O FENÔMENO BULLYING NO AMBIENTE ESCOLAR - leticia gabriela

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119 O FENÔMENO BULLYING NO AMBIENTE ESCOLAR Letícia Gabriela Ramos Leão Faculdade Cenecista de Vila Velha Resumo: Buscou-se no presente trabalho apresentar uma revisão bibliográfica sobre a ocorrência do fenômeno bullying no âmbito escolar, verificando os efeitos que ele pode causar na vida do indivíduo. Partindo do pressuposto de que a escola é uma instituição de ensino e deve zelar para que o ensino possa ser transmitido em um ambiente seguro e saudável, ela tem a obrigação de afastar todos os tipos de agressões, sejam físicas ou verbais que ocorram em seu espaço físico. A metodologia usada foi a coleta de dados em livros e artigos para assim, dar uma visão panorâmica da evolução histórica do fenômeno, definir o termo, relacionar os tipos, apresentar os protagonistas, identificar os envolvidos, identificar as características, as causas, as consequências e culminar com a implicação dos aspectos legais. Palavras-chave: Bullying; Violência Escolar; Vítima; Agressor; Espectador. Introdução A escola, vista como uma instituição de ensino deve zelar e estar comprometida com a aprendizagem e o bem estar da criança. Todavia, esse ambiente que deveria ser agradável e sadio tem sido palco de atitudes frequentes, que envolvem atos de violência entre os alunos, ficando evidente, dessa forma, a conduta bullying. O bullying caracteriza-se por ser um problema mundial encontrado em todas as escolas, sejam elas privadas ou públicas, o que vem se expandindo nos últimos anos. A conduta bullying nas instituições de ensino tem sido um sério problema, pois gera um aumento significativo da propagação da violência entre os alunos. A prática desse tipo de violência é vista pelos os autores dedicados a esse assunto como “Fenômeno bullying”. Tal fenômeno apresenta-se de forma velada, intencional e repetitiva, dentro de uma relação desigual de poder, por um longo período de tempo contra uma mesma vítima, sem motivos evidentes, adotando comportamentos cruéis, humilhantes e intimidadores, gerando consequências irreparáveis, sejam elas físicas, psíquicas, emocionais ou comportamentais. Entre crianças e adolescentes, levando em conta a faixa etária em que se encontram, a prática do bullying é causada pela necessidade que o sujeito tem de se impor sobre o outro, tanto para demonstração de poder, quanto para satisfação pessoal. Percebe-se que há uma necessidade de se auto-afirmarem a todo instante, perante si mesmos e em relação aos outros e para que isso ocorra, normalmente, o agressor se impõe sobre a vítima, considerada a parte mais frágil da relação e por ter a certeza de que ela não irá apresentar meios de defesa para reverter a situação. Revista FACEVV | Vila Velha | Número 4 | Jan./Jun. 2010 | p. 119-135

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O FENÔMENO BULLYING NO AMBIENTE ESCOLAR

Letícia Gabriela Ramos LeãoFaculdade Cenecista de Vila Velha

Resumo: Buscou-se no presente trabalho apresentar uma revisão bibliográfica sobre a ocorrência do fenômeno bullying no âmbito escolar, verificando os efeitos que ele pode causar na vida do indivíduo. Partindo do pressuposto de que a escola é uma instituição de ensino e deve zelar para que o ensino possa ser transmitido em um ambiente seguro e saudável, ela tem a obrigação de afastar todos os tipos de agressões, sejam físicas ou verbais que ocorram em seu espaço físico. A metodologia usada foi a coleta de dados em livros e artigos para assim, dar uma visão panorâmica da evolução histórica do fenômeno, definir o termo, relacionar os tipos, apresentar os protagonistas, identificar os envolvidos, identificar as características, as causas, as consequências e culminar com a implicação dos aspectos legais. Palavras-chave: Bullying; Violência Escolar; Vítima; Agressor; Espectador.

Introdução

A escola, vista como uma instituição de ensino deve zelar e estar comprometida com a aprendizagem e o bem estar da criança. Todavia, esse ambiente que deveria ser agradável e sadio tem sido palco de atitudes frequentes, que envolvem atos de violência entre os alunos, ficando evidente, dessa forma, a conduta bullying.

O bullying caracteriza-se por ser um problema mundial encontrado em todas as escolas, sejam elas privadas ou públicas, o que vem se expandindo nos últimos anos. A conduta bullying nas instituições de ensino tem sido um sério problema, pois gera um aumento significativo da propagação da violência entre os alunos.

A prática desse tipo de violência é vista pelos os autores dedicados a esse assunto como “Fenômeno bullying”. Tal fenômeno apresenta-se de forma velada, intencional e repetitiva, dentro de uma relação desigual de poder, por um longo período de tempo contra uma mesma vítima, sem motivos evidentes, adotando comportamentos cruéis, humilhantes e intimidadores, gerando consequências irreparáveis, sejam elas físicas, psíquicas, emocionais ou comportamentais.

Entre crianças e adolescentes, levando em conta a faixa etária em que se encontram, a prática do bullying é causada pela necessidade que o sujeito tem de se impor sobre o outro, tanto para demonstração de poder, quanto para satisfação pessoal. Percebe-se que há uma necessidade de se auto-afirmarem a todo instante, perante si mesmos e em relação aos outros e para que isso ocorra, normalmente, o agressor se impõe sobre a vítima, considerada a parte mais frágil da relação e por ter a certeza de que ela não irá apresentar meios de defesa para reverter a situação.

