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O GRUPO ESCOLAR FAUSTO CARDOSO NAS ESCRITAS DOS SEUS
ALUNOS: VESTÍGIOS DA “CULTURA ESCOLAR” NO JORNAL
ESTUDANTIL “O IDEAL” (1942)
Roselusia Teresa de Morais Oliveira1
O presente trabalho faz parte do projeto “A „cultural escolar‟ na imprensa
sergipana: vestígios das práticas escolares do Grupo Escolar Fausto Cardoso (1925-
1960)”2
que contou com o apoio financeiro da Fundação de Apoio à Pesquisa e à
Inovação Tecnológica do Estado de Sergipe (FAPITEC/SE), com o intuito de estimular
a pesquisa científica na educação básica. A pesquisa foi realizada de maneira colaborativa
com o envolvimento de discentes do 9º Ano do Ensino Fundamental da Escola, em Simão
Dias (SE)3.
Nesse recorte do projeto, a proposta consiste em analisar aspectos da “cultura
escolar” por meio do jornal estudantil O Ideal, publicado em 1942, e produzido pelos
alunos do Grupo Escolar Fausto Cardoso (GEFC). Assim, investigamos sua materialidade,
as seções nas quais se dividiam, as notícias e assuntos abordados pelo período estudantil.
Para alcançar os objetivos pretendidos pesquisamos documentos localizados na
própria escola, como atas, cadernetas e fotografias, bem como entrevista com uma ex-
professora, Olda Dantas, que atuou no período estudado e seu acervo pessoal. Além dessas
fontes, foi desenvolvida uma investigação e análise da imprensa sergipana, sobretudo, do
jornal “O Ideal” em diálogo com o conceito de “cultura escolar”. Para Felgueiras (2010
p. 28), ao estudarmos a cultura escolar em uma perspectiva da fenomenologia devemos:
[...] olhar os objetos como resultados de acções que incorporam interesses,
objectivos e tradições de quem os produz e de quem deles se apropria. E
isso explica-se quer a um edifício escolar quer a um manual, um
caderno de exercícios, uma lousa, um mapa, uma carteira. Estamos
perante uma dupla significação: de quem produziu os objetos para quê,
em que condições e de quem deles se apropria, para que fim, com que
interesse e como se articulam objetos com origens e
1 Professora Adjunta da Universidade Federal de Sergipe. E-mail: [email protected]. 2
Esse projeto e o presente artigo foram elaborados sob a coordenação do professor Dr. João Paulo Gama
Oliveira, da Universidade Federal de Sergipe. E-mail: [email protected]. 3
Os alunos do 9º Ano: Kelly Stephanny Freitas da Silva, Roberty Nascimento Matos Conceição e Tawane Olveira Alves foram bolsistas da FAPITEC/CNPq de setembro de 2015 a agosto de 2016.
intencionalidades diferentes num mesmo projeto escolar, local e
pessoal” (FELGUEIRAS, 2010, p. 28).
Dentro dessa perspectiva é possível entender que um periódico estudantil faz parte
desse conjunto de objetos que compõe o cenário educacional e são frutos de uma série de
ações e interesses. Os discentes quando produzem um jornal destinam o mesmo a um
determinado perfil de leitor e buscam atingir dada finalidade, muitas vezes orientados por
professores e diretores e/ou rompendo determinadas regras pata atingir seus objetivos.
Dentro do cotidiano do GEFC, poucos anos depois da sua criação estava a circular
o jornal “O Ideal” que certamente congregou intencionalidades e serviu como meio de
divulgação de alguns aspectos vivenciados no dia a dia daquela instituição educacional.
Assim, direcionamos nosso olhar para a materialidade do impresso estudantil e assim
tentamos vislumbrar elementos da “cultura escolar” presente em uma instituição de ensino
primária do interior de Sergipe no final da primeira metade do século XX. Antes disso,
situamos o leitor em traços da história do Grupo Escolar Fausto Cardoso.
