Peixes do rio Estreito, meio-oeste de Santa Catarina, Brasil
O EXERCÍCIO DA CIDADANIA COMO MECANISMO TRANSFORMADOR DA...
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAIacuteBA - CH PROacute-REITORIA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO E PESQUISA COORDENACcedilAtildeO GERAL DAS ESPECIALIZACcedilOtildeES
DEPARTAMENTO DE CIEcircNCIAS JURIacuteDICAS CURSO DE ESPECIALIZACcedilAtildeO EM DIREITOS FUNDAMENTAIS E DEMOCRACIA
O EXERCIacuteCIO DA CIDADANIA COMO MECANISMO TRANSFORMADOR DA SOCIEDADE
Elissandra Maria Conceiccedilatildeo de Brito
Guarabira ndash PB
2013
Elissandra Maria Conceiccedilatildeo de Brito
O EXERCIacuteCIO DA CIDADANIA COMO MECANISMO TRANSFORMADOR DA SOCIEDADE
Monografia apresentada a Proacute-Reitoria de Poacutes-Graduaccedilatildeo e Pesquisa da Universidade Estadual da Paraiacuteba ndash Campus III em cumprimento aos requisitos para obtenccedilatildeo do grau de Especialista em Direitos Fundamentais e Democracia sob a orientaccedilatildeo do Prof Ms Antonio Cavalcante da Costa Neto
Guarabira ndash PB 2013
FICHA CATALOGRAacuteFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA SETORIAL DE GUARABIRAUEPB
Elissandra Maria Conceiccedilatildeo de Brito
B265e Brito Elissandra Maria Conceiccedilatildeo de
O exerciacutecio da cidadania como mecanismo transformador da sociedade Elissandra Maria Conceiccedilatildeo de Brito ndash Guarabira UEPB 2013
58 f Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Especializaccedilatildeo em
Direito) Universidade Estadual da Paraiacuteba Orientaccedilatildeo Prof Me Antocircnio Cavalcante da Costa Neto
1 Cidadania 2 Direitos Baacutesicos (Constituiccedilatildeo) 3
Democracia I Tiacutetulo 22ed CDD 342
ELISSANDRA MARIA CONCEICcedilAtildeO DE BRITO
O EXERCIacuteCIO DA CIDADANIA COMO MECANISMO
TRANSFORMADOR DA SOCIEDADE
Aprovada em 18 de maio de 2013
Aprovada em 18 de maio de 2013
Guarabira ndash PB 2013
DEDICATOacuteRIA
Amor de matildee Conhece barreiras
Conhece obstaacuteculos Conhece impossiacutevel
Natildeo Amor de matildee Conhece dor
Mas supera no trabalho Conhece a distancia
Mas supera na esperanccedila Conhece dificuldade
Que natildeo paralisa Que natildeo intimida Que natildeo descrer
Amor de matildee suporta os amores desfeitos O ritmo desfeito o rumo desfeito a vida desfeita
Na certeza de ser maior de ser melhor de ser matildee
Para Dona Lia minha matildee Com todo o meu amor
Dedico
AGRADECIMENTOS
Ao dileto Professor Antonio Cavalcante da Costa Neto pelas valiosas contribuiccedilotildees
e solicitude com que me orientou (um sonho realizado) Li recentemente um texto
luacutedico intitulado ldquoUma mensagem a Garciardquo e encontrei naquelas linhas o perfil do
Dr Antonio Por analogia um homem a quem foi confiado uma importante missatildeo e
diante da incumbecircncia natildeo perguntou o que A quem Como Tomou sua missatildeo
deu a ela um quecirc de feacute um pouco de filosofia muito de humildade e sabedoria e fez
da sua missatildeo um sacerdoacutecio E noacutes seus alunos somos gratos por ele ter
plantado em nossos coraccedilotildees liccedilotildees de eacutetica de direito de justiccedila de esperanccedila
Aos professores da Especializaccedilatildeo em nome de Belarmino Mariano Luciano
Nascimento e Agassiz Almeida Filho nossa eterna gratidatildeo
Ao amigo Professor advogado Everaldo Ribeiro pelo companheirismo e
solidariedade com que me incentivos durante os periacuteodos mais difiacuteceis dessa
caminhada
A Gerson que pelas escolhas do coraccedilatildeo se fez meu irmatildeo
Agrave Iolanda minha comadre amiga-irmatilde de todas as horas
A Assis Brito (meu marido) exemplo de superaccedilatildeo meu constante incentivador
A Vovoacute Julia (In memoriam) que me ensinou a acreditar que eu poderia ir muito
aleacutem onde os meus sonhos me levassem
A dona Lia minha matildee minha amiga presenccedila de Deus na minha vida
Agrave Aimeacutee Antocircnia minha filha companheira inseparaacutevel presente de Deus
A Deus Senhor da minha vida e Autor da minha histoacuteria
Abre os olhos e vecirc Secirc vigilante
a reaccedilatildeo natildeo passaraacute diante
do teu punho fechado contra o medo
Levanta-te meu povo Natildeo eacute tarde
Agora eacute que o mar canta eacute que o sol arde
pois quando o povo acorda eacute sempre cedo
(Joseacute Carlos Ary dos Santos)
Sumaacuterio
INTRODUCcedilAtildeO 09
CAPIacuteTULO 1 NOVOS OLHARES SOBRE A CIDADANIA 12
11 As origens da cidadania 13
12 A construccedilatildeo da cidadania 16
13 Cidadania um fenocircmeno cultural 18
14 cidadania no Brasil Breves consideraccedilotildees 19
CAPIacuteTULO 2 CIDADANIA Agrave LUZ DA CONSTITUICcedilAtildeO FEDERAL DE 1988 23
21 Estado Democraacutetico de Direito espaccedilo de cidadania 24
22 Os direitos fundamentais como pressupostos de identidade da cidadania 27
23 A consagraccedilatildeo dos direitos do cidadatildeo 31
CAPIacuteTULO 3 CIDADANIA COMO MECANISMO DE TRANSFORMACcedilAtildeO
SOCIAL 35
31 O ser cidadatildeo 36
32 A emancipaccedilatildeo social atraveacutes da cidadania 39
33 O municiacutepio como acircmbito de exerciacutecio de cidadania 44
34 A necessaacuteria superaccedilatildeo de velhos paradigmas 50
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 53
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 57
RESUMO
A cidadania assumiu historicamente inuacutemeras concepccedilotildees em funccedilatildeo dos muitos contextos social e cultural em que esta inserida Sua construccedilatildeo ficou condicionada a maneira como se formaram os Estados Assim o conceito de cidadania como direito a ter direitos foi construiacutedo dentro das estruturas proacuteprias de cada Estado dessa forma a cidadania moderna se desenvolveu na medida em que as pessoas se sentem parte do Estado-naccedilatildeo podendo participar da dinacircmica e construccedilatildeo do bem comum Eacute dentro desse contexto que se insere o presente estudo que tem por objetivo discorrer a respeito dos principais instrumentos de defesa dos direitos do cidadatildeo observando a cidadania como mecanismo de transformaccedilatildeo social No Brasil a cidadania ganha relevo com a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 na qual aparece como princiacutepio fundamental A Carta Cidadatilde abarca no decorrer de seu texto inuacutemeras inovaccedilotildees no que concerne a questatildeo da caracterizaccedilatildeo da cidadania na sociedade atual e os direitos que abrangem a esfera poliacutetica civil e social No elenco de mecanismo de exerciacutecio da cidadania objeto de nossa anaacutelise estaacute o acesso ao direito e a justiccedila que eacute fator preponderante para efetivar as garantias constitucionais bem como a educaccedilatildeo que implica ao ser humano o conhecimento de si mesmo e do meio no qual estaacute inserido dele podendo participar de forma produtiva O alcance da cidadania enquanto exerciacutecio de direitos e deveres eacute colocada no acircmbito do municiacutepio por ser o ente federativo mais proacuteximo do cidadatildeo Nesse vieacutes a construccedilatildeo da cidadania plena se constitui como tarefa de muitas matildeos firmada em accedilotildees que visam o bem comum PALAVRAS-CHAVE cidadania direitos constituiccedilatildeo democracia
ABSTRACT
Citizenship assumed historically many concepts in the light of many social and cultural contexts in which it operates Its construction was conditioned how states were formed Thus the concept of citizenship as a right to have rights built into the structures of each state so modern citizenship has developed to the extent that people feel part of the nation-state can participate in the construction of dynamic and well common It is within this context that the present study which aims to talk about the main instruments of defense of civil rights noting citizenship as a mechanism for social change In Brazil citizenship becomes important to the Federal Constitution of 1988 which appears as a fundamental principle The Citizen Charter includes in the course of your text numerous innovations regarding the issue of characterization of citizenship in modern society and the rights covering the political civil and social The cast engine citizenship object of our analysis is access to law and justice that is decisive for effective constitutional guarantees as well as the education that involves the human knowledge of oneself and the environment in which it is inserted it can participate productively The scope of the exercise of citizenship as rights and duties is placed within the municipality for being the federative entity closest to the citizen In this vein the construction of full citizenship is constituted as a task of many hands signed into actions aimed at the common good KEYWORDS citizenship rights constitution democracy
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INTRODUCcedilAtildeO
A palavra cidadania tem sido usada com muita frequecircncia desde um discurso
poliacutetico a um diaacutelogo trivial pois eacute um vocaacutebulo de significado amplo que permite o
seu emprego para referir-se aos direitos humanos ou direitos do consumidor ou
para dirigir-se a um indiviacuteduo
O conceito de cidadania sempre esteve fortemente associado agrave noccedilatildeo de
direito o que de certa forma justifica a amplitude de usos do termo jaacute que a histoacuteria
da cidadania confunde-se com a histoacuteria dos direitos humanos a histoacuteria das lutas
das gentes para a afirmaccedilatildeo de valores como a liberdade a dignidade e a
igualdade de todos os seres humanos indistintamente Percebe-se portanto que
existe um estreito relacionamento entre cidadania e luta por justiccedila por democracia
e outros direitos fundamentais Pois como afirma Santana (2009)
A histoacuteria da cidadania confunde-se em muito com a histoacuteria das lutas pelos direitos humanos A cidadania esteve e estaacute em permanente construccedilatildeo eacute um referencial de conquista da humanidade atraveacutes daqueles que lutam por mais direitos maior liberdade melhores garantias individuais e coletivas []
Sua trajetoacuteria eacute longa e liga-se as transformaccedilotildees poliacuteticas ocorridas na
histoacuteria das sociedades O seu nascimento remota a Antiguidade passando por uma
perda de seu significado na Idade Media ateacute ressurgir na Modernidade e originar
calorosos debates nos dias de hoje
No Brasil estamos tecendo a nossa cidadania e aos poucos vamos nos
livrando da visatildeo restritiva da cidadania aplicada como simples conjunto de pessoas
dotadas de direitos poliacuteticos (cidadania ativa e cidadania passiva)
Passos importantes foram dados com o processo de redemocratizaccedilatildeo e a
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 mas essa trajetoacuteria ainda tem um longo caminho a
ser percorrido pois construir cidadania eacute tambeacutem construir novas relaccedilotildees e
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consciecircncia de que ela natildeo se limita a conquista legal de direitos mas tambeacutem a
realizaccedilatildeo desses direitos Sob pena de que a natildeo apropriaccedilatildeo desses direitos de
forma efetiva os transforma em letra morta
A consciecircncia cidadatilde perpassa a democracia os direitos sociais e o ideal
coletivo de justiccedila em sentido amplo o qual denominamos de bem comum A
vivecircncia da cidadania encontra diversas barreiras culturais e histoacutericas pois como
afirma Matos (2009)
Somos filhos e filhas de uma naccedilatildeo que nasceu sob o signo da cruz e da espada acostumados a apanhar calado a dizer sempre lsquosim senhorrsquo a lsquoengolir saposrsquo a achar lsquonormalrsquo as injusticcedilas a termos um lsquojeitinhorsquo para tudo a natildeo levar a seacuterio a coisa puacuteblica a pensar que direitos satildeo privileacutegios e exigi-los eacute ser boccedilal e metido a pensar que Deus eacute brasileiro e se as coisas estatildeo como estatildeo eacute por vontade Dele
Os direitos que hoje gozamos natildeo nos foram conferidos de maneira
harmoniosa foram conquistados E muitas vezes os compreendemos como uma
concessatildeo um favor de quem estaacute em cima para os que estatildeo em baixo da piracircmide
social e essa concepccedilatildeo errocircnea fragiliza a capacidade de organizaccedilatildeo participaccedilatildeo
e intervenccedilatildeo social que configura a cidadania
Este trabalho monograacutefico portanto tem como escopo discutir e traccedilar alguns
pressupostos que possibilitem a compreensatildeo do efetivo exerciacutecio da cidadania
como mecanismo transformador de uma sociedade (participaccedilatildeo cidadatilde nas
decisotildees da administraccedilatildeo puacuteblica que alcancem toda a coletividade)
compreendendo que a cidadania deve ser vista em todos os seus aspectos
principalmente no sentido que atraveacutes dela se almeja uma sociedade com vida
digna para todos Cidadania essa que se configurou e vem se impondo em meio a
fortes resistecircncias e combates
Para que os objetivos fossem alcanccedilados elegemos a pesquisa bibliograacutefica
como teacutecnica baacutesica para coletarmos os dados necessaacuterios Tratou-se de uma
proposta de estudo portanto de cunho eminentemente bibliograacutefico Assim sendo
as fontes da pesquisa foram as proacuteprias obras dos doutrinadores
Eacute por meio de referenciais teoacutericos como Hannah Arendt Joseacute Afonso da
Silva Norberto Bobbio Dalmo Dallari Walber Agra Celso Bandeira de Melo
Boaventura de Souza Joseacute Murilo de Carvalho entre outros expoentes da ciecircncia
juriacutedica que contextualizamos estes questionamentos e de certa maneira temos a
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pretensatildeo de contribuir para o fortalecimento do debate acadecircmico em torno de um
elemento valioso para o Estado Constitucional a cidadania
A dimensatildeo doutrinaacuteria do tema diz respeito a sua importacircncia para a aacuterea de
estudos em que se insere - o Direito Pois estudar e analisar elementos constitutivos
da cidadania significa compreender uma questatildeo que vem a cada dia tomando mais
espaccedilo nos meios acadecircmicos
Nos dias atuais em que a poacutes-modernidade permeia as relaccedilotildees juriacutedicas
propiciando a interdisciplinaridade e a flexibilidade da interpretaccedilatildeo dos dispositivos
postos o processo de discussatildeo voltado para a questatildeo da cidadania vivencia na
atualidade grande relevacircncia Nesse diapasatildeo duas consideraccedilotildees seratildeo levadas a
efeito a cidadania como um fundamento constitucional da Repuacuteblica Federativa do
Brasil de acordo com o que preceitua o inciso II do artigo 1ordm da Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 o local mais propiacutecio para o exerciacutecio efetivo da cidadania eacute o
municiacutepio onde ocorrem agraves decisotildees mais proacuteximas da comunidade em que o
individuo cidadatildeo tem maior facilidade de participaccedilatildeo nas decisotildees e por fim que
os indiviacuteduos exercem cidadania acessando a justiccedila em busca de seus direitos
Neste sentido o presente trabalho analisa algumas questotildees que estiveram e
ainda estatildeo por traacutes do desenvolvimento da foacutermula da cidadania percorrendo para
tanto desde a antiguidade ateacute o tempo presente De modo que o objetivo do
mesmo eacute analisar o processo de constituiccedilatildeo e consolidaccedilatildeo da cidadania ao longo
dos tempos como tambeacutem procura demonstrar os caminhos que de fato o conceito
de cidadania percorreu ateacute chegar agraves formulaccedilotildees da nossa eacutepoca em que passou
a ser concebida como um princiacutepio fundamental da Repuacuteblica Federativa do Brasil
Defendemos por fim que a cidadania como hoje a enxergamos eacute talvez o
uacutenico arcabouccedilo viaacutevel para a convivecircncia poliacutetica sendo certo que a sociabilidade
por traacutes da construccedilatildeo estatal precisa arrimar-se em postulados democraacuteticos e
criteacuterios de emancipaccedilatildeo da liberdade individual e coletiva os quais satildeo
pressupostos da cidadania plena
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CAPIacuteTULO 1 - NOVOS OLHARES SOBRE A CIDADANIA
A cidadania vista como uma verdadeira visatildeo democraacutetica da convivecircncia eacute
siacutembolo de todo um incessante processo desencadeado por meio de um labutar
juriacutedico-politico-cultural que vem acompanhado de vaacuterias etapas do fenocircmeno
humano na tentativa de harmonizar os interesses valores e necessidades dos
homens
Seus correspondentes mecanismos de atuaccedilatildeo na sociedade atual natildeo
surgiram como que por encanto pacificamente sem luta Brotaram apoacutes uma
semeadura ideoloacutegica em conflito com outras ideologias e doutrinas que lhe eram
contraacuterias A cidadania portanto consiste na lenta construccedilatildeo da democracia
sintetiza os esforccedilos para a obtenccedilatildeo das prerrogativas poliacuteticas sociais e culturais
que tecircm levado os membros da comunidade poliacutetica direta ou indiretamente a
decidir acerca da realidade que os cercam
Neste sentido obra de construccedilatildeo do civismo democraacutetico que vem se
fortalecendo de maneira eficaz com a promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo brasileira de
1988 a cidadania toma como ponto de partida a ideia de que o Estado democraacutetico
de Direito eacute uma conquista resultado de uma construccedilatildeo permanente da
convivecircncia sociopoliacutetica
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11 As origens da cidadania
A expressatildeo cidadania emana do termo latino civitas No entanto pode-se
encontrar suas procedecircncias intelectuais nas religiotildees da Antiguidade e nas
civilizaccedilotildees greco-romanas Polites que os romanos traduziram por cives que eacute o
soacutecio da polis ou civitas O legado greco-romano da palavra civitas nos remete agraves
noccedilotildees de liberdade igualdade e virtudes republicanas Eacute na polis grega que os
conceitos de liberdade e igualdade ganham sentido No entanto eacute importante citar
que
A participaccedilatildeo na polis ou na civitas era exclusiva de alguns homens que participavam do funcionamento da cidade-Estado eram eles os titulares de direitos poliacuteticos Eram considerados cidadatildeos apenas os homens nascidos no solo da cidade livres e iguais portadores de dois direitos inquestionaacuteveis portadores da isonomia (igualdade perante a lei) e da isegoria (o direito de expor e discutir em puacuteblico opiniotildees sobre accedilotildees que a cidade deveria ou natildeo realizar) (CHAUIacute 1994)
Ser cidadatildeo para os gregos significava antes de tudo usufruir certas
vantagens que nenhum outro homem conhecera Como afirma Minogue ldquoOs
cidadatildeos tinham riqueza beleza e inteligecircncia diversas mas como cidadatildeos eram
iguaisrdquo (1998) Foi especialmente no seacuteculo V aC que Atenas viveu seu momento
de apogeu Nesse seacuteculo especificamente desenvolveram-se as concepccedilotildees de
cidadania e democracia Em oposiccedilatildeo agrave ideia aristocraacutetica de poder o cidadatildeo
poderia e deveria atuar na vida puacuteblica independentemente da origem familiar
classe ou funccedilatildeo (ARENDT 1995)
Da mesma forma a racionalidade era conferida a uma minoria da
populaccedilatildeo exclusivamente aos homens que tinham o direito de filosofar aleacutem de
participar da academia (culto agrave beleza fiacutesica) e do poder (direito de comandar
politicamente todos os interesses da polis mediante a elaboraccedilatildeo e execuccedilatildeo de
leis e normas administrativas) Cidadatildeo segundo o teoacuterico Coulanges
Eacute todo o homem que segue a religiatildeo da cidade que honra os mesmos deuses da cidade () o que tem o direito de aproximar-se dos altares e podendo penetrar no recinto sagrado onde se realizam as assembleias assiste agraves festas acompanha as procissotildees e participa dos panegiacutericos participa dos banquetes sagrados e recebe sua parte das viacutetimas Assim esse homem no dia em que se inscreveu no registro dos cidadatildeos jurou praticar o culto dos deuses da cidade e por eles combater (2003)
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Os escravos e os baacuterbaros natildeo podiam tomar parte dos ambientes
sagrados Segundo alguns teoacutericos apenas 10 da populaccedilatildeo eram considerados
cidadatildeos em Atenas A fim de reduzir as despesas do Estado o governo restringiu o
direito de cidadania somente os filhos de pai e matildee atenienses seriam considerados
cidadatildeos As mulheres os metecos (estrangeiros) e os escravos continuaram
desprovidos de quaisquer direitos poliacuteticos A mulher era considera o ldquonatildeo serrdquo
equiparada aos escravos cuidava dos afazeres ldquodomeacutesticosrdquo servia como
instrumento de procriaccedilatildeo e natildeo participava portanto das decisotildees da polis
Aristoacuteteles descreve que mulheres e escravos eram mantidos fora da vista do
puacuteblico eram os trabalhadores que ldquocom o seu corpo cuidavam das necessidades
(fiacutesicas) da vidardquo Satildeo as mulheres que com seu corpo garantem a sobrevivecircncia
fiacutesica da espeacutecie Mulheres e escravos conforme Arendt
Pertenciam agrave mesma categoria e eram mantidos fora das vistas alheias - natildeo somente porque eram propriedade de outrem mas porque a sua vida era ldquolaboriosardquo dedicada a funccedilotildees corporais O filho de preferecircncia deveria ser do sexo masculino sendo candidato em potencial para exercer a cidadania O escravo servia de matildeo-de-obra para o sustento e manutenccedilatildeo dos cidadatildeos (1995)
Para Aristoacuteteles ser cidadatildeo diz respeito a todo aquele que eacute capaz de
tomar parte tanto no judiciaacuterio quanto no poder deliberativo da polis ldquoNenhum
caraacuteter define melhor o cidadatildeo no sentido estrito do que a participaccedilatildeo do exerciacutecio
dos poderes de juiz e magistradordquo (ARISTOacuteTELES A Poliacutetica III 16 Apud
TOURAINE 1994) O fim uacuteltimo do homem eacute viver na polis onde o homem se
realiza como cidadatildeo (politai) manifestando o processo de constituiccedilatildeo de sua
essecircncia a sua natureza Ou seja natildeo apenas viver em sociedade mas viver na
ldquopoliticidaderdquo
Para Aristoacuteteles a reflexatildeo sobre a poliacutetica eacute que ela natildeo se separa da
eacutetica pois segundo o estagirita a vida individual estaacute imbricada na vida comunitaacuteria
A razatildeo pela qual os indiviacuteduos reuacutenem-se nas cidades (e formam comunidades
poliacuteticas) natildeo eacute apenas a de viver em comum mas a de viver ldquobemrdquo ou a boa vida
Para que isso aconteccedila eacute necessaacuterio que os cidadatildeos vivam o bem comum ou em
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conjunto ou por intermeacutedio dos seus governantes se acontecer o contraacuterio (a busca
do interesse proacuteprio) estaacute formada a degeneraccedilatildeo do Estado
Por fim como afirma Correcirca (1999) ldquoa cidadania da Greacutecia Claacutessica
possui um paracircmetro muito especiacutefico de difiacutecil aceitaccedilatildeo numa concepccedilatildeo
moderna de cidadaniardquo Ou seja o que caracteriza a cidadania antiga eacute seu aspecto
limitador elitista e excludente pouco semelhante com o entendimento dos nossos
dias
Destarte como a democracia a cidadania passou por diferentes e possiacuteveis
ldquoinvenccedilotildeesrdquo em periacuteodos e espaccedilos determinados da histoacuteria e da geografia do
Ocidente Greacutecia e Roma consolidaram por seacuteculos seus sistemas de governos
possibilitando e permitindo a participaccedilatildeo de um significativo nuacutemero de cidadatildeos
Com o desaparecimento das civilizaccedilotildees claacutessicas a cidadania desaparece
juntamente e por um bom tempo ficaraacute fora de cena no Ocidente
Conforme Benevides (1994) a ideia moderna de cidadania e de direitos do
cidadatildeo tem como eacute sabido soacutelidas raiacutezes nas lutas e no imaginaacuterio da Revoluccedilatildeo
Francesa
Na continuidade da tradiccedilatildeo dos seacuteculos XVII e XVIII o contratualismo de
Locke e de Rousseau forneceu as bases filosoacuteficas do conceito de cidadania do
liberalismo e as revoluccedilotildees Inglesa Americana e Francesa que validaram seu uso
ao estabelecer um viacutenculo juriacutedico-legal entre as noccedilotildees de liberdade igualdade
fraternidade e o Estado-naccedilatildeo (MOISEacuteS 2005)
Nos seacuteculos XVIII e XIX outras correntes teoacutericas sobre o direito e a cidadania
seratildeo contempladas No entanto estas teorias vatildeo se contrapor agraves teorias do
jusnaturalismo e do contratualismo Segundo Correcirca (1999)
Para o positivismo juriacutedico (positivismo normativista de Kelsen) bem como para a Escola da Exegese e a Escola Histoacuterica o que vale eacute o ensino dogmaacutetico - as normas (exclue-se a anaacutelise interdisciplinar entre outras aacutereas principalmente com as Ciecircncias Sociais) A lei eacute a uacutenica fonte do direito Para essas escolas a cidadania eacute negada
Mais proacuteximo de noacutes no seacuteculo XX T A Marshall foi quem primeiro
discutiu o conceito de cidadania e suas dimensotildees no ensaio claacutessico ldquoCidadania e
classe socialrdquo Ainda hoje depois de mais de seis deacutecadas apoacutes a sua publicaccedilatildeo
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(em 1949) o ensaio de Marshall continua a ser a referecircncia teoacuterica fundamental
para quem comeccedila a refletir sobre a cidadania na sociedade contemporacircnea eacute o
que se pode constatar de resto atraveacutes da consulta a mais recente bibliografia
dedicada a esse tema
Os Direitos Civis dentro da tradiccedilatildeo apresentada por Marshall estatildeo
ligados aos direitos fundamentais do homem como o direito agrave vida agrave liberdade agrave
propriedade e agrave igualdade perante a lei Jaacute os Direitos Poliacuteticos se referem agrave
participaccedilatildeo do cidadatildeo no governo da sociedade Seu exerciacutecio eacute limitado a uma
reduzida parcela da populaccedilatildeo e consiste na capacidade de fazer demonstraccedilotildees
poliacuteticas formar e participar de agremiaccedilotildees poliacuteticas organizar partidos votar e ser
votado Em geral quando se fala de direitos poliacuteticos
Eacute do direito do voto que se estaacute falando Por fim aparecem os Direitos Sociais que garantem a participaccedilatildeo no governo da sociedade e na riqueza coletiva Eles incluem o direito agrave educaccedilatildeo ao trabalho ao salaacuterio justo agrave sauacutede e agrave aposentadoria (CARVALHO 2002)
Eacute a soma desses direitos (civis poliacuteticos e sociais) que garantem a
emancipaccedilatildeo humana e a justiccedila social Certamente Marshall descreveu a evoluccedilatildeo
da cidadania em seu paiacutes de origem ou seja a Inglaterra Foi nesse paiacutes que
surgiram inicialmente os direitos civis no seacuteculo XVIII depois vieram os direitos
poliacuteticos (XIX) e por fim os direitos sociais (XX) Trata-se portanto de verdadeiras
conquistas da contemporaneidade E como tal fazem parte de um cotidiano em que
homens e mulheres lutam por dias melhores pelo Direito justo por uma cidadania
plena e eficaz por uma convivecircncia equilibrada pela existecircncia plena daqueles que
acreditam e defendem os valores por traacutes da dignidade da pessoa humana
12 A construccedilatildeo da cidadania
A Cidadania natildeo pode ser vista como um conceito estaacutetico pois ela natildeo se
resume somente em participaccedilatildeo atraveacutes de eleiccedilotildees mas sim como uma
construccedilatildeo da democracia politizada e participativa da construccedilatildeo do poder
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Nas uacuteltimas deacutecadas o Brasil passou por significativas mudanccedilas de
paradigmas dentre os quais podemos citar a reconstruccedilatildeo do conceito proposto de
cidadania Pode-se dizer que apesar das inuacutemeras desigualdades socioeconocircmicas
o termo ldquocidadaniardquo evoluiu ampliando-se a abrangecircncia de sua concepccedilatildeo
abarcando todas as categorias sociais Para tanto para que possamos compreender
como vem se dando essa evoluccedilatildeo eacute preciso que conheccedilamos como tem se dado a
construccedilatildeo histoacuterica da representaccedilatildeo simboacutelica da cidadania
Durante toda a sua evoluccedilatildeo histoacuterica a palavra cidadania e as vaacuterias facetas
que ela assumiu nas uacuteltimas deacutecadas vecircm convivendo de perto com dissensotildees
sociais interesses e conflitos ideoloacutegicos culturais e poliacuteticos que se dedicam a
defender ou construir um modelo de cidadania compatiacutevel com as conjunturas de
cada tempo e de cada lugar
A marcha da cidadania sempre esteve ligada a avanccedilos retrocessos crises e
vitoacuterias enfim a iniciativas voltadas para a implantaccedilatildeo de uma estrateacutegia de luta
pelos direitos humanos pois ela esteve e estaacute em permanente construccedilatildeo eacute como
dizem os grandes teoacutericos um referencial de conquista da humanidade atraveacutes
daqueles que sempre lutaram e lutam por mais direitos mais liberdade melhores
garantias sejam elas individuais ou coletivas e natildeo se conformam frente agraves
dominaccedilotildees arrogantes de um pequeno grupo dominador e opressor contra uma
maioria desassistida e que natildeo se consegue fazer ouvir exatamente porque se lhe
nega a cidadania plena cuja conquista ainda que tardia natildeo seraacute obstada
Os caminhos trilhados pelos que defendem a cidadania podem vir a
apresentar em termos de sentimento constitucional a luta por um Estado
Democraacutetico de Direito que ajude na construccedilatildeo de uma adequada compreensatildeo
das situaccedilotildees de conjuntura e dos problemas estruturais que a sociedade enfrenta
dia apoacutes dia situaccedilotildees essas que se congregam para gerar a falta de efetividade
normativa da nossa Constituiccedilatildeo Aleacutem disso oferecem um amplo panorama acerca
dos esforccedilos que os povos empreenderam para fundar os alicerces das democracias
constitucionais do mundo moderno
A histoacuteria da construccedilatildeo da cidadania eacute uma histoacuteria de resistecircncias de povos
contra as opressotildees dos governos do desespero e das necessidades das massas eacute
a histoacuteria da esperanccedila e do empenho das naccedilotildees a histoacuteria da convivecircncia das
paixotildees humanas do futuro das geraccedilotildees eacute a histoacuteria do sofrimento e da dor eacute a
histoacuteria das vicissitudes e dramas do proacuteprio fenocircmeno humano
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13 Cidadania um fenocircmeno cultural
A cidadania eacute um fenocircmeno cultural relacionada com a conquista de direitos
com as construccedilotildees das instituiccedilotildees com a proteccedilatildeo dos direitos fundamentais e
dos valores juriacutedicos e humanos Trata-se de uma realidade cultural cuja finalidade eacute
determinar o modo como agraves pessoas devem vincular-se agraves mudanccedilas nas estruturas
sociais determinando o modo como agraves pessoas devem atuar e (com) viver em
sociedade
De certo modo a cidadania como o Direito e todos os direitos representa uma
conquista da cultura frente agrave conflitiva natureza humana Tal conclusatildeo ajuda a
compreender o Estado Democraacutetico de Direito e tudo aquilo que ele simboliza em
termos de emancipaccedilatildeo da pessoa humana Nessa linha a necessidade de
compreender o conceito atual de cidadania agrave luz das questotildees culturais e sociais
postas pela sociedade poacutes-moderna veio-nos como heranccedila do processo cultural de
formaccedilatildeo das democracias modernas
Essa representaccedilatildeo cultural da cidadania vem sendo tratada pelos
pensadores modernos sob vaacuterios enfoques Num primeiro momento surge assim
por exemplo a cidadania civil que marcou a superaccedilatildeo da situaccedilatildeo observada na
Idade Meacutedia garantindo os direitos quanto agrave liberdade e agrave justiccedila e vinculando-se
diretamente agrave burguesia Jaacute a cidadania poliacutetica surgiu com a universalizaccedilatildeo de seu
proacuteprio conceito e com a ampliaccedilatildeo dos direitos civis Esta nova consciecircncia sobre
as diferenccedilas no interior do status de cidadatildeo acentua os debates sobre a exclusatildeo
social os direitos humanos e mesmo sobre a atuaccedilatildeo poliacutetica da sociedade civil Por
outro lado no atual estaacutegio do capitalismo falar em cidadania significar considerar
igualmente as proacuteprias mudanccedilas ocorridas na sociedade nos valores e na
educaccedilatildeo proporcionados pelas inovaccedilotildees da realidade tecnocientifica
Temos desse modo associado ao atual conceito de cidadania um repertoacuterio
teoacuterico e mesmo praacutetico cuja amplitude acompanha o proacuteprio desenvolvimento das
sociedades poacutes-modernas dando a impressatildeo crescente como afirma Harvey
19
De uma poderosa configuraccedilatildeo de novos sentimentos e pensamentos Que parecia a caminho de desenvolvimento social e poliacutetico apenas em virtude da maneira como definia padrotildees de criacutetica social e de praacutetica poliacutetica Em anos recentes ele vem determinando os padrotildees de debate definindo o modo do lsquodiscursorsquo e estabelecendo paracircmetros para a criacutetica cultural poliacutetica e cultural (1992)
Contudo a extensatildeo desses direitos agrave totalidade da populaccedilatildeo natildeo
possibilitou a garantia da liberdade e da igualdade idealizadas por Rousseau em sua
obra ldquoO Contrato Socialrdquo Por outro lado pode-se dizer que todos esses anos de
desenvolvimento acabaram por afirmar que a cidadania de fato soacute pode se constituir
por meio de acirrada luta cotidiana por direitos e pela garantia daqueles que jaacute
existem
Mais do que isso nota-se maior preocupaccedilatildeo com a difusatildeo desses direitos
seja por meio de educaccedilatildeo formal seja pelos meios de comunicaccedilatildeo Livros
didaacuteticos e paradidaacuteticos tecircm fomentado a discussatildeo sobre o status de cidadatildeo e os
direitos humanos outros associam ao desenvolvimento da cidadania uma
discussatildeo sobre os meios de comunicaccedilatildeo e o proacuteprio capitalismo como afirma o
professor Dalmo de Abreu Dallari em Cidadania e Direitos Humanos (1998)
Nessa perspectiva problemas recorrentes como as violaccedilotildees dos direitos
humanos as ineficiecircncias no campo social e o processo de pauperizaccedilatildeo
manifestado na periferia do capitalismo mostram que a cidadania exige mais do que
o simples ato de votar ou de pertencer a uma sociedade poliacutetica Cabe portanto agrave
sociedade civil caraacuteter representativo que substitua as pressotildees ou mesmo a
atuaccedilatildeo legiacutetima dos cidadatildeos
A evoluccedilatildeo da cidadania portanto consiste na lenta construccedilatildeo da
democracia que sintetiza os esforccedilos para a obtenccedilatildeo das prerrogativas ideoloacutegicas
e culturais que tecircm levado os membros da sociedade a decidirem acerca da
realidade que os cercam
14 Cidadania no Brasil breves consideraccedilotildees
Discorrer sobre a construccedilatildeo da cidadania no Brasil eacute tocar num ponto
crucial da nossa histoacuteria Passados mais de 500 anos da chegada dos portugueses
20
por estas paragens percebe-se que a consolidaccedilatildeo da cidadania ainda eacute um desafio
para todos os brasileiros
O tema cidadania muito se tem discutido na academia e fora dela o jargatildeo
da cidadania estaacute na moda nas instituiccedilotildees poliacuteticas e juriacutedicas como tambeacutem na
opiniatildeo puacuteblica mas concretamente eacute um conceito ainda a ser construiacutedo
No contexto histoacuterico-cultural e poliacutetico dos gregos especificamente por
volta do ano 380 aC (periacuteodo do apogeu daquela civilizaccedilatildeo) embora a cidadania
fosse limitada a uma parcela social minoritaacuteria pode-se afirmar que tanto a
democracia quanto a cidadania grega natildeo deixam de ser conquistas ineacuteditas e
avanccedilos significativos para a histoacuteria ocidental Jaacute a evoluccedilatildeo e a real consolidaccedilatildeo
da cidadania na modernidade nascem a partir dos direitos naturais (vida
propriedade liberdade) do homem liberal burguecircs garantido pelas consecutivas
ldquoDeclaraccedilotildees de Direitosrdquo elaboradas a partir das revoluccedilotildees liberais na Inglaterra
(Revoluccedilatildeo Gloriosa 1688-89) Estados Unidos (Emancipaccedilatildeo poliacutetica 1776) Franccedila
(Revoluccedilatildeo Francesa)
No entanto pode-se dizer que o nosso paiacutes apesar da influecircncia dos paiacuteses
europeus vivenciou como ainda vivencia uma difiacutecil construccedilatildeo da cidadania
A longa histoacuteria do Brasil vem elencando razotildees profundas para a nossa
natildeo-cidadania atual a exemplo da conquista (ou invasatildeo) do nosso territoacuterio o
grande latifuacutendio a escravidatildeo a monocultura de exportaccedilatildeo o analfabetismo a
perpetuaccedilatildeo das elites poliacuteticas no poder fatores que refletem nos viacutecios da vida
social cultural poliacutetica e econocircmica do paiacutes
Fundamentalmente eacute preciso afirmar que no Brasil a construccedilatildeo da
cidadania natildeo seguiu a loacutegica da trajetoacuteria inglesa Houve no Brasil segundo
Carvalho (2002) pelo menos duas diferenccedilas importantes
A primeira refere-se agrave maior ecircnfase em um dos direitos o social em relaccedilatildeo aos outros a segunda refere-se agrave alteraccedilatildeo na sequecircncia em que os direitos foram adquiridos entre noacutes o social precedeu os outros
Uma das razotildees fundamentais das dificuldades da construccedilatildeo da cidadania
estaacute ligada como nos diz Carvalho ao ldquopeso do passadordquo mais especificamente ao
periacuteodo colonial (1500-1822) quando
21
Os portugueses tinham construiacutedo um enorme paiacutes dotado de unidade territorial linguiacutestica cultural e religiosa Mas tinham deixado uma populaccedilatildeo analfabeta uma sociedade escravocrata uma economia monocultora e latifundiaacuteria um Estado Absolutista (CARVALHO 2002)
Em suma foram 322 anos sem poder puacuteblico sem Estado sem naccedilatildeo e
cidadania Diante de tatildeo obscuro cenaacuterio de dominaccedilatildeo opressatildeo dentre outras
formas de natildeo efetivaccedilatildeo da cidadania no Brasil podemos elencar dentre outros
tantos fatores quais foram os principais obstaacuteculos para a construccedilatildeo da cidadania
brasileira O latifuacutendio agro-exportador do periacuteodo colonial bem como o escravismo
o analfabetismo marcaram negativamente nossas origens e ateacute hoje dificultam
avanccedilos no acircmbito poliacutetico-social e econocircmico Aleacutem dessas outras razotildees foram e
continuam sendo entraves para a consolidaccedilatildeo das instituiccedilotildees poliacutetica que
impedem os avanccedilos necessaacuterios para uma cidadania plena Na ordem poliacutetica
permanecem ainda algumas mazelas histoacutericas como o patrimonialismo
(promiscuidade entre o puacuteblico e o privado) o coronelismo com sua nova roupagem
o clientelismo aleacutem da corrupccedilatildeo entre outros
Mesmo diante de tatildeo vergonhoso cenaacuterio natildeo podemos nos dispensar que
tambeacutem alcanccedilamos mesmo que de forma tiacutemida significativas conquistas de
direitos no Brasil comparadas com outros paiacuteses que vivenciaram um processo de
colonizaccedilatildeo semelhante ao nosso A conquista desses direitos deu-se de maneira
tardia e inversa haja vista que somente em 1824 mais de 320 anos apoacutes a chegada
dos portugueses foi que surgiram os primeiros direitos civis e poliacuteticos (antes disso
estaacutevamos submetidos agrave lei da coroa portuguesa) Aos poucos surgiram os direitos
sociais mas exatamente no momento em que os direitos civis e poliacuteticos estavam
sendo negados no periacuteodo da ditadura de Vargas (1937-45) e na ditadura militar
(1964-1985) Parece um paradoxo mas foi exatamente nesse periacuteodo de
conturbaccedilotildees poliacuteticas que marchamos em direccedilatildeo agrave conquista de significativos
direitos que iriam projetar uma ideia de lutas e vitoacuterias que se projetariam no campo
da cidadania de modo bastante concreto
Por fim haveremos de concordar com Benevides (1994) ao afirmar que no
intuito de reverter agrave realidade poliacutetico-social excludente ou de uma cidadania
passiva ou sem ldquopovordquo eacute necessaacuterio recorrer agrave defesa de mecanismos institucionais
22
como o referendo o plebiscito e a iniciativa popular para a construccedilatildeo do que ela
chama de uma cidadania ativa ou democracia semidireta Alguns autores veem
dificuldades na implementaccedilatildeo desse sistema em paiacuteses que estatildeo em processo de
democratizaccedilatildeo no entanto logo em seguida apontam para a educaccedilatildeo poliacutetica ndash
entendida como educaccedilatildeo para a cidadania ativa
Desse modo pode-se proferir que todos esses anos de desenvolvimento
acabaram por afirmar que a cidadania de fato soacute pode se constituir por meio de
acirrada luta cotidiana por direitos e pela garantia daqueles que jaacute existem pois
apesar da existecircncia de profundas desigualdades sociais a ideia de cidadania
evoluiu com o passar dos anos Ampliou-se a abrangecircncia de sua concepccedilatildeo
abraccedilando todas as classes sociais e minorias Deixou de restringir-se apenas agrave
participaccedilatildeo poliacutetica para relacionar uma seacuterie de deveres da sociedade para com o
cidadatildeo Na praacutetica ainda haacute muito que se fazer para que direitos e deveres sejam
os mesmos para todos No entanto a busca pela realizaccedilatildeo da maacutexima ldquocada
homem um votordquo continua a ser perseguida
A luta pela conquista plena da cidadania eacute parte integrante da democracia
uma vez que assegura a continuidade das transformaccedilotildees juriacutedicas poliacuteticas entre
outras Natildeo resta duacutevida acerca do papel estruturante que essa luta desempenha no
quadro das democracias contemporacircneas fato que a converte em uma irresistiacutevel
conquista da modernidade O caraacuteter estruturante que a cidadania projeta nos
quadros da democracia atual estaacute ligado a permanente busca de um Estado
compatiacutevel com a realidade de cada tempo histoacuterico
23
CAPIacuteTULO 2 - CIDADANIA Agrave LUZ DA CONSTITUICcedilAtildeO FEDERAL DE
1988
A Constituiccedilatildeo eacute a ordem juriacutedica fundamental da comunidade nas palavras
de Konrad Hesse (apud PALU 2001) eacute um documento juriacutedico e poliacutetico dirigido aos
cidadatildeos e estes satildeo os seus primeiros destinataacuterios A Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica eacute
a Lei fundamental composta por um conjunto de normas baacutesicas que compotildeem a
estrutura juriacutedica poliacutetica social e econocircmica de um paiacutes Essa eacute razatildeo pela qual
ela eacute chamada de Carta Magna pois a ela nada se sobrepotildee Para Dallari (1985) a
Constituiccedilatildeo
[] eacute a declaraccedilatildeo da vontade poliacutetica de um povo feita de modo solene por meio de uma lei que eacute superior a todas as outras que visando agrave proteccedilatildeo da dignidade humana estabelece os direitos e as responsabilidades fundamentais dos indiviacuteduos dos grupos sociais do povo e do governo
Desta forma uma Constituiccedilatildeo natildeo surge do nada ela eacute resultado de
observaccedilotildees e experiecircncias e sua finalidade eacute de afirmar e garantir os direitos
elementares das pessoas humanas disciplinar o uso ao mesmo tempo em que
evita o abuso de poder organizando de forma racional a sociedade e o governo
Satildeo inegaacuteveis as inovaccedilotildees teacutecnicas trazidas pela Constituiccedilatildeo Brasileira de
1988 no campo da instituiccedilatildeo garantia e proteccedilatildeo dos direitos fundamentais A
dignidade da pessoa humana e o exerciacutecio da cidadania satildeo considerados princiacutepios
fundamentais da Carta Magna Brasileira de 1988
Cidadania direito a ter direitos na acepccedilatildeo de Haberle ( apud VALADEacuteS
2009) refere-se a todos os direitos previstos na Constituiccedilatildeo de 1988 e ainda
aqueles natildeo expressos mas decorrentes do regime e dos princiacutepios por ela
adotados na dicccedilatildeo do sect 2deg art 5deg
O princiacutepio fundamental da cidadania conforme jaacute exposto impregna todo o
texto constitucional vigente a partir do art 1deg II em que figura de forma
24
exponencial relativamente ao Estado brasileiro e tudo que lhe corresponda no
exerciacutecio de um poder que adquire significaccedilatildeo renovada e amplificada na
sociedade contemporacircnea Segundo Arendt
A cidadania eacute o direito a ter direitos pois a igualdade em dignidade e direitos dos seres humanos natildeo eacute um dado Eacute um construiacutedo da convivecircncia coletiva que requer o acesso ao espaccedilo puacuteblico Eacute este acesso ao espaccedilo puacuteblico que permite a construccedilatildeo de um mundo comum atraveacutes do processo de asserccedilatildeo dos direitos humanos
Nesse diapasatildeo o direito a ter direitos compreende o pleno acesso ao
espaccedilo puacuteblico o efetivo exerciacutecio do poder poliacutetico das prerrogativas inerentes agrave
cidadania conforme explicita a Constituiccedilatildeo no art 5deg LXXI a propoacutesito do
mandado de injunccedilatildeo no dizer todo direito atribuiacutedo com o caraacuteter de exclusividade
agrave pessoa
21 Estado Democraacutetico de Direito espaccedilo de cidadania
Apoacutes a eacutepoca de grandes restriccedilotildees militares o ato de promulgaccedilatildeo da
Constituiccedilatildeo Federal em 05 de outubro de 1988 vem marcar uma nova fase de
esperanccedila para os brasileiros Ao batizaacute-la de Constituiccedilatildeo cidadatilde a Assembleia
Nacional Constituinte atraveacutes de seu presidente o Deputado Ulisses Guimaratildees
resumiu o espiacuterito do texto constitucional assegurar aos brasileiros direitos sociais
essenciais ao exerciacutecio da cidadania e estabelecer mecanismos para garantir o
cumprimento de tais direitos
O que se viu a partir de entatildeo foi uma lenta poreacutem significativa mudanccedila na
sociedade brasileira A Constituiccedilatildeo Federal que eacute sem duacutevidas um marco na
histoacuteria do paiacutes traccedila a prioridade dada pelos constituintes aos direitos dos
brasileiros que pode ser observada em todas as questotildees
A Carta faz uma ampliaccedilatildeo dos direitos individuais sociais e poliacuteticos e como
se observa a inserccedilatildeo dos direitos sociais como segundo tiacutetulo revela a primazia
que o constituinte quis daacute a estes direitos em detrimento de todos os outros
incluindo os referentes agrave organizaccedilatildeo do Estado e dos Poderes que vecircm depois
25
Ao contraacuterio do que ocorreu com as Constituiccedilotildees anteriores esse
ordenamento dos capiacutetulos parece revelar que a Carta eacute o prenuacutencio de um paiacutes em
que os direitos dos cidadatildeos formam a base do ordenamento do Estado Essa ideia
foi expressa pelo presidente da Assembleacuteia Constituinte deputado Ulysses
Guimaratildees que voltamos a citar quando anunciou
Diferentemente das sete constituiccedilotildees anteriores esta comeccedila com o homem De modo gratificante testemunha a primazia do homem que foi escrita para o homem que o homem eacute seu fim e sua esperanccedila Eacute a Constituiccedilatildeo cidadatilde
A Constituiccedilatildeo nasceu da constataccedilatildeo de que o figurino juriacutedico formulado
para o Brasil desde os primoacuterdios do Estado nacional natildeo se compatibilizava com as
necessidades dos brasileiros Houve avanccedilos na formalizaccedilatildeo da Lei Magna
especialmente no tocante aos direitos de cidadania mas estamos longe do ideal
preconizado pela carta cidadatilde O que nos leva a crer que a cidadania eacute um processo
diaacuterio e permanente de construccedilatildeo Pois natildeo basta garantir o direito eacute preciso
exercecirc-lo
A cidadania abraccedilada pela atual Constituiccedilatildeo Federal Brasileira teve seu
conteuacutedo ampliado e natildeo se restringe ao simples fato de possuir um tiacutetulo de eleitor
para votar e ser votado ela estabelece cidadania como princiacutepio fundamental da
Repuacuteblica do Brasil desta forma o conceito decorrente pode ser entendido
conforme preleciona Silva (2005) ldquocidadania estaacute aqui num sentido mais amplo do
que o de titular de direitos poliacuteticos Qualifica os participantes da vida do Estado
reconhecimento do indiviacuteduo como pessoa integrada a sociedade estatalrdquo
Tal conceito nos leva a relacionar cidadania com democracia uma vez que
optou-se pelo Estado Democraacutetico de Direito o qual assenta seus alicerces na
participaccedilatildeo popular em questotildees que envolvem a coisa puacuteblica Para Moraes
(2005) esse Estado de Direito ldquosignifica a exigecircncia de reger-se por normas
democraacuteticas com eleiccedilotildees livres perioacutedicas e pelo povo bem como o respeito das
autoridades puacuteblicas aos direitos e garantias fundamentaisrdquo
O propoacutesito da opccedilatildeo pelo Estado Democraacutetico de Direito eacute que a cidadania e
os demais direitos fundamentais fluam com plenitude talvez seja o que justifique a
denominaccedilatildeo da Carta Magna de cidadatilde pois o povo passa a atuar de forma mais
ativa na vida poliacutetica do Estado uma vez que a ele foi concedido esse poder
26
A cidadania portanto soacute adquire pleno significado no mundo contemporacircneo
num Estado Democraacutetico de Direito para tanto exige um ambiente de vida e de
conviacutevio entre os homens tiacutepico e proacuteprio de um Estado Democraacutetico pois a
cidadania constitui fundamento primordial daquele Estado qual seja possibilitar aos
indiviacuteduos habitantes de um paiacutes o seu pleno desenvolvimento atraveacutes do alcance
de igual dignidade social e econocircmica
Segundo Rozicki (2005) O ambiente de vida social do Estado Democraacutetico
cujos pilares se encontram na efetividade dos direitos fundamentais da pessoa
humana em uma sociedade solidaacuteria soacute eacute possiacutevel atraveacutes da observaccedilatildeo de alguns
postulados que lhe satildeo essenciais os quais a autora denomina de pressupostos do
Estado democraacutetico de Direito
1)a valorizaccedilatildeo e atualidade da dignidade do homem e o reconhecimento da importacircncia de dispensar a todos tratamento fraternal igualitaacuterio e natildeo discriminativo 2) a confianccedila nos talentos e possibilidades latentes dos homens 3) a seguranccedila e o creacutedito nos valores institucionalizados pelas massas como fundamentos para o progresso do bem comum e o alcance da justiccedila 4) a aceitaccedilatildeo da legitimidade das decisotildees tomadas por meio de processos racionais e participativos de deliberaccedilatildeo com o consenso da maioria que constitui o reflexo o resultado de debates livres entre todos 5) o respeito aos grupos minoritaacuterios 6) e a compreensatildeo de que todo o interesse geral eacute a siacutentese dos diversos interesses e ideacuteias dos indiviacuteduos e dos grupos diferentes centros de poder que integram a sociedade pluralista
Percebe-se que o conceito amplo de cidadania encontra seus princiacutepios
baacutesicos e estruturantes nesses pressupostos intimamente ligado aos conceitos de
democracia e de igualdade No tocante ao conceito de igualdade elucidativa eacute a
liccedilatildeo de Rozicki (2005) quando afirma que
