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64 CUSTO BRASIL Até o advento da Lei 11.638/07, a legislação brasileira não estabelecia regras claras que garantissem a segu- rança e a transparência necessárias para a realização de negócios entre exe- cutivos e investidores, nem tampouco facilitassem a compreensão dos padrões contábeis brasileiros. Por conta disso, as entidades ligadas ao mercado de capitais (ABRASCA, API- MEC, BOVESPA, CFC, FIPECAFI e IBRA- CON) e os órgãos governamentais (CVM, BACEN, SUSEP e SRF) vêm lutando, há mais de dez anos, para introduzir regras contábeis compatíveis com os padrões internacionais de contabilidade conhe- cidos como International Financial Re- porting Standards – IFRS. Isso serviria para facilitar negócios entre empresas nacionais e internacionais, bem como garantir o acesso irrestrito a fontes de recursos financeiros disponíveis no mercado internacional. Desse modo, as sociedades empre- sariais, a partir da publicação da Lei 11.638/07, têm envidado inúmeros es- forços para darem início ao processo de convergência de sua contabilidade aos padrões internacionais para: a) reclassificação de seus saldos contábeis; b) avaliação de ativos e passivos; c) reconhecimento de perdas e bai- xas de ativos no resultado (despesas); e d) interpretação e julgamento dos contratos. Tais esforços têm como objetivo principal a conciliação das informações a serem enviadas à Comissão de Valo- res Mobiliários (CVM) e a Secretaria da Receita Federal do Brasil (SRFB), respectivamente, através dos balanços societários e contábeis. Ora, se a empresa que se encon- trar nessa situação não tiver o cuidado necessário, poderá prejudicar a inter- pretação do seu balanço contábil, e, consequentemente, ficar à mercê das autoridades fiscais que poderão ques- tionar a veracidade de suas informações utilizando como ferramenta o balanço societário. Porém, é de conhecimen- to geral que nem todas as empresas têm adotado esse novo padrão contábil, embora, numa análise mais apurada, o início do processo de convergência aos padrões internacionais de contabi- lidade seja obrigatório para todas elas, conforme disposições contidas na Lei nº 6.404/76, com as alterações introduzi- das pela Lei nº 11.638/07 e interpreta- ções, orientações e pronunciamentos técnicos do Comitê de Pronunciamentos Contábeis - CPC. Diante de tal impasse, as empre- sas que já iniciaram o processo de convergência para as regras contábeis propostas pelo IFRS têm exigido que seus fornecedores e clientes adotem a mesma postura para harmonizarem as informações prestadas por toda a cadeia produtiva. Com efeito, as em- presas que não se sentiram motivadas ao início do processo de convergência aos padrões internacionais de contabi- lidade devem analisar com afinco sobre a conveniência dessa opção sob pena de inviabilizarem o incremento de seus negócios. Assim, não resta dúvida de que a adoção das novas práticas contábeis internacionais por uma determinada sociedade empresarial poderá afetar toda uma cadeia produtiva, a qual de- verá manter uma estratégia comum em relação ao início do processo de conver- gência ao IFRS. O fim da Babel contábil ROBERTO GOLDSTAJN Sócio de Hand, Goldstajn e Advogados Associados

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Até o advento da Lei 11.638/07, a legislação brasileira não estabelecia regras claras que garantissem a segu-rança e a transparência necessárias para a realização de negócios entre exe-cutivos e investidores, nem tampouco facilitassem a compreensão dos padrões contábeis brasileiros.

Por conta disso, as entidades ligadas ao mercado de capitais (ABRASCA, API-MEC, BOVESPA, CFC, FIPECAFI e IBRA-CON) e os órgãos governamentais (CVM, BACEN, SUSEP e SRF) vêm lutando, há mais de dez anos, para introduzir regras contábeis compatíveis com os padrões internacionais de contabilidade conhe-cidos como International Financial Re-porting Standards – IFRS. Isso serviria para facilitar negócios entre empresas nacionais e internacionais, bem como garantir o acesso irrestrito a fontes de recursos financeiros disponíveis no mercado internacional.

