O Fim de um Era

20

Click here to load reader

description

É altamente possível que a Igreja como nós a conhecemos hoje esteja prestes a desaparecer...

Transcript of O Fim de um Era

Page 1: O Fim de um Era

“Chegamos a uma encruzilhada. Se dobrarmos para

a direita, nossos filhos e os filhos dos nossos filhos nos seguirão. Mas, se dobrarmos para a esquerda, gerações

ainda não nascidas amaldiçoarão nossos nomes por termos

sido infiéis a Deus e a sua Palavra.”

CH A R L E S SP U RG E O N, PA S T O R E T E Ó LO G O

Page 2: O Fim de um Era

A IGREJA HOJE: PROBLEMAS E SOLUÇÕES

“Uma era perece quando suas imagens, embora vistas... não mais significam”Archibald MacLeish, poeta

“Um homem ficará prisioneiro em um quarto com a porta destrancada e que abre para dentro enquanto não lhe ocorrer

que deveria puxar a maçaneta ao invés de empurrá-la”Ludwig Wittgenstein, f ilósofo

Page 3: O Fim de um Era

A IGREJA HOJE: PROBLEMAS E SOLUÇÕES 29

Assim como o mundo está passando por mudanças aceleradas, também a Igreja sofre uma mudança muito brusca. Não de uma semana para outra ou de um dia para outro, mas no período de uma geração ou, no máximo, duas – o que, historicamente, representa quase que da noite para o dia. O que esta-mos vendo na sociedade, na mídia e na literatura, vemos também na Igreja: o Corpo de Cristo enfrenta um momento de extrema confusão e de perda das suas amarras, sem compreender o que está acontecendo. Seu maior problema é que não está mais ciente dos seus fundamentos e, portanto, não tem onde se ancorar neste mundo de mudanças tremendas e desorientadoras. Logo, não consegue enxergar sua própria ruína iminente.

A Igreja no Ocidente vive numa sociedade que está perdida. Nossa civiliza-ção está agonizando. Estamos mergulhados numa espécie de Roma Antiga onde todos vivem em função de pão e circo, isto é, apenas de necessidades e prazer: primeiro o que vai encher a minha barriga e depois o que vai me divertir. Não somos mais regidos por ideias, mas por interesses; não so-mos mais regidos por valores, mas pelo que nos serve. Vivemos numa época extremamente imediatista.

Assim, estamos praticamente vivendo uma nova Idade Média, mergulhados numa época de trevas intelectuais em que certas pessoas usam a ignorância geral para alcançar seus fins e realizar suas ambições. Os verdadeiros pen-sadores não aparecem na nossa sociedade de hoje, suas ideias não importam, porque não são interessantes. A maneira como discursam não é interessante. Não cabem num programa de cinco minutos que pode ser entrecortado por comerciais divertidos.

Hoje somos uma sociedade inconsequente, desorganizada e vítima de uma violência sistêmica. Somos vítimas, mas, ao mesmo tempo, parceiros da nossa calamidade. Um exemplo perfeito disso se encontra na classe média festiva, que compra drogas e, assim, financia a violência urbana – com todas

Page 4: O Fim de um Era

30 O FIM DE UMA ERA

as balas perdidas, os arrastões e as guerras de rua. A marginalidade cres-ceu em função dessa riqueza fácil, concentrada nas mãos de quem não tem consciência social nenhuma. Vivemos numa sociedade em que somos prati-camente vassalos de um novo sistema feudal. Esses feudos são os sistemas de comunicação, o poder público – que nos é imposto – e o poder dos bancos, que cresce com o endividamento da maioria.

Em vez de agir intencionalmente, a Igreja está sendo sugada por um redemoinho de forças culturais e não tem mais uma âncora para segurá-la. Sente-se motivada pelas mesmas coisas que motivam a sociedade. A Igreja hoje tem ânsia por poder e por legitimidade. Ela sofre há muito tempo, prin-cipalmente os pentecostais, com a ânsia por legitimidade. Logo, quando um conjunto toca uma música, dizem “vocês são tão bons que parecem Os

”. Ou seja, nossos parâmetros de comparação estão no mundo. Nossos parâmetros de importância também são mundanos. Por exemplo, o pastor que realmente tem uma boa palavra tem de estar na televisão, porque, se não estiver, não deve ter muita importância. E, de fato, a Igreja está se perdendo nessa sociedade de aparências e correndo atrás daquilo que não é essencial. A Igreja hoje é vítima de si mesma, mas, fundamentalmente, é vítima de sua ignorância da Palavra, da ignorância de quem ela é e a quê veio, do porquê da sua existência. E quando digo Igreja, me refiro aos fiéis e aos sacerdotes, que são frutos de gerações passadas. Esses fenômenos ocor-rem como resultado de uma evolução que acontece ao longo das gerações. A atual situação começou a se formar ao longo dos últimos 200 anos.