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Por outro lado, as consequências provocadas pelo bullying geram, por vezes, danos e traumas irreparáveis na vida da criança, podendo refletir desde logo, como por exemplo, baixa auto-estima, estresse, depressão, queda no rendimento escolar, pensamentos de vingança para com o agressor e até mesmo suicídio. A longo prazo, isto é, na constituição da família, na criação dos filhos e dificuldades de se relacionar com os colegas de serviço.

Isto posto, fica claro que essa forma de violência é difícil de ser identificada, uma vez que a vítima teme delatar os seus agressores, seja pela vergonha que irá passar diante dos demais amigos de classe, por medo de sofrer represálias, seja por acreditar que os professores ou seus próprios pais não lhe darão o devido crédito. Outro aspecto interessante é o fato de alguns professores acreditarem que tais agressões são apenas brincadeiras de crianças e que irão passar com o tempo, atitude essa que faz crescer mais ainda a violência nas escolas e banaliza o sofrimento da vítima.

A partir do exposto acima, o interesse pelo tema “O fenômeno bullying no ambiente escolar” ocorreu quando pode-se presenciar várias cenas, em local de trabalho, de alunos figurando como agressores e vítimas de tal fenômeno. Diante disso, a professora da série em que estavam ocorrendo às agressões resolveu desenvolver um projeto que trabalhasse os aspectos de forma geral da conduta bullying, para que os alunos entendessem melhor esse tipo de agressão. A professora, tendo conhecimento de que éramos professora de Informática, nos convidou para participar desse projeto, no que tange a parte de pesquisa na internet. Com isso, tivemos que pesquisar sobre o assunto e este nos interessou bastante, fazendo com que esse tema fosse escolhido como pesquisa para este artigo.

Com o tema definido, passou-se para a elaboração do problema e decidiu-se investigar que efeito o bullying poderia causar na vida do indivíduo, o que desencadeou a elaboração do objetivo geral, qual seja, desenvolver o assunto de forma clara e explicativa para que os acadêmicos de Pedagogia tomem ciência da importância do fenômeno bullying nas relações entre crianças e adolescentes, como estimulador de agressões físicas ou verbais.

Para o êxito dos questionamentos já mencionados, foi necessária a consulta a diversos livros e artigos, havendo, posteriormente, a construção da definição do termo bullying, sua evolução histórica, os tipos, os protagonistas, a identificação dos envolvidos, as características, as causas, as consequências e os aspectos legais – embasados na Constituição da República Federativa do Brasil, Declaração dos Direitos Humanos, Código Penal Brasileiro, Estatuto da Criança e do Adolescente e no Código de Defesa do Consumidor.

Por fim, acredita-se que a relevância deste trabalho é estimular a reflexão acerca do tema estudado, para que, tanto pais quanto professores e demais agentes que atuam com jovens e crianças, saibam lidar com a situação e combatê-la ou preveni-la de forma menos traumática e mais eficaz, a fim de que sejam evitadas as nefastas consequências dessa prática.

Evolução histórica

O bullying é um fenômeno mundial muito antigo, entretanto passou a ser objeto de investigação e preocupação a partir da década de 1970.1 A partir daí foram realizadas, na Suécia, as primeiras

1 FANTE, Cleo. Fenômeno bullying: como prevenir a violência nas escolas e educar para a paz. 2. ed. Campinas: Verus,

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investigações sobre bullying, uma vez que foram percebidos problemas de violência entre agressor e vítima.

Apenas com a realização de pesquisa em 1972 e 1973, na Escandinávia, as famílias puderam perceber o grau de complexidade dos problemas gerados pela violência escolar. Assim, tal fenômeno percorreu a Noruega e a Suécia, alastrando-se por toda Europa.

Em 1982, na Noruega, um jornal publicou o suicídio de 3 (três) crianças, com idades entre 10 e 14 anos, que foi provocado por situações graves de bullying. Esse fato gerou grande repercussão nos meios de comunicação, fazendo com que em 1983, o Ministério da Educação da Noruega criasse uma Campanha em escala nacional contra os problemas de violência entre agressores e vítimas.

Fante2 citou Dan Olweus como sendo um dos primeiros professores a realizar estudos sobre violência no ambiente escolar. Tais estudos foram feitos de forma mais específica, e tinha por objetivo diferenciar a prática do bullying de possíveis brincadeiras de crianças, tais como, gozações ou relações de brincadeiras entre iguais.

O professor ora mencionado, tendo como base um questionário composto de 25 (vinte e cinco) questões entrevistou 84 mil (oitenta e quatro mil) estudantes em diversos níveis e períodos escolares, 400 (quatrocentos) professores e 1.000 (Um mil) pais. Com a realização das entrevistas, Dan Olweus pôde perceber a natureza do bullying, suas possíveis origens, ocorrências, formas de manifestação, extensão e características.

Esses estudos, como aponta Fante, verificaram que a cada grupo de 7 (sete) alunos, 1 (um) estava envolvido em situações de bullying. Essa situação gerou uma Campanha Nacional, que de acordo com relatos, diminuiu em 50% (cinquenta por cento) os casos de bullying ocorridos nas escolas daquele país. Vale dizer que a criação dessa Campanha fez com que alguns países, como o Reino Unido, Espanha, Itália, Canadá, Portugal, Alemanha, Grécia, Estados Unidos e Grã-Bretanha também promovessem Campanhas contra o bullying.

