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O GÊNERO FÁBULA: FORMAÇÃO DE LEITORES E RESGATE DE VALORES MORAIS E ÉTICOS

Autora: Marli Aparecida de Oliveira Nita 1

Orientadora: Vera Maria Ramos Pinto 2

RESUMO: Este artigo tem como objetivo apresentar relato da implementação

pedagógica , realizada no Colégio Estadual “David Carneiro”, Ensino Fundamental

e Médio, na cidade de Guapirama-Pr, com um grupo de alunos de 8º ano do Ensino

Fundamental, com base no projeto elaborado para o Programa de

Desenvolvimento Educacional – PDE/2012 do Estado do Paraná. Para a

implementação do projeto, elaborou-se um material didático por meio de uma

Sequência Didática, que teve embasamento nos estudos desenvolvidos por

representantes do interacionismo sociodiscursivo de Bronckart (1999) como também

nos estudos dos precursores da transposição didática sobre os gêneros textuais em

sala de aula Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004). Para a produção do material

didático, utilizou-se o gênero fábula como alternativa metodológica que pudesse

esclarecer, de forma dinâmica e agradável, “uma verdade” a fim de ensinar, além

das estratégias de leitura das linhas e das entrelinhas, o reconhecimento das

virtudes e dos defeitos humanos e adequá-los à moral das sociedades em suas

épocas.

Palavras-chave: Gênero Fábula; Sequência Didática; Leitura e Produção de Texto.

1. Professora da Rede Pública Estadual de Ensino do Paraná. E-mail de contato: [email protected]

2. Docente do curso de Graduação e Pós-Graduação do Centro de Letras, Comunicação e Artes, da Universidade Estadual do Norte do Paraná- UENP/ campus Jacarezinho, mestre em Estudos da Linguagem pela Universidade Estadual de Londrina. E-mail: [email protected]

1- INTRODUÇÃO

A reflexão sobre a formação do caráter e da conduta das crianças, como

também a dificuldade em inserir a prática de leitura em sala de aula guiaram

esse estudo que trabalhou com o gênero fábula. Escolhemos esse gênero por

ser um gênero de fácil compreensão e com características que vinham ao

encontro das necessidades de formar leitores e de resgatar valores morais e

éticos apresentadas no projeto. Também, um dos objetivos era levar os alunos

a fazerem uma leitura crítica da moral implícita nessa modalidade de texto e,

com isso, estimular neles a formação dos conceitos éticos e o modo como eles

distinguem o certo do errado.

Desse modo, surge a necessidade de formarmos um aluno que, além de

ser capaz de produzir e entender enunciados,seja também um sujeito ativo,

que busca sentido àquilo que lê, saindo de uma situação passiva que aceita

tudo para se tornar questionador, capaz de avaliar as situações que

caracterizam o seu contexto social.

O gênero fábula, também, foi escolhido por possibilitar o trabalho com o

imaginário dos alunos, pois as fábulas permitem uma ampla discussão sobre

questões morais e éticas que podem ser associadas à realidade na qual esse

aluno está inserido.

Segundo Bagno (2009), a fábula tem por objetivo fazer o interlocutor

reconhecer o exemplo de conduta humana ressaltada para produzi-lo e viver

em harmonia com os preceitos sociais de seu tempo.

Sendo assim, o trabalho com esse gênero foi ancorado em situações

reais de uso, através de práticas discursivas orais e escritas e de um ensino

que fosse ao encontro das necessidades e de sentidos para a vida do

estudante.

2- FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

“A leitura de mundo precede a leitura da palavra...” Essa frase de Paulo

Freire leva-nos à reflexão de que a leitura se torna prazerosa quando

associada à experiência de vida do leitor. Ou seja, tendo como pano de fundo,

o contexto sociocognitivo dos participantes da interação. Leitor, texto e

contexto em constante interação.

Sendo assim, uma leitura significativa é aquela que o leitor participa,

questiona e compartilha. Não basta ler é preciso compreender. Para Koch e

Elias (2010), a leitura de um texto exige muito mais que o simples

conhecimento linguístico compartilhado pelos interlocutores: o leitor

é,necessariamente, levado a mobilizar uma série de estratégias, tanto de

origem linguística como de ordem cognitivo-discursiva,com o fim de levantar

hipóteses, validando ou não as hipóteses formuladas, preencher as lacunas

que o texto apresenta, enfim, participar de forma ativa da construção de

sentidos.