O que vemos na Igreja é uma desorientação profunda. Ela se segura em qual-quer coisa para tentar encontrar sua missão. Logo, uma Igreja mais piedosa, mais engajada socialmente, acabou lançando mão da Teologia da Liberta-ção1 com o mesmo vigor que certos grupos da Igreja Católica fizeram sob a

Page 5: O Fim de um Era

A IGREJA HOJE: PROBLEMAS E SOLUÇÕES 31

influência de Leonardo Boff,2 crendo que os problemas do mundo são os pon-tos de partida da missão cristã. Outros adotaram o ideal neoliberal e isso se transformou na Teologia da Prosperidade,3 por acreditarem que os desejos do mundo são os pontos de partida da missão cristã. O bem-estar pessoal e o avanço individual são tidos como soberanos na vida dessas pessoas. E mais, são considerados provas da bênção de Deus. Com isso, confundem comple-tamente tanto a natureza da fé cristã quanto a missão do Corpo de Cristo. Nesse sentido, vejo a Igreja tão confusa como na época de Constantino, quando foi cooptada pelo Estado. Só que nós fomos absorvidos pelo estado das coisas, pela sociedade em que vivemos. Somos servos das filosofias dos nossos dias. Vivemos numa época desesperadamente necessitada de redes-cobrir o que diz em Romanos 12, pois precisamos renovar a mente para não nos conformarmos a este século.4

Igreja, Carisma e Poder

Page 6: O Fim de um Era

32 O FIM DE UMA ERA

Existem movimentos na Igreja ao redor do mundo que estão procurando um retorno à verdadeira espiritualidade. Mas, por enquanto, esses movi-mentos não estão crescendo muito.

Há uma volta ao monasticismo, mas de uma forma completamente diferente: é o monasticismo urbano. Hoje em dia você pode ser um “monge” leigo, por assim dizer. E há milhares de pessoas em todo o mundo que observam as disciplinas cristãs, tais como o silêncio, a simplicidade, o jejum, a oração e outras, dentro de suas vidas normais, cotidianas e urbanas.

Existe também um movimento no Brasil que está tentando voltar às antigas práticas, e isso acontece em igrejas pentecostais, presbiterianas, luteranas e outras onde as pessoas vão a retiros e praticam o silêncio, a reflexão, a leitura espiritual – 5 – e o jejum. É uma tentativa de resgate por causa dessa percepção de que a Igreja, na sua manifestação popular, não vai bem.

Há também um grande número de pastores pentecostais que estão retor-nando aos seminários, algo que durante muito tempo consideravam desne-cessário e até indesejável. Há um anseio por estudar novamente; isso numa época em que a letra impressa é desprezada por causa da televisão e da In-ternet. Mas existe um desejo entre cristãos de entender mais sobre a Bíblia. Isso tudo é muito positivo; não é majoritário, mas é positivo. E está aconte-cendo pelo mundo todo.

Existem também movimentos de grande avivamento, especialmente em re-gimes totalitários, como a Igreja na China, onde há um enorme crescimento da Igreja subterrânea. Dezenas de milhões de pessoas estão se converten-do em porões escondidos. Há, ainda, missões de socorro – como a Visão Mundial6 – que faz um trabalho cristão entre os menos favorecidos, para mencionar apenas uma entre centenas dessas frentes que expressam o amor cristão pelo mundo afora. Então, há fenômenos espetaculares acontecendo na Igreja, mas de pouca projeção nos meios de comunicação.

Page 7: O Fim de um Era

A IGREJA HOJE: PROBLEMAS E SOLUÇÕES 33

Infelizmente, o que é público e notório, o que todos comentam, é a última bobagem, a última briga, o último racha que houve ou algo que passou na televisão e que constitui um escândalo. A Igreja hoje é um escândalo na so-ciedade, uma vergonha pública. Por exemplo, há uma operadora de telefones celulares que não negocia com igrejas por ter sofrido muitos calotes. Já se criou uma categoria de igreja chamada “igreja séria”. Isso é um absurdo.

