O EXERCÍCIO DA CIDADANIA ATRAVÉS DO VOLUNTARIADO … JANINI TCC.pdf · relações de medida”,...

42
PEDRO JANINI O EXERCÍCIO DA CIDADANIA ATRAVÉS DO VOLUNTARIADO NO TERCEIRO SETOR Trabalho de conclusão de curso apresentado ao curso de Bacharelado em Ciências Sociais, como requisito parcial para conclusão do curso. Orientador: Prof. Dr. Sérgio Ricardo Rodrigues Castilho 2017

Transcript of O EXERCÍCIO DA CIDADANIA ATRAVÉS DO VOLUNTARIADO … JANINI TCC.pdf · relações de medida”,...

PEDRO JANINI

O EXERCÍCIO DA CIDADANI A ATRAVÉS DO VOLUNTARI ADO

NO TERCEIRO SETOR

T raba lho de conc lusão de cu rso

ap resen tado ao cu rso de

Bacha re lado em C iênc ias

Soc ia i s , como requ is i t o pa rc ia l

pa ra conc lusão do cu rso .

O r ien tado r :

P ro f . D r . Sé rg io R ica rdo Rodr igues Cas t i lho

2017

PEDRO JANINI

O EXERCÍCIO DA CIDADANI A ATRAVÉS DO VOLUNTARI ADO

NO TERCEIRO SETOR

T raba lho de conc lusão de cu rso

ap resen tado ao cu rso de

Bacha re lado em C iênc ias

Soc ia i s , como requ is i t o pa rc ia l

pa ra conc lusão do cu rso .

Ap rovada em 20 de feve re i ro de 2017 .

Professor Dr. Sérgio Ricardo Rodrigues Castilho

Professora Dra. Renata de Sá Gonçalves

Professor Dr. Carlos Eduardo Machado Fialho

2017

Agradec imentos

Agradeço a m inha mãe , Lúc ia , que sempre me apo iou em

todas as m inhas empre i tadas ; e a Mar ta Caminha, sempre

p resen te .

“Merecem louvo r os homens que em s i mesmos encon t ram o

impu lso , e sub i ram nos seus p róp r ios ombros . ”

Sêneca

RESUMO

O segu in te t raba lho tem como ob je t i vo desenvo lve r uma v i são

ace rca dos va lo res a tuan tes do Te rce i ro Se to r . En tende -se

que sua s ign i f i cação jaz no ín t imo dos ind iv íduos que o

compõe, e que é a sua t rans fo rmação o rgan izada que ed i f i ca

sua a tuação . I lus t ra ta mbém, como o impera t i vo do cu idado

tomou sua fo rma c ív i ca e vo lun tá r ia , desenvo lvendo sua

re lação com a p romu lgação dos d i re i tos co le t i vos . D iscu te a

sua conce i tuação inse r ida na h is tó r ia b ras i l e i ra , tendo como

p re tensão most ra r seu mov imen to d ia lé t ico e r es ign i f i ca t i vos

de ve lhos va lo res . Pa ra isso , se desenvo lve uma p roposta de

aná l ise das l inhas noda is das re lações de med idas en t re a

p ra t i ca do vo lun ta r iado e o Te rce i ro Se to r . Demonst ra , des ta

fo rma, como seu c resc imento e evo lução tem um pape l

f undamenta l na rev i t a l i zação da soc iedade c i v i l e pa ra a lém

de la ; como sua leg i t im idade de a tuação passou a carac te r i za r

uma de fesa dos d i re i tos fundamenta is do humano e seu

co le t i vo .

Pa lavras -chave : Te rce i ro Se to r . Vo lun ta r iado . C idadan ia .

Gestão Soc ia l .

J33 Janini, Pedro.

O exercício da cidadania através do voluntariado no Terceiro Setor / Pedro Janini. – 2017.

41 f.

Orientador: Sergio Ricardo Rodrigues Castilho.

Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Ciências Sociais)

– Universidade Federal Fluminense, Instituto de Ciências Humanas e

Filosofia, Departamento de Ciências Sociais, 2017.

Bibliografia: f. 39-41.

1. Associações sem fins lucrativos. 2. Trabalho voluntário.

3. Cidadania. I. Castilho, Sergio Ricardo Rodrigues. II. Universidade

Federal Fluminense. Instituto de Ciências Humanas e Filosofia.

III. Título.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7

1 FORMAÇ ÃO DO TERCEIRO SETOR . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10

1.1 ANTECEDENTES HISTÓRICOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10

1.2 CONTEXTO MUNDIAL DO TERCEIRO SETOR . . . . . . . . . . . 11

1.3 TERCEIRO SETOR NO BRASIL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15

2 CONCEITOS E CAR ACTERÍSTICAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19

2.1 ANÁL ISE CONCEITUAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19

2.2 A IMPORTÂNCIA DA CONCEITUAÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22

2.3 O VOLUNATARIADO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24

2.4 O VOLUNTARIADO NO BRASIL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26

3 A GESTÃO DO TERCEIRO SETOR . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27

3.1 GESTÃO SOCIAL E A MIL ITÂNCIA NO VOLUNTARIADO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

27

3.2 GESTÃO SOCIAL E A AÇÃO DIALÓGICA …. . . . . . . . . . . . . . . 31

3.3 ANÁLISE DE CASO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33

3.3.1 MODELO DA DINÂMICA MOTIVACIONAL . . . . . . . . . . . . . . . . .

33

3.3.2 ENTREVISTA ONG RIO ECOARTE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

34

3.3.3 TENDÊNCIAS MOTIVACIONAIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

36

CONCLUS ÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36

B IBLIOGRAFI A . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38

SIGLAS

APCD Assoc iação Pau l is ta de C i ru rg iões Dent is tas

AB I Assoc iação B ras i le i ra de Imprensa

BNH

Banco Nac iona l da Hab i tação

CEME

Cent ra l de Med icamentos

COBAL

Coopera t i va B ras i l e i ra de A l imentos

IAVE

In te rna t iona l Assoc ia t ion fo r Vo lun ta ry E f fo r t

INPS

Ins t i tu to Nac iona l P rev idênc ia Soc ia l

LBA

Leg ião B ras i le i ra de Ass is tênc ia

MOBRAL

Mov imento B ras i le i ro de A l fabe t i zação

SENAC

Se rv i ço Nac iona l do Comérc io

SENAI

Se rv i ço Nac iona l da Indus t r ia

ONG

Organ ização Não Gove rnamenta l

ONU

Organ ização das Nações Un idas

7

INTRODUÇÃO

A Organização das Nações Unidas (ONU) declarou 2001 como o “Ano

Internacional do Voluntário”, atendendo uma demanda social pela solidificação

da ação voluntaria. O exercício do voluntariado não é algo novo, no Brasil por

exemplo, a promoção da ação voluntaria vem de uma longa tradição religiosa e

na atualidade, tem sido muito valorizada junto às estratégias de filantropia

empresarial. Sendo em 1998 promulgada a “Lei do Voluntário” (Lei Federal

9608/98), a prática da gestão de voluntários instaura um campo de relações de

trabalho a parte de contratos sociais vinculados à remuneração.

Assim, o interesse nas formas de organização de voluntários e sua gestão fez-

se surgir o questionamento acerca de seu exercício. Visto que cada voluntário

possui suas próprias motivações, diferentes interesses e vocações, como as

suas relações associativas poderiam ser medidas?

Quando observado o voluntariado no Terceiro Setor, toma-se como referência

uma prática de cidadania através dessa relação de trabalho institucionalizada,

perdendo seu caráter moral de caridade. Hegel fala em “linhas nodais das

relações de medida”, designando situações-limites, nas quais a tranquila

justaposição de coisas e relações entra em movimento interno. Explicita que não

há uma transição direta da multiplicidade de fenômenos para a essência e para

o conceito.

Somente sob a condição de que os fenômenos assumem uma

determinada constelação – isto é, perdem o tipo de existência que

tinham até então e adquirem outra existência – é que as relações neles

contidas se adensam e se transformam numa estrutura peculiar, que

constitui a conexão essencial. Essa estrutura interna é idêntica à

medida. Os fenômenos só chegam à essência por meio de relações de

medida. (NEGT & KLUGE, 1999, p.22)

Desta forma, o seguinte trabalho busca apresentar a relação de medida entre o

voluntariado e o Terceiro Setor entendendo que sua “conexão essencial” é o

8

exercício da cidadania. Assim, os dois primeiros capítulos buscam compreender

as principais características do processo histórico e conceitual do Terceiro Setor.

Quanto ao processo histórico, será apresentado o desenvolvimento da prática

voluntário tradicional, ou seja de aspiração religiosa, e a sua ruptura, diante de

complexos movimentos históricos. Sendo dividido entre o processo global e o

processo brasileiro de constituição do Terceiro Setor.

