O Grito, conto publicado n'O Diário do Norte do Paraná

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O DIÁRIO DO NORTE DO PARANÁ Terça-feira, 27 de maio de 2014 CULTURA D3 As visões que os médicos não explicam começam assim que a ponta da agulha encosta delica- damente o sulco do vinil e a voz de Alberta Hunter toma a casa in- teira. Ela vem elegante em seus 88 anos, caminhando para um canto do palco escuro, ao lado do piano, sem que ninguém a per- ceba. Quando os músicos estão prontos, o foco de luz a coloca em cena e sua imagem estremece a plateia do Bar 150, do Hotel Mak- soud Plaza, em São Paulo. Miss Hunter é daquelas mulheres que fazem sua plateia rir e chorar com a mesma abnegação. Ela vai morrer no ano seguinte, em 17/10/1984, mas, naquela noite, se tornará eterna e assídua fre- quentadora das memórias de Julio Maria Agência Estado y Os craques da música LIVRO/MÚSICA O Zuza Homem de Mello lança “Música com Z” obra que traz entrevistas com bambas da MPB e do jazz O Seleção do pesquisador vai de Alberta Hunter, Chico Buarque e Charles Mingus, entre outros grandes BELEZA CINEMA DANÇA/ERRATA PERSONALIDADE RAP Rainha do Carneiro no Buraco, na 5ª Fábio Porchat apresenta novo projeto Maringaenses se preparam para festival Artista de rua é eleito na internet Eminem é eleito o artista preferido pelo Spotify O Município de Campo Mourão, por meio da Fundação Cultural (Fundacam) e Secretaria de Desenvolvimento Econômico, realiza no próximo dia 29, às 19h30, no Teatro Municipal de Campo Mourão, o concurso para a escolha da Rainha da 24º Festa Nacional do Carneiro no Buraco, que será realizada entre os dias 1 e 6 de julho. O objetivo do concurso é destacar a simpatia e beleza feminina da cidade. Ao todo, neste ano, serão 11 candidatas entre 16 e 22 anos. A atual rainha, que entrega a faixa este ano, é Rebeca Ferreira. O humor escrachado de Fábio Porchat está com os dias contados. Pelo menos essa é a promessa do ator em seu quinto longa-metragem, “Entre Abelhas”, que está sendo rodado no Rio de Janeiro e tem estreia programada para o fim do ano.Na história, Porchat é Bruno, que, recém-separado da mulher, Regina (Giovanna Lancellotti), volta a morar com a mãe (Irene Ravache). Em crise, conta com a ajuda do melhor amigo (Marcos Veras). Bruno tropeça no ar, esbarra no que não vê e percebe que as pessoas ao seu redor estão desaparecendo. Por falha da edição, a matéria publicada no último domingo, 25, na página d4 deste caderno de Cultura do Diário, sobre o grupo maringaense Companhia de Street Dance Tatiana Souza, foi creditada erroneamente à Agência Estado. A matéria foi redigida pela repórter Luiza Recco. A companhia, criada e dirigido pela bailarina Tatiana Souza, foi selecionada para participar do Festival de Dança de Joinville (SC), considerado o maior do mundo. O evento será realizado entre os dias 23 de julho e 2 de agosto. ///Luiza Recco. O artista de rua britânico Banksy foi eleito a personalidade do ano na internet durante a edição 2014 dos Webby Awards, que premiam todos os anos pioneiros da rede. O artista, que nunca foi formalmente identificado e vive recluso, foi recompensado por uma exposição organizada em outubro sobre as ruas de Nova York. O rapper norte-americano Eminem é o artista mais ouvido pelos usuários do maior serviço de música digital, o Spotify, segundo a empresa sueca, que comemorou seus dez milhões de assinantes pagantes.O Spotify, criado em 2008 e hoje presente em 56 países, afirma ter 40 milhões de