Exatamente. Infelizmente, hoje o crente é considerado culpado, a não ser que se prove o contrário. Antigamente, o crente era, no mínimo, respeitado, embora talvez não querido, pois há sempre uma luta entre a luz e as trevas. Havia um conceito de crente: ele era motivo de chacota, de brincadeiras, mas na hora em que se precisava de socorro ia-se a ele em busca de oração. Hoje em dia não, ele é um incômodo na sociedade. Não por causa de seu testemunho, mas pelo seu mau comportamento. Sua hipocrisia é o que escandaliza.

Sim. As exceções comprovam a regra. Qualquer exemplo que se destaque por sua virtude denuncia, por sua existência e atuação, o estado geral cala-mitoso. É como dizer “esse aí é um político sério e honesto”. Só se chama al-guém de “político sério” porque o título “político” já ganhou uma conotação intrinsecamente desonesta. Então, se chamam uma igreja de “igreja séria” é porque o conceito de “igreja” está falido. E já ouvi essa frase das fontes mais variadas, como fornecedores, membros, ateus e políticos. A Igreja é percebida hoje como uma organização mercantilista, como um negócio falso, baseado em princípios falsos, que explora a fé simples das pessoas.

Page 8: O Fim de um Era

34 O FIM DE UMA ERA

O principal problema é a cultura interna que ela gerou, que não é inteira-mente cristã. Na Igreja fundamentada em princípios bíblicos, todos se re-portam à Bíblia. Mas, infelizmente, as práticas, as crenças, o modo de agir popular dos cristãos constituem desvios reais da fé. E não estou falando de dogmas,7 doutrinas ou teologia.

Por exemplo, o pentecostal é aquele que acredita que as manifestações do dia de Pentecostes continuaram nos anos seguintes e não cessaram com o fim da geração dos apóstolos; pelo contrário, permanecem até os dias de hoje. Essas manifestações incluem sinais, prodígios, línguas estranhas, movimen-tos de evangelismo .. Essa é a convicção básica do movimento pentecostal. O pentecostalismo, por outro lado, já é toda uma cultura que foi crescendo, evoluindo, com base em práticas, preconceitos, caricaturas, pregações, tiques e frases que se tornaram moda e por isso caíram nas graças de todo mundo. E são praticamente inquestionáveis. Tragicamente, essa cultura vai muito além das fronteiras da fé cristã e do que realmente é convicção pentecostal. Parte dessa cultura pentecostal e evangélica é paradoxalmente antipentecos-tal, anticristã e mundana.

Por exemplo: nós transformamos a ideia do ”tem que dar certo”, que é muito própria do brasileiro, em algo que marcamos com a frase “em nome de Jesus”. Dizemos “isso vai acontecer em nome de Jesus”, “eu estarei lá em nome de Jesus”. Assim, “em nome de Jesus” se tornou praticamente o “tem que dar certo”. Mas, de certa forma, constitui também uma violação do terceiro man-damento, pois se acaba usando o nome do Senhor em vão.8 Coisas do gênero.

Deixe-me dar um exemplo que leva isso a uma conclusão lógica. Eu estava procurando um apartamento para alugar e a corretora, que era evangélica,

Page 9: O Fim de um Era

A IGREJA HOJE: PROBLEMAS E SOLUÇÕES 35

descobriu que eu era um bispo. O dono do apartamento tinha esquecido de deixar as chaves na portaria, por isso ela pegou um molho de chaves e disse “bom, vamos ver se uma dessas vai funcionar, pois, de repente, pode abrir”. Então pegou uma das chaves e disse “agora eu vou ver se o sangue de Jesus tem poder”. Ela pôs a chave na fechadura, mas a porta não abriu. Ou seja: para aquela ocasião o sangue de Jesus não tinha poder. O sagrado foi trivia-lizado pelo seu uso popular e, podemos até dizer, vulgarizado. Vulgarizamos as coisas sagradas. As nossas expressões cristãs se tornaram chavões, adesi-vos, chaveiros. A gente pega qualquer frase e já transforma numa espécie de patuá, numa espécie de passe de mágica: “Em nome de Jesus, vai dar certo”. E, às vezes, não tem nada a ver com Jesus, com a fé. Jesus não está nem re-motamente envolvido com aquilo.

Ou seja: criou-se uma cultura evangélica que vulgariza nossos símbolos e nossas palavras. E, na vulgarização das nossas palavras, elas se tornam me-nos valiosas, menos preciosas. A fé tornou-se algo a serviço da nossa vida secular. Claro que nossa fé se aplica à vida secular, mas ela não existe como um recurso apenas, e sim como uma autoridade sobre esta vida.