Aspectos históricos do Grupo Escolar Fausto Cardoso e “vestígios” da “Cultura
Escolar”
O projeto para a criação de um Grupo Escolar na cidade de Anápolis, nome da
cidade antes da mudança para Simão Dias, existia já na segunda década do século XX.
Em Relatório para a Inspeção Pública de 23 de julho de 1913, João Esteves da Silveira,
que exercia a função de Inspetor Geral do Ensino, alertava sobre a necessidade de
criação de grupos escolares no Estado de Sergipe e prossegue “[...] notadamente de
Propriá, Estância e Anápolis, em edifícios apropriados, e satisfazendo o quanto possível
as atuais exigências pedagógicas”.
As localidades sugeridas no citado Relatório de 1913 que deveriam contar com a
presença de Grupos Escolares só foram contempladas mais de uma década depois, quando
em 1923 inaugurou-se o Grupo Escolar Gumercindo Bessa em Estância, e no
ano de 1925 iniciou-se os trabalhos do Grupo Escolar João Fernandes de Brito em
Propriá. No caso do GEFC, sua inauguração ocorreu no início de 19254.
Com relação a construção do prédio do GEFC observamos a tabela de despesas
com obras públicas examinadas por Azevedo (2009) no ano de 1924. Ali consta, entre
outras, o “Grupo Escolar Fausto Cardoso” com um gasto de 85:970$000, sendo
9:265$800 de serviço de consertos no Palácio que foi inaugurado já no governo de
Maurício Graccho Cardoso (1922-1926).
A imponência arquitetônica do GEFC pode ser vislumbrada ao localizarmos o
nome do prédio na lista dos maiores bens imóveis pertencentes ao Estado no ano de
1926. Conforme aponta Azevedo (2010), o palacete que abrigava o Grupo na praça da
Matriz da cidade de Anápolis, tinha o valor de 120:000$000. Na lista, ainda consta
outro edifício na cidade, o Quartel de Polícia na Praça da Independência com o valor de
25:000$000. O valor do prédio do Grupo em Anápolis era semelhante a outros congêneres
do interior do Estado e mesmo os da capital de Sergipe.
Em trabalho de monografia intitulado “Uma viagem pelas memórias do Grupo
Escolar Fausto Cardoso”, Verônica Silva (2009), cita que existiam dez escolas isoladas
na cidade e no interior de Simão Dias até a fundação do GEFC, sendo todas elas
incorporadas ao novo espaço para a educação. O nascimento do Grupo Escolar em foco
seria assim: “[...] um novo marco na Educação simão-diense [...] marca também uma nova
etapa na vida dessas profissionais de educação que tinha com a inserção nos grupos
a possibilidade de crescimento profissional” (SILVA, 2009, p. 35).
Outro ponto relevante concerne às práticas educativas desse estabelecimento de
ensino, pois essas não ficavam restritas ao ambiente escolar. Assim como ocorria em
diferentes locais do Brasil os alunos dos Grupos Escolares faziam apresentações fora da
instituição educacional como uma forma de legitimar-se e também reforçar o papel de
destaque que a educação exercia na República brasileira. Nesse sentido, o Jornal “A
Semana”, periódico que contava com a direção de Francino Silveira Déda e José de
Carvalho Déda, redigido e editado na própria cidade de Simão Dias, trouxe em uma das
suas manchetes:
Festival de Arte
No palco do Cine-Ipiranga, realizou-se, na noite de quinta-feira
um festival artístico infantil, promovido pelo professorado do
„Grupo Escolar Fausto Cardoso‟, em benefício da Caixa Escolar
4 Uma relação completa dos grupos escolares criados em Sergipe na primeira metade do século XX pode
ser consultada nos trabalhos de Azevedo (2009) e Santos (2013).
adstrita aquele estabelecimento. O espetáculo agradou muito,
sobremaneira o número “A Bahiana” interpretado pela menina
Maria Isabel Matos que demonstrou muita graça, naturalidade e vocação para a ribalta. Por três vezes, a platéa, entusiasmada, exigiu que a pequena “estrela” aparecesse em cena. A casa estava repleta. Na próxima terça-feira, segundo informaram-nos, o espetáculo, com novos números, será reprizado em benefício da Lira Santana (JORNAL A SEMANA, 20.10.1946, p. 1).
