O florescimento de turismo, bares, cafés e restaurantes no ... · cidade, como a do Cine Marrocos,...

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#123 ano 22 R$ 18,00 Paulo Solmucci Presidente Unecs Presidente-executivo Abrasel O florescimento de moradia, trabalho, cultura, turismo, bares, cafés e restaurantes no Centro novo de São Paulo

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    #123 ano 22

    R$ 18,00

    Paulo SolmucciPresidente UnecsPresidente-executivo Abrasel

    O florescimento de moradia, trabalho, cultura,

    turismo, bares, cafés e restaurantes no Centro

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    CONSUMIDORES DE TODOS OS NÍVEIS DERENDA NO CENTRO NOVO DE SÃO PAULOCom apoio da Abrasel em São Paulo, a região da Praça da Repúblicaprojeta-se como um polo nacional de gastronomia, cultura e turismo

    Valerio Fabris

    A região da Praça da República, no denomina-do Centro novo da capital paulista, está atravessando um ciclo de requalificação urbana em que se mistu-ram locais de moradia, trabalho, estudo, compras, cultura, lazer e entretenimento, servidos por metrô e linhas de ônibus. O movimento nas ruas vem se estendendo dos horários normais de expediente até tarde da noite. Começou a se tornar habitual nos espaços públicos dessa parte da cidade uma mescla humana de diversos perfis etários e socioeconômicos, algo que só encontra paralelo no país com o ocorrido, a partir de 1972, na área central de Curitiba.

    “São diversos públicos diferentes tendo acesso aos mesmos espaços comuns. É algo que está em uma fase inicial, mas mostrando claramente uma inequívoca tendência, que pode se consolidar e evo-luir, propagando-se como referência não só para São Paulo, como um todo, mas também para outras ci-dades do país”, diz o psicólogo Jorge Duarte, gestor de turismo e hospitalidade do Senac SP. Ele espe-cializou-se em desenvolvimento comunitário, pela Organização Internacional do Trabalho, em Turim, na Itália, e em “coaching”, na University of Applied Sciences, na Finlândia.

    Sem a acessibilidade e o compartilhamento nos mesmos qualificados territórios urbanos, segundo Jor-ge Duarte, não se efetiva a ascensão da base da pirâmi-de ao mercado consumidor de bens e serviços. Ele diz que, junto a um grupo de pesquisadores que faziam levantamento na área central de São Paulo, deparou-se com várias lojas desprovidas das mínimas facilidades de acesso de cadeirantes ao seu interior. “Assim, não se incorpora o consumidor ao mercado. E o mesmo vale para as classes sociais de menor renda. Elas não frequentam as áreas da cidade melhor equipadas com

    infraestrutura, serviços públicos, equipamentos e esta-belecimentos de cultura e lazer, mas que são territórios quase que exclusivos dos consumidores de alto poder aquisitivo. Estabelece-se, assim, uma barreira social”.

    Os dois extremos históricos do Centro novo: da sofisticação à degradação

    De 2006 em diante, quando o chef franco-bra-sileiro Olivier Anquier passou a morar no Edifício Esther, em frente à estação do metrô da Rua Sete de Abril, esquina com a Praça da República, o Centro novo começou a se livrar do estigma de uma área degradada. Até os anos 1960, a região era a mais gla-morosa combinação de núcleo empresarial e residen-cial da capital paulista, com sofisticados restaurantes e cafeterias (entre eles, o Fasano, na Rua Barão de Itapetininga, e a Leiteria Americana, na Rua Xavier de Toledo) e as mais confortáveis salas de cinema da cidade, como a do Cine Marrocos, na Rua Conse-lheiro Crispiniano.

    A vida cotidiana do topo da pirâmide de São Paulo tinha como polo a Praça da República e suas imediações. Nos anos 1970, essa elite dos negócios transferiu as residências e os respectivos escritórios para a Avenida Paulista e o seu entorno, isto é, ao redor dos Jardins – os quatro ditos “bairros nobres” da cidade. Todo o grande Centro de São Paulo, e particularmente o Centro novo, foi sendo esvaziado de suas clássicas funções, tornando-se cada vez mais desvalorizado, empobrecido, inseguro e abandonado pelo setor público. Assistiu-se à vertiginosa ascensão dos shoppings, que dizimaram os cinemas de rua e impeliram o comércio aberto às calçadas a se reposi-cionar unicamente para as classes pobres.