A banalização de tudo o que é sagrado. É como Hofni e Finéias, que pegaram a Arca da Aliança e a levaram para o meio da batalha.9 Tiraram-na do lugar onde deveria ter ficado, que é na presença do Senhor. E o que aconteceu? Os filisteus capturaram a Arca. Do mesmo modo, nós banalizamos o que é sagrado e, ao fazermos isso, nos tornamos anticristãos. E hoje o que se vê é uma Igreja mundana. Nossas palavras apontam para Cristo, mas a maneira como as empregamos aponta para o mundo. Trágico.

Page 10: O Fim de um Era

36 O FIM DE UMA ERA

Por uma série de fatores.

Primeiro, o principal: a mídia gerou uma cultura em que tudo pode ser fa-lado. Qualquer bobagem é legítima. Segundo, não há mais respeito pela au-toridade. Então, não usamos mais títulos de respeito, não pedimos mais a bênção aos nossos pais, referimo-nos ao próprio presidente da República com irreverência e chacota.

O terceiro fator é o modo pelo qual formamos conceitos. Antigamente se aprendia em conversas de pai para filho o que era certo e errado, o que era feio e o que era belo – valores estéticos e morais. A Bíblia foi construída em grande parte assim. Essas metanarrativas pautavam nossas vidas. Havia certa continuidade baseada na autoridade da história e do exemplo dos mais velhos. Hoje em dia não. A informação foi democratizada pela mí-dia, mas também todo o conhecimento foi reduzido apenas a informação. A verdade passou a ser privatizada. O indivíduo tornou-se o dono de sua própria verdade. Isso afetou a Igreja também. A maneira pela qual formamos nossos conceitos tornou-se uma questão de preferência pessoal. Algo é cer-to para mim quando eu assim quiser. Se eu não gostar, passa a não ser mais verdade. Com o advento da Revolução Industrial, surgiu toda uma socieda-de de consumo. Logo, uma verdade tornou-se também um item de consumo. Cada um faz o que bem entende, ninguém mais reconhece a autoridade.

Quarto: surgiram novos mitos, e a Igreja cultiva os seus mitos. Um de-les é o de que quem estiver na televisão pelo menos está fazendo alguma coisa. Assim, deixamos de ser regidos pela verdade e passamos a seguir a mística das celebridades. O conhecimento tornou-se algo renovado dia após dia. Aliás, não há mais conhecimento, só informação – informações que eu vou selecionando e juntando na minha vida, a meu bel-prazer. E quem vender melhor sua filosofia, sua ideia do que seja a verdade, leva o prêmio: a minha crença.

Page 11: O Fim de um Era

A IGREJA HOJE: PROBLEMAS E SOLUÇÕES 37

Veja o caso de Paulo Coelho, que faz uma literatura paupérrima, mas mui-to influente. Como autor, é um dos mais vendidos do mundo, embora seja horrível. Mas é influente. As coisas que ele escreve são tidas como mara-vilhosas e místicas, principalmente porque ninguém entende o que ele diz. Isso é interessante também, pois mostra que preferimos estilo a conteúdo. Os budistas, por sua vez, dizem: “A felicidade é o som de uma só mão ba-tendo palmas”. É um absurdo, mas é muito lindo. Por isso as pessoas dizem “isso é tão profundo, que legal”. E na Igreja também. Veja: nossas músicas não evoluíram, não têm mais doutrina. São canções melosas com melodias bonitas que comovem. Então as pessoas se emocionam, ficam arrepiadas. Mas muitas das músicas afirmam heresias, romantizam a fé e até erotizam o nosso relacionamento com Deus.

Já adquiriu e foi além, tanto que está sendo imitada pelo mundo. A Igreja foi imitada, por exemplo, por programas de auditório. Seus apresentadores têm os corinhos e os reclames e a figura pastoral de microfone na mão é querida por todos. Ou seja, o que se fez foi uma espécie de paródia do rito religioso do século vinte. Nós ultrapassamos em muito a superficialidade da sociedade. O problema é que ela apenas mudou seus métodos. Já nós perdemos a nossa essência. A sociedade ficou com a essência que sempre teve, que é pagã e mundana. Nós, infelizmente, perdemos a nossa. A Igreja tornou-se desalmada: não há mais uma consciência comunitária, não há mais zelo pela verdade e, certamente, não há mais respeito por autoridade. As pessoas frequentam três, quatro, cinco igrejas, assistem a mensagens vindas não sei de onde e compõem sua jornada pessoal de fé a partir desse cardápio de influências. Só que continuam superficiais e carnais.