De acordo com as autoras,espera-se que o leitor processe,

critique,desacorde ou aceite a informação que está a sua frente e usufrua ou

afaste colocando em foco os seus conhecimentos.

O aprimoramento da competência linguística do aluno acontecerá com

maior propriedade se lhe for dado conhecer, nas práticas de leituras, de escrita

e oralidade, o caráter dinâmico dos gêneros discursivos. O trânsito pelas

diferentes esferas de comunicação possibilitará ao educando uma inserção

social mais produtiva no sentido de poder formular seu próprio discurso e

interferir na sociedade em que está inserido ( DCE ,2008).

Para Marcuschi (2002), já se tornou trivial a ideia de que os gêneros

textuais são fenômenos históricos , profundamente vinculados à vida cultural e

social das pessoas. Fruto de trabalho coletivo, os gêneros contribuem para

ordenar e estabilizar as atividades comunicativas do dia a dia . São entidades

sociodiscursivas e formam a ação social incontornáveis em qualquer situação

comunicativa.

No processo de leitura, o leitor reconstrói o texto atribuindo- lhe a sua

significação. Segundo Geraldi (1984), o texto não é estanque e por isso pode

se falar em leituras possíveis.Quanto mais contato com textos o leitor mantiver,

isso o tornará um leitor maduro e mais profunda a sua compreensão dos livros,

das gentes e da vida.

Ainda, no que diz respeito aos gêneros, Bakhtin (2003) diz que são

formas como os seres humanos interagem e a comunicação acontece.

Backhtin (2003) também menciona que todos os diversos campos da atividade

humana estão ligados ao uso da linguagem. Desse modo, compreende-se

perfeitamente que o caráter e as formas desse uso sejam tão multiformes

quanto os campos da atividade humana, o que, é claro, não contradiz a

unidade nacional de uma língua. O emprego da língua efetua-se em forma de

enunciados (orais ou escritos) concretos e únicos, proferidos pelos integrantes

desse ou daquele campo da atividade humana.

Esses enunciados refletem as condições específicas e as finalidades de

cada referido campo não só por seu conteúdo (temático) e pelo estilo da

linguagem, ou seja, pela seleção dos recursos lexicais, fraseológicos e

gramaticais da língua, mas, acima de tudo, por sua construção composicional.

Todos esses três elementos – o conteúdo temático, o estilo, a

construção composicional – estão indissoluvelmente ligados no todo do

enunciado e são igualmente determinados pela especificidade de um

determinado campo da comunicação. Evidentemente, cada enunciado

particular é individual, mas cada campo de utilização da língua elabora seus

tipos relativamente estáveis de enunciados, os quais são denominados

“gêneros textuais”.

O gênero é um instrumento semiótico constituído de signos organizados

de maneira regular, este instrumento é complexo e compreende níveis

diferentes ; é ,por isso, que o chamamos por vezes de “megainstrumentos”

para dizer que se trata de um conjunto articulado de instrumentos à moda de

usina, mas, fundamentalmente, trata-se de um instrumento que permite

realizar uma ação numa situação particular (DOLZ,NOVERRAZ E

SCHNEUWLY,2004).

Conforme o que foi analisado sobre gêneros textuais, o professor de

Língua Portuguesa deve ancorar suas atividades em situações reais de uso,

através de práticas discursivas orais e escritas e oportunizar um ensino que vá

ao encontro das necessidades e que tenha sentido para a vida do estudante.

Como os gêneros são considerados megainstrumentos de ensino, devem ser

utilizados nas atividades de leitura que levem o aluno a desenvolver

competências como identificar temas, ideia central, finalidade, argumentação,

informações principais e secundárias. “Os gêneros são tidos, pois, como as

unidades concretas nas quais devem dar-se o ensino” (BAKHTIN, 2003).

Para o ensino de gênero, Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004) sugerem o

modelo de trabalho em Sequências Didáticas. Esse procedimento tem caráter

modular e leva em conta tanto a oralidade como a escrita e tem como

finalidade proporcionar ao aluno um procedimento de realizar todas as tarefas

para a produção de um gênero.