Desse modo, as sociedades empre-sariais, a partir da publicação da Lei 11.638/07, têm envidado inúmeros es-forços para darem início ao processo de convergência de sua contabilidade aos padrões internacionais para:

a) reclassificação de seus saldos contábeis;

b) avaliação de ativos e passivos; c) reconhecimento de perdas e bai-

xas de ativos no resultado (despesas); ed) interpretação e julgamento dos

contratos. Tais esforços têm como objetivo

principal a conciliação das informações a serem enviadas à Comissão de Valo-res Mobiliários (CVM) e a Secretaria da Receita Federal do Brasil (SRFB), respectivamente, através dos balanços societários e contábeis.

Ora, se a empresa que se encon-trar nessa situação não tiver o cuidado necessário, poderá prejudicar a inter-pretação do seu balanço contábil, e, consequentemente, ficar à mercê das autoridades fiscais que poderão ques-tionar a veracidade de suas informações utilizando como ferramenta o balanço societário. Porém, é de conhecimen-to geral que nem todas as empresas têm adotado esse novo padrão contábil, embora, numa análise mais apurada, o início do processo de convergência aos padrões internacionais de contabi-lidade seja obrigatório para todas elas,

conforme disposições contidas na Lei nº 6.404/76, com as alterações introduzi-das pela Lei nº 11.638/07 e interpreta-ções, orientações e pronunciamentos técnicos do Comitê de Pronunciamentos Contábeis - CPC.

Diante de tal impasse, as empre-sas que já iniciaram o processo de convergência para as regras contábeis propostas pelo IFRS têm exigido que seus fornecedores e clientes adotem a mesma postura para harmonizarem as informações prestadas por toda a cadeia produtiva. Com efeito, as em-presas que não se sentiram motivadas ao início do processo de convergência aos padrões internacionais de contabi-lidade devem analisar com afinco sobre a conveniência dessa opção sob pena de inviabilizarem o incremento de seus negócios.

Assim, não resta dúvida de que a adoção das novas práticas contábeis internacionais por uma determinada sociedade empresarial poderá afetar toda uma cadeia produtiva, a qual de-verá manter uma estratégia comum em relação ao início do processo de conver-gência ao IFRS.

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RobeRto GoldstAjnsócio de Hand, Goldstajn e Advogados Associados

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Nunca é demais relembrar que inú-meras transformações contábeis im-postas pelos órgãos públicos ao longo desses anos têm se refletido direta ou indiretamente em toda uma cadeia em-presarial, como, por exemplo, no caso da escolha do melhor regime contábil para apuração de suas obrigações fis-cais. Ora, é notório o fato de que os órgãos públicos têm criado inúmeros obstáculos às sociedades empresariais para o incremento de suas atividades comerciais com o fito de facilitar a execução de suas ações fiscalizatórias.

Portanto, a sociedade empresarial que ainda não iniciou o processo de con-vergência aos padrões internacionais de contabilidade veiculados pela Lei número 11.638/07 deve refletir cuidadosamente sobre tal situação. A seguir, para facilitar a compreensão desse raciocínio e sua posterior decisão na implantação ou não das normas contábeis internacionais, faremos um paralelo dessa situação com a repercussão oriunda da escolha do regime contábil adotado pela empresa, nesse caso, a opção pelo SIMPLES.

oPÇÃo Pelo sIMPlesAs empresas com faturamento anual

até R$ 2.400.000,00 (dois milhões e quatrocentos mil reais) e que apuram os seus resultados pelo Sistema In-tegrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte – SIMPLES possuem uma série de benefícios fis-cais, em especial, as reduções na carga tributária e no número de obrigações acessórias a serem cumpridas.