usuários ativos. Desse total, três quartos optam pelo serviço gratuito, que inclui publicidade.Os dados publicados anteriormente datam de abril de 2013 e apontavam 24 milhões de usuários ativos pagantes. NOTÍCIAS BREVES Zuza Homem de Mello. Charles Mingus chega na ca- lada da noite. Seria apenas o contrabaixista gigante do jazz a pensar seu instrumento com a liberdade de um trompetis- ta se não saísse do toca-discos de Zuza também de outras for- mas. Já havia sido uma surpre- sa que ele, o impetuoso Min- gus, aceitasse conversar com um jornalista jovem e branco, a combinação perfeita para fazê- lo trancar a alma. Mas Mingus está ali, em uma tarde de maio de 1958, diante dos olhos in- crédulos de um garoto de 25 anos. Eles vão falar de Duke El- lington, Art Blakey, Chico Bu- arque, Hamilton de Hollanda, e Charlie Parker como se tives- sem a mesma estatura. “O que acha do desenvolvimento do contrabaixo no jazz?”, pergun- ta o jovem Zuza. “Os músicos de instrumentos de sopro, ou seja, os que são considerados gene- ricamente solistas, acham que o contrabaixo deve ser apenas um suporte rítmico para os so- listas... O público deseja ouvir o contrabaixo apenas como um instrumento sem um conceito de criação.” Vinte e um anos de- pois da conversa, Mingus seria abatido por um tipo raro de es- clerose, perderia o movimento das pernas e morreria em janei- ro de 1979, não sem antes se tor- nar outro personagem das vi- sões de Zuza. José Eduardo Homem de Mello ouve música com os olhos, sente notas com o pala- dar. Quando esteve diante de Al- berta Hunter, em 1983, já tinha pelo menos 50 anos de canções soando em sua cabeça. Hoje, aos 81, resolve generosamente com- partilhar a história que teste- munhou, organizando-a em um livro. Música com Z abrange a produção do jornalista, pesqui- sador, técnico de som, produtor, crítico, ex-contrabaixista e apre- sentador de rádio em 140 textos. São reportagens, artigos, entre- vistas e até textos feitos sob en- comendas de gravadoras para re- leases de artistas que lançavam discos. Às 19h30 desta segunda- feira, 26, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, Zuza bate um papo com o jornalista Ale- xandre Machado para marcar o lançamento. As senhas come- çam a ser distribuídas uma hora antes. A lista de entrevistados, por si, justificaria a obra. Jorge Veiga e Moreira da Silva; Itamar Assumpção; Milton Nascimen- to; Chico Buarque; Moacir San- tos; Morris Albert; Toots Thie- lemans; Joe Pass; Dizzy Gilles- pie; Maria Bethânia; Sonny Rol- lins. Música brasileira e jazz no mesmo volume. Num de seus textos, publicado pela Revista da Folha em 16/11/2003, Zuza se permite migrar para a ficção, por mais real que possa soar, e escreve sobre uma ligação te- lefônica fictícia de Elis Regina para o violonista Guinga. “De- pois de amanhã vou fazer um concerto do cacete no Lincoln Center com a Banda Mantiquei- ra, do Proveta e aquelas feras de São Paulo. Vamos quebrar tudo, deixar esses gringos fa- lando sozinhos, quero só ver a cara do (Wynton) Marsalis. Pa- rece que ele quer me convidar para cantar com a banda. E eu vou? Bicho, os caras aqui estão doidos, não tem mais cantora neste país, precisamos exportar as nossa. Vou te pedir mais um favor, me arranja uma música que eu quero mandar para a Maria Rita. O repertório dela tá mais para Grêmio que para San- tos. Ainda vou fazer um dueto com ela. Já imaginou mãe e filha cantando? As duas? Vou entor- tar ela também, não tem conver- sa, sou a maior.” LEIA, OUÇA