2.1- Esquema SD (Sequência Didática)

Produção inicial – Módulo I – Módulo 2 – Módulo 3 – Produção final .

1- Apresentação da produção: apresentar aos alunos o gênero escolhido para

a realização das atividades e esclarecer de maneira detalhada a tarefa de

expressão oral e escrita que irão realizar . A primeira tarefa é a produção inicial

que pode acontecer individualmente ou em grupo.

2- A primeira produção - Essa primeira fase das atividades propicia ao

professor avaliar as capacidades já adquiridas e rever as atividades e

exercícios previstos na sequência e ajustá-las de acordo com as dificuldades

apresentadas pela turma.

3- Os módulos - Os problemas que aparecem na produção inicial devemser

trabalhados, nos módulos, até que sejam superados. Podem ser vários

módulos, até que se encontrem preparados para a elaboração final do texto.

No terceiro módulo, por exemplo, o aluno já deve ter se apropriado do

conhecimento sobre o gênero em estudo e adquirido meios de observá-lo sob

vários pontos de vista. Ele pode elaborar seu glossário a respeito do gênero ou

das atividades desenvolvidas. É o momento de capitalizar todas as aquisições

feitas ao longo dos outros módulos.

4- Produção final - Na produção final, o aluno põe em prática, o que aprendeu

durante o desenvolvimento dos outros módulos. Em especial, após análise da

produção inicial. A avaliação, neste momento, é para cerificar-se do progresso

do aluno e tudo que ainda lhe falta para chegar a uma produção efetiva de seu

texto segundo o gênero pretendido.

Dessa forma, “... as Sequências Didáticas visam ao aperfeiçoamento

das práticas de escrita e de produção oral e estão principalmente centradas na

aquisição de procedimentos e de práticas” (DOLZ,NOVERRAZ ,SCHNEUWLY,

2004).

2.2 - Desenvolvimento Metodológico

Para a implementação deste projeto de leitura, escolhemos o gênero

fábula e, para isso, procuramos nos aprofundar no contexto histórico do

gênero.

De acordo com o dicionário de gêneros textuais, Costa (2009) vamos

nos ater ao clássico conceito de fábula que tem sua origem em Esopo (séc. VI

a.C) e Fedro (séc.I d.C) e foi retomada no classicismo francês , por La Fontaine.

Trata-se de uma narrativa quase sempre breve, em prosa ou , na maioria em

verso, de ação não muito tensa,de grande simplicidade e cujos personagens

(muitas vezes animais irracionais que agem como seres humanos) não são de

grande complexidade.

Aponta sempre para uma conclusão ético - moral. É um gênero de

grande projeção pragmática por seu claro objetivo moralizador e de grande

efeito perlocutório, próprio dos textos narrativos, pois vai ao encontro dos

hábitos, das expectativas e das disponibilidades culturais do leitor (COSTA,

2009).

3- IMPLEMENTAÇÃO DO PROJETO NA ESCOLA

A implementação do projeto deu-se por meio de uma Sequência Didática.

No primeiro momento, houve a apresentação do projeto à comunidade escolar

e também ao Núcleo Regional de Educação de Ibaiti.

Logo no início do ano letivo, o projeto foi apresentado aos alunos que

seriam o público-alvo, ou seja, que participariam nas atividades desenvolvidas

no decorrer da implementação. Assim que os alunos ficaram cientes da

participação deles no projeto, as atividades foram iniciadas.

Após a apresentação do projeto aos alunos, iniciamos as atividades com

uma conversação sobre o gênero fábula. Foi feito um diagnóstico para saber o

que os alunos conheciam sobre o gênero que iriam estudar. Eles deixaram

claro que já conheciam, mas muito superficialmente.

Como um dos nossos objetivos com essa atividade era o resgate de

valores, solicitamos aos alunos que pesquisassem alguns provérbios para

análise. Nesta atividade, tivemos a participação dos familiares que foram

interpelados sobre os significados que esses enunciados possuíam e quais

contribuições trariam para a vivência das pessoas.