O princiacutepio de igualdade disciplina todas as atividades puacuteblicas e tem aplicaccedilatildeo direta nas relaccedilotildees privadas que ocorrem entre os particulares impondo para tornaacute-lo real a proibiccedilatildeo de discriminaccedilotildees e a eliminaccedilatildeo das desigualdades faacuteticas nos planos social e econocircmico proporcionando a todos os cidadatildeos igual condiccedilatildeo de vida e mesma posiccedilatildeo perante o Estado Democraacutetico
E complementa que tambeacutem para a realizaccedilatildeo da cidadania o princiacutepio
democraacutetico torna indispensaacutevel agrave participaccedilatildeo popular nas tomadas de decisatildeo No
seu entender
27
A cidadania no Estado democraacutetico de direito efetivada oferece aos cidadatildeos como iguais condiccedilotildees de existecircncia o gozo atual de direitos e a obrigaccedilatildeo do cumprimento de deveres que resumidamente podem ser assim apresentados exerciacutecio de direitos fundamentais e participaccedilatildeo e os deveres de colaboraccedilatildeo e solidariedade (Rozicki 2005)
Natildeo obstante eacute vaacutelido ressaltar um princiacutepio igualmente importante e deveras
esquecido a fraternidade Este princiacutepio que eacute um dos trecircs pilares da Revoluccedilatildeo
Francesa eacute pouco discutido apesar de assumir um papel decisivo na consolidaccedilatildeo
da democracia da politica e do poder
A fraternidade eacute necessaacuteria para o estabelecimento de uma comunidade
politicamente solidaacuteria com indiviacuteduos iguais e livres
Para finalmente concebermos um Estado Democraacutetico de Direito que trate os
iguais na medida de suas desigualdades
22 Os direitos fundamentais como pressupostos de identidade da cidadania
Os direitos fundamentais vistos como um dos traccedilos mais marcante do
constitucionalismo moderno consistem no resultado da luta dos homens por um
direito ideal justo e humano representam situaccedilotildees reconhecidas juridicamente
sem as quais o homem eacute incapaz de alcanccedilar sua proacutepria realizaccedilatildeo e
desenvolvimento plenamente daiacute dizer-se que o princiacutepio preponderante que
condensa os direitos fundamentais eacute o da dignidade da pessoa humana
Os direitos fundamentais satildeo o conjunto de normas de um ordenamento juriacutedico que formam um subsistema deste fundado na liberdade na igualdade na seguridade na solidariedade expressotildees da dignidade do homem que formam parte da norma baacutesica material de identificaccedilatildeo do ordenamento juriacutedico e constitui um setor de moralidade procedimental positivada que legitima o Estado Social de Direito (MARTINEZ apud AGRA 2002)
Tais direitos foram e vatildeo sendo aperfeiccediloados e estendidos ao longo do
tempo resta dizer que os mesmos estabelecem faculdades da pessoa humana que
permitem sua breve classificaccedilatildeo do seguinte modo 1) os direitos civis e poliacuteticos
de liberdade como por exemplo a liberdade de expressatildeo de propriedade de
28
manifestaccedilatildeo do pensamento de associaccedilatildeo de imprensa de reuniatildeo de igualdade
formal perante a lei de participaccedilatildeo poliacutetica o devido processo legal o habeas
corpus o direito de peticcedilatildeo etc 2) os direitos sociais econocircmicos e culturais de
participaccedilatildeo poliacutetica tais como a igualdade de sufraacutegio o direito de voto e de
elegibilidade o direito de peticcedilatildeo e os direitos de participaccedilatildeo poliacutetica 3) os direitos
da titularidade coletiva que satildeo aqueles ligados a solidariedade e a fraternidade
como por exemplo o direito agrave preservaccedilatildeo do meio ambiente e agrave qualidade de vida
etc 4) os direitos chamados de quarta geraccedilatildeo por exemplo direito a democracia a
informaccedilatildeo ao comeacutercio eletrocircnico entre os estados etc
Natildeo existe qualquer relaccedilatildeo hieraacuterquica entre estes direitos mesmo porque
todos interagem entre si de nada servindo um sem a existecircncia dos outros Esta
divisatildeo acontece devido agrave eterna e constante busca do homem por mais proteccedilatildeo
mais garantia com o objetivo de alcanccedilar uma sociedade mais justa igualitaacuteria e
fraterna
Na evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais Agra (2002) chama a atenccedilatildeo do
relevo que adquirem a democratizaccedilatildeo da informaccedilatildeo e os mecanismos de
democracia participativa E justifica que a democratizaccedilatildeo da informaccedilatildeo natildeo se
caracteriza apenas pela existecircncia de uma miacutedia plural sem nenhum tipo de
monopoacutelio mas deve ser concebida como a obrigaccedilatildeo que todos os cidadatildeos tecircm
de tomar consciecircncia dos graves problemas que afligem a humanidade e que os
mecanismos da democracia participativa concebem a cidadania em extensatildeo muito
superior ao voto abrangendo a interferecircncia direta do cidadatildeo nas decisotildees
governamentais mediante vaacuterios mecanismos juriacutedicos como o plebiscito o recall o
orccedilamento participativo etc
De acordo com Silva (2005) os Direitos Fundamentais na Constituiccedilatildeo de
1988 abrangem os ldquodireitos individuais sociais poliacuteticos e tambeacutem os direitos
econocircmicos Para o autor a ampliaccedilatildeo e transformaccedilatildeo dos direitos fundamentais
do homem na histoacuteria dificultam uma definiccedilatildeo sinteacutetica do conceitordquo
Essa dificuldade aumenta diante do emprego de vaacuterias expressotildees para
designaacute-los tais como direitos naturais direitos humanos direitos do homem
direitos individuais direitos puacuteblicos subjetivos liberdades fundamentais liberdades
puacuteblicas e direitos fundamentais do homem No entanto direitos fundamentais do
homem constitui a expressatildeo mais adequada porque na palavra fundamentais
acha-se a indicaccedilatildeo de que se trata de situaccedilotildees sem as quais o indiviacuteduo natildeo tem
29
uma vida digna natildeo convive e agraves vezes nem mesmo sobrevive A expressatildeo
direitos fundamentais eacute a mais precisa no sentido de que a todos por igual devem
ser natildeo apenas formalmente reconhecidos mas concreta e materialmente
efetivados
Por sua vez a atual Corte em julgamento do habeas corpus (HC ndeg
82424RS) marca seu posicionamento no tocante ao sistema de direitos
fundamentais insculpido na Constituiccedilatildeo de 1988 atraveacutes dos profundos e bem
fundamentados votos dos Ministros que aleacutem de delimitarem a extensatildeo e os limites
da liberdade de expressatildeo (art 5o IV e IX) acabaram indicando as bases filosoacuteficas
e juriacutedicas para a interpretaccedilatildeo do cataacutelogo de direitos fundamentais da Constituiccedilatildeo
de 1988
Nesse sentido o voto do Ministro Marco Aureacutelio tratou de definir o sistema de
direitos fundamentais como a ldquoproacutepria essecircncia da Constituiccedilatildeordquo qualificando-os
como ldquovalores objetivos que servem como norte da atuaccedilatildeo estatalrdquo Assim estaacute
consignado nos fundamentos do referido voto
A Constituiccedilatildeo de 1988 representou um divisor de aacuteguas entre o antigo regime totalitaacuterio e um periacuteodo de redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes marcando dessa forma uma eacutepoca que tem como modelo de atuaccedilatildeo do Estado o respeito incondicional aos direitos fundamentais Por isso mesmo o sistema constitucional dos direitos fundamentais previsto no artigo 5o da Carta com os eventuais acreacutescimos do sect 2o reflete em rigor e em larga medida a proacutepria essecircncia da Constituiccedilatildeo e a retomada do processo de democratizaccedilatildeo e da garantia do cidadatildeo contra abusos e arbitrariedades no exerciacutecio do Poder Puacuteblico Os direitos fundamentais satildeo hoje verdadeiros princiacutepios estruturantes da organizaccedilatildeo e do funcionamento do Estado valores objetivos que servem como norte da atuaccedilatildeo estatal em seus mais diferentes niacuteveis no Legislativo formam um cataacutelogo de princiacutepios e garantias que informam e direcionam toda a atividade de criaccedilatildeo das normas de nosso ordenamento juriacutedico e de concretizaccedilatildeo dos preceitos constitucionais no Executivo mostram-se como verdadeiros limites ao exerciacutecio do poder administrativo servindo como trincheiras de proteccedilatildeo da liberdade do cidadatildeo e no judiciaacuterio refletem a base e o fundamento necessaacuterio da compreensatildeo e interpretaccedilatildeo de nossas normas ndash efeito interpretativo - evitando que a atividade jurisdicional se transforme em medidas discricionaacuterias ou providecircncias ilegiacutetimas de opccedilotildees poliacuteticas pautadas em escolhas pessoais dos juiacutezes
Tudo indica que se trata do iniacutecio de uma soacutelida construccedilatildeo jurisprudencial a
respeito do sentido axioloacutegico do sistema de direitos fundamentais da Constituiccedilatildeo
de 1988
30
Os Direitos Individuais satildeo de exerciacutecio exclusivo do indiviacuteduo e devem ser
formalmente reconhecidos e concretizados no cotidiano do cidadatildeo O indiviacuteduo aqui
eacute considerado um sujeito de direitos e natildeo apenas como integrante de um corpo
social Esses direitos natildeo podem sofrer nenhum tipo de restriccedilatildeo natildeo se
discriminando quem os pode exercer uma vez que satildeo titulares todas as pessoas
capazes incapazes brasileiras estrangeiras alfabetizadas e iletradas
A Constituiccedilatildeo Cidadatilde foi a primeira a estabelecer direitos natildeo soacute de
indiviacuteduos mas tambeacutem de grupos sociais os denominados direitos coletivos Com
isso as pessoas passaram a ser coletivamente consideradas Os direitos individuais
e coletivos estatildeo anunciados no art 5ordm em setenta e sete incisos e em dois
paraacutegrafos
Verifica-se que os Direitos Individuais tecircm como ponto marcante a liberdade
seja ela tomada de maneira global ou especiacutefica como liberdade de associaccedilatildeo de
reuniatildeo A liberdade de reuniatildeo (art 5ordm XVI) constitui-se na primeira e mais simples
liberdade corporativa estando logo apoacutes a liberdade de locomoccedilatildeo
Os Direitos Sociais tecircm como titular uma coletividade e satildeo caracterizados
pela prestaccedilatildeo de serviccedilos ou oferecimento de melhorias para a sociedade como um
todo por parte do Poder Puacuteblico Assim os Direitos Sociais tornam possiacutevel a fruiccedilatildeo
e o exerciacutecio dos Direitos Individuais pela coletividade mesmo pelos carentes
materialmente
O art 6deg define os Direitos Sociais da seguinte maneira ldquoSatildeo Direitos Sociais
a educaccedilatildeo a sauacutede o trabalho a moradia o lazer a seguranccedila a previdecircncia
social a proteccedilatildeo agrave maternidade e agrave infacircncia a assistecircncia aos desamparados na
forma desta Constituiccedilatildeordquo
Portanto eacute obrigatoacuteria ao Estado a proteccedilatildeo dos interesses da coletividade
com o atendimento dos direitos acima citados
Satildeo direitos poliacuteticos os que conferem o acesso da populaccedilatildeo agrave participaccedilatildeo
no Poder do Estado tais como os direitos de votar e ser votado do referendo
plebiscito e iniciativa popular das leis O direito democraacutetico de participaccedilatildeo dos
cidadatildeos no governo por meio de seus representantes exigiu a formaccedilatildeo de um
conjunto de normas legais permanentes que recebeu a denominaccedilatildeo de direitos
poliacuteticos Os Direitos Poliacuteticos amparam os Direitos Individuais Sociais e
Econocircmicos pois quando desaparece a democracia desaparecem imediatamente
as liberdades fundamentais
31
Com o advento da Constituiccedilatildeo de 1988 foram criadas instituiccedilotildees para
fiscalizar e controlar a atuaccedilatildeo da administraccedilatildeo puacuteblica entre as quais o Ministeacuterio
Puacuteblico que funciona como um canal de expressatildeo dos direitos da populaccedilatildeo
O Ministeacuterio Puacuteblico foi a instituiccedilatildeo que mais ganhou importacircncia no cenaacuterio
puacuteblico por ter passado a defender os interesses coletivos ou seja os interesses de
um grupo categoria ou classe e natildeo de um indiviacuteduo isolado No artigo 127 o
Ministeacuterio Puacutebico (MP) eacute definido como ldquouma instituiccedilatildeo permanente essencial agrave
funccedilatildeo jurisdicional do Estado incumbindo-lhe a defesa da ordem juriacutedica do regime
democraacutetico e dos interesses sociais e individuais indispensaacuteveisrdquo
Cabe ao Ministeacuterio Puacuteblico exigir dos poderes puacuteblicos e dos serviccedilos de
relevacircncia puacuteblica respeito aos direitos elencados na Constituiccedilatildeo promovendo as
medidas necessaacuterias agrave garantia desses direitos Portanto eacute responsaacutevel pela
garantia da ordem juriacutedica do regime democraacutetico da moralidade puacuteblica e dos
direitos sociais e individuais
23 A consagraccedilatildeo dos direitos do cidadatildeo
A Constituiccedilatildeo de 1988 eacute o coroamento da histoacuteria constitucional do Brasil por
ter sido um marco da redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes opondo-se a qualquer forma de
autoritarismo Nela a cidadania foi consagrada como um dos fundamentos da
Repuacuteblica Federativa do Brasil (art 1ordm inc II) Observe-se que o termo cidadania
encontra-se na Constituiccedilatildeo em sentido mais amplo do que o de titular de direitos
poliacuteticos pois qualifica os participantes da vida do Estado e reconhece o indiviacuteduo
como pessoa integrada na sociedade estatal
Essa nova concepccedilatildeo de cidadania introduzida pela Constituiccedilatildeo Federal de
1988 eacute fruto da internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos e como marco principal da
institucionalizaccedilatildeo erigiu em seu artigo primeiro a dignidade da pessoa humana (inc
III) e a cidadania (incII) a princiacutepio fundamental
Institui com o princiacutepio da cidadania uma nova compreensatildeo acerca dos
direitos de deveres da pessoa elevado-o a status maacuteximo a regra-matriz que natildeo
pode ser desrespeitada pois os fundamentos constituem a essecircncia da Repuacuteblica
32
Federativa e servem como regra-matriz para a elaboraccedilatildeo interpretaccedilatildeo e
integraccedilatildeo do sistema juriacutedico nacional
Violar um princiacutepio eacute muito grave que transgredir uma norma qualquer A desatenccedilatildeo ao principio implica ofensa natildeo apenas a um especifico mandamento obrigatoacuterio mas a todo o sistema de comandos Eacute a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade representa insurgecircncia contra todo o sistema subversatildeo de valores fundamentais (MELLO apud CHIMENTI 2005 P 33)
Para Silva (2004) cidadania eacute discriminada como princiacutepio relativo ao regime
poliacutetico Dessa forma compreendida cidadania como princiacutepio fundamental eacute o
direito de participar dos destinos do Estado e mais usufruir dos direitos civis
fundamentais previstos na Constituiccedilatildeo
Muitos doutrinadores utilizam cidadania no mesmo sentido de nacionalidade
(Art 12 da Constituiccedilatildeo Federal) e de direitos poliacuteticos (Art 14) Em alguns outros
dispositivos a palavra cidadania (ou cidadatildeo) poderia ainda ter a significaccedilatildeo de
direitos poliacuteticos mas mesmo assim de forma impliacutecita a exemplo dos arts 22 XIII
e 5ordm LXXIII No primeiro se lecirc que compete agrave Uniatildeo legislar sobre nacionalidade
cidadania e naturalizaccedilatildeo e no segundo que qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima
para propor accedilatildeo popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de
entidade de que o Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e
ao patrimocircnio histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de
custas judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia No entanto conforme Mazzuoli (2002)
Observe-se que a Carta de 1988 ao tratar no seu art 14 dos direitos poliacuteticos natildeo se refere sequer em um momento agrave expressatildeo cidadania dizendo apenas que a soberania popular seraacute exercida pelo sufraacutegio universal e pelo voto direito e secreto com valor igual para todos (hellip) Pelo contraacuterio a Constituiccedilatildeo faz uma separaccedilatildeo entre cidadania e direitos poliacuteticos quando no seu art 68 sect 1ordm II ao tratar das leis delegadas exclui do acircmbito da delegaccedilatildeo legislativa a nacionalidade cidadania direitos individuais poliacuteticos e eleitorais
A Constituiccedilatildeo brasileira de 1988 com a transiccedilatildeo para o regime democraacutetico
consagrou expressamente esta nova concepccedilatildeo de cidadania como se depreende
da leitura de vaacuterios dos seus dispositivos
Foi nesse sentido que pioneiramente estatuiu a Carta de 1988 em seu art
1ordm que a Repuacuteblica Federativa do Brasil formada pela uniatildeo indissoluacutevel dos
33
Estados e Municiacutepios e do Distrito Federal constitui-se em Estado Democraacutetico de
Direito e tem como fundamentos dentre outros a cidadania (inc II) Como jaacute
mencionado
Na mesma esteira o disposto no art 5ordm incisos LXXI (conceder-se-aacute
mandado de injunccedilatildeo sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviaacutevel o
exerciacutecio dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes agrave
nacionalidade agrave soberania e agrave cidadania) e LXXVII (satildeo gratuitas as accedilotildees de
habeas-corpus e habeas-data e na forma da lei os atos necessaacuterios ao exerciacutecio
da cidadania) No seu Tiacutetulo VIII Capiacutetulo II Seccedilatildeo I a Carta Magna de 1988
dispotildee ainda que a
Educaccedilatildeo direito de todos e dever do Estado e da famiacutelia seraacute promovida e incentivada com a colaboraccedilatildeo da sociedade visando ao pleno desenvolvimento da pessoa seu preparo para o exerciacutecio da cidadania e sua qualificaccedilatildeo para o trabalho (art 205)
Outro dispositivo em que fica bastante marcada esta nova concepccedilatildeo de
cidadania eacute o art 64 do Ato das Disposiccedilotildees Constitucionais Transitoacuterias que
dispotildee
A Imprensa Nacional e demais graacuteficas da Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios da administraccedilatildeo direta ou indireta inclusive fundaccedilotildees instituiacutedas e mantidas pelo Poder Puacuteblico promoveratildeo ediccedilatildeo popular do texto integral da Constituiccedilatildeo que seraacute posta agrave disposiccedilatildeo das escolas e dos cartoacuterios dos sindicatos dos quarteacuteis das igrejas e de outras instituiccedilotildees representativas da comunidade gratuitamente de modo que cada cidadatildeo brasileiro possa receber do Estado um exemplar da Constituiccedilatildeo do Brasil
Enfim a Constituiccedilatildeo de 1988 enriqueceu e ampliou os conceitos de cidadatildeo
e cidadania Seu entendimento agora como leciona Silva (2005)
Decorre da ideia de Constituiccedilatildeo dirigente que natildeo eacute apenas um repositoacuterio de programas vagos a serem cumpridos mas constitui um sistema de previsatildeo de direitos sociais mais ou menos eficazes em torno dos quais eacute que se vem construindo a nova ideacuteia de cidadania
De forma que natildeo mais se trata de considerar a cidadania como simples
qualidade de gozar direitos poliacuteticos mas sim de aferir-lhe um nuacutecleo miacutenimo e
irredutiacutevel de direitos (fundamentais) que devem se impor obrigatoriamente agrave accedilatildeo
dos poderes puacuteblicos
34
O ordenamento juriacutedico brasileiro consagrou aleacutem dos institutos jaacute
mencionados alguns outros mecanismos de defesa dos direitos e garantias
constitucionais da cidadania como a accedilatildeo civil puacuteblica regulada pela Lei nordm
734785 e accedilatildeo direta de inconstitucionalidade prevista no incIV do art 129 da
Constituiccedilatildeo Federal O Coacutedigo de Defesa do Consumidor o Estatuto da Crianccedila e
do Adolescente e ateacute mesmo o princiacutepio do devido processo legal que resguarda ao
cidadatildeo o acesso agrave justiccedila e direito de ser acionado judicialmente por meio de
procedimentos legais satildeo mecanismos de defesa dos direitos de cidadania
previstos constitucionalmente e garantidos na esfera poliacutetica civil e social
Pode-se observar que a cidadania comeccedilou a ser construiacuteda como resultado
de um processo de luta a partir da conscientizaccedilatildeo dos direitos e deveres do
homem Como vimos a cidadania jaacute em praacutetica em muitos paiacuteses adquire no
Brasil com a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 um novo sentido qual seja o
pressuposto do exerciacutecio pleno de um sistema de direitos e garantias
35
CAPIacuteTULO 3 - CIDADANIA COMO MECANISMO DE
TRANSFORMACcedilAtildeO SOCIAL
No momento em que a cidadania alccedila voos constitucionais e insere-se na
Carta Poliacutetica da Repuacuteblica Federativa do Brasil inicia-se o processo de
redemocratizaccedilatildeo e ganha relevo o cidadatildeo agente deste processo que tem em
suas matildeos a tarefa da construccedilatildeo de um novo tempo
Historicamente a ideia de cidadatildeo conotava o habitante da cidade ndash o
citadino ndash firma-se entatildeo tal conotaccedilatildeo na Antiguumlidade claacutessica para depois
significar aquele indiviacuteduo a quem se atribuem os direitos poliacuteticos Superada essa
acepccedilatildeo que tambeacutem vigorou nas constituiccedilotildees anteriores da Repuacuteblica do Brasil
na concepccedilatildeo moderna estaacute clara a noccedilatildeo de cidadatildeo como aquele que a quem
consiste a titularidade de direitos individuais poliacuteticos e sociais Noccedilatildeo esta
edificada com a internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos que amplia a acepccedilatildeo do
termo declarando que satildeo cidadatildeos todo aquele que habita o acircmbito da soberania
de um Estado e deste Estado recebem uma carga de direitos e tambeacutem deveres dos
mais variados
Desta forma a noccedilatildeo contemporacircnea de cidadania funda-se na dicotomia
direitos (exerciacutecios de direitos fundamentais - participaccedilatildeo) e deveres (colaboraccedilatildeo -
solidariedade) Ao lado dos direitos foram estabelecidos deveres fundamentais e
portanto tanto agentes puacuteblicos como os indiviacuteduos tecircm obrigaccedilotildees especiacuteficas
inclusive a de respeitar os direitos das demais pessoas que vivem na ordem social
sendo e promovendo mecanismos de transformaccedilatildeo social que visam uma nova
sociedade baseada na igualdade e na justiccedila
36
31 O ser cidadatildeo
Os termos indiviacuteduo ser humano pessoa e cidadatildeo satildeo geralmente tomados
como sinocircnimo o que certamente influi na proliferaccedilatildeo de incontaacuteveis significados e
ampliaccedilatildeo do termo cidadatildeo Poreacutem estas palavras apesar de se assemelharem
possuem carga semacircntica proacutepria e da compreensatildeo exata de cada uma decorre a
conceituaccedilatildeo mais acentuada da acepccedilatildeo do termo cidadatildeo como titular de direitos
e deveres resguardados pela constituiccedilatildeo paacutetria
Desta forma indiviacuteduo eacute um representante da espeacutecie aquele que eacute uacutenico
Enquanto ser humano eacute um termo mais geneacuterico ou indeterminado que diz respeito
agrave espeacutecie agrave classificaccedilatildeo ao mundo zooloacutegico Pessoa por sua vez eacute um termo
mais especiacutefico que tem a ver com o mundo civilizado ou se preferirmos com a
constelaccedilatildeo dos valores morais eacuteticos e juriacutedicos proacuteprios da civilizaccedilatildeo
A etimologia da palavra pessoa demonstra que eacute um conceito sobreposto ao conceito de Ser Humano Um refratildeo de origem juriacutedica tambeacutem nos lembra do homo plures pessoa polimorfa o ser humano capaz de desempenhar muitos papeacuteis um mesmo ser humano eacute empresaacuterio e delinquumlente eacute pai e metaluacutergico etc Persona (personagem) era a maacutescara que usavam os atores da trageacutedia grega para desempenhar seu papel Cabe portanto entender o conceito de Ser Humano ao lado do conceito de Pessoa No direito romano antigo os escravos eram seres humanos (homens) mas natildeo eram consideradas pessoas (patriacutecios) Os juristas romanos que usavam o conceito de Ser Humano o dissociavam do conceito de pessoas (CUNHA 2007)
O Ser Humano recebe uma distinccedilatildeo importante quando o consideramos
como Pessoa assim como a Pessoa recebe uma distinccedilatildeo redundante natildeo menos
importante quando a consideramos por forccedila de expressatildeo como uma pessoa
humana Subentendendo o adjetivo humano como relativo agrave eacutetica Portanto Ser
Humano natildeo eacute a mesma coisa que Pessoa como tampouco Ser Humano eacute o
mesmo que cidadatildeo este muito eacute mais proacuteximo do termo Pessoa Vejamos o quadro
ilustrativo que esquematiza e distinguem os referidos conceitos
37
QUADRO 1 ndash EVOLUCcedilAtildeO DO SER HUMANO ATEacute O CIDADAtildeO
O Ser Humano O Ser Indiviacuteduo O Ser Pessoa O Ser Cidadatildeo
A Dimensatildeo do conviacutevio social
A dimensatildeo do mercado de trabalho e
Consumo
A Dimensatildeo de encontrar-se no mundo
A dimensatildeo de intervir na realidade
O homem tornar-se Ser Humano nas relaccedilotildees
de conviacutevio social
O Ser Humano tornar-se indiviacuteduo quando
descobre seu papel e funccedilatildeo social
O Indiviacuteduo torna-se pessoa quanto toma
consciecircncia de si mesmo do outro e do
mundo
A pessoa torna-se cidadatildeo quando
interveacutem na realidade em que vive
Quem estuda o comportamento do Ser
Humano Seria a antropologia a histoacuteria
ou a sociologia
Quem estuda o comportamento do indiviacuteduo Seria a
Filosofia a sociologia ou a Psicologia
Quem estuda o comportamento da pessoa Seria a
Filosofia a sociologia ou a Psicologia
Quem estuda o comportamento do cidadatildeo Seria a
Sociologia a Filosofia ou As ciecircncias
poliacuteticas
Quem garante os direitos do Ser
Humano A Declaraccedilatildeo Universal
dos Direitos Humanos
Quem garante os Direitos do
Consumidor O Coacutedigo do Consumidor
Quem garante os Direitos da pessoa A proacutepria pessoa (amor proacuteprio ou autoestima)
Quem garante os Direitos do cidadatildeo (A Constituiccedilatildeo e suas leis
regulamentares)
Existe realmente uma natureza humana Teologicamente
afirmamos que existe a uma natureza humana
Seguindo a corrente existencialista (JP Sartre) negamos tal
natureza
Que diferenccedila existe entre o direito do
consumidor e o direito do cidadatildeo Ao
Consumidor deve ser dado o direito de
propriedade enquanto ao cidadatildeo deve ser
dado o direito de acesso
O que significa tornar-se pessoa no niacutevel
psicoloacutegico e social A pessoa eacute o indiviacuteduo que toma consciecircncia de si mesmo (ldquoTornar-
se Pessoardquo de Karl Roger)
Como podemos intervir na realidade
modificando as estruturas corruptas e injustas Quando os
direitos do cidadatildeo lhe satildeo oferecidos e o
mesmo passa a exercecirc-lo haacute
modificaccedilatildeo de comportamento
(ROSAS 2009)
O cidadatildeo eacute portanto aquele indiviacuteduo a quem a Constituiccedilatildeo confere direitos
e garantias e lhe daacute o poder do seu efetivo exerciacutecio aleacutem de meios processuais
eficientes contra a violaccedilatildeo de seu gozo ou fruiccedilatildeo por parte do poder puacuteblico
Sendo assim
A passagem do indiviacuteduo a cidadatildeo caracteriza-se pelo reconhecimento pela lei de direitos considerados fundamentais agrave realizaccedilatildeo da vida do homem como indiviacuteduo e ser social membro de uma comunidade poliacutetica e a garantia desses direitos pela forccedila comum de todos (CUNHA 2007)
38
Nas uacuteltimas deacutecadas em alguns paiacuteses inclusive no Brasil desenvolveu-se o
conceito de cidadania calcado principalmente na questatildeo do cidadatildeo-consumidor
As pessoas passam a ser vistas como cidadatildes desde que tenham dinheiro para
adquirir mercadorias e utilizar serviccedilos Eacute certo pois que serviccedilos e mercadorias
atendem a necessidades materiais e simboacutelicas das pessoas e consumi-los eacute um
dos modos de participar da vida social criar identidade e partilhar dos bens
produzidos pela humanidade e representar-se culturalmente Contudo a cidadania
enfatizada apenas como uma relaccedilatildeo de compra e venda de mercadorias e serviccedilos
assume um conteuacutedo restrito individual conformista e voltado apenas para a
aquisiccedilatildeo de bens o que se relaciona com a ideacuteia de indiviacuteduo ou seja o consumo
atende as necessidades do indiviacuteduo
Outra forma de confusatildeo acerca do conceito de cidadatildeocidadania refere-se a
equiparaccedilatildeo feita com o assistencialismo o que configura uma acentuada inversatildeo
do termo uma vez que a praacutetica do assistencialismo natildeo propicia meios de
superaccedilatildeo das desigualdades sociais Enquanto a cidadania estaacute relacionada agrave
superaccedilatildeo das desigualdades sociais e a extensatildeo da garantia dos direitos de todos
O cidadatildeo eacute sem duacutevida uma expressatildeo que precisa ser adequadamente
utilizada e vivenciada pela coletividade compreendido na dimensatildeo do ser pessoa
de ter direitos e deveres do assumir as suas liberdades e responsabilidades no seio
de uma comunidade democraacutetica equitativa solidaacuteria e intercultural
Dessa forma ser cidadatildeo implica saber viver em sociedade estando ciente
dos anseios comuns A participaccedilatildeo ativa nas decisotildees de sua comunidade
influencia modos de vida de maneira positiva ao seu redor assim torna-se
imprescindiacutevel o exerciacutecio dos direitos constitucionais adquiridos e lutar pelos que
viratildeo eacute sobretudo estar consciente de todas as atitudes tomadas em prol da
sociedade
Eacute possiacutevel nesse espaccedilo de discussatildeo falar em ldquoestar cidadatildeordquo que eacute natildeo
praticar o exerciacutecio da cidadania em nenhuma de suas formas Implica apenas em
se deixar levar pelos acontecimentos e ainda reclamar das situaccedilotildees vividas sem
nada fazer para mudar sem nenhuma perspectiva de futuro Do que concluiacutemos que
a dinacircmica de intervir na realidade eacute pressuposto de cidadania
Ser cidadatildeo eacute tarefa que requer muito do ser humano do individuo da
pessoa Requer uma alta - estima elevada uma consciecircncia solidaacuteria uma
39
identidade que se reconheccedila na dinacircmica social interagindo com o outro ampliando
debates incitando justiccedila eacute sem duvida uma tomada de posiccedilatildeo que natildeo se
acomoda pelo contraacuterio se incomoda quando natildeo haacute comprometimento para o bem
comum
Natildeo eacute uma tarefa cocircmoda senatildeo muito complicada as pessoas natildeo nascem cidadatildeos mas fazem-se no tempo e no espaccedilo Na verdade natildeo eacute faacutecil exercer a liberdade e a cidadania ndash ser pessoa e ser cidadatildeo ndash por isso exige-se uma luta sem treacuteguas para erradicar assimetrias e exclusotildees socioculturais e criar cenaacuterios de esperanccedila realizaacuteveis fundamentados em valores e princiacutepios eacuteticos que requalifiquem a democracia com cidadatildeos participativos e
comprometidos ( SAEZ 1995)
Tem portanto como pressuposto uma mudanccedila de comportamento uma
tomada de posiccedilatildeo frente agrave dinacircmica social na qual estaacute inserido participando de
forma ativa e produtiva do processo de construccedilatildeo da cidadania por meio de seus
diversos canais
32 Emancipaccedilatildeo social atraveacutes da cidadania
Um Estado Democraacutetico eacute aquele que estaacute enraizado na legitimidade do
poder do povo e dele decorre seu exerciacutecio Assim o poder do povo eacute a expressatildeo
a aptidatildeo de homens e mulheres constituir autonomamente seu viver sem sucumbir
diante das instacircncias de poder Haacute nesse modus vivendi uma tutela das diferenccedilas e
pluralidades de formas de vida
Desta forma a cidadania eacute enfocada como o processo de participaccedilatildeo do
individuo ou de um grupo organizado nas mais variadas aacutereas de atuaccedilatildeo na
sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos sociais com a consciecircncia
da responsabilidade por sua proacutepria histoacuteria
Sendo a democracia o regime em que o povo governa sua caracteriacutestica
inarredaacutevel eacute a de ter o povo agrave frente do poder uma forma de autogoverno Em
assim sendo a cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia por meio de resultados
palpaacuteveis e medidas concretas tais como mudanccedilas na realidade de cada um com
melhoria de vida e conscientizaccedilatildeo da importacircncia na sociedade para o exerciacutecio
40
direto ou indireto desse poder pois se contentar com fato do direito estaacute prescrito
em lei natildeo eacute o bastante
Eacute certo poreacutem que o Estado democraacutetico somente se aperfeiccediloa na
proporccedilatildeo em que o povo age ativamente na medida em que os representantes
reflitam em seus atos os verdadeiros anseios populares Partindo dessa visatildeo a
cidadania eacute o grande fator de legitimaccedilatildeo do povo permitindo que ele aja em defesa
das instituiccedilotildees democraacuteticas
Sobre a participaccedilatildeo cumpre asseverar que este direito significa a
capacidade de ser consultado para as tomadas de decisatildeo que dizem respeito agrave
direccedilatildeo da sociedade em que vive o cidadatildeo este direito eacute acompanhado do
respeito aos deveres de contribuir para o progresso social e de acatar e respeitar o
resultado obtido em consulta coletiva
No elenco de mecanismo de exerciacutecio da cidadania estaacute o acesso ao direito e
a justiccedila que eacute fator preponderante para efetivar as garantias constitucionais
Assim passaremos a discorrer sobre a importacircncia de instrumentalizar o
cidadatildeo para um pleno exerciacutecio de seus direitos
Eacute Sabido que no Estado Democraacutetico Contemporacircneo os direitos
fundamentais constitucionalmente assegurados tecircm eficaacutecia imediata cumprindo ao
Estado garantir a todos os cidadatildeos o respeito a esses Direitos de modo concreto e
efetivo natildeo obstante as inuacutemeras desigualdades e condiccedilotildees adversas que
dificultam na praacutetica o seu exerciacutecio
Para o acesso ao direito o Estado deve desenvolver com eficiecircncia uma seacuterie
de atividades essenciais e dar efetividade a uma seacuterie de pressupostos Dentre eles
o principal eacute o conhecimento do Direito como fator preponderante pois o
desconhecimento da lei implica na praacutetica natildeo acionar a jurisdiccedilatildeo Um fato que
contribui para essa assertiva eacute baixa escolaridade da populaccedilatildeo e o analfabetismo
Muito pouco adianta a existecircncia de uma Constituiccedilatildeo apenas formal ou no
papel se ilegiacutetima ou desrespeitada Para que ocorra a eficaacutecia das normas
dispostas numa Constituiccedilatildeo ou melhor para que passe da teoria agrave praacutetica eacute
essencial que comandados e comandantes tenham conhecimento dos seus direitos
e responsabilidades assim como dos instrumentos juriacutedicos para efetivaacute-los (leis
regulamentadoras) O exerciacutecio da cidadania natildeo eacute somente um direito mas eacute
tambeacutem um dever de todos pois a omissatildeo de cada um contribui com as injusticcedilas e
as impunidades tatildeo presentes nos dias atuais
41
A Constituiccedilatildeo quando eacute justa e legiacutetima e principalmente quando eacute
respeitada eacute um poderoso instrumento de promoccedilatildeo e desenvolvimento social e
humano
Outro fator que deve ser considerado eacute a miserabilidade que coloca inuacutemeros
brasileiros a margem da sociedade em situaccedilatildeo precaacuteria os quais para Pinsky
(2004) ldquodesprovidos de esperanccedila de projeto de qualquer perspectiva de inclusatildeo
[] recorrer agrave Justiccedila humana parece algo irrealizaacutevel sofisticado e inteiramente
ficcionalrdquo
Desta forma o primeiro passo para concretizar os direitos previstos
constitucionalmente eacute a formaccedilatildeo do cidadatildeo atraveacutes da Educaccedilatildeo Baacutesica
infundindo-lhe a consciecircncia dos seus direitos e tambeacutem dos seus deveres sociais
bem como dos valores humanos fundamentais que devem ser por todos respeitados
na vida em sociedade A universalizaccedilatildeo do ensino fundamental a oferta obrigatoacuteria
de educaccedilatildeo infantil pelo Estado e o crescimento da oferta do ensino meacutedio satildeo
alguns dos aspectos que merecem destaques e foi devido agrave determinaccedilatildeo
constitucional de estabelecer o caraacuteter obrigatoacuterio do ensino fundamental e de
responsabilizar o Estado por sua implementaccedilatildeo que tem iniacutecio o processo de
avanccedilo desse segmento
A Constituiccedilatildeo estabeleceu de forma mais clara o papel dos entes federados
na educaccedilatildeo Tambeacutem aumentou a participaccedilatildeo orccedilamentaacuteria destinada ao setor
Com as novas regras para distribuiccedilatildeo de recursos adotadas apoacutes a promulgaccedilatildeo
da Carta os municiacutepios voltam a interessar-se pela educaccedilatildeo fundamental e o paiacutes
atinge a universalizaccedilatildeo do setor o que se busca agora satildeo mecanismos para
garantir a qualidade no ensino
O segundo passo nessa dinacircmica eacute o oferecimento a todos os cidadatildeos de
condiccedilotildees miacutenimas de sobrevivecircncia e de existecircncia condignas atraveacutes do acesso
ao trabalho produtivo livremente escolhido e do pagamento de remuneraccedilatildeo capaz
de prover ao sustento do trabalhador e de sua famiacutelia
Para milhotildees de cidadatildeos que vivem na ignoracircncia e na miseacuteria nenhuma
utilidade ou eficaacutecia tecircm os inuacutemeros direitos constitucionalmente assegurados Para
aqueles que se habituaram a retirar proventos da mendicacircncia da prostituiccedilatildeo de
atividades iliacutecitas ou aqueles que se sentiram forccedilados a sujeitar-se agrave exploraccedilatildeo de
outrem para sobreviver natildeo haacute nenhuma crenccedila na dignidade da pessoa humana e
no valor social do trabalho
42
A pobreza engendra inuacutemeras relaccedilotildees de dominaccedilatildeo entre pessoas e entre grupos sociais As habitaccedilotildees subumanas da periferia das grandes cidades no Brasil constituem verdadeiros quistos sociais terras sem lei controladas por xerifes ou por quadrilhas de malfeitores O Estado que natildeo for capaz de dotar essas comunidades do acesso efetivo agrave Educaccedilatildeo agrave Sauacutede agrave Seguranccedila e agrave Paz Puacuteblicas e ao trabalho liacutecito certamente natildeo lhes estaraacute assegurando o acesso ao Direito porque a populaccedilatildeo abrutalhada pela miseacuteria e coagida pelo medo natildeo desfruta da miacutenima eficaacutecia concreta dos
seus direitos fundamentais (GRECO 2009)
Evidencia que acesso ao Direito nas sociedades modernas mesmo nas
economicamente desenvolvidas exige o fortalecimento dos grupos intermediaacuterios e
do associativismo O cidadatildeo natildeo estaacute mais em condiccedilotildees de defender-se
individualmente das ameaccedilas e lesotildees aos seus direitos perpetradas por pessoas ou
grupos que se encontram em posiccedilatildeo de vantagem nas relaccedilotildees econocircmicas e
sociais
O sindicato veio exercer este importante papel em relaccedilatildeo ao trabalhador
empregado Mas hoje as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo natildeo satildeo apenas as que existem no
mundo do trabalho mas as que se revelam em todos os tipos de relaccedilotildees humanas
relaccedilotildees de consumo relaccedilotildees de vizinhanccedila relaccedilotildees locatiacutecias relaccedilotildees
comerciais internas e internacionais e natildeo com menor relevacircncia relaccedilotildees entre os
particulares e o Estado entre outras
Eacute preciso assegurar esse equiliacutebrio na praacutetica o que somente tornar-se-aacute
possiacutevel atraveacutes da articulaccedilatildeo dos sujeitos que se encontram em posiccedilatildeo de
desvantagem em organizaccedilotildees e associaccedilotildees que pela uniatildeo de esforccedilos
consigam compensar o desequiliacutebrio existente e dar aos indiviacuteduos e grupos a forccedila
e a capa de proteccedilatildeo necessaacuterias para ombrearem-se aos seus adversaacuterios e
lutarem pelos seus direitos ou interesses em igualdade de condiccedilotildees
Para Greco (2009) o pressuposto indispensaacutevel do acesso ao Direito eacute a
transparecircncia do Estado no trato de questotildees que possam afetar a esfera de
interesses dos cidadatildeos e complementa que aos cidadatildeos eacute indispensaacutevel
assegurar o direito de influir eficazmente nas decisotildees do poder puacuteblico atraveacutes dos
mais diversos instrumentos de participaccedilatildeo democraacutetica Ele afirma que
A relaccedilatildeo Estado-cidadatildeo natildeo eacute mais a relaccedilatildeo soberano-suacutedito O cidadatildeo tem o direito de exigir do Estado o pleno respeito ao seu
43
patrimocircnio juriacutedico Lamentavelmente a crise do Estado tem levado o Brasil a aceitar-se como normal que as pessoas juriacutedicas de Direito Puacuteblico natildeo cumpram devidamente as prestaccedilotildees positivas de que satildeo devedoras perante os particulares cabendo a estes demandar na Justiccedila para obtecirc-las (GRECO 2009)
Essa visatildeo deformada da responsabilidade do Estado ocorre o
desvirtuamento da justiccedila Por outro lado agrave violaccedilatildeo da garantia constitucional da
tutela jurisdicional efetiva (Constituiccedilatildeo artigo 5 inciso XXXV) disciplina a lei natildeo
excluiraacute da apreciaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio lesatildeo ou ameaccedila ao direito Assim o
acesso ao Direito natildeo estaraacute concretamente assegurado se o Estado natildeo oferecer a
todo cidadatildeo a possibilidade de receber aconselhamento juriacutedico a respeito dos seus
direitos
Constituiccedilatildeo de 1988 no artigo 5deg inciso LXXIV assegurou a todos
ldquoassistecircncia juriacutedicardquo a englobar assistecircncia judiciaacuteria e assessoramento juriacutedico
extrajudicial Conforme Greco (2009) ldquoeacute preciso que esse direito seja assegurado
na praacutetica Uma vez que na vida moderna o Direito tornou-se excessivamente
complexordquo Ainda no dizer do autor a consciecircncia juriacutedica do homem comum que
deve ser adquirida na famiacutelia e na escola natildeo eacute mais suficiente para a tomada de
decisotildees na vida diaacuteria das pessoas Todas as pessoas mantecircm complexas relaccedilotildees
juriacutedicas com instituiccedilotildees financeiras com fornecedores de bens e de serviccedilos etc
Nessas relaccedilotildees juriacutedicas com frequecircncia os cidadatildeos tecircm de tomar decisotildees
raacutepidas O cidadatildeo que tem meios procura um advogado particular para assessoraacute-
lo Ao pobre o Estado deve assegurar o mesmo direito em plenitude
Sem duacutevida o uacuteltimo pressuposto do acesso ao Direito eacute o acesso agrave Justiccedila
no sentido de acesso a um tribunal estatal imparcial previamente instituiacutedo como
competente para a soluccedilatildeo de qualquer litiacutegio a respeito de interesse que se afirme
juridicamente protegido ou para a praacutetica de qualquer ato que a lei subordine agrave
aprovaccedilatildeo autorizaccedilatildeo ou homologaccedilatildeo judicial
Se o cidadatildeo tem consciecircncia dos seus direitos se o Estado lhe fornece
todas as condiccedilotildees para livremente exercecirc-los mas algum outro cidadatildeo ou algum
oacutergatildeo do proacuteprio Estado impede ou dificulta esse exerciacutecio cabe ao poder puacuteblico
pocircr agrave disposiccedilatildeo do cidadatildeo lesionado ou ameaccedilado a jurisdiccedilatildeo necessaacuteria para
assegurar o pleno acesso a tal direito
Atingimos eacute certo um estaacutegio de desenvolvimento do Direito Humanitaacuterio que
natildeo mais nos permite conformar-nos com uma realidade distante do padratildeo de
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convivecircncia humana que outras naccedilotildees jaacute alcanccedilaram O exerciacutecio pleno de
cidadania seraacute obra de mais de uma geraccedilatildeo Mas se trabalharmos com firmeza
certamente os jovens de hoje poderatildeo legar aos seus descendentes a emancipaccedilatildeo
cidadatilde um paiacutes melhor e uma sociedade mais justa e democraacutetica
33 O municiacutepio como acircmbito de exerciacutecio de cidadania
Historicamente o Municiacutepio enquanto unidade poliacutetico-administrativa surgiu
conforme descreve Berardi (2004) com a Repuacuteblica Romana interessada em
manter a dominaccedilatildeo paciacutefica das cidades conquistadas pela forccedila dos exeacutercitos
Sua origem mais de natureza socioloacutegica do que poliacutetica adveacutem do espiacuterito
associativo do homem e de suas relaccedilotildees de vizinhanccedila
Eacute pois a menor unidade territorial de Federaccedilatildeo cuja criaccedilatildeo reflete a base
da organizaccedilatildeo poliacutetica administrativa da Naccedilatildeo Portanto sua funccedilatildeo administrativa
historicamente vem assentada no princiacutepio do direito natural
O artigo primeiro da Constituiccedilatildeo Federal de 1998 estabelece que o
Municiacutepio ao lado dos Estados e do Distrito Federal formam a Republica Federativa
do Brasil que se constitui em Estado Democraacutetico de Direito O municiacutepio tem assim
um poder relevante para a aplicaccedilatildeo da democracia direta iniciada e fortalecida em
niacutevel local Diversos pensadores chegaram a afirmar que a descentralizaccedilatildeo de
poder resultante da constituiccedilatildeo Cidadatilde era antes de tudo uma conquista dos
Municiacutepios sendo eles os berccedilos da perpetuaccedilatildeo da Repuacuteblica e da Democracia
efetivamente por serem o uacutenico niacutevel de governo possuidores de respaldo e
localizaccedilatildeo fiacutesica ou seja solo municipal
Eacute certo que a Carta Magna de 1988 consolidou significativas inovaccedilotildees para a
vida municipal de forma que o Municiacutepio passou a constituir um dos entes da
federaccedilatildeo tratando-o como unidade dotada de autonomia poliacutetica expressa na
capacidade de poder elaborar a sua Lei Orgacircnica fugindo assim da tutela dos
estados que ateacute entatildeo eram considerados como uacutenicos componentes da federaccedilatildeo
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A Lei Orgacircnica Municipal traz em seu bojo aleacutem da organizaccedilatildeo
administrativa do Municiacutepio a restauraccedilatildeo do Poder Legislativo municipal definindo
a diversificaccedilatildeo normativa que natildeo existia nas leis organizacionais outorgadas pelo
Estado reflexo do poder constituinte outorgados aos Municiacutepios pela Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 como consequecircncia do efetivo exerciacutecio do conceito de Estado
Democraacutetico de Direito
O Municiacutepio enquanto ente federativo tem atualmente a responsabilidade de
ordenar o seu desenvolvimento social e a garantia do bem estar de seus habitantes
executando poliacuteticas puacuteblicas de accedilotildees a serem empreendidas na consolidaccedilatildeo
democraacutetica do Estado
Fundada no elemento participaccedilatildeo o exerciacutecio de cidadania amplamente
citado encontra sua efetividade no municiacutepio Pois eacute nesse acircmbito de localizaccedilatildeo
que as pessoas mantecircm um contato direto com os poderes instituiacutedos suas
necessidades imediatas e mediatas satildeo objetos da disciplina da Lei que visa o bem
comum base do Estado democraacutetico de Direito
Baseado na maacutexima do municipalista e defensor da descentralizaccedilatildeo poliacutetica
Franco Motoro sabiamente proferiu que ldquoningueacutem vive na Uniatildeo ou no Estado As
pessoas vivem no Municiacutepiordquo Assim a cidadania encontra seu melhor espaccedilo de
realizaccedilatildeo na comunidade onde convive A vida em comunidade gera anseios
comuns sentimentos comuns uma vez que a convivecircncia propicia que as pessoas
se conheccedilam e se reconheccedilam como membros de uma mesma realidade
De acordo com Harvey (1992) ldquoa globalizaccedilatildeo provoca anonimato enquanto
comunidade cultiva solidariedaderdquo o que implica participaccedilatildeo para o exerciacutecio de
cidadania
Tudo o que acontece no mundo seja no meu paiacutes na minha cidade ou no meu bairro acontece comigo Entatildeo eu preciso participar das decisotildees que interferem na minha vida Um cidadatildeo com um sentimento eacutetico forte e consciecircncia da cidadania natildeo deixa passar nada natildeo abre matildeo desse poder de participaccedilatildeo (Herbert de Souza Betinho)
Com esse embasamento natildeo se pode perder de vista que eacute nas relaccedilotildees
diaacuterias de oposiccedilatildeo ou solidariedade que as pessoas exercem cidadania Na relaccedilatildeo
do com o outro com os poderes ao estabelecer com a vida social e puacuteblica uma
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convivecircncia posto que cidadania eacute tarefa que natildeo termina natildeo eacute um conceito
pronto tatildeo pouco acabado enquanto seres inacabados que somos estaremos
buscando descobrindo criando e tomando consciecircncia mais ampla dos direitos
O desafio eacute construir um novo discurso sobre cidadania atraveacutes de uma
praacutetica poliacutetica sustentada isto eacute realizada em dois niacuteveis
O primeiro niacutevel na base atraveacutes de construccedilatildeo das capacidades e do poder
proacuteprio da populaccedilatildeo o que envolve inevitavelmente uma mudanccedila de atitude na
busca para garantir seus direitos utilizando-se do grau de autonomia local
Essa atitude conceberia agrave democracia participativa como uma poliacutetica paralela
de intervenccedilatildeo social criando e mantendo novos espaccedilos para a tomada de
decisotildees ou seja para o auto-governo pela populaccedilatildeo nas mateacuterias que afetam
diretamente suas vidas
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade
O segundo niacutevel um governo com o povo e natildeo apenas para o povo fundado
nos ditames constitucionais valorizando o sentimento da sociedade no exerciacutecio da
governabilidade de modo que o balizamento das accedilotildees de governo deixaria de estar
no proacuteprio governo e passaria a estabelecer-se a partir do pensar da sociedade Um
governo que se pergunta o que se deve fazer para ouvir com a maior fidelidade
possiacutevel a sociedade suas instituiccedilotildees representativas e o cidadatildeo Pois as
prioridades da gestatildeo deveriam ser definidas pela sociedade e natildeo mais pelo
governo
Portanto nesses termos eacute preciso considerar que as praacuteticas da
administraccedilatildeo puacuteblica sejam democratizadoras e inclusivas inspiradas nos
princiacutepios da legalidade impessoalidade moralidade publicidade e eficiecircncia Esta
uacuteltima buscou estabelecer uma Administraccedilatildeo Puacuteblica mais eficiente no sentido de
que o cidadatildeo como destinataacuterio dos serviccedilos puacuteblicos que o Estado deve prestar
receba-os com maior qualidade e menor custo para o eraacuterio puacuteblico
Para a consecuccedilatildeo desse governar com o povo alguns pontos devem ser
revistos A mudanccedila implica na necessidade de adequaccedilatildeo reorganizaccedilatildeo
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reformulaccedilatildeo Para isso se faz premente em face dos novos e modernos conceitos