Olweus, apud Fante tinha as seguintes propostas em seu programa de intervenção:

[...] desenvolver regras claras contra o bullying nas escolas, alcançar um envolvimento ativo por parte dos professores e dos pais, aumentar a conscientização do problema para eliminar mitos sobre o bullying e prover apoio e proteção para as vítimas. 3

Conforme consta na obra de Gabriel Chalita4, através de pesquisas, estima-se que na Grã-Bretanha, por volta do ano de 1990, 37% (trinta e sete) dos alunos do ensino fundamental e 10% (dez) do ensino médio afirmavam serem vítimas de bullying. Já em Portugal, dos 7 (sete) mil estudantes pesquisados, 22% (vinte e dois) – 1 (um) em cada 5 (cinco) alunos – tinham sofrido bullying. Na Espanha, foi detectado que 15% a 20% dos alunos eram vítimas de bullying. Com a comprovação dessas pesquisas, a Europa aprovou uma legislação específica e ações integradas para resolverem tais problemas. 2005, p. 44.2 Idem, p. 45.3 FANTE, Cleo. Fenômeno bullying: como prevenir a violência nas escolas e educar para a paz. 2. ed. Campinas, SP: Verus, 2005. p. 45.4 CHALITA, Gabriel. Pedagogia da amizade. Bullying: o sofrimento das vítimas e dos agressores. São Paulo: Gente, 2008, p. 104.

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Em consonância com a referida obra já mencionada, nos Estados Unidos, o bullying é considerado um fenômeno global, pois os índices da prática desse fenômeno é crescente. Através de pesquisas, houve a constatação que, das crianças entre 6 (seis) e 10 (dez) anos de idade, 11% (onze por cento) diziam ser vítimas e 13% (treze por cento) mencionavam casos de bullying. Acrescenta-se ainda que o Centro Médico Infantil Nacional Bear Facts, nos Estados Unidos, coletou dados de que 5.700.00 (cinco milhões e setecentos mil) meninas e meninos estavam envolvidos com casos de bullying, quer seja, como autores, vítimas ou autores-vítimas. Atualmente, pesquisas e programas de intervenção anti-bullying vêm sendo criados na Europa e nos Estados Unidos.5

No Brasil, como Fante6 afirma, o bullying é pouco estudado, por isso não é possível comparar os índices da prática de bullying no âmbito escolar com outros países. A falta de estudos e pesquisas em relação ao fenômeno mencionado faz com que o Brasil apresente 15 (quinze) anos de atraso em relação à Europa.

Em 1997, no Brasil, foram realizadas diversas pesquisas. A primeira foi pela professora Marta Canfield e seus colaboradores; a segunda pelos professores Israel Figueira e Carlos Neto em 2000-2001; e a terceira pesquisa “foi desenvolvida pela Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e Adolescência”7. Os dados coletados revelaram que 40,5% dos alunos entrevistados disseram estar envolvidos em episódios de violência. A pesquisa também “demonstrou que o bullying em nossas escolas se encontra com um índice mais elevado do que os apresentados em países europeus”8.

Compreendendo um pouco mais o termo

O termo bullying é derivado de uma palavra inglesa – bully, que traduzida significa valentão, tirano. Esse termo, normalmente, ocorre nas relações interpessoais, em que há uma relação desigual de poder, uma vez que, um lado da relação será caracterizado por alguém que está em condições de exercer o seu poder, através da intimidação, humilhação, atitudes agressivas sobre outra pessoa ou até mesmo um grupo mais fraco.

Esse desequilíbrio de poder que há entre os protagonistas do bullying se dá pelo fato do agressor possuir algumas características, tais como, “idade superior a da vítima, estrutura física ou emocional mais equilibrada, ter apoio dos demais amigos de classe, ser sociável entre os demais grupos da classe, tamanho superior”.9; tais atributos fazem com que a vítima se sinta inferior, não tendo condições de se defender diante das ofensas, sejam elas verbais ou físicas. Esses aspectos permitem dizer que, por definição, a expressão bullying:

[...] é um conjunto de atitudes agressivas, intencionais e repetitivas que ocorrem sem motivação evidente, adotado por um ou mais alunos contra outro (s), causando dor,

5 CHALITA, Gabriel. Pedagogia da amizade. Bullying: o sofrimento das vítimas e dos agressores. São Paulo: Gente, 2008, p. 105.6 FANTE, Cleo. Fenômeno bullying: como prevenir a violência nas escolas e educar para a paz. 2. ed. Campinas: Verus, 2005, p. 46.7 ABRAPIA, apud FANTE. Fenômeno bullying: como prevenir a violência nas escolas e educar para a paz. 2. ed. Campinas: Verus, 2005, p. 47.8 FANTE,Op cit, p. 47.9 LOPES NETO, A. A. “Bullying: comportamento agressivo entre estudantes”. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/jped/v81n5s0/v81n5Sa06.pdf>. Acesso em: 8 abr. 2010.

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angústia e sofrimento. Insultos, intimidações, apelidos cruéis, gozações que magoam profundamente, acusações injustas, atuação de grupos que hostilizam, ridicularizam e infernizam a vida de outros alunos levando-os à exclusão, além de danos físicos, morais e materiais [...].10

Tognetta11 afirma que, diante dessa situação de causadores e vítimas de bullying, ambos precisam de ajuda, a saber:

Por um lado, as vítimas sofrem uma deterioração da sua auto-estima, e do conceito que tem de si, por outro, os agressores também precisam de auxílio, visto que sofrem grave deterioração de sua escala de valores e, portanto, de seu desenvolvimento afetivo e moral.

