O GALO BRANCO DE SÃO GONÇALO DO AMARANTEze... · Ao longo dos anos a produção de artesanato em...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIENCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
DEPARTAMENTO DE ARTES
CURSO DE LICENCIATURA EM ARTES VISUAIS
O GALO BRANCO DE SÃO GONÇALO DO AMARANTE:
HISTÓRIA E IDENTIDADE
NATAL
2013
2
LEÍZE MARIA DOS SANTOS DE SÁ
O GALO BRANCO DE SÃO GONÇALO DO AMARANTE:
HISTÓRIA E IDENTIDADE
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à
Universidade Federal do Rio Grande do Norte como
requisito parcial para obtenção do título de Licenciado em
Artes Visuais.
Orientador
Prof. Dr. Vicente Vitoriano Marques de Carvalho
NATAL
2013
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LEÍZE MARIA DOS SANTOS DE SÁ
O GALO BRANCO DE SÃO GONÇALO DO AMARANTE:
HISTÓRIA E IDENTIDADE
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à
Universidade Federal do Rio Grande do Norte como
requisito parcial para obtenção do título de Licenciado em
Artes Visuais.
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. Vicente Vitoriano Marques de Carvalho
Orientador
Profa. Dra. Nivaldete Ferreira da Costa
Profa. Dra. Evanir de Oliveira Pinheiro
NATAL, 11 de dezembro de 2013.
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AGRADECIMENTOS
Depois de seis anos de esforço, dos quais este trabalho é apenas uma página –
como a que encerra um capítulo, agradeço especialmente à minha família, pelo
apoio constante e irrestrito que me acompanha desde o momento em que escolhi a
Arte como projeto de vida;
À Mayara Silva por tudo, desde os ouvidos e olhos atentos às minhas necessidades
de puxões de orelha, até o socorro nas horas em que a falta de tempo e energia me
impediram de fazer melhor. Esta conquista também é tua!
À Alana Bezerra, Cristiane Cavalcante e Gabriela Rebouças, que dividiram comigo
todas as dores e delícias que a graduação nos ofereceu e me ajudaram a seguir em
frente e das quais jamais esquecerei.
Ao Prof. Dr. Vicente Vitoriano Marques de Carvalho, pelo exemplo de Artista e
Professor que é. Obrigada por ter acreditado neste trabalho!
Agradeço também a todos os professores e professoras que me ajudaram durante
toda a graduação, sem a disponibilidade de vocês nada disso seria possível. Enfim,
agradeço a todos que me acompanharam e incentivaram por todos esses anos. Eu
nunca teria conseguido sozinha. Muito obrigada!
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RESUMO
Esta pesquisa tem o caráter de registro e divulgação de um símbolo da arte popular
norte-rio-grandense, tão representativo da cultura do povo potiguar – o Galo Branco.
Para tanto, foram realizadas pesquisas bibliográficas e entrevistas com moradores
da localidade onde foi criado, a fim de se fazer um registro histórico sobre seu
surgimento e valorização artístico-cultural. Além de contribuir, observando o
tratamento que lhe é dispensado hoje enquanto símbolo cultural, apontando
medidas que o façam voltar novamente ao lugar de destaque na cultura popular do
Estado do Rio Grande do Norte.
Palavras-chave: Arte popular norte-rio-grandense; Galo Branco; Símbolo cultural;
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Galo de Barcelos; Galo clássico, c.1950
Figura 2 - Galo Branco; Acervo particular de José Alaí de Souza
Figura 3 - Antônio Soares ao lado de uma espécie de forno para queima das peças
Figura 4 - Maria das Neves Felipe (Dona Neném)
Figura 5 - Primeira Praça de Cultura - 1961
Figura 6 - Cartaz da Festa do Folclore Brasileiro de 1975
Figura 7- Cartaz da II Semana de Cultura Nordestina de 1979, com o Galo Branco
estilizado.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..........................................................................................................07
1. O Galo e seus significados ................................................................................08
1.1 A como símbolo ..................................................................................................08
1.2 O Galo no Brasil .................................................................................................10
2. O Galo Branco em São Gonçalo do Amarante ................................................11
2.1 Antônio Soares e a bilha em forma de galo .......................................................12
2.2 Dona Neném e o Galo Branco ...........................................................................15
3. Os folcloristas e a ascensão do Galo Branco a ícone da arte popular norte-rio-grandense .....................................................................................................16
4. Galo Branco: memória e identidade na atualidade ........................................19
5. Considerações finais .........................................................................................20
REFERÊNCIAS
ANEXOS
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INTRODUÇÃO
“Objetos culturais são aqueles aos quais o homem acrescentou a marca de sua
individualidade, objetos que passaram da natureza para a sociedade, numa trajetória do dado ao
construído, num trabalho de valoração evidente, numa transposição progressiva da categoria natural
para a categoria cultural.”