V “Música com Z” Autor: Zuza Homem de Mello Editora: 34 (R$ 69) DREAM TEAM. O jornalista Zuza Homem de Mello; nas fotos menores, Milton, Chico, Joe Pass e Alberta Hunter. —FOTO: DIVULGAÇÂO De Passagem y - Sérgio Tavares Para mim é puro desgosto. Coisa de gente com imagens ruins na cabeça, tipo esse quadro. Penso que pode acontecer com qualquer um. Você, por exemplo, já pensou em suicídio, Marilene? O grito PINTURA Edvard pensou, por um instante, que era o fim do mundo e se sentiu pleno. Afinal seria uma morte sumá- ria e coletiva, ao contrário do longo fim elaborado em demência, que sempre previu. Loucura, isso Edvard temia. Com a morte, tinha uma relação ordinária, conhecia-a desde muito cedo. Quando tinha apenas cinco anos, perdeu a mãe. A irmã mais velha morreu aos 15 anos. Outra, a do meio, foi enterrada meses após se casar. Era habitual ele próprio estar severamente doente. Contudo, o caso que mais lhe afligia era o da irmã mais nova, a preferida Laura, internada num ma- nicômio por conta dos surtos de esquizofrenia. Portanto, quando caminhava pela doca de Oslof- jord e o céu de repente se abriu em línguas de fogo, tingindo de nuances cítricas a baía serena, debruçou-se sobre a mureta e cerrou lentamente os olhos, resignado com a partida. Não era o fim do mundo, todavia. E Edvard transformou a fervura de sentimen- tos pesados e agudos em inspiração, compondo uma série de quatro pinturas que se tornaria um marco na história da arte. Um século e meio depois, uma dessas pinturas confirmou-se a obra de arte mais cara do mundo, arrematada num leilão por 119,9 milhões de dó- lares. Outra está na Galeria Nacional de Oslo, e dois exemplares seguem expostos num museu em Tøyengata, visitado por milhões de pessoas há 50 anos. Homens e mulheres de todos os tipos. OS VISITANTES Isso é horrível! O quê? Esse quad... Essa coisa absurda. Essa coisa é considerada um ícone cultural, a mais importante obra do expressionismo. Nisso eu concordo. É tão expressiva que causa asco. Olha esses olhos esbugalhados, credo, pare- ce um fantasma! Chama-se O Grito e foi pintada em 1893, durante o movimento expressionista. Aliás, se há algo de absurdo é dar esse nome a uma pintura, algo in- capaz de produzir som. Porque é a gente quem grita, não vê? De nervoso. Pelo visto, você não gostou mesmo? Não. Eu gosto de quadros com paisagens, frutas, flores... Tipo aquele dos girassóis. Esse foi pintado por Van Gogh. Você sabia que ele cortou a própria orelha? Pois se ele arrancou uma orelha e pinta girassóis, imagina o que esse aí não fez. Ele ficou bem, apesar de tudo. Morreu aos 80 anos. Sua família, por outro lado, não foi um mo- delo de saúde. Todos morreram muito cedo, al- guns vitimados por doenças mentais. Dá para entender, está no quadro. Motivo é que não faltava. Sabe, tem uma versão da história que diz que, na verdade, a figura não está gritando, mas tapando os ouvidos contra os gritos que vêm do manicô- mio na outra margem da baía, onde a irmã do pin- tor estava internada. A baía também era conheci- da por ser um local preferido dos suicidas. Agora gosto menos ainda desse quadro. Vamos embora, Paulo Sérgio! Não sei como esse homem não tentou se matar, em vez de pintar quadros. Suicídio, geralmente, é um ato inconciliável. Para mim é puro desgosto. Coisa de gente com imagens ruins na cabeça, tipo esse quadro. Penso que pode acontecer com qualquer um. Você, por exemplo, já pensou em suicídio, Marile- ne? Eu, suicídio? Cruz credo! Pois é... Cruz credo. A

