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     Texto Contexto Enferm, Florianópolis, 2006 Abr-Jun; 15(2):320-5.

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    O GRUPO EM SALA DE ESPERA: TERRITÓRIO DE PRÁTICAS EREPRESENTAÇÕES EM SAÚDE

    THE GROUP IN THE WAITING ROOM: TERRITORY OF PRACTICES AND REPRESENTATIONSIN HEALTH

    EL GRUPO EN SALA DE ESPERA: TERRITORIO DE PRÁCTICAS Y REPRESENTACIONES EN LA SALUD

     Enéas Rangel Teixeira 1 , Raquel Coutinho Veloso2 

    1 Enfermeiro. Psicólogo. Doutor em Enfermagem pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Prof. Titular do Departamentode Enfermagem Médico-cirúrgica da Escola de Enfermagem Aurora de Afonso Costa da Universidade Federal Fluminense (UFF).Pós-doutorando em Psicologia Clínica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

    2 Enfermeira. Especialista em Gestão em Saúde da Família. Mestranda em Enfermagem da Escola de Enfermagem Anna Nery da UFRJ.

    Endereço: Enéas Rangel Teixeira Av. Dr. Mário Viana, 405, Ap. 70324.241-000 - Santa Rosa, RJ.

    E-mail: [email protected]

    RESUMO: As atividades em sala de espera requerem conhecimentos e habilidades para lidar com osgrupos humanos. Temos como objetivos: descrever aspectos significativos de vivências em grupos desala de espera e discutir estes aspectos numa perspectiva sócio-cultural da complexidade na saúde. Trata-se de um relato de experiência de ensino de grupo em sala de espera, que se baseia em vivênciase observações docentes em unidades básicas de saúde. Esses recursos grupais favorecem o entendimentodas representações dos clientes, possibilitando a interação e o exercício de práticas educativas em saúde.

     ABSTRACT: The activities in the waiting room require knowledge and abilities in dealing with humangroups. The objectives of this study are: to describe significant aspects of experiences in waiting roomgroups and to discuss these aspects in the social and cultural perspective of complexity in health. Thisstudy is a report on the experience group teaching in the waiting room. It is founded upon teacherexperiences and observations in basic health units. These group resources favor the understanding of the clients’ representations, making the interaction and the exercise of educational practices in healthpossible.

    RESUMEN: Las actividades en sala de espera requieren de conocimiento y habilidades para lidiar conlos grupos humanos. Los objetivos fueron: describir los aspectos significativos de las experiencias en

    los grupos de la sala de espera y discutir estos aspectos en una perspectiva socio-cultural de lacomplejidad en la salud. Se trata de un relato de experiencia de enseñanza en grupo en la sala de espera,que se basa en experiencias y las observaciones docentes en las unidades básicas de la salud. Estosrecursos grupales favorecen el entendimiento de las representaciones de los clientes, favoreciendo lainteracción y el ejercicio de las prácticas educativas en salud.

    PALAVRAS-CHAVE: Edu-cação em saúde. Comu-nicação.Enfermagem.

    KEYWORDS: Health educa-tion. Communication. Nursing.

    PALABRAS CLAVE: Educa-ción en salud. Comunicación.

    Enfermería.

     Artigo original: Reflexão teóricaRecebido em: 22 de novembro de 2005.

     Aprovação final: 03 de maio de 2006.

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    O grupo em sala de espera: território de práticas...

    INTRODUÇÃO

    Neste artigo abordamos as atividades de grupode sala de espera como uma das habilidades da enfer-

    magem no contexto da educação em saúde. Trata-sede um estudo reflexivo que se baseia em vivências eobservações docentes do cotidiano do ensino univer-sitário teórico- prático de enfermagem em unidadesbásicas de saúde.

     Nesses territórios, foram realizados trabalhoscom os alunos nas disciplinas de saúde coletiva e desaúde mental, abordando diversas temáticas relaciona-das à educação em saúde nos níveis de promoção eprevenção em saúde.