No capítulo que se discute o conceito optou-se por analisar o Terceiro Setor e a

pratica voluntária por uma visão teleológica. Visto que grande parte da

dificuldade em conceituar este segmento se dá pela sua multidisciplinariedade,

sendo debatida entre cientistas sociais, economistas, administradores,

contadores, juristas, gestores e assistentes sociais, perde-se o foco conceitual,

especialmente por esta sendo ativamente discutida a menos de três décadas.

Desta forma, acredito que, ao se estudar o que pode ser visto como um momento

de transição e mudança, a confrontação de singularidades e diferenças

conceituais do mesmo objeto, chegam num ponto limite, onde muitas linhas

dessas relações de medidas se combinam. Hegel chama isso de “pulsação do

vivo” (NEGT & KLUGE, 1999, p.22)

No Terceiro capítulo será apresentado o conceito de gestão social e de

associação dialógica. Seguindo esta lógica da finalidade como princípio

explicativo fundamental das organizações, como esses contextos ricos em

medidas geram superfícies de atrito entre seus colaboradores? Por fim, trabalhar

com uma categoria como a do voluntariado desafia a compreensão de estimulo

e motivação. Qual o sentido que a experiência nesta forma de trabalho

proporciona? Mesmo em sua forma institucionalizada, o voluntariado é uma

expressão de espontânea vontade, carregada consigo todos os valores do

indivíduo que a exerce. Então como a prática do voluntariado se relaciona com

os tempos de hoje?

Leonardo Boff discorre sobre o tipo de sociedade do conhecimento e da

comunicação que temos desenvolvido nas últimas décadas e como a tecnologia

na produção e serviço de bens materiais tem ameaçada a essência humana. O

mundo virtual criou “um novo habitat”, caracterizado pelo encapsulamento sobre

si mesmo e pela falta do contato humano. Isso cria uma anti-realidade que afeta

o ser humano naquilo que possui de mais fundamental: o cuidado e a compaixão.

9

Por outro lado, esta afirmação parece carregar um grau de ceticismo em relação

a capacidade atual do cuidado; porém, é importante apontar que Boff esta

discorrendo do ponto de vista de um ativista eco-político, onde a crença na

dimensão do cuidada está intimamente vinculada a história da espécie homo,

unificada e interconectada com tudo e todos. Isto implica uma compreensão

alargada de compaixão, entendendo que entre a espécie humana e a Terra, não

há distância, mas sim uma mesma realidade complexa, diversa e única.

Assim, busca construir um modelo de ética humana, discorrendo sobre mitos

antigos e pensadores contemporâneos dos mais profundos, mostrando que a

essência humana não se encontra na inteligência ou na liberdade, mas sim no

cuidado. É na verdade o cuidado, o “suporte real da criatividade, da liberdade e

da inteligência” e que é no cuidado que se encontra o ethos fundamental do

humano.

Ethos em seu sentido ordinário grego significa a toca do animal ou casa

humana, vale dizer, aquela porção do mundo que reservamos para

organizar, cuidar e fazer o nosso habitat. Temos que reconstruir a casa

humana comum – a Terra – para que nela todos possam caber. Urge

modelá-la de tal forma que tenha sustentabilidade para alimentar um

novo sonho civilizacional. A casa humana hoje não é mais o estado-

nação, mas a Terra como pátria/mátria comum da humanidade. Esta

se encontrava no exílio, dividida em estados-nações, insulada em

culturas regionais, limitada pelas infindáveis línguas e linguagens.

Agora, lentamente, está regressando de seu longo exílio. Está se

reencontrando num mesmo lugar: no planeta Terra unificado. Nele fará

uma única história, a história da espécie homo, numa única e colorida

sociedade mundial, na consciência de um mesmo destino e de uma

igual ordem. (BOFF 1999, p.27)

Desta forma, o cuidado é aquilo que se opõe ao descuido e o descaso.

Independentemente de sua motivação, cuidar abrange mais do que um momento

de atenção e é mais que um ato, é uma atitude; representa ocupação,

preocupação, responsabilização e envolvimento afetivo com o outro, sendo

assim, o seguinte trabalho busca entender o trabalho voluntário em sua

compreensão limite, como esse cuidado se expressa como uma forma de

10

engajamento político na solução de problemas sociais, através de seu exercício

da cidadania.

CAPÍTULO 1 – A FORMAÇÃO DO TERCEIRO SETOR

1.1 –ANTECEDENTES HISTÓRICOS

Desde os primeiros registros da escrita, é possível notar a presença da ajuda

voluntária de um ser humano para com seu semelhante. Nas sociedades

primitivas, esta ajuda advinha da família, tribo ou clã, onde os vínculos de

parentesco constituíam a principal motivação para a ajuda mútua no seu âmbito

de realização.

Assim, é característica inerente ao homem agrupar-se em sociedades e, como

qualidade intrínseca, o simbiótico relacionamento entre vocação e a necessidade

de ajuda mútua como partes de uma mesma ação. Essa qualidade teve seus

aspectos alterados à medida que a sociedade evolui em seus relacionamentos

interpessoais.

Foi apenas com o surgimento das grandes religiões (judaísmo, cristianismo,

islamismo) que os seres humanos, impulsionados por sentimentos humanitários

e religiosos, passaram a oferecer socorro àqueles que não pertenciam ao seu

círculo imediato. Neste contexto que surgiram as primeiras e mais rudimentares

formas de ajuda e de assistência aos necessitados.

Um exemplo disto são as chamadas “Diaconias”, oriundas do Cristianismo

primitivo e as “Xenodoquias”, estabelecimentos gregos destinados ao tratamento

de doentes. Ambas tinham como missão a organização de coletas, registro dos

necessitados, além de distribuir esmolas entre os pobres e doentes.

11

De acordo com Oliveira, durante séculos na Europa Cristã, a doutrina do mérito

religioso pode ser apresentada de três formas principais de ajuda e assistência

aos necessitados:

a) Ajuda pública; fornecida principalmente através das ordens

religiosas ou ainda através dos hospitais que surgiam quase

simultaneamente com os primeiros mosteiros. Também se refere à

obrigação do rei de proteger e atender as necessidades de seus

servos, vassalos e súditos.

b) Ajuda Mutua; prestada nas corporações e associações profissionais,

entre os membros que a integravam, não importando qual fosse a sua

categoria (mestre, companheiro ou aprendiz). Assim, seus membros

eram protegidos pela própria corporação, estendendo a proteção à

família em caso de morte.

c) Esmola; constitua a forma de ajuda mais difundida, praticada como

“dever religioso e meio de salvação”. Era uma ação de caráter

individual, apresentando duas modalidades: a entrega de ajuda direta

a um necessitado ou à sua família e a ajuda a instituições que

prestavam serviços em pessoas nelas internadas. (OLIVEIRA 2005,

p.18)

Conforme as sociedades expandiram e se tornaram mais complexas, o ato de

ajuda passou a tomar forma e a agregar suas principais características em

praticamente todo o mundo civilizado, culminando em novas instituições de

ajuda e as primeiras legislações de cunho social.

1.2 –CONTEXTO MUNDIAL DO TERCEIRO SETOR

Em meados do século XIX, houve a revolução política na França, a revolução

industrial na Grã-Bretanha e a revolução social na Alemanha. Em todos os casos

citados, o movimento operário e sindical foram decisivos (FERNANDES 2000).

12

Eram um vasto movimento associativista de caráter liberal e pluralista, de cunho

reivindicativo que procurava independência face ao Estado e às suas

instituições.

Assim, a Europa do Norte e Central, encontrava-se num cenário político de

profundas mudanças sociais e tecnológicas. Instituições alternativas passaram

a florescer, exigindo novas relações entre o Estado e seus cidadãos,

demonstrando um impacto muito maior que os resultados dos serviços pelo quais

foram criados. Isto só foi possível graças a uma aliança desses movimentos

proletários e sindicais às instituições religiosas de tradição cristã.