Nota-se como a pequena cidade tinha atrativos para a mocidade, a exemplo do
cinema e suas exibições ao longo da semana. Por outro lado, o “professorado” do GEFC
realizava eventos naquele espaço tanto para benefício da Caixa Escolar, como também
para auxiliar outras instituições como é o caso da Lira Santana. A matéria ainda traz em
destaque o nome de uma das alunas do Grupo e o entusiasmo da plateia que preencheu
os espaços para assistir ao espetáculo. Nessa mesma perspectiva, em entrevista com a
ex-professora do GEFC da década de 1940, Olda do Prado Dantas, a docente se refere
às festas do Grupo da seguinte forma:
Sete de setembro quando chegava semana da pátria, as pessoas
participavam, desfilavam nas ruas. Deve em quando também
faziam assim umas representações, no fim do ano, umas
dramatizaçõezinhas, preparava e eles representavam. Aquela
peça (DANTAS, 2016).
As fontes dialogam com a pesquisa realizada por Azevedo (2011), quando a
mesma afirma que diferentes grupos sergipanos declaravam a existência de solenidades
comemorativas alusivas ao dia 7 de setembro durante toda a Primeira República,
contando, de modo geral, com a reunião das demais escolas da cidade, palestras de
autoridades, hinos, poesias, apresentação de ginástica e desfiles cívicos. Entre esses
estabelecimentos de ensino estava o GEFC.
No tocante ao corpo docente somente localizamos os nomes de Olda do Prado
Dantas e Agnor Hora Fonseca, esta última enviou ofício para a Diretoria Geral de
Instrução em 21 de março de 1930 comunicando que deixaria o exercício da Escola da
Vila de Campo do Brito devido a uma promoção para o Grupo “Fausto Cardoso em
Anapólis”. (Ofício de Agnor Hora Fonseca, apud. AZEVEDO, 2009, p. 266).
Olda Dantas (2016), fala do Grupo Escolar como uma escola modelo que servia
como parâmetro para diferentes instituições educacionais da circunvizinhança.
Relembra dos trabalhos realizados e da alegria que era ser professora de uma instituição
reconhecida pela sociedade local. As docentes do Grupo figuravam nas notícias dos
periódicos locais, como pode ser visto a seguir: “Acha-se internada no hospital de
Cirurgia, na Capital do Estado, nossa conterrânea prof. Olda do Prado Dantas, regente
de uma das cadeiras do Grupo Escolar Fausto Cardoso” (JORNAL A SEMANA,
24.11.1946, p. 2). Já no Jornal “Correio de Aracaju”, as férias do GEFC também
viraram notícia:
Annapolis: Férias do Grupo Escolar
Não podia ter maior brilho as férias realizadas no grupo escolar
Fausto Cardoso ao tardar do dia 28 do mês passado. O seu
diretor Marcos Ferreira, lidando pelas professoras deu início ao
julgamento das provas escritas. Ao terminar falaram algumas
alunas, com dessa voltará, com elegância, mostrando assim quanto
tem lucrado intelectualmente naquela casa de ensino. Seguiu-
se uma secção de cantos, recitados monólogos que causou
bela impressão a numerosa assistência; Por último foi aberto o
amplo salão de exposição de bordados, desenhos e crochês. A
assistência afluiu, ficando surpreendida com os trabalhos,
competentemente feito pelas alunas do Grupo (JORNAL
CORREIO DE ARACAJU, 3.12.1926, p. 3).
Um periódico de circulação estadual ressalta a finalização do ano letivo no GEFC
e as atividades realizadas pelos discentes, tanto no tocante a exposições orais quanto a
trabalhos manuais eram apresentadas a sociedade de Simão Dias. Era o momento de
colocar os alunos e suas produções em uma “vitrine” para serem vistos e admirados.
Vale salientar ainda a figura das professoras, a metodologia avaliativa, além do nome do
diretor do Grupo, único nome citado na notícia que deixa explícito “a bela impressão” que
as apresentações causaram aqueles que assistiam.