    O lidar com o cotidiano das práticas de saúde

    favorece contatos com a realidade de nossa clientela,que é diversificada, envolvida por dimensões econô-micas, sociais e pluri-culturais. Com efeito, essa convi-

     vência com os usuários dos serviços de saúde envolvesaberes, práticas, mitos, tabus e representações, quefazem parte da subjetividade coletiva e que nem sem-pre compartilham com os princípios da racionalidadecientífica moderna.1 Consideramos, que esses conteú-dos precisam ser compreendidos e abordados de modosensível e instrumental na prática educativa em enfer-magem.2

    Face a essas considerações, temos como objeti- vos: descrever aspectos significativos de vivências ematividades de grupo em sala de espera, discutir estesaspectos numa perspectiva sócio-cultural da comple-xidade na saúde e refletir sobre os efeitos dessa práticano processo de educação em saúde.

     Adotamos como princípio teórico-filosófico umaabordagem da saúde enquanto uma prática da com-plexidade, atravessada pela transdisciplinaridade,deslocada da perspectiva mecanicista, dualista eracionalista das práticas de saúde.3 Buscamos compre-

    ender o humano que se faz na linguagem, tomandopor base uma abordagem amorosa e cognitiva nas re-lações dos sujeitos em grupo.4 Assim, esta abordagemtraz vários elementos do cuidado de enfermagem queenvolve a sensibilidade, o acolhimento, os aspectosinstrumentais e dialógicos com as pessoas.

    Os elementos empíricos, nos quais esse traba-lho baseia-se, provém de observações participantes emsalas de espera e dos relatos dos graduandos em enfer-magem. As salas de espera foram realizadas em unida-des básicas de saúde, nas cidades de Niterói e do Rio

    de Janeiro, no período de 1998 a 2005. A partir deregistros e observações, organizamos os conteúdos nasseguintes categorias: características da sala de espera e

    o processo de ensino-aprendizagem na sala de espera,as quais são discutidas a seguir.

    CARACTERÍSTICAS DA SALA DE ESPE-

    RA 

    Consideramos importante expor dois aspectosque envolvem essa atividade: o território e a formaçãodo grupo em sala de espera, que são elementos distin-tos, apesar de interagirem.

    O território da sala de espera é o lugar onde osclientes aguardam o atendimento dos profissionais desaúde, comumente em unidades básicas, mas tambémexiste em outros espaços de atenção em saúde, comonos hospitais públicos e privados. Percebemos que a

    sala de espera é um território dinâmico, onde ocorremobilização de diferentes pessoas a espera de um aten-dimento de saúde.

    O local da realização da sala de espera não é umespaço voltado para os profissionais de saúde, comoconsultório e enfermaria, mas um espaço público, ondeos clientes transitam e aguardam atendimento. Destemodo, as pessoas conversam, trocam experiências en-tre si, observam, emocionam-se e expressam-se, ou seja,as pluralidades emergem através do processo interativo,que ocorre por meio da linguagem.

     A priori , os clientes que estão na sala de esperanão constituem um grupo propriamente dito, mas umagrupamento.5 Geralmente, as pessoas que se encon-tram neste espaço não se conhecem e nem mantémum vínculo estável. Entretanto, quando essa atividadese instala pela iniciativa dos profissionais de saúde,comumente, forma-se um trabalho de grupo, de modosingular e específico para aquele contexto. A composi-ção das pessoas em grupo é mantida, naquele momen-to, pela iniciativa dos expositores que iniciaram o pro-cesso participativo de educação em saúde.

    Nessa interface, enquanto os clientes aguardamo atendimento, eles falam de suas aflições, de suasdoenças, da qualidade do atendimento na instituição eda vida cotidiana. Ocorre, então, uma troca de experi-ências comuns, do saber popular e das distintas ma-neiras de cuidados com o corpo, de modo que olinguajar popular interage com os saberes dos profis-sionais de saúde.