Ao longo dos anos a produção de artesanato em argila no município de
São Gonçalo do Amarante, especialmente no distrito de Santo Antônio do Potengi,
tornou-se uma das mais importantes e caracterizadoras da arte popular no estado do
Rio Grande do Norte, tendo figurado nas logomarcas do artesanato estadual em
feiras nacionais e internacionais, como nas edições de 2012 e 2013 da FIART –
Feira Internacional de Artesanato. O que é pouco lembrado é o fato de que não é a
primeira vez que o artesanato de São Gonçalo representa a cultura norte-rio-
grandense em eventos desse tipo, que tratam de cultura popular em todas as suas
expressões. Nas décadas de 70 o dito Galinho foi o “garoto propaganda” da Festa
do Folclore Brasileiro e da II Semana de Cultura Nordestina (imagens 6 e 7).
Nesse contexto de identificação da cultura potiguar, dentre tantos
exemplos que figuram na produção de peças em argila de São Gonçalo, o maior e
mais significativo é o Galo Branco, Galo de Dona Neném ou Galinho Branco de São
Gonçalo, que, descoberto pelos folcloristas de Natal, tornou-se o maior
representante da arte popular do estado. E hoje, perdidos os registros desse
“achado”, tem-se a impressão que junto com eles também se perdeu a importância
desse ícone da cultura potiguar que, embora identifique um estado quanto às suas
manifestações artísticas populares, ao longo dos anos foi sendo esquecido a ponto
de nem os próprios são-gonçalenses terem, de fato, o conhecimento de sua
importância histórica para a cultura, nem de sua cidade nem de seu estado. Assim, a
pesquisa aqui apresentada tem o caráter de registro e divulgação de um símbolo da
arte popular norte-rio-grandense, tão representativo da cultura do povo potiguar.
Para tanto, foram realizadas pesquisas bibliográficas a fim de se fazer um breve
registro histórico sobre seu surgimento e sua valorização artístico-cultural.
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1. O Galo e seus significados
Para que seja dado início ao estudo sobre o Galo Branco de São Gonçalo
do Amarante, é preciso antes fazer uma pequena panorâmica sobre o significado da
figura do animal galo, que está presente tanto na Bíblia quanto em histórias e lendas
populares de várias partes do mundo – independente dos textos evangélicos, e do
galo enquanto patrimônio cultural de determinados lugares, como símbolo de
identidade de uma determinada região ou país, como acontece em São Gonçalo do
Amarante e, por extensão, no estado do Rio Grande do Norte.
1.1 O Galo como símbolo
O primeiro galo que surge na memória, logo que pensamos em galo como
figura representativa, é o galo evangélico. Aquele que, cumprindo a profecia feita por
Jesus, por ocasião das investidas de Pedro em tentar livrá-lo da prisão, cantou
assim que o apóstolo negou o Cristo pela terceira vez, fazendo-lhe lembrar das
palavras do seu mestre.
“Eles prenderam Jesus e o levaram, conduzindo-o a residência do sumo
sacerdote. Pedro acompanhava de longe. Eles acenderam uma fogueira no
meio do pátio e sentaram-se ao redor. Pedro sentou-se no meio deles. Ora,
uma criada viu Pedro sentado perto do fogo; encarou-o bem e disse: „Este
aqui também estava com ele!‟ Mas ele negou: „Mulher, eu nem o conheço!‟
Pouco depois, um outro viu Pedro e disse: „Tu também és um deles.‟ Mas
Pedro respondeu: „Não, homem, eu não.‟ Passou mais ou menos uma hora,
e um outro insistia: „Certamente, este aqui também estava com ele, pois é
galileu!‟ Mas Pedro respondeu: „Homem, não sei de quem estás falando!‟ E,
enquanto ainda falava, o galo cantou. Então o Senhor se voltou e olhou
para Pedro. E Pedro lembrou-se da palavra que o Senhor lhe tinha dito:
„Hoje, antes que o galo cante, três vezes me negarás‟. Então Pedro saiu de
pátio e pôs-se a chorar amargamente” (LUCAS 22, 54–62).