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Conto O Grito, de Sérgio Tavares, publicado n'O Diário do Norte do Paraná, em 27 de maio de 2014

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O DIÁRIO DO NORTE DO PARANÁ Terça-feira, 27 de maio de 2014 CULTURA D3

As visões que os médicos não explicam começam assim que a ponta da agulha encosta delica-damente o sulco do vinil e a voz de Alberta Hunter toma a casa in-teira. Ela vem elegante em seus 88 anos, caminhando para um canto do palco escuro, ao lado do piano, sem que ninguém a per-ceba. Quando os músicos estão prontos, o foco de luz a coloca em cena e sua imagem estremece a plateia do Bar 150, do Hotel Mak-soud Plaza, em São Paulo. Miss Hunter é daquelas mulheres que fazem sua plateia rir e chorar com a mesma abnegação. Ela vai morrer no ano seguinte, em 17/10/1984, mas, naquela noite, se tornará eterna e assídua fre-quentadora das memórias de

Julio Maria Agência Estado y

Os craques da música LIVRO/MÚSICA

Zuza Homem de Mello lança “Música com Z” obra que traz entrevistas com bambas da MPB e do jazz Seleção do pesquisador vai de Alberta Hunter, Chico Buarque e Charles Mingus, entre outros grandes

BELEZA CINEMA DANÇA/ERRATA

PERSONALIDADE

RAP

Rainha do Carneiro no Buraco, na 5ª

Fábio Porchat apresenta novo projeto

Maringaenses se preparam para festival

Artista de rua é eleito na internet

Eminem é eleito o artista preferido pelo Spotify

O Município de Campo Mourão, por meio da Fundação Cultural (Fundacam) e Secretaria de Desenvolvimento Econômico, realiza no próximo dia 29, às 19h30, no Teatro Municipal de Campo Mourão, o concurso para a escolha da Rainha da 24º Festa Nacional do Carneiro no Buraco, que será realizada entre os dias 1 e 6 de julho. O objetivo do concurso é destacar a simpatia e beleza feminina da cidade. Ao todo, neste ano, serão 11 candidatas entre 16 e 22 anos. A atual rainha, que entrega a faixa este ano, é Rebeca Ferreira.

O humor escrachado de Fábio Porchat está com os dias contados. Pelo menos essa é a promessa do ator em seu quinto longa-metragem, “Entre Abelhas”, que está sendo rodado no Rio de Janeiro e tem estreia programada para o fim do ano.Na história, Porchat é Bruno, que, recém-separado da mulher, Regina (Giovanna Lancellotti), volta a morar com a mãe (Irene Ravache). Em crise, conta com a ajuda do melhor amigo (Marcos Veras). Bruno tropeça no ar, esbarra no que não vê e percebe que as pessoas ao seu redor estão desaparecendo.

Por falha da edição, a matéria publicada no último domingo, 25, na página d4 deste caderno de Cultura do Diário, sobre o grupo maringaense Companhia de Street Dance Tatiana Souza, foi creditada erroneamente à Agência Estado. A matéria foi redigida pela repórter Luiza Recco. A companhia, criada e dirigido pela bailarina Tatiana Souza, foi selecionada para participar do Festival de Dança de Joinville (SC), considerado o maior do mundo. O evento será realizado entre os dias 23 de julho e 2 de agosto. ///Luiza Recco.

O artista de rua britânico Banksy foi eleito a personalidade do ano na internet durante a edição 2014 dos Webby Awards, que premiam todos os anos pioneiros da rede. O artista, que nunca foi formalmente identificado e vive recluso, foi recompensado por uma exposição organizada em outubro sobre as ruas de Nova York.

O rapper norte-americano Eminem é o artista mais ouvido pelos usuários do maior serviço de música digital, o Spotify, segundo a empresa sueca, que comemorou seus dez milhões de assinantes pagantes.O Spotify, criado em 2008 e hoje presente em 56 países, afirma ter 40 milhões de usuários ativos. Desse total, três quartos optam pelo serviço gratuito, que inclui publicidade.Os dados publicados anteriormente datam de abril de 2013 e apontavam 24 milhões de usuários ativos pagantes.