de gestatildeo puacuteblica a superaccedilatildeo do tradicional vezo burocraacutetico que vem convertendo
a Administraccedilatildeo nas palavras Dromi (1995) numa cara ldquomaacutequina de impedirrdquo fiel
ldquocoacutedigo do fracassordquo que dispotildee ldquoartigo primeiro natildeo pode artigo segundo em
caso de duacutevida abstenha-se artigo terceiro se eacute urgente espere artigo quarto
sempre eacute mais prudente natildeo fazer nadardquo numa posiccedilatildeo natildeo burocraacutetica e sim
democraacutetica de considerar que organizaccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica inclui a
praacutetica de ver os cidadatildeos como membros plenos da comunidade poliacutetica tendo
acesso e exercitando direitos as que promovem a organizaccedilatildeo da populaccedilatildeo em
torno de temas de interesse comum as que incluem o controle social sobre a
gestatildeo o debate amplo e informado sobre questotildees de governo e que abrem agrave
populaccedilatildeo as decisotildees sobre estas questotildees Como leciona e Barrientos (2000)
Tratam-se de praacuteticas que natildeo buscam somente melhorar a eficiecircncia administrativa das diferentes organizaccedilotildees puacuteblicas mas que incorporam no seu processo de gestatildeo a dimensatildeo ativa da cidadania isto eacute ldquoque facilitam as iniciativas e responsabilidades de todos os envolvidos[] estabelecendo pontes entre Estado e sociedade civil
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade Acreditamos
que o ponto de partida eacute a atitude aliada agrave solidariedade e ao espiacuterito coletivo Pois
governo e cidadatildeos juntos haveratildeo de cumprir um novo papel no processo de
desenvolvimento como agentes de uma nova cultura
Como afirma Peter Drucke
A parceria comunitaacuteria seraacute um dos verdadeiros setores em crescimento das economias desenvolvidas Surge da necessidade de uma participaccedilatildeo mais direta e efetiva da comunidade nas grandes questotildees da vida social pois natildeo existe ningueacutem melhor que o cidadatildeo para saber o que ele quer para si para sua famiacutelia e para sua comunidade (apud RAMOS 1990)
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O envolvimento efetivo da sociedade nas questotildees sociais natildeo eacute apenas uma
postura moderna Significa antes de tudo uma atitude digna de todos aqueles que
desejam exercer sua cidadania contribuindo para um paiacutes melhor e em especial
para uma sociedade mais justa fraterna e solidaacuteria
Na histoacuteria observa-se a grande coragem das pessoas em construir o
reconhecimento delas proacuteprias e de seus direitos sempre buscando a participaccedilatildeo e
defendendo os Direitos Humanos Sem duacutevida a maior ecircnfase que deve ocorrer
para a construccedilatildeo real da cidadania eacute uma mudanccedila na sociedade O melhor a ser
feito eacute reforccedilar a organizaccedilatildeo democraacutetica buscando novas formas de participaccedilatildeo
social pois cidadania natildeo se resume ao poder de votar ou ser votado mas eacute sempre
na efetiva participaccedilatildeo popular pois somente com isso haacute a verdadeira
conscientizaccedilatildeo e o comprometimento daquele que passa a se sentir cidadatildeo
abandonando-se velhos viacutecios da poliacutetica representativa
Desse modo a participaccedilatildeo do povo no momento das reivindicaccedilotildees das
discussotildees e apreciaccedilotildees de projetos que visem agrave melhoria da comunidade local a
exigecircncia de transparecircncia na administraccedilatildeo da coisa puacuteblica dentre outras eacute quem
daraacute embasamento para as verdadeiras conquistas sociais no Municiacutepio que geram
saudaacuteveis formas de pressatildeo por efetivas poliacuteticas puacuteblicas de inclusatildeo social
gerando o fim do clientelismo poliacutetico tatildeo pejorativo e comum em nossa realidade e
cultura poliacutetica
Somente a participaccedilatildeo social eacute que iraacute causar uma real democratizaccedilatildeo do
poder A afirmaccedilatildeo da cidadania eacute pressuposto para a realizaccedilatildeo dos Direitos
Humanos pois os homens natildeo nascem naturalmente iguais Inclusive para que
ocorra a realizaccedilatildeo dos referidos direitos eacute necessaacuterio tambeacutem que exista um
espaccedilo puacuteblico que seja realmente democraacutetico e acessiacutevel possibilitando a
participaccedilatildeo de todos e esse espaccedilo eacute certamente o municiacutepio
Na praacutetica um forte instrumento de cidadania para atender as necessidades
coletivas eacute o orccedilamento participativo previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal que
determina expressamente a realizaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas e a participaccedilatildeo
popular nos processos de elaboraccedilatildeo e conduccedilatildeo dos orccedilamentos como forma de
incentivo agrave preparaccedilatildeo e execuccedilatildeo de planejamentos que envolvam diretamente o
povo A Lei veio incentivar a sua propagaccedilatildeo para todos os entes federativos tendo
em conta que se trata de uma tendecircncia mundial por legitimar as escolhas e
fortalecer o princiacutepio da transparecircncia
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Os meios de acesso do cidadatildeo junto aos Poderes Puacuteblicos eacute uma realidade
no Estado Democraacutetico de Direito brasileiro a exemplo das sessotildees do Poder
Legislativo que satildeo puacuteblicas ficando abertas a todos que delas quiserem participar
Emite-se uma pauta antes do comeccedilo da sessatildeo com a preacutevia dos debates Em
niacutevel municipal verifica-se um acompanhamento mais incisivo sobre as sessotildees das
Cacircmaras de Vereadores como forma de pressatildeo para aprovaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees
da comunidade avaliaccedilatildeo do desempenho e aceitaccedilatildeo de propostas orccedilamentaacuterias
e atuaccedilatildeo dos poliacuteticos bem como entendimento das funccedilotildees do Poder Legislativo
A Constituiccedilatildeo Federal assegura desde 1988 a possibilidade de se oferecer
peticcedilatildeo agraves Mesas Legislativas como forma de pedir informaccedilotildees sobre andamento
de projetos ou relatoacuterios encaminhados aos chefes do Poder Executivo Em niacutevel
municipal pode ser utilizada a Tribuna Livre como instrumento para denuacutencias de
problemas ou discussatildeo de um tema ou mesmo para apresentar sugestotildees sendo
regulado pela Lei Orgacircnica Municipal e pelo Regimento Interno da Cacircmara
A convocaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas tambeacutem possui previsatildeo constitucional
no art 58 sect 20 inciso II em niacutevel federal As comissotildees podem em razatildeo da
mateacuteria de sua competecircncia realizar audiecircncias puacuteblicas com entidades da
sociedade civil E nada obsta que estejam previstas formas de articulaccedilatildeo da
sociedade civil com os Presidentes das Comissotildees da Cacircmara no seu Regimento
Interno em acircmbito municipal
Os dispositivos da Constituiccedilatildeo Federal que dispotildeem sobre a forma de
participaccedilatildeo direta do cidadatildeo e da sociedade civil no processo democraacutetico natildeo se
pode negar que trouxe novas perspectivas De modo geral podemos citar
Art 29 A lei orgacircnica dos Municiacutepios tem que observar entre os seus
preceitos ldquocooperaccedilatildeo das associaccedilotildees representativas no planejamento municipalrdquo
Art 31 As contas dos municiacutepios ficaratildeo durante 60 (sessenta) dias
anualmente a disposiccedilatildeo de qualquer contribuinte para exame e apreciaccedilatildeo o qual
poderaacute questionar-lhes a legitimidade nos termos da lei
Art37 sect 3ordm (EC-1998) A lei disciplinaraacute as formas de participaccedilatildeo do usuaacuterio
na administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta regulando especialmente
I- as reclamaccedilotildees relativas a prestaccedilatildeo dos serviccedilos puacuteblicos em geral asseguradas
a manutenccedilatildeo de serviccedilo de atendimento ao usuaacuterio e a avaliaccedilatildeo perioacutedica externa
e interna da qualidade dos serviccedilos
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II- o acesso dos usuaacuterios a registros administrativos e a informaccedilatildeo sobre atos de
governo observado o disposto no art 5ordm X e XXXIII
III- a disciplina da representaccedilatildeo conta o exerciacutecio negligente ou abusivo de cargo
emprego ou funccedilatildeo na administraccedilatildeo puacuteblica
Art 74 sect 2ordm Qualquer cidadatildeo partido poliacutetico associaccedilatildeo ou sindicato eacute
parte legiacutetima para na forma de lei denunciar irregularidades ou ilegalidades perante
o Tribunal de Contas da Uniatildeo
Art194 paraacutegrafo uacutenico Compete ao Poder Puacuteblico nos termos da lei
organizar a seguridade social com base nos seguintes objetivos ()
VII ndash caraacuteter democraacutetivo descentralizado na administraccedilatildeo mediante gestatildeo
quadripartite com participaccedilatildeo dos trabalhadores dos empregados e dos
aposentados e do Governo nos oacutergatildeos colegiados nos oacutergatildeos colegiados
Art 198 As accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede integram uma rede
regionalizada e hierarquizada o constituem um sistema uacutenico organizado de acordo
com as seguintes diretrizes
III ndash participaccedilatildeo da comunidade
Art 202 sect 6ordm A lei complementa a que se refere o sect 4ordm deste artigo
estabeleceraacute os requisitos para a designaccedilatildeo dos membros das diretorias das
entidades fechadas de previdecircncia privada e disciplinaraacute a inserccedilatildeo dos
participantes nos colegiados e instacircncias de decisatildeo em que seus interesses sejam
objeto de discussatildeo e deliberaccedilatildeo
Art 204 As accedilotildees governamentais na aacuterea de assistecircncia social seratildeo
organizadas com base nas seguintes diretrizes
II ndash Participaccedilatildeo da populaccedilatildeo por meio de organizaccedilotildees representativas na
formulaccedilatildeo das poliacuteticas e no controle das accedilotildees em todos os niacuteveis
O protagonista na concretizaccedilatildeo dos direitos humanos e na ampliaccedilatildeo da cidadania eacute um sujeito coletivo de um trabalho sempre inacabado eis que se tratam de tarefas e conquistas cotidianas e gradativas obras que soacute podem ser realizada a muitas matildeos no partilhar e compartilhar da vida (COSTA NETO 2010)
A ampliaccedilatildeo da cidadania requer a consciecircncia de que os direitos pressupotildeem
deveres de maneira que os direitos de um indiviacuteduo satildeo garantidos a partir do
cumprimento dos deveres dos demais componentes da sociedade
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34 A necessaacuteria superaccedilatildeo de velhos paradigmas
Como se sabe em 1988 foi aprovada a Constituiccedilatildeo mais liberal e
democraacutetica do Brasil chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo Assim ampliou-se de
forma significativa o campo dos direitos e garantias fundamentais No que diz
respeito a tal mateacuteria eacute considerada como uma das mais avanccediladas do mundo No
seu preacircmbulo adota o modelo de um Estado democraacutetico de Direito destinado a
garantir o exerciacutecio dos direitos sociais e individuais a liberdade a seguranccedila o
bem-estar o desenvolvimento a igualdade e a justiccedila eleitos como valores
supremos de uma sociedade fraterna pluralista e sem preconceitos
Para a construccedilatildeo democraacutetica da cidadania no Brasil contemporacircneo
salienta-se de ela deve passar de uma democracia representativa para uma
cidadania que efetivamente molde a democracia ou seja uma cidadania instituinte
da democracia
No acircmbito constitucional positivo cidadania pressupotildee o exerciacutecio de todos
os direitos fundamentais e garantias que caracterizam o Estado democraacutetico de
Direito Quando se fala em cidadania eacute no sentido de reafirmar o direito pela plena
realizaccedilatildeo do indiviacuteduo do cidadatildeo dos entes coletivos e de sua emancipaccedilatildeo nos
espaccedilos da sociedade Estatildeo sempre intimamente ligados os conceitos de
cidadania democracia e direitos humanos sendo que um remete ao outro e seus
conteuacutedos se interligam ou seja a cidadania natildeo iraacute ocorrer sem que ocorra a
realizaccedilatildeo dos Direitos Humanos da mesma forma que os direitos humanos natildeo
seratildeo concretizados se natildeo houver o exerciacutecio da cidadania
Na evoluccedilatildeo histoacuterica tais categorias se desenvolveram de forma conjunta
com o Estado Representam noccedilotildees desejaacuteveis de relaccedilotildees humanas que se espera
sejam instituiacutedas Satildeo os elementos basilares na nova ordem social e que a
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 pretendeu edificar Poreacutem a democracia poliacutetica natildeo
resolveu os problemas econocircmicos mais seacuterios como a desigualdade e o
desemprego Continuam muito seacuterios os problemas da aacuterea social principalmente
na educaccedilatildeo nos serviccedilos de sauacutede e saneamento como tambeacutem e
principalmente quanto agrave seguranccedila puacuteblica
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A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 em seu artigo 6ordm e em outros artigos no texto
constitucional ampliou e muito os Direitos Sociais proibiu discriminaccedilotildees Assim
indicadores baacutesicos de qualidade de vida apontam que houve uma melhoria A
mortalidade infantil por exemplo caiu de maneira significativa nos uacuteltimos anos A
esperanccedila de vida ao nascer passou de 60 anos em 1980 para 70 em 2000 Poreacutem
o maior progresso foi na aacuterea da educaccedilatildeo fundamental que eacute considerado fator
decisivo para a cidadania pois a taxa de analfabetismo caiu consideravelmente
entretanto existem muitos problemas no campo educacional como a repetecircncia e
com relaccedilatildeo a desigualdade social entre as regiotildees
A grande concentraccedilatildeo da riqueza nacional nas matildeos de poucos reflete a
desigualdade e causa a pobreza e a miseacuteria ao passo que dificulta o acesso do
cidadatildeo agrave justiccedila e consequentemente ao seu estado de cidadania pleno
Dentre os fundamentos no qual se baseiam o Estado democraacutetico de Direito
no Brasil destaca-se justamente a cidadania e a dignidade humana conforme artigo
1ordm incisos II e III da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Entatildeo construir uma sociedade
livre justa e solidaacuteria garantir o desenvolvimento nacional erradicar a pobreza e a
marginalizaccedilatildeo reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de
todos sem preconceitos de origem raccedila sexo cor idade ou quaisquer outras
formas de discriminaccedilatildeo satildeo os objetivos fundamentais do Estado Brasileiro
conforme art 3ordm da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
O cenaacuterio de globalizaccedilatildeo econocircmica mundial tambeacutem traacutes seacuterios obstaacuteculos
para a construccedilatildeo da cidadania A globalizaccedilatildeo da economia em ritmo acelerado
provoca grandes mudanccedilas nas relaccedilotildees entre Estado sociedade e naccedilatildeo que
eram sempre o centro da noccedilatildeo e da praacutetica da cidadania ocidental O foco das
mudanccedilas e das preocupaccedilotildees estaacute em dois focos especiacuteficos a reduccedilatildeo do papel
central do Estado como fonte de direitos e local para a participaccedilatildeo e o
deslocamento da naccedilatildeo como principal fonte de identidade coletiva
Para que ocorra efetiva mudanccedila a melhor proposta eacute no sentido de
mudanccedila na organizaccedilatildeo da sociedade pois a inversatildeo da sequecircncia dos direitos
fez com que ocorra o reforccedilo da supremacia do Estado Para que ocorra a
consolidaccedilatildeo democraacutetica e cidadatilde eacute necessaacuterio reforccedilar a organizaccedilatildeo da
sociedade para assim dar embasamento social ao poder poliacutetico ou seja
finalmente democratizar o poder e estabelecer de forma plena a Cidadania
53
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A Constituiccedilatildeo que nasce com ldquocheiro de amanhatilde e natildeo de mofordquo nas
palavras do Deputado Ulisses Guimaratildees tem em seu relevo a esperanccedila de um
povo que sonhava com a erradicaccedilatildeo da repressatildeo militar e natildeo soacute isso um povo
que sonhava com a liberdade em suas diversas manifestaccedilotildees em suas mais
significativas formas de representaccedilatildeo e sobretudo com um paiacutes voltado para a
democracia e justiccedila social
Ao povo brasileiro foi concedido o poder de governar e nesse contexto de
mudanccedila a ldquodemocracia eacute o governo do povo pelo povo e para o povordquo na
conceituaccedilatildeo ceacutelebre de Abraham Lincoln E consoante estabelece o paraacutegrafo
uacutenico do art 1ordm da Carta cidadatilde de 1988 ldquotodo poder emana do povo que o exerce
por meio de representantes eleitos ou diretamenterdquo
No entanto natildeo basta que a fonte de poder seja o povo a democracia vem
significar a efetiva participaccedilatildeo do povo nas decisotildees e destino do Estado e sua
consolidaccedilatildeo eacute a proacutepria cidadania pois eacute o cidadatildeo que pensa e se auto define
diante da condiccedilatildeo soacutecio-histoacuterica O cidadatildeo tem portanto o poder de transformar
a realidade social segundo seu pensamento e accedilatildeo
Natildeo se pode negar que a Carta de 1988 foi a que apresentou maior
legitimidade popular que abriu caminhos apontando um novo tempo
Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita Se fosse perfeita seria irreformaacutevel Ela proacutepria com humildade e realismo admite ser emendada ateacute por maioria mais acessiacutevel dentro de cinco anos Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita mas seraacute uacutetil e pioneira e desbravadora Seraacute luz ainda que de lamparina na noite dos desgraccedilados Eacute caminhando que se abrem os caminhos Ela vai caminhar e abri-los Seraacute redentor o que penetrar nos bolsotildees sujos escuros e ignorados da miseacuteria (Ulysses Guimaratildees)
Mesmo natildeo sendo a constituiccedilatildeo perfeita sem duacutevida foi a que trouxe
esperanccedila ao povo brasileiro com a sua promulgaccedilatildeo surgiram o ldquohaacutebeas datardquo o
mandado de injunccedilatildeo e o mandado de seguranccedila coletivo - todos remeacutedios judiciais
de iacutendoles constitucionais serviacuteveis para prevenir e combater diversas tentativas de
abuso contra a pessoa humana Outrossim o objeto da accedilatildeo popular foi ampliado
Atualmente qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima para propor a mencionada accedilatildeo
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popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de entidade de que o
Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e ao patrimocircnio
histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de custas
judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia Nesse rol de forma decisiva houve a
ampliaccedilatildeo tambeacutem dos direitos sociais
Assim a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconhece e assegura uma seacuterie de
escudos protetivos aos cidadatildeos Em sua essecircncia os direitos fundamentais
ganham forma De modo que podemos assegurar que hoje o nosso Estado eacute uma
organizaccedilatildeo centrada no ser humano visto que tem a dignidade da pessoa humana
como um fundamento da Repuacuteblica Federativa do Brasil
Apesar das inuacutemeras dificuldades o Estado Democraacutetico de Direito fundado
na cidadania constituiu para o povo uma nova identidade ndash o que em outras eacutepocas
natildeo existia
A Constituiccedilatildeo circunscreve toda a organizaccedilatildeo poliacutetica estatal no intuito
maior de criar no consciente coletivo a vontade livre e determinada de desenvolver
padrotildees de condutas destinados a elevar e promover a auto-estima de toda a
comunidade paacutetria
Foi nesse sentido que estatui em seu artigo 1ordm a cidadania como fundamento
do Estado Democraacutetico de Direito ampliando e enriquecendo o tal conceito Cada
eacutepoca produziu praacuteticas e reflexotildees muito distintas sobre o tema cidadania A
definiccedilatildeo de cidadania que vem sofrendo alteraccedilotildees ao longo do tempo obedecendo
a um processo histoacuterico de conquistas sociais eacute compreendida atualmente como
um processo de participaccedilatildeo do indiviacuteduo ou de um grupo organizado nas mais
variadas aacutereas de atuaccedilatildeo da sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos
e sociais
A cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia disso natildeo haacute duvidas e se
efetiva como mudanccedilas na realidade de cada um com melhoria de vida e
conscientizaccedilatildeo da importacircncia do cidadatildeo dado que eacute um processo em
permanente construccedilatildeo Natildeo haacute como defender uma qualidade de vida sem a
preservaccedilatildeo da cidadania em todos os seus acircmbitos Nesse sentido a efetiva
proteccedilatildeo desse aspecto basilar torna-se essencial no que tange uma assistecircncia
juriacutedica completa
No contraponto do direito estatildeo os deveres que encontramos sua realizaccedilatildeo
tambeacutem na participaccedilatildeo observando que o cidadatildeo eacute responsaacutevel pelo advir de
55
suas accedilotildees A participaccedilatildeo reflete um caraacuteter de natildeo comodismo de atenccedilatildeo agravequilo
que eacute particular e coletivo tendo como finalidade preciacutepua o bem comum
Construir cidadania hoje eacute imperativo para a sociedade pois dessa
construccedilatildeo depende o amanhatilde Estamos diante da Constituiccedilatildeo que se propotildee a
resguardar o amanhatilde sem perder de vista que ele comeccedila hoje agora e nisso a
Carta Poliacutetica traacutes consigo a certeza do despertar dessa consciecircncia a consciecircncia
cidadatilde Ela eacute a semente plantada em terra feacutertil que gera frutos diariamente e se
renova a cada estaccedilatildeo na dinacircmica da vida Talvez tenha sido esse o cheiro de
frutas alcanccedilado pelo constituinte ao anunciar que a carta tem ldquocheiro do amanhatilderdquo
A responsabilidade pelo exerciacutecio desses direitos belissimamente elencados
depende de todos e de cada um pois somos o terreno feacutertil que produziraacute o fruto de
uma sociedade fraterna
Eacute comum na praacutetica apenas responsabilizarmos o Estado em sentido lato pelo
natildeo exerciacutecio dos direitos do cidadatildeo Vale lembrar nesse contexto das palavras de
J Kennedy o qual disse ldquonatildeo pergunte o que o Estado pode fazer por vocecirc mas o
que vocecirc pode fazer pelo Estadordquo haacute nessa frase um forte traccedilo de cidadania pois
quando o cidadatildeo reivindica critica opina o que ele daacute em contrapartida ao paiacutes eacute
solidificado visto que eacute nas relaccedilotildees familiares em comunidade que se estabelece e
se fortalece os viacutenculos de solidariedade de uma sociedade que perpetua valores
condutas que as leis reguladoras natildeo conseguem por si soacute estabelecer
A concretizaccedilatildeo do ideal de uma qualidade de vida merecida a todos os seres
humanos sem restriccedilotildees requer entretanto um esforccedilo coletivo Dessa forma haacute
necessidade de suprir as muitas carecircncias advindas das desigualdades sociais e de
condiccedilotildees do descaso do poder puacuteblico e da proacutepria conceituaccedilatildeo antiga de
cidadania que ainda eacute concebida por muitos no presente
Em suma nosso trabalho procurou traccedilar a evoluccedilatildeo da cidadania e ao
mesmo tempo buscou traccedilar uma melhor caracterizaccedilatildeo do cidadatildeo agrave luz da nossa
Constituiccedilatildeo que eacute por fim a essecircncia da Magna Carta O alcance da cidadania
enquanto mecanismo de acesso a direitos foi colocado no acircmbito da pessoa
enquanto titular de direitos e num paralelo defendemos que o municiacutepio eacute o espaccedilo
de atuaccedilatildeo e exerciacutecio de cidadania dada a proximidade do cidadatildeo com as
instituiccedilotildees oacutergatildeos entidades e tudo o mais que o cerca na esfera de vivecircncia Eacute na
praccedila que discute a poliacutetica local e nacional que se indigna com as dificuldades e as
56
barreiras de acesso aos seus direitos Eacute no municiacutepio que se inicia todo um vieacutes de
desdobramento para garantir direitos
Por fim natildeo obstante resta dizer sobre o tema que os caminhos e
paradigmas que se intentou percorrer sobre cidadania como mecanismo
transformador da sociedade tem ingrediente ainda a se descortinar para o
propoacutesito valioso do bem comum Pois bem a ideia de bem comum tem como
fundamento o amor maacutexima que se estabelece por meio da democracia visto que
ldquoa demofilia o demoiacutesmo o amor do povo acima de tudo como princiacutepio ativo de
toda a sua vida poliacutetica inspirador duma sempre crescente autonomia imanente eacute
que constitui a verdadeira essecircncia da democraciardquo nas palavras de Melgareacute
(2005)
Dessa forma eacute no nuacutecleo da democracia que estaacute inscrito como pedra
angular o respeito e o amor pela pessoa humana Eacute pois um tema de larga
abrangecircncia poreacutem sem querer abreviar o caminho sua efetiva possibilidade de
realizaccedilatildeo se encontra no exerciacutecio da cidadania sem repuacutedios parciais ou exclusatildeo
de qualquer ordem na plenitude de uma cidadania para todos
57
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
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Elissandra Maria Conceiccedilatildeo de Brito
O EXERCIacuteCIO DA CIDADANIA COMO MECANISMO TRANSFORMADOR DA SOCIEDADE
Monografia apresentada a Proacute-Reitoria de Poacutes-Graduaccedilatildeo e Pesquisa da Universidade Estadual da Paraiacuteba ndash Campus III em cumprimento aos requisitos para obtenccedilatildeo do grau de Especialista em Direitos Fundamentais e Democracia sob a orientaccedilatildeo do Prof Ms Antonio Cavalcante da Costa Neto
Guarabira ndash PB 2013
FICHA CATALOGRAacuteFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA SETORIAL DE GUARABIRAUEPB
Elissandra Maria Conceiccedilatildeo de Brito
B265e Brito Elissandra Maria Conceiccedilatildeo de
O exerciacutecio da cidadania como mecanismo transformador da sociedade Elissandra Maria Conceiccedilatildeo de Brito ndash Guarabira UEPB 2013
58 f Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Especializaccedilatildeo em
Direito) Universidade Estadual da Paraiacuteba Orientaccedilatildeo Prof Me Antocircnio Cavalcante da Costa Neto
1 Cidadania 2 Direitos Baacutesicos (Constituiccedilatildeo) 3
Democracia I Tiacutetulo 22ed CDD 342
ELISSANDRA MARIA CONCEICcedilAtildeO DE BRITO
O EXERCIacuteCIO DA CIDADANIA COMO MECANISMO
TRANSFORMADOR DA SOCIEDADE
Aprovada em 18 de maio de 2013
Aprovada em 18 de maio de 2013
Guarabira ndash PB 2013
DEDICATOacuteRIA
Amor de matildee Conhece barreiras
Conhece obstaacuteculos Conhece impossiacutevel
Natildeo Amor de matildee Conhece dor
Mas supera no trabalho Conhece a distancia
Mas supera na esperanccedila Conhece dificuldade
Que natildeo paralisa Que natildeo intimida Que natildeo descrer
Amor de matildee suporta os amores desfeitos O ritmo desfeito o rumo desfeito a vida desfeita
Na certeza de ser maior de ser melhor de ser matildee
Para Dona Lia minha matildee Com todo o meu amor
Dedico
AGRADECIMENTOS
Ao dileto Professor Antonio Cavalcante da Costa Neto pelas valiosas contribuiccedilotildees
e solicitude com que me orientou (um sonho realizado) Li recentemente um texto
luacutedico intitulado ldquoUma mensagem a Garciardquo e encontrei naquelas linhas o perfil do
Dr Antonio Por analogia um homem a quem foi confiado uma importante missatildeo e
diante da incumbecircncia natildeo perguntou o que A quem Como Tomou sua missatildeo
deu a ela um quecirc de feacute um pouco de filosofia muito de humildade e sabedoria e fez
da sua missatildeo um sacerdoacutecio E noacutes seus alunos somos gratos por ele ter
plantado em nossos coraccedilotildees liccedilotildees de eacutetica de direito de justiccedila de esperanccedila
Aos professores da Especializaccedilatildeo em nome de Belarmino Mariano Luciano
Nascimento e Agassiz Almeida Filho nossa eterna gratidatildeo
Ao amigo Professor advogado Everaldo Ribeiro pelo companheirismo e
solidariedade com que me incentivos durante os periacuteodos mais difiacuteceis dessa
caminhada
A Gerson que pelas escolhas do coraccedilatildeo se fez meu irmatildeo
Agrave Iolanda minha comadre amiga-irmatilde de todas as horas
A Assis Brito (meu marido) exemplo de superaccedilatildeo meu constante incentivador
A Vovoacute Julia (In memoriam) que me ensinou a acreditar que eu poderia ir muito
aleacutem onde os meus sonhos me levassem
A dona Lia minha matildee minha amiga presenccedila de Deus na minha vida
Agrave Aimeacutee Antocircnia minha filha companheira inseparaacutevel presente de Deus
A Deus Senhor da minha vida e Autor da minha histoacuteria
Abre os olhos e vecirc Secirc vigilante
a reaccedilatildeo natildeo passaraacute diante
do teu punho fechado contra o medo
Levanta-te meu povo Natildeo eacute tarde
Agora eacute que o mar canta eacute que o sol arde
pois quando o povo acorda eacute sempre cedo
(Joseacute Carlos Ary dos Santos)
Sumaacuterio
INTRODUCcedilAtildeO 09
CAPIacuteTULO 1 NOVOS OLHARES SOBRE A CIDADANIA 12
11 As origens da cidadania 13
12 A construccedilatildeo da cidadania 16
13 Cidadania um fenocircmeno cultural 18
14 cidadania no Brasil Breves consideraccedilotildees 19
CAPIacuteTULO 2 CIDADANIA Agrave LUZ DA CONSTITUICcedilAtildeO FEDERAL DE 1988 23
21 Estado Democraacutetico de Direito espaccedilo de cidadania 24
22 Os direitos fundamentais como pressupostos de identidade da cidadania 27
23 A consagraccedilatildeo dos direitos do cidadatildeo 31
CAPIacuteTULO 3 CIDADANIA COMO MECANISMO DE TRANSFORMACcedilAtildeO
SOCIAL 35
31 O ser cidadatildeo 36
32 A emancipaccedilatildeo social atraveacutes da cidadania 39
33 O municiacutepio como acircmbito de exerciacutecio de cidadania 44
34 A necessaacuteria superaccedilatildeo de velhos paradigmas 50
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 53
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 57
RESUMO
A cidadania assumiu historicamente inuacutemeras concepccedilotildees em funccedilatildeo dos muitos contextos social e cultural em que esta inserida Sua construccedilatildeo ficou condicionada a maneira como se formaram os Estados Assim o conceito de cidadania como direito a ter direitos foi construiacutedo dentro das estruturas proacuteprias de cada Estado dessa forma a cidadania moderna se desenvolveu na medida em que as pessoas se sentem parte do Estado-naccedilatildeo podendo participar da dinacircmica e construccedilatildeo do bem comum Eacute dentro desse contexto que se insere o presente estudo que tem por objetivo discorrer a respeito dos principais instrumentos de defesa dos direitos do cidadatildeo observando a cidadania como mecanismo de transformaccedilatildeo social No Brasil a cidadania ganha relevo com a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 na qual aparece como princiacutepio fundamental A Carta Cidadatilde abarca no decorrer de seu texto inuacutemeras inovaccedilotildees no que concerne a questatildeo da caracterizaccedilatildeo da cidadania na sociedade atual e os direitos que abrangem a esfera poliacutetica civil e social No elenco de mecanismo de exerciacutecio da cidadania objeto de nossa anaacutelise estaacute o acesso ao direito e a justiccedila que eacute fator preponderante para efetivar as garantias constitucionais bem como a educaccedilatildeo que implica ao ser humano o conhecimento de si mesmo e do meio no qual estaacute inserido dele podendo participar de forma produtiva O alcance da cidadania enquanto exerciacutecio de direitos e deveres eacute colocada no acircmbito do municiacutepio por ser o ente federativo mais proacuteximo do cidadatildeo Nesse vieacutes a construccedilatildeo da cidadania plena se constitui como tarefa de muitas matildeos firmada em accedilotildees que visam o bem comum PALAVRAS-CHAVE cidadania direitos constituiccedilatildeo democracia
ABSTRACT
Citizenship assumed historically many concepts in the light of many social and cultural contexts in which it operates Its construction was conditioned how states were formed Thus the concept of citizenship as a right to have rights built into the structures of each state so modern citizenship has developed to the extent that people feel part of the nation-state can participate in the construction of dynamic and well common It is within this context that the present study which aims to talk about the main instruments of defense of civil rights noting citizenship as a mechanism for social change In Brazil citizenship becomes important to the Federal Constitution of 1988 which appears as a fundamental principle The Citizen Charter includes in the course of your text numerous innovations regarding the issue of characterization of citizenship in modern society and the rights covering the political civil and social The cast engine citizenship object of our analysis is access to law and justice that is decisive for effective constitutional guarantees as well as the education that involves the human knowledge of oneself and the environment in which it is inserted it can participate productively The scope of the exercise of citizenship as rights and duties is placed within the municipality for being the federative entity closest to the citizen In this vein the construction of full citizenship is constituted as a task of many hands signed into actions aimed at the common good KEYWORDS citizenship rights constitution democracy
9
INTRODUCcedilAtildeO
A palavra cidadania tem sido usada com muita frequecircncia desde um discurso
poliacutetico a um diaacutelogo trivial pois eacute um vocaacutebulo de significado amplo que permite o
seu emprego para referir-se aos direitos humanos ou direitos do consumidor ou
para dirigir-se a um indiviacuteduo
O conceito de cidadania sempre esteve fortemente associado agrave noccedilatildeo de
direito o que de certa forma justifica a amplitude de usos do termo jaacute que a histoacuteria
da cidadania confunde-se com a histoacuteria dos direitos humanos a histoacuteria das lutas
das gentes para a afirmaccedilatildeo de valores como a liberdade a dignidade e a
igualdade de todos os seres humanos indistintamente Percebe-se portanto que
existe um estreito relacionamento entre cidadania e luta por justiccedila por democracia
e outros direitos fundamentais Pois como afirma Santana (2009)
A histoacuteria da cidadania confunde-se em muito com a histoacuteria das lutas pelos direitos humanos A cidadania esteve e estaacute em permanente construccedilatildeo eacute um referencial de conquista da humanidade atraveacutes daqueles que lutam por mais direitos maior liberdade melhores garantias individuais e coletivas []
Sua trajetoacuteria eacute longa e liga-se as transformaccedilotildees poliacuteticas ocorridas na
histoacuteria das sociedades O seu nascimento remota a Antiguidade passando por uma
perda de seu significado na Idade Media ateacute ressurgir na Modernidade e originar
calorosos debates nos dias de hoje
No Brasil estamos tecendo a nossa cidadania e aos poucos vamos nos
livrando da visatildeo restritiva da cidadania aplicada como simples conjunto de pessoas
dotadas de direitos poliacuteticos (cidadania ativa e cidadania passiva)
Passos importantes foram dados com o processo de redemocratizaccedilatildeo e a
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 mas essa trajetoacuteria ainda tem um longo caminho a
ser percorrido pois construir cidadania eacute tambeacutem construir novas relaccedilotildees e
10
consciecircncia de que ela natildeo se limita a conquista legal de direitos mas tambeacutem a
realizaccedilatildeo desses direitos Sob pena de que a natildeo apropriaccedilatildeo desses direitos de
forma efetiva os transforma em letra morta
A consciecircncia cidadatilde perpassa a democracia os direitos sociais e o ideal
coletivo de justiccedila em sentido amplo o qual denominamos de bem comum A
vivecircncia da cidadania encontra diversas barreiras culturais e histoacutericas pois como
afirma Matos (2009)
Somos filhos e filhas de uma naccedilatildeo que nasceu sob o signo da cruz e da espada acostumados a apanhar calado a dizer sempre lsquosim senhorrsquo a lsquoengolir saposrsquo a achar lsquonormalrsquo as injusticcedilas a termos um lsquojeitinhorsquo para tudo a natildeo levar a seacuterio a coisa puacuteblica a pensar que direitos satildeo privileacutegios e exigi-los eacute ser boccedilal e metido a pensar que Deus eacute brasileiro e se as coisas estatildeo como estatildeo eacute por vontade Dele
Os direitos que hoje gozamos natildeo nos foram conferidos de maneira
harmoniosa foram conquistados E muitas vezes os compreendemos como uma
concessatildeo um favor de quem estaacute em cima para os que estatildeo em baixo da piracircmide
social e essa concepccedilatildeo errocircnea fragiliza a capacidade de organizaccedilatildeo participaccedilatildeo
e intervenccedilatildeo social que configura a cidadania
Este trabalho monograacutefico portanto tem como escopo discutir e traccedilar alguns
pressupostos que possibilitem a compreensatildeo do efetivo exerciacutecio da cidadania
como mecanismo transformador de uma sociedade (participaccedilatildeo cidadatilde nas
decisotildees da administraccedilatildeo puacuteblica que alcancem toda a coletividade)
compreendendo que a cidadania deve ser vista em todos os seus aspectos
principalmente no sentido que atraveacutes dela se almeja uma sociedade com vida
digna para todos Cidadania essa que se configurou e vem se impondo em meio a
fortes resistecircncias e combates
Para que os objetivos fossem alcanccedilados elegemos a pesquisa bibliograacutefica
como teacutecnica baacutesica para coletarmos os dados necessaacuterios Tratou-se de uma
proposta de estudo portanto de cunho eminentemente bibliograacutefico Assim sendo
as fontes da pesquisa foram as proacuteprias obras dos doutrinadores
Eacute por meio de referenciais teoacutericos como Hannah Arendt Joseacute Afonso da
Silva Norberto Bobbio Dalmo Dallari Walber Agra Celso Bandeira de Melo
Boaventura de Souza Joseacute Murilo de Carvalho entre outros expoentes da ciecircncia
juriacutedica que contextualizamos estes questionamentos e de certa maneira temos a
11
pretensatildeo de contribuir para o fortalecimento do debate acadecircmico em torno de um
elemento valioso para o Estado Constitucional a cidadania
A dimensatildeo doutrinaacuteria do tema diz respeito a sua importacircncia para a aacuterea de
estudos em que se insere - o Direito Pois estudar e analisar elementos constitutivos
da cidadania significa compreender uma questatildeo que vem a cada dia tomando mais
espaccedilo nos meios acadecircmicos
Nos dias atuais em que a poacutes-modernidade permeia as relaccedilotildees juriacutedicas
propiciando a interdisciplinaridade e a flexibilidade da interpretaccedilatildeo dos dispositivos
postos o processo de discussatildeo voltado para a questatildeo da cidadania vivencia na
atualidade grande relevacircncia Nesse diapasatildeo duas consideraccedilotildees seratildeo levadas a
efeito a cidadania como um fundamento constitucional da Repuacuteblica Federativa do
Brasil de acordo com o que preceitua o inciso II do artigo 1ordm da Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 o local mais propiacutecio para o exerciacutecio efetivo da cidadania eacute o
municiacutepio onde ocorrem agraves decisotildees mais proacuteximas da comunidade em que o
individuo cidadatildeo tem maior facilidade de participaccedilatildeo nas decisotildees e por fim que
os indiviacuteduos exercem cidadania acessando a justiccedila em busca de seus direitos
Neste sentido o presente trabalho analisa algumas questotildees que estiveram e
ainda estatildeo por traacutes do desenvolvimento da foacutermula da cidadania percorrendo para
tanto desde a antiguidade ateacute o tempo presente De modo que o objetivo do
mesmo eacute analisar o processo de constituiccedilatildeo e consolidaccedilatildeo da cidadania ao longo
dos tempos como tambeacutem procura demonstrar os caminhos que de fato o conceito
de cidadania percorreu ateacute chegar agraves formulaccedilotildees da nossa eacutepoca em que passou
a ser concebida como um princiacutepio fundamental da Repuacuteblica Federativa do Brasil
Defendemos por fim que a cidadania como hoje a enxergamos eacute talvez o
uacutenico arcabouccedilo viaacutevel para a convivecircncia poliacutetica sendo certo que a sociabilidade
por traacutes da construccedilatildeo estatal precisa arrimar-se em postulados democraacuteticos e
criteacuterios de emancipaccedilatildeo da liberdade individual e coletiva os quais satildeo
pressupostos da cidadania plena
12
CAPIacuteTULO 1 - NOVOS OLHARES SOBRE A CIDADANIA
A cidadania vista como uma verdadeira visatildeo democraacutetica da convivecircncia eacute
siacutembolo de todo um incessante processo desencadeado por meio de um labutar
juriacutedico-politico-cultural que vem acompanhado de vaacuterias etapas do fenocircmeno
humano na tentativa de harmonizar os interesses valores e necessidades dos
homens
Seus correspondentes mecanismos de atuaccedilatildeo na sociedade atual natildeo
surgiram como que por encanto pacificamente sem luta Brotaram apoacutes uma
semeadura ideoloacutegica em conflito com outras ideologias e doutrinas que lhe eram
contraacuterias A cidadania portanto consiste na lenta construccedilatildeo da democracia
sintetiza os esforccedilos para a obtenccedilatildeo das prerrogativas poliacuteticas sociais e culturais
que tecircm levado os membros da comunidade poliacutetica direta ou indiretamente a
decidir acerca da realidade que os cercam
Neste sentido obra de construccedilatildeo do civismo democraacutetico que vem se
fortalecendo de maneira eficaz com a promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo brasileira de
1988 a cidadania toma como ponto de partida a ideia de que o Estado democraacutetico
de Direito eacute uma conquista resultado de uma construccedilatildeo permanente da
convivecircncia sociopoliacutetica
13
11 As origens da cidadania
A expressatildeo cidadania emana do termo latino civitas No entanto pode-se
encontrar suas procedecircncias intelectuais nas religiotildees da Antiguidade e nas
civilizaccedilotildees greco-romanas Polites que os romanos traduziram por cives que eacute o
soacutecio da polis ou civitas O legado greco-romano da palavra civitas nos remete agraves
noccedilotildees de liberdade igualdade e virtudes republicanas Eacute na polis grega que os
conceitos de liberdade e igualdade ganham sentido No entanto eacute importante citar
que
A participaccedilatildeo na polis ou na civitas era exclusiva de alguns homens que participavam do funcionamento da cidade-Estado eram eles os titulares de direitos poliacuteticos Eram considerados cidadatildeos apenas os homens nascidos no solo da cidade livres e iguais portadores de dois direitos inquestionaacuteveis portadores da isonomia (igualdade perante a lei) e da isegoria (o direito de expor e discutir em puacuteblico opiniotildees sobre accedilotildees que a cidade deveria ou natildeo realizar) (CHAUIacute 1994)
Ser cidadatildeo para os gregos significava antes de tudo usufruir certas
vantagens que nenhum outro homem conhecera Como afirma Minogue ldquoOs
cidadatildeos tinham riqueza beleza e inteligecircncia diversas mas como cidadatildeos eram
iguaisrdquo (1998) Foi especialmente no seacuteculo V aC que Atenas viveu seu momento
de apogeu Nesse seacuteculo especificamente desenvolveram-se as concepccedilotildees de
cidadania e democracia Em oposiccedilatildeo agrave ideia aristocraacutetica de poder o cidadatildeo
poderia e deveria atuar na vida puacuteblica independentemente da origem familiar
classe ou funccedilatildeo (ARENDT 1995)
Da mesma forma a racionalidade era conferida a uma minoria da
populaccedilatildeo exclusivamente aos homens que tinham o direito de filosofar aleacutem de
participar da academia (culto agrave beleza fiacutesica) e do poder (direito de comandar
politicamente todos os interesses da polis mediante a elaboraccedilatildeo e execuccedilatildeo de
leis e normas administrativas) Cidadatildeo segundo o teoacuterico Coulanges
Eacute todo o homem que segue a religiatildeo da cidade que honra os mesmos deuses da cidade () o que tem o direito de aproximar-se dos altares e podendo penetrar no recinto sagrado onde se realizam as assembleias assiste agraves festas acompanha as procissotildees e participa dos panegiacutericos participa dos banquetes sagrados e recebe sua parte das viacutetimas Assim esse homem no dia em que se inscreveu no registro dos cidadatildeos jurou praticar o culto dos deuses da cidade e por eles combater (2003)
14
Os escravos e os baacuterbaros natildeo podiam tomar parte dos ambientes
sagrados Segundo alguns teoacutericos apenas 10 da populaccedilatildeo eram considerados
cidadatildeos em Atenas A fim de reduzir as despesas do Estado o governo restringiu o
direito de cidadania somente os filhos de pai e matildee atenienses seriam considerados
cidadatildeos As mulheres os metecos (estrangeiros) e os escravos continuaram
desprovidos de quaisquer direitos poliacuteticos A mulher era considera o ldquonatildeo serrdquo
equiparada aos escravos cuidava dos afazeres ldquodomeacutesticosrdquo servia como
instrumento de procriaccedilatildeo e natildeo participava portanto das decisotildees da polis
Aristoacuteteles descreve que mulheres e escravos eram mantidos fora da vista do
puacuteblico eram os trabalhadores que ldquocom o seu corpo cuidavam das necessidades
(fiacutesicas) da vidardquo Satildeo as mulheres que com seu corpo garantem a sobrevivecircncia
fiacutesica da espeacutecie Mulheres e escravos conforme Arendt
Pertenciam agrave mesma categoria e eram mantidos fora das vistas alheias - natildeo somente porque eram propriedade de outrem mas porque a sua vida era ldquolaboriosardquo dedicada a funccedilotildees corporais O filho de preferecircncia deveria ser do sexo masculino sendo candidato em potencial para exercer a cidadania O escravo servia de matildeo-de-obra para o sustento e manutenccedilatildeo dos cidadatildeos (1995)
Para Aristoacuteteles ser cidadatildeo diz respeito a todo aquele que eacute capaz de
tomar parte tanto no judiciaacuterio quanto no poder deliberativo da polis ldquoNenhum
caraacuteter define melhor o cidadatildeo no sentido estrito do que a participaccedilatildeo do exerciacutecio
dos poderes de juiz e magistradordquo (ARISTOacuteTELES A Poliacutetica III 16 Apud
TOURAINE 1994) O fim uacuteltimo do homem eacute viver na polis onde o homem se
realiza como cidadatildeo (politai) manifestando o processo de constituiccedilatildeo de sua
essecircncia a sua natureza Ou seja natildeo apenas viver em sociedade mas viver na
ldquopoliticidaderdquo
Para Aristoacuteteles a reflexatildeo sobre a poliacutetica eacute que ela natildeo se separa da
eacutetica pois segundo o estagirita a vida individual estaacute imbricada na vida comunitaacuteria
A razatildeo pela qual os indiviacuteduos reuacutenem-se nas cidades (e formam comunidades
poliacuteticas) natildeo eacute apenas a de viver em comum mas a de viver ldquobemrdquo ou a boa vida
Para que isso aconteccedila eacute necessaacuterio que os cidadatildeos vivam o bem comum ou em
15
conjunto ou por intermeacutedio dos seus governantes se acontecer o contraacuterio (a busca
do interesse proacuteprio) estaacute formada a degeneraccedilatildeo do Estado
Por fim como afirma Correcirca (1999) ldquoa cidadania da Greacutecia Claacutessica
possui um paracircmetro muito especiacutefico de difiacutecil aceitaccedilatildeo numa concepccedilatildeo
moderna de cidadaniardquo Ou seja o que caracteriza a cidadania antiga eacute seu aspecto
limitador elitista e excludente pouco semelhante com o entendimento dos nossos
dias
Destarte como a democracia a cidadania passou por diferentes e possiacuteveis
ldquoinvenccedilotildeesrdquo em periacuteodos e espaccedilos determinados da histoacuteria e da geografia do
Ocidente Greacutecia e Roma consolidaram por seacuteculos seus sistemas de governos
possibilitando e permitindo a participaccedilatildeo de um significativo nuacutemero de cidadatildeos
Com o desaparecimento das civilizaccedilotildees claacutessicas a cidadania desaparece
juntamente e por um bom tempo ficaraacute fora de cena no Ocidente
Conforme Benevides (1994) a ideia moderna de cidadania e de direitos do
cidadatildeo tem como eacute sabido soacutelidas raiacutezes nas lutas e no imaginaacuterio da Revoluccedilatildeo
Francesa
Na continuidade da tradiccedilatildeo dos seacuteculos XVII e XVIII o contratualismo de
Locke e de Rousseau forneceu as bases filosoacuteficas do conceito de cidadania do
liberalismo e as revoluccedilotildees Inglesa Americana e Francesa que validaram seu uso
ao estabelecer um viacutenculo juriacutedico-legal entre as noccedilotildees de liberdade igualdade
fraternidade e o Estado-naccedilatildeo (MOISEacuteS 2005)
Nos seacuteculos XVIII e XIX outras correntes teoacutericas sobre o direito e a cidadania
seratildeo contempladas No entanto estas teorias vatildeo se contrapor agraves teorias do
jusnaturalismo e do contratualismo Segundo Correcirca (1999)
Para o positivismo juriacutedico (positivismo normativista de Kelsen) bem como para a Escola da Exegese e a Escola Histoacuterica o que vale eacute o ensino dogmaacutetico - as normas (exclue-se a anaacutelise interdisciplinar entre outras aacutereas principalmente com as Ciecircncias Sociais) A lei eacute a uacutenica fonte do direito Para essas escolas a cidadania eacute negada
Mais proacuteximo de noacutes no seacuteculo XX T A Marshall foi quem primeiro
discutiu o conceito de cidadania e suas dimensotildees no ensaio claacutessico ldquoCidadania e
classe socialrdquo Ainda hoje depois de mais de seis deacutecadas apoacutes a sua publicaccedilatildeo
16
(em 1949) o ensaio de Marshall continua a ser a referecircncia teoacuterica fundamental
para quem comeccedila a refletir sobre a cidadania na sociedade contemporacircnea eacute o
que se pode constatar de resto atraveacutes da consulta a mais recente bibliografia
dedicada a esse tema
Os Direitos Civis dentro da tradiccedilatildeo apresentada por Marshall estatildeo
ligados aos direitos fundamentais do homem como o direito agrave vida agrave liberdade agrave
propriedade e agrave igualdade perante a lei Jaacute os Direitos Poliacuteticos se referem agrave
participaccedilatildeo do cidadatildeo no governo da sociedade Seu exerciacutecio eacute limitado a uma
reduzida parcela da populaccedilatildeo e consiste na capacidade de fazer demonstraccedilotildees
poliacuteticas formar e participar de agremiaccedilotildees poliacuteticas organizar partidos votar e ser
votado Em geral quando se fala de direitos poliacuteticos
Eacute do direito do voto que se estaacute falando Por fim aparecem os Direitos Sociais que garantem a participaccedilatildeo no governo da sociedade e na riqueza coletiva Eles incluem o direito agrave educaccedilatildeo ao trabalho ao salaacuterio justo agrave sauacutede e agrave aposentadoria (CARVALHO 2002)
Eacute a soma desses direitos (civis poliacuteticos e sociais) que garantem a
emancipaccedilatildeo humana e a justiccedila social Certamente Marshall descreveu a evoluccedilatildeo
da cidadania em seu paiacutes de origem ou seja a Inglaterra Foi nesse paiacutes que