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Assim, nesta passagem bíblica já o temos como símbolo sagrado, ligado
principalmente à sabedoria que pode aludir à luz da manhã que vence as trevas e é
anunciada pelo canto do galo, da mesma forma que a sabedoria do Nazareno
venceu as trevas representadas pelo medo e desobediência de Pedro, que apenas
se dá conta de seu erro para com o sagrado ao soar do canto da ave.
Além da tradição cristã, há registros de referencias ao galo como
anunciador de inteligência, sabedoria e demais ligações ao intelecto como, por
exemplo, na tradição grega, em que esse animal simbolizava Alectrion, o sentinela
celeste que avisava a chegada do sol, sendo assim considerado um símbolo do
tempo, além de ter em si o segredo do nascer do sol, como uma energia masculina
que remete ao que é altivo. Daí, a ideia de que sonhos relacionados a essas aves
podem ser explicados por uma necessidade de libertação. Na tradição cigana, era
visto como aquele que anuncia a luz e o dia. E, na tradição cultural dos povos
africanos, ao galo é atribuído um papel de colaboração com o deus Olurum, pelo
fato de ter sido enviado com seu filho Obotala para colocar ordem na terra, o que,
inclusive, é acreditado no candomblé brasileiro.
Já dentro da cultura esotérica, que trata dos significados ocultos em
símbolos ligados a doutrinas, filosofias e religiões, a ave da manhã é tida como uma
figura ligada à transformação, estando presente nos rituais de iniciação da
maçonaria como aquele que anuncia uma nova vida, partindo do principio de que
neste ritual, o individuo morre para sua vida pregressa e renasce para a vida
maçônica. Tem significado semelhante na alquimia, na qual representava o mercúrio
filosófico, o elemento que tornaria possível a transmutação dos elementos.
Há também os países que tomaram o galo como símbolo por motivos
diversos como, por exemplo, a França, que antes era chamada Gália. O site France
Guide, refere-se a uma palavra derivada do latim gallus, que significa galo, e que
teria sido atribuída aos gauleses devido ao culto dos habitantes da região à ave em
questão, além das referências ao orgulho mostrado pela ave ao caminhar, como se
estivesse sempre com o peito estufado, e sua coragem e prontidão peculiares.
Portugal, por sua vez, tem como símbolo o Galo de Barcelos, diretamente ligado à fé
do povo português, visto que se relaciona à lenda de um peregrino que fazia o
caminho de Santiago de Compostela e foi acusado injustamente quando passava
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pela cidade de Barcelos. Tendo sido condenado à forca, o miserável pediu uma
audiência com o juiz que lhe dera a sentença. Como este almoçava frango assado, o
condenado, em seu desespero, afirma que é inocente e que aquele galo iria cantar
como prova de sua inocência. E eis que, quando o peregrino já estava com a corda
no pescoço, o galo bateu as asas e cantou sobre a mesa do juiz, que mandou
libertarem o homem imediatamente. Anos mais tarde, o tal peregrino mandou que
construíssem a estátua de galo na cidade de Barcelos, como homenagem àquele
que lhe salvara, e, assim, a lenda foi reforçada no imaginário popular.
1.2 O Galo no Brasil
No Brasil, a figura do galo refere-se a tradições e culturas regionais mais
do que à religiosidade, por exemplo. Há desde crendices populares ligadas ao
comportamento de moças solteiras, quanto à utilização de partes e/ou produtos do
galo como medicamentos caseiros. Citamos algumas:
Figura 1 Galo de Barcelos; Galo clássico,
c. 1950 (Imagem: autor desconhecido)
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Os galos que cantam fora de hora estão denunciando as moças solteiras
que procuram encontros amorosos escondidas dos pais.
Para os rapazes cujas barbas não crescem, basta passar titica de galo no
rosto que os pelos surgem.