Já, em sala de aula, aconteceu um debate interessante que serviu para

uma reflexão sobre os valores aceitos e os valores condenados pela sociedade

e também sobre atitudes comportamentais, pois alguns alunos possuíam o

hábito de se agredirem verbalmente.

Nessa discussão, eles começaram a perceber algumas atitudes

inadequadas que praticavam. O trabalho prosseguiu com leitura de fábulas. Foi

feita uma roda da leitura.Solicitamos aos alunos que trouxessem fábulas para

a leitura e também selecionamos algumas. Depois, foi feita a leitura de todas.

Após lerem, fizemos uma releitura,dessa vez, com comentários.

Para cada leitura realizada, era solicitado um aluno para comentar o que

havia entendido. No início, poucos se dispuseram a participar. Porém, até o

final, todos fizeram o seu comentário e a sua reflexão sobre a moral e as

atitudes adequadas ou não dos personagens. A partir desta atividade de leitura,

os alunos puderam conhecer um pouco melhor a estrutura do gênero em

questão.

A partir disso, foi pedida a primeira produção escrita . Apresentamos aos

alunos alguns provérbios como ponto de partida e também um roteiro de

avaliação no qual havia indicações sobre a estrutura do gênero e o que deveria

constar nessa produção.

Na primeira produção, surgiram as dificuldades: pontuação, discurso

direto, coesão,ortografia e outros. Essas dificuldades foram trabalhadas nos

módulos da SD, com as atividades de análise linguística. Nos módulos seguintes da Sequência Didática (SD), foram trabalhadas

as dificuldades apresentadas na produção inicial, assim como a interpretação e

a compreensão dos textos .

A seguir alguns textos que foram trabalhados.

Texto 1 : A coruja e a águia

Monteiro Lobato

A coruja e a águia, depois de muita briga, resolveram fazer as pazes.

__ Basta de guerra __ disse a coruja.

_O mundo é grande, e tolice maior que o mundo é andarmos a comer os

filhos uma da outra.

__Perfeitamente __ respondeu a águia. __Também eu não quero outra

coisa.

__Neste caso combinemos isto: de ora em diante não comerás nunca os

meus filhotes.

__Muito bem. Mas como posso distinguir os teus filhotes?

__ Coisa fácil. Sempre que encontrares uns borrachudos lindos, bem

feitinhos de corpo, alegres, cheios de uma graça especial que não existe em

filhotes de nenhuma outra ave, já sabes, são os meus.

__ Está feito! __ concluiu a águia.

Dias depois, andando à caça, a águia encontrou um ninho com três

monstrengos dentro, que piavam de bico aberto.

__ Horríveis bichos __ disse ela . __ Vê-se logo que não são os filhos da

coruja.

E comeu-os.

Mas eram os filhos da coruja. Ao regressar à toca, a triste mãe chorou

amargamente o desastre e foi ajustar com a rainha das aves.

__ Que ? __ disse está, admirada. __ Eram teus filhos aqueles

monstrenguinhos? Pois olha, não se pareciam nada com o retrato que deles

me fizeste...

Moral: Para retrato de filho, ninguém acredite em pintor pai.

Lá diz o ditado: quem ama o feio, bonito lhe parece.

Com a leitura deste texto, fizemos as atividades de compreensão e

interpretação como também uma referência, uma reflexão sobre amor paternal.

Vimos que, para os pais, os filhos são sempre lindos e perfeitos. Trabalhamos

os personagens e as vozes presentes no texto.

Texto 2: A Queixa do Pavão

Esopo

O pavão veio queixar-se à deusa Juno. Queria saber por que razão o

rouxinol havia de cantar melhor que ele.

__Não te preocupes __ disse a deusa. __ Tu não sabes cantar. É certo,

mas tuas penas são tão formosas, cheias de olhos que parecem estrelas.

Todos os animais invejam a tua beleza.

Porém ao pavão não restava consolo .

__Não me interessa a beleza, mais valera saber cantar __ retrucou o

pavão.

Ao que Juno retrucou irritada:

__Não podes querer ter de tudo. O rouxinol tem o canto, a águia tem a

força e tu tens a formosura. Segura tua língua tola e contenta-te com tuas

dádivas.