     A sala de espera, apesar de ser um lugar da ins-tituição de saúde, é um espaço popular, onde os pro-fissionais de saúde não permanecem de modo cons-

    tante. Nesse território, entre o público e o privado,aparecem subjetivações como expressões, vivências,espontaneidade e senso comum. Neste sentido, apesar

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    dos funcionários da instituição de saúde tentaremmanter a ordem nesse espaço, o controle é parcial,devido seu caráter de transitoriedade, fluxo variado econtínuo de pessoas. Entretanto, através da atividadede grupo em sala de espera, os técnicos da saúde pas-sam a se inserir nesse espaço, desterritorializando-o,podendo interagir de modo dialógico com os clientes.6

    Consideramos que não devemos nos colocar paracontrolar a forma de vida dos sujeitos, mas promovero cuidado de si e a cidadania. Com efeito, o grupo desala de espera é um recurso para tal propósito na edu-cação em saúde, que implica no manejo de saberes, narelação e em formas de cuidados.

    Sala de espera é um termo polissêmico, pois nemsempre esta atividade é realizada numa sala. Pode sernum corredor, no qual as pessoas estão sentadas aguar-dando atendimento ou mesmo pode ser realizada numlocal mais apropriado para tal fim e com sofisticadosrecursos didáticos. Assim, dependendo da unidade, estapode disponibilizar recursos como televisor, vídeo,câmera, álbum seriado, cartazes e outros.

    Nesse espaço dinâmico, ocorrem vários fenô-menos psíquicos, culturais, singulares e coletivos. Po-demos exemplificar isso diante das seguintes situa-ções: o guarda que vigia os transeuntes; o profissio-nal que chama, em voz alta, o cliente para a consulta;as crianças que choram ao serem vacinadas; as pes-soas que ficam felizes por terem sido bem acolhidase cuidadas ou que se revoltam com a qualidade deatendimento. Na instituição pública de saúde senti-mos os efeitos objetivos e subjetivos das políticaspúblicas, que se interceptam na relação entre a popu-lação e a instituição.7

    Nesse território ocorrem interações, nem sem-pre harmônicas, entre o saber oficial em saúde e opopular, nas quais as pessoas expressam suassubjetivações, formas de ser e maneira de se cuidarem.Quando entramos nesse cenário, com propósitoeducativo, identificamos as transversalidades entre asexpressões psicossociais das pessoas e linguagem téc-nica e científica.

    Destarte, os conhecimentos das ciências huma-nas e sociais são elementares para desenvolver as ati-

     vidades de educação em saúde, na qual existe a inter-seção entre os aspectos expressivos e instrumentaisdo cuidado de enfermagem, que nesse processo se fazindiretamente sobre o corpo do outro através dainteração lingüística.8

     Vale ressaltar que apesar de enfocarmos aqui ocampo de enfermagem em sala de espera, esta ativida-

    de é exercida também por outros profissionais comopsicólogos, assistentes sociais, nutricionistas, médicose outros. Estes discutem os benefícios dessas práticasnas ações de saúde.9

    Contudo, essa é uma atividade inerente à enfer-magem, a qual contribui para a promoção da saúde,prevenção de agravos e encaminhamentos para outrasatividades em saúde. Essa prática precisa ser estimula-da e adotada como um recurso teórico e prático,problematizador na formação do enfermeiro.

    O PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZA-GEM NA SALA DE ESPERA 

     A nossa prática de educação em saúde baseia-se

    numa perspectiva compreensiva e interativa, na qual énecessário enfocar a satisfação do viver, o desejo de vida dentro de um contexto sócio-cultural.10 Em razãodisso, os alunos são conduzidos a refletir sobre a ma-neira de lidar com as representações e ações do grupo.

     Tal experiência proporciona o desenvolvimento dehabilidade de se relacionar com pessoas, bem comomanejar a própria capacidade emotiva e discursiva noprocesso de comunicação.