As empresas enquadradas nesse re-gime fiscal se beneficiam diretamente no custo relativo à manutenção do negócio, porém, estão obrigadas a obedecerem a uma série de regras, tais como a impos-sibilidade de:

a) auferir faturamento anual supe-rior a R$ 2.400.000,00 (dois milhões e quatrocentos mil reais);

b) ingresso de sócio estrangeiro residente no exterior em seus quadros societários;

c) ingresso de sócio com participa-ção de 10% (dez por cento) do capital em outra sociedade empresarial, cujo faturamento global seja superior a R$ 2.400.000,00 (dois milhões e quatro-centos mil reais);

d) participação societária em outra pessoa jurídica; e

e) composição de seu quadro socie-tário com a participação de sócio com pendências fiscais, cuja participação seja superior a 10% (dez por cento) do capital social.

Como se denota dos dispositivos legais acima transcritos, para gozar dos benefícios fiscais advindos da Lei núme-ro 9.317/96, a sociedade empresarial deve obedecer a uma série de regras rigorosamente controladas pela Secreta-ria da Receita Federal do Brasil. Enfim, a opção pelo SIMPLES é benéfica num primeiro momento. Em contrapartida, a empresa optante pelo regime fiscal em questão está impossibilitada de atrair investimentos externos para expandir os seus negócios.

Para tanto, a empresa que desejar ter acesso a todo e qualquer tipo de in-vestimento deverá estar atenta para al-terar rapidamente o enquadramento de seu regime fiscal e, consequentemente, permitir o incremento de seus negócios sem o risco de se manter presa à buro-cracia imposta pelo SIMPLES. Ainda, se não bastasse a questão acima exposta, a empresa enquadrada neste regime fiscal que possuir estabelecimentos em outros estados e municípios não poderá usufruir desse incentivo na sua plenitu-de, vez que a Lei nº 9.317/96 estabelece de forma taxativa a sua impossibilidade, in verbis:

Art. 10º. Não poderá pagar o ICMS, na forma do SIMPLES, ainda que a Uni-dade Federada onde esteja estabelecida seja conveniada, a pessoa jurídica:

I - que possua estabelecimento em mais de uma Unidade Federada;

II - que exerça, ainda que parcial-mente, atividade de transporte interes-tadual ou intermunicipal.

Art. 11. Não poderá pagar o ISS, na forma do SIMPLES, ainda que o município onde esteja estabelecida seja conveniado, a pessoa jurídica que pos-sua estabelecimento em mais de um município.

Além disso, a limitação na apropria-ção e na transferência de créditos de ICMS incidentes sobre as mercadorias vendidas e/ou serviços prestados às empresas convencionais que não são consumidoras finais torna ainda mais onerosa eventual operação em curso, vez que devem obedecer ao estatuído no artigo 123, Parágrafo 1º, da Lei Com-plementar nº 123, com as alterações introduzidas pela Lei Complementar nº 128, transcrito a seguir:

“Art. 23. As microempresas e as empresas de pequeno porte optantes pelo Simples Nacional não farão jus à apropriação nem transferirão créditos relativos a impostos ou contribuições abrangidos pelo Simples Nacional.

§ 1o As pessoas jurídicas e aquelas a elas equiparadas pela legislação tributá-ria não optantes pelo Simples Nacional terão direito a crédito correspondente ao ICMS incidente sobre as suas aquisi-ções de mercadorias de microempresa ou empresa de pequeno porte optante pelo Simples Nacional, desde que desti-nadas à comercialização ou industriali-zação e observado, como limite, o ICMS efetivamente devido pelas optantes pelo Simples Nacional em relação a essas aquisições.”

Para facilitar a compreensão dessa situação, segue exemplificação de duas hipóteses comerciais para posterior reflexão, a saber:

• Situação A: A empresa X, não op-tante pelo SIMPLES adquire uma mer-cadoria de Y, optante pelo SIMPLES por

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R$ 100,00. A saída dessa mercadoria da empresa “y” gera um crédito de R$ 1,00, contabilizado no livro de entradas da empresa X. Na venda do produto final, a empresa X vende a R$ 130,00 e deverá pagar R$ 23,40 a título de ICMS, de cujo valor poderá ser descontado R$1,00. O ICMS devido é de R$ 22,40.