    O empresário Carlos Beutel, proprietário do restaurante vegetariano Apfel (na Rua Dom José de Barros, a duas quadras da Praça da República), afir-ma que ocorreu ao longo de três décadas, a partir dos anos 1970, um movimento pendular na região central, deslocando-a do status máximo ao status mí-nimo. Diz estar observando agora a emergência de uma nova era, que não será mais a dos extremos. O Centro novo começa a encontrar o jeito da cidade do meio, “socioeconomicamente mesclada, com uma boa qualidade dos serviços e produtos do setor priva-do que se faça presente em tudo o que é vendido ao consumidor de qualquer nível de renda”.

    Do lado do setor público, completa Beutel, a infraestrutura e os serviços têm de corresponder aos elevados impostos pagos pela população brasileira. Considera que o tripé básico sobre o qual se assenta essa desejada cidade mesclada é a proximidade en-tre moradia, uma infraestrutura urbana que vá do melhor padrão das calçadas à oferta de transporte público, e o comércio de rua, puxado pelo setor da alimentação fora do lar.

    “Em vez de um centro da cidade monopoliza-do pelo topo da pirâmide, como prevaleceu até os anos 1970, ou deixada a esmo, sendo caoticamente tomado por uma extensa gama de negócios informais e pela desestruturação urbana, precisamos nele disse-minar a pluralidade, a qualidade democratizada. Essa degradação provocou, inclusive, a corrosão de alguns dos mais importantes prédios da cidade, considera-dos referências da arquitetura brasileira. Há os que estão ocupados por pessoas e famílias sem teto. Preci-samos, logo, de uma cidade saudável e conciliada na convivência entre diferentes níveis econômicos e de origens étnicas e raciais”.

    Prossegue o dono dos restaurantes Apfel: “É este o mercado inclusivo do século XXI. O

    dinamismo que vem ocorrendo é o do Centro novo. A vida noturna está bombando na Praça Roosevelt, na Praça Dom José Gaspar, no Largo do Arouche, no edifício Copan, que tem dez restaurantes mara-vilhosos na parte térrea. As pessoas querem, hoje, é ir para rua; não querem mais o shopping. O Centro velho tem de dar prosseguimento ao seu processo de revitalização, acompanhando o que se passa com o Centro novo, onde trabalho e moro, no Copan, há 12 anos. Em dez minutos a pé estou no meu serviço.

    A maioria dos paulistanos demora, no deslocamento diário, de duas a três horas, o que é uma crueldade. A gente tem de pensar na mobilidade, facilitar a vida das pessoas, ter mais locação social”.

    Washington Olivetto e Paulo Mendes da Rocha na Praça da República

    Ao observar no Centro novo a disseminação dos bares, pubs, restaurantes, teatros e estabelecimentos que combinam gastronomia com música, o casal de jornalistas Denize Bacoccina e Clayton Melo decidiu, em agosto de 2017, lançar a plataforma ‘A Vida no Centro’, de informação, cultura e inovação. Criaram

    Lilian Varella, proprietária do Drosophyla: "Há hoje restaurantes de todos os níveis e preços, predominância de gente antenada e descolada no Centro, apreciadores da cultura e da diversidade. É muito bonito ver renascer tudo isso com tanto vigor. Os empreendedores estão com muito gás, na base do 'vamos fazer' . É bacana. É emocionante."

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    um site, promovem eventos e realizam conexões inter-pessoais com os empreendedores, a imprensa e com as mais influentes personalidades residentes na região ou afetivamente ligadas a ela. Os proprietários desse “hub” de inovação e cultura têm veiculado entrevistas com empresários e personalidades de vários segmentos sobre a gastronomia, a cultura, o turismo e a vida urbana.

    Um dos entrevistados foi Washington Olivetto, frequentador de estabelecimentos de seus amigos, o chef Jefferson Rueda e a esposa, Janaina: o Bar da Dona Onça, no térreo do Copan, e o restaurante A Casa do Porco, na quase vizinha Rua Araújo. O renomado publicitário encontra no Centro novo outro amigo, que lhe é igualmente muito próximo: o chef Olivier Anquier, morador da Praça da República desde 2006. Em agosto de 2016, abriu um bistrô na cobertura do Edifício Esther. Em maio de 2017, inaugurou no térreo do mesmo prédio a Mundo Pão Olivier, em frente à estação do metrô, na esquina da Rua Sete de Abril com a Praça da República.