Às vezes ouço as pessoas dizerem “precisamos de uma emissora de televisão cristã, uma emissora que todo cristão quer ver”. A verdade é que, tanto quanto quem não é cristão, o cristão típico moderno não quer ver uma emissora de

Page 12: O Fim de um Era

38 O FIM DE UMA ERA

televisão cristã, quer assistir ao Big Brother Brasil, um programa de baixís-simo nível moral e cultural. Quando vai ao dentista, ele lê a revista de fofocas na sala de espera; quer saber quem é a última namorada do galã da novela das oito; quer saber quem traiu quem e se apaixona pela atriz ou pelo ator da hora. Ele chega a sacrificar relacionamentos e fugir de responsabilidades para não perder a “sua” novela. Na penúltima Copa do Mundo, foi sugerido numa igreja de expressão que o culto fosse gravado para que todos pudessem assistir à fi-nal da Copa ao vivo e depois ao culto. Pense só nas implicações dessa sugestão. O “culto” esportivo em primeiro lugar e depois a devoção a Deus?

Desabaram. Só mudaram no sentido de que a Igreja não é mais um teste-munho, é um incômodo. Porque, ao transferir sua cidadania do Reino de Deus para o mundo, o cristão se angustia e quer mudar o mundo. Isso o leva a querer transformar os meios de comunicação, a política e a vida alheia. Por não entender que aqui não é o nosso lar, ele quer mudar o mundo que já percebe como o seu lar. Não se fala mais do Céu, de ser uma raça eleita, do sacerdócio santo. Nós nos reduzimos a cristãos do mundo. Então queremos nos engajar em ação social, principalmente por meio de política partidária. Fizemos dos interesses do mundo os nossos. Enfim, nos tornamos amigos do mundo e inimigos de Deus.10

Esta banalização é uma mutação e denuncia um abandono da fé. Se fé é de fato seguir a Cristo, tomar a cruz e desprezar o mundo, então a secularização da Igreja constitui o abandono da fé e, se pensarmos bem, a morte da Igreja.

Page 13: O Fim de um Era

A IGREJA HOJE: PROBLEMAS E SOLUÇÕES 39

É altamente possível que a Igreja como nós a conhecemos hoje esteja prestes a desaparecer. Porque, quando a coisa apertar, e vai apertar, quanto mais difí-cil for a situação, mais as pessoas vão abandonar as soluções imediatistas para procurar as verdadeiras. E, se a Igreja não as apresentar, pode definhar rapi-damente, como já aconteceu na Europa e está ocorrendo nos Estados Unidos. As projeções nos Estados Unidos são que, dentro de trinta a quarenta anos, a Igreja caia para um quinto do seu tamanho.

É bastante claro que há redutos na Igreja que oferecem esperança. Quando falo sobre a morte da Igreja, estou me referindo a um fenômeno majoritário e altamente visível. A Igreja invisível e viva nunca morrerá.

A Igreja evangélica está abraçando causas e métodos que violam a sua essência e desvirtuam sua missão. Ela corre grande perigo nesse sentido. Está lançando mão de recursos que não são legítimos, em especial a televisão e o poder político. Falemos primeiro da TV. Neil Postman11 escreveu, em 1985, um livro chamado ( ) em

O Desaparecimento da Infância O Fim da Educação

Page 14: O Fim de um Era

40 O FIM DE UMA ERA

que fala sobre a televisão como um instrumento desagregador, que trivializa toda informação que passa por ela. A TV é hoje um meio de comunicação de massa que se iguala pelo denominador comum mais baixo possível. Tanto que o que dá mais Ibope são as coisas mais ignóbeis possíveis. A televisão educativa não tem audiência, ninguém dá a mínima. Quase nin-guém vê televisão para se educar, para se enobrecer. A maioria quer ver televisão só para parar de pensar ou se esquecer, se desviar daquilo que a atormenta, se distrair.

Mas o que acontece? A Igreja vislumbra a TV como um meio legítimo de transmitir o Evangelho, o que é um absurdo, já que o que a televisão faz como formação de conceitos é criar celebridades. O que elas falam não im-porta, tanto que a vilã da novela é amada pelo público. Não levamos em conta o que ela representa ou quem ela é de verdade, somente que ela está na televisão. Por mais que seja vilã, se andar na rua queremos o seu autó-grafo, tentamos falar com ela, chegar perto e até bater uma foto. Por quê? Porque é uma celebridade.