Na literatura anglo-saxã, encontramos A lei tradicionalista Inglesa, denominada

“Charities”, sendo a expressão mais antiga a denominar o fenômeno social que

se tornaria o Terceiro Setor. Remete à memória religiosa medieval e enfatiza o

aspecto de doação, de si para o outro. Um exemplo é a Lei dos Pobres, que

remonta a 1601, reformada em 1834, graças a novas ideias relativas à natureza

da pobreza e do papel do Estado. (OLIVEIRA; 2005). Durante os séculos XVI e

XVII, as atividades de ajuda não eram mais centralizadas e controladas pela

Igreja e a burguesia passou a exercer poder nos assuntos de interesse.Com o

surgimento do liberalismo político fundado por John Locke (NETO &

FERNANDES; 2010), a filantropia pode surgir como um contraponto moderno e

humanista distanciando-se das normas morais e religiosas de caridade. Por

último temos o Mecenato, que lembra-nos da renascença e o prestígio derivado

do apoio generoso às artes e ciências (FERNANDES; 1994)

Todas essas três formas de organização da ajuda viabilizaram a transformação

do trabalho social na ação continuada que solidificaria o Terceiro Setor. A

filantropia contrapôs-se à caridade, assim como a cidadania ao mecenato. Estas

denominações, de acordo com Fernandes, R.C.:

‘Perdem a dureza da contradição radical e dão lugar a um jogo

complexo e instável de oposições complementares. Não se

confundem, mas já não se separam de todo. Recobrem-se

parcialmente, alternando situações de conflito, de cooperação e

indiferença.” (1994, p. 27)

13

Com a Segunda Guerra Mundial e todas as suas consequências, o que

realmente interessava aos povos dizimados eram as políticas de reconstruções

e respostas aos graves problemas econômico-sociais que enfrentavam. Foi

neste contexto que agentes sociais organizados cumpririam seu papel e

justificaram na pratica as suas ideologias coletivas. Entre essas ações

organizadas algumas alcançaram tanta força e influência internacional, como o

Conselho Mundial de Igrejas e a Organização Internacional do Trabalho, que

parecia o suficiente para justificar uma presença formal na ONU. Como não eram

governos mas possuíam uma significativa representação, o sistema de

representações das Nações Unidas denominou-as ONGs - Organização não

governamentais. Por extensão, na década de 60, a ONU formulou a criação de

programas de Cooperação Internacional para o desenvolvimento estimulado,

cujo o objetivo era formular projetos de âmbito não governamental e expandir as

parcerias das ONGs europeias mundo afora, o que acabou por fomentar as

entidades congêneres nos continentes do Hemisfério Sul. (FERNANDES 1994)

De início, tiveram um caráter assistencialista, visto que em sua grande maioria,

estavam ligadas a grupos religiosos. Porém, no fim dos anos 70, esses grupos

já adquiriam importante relevância política, graças a uma política de

Empowerment, e ficaram conhecidos pela execução de atividades de autoajuda,

assistência e serviços nos mais diversos campos. Nos Países em

desenvolvimento este fenômeno foi ainda mais marcante, visto que as ONGs

tinham por finalidade promover esses projetos no Terceiro Mundo e acabaram

por fomentar entidades congêneres nos continentes do Hemisfério Sul, criando,

assim, uma verdadeira rede de organizações privadas autônomas, dando os

primeiros indícios de um Terceiro Setor Global.

Já no período da Guerra Fria, o ressurgimento da doutrina liberal exigiu das

organizações uma postura política, traduzindo o desenvolvimento social como

uma visão restauradora da cidadania e definindo como missão maior sua

atuação em prol dos interesses coletivos da sociedade.

Mas foi na era de ouro do liberalismo, em especial nos governos de Ronald

Reagan e Margareth Thatcher, que houve o maior crescimento do setor até

14

então; graças ao aspecto central de suas estratégias para reduzir os gastos

sociais do governo, o chamado ‘WelfareState’, ou ‘Estado do Bem Estar Social’.

Seu objetivo era conciliar a livre iniciativa liberal e garantir as liberdades

individuais, defendendo que todo o cidadão teria direito, desde o seu nascimento,

a um conjunto de bens e serviços que deveriam ser fornecidos pelo Estado ou,

mediante regulamentação, pelas organizações da sociedade civil. O interessante

é que mesmo nos Países onde nunca houve o’ WelfareState’, nota-se a

diminuição do Estado e suas conseqüências.

Já na América Latina, surgia em 1917 surgia o movimento chamado

Constitucionalismo social, cujo o conjunto de ideias procuravam equilibrar os

direitos fundamentais com os direitos sociais. Esse movimento teve significativa

repercussão nas instituições sociais da época, por relacionar diretamente os

Direitos da coletividade com a Cidadania. (NETO & FERNANDES 2010)

Porém, quase que por via de regra, o papel mais significativo na América Latina

fora o da igreja católica, que a partir dos anos 50 criaram diversos movimentos

e entidades voltadas a auxiliar os trabalhos executados pelas dioceses no âmbito

das zonas rurais e urbanas. Em 1968 acontece conferência de Bispos católicos

na Colômbia, onde correntes mais radicais da Igreja Católica formalizaram suas

atividades através da criação das Comunidades Eclesiásticas de Base. Até a

década de 80, no Brasil já havia cerca de 100 mil dessas comunidades

espalhadas por todo o território nacional.

A partir da década de 90, a articulação das ONGs foi estimulada pelo surgimento

de fóruns internacionais, redes de discussão globais e a construção de uma

agenda política mundial voltada somente às questões sobre meio ambiente,

inclusão social, erradicação da pobreza, entre outros, fazendo o movimento

tomar força na sociedade, na mídia e no governo. Até mesmo o Banco Mundial,

que apoiava esporadicamente as organizações voluntárias reconheceu a

“explosiva emergência das organizações não governamentais como um

importante ator coletivo em atividades de desenvolvimento” (apud SALOMON

1998; p.7), criando um conselho consultivo de amplo envolvimento no Terceiro

Mundo.

15

1.3 - O TERCEIRO SETOR NO BRASIL

Do período que vai do descobrimento até o século XVIII, a Igreja foi uma força

muito mais preponderante na execução de obras sociais que o Estado. Assim,

sem lançar mão de seus interesses particulares suas obras tinham como objetivo

primário a saúde e educação.

As primeiras instituições documentadas ligadas à filantropia e à assistência

social surgiram com a Igreja Católica. A “Irmandade da Misericórdia”, mais

conhecida como Santa Casa da Misericórdia foi criada em 1534, na cidade de

Santos e em 1738 no Rio de Janeiro. Tinham como objetivo a implantação dos

primeiros hospitais, além de asilos e manicômios. Utilizava-se do modelo

assistencial da Irmandade de Lisboa, cujo objetivo era promover as chamadas

sete obras corporais: curar os enfermos, remir os cativos, visitar os presos, cobrir

os nus, dar de comer aos famintos, dar de beber a quem tem sede, dar pouso

aos peregrinos e enterrar os mortos. (NETO & FERNANDES 2010)

Seu atendimento se dava dentro das grandes fazendas, cultivando uma

assistência individualizada e dependente de favores, criando assim uma dívida

de gratidão que se eternizava entre donos das terras e seus subordinados. Além

disso, era mantida através de uma filantropia senhorial, através da contribuição

“benemérita”

Outra grande instituição deste período fora a Ordem da Companhia de Jesus.

Estes implementaram o primeiro sistema educacional no Brasil. Seus recursos

advinham basicamente de doações particulares e heranças, o que lhes garantiu

considerável patrimônio, permitindo implementar escolas muito bem

conceituadas e com grande influência. (OLIVEIRA, 2005, p.24)

Apesar do colonialismo imposto e da falta de liberdade de espaços sociais

livremente organizados, surgiram associações de voluntários de iniciativa

popular, oriundas do “catolicismo popular”. Estas careciam da aprovação e

consentimento da Igreja Oficial para poderem existir. Caracterizavam-se por uma

representação corporativa de um determinado setor social. Exemplos disto são

16

a “Irmandade dos Homens Pretos” e a “Irmandade da santa cruz dos militares”.

(apud OLIVEIRA, 2005, p.23)

Porém, as práticas mais comuns deste período eram as entidades mantidas pela

elite dominante, sempre ligada à igreja; a principal característica deste período

é a mescla do público com o privado, do confessional com o civil, com o

beneficiado assumindo uma espécie de dívida moral pela ajuda recebida.

A partir do século XIX, a relação Estado e Igreja é marcada por um esgotamento

progressivo. Com a oficialização da constituição de 1891, fora estabelecido a

liberdade de culto e a proibição de subvenções por parte do governo às

instituições religiosas. Mais do que isso, o Brasil estava vivenciando um novo

panorama político, onde o aprendizado da participação da solidariedade e da

discussão sobre os valores sociais culminaram nas primeiras associações

independentes. (OLIVEIRA, 2005)

Por consequência, houve o rompimento da relação entre o Estado e a Igreja

possibilitou liberdade a diferentes grupos religiosos de passar a atuar de maneira

associada ao Estado. Nesse novo contexto, a atuação de missionários e

imigrantes (principalmente protestantes), oriundos da Inglaterra, Estados Unidos

e Alemanha, passaram organizar de forma independente e a atuar na filantropia

brasileira através da experiência adquirida nos países de origem. Além destes,

organizações espíritas e afro-brasileiras passaram a exercer importantes

atividades de cunho social.

Esse conjunto de fatores, aliados a modernização natural da sociedade graças

ao progresso advindo da industrialização e urbanização, possibilitou o

surgimento de novas formas de atividades e organizações sociais, que passaram

a buscar a sua autonomia para agir em benefício da sociedade que passaram a

ajudar a construir. Enquanto isso, a Igreja continuava com suas obras, graças

aos valores religiosos de caridade; porém sem apoio oficial, as Irmandades

foram se reduzindo drasticamente. Vale ressaltar, no entanto, que o Estado não

conseguiu acompanhar a evolução da ação social deste período, e à medida que

a sociedade se tornava mais complexa, os problemas sociais se tornavam cada

vez mais desafiadores.

17

Na República Velha (1889-1930), as instituições religiosas, filosóficas e

caritativas permaneciam como protagonistas, quase que exclusivos, no

tratamento das mazelas sociais.