O fenômeno bullying não tem um alvo específico, independentemente de classe social ou econômica, pode ocorrer em diversos ambientes, desde que exista relação entre os sujeitos, como, nas escolas, nos locais de trabalho, nas famílias, nas prisões e nos clubes.

A prática do bullying considerada muitas vezes pelos pais e professores como brincadeiras de criança, briguinhas que envolvem xingamentos e ofensas, mas que passam e, em alguns momentos são desvalorizadas e a até ignoradas, está longe de ser um comportamento normal e aceito em um ambiente escolar.

O bullying, ao contrário, caracteriza- se por ser uma agressão que se apresenta de forma velada, causando dor e angústia à pessoa que está sendo vitimada, podendo levá-la à depressão, isolamento, baixa auto-estima, queda no rendimento escolar, e até ao suicídio.

As vítimas, muitas vezes, sofrem caladas, carregando o trauma das situações de constrangimento que vivenciaram para o resto de suas vidas, gerando consequências na fase adulta como problemas de interação e relacionamento com outros sujeitos.

Oportuno mencionar que o comportamento agressivo por parte do autor do fenômeno em questão geralmente ocorre pela falta da presença da família no dia-a-dia da criança e até mesmo pela ausência de limites. Dessa forma, destaca Fante:

É oportuno que os pais façam uma reflexão profunda sobre as suas próprias condutas em relação aos filhos e sobre o modelo de educação familiar, predominante em casa, que vem sendo aplicado. Nem sempre os pais se dão conta de que certos comportamentos que o filho manifesta são aprendidos em casa, como resultado do tipo de interação entre os familiares que é percebida por ele; muito menos procuram checar e refletir se o que o filho está realmente aprendendo tem relação com aquilo que “eles pensam” que está sendo ensinado.12

Os pais então, devem elogiar constantemente as qualidades e capacidades de seus filhos, para que a auto-estima dos mesmos não seja prejudicada. Outro aspecto importante a ser mencionado é que “os

10 FANTE, Cleo. Fenômeno bullying: como prevenir a violência nas escolas e educar para a paz. 2. ed. Campinas: Verus, 2005, p. 28.11 TOGNETTA, L. R. P. “Um estudo sobre Bullying entre escolas do ensino fundamental”. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102- 79722009000200005&Ing=pt&nrm=iso>. Acesso em: 8 abr. 2010.12 FANTE, Cleo. Fenômeno bullying: como prevenir a violência nas escolas e educar para a paz. 2. ed. Campinas: Verus, 2005, p. 76.

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pais devem estar atentos para não se precipitarem ao considerar seus filhos vítimas de bullying”.13

Tipos de bullying

O bullying, de acordo com Gabriel Chalita14, pode ser dividido de forma direta ou indireta. A forma direta é utilizada com maior frequência entre agressores meninos. E as atitudes mais usadas pelos bullies são os insultos, xingamentos, apelidos ofensivos por um período prolongado, comentários racistas, agressões físicas – empurrões, tapas, chutes – roubo, extorsão de dinheiro, estragar objetos dos colegas e obrigar a realização de atividades servis.

A indireta, por sua vez, é mais comum entre o sexo feminino, tendo como características atitudes que levam a vítima ao isolamento social, podendo acarretar maiores prejuízos, visto que pode gerar traumas irreversíveis ao agredido. O bullying indireto compreende atitudes de difamações, realização de fofocas e boatos cruéis, intrigas, rumores degradantes sobre a vítima e seus familiares e atitudes de indiferença.

Importante salientar que quando se trata da forma indireta do bullying, os meios de comunicação têm grande relevância como forma mais rápida de propagação de comentários cruéis e maliciosos sobre determinada pessoa pública. Esse modo de intimidação, ora mencionado, chama-se de “cyberbullying, pois trata-se da utilização dos meios de comunicação, tais como mensagens de correio eletrônico, blogs, torpedos, fotoblogs e sites de relacionamento”.15; desde que sejam anônimos, para adoção de comportamentos produzidos de forma repetitiva, por um período prolongado de tempo, de um indivíduo ou grupo contra uma mesma vítima, com a intenção de causar danos.

Protagonistas do bullying

Fante prevê que os protagonistas envolvidos na prática do bullying podem ser divididos da seguinte maneira: Agressor, Vítima e Espectador.16

Agressores ou Bullies: são os ditos populares; vitimizam os mais fracos, conseguindo, muitas vezes, o auxílio dos demais alunos para se auto-afirmarem. Vale dizer que tais alunos que contribuem juntamente com o agressor para a prática de violência, também são considerados bullies.

Para manter a sua popularidade acabam humilhando, ridicularizando e hostilizando a vítima sem motivos evidentes, sendo considerados por tais comportamentos como valentões. A conduta do agressor, normalmente, caracteriza-se pela dominação e imposição mediante o poder e a ameaça para conseguir aquilo que almeja. Pertence a famílias, por vezes, em que há ausência de carinho, diálogo,

13 FANTE, Op cit. p. 76.14 CHALITA, Gabriel. Pedagogia da amizade. Bullying: o sofrimento das vítimas e dos agressores. São Paulo: Gente, 2008, p. 82.15 LOPES NETO, A. A. “Bullying: comportamento agressivo entre estudantes”. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/jped/v81n5s0/v81n5Sa06.pdf>. Acesso em: 8 abr. 2010.16 FANTE, Cleo. Fenômeno bullying: como prevenir a violência nas escolas e educar para a paz. 2. ed. Campinas: Verus, 2005, p. 71.