Meu pai fez um programa de televisão durante um tempo. Ele me disse: “Televisão cria monstros”. Eu vi o quanto ele lutava contra a vaidade gerada pelo fato de ser conhecido na rua. Ele mesmo me confessou como a vaida-de era um problema para ele, por causa de sua fama. Televisão evangélica apenas cria celebridades, não avança a causa de Cristo. Por quê? Porque não se assiste a televisão para ouvir a verdade. É como levar a mensagem do Evangelho para o circo e pregar entre o dos macacos amestrados e o dos palhaços. Pessoas não vão ao circo para ouvir o Evangelho, e sim para se divertir com os macacos, os palhaços, os acrobatas. Então, de repente, o Evangelho se insere num contexto completamente contrário àquele que tem a estrutura necessária para transmiti-lo. E o que acontece? Leva-se a Arca para fora do Santo dos Santos, para o campo de batalha. No popular: a Igreja vira circo. Com isso, a Igreja perde a batalha, pois, em vez de se concentrar naquilo que é sagrado, construir comunidade, ensinar a verdade e formar bons discípulos, está numa guerra voltada para determinar quem grita mais alto no meio do circo chamado “televisão”.

Page 15: O Fim de um Era

A IGREJA HOJE: PROBLEMAS E SOLUÇÕES 41

E não é à toa que as celebridades evangélicas estão se corrompendo, porque a vida de celebridade conduz à corrupção. Na nossa sociedade não existe meio de isso não acontecer. Algumas poucas que conheço resistem heroica-mente. Mas o custo é muito alto. Essa corrupção é quase irresistível, pois a celebridade se alimenta de vaidade. O coração dificilmente reconhece a presença deste pecado. Orgulho e vaidade são pecados que se disfarçam com extrema facilidade. Quem não os enxerga, no entanto, são os próprios or-gulhosos e vaidosos. Os outros sim, mas quem está sob os holofotes é facil-mente confundido pelo próprio coração.

A segunda coisa que a Igreja está buscando é o poder, na política ou na ma-çonaria. Há quem defenda que, para fazer algo de bom, o Corpo de Cristo tem de participar da estrutura de poder. Só que esse não é um poder cristão, o poder do Estado é imposto por força. A participação da Igreja na socie-dade é uma coisa, pois esse envolvimento é participativo e voluntário: doar sangue, entregar cesta básica e por aí vai. Já o Estado é uma força imposta sobre a sociedade. A participação nela é espontânea, enquanto o poder do Estado se impõe não pela vontade do povo, mas por coerção – ao contrário do que se prega no Ocidente, supostamente democrático. Isso pode soar estranho, mas observe que todas as suas regras e leis são impostas pela for-ça, que, por sua vez, implica na possível aplicação de violência. Se você não seguir as regras, pode perder a liberdade, o dinheiro, o direito de ir e vir. Ou seja, o Estado se impõe. Não pede licença. Na prática, legisla à revelia da vontade da população. Serve a interesses que pagam para ter suas vontades atendidas. À população resta apenas aceitar e acatar aquilo a que não pode resistir ou que não consegue mudar.

A maçonaria já é uma prima secreta do poder público. É formada sobre princípios esotéricos que se firmam por meio de rituais que marcam um compromisso cada vez maior do indivíduo com os seus companheiros da loja. Sem entrar em detalhes, essa forma de esoterismo é completamente antagônica à confissão cristã. A maçonaria afirma coisas que contrariam verdades contidas nas Escrituras Sagradas. Como um sacerdote cristão pode se dizer um despenseiro da multiforme graça de Deus e fazer esses

Page 16: O Fim de um Era

42 O FIM DE UMA ERA

votos maçônicos é um mistério para mim. De duas uma: ou ele foi seduzi-do e enganado pela loja, ou está enganando aos que são de fora, o que faz dele um cínico e um farsante.

A Igreja passou a acreditar que poderia demonstrar amor ao próximo ao se incorporar ao poder. Só que ele termina por corromper quem dele participa. Não podemos ignorar a máxima que diz que “o poder corrompe e o po-der absoluto corrompe absolutamente”. Você não pode fazer uma coisa boa usando um mecanismo ruim, pois os fins não justificam os meios. Os meios são justificados pela natureza da missão e não pelos objetivos. Ou seja, são justificados no início e não no final.

A gente tem de olhar para o início: qual é a nossa missão? Não é mudar o mun-do, mas tirar pessoas do mundo e trazê-las para o Reino, proclamar Cristo e anunciar que um dia este mundo vai acabar. Jesus, quando veio à Terra, não fez política. Ele mesmo afirmou isso a Pilatos na ocasião do seu julgamento.

