O Federalista

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O Federalista Principais aspectos Seguirei aqui, nesta apresentação dos textos de John Jay, Alexander Hamilton e James Madison, os mesmos critérios utilizados por Fernando Papaterra Limongi na apresentação do texto no livro “Os Clássicos da Política”, organizado por Francisco Weffort. Nesta breve apresentação de Limongi, este cientista político nos mostra que há, n’Os Artigos federalistas três principais aspectos, que dão o ar de novidade ao texto proveniente da tentativa do convencimento do povo de Nova Iorque a aceitar a nova constituição americana, proveniente da Convenção da Filadélfia de 1786. Esses três principais aspectos são: a) a criação do federalismo em contraposição ao confederalismo; b) questionamentos sobre a natureza humana, a separação dos poderes e a constituição mista do governo; e, c) a república, como forma de governo, e as facções. Estrutura do texto Entretanto, antes de proceder a uma análise do conteúdo material do texto, farei um breve passeio por meio de seus aspectos formais, por meio da estrutura do texto em si. Os Artigos Federalistas é uma coletânea de artigos, publicados primeiramente no “Independent Journal”, de Nova Iorque, e posteriormente em outros inúmeros jornais ao redor dos Estados Unidos, que, alguns anos depois da confirmação pelos estados confederados (agora federados), foram publicados e republicados diversas vezes em forma de livro. São no total 85 artigos. Para melhor se conhecer os autores, sugiro a leitura da aba Biografia dos Federalistas”. A importância de melhor se conhecer o perfil dos autores consiste, principalmente, numa melhor compreensão do

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O Federalista

Principais aspectosSeguirei aqui, nesta apresentao dos textos de John Jay, Alexander Hamilton e James Madison, os mesmos critrios utilizados por Fernando Papaterra Limongi na apresentao do texto no livro Os Clssicos da Poltica, organizado por Francisco Weffort.Nesta breve apresentao de Limongi, este cientista poltico nos mostra que h, nOs Artigos federalistas trs principais aspectos, que do o ar de novidade ao texto proveniente da tentativa do convencimento do povo de Nova Iorque a aceitar a nova constituio americana, proveniente da Conveno da Filadlfia de 1786. Esses trs principais aspectos so: a) a criao do federalismo em contraposio ao confederalismo; b) questionamentos sobre a natureza humana, a separao dos poderes e a constituio mista do governo; e, c) a repblica, como forma de governo, e as faces.Estrutura do textoEntretanto, antes de proceder a uma anlise do contedo material do texto, farei um breve passeio por meio de seus aspectos formais, por meio da estrutura do texto em si.Os Artigos Federalistas uma coletnea de artigos, publicados primeiramente no Independent Journal, de Nova Iorque, e posteriormente em outros inmeros jornais ao redor dos Estados Unidos, que, alguns anos depois da confirmao pelos estados confederados (agora federados), foram publicados e republicados diversas vezes em forma de livro. So no total 85 artigos.Para melhor se conhecer os autores, sugiro a leitura da aba Biografia dos Federalistas.A importncia de melhor se conhecer o perfil dos autores consiste, principalmente, numa melhor compreenso do contedo dos artigos escritos por cada um. O principal articulista (tanto no sentido de escritor, como no de articulador) Alexander Hamilton, que escreve mais da metade dos artigos. Entretanto, a contribuio mais importante dos textos vem de James Madison, que escreve um pouco mais de 20 artigos, entre eles os famosos artigo 10 separao dos poderes e artigo 51 necessidade de um governo central forte. O ltimo federalista, John Jay, escreve apenas 5 artigos, versando principalmente do posicionamento frente s relaes internacionais que a federao porventura teria que adotar.Pode ser feita uma diviso mais abrangente dos temas tratados nOs Artigos Federalistas. Essa diviso, por assunto, feita de seguinte forma: [artigos de-at] 1-37 problemas e inadequaes das confederaes, em particular e em geral; 38-51 princpios gerais da Constituio; 52-61 Cmera dos Representantes; 62-65 Senado; 66-77 Presidncia; e, 78-83 Judicirio. Os dois ltimos artigos servem como um apanhado final do texto, uma concluso.Assuntos tratados no textoNesta seo, deixo os prprios autores do texto dizerem de quais assuntos trataro:"Proponho-me discutir, numa srie de artigos, os interessantes tpicos que se seguem (MADISON, HAMILTON, JAY; p.96): A utilidade da Unio para vossa prosperidade poltica; A insuficincia da atual Confederao para preservar essa Unio; A necessidade, para a consecuo dessa meta, de um governo pelo menos to vigoroso quanto o proposto; A conformidade da