    Nessa perspectiva, o profissional precisa ter co-nhecimento de dinâmica de grupo, sensibilidade em

    lidar com o público, trabalhar com distintas práticas erepresentações, não permitindo a intervenção de pre-conceitos em suas ações profissionais.

     A prática de ensino-aprendizagem possibilita aoaluno desenvolver sua capacidade de comunicação,interação com o cliente e práticas educativas. Não cons-titui um trabalho que leva apenas transmissão de co-nhecimento, mas o reconhecimento da realidade só-cio-cultural do sujeito, suas representações, seus con-ceitos, preconceitos e formas populares de cuidado.6

     Assim, realiza-se um contato estreito com a cultura e

    as representações dos sujeitos sobre saúde, doença ecuidados com o corpo.2

    Esse processo não se esgota meramente nummodo descritivo das representações do grupo social,mas é interativo, podendo conduzir a ações efetivas eafetivas. Portanto, há uma possibilidade de diálogo entreo saber popular e técnico-científico, incorporado pe-los atores que compõem aquele cenário, não como algorestrito, de apenas habilidades cognitivas, mas ondeexistem relações afetivas envolvendo o cliente, o alu-no e o profissional.

     A experiência em sala de espera mostra a possi-bilidade de interação dos alunos de enfermagem com

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    a clientela, muitas vezes suportando tensões e confli-tos comuns nas relações humanas. Para lidar com opublico de fato, como este se apresenta com sua lin-guagem e animosidade, precisa-se desenvolver, entãohabilidades de comunicação, de acolhimento e de in-tervenções participativas.11

    Sendo assim, os alunos passam a conhecer me-lhor os clientes no grupo, percebendo o que eles pen-sam em relação ao seu corpo e a sua saúde. Nestesentido, quando o saber popular aflora, pode-se assimrealizar um trabalho de educação em saúde, no qual ossujeitos falam e expressam seus desejos e suas neces-sidades.

     Após observarmos e refletirmos sobre as açõeseducativas em saúde, levantamos alguns tópicos paraserem abordados no ensino das atividades de grupode sala de espera, demonstrando a importância dessetrabalho.

     A preparação da sala de espera inicia-se com umadiscussão com os alunos sobre os objetivos do traba-lho, o qual está articulado com a programação peda-gógica da disciplina. Em seguida, os mesmos são ori-entados para um estudo bibliográfico sobre a temática.

     Assim, eles pesquisam sobre o conteúdo a ser aborda-do, bem como os fundamentos pedagógicos epsicossociais de grupo. Neste momento, são necessá-rios estudos sobre a saúde e qualidade de vida, conhe-cimentos e habilidades básicas para prevenir doençase agravos, bem como recursos psicológicos e antropo-lógicos para lidar com os grupos humanos.12

    O aluno prepara o recurso didático tendo comoalvo o grupo, que pode ser direcionado para o nível dedesenvolvimento humano - criança, adolescente, adul-to ou idoso - ou também, para a saúde da mulher oudo homem. Outro critério de escolha das temáticaspode se basear nos dados epidemiológicos locais, osquais enfocam a enfermidade ou agravo à saúde. Con-dições de saúde como gravidez, pós-alta e cuidadosespecíficos podem servir de critérios para escolha dasala de espera. Portanto, as características do cenáriolevam à eleição da temática que será adotada na salade espera. Evidentemente, programa-se um tempo paraos objetivos serem alcançados na atividade de sala deespera, que varia entre 20 a 50 minutos.

     A partir de então, o discente elabora o roteiro dasala de espera e organiza os recursos didáticos, quepodem ser cartazes com figuras ilustrativas com frasesou palavras explícitas, assim como panfletos e folderesinformativo-interativos sobre a temática em questão.Os conteúdos programáticos podem enfocar a pro-

    moção, a prevenção, cuidados específicos sobre deter-minados agravos, como também sobre os direitos edeveres dos usuários nos serviços de saúde, entre ou-tros temas emergentes.