Para que se obtenham galos que cantem além do comum, basta que as
galinhas sejam postas para chocar os ovos no dia quatro de dezembro,
dia de Santa Barbara, para que o galo nasça no dia de Natal junto com o
Menino Jesus.
Para crianças que urinam na cama, a solução é lhes dar de comer crista
de galo torrada.
Santa Bárbara é referida nestas crenças pelo fato de ser a protetora
contra relâmpagos e trovões, e estar ligada à figura do galo pelas orações que lhes
são feitas para que os ovos das galinhas não gorem por causa de trovões e
relâmpagos.
2. O Galo Branco em São Gonçalo do Amarante
Figura 2 Galo Branco; Acervo
particular de José Alaí de Souza.
(Imagem: autor desconhecido)
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Com base em pesquisas anteriores é possível perceber que, muito
embora seja detentora do símbolo que representa a arte popular norte-rio-
grandense, a cidade de São Gonçalo do Amarante parece não se dar conta de sua
importância cultural perante todo o estado do Rio Grande do Norte. E isto se
percebe pelo notável desconhecimento, pelos seus habitantes, da importância
iconográfica da arte popular produzida na cidade. De tal forma que a peça em
questão não é encontrada nas residências locais, mas em mercados de artesanato,
tanto em São Gonçalo quanto em Natal, que divulgam uma identidade local para
turistas, brasileiros e estrangeiros, que levam em suas bagagens um suvenir de uma
cidade cujo povo não se vê representado ali, naquela peça símbolo da expressão
popular de um Estado inteiro.
2.1 Antônio Soares e a bilha em forma de galo
Antônio Soares pode ser considerado o nome mais importante da
cerâmica são-gonçalense, especialmente quando tratamos do distrito de Santo
Antônio do Potengi por ser o que se pode chamar de „polo‟ do artesanato da cidade.
Toda essa importância reside no fato dele ter sido responsável pela criação da bilha
em formato de galo, feita com argila branca – massaranduba - e decorada com
Figura 2 Antônio Soares ao lado de uma espécie de forno para queima das peças.
Acervo da Prefeitura Municipal de São Gonçalo do Amarante/ RN
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baixos relevos que, na década de 70, tornou-se símbolo do então chamado folclore
potiguar.
No entanto, muito pouco se sabe sobre este homem. As fontes
encontradas até agora tratam apenas de esposa, filhos, netos e poucas
características de sua produção, como a maneira que decorava suas peças e fazia
seu acabamento. Registra-se também uma suposta encomenda recebida de Djalma
Maranhão, na década de 60, para a confecção de uma espécie de monumento que
foi mantido na Praça das Mães, até sua total destruição por vândalos pouco tempo
depois.
Como qualquer pesquisa biográfica que se preze, esta deveria começar
com os dados sobre nascimento e morte do biografado, além de tratar minimamente
de aspectos relacionados ao seu modo de vida e, contando com um pouco de sorte,
certos relatos de suas opiniões. No entanto, o homem abordado por este trabalho
hoje não passa de um nome citado em livros sobre cultura popular ( BORBA FILHO,
1977; GURGEL, 2010) sob o aval de terceiros devidamente mencionados nas
referencias bibliográficas. Temos assim, um nome institucionalizado como
personalidade, mas de quem o rosto e a identidade não despertam o interesse
histórico que lhe é devido.
Essa dívida histórica se dá em decorrência da confusão existente no que
se refere à atribuição da autoria do Galo Branco que é símbolo da arte popular
norte-rio-grandense. Confusão esta justificada pelo fato de que, quando a bilha em
formato de galo caiu nas graças de folcloristas como Deífilo Gurgel (2010), por
exemplo, Seu Antônio Soares já era velho e havia passado o conhecimento a Dona
Neném que por sua vez, então por volta dos doze anos, aprimorou o acabamento da
peça, lhe conferindo características próprias. Assim, depois da morte de S. Antônio,
Dona Neném seguiu produzindo o galo ao longo de toda a sua vida. Desta forma, o
Galo Branco também ficou conhecido como Galo de Dona Neném, sem que seja
lembrado sequer o nome do verdadeiro precursor da peça.
No entanto, como esperar que o senso comum lhe confira os créditos de
sua obra ou, ao menos, de sua importância no desenvolvimento da arte de Dona
Neném, se nem sua família pode ser considerada segura de informações sobre ele?