Moral: Não discuta com a Natureza

Nesta leitura, aproveitamos para reconhecer as características de cada pessoa

e a valorizá - las. Aprender a gostar de si com suas qualidades e defeitos, pois

todos nós temos nosso valor.

TEXTO: A CIGARRA E AS FORMIGAS

Monteiro Lobato

I - A FORMIGA BOA

Houve uma jovem cigarra que tinha o costume de chiar ao pé dum

formigueiro. Só parava quando cansadinha; e seu divertimento então era

observar as formigas na eterna faina de abastecer as tulhas.

Mas o bom tempo afinal passou e vieram as chuvas. Os animais todos,

arrepiados, passavam o dia cochilando nas tocas.

A pobre cigarra, sem abrigo em seu galhinho seco e metida em grandes

apuros, deliberou socorrer-se de alguém.

Manquitolando,com uma asa a arrastar, lá se dirigiu para o formigueiro.

Bateu -tique, tique, tique...

Aparece uma formiga friorenta, embrulhada num xalinho de paina.

__Que quer? __ perguntou, examinando a triste mendiga suja de lama e

a tossir.

__Venho em busca de agasalho. O mau tempo não cessa e eu...

A formiga olhou-a de alto a baixo.

__E que fez durante o bom tempo, que não construiu sua casa?

A cigarra, toda tremendo, respondeu depois dum acesso de tosse.

__Eu cantava, bem sabe...

__Ah!... exclamou a formiga recordando- se. Era você então quem

cantava nessa árvore enquanto nós labutávamos para encher as tulhas?

__Isso mesmo, era eu...

__Pois entre, amiguinha! Nunca poderemos esquecer as boas horas que

sua cantoria nos proporcionou. Aquele chiado nos distraía e aliviava o trabalho.

Dizíamos sempre: que felicidade ter com vizinha tão gentil cantora! Entre,

amiga, que aqui terá cama e mesa durante todo o mau tempo.

A cigarra entrou, sarou da tosse e voltou a ser a alegre cantora dos dias

de sol.

II- A FORMIGA MÁ

Já houve, entretanto, uma formiga má que não soube compreeder a

cigarra e com dureza a repeliu de sua porta.

Foi isso na Europa, em pleno inverno, quando a neve recobria o mundo

com seu cruel manto de gelo.

A cigarra, como de costume, havia cantado sem parar o estio inteiro, e o

inverno veio encontrá-la desprovida de tudo, sem casa onde abrigar-se, nem

folhinhas que comece.

Desesperada, bateu à porta da formiga e implorou __emprestado, notem!

__uns miseráveis restos de comida. Pagaria com juros altos aquela comida de

empréstimo, logo que o tempo o permitisse.

Mas a formiga era uma usuária sem entranhas. Além disso, invejosa. Como

não soubesse cantar, tinha ódio à cigarra por vê-la querida de todos os seres.

__Que fazia você durante o bom tempo?

__Eu... cantava!...

__Cantava? Pois dance agora, vagabunda! __ e fechou-lhe a porta no

nariz.

Resultado: a cigarra ali morreu entanguidinha; e quando voltou a primavera, o

mundo apresentava um aspecto mais triste, que faltava na música do mundo o

som estridente daquela cigarra morta por causa da avareza da formiga. Mas se

a usurária morresse, quem daria pela falta dela?

Moral: OS ARTISTAS, POETAS, PINTORES MÚSICOS, SÃO AS CIGARRAS

DA HUMANIDADE.

Com estes dois textos, trabalhamos os valores como: amor ao próximo,

solidariedade, respeito, reforçando a ideia do quanto uma pessoa necessita

da outra. Ressaltamos, ainda, a importância do trabalho em grupo.

Dando sequência às atividades, elaboramos alguns exercícios que

contemplassem as dificuldades percebidas na produção inicial, tais como:

repetição de termos desnecessários, trocando- os por pronomes, recursos de

pontuação ou omissão de palavras, concordâncias verbais e nominais; estudo

das vozes presentes no texto (tipo de narrador,discurso direto e indireto).

Todos os exercícios foram usados como complemento das atividades

sugeridas na Produção Didático- Pedagógica.