NOTÍCIASBREVES

Zuza Homem de Mello. Charles Mingus chega na ca-

lada da noite. Seria apenas o contrabaixista gigante do jazz a pensar seu instrumento com a liberdade de um trompetis-ta se não saísse do toca-discos de Zuza também de outras for-mas. Já havia sido uma surpre-sa que ele, o impetuoso Min-gus, aceitasse conversar com um jornalista jovem e branco, a combinação perfeita para fazê-lo trancar a alma. Mas Mingus está ali, em uma tarde de maio de 1958, diante dos olhos in-crédulos de um garoto de 25 anos. Eles vão falar de Duke El-lington, Art Blakey, Chico Bu-arque, Hamilton de Hollanda, e Charlie Parker como se tives-sem a mesma estatura. “O que acha do desenvolvimento do contrabaixo no jazz?”, pergun-ta o jovem Zuza. “Os músicos de instrumentos de sopro, ou seja, os que são considerados gene-ricamente solistas, acham que o contrabaixo deve ser apenas um suporte rítmico para os so-listas... O público deseja ouvir o contrabaixo apenas como um instrumento sem um conceito de criação.” Vinte e um anos de-pois da conversa, Mingus seria abatido por um tipo raro de es-clerose, perderia o movimento das pernas e morreria em janei-ro de 1979, não sem antes se tor-nar outro personagem das vi-sões de Zuza.

José Eduardo Homem de Mello ouve música com os olhos, sente notas com o pala-dar. Quando esteve diante de Al-berta Hunter, em 1983, já tinha pelo menos 50 anos de canções soando em sua cabeça. Hoje, aos

81, resolve generosamente com-partilhar a história que teste-munhou, organizando-a em um livro. Música com Z abrange a produção do jornalista, pesqui-sador, técnico de som, produtor, crítico, ex-contrabaixista e apre-sentador de rádio em 140 textos. São reportagens, artigos, entre-vistas e até textos feitos sob en-comendas de gravadoras para re-leases de artistas que lançavam discos. Às 19h30 desta segunda-feira, 26, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, Zuza bate

um papo com o jornalista Ale-xandre Machado para marcar o lançamento. As senhas come-çam a ser distribuídas uma hora antes. A lista de entrevistados, por si, justificaria a obra. Jorge Veiga e Moreira da Silva; Itamar Assumpção; Milton Nascimen-to; Chico Buarque; Moacir San-tos; Morris Albert; Toots Thie-lemans; Joe Pass; Dizzy Gilles-pie; Maria Bethânia; Sonny Rol-lins. Música brasileira e jazz no mesmo volume. Num de seus

textos, publicado pela Revista da Folha em 16/11/2003, Zuza se permite migrar para a ficção, por mais real que possa soar, e escreve sobre uma ligação te-lefônica fictícia de Elis Regina para o violonista Guinga. “De-pois de amanhã vou fazer um concerto do cacete no Lincoln Center com a Banda Mantiquei-ra, do Proveta e aquelas feras de São Paulo. Vamos quebrar tudo, deixar esses gringos fa-lando sozinhos, quero só ver a cara do (Wynton) Marsalis. Pa-

rece que ele quer me convidar para cantar com a banda. E eu vou? Bicho, os caras aqui estão doidos, não tem mais cantora neste país, precisamos exportar as nossa. Vou te pedir mais um favor, me arranja uma música que eu quero mandar para a Maria Rita. O repertório dela tá mais para Grêmio que para San-tos. Ainda vou fazer um dueto com ela. Já imaginou mãe e filha cantando? As duas? Vou entor-tar ela também, não tem conver-sa, sou a maior.”