Provavelmente a mais importante forma de organização deste período foram as

organizações de trabalhadores e profissionais liberais que, além de lutar pelos

interesses de cada categoria, tinham o compromisso de realizar uma filantropia

corporativa baseada no idealismo. Desta forma, os operários se agrupavam em

sindicatos e os profissionais liberais se organizavam por meio de associações.

Exemplos destas organizações são, respectivamente, a Associação Brasileira

de Imprensa (ABI), fundada em 1908 e a Associação Paulista de Cirurgiões

Dentistas (APCD), em 1911. (OLIVEIRA, 2005)

Outro importante Marco deste período foi à introdução do Comitê da Cruz

Vermelha no Brasil fundado em 1908, sendo considerado como um dos marcos

mais importantes para o estudo do Terceiro Setor no Brasil. (NETO e

FERNANDES, 2010)

Durante o Governo de Getúlio Vargas (1930-1945), a administração pública

reconhece a importância de atender as reivindicações da sociedade,

estabelecendo os direitos mínimos aos trabalhadores urbanos: sistema público

de ensino; criação do sistema nacional de aprendizagem (SENAI – Serviço

Nacional da Indústria; SENAC – Serviço Nacional do Comercio); sufrágio

universal entre outros serviços. (OLIVEIRA, 2005)

Desta forma, o Estado passa a interferir diretamente nas formas de ajuda,

atrelando as iniciativas autônomas e emergentes da sociedade civil aos

mecanismos da administração pública, tornando-os aparelhos paraestatais a

serviço do fortalecimento do governo. Porém a marginalização social consiste

num problema de longa data, visto que o Brasil caracteriza-se por um capitalismo

concentrador de renda, acentuando a desigualdade econômica e social.

Diante esta realidade, em 1942, cria-se a Legião Brasileira de Assistência (LBA),

cuja função era de combater, ou ao menos reduzir o quadro de dependência

social e desajuste de sobrevivência. Chegou a organizar-se em 90% dos

Municípios do País, sendo considerado o órgão mais sólido de assistência

advinda do setor público. Mais tarde ficou conhecida muito mais pelo

18

clientelismo, favorecimentos políticos e corrupção, do que pela sua assistência

à população carente. (NASCIMENTO, 2000)

No período da Ditadura Militar (1964-1985), Oliveira diz:

(...) adota-se na área social uma postura controladora, criando grandes

estruturas hierarquizadas e centralizadas com vista a reduzir a pobreza

e diferenças regionais: Instituto Nacional Previdência Social (INPS),

Banco Nacional da Habitação (BNH), Cooperativa Brasileira de

Alimentos (COBAL), Central de Medicamentos (CEME), Movimento

Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL) etc. Na verdade, tratam-se de

políticas compensatórias, distributivistas e de integração nacional,

mobilizando pesados recursos públicos. (2004, p. 27)

Durante os anos 80, o aumento da marginalização social consistia como principal

desafio dos governantes. A falta de meios suficientes de sobrevivência para

ajudar a todos constituía sua principal causa, graças a condição de emprego e

renda terem um sentido inverso do crescimento populacional. Isto acontecia por

conta da exigência do mercado de pessoas de qualificação profissional e o

avanço tecnológico, gerando a substituição de grande parte da mão de obra não

especializada e semi especializada. Vale ressaltar que os programas sociais

implementados pelo setor público possuem características paliativas, ou seja,

são assistências emergenciais, não possuindo sustentação de sobrevivência

permanente.

Com a promulgação da constituição de 1988, houve um aumento dos direitos de

cidadania e princípios de descentralização na promoção de políticas sociais;

estabelece-se como princípio básico a estratégia de ampliar a participação da

sociedade na esfera pública. Houve, então, grandes avanços para programas

assistenciais, redefinindo o papel do Estado como fomentador e não

necessariamente executor das políticas sociais. Foi a partir daí, que os

mecanismos para o surgimento do Terceiro Setor no Brasil de forma organizada

e oficial se tornaram possíveis.

19

CAPÍTULO 2 – CONCEITOS E CARACTERÍSTICAS

2.1 – ANÁLISE CONCEITUAL

O termo “Terceiro Setor” surge a partir da expressão traduzida do inglês “Third

Sector”, fazendo parte do vocabulário sociológico corrente dos Estados Unidos.

Faz alusão a outros dois setores: o primeiro representado pelo Estado, cujo a

responsabilidade está em promover o bem comum, em todas as suas esferas

administrativas. O Segundo, refere-se ao Mercado, ou seja, pelas organizações

privadas com fins lucrativos. Sua denominação deu lugar às expressões

utilizadas pela sociedade civil organizada diferenciando-se desses dois setores,

não só fazendo referência às atividades sem fins lucrativos e ao setor voluntário,

mas principalmente por conta de sua direção política, carregada de conceitos

sociais que abrangem a coletividade. Rifkin (1997), critica esta nomenclatura,

visto que historicamente, a sociedade surgiu primeiro que o Estado e o Mercado.

Barbosa (apud MANÃS 2012, p.22) afirma que “uma das características mais

marcantes do Terceiro Setor é a heterogeidade das organizações que o

compõe”. Além disso, Neto nos diz:

(...)o estudo do Terceiro Setor está diretamente ligada aos interesses

do povo, interesses sociais que, devido a sua essencialidade, são

abraçados pelo direito e se refletem no mundo jurídico como tutela

constitucional dos direitos coletivos. Ainda mais estreita é a sua relação

com a Cidadania, por ser esta o conjunto de direito e deveres do

indivíduo inseridos na sociedade. (2010, p.373)

Talvez por isso haja tamanha confusão nas definições de seus conceitos e nas

delimitações de seus espaços de atuação. Assim, Drucker (apud OLIVEIRA &

20

MANOLESCU,2010) afirma que as instituições sem fins lucrativos existem por

causa de sua missão. Elas existem para fazer a diferença na sociedade e na

vida dos indivíduos. Enquanto que Vico Manãs afirma “que se entende o Terceiro

Setor por um conjunto de valores que privilegia a iniciativa individual, a auto

expressão, a solidariedade e a ajuda mutua. (2007, p 21)

A antropóloga Ruth Cardoso, chama a atenção para o objetivo do Terceiro Setor,

que define como sendo a “reinstitiucionalização do público” (CARRION 2000,

p.238), compreendida como sinônimo de processo de organização da sociedade

civil em defesa dos seus próprios direitos. Porém o que define esse espaço

público?

Bobbio define a sociedade civil da seguinte forma:

(...) é o lugar onde surgem e se desenvolvem os conflitos econômicos,

sociais e ideológicos, religiosos, que as instituições estatais tem o

dever de resolver ou através mediação ou através da repressão.

Sujeitos desses conflitos e , portanto da sociedade civil exatamente

enquanto contraproposta ao Estado são as classes sociais, ou mais

amplamente os grupos, os movimentos, as associações, as

organizações que a representam ou se declaram seus representantes;

ao lado das organizações de classe, os grupos de interesses, as

associações de vários gêneros com fins sociais e , indiretamente

políticos, os movimentos de emancipação de grupos étnicos, de defesa

de direitos civis, de libertação da mulher, os movimentos jovens, etc.

(apud NETO & FERNANDES – 2010, p.379)

Desta forma, podemos caracterizar o setor pela sua capacidade de criar e

realizar projetos em prol de benefícios coletivos, de acordo com suas respectivas

áreas de atuação. Podemos dividir seu escopo de interesses em duas partes; a

primeira visa o benefício privados, agindo a partir do princípio de ajuda mútua e

defendendo os interesses de um grupo restrito de pessoas, portanto não

proferindo um considerável impacto social. Do outro lado, temos aquelas de

caráter público, cujo o foco se encontro no atendimento dos interesses comuns

da sociedade, assim produzindo bens e serviços que agregam amplos benefícios

à sociedade na qual está inserida.

21

Proposta em 1992 por Salamon&Anhheir (apud LIMA, 2002 p.87-88), o Terceiro

Setor possui uma definição “estrutural/operacional”, composta por cinco atributos

que as distinguem do demais setores econômicos:

1-Formalmente constituídas; alguma forma de instituição, legal ou não, com um

nível de formalização de regras e procedimentos, para assegurar a sua

permanência por período mínimo de tempo

2-Estrutura básica não governamental; são privadas, não ligadas

institucionalmente a governos

3-Gestão própria; realiza sua própria gestão, não sendo controladas

externamente

4-Sem fins lucrativos; a geração de lucros ou excedentes financeiros deve ser

reinvestida integralmente na organização. Estas entidades não podem distribuir

dividendos de lucros aos seus dirigentes

5- Trabalho voluntario; Possui algum grau de mão-de-obra voluntaria, não

remunerada ou o uso voluntario de equipamentos.