• Situação B: A empresa X, não optante pelo SIMPLES adquire uma mercadoria da empresa Z, não optante pelo SIMPLES por R$ 100,00. A saída dessa mercadoria da empresa Y gera um crédito de R$ 18,00, a qual será contabilizada no livro de entradas da empresa X. Na venda do produto final, a empresa X vende a R$ 130,00 e deverá pagar R$ 23,40 a título de ICMS, de cujo valor poderão ser descontados R$18,00. O ICMS devido é de R$ 5,40.

Como se vê, a aquisição de mercado-rias e/ou serviços de uma empresa que não oferece a possibilidade de lança-mento dos créditos relevantes de ICMS de entrada para abatimento de suas operações de saídas encarece o custo na saída do produto final da adquirente. Ato contínuo, na hipótese dos produtos vendidos por Y e Z serem similares, a empresa X fatalmente escolherá a em-presa z por gerar um custo menor para a sua operação.

Diante de tal situação, a empresa Y ficará impedida de incrementar as suas atividades comerciais pelo fato de ser optante do SIMPLES. Desta forma, nem sempre a opção por este regime fiscal é a melhor saída, vez que muitas vezes restringe a realização de negócios es-senciais ao crescimento das empresas, bem como, a realização de uma série de atividades comerciais.

E, por fim, os grandes investido-res nacionais nem sempre se sentem estimulados a colocarem recursos em empresas enquadradas no SIMPLES por conta da indisponibilidade de uma série de informações de sua situação contábil, financeira e societária. Com

efeito, as empresas que optam por este regime não têm acesso a uma série de operações que eventualmente poderiam incrementar as suas atividades, tais como:

a) Oferta Pública de Ações;b) “Venture Capital”;c) “Private Equity”;d) Emissão de Títulos;e) Financiamentos Nacionais e In-

ternacionais; ef) Fusões e Aquisições. Assim, o surgimento da Lei nº

11.638/07 trouxe à baila uma série de regras que, se bem estruturadas, ampliarão o horizonte dos empresários e executivos para acesso a inúmeras fontes de recursos financeiros.

do “IFRs”Como é de conhecimento geral,

inúmeras empresas não se sentiram motivadas para iniciar o processo de convergência ao IFRS por conta da ine-xistência de previsão legal de normas sancionadoras em relação a esse tema. No entanto, as empresas que estão apenas aguardando a definição dos cro-nogramas relativos aos próximos passos para adequação de sua contabilidade aos padrões internacionais correm sé-rios riscos de verem esgotadas as ili-mitadas fontes de recursos financeiros e, consequentemente, as chances de incremento de seus negócios.

De tal modo, que as empresas de-vem ventilar sobre a possibilidade de anteciparem ou não os investimentos para adequação de sua contabilidade a padrões internacionais (IFRS). Dessa forma, vale a pena comentar, de for-ma sucinta, sobre algumas situações práticas relativas às mudanças em discussão com a finalidade de fornecer subsídios necessários aos empresá-rios e/ou executivos para reverem a estratégia em relação ao início do processo aos padrões internacionais de contabilidade.

Uma das grandes novidades trazidas pela Lei nº 11.638/07 é a simplificação na forma de apresentação do relatório contábil relativo à integração e à com-plementação das informações elenca-das na “Demonstração do Resultado de Exercício – DRE” por meio da “De-monstração do Fluxo de Caixa – DFC”. Dita novidade está prevista no Inciso IV do artigo 176 da Lei das S/A, com a redação dada atualmente pela Lei nº 11.638/07, in verbis:

“Artigo 176: Ao fim de cada exer-cício social, a diretoria fará elaborar, com base na escrituração mercantil da companhia, as seguintes demonstrações financeiras, que deverão exprimir com clareza a situação do patrimônio da companhia e as mutações ocorridas no exercício:

IV – demonstração dos fluxos de caixa; (...).”