O GEFC ainda guarda muitas histórias a serem reveladas, nomes e atuação dos
seus professores, itinerários dos seus alunos ali formados que seguiram carreiras em outros
espaços, a exemplo da escritora Alina Paim, sua arquitetura escolar que em pleno início
do século XXI ainda se impõe diante do conjunto urbanístico da principal praça da
cidade. Outros pontos de investigação podem ser o diálogo das práticas educativas ali
vivenciadas com os princípios escolanovistas, a formação de seus professores,
Por ora, a opção é explorar elementos da “cultura escolar” presentes nessa
nonagenária instituição educacional, para tal fim tomamos tal conceito de Dominique Julia
(2010, p. 10): “[...] como um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e
condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão
desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos” o autor ainda
acrescenta que para além dos limites da escola podemos identificar :”[...] modos de pensar
e de agir largamente difundidos no interior de nossas sociedades, modos que não
concebem a aquisição de conhecimentos e de habilidades senão por intermédio de
processos formais de escolarização (JULIA, 2001, p. 11). Certamente em um periódico
produzido por discentes do ensino primário dentro da estrutura de um Grupo Escolar de
uma cidade do interior de Sergipe podemos identificar vários conhecimentos e habilidades
desses alunos, aquisições propiciadas pela vivência dentro do espaço escolar tanto dentro
da sala de aula como fora dela. Dessa forma, analisamos o jornal “O Ideal” produzido por
alunos do GEFC.
Vestígios da “cultura escolar” no Jornal Estudantil “O Ideal” (1942)
Compreender aspectos históricos do Grupo Escolar Fausto Cardoso tomando como
núcleo informativo o jornal “O Ideal” traduz uma riqueza de discussões, de anseios, e
dos diversos embates que permearam o espaço escolar no período em questão. A
análise do jornal nos permite apreender os discursos que articulam as práticas e as
teorias e exprimem desejos para o futuro, ao mesmo tempo, denunciam as situações do
presente. Desse modo, como aponta Nóvoa (2002):
A imprensa é, provavelmente, o local que facilita um melhor
conhecimento das realidades educativas, uma vez que aqui se
manifestam, de um ou de outro modo, o conjunto dos problemas desta
área. É difícil imaginar um meio mais útil para compreender as
relações entre a teoria e a prática, entre os projectos e as realidades, entre
a tradição e a inovação [...]. São as características próprias da imprensa
(a proximidade em relação ao acontecimento, o caráter fugaz e
polêmico, a vontade de intervir na realidade) que lhe conferem este
estatuto único e insubstituível como fonte para o estudo histórico e
sociológico da educação e da pedagogia. (NÓVOA, 2002, p.31).
Dessa forma, a imprensa escrita em sua totalidade é um instrumento de pesquisa
que se apresenta como importante fonte de informação, além de oferecer muitas
perspectivas para a compreensão da História da Educação. Neste sentido, este estudo
utiliza o jornal como um dispositivo privilegiado para a reflexão sobre a “cultura
escolar” do Grupo Escolar Fausto Cardoso por meio da análise do Jornal “O Ideal”.
Conforme Rodrigues (2015): “Ao selecionar os jornais estudantis como ferramentas de
investigação, deve-se considerar que eles se demarcam como um periódico educacional
produzidos por alunos, ou seja, estes, a partir das suas apropriações dos saberes
escolares e concepções de mundo, adquiridos em seu ambiente social, produzem
escritos que o legitimam entre os seus pares” (RODRIGUES, 2015, p. 105/106).
Dentro dessa perspectiva e em diálogo com Margarida Felgueiras (2010, p 31)
quando ensina que “A cultura material escolar revela uma civilização que cria a escola e
ao mesmo tempo a sociedade que é criada pela escola” analisamos o Jornal “O Ideal”
produzido por estudantes do GEFC, no único número que localizamos datado de primeiro
de outubro de 1942, conta o nome de José R. Montalvão, como diretor, José Matias Neto
como secretário e o tesoureiro Alexandre Cardoso da Silva. Esse, estampa na capa que
trata de “Um órgão mensal do Grupo Escolar Fausto Cardoso Fundado pelo
4º Ano de 1934”.