Por estas características, entende-se que essas entidades tem uma importante

responsabilidade social pelas ações que chegam a desenvolver pelas

comunidades, tendo assim respaldo da própria sociedade. É a consagração dos

direitos sociais que integram os direitos fundamentais, ultrapassando tanto o

interesse privado quanto o interesse do Estado. Sua atuação é baseada em

políticas de planejamento e gerenciamento o que conduz a um trabalho que

passa a receber credenciamento pela própria sociedade, traçando o que se pode

chamar de “responsabilidade coletiva”.

De acordo com Falconer (apud OLIVEIRA & MANOLESCU 2010, p.8), no Brasil,

estas instituições podem ser classificadas da seguinte forma:

I – Igrejas e Instituições religiosas

22

II – Organizações não Governamentais e Movimentos Sociais

III – Empreendimentos sem Fins Lucrativos

IV – Fundações Empresariais

2.2 – A IMPORTÂNCIA DA CONCEITUAÇÃO

De acordo com Holanda(2003), as diferentes explicações teóricas e ideológicas

do Terceiro Setor, expressam interesses sociais das diversas classes

envolvidas, seja membros de uma organização populares, acadêmicos ou

empresários, etc. Assim é possível identificar duas linhas de tendências teórico-

políticas; a primeira, conhecida como “terceira via” de tendência progressista e

a segunda com uma tendência de suposta intensão progressista, mas que na

realidade expressa ideais conservadores e regressistas de ideologias neoliberal

e “trabalhistas” de direita e esquerda. Ambas as correntes valem-se de diferentes

teorias, porém em geral associam-se aos mesmo temas, como relações entre o

Estado e sociedade, justiça social, igualdade e liberdade e as relações entre o

público e o privado.

Assim, o ponto de maior convergência do debate, é a dimensão da questão

ideológica, correspondente à crescente desconfiança da sociedade quanto a

capacidade da burocracia gestora da seguridade social. Entre as referências

clássicas desses autores, destaca-se Rosanvallon, que questiona a capacidade

do “Estado-Providência” para gerir eficazmente os problemas sociais o que

conduz a uma crise de legitimidade. (apud HOLANDA 2003)

O autor propõe uma alteração da solidariedade típica do Estado de Bem Estar

Social, que é obrigatória e financiada através de todos os membros da

sociedade, através de impostos. Esta deve ser substituída por uma nova

solidariedade voluntária e direta. O objetivo do autor é alterar globalmente o

exercício da solidariedade social. Assim, o que se desenvolveu em seu debate

23

foi uma desresponsabilização do Estado e uma auto-responsabilização dos

indivíduos pelas respostas as suas próprias necessidades. (HOLANDA, 2003)

Os teóricos das linhas progressistas, desenvolveram a partir deste debate uma

resposta à crise de solidariedade social, fazendo crítica a suposta inexistência

entre a contradição capital/trabalho. Esta “terceira via”, nada mais é do que a

crítica as teorias marxistas e ao neoliberalismo e tem como objetivo desenvolver

a solidariedade voluntária, organizada e operacionalizada pelos indivíduos de

forma profissionalizada. Esta foi a visão que deu base para o “novo contrato

social”, contrário ao contrato social típico do Welfare State.

Fernandes, porém, faz a crítica à esse modelo:

Se o voluntariado for uma re-emergência da caridade pode torna-se

uma forma de conservadorismo que impede a cultura dos direitos

humanos e mina a ética da solidariedade alargada e sem fronteiras.

Ocultando a injustiça social e desresponsabilizando os poderes

públicos de âmbito nacional e internacional, justifica e protege a

globalização do mercado sem uma ética global. Assim, a persistência

do voluntariado tradicional não serve a força e o potencial de

investimento e afirmação da sociedade civil e das comunidades,

enquanto espaços sociais de providência. (FERNANDES 2003, p. 165)

Falconer (1994) afirma que há um consenso entre os formadores de

administração profissional para o Terceiro Setor; a formação profissional deve

ser modelado pelo perfil e demanda especificas de suas organizações,

questionando como a capacitação tradicional é capaz de oferece reposta entre

a distância das expectativas em relação ao setor e a realidade de sua fragilidade

observada no Brasil. A promessa de eficiência, participação cidadã, inovação e

qualidade que surge em seu potencial de atuação acaba por criar um discurso

idealizado enquanto simultaneamente o setor se mostra mal equipado para

assumir este papel.

Contata-se que, embora o Terceiro Setor esteja sendo alçado para

uma posição de primeira grandeza, como “manifestação” da sociedade

civil e parceiro obrigatório do Estado na concepção e implementação

24

de políticas públicas, a realidade deste setor, quanto ao seu grau de

estruturação e capacidade de mobilização, ainda está muito aquém da

necessária para que cumpra os papeis para os quais está sendo

convocado, seja por características políticas e culturais brasileiras,

como a alegada “falta de tradição associativa”, seja por deficiências na

gestão destas organizações. (Falconer 1994, p.7)

Desta forma, as ações de desenvolvimento do Terceiro Setor, fundamentaram-

se na suposição de que a gestão organizacional é o principal desafio do setor e,

consequentemente, a capacitação profissional é a principal resposta para que

desempenhe plenamente seu papel. O que se vê então, é o Estado elaborando

leis visando a criação de um ambiente legal mais propício às organizações com

finalidade públicas; simultaneamente o setor empresarial e organizações

multilaterais contribuem na formação e reconhecimento desse novo espaço

institucional, incentivando iniciativas para o aperfeiçoamento de suas práticas

gerenciais.

Porém, essa relação entre os três setores criam diversas divergências de

posições entre os setores organizados da sociedade, gerando um intenso debate

ideológico das suas relações intersetoriais. Divide-se em dois argumentos:

enquanto alguns veem como uma ameaça neo-liberal de precarização de

conquistas sociais, através da defesa do Estado mínimo, sua contraparte vê o

setor como uma representação do avanço da sociedade, que pode tornar o

estado mais transparente, aberto e sintonizado com os anseios da população.

2.3 – O VOLUNTARIADO

Nas últimas décadas o voluntariado tem passado por profundas transformações

práticas e conceituais. O voluntariado tradicional advinha da caridade, não

transcendendo a característica de remediar a pobreza. Na verdade, existia

segundo uma ética da piedade, hoje chamada de solidariedade, vista por alguns

25

críticos com uma lógica que convertia-se em ofensa, pois “atentava a uma cultura

dos direitos humanos”.

Nos dias de hoje, ressurge como voluntariado social, emergindo com uma nova

ética, entendendo como participação cívica. Se apresenta com jeito de militância,

baseada em buscar articular competências técnicas e o compromisso de

fortalecimento da cidadania. É uma ajuda estruturada com meta de solucionar

problemas. Assim, o trabalho se torna uma ação intencional voltada a mudança

social

Passa a ter causas de luta e co-responsabilidade ética e política que, através da

inserção em instituições existentes ou por via da criação de novas, passa a ser

protagonista de uma nova cultura cívica. Além disso, como um imperativo

pessoal e intimo da sua co-responsabilidade pelo outro, passa a opor-se ao

trabalho como atividade estritamente determinado por fatores econômicos e ao

ressurgimento da caridade como esmola.

Essa reinvenção de um voluntariado passivo para a defesa de uma cidadania

ativa se torna, não só umas das principais bandeiras no cumprimento da

cidadania, como também uma forma de revitalização da própria sociedade civil.

Isto porque passam a estar inseridos ativamente nos assuntos de interesse da

comunidade e administração pública, trazendo consigo propostas para a solução

dos mais diversos e complexos problemas sociais.

Por consequência, a legislação passa a amparar os voluntários e instituições

afirmando, através do Decreto-Lei nº 389/99 de 30 de setembro: o voluntariado

é uma atividade inerente ao exercícios da cidadania que se traduz numa relação

solidária para com o próximo, participando de forma livre e organizada, na

solução dos problemas que afetam a sociedade em geral.

Este novo voluntariado se caracteriza por fazer parte da vida democrática da

sociedade, concretizando o seu exercício de cidadania pela disposição da

participação solidária, carregando consigo uma nova lógica de concessão e

partilha de seu tempo, caracterizando uma ética alternativa, não individualista e

não antropocêntrica, solidaria com o ambiente e a natureza.

26

Abaixo, segue a lista de princípios, deveres e objetivos firmados na Declaração

de Paris (Congresso Mundial da International Association for VoluntaryEffort –

IAVE, de 14 de setembro de 1990), considerado referência no que diz respeito

aos parâmetros do voluntariado:

- Os voluntários reconhecem a todo o homem, mulher e criança, o direito de

associarem, independentemente da sua raça, religião, condição física ou

material; respeitam a dignidade de todo o ser humano e a sua cultura(...);

- Encorajar a transformação do compromisso individual em movimento coletivo;

apoiar de maneira ativa a sua associação, aderindo conscientemente aos seus

objetivos(...); trabalhar com ética no desempenho de suas funções(...);

- Declaram a sua fé na ação voluntaria, como uma força criadora e mediadora

para: respeitar a dignidade de toda a pessoa, reconhecer a sua capacidade de

exercer os seus direitos e ser agente do seu próprio desenvolvimento; contribuir

para a resolução dos problemas sociais e do ambiente; a construção de uma

sociedade mais humana e mais justa(...)