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presença dos pais e de limites.

Os bullies, geralmente, se envolvem em situações anti-sociais e de risco, quais sejam: roubo, drogas, álcool, tabaco, vandalismo e brigas.

Importante mencionar que tais autores sentem dificuldades em aceitar as normas que lhe são impostas; não aceitam ser contrariados; não toleram atrasos; são maus- caráter; têm como característica a impulsividade, a irritabilidade e baixa resistência a frustrações.

Em relação à Vítima, Silva17 aponta 3 (três) tipos, que serão mencionado à seguir:

Vítima Típica:

é pouco sociável, sofre repetidamente as consequências dos comportamentos agressivos de outros, possui aspecto físico frágil, coordenação motora deficiente, extrema sensibilidade, timidez, passividade, submissão, insegurança, baixa auto-estima, alguma dificuldade de aprendizado, ansiedade e aspectos depressivos. Sente dificuldade de impor-se ao grupo, tanto física quanto verbalmente.

Vítima Provocadora:

refere-se àquela que atrai e provoca reações agressivas contra as quais não consegue lidar. Tenta brigar ou responder quando é atacada ou insultada, mas não obtém bons resultados. Pode ser hiperativa, inquieta, dispersiva e ofensora. É, de modo geral, tola, imatura, de costumes irritantes e quase sempre é responsável por causar tensões no ambiente em que se encontra.

Vítima Agressora:

reproduz os maus-tratos sofridos. Como forma de compensação procura uma outra vítima mais frágil e comete contra esta todas as agressões sofridas na escola, ou em casa, transformando o bullying em um ciclo vicioso.

Espectadores ou Testemunhas: também figuram como personagens de tal fenômeno, entretanto, são assim chamados por apenas assistirem à prática da violência e não se manifestarem, quer seja, para interferir na defesa da vítima ou para denunciar o feito. Simplesmente se mantêm inertes. Esse posicionamento, normalmente, é adotado por medo de serem a próxima vítima.

De acordo com Chalita, os espectadores “[...] aprendem a ser omissos e passivos para se defender [...]”18. O medo em delatar o agressor ou defender a vítima, pode transformá-los na vida adulta em cidadãos egoístas, que aceitam e até mesmo legitimam as injustiças sociais.

Identificando os envolvidos

Considerando que uma das características de maior relevância da conduta bullying é a violência

17 SILVA, G. J. “Bullying: quando a escola não é um paraíso”. 2006. Disponível em: <http://www.mundo jovem.com.br/bullying.php>. Acesso em: 18 abr. 2010.18 CHALITA, Gabriel. Pedagogia da amizade. Bullying: o sofrimento das vítimas e dos agressores. São Paulo: Gente, 2008, p. 89.

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velada, faz-se necessário, tanto por parte da escola quanto dos pais estarem atentos a qualquer modificação, por menor que seja, em relação ao comportamento da criança.

Em consonância, o pesquisador Dan Olweus citado na obra de Cléo Fante 19 elenca alguns comportamentos que devem ser observados para que a vítima e o agressor sejam identificados, tais como:

Comportamento da Vítima na escola:

- durante o recreio está frequentemente isolado e separado do grupo, ou procura ficar próximo do professor ou de algum adulto.

- na sala de aula tem dificuldade em falar diante dos demais, mostrando-se inseguro e ansioso.

- nos jogos em equipe é o último a ser escolhido.

- apresenta-se comumente com aspecto contrariado, triste, deprimido ou aflito.

- apresenta desleixo gradual nas tarefas escolares.

- apresenta ocasionalmente contusões, feridas, cortes, arranhões ou a roupa rasgada, de forma não-natural.

- falta às aulas com certa frequência (absentismo).

- perde constantemente os seus pertences.20

Comportamento da Vítima em casa:

- apresenta, com frequência, dores de cabeça, pouco apetite, dor de estômago, tonturas, sobretudo de manhã.

- muda o humor de maneira inesperada, apresentando explosões de irritação.

- regressa da escola com as roupas rasgadas ou sujas e com o material escolar danificado.

- apresenta desleixo gradual nas tarefas escolares.

- apresenta aspecto contrariado, triste, deprimido, aflito ou infeliz.

- apresenta contusões, feridas, cortes, arranhões ou estragos na roupa.

- apresenta desculpas para faltar às aulas.

- raramente possui amigos, ou possui ao menos um amigo para compartilhar seu tempo livre.

- pede dinheiro extra à família ou furta.

19 FANTE, Cleo. Fenômeno bullying: como prevenir a violência nas escolas e educar para a paz. 2. ed. Campinas: Verus, 2005, p. 75.20 OLWEUS apud, FANTE. Fenômeno bullying: como prevenir a violência nas escolas e educar para a paz. 2. ed. Campinas: Verus, 2005, p. 75.

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- apresenta gastos altos na cantina da escola.21

Comportamento do Agressor na escola:

- faz brincadeiras ou gozações, além de rir de modo desdenhoso e hostil.