    Olivetto declarou aos jornalistas Denize Ba-coccina e Clayton Melo: “O que está puxando a ressureição do Centro, mais do que qualquer gesto

    governamental, é a iniciativa privada, por meio da gastronomia. O melhor mecanismo para a redesco-berta do Centro são as pessoas frequentarem a região. A cidade oficial, a dos dirigentes, deveria aproveitar essa onda dos restaurantes e pensar em como aumen-tar a segurança”. Ele foi eleito pela revista britânica Media International uma das 25 figuras-chave da pu-blicidade mundial. Ganhou mais de 25 troféus Leão de Ouro, do festival de Cannes, e hoje faz parte do Conselho da McCann Worldgroup, alternando resi-dência entre Londres e São Paulo.

    O publicitário afirma que o reordenamento ur-bano da capital paulista tem no Centro novo o ponto de partida. Para exemplificar, cita o que lhe disse o arquiteto Jaime Lerner, prefeito de Curitiba em três mandatos alternados, que influenciaram nos rumos do urbanismo da capital paranaense durante 33 anos, isto é, de 1971 até 2004. “O Jaime Lerner fala muito bem sobre isso. Ele defende uma filosofia muito inte-ressante: para arrumar o mundo, comece arrumando a porta da sua casa. A porta da sua casa vai arrumar a rua, que vai melhorar o bairro, que conserta a cidade, depois o país e o mundo”.

    Os proprietários e gestores da plataforma A Vida no Centro igualmente entrevistaram Paulo Mendes da Rocha, que em 2006 recebeu o Prêmio Pritzker, considerado o Nobel da arquitetura, concedido pela Fundação Hyatt, sediada em Chicago. Recebeu, também, o grande prêmio da Bienal de Arquitetu-ra de Veneza, e o Praemium Imperiale, concedido pela Japan Art Association. Aos 89 anos de idade, mantém o hábito de toda a sua vida profissional, caminhando a pé da residência ao escritório, isto é, do bairro de Higienópolis, vizinho à Praça da República, até à Rua Bento Freitas, distante a duas quadras do edifício Copan e a uma quadra do bar--restaurante A Casa do Porco.

    Ao ser indagado pela jornalista Denize Bacoc-cina se sentia algum receio nos percursos diário de casa ao trabalho, na ida e volta do amanhecer e do anoitecer, Mendes da Rocha afirmou: “Eu vou dizer uma coisa: a vida urbana, de um modo geral, é a coisa mais livre que hoje pode existir para o homem. É viver nas áreas centrais das cidades. Tanto que você pode dormir na rua. Esse dito ‘medo’ das áreas cen-trais é justamente de quem tem medo da liberdade. Tem gente que tem pavor desta liberdade”. Quando solicitado a dar uma “dica” aos paulistanos que que-rem conhecer o melhor da cidade, ele assim resumiu: “A minha ‘dica’ é a seguinte: venham para o Centro”.

    A coexistência nas calçadas de consumidores de todos os níveis de renda

    Entre os restaurantes e gestores (‘restaura-teurs’) mais renomados, que passaram pelo crivo dos críticos e analistas da gastronomia de São Pau-lo, estão no mapa do Centro novo os seguintes per-sonagens e estabelecimentos: Olivier Anquier; Je-fferson e Janaína Rueda; o tradicional La Casserole, gerido por Marie-France Henry e Leo Henry, res-pectivamente filha e neto de Roger Henry (1921-2005), que fundou o restaurante há 64 anos, em 1954; e Lilian Varella, proprietária do Drosophyla, na Rua Nestor Pestana, inaugurado em janeiro de 2005. Os frequentadores do Centro novo podem fazer refeições com preços variando de R$ 18, no restaurante palestino Bab, na Praça Roosevelt, a R$ 275 que é o prato mais caro do La Casserole, no Largo do Arouche.