- Convidam os Estado, as Instituições Internacionais, as Empresas e os meios

de comunicação social a unirem-se a ele, como parceiros, para construir um

ambiente internacional favorável à promoção e apoio de um voluntariado eficaz,

acessível a todos, símbolo da solidariedade entre homens e nações.

2.4 – VOLUNTARIADO NO BRASIL

No Brasil o voluntariado ainda está muito ligado ao ambiente religioso, tendo

como motivação predominante os sentimentos e valores de ordem religiosa. De

acordo com Holanda (2003, p. 46), a Pastoral da criança é a entidade que

congrega o maior número de voluntários no Brasil, chegando a contar com 150

000 mil participantes. Este exemplo ilustra bem o tipo de voluntariado de ordem

27

pessoal, onde o impulso solidário baseia-se em valores espirituais e culturais tão

valorizados nos fundamentos da doutrina religiosa.

Por outro lado, temos a motivação de natureza social, cujo o olhar crítico em

relação a sociedade gera um engajamento, a partir de algo que o incomode. É

no olhar crítico que o voluntario decide atuar no seu enfrentamento.

Uma pesquisa realizada por Landim & Scalon (apud HOLANDA 2003, p. 49),

apresenta um número de 19,7, milhões de brasileiros voluntários espalhados

pelo pais. Concluiu que idade, sexo, classe social ou grau de escolaridade não

são fatores de influência no perfil do voluntário brasileiro, embora a média de

renda mensal familiar fique em torno de 5 salários mínimos

Vale destacar alguns dados apresentados pela pesquisa em relação à atuação

do trabalho voluntario:78% dos entrevistados acreditam que todo o cidadão deve

doar algo para melhorar a sociedade, enquanto 70% afirmam que fazer doações

faz parte da crença religiosa. Entretanto 74% dos entrevistados declarem que,

se o governo assumisse suas funções, não haveria necessidade de se fazer

doações.

A pesquisa também destaca dados em relação às instituições de atuação:57%

atuam em instituições religiosas, 17% em instituições de assistência social, 14%

atuam em áreas da saúde e educação e 8% em instituições de defesa de direitos

e ações comunitárias. A média de horas doadas é de 74 horas/ano, ou seja, 6

horas/ mês.

CAPÍTULO 3 – A GESTÃO DO TERCEIRO SETOR

3.1 – GESTÃO SOCIAL E A MILITÂNCIA NO VOLUNTARIADO

28

O termo “gestão social” se caracteriza pelo reconhecimento da função social

inerente ao processo de gestão dos programas de finalidades social. Conceitua-

se como processo de organização, decisão e produção de bens públicos,

concretizada na missão institucional e articulando os interesses grupais no

interior das organizações. A missão, para a gestão social, passa a tomar a forma

de contratualidade interpretativa, expressando a intenção organizacional e sua

conexão às ações do Estado, mercado e sua inserção na comunidade em que

atua.

Por existir num espaço de intermediação, a constante articulação entre

comunidade, setor mercantil e o Estado, faz-se necessário à essas organizações

adotar regras e procedimentos formais e profissionais, isto porque sua

articulação se dá através dos “mundos informais” das comunidades, suas

relações, ideologias e também através de sua própria missão.

No interior destas organizações, é possível identificar diferentes interesses

grupais expressos no chamado “públicos constituintes”. Estes se apresentam

como cinco diferentes sujeitos:

1 – Instituidores; corresponde ao grupo original que instalou a organização e

manifestou sua missão e propiciou os recursos materiais e ideológicos iniciais.

2 - Funcionários; corresponde ao grupo de indivíduos que se vinculam

legalmente como trabalhadores da organização e assumiram ao longo do tempo

um determinado grau de identidade com os pressupostos da organização.

3 – Voluntários; caracteriza-se como um grupo transitório que se articula à

organização de modo autônomo e realiza parcela das tarefas, ou contribui com

trabalho, participação ideológica ou empenho pessoal, não remunerado, com

intensidade e características diversas.

4 – Doadores; corresponde ao conjunto, nem sempre internamente articulado de

indivíduos, que contribui financeiramente para manutenção da organização.

5 – Público alvo; constitui o grupo de beneficiários dos serviços prestados pela

organização, ou seja, o cidadão portadores de direitos, com a capacidade de

autonomia e liberdade para decidir sobre sua vida individual e coletiva.

29

Cabe aqui, ressaltar o papel do gestor como um elemento do “público

constituinte”, ora como funcionário, ora como voluntário, podendo também

aparecer na figura do instituidor. Sua importância se encontra justamente no

exercício de sua função, onde confluem os interesses e influências de todos os

públicos supracitados.

Sennet, utiliza o termo “cooperação intensa”, que designa a exigência de

habilidade, a técnica de fazer algo bem feito. Explica que existe “habilidades

sociais” mais sérias e que essas podem percorrer toda uma “gama de ações

implicadas em ouvir com atenção, agir com tato, encontrar pontos de

convergência e de gestão de concordância (...).” (2012, p.17). A esse conjunto

de atividades chamou de “habilidades dialógicas”.

Por estar à frente da representação da questão social enquanto tradutor da

missão organizacional, a gestão se responsabiliza quanto ao desempenho dos

processos internos e pela produção social da organização. Isto pressupõe uma

essência política ao processo de gerenciamento, visto que passa a exercer uma

função social que implica à organização se apresentar, não somente pela

contribuição que presta, mas principalmente pela forma em que atua na

sociedade.

Desta forma, quando se faz uma aproximação entre os saberes gerenciais e as

experiências de assistência e/ou militância social, oriundas da prática de

entidades sem fins lucrativos, surge uma nova problemática acerca das relações

entre voluntários e gestores. A prática de gestão do voluntario instaura um

campo de relações de trabalho a parte dos contratos sociais vinculados a

remuneração.

Para entender essa relação, Pinheiro se utiliza do referencial de Bourdieu,

buscando categorias suficientemente amplas para o tratamento das distintas

representações sociais. Deste modo:

“(...)objetiva-se compreender a gestão do voluntariado como um

campo de disputas onde estarão presentes não só os saberes

administrativos, mas também os interesses de agentes sociais que

trabalham sem a remuneração convencional e, neste interim, podem

ser instigados ao voluntariado em nome do capital religioso, político ou

outros” (PINHEIROS s.d., p.3)

30

Continua explicando que, sob o olhar de Bourdieu, os agentes que atuam na

realidade social, agem estimulados conforme seus interesses que, por sua vez,

circulam intra e entre os diversos campos de ação do espaço social. Desta forma,

suas posições em cada campo de disputa é diretamente condicionada pelas

trajetórias individuais de cada um desses agentes sociais.

A cada um desses campos pode-se designar capitais específicos/característicos;

estes são atributos do agente social que “dispostos nas relações sociais, através

da legitimação que possuem, acarretam mais ou menos poder a este agente

(...).” (PINHEIROS s.d., p.3) Esta relação de poder solidifica uma posição no

espaço social, criando uma hierarquização social.

“As relações sociais em Bourdieu constituem-se como relações de

disputa interativas e/ou conflitivas, despertando em torno de um

elemento de interesse comum (determinado capital), cujo controle será

buscado e conquistado conforme o poder acumulado de cada agente

em relação ao alvo da disputa. A estruturação de relações a partir de

um objeto de interesse comum, desencadeando relações de força

(material e simbólica) é definida por Bourdieu como a identificação de

um campo em particular no conjunto do espaço social. A categoria

campo, em articulação a capital, é uma construção teórica que define

o lócusde disputa específicos, em torno do qual se estruturam relações

especificas e princípios de conduta específicos, em constante revisão

pela interação e conflito dos agentes em disputa. (PINEHIROS 2002,

p.4)

Desta forma, o saber profissional do voluntário e a experiência do gestor são o

resultado do acumulo de suas vivências. O engajamento do voluntário influencia

o grau de investimento dos capitais acumulados pelo gestor; que por sua vez

estimula e mobiliza a identificação com a prática voluntária através de uma

prática associativa dialógica. Consolida, assim, não somente o cumprimento das

metas, mas principalmente, à concretização de valores comuns.

Esta articulação de valores, aliada as motivações sociais individuais é o que cria

uma afinidade entre os agentes captados e a “paixão” pela ação voluntaria. Por

ter sistemas simbólicos comuns, em especial no ideário de construção da

31

realidade social, a trajetória dos serviços voluntários organizados passa a atestar

um certificado social de aptidão, convergindo seus capitais em torno de novos

elos de integração social no âmbito da sociedade civil.

É este jogo de trocas mútuas entre beneficiados e voluntários, que aloca em

seus capitais acumulados o reconhecimento social que gera sua proposta de

militância. É a capacidade de mobilizar agentes sociais de outras instâncias a

executarem atividades profissionais que fundamenta o exercício da autonomia

desses agentes.