Seus netos sequer sabem as datas de nascimento e morte, apenas estimam a data
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de morte e quantos anos ele tinha, possivelmente, baseados nas suas próprias
memórias. Tais condições tornam hercúlea a pesquisa sobre sua vida,
principalmente pelo fato da família de Antônio Soares não militar em prol da memória
de seu patriarca histórico, que mesmo morando toda a sua vida e constituído família
ainda hoje residente no distrito de Santo Antônio dos Barreiros – atual Santo Antônio
do Potengi. que é tradicional quando se fala em modelagem de barro - entre seus
descendentes não há mais ninguém que ainda trabalhe com o barro.
E mesmo quando partimos para as referencias bibliográficas, seu nome
aparece apenas nos livros dos antigos folcloristas como Borba Filho (08 jul 1917 –
02 jun 1976) e Deífilo Gurgel (22 out 1926 – 06 fev 2012), que atuaram na época do
então Prefeito de Natal, Djalma Maranhão, que foi um entusiasta militante da cultura
popular, responsável pela promoção de eventos sobre folclore e cultura nordestinos
nos anos 70, quando esteve à frente do poder executivo da capital. É o caso, por
exemplo, de Hermilo Borba Filho (1969) que nos anos 60 fez uma incursão pelo
Nordeste brasileiro numa pesquisa sobre a cerâmica nordestina e que originou o
livro “Cerâmica Popular do Nordeste”, que é o mais antigo registro bibliográfico sobre
Antônio Soares encontrado nesta pesquisa. Nele, Borba Filho afirma que Antônio
Soares é um ceramista de força no estado do Rio Grande do Norte e figura entre as
duas únicas exceções dentre todos os artistas populares pesquisados pelo nordeste
brasileiro, no que se refere ao tipo de peça produzida. Segundo Borba Filho,
somente Antônio Soares produz cerâmica figurativa dentro do território potiguar. A
outra exceção, das duas que foram encontradas, é Antônia Leão, de Goiana - que
também é figurativa. Neste mesmo trabalho também encontramos a primeira
referência à idade do nosso biografado, quando o autor cita que ele tem 74 anos.
Dessa forma, chegamos ao provável ano de nascimento: 1895 – isto tomando por
base de cálculo a data da publicação da pesquisa, que aconteceu no ano de 1969, o
que pode conferir certo atraso em relação à data real em que as informações foram
colhidas por Borba Filho.
De toda forma, essa observação simples já confirma o que foi dito
anteriormente sobre os possíveis motivos que fizeram Dona Neném ser a mais
citada quando se trata da criação do Galo Branco. E a respeito disso, também
podemos atribuir essa falta de reconhecimento, tomando por base a forma de
comercialização das peças que persiste até hoje entre a maioria dos artesãos do
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distrito de Santo Antônio do Potengi, onde morou Antônio Soares, e se caracteriza
pelo fato dos compradores irem buscar as peças na casa dos artesãos. E como, até
hoje, esses compradores são geralmente atravessadores, as peças que os artistas
populares da região distribuem chegam ao consumidor final praticamente sem
possibilidade de verificação de autoria, já que eles não costumam assinar suas
peças.
Ao usar como referência as declarações obtidas em entrevistas realizadas
no período de junho à dezembro de 2013 pelo Projeto Vernáculo– que pesquisa a
produção de arte popular do Rio Grande do Norte e é vinculado ao grupo de
Pesquisa em Cultura Visual – Matizes, do Departamento de Artes da UFRN,
podemos considerar que Antônio Soares, aos 74 anos de idade, já não produzia
muitas peças, já que é uma queixa comum entre os que trabalham com argila o fato
deste ser um trabalho extremamente difícil e cansativo, dadas as várias etapas até a
conclusão do trabalho. Muitos devem ao trabalho com argila vários problemas de
saúde, como os de coluna e nas articulações. Assim, não podemos deixar de
considerar que Antônio Soares possivelmente passou por semelhantes situações,
principalmente pelo fato de que, na década de 60, a cidade São Gonçalo do
Amarante, não contava com boa infraestrutura de saúde e transporte, o que
dificultava, e muito, o acesso a tratamentos que pudessem amenizar possíveis dores
causadas pela lida com o barro.