    A jornalista Denize disse que cada frequentador da região escolhe o restaurante de acordo com o seu gosto e poder aquisitivo, mas nas ruas a coexistência é eclética, sem a separação territorial por classes socioe-conômicas. A seu ver, para os padrões brasileiros é um “avanço extraordinário”, porque se extingue no Cen-tro novo o legado da segregação entre áreas nobres e populares, virando-se uma indesejada página da histó-ria das cidades em geral. “A diversidade gastronômica leva à diversidade de público. Na Praça Roosevelt, por exemplo, há bares em que se servem a cerveja litrão, e ao lado deles, os que têm no cardápio as cervejas arte-sanais e importadas”, com diferenças de preços abissais entre os dois perfis de estabelecimentos.

    Lilian Varella, do Drosophyla, endossa estes ar-gumentos. “A região tem bares e restaurantes de todos os níveis de preço, dentro dos estabelecimentos, e, ao mesmo tempo, os mais variados tipos públicos nos espaços das praças e calçadas. Há, sem dúvida, a pre-dominância de gente jovem, antenada e descolada. Mas veem-se pessoas de maior idade, que apreciam a cultura e a diversidade. Nos fins de semana, aqui no Centro fica lotado. É muito bonito ver renascer tudo isso, com tanto vigor. Os empreendedores estão com muito gás, muita força, na base do ‘vamos, vamos fazer’. É bacana. É emocionante”.

    A incorporação da base da pirâmide brasileira ao mercado consumidor do país requer, como disse o psicólogo Jorge Duarte, a mistura de classes sociais nos ambientes urbanos que disponham de comércio, moradia, transporte público e acessibilidade.

    A coexistência de diferentes extratos econômicos em um mesmo espaço geográfico, como sugere ele, ajuda a romper com a barreira implícita que separa e distancia as pessoas de menor renda daquelas que têm maior poder aquisitivo.

    A mescla, conforme explanou o gestor do Senac, possibilita que se traga à tona um grande mercado que tem permanecido invisível e latente, pois todos os seres humanos, indistintamente, almejam produ-tos e serviços de qualidade por preços que possam pagar. “Além do mais, essa coexistência abre canais de diálogo, de interação e de proximidade mútua, fo-mentando a redução da violência e o que eu chamo de cultura da paz. O fato de as pessoas não se escu-tarem leva aos conflitos, sejam a pretexto de religião, do futebol ou da política”.

    Em agosto de 2017, o casal de jornalistas Denise Bacoccina e Clayton Melo, lançaram a plataforma "A Vida no Centro", de informação, cultura e inovação. Criaram um site, promovem eventos e realizam conexões entre empreendedores

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    Da esquerda para a direita. Primeira fila: Rafael Freitas, Free Walking Tour; Clayton Melo, da plataforma A Vida no Centro; Lilian Varella, Drosophyla Bar; e Carlos Beutel, restaurante Apfel. Segunda fila: Rodrigo Alves, Ponto Chic; Leo Henry, La Casserole; Bruno Fischetti, Ramona; Luiz Carlos, Salada Record; e Fábio Redondo, Rede Buenas Hotéis

    Oito empresários se juntaram na criação do Centricidade, um movimento em que pretendem dar a mais ampla visibilidade às transformações que nos últimos dez anos vêm ocorrendo no Centro novo de São Paulo. A região estende-se do Viaduto do Chá à esquina das avenidas Ipiranga e São João, passan-do pelo Teatro Municipal, a Praça Dom José Gaspar, (onde está a Biblioteca Mário de Andrade), a Praça Roosevelt, o Largo do Arouche e a Praça da Repúbli-ca, que é o principal núcleo da região.

    Até 2007, essa geografia da capital paulista con-tava com tradicionais estabelecimentos de drinques e gastronomia, como o La Casserole, Ponto Chic, Apfel, Salada Record, Almanara e Bar Brahma. De 2008 em diante, o Centro novo entrou em um ciclo de acentuada expansão do número de bares, cafés,

    bistrôs e restaurantes, alguns com espaços para bala-das e música ao vivo. Simultaneamente, a região tam-bém passou a concentrar investimentos imobiliários, sobretudo de edifícios com pequenos apartamentos, de 18 m² a 49 m² de área útil, um dormitório e ser-viços compartilhados nas áreas comuns: Wi-Fi, sala de ginástica (fitness), escritório aberto (home office), piscina espelho d’água, com cadeiras de praia, salão de festas e autosserviço de lavanderia.