surgiram inicialmente os direitos civis no seacuteculo XVIII depois vieram os direitos
poliacuteticos (XIX) e por fim os direitos sociais (XX) Trata-se portanto de verdadeiras
conquistas da contemporaneidade E como tal fazem parte de um cotidiano em que
homens e mulheres lutam por dias melhores pelo Direito justo por uma cidadania
plena e eficaz por uma convivecircncia equilibrada pela existecircncia plena daqueles que
acreditam e defendem os valores por traacutes da dignidade da pessoa humana
12 A construccedilatildeo da cidadania
A Cidadania natildeo pode ser vista como um conceito estaacutetico pois ela natildeo se
resume somente em participaccedilatildeo atraveacutes de eleiccedilotildees mas sim como uma
construccedilatildeo da democracia politizada e participativa da construccedilatildeo do poder
17
Nas uacuteltimas deacutecadas o Brasil passou por significativas mudanccedilas de
paradigmas dentre os quais podemos citar a reconstruccedilatildeo do conceito proposto de
cidadania Pode-se dizer que apesar das inuacutemeras desigualdades socioeconocircmicas
o termo ldquocidadaniardquo evoluiu ampliando-se a abrangecircncia de sua concepccedilatildeo
abarcando todas as categorias sociais Para tanto para que possamos compreender
como vem se dando essa evoluccedilatildeo eacute preciso que conheccedilamos como tem se dado a
construccedilatildeo histoacuterica da representaccedilatildeo simboacutelica da cidadania
Durante toda a sua evoluccedilatildeo histoacuterica a palavra cidadania e as vaacuterias facetas
que ela assumiu nas uacuteltimas deacutecadas vecircm convivendo de perto com dissensotildees
sociais interesses e conflitos ideoloacutegicos culturais e poliacuteticos que se dedicam a
defender ou construir um modelo de cidadania compatiacutevel com as conjunturas de
cada tempo e de cada lugar
A marcha da cidadania sempre esteve ligada a avanccedilos retrocessos crises e
vitoacuterias enfim a iniciativas voltadas para a implantaccedilatildeo de uma estrateacutegia de luta
pelos direitos humanos pois ela esteve e estaacute em permanente construccedilatildeo eacute como
dizem os grandes teoacutericos um referencial de conquista da humanidade atraveacutes
daqueles que sempre lutaram e lutam por mais direitos mais liberdade melhores
garantias sejam elas individuais ou coletivas e natildeo se conformam frente agraves
dominaccedilotildees arrogantes de um pequeno grupo dominador e opressor contra uma
maioria desassistida e que natildeo se consegue fazer ouvir exatamente porque se lhe
nega a cidadania plena cuja conquista ainda que tardia natildeo seraacute obstada
Os caminhos trilhados pelos que defendem a cidadania podem vir a
apresentar em termos de sentimento constitucional a luta por um Estado
Democraacutetico de Direito que ajude na construccedilatildeo de uma adequada compreensatildeo
das situaccedilotildees de conjuntura e dos problemas estruturais que a sociedade enfrenta
dia apoacutes dia situaccedilotildees essas que se congregam para gerar a falta de efetividade
normativa da nossa Constituiccedilatildeo Aleacutem disso oferecem um amplo panorama acerca
dos esforccedilos que os povos empreenderam para fundar os alicerces das democracias
constitucionais do mundo moderno
A histoacuteria da construccedilatildeo da cidadania eacute uma histoacuteria de resistecircncias de povos
contra as opressotildees dos governos do desespero e das necessidades das massas eacute
a histoacuteria da esperanccedila e do empenho das naccedilotildees a histoacuteria da convivecircncia das
paixotildees humanas do futuro das geraccedilotildees eacute a histoacuteria do sofrimento e da dor eacute a
histoacuteria das vicissitudes e dramas do proacuteprio fenocircmeno humano
18
13 Cidadania um fenocircmeno cultural
A cidadania eacute um fenocircmeno cultural relacionada com a conquista de direitos
com as construccedilotildees das instituiccedilotildees com a proteccedilatildeo dos direitos fundamentais e
dos valores juriacutedicos e humanos Trata-se de uma realidade cultural cuja finalidade eacute
determinar o modo como agraves pessoas devem vincular-se agraves mudanccedilas nas estruturas
sociais determinando o modo como agraves pessoas devem atuar e (com) viver em
sociedade
De certo modo a cidadania como o Direito e todos os direitos representa uma
conquista da cultura frente agrave conflitiva natureza humana Tal conclusatildeo ajuda a
compreender o Estado Democraacutetico de Direito e tudo aquilo que ele simboliza em
termos de emancipaccedilatildeo da pessoa humana Nessa linha a necessidade de
compreender o conceito atual de cidadania agrave luz das questotildees culturais e sociais
postas pela sociedade poacutes-moderna veio-nos como heranccedila do processo cultural de
formaccedilatildeo das democracias modernas
Essa representaccedilatildeo cultural da cidadania vem sendo tratada pelos
pensadores modernos sob vaacuterios enfoques Num primeiro momento surge assim
por exemplo a cidadania civil que marcou a superaccedilatildeo da situaccedilatildeo observada na
Idade Meacutedia garantindo os direitos quanto agrave liberdade e agrave justiccedila e vinculando-se
diretamente agrave burguesia Jaacute a cidadania poliacutetica surgiu com a universalizaccedilatildeo de seu
proacuteprio conceito e com a ampliaccedilatildeo dos direitos civis Esta nova consciecircncia sobre
as diferenccedilas no interior do status de cidadatildeo acentua os debates sobre a exclusatildeo
social os direitos humanos e mesmo sobre a atuaccedilatildeo poliacutetica da sociedade civil Por
outro lado no atual estaacutegio do capitalismo falar em cidadania significar considerar
igualmente as proacuteprias mudanccedilas ocorridas na sociedade nos valores e na
educaccedilatildeo proporcionados pelas inovaccedilotildees da realidade tecnocientifica
Temos desse modo associado ao atual conceito de cidadania um repertoacuterio
teoacuterico e mesmo praacutetico cuja amplitude acompanha o proacuteprio desenvolvimento das
sociedades poacutes-modernas dando a impressatildeo crescente como afirma Harvey
19
De uma poderosa configuraccedilatildeo de novos sentimentos e pensamentos Que parecia a caminho de desenvolvimento social e poliacutetico apenas em virtude da maneira como definia padrotildees de criacutetica social e de praacutetica poliacutetica Em anos recentes ele vem determinando os padrotildees de debate definindo o modo do lsquodiscursorsquo e estabelecendo paracircmetros para a criacutetica cultural poliacutetica e cultural (1992)
Contudo a extensatildeo desses direitos agrave totalidade da populaccedilatildeo natildeo
possibilitou a garantia da liberdade e da igualdade idealizadas por Rousseau em sua
obra ldquoO Contrato Socialrdquo Por outro lado pode-se dizer que todos esses anos de
desenvolvimento acabaram por afirmar que a cidadania de fato soacute pode se constituir
por meio de acirrada luta cotidiana por direitos e pela garantia daqueles que jaacute
existem
Mais do que isso nota-se maior preocupaccedilatildeo com a difusatildeo desses direitos
seja por meio de educaccedilatildeo formal seja pelos meios de comunicaccedilatildeo Livros
didaacuteticos e paradidaacuteticos tecircm fomentado a discussatildeo sobre o status de cidadatildeo e os
direitos humanos outros associam ao desenvolvimento da cidadania uma
discussatildeo sobre os meios de comunicaccedilatildeo e o proacuteprio capitalismo como afirma o
professor Dalmo de Abreu Dallari em Cidadania e Direitos Humanos (1998)
Nessa perspectiva problemas recorrentes como as violaccedilotildees dos direitos
humanos as ineficiecircncias no campo social e o processo de pauperizaccedilatildeo
manifestado na periferia do capitalismo mostram que a cidadania exige mais do que
o simples ato de votar ou de pertencer a uma sociedade poliacutetica Cabe portanto agrave
sociedade civil caraacuteter representativo que substitua as pressotildees ou mesmo a
atuaccedilatildeo legiacutetima dos cidadatildeos
A evoluccedilatildeo da cidadania portanto consiste na lenta construccedilatildeo da
democracia que sintetiza os esforccedilos para a obtenccedilatildeo das prerrogativas ideoloacutegicas
e culturais que tecircm levado os membros da sociedade a decidirem acerca da
realidade que os cercam
14 Cidadania no Brasil breves consideraccedilotildees
Discorrer sobre a construccedilatildeo da cidadania no Brasil eacute tocar num ponto
crucial da nossa histoacuteria Passados mais de 500 anos da chegada dos portugueses
20
por estas paragens percebe-se que a consolidaccedilatildeo da cidadania ainda eacute um desafio
para todos os brasileiros
O tema cidadania muito se tem discutido na academia e fora dela o jargatildeo
da cidadania estaacute na moda nas instituiccedilotildees poliacuteticas e juriacutedicas como tambeacutem na
opiniatildeo puacuteblica mas concretamente eacute um conceito ainda a ser construiacutedo
No contexto histoacuterico-cultural e poliacutetico dos gregos especificamente por
volta do ano 380 aC (periacuteodo do apogeu daquela civilizaccedilatildeo) embora a cidadania
fosse limitada a uma parcela social minoritaacuteria pode-se afirmar que tanto a
democracia quanto a cidadania grega natildeo deixam de ser conquistas ineacuteditas e
avanccedilos significativos para a histoacuteria ocidental Jaacute a evoluccedilatildeo e a real consolidaccedilatildeo
da cidadania na modernidade nascem a partir dos direitos naturais (vida
propriedade liberdade) do homem liberal burguecircs garantido pelas consecutivas
ldquoDeclaraccedilotildees de Direitosrdquo elaboradas a partir das revoluccedilotildees liberais na Inglaterra
(Revoluccedilatildeo Gloriosa 1688-89) Estados Unidos (Emancipaccedilatildeo poliacutetica 1776) Franccedila
(Revoluccedilatildeo Francesa)
No entanto pode-se dizer que o nosso paiacutes apesar da influecircncia dos paiacuteses
europeus vivenciou como ainda vivencia uma difiacutecil construccedilatildeo da cidadania
A longa histoacuteria do Brasil vem elencando razotildees profundas para a nossa
natildeo-cidadania atual a exemplo da conquista (ou invasatildeo) do nosso territoacuterio o
grande latifuacutendio a escravidatildeo a monocultura de exportaccedilatildeo o analfabetismo a
perpetuaccedilatildeo das elites poliacuteticas no poder fatores que refletem nos viacutecios da vida
social cultural poliacutetica e econocircmica do paiacutes
Fundamentalmente eacute preciso afirmar que no Brasil a construccedilatildeo da
cidadania natildeo seguiu a loacutegica da trajetoacuteria inglesa Houve no Brasil segundo
Carvalho (2002) pelo menos duas diferenccedilas importantes
A primeira refere-se agrave maior ecircnfase em um dos direitos o social em relaccedilatildeo aos outros a segunda refere-se agrave alteraccedilatildeo na sequecircncia em que os direitos foram adquiridos entre noacutes o social precedeu os outros
Uma das razotildees fundamentais das dificuldades da construccedilatildeo da cidadania
estaacute ligada como nos diz Carvalho ao ldquopeso do passadordquo mais especificamente ao
periacuteodo colonial (1500-1822) quando
21
Os portugueses tinham construiacutedo um enorme paiacutes dotado de unidade territorial linguiacutestica cultural e religiosa Mas tinham deixado uma populaccedilatildeo analfabeta uma sociedade escravocrata uma economia monocultora e latifundiaacuteria um Estado Absolutista (CARVALHO 2002)
Em suma foram 322 anos sem poder puacuteblico sem Estado sem naccedilatildeo e
cidadania Diante de tatildeo obscuro cenaacuterio de dominaccedilatildeo opressatildeo dentre outras
formas de natildeo efetivaccedilatildeo da cidadania no Brasil podemos elencar dentre outros
tantos fatores quais foram os principais obstaacuteculos para a construccedilatildeo da cidadania
brasileira O latifuacutendio agro-exportador do periacuteodo colonial bem como o escravismo
o analfabetismo marcaram negativamente nossas origens e ateacute hoje dificultam
avanccedilos no acircmbito poliacutetico-social e econocircmico Aleacutem dessas outras razotildees foram e
continuam sendo entraves para a consolidaccedilatildeo das instituiccedilotildees poliacutetica que
impedem os avanccedilos necessaacuterios para uma cidadania plena Na ordem poliacutetica
permanecem ainda algumas mazelas histoacutericas como o patrimonialismo
(promiscuidade entre o puacuteblico e o privado) o coronelismo com sua nova roupagem
o clientelismo aleacutem da corrupccedilatildeo entre outros
Mesmo diante de tatildeo vergonhoso cenaacuterio natildeo podemos nos dispensar que
tambeacutem alcanccedilamos mesmo que de forma tiacutemida significativas conquistas de
direitos no Brasil comparadas com outros paiacuteses que vivenciaram um processo de
colonizaccedilatildeo semelhante ao nosso A conquista desses direitos deu-se de maneira
tardia e inversa haja vista que somente em 1824 mais de 320 anos apoacutes a chegada
dos portugueses foi que surgiram os primeiros direitos civis e poliacuteticos (antes disso
estaacutevamos submetidos agrave lei da coroa portuguesa) Aos poucos surgiram os direitos
sociais mas exatamente no momento em que os direitos civis e poliacuteticos estavam
sendo negados no periacuteodo da ditadura de Vargas (1937-45) e na ditadura militar
(1964-1985) Parece um paradoxo mas foi exatamente nesse periacuteodo de
conturbaccedilotildees poliacuteticas que marchamos em direccedilatildeo agrave conquista de significativos
direitos que iriam projetar uma ideia de lutas e vitoacuterias que se projetariam no campo
da cidadania de modo bastante concreto
Por fim haveremos de concordar com Benevides (1994) ao afirmar que no
intuito de reverter agrave realidade poliacutetico-social excludente ou de uma cidadania
passiva ou sem ldquopovordquo eacute necessaacuterio recorrer agrave defesa de mecanismos institucionais
22
como o referendo o plebiscito e a iniciativa popular para a construccedilatildeo do que ela
chama de uma cidadania ativa ou democracia semidireta Alguns autores veem
dificuldades na implementaccedilatildeo desse sistema em paiacuteses que estatildeo em processo de
democratizaccedilatildeo no entanto logo em seguida apontam para a educaccedilatildeo poliacutetica ndash
entendida como educaccedilatildeo para a cidadania ativa
Desse modo pode-se proferir que todos esses anos de desenvolvimento
acabaram por afirmar que a cidadania de fato soacute pode se constituir por meio de
acirrada luta cotidiana por direitos e pela garantia daqueles que jaacute existem pois
apesar da existecircncia de profundas desigualdades sociais a ideia de cidadania
evoluiu com o passar dos anos Ampliou-se a abrangecircncia de sua concepccedilatildeo
abraccedilando todas as classes sociais e minorias Deixou de restringir-se apenas agrave
participaccedilatildeo poliacutetica para relacionar uma seacuterie de deveres da sociedade para com o
cidadatildeo Na praacutetica ainda haacute muito que se fazer para que direitos e deveres sejam
os mesmos para todos No entanto a busca pela realizaccedilatildeo da maacutexima ldquocada
homem um votordquo continua a ser perseguida
A luta pela conquista plena da cidadania eacute parte integrante da democracia
uma vez que assegura a continuidade das transformaccedilotildees juriacutedicas poliacuteticas entre
outras Natildeo resta duacutevida acerca do papel estruturante que essa luta desempenha no
quadro das democracias contemporacircneas fato que a converte em uma irresistiacutevel
conquista da modernidade O caraacuteter estruturante que a cidadania projeta nos
quadros da democracia atual estaacute ligado a permanente busca de um Estado
compatiacutevel com a realidade de cada tempo histoacuterico
23
CAPIacuteTULO 2 - CIDADANIA Agrave LUZ DA CONSTITUICcedilAtildeO FEDERAL DE
1988
A Constituiccedilatildeo eacute a ordem juriacutedica fundamental da comunidade nas palavras
de Konrad Hesse (apud PALU 2001) eacute um documento juriacutedico e poliacutetico dirigido aos
cidadatildeos e estes satildeo os seus primeiros destinataacuterios A Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica eacute
a Lei fundamental composta por um conjunto de normas baacutesicas que compotildeem a
estrutura juriacutedica poliacutetica social e econocircmica de um paiacutes Essa eacute razatildeo pela qual
ela eacute chamada de Carta Magna pois a ela nada se sobrepotildee Para Dallari (1985) a
Constituiccedilatildeo
[] eacute a declaraccedilatildeo da vontade poliacutetica de um povo feita de modo solene por meio de uma lei que eacute superior a todas as outras que visando agrave proteccedilatildeo da dignidade humana estabelece os direitos e as responsabilidades fundamentais dos indiviacuteduos dos grupos sociais do povo e do governo
Desta forma uma Constituiccedilatildeo natildeo surge do nada ela eacute resultado de
observaccedilotildees e experiecircncias e sua finalidade eacute de afirmar e garantir os direitos
elementares das pessoas humanas disciplinar o uso ao mesmo tempo em que
evita o abuso de poder organizando de forma racional a sociedade e o governo
Satildeo inegaacuteveis as inovaccedilotildees teacutecnicas trazidas pela Constituiccedilatildeo Brasileira de
1988 no campo da instituiccedilatildeo garantia e proteccedilatildeo dos direitos fundamentais A
dignidade da pessoa humana e o exerciacutecio da cidadania satildeo considerados princiacutepios
fundamentais da Carta Magna Brasileira de 1988
Cidadania direito a ter direitos na acepccedilatildeo de Haberle ( apud VALADEacuteS
2009) refere-se a todos os direitos previstos na Constituiccedilatildeo de 1988 e ainda
aqueles natildeo expressos mas decorrentes do regime e dos princiacutepios por ela
adotados na dicccedilatildeo do sect 2deg art 5deg
O princiacutepio fundamental da cidadania conforme jaacute exposto impregna todo o
texto constitucional vigente a partir do art 1deg II em que figura de forma
24
exponencial relativamente ao Estado brasileiro e tudo que lhe corresponda no
exerciacutecio de um poder que adquire significaccedilatildeo renovada e amplificada na
sociedade contemporacircnea Segundo Arendt
A cidadania eacute o direito a ter direitos pois a igualdade em dignidade e direitos dos seres humanos natildeo eacute um dado Eacute um construiacutedo da convivecircncia coletiva que requer o acesso ao espaccedilo puacuteblico Eacute este acesso ao espaccedilo puacuteblico que permite a construccedilatildeo de um mundo comum atraveacutes do processo de asserccedilatildeo dos direitos humanos
Nesse diapasatildeo o direito a ter direitos compreende o pleno acesso ao
espaccedilo puacuteblico o efetivo exerciacutecio do poder poliacutetico das prerrogativas inerentes agrave
cidadania conforme explicita a Constituiccedilatildeo no art 5deg LXXI a propoacutesito do
mandado de injunccedilatildeo no dizer todo direito atribuiacutedo com o caraacuteter de exclusividade
agrave pessoa
21 Estado Democraacutetico de Direito espaccedilo de cidadania
Apoacutes a eacutepoca de grandes restriccedilotildees militares o ato de promulgaccedilatildeo da
Constituiccedilatildeo Federal em 05 de outubro de 1988 vem marcar uma nova fase de
esperanccedila para os brasileiros Ao batizaacute-la de Constituiccedilatildeo cidadatilde a Assembleia
Nacional Constituinte atraveacutes de seu presidente o Deputado Ulisses Guimaratildees
resumiu o espiacuterito do texto constitucional assegurar aos brasileiros direitos sociais
essenciais ao exerciacutecio da cidadania e estabelecer mecanismos para garantir o
cumprimento de tais direitos
O que se viu a partir de entatildeo foi uma lenta poreacutem significativa mudanccedila na
sociedade brasileira A Constituiccedilatildeo Federal que eacute sem duacutevidas um marco na
histoacuteria do paiacutes traccedila a prioridade dada pelos constituintes aos direitos dos
brasileiros que pode ser observada em todas as questotildees
A Carta faz uma ampliaccedilatildeo dos direitos individuais sociais e poliacuteticos e como
se observa a inserccedilatildeo dos direitos sociais como segundo tiacutetulo revela a primazia
que o constituinte quis daacute a estes direitos em detrimento de todos os outros
incluindo os referentes agrave organizaccedilatildeo do Estado e dos Poderes que vecircm depois
25
Ao contraacuterio do que ocorreu com as Constituiccedilotildees anteriores esse
ordenamento dos capiacutetulos parece revelar que a Carta eacute o prenuacutencio de um paiacutes em
que os direitos dos cidadatildeos formam a base do ordenamento do Estado Essa ideia
foi expressa pelo presidente da Assembleacuteia Constituinte deputado Ulysses
Guimaratildees que voltamos a citar quando anunciou
Diferentemente das sete constituiccedilotildees anteriores esta comeccedila com o homem De modo gratificante testemunha a primazia do homem que foi escrita para o homem que o homem eacute seu fim e sua esperanccedila Eacute a Constituiccedilatildeo cidadatilde
A Constituiccedilatildeo nasceu da constataccedilatildeo de que o figurino juriacutedico formulado
para o Brasil desde os primoacuterdios do Estado nacional natildeo se compatibilizava com as
necessidades dos brasileiros Houve avanccedilos na formalizaccedilatildeo da Lei Magna
especialmente no tocante aos direitos de cidadania mas estamos longe do ideal
preconizado pela carta cidadatilde O que nos leva a crer que a cidadania eacute um processo
diaacuterio e permanente de construccedilatildeo Pois natildeo basta garantir o direito eacute preciso
exercecirc-lo
A cidadania abraccedilada pela atual Constituiccedilatildeo Federal Brasileira teve seu
conteuacutedo ampliado e natildeo se restringe ao simples fato de possuir um tiacutetulo de eleitor
para votar e ser votado ela estabelece cidadania como princiacutepio fundamental da
Repuacuteblica do Brasil desta forma o conceito decorrente pode ser entendido
conforme preleciona Silva (2005) ldquocidadania estaacute aqui num sentido mais amplo do
que o de titular de direitos poliacuteticos Qualifica os participantes da vida do Estado
reconhecimento do indiviacuteduo como pessoa integrada a sociedade estatalrdquo
Tal conceito nos leva a relacionar cidadania com democracia uma vez que
optou-se pelo Estado Democraacutetico de Direito o qual assenta seus alicerces na
participaccedilatildeo popular em questotildees que envolvem a coisa puacuteblica Para Moraes
(2005) esse Estado de Direito ldquosignifica a exigecircncia de reger-se por normas
democraacuteticas com eleiccedilotildees livres perioacutedicas e pelo povo bem como o respeito das
autoridades puacuteblicas aos direitos e garantias fundamentaisrdquo
O propoacutesito da opccedilatildeo pelo Estado Democraacutetico de Direito eacute que a cidadania e
os demais direitos fundamentais fluam com plenitude talvez seja o que justifique a
denominaccedilatildeo da Carta Magna de cidadatilde pois o povo passa a atuar de forma mais
ativa na vida poliacutetica do Estado uma vez que a ele foi concedido esse poder
26
A cidadania portanto soacute adquire pleno significado no mundo contemporacircneo
num Estado Democraacutetico de Direito para tanto exige um ambiente de vida e de
conviacutevio entre os homens tiacutepico e proacuteprio de um Estado Democraacutetico pois a
cidadania constitui fundamento primordial daquele Estado qual seja possibilitar aos
indiviacuteduos habitantes de um paiacutes o seu pleno desenvolvimento atraveacutes do alcance
de igual dignidade social e econocircmica
Segundo Rozicki (2005) O ambiente de vida social do Estado Democraacutetico
cujos pilares se encontram na efetividade dos direitos fundamentais da pessoa
humana em uma sociedade solidaacuteria soacute eacute possiacutevel atraveacutes da observaccedilatildeo de alguns
postulados que lhe satildeo essenciais os quais a autora denomina de pressupostos do
Estado democraacutetico de Direito
1)a valorizaccedilatildeo e atualidade da dignidade do homem e o reconhecimento da importacircncia de dispensar a todos tratamento fraternal igualitaacuterio e natildeo discriminativo 2) a confianccedila nos talentos e possibilidades latentes dos homens 3) a seguranccedila e o creacutedito nos valores institucionalizados pelas massas como fundamentos para o progresso do bem comum e o alcance da justiccedila 4) a aceitaccedilatildeo da legitimidade das decisotildees tomadas por meio de processos racionais e participativos de deliberaccedilatildeo com o consenso da maioria que constitui o reflexo o resultado de debates livres entre todos 5) o respeito aos grupos minoritaacuterios 6) e a compreensatildeo de que todo o interesse geral eacute a siacutentese dos diversos interesses e ideacuteias dos indiviacuteduos e dos grupos diferentes centros de poder que integram a sociedade pluralista
Percebe-se que o conceito amplo de cidadania encontra seus princiacutepios
baacutesicos e estruturantes nesses pressupostos intimamente ligado aos conceitos de
democracia e de igualdade No tocante ao conceito de igualdade elucidativa eacute a
liccedilatildeo de Rozicki (2005) quando afirma que
O princiacutepio de igualdade disciplina todas as atividades puacuteblicas e tem aplicaccedilatildeo direta nas relaccedilotildees privadas que ocorrem entre os particulares impondo para tornaacute-lo real a proibiccedilatildeo de discriminaccedilotildees e a eliminaccedilatildeo das desigualdades faacuteticas nos planos social e econocircmico proporcionando a todos os cidadatildeos igual condiccedilatildeo de vida e mesma posiccedilatildeo perante o Estado Democraacutetico
E complementa que tambeacutem para a realizaccedilatildeo da cidadania o princiacutepio
democraacutetico torna indispensaacutevel agrave participaccedilatildeo popular nas tomadas de decisatildeo No
seu entender
27
A cidadania no Estado democraacutetico de direito efetivada oferece aos cidadatildeos como iguais condiccedilotildees de existecircncia o gozo atual de direitos e a obrigaccedilatildeo do cumprimento de deveres que resumidamente podem ser assim apresentados exerciacutecio de direitos fundamentais e participaccedilatildeo e os deveres de colaboraccedilatildeo e solidariedade (Rozicki 2005)
Natildeo obstante eacute vaacutelido ressaltar um princiacutepio igualmente importante e deveras
esquecido a fraternidade Este princiacutepio que eacute um dos trecircs pilares da Revoluccedilatildeo
Francesa eacute pouco discutido apesar de assumir um papel decisivo na consolidaccedilatildeo
da democracia da politica e do poder
A fraternidade eacute necessaacuteria para o estabelecimento de uma comunidade
politicamente solidaacuteria com indiviacuteduos iguais e livres
Para finalmente concebermos um Estado Democraacutetico de Direito que trate os
iguais na medida de suas desigualdades
22 Os direitos fundamentais como pressupostos de identidade da cidadania
Os direitos fundamentais vistos como um dos traccedilos mais marcante do
constitucionalismo moderno consistem no resultado da luta dos homens por um
direito ideal justo e humano representam situaccedilotildees reconhecidas juridicamente
sem as quais o homem eacute incapaz de alcanccedilar sua proacutepria realizaccedilatildeo e
desenvolvimento plenamente daiacute dizer-se que o princiacutepio preponderante que
condensa os direitos fundamentais eacute o da dignidade da pessoa humana
Os direitos fundamentais satildeo o conjunto de normas de um ordenamento juriacutedico que formam um subsistema deste fundado na liberdade na igualdade na seguridade na solidariedade expressotildees da dignidade do homem que formam parte da norma baacutesica material de identificaccedilatildeo do ordenamento juriacutedico e constitui um setor de moralidade procedimental positivada que legitima o Estado Social de Direito (MARTINEZ apud AGRA 2002)
Tais direitos foram e vatildeo sendo aperfeiccediloados e estendidos ao longo do
tempo resta dizer que os mesmos estabelecem faculdades da pessoa humana que
permitem sua breve classificaccedilatildeo do seguinte modo 1) os direitos civis e poliacuteticos
de liberdade como por exemplo a liberdade de expressatildeo de propriedade de
28
manifestaccedilatildeo do pensamento de associaccedilatildeo de imprensa de reuniatildeo de igualdade
formal perante a lei de participaccedilatildeo poliacutetica o devido processo legal o habeas
corpus o direito de peticcedilatildeo etc 2) os direitos sociais econocircmicos e culturais de
participaccedilatildeo poliacutetica tais como a igualdade de sufraacutegio o direito de voto e de
elegibilidade o direito de peticcedilatildeo e os direitos de participaccedilatildeo poliacutetica 3) os direitos
da titularidade coletiva que satildeo aqueles ligados a solidariedade e a fraternidade
como por exemplo o direito agrave preservaccedilatildeo do meio ambiente e agrave qualidade de vida
etc 4) os direitos chamados de quarta geraccedilatildeo por exemplo direito a democracia a
informaccedilatildeo ao comeacutercio eletrocircnico entre os estados etc
Natildeo existe qualquer relaccedilatildeo hieraacuterquica entre estes direitos mesmo porque
todos interagem entre si de nada servindo um sem a existecircncia dos outros Esta
divisatildeo acontece devido agrave eterna e constante busca do homem por mais proteccedilatildeo
mais garantia com o objetivo de alcanccedilar uma sociedade mais justa igualitaacuteria e
fraterna
Na evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais Agra (2002) chama a atenccedilatildeo do
relevo que adquirem a democratizaccedilatildeo da informaccedilatildeo e os mecanismos de
democracia participativa E justifica que a democratizaccedilatildeo da informaccedilatildeo natildeo se
caracteriza apenas pela existecircncia de uma miacutedia plural sem nenhum tipo de
monopoacutelio mas deve ser concebida como a obrigaccedilatildeo que todos os cidadatildeos tecircm
de tomar consciecircncia dos graves problemas que afligem a humanidade e que os
mecanismos da democracia participativa concebem a cidadania em extensatildeo muito
superior ao voto abrangendo a interferecircncia direta do cidadatildeo nas decisotildees
governamentais mediante vaacuterios mecanismos juriacutedicos como o plebiscito o recall o
orccedilamento participativo etc
De acordo com Silva (2005) os Direitos Fundamentais na Constituiccedilatildeo de
1988 abrangem os ldquodireitos individuais sociais poliacuteticos e tambeacutem os direitos
econocircmicos Para o autor a ampliaccedilatildeo e transformaccedilatildeo dos direitos fundamentais
do homem na histoacuteria dificultam uma definiccedilatildeo sinteacutetica do conceitordquo
Essa dificuldade aumenta diante do emprego de vaacuterias expressotildees para
designaacute-los tais como direitos naturais direitos humanos direitos do homem
direitos individuais direitos puacuteblicos subjetivos liberdades fundamentais liberdades
puacuteblicas e direitos fundamentais do homem No entanto direitos fundamentais do
homem constitui a expressatildeo mais adequada porque na palavra fundamentais
acha-se a indicaccedilatildeo de que se trata de situaccedilotildees sem as quais o indiviacuteduo natildeo tem
29
uma vida digna natildeo convive e agraves vezes nem mesmo sobrevive A expressatildeo
direitos fundamentais eacute a mais precisa no sentido de que a todos por igual devem
ser natildeo apenas formalmente reconhecidos mas concreta e materialmente
efetivados
Por sua vez a atual Corte em julgamento do habeas corpus (HC ndeg
82424RS) marca seu posicionamento no tocante ao sistema de direitos
fundamentais insculpido na Constituiccedilatildeo de 1988 atraveacutes dos profundos e bem
fundamentados votos dos Ministros que aleacutem de delimitarem a extensatildeo e os limites
da liberdade de expressatildeo (art 5o IV e IX) acabaram indicando as bases filosoacuteficas
e juriacutedicas para a interpretaccedilatildeo do cataacutelogo de direitos fundamentais da Constituiccedilatildeo
de 1988
Nesse sentido o voto do Ministro Marco Aureacutelio tratou de definir o sistema de
direitos fundamentais como a ldquoproacutepria essecircncia da Constituiccedilatildeordquo qualificando-os
como ldquovalores objetivos que servem como norte da atuaccedilatildeo estatalrdquo Assim estaacute
consignado nos fundamentos do referido voto
A Constituiccedilatildeo de 1988 representou um divisor de aacuteguas entre o antigo regime totalitaacuterio e um periacuteodo de redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes marcando dessa forma uma eacutepoca que tem como modelo de atuaccedilatildeo do Estado o respeito incondicional aos direitos fundamentais Por isso mesmo o sistema constitucional dos direitos fundamentais previsto no artigo 5o da Carta com os eventuais acreacutescimos do sect 2o reflete em rigor e em larga medida a proacutepria essecircncia da Constituiccedilatildeo e a retomada do processo de democratizaccedilatildeo e da garantia do cidadatildeo contra abusos e arbitrariedades no exerciacutecio do Poder Puacuteblico Os direitos fundamentais satildeo hoje verdadeiros princiacutepios estruturantes da organizaccedilatildeo e do funcionamento do Estado valores objetivos que servem como norte da atuaccedilatildeo estatal em seus mais diferentes niacuteveis no Legislativo formam um cataacutelogo de princiacutepios e garantias que informam e direcionam toda a atividade de criaccedilatildeo das normas de nosso ordenamento juriacutedico e de concretizaccedilatildeo dos preceitos constitucionais no Executivo mostram-se como verdadeiros limites ao exerciacutecio do poder administrativo servindo como trincheiras de proteccedilatildeo da liberdade do cidadatildeo e no judiciaacuterio refletem a base e o fundamento necessaacuterio da compreensatildeo e interpretaccedilatildeo de nossas normas ndash efeito interpretativo - evitando que a atividade jurisdicional se transforme em medidas discricionaacuterias ou providecircncias ilegiacutetimas de opccedilotildees poliacuteticas pautadas em escolhas pessoais dos juiacutezes
Tudo indica que se trata do iniacutecio de uma soacutelida construccedilatildeo jurisprudencial a
respeito do sentido axioloacutegico do sistema de direitos fundamentais da Constituiccedilatildeo
de 1988
30
Os Direitos Individuais satildeo de exerciacutecio exclusivo do indiviacuteduo e devem ser
formalmente reconhecidos e concretizados no cotidiano do cidadatildeo O indiviacuteduo aqui
eacute considerado um sujeito de direitos e natildeo apenas como integrante de um corpo
social Esses direitos natildeo podem sofrer nenhum tipo de restriccedilatildeo natildeo se
discriminando quem os pode exercer uma vez que satildeo titulares todas as pessoas
capazes incapazes brasileiras estrangeiras alfabetizadas e iletradas
A Constituiccedilatildeo Cidadatilde foi a primeira a estabelecer direitos natildeo soacute de
indiviacuteduos mas tambeacutem de grupos sociais os denominados direitos coletivos Com
isso as pessoas passaram a ser coletivamente consideradas Os direitos individuais
e coletivos estatildeo anunciados no art 5ordm em setenta e sete incisos e em dois
paraacutegrafos
Verifica-se que os Direitos Individuais tecircm como ponto marcante a liberdade
seja ela tomada de maneira global ou especiacutefica como liberdade de associaccedilatildeo de
reuniatildeo A liberdade de reuniatildeo (art 5ordm XVI) constitui-se na primeira e mais simples
liberdade corporativa estando logo apoacutes a liberdade de locomoccedilatildeo
Os Direitos Sociais tecircm como titular uma coletividade e satildeo caracterizados
pela prestaccedilatildeo de serviccedilos ou oferecimento de melhorias para a sociedade como um
todo por parte do Poder Puacuteblico Assim os Direitos Sociais tornam possiacutevel a fruiccedilatildeo
e o exerciacutecio dos Direitos Individuais pela coletividade mesmo pelos carentes
materialmente
O art 6deg define os Direitos Sociais da seguinte maneira ldquoSatildeo Direitos Sociais
a educaccedilatildeo a sauacutede o trabalho a moradia o lazer a seguranccedila a previdecircncia
social a proteccedilatildeo agrave maternidade e agrave infacircncia a assistecircncia aos desamparados na
forma desta Constituiccedilatildeordquo
Portanto eacute obrigatoacuteria ao Estado a proteccedilatildeo dos interesses da coletividade
com o atendimento dos direitos acima citados
Satildeo direitos poliacuteticos os que conferem o acesso da populaccedilatildeo agrave participaccedilatildeo
no Poder do Estado tais como os direitos de votar e ser votado do referendo
plebiscito e iniciativa popular das leis O direito democraacutetico de participaccedilatildeo dos
cidadatildeos no governo por meio de seus representantes exigiu a formaccedilatildeo de um
conjunto de normas legais permanentes que recebeu a denominaccedilatildeo de direitos
poliacuteticos Os Direitos Poliacuteticos amparam os Direitos Individuais Sociais e
Econocircmicos pois quando desaparece a democracia desaparecem imediatamente
as liberdades fundamentais
31
Com o advento da Constituiccedilatildeo de 1988 foram criadas instituiccedilotildees para
fiscalizar e controlar a atuaccedilatildeo da administraccedilatildeo puacuteblica entre as quais o Ministeacuterio
Puacuteblico que funciona como um canal de expressatildeo dos direitos da populaccedilatildeo
O Ministeacuterio Puacuteblico foi a instituiccedilatildeo que mais ganhou importacircncia no cenaacuterio
puacuteblico por ter passado a defender os interesses coletivos ou seja os interesses de
um grupo categoria ou classe e natildeo de um indiviacuteduo isolado No artigo 127 o
Ministeacuterio Puacutebico (MP) eacute definido como ldquouma instituiccedilatildeo permanente essencial agrave
funccedilatildeo jurisdicional do Estado incumbindo-lhe a defesa da ordem juriacutedica do regime
democraacutetico e dos interesses sociais e individuais indispensaacuteveisrdquo
Cabe ao Ministeacuterio Puacuteblico exigir dos poderes puacuteblicos e dos serviccedilos de
relevacircncia puacuteblica respeito aos direitos elencados na Constituiccedilatildeo promovendo as
medidas necessaacuterias agrave garantia desses direitos Portanto eacute responsaacutevel pela
garantia da ordem juriacutedica do regime democraacutetico da moralidade puacuteblica e dos
direitos sociais e individuais
23 A consagraccedilatildeo dos direitos do cidadatildeo
A Constituiccedilatildeo de 1988 eacute o coroamento da histoacuteria constitucional do Brasil por
ter sido um marco da redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes opondo-se a qualquer forma de
autoritarismo Nela a cidadania foi consagrada como um dos fundamentos da
Repuacuteblica Federativa do Brasil (art 1ordm inc II) Observe-se que o termo cidadania
encontra-se na Constituiccedilatildeo em sentido mais amplo do que o de titular de direitos
poliacuteticos pois qualifica os participantes da vida do Estado e reconhece o indiviacuteduo
como pessoa integrada na sociedade estatal
Essa nova concepccedilatildeo de cidadania introduzida pela Constituiccedilatildeo Federal de
1988 eacute fruto da internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos e como marco principal da
institucionalizaccedilatildeo erigiu em seu artigo primeiro a dignidade da pessoa humana (inc
III) e a cidadania (incII) a princiacutepio fundamental
Institui com o princiacutepio da cidadania uma nova compreensatildeo acerca dos
direitos de deveres da pessoa elevado-o a status maacuteximo a regra-matriz que natildeo
pode ser desrespeitada pois os fundamentos constituem a essecircncia da Repuacuteblica
32
Federativa e servem como regra-matriz para a elaboraccedilatildeo interpretaccedilatildeo e
integraccedilatildeo do sistema juriacutedico nacional
Violar um princiacutepio eacute muito grave que transgredir uma norma qualquer A desatenccedilatildeo ao principio implica ofensa natildeo apenas a um especifico mandamento obrigatoacuterio mas a todo o sistema de comandos Eacute a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade representa insurgecircncia contra todo o sistema subversatildeo de valores fundamentais (MELLO apud CHIMENTI 2005 P 33)
Para Silva (2004) cidadania eacute discriminada como princiacutepio relativo ao regime
poliacutetico Dessa forma compreendida cidadania como princiacutepio fundamental eacute o
direito de participar dos destinos do Estado e mais usufruir dos direitos civis
fundamentais previstos na Constituiccedilatildeo
Muitos doutrinadores utilizam cidadania no mesmo sentido de nacionalidade
(Art 12 da Constituiccedilatildeo Federal) e de direitos poliacuteticos (Art 14) Em alguns outros
dispositivos a palavra cidadania (ou cidadatildeo) poderia ainda ter a significaccedilatildeo de
direitos poliacuteticos mas mesmo assim de forma impliacutecita a exemplo dos arts 22 XIII
e 5ordm LXXIII No primeiro se lecirc que compete agrave Uniatildeo legislar sobre nacionalidade
cidadania e naturalizaccedilatildeo e no segundo que qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima
para propor accedilatildeo popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de
entidade de que o Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e
ao patrimocircnio histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de
custas judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia No entanto conforme Mazzuoli (2002)
Observe-se que a Carta de 1988 ao tratar no seu art 14 dos direitos poliacuteticos natildeo se refere sequer em um momento agrave expressatildeo cidadania dizendo apenas que a soberania popular seraacute exercida pelo sufraacutegio universal e pelo voto direito e secreto com valor igual para todos (hellip) Pelo contraacuterio a Constituiccedilatildeo faz uma separaccedilatildeo entre cidadania e direitos poliacuteticos quando no seu art 68 sect 1ordm II ao tratar das leis delegadas exclui do acircmbito da delegaccedilatildeo legislativa a nacionalidade cidadania direitos individuais poliacuteticos e eleitorais
A Constituiccedilatildeo brasileira de 1988 com a transiccedilatildeo para o regime democraacutetico
consagrou expressamente esta nova concepccedilatildeo de cidadania como se depreende
da leitura de vaacuterios dos seus dispositivos
Foi nesse sentido que pioneiramente estatuiu a Carta de 1988 em seu art
1ordm que a Repuacuteblica Federativa do Brasil formada pela uniatildeo indissoluacutevel dos
33
Estados e Municiacutepios e do Distrito Federal constitui-se em Estado Democraacutetico de
Direito e tem como fundamentos dentre outros a cidadania (inc II) Como jaacute
mencionado
Na mesma esteira o disposto no art 5ordm incisos LXXI (conceder-se-aacute
mandado de injunccedilatildeo sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviaacutevel o
exerciacutecio dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes agrave
nacionalidade agrave soberania e agrave cidadania) e LXXVII (satildeo gratuitas as accedilotildees de
habeas-corpus e habeas-data e na forma da lei os atos necessaacuterios ao exerciacutecio
da cidadania) No seu Tiacutetulo VIII Capiacutetulo II Seccedilatildeo I a Carta Magna de 1988
dispotildee ainda que a
Educaccedilatildeo direito de todos e dever do Estado e da famiacutelia seraacute promovida e incentivada com a colaboraccedilatildeo da sociedade visando ao pleno desenvolvimento da pessoa seu preparo para o exerciacutecio da cidadania e sua qualificaccedilatildeo para o trabalho (art 205)
Outro dispositivo em que fica bastante marcada esta nova concepccedilatildeo de
cidadania eacute o art 64 do Ato das Disposiccedilotildees Constitucionais Transitoacuterias que
dispotildee
A Imprensa Nacional e demais graacuteficas da Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios da administraccedilatildeo direta ou indireta inclusive fundaccedilotildees instituiacutedas e mantidas pelo Poder Puacuteblico promoveratildeo ediccedilatildeo popular do texto integral da Constituiccedilatildeo que seraacute posta agrave disposiccedilatildeo das escolas e dos cartoacuterios dos sindicatos dos quarteacuteis das igrejas e de outras instituiccedilotildees representativas da comunidade gratuitamente de modo que cada cidadatildeo brasileiro possa receber do Estado um exemplar da Constituiccedilatildeo do Brasil
Enfim a Constituiccedilatildeo de 1988 enriqueceu e ampliou os conceitos de cidadatildeo
e cidadania Seu entendimento agora como leciona Silva (2005)
Decorre da ideia de Constituiccedilatildeo dirigente que natildeo eacute apenas um repositoacuterio de programas vagos a serem cumpridos mas constitui um sistema de previsatildeo de direitos sociais mais ou menos eficazes em torno dos quais eacute que se vem construindo a nova ideacuteia de cidadania
De forma que natildeo mais se trata de considerar a cidadania como simples
qualidade de gozar direitos poliacuteticos mas sim de aferir-lhe um nuacutecleo miacutenimo e
irredutiacutevel de direitos (fundamentais) que devem se impor obrigatoriamente agrave accedilatildeo
dos poderes puacuteblicos
34
O ordenamento juriacutedico brasileiro consagrou aleacutem dos institutos jaacute
mencionados alguns outros mecanismos de defesa dos direitos e garantias
constitucionais da cidadania como a accedilatildeo civil puacuteblica regulada pela Lei nordm
734785 e accedilatildeo direta de inconstitucionalidade prevista no incIV do art 129 da
Constituiccedilatildeo Federal O Coacutedigo de Defesa do Consumidor o Estatuto da Crianccedila e
do Adolescente e ateacute mesmo o princiacutepio do devido processo legal que resguarda ao
cidadatildeo o acesso agrave justiccedila e direito de ser acionado judicialmente por meio de
procedimentos legais satildeo mecanismos de defesa dos direitos de cidadania
previstos constitucionalmente e garantidos na esfera poliacutetica civil e social
Pode-se observar que a cidadania comeccedilou a ser construiacuteda como resultado
de um processo de luta a partir da conscientizaccedilatildeo dos direitos e deveres do
homem Como vimos a cidadania jaacute em praacutetica em muitos paiacuteses adquire no
Brasil com a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 um novo sentido qual seja o
pressuposto do exerciacutecio pleno de um sistema de direitos e garantias
35
CAPIacuteTULO 3 - CIDADANIA COMO MECANISMO DE
TRANSFORMACcedilAtildeO SOCIAL
No momento em que a cidadania alccedila voos constitucionais e insere-se na
Carta Poliacutetica da Repuacuteblica Federativa do Brasil inicia-se o processo de
redemocratizaccedilatildeo e ganha relevo o cidadatildeo agente deste processo que tem em
suas matildeos a tarefa da construccedilatildeo de um novo tempo
Historicamente a ideia de cidadatildeo conotava o habitante da cidade ndash o
citadino ndash firma-se entatildeo tal conotaccedilatildeo na Antiguumlidade claacutessica para depois
significar aquele indiviacuteduo a quem se atribuem os direitos poliacuteticos Superada essa
acepccedilatildeo que tambeacutem vigorou nas constituiccedilotildees anteriores da Repuacuteblica do Brasil
na concepccedilatildeo moderna estaacute clara a noccedilatildeo de cidadatildeo como aquele que a quem
consiste a titularidade de direitos individuais poliacuteticos e sociais Noccedilatildeo esta
edificada com a internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos que amplia a acepccedilatildeo do
termo declarando que satildeo cidadatildeos todo aquele que habita o acircmbito da soberania
de um Estado e deste Estado recebem uma carga de direitos e tambeacutem deveres dos
mais variados
Desta forma a noccedilatildeo contemporacircnea de cidadania funda-se na dicotomia
direitos (exerciacutecios de direitos fundamentais - participaccedilatildeo) e deveres (colaboraccedilatildeo -
solidariedade) Ao lado dos direitos foram estabelecidos deveres fundamentais e
portanto tanto agentes puacuteblicos como os indiviacuteduos tecircm obrigaccedilotildees especiacuteficas
inclusive a de respeitar os direitos das demais pessoas que vivem na ordem social
sendo e promovendo mecanismos de transformaccedilatildeo social que visam uma nova
sociedade baseada na igualdade e na justiccedila
36
31 O ser cidadatildeo
Os termos indiviacuteduo ser humano pessoa e cidadatildeo satildeo geralmente tomados
como sinocircnimo o que certamente influi na proliferaccedilatildeo de incontaacuteveis significados e
ampliaccedilatildeo do termo cidadatildeo Poreacutem estas palavras apesar de se assemelharem
possuem carga semacircntica proacutepria e da compreensatildeo exata de cada uma decorre a
conceituaccedilatildeo mais acentuada da acepccedilatildeo do termo cidadatildeo como titular de direitos
e deveres resguardados pela constituiccedilatildeo paacutetria
Desta forma indiviacuteduo eacute um representante da espeacutecie aquele que eacute uacutenico
Enquanto ser humano eacute um termo mais geneacuterico ou indeterminado que diz respeito
agrave espeacutecie agrave classificaccedilatildeo ao mundo zooloacutegico Pessoa por sua vez eacute um termo
mais especiacutefico que tem a ver com o mundo civilizado ou se preferirmos com a
constelaccedilatildeo dos valores morais eacuteticos e juriacutedicos proacuteprios da civilizaccedilatildeo
A etimologia da palavra pessoa demonstra que eacute um conceito sobreposto ao conceito de Ser Humano Um refratildeo de origem juriacutedica tambeacutem nos lembra do homo plures pessoa polimorfa o ser humano capaz de desempenhar muitos papeacuteis um mesmo ser humano eacute empresaacuterio e delinquumlente eacute pai e metaluacutergico etc Persona (personagem) era a maacutescara que usavam os atores da trageacutedia grega para desempenhar seu papel Cabe portanto entender o conceito de Ser Humano ao lado do conceito de Pessoa No direito romano antigo os escravos eram seres humanos (homens) mas natildeo eram consideradas pessoas (patriacutecios) Os juristas romanos que usavam o conceito de Ser Humano o dissociavam do conceito de pessoas (CUNHA 2007)
O Ser Humano recebe uma distinccedilatildeo importante quando o consideramos
como Pessoa assim como a Pessoa recebe uma distinccedilatildeo redundante natildeo menos
importante quando a consideramos por forccedila de expressatildeo como uma pessoa
humana Subentendendo o adjetivo humano como relativo agrave eacutetica Portanto Ser
Humano natildeo eacute a mesma coisa que Pessoa como tampouco Ser Humano eacute o
mesmo que cidadatildeo este muito eacute mais proacuteximo do termo Pessoa Vejamos o quadro
ilustrativo que esquematiza e distinguem os referidos conceitos
37
QUADRO 1 ndash EVOLUCcedilAtildeO DO SER HUMANO ATEacute O CIDADAtildeO
O Ser Humano O Ser Indiviacuteduo O Ser Pessoa O Ser Cidadatildeo
A Dimensatildeo do conviacutevio social
A dimensatildeo do mercado de trabalho e
Consumo
A Dimensatildeo de encontrar-se no mundo
A dimensatildeo de intervir na realidade
O homem tornar-se Ser Humano nas relaccedilotildees
de conviacutevio social
O Ser Humano tornar-se indiviacuteduo quando
descobre seu papel e funccedilatildeo social
O Indiviacuteduo torna-se pessoa quanto toma
consciecircncia de si mesmo do outro e do
mundo
A pessoa torna-se cidadatildeo quando
interveacutem na realidade em que vive
Quem estuda o comportamento do Ser
Humano Seria a antropologia a histoacuteria
ou a sociologia
Quem estuda o comportamento do indiviacuteduo Seria a
Filosofia a sociologia ou a Psicologia
Quem estuda o comportamento da pessoa Seria a
Filosofia a sociologia ou a Psicologia
Quem estuda o comportamento do cidadatildeo Seria a
Sociologia a Filosofia ou As ciecircncias
poliacuteticas
Quem garante os direitos do Ser
Humano A Declaraccedilatildeo Universal
dos Direitos Humanos
Quem garante os Direitos do
Consumidor O Coacutedigo do Consumidor
Quem garante os Direitos da pessoa A proacutepria pessoa (amor proacuteprio ou autoestima)
Quem garante os Direitos do cidadatildeo (A Constituiccedilatildeo e suas leis
regulamentares)
Existe realmente uma natureza humana Teologicamente
afirmamos que existe a uma natureza humana
Seguindo a corrente existencialista (JP Sartre) negamos tal
natureza
Que diferenccedila existe entre o direito do
consumidor e o direito do cidadatildeo Ao
Consumidor deve ser dado o direito de
propriedade enquanto ao cidadatildeo deve ser
dado o direito de acesso
O que significa tornar-se pessoa no niacutevel
psicoloacutegico e social A pessoa eacute o indiviacuteduo que toma consciecircncia de si mesmo (ldquoTornar-
se Pessoardquo de Karl Roger)