Nessa linha, o legislador ordinário suprimiu do ordenamento jurídico a “De-monstração das Origens e Aplicações de Recursos – DOAR”, substituindo-a pela “DFC”. Apenas para exemplificar, a elaboração da “DOAR” necessitava de um grande volume de informações que impossibilitava uma rápida análise do balanço das grandes companhias por parte dos investidores enquanto que com a “DFC” isso não ocorre. Para ilustrar a compreensão desse raciocínio, segue conceituação genérica sobre a “DOAR” e a “DFC”:

• “DOAR” tem por objetivo explicar a variação do capital circulante líquido (IUDÍCIBUS; MARION, 2006, p. 199), cuja metodologia engloba uma série de contas contábeis de natureza financeira (contas bancárias e investimentos fi-nanceiros) e não financeira (estoques e despesas antecipadas);

• “DFC” tem o fito de demonstrar os movimentos do caixa de uma empresa por meio de métodos simples e mais abrangentes do que a “DOAR”.

Nunca é demais lembrar que esta

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mudança tem como objetivo principal estimular novos investimentos. Fica evidente de que o investidor terá aces-so a informações mais simplificadas e transparentes sobre a saúde financeira da empresa que pretende colocar os seus recursos, o que certamente pos-sibilitará uma abrangência maior por parte das empresas em busca de novas oportunidades para o incremento de seus negócios.

AtIVo IMobIlIZAdoOutra alteração relevante trazida

pela Lei nº 11.638/07 é a mudança do conceito de ativo imobilizado, cujo teor ficou restrito aos bens corpóreos, inclusive, aqueles que transfiram à com-panhia os benefícios, riscos e controles desses bens (artigo 179, inciso III, da Lei 6.404/76).

Cumpre notar que as operações de arrendamento mercantil estão inseri-das nesse rol, o que demandará certo cuidado por parte das companhias na introdução de bens no ativo através des-sa operação financeira. Ora, é de pleno conhecimento que muitas empresas se beneficiam das operações de arrenda-mento mercantil para abater de suas receitas as despesas incorridas com a sua contratação.

Porém, em muitos casos, os equi-pamentos adquiridos por meio dessa operação não podem ser devolvidos aos seus proprietários, como por exemplo, o maquinário pesado adquirido para o incremento das atividades industriais. Frise-se que a deturpação da utilização da operação de arrendamento mercantil implicará a diminuição das despesas a serem abatidas de seus resultados e, consequentemente, trará prejuízos aos seus investidores.

Tal assertiva se encontra devida-mente respaldada no voto proferido pela Ministra Ellen Gracie do Supremo Tribunal Federal nos autos do Recurso Especial nº 209.069, tal como se depre-

ende do trecho transcrito a seguir:“(...) De fato, um dos elementos de-

finidores da operação leasing é a opção do arrendatário, ao final do contrato, pela renovação do acerto, pela compra ou pela devolução do bem ao arrenda-dor (...). “Ora, a transferência da posse do bem, do arrendatário brasileiro de volta para o arrendador sediado no exterior, encontra obstáculos naturais, físicos e fáticos, numa indicação que essa operação internacional não al-bergue a precariedade da posse sobre o bem, elemento particular do institu-to previsto na Lei nº 6.099/74” (...). “Do exame dos autos concluo que, se houvesse a importação decorrida de contrato de compra e venda, a tribu-tação exsurgiria indiscutível, sem que sequer se pudesse evocar a incorpora-ção ao ativo fixo para elidir a incidên-cia tributária, já que própria norma constitucional admite essa imposição. Entendimento contrário (ou seja, o de que a operação externa leasing não au-toriza a cobrança de ICMS) levaria ao estímulo de que as aquisições de bens de capital passassem a ser feitas por essa via de ajuste, para assim evitar a incidência tributária. (...).”