3.2 –GESTÃO SOCIAL E A AÇÃO DIALÓGICA

Talvez a principal característica da gestão social seja a sua contraposição à

gestão estratégica, tradicional dos empreendimentos com fins lucrativos. Passa

por uma mudança de paradigma, onde deixa de ser imediatamente orientado

para o sucesso e passa a criar modelos do agir orientado pelo entendimento

mútuo, especificando suas ações por um acordo comunicativo.

Seu exercício, portanto, é de um gerenciamento participativo e de ação dialógica.

O procedimento decisório passa a existir dentro de uma ótica de racionalidade

comunicativa, sendo exercido por diferentes agentes sociais. Esses tratam de

harmonizar internamente seus planos de ação e orientam-se através de ações

de validade intersubjetivamente reconhecidas.

Portanto, sob o contexto da gestão social orientado pela racionalidade

comunicativa, os agentes que nela atuam fazem suas propostas, tornando

explícitos através da razão e do conhecimento. A argumentação não é vista

como um processo de decisão, mas sim um processo de solução de problemas

que conduza a convicções.

Atua enquanto promessa de consenso racional, onde a verdade não é a

percepção do indivíduo e sua percepção do mundo, mas sim um acordo

alcançado por meio da discussão crítica e dialética.

32

Porém, segundo Mothé:

(...)a valorização do vivido de cada um não pode se fazer unicamente

através da ajuda do discurso, mas através de seu próprio saber e

também através da valorização de sua própria vida. (apud

NASCIMENTO 2011, p.109)

Desta forma, não é possível desvencilhar os argumentos desses agentes de

suas experiências, justamente porque são suas experiências que atribuem valor

e sentindo, transformando suas experiências pregressas em experiências

propriamente dita formadoras. Para Gramsci a educação vai além da educação

escolar, invadindo todos os processos que envolvem a formação da consciência

e a produção da subjetividade. (apud TIRIBA 2008, p.75)

Sendo assim, é possível enxergar a práxis nas atividades de gerenciamento

social, onde a atividade de ação/pensamento/ação se apresenta com o papel de

mediação da militância organizada e da (re)construção da realidade humano-

social.

Neste sentido é que o trabalho conscientiza dor do Terceiro Setor se apresenta,

dignificando e conduzindo seus agentes e seus beneficiários. A assistência, sem

um proposta dialética, jamais conseguirá fazer com que o homem se sinta

aproveitado e realizado nos seus mais diversos aspectos.

Superar esta lógica da prestação de serviços, que reproduz a mentalidade

consumista e retarda uma cultura emancipatória, significa “cruzar o social, a

formação/educação e o cultural”. Faz-se imprescindível cuidar da natureza dos

projetos, buscando cultivar o diálogo intergeracional e a interculturalidade,

contrariando a cultura humana da discriminação, individualismo e do

antropocentrismo, que ignora os direitos da natureza e do futuro.

Firmar-se com esta lógica junto a sociedade, implica assumir-se como

um parceiro exigente junto dos serviços da administração local e

central, contrariando o centralismo, a burocracia e a subordinação ao

poder dos funcionários e técnicos das instituições públicas. Implica

igualmente apostar na criação de redes (formais e informais, locais e

extra locais) de natureza associativa. Significa também privilegiar a

relação com as escolas, fazendo cruzar a educação não formal com a

33

educação escolar, estabelecendo formas regulares de colaboração

(instalações, equipamentos, projetos, saberes), desisolando a

comunidade escolar e aprendendo com ela. (FERNANDES 2003,

p.174)

3.3 – ANÁLISE DE CASO

3.3.1 – Modelo da dinâmica da motivação

A seguinte entrevista tem como intuito fazer uma análise de caso das motivações

de um dos instituidores da Ong Rio EcoArte, o presidente Luis Ferreira. A análise

do voluntariado já possui estudos relacionados à motivação. Este recorte permite

à pesquisa analisar um vínculo entre o sujeito e a instituição, que não se acha

pela remuneração financeira. Desta forma, os motivos se acham associados ao

relato da experiência de satisfação e frustração, articulando uma análise das

escolhas e projetos nos quais o sujeito se engajou.

A análise da entrevista tem como modelo a dinâmica da motivação descrita por

Sampaio, buscando o significado da experiência diante um quadro de tendências

motivacionais. Este conceito de tendência serve para designar um pré-motivo,

algo que impulsiona ou influencia o ser humano a construir um motivo.

(SAMPAIO, 2004, p.122)

3.3.2 – Entrevista Ong Rio EcoArte

Qual a estrutura organizacional?

Devido à falta de verba, patrocínios e doações.

Nós hoje atuamos com 03 coordenadores, 02 nutricionistas, 01 mídias sociais,

ou melhor somos 06 pessoas que fazem de tudo um muito.

Quanto tempo a ONG existe?

34

A Rio EcoArte iniciou suas atividades em outubro de 2011

Foi difícil?

Como todo começo foi difícil e continua sendo, por conta das dificuldades em

conseguir patrocínio, apoiadores, doadores, filiados o caminho é árduo e difícil

mesmo.

Como lida com parceiros e mercado?

O mercado hoje e sempre foi muito difícil de encontrar apoiadores, doadores,

patrocínio. O projeto tem que começar de alguma forma, e conseguir apoio com

projeto ainda no papel é impossível, as empresas querem ver seu projeto

funcionando e com resultados para poder te apoiar de alguma forma. Doação

ainda é um tabu no nosso pais, não faz parte da nossa cultura a doação.

Como é a geração de renda?

Trabalhamos com apoio de pessoas físicas que patrocinam uma determinada

oficina por um determinado tempo e contamos com os nossos recursos

derivados de outros trabalhos e com a venda de produtos ligados a oficina de

artesanato, horta comunitária, reciclagem do lixo entre outras.

Como enxerga o trabalho voluntário?

O Trabalho voluntário ainda é muito precário mas, é possível encontrar pessoas

que participam do voluntariado dentro das regras do voluntariado, na nossa ONG

não temos voluntários ainda.

Desenvolve algum projeto? Como funciona?

O Projeto Semente Carioca desenvolve um trabalho de reeducação alimentar

dentro de escolas municipais da região que atuamos e na clínica de família. Na

clínica de família foi feito um trabalho primeiramente com os médicos,

enfermeiras (os), agentes de saúde com uma oficina realizada em 03 dias com

nutricionistas do projeto, falando da importância dos alimentos na saúde,

substituição de alimentos no dia a dia, a inserção de frutas, legumes e verduras,

sucos na melhoria do cardápio diário das famílias e depois iniciamos um trabalho

35

com grupos de atendimento especial da clínica de família que unem problemas

cardíacos, diabetes e obesidade. Todo o trabalho da ONG é acompanhado pela

direção da clínica.

Como enxerga o trabalho voluntário na revitalização da comunidade em

que está inserida?

Conforme falei anteriormente, o trabalho voluntário é super importante e deveria

ser levado a sério por quem pratica e pela ONG que necessita dando

capacitação, porém ainda estamos encontrando dificuldades com esse trabalho.

Em eventos realizados pela nossa ONG funciona muito bem por ser um “trabalho

pontual”, já no dia a dia a coisa é outra. Falta responsabilidade dos voluntários,

falta participação da comunidade, falta participação dos líderes comunitários que

só sabem reclamar que a comunidade está carente disso e daquilo, ou seja ainda

falta muita coisa para que o trabalho voluntário aconteça da forma que tem que

acontecer, essa é a minha visão.

Promove a qualificação? como se dá o processo?

Sim, procuramos promover a qualificação dos profissionais que trabalham

conosco e dos participantes das oficinas.

Esse processo é a realizado através de parcerias institucionais com o SESC e

ONG’s parceiras que oferecem cursos, workshops e palestras de todo tipo.

Por que decidiu abrir uma ONG? Qual a motivação? E por que com esse

foco?

Durante muitos anos trabalhei em projetos sociais e vivi o sonho de outras

pessoas, em 2011 Eu e um grupo de pessoas resolvemos fundar o ONG Rio

EcoArte e trabalhar os nossos sonhos e ideais.

O foco do nosso projeto é a reeducação alimentar.

Acreditamos que uma boa alimentação previne e ajuda na saúde do bebe da

mãe que amamenta até a idade adulta.

36

A reeducação alimentar passa por vários caminhos desde a reciclagem do lixo,

o reaproveitamento de alimentos, a horta caseira e comunitária, substituição de

alimentos entre muitas coisas que realizamos.

3.3.3 – Tendências motivacionais

O relato acima mostra duas tendências motivacionais: a primeira gira em torno

da realização do objetivo formal da atividade como principal forma de

gratificação. Se caracteriza pela satisfação do sujeito na realização do objetivo

ou sua frustração quando algum acontecimento impede de o fazê-lo. Se torna

evidente no uso de sua expressão “trabalho pontual” em contraposição com sua

relação do meio, como o comentário sobre os líderes comunitários. Isto também

pode se relacionar com o amadurecimento do sujeito em relação à sua atividade

voluntária.