    O trabalho de sala de espera, inicialmente, podegerar uma tensão emocional, que logo após um pro-cesso elaborativo e relacional docente-discente, che-ga-se à atividade interativa de educação em saúde emgrupo. Identificamos um certo desconforto dos alu-nos em se colocar para o público, o que é comum noprocesso de comunicação, principalmente quando nãose conhece a pessoa, pois surgem expectativas, fanta-sias e até mesmo preconceitos, questões que devemser trabalhadas na prática de saúde. Muitos ficam apre-ensivos no início, mas depois se soltam, quando inici-am o processo relacional com os clientes.

     As emoções que mais afloram nessa situação sãoo medo, a ansiedade, a timidez, bem como desejo dese expressar e ajudar o outro. Esses sentimentos quesurgem freqüentemente, precisam ser verbalizados etrabalhados para serem utilizados em benefício da pes-soa que está exercendo um papel profissional interativocom os clientes.

     Tal apreensão, comumente expressada pelos alu-nos, não pode ser vista como algo negativo, mas comoum processo da comunicação humana, que se defrontadiante de pessoas desconhecidas. Assim sendo, os alu-nos entram em contato com os clientes, que não os co-nhecem e isso gera nos mesmos uma certa ansiedade.

    Deste modo, os sentimentos podem neste con-texto, serem utilizados como recursos para o aluno li-dar consigo mesmo e com o outro, de modo que osaspectos instrumentais possam ser melhoroperacionalizados em conjunto com as pessoas. As-sim, torna-se importante conversar antes com os alu-nos sobre como eles prepararam o material e ouvi-loscomo eles estão se sentindo para realizar a sala de es-pera.

    Enfim, após essa etapa, os alunos são orienta-dos para observarem o ambiente, onde será realizada aatividade educativa. Em seguida, ocorre a fase de apro-ximação e apresentação para o grupo. Eles são orien-tados para se apresentarem aos clientes nominalmentee falarem sobre a instituição a que pertencem e a disci-plina que estão cursando. Logo depois, eles dizem afunção e os objetivos da sala de espera e pedem auto-rização às pessoas que ali se encontram para realizar otrabalho sobre a temática escolhida.

    Neste momento, é preciso olhar para as pessoasdemonstrando interesse e empatia, que são elementos

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    motivadores para que o grupo participe e interaja nes-se processo dialógico, no qual está em jogo a interaçãode saberes. É bom ressaltar que comumente as pesso-as aceitam bem essa atividade, interagindo com os alu-nos e sentindo-se acolhidas.

     Torna-se necessário que os discentes registremessas atividades de grupo em sala de espera no formu-lário do Sistema de Informações Ambulatoriais do Sis-tema Único de Saúde (SIA/SUS) da unidade, na medi-da em que é uma atividade de trabalho em saúde, pre-cisando ser computada, pois constitui uma produtivi-dade.

    O tema escolhido para a sala de espera é adota-do como um motivador para iniciar o processointerativo, de modo que os alunos trazem questões paraserem trabalhadas com os usuários. Estes colocam suaspercepções, sinais e sintomas de sua doença, que atéentão, os discentes viam apenas na literatura. Essesdepoimentos do cotidiano das pessoas falando de suassensações corporais enriquecem o processo de ensi-no-aprendizagem.

    Nessa atividade podemos detectar problemas desaúde, através das expressões do cliente e de sua di-mensão física e psicossocial. É possível, inclusive, le-

     vantar conhecimentos, motivações e percepções dosujeito sobre vários aspectos do cuidado com o corpo.

     A partir dessas representações, entendendo-as à luz daantropologia e da sociologia; a compreensão e as in-tervenções passam a ser apropriadas à realidade docontexto sócio-cultural do grupo que é cuidado.