Como podemos intervir na realidade
modificando as estruturas corruptas e injustas Quando os
direitos do cidadatildeo lhe satildeo oferecidos e o
mesmo passa a exercecirc-lo haacute
modificaccedilatildeo de comportamento
(ROSAS 2009)
O cidadatildeo eacute portanto aquele indiviacuteduo a quem a Constituiccedilatildeo confere direitos
e garantias e lhe daacute o poder do seu efetivo exerciacutecio aleacutem de meios processuais
eficientes contra a violaccedilatildeo de seu gozo ou fruiccedilatildeo por parte do poder puacuteblico
Sendo assim
A passagem do indiviacuteduo a cidadatildeo caracteriza-se pelo reconhecimento pela lei de direitos considerados fundamentais agrave realizaccedilatildeo da vida do homem como indiviacuteduo e ser social membro de uma comunidade poliacutetica e a garantia desses direitos pela forccedila comum de todos (CUNHA 2007)
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Nas uacuteltimas deacutecadas em alguns paiacuteses inclusive no Brasil desenvolveu-se o
conceito de cidadania calcado principalmente na questatildeo do cidadatildeo-consumidor
As pessoas passam a ser vistas como cidadatildes desde que tenham dinheiro para
adquirir mercadorias e utilizar serviccedilos Eacute certo pois que serviccedilos e mercadorias
atendem a necessidades materiais e simboacutelicas das pessoas e consumi-los eacute um
dos modos de participar da vida social criar identidade e partilhar dos bens
produzidos pela humanidade e representar-se culturalmente Contudo a cidadania
enfatizada apenas como uma relaccedilatildeo de compra e venda de mercadorias e serviccedilos
assume um conteuacutedo restrito individual conformista e voltado apenas para a
aquisiccedilatildeo de bens o que se relaciona com a ideacuteia de indiviacuteduo ou seja o consumo
atende as necessidades do indiviacuteduo
Outra forma de confusatildeo acerca do conceito de cidadatildeocidadania refere-se a
equiparaccedilatildeo feita com o assistencialismo o que configura uma acentuada inversatildeo
do termo uma vez que a praacutetica do assistencialismo natildeo propicia meios de
superaccedilatildeo das desigualdades sociais Enquanto a cidadania estaacute relacionada agrave
superaccedilatildeo das desigualdades sociais e a extensatildeo da garantia dos direitos de todos
O cidadatildeo eacute sem duacutevida uma expressatildeo que precisa ser adequadamente
utilizada e vivenciada pela coletividade compreendido na dimensatildeo do ser pessoa
de ter direitos e deveres do assumir as suas liberdades e responsabilidades no seio
de uma comunidade democraacutetica equitativa solidaacuteria e intercultural
Dessa forma ser cidadatildeo implica saber viver em sociedade estando ciente
dos anseios comuns A participaccedilatildeo ativa nas decisotildees de sua comunidade
influencia modos de vida de maneira positiva ao seu redor assim torna-se
imprescindiacutevel o exerciacutecio dos direitos constitucionais adquiridos e lutar pelos que
viratildeo eacute sobretudo estar consciente de todas as atitudes tomadas em prol da
sociedade
Eacute possiacutevel nesse espaccedilo de discussatildeo falar em ldquoestar cidadatildeordquo que eacute natildeo
praticar o exerciacutecio da cidadania em nenhuma de suas formas Implica apenas em
se deixar levar pelos acontecimentos e ainda reclamar das situaccedilotildees vividas sem
nada fazer para mudar sem nenhuma perspectiva de futuro Do que concluiacutemos que
a dinacircmica de intervir na realidade eacute pressuposto de cidadania
Ser cidadatildeo eacute tarefa que requer muito do ser humano do individuo da
pessoa Requer uma alta - estima elevada uma consciecircncia solidaacuteria uma
39
identidade que se reconheccedila na dinacircmica social interagindo com o outro ampliando
debates incitando justiccedila eacute sem duvida uma tomada de posiccedilatildeo que natildeo se
acomoda pelo contraacuterio se incomoda quando natildeo haacute comprometimento para o bem
comum
Natildeo eacute uma tarefa cocircmoda senatildeo muito complicada as pessoas natildeo nascem cidadatildeos mas fazem-se no tempo e no espaccedilo Na verdade natildeo eacute faacutecil exercer a liberdade e a cidadania ndash ser pessoa e ser cidadatildeo ndash por isso exige-se uma luta sem treacuteguas para erradicar assimetrias e exclusotildees socioculturais e criar cenaacuterios de esperanccedila realizaacuteveis fundamentados em valores e princiacutepios eacuteticos que requalifiquem a democracia com cidadatildeos participativos e
comprometidos ( SAEZ 1995)
Tem portanto como pressuposto uma mudanccedila de comportamento uma
tomada de posiccedilatildeo frente agrave dinacircmica social na qual estaacute inserido participando de
forma ativa e produtiva do processo de construccedilatildeo da cidadania por meio de seus
diversos canais
32 Emancipaccedilatildeo social atraveacutes da cidadania
Um Estado Democraacutetico eacute aquele que estaacute enraizado na legitimidade do
poder do povo e dele decorre seu exerciacutecio Assim o poder do povo eacute a expressatildeo
a aptidatildeo de homens e mulheres constituir autonomamente seu viver sem sucumbir
diante das instacircncias de poder Haacute nesse modus vivendi uma tutela das diferenccedilas e
pluralidades de formas de vida
Desta forma a cidadania eacute enfocada como o processo de participaccedilatildeo do
individuo ou de um grupo organizado nas mais variadas aacutereas de atuaccedilatildeo na
sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos sociais com a consciecircncia
da responsabilidade por sua proacutepria histoacuteria
Sendo a democracia o regime em que o povo governa sua caracteriacutestica
inarredaacutevel eacute a de ter o povo agrave frente do poder uma forma de autogoverno Em
assim sendo a cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia por meio de resultados
palpaacuteveis e medidas concretas tais como mudanccedilas na realidade de cada um com
melhoria de vida e conscientizaccedilatildeo da importacircncia na sociedade para o exerciacutecio
40
direto ou indireto desse poder pois se contentar com fato do direito estaacute prescrito
em lei natildeo eacute o bastante
Eacute certo poreacutem que o Estado democraacutetico somente se aperfeiccediloa na
proporccedilatildeo em que o povo age ativamente na medida em que os representantes
reflitam em seus atos os verdadeiros anseios populares Partindo dessa visatildeo a
cidadania eacute o grande fator de legitimaccedilatildeo do povo permitindo que ele aja em defesa
das instituiccedilotildees democraacuteticas
Sobre a participaccedilatildeo cumpre asseverar que este direito significa a
capacidade de ser consultado para as tomadas de decisatildeo que dizem respeito agrave
direccedilatildeo da sociedade em que vive o cidadatildeo este direito eacute acompanhado do
respeito aos deveres de contribuir para o progresso social e de acatar e respeitar o
resultado obtido em consulta coletiva
No elenco de mecanismo de exerciacutecio da cidadania estaacute o acesso ao direito e
a justiccedila que eacute fator preponderante para efetivar as garantias constitucionais
Assim passaremos a discorrer sobre a importacircncia de instrumentalizar o
cidadatildeo para um pleno exerciacutecio de seus direitos
Eacute Sabido que no Estado Democraacutetico Contemporacircneo os direitos
fundamentais constitucionalmente assegurados tecircm eficaacutecia imediata cumprindo ao
Estado garantir a todos os cidadatildeos o respeito a esses Direitos de modo concreto e
efetivo natildeo obstante as inuacutemeras desigualdades e condiccedilotildees adversas que
dificultam na praacutetica o seu exerciacutecio
Para o acesso ao direito o Estado deve desenvolver com eficiecircncia uma seacuterie
de atividades essenciais e dar efetividade a uma seacuterie de pressupostos Dentre eles
o principal eacute o conhecimento do Direito como fator preponderante pois o
desconhecimento da lei implica na praacutetica natildeo acionar a jurisdiccedilatildeo Um fato que
contribui para essa assertiva eacute baixa escolaridade da populaccedilatildeo e o analfabetismo
Muito pouco adianta a existecircncia de uma Constituiccedilatildeo apenas formal ou no
papel se ilegiacutetima ou desrespeitada Para que ocorra a eficaacutecia das normas
dispostas numa Constituiccedilatildeo ou melhor para que passe da teoria agrave praacutetica eacute
essencial que comandados e comandantes tenham conhecimento dos seus direitos
e responsabilidades assim como dos instrumentos juriacutedicos para efetivaacute-los (leis
regulamentadoras) O exerciacutecio da cidadania natildeo eacute somente um direito mas eacute
tambeacutem um dever de todos pois a omissatildeo de cada um contribui com as injusticcedilas e
as impunidades tatildeo presentes nos dias atuais
41
A Constituiccedilatildeo quando eacute justa e legiacutetima e principalmente quando eacute
respeitada eacute um poderoso instrumento de promoccedilatildeo e desenvolvimento social e
humano
Outro fator que deve ser considerado eacute a miserabilidade que coloca inuacutemeros
brasileiros a margem da sociedade em situaccedilatildeo precaacuteria os quais para Pinsky
(2004) ldquodesprovidos de esperanccedila de projeto de qualquer perspectiva de inclusatildeo
[] recorrer agrave Justiccedila humana parece algo irrealizaacutevel sofisticado e inteiramente
ficcionalrdquo
Desta forma o primeiro passo para concretizar os direitos previstos
constitucionalmente eacute a formaccedilatildeo do cidadatildeo atraveacutes da Educaccedilatildeo Baacutesica
infundindo-lhe a consciecircncia dos seus direitos e tambeacutem dos seus deveres sociais
bem como dos valores humanos fundamentais que devem ser por todos respeitados
na vida em sociedade A universalizaccedilatildeo do ensino fundamental a oferta obrigatoacuteria
de educaccedilatildeo infantil pelo Estado e o crescimento da oferta do ensino meacutedio satildeo
alguns dos aspectos que merecem destaques e foi devido agrave determinaccedilatildeo
constitucional de estabelecer o caraacuteter obrigatoacuterio do ensino fundamental e de
responsabilizar o Estado por sua implementaccedilatildeo que tem iniacutecio o processo de
avanccedilo desse segmento
A Constituiccedilatildeo estabeleceu de forma mais clara o papel dos entes federados
na educaccedilatildeo Tambeacutem aumentou a participaccedilatildeo orccedilamentaacuteria destinada ao setor
Com as novas regras para distribuiccedilatildeo de recursos adotadas apoacutes a promulgaccedilatildeo
da Carta os municiacutepios voltam a interessar-se pela educaccedilatildeo fundamental e o paiacutes
atinge a universalizaccedilatildeo do setor o que se busca agora satildeo mecanismos para
garantir a qualidade no ensino
O segundo passo nessa dinacircmica eacute o oferecimento a todos os cidadatildeos de
condiccedilotildees miacutenimas de sobrevivecircncia e de existecircncia condignas atraveacutes do acesso
ao trabalho produtivo livremente escolhido e do pagamento de remuneraccedilatildeo capaz
de prover ao sustento do trabalhador e de sua famiacutelia
Para milhotildees de cidadatildeos que vivem na ignoracircncia e na miseacuteria nenhuma
utilidade ou eficaacutecia tecircm os inuacutemeros direitos constitucionalmente assegurados Para
aqueles que se habituaram a retirar proventos da mendicacircncia da prostituiccedilatildeo de
atividades iliacutecitas ou aqueles que se sentiram forccedilados a sujeitar-se agrave exploraccedilatildeo de
outrem para sobreviver natildeo haacute nenhuma crenccedila na dignidade da pessoa humana e
no valor social do trabalho
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A pobreza engendra inuacutemeras relaccedilotildees de dominaccedilatildeo entre pessoas e entre grupos sociais As habitaccedilotildees subumanas da periferia das grandes cidades no Brasil constituem verdadeiros quistos sociais terras sem lei controladas por xerifes ou por quadrilhas de malfeitores O Estado que natildeo for capaz de dotar essas comunidades do acesso efetivo agrave Educaccedilatildeo agrave Sauacutede agrave Seguranccedila e agrave Paz Puacuteblicas e ao trabalho liacutecito certamente natildeo lhes estaraacute assegurando o acesso ao Direito porque a populaccedilatildeo abrutalhada pela miseacuteria e coagida pelo medo natildeo desfruta da miacutenima eficaacutecia concreta dos
seus direitos fundamentais (GRECO 2009)
Evidencia que acesso ao Direito nas sociedades modernas mesmo nas
economicamente desenvolvidas exige o fortalecimento dos grupos intermediaacuterios e
do associativismo O cidadatildeo natildeo estaacute mais em condiccedilotildees de defender-se
individualmente das ameaccedilas e lesotildees aos seus direitos perpetradas por pessoas ou
grupos que se encontram em posiccedilatildeo de vantagem nas relaccedilotildees econocircmicas e
sociais
O sindicato veio exercer este importante papel em relaccedilatildeo ao trabalhador
empregado Mas hoje as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo natildeo satildeo apenas as que existem no
mundo do trabalho mas as que se revelam em todos os tipos de relaccedilotildees humanas
relaccedilotildees de consumo relaccedilotildees de vizinhanccedila relaccedilotildees locatiacutecias relaccedilotildees
comerciais internas e internacionais e natildeo com menor relevacircncia relaccedilotildees entre os
particulares e o Estado entre outras
Eacute preciso assegurar esse equiliacutebrio na praacutetica o que somente tornar-se-aacute
possiacutevel atraveacutes da articulaccedilatildeo dos sujeitos que se encontram em posiccedilatildeo de
desvantagem em organizaccedilotildees e associaccedilotildees que pela uniatildeo de esforccedilos
consigam compensar o desequiliacutebrio existente e dar aos indiviacuteduos e grupos a forccedila
e a capa de proteccedilatildeo necessaacuterias para ombrearem-se aos seus adversaacuterios e
lutarem pelos seus direitos ou interesses em igualdade de condiccedilotildees
Para Greco (2009) o pressuposto indispensaacutevel do acesso ao Direito eacute a
transparecircncia do Estado no trato de questotildees que possam afetar a esfera de
interesses dos cidadatildeos e complementa que aos cidadatildeos eacute indispensaacutevel
assegurar o direito de influir eficazmente nas decisotildees do poder puacuteblico atraveacutes dos
mais diversos instrumentos de participaccedilatildeo democraacutetica Ele afirma que
A relaccedilatildeo Estado-cidadatildeo natildeo eacute mais a relaccedilatildeo soberano-suacutedito O cidadatildeo tem o direito de exigir do Estado o pleno respeito ao seu
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patrimocircnio juriacutedico Lamentavelmente a crise do Estado tem levado o Brasil a aceitar-se como normal que as pessoas juriacutedicas de Direito Puacuteblico natildeo cumpram devidamente as prestaccedilotildees positivas de que satildeo devedoras perante os particulares cabendo a estes demandar na Justiccedila para obtecirc-las (GRECO 2009)
Essa visatildeo deformada da responsabilidade do Estado ocorre o
desvirtuamento da justiccedila Por outro lado agrave violaccedilatildeo da garantia constitucional da
tutela jurisdicional efetiva (Constituiccedilatildeo artigo 5 inciso XXXV) disciplina a lei natildeo
excluiraacute da apreciaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio lesatildeo ou ameaccedila ao direito Assim o
acesso ao Direito natildeo estaraacute concretamente assegurado se o Estado natildeo oferecer a
todo cidadatildeo a possibilidade de receber aconselhamento juriacutedico a respeito dos seus
direitos
Constituiccedilatildeo de 1988 no artigo 5deg inciso LXXIV assegurou a todos
ldquoassistecircncia juriacutedicardquo a englobar assistecircncia judiciaacuteria e assessoramento juriacutedico
extrajudicial Conforme Greco (2009) ldquoeacute preciso que esse direito seja assegurado
na praacutetica Uma vez que na vida moderna o Direito tornou-se excessivamente
complexordquo Ainda no dizer do autor a consciecircncia juriacutedica do homem comum que
deve ser adquirida na famiacutelia e na escola natildeo eacute mais suficiente para a tomada de
decisotildees na vida diaacuteria das pessoas Todas as pessoas mantecircm complexas relaccedilotildees
juriacutedicas com instituiccedilotildees financeiras com fornecedores de bens e de serviccedilos etc
Nessas relaccedilotildees juriacutedicas com frequecircncia os cidadatildeos tecircm de tomar decisotildees
raacutepidas O cidadatildeo que tem meios procura um advogado particular para assessoraacute-
lo Ao pobre o Estado deve assegurar o mesmo direito em plenitude
Sem duacutevida o uacuteltimo pressuposto do acesso ao Direito eacute o acesso agrave Justiccedila
no sentido de acesso a um tribunal estatal imparcial previamente instituiacutedo como
competente para a soluccedilatildeo de qualquer litiacutegio a respeito de interesse que se afirme
juridicamente protegido ou para a praacutetica de qualquer ato que a lei subordine agrave
aprovaccedilatildeo autorizaccedilatildeo ou homologaccedilatildeo judicial
Se o cidadatildeo tem consciecircncia dos seus direitos se o Estado lhe fornece
todas as condiccedilotildees para livremente exercecirc-los mas algum outro cidadatildeo ou algum
oacutergatildeo do proacuteprio Estado impede ou dificulta esse exerciacutecio cabe ao poder puacuteblico
pocircr agrave disposiccedilatildeo do cidadatildeo lesionado ou ameaccedilado a jurisdiccedilatildeo necessaacuteria para
assegurar o pleno acesso a tal direito
Atingimos eacute certo um estaacutegio de desenvolvimento do Direito Humanitaacuterio que
natildeo mais nos permite conformar-nos com uma realidade distante do padratildeo de
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convivecircncia humana que outras naccedilotildees jaacute alcanccedilaram O exerciacutecio pleno de
cidadania seraacute obra de mais de uma geraccedilatildeo Mas se trabalharmos com firmeza
certamente os jovens de hoje poderatildeo legar aos seus descendentes a emancipaccedilatildeo
cidadatilde um paiacutes melhor e uma sociedade mais justa e democraacutetica
33 O municiacutepio como acircmbito de exerciacutecio de cidadania
Historicamente o Municiacutepio enquanto unidade poliacutetico-administrativa surgiu
conforme descreve Berardi (2004) com a Repuacuteblica Romana interessada em
manter a dominaccedilatildeo paciacutefica das cidades conquistadas pela forccedila dos exeacutercitos
Sua origem mais de natureza socioloacutegica do que poliacutetica adveacutem do espiacuterito
associativo do homem e de suas relaccedilotildees de vizinhanccedila
Eacute pois a menor unidade territorial de Federaccedilatildeo cuja criaccedilatildeo reflete a base
da organizaccedilatildeo poliacutetica administrativa da Naccedilatildeo Portanto sua funccedilatildeo administrativa
historicamente vem assentada no princiacutepio do direito natural
O artigo primeiro da Constituiccedilatildeo Federal de 1998 estabelece que o
Municiacutepio ao lado dos Estados e do Distrito Federal formam a Republica Federativa
do Brasil que se constitui em Estado Democraacutetico de Direito O municiacutepio tem assim
um poder relevante para a aplicaccedilatildeo da democracia direta iniciada e fortalecida em
niacutevel local Diversos pensadores chegaram a afirmar que a descentralizaccedilatildeo de
poder resultante da constituiccedilatildeo Cidadatilde era antes de tudo uma conquista dos
Municiacutepios sendo eles os berccedilos da perpetuaccedilatildeo da Repuacuteblica e da Democracia
efetivamente por serem o uacutenico niacutevel de governo possuidores de respaldo e
localizaccedilatildeo fiacutesica ou seja solo municipal
Eacute certo que a Carta Magna de 1988 consolidou significativas inovaccedilotildees para a
vida municipal de forma que o Municiacutepio passou a constituir um dos entes da
federaccedilatildeo tratando-o como unidade dotada de autonomia poliacutetica expressa na
capacidade de poder elaborar a sua Lei Orgacircnica fugindo assim da tutela dos
estados que ateacute entatildeo eram considerados como uacutenicos componentes da federaccedilatildeo
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A Lei Orgacircnica Municipal traz em seu bojo aleacutem da organizaccedilatildeo
administrativa do Municiacutepio a restauraccedilatildeo do Poder Legislativo municipal definindo
a diversificaccedilatildeo normativa que natildeo existia nas leis organizacionais outorgadas pelo
Estado reflexo do poder constituinte outorgados aos Municiacutepios pela Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 como consequecircncia do efetivo exerciacutecio do conceito de Estado
Democraacutetico de Direito
O Municiacutepio enquanto ente federativo tem atualmente a responsabilidade de
ordenar o seu desenvolvimento social e a garantia do bem estar de seus habitantes
executando poliacuteticas puacuteblicas de accedilotildees a serem empreendidas na consolidaccedilatildeo
democraacutetica do Estado
Fundada no elemento participaccedilatildeo o exerciacutecio de cidadania amplamente
citado encontra sua efetividade no municiacutepio Pois eacute nesse acircmbito de localizaccedilatildeo
que as pessoas mantecircm um contato direto com os poderes instituiacutedos suas
necessidades imediatas e mediatas satildeo objetos da disciplina da Lei que visa o bem
comum base do Estado democraacutetico de Direito
Baseado na maacutexima do municipalista e defensor da descentralizaccedilatildeo poliacutetica
Franco Motoro sabiamente proferiu que ldquoningueacutem vive na Uniatildeo ou no Estado As
pessoas vivem no Municiacutepiordquo Assim a cidadania encontra seu melhor espaccedilo de
realizaccedilatildeo na comunidade onde convive A vida em comunidade gera anseios
comuns sentimentos comuns uma vez que a convivecircncia propicia que as pessoas
se conheccedilam e se reconheccedilam como membros de uma mesma realidade
De acordo com Harvey (1992) ldquoa globalizaccedilatildeo provoca anonimato enquanto
comunidade cultiva solidariedaderdquo o que implica participaccedilatildeo para o exerciacutecio de
cidadania
Tudo o que acontece no mundo seja no meu paiacutes na minha cidade ou no meu bairro acontece comigo Entatildeo eu preciso participar das decisotildees que interferem na minha vida Um cidadatildeo com um sentimento eacutetico forte e consciecircncia da cidadania natildeo deixa passar nada natildeo abre matildeo desse poder de participaccedilatildeo (Herbert de Souza Betinho)
Com esse embasamento natildeo se pode perder de vista que eacute nas relaccedilotildees
diaacuterias de oposiccedilatildeo ou solidariedade que as pessoas exercem cidadania Na relaccedilatildeo
do com o outro com os poderes ao estabelecer com a vida social e puacuteblica uma
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convivecircncia posto que cidadania eacute tarefa que natildeo termina natildeo eacute um conceito
pronto tatildeo pouco acabado enquanto seres inacabados que somos estaremos
buscando descobrindo criando e tomando consciecircncia mais ampla dos direitos
O desafio eacute construir um novo discurso sobre cidadania atraveacutes de uma
praacutetica poliacutetica sustentada isto eacute realizada em dois niacuteveis
O primeiro niacutevel na base atraveacutes de construccedilatildeo das capacidades e do poder
proacuteprio da populaccedilatildeo o que envolve inevitavelmente uma mudanccedila de atitude na
busca para garantir seus direitos utilizando-se do grau de autonomia local
Essa atitude conceberia agrave democracia participativa como uma poliacutetica paralela
de intervenccedilatildeo social criando e mantendo novos espaccedilos para a tomada de
decisotildees ou seja para o auto-governo pela populaccedilatildeo nas mateacuterias que afetam
diretamente suas vidas
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade
O segundo niacutevel um governo com o povo e natildeo apenas para o povo fundado
nos ditames constitucionais valorizando o sentimento da sociedade no exerciacutecio da
governabilidade de modo que o balizamento das accedilotildees de governo deixaria de estar
no proacuteprio governo e passaria a estabelecer-se a partir do pensar da sociedade Um
governo que se pergunta o que se deve fazer para ouvir com a maior fidelidade
possiacutevel a sociedade suas instituiccedilotildees representativas e o cidadatildeo Pois as
prioridades da gestatildeo deveriam ser definidas pela sociedade e natildeo mais pelo
governo
Portanto nesses termos eacute preciso considerar que as praacuteticas da
administraccedilatildeo puacuteblica sejam democratizadoras e inclusivas inspiradas nos
princiacutepios da legalidade impessoalidade moralidade publicidade e eficiecircncia Esta
uacuteltima buscou estabelecer uma Administraccedilatildeo Puacuteblica mais eficiente no sentido de
que o cidadatildeo como destinataacuterio dos serviccedilos puacuteblicos que o Estado deve prestar
receba-os com maior qualidade e menor custo para o eraacuterio puacuteblico
Para a consecuccedilatildeo desse governar com o povo alguns pontos devem ser
revistos A mudanccedila implica na necessidade de adequaccedilatildeo reorganizaccedilatildeo
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reformulaccedilatildeo Para isso se faz premente em face dos novos e modernos conceitos
de gestatildeo puacuteblica a superaccedilatildeo do tradicional vezo burocraacutetico que vem convertendo
a Administraccedilatildeo nas palavras Dromi (1995) numa cara ldquomaacutequina de impedirrdquo fiel
ldquocoacutedigo do fracassordquo que dispotildee ldquoartigo primeiro natildeo pode artigo segundo em
caso de duacutevida abstenha-se artigo terceiro se eacute urgente espere artigo quarto
sempre eacute mais prudente natildeo fazer nadardquo numa posiccedilatildeo natildeo burocraacutetica e sim
democraacutetica de considerar que organizaccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica inclui a
praacutetica de ver os cidadatildeos como membros plenos da comunidade poliacutetica tendo
acesso e exercitando direitos as que promovem a organizaccedilatildeo da populaccedilatildeo em
torno de temas de interesse comum as que incluem o controle social sobre a
gestatildeo o debate amplo e informado sobre questotildees de governo e que abrem agrave
populaccedilatildeo as decisotildees sobre estas questotildees Como leciona e Barrientos (2000)
Tratam-se de praacuteticas que natildeo buscam somente melhorar a eficiecircncia administrativa das diferentes organizaccedilotildees puacuteblicas mas que incorporam no seu processo de gestatildeo a dimensatildeo ativa da cidadania isto eacute ldquoque facilitam as iniciativas e responsabilidades de todos os envolvidos[] estabelecendo pontes entre Estado e sociedade civil
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade Acreditamos
que o ponto de partida eacute a atitude aliada agrave solidariedade e ao espiacuterito coletivo Pois
governo e cidadatildeos juntos haveratildeo de cumprir um novo papel no processo de
desenvolvimento como agentes de uma nova cultura
Como afirma Peter Drucke
A parceria comunitaacuteria seraacute um dos verdadeiros setores em crescimento das economias desenvolvidas Surge da necessidade de uma participaccedilatildeo mais direta e efetiva da comunidade nas grandes questotildees da vida social pois natildeo existe ningueacutem melhor que o cidadatildeo para saber o que ele quer para si para sua famiacutelia e para sua comunidade (apud RAMOS 1990)
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O envolvimento efetivo da sociedade nas questotildees sociais natildeo eacute apenas uma
postura moderna Significa antes de tudo uma atitude digna de todos aqueles que
desejam exercer sua cidadania contribuindo para um paiacutes melhor e em especial
para uma sociedade mais justa fraterna e solidaacuteria
Na histoacuteria observa-se a grande coragem das pessoas em construir o
reconhecimento delas proacuteprias e de seus direitos sempre buscando a participaccedilatildeo e
defendendo os Direitos Humanos Sem duacutevida a maior ecircnfase que deve ocorrer
para a construccedilatildeo real da cidadania eacute uma mudanccedila na sociedade O melhor a ser
feito eacute reforccedilar a organizaccedilatildeo democraacutetica buscando novas formas de participaccedilatildeo
social pois cidadania natildeo se resume ao poder de votar ou ser votado mas eacute sempre
na efetiva participaccedilatildeo popular pois somente com isso haacute a verdadeira
conscientizaccedilatildeo e o comprometimento daquele que passa a se sentir cidadatildeo
abandonando-se velhos viacutecios da poliacutetica representativa
Desse modo a participaccedilatildeo do povo no momento das reivindicaccedilotildees das
discussotildees e apreciaccedilotildees de projetos que visem agrave melhoria da comunidade local a
exigecircncia de transparecircncia na administraccedilatildeo da coisa puacuteblica dentre outras eacute quem
daraacute embasamento para as verdadeiras conquistas sociais no Municiacutepio que geram
saudaacuteveis formas de pressatildeo por efetivas poliacuteticas puacuteblicas de inclusatildeo social
gerando o fim do clientelismo poliacutetico tatildeo pejorativo e comum em nossa realidade e
cultura poliacutetica
Somente a participaccedilatildeo social eacute que iraacute causar uma real democratizaccedilatildeo do
poder A afirmaccedilatildeo da cidadania eacute pressuposto para a realizaccedilatildeo dos Direitos
Humanos pois os homens natildeo nascem naturalmente iguais Inclusive para que
ocorra a realizaccedilatildeo dos referidos direitos eacute necessaacuterio tambeacutem que exista um
espaccedilo puacuteblico que seja realmente democraacutetico e acessiacutevel possibilitando a
participaccedilatildeo de todos e esse espaccedilo eacute certamente o municiacutepio
Na praacutetica um forte instrumento de cidadania para atender as necessidades
coletivas eacute o orccedilamento participativo previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal que
determina expressamente a realizaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas e a participaccedilatildeo
popular nos processos de elaboraccedilatildeo e conduccedilatildeo dos orccedilamentos como forma de
incentivo agrave preparaccedilatildeo e execuccedilatildeo de planejamentos que envolvam diretamente o
povo A Lei veio incentivar a sua propagaccedilatildeo para todos os entes federativos tendo
em conta que se trata de uma tendecircncia mundial por legitimar as escolhas e
fortalecer o princiacutepio da transparecircncia
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Os meios de acesso do cidadatildeo junto aos Poderes Puacuteblicos eacute uma realidade
no Estado Democraacutetico de Direito brasileiro a exemplo das sessotildees do Poder
Legislativo que satildeo puacuteblicas ficando abertas a todos que delas quiserem participar
Emite-se uma pauta antes do comeccedilo da sessatildeo com a preacutevia dos debates Em
niacutevel municipal verifica-se um acompanhamento mais incisivo sobre as sessotildees das
Cacircmaras de Vereadores como forma de pressatildeo para aprovaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees
da comunidade avaliaccedilatildeo do desempenho e aceitaccedilatildeo de propostas orccedilamentaacuterias
e atuaccedilatildeo dos poliacuteticos bem como entendimento das funccedilotildees do Poder Legislativo
A Constituiccedilatildeo Federal assegura desde 1988 a possibilidade de se oferecer
peticcedilatildeo agraves Mesas Legislativas como forma de pedir informaccedilotildees sobre andamento
de projetos ou relatoacuterios encaminhados aos chefes do Poder Executivo Em niacutevel
municipal pode ser utilizada a Tribuna Livre como instrumento para denuacutencias de
problemas ou discussatildeo de um tema ou mesmo para apresentar sugestotildees sendo
regulado pela Lei Orgacircnica Municipal e pelo Regimento Interno da Cacircmara
A convocaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas tambeacutem possui previsatildeo constitucional
no art 58 sect 20 inciso II em niacutevel federal As comissotildees podem em razatildeo da
mateacuteria de sua competecircncia realizar audiecircncias puacuteblicas com entidades da
sociedade civil E nada obsta que estejam previstas formas de articulaccedilatildeo da
sociedade civil com os Presidentes das Comissotildees da Cacircmara no seu Regimento
Interno em acircmbito municipal
Os dispositivos da Constituiccedilatildeo Federal que dispotildeem sobre a forma de
participaccedilatildeo direta do cidadatildeo e da sociedade civil no processo democraacutetico natildeo se
pode negar que trouxe novas perspectivas De modo geral podemos citar
Art 29 A lei orgacircnica dos Municiacutepios tem que observar entre os seus
preceitos ldquocooperaccedilatildeo das associaccedilotildees representativas no planejamento municipalrdquo
Art 31 As contas dos municiacutepios ficaratildeo durante 60 (sessenta) dias
anualmente a disposiccedilatildeo de qualquer contribuinte para exame e apreciaccedilatildeo o qual
poderaacute questionar-lhes a legitimidade nos termos da lei
Art37 sect 3ordm (EC-1998) A lei disciplinaraacute as formas de participaccedilatildeo do usuaacuterio
na administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta regulando especialmente
I- as reclamaccedilotildees relativas a prestaccedilatildeo dos serviccedilos puacuteblicos em geral asseguradas
a manutenccedilatildeo de serviccedilo de atendimento ao usuaacuterio e a avaliaccedilatildeo perioacutedica externa
e interna da qualidade dos serviccedilos
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II- o acesso dos usuaacuterios a registros administrativos e a informaccedilatildeo sobre atos de
governo observado o disposto no art 5ordm X e XXXIII
III- a disciplina da representaccedilatildeo conta o exerciacutecio negligente ou abusivo de cargo
emprego ou funccedilatildeo na administraccedilatildeo puacuteblica
Art 74 sect 2ordm Qualquer cidadatildeo partido poliacutetico associaccedilatildeo ou sindicato eacute
parte legiacutetima para na forma de lei denunciar irregularidades ou ilegalidades perante
o Tribunal de Contas da Uniatildeo
Art194 paraacutegrafo uacutenico Compete ao Poder Puacuteblico nos termos da lei
organizar a seguridade social com base nos seguintes objetivos ()
VII ndash caraacuteter democraacutetivo descentralizado na administraccedilatildeo mediante gestatildeo
quadripartite com participaccedilatildeo dos trabalhadores dos empregados e dos
aposentados e do Governo nos oacutergatildeos colegiados nos oacutergatildeos colegiados
Art 198 As accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede integram uma rede
regionalizada e hierarquizada o constituem um sistema uacutenico organizado de acordo
com as seguintes diretrizes
III ndash participaccedilatildeo da comunidade
Art 202 sect 6ordm A lei complementa a que se refere o sect 4ordm deste artigo
estabeleceraacute os requisitos para a designaccedilatildeo dos membros das diretorias das
entidades fechadas de previdecircncia privada e disciplinaraacute a inserccedilatildeo dos
participantes nos colegiados e instacircncias de decisatildeo em que seus interesses sejam
objeto de discussatildeo e deliberaccedilatildeo
Art 204 As accedilotildees governamentais na aacuterea de assistecircncia social seratildeo
organizadas com base nas seguintes diretrizes
II ndash Participaccedilatildeo da populaccedilatildeo por meio de organizaccedilotildees representativas na
formulaccedilatildeo das poliacuteticas e no controle das accedilotildees em todos os niacuteveis
O protagonista na concretizaccedilatildeo dos direitos humanos e na ampliaccedilatildeo da cidadania eacute um sujeito coletivo de um trabalho sempre inacabado eis que se tratam de tarefas e conquistas cotidianas e gradativas obras que soacute podem ser realizada a muitas matildeos no partilhar e compartilhar da vida (COSTA NETO 2010)
A ampliaccedilatildeo da cidadania requer a consciecircncia de que os direitos pressupotildeem
deveres de maneira que os direitos de um indiviacuteduo satildeo garantidos a partir do
cumprimento dos deveres dos demais componentes da sociedade
51
34 A necessaacuteria superaccedilatildeo de velhos paradigmas
Como se sabe em 1988 foi aprovada a Constituiccedilatildeo mais liberal e
democraacutetica do Brasil chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo Assim ampliou-se de
forma significativa o campo dos direitos e garantias fundamentais No que diz
respeito a tal mateacuteria eacute considerada como uma das mais avanccediladas do mundo No
seu preacircmbulo adota o modelo de um Estado democraacutetico de Direito destinado a
garantir o exerciacutecio dos direitos sociais e individuais a liberdade a seguranccedila o
bem-estar o desenvolvimento a igualdade e a justiccedila eleitos como valores
supremos de uma sociedade fraterna pluralista e sem preconceitos
Para a construccedilatildeo democraacutetica da cidadania no Brasil contemporacircneo
salienta-se de ela deve passar de uma democracia representativa para uma
cidadania que efetivamente molde a democracia ou seja uma cidadania instituinte
da democracia
No acircmbito constitucional positivo cidadania pressupotildee o exerciacutecio de todos
os direitos fundamentais e garantias que caracterizam o Estado democraacutetico de
Direito Quando se fala em cidadania eacute no sentido de reafirmar o direito pela plena
realizaccedilatildeo do indiviacuteduo do cidadatildeo dos entes coletivos e de sua emancipaccedilatildeo nos
espaccedilos da sociedade Estatildeo sempre intimamente ligados os conceitos de
cidadania democracia e direitos humanos sendo que um remete ao outro e seus
conteuacutedos se interligam ou seja a cidadania natildeo iraacute ocorrer sem que ocorra a
realizaccedilatildeo dos Direitos Humanos da mesma forma que os direitos humanos natildeo
seratildeo concretizados se natildeo houver o exerciacutecio da cidadania
Na evoluccedilatildeo histoacuterica tais categorias se desenvolveram de forma conjunta
com o Estado Representam noccedilotildees desejaacuteveis de relaccedilotildees humanas que se espera
sejam instituiacutedas Satildeo os elementos basilares na nova ordem social e que a
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 pretendeu edificar Poreacutem a democracia poliacutetica natildeo
resolveu os problemas econocircmicos mais seacuterios como a desigualdade e o
desemprego Continuam muito seacuterios os problemas da aacuterea social principalmente
na educaccedilatildeo nos serviccedilos de sauacutede e saneamento como tambeacutem e
principalmente quanto agrave seguranccedila puacuteblica
52
A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 em seu artigo 6ordm e em outros artigos no texto
constitucional ampliou e muito os Direitos Sociais proibiu discriminaccedilotildees Assim
indicadores baacutesicos de qualidade de vida apontam que houve uma melhoria A
mortalidade infantil por exemplo caiu de maneira significativa nos uacuteltimos anos A
esperanccedila de vida ao nascer passou de 60 anos em 1980 para 70 em 2000 Poreacutem
o maior progresso foi na aacuterea da educaccedilatildeo fundamental que eacute considerado fator
decisivo para a cidadania pois a taxa de analfabetismo caiu consideravelmente
entretanto existem muitos problemas no campo educacional como a repetecircncia e
com relaccedilatildeo a desigualdade social entre as regiotildees
A grande concentraccedilatildeo da riqueza nacional nas matildeos de poucos reflete a
desigualdade e causa a pobreza e a miseacuteria ao passo que dificulta o acesso do
cidadatildeo agrave justiccedila e consequentemente ao seu estado de cidadania pleno
Dentre os fundamentos no qual se baseiam o Estado democraacutetico de Direito
no Brasil destaca-se justamente a cidadania e a dignidade humana conforme artigo
1ordm incisos II e III da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Entatildeo construir uma sociedade
livre justa e solidaacuteria garantir o desenvolvimento nacional erradicar a pobreza e a
marginalizaccedilatildeo reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de
todos sem preconceitos de origem raccedila sexo cor idade ou quaisquer outras
formas de discriminaccedilatildeo satildeo os objetivos fundamentais do Estado Brasileiro
conforme art 3ordm da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
O cenaacuterio de globalizaccedilatildeo econocircmica mundial tambeacutem traacutes seacuterios obstaacuteculos
para a construccedilatildeo da cidadania A globalizaccedilatildeo da economia em ritmo acelerado
provoca grandes mudanccedilas nas relaccedilotildees entre Estado sociedade e naccedilatildeo que
eram sempre o centro da noccedilatildeo e da praacutetica da cidadania ocidental O foco das
mudanccedilas e das preocupaccedilotildees estaacute em dois focos especiacuteficos a reduccedilatildeo do papel
central do Estado como fonte de direitos e local para a participaccedilatildeo e o
deslocamento da naccedilatildeo como principal fonte de identidade coletiva
Para que ocorra efetiva mudanccedila a melhor proposta eacute no sentido de
mudanccedila na organizaccedilatildeo da sociedade pois a inversatildeo da sequecircncia dos direitos
fez com que ocorra o reforccedilo da supremacia do Estado Para que ocorra a
consolidaccedilatildeo democraacutetica e cidadatilde eacute necessaacuterio reforccedilar a organizaccedilatildeo da
sociedade para assim dar embasamento social ao poder poliacutetico ou seja
finalmente democratizar o poder e estabelecer de forma plena a Cidadania
53
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A Constituiccedilatildeo que nasce com ldquocheiro de amanhatilde e natildeo de mofordquo nas
palavras do Deputado Ulisses Guimaratildees tem em seu relevo a esperanccedila de um
povo que sonhava com a erradicaccedilatildeo da repressatildeo militar e natildeo soacute isso um povo
que sonhava com a liberdade em suas diversas manifestaccedilotildees em suas mais
significativas formas de representaccedilatildeo e sobretudo com um paiacutes voltado para a
democracia e justiccedila social
Ao povo brasileiro foi concedido o poder de governar e nesse contexto de
mudanccedila a ldquodemocracia eacute o governo do povo pelo povo e para o povordquo na
conceituaccedilatildeo ceacutelebre de Abraham Lincoln E consoante estabelece o paraacutegrafo
uacutenico do art 1ordm da Carta cidadatilde de 1988 ldquotodo poder emana do povo que o exerce
por meio de representantes eleitos ou diretamenterdquo
No entanto natildeo basta que a fonte de poder seja o povo a democracia vem
significar a efetiva participaccedilatildeo do povo nas decisotildees e destino do Estado e sua
consolidaccedilatildeo eacute a proacutepria cidadania pois eacute o cidadatildeo que pensa e se auto define
diante da condiccedilatildeo soacutecio-histoacuterica O cidadatildeo tem portanto o poder de transformar
a realidade social segundo seu pensamento e accedilatildeo
Natildeo se pode negar que a Carta de 1988 foi a que apresentou maior
legitimidade popular que abriu caminhos apontando um novo tempo
Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita Se fosse perfeita seria irreformaacutevel Ela proacutepria com humildade e realismo admite ser emendada ateacute por maioria mais acessiacutevel dentro de cinco anos Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita mas seraacute uacutetil e pioneira e desbravadora Seraacute luz ainda que de lamparina na noite dos desgraccedilados Eacute caminhando que se abrem os caminhos Ela vai caminhar e abri-los Seraacute redentor o que penetrar nos bolsotildees sujos escuros e ignorados da miseacuteria (Ulysses Guimaratildees)
Mesmo natildeo sendo a constituiccedilatildeo perfeita sem duacutevida foi a que trouxe
esperanccedila ao povo brasileiro com a sua promulgaccedilatildeo surgiram o ldquohaacutebeas datardquo o
mandado de injunccedilatildeo e o mandado de seguranccedila coletivo - todos remeacutedios judiciais
de iacutendoles constitucionais serviacuteveis para prevenir e combater diversas tentativas de
abuso contra a pessoa humana Outrossim o objeto da accedilatildeo popular foi ampliado
Atualmente qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima para propor a mencionada accedilatildeo
54
popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de entidade de que o
Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e ao patrimocircnio
histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de custas
judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia Nesse rol de forma decisiva houve a
ampliaccedilatildeo tambeacutem dos direitos sociais
Assim a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconhece e assegura uma seacuterie de
escudos protetivos aos cidadatildeos Em sua essecircncia os direitos fundamentais
ganham forma De modo que podemos assegurar que hoje o nosso Estado eacute uma
organizaccedilatildeo centrada no ser humano visto que tem a dignidade da pessoa humana
como um fundamento da Repuacuteblica Federativa do Brasil
Apesar das inuacutemeras dificuldades o Estado Democraacutetico de Direito fundado
na cidadania constituiu para o povo uma nova identidade ndash o que em outras eacutepocas
natildeo existia
A Constituiccedilatildeo circunscreve toda a organizaccedilatildeo poliacutetica estatal no intuito
maior de criar no consciente coletivo a vontade livre e determinada de desenvolver
padrotildees de condutas destinados a elevar e promover a auto-estima de toda a
comunidade paacutetria
Foi nesse sentido que estatui em seu artigo 1ordm a cidadania como fundamento
do Estado Democraacutetico de Direito ampliando e enriquecendo o tal conceito Cada
eacutepoca produziu praacuteticas e reflexotildees muito distintas sobre o tema cidadania A
definiccedilatildeo de cidadania que vem sofrendo alteraccedilotildees ao longo do tempo obedecendo
a um processo histoacuterico de conquistas sociais eacute compreendida atualmente como
um processo de participaccedilatildeo do indiviacuteduo ou de um grupo organizado nas mais
variadas aacutereas de atuaccedilatildeo da sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos
e sociais
A cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia disso natildeo haacute duvidas e se
efetiva como mudanccedilas na realidade de cada um com melhoria de vida e
conscientizaccedilatildeo da importacircncia do cidadatildeo dado que eacute um processo em
permanente construccedilatildeo Natildeo haacute como defender uma qualidade de vida sem a
preservaccedilatildeo da cidadania em todos os seus acircmbitos Nesse sentido a efetiva
proteccedilatildeo desse aspecto basilar torna-se essencial no que tange uma assistecircncia
juriacutedica completa
No contraponto do direito estatildeo os deveres que encontramos sua realizaccedilatildeo
tambeacutem na participaccedilatildeo observando que o cidadatildeo eacute responsaacutevel pelo advir de
55
suas accedilotildees A participaccedilatildeo reflete um caraacuteter de natildeo comodismo de atenccedilatildeo agravequilo
que eacute particular e coletivo tendo como finalidade preciacutepua o bem comum
Construir cidadania hoje eacute imperativo para a sociedade pois dessa
construccedilatildeo depende o amanhatilde Estamos diante da Constituiccedilatildeo que se propotildee a
resguardar o amanhatilde sem perder de vista que ele comeccedila hoje agora e nisso a
Carta Poliacutetica traacutes consigo a certeza do despertar dessa consciecircncia a consciecircncia
cidadatilde Ela eacute a semente plantada em terra feacutertil que gera frutos diariamente e se
renova a cada estaccedilatildeo na dinacircmica da vida Talvez tenha sido esse o cheiro de
frutas alcanccedilado pelo constituinte ao anunciar que a carta tem ldquocheiro do amanhatilderdquo
A responsabilidade pelo exerciacutecio desses direitos belissimamente elencados
depende de todos e de cada um pois somos o terreno feacutertil que produziraacute o fruto de
uma sociedade fraterna
Eacute comum na praacutetica apenas responsabilizarmos o Estado em sentido lato pelo
natildeo exerciacutecio dos direitos do cidadatildeo Vale lembrar nesse contexto das palavras de
J Kennedy o qual disse ldquonatildeo pergunte o que o Estado pode fazer por vocecirc mas o
que vocecirc pode fazer pelo Estadordquo haacute nessa frase um forte traccedilo de cidadania pois
quando o cidadatildeo reivindica critica opina o que ele daacute em contrapartida ao paiacutes eacute
solidificado visto que eacute nas relaccedilotildees familiares em comunidade que se estabelece e
se fortalece os viacutenculos de solidariedade de uma sociedade que perpetua valores
condutas que as leis reguladoras natildeo conseguem por si soacute estabelecer
A concretizaccedilatildeo do ideal de uma qualidade de vida merecida a todos os seres
humanos sem restriccedilotildees requer entretanto um esforccedilo coletivo Dessa forma haacute
necessidade de suprir as muitas carecircncias advindas das desigualdades sociais e de
condiccedilotildees do descaso do poder puacuteblico e da proacutepria conceituaccedilatildeo antiga de
cidadania que ainda eacute concebida por muitos no presente
Em suma nosso trabalho procurou traccedilar a evoluccedilatildeo da cidadania e ao
mesmo tempo buscou traccedilar uma melhor caracterizaccedilatildeo do cidadatildeo agrave luz da nossa
Constituiccedilatildeo que eacute por fim a essecircncia da Magna Carta O alcance da cidadania
enquanto mecanismo de acesso a direitos foi colocado no acircmbito da pessoa
enquanto titular de direitos e num paralelo defendemos que o municiacutepio eacute o espaccedilo
de atuaccedilatildeo e exerciacutecio de cidadania dada a proximidade do cidadatildeo com as
instituiccedilotildees oacutergatildeos entidades e tudo o mais que o cerca na esfera de vivecircncia Eacute na
praccedila que discute a poliacutetica local e nacional que se indigna com as dificuldades e as
56
barreiras de acesso aos seus direitos Eacute no municiacutepio que se inicia todo um vieacutes de
desdobramento para garantir direitos
Por fim natildeo obstante resta dizer sobre o tema que os caminhos e
paradigmas que se intentou percorrer sobre cidadania como mecanismo
transformador da sociedade tem ingrediente ainda a se descortinar para o
propoacutesito valioso do bem comum Pois bem a ideia de bem comum tem como
fundamento o amor maacutexima que se estabelece por meio da democracia visto que
ldquoa demofilia o demoiacutesmo o amor do povo acima de tudo como princiacutepio ativo de
toda a sua vida poliacutetica inspirador duma sempre crescente autonomia imanente eacute
que constitui a verdadeira essecircncia da democraciardquo nas palavras de Melgareacute
(2005)
Dessa forma eacute no nuacutecleo da democracia que estaacute inscrito como pedra
angular o respeito e o amor pela pessoa humana Eacute pois um tema de larga
abrangecircncia poreacutem sem querer abreviar o caminho sua efetiva possibilidade de
realizaccedilatildeo se encontra no exerciacutecio da cidadania sem repuacutedios parciais ou exclusatildeo
de qualquer ordem na plenitude de uma cidadania para todos
57
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
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58
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FICHA CATALOGRAacuteFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA SETORIAL DE GUARABIRAUEPB
Elissandra Maria Conceiccedilatildeo de Brito
B265e Brito Elissandra Maria Conceiccedilatildeo de
O exerciacutecio da cidadania como mecanismo transformador da sociedade Elissandra Maria Conceiccedilatildeo de Brito ndash Guarabira UEPB 2013
58 f Trabalho de Conclusatildeo de Curso (Especializaccedilatildeo em
Direito) Universidade Estadual da Paraiacuteba Orientaccedilatildeo Prof Me Antocircnio Cavalcante da Costa Neto
1 Cidadania 2 Direitos Baacutesicos (Constituiccedilatildeo) 3
Democracia I Tiacutetulo 22ed CDD 342
ELISSANDRA MARIA CONCEICcedilAtildeO DE BRITO
O EXERCIacuteCIO DA CIDADANIA COMO MECANISMO
TRANSFORMADOR DA SOCIEDADE
Aprovada em 18 de maio de 2013
Aprovada em 18 de maio de 2013
Guarabira ndash PB 2013
DEDICATOacuteRIA
Amor de matildee Conhece barreiras
Conhece obstaacuteculos Conhece impossiacutevel
Natildeo Amor de matildee Conhece dor
Mas supera no trabalho Conhece a distancia