2.2 Dona Neném e o Galo Branco
Figura 3 Maria das Neves Felipe (Dona Neném). Acervo
Prefeitura Municipal de São Gonçalo do Amarante/ RN
17
Maria das Neves Felipe, mais conhecida como Dona Neném, nasceu no
dia 15 de abril de 1927 e já por volta dos doze anos começou a trabalhar com argila,
inicialmente fazendo cavalinhos. Em seguida, tornou-se aprendiz de Antônio Soares,
primeiro alisando as peças que o mestre fazia e, depois de adquirir experiência
suficiente, logo passou a fazer as próprias peças, se dedicando especialmente ao
acabamento, dando mais atenção à fase de alisamento da peça. De tal forma que
logo foi possível diferenciar as peças dela das de Antônio Soares, em virtude
principalmente da destinação que cada um pretendia que fosse dada às suas peças.
Enquanto o mestre se dedicava a peças voltadas para o utilitário – daí o Galo
Branco ter surgido como uma bilha para armazenar água – Dona Neném buscava a
perfeição no trabalho, voltando seus esforços para a cerâmica decorativa.
Depois da morte de Antônio Soares, Dona Neném continuou a feitura do
Galinho tal como tinha aprendido e desenvolvido sob a orientação do mestre. E
mesmo o Galo tendo sido “descoberto” quando ainda era feito por S. Antônio, com o
passar do tempo a peça foi tomando a identidade que Dona Neném lhe atribuiu de
uma forma tal que hoje já não se atribui a criação da peça ao mestre, sendo
identificado apenas como “Galinho de Dona Neném”. O que, é preciso que se diga,
não trouxe grandes mudanças na vida desta, que é tida como uma das
personalidades da cidade de São Gonçalo do Amarante. Dona Neném não teve
filhos, mas ensinou tanto a modelagem quanto a pintura em argila aos sobrinhos,
que até hoje são ceramistas. Seu Paulo hoje é responsável pela primeira fase do
processo, que é fazer os Galinhos de barro, e Dona Miraci – segundo ela própria -
assumiu a tarefa de pintá-los tanto com os azuis e branco de sua pintura
portuguesa, quanto de branco à maneira que sua tia aprendeu com Antônio Soares
e aperfeiçoou, com flores vermelhas no lugar das asas.
3. Os folcloristas e a ascensão do Galo Branco a ícone da arte popular norte-
rio-grandense.
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Entre os anos de 1947 e 1965 houve no Brasil uma intensa
movimentação de intelectuais que acreditavam nas expressões artísticas populares,
então chamadas de folclore, como uma referência de identidade nacional e que, por
esse motivo, não se resumia apenas a uma área de estudo e pesquisa. Assim, com
a proposta de promover ações politicas e culturais que visavam proteger as
manifestações populares nacionais, foi criado o Movimento Folclórico Brasileiro -
MFB. E, a partir da intensa movimentação da rede nacional de folcloristas articulada
por todo o país, nasceu, em 1958, a Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro, na
época vinculada ao então Ministério de Educação e Cultura – MEC que não
disponibilizou verba alguma para a causa, tendo em vista principalmente os objetivos
de modernizar o país em velocidade recorde, pretendidos por Juscelino Kubitschek.
E, por isso, o governo não podia investir em ações que não levassem o país para os
tais cinquenta anos em cinco.
É nesse contexto que, em 1969, Hermilo Borba Filho publica, sob o selo
da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro, o que nesta pesquisa consta como o
primeiro registro formal do Galo Branco – que nessa época ainda era feito por S.
Antônio Soares. No entanto, o Galinho já havia sido “descoberto” há mais tempo
pelos intelectuais norte-rio-grandenses. Visto que ele foi usado como ícone da
cultura popular do estado ainda no período em que Djalma Maranhão foi prefeito de
Natal – o primeiro mandato de 1955 a 1959 e o segundo de 1960 a 1964, quando foi
deposto pelo Governo Militar. E há registros fotográficos da utilização do Galinho
Branco em palanques do então Prefeito por ocasião das atividades do projeto “De pé
no chão também se aprende a ler”, com o educador Paulo Freire.