- coloca apelidos ou chama pelo nome ou sobrenome dos colegas, de forma malsoante; insulta, menospreza, ridiculariza, difama.

- faz ameaças, dá ordens, domina e subjuga. Incomoda, intimida, empurra, picha, bate, dá socos, pontapés, beliscões, puxa os cabelos, envolve-se em discussões e desentendimentos.

- pega dos outros colegas materiais escolares, dinheiro, lanches e outros pertences, sem o consentimento.22

Comportamento do Agressor em casa:

- regressa da escola com as roupas amarrotadas e com ar de superioridade.

- apresenta atitude hostil, desafiante e agressiva com os pais e irmãos, chegando a ponto de atemorizá-los sem levar em conta a idade ou a diferença de força física.

- é habilidoso para sair-se bem de ‘situações difíceis’.

- exterioriza ou tenta exteriorizar sua autoridade sobre alguém.

- porta objetos ou dinheiro sem justificar sua origem.23

Características do bullying

A caracterização da conduta bullying pode ser observada a partir de alguns aspectos entre os alunos que são a seguir mencionados:

- comportamentos deliberados e danosos, produzidos de forma repetitiva num período prolongado de tempo contra uma mesma vítima.

- apresentam uma relação de desequilíbrio de poder, o que dificulta a defesa da vítima.

- não há motivos evidentes.

- acontece de forma direta, por meio de agressões físicas (bater, chutar, tomar pertences) e verbais (apelidar de maneira pejorativa e discriminatória, insultar, constranger).

- de forma indireta, caracteriza-se pela disseminação de rumores desagradáveis e

21 OLWEUS apud, FANTE. Fenômeno bullying: como prevenir a violência nas escolas e educar para a paz. 2.ed. Campinas: Verus, 2005, p. 77.22 OLWEUS apud, FANTE. Fenômeno bullying: como prevenir a violência nas escolas e educar para a paz. 2.ed. Campinas: Verus, 2005, p. 75.23 OLWEUS apud FANTE. Fenômeno bullying: como prevenir a violência nas escolas e educar para a paz. 2.ed. Campinas: Verus, 2005, p. 77.

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desqualificantes, visando à discriminação e exclusão da vítima de seu grupo social.24

Causas

Cumpre mencionar, conforme destaca Chalita, algumas causas que propiciam o cometimento da conduta dos bullies, dentre elas:

- influências familiares, por adotarem modelos autoritários e repressores.

- um ambiente familiar superprotetor também pode desencadear o cometimento do bullying, visto que a criança se tornará dependente de outros, buscando a atenção e aprovação de suas atitudes pelos pais.

- relação negativa com os pais, uma vez que os mesmos não demonstram interesse pelo filho.

- a má educação a que foram submetidos.

- fatores econômicos, sociais e culturais.

- influência de colegas.

- as relações de desigualdade e de poder existentes no ambiente escolar.

Consequências

Fante25 afirma que as consequências da prática do bullying afetam todos os protagonistas do fenômeno, acarretando problemas físicos, emocionais de curto e longo prazo. Oportuno mencionar que tais consequências podem se estender e trazer prejuízos no futuro, como por exemplo nas relações de trabalho, na constituição da família e na posterior criação dos filhos.

Crianças que são vítimas de bullying podem apresentar “explosões de cólera e episódios transitórios de paranóia ou psicose, comprometendo a regulagem da emoção e da memória”.26

Levando em consideração a intensidade de absorção do sofrimento vivenciado pela vítima em decorrência da conduta bullying, ela estará propensa a manifestar reações intrapsíquicas e extrapsíquicas, apresentando sintomas de natureza psicossomática, tais como:

[...] enurese, taquicardia, sudorese, insônia, cefaléia, dor epigástrica, bloqueio dos pensamentos e raciocínio, ansiedade, estresse e depressão, pensamentos de vingança e suicídio, bem como reações extrapsíquicas, expressas por agressividade, impulsividade, hiperatividade e abuso de substâncias químicas.27

24 FANTE, apud SILVA, G. J. “Bullying: quando a escola não é um paraíso”. 2006. Disponível em: <http://www.mundo jovem.com.br/bullying.php>. Acesso em: 18 abr. 2010.25 FANTE, Cleo. Fenômeno bullying: como prevenir a violência nas escolas e educar para a paz. 2. ed. Campinas: Verus, 2005, p. 78.26 FANTE, Op cit, p. 80.27 FANTE, Cleo. Fenômeno Bullying: como prevenir a violência nas escolas e educar para a paz. 2.ed. Campinas: Verus, 2005, p. 80.

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Vale dizer que o fato de a criança não conseguir superar os traumas obtidos pelas agressões sofridas pode “acarretar problemas no desenvolvimento psíquico e comportamento, gerando insegurança e dificuldade em se relacionar com o outro”.28

Desencadeam-se, ainda, no processo educacional, alguns aspectos negativos, como, “queda do rendimento escolar, falta de interesse pelos estudos, absentismo, déficit de concentração e de aprendizagem, reprovação e evasão escolar”.29

O agressor, em contrapartida, poderá desenvolver condutas anti-sociais e comportamentos delinquentes, quais sejam:

Agregação a grupos delinquentes, agressão sem motivo aparente, uso de drogas, porte ilegal de armas, furtos, indiferença à realidade que o cerca, crença de que deve levar vantagem em tudo, crença de que é impondo–se com violência que conseguirá obter o que quer na vida... afinal foi assim nos anos escolares.30