    A grande oferta de apartamentos para solteiros, idosos e jovens casais

    Diversas incorporadoras (Tegra, BKO, Setin e Cyrela) têm desenvolvido esse segmento do mercado, isto é, o dos apartamentos compactos (ou studios),

    tendo como públicos-alvo os jovens (sobretudo os inclinados a uma vida cotidiana que os livre da pos-se do automóvel), estudantes vindos do interior e de outros Estados, idosos, e casais sem filhos. De 2011 a 2015, a Setin lançou sete empreendimentos na região, todos com as unidades já entregues aos comprado-res. Porém, em face da retração do mercado, ainda há apartamentos à venda. Entre os atrativos oferecidos aos clientes, estão os vários equipamentos culturais da região: o Teatro Municipal, Sesc 24 de Maio, Farol Santander (antigo prédio do Banespa, agora transfor-mado em um centro de cultura, entretenimento e la-zer), o Centro Cultural Banco do Brasil, a Biblioteca Mário de Andrade.

    Outros apelos publicitários das imobiliárias são a proximidade da estação do metrô, a disponibilidade de linhas de ônibus, o fato de a região aglutinar locais de trabalho em múltiplos segmentos do comércio e dos serviços, as ruas vivas, o lazer e as instituições de ensino, com destaque para a Universidade Presbite-riana Mackenzie. Segundo informações da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano, a participa-ção da região central no total de unidades residenciais lançadas em São Paulo passou de 3,66%, em 2008, para 16,39% em 2016. O Centro novo é a única par-te de todo o grande Centro que tem hotéis, moradias e uma elevada concentração de bares e restaurantes.

    A sucessão de novos bares e restaurantes em uma área antes estagnada

    Nos últimos dez anos, inaugurou-se uma ex-tensa lista de estabelecimentos do setor da alimenta-ção fora do lar, como, por exemplo, o Bar da Dona, A Casa do Porto e o Hot Pork, do casal Janaína e Jefferson Rueda, o Esther Roof Top e a Mundo Pão Olivier, do chef Olivier Anquier, o Drosophyla Bar, Restaurante & Espaço Cultural, o Alberta #3 (ba-lada), o Bab (restaurante palestino), o Fel (no tér-reo do edifício Copan, especializado em drinques clássicos), o JazzB (casa de música instrumental in-timista), o Mandíbula (bar na Galeria Metrópole, com espaço para balada), o Ramona (restaurante em frente à Biblioteca Mário de Andrade), Tap Tap (choperia), Z Deli (a terceira filial da hamburgueria, próxima ao Edifício Itália).

    Ganha cada vez mais musculatura, no Centro

    novo, o conceito da cidade compacta, preconizado pelos urbanistas do passado e do presente, que se tor-naram referências mundiais, como a americana Jane Jacob, o brasileiro Jaime Lerner, o dinamarquês Jan Gehl, e o espanhol Oriol Bohigas. Isso porque estão se enraizando na região os atributos da proximida-de entre moradia, trabalho, praças, infraestrutura de mobilidade, locais de estudo, lazer, entretenimento e de cuidados à saúde. Acentua-se, no Centro novo, a convergência de moradia para diversas faixas de ren-da, centros culturais e de lazer inaugurados em 2017 (Sesc 24 de Maio) e 2018 (Farol Santander), a multi-plicação de bares, cafés, bistrôs e restaurantes. Como consequência desse conjunto de facilidades, a região tornou-se novamente procurada para a compra ou aluguel de salas comerciais.

    Assim, no espectro da cadeia dos bares e restau-rantes do Centro novo, surgem empreendimentos inovadores e de grande escala, como o Tokyo, em que se revitalizou um prédio com nove andares, de 1949, projetado pelo arquiteto Oswaldo Bratke, na Rua Major Sertório, cuja fachada é tombada pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico (Conpresp). A inauguração do Tokyo ocor-reu em maio deste ano. No oitavo andar, abriu-se um restaurante, comandado pelo chef Atusi Kohara, com menu de pratos japoneses. No terraço, há uma pista de dança e um mirante, com vista para a Avenida Ipiranga. Há, ainda, um andar para bar e karaokê, outro com um palco, e mais um com salas destinadas a empresas da economia criativa.