Para uma melhor compreensão do gênero, os alunos assistiram a um

vídeo, na TV pendrive, das fábulas A cigarra e a formiga e da Lebre e a

tartaruga. Visitamos, também, um projeto de leitura que acontece em uma

cidade vizinha. As professoras, da sala de leitura, apresentaram os trabalhos

que costumam realizar com as crianças daquela escola.

Essas professoras, depois, juntamente com alguns de seus alunos,

caracterizaram- se e fizeram uma apresentação da fábula A Raposa e o Leão

com mensagens de honestidade, respeito e solidariedade. Essa visita

enriqueceu de forma elucidativa o conhecimento dos visitantes .

Nas atividades seguintes, formaram- se grupos onde os alunos

selecionaram algumas fábulas para a produção de “maquetes”. Essa produção

contribuiu na aquisição de conhecimento sobre a parte estrutural e a perceber

a moral implícita nesta modalidade de gênero. As fábulas selecionadas foram:

O sapo e o boi, A raposa e a uva, O cachorro na manjedoura, A lebre e a

tartaruga, O lobo e o cordeiro.

Durante a exposição desse trabalho, os alunos- autores ficaram à

disposição para explicar aos alunos visitantes a importância da leitura, o que é

uma fábula e a moral implícita nesse gênero.

Abaixo a ilustração das maquetes:

Após feito todo o reconhecimento do gênero: contexto de

produção,estrutura composicional, estilo, chegamos à última etapa da SD:

produção final do gênero fábula. Este foi o momento em que os alunos

colocaram em prática os conhecimentos adquiridos e indicaram quais e

quantos conteúdos foram apropriados.

Essa prática possibilitou- nos observar se o que os alunos produziram foi

coerente com a proposta de produção do gênero solicitada e programar

continuidade do trabalho, possibilitando eventuais retornos às partes mal

escritas na construção da estrutura composicional do gênero fábula, bem como

de seu conteúdo temático. A produção final foi revisada, reelaborada, editada e

encadernada.

No encerramento da implementação da Produção Didático-Pedagógica,

houve apresentação com os alunos dramatizando, declamando, explorando

fábulas no teatro com fantoches, exposições das maquetes e as produções

encadernadas do texto final. Isso ocorreu com a presença de alguns pais, a

comunidade escolar (alunos, diretores e as coordenadoras pedagógicas).

A produção final dos alunos foi entregue a eles. Foi deixada uma cópia

para o acervo da biblioteca e outra para a coordenação.

Também, durante o desenvolvimento das atividades pedagógicas do

projeto, realizou-se o GTR (Grupo de Trabalho em Rede). Foi um desafio como

professor tutor, porém enriquecedora essa troca de experiência. As discussões

e sugestões foram todas de muita relevância e trouxeram imensa contribuição

para a realização da implementação do projeto. Todos os participantes

deixaram suas experiências e contribuições.

A seguir, apresentamos o relato que um dos participantes do GTR nos

enviou:

“Professora Marli, toda troca de experiência nos alarga horizontes e, seu

Projeto de Intervenção Pedagógica foi relevante para minha prática pedagógica.

Relato essa minha experiência, devido à grande importância da leitura

como base na aprendizagem para o desenvolvimento do raciocínio, uma

melhor interpretação que possibilita ao aluno uma visão da sociedade atual.

Enriquecendo assim, sua cultura, exercitando a memória e ampliando seu

vocabulário. Portanto, aprimorar a competência do educando na leitura, fala e

na escrita é, evidentemente, objetivo maior do ensino de Língua Portuguesa.

Nesse sentido, trabalhei com resgate de valores e incentivo à leitura com

o gênero fábula , “ Hora da contação das fábulas” lidas em roda da leitura.

Procedimento do trabalho:

1º - Motivação à leitura, objetivos propostos e procedimentos das atividades .

2º - Organizei o material de leitura (fábulas) e o ambiente bem agradável para

hora leitura, assim que leram suas histórias foram contando as fábulas e

observando os personagens , autor , moral da história...

3º - Após tudo isso, foi escolhido a fábula “O homem e o rato”, realizada leitura

e análise de reflexão , interpretação oral e escritas , desenhos etc.

4º - Organizei uma caixa com os títulos das fábulas lidas, nomes de

personagens relacionados à história, moral da fábula e outras questões de

acordo com o gênero em estudo.