Mas supera na esperanccedila Conhece dificuldade
Que natildeo paralisa Que natildeo intimida Que natildeo descrer
Amor de matildee suporta os amores desfeitos O ritmo desfeito o rumo desfeito a vida desfeita
Na certeza de ser maior de ser melhor de ser matildee
Para Dona Lia minha matildee Com todo o meu amor
Dedico
AGRADECIMENTOS
Ao dileto Professor Antonio Cavalcante da Costa Neto pelas valiosas contribuiccedilotildees
e solicitude com que me orientou (um sonho realizado) Li recentemente um texto
luacutedico intitulado ldquoUma mensagem a Garciardquo e encontrei naquelas linhas o perfil do
Dr Antonio Por analogia um homem a quem foi confiado uma importante missatildeo e
diante da incumbecircncia natildeo perguntou o que A quem Como Tomou sua missatildeo
deu a ela um quecirc de feacute um pouco de filosofia muito de humildade e sabedoria e fez
da sua missatildeo um sacerdoacutecio E noacutes seus alunos somos gratos por ele ter
plantado em nossos coraccedilotildees liccedilotildees de eacutetica de direito de justiccedila de esperanccedila
Aos professores da Especializaccedilatildeo em nome de Belarmino Mariano Luciano
Nascimento e Agassiz Almeida Filho nossa eterna gratidatildeo
Ao amigo Professor advogado Everaldo Ribeiro pelo companheirismo e
solidariedade com que me incentivos durante os periacuteodos mais difiacuteceis dessa
caminhada
A Gerson que pelas escolhas do coraccedilatildeo se fez meu irmatildeo
Agrave Iolanda minha comadre amiga-irmatilde de todas as horas
A Assis Brito (meu marido) exemplo de superaccedilatildeo meu constante incentivador
A Vovoacute Julia (In memoriam) que me ensinou a acreditar que eu poderia ir muito
aleacutem onde os meus sonhos me levassem
A dona Lia minha matildee minha amiga presenccedila de Deus na minha vida
Agrave Aimeacutee Antocircnia minha filha companheira inseparaacutevel presente de Deus
A Deus Senhor da minha vida e Autor da minha histoacuteria
Abre os olhos e vecirc Secirc vigilante
a reaccedilatildeo natildeo passaraacute diante
do teu punho fechado contra o medo
Levanta-te meu povo Natildeo eacute tarde
Agora eacute que o mar canta eacute que o sol arde
pois quando o povo acorda eacute sempre cedo
(Joseacute Carlos Ary dos Santos)
Sumaacuterio
INTRODUCcedilAtildeO 09
CAPIacuteTULO 1 NOVOS OLHARES SOBRE A CIDADANIA 12
11 As origens da cidadania 13
12 A construccedilatildeo da cidadania 16
13 Cidadania um fenocircmeno cultural 18
14 cidadania no Brasil Breves consideraccedilotildees 19
CAPIacuteTULO 2 CIDADANIA Agrave LUZ DA CONSTITUICcedilAtildeO FEDERAL DE 1988 23
21 Estado Democraacutetico de Direito espaccedilo de cidadania 24
22 Os direitos fundamentais como pressupostos de identidade da cidadania 27
23 A consagraccedilatildeo dos direitos do cidadatildeo 31
CAPIacuteTULO 3 CIDADANIA COMO MECANISMO DE TRANSFORMACcedilAtildeO
SOCIAL 35
31 O ser cidadatildeo 36
32 A emancipaccedilatildeo social atraveacutes da cidadania 39
33 O municiacutepio como acircmbito de exerciacutecio de cidadania 44
34 A necessaacuteria superaccedilatildeo de velhos paradigmas 50
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 53
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 57
RESUMO
A cidadania assumiu historicamente inuacutemeras concepccedilotildees em funccedilatildeo dos muitos contextos social e cultural em que esta inserida Sua construccedilatildeo ficou condicionada a maneira como se formaram os Estados Assim o conceito de cidadania como direito a ter direitos foi construiacutedo dentro das estruturas proacuteprias de cada Estado dessa forma a cidadania moderna se desenvolveu na medida em que as pessoas se sentem parte do Estado-naccedilatildeo podendo participar da dinacircmica e construccedilatildeo do bem comum Eacute dentro desse contexto que se insere o presente estudo que tem por objetivo discorrer a respeito dos principais instrumentos de defesa dos direitos do cidadatildeo observando a cidadania como mecanismo de transformaccedilatildeo social No Brasil a cidadania ganha relevo com a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 na qual aparece como princiacutepio fundamental A Carta Cidadatilde abarca no decorrer de seu texto inuacutemeras inovaccedilotildees no que concerne a questatildeo da caracterizaccedilatildeo da cidadania na sociedade atual e os direitos que abrangem a esfera poliacutetica civil e social No elenco de mecanismo de exerciacutecio da cidadania objeto de nossa anaacutelise estaacute o acesso ao direito e a justiccedila que eacute fator preponderante para efetivar as garantias constitucionais bem como a educaccedilatildeo que implica ao ser humano o conhecimento de si mesmo e do meio no qual estaacute inserido dele podendo participar de forma produtiva O alcance da cidadania enquanto exerciacutecio de direitos e deveres eacute colocada no acircmbito do municiacutepio por ser o ente federativo mais proacuteximo do cidadatildeo Nesse vieacutes a construccedilatildeo da cidadania plena se constitui como tarefa de muitas matildeos firmada em accedilotildees que visam o bem comum PALAVRAS-CHAVE cidadania direitos constituiccedilatildeo democracia
ABSTRACT
Citizenship assumed historically many concepts in the light of many social and cultural contexts in which it operates Its construction was conditioned how states were formed Thus the concept of citizenship as a right to have rights built into the structures of each state so modern citizenship has developed to the extent that people feel part of the nation-state can participate in the construction of dynamic and well common It is within this context that the present study which aims to talk about the main instruments of defense of civil rights noting citizenship as a mechanism for social change In Brazil citizenship becomes important to the Federal Constitution of 1988 which appears as a fundamental principle The Citizen Charter includes in the course of your text numerous innovations regarding the issue of characterization of citizenship in modern society and the rights covering the political civil and social The cast engine citizenship object of our analysis is access to law and justice that is decisive for effective constitutional guarantees as well as the education that involves the human knowledge of oneself and the environment in which it is inserted it can participate productively The scope of the exercise of citizenship as rights and duties is placed within the municipality for being the federative entity closest to the citizen In this vein the construction of full citizenship is constituted as a task of many hands signed into actions aimed at the common good KEYWORDS citizenship rights constitution democracy
9
INTRODUCcedilAtildeO
A palavra cidadania tem sido usada com muita frequecircncia desde um discurso
poliacutetico a um diaacutelogo trivial pois eacute um vocaacutebulo de significado amplo que permite o
seu emprego para referir-se aos direitos humanos ou direitos do consumidor ou
para dirigir-se a um indiviacuteduo
O conceito de cidadania sempre esteve fortemente associado agrave noccedilatildeo de
direito o que de certa forma justifica a amplitude de usos do termo jaacute que a histoacuteria
da cidadania confunde-se com a histoacuteria dos direitos humanos a histoacuteria das lutas
das gentes para a afirmaccedilatildeo de valores como a liberdade a dignidade e a
igualdade de todos os seres humanos indistintamente Percebe-se portanto que
existe um estreito relacionamento entre cidadania e luta por justiccedila por democracia
e outros direitos fundamentais Pois como afirma Santana (2009)
A histoacuteria da cidadania confunde-se em muito com a histoacuteria das lutas pelos direitos humanos A cidadania esteve e estaacute em permanente construccedilatildeo eacute um referencial de conquista da humanidade atraveacutes daqueles que lutam por mais direitos maior liberdade melhores garantias individuais e coletivas []
Sua trajetoacuteria eacute longa e liga-se as transformaccedilotildees poliacuteticas ocorridas na
histoacuteria das sociedades O seu nascimento remota a Antiguidade passando por uma
perda de seu significado na Idade Media ateacute ressurgir na Modernidade e originar
calorosos debates nos dias de hoje
No Brasil estamos tecendo a nossa cidadania e aos poucos vamos nos
livrando da visatildeo restritiva da cidadania aplicada como simples conjunto de pessoas
dotadas de direitos poliacuteticos (cidadania ativa e cidadania passiva)
Passos importantes foram dados com o processo de redemocratizaccedilatildeo e a
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 mas essa trajetoacuteria ainda tem um longo caminho a
ser percorrido pois construir cidadania eacute tambeacutem construir novas relaccedilotildees e
10
consciecircncia de que ela natildeo se limita a conquista legal de direitos mas tambeacutem a
realizaccedilatildeo desses direitos Sob pena de que a natildeo apropriaccedilatildeo desses direitos de
forma efetiva os transforma em letra morta
A consciecircncia cidadatilde perpassa a democracia os direitos sociais e o ideal
coletivo de justiccedila em sentido amplo o qual denominamos de bem comum A
vivecircncia da cidadania encontra diversas barreiras culturais e histoacutericas pois como
afirma Matos (2009)
Somos filhos e filhas de uma naccedilatildeo que nasceu sob o signo da cruz e da espada acostumados a apanhar calado a dizer sempre lsquosim senhorrsquo a lsquoengolir saposrsquo a achar lsquonormalrsquo as injusticcedilas a termos um lsquojeitinhorsquo para tudo a natildeo levar a seacuterio a coisa puacuteblica a pensar que direitos satildeo privileacutegios e exigi-los eacute ser boccedilal e metido a pensar que Deus eacute brasileiro e se as coisas estatildeo como estatildeo eacute por vontade Dele
Os direitos que hoje gozamos natildeo nos foram conferidos de maneira
harmoniosa foram conquistados E muitas vezes os compreendemos como uma
concessatildeo um favor de quem estaacute em cima para os que estatildeo em baixo da piracircmide
social e essa concepccedilatildeo errocircnea fragiliza a capacidade de organizaccedilatildeo participaccedilatildeo
e intervenccedilatildeo social que configura a cidadania
Este trabalho monograacutefico portanto tem como escopo discutir e traccedilar alguns
pressupostos que possibilitem a compreensatildeo do efetivo exerciacutecio da cidadania
como mecanismo transformador de uma sociedade (participaccedilatildeo cidadatilde nas
decisotildees da administraccedilatildeo puacuteblica que alcancem toda a coletividade)
compreendendo que a cidadania deve ser vista em todos os seus aspectos
principalmente no sentido que atraveacutes dela se almeja uma sociedade com vida
digna para todos Cidadania essa que se configurou e vem se impondo em meio a
fortes resistecircncias e combates
Para que os objetivos fossem alcanccedilados elegemos a pesquisa bibliograacutefica
como teacutecnica baacutesica para coletarmos os dados necessaacuterios Tratou-se de uma
proposta de estudo portanto de cunho eminentemente bibliograacutefico Assim sendo
as fontes da pesquisa foram as proacuteprias obras dos doutrinadores
Eacute por meio de referenciais teoacutericos como Hannah Arendt Joseacute Afonso da
Silva Norberto Bobbio Dalmo Dallari Walber Agra Celso Bandeira de Melo
Boaventura de Souza Joseacute Murilo de Carvalho entre outros expoentes da ciecircncia
juriacutedica que contextualizamos estes questionamentos e de certa maneira temos a
11
pretensatildeo de contribuir para o fortalecimento do debate acadecircmico em torno de um
elemento valioso para o Estado Constitucional a cidadania
A dimensatildeo doutrinaacuteria do tema diz respeito a sua importacircncia para a aacuterea de
estudos em que se insere - o Direito Pois estudar e analisar elementos constitutivos
da cidadania significa compreender uma questatildeo que vem a cada dia tomando mais
espaccedilo nos meios acadecircmicos
Nos dias atuais em que a poacutes-modernidade permeia as relaccedilotildees juriacutedicas
propiciando a interdisciplinaridade e a flexibilidade da interpretaccedilatildeo dos dispositivos
postos o processo de discussatildeo voltado para a questatildeo da cidadania vivencia na
atualidade grande relevacircncia Nesse diapasatildeo duas consideraccedilotildees seratildeo levadas a
efeito a cidadania como um fundamento constitucional da Repuacuteblica Federativa do
Brasil de acordo com o que preceitua o inciso II do artigo 1ordm da Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 o local mais propiacutecio para o exerciacutecio efetivo da cidadania eacute o
municiacutepio onde ocorrem agraves decisotildees mais proacuteximas da comunidade em que o
individuo cidadatildeo tem maior facilidade de participaccedilatildeo nas decisotildees e por fim que
os indiviacuteduos exercem cidadania acessando a justiccedila em busca de seus direitos
Neste sentido o presente trabalho analisa algumas questotildees que estiveram e
ainda estatildeo por traacutes do desenvolvimento da foacutermula da cidadania percorrendo para
tanto desde a antiguidade ateacute o tempo presente De modo que o objetivo do
mesmo eacute analisar o processo de constituiccedilatildeo e consolidaccedilatildeo da cidadania ao longo
dos tempos como tambeacutem procura demonstrar os caminhos que de fato o conceito
de cidadania percorreu ateacute chegar agraves formulaccedilotildees da nossa eacutepoca em que passou
a ser concebida como um princiacutepio fundamental da Repuacuteblica Federativa do Brasil
Defendemos por fim que a cidadania como hoje a enxergamos eacute talvez o
uacutenico arcabouccedilo viaacutevel para a convivecircncia poliacutetica sendo certo que a sociabilidade
por traacutes da construccedilatildeo estatal precisa arrimar-se em postulados democraacuteticos e
criteacuterios de emancipaccedilatildeo da liberdade individual e coletiva os quais satildeo
pressupostos da cidadania plena
12
CAPIacuteTULO 1 - NOVOS OLHARES SOBRE A CIDADANIA
A cidadania vista como uma verdadeira visatildeo democraacutetica da convivecircncia eacute
siacutembolo de todo um incessante processo desencadeado por meio de um labutar
juriacutedico-politico-cultural que vem acompanhado de vaacuterias etapas do fenocircmeno
humano na tentativa de harmonizar os interesses valores e necessidades dos
homens
Seus correspondentes mecanismos de atuaccedilatildeo na sociedade atual natildeo
surgiram como que por encanto pacificamente sem luta Brotaram apoacutes uma
semeadura ideoloacutegica em conflito com outras ideologias e doutrinas que lhe eram
contraacuterias A cidadania portanto consiste na lenta construccedilatildeo da democracia
sintetiza os esforccedilos para a obtenccedilatildeo das prerrogativas poliacuteticas sociais e culturais
que tecircm levado os membros da comunidade poliacutetica direta ou indiretamente a
decidir acerca da realidade que os cercam
Neste sentido obra de construccedilatildeo do civismo democraacutetico que vem se
fortalecendo de maneira eficaz com a promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo brasileira de
1988 a cidadania toma como ponto de partida a ideia de que o Estado democraacutetico
de Direito eacute uma conquista resultado de uma construccedilatildeo permanente da
convivecircncia sociopoliacutetica
13
11 As origens da cidadania
A expressatildeo cidadania emana do termo latino civitas No entanto pode-se
encontrar suas procedecircncias intelectuais nas religiotildees da Antiguidade e nas
civilizaccedilotildees greco-romanas Polites que os romanos traduziram por cives que eacute o
soacutecio da polis ou civitas O legado greco-romano da palavra civitas nos remete agraves
noccedilotildees de liberdade igualdade e virtudes republicanas Eacute na polis grega que os
conceitos de liberdade e igualdade ganham sentido No entanto eacute importante citar
que
A participaccedilatildeo na polis ou na civitas era exclusiva de alguns homens que participavam do funcionamento da cidade-Estado eram eles os titulares de direitos poliacuteticos Eram considerados cidadatildeos apenas os homens nascidos no solo da cidade livres e iguais portadores de dois direitos inquestionaacuteveis portadores da isonomia (igualdade perante a lei) e da isegoria (o direito de expor e discutir em puacuteblico opiniotildees sobre accedilotildees que a cidade deveria ou natildeo realizar) (CHAUIacute 1994)
Ser cidadatildeo para os gregos significava antes de tudo usufruir certas
vantagens que nenhum outro homem conhecera Como afirma Minogue ldquoOs
cidadatildeos tinham riqueza beleza e inteligecircncia diversas mas como cidadatildeos eram
iguaisrdquo (1998) Foi especialmente no seacuteculo V aC que Atenas viveu seu momento
de apogeu Nesse seacuteculo especificamente desenvolveram-se as concepccedilotildees de
cidadania e democracia Em oposiccedilatildeo agrave ideia aristocraacutetica de poder o cidadatildeo
poderia e deveria atuar na vida puacuteblica independentemente da origem familiar
classe ou funccedilatildeo (ARENDT 1995)
Da mesma forma a racionalidade era conferida a uma minoria da
populaccedilatildeo exclusivamente aos homens que tinham o direito de filosofar aleacutem de
participar da academia (culto agrave beleza fiacutesica) e do poder (direito de comandar
politicamente todos os interesses da polis mediante a elaboraccedilatildeo e execuccedilatildeo de
leis e normas administrativas) Cidadatildeo segundo o teoacuterico Coulanges
Eacute todo o homem que segue a religiatildeo da cidade que honra os mesmos deuses da cidade () o que tem o direito de aproximar-se dos altares e podendo penetrar no recinto sagrado onde se realizam as assembleias assiste agraves festas acompanha as procissotildees e participa dos panegiacutericos participa dos banquetes sagrados e recebe sua parte das viacutetimas Assim esse homem no dia em que se inscreveu no registro dos cidadatildeos jurou praticar o culto dos deuses da cidade e por eles combater (2003)
14
Os escravos e os baacuterbaros natildeo podiam tomar parte dos ambientes
sagrados Segundo alguns teoacutericos apenas 10 da populaccedilatildeo eram considerados
cidadatildeos em Atenas A fim de reduzir as despesas do Estado o governo restringiu o
direito de cidadania somente os filhos de pai e matildee atenienses seriam considerados
cidadatildeos As mulheres os metecos (estrangeiros) e os escravos continuaram
desprovidos de quaisquer direitos poliacuteticos A mulher era considera o ldquonatildeo serrdquo
equiparada aos escravos cuidava dos afazeres ldquodomeacutesticosrdquo servia como
instrumento de procriaccedilatildeo e natildeo participava portanto das decisotildees da polis
Aristoacuteteles descreve que mulheres e escravos eram mantidos fora da vista do
puacuteblico eram os trabalhadores que ldquocom o seu corpo cuidavam das necessidades
(fiacutesicas) da vidardquo Satildeo as mulheres que com seu corpo garantem a sobrevivecircncia
fiacutesica da espeacutecie Mulheres e escravos conforme Arendt
Pertenciam agrave mesma categoria e eram mantidos fora das vistas alheias - natildeo somente porque eram propriedade de outrem mas porque a sua vida era ldquolaboriosardquo dedicada a funccedilotildees corporais O filho de preferecircncia deveria ser do sexo masculino sendo candidato em potencial para exercer a cidadania O escravo servia de matildeo-de-obra para o sustento e manutenccedilatildeo dos cidadatildeos (1995)
Para Aristoacuteteles ser cidadatildeo diz respeito a todo aquele que eacute capaz de
tomar parte tanto no judiciaacuterio quanto no poder deliberativo da polis ldquoNenhum
caraacuteter define melhor o cidadatildeo no sentido estrito do que a participaccedilatildeo do exerciacutecio
dos poderes de juiz e magistradordquo (ARISTOacuteTELES A Poliacutetica III 16 Apud
TOURAINE 1994) O fim uacuteltimo do homem eacute viver na polis onde o homem se
realiza como cidadatildeo (politai) manifestando o processo de constituiccedilatildeo de sua
essecircncia a sua natureza Ou seja natildeo apenas viver em sociedade mas viver na
ldquopoliticidaderdquo
Para Aristoacuteteles a reflexatildeo sobre a poliacutetica eacute que ela natildeo se separa da
eacutetica pois segundo o estagirita a vida individual estaacute imbricada na vida comunitaacuteria
A razatildeo pela qual os indiviacuteduos reuacutenem-se nas cidades (e formam comunidades
poliacuteticas) natildeo eacute apenas a de viver em comum mas a de viver ldquobemrdquo ou a boa vida
Para que isso aconteccedila eacute necessaacuterio que os cidadatildeos vivam o bem comum ou em
15
conjunto ou por intermeacutedio dos seus governantes se acontecer o contraacuterio (a busca
do interesse proacuteprio) estaacute formada a degeneraccedilatildeo do Estado
Por fim como afirma Correcirca (1999) ldquoa cidadania da Greacutecia Claacutessica
possui um paracircmetro muito especiacutefico de difiacutecil aceitaccedilatildeo numa concepccedilatildeo
moderna de cidadaniardquo Ou seja o que caracteriza a cidadania antiga eacute seu aspecto
limitador elitista e excludente pouco semelhante com o entendimento dos nossos
dias
Destarte como a democracia a cidadania passou por diferentes e possiacuteveis
ldquoinvenccedilotildeesrdquo em periacuteodos e espaccedilos determinados da histoacuteria e da geografia do
Ocidente Greacutecia e Roma consolidaram por seacuteculos seus sistemas de governos
possibilitando e permitindo a participaccedilatildeo de um significativo nuacutemero de cidadatildeos
Com o desaparecimento das civilizaccedilotildees claacutessicas a cidadania desaparece
juntamente e por um bom tempo ficaraacute fora de cena no Ocidente
Conforme Benevides (1994) a ideia moderna de cidadania e de direitos do
cidadatildeo tem como eacute sabido soacutelidas raiacutezes nas lutas e no imaginaacuterio da Revoluccedilatildeo
Francesa
Na continuidade da tradiccedilatildeo dos seacuteculos XVII e XVIII o contratualismo de
Locke e de Rousseau forneceu as bases filosoacuteficas do conceito de cidadania do
liberalismo e as revoluccedilotildees Inglesa Americana e Francesa que validaram seu uso
ao estabelecer um viacutenculo juriacutedico-legal entre as noccedilotildees de liberdade igualdade
fraternidade e o Estado-naccedilatildeo (MOISEacuteS 2005)
Nos seacuteculos XVIII e XIX outras correntes teoacutericas sobre o direito e a cidadania
seratildeo contempladas No entanto estas teorias vatildeo se contrapor agraves teorias do
jusnaturalismo e do contratualismo Segundo Correcirca (1999)
Para o positivismo juriacutedico (positivismo normativista de Kelsen) bem como para a Escola da Exegese e a Escola Histoacuterica o que vale eacute o ensino dogmaacutetico - as normas (exclue-se a anaacutelise interdisciplinar entre outras aacutereas principalmente com as Ciecircncias Sociais) A lei eacute a uacutenica fonte do direito Para essas escolas a cidadania eacute negada
Mais proacuteximo de noacutes no seacuteculo XX T A Marshall foi quem primeiro
discutiu o conceito de cidadania e suas dimensotildees no ensaio claacutessico ldquoCidadania e
classe socialrdquo Ainda hoje depois de mais de seis deacutecadas apoacutes a sua publicaccedilatildeo
16
(em 1949) o ensaio de Marshall continua a ser a referecircncia teoacuterica fundamental
para quem comeccedila a refletir sobre a cidadania na sociedade contemporacircnea eacute o
que se pode constatar de resto atraveacutes da consulta a mais recente bibliografia
dedicada a esse tema
Os Direitos Civis dentro da tradiccedilatildeo apresentada por Marshall estatildeo
ligados aos direitos fundamentais do homem como o direito agrave vida agrave liberdade agrave
propriedade e agrave igualdade perante a lei Jaacute os Direitos Poliacuteticos se referem agrave
participaccedilatildeo do cidadatildeo no governo da sociedade Seu exerciacutecio eacute limitado a uma
reduzida parcela da populaccedilatildeo e consiste na capacidade de fazer demonstraccedilotildees
poliacuteticas formar e participar de agremiaccedilotildees poliacuteticas organizar partidos votar e ser
votado Em geral quando se fala de direitos poliacuteticos
Eacute do direito do voto que se estaacute falando Por fim aparecem os Direitos Sociais que garantem a participaccedilatildeo no governo da sociedade e na riqueza coletiva Eles incluem o direito agrave educaccedilatildeo ao trabalho ao salaacuterio justo agrave sauacutede e agrave aposentadoria (CARVALHO 2002)
Eacute a soma desses direitos (civis poliacuteticos e sociais) que garantem a
emancipaccedilatildeo humana e a justiccedila social Certamente Marshall descreveu a evoluccedilatildeo
da cidadania em seu paiacutes de origem ou seja a Inglaterra Foi nesse paiacutes que
surgiram inicialmente os direitos civis no seacuteculo XVIII depois vieram os direitos
poliacuteticos (XIX) e por fim os direitos sociais (XX) Trata-se portanto de verdadeiras
conquistas da contemporaneidade E como tal fazem parte de um cotidiano em que
homens e mulheres lutam por dias melhores pelo Direito justo por uma cidadania
plena e eficaz por uma convivecircncia equilibrada pela existecircncia plena daqueles que
acreditam e defendem os valores por traacutes da dignidade da pessoa humana
12 A construccedilatildeo da cidadania
A Cidadania natildeo pode ser vista como um conceito estaacutetico pois ela natildeo se
resume somente em participaccedilatildeo atraveacutes de eleiccedilotildees mas sim como uma
construccedilatildeo da democracia politizada e participativa da construccedilatildeo do poder
17
Nas uacuteltimas deacutecadas o Brasil passou por significativas mudanccedilas de
paradigmas dentre os quais podemos citar a reconstruccedilatildeo do conceito proposto de
cidadania Pode-se dizer que apesar das inuacutemeras desigualdades socioeconocircmicas
o termo ldquocidadaniardquo evoluiu ampliando-se a abrangecircncia de sua concepccedilatildeo
abarcando todas as categorias sociais Para tanto para que possamos compreender
como vem se dando essa evoluccedilatildeo eacute preciso que conheccedilamos como tem se dado a
construccedilatildeo histoacuterica da representaccedilatildeo simboacutelica da cidadania
Durante toda a sua evoluccedilatildeo histoacuterica a palavra cidadania e as vaacuterias facetas
que ela assumiu nas uacuteltimas deacutecadas vecircm convivendo de perto com dissensotildees
sociais interesses e conflitos ideoloacutegicos culturais e poliacuteticos que se dedicam a
defender ou construir um modelo de cidadania compatiacutevel com as conjunturas de
cada tempo e de cada lugar
A marcha da cidadania sempre esteve ligada a avanccedilos retrocessos crises e
vitoacuterias enfim a iniciativas voltadas para a implantaccedilatildeo de uma estrateacutegia de luta
pelos direitos humanos pois ela esteve e estaacute em permanente construccedilatildeo eacute como
dizem os grandes teoacutericos um referencial de conquista da humanidade atraveacutes
daqueles que sempre lutaram e lutam por mais direitos mais liberdade melhores
garantias sejam elas individuais ou coletivas e natildeo se conformam frente agraves
dominaccedilotildees arrogantes de um pequeno grupo dominador e opressor contra uma
maioria desassistida e que natildeo se consegue fazer ouvir exatamente porque se lhe
nega a cidadania plena cuja conquista ainda que tardia natildeo seraacute obstada
Os caminhos trilhados pelos que defendem a cidadania podem vir a
apresentar em termos de sentimento constitucional a luta por um Estado
Democraacutetico de Direito que ajude na construccedilatildeo de uma adequada compreensatildeo
das situaccedilotildees de conjuntura e dos problemas estruturais que a sociedade enfrenta
dia apoacutes dia situaccedilotildees essas que se congregam para gerar a falta de efetividade
normativa da nossa Constituiccedilatildeo Aleacutem disso oferecem um amplo panorama acerca
dos esforccedilos que os povos empreenderam para fundar os alicerces das democracias
constitucionais do mundo moderno
A histoacuteria da construccedilatildeo da cidadania eacute uma histoacuteria de resistecircncias de povos
contra as opressotildees dos governos do desespero e das necessidades das massas eacute
a histoacuteria da esperanccedila e do empenho das naccedilotildees a histoacuteria da convivecircncia das
paixotildees humanas do futuro das geraccedilotildees eacute a histoacuteria do sofrimento e da dor eacute a
histoacuteria das vicissitudes e dramas do proacuteprio fenocircmeno humano
18
13 Cidadania um fenocircmeno cultural
A cidadania eacute um fenocircmeno cultural relacionada com a conquista de direitos
com as construccedilotildees das instituiccedilotildees com a proteccedilatildeo dos direitos fundamentais e
dos valores juriacutedicos e humanos Trata-se de uma realidade cultural cuja finalidade eacute
determinar o modo como agraves pessoas devem vincular-se agraves mudanccedilas nas estruturas
sociais determinando o modo como agraves pessoas devem atuar e (com) viver em
sociedade
De certo modo a cidadania como o Direito e todos os direitos representa uma
conquista da cultura frente agrave conflitiva natureza humana Tal conclusatildeo ajuda a
compreender o Estado Democraacutetico de Direito e tudo aquilo que ele simboliza em
termos de emancipaccedilatildeo da pessoa humana Nessa linha a necessidade de
compreender o conceito atual de cidadania agrave luz das questotildees culturais e sociais
postas pela sociedade poacutes-moderna veio-nos como heranccedila do processo cultural de
formaccedilatildeo das democracias modernas
Essa representaccedilatildeo cultural da cidadania vem sendo tratada pelos
pensadores modernos sob vaacuterios enfoques Num primeiro momento surge assim
por exemplo a cidadania civil que marcou a superaccedilatildeo da situaccedilatildeo observada na
Idade Meacutedia garantindo os direitos quanto agrave liberdade e agrave justiccedila e vinculando-se
diretamente agrave burguesia Jaacute a cidadania poliacutetica surgiu com a universalizaccedilatildeo de seu
proacuteprio conceito e com a ampliaccedilatildeo dos direitos civis Esta nova consciecircncia sobre
as diferenccedilas no interior do status de cidadatildeo acentua os debates sobre a exclusatildeo
social os direitos humanos e mesmo sobre a atuaccedilatildeo poliacutetica da sociedade civil Por
outro lado no atual estaacutegio do capitalismo falar em cidadania significar considerar
igualmente as proacuteprias mudanccedilas ocorridas na sociedade nos valores e na
educaccedilatildeo proporcionados pelas inovaccedilotildees da realidade tecnocientifica
Temos desse modo associado ao atual conceito de cidadania um repertoacuterio
teoacuterico e mesmo praacutetico cuja amplitude acompanha o proacuteprio desenvolvimento das
sociedades poacutes-modernas dando a impressatildeo crescente como afirma Harvey
19
De uma poderosa configuraccedilatildeo de novos sentimentos e pensamentos Que parecia a caminho de desenvolvimento social e poliacutetico apenas em virtude da maneira como definia padrotildees de criacutetica social e de praacutetica poliacutetica Em anos recentes ele vem determinando os padrotildees de debate definindo o modo do lsquodiscursorsquo e estabelecendo paracircmetros para a criacutetica cultural poliacutetica e cultural (1992)
Contudo a extensatildeo desses direitos agrave totalidade da populaccedilatildeo natildeo
possibilitou a garantia da liberdade e da igualdade idealizadas por Rousseau em sua
obra ldquoO Contrato Socialrdquo Por outro lado pode-se dizer que todos esses anos de
desenvolvimento acabaram por afirmar que a cidadania de fato soacute pode se constituir
por meio de acirrada luta cotidiana por direitos e pela garantia daqueles que jaacute
existem
Mais do que isso nota-se maior preocupaccedilatildeo com a difusatildeo desses direitos
seja por meio de educaccedilatildeo formal seja pelos meios de comunicaccedilatildeo Livros
didaacuteticos e paradidaacuteticos tecircm fomentado a discussatildeo sobre o status de cidadatildeo e os
direitos humanos outros associam ao desenvolvimento da cidadania uma
discussatildeo sobre os meios de comunicaccedilatildeo e o proacuteprio capitalismo como afirma o
professor Dalmo de Abreu Dallari em Cidadania e Direitos Humanos (1998)
Nessa perspectiva problemas recorrentes como as violaccedilotildees dos direitos
humanos as ineficiecircncias no campo social e o processo de pauperizaccedilatildeo
manifestado na periferia do capitalismo mostram que a cidadania exige mais do que
o simples ato de votar ou de pertencer a uma sociedade poliacutetica Cabe portanto agrave
sociedade civil caraacuteter representativo que substitua as pressotildees ou mesmo a
atuaccedilatildeo legiacutetima dos cidadatildeos
A evoluccedilatildeo da cidadania portanto consiste na lenta construccedilatildeo da
democracia que sintetiza os esforccedilos para a obtenccedilatildeo das prerrogativas ideoloacutegicas
e culturais que tecircm levado os membros da sociedade a decidirem acerca da
realidade que os cercam
14 Cidadania no Brasil breves consideraccedilotildees
Discorrer sobre a construccedilatildeo da cidadania no Brasil eacute tocar num ponto
crucial da nossa histoacuteria Passados mais de 500 anos da chegada dos portugueses
20
por estas paragens percebe-se que a consolidaccedilatildeo da cidadania ainda eacute um desafio
para todos os brasileiros
O tema cidadania muito se tem discutido na academia e fora dela o jargatildeo
da cidadania estaacute na moda nas instituiccedilotildees poliacuteticas e juriacutedicas como tambeacutem na
opiniatildeo puacuteblica mas concretamente eacute um conceito ainda a ser construiacutedo
No contexto histoacuterico-cultural e poliacutetico dos gregos especificamente por
volta do ano 380 aC (periacuteodo do apogeu daquela civilizaccedilatildeo) embora a cidadania
fosse limitada a uma parcela social minoritaacuteria pode-se afirmar que tanto a
democracia quanto a cidadania grega natildeo deixam de ser conquistas ineacuteditas e
avanccedilos significativos para a histoacuteria ocidental Jaacute a evoluccedilatildeo e a real consolidaccedilatildeo
da cidadania na modernidade nascem a partir dos direitos naturais (vida
propriedade liberdade) do homem liberal burguecircs garantido pelas consecutivas
ldquoDeclaraccedilotildees de Direitosrdquo elaboradas a partir das revoluccedilotildees liberais na Inglaterra
(Revoluccedilatildeo Gloriosa 1688-89) Estados Unidos (Emancipaccedilatildeo poliacutetica 1776) Franccedila
(Revoluccedilatildeo Francesa)
No entanto pode-se dizer que o nosso paiacutes apesar da influecircncia dos paiacuteses
europeus vivenciou como ainda vivencia uma difiacutecil construccedilatildeo da cidadania
A longa histoacuteria do Brasil vem elencando razotildees profundas para a nossa
natildeo-cidadania atual a exemplo da conquista (ou invasatildeo) do nosso territoacuterio o
grande latifuacutendio a escravidatildeo a monocultura de exportaccedilatildeo o analfabetismo a
perpetuaccedilatildeo das elites poliacuteticas no poder fatores que refletem nos viacutecios da vida
social cultural poliacutetica e econocircmica do paiacutes
Fundamentalmente eacute preciso afirmar que no Brasil a construccedilatildeo da
cidadania natildeo seguiu a loacutegica da trajetoacuteria inglesa Houve no Brasil segundo
Carvalho (2002) pelo menos duas diferenccedilas importantes
A primeira refere-se agrave maior ecircnfase em um dos direitos o social em relaccedilatildeo aos outros a segunda refere-se agrave alteraccedilatildeo na sequecircncia em que os direitos foram adquiridos entre noacutes o social precedeu os outros
Uma das razotildees fundamentais das dificuldades da construccedilatildeo da cidadania
estaacute ligada como nos diz Carvalho ao ldquopeso do passadordquo mais especificamente ao
periacuteodo colonial (1500-1822) quando
21
Os portugueses tinham construiacutedo um enorme paiacutes dotado de unidade territorial linguiacutestica cultural e religiosa Mas tinham deixado uma populaccedilatildeo analfabeta uma sociedade escravocrata uma economia monocultora e latifundiaacuteria um Estado Absolutista (CARVALHO 2002)
Em suma foram 322 anos sem poder puacuteblico sem Estado sem naccedilatildeo e
cidadania Diante de tatildeo obscuro cenaacuterio de dominaccedilatildeo opressatildeo dentre outras
formas de natildeo efetivaccedilatildeo da cidadania no Brasil podemos elencar dentre outros
tantos fatores quais foram os principais obstaacuteculos para a construccedilatildeo da cidadania
brasileira O latifuacutendio agro-exportador do periacuteodo colonial bem como o escravismo
o analfabetismo marcaram negativamente nossas origens e ateacute hoje dificultam
avanccedilos no acircmbito poliacutetico-social e econocircmico Aleacutem dessas outras razotildees foram e
continuam sendo entraves para a consolidaccedilatildeo das instituiccedilotildees poliacutetica que
impedem os avanccedilos necessaacuterios para uma cidadania plena Na ordem poliacutetica
permanecem ainda algumas mazelas histoacutericas como o patrimonialismo
(promiscuidade entre o puacuteblico e o privado) o coronelismo com sua nova roupagem
o clientelismo aleacutem da corrupccedilatildeo entre outros
Mesmo diante de tatildeo vergonhoso cenaacuterio natildeo podemos nos dispensar que
tambeacutem alcanccedilamos mesmo que de forma tiacutemida significativas conquistas de
direitos no Brasil comparadas com outros paiacuteses que vivenciaram um processo de
colonizaccedilatildeo semelhante ao nosso A conquista desses direitos deu-se de maneira
tardia e inversa haja vista que somente em 1824 mais de 320 anos apoacutes a chegada
dos portugueses foi que surgiram os primeiros direitos civis e poliacuteticos (antes disso
estaacutevamos submetidos agrave lei da coroa portuguesa) Aos poucos surgiram os direitos
sociais mas exatamente no momento em que os direitos civis e poliacuteticos estavam
sendo negados no periacuteodo da ditadura de Vargas (1937-45) e na ditadura militar
(1964-1985) Parece um paradoxo mas foi exatamente nesse periacuteodo de
conturbaccedilotildees poliacuteticas que marchamos em direccedilatildeo agrave conquista de significativos
direitos que iriam projetar uma ideia de lutas e vitoacuterias que se projetariam no campo
da cidadania de modo bastante concreto
Por fim haveremos de concordar com Benevides (1994) ao afirmar que no
intuito de reverter agrave realidade poliacutetico-social excludente ou de uma cidadania
passiva ou sem ldquopovordquo eacute necessaacuterio recorrer agrave defesa de mecanismos institucionais
22
como o referendo o plebiscito e a iniciativa popular para a construccedilatildeo do que ela
chama de uma cidadania ativa ou democracia semidireta Alguns autores veem
dificuldades na implementaccedilatildeo desse sistema em paiacuteses que estatildeo em processo de
democratizaccedilatildeo no entanto logo em seguida apontam para a educaccedilatildeo poliacutetica ndash
entendida como educaccedilatildeo para a cidadania ativa
Desse modo pode-se proferir que todos esses anos de desenvolvimento
acabaram por afirmar que a cidadania de fato soacute pode se constituir por meio de
acirrada luta cotidiana por direitos e pela garantia daqueles que jaacute existem pois
apesar da existecircncia de profundas desigualdades sociais a ideia de cidadania
evoluiu com o passar dos anos Ampliou-se a abrangecircncia de sua concepccedilatildeo
abraccedilando todas as classes sociais e minorias Deixou de restringir-se apenas agrave
participaccedilatildeo poliacutetica para relacionar uma seacuterie de deveres da sociedade para com o
cidadatildeo Na praacutetica ainda haacute muito que se fazer para que direitos e deveres sejam
os mesmos para todos No entanto a busca pela realizaccedilatildeo da maacutexima ldquocada
homem um votordquo continua a ser perseguida
A luta pela conquista plena da cidadania eacute parte integrante da democracia
uma vez que assegura a continuidade das transformaccedilotildees juriacutedicas poliacuteticas entre
outras Natildeo resta duacutevida acerca do papel estruturante que essa luta desempenha no
quadro das democracias contemporacircneas fato que a converte em uma irresistiacutevel
conquista da modernidade O caraacuteter estruturante que a cidadania projeta nos
quadros da democracia atual estaacute ligado a permanente busca de um Estado
compatiacutevel com a realidade de cada tempo histoacuterico
23
CAPIacuteTULO 2 - CIDADANIA Agrave LUZ DA CONSTITUICcedilAtildeO FEDERAL DE
1988
A Constituiccedilatildeo eacute a ordem juriacutedica fundamental da comunidade nas palavras
de Konrad Hesse (apud PALU 2001) eacute um documento juriacutedico e poliacutetico dirigido aos
cidadatildeos e estes satildeo os seus primeiros destinataacuterios A Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica eacute
a Lei fundamental composta por um conjunto de normas baacutesicas que compotildeem a
estrutura juriacutedica poliacutetica social e econocircmica de um paiacutes Essa eacute razatildeo pela qual
ela eacute chamada de Carta Magna pois a ela nada se sobrepotildee Para Dallari (1985) a
Constituiccedilatildeo
[] eacute a declaraccedilatildeo da vontade poliacutetica de um povo feita de modo solene por meio de uma lei que eacute superior a todas as outras que visando agrave proteccedilatildeo da dignidade humana estabelece os direitos e as responsabilidades fundamentais dos indiviacuteduos dos grupos sociais do povo e do governo
Desta forma uma Constituiccedilatildeo natildeo surge do nada ela eacute resultado de
observaccedilotildees e experiecircncias e sua finalidade eacute de afirmar e garantir os direitos
elementares das pessoas humanas disciplinar o uso ao mesmo tempo em que
evita o abuso de poder organizando de forma racional a sociedade e o governo
Satildeo inegaacuteveis as inovaccedilotildees teacutecnicas trazidas pela Constituiccedilatildeo Brasileira de
1988 no campo da instituiccedilatildeo garantia e proteccedilatildeo dos direitos fundamentais A
dignidade da pessoa humana e o exerciacutecio da cidadania satildeo considerados princiacutepios
fundamentais da Carta Magna Brasileira de 1988
Cidadania direito a ter direitos na acepccedilatildeo de Haberle ( apud VALADEacuteS
2009) refere-se a todos os direitos previstos na Constituiccedilatildeo de 1988 e ainda
aqueles natildeo expressos mas decorrentes do regime e dos princiacutepios por ela
adotados na dicccedilatildeo do sect 2deg art 5deg
O princiacutepio fundamental da cidadania conforme jaacute exposto impregna todo o
texto constitucional vigente a partir do art 1deg II em que figura de forma
24
exponencial relativamente ao Estado brasileiro e tudo que lhe corresponda no
exerciacutecio de um poder que adquire significaccedilatildeo renovada e amplificada na
sociedade contemporacircnea Segundo Arendt
A cidadania eacute o direito a ter direitos pois a igualdade em dignidade e direitos dos seres humanos natildeo eacute um dado Eacute um construiacutedo da convivecircncia coletiva que requer o acesso ao espaccedilo puacuteblico Eacute este acesso ao espaccedilo puacuteblico que permite a construccedilatildeo de um mundo comum atraveacutes do processo de asserccedilatildeo dos direitos humanos
Nesse diapasatildeo o direito a ter direitos compreende o pleno acesso ao
espaccedilo puacuteblico o efetivo exerciacutecio do poder poliacutetico das prerrogativas inerentes agrave
cidadania conforme explicita a Constituiccedilatildeo no art 5deg LXXI a propoacutesito do
mandado de injunccedilatildeo no dizer todo direito atribuiacutedo com o caraacuteter de exclusividade
agrave pessoa
21 Estado Democraacutetico de Direito espaccedilo de cidadania
Apoacutes a eacutepoca de grandes restriccedilotildees militares o ato de promulgaccedilatildeo da
Constituiccedilatildeo Federal em 05 de outubro de 1988 vem marcar uma nova fase de
esperanccedila para os brasileiros Ao batizaacute-la de Constituiccedilatildeo cidadatilde a Assembleia
Nacional Constituinte atraveacutes de seu presidente o Deputado Ulisses Guimaratildees
resumiu o espiacuterito do texto constitucional assegurar aos brasileiros direitos sociais
essenciais ao exerciacutecio da cidadania e estabelecer mecanismos para garantir o
cumprimento de tais direitos
O que se viu a partir de entatildeo foi uma lenta poreacutem significativa mudanccedila na
sociedade brasileira A Constituiccedilatildeo Federal que eacute sem duacutevidas um marco na
histoacuteria do paiacutes traccedila a prioridade dada pelos constituintes aos direitos dos
brasileiros que pode ser observada em todas as questotildees
A Carta faz uma ampliaccedilatildeo dos direitos individuais sociais e poliacuteticos e como
se observa a inserccedilatildeo dos direitos sociais como segundo tiacutetulo revela a primazia
que o constituinte quis daacute a estes direitos em detrimento de todos os outros
incluindo os referentes agrave organizaccedilatildeo do Estado e dos Poderes que vecircm depois
25
Ao contraacuterio do que ocorreu com as Constituiccedilotildees anteriores esse
ordenamento dos capiacutetulos parece revelar que a Carta eacute o prenuacutencio de um paiacutes em
que os direitos dos cidadatildeos formam a base do ordenamento do Estado Essa ideia
foi expressa pelo presidente da Assembleacuteia Constituinte deputado Ulysses
Guimaratildees que voltamos a citar quando anunciou
Diferentemente das sete constituiccedilotildees anteriores esta comeccedila com o homem De modo gratificante testemunha a primazia do homem que foi escrita para o homem que o homem eacute seu fim e sua esperanccedila Eacute a Constituiccedilatildeo cidadatilde
A Constituiccedilatildeo nasceu da constataccedilatildeo de que o figurino juriacutedico formulado
para o Brasil desde os primoacuterdios do Estado nacional natildeo se compatibilizava com as
necessidades dos brasileiros Houve avanccedilos na formalizaccedilatildeo da Lei Magna
especialmente no tocante aos direitos de cidadania mas estamos longe do ideal
preconizado pela carta cidadatilde O que nos leva a crer que a cidadania eacute um processo
diaacuterio e permanente de construccedilatildeo Pois natildeo basta garantir o direito eacute preciso
exercecirc-lo
A cidadania abraccedilada pela atual Constituiccedilatildeo Federal Brasileira teve seu
conteuacutedo ampliado e natildeo se restringe ao simples fato de possuir um tiacutetulo de eleitor
para votar e ser votado ela estabelece cidadania como princiacutepio fundamental da
Repuacuteblica do Brasil desta forma o conceito decorrente pode ser entendido
conforme preleciona Silva (2005) ldquocidadania estaacute aqui num sentido mais amplo do
que o de titular de direitos poliacuteticos Qualifica os participantes da vida do Estado
reconhecimento do indiviacuteduo como pessoa integrada a sociedade estatalrdquo
Tal conceito nos leva a relacionar cidadania com democracia uma vez que
optou-se pelo Estado Democraacutetico de Direito o qual assenta seus alicerces na
participaccedilatildeo popular em questotildees que envolvem a coisa puacuteblica Para Moraes
(2005) esse Estado de Direito ldquosignifica a exigecircncia de reger-se por normas
democraacuteticas com eleiccedilotildees livres perioacutedicas e pelo povo bem como o respeito das
autoridades puacuteblicas aos direitos e garantias fundamentaisrdquo
O propoacutesito da opccedilatildeo pelo Estado Democraacutetico de Direito eacute que a cidadania e
os demais direitos fundamentais fluam com plenitude talvez seja o que justifique a
denominaccedilatildeo da Carta Magna de cidadatilde pois o povo passa a atuar de forma mais
ativa na vida poliacutetica do Estado uma vez que a ele foi concedido esse poder
26
A cidadania portanto soacute adquire pleno significado no mundo contemporacircneo
num Estado Democraacutetico de Direito para tanto exige um ambiente de vida e de
conviacutevio entre os homens tiacutepico e proacuteprio de um Estado Democraacutetico pois a
cidadania constitui fundamento primordial daquele Estado qual seja possibilitar aos
indiviacuteduos habitantes de um paiacutes o seu pleno desenvolvimento atraveacutes do alcance
de igual dignidade social e econocircmica
Segundo Rozicki (2005) O ambiente de vida social do Estado Democraacutetico
cujos pilares se encontram na efetividade dos direitos fundamentais da pessoa
humana em uma sociedade solidaacuteria soacute eacute possiacutevel atraveacutes da observaccedilatildeo de alguns
postulados que lhe satildeo essenciais os quais a autora denomina de pressupostos do
Estado democraacutetico de Direito
1)a valorizaccedilatildeo e atualidade da dignidade do homem e o reconhecimento da importacircncia de dispensar a todos tratamento fraternal igualitaacuterio e natildeo discriminativo 2) a confianccedila nos talentos e possibilidades latentes dos homens 3) a seguranccedila e o creacutedito nos valores institucionalizados pelas massas como fundamentos para o progresso do bem comum e o alcance da justiccedila 4) a aceitaccedilatildeo da legitimidade das decisotildees tomadas por meio de processos racionais e participativos de deliberaccedilatildeo com o consenso da maioria que constitui o reflexo o resultado de debates livres entre todos 5) o respeito aos grupos minoritaacuterios 6) e a compreensatildeo de que todo o interesse geral eacute a siacutentese dos diversos interesses e ideacuteias dos indiviacuteduos e dos grupos diferentes centros de poder que integram a sociedade pluralista
Percebe-se que o conceito amplo de cidadania encontra seus princiacutepios
baacutesicos e estruturantes nesses pressupostos intimamente ligado aos conceitos de
democracia e de igualdade No tocante ao conceito de igualdade elucidativa eacute a
liccedilatildeo de Rozicki (2005) quando afirma que
O princiacutepio de igualdade disciplina todas as atividades puacuteblicas e tem aplicaccedilatildeo direta nas relaccedilotildees privadas que ocorrem entre os particulares impondo para tornaacute-lo real a proibiccedilatildeo de discriminaccedilotildees e a eliminaccedilatildeo das desigualdades faacuteticas nos planos social e econocircmico proporcionando a todos os cidadatildeos igual condiccedilatildeo de vida e mesma posiccedilatildeo perante o Estado Democraacutetico
E complementa que tambeacutem para a realizaccedilatildeo da cidadania o princiacutepio
democraacutetico torna indispensaacutevel agrave participaccedilatildeo popular nas tomadas de decisatildeo No
seu entender
27
A cidadania no Estado democraacutetico de direito efetivada oferece aos cidadatildeos como iguais condiccedilotildees de existecircncia o gozo atual de direitos e a obrigaccedilatildeo do cumprimento de deveres que resumidamente podem ser assim apresentados exerciacutecio de direitos fundamentais e participaccedilatildeo e os deveres de colaboraccedilatildeo e solidariedade (Rozicki 2005)
Natildeo obstante eacute vaacutelido ressaltar um princiacutepio igualmente importante e deveras
esquecido a fraternidade Este princiacutepio que eacute um dos trecircs pilares da Revoluccedilatildeo
Francesa eacute pouco discutido apesar de assumir um papel decisivo na consolidaccedilatildeo
da democracia da politica e do poder
A fraternidade eacute necessaacuteria para o estabelecimento de uma comunidade
politicamente solidaacuteria com indiviacuteduos iguais e livres
Para finalmente concebermos um Estado Democraacutetico de Direito que trate os
iguais na medida de suas desigualdades
22 Os direitos fundamentais como pressupostos de identidade da cidadania
Os direitos fundamentais vistos como um dos traccedilos mais marcante do
constitucionalismo moderno consistem no resultado da luta dos homens por um
direito ideal justo e humano representam situaccedilotildees reconhecidas juridicamente
sem as quais o homem eacute incapaz de alcanccedilar sua proacutepria realizaccedilatildeo e
desenvolvimento plenamente daiacute dizer-se que o princiacutepio preponderante que
condensa os direitos fundamentais eacute o da dignidade da pessoa humana
Os direitos fundamentais satildeo o conjunto de normas de um ordenamento juriacutedico que formam um subsistema deste fundado na liberdade na igualdade na seguridade na solidariedade expressotildees da dignidade do homem que formam parte da norma baacutesica material de identificaccedilatildeo do ordenamento juriacutedico e constitui um setor de moralidade procedimental positivada que legitima o Estado Social de Direito (MARTINEZ apud AGRA 2002)