Constituio proposta com os verdadeiros princpios do governo republicano; Sua analogia com vossa Constituio estadual; A segurana adicional que sua adoo proporcionar preservao dessa espcie de governo, liberdade e propriedade".V-se, ento, um retorno ao incio deste texto, quando nos referimos aos aspectos centrais de Os Artigos Federalistas. Traduzidos nessa verdadeira "carta de intenes" dos autores esto os trs pontos principais anteriormente destacados: federalismo, separao de poderes e repblica.A escolha das palavrasGrande parte da novidade que se encontra nos textos dos Artigos Federalistas se d pela ressignificao de alguns conceitos que anteriormente j havia aparecido em outros autores. Os mais importantes so o conceito de Constituio, o de Repblica e o de Federao.So nos Artigos que, pela primeira vez, h a formulao de uma teoria que se baseia no conceito moderno de Constituio, como documento formal que explicita tanto o passado de uma nao quanto direciona o seu futuro com base em seus valores maiores. Abandona-se, a partir de ento, a viso Antiga de Constituio, uma viso que consiste apenas em descrever o modo de ser de um povo. No faria sentido, tendo o conceito Antigo de Constituio, falar em aprovao de uma. A Constituio como um consenso de valores uma inveno revolucionria norte-americana, tendo sua primeira teoria explcita nOs Artigos Federalistas.J na reformulao do conceito de Repblica o que ocorre uma explcita contraposio do conceito norte-americano agora tecido com o conceito que fora tomado durante toda a teoria poltica moderna at ento. A Repblica at ento tinha como modelos as repblicas italianas da poca de Maquiavel, pequenas cidades-Estado com governo e soberania prprios. Essa a viso tambm de Montesquieu, autor lido pelos autores dos Artigos e, por vrias vezes, contrariado para que sua teoria se encaixe na realidade americana. O conceito de Repblica dos norte-americanos , em suas prprias palavras:Os dois grandes pontos de diferena entre uma democracia e uma repblica so: primeiro, a delegao do governo, nesta ltima, a um pequeno nmero de cidados eleitos pelos demais; segundo, o maior nmero de cidados e a maior extenso do pas que a ltima pode abranger (MADISON, art. 10).V-se assim que os federalistas alteraram de forma substancial o que antes se entendia por Repblica. Romperam a barreira do espao territorial, que anteriormente era vedada a cidades-Estado e a estendeu por grandes pases. Criaram tambm uma maior restrio da forma de governo. Se anteriormente era possvel ver pequenos principados serem chamados de repblicas por haver um ou outro aspecto de representao do povo, os norte-americanos deixam bem claro que apenas repblica aquele Estado no qual h um pequeno nmero de cidados eleitos para representar um grande nmero de cidados, formalizando a o governo representativo.Clara fica, ento, a ruptura com os termos propostos por Montesquieu (MADISON, HAMILTON, JAY; p. 130), por sua inadequabilidade em grandes territrios e populaes.A ltima mudana de significado substancial realizada no texto a do termo Federao. Antes da publicao dos Artigos, federao era apenas um dos sinnimos possveis para Confederao, forma de governo adotado pelos Estados desde a independncia at a aceitao da nova Constituio de 1986. Esta forma de governo constitua numa forma de governo muito prxima daquela proposta por Rousseau, com Estados de extenso no muito grande e Assemblia legislativas soberanas. Havia uma assemblia da confederao, mas esta no tinha poder algum, assemelhando-se muito ao modo de poder que a Assemblia Geral da ONU tem nos dias de hoje, j que no tem poder direto nem sobre os Estados (s pode sugerir) nem sobre os cidados (no h esse contato direto).Hamilton, muito espertamente, utiliza o termo Federao para nomear a forma de governo que prope nos Artigos. Digo isso seguindo Isaac Kramnick, em sua apresentao dOs Artigos Federalistas. Este cientista poltico estadunidense afirma que o uso do termo Federao causou menos estranhamento do que a cunhagem de um termo totalmente estranho. Ou seja, colocou num termo conhecido e positivamente avaliado um termo novo, que ele desejava que fosse bem visto.Assim, Federao passa a significar o Estado que, apesar de divido em Estados praticamente soberanos, tem um governo central forte. Mantm-se a soberania dos Estados federados em uma ampla variedade de assuntos, como legislao civil e penal em geral, mas fica a cargo da Unio (o governo centra nico e forte) temas como tributao e tratados de paz e relaes internacionais (o que Locke chama de poder federativo). A federao pode, assim, a ser considerada como o maior dos freios e contrapesos adotados pelos norte-americanos, criando formas de frear a tirania de Assemblias dos Estados e de ter contato direto com os