A segunda tendência é particular, possuindo um eixo auto biografico, o que

sugere gratificação a partir de uma construção que tem como base o significado

das atividades do seu histórico de trabalho voluntario. Isso pode ser visto na sua

relação com sua experiência voluntárias passadas e a identificação de um sonho

(mesmo que no início possa ter sido um sonho alheio). Existe, então, uma

(re)contrução de identidade a partir da realização do seu próprio sonho.

Por último, não chega a ser considerado uma tendência, mas um fator

motivacional relacionado à decisão de se voluntariar e permanecer voluntário; é

a participação em atividades de treinamentos, dentro e fora da organização como

é o caso da realização das oficinas. Se torna um importante fator de motivação

continuada e de crescimento, especialmente quando conduzem os envolvidos a

níveis mais altos de responsabilidade, habilidades, aprendizado e influência.

CONCLUSÃO

De acordo com Negt & Kluge:

37

“(...) na conta geral de uma sociedade, o aspecto político não se pode

reduzir. Ele é constante e continuamente produzido pela luta de poder

e pelo antagonismo social.” (1999, p.49)

Desta forma podemos situar o lugar político do terceiro setor, através da difusão

de sua matéria política, isto é, suas formas e relações de medidas que são

coproduzidas como consequência deste contexto. São seus mecanismos de

manutenção de um contrapoder que detém seu potencial de transformação

social, seja através de planejamento e execução de projetos (o que por natureza

implica inovação), seja através de ações autogestionárias de resistência.

Isto implica entender que as relações de medidas do voluntariado apresentam

um novo paradigma, onde a constelação de sentimentos cotidianos consegue

ter expressão enquanto manifestação pública. Sennet discorre sobre a ruptura

do cotidiano numa linha de montagem e como uma interrupção da rotina de

trabalho pode despertar as pessoas, revelando a fragilidade da organização

formal e ao mesmo tempo a força da colaboração informal. Isto acontece porque

as atitudes humanas tem suas medidas autônomas e auto reguladoras

naturalmente separada em três campos: o da produção (e das profissões), o da

socialização (por exemplo, nas famílias) e o da esfera de tempo livre. (NEGT &

KLUGE, 1999, p.50)

Essa mudança de paradigma se dá pela indiferenciação desses diferentes

campos de medida na prática desse voluntariado. É interessante perceber que

as conceituações iniciais do Terceiro Setor advinham de uma negação: “não é

Estado nem Mercado”, quando na verdade queria-se apontar que o próprio

estado e a política não podem mais do que acrescentar pequenas doses

suplementares a esses fluxos sociais ricos em medidas.

Portanto, o voluntariado moderno intui uma mudança de valores, através de um

conjunto de tendências, que no limite de seu conceito busca um agenciamento

do “outro.” A utilização de categorias e métodos baseados na administração se

mostram insuficientes diante dos processos de coletividade que abarcam esse

novo panorama político-social. Para tanto, o conceito de cuidado toma

significados de engajamento político visto que, o componente de generalidade

38

contido na política não nega o direito particular, mas cria para ele seu espaço

circundante específico; a construção não deriva do centro, mas do direito

subjetivo descentralizado (tendências motivacionais).

Deste modo, a incorporação do conceito de cidadania a prática voluntária no

Terceiro Setor, foi mais que um processo de legitimação política, mas o resultado

do exercício de um direito descentralizado enquanto manifestação pública,

evidenciando a “conexão essencial” entre o voluntariado e a cidadania.

Por fim, O Terceiro Setor pode ser entendido como a institucionalização desta

força de colaboração informal. Apesar do papel que é convocado a atuar na

sociedade, seu processo de amadurecimento em busca de uma ação dialógica

encontra-se numa via de debate intensa entre os meios acadêmicos, setores do

governo e a sociedade civil. Enquanto carrega consigo valores de inovação,

responsabilidade social e solução de problemas, sua participação publica

encontra muitos empecilhos, em especial quando se fala de sua característica

multidisciplinar.

Isso não mostra simplesmente a necessidade de práticas gerenciais específicas,

mas principalmente a necessidade de novos fundamentos administrativos e

incentivo de recursos, a partir da visão de suas características intersetoriais.

BIBLIOGRAFIA

BOFF, L. - Saber cuidar: ética do humano – compaixão pela terra. Petrópolis,

RJ: Vozes, 1999.

CABRAL, E.H.S. - Espaço público e controle para a gestão social no terceiro

setor. São Paulo: Serviço Social e Sociedade, 2006.

39

_______. A gestão social do terceiro setor e suas dualidades. São Paulo: Revista

Administração em Diálogo, 2008.

CARRION, R.; GARAY, A. Organizações privadas sem fins lucrativos: a

participação do mercado no terceiro setor. Análise, Porto Alegre, v. 11, n. 1, p.

203-222, 2000.

COSTA, M.C.C. - Gestão da Comunicação: terceiro Setor, organizações não

governamentais, responsabilidade social e novas formas de cidadania. São

Paulo: Editora Atlas, 2006.

FALCONER, A.P. - A Promessa do Terceiro Setor: um Estudo sobre a

Construção do Papel das Organizações sem fins lucrativos e do seu Campo de

Gestão. São Paulo: Centro de Estudos em Administração do Terceiro Setor,

1999.

FERRARI, R.S. - Voluntariado: uma dimensão ética. São Paulo: Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo (PUC), 2008.

FERNANDES, E. – O associativismo no tempo da globalização: voluntariado e

cidadania democrática – Intervenção Social, 27, 2003:159-190

FERNANDES, R.C - Privado Porém Público: o Terceiro Setor na América Latina.

Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994.

_________. “O que é o Terceiro Setor?”. Em IOSCHPE, Evelyn Berg (org.). 3º

setor: desenvolvimento social sustentado. São Paulo/Rio de Janeiro: Gife/Paz e

Terra, 1997.

FISCHER, R. M.; FALCONER, A. P. Desafios da parceria governo e terceiro

setor. Revista de Administração USP. São Paulo, v. 33, n.1, jan./mar. 1998.

HOLANDA, C. C. D. (2003). Voluntariado e Terceiro Setor.

MAÑAS, A. V. - Gestão do Terceiro Setor. ANAIS DO VII SIMPÓSIO

MULTIDISCIPLINAR DA USJT, p. 31, 2001.

MAÑAS, A. V.; CARDOSO, A. J. G. –Reflexões sobre o Terceiro Setor. Cadernos

de Administração (PUCCAMP), SAO PAULO, v. NUM 3, p. 37-63, 2000.

MURARO, P.; LIMA, J.E.S. - Terceiro setor, qualidade ética e riqueza das

organizações. Rev. FAE, Curitiba, v. 6, n. 1, p.79-88, jan./abr. 2003.

40

NASCIMENTO, C. - Experimentação/autogestionária: autogestão da pedagogia/

pedagogia da autogestão. In: BATISTA, E. L.; NOVAES, H. (Orgs.). Trabalho,

educação e reprodução social. As contradições do capital no século XXI, 2011.

p. 107-132.

NASCIMENTO, A.T. - Terceiro Setor: fator de confluência na ação social do ano

2000. Disponível em: <http://www.fonte.org.br/projetos-index>

NEGT, O.; KLUGE, A. O que há de político na política. São Paulo: UNESP, 1999.

OLIVEIRA, S.B. – Ação Social e o Terceiro Setor – Mestrado em economia

política – PUC-SP ,2015

PIEROTE DE OLIVEIRA, C; FRIEDHILDE, M.K.M – A importância do Terceiro

Setor - X Encontro Latino Americano de Pós-Graduação – Universidade do Vale

do Paraíba

QUERINO, J.T.N; OURIQUES, A.F.F. - Terceiro setor e interesses coletivos: as

alternativas sociais na busca da cidadania DOI:10.5007/2177-

7055.2010v31n60p371

RIFKIN, J. – Identidade e natureza do Terceiro Setor. In: IOSCHOPE, E.B. 3º

Setor. Desenvolvimento Social sustentável. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997

SALAMON, L -A emergência do terceiro setor – uma revolução associativa global

-Volume: 33 - Número: 1 - Data: janeiro / março / 1998

SAMPAIO, J. D. R. (2004). Voluntários: um estudo sobre a motivação de pessoas

e cultura em uma organização do terceiro setor (Doctoral dissertation,

Universidade de São Paulo).

SENETT, R. - Juntos – Os rituais, os prazeres e a política de Cooperação. Rio

de Janeiro: Editora Record, 2012

SEOANE, M.R.R – Voluntariado nas organizações de terceiro setor - FGR em

revista, Belo Horizonte, ano 3, n. 4, p. 9-10, ago. 2009

TIRIBA, L.; FISCHER, M.C. B. - “Saberes do trabalho associado”, in Dicionário

Internacional de Outra Economia, (Cattani-Gaiger-org.), Almedina, Coimbra,

2009.

TIRIBA, L. - “Economia Popular e Cultura do Trabalho. Pedagogia da produção

associada”, Unijui, 2001.