Tais direitos foram e vatildeo sendo aperfeiccediloados e estendidos ao longo do
tempo resta dizer que os mesmos estabelecem faculdades da pessoa humana que
permitem sua breve classificaccedilatildeo do seguinte modo 1) os direitos civis e poliacuteticos
de liberdade como por exemplo a liberdade de expressatildeo de propriedade de
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manifestaccedilatildeo do pensamento de associaccedilatildeo de imprensa de reuniatildeo de igualdade
formal perante a lei de participaccedilatildeo poliacutetica o devido processo legal o habeas
corpus o direito de peticcedilatildeo etc 2) os direitos sociais econocircmicos e culturais de
participaccedilatildeo poliacutetica tais como a igualdade de sufraacutegio o direito de voto e de
elegibilidade o direito de peticcedilatildeo e os direitos de participaccedilatildeo poliacutetica 3) os direitos
da titularidade coletiva que satildeo aqueles ligados a solidariedade e a fraternidade
como por exemplo o direito agrave preservaccedilatildeo do meio ambiente e agrave qualidade de vida
etc 4) os direitos chamados de quarta geraccedilatildeo por exemplo direito a democracia a
informaccedilatildeo ao comeacutercio eletrocircnico entre os estados etc
Natildeo existe qualquer relaccedilatildeo hieraacuterquica entre estes direitos mesmo porque
todos interagem entre si de nada servindo um sem a existecircncia dos outros Esta
divisatildeo acontece devido agrave eterna e constante busca do homem por mais proteccedilatildeo
mais garantia com o objetivo de alcanccedilar uma sociedade mais justa igualitaacuteria e
fraterna
Na evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais Agra (2002) chama a atenccedilatildeo do
relevo que adquirem a democratizaccedilatildeo da informaccedilatildeo e os mecanismos de
democracia participativa E justifica que a democratizaccedilatildeo da informaccedilatildeo natildeo se
caracteriza apenas pela existecircncia de uma miacutedia plural sem nenhum tipo de
monopoacutelio mas deve ser concebida como a obrigaccedilatildeo que todos os cidadatildeos tecircm
de tomar consciecircncia dos graves problemas que afligem a humanidade e que os
mecanismos da democracia participativa concebem a cidadania em extensatildeo muito
superior ao voto abrangendo a interferecircncia direta do cidadatildeo nas decisotildees
governamentais mediante vaacuterios mecanismos juriacutedicos como o plebiscito o recall o
orccedilamento participativo etc
De acordo com Silva (2005) os Direitos Fundamentais na Constituiccedilatildeo de
1988 abrangem os ldquodireitos individuais sociais poliacuteticos e tambeacutem os direitos
econocircmicos Para o autor a ampliaccedilatildeo e transformaccedilatildeo dos direitos fundamentais
do homem na histoacuteria dificultam uma definiccedilatildeo sinteacutetica do conceitordquo
Essa dificuldade aumenta diante do emprego de vaacuterias expressotildees para
designaacute-los tais como direitos naturais direitos humanos direitos do homem
direitos individuais direitos puacuteblicos subjetivos liberdades fundamentais liberdades
puacuteblicas e direitos fundamentais do homem No entanto direitos fundamentais do
homem constitui a expressatildeo mais adequada porque na palavra fundamentais
acha-se a indicaccedilatildeo de que se trata de situaccedilotildees sem as quais o indiviacuteduo natildeo tem
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uma vida digna natildeo convive e agraves vezes nem mesmo sobrevive A expressatildeo
direitos fundamentais eacute a mais precisa no sentido de que a todos por igual devem
ser natildeo apenas formalmente reconhecidos mas concreta e materialmente
efetivados
Por sua vez a atual Corte em julgamento do habeas corpus (HC ndeg
82424RS) marca seu posicionamento no tocante ao sistema de direitos
fundamentais insculpido na Constituiccedilatildeo de 1988 atraveacutes dos profundos e bem
fundamentados votos dos Ministros que aleacutem de delimitarem a extensatildeo e os limites
da liberdade de expressatildeo (art 5o IV e IX) acabaram indicando as bases filosoacuteficas
e juriacutedicas para a interpretaccedilatildeo do cataacutelogo de direitos fundamentais da Constituiccedilatildeo
de 1988
Nesse sentido o voto do Ministro Marco Aureacutelio tratou de definir o sistema de
direitos fundamentais como a ldquoproacutepria essecircncia da Constituiccedilatildeordquo qualificando-os
como ldquovalores objetivos que servem como norte da atuaccedilatildeo estatalrdquo Assim estaacute
consignado nos fundamentos do referido voto
A Constituiccedilatildeo de 1988 representou um divisor de aacuteguas entre o antigo regime totalitaacuterio e um periacuteodo de redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes marcando dessa forma uma eacutepoca que tem como modelo de atuaccedilatildeo do Estado o respeito incondicional aos direitos fundamentais Por isso mesmo o sistema constitucional dos direitos fundamentais previsto no artigo 5o da Carta com os eventuais acreacutescimos do sect 2o reflete em rigor e em larga medida a proacutepria essecircncia da Constituiccedilatildeo e a retomada do processo de democratizaccedilatildeo e da garantia do cidadatildeo contra abusos e arbitrariedades no exerciacutecio do Poder Puacuteblico Os direitos fundamentais satildeo hoje verdadeiros princiacutepios estruturantes da organizaccedilatildeo e do funcionamento do Estado valores objetivos que servem como norte da atuaccedilatildeo estatal em seus mais diferentes niacuteveis no Legislativo formam um cataacutelogo de princiacutepios e garantias que informam e direcionam toda a atividade de criaccedilatildeo das normas de nosso ordenamento juriacutedico e de concretizaccedilatildeo dos preceitos constitucionais no Executivo mostram-se como verdadeiros limites ao exerciacutecio do poder administrativo servindo como trincheiras de proteccedilatildeo da liberdade do cidadatildeo e no judiciaacuterio refletem a base e o fundamento necessaacuterio da compreensatildeo e interpretaccedilatildeo de nossas normas ndash efeito interpretativo - evitando que a atividade jurisdicional se transforme em medidas discricionaacuterias ou providecircncias ilegiacutetimas de opccedilotildees poliacuteticas pautadas em escolhas pessoais dos juiacutezes
Tudo indica que se trata do iniacutecio de uma soacutelida construccedilatildeo jurisprudencial a
respeito do sentido axioloacutegico do sistema de direitos fundamentais da Constituiccedilatildeo
de 1988
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Os Direitos Individuais satildeo de exerciacutecio exclusivo do indiviacuteduo e devem ser
formalmente reconhecidos e concretizados no cotidiano do cidadatildeo O indiviacuteduo aqui
eacute considerado um sujeito de direitos e natildeo apenas como integrante de um corpo
social Esses direitos natildeo podem sofrer nenhum tipo de restriccedilatildeo natildeo se
discriminando quem os pode exercer uma vez que satildeo titulares todas as pessoas
capazes incapazes brasileiras estrangeiras alfabetizadas e iletradas
A Constituiccedilatildeo Cidadatilde foi a primeira a estabelecer direitos natildeo soacute de
indiviacuteduos mas tambeacutem de grupos sociais os denominados direitos coletivos Com
isso as pessoas passaram a ser coletivamente consideradas Os direitos individuais
e coletivos estatildeo anunciados no art 5ordm em setenta e sete incisos e em dois
paraacutegrafos
Verifica-se que os Direitos Individuais tecircm como ponto marcante a liberdade
seja ela tomada de maneira global ou especiacutefica como liberdade de associaccedilatildeo de
reuniatildeo A liberdade de reuniatildeo (art 5ordm XVI) constitui-se na primeira e mais simples
liberdade corporativa estando logo apoacutes a liberdade de locomoccedilatildeo
Os Direitos Sociais tecircm como titular uma coletividade e satildeo caracterizados
pela prestaccedilatildeo de serviccedilos ou oferecimento de melhorias para a sociedade como um
todo por parte do Poder Puacuteblico Assim os Direitos Sociais tornam possiacutevel a fruiccedilatildeo
e o exerciacutecio dos Direitos Individuais pela coletividade mesmo pelos carentes
materialmente
O art 6deg define os Direitos Sociais da seguinte maneira ldquoSatildeo Direitos Sociais
a educaccedilatildeo a sauacutede o trabalho a moradia o lazer a seguranccedila a previdecircncia
social a proteccedilatildeo agrave maternidade e agrave infacircncia a assistecircncia aos desamparados na
forma desta Constituiccedilatildeordquo
Portanto eacute obrigatoacuteria ao Estado a proteccedilatildeo dos interesses da coletividade
com o atendimento dos direitos acima citados
Satildeo direitos poliacuteticos os que conferem o acesso da populaccedilatildeo agrave participaccedilatildeo
no Poder do Estado tais como os direitos de votar e ser votado do referendo
plebiscito e iniciativa popular das leis O direito democraacutetico de participaccedilatildeo dos
cidadatildeos no governo por meio de seus representantes exigiu a formaccedilatildeo de um
conjunto de normas legais permanentes que recebeu a denominaccedilatildeo de direitos
poliacuteticos Os Direitos Poliacuteticos amparam os Direitos Individuais Sociais e
Econocircmicos pois quando desaparece a democracia desaparecem imediatamente
as liberdades fundamentais
31
Com o advento da Constituiccedilatildeo de 1988 foram criadas instituiccedilotildees para
fiscalizar e controlar a atuaccedilatildeo da administraccedilatildeo puacuteblica entre as quais o Ministeacuterio
Puacuteblico que funciona como um canal de expressatildeo dos direitos da populaccedilatildeo
O Ministeacuterio Puacuteblico foi a instituiccedilatildeo que mais ganhou importacircncia no cenaacuterio
puacuteblico por ter passado a defender os interesses coletivos ou seja os interesses de
um grupo categoria ou classe e natildeo de um indiviacuteduo isolado No artigo 127 o
Ministeacuterio Puacutebico (MP) eacute definido como ldquouma instituiccedilatildeo permanente essencial agrave
funccedilatildeo jurisdicional do Estado incumbindo-lhe a defesa da ordem juriacutedica do regime
democraacutetico e dos interesses sociais e individuais indispensaacuteveisrdquo
Cabe ao Ministeacuterio Puacuteblico exigir dos poderes puacuteblicos e dos serviccedilos de
relevacircncia puacuteblica respeito aos direitos elencados na Constituiccedilatildeo promovendo as
medidas necessaacuterias agrave garantia desses direitos Portanto eacute responsaacutevel pela
garantia da ordem juriacutedica do regime democraacutetico da moralidade puacuteblica e dos
direitos sociais e individuais
23 A consagraccedilatildeo dos direitos do cidadatildeo
A Constituiccedilatildeo de 1988 eacute o coroamento da histoacuteria constitucional do Brasil por
ter sido um marco da redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes opondo-se a qualquer forma de
autoritarismo Nela a cidadania foi consagrada como um dos fundamentos da
Repuacuteblica Federativa do Brasil (art 1ordm inc II) Observe-se que o termo cidadania
encontra-se na Constituiccedilatildeo em sentido mais amplo do que o de titular de direitos
poliacuteticos pois qualifica os participantes da vida do Estado e reconhece o indiviacuteduo
como pessoa integrada na sociedade estatal
Essa nova concepccedilatildeo de cidadania introduzida pela Constituiccedilatildeo Federal de
1988 eacute fruto da internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos e como marco principal da
institucionalizaccedilatildeo erigiu em seu artigo primeiro a dignidade da pessoa humana (inc
III) e a cidadania (incII) a princiacutepio fundamental
Institui com o princiacutepio da cidadania uma nova compreensatildeo acerca dos
direitos de deveres da pessoa elevado-o a status maacuteximo a regra-matriz que natildeo
pode ser desrespeitada pois os fundamentos constituem a essecircncia da Repuacuteblica
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Federativa e servem como regra-matriz para a elaboraccedilatildeo interpretaccedilatildeo e
integraccedilatildeo do sistema juriacutedico nacional
Violar um princiacutepio eacute muito grave que transgredir uma norma qualquer A desatenccedilatildeo ao principio implica ofensa natildeo apenas a um especifico mandamento obrigatoacuterio mas a todo o sistema de comandos Eacute a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade representa insurgecircncia contra todo o sistema subversatildeo de valores fundamentais (MELLO apud CHIMENTI 2005 P 33)
Para Silva (2004) cidadania eacute discriminada como princiacutepio relativo ao regime
poliacutetico Dessa forma compreendida cidadania como princiacutepio fundamental eacute o
direito de participar dos destinos do Estado e mais usufruir dos direitos civis
fundamentais previstos na Constituiccedilatildeo
Muitos doutrinadores utilizam cidadania no mesmo sentido de nacionalidade
(Art 12 da Constituiccedilatildeo Federal) e de direitos poliacuteticos (Art 14) Em alguns outros
dispositivos a palavra cidadania (ou cidadatildeo) poderia ainda ter a significaccedilatildeo de
direitos poliacuteticos mas mesmo assim de forma impliacutecita a exemplo dos arts 22 XIII
e 5ordm LXXIII No primeiro se lecirc que compete agrave Uniatildeo legislar sobre nacionalidade
cidadania e naturalizaccedilatildeo e no segundo que qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima
para propor accedilatildeo popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de
entidade de que o Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e
ao patrimocircnio histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de
custas judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia No entanto conforme Mazzuoli (2002)
Observe-se que a Carta de 1988 ao tratar no seu art 14 dos direitos poliacuteticos natildeo se refere sequer em um momento agrave expressatildeo cidadania dizendo apenas que a soberania popular seraacute exercida pelo sufraacutegio universal e pelo voto direito e secreto com valor igual para todos (hellip) Pelo contraacuterio a Constituiccedilatildeo faz uma separaccedilatildeo entre cidadania e direitos poliacuteticos quando no seu art 68 sect 1ordm II ao tratar das leis delegadas exclui do acircmbito da delegaccedilatildeo legislativa a nacionalidade cidadania direitos individuais poliacuteticos e eleitorais
A Constituiccedilatildeo brasileira de 1988 com a transiccedilatildeo para o regime democraacutetico
consagrou expressamente esta nova concepccedilatildeo de cidadania como se depreende
da leitura de vaacuterios dos seus dispositivos
Foi nesse sentido que pioneiramente estatuiu a Carta de 1988 em seu art
1ordm que a Repuacuteblica Federativa do Brasil formada pela uniatildeo indissoluacutevel dos
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Estados e Municiacutepios e do Distrito Federal constitui-se em Estado Democraacutetico de
Direito e tem como fundamentos dentre outros a cidadania (inc II) Como jaacute
mencionado
Na mesma esteira o disposto no art 5ordm incisos LXXI (conceder-se-aacute
mandado de injunccedilatildeo sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviaacutevel o
exerciacutecio dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes agrave
nacionalidade agrave soberania e agrave cidadania) e LXXVII (satildeo gratuitas as accedilotildees de
habeas-corpus e habeas-data e na forma da lei os atos necessaacuterios ao exerciacutecio
da cidadania) No seu Tiacutetulo VIII Capiacutetulo II Seccedilatildeo I a Carta Magna de 1988
dispotildee ainda que a
Educaccedilatildeo direito de todos e dever do Estado e da famiacutelia seraacute promovida e incentivada com a colaboraccedilatildeo da sociedade visando ao pleno desenvolvimento da pessoa seu preparo para o exerciacutecio da cidadania e sua qualificaccedilatildeo para o trabalho (art 205)
Outro dispositivo em que fica bastante marcada esta nova concepccedilatildeo de
cidadania eacute o art 64 do Ato das Disposiccedilotildees Constitucionais Transitoacuterias que
dispotildee
A Imprensa Nacional e demais graacuteficas da Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios da administraccedilatildeo direta ou indireta inclusive fundaccedilotildees instituiacutedas e mantidas pelo Poder Puacuteblico promoveratildeo ediccedilatildeo popular do texto integral da Constituiccedilatildeo que seraacute posta agrave disposiccedilatildeo das escolas e dos cartoacuterios dos sindicatos dos quarteacuteis das igrejas e de outras instituiccedilotildees representativas da comunidade gratuitamente de modo que cada cidadatildeo brasileiro possa receber do Estado um exemplar da Constituiccedilatildeo do Brasil
Enfim a Constituiccedilatildeo de 1988 enriqueceu e ampliou os conceitos de cidadatildeo
e cidadania Seu entendimento agora como leciona Silva (2005)
Decorre da ideia de Constituiccedilatildeo dirigente que natildeo eacute apenas um repositoacuterio de programas vagos a serem cumpridos mas constitui um sistema de previsatildeo de direitos sociais mais ou menos eficazes em torno dos quais eacute que se vem construindo a nova ideacuteia de cidadania
De forma que natildeo mais se trata de considerar a cidadania como simples
qualidade de gozar direitos poliacuteticos mas sim de aferir-lhe um nuacutecleo miacutenimo e
irredutiacutevel de direitos (fundamentais) que devem se impor obrigatoriamente agrave accedilatildeo
dos poderes puacuteblicos
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O ordenamento juriacutedico brasileiro consagrou aleacutem dos institutos jaacute
mencionados alguns outros mecanismos de defesa dos direitos e garantias
constitucionais da cidadania como a accedilatildeo civil puacuteblica regulada pela Lei nordm
734785 e accedilatildeo direta de inconstitucionalidade prevista no incIV do art 129 da
Constituiccedilatildeo Federal O Coacutedigo de Defesa do Consumidor o Estatuto da Crianccedila e
do Adolescente e ateacute mesmo o princiacutepio do devido processo legal que resguarda ao
cidadatildeo o acesso agrave justiccedila e direito de ser acionado judicialmente por meio de
procedimentos legais satildeo mecanismos de defesa dos direitos de cidadania
previstos constitucionalmente e garantidos na esfera poliacutetica civil e social
Pode-se observar que a cidadania comeccedilou a ser construiacuteda como resultado
de um processo de luta a partir da conscientizaccedilatildeo dos direitos e deveres do
homem Como vimos a cidadania jaacute em praacutetica em muitos paiacuteses adquire no
Brasil com a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 um novo sentido qual seja o
pressuposto do exerciacutecio pleno de um sistema de direitos e garantias
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CAPIacuteTULO 3 - CIDADANIA COMO MECANISMO DE
TRANSFORMACcedilAtildeO SOCIAL
No momento em que a cidadania alccedila voos constitucionais e insere-se na
Carta Poliacutetica da Repuacuteblica Federativa do Brasil inicia-se o processo de
redemocratizaccedilatildeo e ganha relevo o cidadatildeo agente deste processo que tem em
suas matildeos a tarefa da construccedilatildeo de um novo tempo
Historicamente a ideia de cidadatildeo conotava o habitante da cidade ndash o
citadino ndash firma-se entatildeo tal conotaccedilatildeo na Antiguumlidade claacutessica para depois
significar aquele indiviacuteduo a quem se atribuem os direitos poliacuteticos Superada essa
acepccedilatildeo que tambeacutem vigorou nas constituiccedilotildees anteriores da Repuacuteblica do Brasil
na concepccedilatildeo moderna estaacute clara a noccedilatildeo de cidadatildeo como aquele que a quem
consiste a titularidade de direitos individuais poliacuteticos e sociais Noccedilatildeo esta
edificada com a internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos que amplia a acepccedilatildeo do
termo declarando que satildeo cidadatildeos todo aquele que habita o acircmbito da soberania
de um Estado e deste Estado recebem uma carga de direitos e tambeacutem deveres dos
mais variados
Desta forma a noccedilatildeo contemporacircnea de cidadania funda-se na dicotomia
direitos (exerciacutecios de direitos fundamentais - participaccedilatildeo) e deveres (colaboraccedilatildeo -
solidariedade) Ao lado dos direitos foram estabelecidos deveres fundamentais e
portanto tanto agentes puacuteblicos como os indiviacuteduos tecircm obrigaccedilotildees especiacuteficas
inclusive a de respeitar os direitos das demais pessoas que vivem na ordem social
sendo e promovendo mecanismos de transformaccedilatildeo social que visam uma nova
sociedade baseada na igualdade e na justiccedila
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31 O ser cidadatildeo
Os termos indiviacuteduo ser humano pessoa e cidadatildeo satildeo geralmente tomados
como sinocircnimo o que certamente influi na proliferaccedilatildeo de incontaacuteveis significados e
ampliaccedilatildeo do termo cidadatildeo Poreacutem estas palavras apesar de se assemelharem
possuem carga semacircntica proacutepria e da compreensatildeo exata de cada uma decorre a
conceituaccedilatildeo mais acentuada da acepccedilatildeo do termo cidadatildeo como titular de direitos
e deveres resguardados pela constituiccedilatildeo paacutetria
Desta forma indiviacuteduo eacute um representante da espeacutecie aquele que eacute uacutenico
Enquanto ser humano eacute um termo mais geneacuterico ou indeterminado que diz respeito
agrave espeacutecie agrave classificaccedilatildeo ao mundo zooloacutegico Pessoa por sua vez eacute um termo
mais especiacutefico que tem a ver com o mundo civilizado ou se preferirmos com a
constelaccedilatildeo dos valores morais eacuteticos e juriacutedicos proacuteprios da civilizaccedilatildeo
A etimologia da palavra pessoa demonstra que eacute um conceito sobreposto ao conceito de Ser Humano Um refratildeo de origem juriacutedica tambeacutem nos lembra do homo plures pessoa polimorfa o ser humano capaz de desempenhar muitos papeacuteis um mesmo ser humano eacute empresaacuterio e delinquumlente eacute pai e metaluacutergico etc Persona (personagem) era a maacutescara que usavam os atores da trageacutedia grega para desempenhar seu papel Cabe portanto entender o conceito de Ser Humano ao lado do conceito de Pessoa No direito romano antigo os escravos eram seres humanos (homens) mas natildeo eram consideradas pessoas (patriacutecios) Os juristas romanos que usavam o conceito de Ser Humano o dissociavam do conceito de pessoas (CUNHA 2007)
O Ser Humano recebe uma distinccedilatildeo importante quando o consideramos
como Pessoa assim como a Pessoa recebe uma distinccedilatildeo redundante natildeo menos
importante quando a consideramos por forccedila de expressatildeo como uma pessoa
humana Subentendendo o adjetivo humano como relativo agrave eacutetica Portanto Ser
Humano natildeo eacute a mesma coisa que Pessoa como tampouco Ser Humano eacute o
mesmo que cidadatildeo este muito eacute mais proacuteximo do termo Pessoa Vejamos o quadro
ilustrativo que esquematiza e distinguem os referidos conceitos
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QUADRO 1 ndash EVOLUCcedilAtildeO DO SER HUMANO ATEacute O CIDADAtildeO
O Ser Humano O Ser Indiviacuteduo O Ser Pessoa O Ser Cidadatildeo
A Dimensatildeo do conviacutevio social
A dimensatildeo do mercado de trabalho e
Consumo
A Dimensatildeo de encontrar-se no mundo
A dimensatildeo de intervir na realidade
O homem tornar-se Ser Humano nas relaccedilotildees
de conviacutevio social
O Ser Humano tornar-se indiviacuteduo quando
descobre seu papel e funccedilatildeo social
O Indiviacuteduo torna-se pessoa quanto toma
consciecircncia de si mesmo do outro e do
mundo
A pessoa torna-se cidadatildeo quando
interveacutem na realidade em que vive
Quem estuda o comportamento do Ser
Humano Seria a antropologia a histoacuteria
ou a sociologia
Quem estuda o comportamento do indiviacuteduo Seria a
Filosofia a sociologia ou a Psicologia
Quem estuda o comportamento da pessoa Seria a
Filosofia a sociologia ou a Psicologia
Quem estuda o comportamento do cidadatildeo Seria a
Sociologia a Filosofia ou As ciecircncias
poliacuteticas
Quem garante os direitos do Ser
Humano A Declaraccedilatildeo Universal
dos Direitos Humanos
Quem garante os Direitos do
Consumidor O Coacutedigo do Consumidor
Quem garante os Direitos da pessoa A proacutepria pessoa (amor proacuteprio ou autoestima)
Quem garante os Direitos do cidadatildeo (A Constituiccedilatildeo e suas leis
regulamentares)
Existe realmente uma natureza humana Teologicamente
afirmamos que existe a uma natureza humana
Seguindo a corrente existencialista (JP Sartre) negamos tal
natureza
Que diferenccedila existe entre o direito do
consumidor e o direito do cidadatildeo Ao
Consumidor deve ser dado o direito de
propriedade enquanto ao cidadatildeo deve ser
dado o direito de acesso
O que significa tornar-se pessoa no niacutevel
psicoloacutegico e social A pessoa eacute o indiviacuteduo que toma consciecircncia de si mesmo (ldquoTornar-
se Pessoardquo de Karl Roger)
Como podemos intervir na realidade
modificando as estruturas corruptas e injustas Quando os
direitos do cidadatildeo lhe satildeo oferecidos e o
mesmo passa a exercecirc-lo haacute
modificaccedilatildeo de comportamento
(ROSAS 2009)
O cidadatildeo eacute portanto aquele indiviacuteduo a quem a Constituiccedilatildeo confere direitos
e garantias e lhe daacute o poder do seu efetivo exerciacutecio aleacutem de meios processuais
eficientes contra a violaccedilatildeo de seu gozo ou fruiccedilatildeo por parte do poder puacuteblico
Sendo assim
A passagem do indiviacuteduo a cidadatildeo caracteriza-se pelo reconhecimento pela lei de direitos considerados fundamentais agrave realizaccedilatildeo da vida do homem como indiviacuteduo e ser social membro de uma comunidade poliacutetica e a garantia desses direitos pela forccedila comum de todos (CUNHA 2007)
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Nas uacuteltimas deacutecadas em alguns paiacuteses inclusive no Brasil desenvolveu-se o
conceito de cidadania calcado principalmente na questatildeo do cidadatildeo-consumidor
As pessoas passam a ser vistas como cidadatildes desde que tenham dinheiro para
adquirir mercadorias e utilizar serviccedilos Eacute certo pois que serviccedilos e mercadorias
atendem a necessidades materiais e simboacutelicas das pessoas e consumi-los eacute um
dos modos de participar da vida social criar identidade e partilhar dos bens
produzidos pela humanidade e representar-se culturalmente Contudo a cidadania
enfatizada apenas como uma relaccedilatildeo de compra e venda de mercadorias e serviccedilos
assume um conteuacutedo restrito individual conformista e voltado apenas para a
aquisiccedilatildeo de bens o que se relaciona com a ideacuteia de indiviacuteduo ou seja o consumo
atende as necessidades do indiviacuteduo
Outra forma de confusatildeo acerca do conceito de cidadatildeocidadania refere-se a
equiparaccedilatildeo feita com o assistencialismo o que configura uma acentuada inversatildeo
do termo uma vez que a praacutetica do assistencialismo natildeo propicia meios de
superaccedilatildeo das desigualdades sociais Enquanto a cidadania estaacute relacionada agrave
superaccedilatildeo das desigualdades sociais e a extensatildeo da garantia dos direitos de todos
O cidadatildeo eacute sem duacutevida uma expressatildeo que precisa ser adequadamente
utilizada e vivenciada pela coletividade compreendido na dimensatildeo do ser pessoa
de ter direitos e deveres do assumir as suas liberdades e responsabilidades no seio
de uma comunidade democraacutetica equitativa solidaacuteria e intercultural
Dessa forma ser cidadatildeo implica saber viver em sociedade estando ciente
dos anseios comuns A participaccedilatildeo ativa nas decisotildees de sua comunidade
influencia modos de vida de maneira positiva ao seu redor assim torna-se
imprescindiacutevel o exerciacutecio dos direitos constitucionais adquiridos e lutar pelos que
viratildeo eacute sobretudo estar consciente de todas as atitudes tomadas em prol da
sociedade
Eacute possiacutevel nesse espaccedilo de discussatildeo falar em ldquoestar cidadatildeordquo que eacute natildeo
praticar o exerciacutecio da cidadania em nenhuma de suas formas Implica apenas em
se deixar levar pelos acontecimentos e ainda reclamar das situaccedilotildees vividas sem
nada fazer para mudar sem nenhuma perspectiva de futuro Do que concluiacutemos que
a dinacircmica de intervir na realidade eacute pressuposto de cidadania
Ser cidadatildeo eacute tarefa que requer muito do ser humano do individuo da
pessoa Requer uma alta - estima elevada uma consciecircncia solidaacuteria uma
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identidade que se reconheccedila na dinacircmica social interagindo com o outro ampliando
debates incitando justiccedila eacute sem duvida uma tomada de posiccedilatildeo que natildeo se
acomoda pelo contraacuterio se incomoda quando natildeo haacute comprometimento para o bem
comum
Natildeo eacute uma tarefa cocircmoda senatildeo muito complicada as pessoas natildeo nascem cidadatildeos mas fazem-se no tempo e no espaccedilo Na verdade natildeo eacute faacutecil exercer a liberdade e a cidadania ndash ser pessoa e ser cidadatildeo ndash por isso exige-se uma luta sem treacuteguas para erradicar assimetrias e exclusotildees socioculturais e criar cenaacuterios de esperanccedila realizaacuteveis fundamentados em valores e princiacutepios eacuteticos que requalifiquem a democracia com cidadatildeos participativos e
comprometidos ( SAEZ 1995)
Tem portanto como pressuposto uma mudanccedila de comportamento uma
tomada de posiccedilatildeo frente agrave dinacircmica social na qual estaacute inserido participando de
forma ativa e produtiva do processo de construccedilatildeo da cidadania por meio de seus
diversos canais
32 Emancipaccedilatildeo social atraveacutes da cidadania
Um Estado Democraacutetico eacute aquele que estaacute enraizado na legitimidade do
poder do povo e dele decorre seu exerciacutecio Assim o poder do povo eacute a expressatildeo
a aptidatildeo de homens e mulheres constituir autonomamente seu viver sem sucumbir
diante das instacircncias de poder Haacute nesse modus vivendi uma tutela das diferenccedilas e
pluralidades de formas de vida
Desta forma a cidadania eacute enfocada como o processo de participaccedilatildeo do
individuo ou de um grupo organizado nas mais variadas aacutereas de atuaccedilatildeo na
sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos sociais com a consciecircncia
da responsabilidade por sua proacutepria histoacuteria
Sendo a democracia o regime em que o povo governa sua caracteriacutestica
inarredaacutevel eacute a de ter o povo agrave frente do poder uma forma de autogoverno Em
assim sendo a cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia por meio de resultados
palpaacuteveis e medidas concretas tais como mudanccedilas na realidade de cada um com
melhoria de vida e conscientizaccedilatildeo da importacircncia na sociedade para o exerciacutecio
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direto ou indireto desse poder pois se contentar com fato do direito estaacute prescrito
em lei natildeo eacute o bastante
Eacute certo poreacutem que o Estado democraacutetico somente se aperfeiccediloa na
proporccedilatildeo em que o povo age ativamente na medida em que os representantes
reflitam em seus atos os verdadeiros anseios populares Partindo dessa visatildeo a
cidadania eacute o grande fator de legitimaccedilatildeo do povo permitindo que ele aja em defesa
das instituiccedilotildees democraacuteticas
Sobre a participaccedilatildeo cumpre asseverar que este direito significa a
capacidade de ser consultado para as tomadas de decisatildeo que dizem respeito agrave
direccedilatildeo da sociedade em que vive o cidadatildeo este direito eacute acompanhado do
respeito aos deveres de contribuir para o progresso social e de acatar e respeitar o
resultado obtido em consulta coletiva
No elenco de mecanismo de exerciacutecio da cidadania estaacute o acesso ao direito e
a justiccedila que eacute fator preponderante para efetivar as garantias constitucionais
Assim passaremos a discorrer sobre a importacircncia de instrumentalizar o
cidadatildeo para um pleno exerciacutecio de seus direitos
Eacute Sabido que no Estado Democraacutetico Contemporacircneo os direitos
fundamentais constitucionalmente assegurados tecircm eficaacutecia imediata cumprindo ao
Estado garantir a todos os cidadatildeos o respeito a esses Direitos de modo concreto e
efetivo natildeo obstante as inuacutemeras desigualdades e condiccedilotildees adversas que
dificultam na praacutetica o seu exerciacutecio
Para o acesso ao direito o Estado deve desenvolver com eficiecircncia uma seacuterie
de atividades essenciais e dar efetividade a uma seacuterie de pressupostos Dentre eles
o principal eacute o conhecimento do Direito como fator preponderante pois o
desconhecimento da lei implica na praacutetica natildeo acionar a jurisdiccedilatildeo Um fato que
contribui para essa assertiva eacute baixa escolaridade da populaccedilatildeo e o analfabetismo
Muito pouco adianta a existecircncia de uma Constituiccedilatildeo apenas formal ou no
papel se ilegiacutetima ou desrespeitada Para que ocorra a eficaacutecia das normas
dispostas numa Constituiccedilatildeo ou melhor para que passe da teoria agrave praacutetica eacute
essencial que comandados e comandantes tenham conhecimento dos seus direitos
e responsabilidades assim como dos instrumentos juriacutedicos para efetivaacute-los (leis
regulamentadoras) O exerciacutecio da cidadania natildeo eacute somente um direito mas eacute
tambeacutem um dever de todos pois a omissatildeo de cada um contribui com as injusticcedilas e
as impunidades tatildeo presentes nos dias atuais
41
A Constituiccedilatildeo quando eacute justa e legiacutetima e principalmente quando eacute
respeitada eacute um poderoso instrumento de promoccedilatildeo e desenvolvimento social e
humano
Outro fator que deve ser considerado eacute a miserabilidade que coloca inuacutemeros
brasileiros a margem da sociedade em situaccedilatildeo precaacuteria os quais para Pinsky
(2004) ldquodesprovidos de esperanccedila de projeto de qualquer perspectiva de inclusatildeo
[] recorrer agrave Justiccedila humana parece algo irrealizaacutevel sofisticado e inteiramente
ficcionalrdquo
Desta forma o primeiro passo para concretizar os direitos previstos
constitucionalmente eacute a formaccedilatildeo do cidadatildeo atraveacutes da Educaccedilatildeo Baacutesica
infundindo-lhe a consciecircncia dos seus direitos e tambeacutem dos seus deveres sociais
bem como dos valores humanos fundamentais que devem ser por todos respeitados
na vida em sociedade A universalizaccedilatildeo do ensino fundamental a oferta obrigatoacuteria
de educaccedilatildeo infantil pelo Estado e o crescimento da oferta do ensino meacutedio satildeo
alguns dos aspectos que merecem destaques e foi devido agrave determinaccedilatildeo
constitucional de estabelecer o caraacuteter obrigatoacuterio do ensino fundamental e de
responsabilizar o Estado por sua implementaccedilatildeo que tem iniacutecio o processo de
avanccedilo desse segmento
A Constituiccedilatildeo estabeleceu de forma mais clara o papel dos entes federados
na educaccedilatildeo Tambeacutem aumentou a participaccedilatildeo orccedilamentaacuteria destinada ao setor
Com as novas regras para distribuiccedilatildeo de recursos adotadas apoacutes a promulgaccedilatildeo
da Carta os municiacutepios voltam a interessar-se pela educaccedilatildeo fundamental e o paiacutes
atinge a universalizaccedilatildeo do setor o que se busca agora satildeo mecanismos para
garantir a qualidade no ensino
O segundo passo nessa dinacircmica eacute o oferecimento a todos os cidadatildeos de
condiccedilotildees miacutenimas de sobrevivecircncia e de existecircncia condignas atraveacutes do acesso
ao trabalho produtivo livremente escolhido e do pagamento de remuneraccedilatildeo capaz
de prover ao sustento do trabalhador e de sua famiacutelia
Para milhotildees de cidadatildeos que vivem na ignoracircncia e na miseacuteria nenhuma
utilidade ou eficaacutecia tecircm os inuacutemeros direitos constitucionalmente assegurados Para
aqueles que se habituaram a retirar proventos da mendicacircncia da prostituiccedilatildeo de
atividades iliacutecitas ou aqueles que se sentiram forccedilados a sujeitar-se agrave exploraccedilatildeo de
outrem para sobreviver natildeo haacute nenhuma crenccedila na dignidade da pessoa humana e
no valor social do trabalho
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A pobreza engendra inuacutemeras relaccedilotildees de dominaccedilatildeo entre pessoas e entre grupos sociais As habitaccedilotildees subumanas da periferia das grandes cidades no Brasil constituem verdadeiros quistos sociais terras sem lei controladas por xerifes ou por quadrilhas de malfeitores O Estado que natildeo for capaz de dotar essas comunidades do acesso efetivo agrave Educaccedilatildeo agrave Sauacutede agrave Seguranccedila e agrave Paz Puacuteblicas e ao trabalho liacutecito certamente natildeo lhes estaraacute assegurando o acesso ao Direito porque a populaccedilatildeo abrutalhada pela miseacuteria e coagida pelo medo natildeo desfruta da miacutenima eficaacutecia concreta dos
seus direitos fundamentais (GRECO 2009)
Evidencia que acesso ao Direito nas sociedades modernas mesmo nas
economicamente desenvolvidas exige o fortalecimento dos grupos intermediaacuterios e
do associativismo O cidadatildeo natildeo estaacute mais em condiccedilotildees de defender-se
individualmente das ameaccedilas e lesotildees aos seus direitos perpetradas por pessoas ou
grupos que se encontram em posiccedilatildeo de vantagem nas relaccedilotildees econocircmicas e
sociais
O sindicato veio exercer este importante papel em relaccedilatildeo ao trabalhador
empregado Mas hoje as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo natildeo satildeo apenas as que existem no
mundo do trabalho mas as que se revelam em todos os tipos de relaccedilotildees humanas
relaccedilotildees de consumo relaccedilotildees de vizinhanccedila relaccedilotildees locatiacutecias relaccedilotildees
comerciais internas e internacionais e natildeo com menor relevacircncia relaccedilotildees entre os
particulares e o Estado entre outras
Eacute preciso assegurar esse equiliacutebrio na praacutetica o que somente tornar-se-aacute
possiacutevel atraveacutes da articulaccedilatildeo dos sujeitos que se encontram em posiccedilatildeo de
desvantagem em organizaccedilotildees e associaccedilotildees que pela uniatildeo de esforccedilos
consigam compensar o desequiliacutebrio existente e dar aos indiviacuteduos e grupos a forccedila
e a capa de proteccedilatildeo necessaacuterias para ombrearem-se aos seus adversaacuterios e
lutarem pelos seus direitos ou interesses em igualdade de condiccedilotildees
Para Greco (2009) o pressuposto indispensaacutevel do acesso ao Direito eacute a
transparecircncia do Estado no trato de questotildees que possam afetar a esfera de
interesses dos cidadatildeos e complementa que aos cidadatildeos eacute indispensaacutevel
assegurar o direito de influir eficazmente nas decisotildees do poder puacuteblico atraveacutes dos
mais diversos instrumentos de participaccedilatildeo democraacutetica Ele afirma que
A relaccedilatildeo Estado-cidadatildeo natildeo eacute mais a relaccedilatildeo soberano-suacutedito O cidadatildeo tem o direito de exigir do Estado o pleno respeito ao seu
43
patrimocircnio juriacutedico Lamentavelmente a crise do Estado tem levado o Brasil a aceitar-se como normal que as pessoas juriacutedicas de Direito Puacuteblico natildeo cumpram devidamente as prestaccedilotildees positivas de que satildeo devedoras perante os particulares cabendo a estes demandar na Justiccedila para obtecirc-las (GRECO 2009)
Essa visatildeo deformada da responsabilidade do Estado ocorre o
desvirtuamento da justiccedila Por outro lado agrave violaccedilatildeo da garantia constitucional da
tutela jurisdicional efetiva (Constituiccedilatildeo artigo 5 inciso XXXV) disciplina a lei natildeo
excluiraacute da apreciaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio lesatildeo ou ameaccedila ao direito Assim o
acesso ao Direito natildeo estaraacute concretamente assegurado se o Estado natildeo oferecer a
todo cidadatildeo a possibilidade de receber aconselhamento juriacutedico a respeito dos seus
direitos
Constituiccedilatildeo de 1988 no artigo 5deg inciso LXXIV assegurou a todos
ldquoassistecircncia juriacutedicardquo a englobar assistecircncia judiciaacuteria e assessoramento juriacutedico
extrajudicial Conforme Greco (2009) ldquoeacute preciso que esse direito seja assegurado
na praacutetica Uma vez que na vida moderna o Direito tornou-se excessivamente
complexordquo Ainda no dizer do autor a consciecircncia juriacutedica do homem comum que
deve ser adquirida na famiacutelia e na escola natildeo eacute mais suficiente para a tomada de
decisotildees na vida diaacuteria das pessoas Todas as pessoas mantecircm complexas relaccedilotildees
juriacutedicas com instituiccedilotildees financeiras com fornecedores de bens e de serviccedilos etc
Nessas relaccedilotildees juriacutedicas com frequecircncia os cidadatildeos tecircm de tomar decisotildees
raacutepidas O cidadatildeo que tem meios procura um advogado particular para assessoraacute-
lo Ao pobre o Estado deve assegurar o mesmo direito em plenitude
Sem duacutevida o uacuteltimo pressuposto do acesso ao Direito eacute o acesso agrave Justiccedila
no sentido de acesso a um tribunal estatal imparcial previamente instituiacutedo como
competente para a soluccedilatildeo de qualquer litiacutegio a respeito de interesse que se afirme
juridicamente protegido ou para a praacutetica de qualquer ato que a lei subordine agrave
aprovaccedilatildeo autorizaccedilatildeo ou homologaccedilatildeo judicial
Se o cidadatildeo tem consciecircncia dos seus direitos se o Estado lhe fornece
todas as condiccedilotildees para livremente exercecirc-los mas algum outro cidadatildeo ou algum
oacutergatildeo do proacuteprio Estado impede ou dificulta esse exerciacutecio cabe ao poder puacuteblico
pocircr agrave disposiccedilatildeo do cidadatildeo lesionado ou ameaccedilado a jurisdiccedilatildeo necessaacuteria para
assegurar o pleno acesso a tal direito
Atingimos eacute certo um estaacutegio de desenvolvimento do Direito Humanitaacuterio que
natildeo mais nos permite conformar-nos com uma realidade distante do padratildeo de
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convivecircncia humana que outras naccedilotildees jaacute alcanccedilaram O exerciacutecio pleno de
cidadania seraacute obra de mais de uma geraccedilatildeo Mas se trabalharmos com firmeza
certamente os jovens de hoje poderatildeo legar aos seus descendentes a emancipaccedilatildeo
cidadatilde um paiacutes melhor e uma sociedade mais justa e democraacutetica
33 O municiacutepio como acircmbito de exerciacutecio de cidadania
Historicamente o Municiacutepio enquanto unidade poliacutetico-administrativa surgiu
conforme descreve Berardi (2004) com a Repuacuteblica Romana interessada em
manter a dominaccedilatildeo paciacutefica das cidades conquistadas pela forccedila dos exeacutercitos
Sua origem mais de natureza socioloacutegica do que poliacutetica adveacutem do espiacuterito
associativo do homem e de suas relaccedilotildees de vizinhanccedila
Eacute pois a menor unidade territorial de Federaccedilatildeo cuja criaccedilatildeo reflete a base
da organizaccedilatildeo poliacutetica administrativa da Naccedilatildeo Portanto sua funccedilatildeo administrativa
historicamente vem assentada no princiacutepio do direito natural
O artigo primeiro da Constituiccedilatildeo Federal de 1998 estabelece que o
Municiacutepio ao lado dos Estados e do Distrito Federal formam a Republica Federativa
do Brasil que se constitui em Estado Democraacutetico de Direito O municiacutepio tem assim
um poder relevante para a aplicaccedilatildeo da democracia direta iniciada e fortalecida em
niacutevel local Diversos pensadores chegaram a afirmar que a descentralizaccedilatildeo de
poder resultante da constituiccedilatildeo Cidadatilde era antes de tudo uma conquista dos
Municiacutepios sendo eles os berccedilos da perpetuaccedilatildeo da Repuacuteblica e da Democracia
efetivamente por serem o uacutenico niacutevel de governo possuidores de respaldo e
localizaccedilatildeo fiacutesica ou seja solo municipal
Eacute certo que a Carta Magna de 1988 consolidou significativas inovaccedilotildees para a
vida municipal de forma que o Municiacutepio passou a constituir um dos entes da
federaccedilatildeo tratando-o como unidade dotada de autonomia poliacutetica expressa na
capacidade de poder elaborar a sua Lei Orgacircnica fugindo assim da tutela dos
estados que ateacute entatildeo eram considerados como uacutenicos componentes da federaccedilatildeo
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A Lei Orgacircnica Municipal traz em seu bojo aleacutem da organizaccedilatildeo
administrativa do Municiacutepio a restauraccedilatildeo do Poder Legislativo municipal definindo
a diversificaccedilatildeo normativa que natildeo existia nas leis organizacionais outorgadas pelo
Estado reflexo do poder constituinte outorgados aos Municiacutepios pela Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 como consequecircncia do efetivo exerciacutecio do conceito de Estado
Democraacutetico de Direito
O Municiacutepio enquanto ente federativo tem atualmente a responsabilidade de
ordenar o seu desenvolvimento social e a garantia do bem estar de seus habitantes
executando poliacuteticas puacuteblicas de accedilotildees a serem empreendidas na consolidaccedilatildeo
democraacutetica do Estado
Fundada no elemento participaccedilatildeo o exerciacutecio de cidadania amplamente
citado encontra sua efetividade no municiacutepio Pois eacute nesse acircmbito de localizaccedilatildeo
que as pessoas mantecircm um contato direto com os poderes instituiacutedos suas
necessidades imediatas e mediatas satildeo objetos da disciplina da Lei que visa o bem
comum base do Estado democraacutetico de Direito
Baseado na maacutexima do municipalista e defensor da descentralizaccedilatildeo poliacutetica
Franco Motoro sabiamente proferiu que ldquoningueacutem vive na Uniatildeo ou no Estado As
pessoas vivem no Municiacutepiordquo Assim a cidadania encontra seu melhor espaccedilo de
realizaccedilatildeo na comunidade onde convive A vida em comunidade gera anseios
comuns sentimentos comuns uma vez que a convivecircncia propicia que as pessoas
se conheccedilam e se reconheccedilam como membros de uma mesma realidade
De acordo com Harvey (1992) ldquoa globalizaccedilatildeo provoca anonimato enquanto
comunidade cultiva solidariedaderdquo o que implica participaccedilatildeo para o exerciacutecio de
cidadania
Tudo o que acontece no mundo seja no meu paiacutes na minha cidade ou no meu bairro acontece comigo Entatildeo eu preciso participar das decisotildees que interferem na minha vida Um cidadatildeo com um sentimento eacutetico forte e consciecircncia da cidadania natildeo deixa passar nada natildeo abre matildeo desse poder de participaccedilatildeo (Herbert de Souza Betinho)
Com esse embasamento natildeo se pode perder de vista que eacute nas relaccedilotildees
diaacuterias de oposiccedilatildeo ou solidariedade que as pessoas exercem cidadania Na relaccedilatildeo
do com o outro com os poderes ao estabelecer com a vida social e puacuteblica uma
46
convivecircncia posto que cidadania eacute tarefa que natildeo termina natildeo eacute um conceito
pronto tatildeo pouco acabado enquanto seres inacabados que somos estaremos
buscando descobrindo criando e tomando consciecircncia mais ampla dos direitos
O desafio eacute construir um novo discurso sobre cidadania atraveacutes de uma
praacutetica poliacutetica sustentada isto eacute realizada em dois niacuteveis
O primeiro niacutevel na base atraveacutes de construccedilatildeo das capacidades e do poder
proacuteprio da populaccedilatildeo o que envolve inevitavelmente uma mudanccedila de atitude na
busca para garantir seus direitos utilizando-se do grau de autonomia local
Essa atitude conceberia agrave democracia participativa como uma poliacutetica paralela
de intervenccedilatildeo social criando e mantendo novos espaccedilos para a tomada de
decisotildees ou seja para o auto-governo pela populaccedilatildeo nas mateacuterias que afetam
diretamente suas vidas
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade
O segundo niacutevel um governo com o povo e natildeo apenas para o povo fundado
nos ditames constitucionais valorizando o sentimento da sociedade no exerciacutecio da
governabilidade de modo que o balizamento das accedilotildees de governo deixaria de estar
no proacuteprio governo e passaria a estabelecer-se a partir do pensar da sociedade Um
governo que se pergunta o que se deve fazer para ouvir com a maior fidelidade
possiacutevel a sociedade suas instituiccedilotildees representativas e o cidadatildeo Pois as
prioridades da gestatildeo deveriam ser definidas pela sociedade e natildeo mais pelo
governo
Portanto nesses termos eacute preciso considerar que as praacuteticas da
administraccedilatildeo puacuteblica sejam democratizadoras e inclusivas inspiradas nos
princiacutepios da legalidade impessoalidade moralidade publicidade e eficiecircncia Esta
uacuteltima buscou estabelecer uma Administraccedilatildeo Puacuteblica mais eficiente no sentido de
que o cidadatildeo como destinataacuterio dos serviccedilos puacuteblicos que o Estado deve prestar
receba-os com maior qualidade e menor custo para o eraacuterio puacuteblico
Para a consecuccedilatildeo desse governar com o povo alguns pontos devem ser
revistos A mudanccedila implica na necessidade de adequaccedilatildeo reorganizaccedilatildeo
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reformulaccedilatildeo Para isso se faz premente em face dos novos e modernos conceitos
de gestatildeo puacuteblica a superaccedilatildeo do tradicional vezo burocraacutetico que vem convertendo
a Administraccedilatildeo nas palavras Dromi (1995) numa cara ldquomaacutequina de impedirrdquo fiel
ldquocoacutedigo do fracassordquo que dispotildee ldquoartigo primeiro natildeo pode artigo segundo em
caso de duacutevida abstenha-se artigo terceiro se eacute urgente espere artigo quarto
sempre eacute mais prudente natildeo fazer nadardquo numa posiccedilatildeo natildeo burocraacutetica e sim
democraacutetica de considerar que organizaccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica inclui a
praacutetica de ver os cidadatildeos como membros plenos da comunidade poliacutetica tendo
acesso e exercitando direitos as que promovem a organizaccedilatildeo da populaccedilatildeo em
torno de temas de interesse comum as que incluem o controle social sobre a
gestatildeo o debate amplo e informado sobre questotildees de governo e que abrem agrave
populaccedilatildeo as decisotildees sobre estas questotildees Como leciona e Barrientos (2000)
Tratam-se de praacuteticas que natildeo buscam somente melhorar a eficiecircncia administrativa das diferentes organizaccedilotildees puacuteblicas mas que incorporam no seu processo de gestatildeo a dimensatildeo ativa da cidadania isto eacute ldquoque facilitam as iniciativas e responsabilidades de todos os envolvidos[] estabelecendo pontes entre Estado e sociedade civil
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade Acreditamos
que o ponto de partida eacute a atitude aliada agrave solidariedade e ao espiacuterito coletivo Pois
governo e cidadatildeos juntos haveratildeo de cumprir um novo papel no processo de
desenvolvimento como agentes de uma nova cultura
Como afirma Peter Drucke