    As ações para que o valor do Centro novo seja percebido em São Paulo e no país

    Diante das evidências de que nos últimos dez anos iniciou-se um processo de inflexão positiva nos rumos do Centro novo, nucleado nas praças da República, Roosevelt, Dom José Gaspar (a da Biblioteca Mário de Andrade) e, ainda, do Largo do Arouche, alguns empreendedores locais resolve-ram trocar ideias sobre esse fenômeno. Acataram a sugestão do jornalista Clayton Melo, marcando um encontro no Bar da Brahma, na esquina das ave-nidas Ipiranga e São João, em abril deste ano, que contou com a presença do presidente da Abrasel, em São Paulo, Percival Maricato.

    A COMUNIDADE DOS EMPREENDEDORES DÁMAIS VISIBILIDADE À REPÚBLICA E REGIÃO

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    O resultado da reunião é que se decidiu criar um movimento informal, sem estatutos e comandos hierárquicos. Lilian Varella, proprietária do Droso-phyla Bar, sugeriu o nome: Movimento Centricida-de. Um dos participantes do grupo, Fábio Redondo, diretor da rede Buenas Hotéis - constituída por sete unidades no centro e voltada a categorias econômica e supereconômica - sugeriu que se fizesse um guia tu-rístico, na forma de mapa, com indicações de bares, restaurantes, baladas, hotéis, centros culturais, praças e caminhadas com cicerones.

    O Centricidade é integrado por Bruno Fis-chetti (Restaurante Romana), Carlos Beutel (res-taurante vegetariano Apfel), Clayton e Denize Bacoccina (proprietários da plataforma de comu-nicação, eventos e inovação A Vida no Centro), Fábio Redondo (diretor da rede Buenas Hotéis), Lilian Varella (Drosophyla), Luis Carlos Sbeghem (Salada Record), Rafael Freitas (Free Walink Tour, empresa de caminhadas guiadas pelas ruas centrais, com turistas nacionais e estrangeiros) e Rodrigo Alves (Ponto Chic).

    Na noite de 29 de agosto, efetivou-se a primeira ação do movimento, com o lançamento, no Droso-pyla, do mapa do Centro novo. A proposta desse guia havia sido feita por Fábio Redondo. Segundo ele, o custo de confecção e impressão do mapa foi rateado entre os participantes do Centricidade. “O mapa re-úne todas as mais expressivas informações gastronô-micas, culturais e turísticas da região. A ideia é divul-gar esse pacote completo”. O diretor da rede Buenas Hotéis diz que outra ação vem sendo articulada no movimento. É a realização de uma feira gastronômica na Praça da República, em 2019, com um leque de quiosques dos bares e restaurantes da região.

    O Movimento Centricidade tem origem em 1991, quando nasceu a Associação Viva o Centro

    O foco do Centricidade, de acordo com Rodri-go Alves, sócio e gestor do Ponto Chic (bar e lan-chonete fundado em 1922, e que tem hoje endereço original e duas filiais), é promover ações que deem visibilidade à diversidade e qualidade das atrações gastronômicas, turísticas e culturais do Centro novo e também, conectem os empreendedores da região.

    “Acabamos mostrando aos próprios administrado-res públicos o que antes eles não conseguiam ver. O nosso grande objetivo é potencializar o acesso a tudo o que aqui existe nas áreas da gastronomia, da cultura e do turismo. Às vezes se fala muito que São Paulo precisa desenvolver áreas da economia criati-va. Mas a economia criativa já está aqui”.

    O sócio do Ponto Chic disse que esse movi-mento é o desdobramento de outro movimento, o Renova Centro, voltado à melhoria das calçadas e da acessibilidade, à coleta de lixo, à redução da poluição sonora e visual, e ao incremento da segurança. “O Renova Centro é um grupo mais amplo, incluindo moradores, lojistas, profissionais liberais. As ques-tões de intervenções urbanas não estão no escopo de nossas ações, embora haja, dentro do Centricidade, empresários muito ativos e com espírito forte espí-rito comunitário, como o Carlos Beutel, que atuam no Renova Centro. Nós, de fato, nos complementa-mos, estamos mutuamente ligados”.