E por fim, os expectadores ou testemunhas, caracterizados, como já mencionado, por aqueles que assistem à prática das agressões e não se manifestam, também sofrem com as consequências, mesmo que indiretamente, pois a prática do bullying no ambiente escolar “faz com que o aluno não tenha o direito a uma escola segura, solidária e saudável, o que irá prejudicar o desenvolvimento sócio-educacional”.31

Aspectos legais

Faz-se notório que a violência e a agressividade entre aluno X aluno é uma realidade no âmbito escolar e cresce de forma veloz. Diante dessa situação, os indivíduos podem se valer de mecanismos legais, como a Constituição Federal, Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Código Penal Brasileiro, o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Código de Defesa do Consumidor, para que seus direitos possam ser preservados.

Constituição federal

A Constituição Federal Brasileira32 elenca como um de seus objetivos fundamentais e que deve ser respeitado o seguinte, in verbis:

Art. 3º, inc. IV, CF: “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

Prevê ainda, os direitos e garantias fundamentais que devem ser resguardados a todos, in verbis:

28 FANTE, Cleo. “O Bullying: problema individual e social que invade as escolas brasileiras”. Disponível em: <http://prtalliteral.terra.com.br/artigos/o-bullying-problemaindividualesocialqueinvadeasescolasbrasileiras>. Acesso em: 27 abr. 2010.29 Idem.30 FANTE, Op cit. p. 81.31Idem, p. 81.32 BRASIL. Constituição federal. São Paulo: Rideel, 1988.

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Art. 5º, caput, CF: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes”.

Art. 5º, inc. III, CF: “ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante”.

Art. 5º, inc. X, CF: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

Art. 5º, inc. XLI, CF: “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”.

Por outro lado, tem-se a proteção do direito social, no que diz respeito à Infância, in verbis:

Art. 6º, CF: “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.

A mesma Constituição estabelece ainda algumas garantias essenciais em relação à criança:

Art. 227, CF: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

Declaração dos direitos humanos

A Declaração dos Direitos Humanos33, por sua vez, adotada e proclamada pela resolução 217 A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas é desrespeitada quando a escola permite a existência do bullying no ambiente escolar, ou seja, entre os alunos, uma vez que a mencionada Declaração prevê em seu Preâmbulo que “os direitos humanos sejam protegidos pelo Estado de Direito, para que o homem não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra a tirania e a opressão”.

Acrescenta-se, ademais, que em seus diversos artigos, a Declaração dos Direitos Humanos ratifica a garantia de tais direitos, como por exemplo, “toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição” – (art. II).

Outra violação à Declaração dos Direitos Humanos que pode ser mencionada ocorre quando há, por parte do agressor em relação à vítima, espécies de humilhações e agressões, fazendo com que a suposta vítima se sinta torturada diante de tal situação – (art. V).

Código penal

O bullying pode estar associado a diversas causas e não se confunde com o ato praticado. O fenômeno ultrapassa os limites da percepção isolada da ação que pode receber um tratamento penal

33 DECLARAÇÂO. Declaração universal dos direitos humanos. 1948. Disponível em: <http://www.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm>. Acesso em: 12 mai. 2010.

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como é o caso da lesão corporal, da injúria, do dano, que pode ser percebido no Código Penal Brasileiro.34

Lesão Corporal – Art. 129, CP: “Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem”:

Pena – detenção, de três meses a um ano.

Maus-tratos – Art. 136, CP: “Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina”:

Pena – detenção, de dois meses a um ano, ou multa.

§ 1º - Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave:

Pena – reclusão, de um a quatro anos.

§ 2º - Se resulta a morte:

Pena – reclusão, de quatro a doze anos.

§ 3º - Aumenta-se a pena de um terço, se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (catorze) anos. (Incluído pela Lei nº 8.069, de 1990)

Calúnia – Art. 138, CP: “Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime”:

Pena – detenção, de seis meses a dois anos, e multa.

§ 1º - Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propaga ou divulga.

§ 2º - É punível a calúnia contra os mortos.

Difamação – Art. 139, CP: “Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação”:

Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa.

Injúria – Art. 140, CP: “Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro”:

Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.

Constrangimento ilegal – Art. 146, CP: “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda”:

Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa.

Ameaça – Art. 147, CP: “Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave”:

Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.

Parágrafo único – Somente se procede mediante representação.

34 BRASIL. Código Penal Brasileiro. 1984. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del2848.htm>. Acesso em: 12 mai. 2010.

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Dano – Art. 163, CP: “Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia”:

Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.

Estatuto da criança e do adolescente

Por outro lado, o Estatuto da Criança e do Adolescente 35 tem por finalidade proteger integralmente os direitos da criança e do adolescente, além de ser um manual de medidas sócio-educativas, visto que pode ser usado como um guia de orientação para que tais direitos sejam resguardados e devidamente seguidos, como serão abordados a seguir:

Art. 15, ECA: “A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis”.

Art. 16, ECA: “O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos”:

V – participar da vida familiar e comunitária, sem discriminação;

Art. 17, ECA: “O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais”.

Art. 18, ECA: “É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor”.

Art. 232, ECA: “Submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a vexame ou a constrangimento”:

Pena – detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos.