Figura 4 Primeira Praça de Cultura – 1961
(Imagem: autor desconhecido)
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Assim, tendo em vista a grande valorização das expressões artísticas
populares locais, realizadas enquanto ocupou o cargo de prefeito da capital, Djalma
Maranhão pode ser considerado o maior responsável pela elevação do Galo Branco
a ícone da cultura popular do Rio Grande do Norte. Inclusive porque, durante seus
mandatos (1956 – 1959), foram realizados Festivais Nacionais de Folclore, nos quais
todos os grupos de danças e demais artistas populares foram apresentados tanto à
sociedade norte-rio-grandense quanto a pesquisadores de todos os cantos do país
que vinham a Natal discutir e estudar as expressões do então chamado folclore
local. Estes eventos foram de tão grande importância para a apresentação de uma
identidade cultural potiguar que, na década de 70, por ocasião tanto da Festa do
Folclore Brasileiro, de 1975, e da II Semana de Cultura Nordestina, de 1979, o Galo
Branco apareceu ilustrando o material de divulgação dos eventos. Com estes
exemplos, podemos compreender o quanto aquela bilha, transformada em objeto de
decoração, tornou-se importante para a criação e apresentação da identidade
cultural do povo potiguar.
Figura 6 Cartaz da Festa do Folclore
Brasileiro de 1975
Figura 5 Cartaz da II Semana de Cultura
Nordestina de 1979,com o Galo Branco
estilizado.
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4. Galo Branco: memória e identidade na atualidade
Hoje, claramente, o Galo Branco de São Gonçalo do Amarante não tem
mais o mesmo destaque, nem tão pouco lhe é dada a mesma importância. As
pessoas sequer sabem o que é ou o que ele representa, até mesmo na cidade que é
seu berço. Até o ponto em que esta pesquisa chegou, não foram encontrados
registros de iniciativas por parte dos responsáveis pelas articulações culturais da
cidade que dissessem respeito a divulgação da história do Galinho Branco, ou de
atividades que ao menos o incluíssem como símbolo da arte popular da região. As
únicas oportunidades onde essa importância é lembrada, timidamente, são dadas
por ocasião de feiras nacionais e internacionais de artesanato realizadas
regularmente na capital como, por exemplo, a FIARTE. E, mesmo assim, não se
encontram mais elementos além do próprio Galo a falar por ele mesmo.
É possível que esse fenômeno se dê pela própria decadência da
produção de arte popular em cerâmica na cidade de São Gonçalo do Amarante,
visto que hoje essa prática não é mais passada às gerações mais novas. A
necessidade de estudo e melhores condições de trabalho empurram os filhos dos
artistas populares para a capital, principalmente em busca de uma rentabilidade
financeira que seus pais não alcançam na lida com o barro. E até mesmo os mais
experientes estão trocando de atividade em busca, na maioria das vezes, de direitos
trabalhistas que não veem possíveis seguindo com a atividade autônoma. Muito
embora esta seja a menor das dificuldades, em termos de obtenção desses direitos,
já que qualquer pessoa que trabalhe de forma independente pode ter acesso aos
mesmos direitos trabalhistas que os funcionários de empresas, apenas lhes falta
orientação adequada. E aqui já vemos o quanto as pessoas que produzem um
símbolo cultural tão importante para o estado inteiro são tão desvalorizados.
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5. Considerações finais
A partir deste breve levantamento histórico sobre o Galo Branco de São Gonçalo do
Amarante, podemos compreender o quanto a falta de iniciativas perenes de
valorização da Arte Popular podem por em risco elementos patrimoniais culturais de
todo um grupo social que, sem encontrar a sua volta elementos que o represente lhe
identificando culturalmente, busca fora das suas raízes algo que o faça. Assim,
podemos concluir que, tomando por parâmetro o tratamento dispensado ao Galinho
Branco de Dona Neném, muito da Arte Popular está prestes a se perder em meio a
políticas públicas insuficientes de valorização do Artista Popular e da pouca
importância que se dá a este tema no ensino escolar.
Por fim, percebe-se o quanto é imprescindível valorizar para que não seja preciso
recuperar o que foi perdido. O que seria do artesanato são-gonçalense se o Galinho
fosse devidamente conhecido e estudado nas escolas? Impossível dizer. Mas, com a
devida dedicação a causa do artesanato tradicional, por parte dos gestores de
cultura e educação, é possível que o galo de argila, pintado de branco e adornado
de flores vermelhas volte a seu posto com o respeito que lhe é devido.