A incursão na política violou e corrompeu o relacionamento entre sacerdote e membros, desvirtuou completamente a natureza da nossa missão e nos envolveu numa estrutura violenta, o que é uma violação total do espírito de Cristo. O desvio da missão da Igreja é seriíssimo e as consequências são graves. Nesse sentido, a Igreja se perdeu.

Sem dúvida. Um dos acontecimentos mais influentes na História da Igreja foi a invenção do relógio mecânico. Mas Pedro disse: “De uma coisa não po-demos esquecer”. O que me faz pensar: o que será que o grande apóstolo pensa ser a soma do que não podemos esquecer? Ele disse que “para Deus, mil

Page 17: O Fim de um Era

A IGREJA HOJE: PROBLEMAS E SOLUÇÕES 43

anos são como um dia e um dia, como mil anos”.12 Que coisa extraordinária! Isso é aquilo que nunca devemos esquecer. Pois para Deus o tempo não existe. Mas nós estamos muito preocupados com o tempo. Preocupados com algo que não preocupa a Deus.

Veja o impacto dessa invenção, o relógio. Em vez de medirmos o tempo pelas estações, pelo Sol, por elementos bem maiores – e, portanto, que proporcio-nam a percepção de que temos tempo para pensar, conversar e ler – somos movidos por relógios que contam tudo em segundos. Nunca nos sentimos tão movidos pelo tempo e nunca nos sentimos tão sem tempo. O problema é mais grave se considerarmos o seguinte: se o tempo não existe para Deus e Ele é a realidade infinita e eterna, então estamos guiando nossas vidas por algo irreal, uma fantasia, uma construção lógica que não tem fundamento na realidade divina. Enfim, estamos norteando todo o nosso modo de pensar com base num paradigma fabricado e, consequentemente, falso. Que extra-ordinário, não? A ideia de que o tempo é relevante não é divina.

Em curto prazo – lá vou eu tentando explicar isso em termos de tempo – o tempo ajuda a ordenar eventos. Mas quando é levado para o âmbito maior da nossa visão do mundo e da vida, nos perdemos. Passamos pelo espelho de Alice no País das Maravilhas e tudo passa a fazer sentido de uma maneira que não fazia antes.

Mas, em vez de nos perdermos no mar filosófico desta consideração, o que é extremamente tentador, vamos nos restringir a considerações mais simples. Nós temos tanto tempo quanto Agostinho e Tomás de Aquino, Abraão e Einstein, Adão e Nabucodonosor. Só que temos tantas opções, tantas coi-sas para fazer nos pressionando, que achamos que não temos tempo sufi-ciente. De fato, a sociedade nos oferece e nos chama para uma multidão de “passatempos” e não há como fazer, ler, assistir ou experimentar tudo. Tudo é feito com pressa; nada é feito ponderadamente. O sacerdote esqueceu o ócio santo; esqueceu a necessidade de silêncio; esqueceu a importância de ter tempo para ouvir pessoas, para ler a Palavra de Deus e meditar. Ele se vê pressionado a dividir bem o tempo que possui – outra ideia doida, porque o

Page 18: O Fim de um Era

44 O FIM DE UMA ERA

tempo não nos pertence – entre as muitas coisas que tem de fazer e gostaria de fazer, como moedas no bolso que precisam ser gastas ou perdidas.

E isso é um problema universal, não só de sacerdotes. Até nas férias temos pressa. Quantas pessoas pegam o carro, vão para a estrada e tentam chegar ao seu destino no menor espaço de tempo possível? O tempo se tornou o nosso Deus. Há um ditado oriental que diz “o Ocidente é o lugar onde os homens carregam deuses nos seus pulsos”. Segue-se ao ditado que a pressa não é a inimiga da perfeição; a pressa é a inimiga.

Há indústrias que foram criadas para nos proporcionar mais tempo. O forno de micro-ondas existe não para que cozinhemos de modo mais eficiente, ou melhor, mas em menos tempo. Há máquinas de exercício que prometem uma condição física melhor com “apenas 15 minutos por dia”.