5º - Momento das atividades (gincana cultural) os alunos formaram duas

equipes, posicionados em filas sentados um atrás do outro. Em ordem, foi

chamado um de cada grupo para responder questões sorteadas, vencendo,

então, a equipe com maior número de acertos.

Essa foi uma experiência que realizei no „ 7º Ano‟, muito trabalhoso, mas

valeu a pena, por ter sido uma maneira de trabalhar a leitura como um todo,

com objetivos claros ao aluno .

Professora Marli, gostei muito de ter participado desse seu maravilhoso

Projeto de Estudo!

Abraços e Boa Sorte.”

4- ANÁLISE DOS RESULTADOS

A produção Didático-Pedagógica foi desenvolvida com o objetivo de

formar leitores e resgatar valores morais e éticos. As atividades preparadas

para alunos de 8º ano foram direcionadas a levá-los a refletirem sobre suas

atitudes, condutas e, por conseguinte, a uma mudança de comportamento.

O gênero escolhido, a fábula, leva a essa reflexão e os alunos, muitas

vezes, têm o próprio professor como espelho. Desse modo, a atitude do

educador é fundamental para que as mudanças se concretizem na vida dos

alunos. Com as atividades que realizamos, foi nos possível constatar que o

trabalho com os provérbios e as leituras das fábulas contribuíram nas

mudanças de atitudes desses alunos, sendo o exemplo e o agir do professor

muito importantes para que eles chegassem a um patamar de reflexão mais

profunda do certo e do errado.

Como é sabido, hábitos e comportamentos não são mudados de uma

hora para outra e sim gradativamente. Logo, os resultados foram

surpreendentes. As agressões diminuíram, o desenvolvimento nas leituras e a

facilidade de compreensão e produção tiveram um grande avanço. Os alunos

tornaram-se mais questionadores.

Esse é um trabalho contínuo, não estanque. Conforme Paulo Freire

disse “Não há vida sem correção,sem ratificação.” Portanto, estímulos e

projetos de leitura são necessários para inserir mudanças na vida dos

estudantes. Assim, por meio deles, consequentemente, muitas mudanças

poderão ocorrer na sociedade.

5- CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Projeto PDE ampliou nossos conhecimentos, levando-nos a refletir

sobre mudanças de atitudes frente ao magistério. Estes dois anos de estudo,

ou seja, de formação continuada, contribuíram muito para uma melhoria na

metodologia em sala de aula, para uma transformação em nossa prática em

sala de aula.

Isso nos fez perceber que só mudamos quando entendemos e

apropriamo-nos de teorias adequadas à natureza da linguagem. A formação

continuada, com fundamentação teórica bem elaborada, provoca mudanças no

agir, no pensar e causa impacto na educação.

Portanto o Programa de Desenvolvimento da Educação (PDE) é muito

importante porque socializa e valoriza todo conhecimento produzido por nós,

professores da rede pública, e beneficia outros professores e os alunos com a

melhora da qualidade da educação. A participação em programas como o PDE

e a realização de projetos pedagógicos valem muito a pena!

Assim, encerramos esse artigo com uma citação de Nélson Mandela: “A

educação é a arma mais poderosa que você pode usar para mudar o mundo” .

6-REFERÊNCIAS

BAGNO,Marcos. Fábulas fabulosas, in: RODELLA, Gabriela; NIGRO,Flávio; CAMPOS,João. Português a arte da palavra, 6º ano, 1ª ed. São Paulo,2009.

BAKHTIN, Mikhail. Gêneros do discurso. In: Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

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COSTA, Sérgio Roberto. Dicionário de gêneros textuais. 2 ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009.

DOLZ, Joaquim; NOVERRAZ, Michele; SCHNEUWLY, Bernard. Sequências didáticas para o oral e a escrita: apresentação de um procedimento. In: SCHNEUWLY, Bernard;DOLZ, Joaquim. Gêneros orais e escritos na escola. Tradução de Roxane Rojo e Glaís Sales Cordeiro. Campinas, SP: Mercado das Letras, 2004.

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SOLÉ, Isabel. Estratégias de leitura. Trad. Claúdia Schilling. 6. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.