Art. 245, ECA: “Deixar o médico, professor ou responsável por estabelecimento de atenção à saúde e de ensino fundamental, pré-escola ou creche, de comunicar à autoridade competente os casos de que tenha conhecimento, envolvendo suspeita ou confirmação de maus-tratos contra criança ou adolescente”:

Pena – multa de 3 (três) a 20 (vinte) salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência.

Código de defesa do consumidor

À luz do Código de Defesa do Consumidor36, a escola, como prestadora de serviços, é responsável pelos atos de violência que ocorrem contra os alunos dentro do estabelecimento de ensino, uma vez que ela deve zelar pelo bem-estar e segurança das crianças.

A partir do momento que uma escola particular recebe um estudante, ela torna-se responsável pela preservação da integridade física e psíquica do aluno, independentemente de culpa ou não, visto que a responsabilidade neste caso é objetiva, assim, ela irá responder pelos danos causados, ou seja, as

35 BRASIL. Estatuto da criança e do adolescente. São Paulo: Rideel, 1990.

36 BRASIL. Código de defesa do consumidor. 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/leis/l8078.htm>. Acesso em: 12 mai. 2010.

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agressões cometidas, como podemos perceber no artigo, in verbis:

Art. 14 do CDC: “O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos”.

Considerações finais

Em um primeiro momento, buscamos evidenciar com maior clareza o conceito do termo bullying, para que assim se tivesse a certeza de o distinguir das brincadeiras de crianças, como é vista por alguns professores e pais, reafirmando que a conduta bullying seriam todas atitudes agressivas, intencionais e repetitivas, que ocorrem sem motivação evidente, de um indivíduo mais forte para com um que não apresenta meios de defesa.

Posteriormente, tratou-se da evolução histórica, tipos de bullying, os protagonistas, a identificação dos envolvidos, as características, as causas e as possíveis consequências do fenômeno em questão. Viram-se também os dispositivos legais de que as vítimas podem se valer diante das agressões e violência que, por ventura, possam estar sofrendo.

Observa-se que a escola, ao invés de ser vista como um local de aprendizagem e das primeiras interações com o outro, tem sido palco para o desenrolar da violência, gerando, muitas vezes, graves consequências no âmbito emocional, psíquico e comportamental das crianças. Pode-se dizer ainda que, a não superação dos traumas obtidos em decorrência dos atos de violência podem gerar diversos resultados, tais como, baixa auto-estima, dificuldades de relacionamento e auto-expressão, déficit de concentração e de aprendizagem e reprovação.

Todos os envolvidos - agressores, vítimas e espectadores - na prática do bullying sofrem diante dessa situação. Por um lado, o agressor pode se valer dessa atitude agressiva para descontar no outro o que está vivendo em casa ou até mesmo por não ter a atenção e carinho que gostaria de receber dos seus genitores. A vítima, na maioria das vezes, sofre em silêncio, por medo de demonstrar covardia perante os outros amigos ou por temer represália. E por último, os espectadores não se manifestam, por medo de serem as próximas vítimas.

Diante dessa situação, podemos visualizar que todos sofrem, entretanto de formas diferentes, sem que a escola ou a família lhe dêem o apoio necessário. Percebe-se que há um descaso em relação às agressões que tem ocorrido no ambiente escolar e, isso pode criar, no futuro, indivíduos, inseguros, apáticos, sem poder de decisão.

Outro aspecto importante que foi explanado e corroborado no transcorrer do presente artigo, é a parceria da escola juntamente com os pais, uma vez que a família é impulsionadora, através da educação que transmite para os filhos, das atitudes agressivas dos mesmos, quer seja porque são criados em um ambiente super protetor ou em um ambiente autoritário, fazendo com que os filhos-agressores, sejam considerados como vítimas também, pois apenas estariam refletindo em outras crianças as situações vivenciadas em seus lares.

Vale mencionar que, a escola deve propiciar aos alunos um ambiente seguro, sadio e saudável, onde o

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mesmo possa desenvolver suas habilidades intelectuais de forma prazerosa e eficaz. A escola, em consonância com as individualidades e histórico familiar de cada aluno, deve estar atenta para a adoção de estratégias mais adequadas em relação ao combate ou à prevenção da prática da violência em seu espaço físico. Caso contrário, os alunos, desde a mais tenra idade, carregarão marcas irreversíveis provocadas pelas humilhações, rejeições gozações, perseguições a que foram submetidas em um dado momento de suas vidas.

Assim, para que a escola seja vista como um ambiente em que a violência ocorra em pequenas proporções, deve-se ensinar as crianças a lidarem com sua emoções, para que assim propaguem comportamentos anti-violentos, ou seja, propagadores da paz.

Por fim, este artigo deixa como legado para a experiência dos pesquisadores e como motivação para outros estudos, a percepção de que a violência nas escolas independe de classe social, cor, sexo ou religião. Em uma sociedade complexa como a atual, em que os valores ficam meio turvos e as referências para os jovens ficam difusas, a violência é uma das formas que a juventude tem para descarregar suas frustrações. Nesse contexto, é necessário que pais, professores e todos os profissionais responsáveis pela formação das crianças e jovens, bem como o Estado, estejam preparados para lidar com os conflitos e atuem em conjunto para minimizá-los. Para isso, é necessário que cada um cumpra, com responsabilidade, o seu papel.

Temas dessa natureza, então, devem ser colocados em debate com frequência, para que se construa uma massa crítica que conduza a reflexões sérias sobre a importância do acolhimento das crianças e jovens no meio social.

Referências:

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