Em quadro elaborado por Rodrigues (2015, p. 106/107) o jornal de alunos do
Fausto Cardoso figura entre os cinquenta e dois impressos estudantis que circularam em
Sergipe entre o final do século XIX e início do século XX. Cabe salientar ainda, que a
maioria de tais impressos, 24 deles, começaram a circular na década de 1930, como foi
o caso do jornal simão-diense, acrescido ao fato de ser o primeiro periódico criado por
alunos de um Grupo Escolar em Sergipe, seguido pelo Grupo Escolar General Valadão
em 1942 com o periódico “O Mensageiro da Juventude”5.
O jornal “O Ideal” de 1942 pertencia a segunda fase do periódico que teria
começado a funcionar em 1934, contando com redatores diversos. O número em
análise possui quatro páginas e se apresenta com o número 36 do Ano VIII, circulando
em 1º de outubro de 1942, contendo uma variedade de matérias e seções, como pode-se
ver no quadro a seguir:
5 Sobre Jornais Estudantis em Sergipe, ver: Vidal (2009) em análise do Necydallus, um periódico
estudantil do Atheneu Sergipense publicado no início do século XX; Souza (2010) com uma investigação
sobre o “Correio do Colegial” do Colégio Jackson de Figueiredo; Cruz (2011 ) em artigo sobre um
periódico de acadêmicos da Faculdade de Direito de Sergipe intitulado “Academvs”; Rodrigues (2015)
em Tese de Doutorado na área da História da Educação acerca o Grêmio Literário Clodomir Silva, na
qual faz um amplo estudo documental e teórico sobre os impressos estudantis em Sergipe; Rodrigues
(2016) em dissertação acerca do jornal literário e recreativo O Porvir.
Quadro 1 – Matérias do Jornal “O Ideal” – Outubro de 1942
Título da Matéria Autor (a) Assunto abordado
Reminicencias Anapolitanas – Noticiador cerimonioso
Cardê Comemoração do nascimento do príncipe regente em 21 de maio de 1869
em Anápolis.
A mulher Anapolitana José Matias Neto Apoio das mulheres da cidade de
Anápolis ao Presidente Getúlio Vargas
na luta contra o Eixo na Segunda Guerra
Mundial.
A Desobediência Marina Conceição Santos As consequências da desobediência aos pais especificamente no caso de um
banho no Rio Caicá.
Sociais Editores Alunos do GEFC que fizeram aniversário no mês de outubro.
Cordélia Editores Recepção da aluna Cordélia Sá Ferreira, afastada da instituição “depois de passar muitos dias acamada”.
Recibo José Rosa Montalvão Registra o recebimento de dezoito mil reis da caixa escolar “Prof. Alencar
Cardoso” para a impressão do Jornal “O
Ideal”.
Charadas Diógenes Carvalho Três charadas.
Caldas de Cipó Edson Freitas Descrição da cidade baiana da qual o aluno é natural.
Querida Rita Valdeci Oliveira Fonsêca Carta enviada a amiga Rita descrevendo a beleza da festa de Santana e pedindo notícias da família da destinatária.
O Brasil Franciso Teles Poesia sobre o Brasil exaltando a pátria, seus líderes como Osório e Caxias.
Segue a última estrofe do poema: “Amar a pátria é dever sagrado Que o patriotismo vem fortalecer Para que até com a nossa própria vida
Nossa bandeira possa defender”
Recordando Josefa Correia Santos Recordações de uma ex-aluna do GEFC com nome de sua professora, exames e
alegria do recebimento do diploma.
Um passeio Mariête Fonsêca Descrição da discente ao sítio do avô em um dia de domingo.
O burro e o sal Valdeci Guerra Descrição de um episódio sobre um burro, com a finalização atenta a moral da história: “Assim acontece com os manhosos”.
Redação Mariolanda Carta resposta descrevendo aspectos do a dia da discente, como ida ao teatro e
estudo para os exames.