Não temos tempo para os filhos. E, no entanto, se a próxima geração se per-der, para quê valeu a nossa vida? Vivemos tão em função do nosso prazer, da nossa satisfação, da nossa realização pessoal, de tudo a que queremos assistir e fazer que esquecemos da próxima geração. Vivo num bairro de pessoas abastadas e a grande parte dos jovens daqui é entregue ao , a babás, a motoristas, a escolas e mal conhecem seus pais, que estão sempre viajando ou que trabalham em empregos que ocupam doze horas de seu dia. Os filhos crescem criados por uma Internet onde tudo é acessível, por uma televisão imoral e banal e por colegas que são tão sem direção como eles. Há uma geração inteira crescendo sem que alguém gaste tempo com ela, a não ser que seja contratado para tanto.

E, na Igreja, os sacerdotes querem uma congregação grande e rica, para ter seu celular, seu carro novo e poder ir às conferências para dizer quantos membros têm quando, de fato, deveriam estar investindo na próxima gera-ção. Eles têm de estar dispostos a ser como Ananias, que foi chamado por Deus para orar por um só homem. Mas aquele homem foi o apóstolo Pau-lo. Quantos “apóstolos Paulo” estão se perdendo nas igrejas, que poderiam transformar uma sociedade toda em apenas uma geração se investíssemos nossa vida neles – nos “bons e fiéis” que Paulo cita na sua carta a Timóteo!

Page 19: O Fim de um Era

A IGREJA HOJE: PROBLEMAS E SOLUÇÕES 45

A Igreja não é chamada para ser eficiente, grande ou rica. Ela é chamada para ser fiel. E fidelidade pode ser algo muito pequeno, demorado e sofrido. Para sermos fiéis temos de estar dispostos a sermos considerados malsu-cedidos pela sociedade – até irrelevantes –, porque a verdadeira Igreja é irrelevante para a sociedade. Ela é relevante para Deus e para o Reino de Deus. Nossos alvos não são os mesmos da sociedade. Hoje em dia seria considerado um absurdo e um desperdício se um homem gastasse boa parte da sua vida pintando o teto de uma capela. Mas quem pode negar o quanto a Capela Sistina no Vaticano enriqueceu a Igreja e o imaginário dos fiéis na sua busca de louvar a Deus?

Mas a Igreja quer aplausos, e já. Faz um grande evento, o governador apa-rece e todos acham que uma grande coisa aconteceu. Para mim, a aparição do governador não importa. A busca de comendas, aplausos e reconheci-mento da nossa contribuição à sociedade é vaidade e correr atrás do vento. Quem faz isso desperdiça seu ministério e sua vida.

Temos de remir o tempo porque os dias são maus.13 Ou seja, temos de tomá-lo de volta e usá-lo bem. Einstein disse que a qualidade da nossa vida não pode ser medida pela velocidade na qual nós a vivemos. Quem chega ao fim tendo feito mais não leva nenhum prêmio. Só os fiéis serão galardoados.

he-done

Page 20: O Fim de um Era

46 O FIM DE UMA ERA

Falida. O hedonismo foi o tendão de Aquiles de Roma. Minha única per-gunta é: quais são as tribos bárbaras que vão nos desfazer de vez?15 Porque, se vivemos em função de pão e circo, como Roma fez, é só uma questão de tempo para uma tribo mais dedicada, mais coesa, com um tônus social e filo-sófico mais forte, nos invadir e conquistar.

Historicamente, o hedonismo generalizado é um dos sinais de uma civilização que está morrendo. E nossa civilização está morrendo. Não somos mais mo-vidos por ideias ou ideais, só queremos saber do agora, do prazer. Isso quer dizer que estamos vivendo o fim de uma era, tanto cristã quanto ocidental. O Ocidente está agonizando. É extremamente importante que enxerguemos isto. Nós estamos à beira de uma mudança cataclísmica na estrutura e na face da nossa civilização. O mundo está para ser estremecido, mudando sua face, a maneira pela qual as pessoas se relacionam, as regras de convivência social, a definição do que se entende por um “ser humano”. E, com o mundo, a Igreja como nós a conhecemos ou será reformada ou morrerá. Hedonismo não é a doença, é um sintoma de algo muito mais profundo e grave.

O ponto de equilíbrio está na entrega a Deus, na comunhão com Deus, numa vida vigorosa com Deus. É pôr tudo sob o senhorio de Cristo. Temos de fazer tudo para a honra e glória de Deus. Se não houver esse equilíbrio você vive para o trabalho, para o prazer ou para outra coisa qualquer. Mas quem vive para Deus vive em equilíbrio. Só Deus põe a vida em equilíbrio. Este equilíbrio não é medido em horas de leitura ou oração. É um compromisso de vida. É um modo de se ver tudo, de decidir tudo.