    A propósito, Beutel diz que o que agora se vê de mobilizações em favor da melhoria do ambiente de negócios e da qualidade da vida urbana no Cen-tro novo tem origem em 1991, quando se fundou a Associação Viva o Centro, por iniciativa do en-tão presidente do BankBoston, Henrique Meirelles. “Ele fez um planejamento estratégico maravilhoso. E, ainda, veio outra grande sacada, que foi o Plano de Participação Comunitária Ação Local, dividindo o Centro em cinquenta ruas. Essa malha comunitá-ria fez toda a diferença do mundo, causando efeitos positivos até hoje”.

    Entre os propósitos expressos no plano estra-tégico da Associação Viva o Centro estava o de in-crementar o trabalho e a movimentação de pessoas no Centro velho. Ou seja: do outro lado do Via-duto do Chá, na região da Praça da Sé e da Bol-sa de Valores, que havia se esvaziado de gente nas duas décadas anteriores. Os desdobramentos vie-ram em diferentes tempos. O prefeito Celso Pitta (cujo mandato estendeu-se de janeiro de 1997 a dezembro de 2000) criou o Programa de Desen-volvimento do Centro, solicitando um empréstimo de R$ 100 milhões para a revitalização urbana. Os recursos foram liberados na administração munici-pal seguinte, a de Marta Suplicy, que administrou a cidade a partir de janeiro de 2001.

    O foco do Centricidade, de acordo com Rodrigo Alves, sócio e gestor do Ponto Chic (bar e lanchonete fundado em 1922, e que tem o original endereço-sede e duas filiais), é promover ações que deem visibilidade à diversidade e qualidade das atrações gastronômicas, turísticas e culturais do Centro novo, e, também, conectem os empreendedores da região. “Acabamos mostrando aos próprios administradores públicos o que antes eles não conseguiam ver. O nosso grande objetivo é potencializar o acesso a tudo o que aqui existe nas áreas da gastronomia, da cultura e do turismo. Às vezes se fala muito que São Paulo precisa desenvolver áreas da economia criativa. Mas a economia criativa já está aqui”.

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    Nos anos 1970, o Copan ficou conhecido como um cortiço vertical. Os corredores, sobretudo os das alas das quitinetes, que correspondem a 55% dos 1,16 mil apartamentos, estavam tomados de lixo, bri-gas entre vizinhos e até tráfico de drogas. Em 1986, o prédio passou a ser cuidado pela comunidade dos moradores, e não mais por uma empresa administra-dora. É hoje considerado uma das melhores gestões de condomínio do Brasil.

    Pedro Herz, dono da Livraria Cultura, que tem 17 lojas em 11 cidades do país, desde 1986 mora em um apartamento de 150 m², no último andar do bloco de unidades maiores. Ele foi um dos entrevis-tados no documentário Copan 60 Horas, dirigido por Cristina Aragão e exibido pela Globonews em abril de 2017. O livreiro best-seller do Brasil, assim respondeu ao ser perguntado sobre como era o Co-pan há duas décadas: “Era absolutamente decadente. Hoje, é absolutamente não decadente. É um prédio em que tudo funciona”.

    A fachada ondulada causa a impressão de que o edifício obedece a um padrão uniforme de mora-

    dia, mas as linhas sinuosas cobrem seis blocos, com seis entradas que dão acesso a unidades de diferentes tamanhos. Há 22 elevadores instalados. Cinco mil pessoas moram no edifício, que foi projetado por Os-car Niemeyer, mas ele próprio não reconhecia como obra sua, pois o desenho original havia sido alterado durante o período da construção, de 1951 a 1966. Preservaram-se, no entanto, as sinuosas curvas fron-tais. Os corredores do térreo têm uma galeria com 72 pontos comerciais: lojas de calçados e confecções, academia de pilates, cafés, bares e restaurantes.

