O Futuro

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O Futuro Jason e Sophie precisam enfrentar o inevitável: ao adotarem Paw Paw, um gato, suas vidas mudarão. Não somente sua rotina como casal, mas também o modo como veem a si mesmos muda e, no caso de “O Futuro”, filme dirigido pela multiartista Miranda July, até mesmo a relação com o tempo, o espaço e a natureza também se modificam. Explico melhor: Jason e Sophie decidem adotar um gato como um passo a mais no relacionamento entre eles e, como o gato chegará em trinta dias na casa deles, eles começam a se dar conta da responsabilidade que o mesmo lhes exigirá e pretendem “aproveitar o tempo que lhes resta” para serem “eles mesmos” antes de serem estes “outros” que viverão a vida deles pelo restante de seus dias. Desta forma, Sophie, que trabalha como professora de dança para crianças, decide que ela mesma criará coreografias que serão gravadas em vídeo e postadas imediatamente no Youtube, enquanto Jason começa uma batalha voluntária para conscientizar as pessoas sobre preservação ambiental. Se parece um mote de uma comédia romântica excêntrica, pode se afastar, pois se trata de um trabalho que envolve experimentos narrativos distantes dos romances açucarados hollywoodianos. As mudanças que os personagens enfrentam tem toda cara de indie norte-americano, mas com uma excentricidade que torna o trabalho de July pouco palatável

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O Futuro

Jason e Sophie precisam enfrentar o inevitável: ao adotarem Paw Paw, um gato, suas

vidas mudarão. Não somente sua rotina como casal, mas também o modo como veem a

si mesmos muda e, no caso de “O Futuro”, filme dirigido pela multiartista Miranda July,

até mesmo a relação com o tempo, o espaço e a natureza também se modificam. Explico

melhor: Jason e Sophie decidem adotar um gato como um passo a mais no

relacionamento entre eles e, como o gato chegará em trinta dias na casa deles, eles

começam a se dar conta da responsabilidade que o mesmo lhes exigirá e pretendem

“aproveitar o tempo que lhes resta” para serem “eles mesmos” antes de serem estes

“outros” que viverão a vida deles pelo restante de seus dias.

Desta forma, Sophie, que trabalha como professora de dança para crianças, decide que

ela mesma criará coreografias que serão gravadas em vídeo e postadas imediatamente

no Youtube, enquanto Jason começa uma batalha voluntária para conscientizar as

pessoas sobre preservação ambiental. Se parece um mote de uma comédia romântica

excêntrica, pode se afastar, pois se trata de um trabalho que envolve experimentos

narrativos distantes dos romances açucarados hollywoodianos. As mudanças que os

personagens enfrentam tem toda cara de indie norte-americano, mas com uma

excentricidade que torna o trabalho de July pouco palatável até mesmo para públicos

acostumados à experiências do gênero.

Se as experiências do casal iniciam de forma despretensiosa, aos poucos, uma sensação

de “tudo é possível” começa a tomar conta quando (SPOILER ALERT) um dos

personagens consegue parar o tempo (!) antes de uma certa revelação sobre o outro

personagem, travar um diálogo com a Lua (isso mesmo, com o satélite do planeta

Terra!!) e, em certo momento, até mover as ondas do mar (!!!). Apesar dos elementos

fantásticos / sci-fi aparecerem sem aviso na narrativa – e talvez justamente por isso -, a

experiência de assistir a “O Futuro” seja necessária mais de uma vez para compreender

os simbolismos trazidos por July ao seu público para não ser tomada de forma leviana.

Pois me pareceria simplista acreditar que o modelo aristotélico permeado de momentos

“pista-recompensa” de Syd Field e outros escritores de manuais de roteiro dê conta das

experiências e surpresas que July deseja proporcionar ao espectador: torná-lo cúmplice

de um universo narrativo particular em que tudo que os personagens não poderiam fazer

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no mundo concreto de uma hora para outra começam a acontecer sem aviso de entrada

nem de saída. Talvez um dos poucos poréns que teria nesta primeira visita ao universo

de July seria sobre as “intervenções” do gato Paw Paw entre as cenas, que, além de

acrescentarem muito pouco ao que estamos interessados em assistir, quebram o ritmo da

narrativa de forma excessiva e desnecessária.

Em suma, nesta crítica, considero “O Futuro” uma experiência narrativa que estende a

mão para o espectador a fim de convidá-lo a conhecer outros modos de contar histórias,

mas que também precisa de sua paciência e ousadia para que consiga mergulhar de

forma completa nas possibilidades (e principalmente, limitações) que sua autora propõe.

Nota: 3 estrelas.