Zaíra Oliveira Zaíra Oliveira Descrição física da discente e da vida escolar da discente com destaque para
suas aprendizagens “Apesar de pequena,
já estou lendo com desembaraço o 1º
livro “Erasmo Braga”, somo e diminuo
com facilidade”.
Os Tropeiros Alexandre Cardoso Silva Descrição do trabalho dos tropeiros como “São homens fortes, corados, robustos”
Querida Lira Conceição Carta pedindo notícias da amiga, sobretudo do seu noivado
Fonte: Quadro elaborado pelos autores com base no Jornal “O Ideal” (Arquivo da Escola Estadual Fausto Cardoso).
Pela análise do quadro percebe-se desde notícias que tratam de aspectos
históricos da cidade até a questão da política nacional e mundial apresentadas no trato
com temas relacionados a Getúlio Vargas e a Segunda Guerra Mundial. Outros
aspectos, como o cotidiano da escola salientando nomes alunos que festejam uma idade
nova ou mesmo aqueles que sabiam ler e o que liam, como é o caso descrito por Zaíra.
As qualidades das professoras, como sua bondade são ressaltados em várias partes
dos jornais, o diálogo com outros alunos fora da instituição também é referenciado
nos escritos, além do nítido trabalho de formação e disciplina desses discentes por meio
do exemplo. O texto que trata da “Desobediência” bem como do “Burro e o sal” deixam
explícitas lições que deveriam ser apropriadas pelos leitores daquele periódico e levadas
para a vida.
Em diálogo com Chartier e Cavallo (1998) é possível observar a apropriação que
esses discentes tinham daquilo que possivelmente acompanhavam pelo rádio, pelos
jornais impressos ou mesmo que seus pais ou professores comentavam. Nessa direção,
“[...] os leitores se apoderam dos livros (ou dos outros objetos impressos), dão-lhes um
sentido, envolvem-nos com suas expectativas. Essa apropriação não se faz sem regras nem
sem limites” (CHARTIER; CAVALLO, 1998, p.38). Dessa forma, a identificação do
leitor com o texto não é delimitada somente no momento da leitura, uma vez que ela
ultrapassa tal ato e se estende para a vida do leitor. Para isso, Chartier (2001) define o
conceito de apropriação do texto “no sentido de fazer algo com o que se recebe” ou
ainda, “o termo no sentido da pluralidade de usos, da multiplicidade de interpretações,
da diversidade de compreensão dos textos” (CHARTIER, 2001, p. 116).
Cabe ressaltar também aspectos da cidade de Simão Dias descritas no Jornal, desde
aspectos históricos “Reminiscencias Anapolitanas – Noticiador cerimonioso” de autoria
de “CARDÊ”, possivelmente um pseudônimo de um dos organizadores do periódico, até
aspectos da festa da padroeira, Senhora Santana, a ida ao teatro, as visitas a casa dos avós
nos sítios do interior e ainda a exaltação a pátria no poema “O Brasil”, características do
governo varguista.
Na primeira folha, localizamos duas matérias, uma delas é um texto assinado por
José Matias Neto sobre “A mulher Anapolitana”. Nesse texto observa-se uma nítida alusão
a Segunda Guerra Mundial e o apoio fornecido ao presidente Getúlio Vargas,
especialmente por meio de mulheres como Ana Nery no combate as potências do Eixo,
leiamos um trecho:
Surge, no coração de Sergipe a mulher anapolitana, fazendo
comícios, discursando, alistando-se na Cruz Vermelha
Brasileira, tudo pelo “V” da vitória e pela paz e liberdade do
Brasil. A mulher anapolitana ergue o seu grito de protesto
contra a brutesca barbaridade da 5ª coluna que indica o caminho
de nossos navios de cabotagem aos terríveis corsários do EIXO,
implantando entre nós, a dor e a desolação. [...] A mulher
sergipana homenagêa o chefe da Nação, Dr. Getúlio Vargas, todos
confiam no seu valor [...] As sergipanas seguem agora as estradas
já percorridas pelas baianas Maria Quiteria, Ana Nery e muitas
outras que souberam defender os direitos do Brasil. Pois Hitler,
quer impor a escravidão ao mundo, abolindo, na Velha Europa
que dormia tranquila sonhando com a felicidade de seus povos,
suas antigas tradições; mas há de vir o dia em que a Alemanha
será suplantada, derrotada e amaldiçoada para sempre na
memória dos povos‟ (JORNAL O IDEAL, 1942, p. 1).