    Sendo assim, os conteúdos instrumentais sãotransmitidos e assimilados de modo dialógico com osusuários nesse processo, favorecendo para que se pos-sa pedir um retorno desses conteúdos assimilados emconjunto com os alunos e clientes, de forma reflexiva.Enfim, avaliamos, interagimos, desmistificamos deter-minados tabus e entendemos as necessidades das cren-ças e a manutenção de certos mitos que fazem parteda condição humana em seu contexto sócio-cultural.

    Portanto, é preciso adotar uma linguagem sim-ples, porém não infantilizadora e nem carregada depreconceitos. Não consideramos adequado restringiràs atividades educativas em saúde a palestras, mas aum diálogo circular e dinâmico. É essencial que aspessoas falem de suas sensações, percepções, como secuidam, enfim, de suas vivências cotidianas. É bomlembrar que os profissionais de saúde, não são deten-tores de uma verdade absoluta, mas que sãofacilitadores levando a promoção da saúde por meiode uma reflexão participativa.13

    É importante que o aluno desenvolva a capaci-dade de se comunicar com o público, motivando-o aparticipar das atividades de educação em saúde. É ne-cessário que eles percebam os clientes como pessoas,cidadãos que podem se transformar e contribuir parauma mudança social e não como meros portadores demorbidades.

     Assim como a abertura de um trabalho em salade espera é essencial, seu fechamento também é im-portante, pois demonstra a concretização dos objeti-

     vos iniciais. Portanto, quando a atividade de sala deespera é finalizada, é importante agradecer a atenção eparticipação dos integrantes, de modo a favorecer apossibilidade de vínculos para futuras atividades.

    No que diz respeito à enfermagem, pode-se di-zer que esta atividade apresenta um espaço para dizer-mos quem somos, divulgarmos a profissão e mostrar-mos a qualidade do trabalho da enfermagem.

    CONSIDERAÇÕES FINAIS

     As atividades de sala de espera têm sido umaprática interessante e profícua no ensino de enferma-gem, pois permitem a interação do aluno com a cli-entela, proporcionam um trabalho educativo em saú-de, favorecem a divulgação da profissão e encami-

    nhamentos dos clientes para outras atividades emsaúde.

    Constatamos que as dificuldades encontradas,tais como um local com ruídos, muita mobilização declientes e algumas pessoas que não desejam participar,não são consideradas tão relevantes em relação às van-tagens que a sala de espera tem possibilitado à forma-ção do enfermeiro.

    Nesse campo não se trabalha só os aspectos ins-trumentais, mas também a dimensão expressiva docuidado que se processa por meio de vivências com as

    representações culturais que emergem.14

     As habilida-des desenvolvidas permitem aprimorar e desenvolveros aspectos intelectuais, emocionais e psicomotores noprocesso de formação.

     As atividades de grupo favorecem o desenvolvi-mento do sujeito, diante das diversidades e variaçõesdas características grupais. Está em foco não somenteas habilidades técnicas, mas o manejo de ações coleti-

     vas, identificando a realidade psicossocial das pessoas,seus territórios e as formas relacionais participativasde intervenção.

    Pensamos que podemos aprimorar cada vez maisessa atividade como um recurso de educação em saú-

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    de que conduz à promoção da saúde, à prevenção e aofortalecimento da cidadania.

     Através do trabalho de sala de espera é possível

    captar a clientela para as atividades de enfermagem:consulta, grupo educativo e visita domiciliar. Com efei-to, realiza-se agendamentos de consultas e encaminha-mentos para a equipe interdisciplinar. A dinâmicagrupal em sala de espera não se esgota nela mesma,mas é uma abertura de interação com a comunidade eas atividades dos profissionais de saúde. Entra em cena,neste momento, o saber técnico científico e o saberpopular, que são produções culturais, mas cada qualnorteado por determinados princípios e funções.

    O saber das ciências da saúde, de predomíniobiomédico, ainda marca os discursos das práticaseducativas em saúde. De modo correlato, a populaçãoespera de nós respostas para seu mal-estar e o quedeveriam fazer para cuidar de si. Entretanto, as pesso-as precisam ser compreendidas e acolhidas nesse pro-cesso, para que com o tempo, elas possam pensar emconjunto e desenvolver sua autonomia.

