O exercício da crônica

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O exercício da crônica

Pra ser sincero, essa crônica já é bem batida. José de Alencar, Machado de Assis, Vinícius de Moraes, Mario Prata, sem contar outros inúmeros cronistas, já a escreveram. E escrevem periodicamente em algum jornal de circulação atual. A crônica flui, certamente, do desejo de dizer algo para alguém. Pode parecer meio óbvio, mas é essa obviedade que torna a crônica cotidiana. O cronista senta-se, pega a sua pena (também conhecida como teclado), conta algo pro papel, que contará pros seus leitores. Algo que o esteja cutucando, que esteja coçando para ser dito. E diz. O leitor compra o jornal e conversa com o cronista. É bem simples.

Rubem Braga disse a Mario Prata, segundo consta em um Estadão de 1993, que crônica é contar um caso. Um caso pode ser, segundo o Aurélio, um fato, uma história. Quem escreve crônica conta uma história, aí é papel do jornal publicá-la. Contudo, o jornal impresso, nos dias atuais, tem alcance limitado do que já teve outrora. A verdade é que as crônicas passam batidas: o leitor logo vira a página para ler alguma tragédia, o informativo esportivo, a bolsa de valores, a programação do cinema... e a crônica na página de trás, sozinha, só vai ter alguma utilidade quando o patrão der a pilha de jornais velhos pra empregada — e esta dar a alguma comadre que faz cestos de revista — ou quando o molequinho do ginásio precisar fazer recorte de palavras.

A juventude de hoje em dia não cria laços. Nem com pai, com mãe, quem dirá com cronista! Já não se tem mais significância quem escreveu ou deixou de escrever, se estiver ali, fácil (e for curto), o jovem lê. Já passou do tempo de esperar uma semana pra ler a crônica do fulano. Escrever, na contemporaneidade, é um exercício difícil. Confesso que faço por prazer, prazer de escritor amador mesmo. Se escrevo crônicas é porque tenho necessidade de contar uma história pro papel, qualquer coisa que me cutuque para ser dito para quem quiser ouvir.

Nesse cenário decadente da crônica e do próprio exercício da escrita, sem gente pra ler mesmo os mestres, só peço, como já pediu Alencar cronicando: “Correi, correi de novo, minha boa pena”... Ainda que sem pena, sem leitores e sem vintém, que Deus abençoe o exercício da minha crônica, porque o faço com prazer. Amém!

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011