LEIA, OUÇA V

“Música com Z” Autor: Zuza Homem de Mello Editora: 34 (R$ 69)

DREAM TEAM. O jornalista Zuza Homem de Mello; nas fotos menores, Milton, Chico, Joe Pass e Alberta Hunter. —FOTO: DIVULGAÇÂO

De Passagem

y-

Sérgio Tavares

Para mim é puro desgosto. Coisa de gente com imagens ruins na cabeça, tipo esse quadro. Penso que pode acontecer com qualquer um. Você, por exemplo, já pensou em suicídio, Marilene?

O grito PINTURA Edvard pensou, por um instante, que era o fim do mundo e se sentiu pleno. Afinal seria uma morte sumá-ria e coletiva, ao contrário do longo

fim elaborado em demência, que sempre previu. Loucura, isso Edvard temia. Com a morte, tinha uma relação ordinária, conhecia-a desde muito cedo. Quando tinha apenas cinco anos, perdeu a mãe. A irmã mais velha morreu aos 15 anos. Outra, a do meio, foi enterrada meses após se casar. Era habitual ele próprio estar severamente doente. Contudo, o caso que mais lhe afligia era o da irmã mais nova, a preferida Laura, internada num ma-nicômio por conta dos surtos de esquizofrenia. Portanto, quando caminhava pela doca de Oslof-jord e o céu de repente se abriu em línguas de fogo, tingindo de nuances cítricas a baía serena, debruçou-se sobre a mureta e cerrou lentamente os olhos, resignado com a partida. Não era o fim do mundo, todavia. E Edvard transformou a fervura de sentimen-tos pesados e agudos em inspiração, compondo uma série de quatro pinturas que se tornaria um marco na história da arte.

Um século e meio depois, uma dessas pinturas confirmou-se a obra de arte mais cara do mundo, arrematada num leilão por 119,9 milhões de dó-lares. Outra está na Galeria Nacional de Oslo, e dois exemplares seguem expostos num museu em Tøyengata, visitado por milhões de pessoas há 50 anos. Homens e mulheres de todos os tipos. OS VISITANTES Isso é horrível! O quê? Esse quad... Essa coisa absurda. Essa coisa é considerada um ícone cultural, a mais importante obra do expressionismo. Nisso eu concordo. É tão expressiva que causa asco. Olha esses olhos esbugalhados, credo, pare-ce um fantasma! Chama-se O Grito e foi pintada em 1893, durante o movimento expressionista. Aliás, se há algo de absurdo é dar esse nome a uma pintura, algo in-capaz de produzir som. Porque é a gente quem grita, não vê? De nervoso. Pelo visto, você não gostou mesmo? Não. Eu gosto de quadros com paisagens, frutas, flores... Tipo aquele dos girassóis. Esse foi pintado por Van Gogh. Você sabia que ele

cortou a própria orelha? Pois se ele arrancou uma orelha e pinta girassóis,imagina o que esse aí não fez. Ele ficou bem, apesar de tudo. Morreu aos 80anos. Sua família, por outro lado, não foi um mo-delo de saúde. Todos morreram muito cedo, al-guns vitimados por doenças mentais. Dá para entender, está no quadro. Motivo é quenão faltava. Sabe, tem uma versão da história que diz que, naverdade, a figura não está gritando, mas tapandoos ouvidos contra os gritos que vêm do manicô-mio na outra margem da baía, onde a irmã do pin-tor estava internada. A baía também era conheci-da por ser um local preferido dos suicidas. Agora gosto menos ainda desse quadro. Vamosembora, Paulo Sérgio! Não sei como esse homemnão tentou se matar, em vez de pintar quadros. Suicídio, geralmente, é um ato inconciliável. Para mim é puro desgosto. Coisa de gente comimagens ruins na cabeça, tipo esse quadro. Penso que pode acontecer com qualquer um.Você, por exemplo, já pensou em suicídio, Marile-ne? Eu, suicídio? Cruz credo! Pois é... Cruz credo.

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