Com isso, conclui-se que essa nova regra traz à tona a necessidade de análise e interpretação dos contratos assinados pelas empresas para inibir eventuais riscos aos seus resultados. Referida regra deve ser vista com “bons olhos” pelos empresários e/ou executi-vos, pois possibilita ao investidor optar por assumir ou não os riscos inerentes ao seu investimento.

E, por fim, vale a pena analisarmos o impacto trazido pela nova metodologia de avaliação dos ativos e passivos exigí-veis a longo prazo, tal como previsto nos artigos 183, inciso VIII, e 184, inciso III, da Lei nº 11.638/07 in verbis:

“Artigo 183: No balanço, os elemen-tos do ativo serão avaliados segundo os seguintes critérios: (...)

VIII – Os elementos do ativo decor-rentes de operações de longo prazo se-rão ajustados a valor presente, sendo os demais ajustados quando houver efeito relevante. (...).”

“Artigo 184: No balanço, os elemen-tos do passivo serão avaliados de acordo com os seguintes critérios: (...)

III - as obrigações, encargos e riscos classificados no passivo exigível em longo prazo serão ajustados ao seu valor presente, sendo os demais ajustados quando houver efeito relevante (...).”

Por conseguinte, note-se que inten-ção do legislador ordinário, nesse caso, foi inibir a possibilidade de utilização de artifícios fraudulentos por parte das empresas em relação aos ativos e pas-sivos exigíveis em longo prazo. Nessa vereda, os investidores, em tese, terão condições de avaliarem com maior se-gurança o destino de seus eventuais investimentos.

Por outro lado, os empresários e/ou executivos deverão ter o cuidado ne-cessário com os contratos relacionados aos ativos e passivos exigíveis em longo prazo para não sofrerem grandes impac-tos tributários por conta dessas novas regras. Nesse enleio, transcrevemos os ensinamentos do jurista Edison Carlos Fernandes sobre o eventual impacto tributário sobre o ajuste a valor pre-sente incidente sobre ativo exigível em longo prazo:

“A remuneração pelo decurso do tempo pode vir a gerar mais impactos tributários se tratada contratualmente pela empresa. Há transações em que os juros, em razão do prazo de pagamento alongado, são embutidos no preço dos bens, serviços e direitos (o que, aliás, é muito comum); tais preços, de acordo com a Lei nº 11.638, de 2007, devem ser ajustados a valor presente, sem qualquer reflexo tributário, conforme visto. Já se o contrato comercial dis-criminar os valores referentes ao preço (receita de venda ou de serviço) e aos

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juros incidentes (receita financeira), poderá haver impacto tributário: 1- IRP/CSLL: não há distinção; 2- PIS/COFINS: incidência somente sobre o preço, e não sobre a receita financeira, no caso de empresa sujeita sistemática da não cumulatividade; 3-IPI/CIMS/ISS: inci-dência sobre o preço”.

(in Impacto da Lei nº 11.638/07 so-bre os Tributos e a Contabilidade; Edison Carlos Fernandes; Editora Atlas S.A.; 2009; página 54)

Portanto, torna-se evidente que o ajuste a valor presente dos ativos e

passivos exigíveis em longo prazo não trarão grandes entraves na rotina con-tábil das empresas que optarem pela adequação aos padrões internacionais de contabilidade (IRFRS).

Diante dessa análise superficial do ponto de vista empresarial-jurídico, resta indubitável que as novidades tra-zidas pela Lei 11.638/07 são benéficas do ponto de vista empresarial, vez que o início do processo de adequação aos padrões internacionais de contabilidade amplia a capacidade dos empresários e/ou executivos atraírem novos recursos

financeiros para o incremento de seus negócios.

Dessa maneira, os empresários e/ou executivos deverão avaliar do ponto de vista empresarial a conveniência ou não da adesão de sua contabilidade ao IFRS sem levar em consideração apenas os custos inerentes a sua im-plantação. Enfim, esperamos ter de-monstrado de forma objetiva de que os empresários e/ou executivos poderão tirar proveito das regras introduzidas pela Lei 11.638/07 para expansão de seus negócios.

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