Observa-se o contato dos jovens alunos do GEFC com as notícias que ocorriam
no Brasil e no mundo e além disso um explícito posicionamento a favor das ações do
presidente Vargas. O lugar da mulher na guerra e a referência a alguns exemplos de nomes
que ajudaram na luta contra as potências do Eixo também é digno de destaque. A ideia de
incentivar as leitoras anapolitanas a seguirem os passos de Ana Nery e Maria Quitéria
proporciona uma reflexão sobre os reflexos da Guerra vividos nas cidades do interior do
Brasil. Ainda entre as notícias publicadas nesse número do periódico consta um escrito
acerca da docente Agnor Hora Fonseca.
RECORDANDO
Lembro-me com saudade, do tempo feliz que passei no “Grupo
Escolar Fausto Cardoso” recebendo salutares lições de tão
abnegadas mestras: No meu último ano de estudo foi a
professora Agnor Hora da Fonseca, que além de competente é
devotada ao magistério de todo o coração. Nas proximidades
dos exames, ela desdobrava sua inteligente atividade no
interesse vivo dos seus alunos serem aprovados, e o seu esforço
teve feliz êxito. Todos receberam o almejado diploma, inclusive
eu que era a mais fraca da turma. Hoje longe do bulício da cidade,
no silêncio da vida rural, ouvindo apenas o gorgeio das aves nas
fruteiras que circundam minha singela residência, recordo-me
saudosa do Grupo Escolar “Fausto Cardoso”. JOSEFA
CORREIA SANTOS (JORNAL O IDEAL,1.10.1942, p. 2).
Com Olda Dantas, Agnor Fonseca e vários outros docentes ensinaram vários
sergipanos que conseguiram alcançar a escolarização na primeira metade do século XX.
Além das matérias descritas, o jornal ainda apresentou a receita de despesas e arrecadação
do periódico do mês de julho, bem como frases sobre o cotidiano escolar, como:
“Conselho do dia Não escrevam em má posição” ou “Livros cerrados não fazem letrados”
e ainda, “Aprende chorando e rirás ganhando”.
Pela análise exposta nota-se quantos elementos da “cultura escolar” do GEFC
podem ser questionadas e conhecidas por meio de um periódico estudantil. Contudo,
mesmo diante da importância histórica do Grupo, que está em pleno funcionamento desde
a fundação até os dias atuais, seu nome ficou inebriado na poeira do tempo dos amantes
da História. A História da Educação silencia acercas das práticas educativas existentes
nesse Grupo Escolar do interior do Estado.
Na tentativa de romper com tal silêncio a análise Jornal “O Ideal” possibilitou
conhecer elementos daquela nonagenária instituição educacional e localizar sujeitos,
práticas educativas e aspectos do cotidiano que deram vida a escola e movimentou a
cidade sergipana de Simão Dias ao longo dessas décadas do século XX.A imprensa escrita
é um importante veículo de informação, de divulgação e circulação de ideias, além disso,
têm um caráter de convencimento e visibilidade nos espaços sociais. Neste sentido, o
jornal é compreendido como um dispositivo privilegiado para a reflexão sobre o
Grupo Escolar Fausto Cardoso.
Dessa forma, o jornal estudantil, nesse caso específico, O Jornal “O Ideal” em
sua totalidade é um instrumento de pesquisa que se apresenta como importante fonte de
informação, além de oferecer muitas perspectivas para a compreensão da História da
Educação. Por meio de “O Ideal” foi possível compreender como o periódico revela
tanto um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos como
também a incorporação de comportamentos, dialogando assim diretamente com o e que
ensino Dominique Julia (2010) acerca da “cultura escolar”.
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