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REFERÊNCIAS
BORBA FILHO, Hermilo; RODRIGUES, Abelardo. Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro. Cerâmica Popular do Nordeste. Rio de Janeiro: 1969.
BRITO, Iaponira Peixoto de. Aspectos socioeconômicos do município de São Gonçalo do Amarante-RN. São Gonçalo do Amarante: Solução Gráfica, 2012.
Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro: estratégias e redes de resistência na construção da memória da cultura popular brasileira. Disponível em: <http://www.encontro2010.rj.anpuh.org/resources/anais/8/1276722120_ARQUIVO_TextoANPUH2010-versaofinal.pdf>. Acesso em: 21 maio 2013. Galo Branco. Disponível em: <http://www.saogoncalorn.com.br/historia/galo_ branco> . Acesso em: 03 abr 2013. GURGEL, Deífilo. São Gonçalo do Amarante: o país do folclore: 300 anos de história. Natal: Prefeitura de São Gonçalo do Amarante, 2010.
GURGEL, Tarcísio; VITORIANO, Vicente; GURGEL, Deífilo. Introdução à cultura do Rio Grande do Norte. João Pessoa: Grafset, 2003.
LUCAS. In: Bíblia Sagrada: tradução da CNBB. Brasília: Edições CNBB, 2006. Maria das Neves Felipe (D. Neném). Disponível em: <http://www.saogoncalorn. com.br/cultura/personalidades#d_nenem_1>. Acesso em: 03 abr 2013. Nossa estrela do Galo Branco. Disponível em: <http://renanolliver.blogspot.com.br/ 2010/02/nossa-estrela-do-galo-branco.html>. Acesso em: 03 abr 2013.
O galo: símbolo francês. Disponível em: <http://br.franceguide.com/O-galo-simbolo-frances.html?NodeID=1&EditoID=241892>. Acesso em: 28 maio 2013
PERSONALIDADES. Sr. Antônio Soares. Disponível em: <http://www.saogoncalorn.com.br/cultura/personalidades#sr_antonio_1>. Acesso em: 03 abr 2013. Uma história natural do Galo de Barcelos. Disponível em: <http://www.historia.com.pt/barcelos/galo/textos/historia.htm>. Acesso em: 17 abr 2013. Conceito de Objeto Cultural. Disponível em: < http://jus.com.br/artigos/12673/conhecimento-e-linguagem#ixzz3TR7E8Ux3>. Acesso em: 4 mar 2015
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REFERÊNCIAS DAS IMAGENS
Figura 1 - Galo de Barcelos; Galo Clássico (cerca de 1950). Disponível em:
<http://www.historia.com.pt/barcelos/galo/textos/historia.htm>. Acesso em: 21
maio 2013.
Figura 2 - Galo Branco; Acervo particular de José Alaí de Souza. Disponível
em: <http://bsaudernontemehoje.blogspot.com.br/2011_08_19_ archive.html>.
Acesso em: 21 maio 2013.
Figura 3 - Antônio Soares ao lado de uma espécie de forno para queima
das peças. Disponível em: http://www.saogoncalorn.com.br/cultura/
personalidades#sr_antonio_1>. Acesso em: 21 maio 2013.
Figura 4 - Maria das Neves Felipe (Dona Neném). Disponível em:
<http://www. saogoncalorn.com.br/cultura/personalidades#d_nenem_1>.
Acesso em: 21 maio 2013.
Figura 5 - Primeira Praça de Cultura – 1961. Disponível em:
<http://www.dhnet.org.br/educar/penochao/disserta_isa_praca_cultura_djalma_
2008.pdf>. Acesso em: 21 maio 2013.
Figura 6 - Cartaz da Festa do Folclore Brasileiro de 1975. Fonte: GURGEL,
Deífilo. São Gonçalo do Amarante: o país do folclore: 300 anos de história.
Natal: Prefeitura de São Gonçalo do Amarante, 2010. P. 76.
Figura 7 - Cartaz da II Semana de Cultura Nordestina de 1979, com o Galo
Branco estilizado. Fonte: GURGEL, Deífilo. São Gonçalo do Amarante: o
país do folclore: 300 anos de história. Natal: Prefeitura de São Gonçalo do
Amarante, 2010. P. 93.