     Através dos saberes da antropologia, entende-mos que é necessário trabalhar com as diferenças cul-turais, intervindo no tecido social de modo interativoe compreensivo das diferentes práticas de saúde. Istonão é um processo tão fácil, no sentido de conduzir osalunos a pensarem, pois ainda existe uma crença vela-da ou não, de que a mera transmissão de conceitos dacultura biomédica seria suficiente para o sujeito mu-dar seu estilo de vida.

    Entretanto, o sujeito convive entre práticas e re-presentações, fazendo-se necessário uma avaliaçãodiagnóstica profícua e interativa para compreender osujeito no grupo, intervindo de modo participativo ereflexivo. Sendo assim, enfatizamos a necessidade dese trabalhar os aspectos instrumentais junto com asubjetividade do grupo, que envolve a cultura, os va-lores, a linguagem, os sentimentos e as vivências.

    Enfim, constitui um desafio para o docente tra-balhar com os alunos e clientes nesse processo quelida com práticas e representações do cuidado no pro-cesso educativo em saúde.

    REFERÊNCIAS

    1 Teixeira ER. Estética e subjetividade no cuidado com ocorpo. In: Santos I, Figueiredo NMA, Duarte MJRA,

    Sobral VRS, Marinho AM, organizadores. Enfermagemfundamental: realidade, questões, soluções. São Paulo: Atheneu; 2001. p.221-6.

    2 Teixeira ER, Figueiredo, NMA. O desejo e a necessidadeno cuidado com o corpo: uma perspectiva estética naprática de enfermagem. Niterói: EdUFF; 2001.

    3 Teixeira ER. Reflexões sobre a crise do paradigmacientífico na enfermagem. Texto Contexto Enferm. 1997Set-Dez, 6 (3): 271-90.

    4 Maturana H. Ontologia da realidade. Belo Horizonte: Ed.UFMG; 2001.

    5 Zimerman DE. Osório LC. Como trabalhamos comgrupo. Porto Alegre: Artes Médicas; 1997.

    6 Teixeira ER, Daher DV. Trabalhando com asrepresentações dos sujeitos na educação em saúde. TextoContexto Enferm. 1999 Jan-Abr; 8 (1): 312-25.

    7 Berlinguer G. Questões de vida: ética, ciência e saúde.Salvador/São Paulo/Londrina: APCE/HUCITEC/CEBES; 1993.

    8 Teixeira, ER. A subjetividade na enfermagem: discursodo sujeito no cuidado. Rev. Bras. Enferm. 2000 Abr-Jun;53 (2): 233-9.

    9 Mello Filho J, Pereira AP, Escobar ACS, Villwock CAS, Werutsky CA, Barros CASM, et al. Grupo e corpo:psicoterapia de grupo com pacientes somáticos. Porto Alegre: Artes Médicas; 2000.

    10 Teixeira ER. Representações culturais de clientesdiabéticos sobre saúde, doença e autocuidado.Rev.Enferm. UERJ. 1996 Dez; 4 (2): 163-9.

    11 Cardoso JC, organizador. Educação: razão e paixão. Riode Janeiro: Panorama/ENSP; 1993.

    12 Bezerra Júnior B, Plastino CA, organizadores. Corpo,

    afeto, linguagem: a questão do sentido hoje. Rio de Janeiro: Rios Ambiciosos; 2001.

    13 Cabral IE, Rubio TA. O método criativo sensível:alternativa de pesquisa em enfermagem. In: Gauthier JHM, Cabral IE, Santos I, Tavares CMM, organizadores.Pesquisa em enfermagem: novas metodologias aplicadas.Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1998. p.177-203.

    14 Teixeira ER. O ético e o estético nas relações de cuidadode enfermagem. Texto Contexto Enferm. 2005 Jan/Mar.14 (1): 89-95.