educacional do Império.
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As principais inovações presentes nos grupos escolares dizem respeito ao espaço
institucional totalmente adaptado para o funcionamento de uma escola, com salas amplas e
arejadas, demonstrando o cuidado com os hábitos de higiene e a saúde dos educandos;
contando com um corpo de funcionários preparados para a relação mais afetiva que se
estabelece entre docentes e alunos e atentando para um fator determinante de
profissionalização do magistério com professores dedicados, e o diretor, responsável pelo
funcionamento dos grupos; aulas pautadas no método intuitivo, que estabelecia uma nova
relação no ensino-aprendizagem incentivando a participação dos alunos nas aulas e
estabelecendo formas mais prazerosas e lúdicas na aprendizagem; contando com uma
quantidade ampla e integral de disciplinas que destacavam inclusive uma relação mais
próxima com o contexto social, dado que uma das finalidades dos grupos escolares era
formar um novo cidadão participante e atuante nos projetos de ordem e progresso do
governo republicano, envolvido com valores de urbanidade e civilidade.
Observamos que a escolarização presente no Grupo Escolar Tenente Coronel José
Correia seguia a proposta educacional dos grupos escolares implantados pelo governo
republicano no final do século XIX, principalmente por estar orientado em diversos
documentos que regulamentavam o funcionamento da instituição, como o Regimento
Interno dos Grupos Escolares, e contar com um corpo de funcionários atuantes e
participativos, preocupados com o projeto de consolidação da educação primária republicana
e a formação de um povo ordeiro e civilizado.
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