    Na parte externa do térreo, abre-se à rua o Bar da Dona Onça, de Janaina Rueda. Ela e o marido, o chef Jefferson Rueda, moram no Copan. O arquiteto Paulo Mendes da Rocha, que esteve na pré-estreia do documentário, falou à Globonews sobre a diversidade humana do prédio, com unidades residenciais de dife-rentes tamanhos, habitadas por inquilinos ou proprie-tários dos diversos extratos de renda, de níveis culturais ou de origens étnicas. “É uma demonstração incrível da força política da arquitetura, como forma de co-nhecimento, na realização da cidade contemporânea”.

    O SALTO DE QUALIDADE DO ICÔNICO COPAN É MODELO AOS AVANÇOS DO CENTRO NOVO

    Carlos Beutel, proprietário do restaurante ve-getariano Apfel, mora no Copan há 32 anos, isto é, desde 2006. Ele diz que a transformação ocorrida no gigantesco edifício foi uma guinada de 180 graus, com a degradação chegando ao fundo do poço até o início dos anos 1980, e a completa revitalização se efetivando em menos de uma década. “Eu já peguei o prédio numa boa. Mas, mesmo antes, eu acompa-nhava o processo que culminou com a sua redenção. Mudanças dessa magnitude somente são realizáveis por pessoas cheias de vida”. Ele afirmou que a repul-sa antes causada pelo caos do edifício, converteu-se em uma generalizada admiração.

    “Para a molecada, é ‘cult’ morar no Centro, es-

    pecialmente no Copan. Virou status. Quem faz as mudanças são indivíduos de alma jovem, que têm a visão do século XXI. O que aconteceu com o Copan também vai acontecer com o Centro novo e, na sequ-ência, com o Centro velho. Às vezes, esbarro em al-gum cético, que descrê das possibilidades de mudan-ça no Centro. Mas percebo que esse ceticismo não se estende somente à cidade, mas também à alma dessa pessoa. Faz parte dela. É uma doença, uma patologia. Os céticos influenciam negativamente o ambiente. Por isso, as mudanças – sejam elas a do Copan ou da requalificação do Centro de São Paulo – somente são impulsionadas por pessoas de todas as idades, mas cheias de vida, arejadas, com alma jovem”. l

    Três anos depois, no dia 25 de janeiro de 2004, a sede da prefeitura de São Paulo foi transferida do Palácio das Indústrias, localizado no Parque Dom Pedro, para o edifício de 14 andares que, de 1939 a 1974, sediou o conglomerado das Indústrias Reu-nidas Matarazzo e, posteriormente, foi adquirido pelo Banespa. Em 2012, o governador paulista Ge-raldo Alckmin igualmente transferiu secretarias e órgãos públicos para o Centro velho. “Com o fi-nanciamento do BID, foi feita uma séria obra de recuperação nas praças da Sé, Dom José Gaspar, Roosevelt e, também, restaurou-se a Biblioteca Má-rio de Andrade”.

    Mesmo com a disseminação de órgãos públicos e a reforma de praças, o Centro velho não encontrou o caminho de uma vida urbana mais ativa, sobretu-do do entardecer em diante, porque faltam à região moradias, equipamentos culturais, hotéis, bares e res-taurantes. Carlos Beutel integrou os quadros da As-

    sociação Viva o Centro até novembro 2016, quando resolveu abrir, junto com o psicólogo Jorge Duarte, gestor de turismo e hospitalidade do Senac, o Movi-mento Renova Centro.

    “Temos de olhar a história, reconhecendo que a origem dos novos movimentos de agora está lá atrás, porque há aí uma relação de causa e efeito, e não fatos isolados. Andamos - com as ações vol-tadas ao Centro novo - metade do caminho. Há uma outra metade a ser vencida. Estamos agindo com entusiasmo, com pessoas maravilhosas, como a Lili (Lillian Varella), o Rodrigo, do Ponto Chic, que é um restaurante de quase cem anos, o Fábio, da Buenas, o menino Leo, do La Casarolle, o Bru-no, do Ramona, o Luís Carlos, do Salada Record, o Rafael Freitas, do Free Walking Tour, os jornalistas Clayton e Denize, do A Vida no Centro. Vamos nós, porque temos um poder público que não se conecta com a realidade”.

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    Há no Copan 22 elevadores instalados. Cinco mil pessoas moram no edifício, projetado por Oscar Niemeyer, mas ele próprio não reconhecia como obra sua. O desenho original havia sido alterado durante a construção, de 1951 a 1966.

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