cidados.Freios e ContrapesosOutra grande inovao proveniente dessa justificao da Constituio americana que vigora at hoje, nas palavras de Thomas Jefferson, O melhor comentrio jamais escrito sobre princpios de governo, o indito sistema de freios e contrapesos. Para melhor entend-lo, vamos a uma citao mais do que clssica de Madison no mais famoso dos artigos, o 51:Mas o que o prprio governo, seno a maior das crticas natureza humana? Se os homens fossem anjos, no seria necessrio governo algum. Se os homens fossem governados por anjos, o governo no precisaria de controles externos nem internos. (MADISON, art. 51, p.350)Aqui fica a idia de natureza humana para os federalistas. Apesar de no ser o ponto central da argumentao, importante para uma boa compreenso do todo. Os Artigos Federalistas, mais do que apenas uma teoria poltica, uma teoria poltica tecida e prontamente aplicada na realidade da poca. Como diz Kramnick: mais uma vez a teoria abstrata encontra-se com a realidade concreta do momento histrico (KRAMNICK, p. 67).Alm da j referida Federao como forma de freio e contrapeso, podemos incluir tambm, num critrio mais amplo, a separao dos poderes, primeiramente exposta por John Locke e refinada por Montesquieu, alm de ter algumas referncias em Rousseau, apesar deste no a utilizar em sua teoria do melhor governo. Alm da separao de poderes, incluirei aqui tambm a constituio mista do governo.Fica a separao de poderes definida nos Artigos como a distribuio regular do poder em distintos setores. No h uma diviso de poderes em hierarquias, mas sim em competncias. o que Montesquieu afirmou como um poder limitando o outro.A novidade nos Artigos fica com a introduo de equilbrios e controles legislativos, ou seja, com a instituio de uma separao de poderes impura. Assim, a competncia legislativa no caberia apenas ao Congresso e s Assemblias dos Estados, mas tambm ao Presidente, que possuiria o poder de vetar projetos do Congresso. Haveria tambm uma certa interferncia do Judicirio na produo do legislativo, visto que aquele , agora, no mais um poder neutro, mas sim o Guardio da Constituio, tendo o poder de declarar contra o sentido da Constituio leis do legislativo e atos do executivo.Outro freio proposto, de menor influncia, a instituio de tribunais compostos de juzes que s perdem seus cargos por m conduta. a primeira vez que se fala em estabilidade do judicirio e da burocracia, que deixaria de ser, relativamente, vinculados ao governo, para passarem a ser vinculados ao Estado.Finalmente, como ltimo exemplo, tendo em vista que o texto ainda prope outras formas de freios e contrapesos, cito a j relativamente adotada representao do povo no legislativo por deputados eleitos por ele prprio. A diferena vem no que eu enxergo como um exemplo de constituio mista. Tal constituio mista vem do fato da instituio de duas casas legislativas federais, o Senado e a Cmara dos Representantes, esta representando o povo por si mesmo e aquela como representante dos Estados. Assim, se formam duas cmaras com competncias bastante parecidas, mas com uma forma de escolha um pouco diferente, alm do tamanho, sendo o Senado bastante menor que a Cmara dos Representantes. Dessa forma, enquanto a Cmara representa de forma mais fiel os anseios do povo, o Senado deveria representar os mais capazes do pas, sendo, de certa forma, uma casa mais conservadora, com ideais e valores mais altos, apresentando um controle sobre a produo da Cmara dos Representantes.ConclusoConcluo essa pequena anlise sobre a contribuio dOs Artigos Federalistas para a teoria poltica moderna com uma pequena reflexo. Tal reflexo consiste em tentar localizar os escritos de Madison, Hamilton e Jay entre os pensamentos de John Locke, do Baro de Montesquieu e de J. J. Rousseau.Vemos que o pensamento dos federalistas praticamente uma anttese ao que pregava Rousseau, principalmente no que constitui a forma de governo, que, para Rousseau, a forma ideal a de uma Assemblia soberana sobre um territrio limitado. Os federalistas escrevem em um Estados Unidos que est, de certa forma, sobre esta conformao, e os autores vem que esta no a melhor forma de governo, devido ao grande nmero de mandos e desmandos desses legislativos.Coloco os escritos federalistas entre os pensamentos de Locke e de Montesquieu. Principalmente porque os escritores de tais artigos tiveram acesso a esses escritos, j que Thomas Jefferson, que estava na Europa poca, havia enviado a Madison um ba contendo grande parte dos escritos polticos europeus de ento.Assim, no obstante sua grande quantidade de inovaes, podemos considerar os Federalistas como herdeiros da teoria poltica de Locke misturada com a de Montesquieu, aplicando, ou mesmo rejeitando, suas observaes na realidade estadunidense de 1787 e 1787.