A parceria comunitaacuteria seraacute um dos verdadeiros setores em crescimento das economias desenvolvidas Surge da necessidade de uma participaccedilatildeo mais direta e efetiva da comunidade nas grandes questotildees da vida social pois natildeo existe ningueacutem melhor que o cidadatildeo para saber o que ele quer para si para sua famiacutelia e para sua comunidade (apud RAMOS 1990)
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O envolvimento efetivo da sociedade nas questotildees sociais natildeo eacute apenas uma
postura moderna Significa antes de tudo uma atitude digna de todos aqueles que
desejam exercer sua cidadania contribuindo para um paiacutes melhor e em especial
para uma sociedade mais justa fraterna e solidaacuteria
Na histoacuteria observa-se a grande coragem das pessoas em construir o
reconhecimento delas proacuteprias e de seus direitos sempre buscando a participaccedilatildeo e
defendendo os Direitos Humanos Sem duacutevida a maior ecircnfase que deve ocorrer
para a construccedilatildeo real da cidadania eacute uma mudanccedila na sociedade O melhor a ser
feito eacute reforccedilar a organizaccedilatildeo democraacutetica buscando novas formas de participaccedilatildeo
social pois cidadania natildeo se resume ao poder de votar ou ser votado mas eacute sempre
na efetiva participaccedilatildeo popular pois somente com isso haacute a verdadeira
conscientizaccedilatildeo e o comprometimento daquele que passa a se sentir cidadatildeo
abandonando-se velhos viacutecios da poliacutetica representativa
Desse modo a participaccedilatildeo do povo no momento das reivindicaccedilotildees das
discussotildees e apreciaccedilotildees de projetos que visem agrave melhoria da comunidade local a
exigecircncia de transparecircncia na administraccedilatildeo da coisa puacuteblica dentre outras eacute quem
daraacute embasamento para as verdadeiras conquistas sociais no Municiacutepio que geram
saudaacuteveis formas de pressatildeo por efetivas poliacuteticas puacuteblicas de inclusatildeo social
gerando o fim do clientelismo poliacutetico tatildeo pejorativo e comum em nossa realidade e
cultura poliacutetica
Somente a participaccedilatildeo social eacute que iraacute causar uma real democratizaccedilatildeo do
poder A afirmaccedilatildeo da cidadania eacute pressuposto para a realizaccedilatildeo dos Direitos
Humanos pois os homens natildeo nascem naturalmente iguais Inclusive para que
ocorra a realizaccedilatildeo dos referidos direitos eacute necessaacuterio tambeacutem que exista um
espaccedilo puacuteblico que seja realmente democraacutetico e acessiacutevel possibilitando a
participaccedilatildeo de todos e esse espaccedilo eacute certamente o municiacutepio
Na praacutetica um forte instrumento de cidadania para atender as necessidades
coletivas eacute o orccedilamento participativo previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal que
determina expressamente a realizaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas e a participaccedilatildeo
popular nos processos de elaboraccedilatildeo e conduccedilatildeo dos orccedilamentos como forma de
incentivo agrave preparaccedilatildeo e execuccedilatildeo de planejamentos que envolvam diretamente o
povo A Lei veio incentivar a sua propagaccedilatildeo para todos os entes federativos tendo
em conta que se trata de uma tendecircncia mundial por legitimar as escolhas e
fortalecer o princiacutepio da transparecircncia
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Os meios de acesso do cidadatildeo junto aos Poderes Puacuteblicos eacute uma realidade
no Estado Democraacutetico de Direito brasileiro a exemplo das sessotildees do Poder
Legislativo que satildeo puacuteblicas ficando abertas a todos que delas quiserem participar
Emite-se uma pauta antes do comeccedilo da sessatildeo com a preacutevia dos debates Em
niacutevel municipal verifica-se um acompanhamento mais incisivo sobre as sessotildees das
Cacircmaras de Vereadores como forma de pressatildeo para aprovaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees
da comunidade avaliaccedilatildeo do desempenho e aceitaccedilatildeo de propostas orccedilamentaacuterias
e atuaccedilatildeo dos poliacuteticos bem como entendimento das funccedilotildees do Poder Legislativo
A Constituiccedilatildeo Federal assegura desde 1988 a possibilidade de se oferecer
peticcedilatildeo agraves Mesas Legislativas como forma de pedir informaccedilotildees sobre andamento
de projetos ou relatoacuterios encaminhados aos chefes do Poder Executivo Em niacutevel
municipal pode ser utilizada a Tribuna Livre como instrumento para denuacutencias de
problemas ou discussatildeo de um tema ou mesmo para apresentar sugestotildees sendo
regulado pela Lei Orgacircnica Municipal e pelo Regimento Interno da Cacircmara
A convocaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas tambeacutem possui previsatildeo constitucional
no art 58 sect 20 inciso II em niacutevel federal As comissotildees podem em razatildeo da
mateacuteria de sua competecircncia realizar audiecircncias puacuteblicas com entidades da
sociedade civil E nada obsta que estejam previstas formas de articulaccedilatildeo da
sociedade civil com os Presidentes das Comissotildees da Cacircmara no seu Regimento
Interno em acircmbito municipal
Os dispositivos da Constituiccedilatildeo Federal que dispotildeem sobre a forma de
participaccedilatildeo direta do cidadatildeo e da sociedade civil no processo democraacutetico natildeo se
pode negar que trouxe novas perspectivas De modo geral podemos citar
Art 29 A lei orgacircnica dos Municiacutepios tem que observar entre os seus
preceitos ldquocooperaccedilatildeo das associaccedilotildees representativas no planejamento municipalrdquo
Art 31 As contas dos municiacutepios ficaratildeo durante 60 (sessenta) dias
anualmente a disposiccedilatildeo de qualquer contribuinte para exame e apreciaccedilatildeo o qual
poderaacute questionar-lhes a legitimidade nos termos da lei
Art37 sect 3ordm (EC-1998) A lei disciplinaraacute as formas de participaccedilatildeo do usuaacuterio
na administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta regulando especialmente
I- as reclamaccedilotildees relativas a prestaccedilatildeo dos serviccedilos puacuteblicos em geral asseguradas
a manutenccedilatildeo de serviccedilo de atendimento ao usuaacuterio e a avaliaccedilatildeo perioacutedica externa
e interna da qualidade dos serviccedilos
50
II- o acesso dos usuaacuterios a registros administrativos e a informaccedilatildeo sobre atos de
governo observado o disposto no art 5ordm X e XXXIII
III- a disciplina da representaccedilatildeo conta o exerciacutecio negligente ou abusivo de cargo
emprego ou funccedilatildeo na administraccedilatildeo puacuteblica
Art 74 sect 2ordm Qualquer cidadatildeo partido poliacutetico associaccedilatildeo ou sindicato eacute
parte legiacutetima para na forma de lei denunciar irregularidades ou ilegalidades perante
o Tribunal de Contas da Uniatildeo
Art194 paraacutegrafo uacutenico Compete ao Poder Puacuteblico nos termos da lei
organizar a seguridade social com base nos seguintes objetivos ()
VII ndash caraacuteter democraacutetivo descentralizado na administraccedilatildeo mediante gestatildeo
quadripartite com participaccedilatildeo dos trabalhadores dos empregados e dos
aposentados e do Governo nos oacutergatildeos colegiados nos oacutergatildeos colegiados
Art 198 As accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede integram uma rede
regionalizada e hierarquizada o constituem um sistema uacutenico organizado de acordo
com as seguintes diretrizes
III ndash participaccedilatildeo da comunidade
Art 202 sect 6ordm A lei complementa a que se refere o sect 4ordm deste artigo
estabeleceraacute os requisitos para a designaccedilatildeo dos membros das diretorias das
entidades fechadas de previdecircncia privada e disciplinaraacute a inserccedilatildeo dos
participantes nos colegiados e instacircncias de decisatildeo em que seus interesses sejam
objeto de discussatildeo e deliberaccedilatildeo
Art 204 As accedilotildees governamentais na aacuterea de assistecircncia social seratildeo
organizadas com base nas seguintes diretrizes
II ndash Participaccedilatildeo da populaccedilatildeo por meio de organizaccedilotildees representativas na
formulaccedilatildeo das poliacuteticas e no controle das accedilotildees em todos os niacuteveis
O protagonista na concretizaccedilatildeo dos direitos humanos e na ampliaccedilatildeo da cidadania eacute um sujeito coletivo de um trabalho sempre inacabado eis que se tratam de tarefas e conquistas cotidianas e gradativas obras que soacute podem ser realizada a muitas matildeos no partilhar e compartilhar da vida (COSTA NETO 2010)
A ampliaccedilatildeo da cidadania requer a consciecircncia de que os direitos pressupotildeem
deveres de maneira que os direitos de um indiviacuteduo satildeo garantidos a partir do
cumprimento dos deveres dos demais componentes da sociedade
51
34 A necessaacuteria superaccedilatildeo de velhos paradigmas
Como se sabe em 1988 foi aprovada a Constituiccedilatildeo mais liberal e
democraacutetica do Brasil chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo Assim ampliou-se de
forma significativa o campo dos direitos e garantias fundamentais No que diz
respeito a tal mateacuteria eacute considerada como uma das mais avanccediladas do mundo No
seu preacircmbulo adota o modelo de um Estado democraacutetico de Direito destinado a
garantir o exerciacutecio dos direitos sociais e individuais a liberdade a seguranccedila o
bem-estar o desenvolvimento a igualdade e a justiccedila eleitos como valores
supremos de uma sociedade fraterna pluralista e sem preconceitos
Para a construccedilatildeo democraacutetica da cidadania no Brasil contemporacircneo
salienta-se de ela deve passar de uma democracia representativa para uma
cidadania que efetivamente molde a democracia ou seja uma cidadania instituinte
da democracia
No acircmbito constitucional positivo cidadania pressupotildee o exerciacutecio de todos
os direitos fundamentais e garantias que caracterizam o Estado democraacutetico de
Direito Quando se fala em cidadania eacute no sentido de reafirmar o direito pela plena
realizaccedilatildeo do indiviacuteduo do cidadatildeo dos entes coletivos e de sua emancipaccedilatildeo nos
espaccedilos da sociedade Estatildeo sempre intimamente ligados os conceitos de
cidadania democracia e direitos humanos sendo que um remete ao outro e seus
conteuacutedos se interligam ou seja a cidadania natildeo iraacute ocorrer sem que ocorra a
realizaccedilatildeo dos Direitos Humanos da mesma forma que os direitos humanos natildeo
seratildeo concretizados se natildeo houver o exerciacutecio da cidadania
Na evoluccedilatildeo histoacuterica tais categorias se desenvolveram de forma conjunta
com o Estado Representam noccedilotildees desejaacuteveis de relaccedilotildees humanas que se espera
sejam instituiacutedas Satildeo os elementos basilares na nova ordem social e que a
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 pretendeu edificar Poreacutem a democracia poliacutetica natildeo
resolveu os problemas econocircmicos mais seacuterios como a desigualdade e o
desemprego Continuam muito seacuterios os problemas da aacuterea social principalmente
na educaccedilatildeo nos serviccedilos de sauacutede e saneamento como tambeacutem e
principalmente quanto agrave seguranccedila puacuteblica
52
A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 em seu artigo 6ordm e em outros artigos no texto
constitucional ampliou e muito os Direitos Sociais proibiu discriminaccedilotildees Assim
indicadores baacutesicos de qualidade de vida apontam que houve uma melhoria A
mortalidade infantil por exemplo caiu de maneira significativa nos uacuteltimos anos A
esperanccedila de vida ao nascer passou de 60 anos em 1980 para 70 em 2000 Poreacutem
o maior progresso foi na aacuterea da educaccedilatildeo fundamental que eacute considerado fator
decisivo para a cidadania pois a taxa de analfabetismo caiu consideravelmente
entretanto existem muitos problemas no campo educacional como a repetecircncia e
com relaccedilatildeo a desigualdade social entre as regiotildees
A grande concentraccedilatildeo da riqueza nacional nas matildeos de poucos reflete a
desigualdade e causa a pobreza e a miseacuteria ao passo que dificulta o acesso do
cidadatildeo agrave justiccedila e consequentemente ao seu estado de cidadania pleno
Dentre os fundamentos no qual se baseiam o Estado democraacutetico de Direito
no Brasil destaca-se justamente a cidadania e a dignidade humana conforme artigo
1ordm incisos II e III da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Entatildeo construir uma sociedade
livre justa e solidaacuteria garantir o desenvolvimento nacional erradicar a pobreza e a
marginalizaccedilatildeo reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de
todos sem preconceitos de origem raccedila sexo cor idade ou quaisquer outras
formas de discriminaccedilatildeo satildeo os objetivos fundamentais do Estado Brasileiro
conforme art 3ordm da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
O cenaacuterio de globalizaccedilatildeo econocircmica mundial tambeacutem traacutes seacuterios obstaacuteculos
para a construccedilatildeo da cidadania A globalizaccedilatildeo da economia em ritmo acelerado
provoca grandes mudanccedilas nas relaccedilotildees entre Estado sociedade e naccedilatildeo que
eram sempre o centro da noccedilatildeo e da praacutetica da cidadania ocidental O foco das
mudanccedilas e das preocupaccedilotildees estaacute em dois focos especiacuteficos a reduccedilatildeo do papel
central do Estado como fonte de direitos e local para a participaccedilatildeo e o
deslocamento da naccedilatildeo como principal fonte de identidade coletiva
Para que ocorra efetiva mudanccedila a melhor proposta eacute no sentido de
mudanccedila na organizaccedilatildeo da sociedade pois a inversatildeo da sequecircncia dos direitos
fez com que ocorra o reforccedilo da supremacia do Estado Para que ocorra a
consolidaccedilatildeo democraacutetica e cidadatilde eacute necessaacuterio reforccedilar a organizaccedilatildeo da
sociedade para assim dar embasamento social ao poder poliacutetico ou seja
finalmente democratizar o poder e estabelecer de forma plena a Cidadania
53
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A Constituiccedilatildeo que nasce com ldquocheiro de amanhatilde e natildeo de mofordquo nas
palavras do Deputado Ulisses Guimaratildees tem em seu relevo a esperanccedila de um
povo que sonhava com a erradicaccedilatildeo da repressatildeo militar e natildeo soacute isso um povo
que sonhava com a liberdade em suas diversas manifestaccedilotildees em suas mais
significativas formas de representaccedilatildeo e sobretudo com um paiacutes voltado para a
democracia e justiccedila social
Ao povo brasileiro foi concedido o poder de governar e nesse contexto de
mudanccedila a ldquodemocracia eacute o governo do povo pelo povo e para o povordquo na
conceituaccedilatildeo ceacutelebre de Abraham Lincoln E consoante estabelece o paraacutegrafo
uacutenico do art 1ordm da Carta cidadatilde de 1988 ldquotodo poder emana do povo que o exerce
por meio de representantes eleitos ou diretamenterdquo
No entanto natildeo basta que a fonte de poder seja o povo a democracia vem
significar a efetiva participaccedilatildeo do povo nas decisotildees e destino do Estado e sua
consolidaccedilatildeo eacute a proacutepria cidadania pois eacute o cidadatildeo que pensa e se auto define
diante da condiccedilatildeo soacutecio-histoacuterica O cidadatildeo tem portanto o poder de transformar
a realidade social segundo seu pensamento e accedilatildeo
Natildeo se pode negar que a Carta de 1988 foi a que apresentou maior
legitimidade popular que abriu caminhos apontando um novo tempo
Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita Se fosse perfeita seria irreformaacutevel Ela proacutepria com humildade e realismo admite ser emendada ateacute por maioria mais acessiacutevel dentro de cinco anos Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita mas seraacute uacutetil e pioneira e desbravadora Seraacute luz ainda que de lamparina na noite dos desgraccedilados Eacute caminhando que se abrem os caminhos Ela vai caminhar e abri-los Seraacute redentor o que penetrar nos bolsotildees sujos escuros e ignorados da miseacuteria (Ulysses Guimaratildees)
Mesmo natildeo sendo a constituiccedilatildeo perfeita sem duacutevida foi a que trouxe
esperanccedila ao povo brasileiro com a sua promulgaccedilatildeo surgiram o ldquohaacutebeas datardquo o
mandado de injunccedilatildeo e o mandado de seguranccedila coletivo - todos remeacutedios judiciais
de iacutendoles constitucionais serviacuteveis para prevenir e combater diversas tentativas de
abuso contra a pessoa humana Outrossim o objeto da accedilatildeo popular foi ampliado
Atualmente qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima para propor a mencionada accedilatildeo
54
popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de entidade de que o
Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e ao patrimocircnio
histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de custas
judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia Nesse rol de forma decisiva houve a
ampliaccedilatildeo tambeacutem dos direitos sociais
Assim a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconhece e assegura uma seacuterie de
escudos protetivos aos cidadatildeos Em sua essecircncia os direitos fundamentais
ganham forma De modo que podemos assegurar que hoje o nosso Estado eacute uma
organizaccedilatildeo centrada no ser humano visto que tem a dignidade da pessoa humana
como um fundamento da Repuacuteblica Federativa do Brasil
Apesar das inuacutemeras dificuldades o Estado Democraacutetico de Direito fundado
na cidadania constituiu para o povo uma nova identidade ndash o que em outras eacutepocas
natildeo existia
A Constituiccedilatildeo circunscreve toda a organizaccedilatildeo poliacutetica estatal no intuito
maior de criar no consciente coletivo a vontade livre e determinada de desenvolver
padrotildees de condutas destinados a elevar e promover a auto-estima de toda a
comunidade paacutetria
Foi nesse sentido que estatui em seu artigo 1ordm a cidadania como fundamento
do Estado Democraacutetico de Direito ampliando e enriquecendo o tal conceito Cada
eacutepoca produziu praacuteticas e reflexotildees muito distintas sobre o tema cidadania A
definiccedilatildeo de cidadania que vem sofrendo alteraccedilotildees ao longo do tempo obedecendo
a um processo histoacuterico de conquistas sociais eacute compreendida atualmente como
um processo de participaccedilatildeo do indiviacuteduo ou de um grupo organizado nas mais
variadas aacutereas de atuaccedilatildeo da sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos
e sociais
A cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia disso natildeo haacute duvidas e se
efetiva como mudanccedilas na realidade de cada um com melhoria de vida e
conscientizaccedilatildeo da importacircncia do cidadatildeo dado que eacute um processo em
permanente construccedilatildeo Natildeo haacute como defender uma qualidade de vida sem a
preservaccedilatildeo da cidadania em todos os seus acircmbitos Nesse sentido a efetiva
proteccedilatildeo desse aspecto basilar torna-se essencial no que tange uma assistecircncia
juriacutedica completa
No contraponto do direito estatildeo os deveres que encontramos sua realizaccedilatildeo
tambeacutem na participaccedilatildeo observando que o cidadatildeo eacute responsaacutevel pelo advir de
55
suas accedilotildees A participaccedilatildeo reflete um caraacuteter de natildeo comodismo de atenccedilatildeo agravequilo
que eacute particular e coletivo tendo como finalidade preciacutepua o bem comum
Construir cidadania hoje eacute imperativo para a sociedade pois dessa
construccedilatildeo depende o amanhatilde Estamos diante da Constituiccedilatildeo que se propotildee a
resguardar o amanhatilde sem perder de vista que ele comeccedila hoje agora e nisso a
Carta Poliacutetica traacutes consigo a certeza do despertar dessa consciecircncia a consciecircncia
cidadatilde Ela eacute a semente plantada em terra feacutertil que gera frutos diariamente e se
renova a cada estaccedilatildeo na dinacircmica da vida Talvez tenha sido esse o cheiro de
frutas alcanccedilado pelo constituinte ao anunciar que a carta tem ldquocheiro do amanhatilderdquo
A responsabilidade pelo exerciacutecio desses direitos belissimamente elencados
depende de todos e de cada um pois somos o terreno feacutertil que produziraacute o fruto de
uma sociedade fraterna
Eacute comum na praacutetica apenas responsabilizarmos o Estado em sentido lato pelo
natildeo exerciacutecio dos direitos do cidadatildeo Vale lembrar nesse contexto das palavras de
J Kennedy o qual disse ldquonatildeo pergunte o que o Estado pode fazer por vocecirc mas o
que vocecirc pode fazer pelo Estadordquo haacute nessa frase um forte traccedilo de cidadania pois
quando o cidadatildeo reivindica critica opina o que ele daacute em contrapartida ao paiacutes eacute
solidificado visto que eacute nas relaccedilotildees familiares em comunidade que se estabelece e
se fortalece os viacutenculos de solidariedade de uma sociedade que perpetua valores
condutas que as leis reguladoras natildeo conseguem por si soacute estabelecer
A concretizaccedilatildeo do ideal de uma qualidade de vida merecida a todos os seres
humanos sem restriccedilotildees requer entretanto um esforccedilo coletivo Dessa forma haacute
necessidade de suprir as muitas carecircncias advindas das desigualdades sociais e de
condiccedilotildees do descaso do poder puacuteblico e da proacutepria conceituaccedilatildeo antiga de
cidadania que ainda eacute concebida por muitos no presente
Em suma nosso trabalho procurou traccedilar a evoluccedilatildeo da cidadania e ao
mesmo tempo buscou traccedilar uma melhor caracterizaccedilatildeo do cidadatildeo agrave luz da nossa
Constituiccedilatildeo que eacute por fim a essecircncia da Magna Carta O alcance da cidadania
enquanto mecanismo de acesso a direitos foi colocado no acircmbito da pessoa
enquanto titular de direitos e num paralelo defendemos que o municiacutepio eacute o espaccedilo
de atuaccedilatildeo e exerciacutecio de cidadania dada a proximidade do cidadatildeo com as
instituiccedilotildees oacutergatildeos entidades e tudo o mais que o cerca na esfera de vivecircncia Eacute na
praccedila que discute a poliacutetica local e nacional que se indigna com as dificuldades e as
56
barreiras de acesso aos seus direitos Eacute no municiacutepio que se inicia todo um vieacutes de
desdobramento para garantir direitos
Por fim natildeo obstante resta dizer sobre o tema que os caminhos e
paradigmas que se intentou percorrer sobre cidadania como mecanismo
transformador da sociedade tem ingrediente ainda a se descortinar para o
propoacutesito valioso do bem comum Pois bem a ideia de bem comum tem como
fundamento o amor maacutexima que se estabelece por meio da democracia visto que
ldquoa demofilia o demoiacutesmo o amor do povo acima de tudo como princiacutepio ativo de
toda a sua vida poliacutetica inspirador duma sempre crescente autonomia imanente eacute
que constitui a verdadeira essecircncia da democraciardquo nas palavras de Melgareacute
(2005)
Dessa forma eacute no nuacutecleo da democracia que estaacute inscrito como pedra
angular o respeito e o amor pela pessoa humana Eacute pois um tema de larga
abrangecircncia poreacutem sem querer abreviar o caminho sua efetiva possibilidade de
realizaccedilatildeo se encontra no exerciacutecio da cidadania sem repuacutedios parciais ou exclusatildeo
de qualquer ordem na plenitude de uma cidadania para todos
57
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ELISSANDRA MARIA CONCEICcedilAtildeO DE BRITO
O EXERCIacuteCIO DA CIDADANIA COMO MECANISMO
TRANSFORMADOR DA SOCIEDADE
Aprovada em 18 de maio de 2013
Aprovada em 18 de maio de 2013
Guarabira ndash PB 2013
DEDICATOacuteRIA
Amor de matildee Conhece barreiras
Conhece obstaacuteculos Conhece impossiacutevel
Natildeo Amor de matildee Conhece dor
Mas supera no trabalho Conhece a distancia
Mas supera na esperanccedila Conhece dificuldade
Que natildeo paralisa Que natildeo intimida Que natildeo descrer
Amor de matildee suporta os amores desfeitos O ritmo desfeito o rumo desfeito a vida desfeita
Na certeza de ser maior de ser melhor de ser matildee
Para Dona Lia minha matildee Com todo o meu amor
Dedico
AGRADECIMENTOS
Ao dileto Professor Antonio Cavalcante da Costa Neto pelas valiosas contribuiccedilotildees
e solicitude com que me orientou (um sonho realizado) Li recentemente um texto
luacutedico intitulado ldquoUma mensagem a Garciardquo e encontrei naquelas linhas o perfil do
Dr Antonio Por analogia um homem a quem foi confiado uma importante missatildeo e
diante da incumbecircncia natildeo perguntou o que A quem Como Tomou sua missatildeo
deu a ela um quecirc de feacute um pouco de filosofia muito de humildade e sabedoria e fez
da sua missatildeo um sacerdoacutecio E noacutes seus alunos somos gratos por ele ter
plantado em nossos coraccedilotildees liccedilotildees de eacutetica de direito de justiccedila de esperanccedila
Aos professores da Especializaccedilatildeo em nome de Belarmino Mariano Luciano
Nascimento e Agassiz Almeida Filho nossa eterna gratidatildeo
Ao amigo Professor advogado Everaldo Ribeiro pelo companheirismo e
solidariedade com que me incentivos durante os periacuteodos mais difiacuteceis dessa
caminhada
A Gerson que pelas escolhas do coraccedilatildeo se fez meu irmatildeo
Agrave Iolanda minha comadre amiga-irmatilde de todas as horas
A Assis Brito (meu marido) exemplo de superaccedilatildeo meu constante incentivador
A Vovoacute Julia (In memoriam) que me ensinou a acreditar que eu poderia ir muito
aleacutem onde os meus sonhos me levassem
A dona Lia minha matildee minha amiga presenccedila de Deus na minha vida
Agrave Aimeacutee Antocircnia minha filha companheira inseparaacutevel presente de Deus
A Deus Senhor da minha vida e Autor da minha histoacuteria
Abre os olhos e vecirc Secirc vigilante
a reaccedilatildeo natildeo passaraacute diante
do teu punho fechado contra o medo
Levanta-te meu povo Natildeo eacute tarde
Agora eacute que o mar canta eacute que o sol arde
pois quando o povo acorda eacute sempre cedo
(Joseacute Carlos Ary dos Santos)
Sumaacuterio
INTRODUCcedilAtildeO 09
CAPIacuteTULO 1 NOVOS OLHARES SOBRE A CIDADANIA 12
11 As origens da cidadania 13
12 A construccedilatildeo da cidadania 16
13 Cidadania um fenocircmeno cultural 18
14 cidadania no Brasil Breves consideraccedilotildees 19
CAPIacuteTULO 2 CIDADANIA Agrave LUZ DA CONSTITUICcedilAtildeO FEDERAL DE 1988 23
21 Estado Democraacutetico de Direito espaccedilo de cidadania 24
22 Os direitos fundamentais como pressupostos de identidade da cidadania 27
23 A consagraccedilatildeo dos direitos do cidadatildeo 31
CAPIacuteTULO 3 CIDADANIA COMO MECANISMO DE TRANSFORMACcedilAtildeO
SOCIAL 35
31 O ser cidadatildeo 36
32 A emancipaccedilatildeo social atraveacutes da cidadania 39
33 O municiacutepio como acircmbito de exerciacutecio de cidadania 44
34 A necessaacuteria superaccedilatildeo de velhos paradigmas 50
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 53
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 57
RESUMO
A cidadania assumiu historicamente inuacutemeras concepccedilotildees em funccedilatildeo dos muitos contextos social e cultural em que esta inserida Sua construccedilatildeo ficou condicionada a maneira como se formaram os Estados Assim o conceito de cidadania como direito a ter direitos foi construiacutedo dentro das estruturas proacuteprias de cada Estado dessa forma a cidadania moderna se desenvolveu na medida em que as pessoas se sentem parte do Estado-naccedilatildeo podendo participar da dinacircmica e construccedilatildeo do bem comum Eacute dentro desse contexto que se insere o presente estudo que tem por objetivo discorrer a respeito dos principais instrumentos de defesa dos direitos do cidadatildeo observando a cidadania como mecanismo de transformaccedilatildeo social No Brasil a cidadania ganha relevo com a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 na qual aparece como princiacutepio fundamental A Carta Cidadatilde abarca no decorrer de seu texto inuacutemeras inovaccedilotildees no que concerne a questatildeo da caracterizaccedilatildeo da cidadania na sociedade atual e os direitos que abrangem a esfera poliacutetica civil e social No elenco de mecanismo de exerciacutecio da cidadania objeto de nossa anaacutelise estaacute o acesso ao direito e a justiccedila que eacute fator preponderante para efetivar as garantias constitucionais bem como a educaccedilatildeo que implica ao ser humano o conhecimento de si mesmo e do meio no qual estaacute inserido dele podendo participar de forma produtiva O alcance da cidadania enquanto exerciacutecio de direitos e deveres eacute colocada no acircmbito do municiacutepio por ser o ente federativo mais proacuteximo do cidadatildeo Nesse vieacutes a construccedilatildeo da cidadania plena se constitui como tarefa de muitas matildeos firmada em accedilotildees que visam o bem comum PALAVRAS-CHAVE cidadania direitos constituiccedilatildeo democracia
ABSTRACT
Citizenship assumed historically many concepts in the light of many social and cultural contexts in which it operates Its construction was conditioned how states were formed Thus the concept of citizenship as a right to have rights built into the structures of each state so modern citizenship has developed to the extent that people feel part of the nation-state can participate in the construction of dynamic and well common It is within this context that the present study which aims to talk about the main instruments of defense of civil rights noting citizenship as a mechanism for social change In Brazil citizenship becomes important to the Federal Constitution of 1988 which appears as a fundamental principle The Citizen Charter includes in the course of your text numerous innovations regarding the issue of characterization of citizenship in modern society and the rights covering the political civil and social The cast engine citizenship object of our analysis is access to law and justice that is decisive for effective constitutional guarantees as well as the education that involves the human knowledge of oneself and the environment in which it is inserted it can participate productively The scope of the exercise of citizenship as rights and duties is placed within the municipality for being the federative entity closest to the citizen In this vein the construction of full citizenship is constituted as a task of many hands signed into actions aimed at the common good KEYWORDS citizenship rights constitution democracy
9
INTRODUCcedilAtildeO
A palavra cidadania tem sido usada com muita frequecircncia desde um discurso
poliacutetico a um diaacutelogo trivial pois eacute um vocaacutebulo de significado amplo que permite o
seu emprego para referir-se aos direitos humanos ou direitos do consumidor ou
para dirigir-se a um indiviacuteduo
O conceito de cidadania sempre esteve fortemente associado agrave noccedilatildeo de
direito o que de certa forma justifica a amplitude de usos do termo jaacute que a histoacuteria
da cidadania confunde-se com a histoacuteria dos direitos humanos a histoacuteria das lutas
das gentes para a afirmaccedilatildeo de valores como a liberdade a dignidade e a
igualdade de todos os seres humanos indistintamente Percebe-se portanto que
existe um estreito relacionamento entre cidadania e luta por justiccedila por democracia
e outros direitos fundamentais Pois como afirma Santana (2009)
A histoacuteria da cidadania confunde-se em muito com a histoacuteria das lutas pelos direitos humanos A cidadania esteve e estaacute em permanente construccedilatildeo eacute um referencial de conquista da humanidade atraveacutes daqueles que lutam por mais direitos maior liberdade melhores garantias individuais e coletivas []
Sua trajetoacuteria eacute longa e liga-se as transformaccedilotildees poliacuteticas ocorridas na
histoacuteria das sociedades O seu nascimento remota a Antiguidade passando por uma
perda de seu significado na Idade Media ateacute ressurgir na Modernidade e originar
calorosos debates nos dias de hoje
No Brasil estamos tecendo a nossa cidadania e aos poucos vamos nos
livrando da visatildeo restritiva da cidadania aplicada como simples conjunto de pessoas
dotadas de direitos poliacuteticos (cidadania ativa e cidadania passiva)
Passos importantes foram dados com o processo de redemocratizaccedilatildeo e a
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 mas essa trajetoacuteria ainda tem um longo caminho a
ser percorrido pois construir cidadania eacute tambeacutem construir novas relaccedilotildees e
10
consciecircncia de que ela natildeo se limita a conquista legal de direitos mas tambeacutem a
realizaccedilatildeo desses direitos Sob pena de que a natildeo apropriaccedilatildeo desses direitos de
forma efetiva os transforma em letra morta
A consciecircncia cidadatilde perpassa a democracia os direitos sociais e o ideal
coletivo de justiccedila em sentido amplo o qual denominamos de bem comum A
vivecircncia da cidadania encontra diversas barreiras culturais e histoacutericas pois como
afirma Matos (2009)
Somos filhos e filhas de uma naccedilatildeo que nasceu sob o signo da cruz e da espada acostumados a apanhar calado a dizer sempre lsquosim senhorrsquo a lsquoengolir saposrsquo a achar lsquonormalrsquo as injusticcedilas a termos um lsquojeitinhorsquo para tudo a natildeo levar a seacuterio a coisa puacuteblica a pensar que direitos satildeo privileacutegios e exigi-los eacute ser boccedilal e metido a pensar que Deus eacute brasileiro e se as coisas estatildeo como estatildeo eacute por vontade Dele
Os direitos que hoje gozamos natildeo nos foram conferidos de maneira
harmoniosa foram conquistados E muitas vezes os compreendemos como uma
concessatildeo um favor de quem estaacute em cima para os que estatildeo em baixo da piracircmide
social e essa concepccedilatildeo errocircnea fragiliza a capacidade de organizaccedilatildeo participaccedilatildeo
e intervenccedilatildeo social que configura a cidadania
Este trabalho monograacutefico portanto tem como escopo discutir e traccedilar alguns
pressupostos que possibilitem a compreensatildeo do efetivo exerciacutecio da cidadania
como mecanismo transformador de uma sociedade (participaccedilatildeo cidadatilde nas
decisotildees da administraccedilatildeo puacuteblica que alcancem toda a coletividade)
compreendendo que a cidadania deve ser vista em todos os seus aspectos
principalmente no sentido que atraveacutes dela se almeja uma sociedade com vida
digna para todos Cidadania essa que se configurou e vem se impondo em meio a
fortes resistecircncias e combates
Para que os objetivos fossem alcanccedilados elegemos a pesquisa bibliograacutefica
como teacutecnica baacutesica para coletarmos os dados necessaacuterios Tratou-se de uma
proposta de estudo portanto de cunho eminentemente bibliograacutefico Assim sendo
as fontes da pesquisa foram as proacuteprias obras dos doutrinadores
Eacute por meio de referenciais teoacutericos como Hannah Arendt Joseacute Afonso da
Silva Norberto Bobbio Dalmo Dallari Walber Agra Celso Bandeira de Melo
Boaventura de Souza Joseacute Murilo de Carvalho entre outros expoentes da ciecircncia
juriacutedica que contextualizamos estes questionamentos e de certa maneira temos a
11
pretensatildeo de contribuir para o fortalecimento do debate acadecircmico em torno de um
elemento valioso para o Estado Constitucional a cidadania
A dimensatildeo doutrinaacuteria do tema diz respeito a sua importacircncia para a aacuterea de
estudos em que se insere - o Direito Pois estudar e analisar elementos constitutivos
da cidadania significa compreender uma questatildeo que vem a cada dia tomando mais
espaccedilo nos meios acadecircmicos
Nos dias atuais em que a poacutes-modernidade permeia as relaccedilotildees juriacutedicas
propiciando a interdisciplinaridade e a flexibilidade da interpretaccedilatildeo dos dispositivos
postos o processo de discussatildeo voltado para a questatildeo da cidadania vivencia na
atualidade grande relevacircncia Nesse diapasatildeo duas consideraccedilotildees seratildeo levadas a
efeito a cidadania como um fundamento constitucional da Repuacuteblica Federativa do
Brasil de acordo com o que preceitua o inciso II do artigo 1ordm da Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 o local mais propiacutecio para o exerciacutecio efetivo da cidadania eacute o
municiacutepio onde ocorrem agraves decisotildees mais proacuteximas da comunidade em que o
individuo cidadatildeo tem maior facilidade de participaccedilatildeo nas decisotildees e por fim que
os indiviacuteduos exercem cidadania acessando a justiccedila em busca de seus direitos
Neste sentido o presente trabalho analisa algumas questotildees que estiveram e
ainda estatildeo por traacutes do desenvolvimento da foacutermula da cidadania percorrendo para
tanto desde a antiguidade ateacute o tempo presente De modo que o objetivo do
mesmo eacute analisar o processo de constituiccedilatildeo e consolidaccedilatildeo da cidadania ao longo
dos tempos como tambeacutem procura demonstrar os caminhos que de fato o conceito
de cidadania percorreu ateacute chegar agraves formulaccedilotildees da nossa eacutepoca em que passou
a ser concebida como um princiacutepio fundamental da Repuacuteblica Federativa do Brasil
Defendemos por fim que a cidadania como hoje a enxergamos eacute talvez o
uacutenico arcabouccedilo viaacutevel para a convivecircncia poliacutetica sendo certo que a sociabilidade
por traacutes da construccedilatildeo estatal precisa arrimar-se em postulados democraacuteticos e
criteacuterios de emancipaccedilatildeo da liberdade individual e coletiva os quais satildeo
pressupostos da cidadania plena
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CAPIacuteTULO 1 - NOVOS OLHARES SOBRE A CIDADANIA
A cidadania vista como uma verdadeira visatildeo democraacutetica da convivecircncia eacute
siacutembolo de todo um incessante processo desencadeado por meio de um labutar
juriacutedico-politico-cultural que vem acompanhado de vaacuterias etapas do fenocircmeno
humano na tentativa de harmonizar os interesses valores e necessidades dos
homens
Seus correspondentes mecanismos de atuaccedilatildeo na sociedade atual natildeo
surgiram como que por encanto pacificamente sem luta Brotaram apoacutes uma
semeadura ideoloacutegica em conflito com outras ideologias e doutrinas que lhe eram
contraacuterias A cidadania portanto consiste na lenta construccedilatildeo da democracia
sintetiza os esforccedilos para a obtenccedilatildeo das prerrogativas poliacuteticas sociais e culturais
que tecircm levado os membros da comunidade poliacutetica direta ou indiretamente a
decidir acerca da realidade que os cercam
Neste sentido obra de construccedilatildeo do civismo democraacutetico que vem se
fortalecendo de maneira eficaz com a promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo brasileira de
1988 a cidadania toma como ponto de partida a ideia de que o Estado democraacutetico
de Direito eacute uma conquista resultado de uma construccedilatildeo permanente da
convivecircncia sociopoliacutetica
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11 As origens da cidadania
A expressatildeo cidadania emana do termo latino civitas No entanto pode-se
encontrar suas procedecircncias intelectuais nas religiotildees da Antiguidade e nas
civilizaccedilotildees greco-romanas Polites que os romanos traduziram por cives que eacute o
soacutecio da polis ou civitas O legado greco-romano da palavra civitas nos remete agraves
noccedilotildees de liberdade igualdade e virtudes republicanas Eacute na polis grega que os
conceitos de liberdade e igualdade ganham sentido No entanto eacute importante citar
que
A participaccedilatildeo na polis ou na civitas era exclusiva de alguns homens que participavam do funcionamento da cidade-Estado eram eles os titulares de direitos poliacuteticos Eram considerados cidadatildeos apenas os homens nascidos no solo da cidade livres e iguais portadores de dois direitos inquestionaacuteveis portadores da isonomia (igualdade perante a lei) e da isegoria (o direito de expor e discutir em puacuteblico opiniotildees sobre accedilotildees que a cidade deveria ou natildeo realizar) (CHAUIacute 1994)
Ser cidadatildeo para os gregos significava antes de tudo usufruir certas
vantagens que nenhum outro homem conhecera Como afirma Minogue ldquoOs
cidadatildeos tinham riqueza beleza e inteligecircncia diversas mas como cidadatildeos eram
iguaisrdquo (1998) Foi especialmente no seacuteculo V aC que Atenas viveu seu momento
de apogeu Nesse seacuteculo especificamente desenvolveram-se as concepccedilotildees de
cidadania e democracia Em oposiccedilatildeo agrave ideia aristocraacutetica de poder o cidadatildeo
poderia e deveria atuar na vida puacuteblica independentemente da origem familiar
classe ou funccedilatildeo (ARENDT 1995)
Da mesma forma a racionalidade era conferida a uma minoria da
populaccedilatildeo exclusivamente aos homens que tinham o direito de filosofar aleacutem de
participar da academia (culto agrave beleza fiacutesica) e do poder (direito de comandar
politicamente todos os interesses da polis mediante a elaboraccedilatildeo e execuccedilatildeo de
leis e normas administrativas) Cidadatildeo segundo o teoacuterico Coulanges
Eacute todo o homem que segue a religiatildeo da cidade que honra os mesmos deuses da cidade () o que tem o direito de aproximar-se dos altares e podendo penetrar no recinto sagrado onde se realizam as assembleias assiste agraves festas acompanha as procissotildees e participa dos panegiacutericos participa dos banquetes sagrados e recebe sua parte das viacutetimas Assim esse homem no dia em que se inscreveu no registro dos cidadatildeos jurou praticar o culto dos deuses da cidade e por eles combater (2003)
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Os escravos e os baacuterbaros natildeo podiam tomar parte dos ambientes
sagrados Segundo alguns teoacutericos apenas 10 da populaccedilatildeo eram considerados
cidadatildeos em Atenas A fim de reduzir as despesas do Estado o governo restringiu o
direito de cidadania somente os filhos de pai e matildee atenienses seriam considerados
cidadatildeos As mulheres os metecos (estrangeiros) e os escravos continuaram
desprovidos de quaisquer direitos poliacuteticos A mulher era considera o ldquonatildeo serrdquo
equiparada aos escravos cuidava dos afazeres ldquodomeacutesticosrdquo servia como
instrumento de procriaccedilatildeo e natildeo participava portanto das decisotildees da polis
Aristoacuteteles descreve que mulheres e escravos eram mantidos fora da vista do
puacuteblico eram os trabalhadores que ldquocom o seu corpo cuidavam das necessidades
(fiacutesicas) da vidardquo Satildeo as mulheres que com seu corpo garantem a sobrevivecircncia
fiacutesica da espeacutecie Mulheres e escravos conforme Arendt
Pertenciam agrave mesma categoria e eram mantidos fora das vistas alheias - natildeo somente porque eram propriedade de outrem mas porque a sua vida era ldquolaboriosardquo dedicada a funccedilotildees corporais O filho de preferecircncia deveria ser do sexo masculino sendo candidato em potencial para exercer a cidadania O escravo servia de matildeo-de-obra para o sustento e manutenccedilatildeo dos cidadatildeos (1995)
Para Aristoacuteteles ser cidadatildeo diz respeito a todo aquele que eacute capaz de
tomar parte tanto no judiciaacuterio quanto no poder deliberativo da polis ldquoNenhum
caraacuteter define melhor o cidadatildeo no sentido estrito do que a participaccedilatildeo do exerciacutecio
dos poderes de juiz e magistradordquo (ARISTOacuteTELES A Poliacutetica III 16 Apud
TOURAINE 1994) O fim uacuteltimo do homem eacute viver na polis onde o homem se
realiza como cidadatildeo (politai) manifestando o processo de constituiccedilatildeo de sua
essecircncia a sua natureza Ou seja natildeo apenas viver em sociedade mas viver na
ldquopoliticidaderdquo
Para Aristoacuteteles a reflexatildeo sobre a poliacutetica eacute que ela natildeo se separa da
eacutetica pois segundo o estagirita a vida individual estaacute imbricada na vida comunitaacuteria
A razatildeo pela qual os indiviacuteduos reuacutenem-se nas cidades (e formam comunidades
poliacuteticas) natildeo eacute apenas a de viver em comum mas a de viver ldquobemrdquo ou a boa vida
Para que isso aconteccedila eacute necessaacuterio que os cidadatildeos vivam o bem comum ou em
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conjunto ou por intermeacutedio dos seus governantes se acontecer o contraacuterio (a busca
do interesse proacuteprio) estaacute formada a degeneraccedilatildeo do Estado
Por fim como afirma Correcirca (1999) ldquoa cidadania da Greacutecia Claacutessica
possui um paracircmetro muito especiacutefico de difiacutecil aceitaccedilatildeo numa concepccedilatildeo
moderna de cidadaniardquo Ou seja o que caracteriza a cidadania antiga eacute seu aspecto
limitador elitista e excludente pouco semelhante com o entendimento dos nossos
dias
Destarte como a democracia a cidadania passou por diferentes e possiacuteveis
ldquoinvenccedilotildeesrdquo em periacuteodos e espaccedilos determinados da histoacuteria e da geografia do
Ocidente Greacutecia e Roma consolidaram por seacuteculos seus sistemas de governos
possibilitando e permitindo a participaccedilatildeo de um significativo nuacutemero de cidadatildeos
Com o desaparecimento das civilizaccedilotildees claacutessicas a cidadania desaparece
juntamente e por um bom tempo ficaraacute fora de cena no Ocidente
Conforme Benevides (1994) a ideia moderna de cidadania e de direitos do
cidadatildeo tem como eacute sabido soacutelidas raiacutezes nas lutas e no imaginaacuterio da Revoluccedilatildeo
Francesa
Na continuidade da tradiccedilatildeo dos seacuteculos XVII e XVIII o contratualismo de
Locke e de Rousseau forneceu as bases filosoacuteficas do conceito de cidadania do
liberalismo e as revoluccedilotildees Inglesa Americana e Francesa que validaram seu uso
ao estabelecer um viacutenculo juriacutedico-legal entre as noccedilotildees de liberdade igualdade
fraternidade e o Estado-naccedilatildeo (MOISEacuteS 2005)
Nos seacuteculos XVIII e XIX outras correntes teoacutericas sobre o direito e a cidadania
seratildeo contempladas No entanto estas teorias vatildeo se contrapor agraves teorias do
jusnaturalismo e do contratualismo Segundo Correcirca (1999)
Para o positivismo juriacutedico (positivismo normativista de Kelsen) bem como para a Escola da Exegese e a Escola Histoacuterica o que vale eacute o ensino dogmaacutetico - as normas (exclue-se a anaacutelise interdisciplinar entre outras aacutereas principalmente com as Ciecircncias Sociais) A lei eacute a uacutenica fonte do direito Para essas escolas a cidadania eacute negada
Mais proacuteximo de noacutes no seacuteculo XX T A Marshall foi quem primeiro
discutiu o conceito de cidadania e suas dimensotildees no ensaio claacutessico ldquoCidadania e
classe socialrdquo Ainda hoje depois de mais de seis deacutecadas apoacutes a sua publicaccedilatildeo
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(em 1949) o ensaio de Marshall continua a ser a referecircncia teoacuterica fundamental
para quem comeccedila a refletir sobre a cidadania na sociedade contemporacircnea eacute o
que se pode constatar de resto atraveacutes da consulta a mais recente bibliografia
dedicada a esse tema
Os Direitos Civis dentro da tradiccedilatildeo apresentada por Marshall estatildeo
ligados aos direitos fundamentais do homem como o direito agrave vida agrave liberdade agrave
propriedade e agrave igualdade perante a lei Jaacute os Direitos Poliacuteticos se referem agrave
participaccedilatildeo do cidadatildeo no governo da sociedade Seu exerciacutecio eacute limitado a uma
reduzida parcela da populaccedilatildeo e consiste na capacidade de fazer demonstraccedilotildees
poliacuteticas formar e participar de agremiaccedilotildees poliacuteticas organizar partidos votar e ser
votado Em geral quando se fala de direitos poliacuteticos
Eacute do direito do voto que se estaacute falando Por fim aparecem os Direitos Sociais que garantem a participaccedilatildeo no governo da sociedade e na riqueza coletiva Eles incluem o direito agrave educaccedilatildeo ao trabalho ao salaacuterio justo agrave sauacutede e agrave aposentadoria (CARVALHO 2002)
Eacute a soma desses direitos (civis poliacuteticos e sociais) que garantem a
emancipaccedilatildeo humana e a justiccedila social Certamente Marshall descreveu a evoluccedilatildeo
da cidadania em seu paiacutes de origem ou seja a Inglaterra Foi nesse paiacutes que
surgiram inicialmente os direitos civis no seacuteculo XVIII depois vieram os direitos
poliacuteticos (XIX) e por fim os direitos sociais (XX) Trata-se portanto de verdadeiras
conquistas da contemporaneidade E como tal fazem parte de um cotidiano em que
homens e mulheres lutam por dias melhores pelo Direito justo por uma cidadania
plena e eficaz por uma convivecircncia equilibrada pela existecircncia plena daqueles que
acreditam e defendem os valores por traacutes da dignidade da pessoa humana
12 A construccedilatildeo da cidadania
A Cidadania natildeo pode ser vista como um conceito estaacutetico pois ela natildeo se
resume somente em participaccedilatildeo atraveacutes de eleiccedilotildees mas sim como uma
construccedilatildeo da democracia politizada e participativa da construccedilatildeo do poder
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Nas uacuteltimas deacutecadas o Brasil passou por significativas mudanccedilas de
paradigmas dentre os quais podemos citar a reconstruccedilatildeo do conceito proposto de
cidadania Pode-se dizer que apesar das inuacutemeras desigualdades socioeconocircmicas
o termo ldquocidadaniardquo evoluiu ampliando-se a abrangecircncia de sua concepccedilatildeo
abarcando todas as categorias sociais Para tanto para que possamos compreender
como vem se dando essa evoluccedilatildeo eacute preciso que conheccedilamos como tem se dado a
construccedilatildeo histoacuterica da representaccedilatildeo simboacutelica da cidadania
Durante toda a sua evoluccedilatildeo histoacuterica a palavra cidadania e as vaacuterias facetas
que ela assumiu nas uacuteltimas deacutecadas vecircm convivendo de perto com dissensotildees
sociais interesses e conflitos ideoloacutegicos culturais e poliacuteticos que se dedicam a
defender ou construir um modelo de cidadania compatiacutevel com as conjunturas de
cada tempo e de cada lugar
A marcha da cidadania sempre esteve ligada a avanccedilos retrocessos crises e
vitoacuterias enfim a iniciativas voltadas para a implantaccedilatildeo de uma estrateacutegia de luta
pelos direitos humanos pois ela esteve e estaacute em permanente construccedilatildeo eacute como
dizem os grandes teoacutericos um referencial de conquista da humanidade atraveacutes
daqueles que sempre lutaram e lutam por mais direitos mais liberdade melhores
garantias sejam elas individuais ou coletivas e natildeo se conformam frente agraves
dominaccedilotildees arrogantes de um pequeno grupo dominador e opressor contra uma
maioria desassistida e que natildeo se consegue fazer ouvir exatamente porque se lhe
nega a cidadania plena cuja conquista ainda que tardia natildeo seraacute obstada
Os caminhos trilhados pelos que defendem a cidadania podem vir a
apresentar em termos de sentimento constitucional a luta por um Estado
Democraacutetico de Direito que ajude na construccedilatildeo de uma adequada compreensatildeo
das situaccedilotildees de conjuntura e dos problemas estruturais que a sociedade enfrenta
dia apoacutes dia situaccedilotildees essas que se congregam para gerar a falta de efetividade
normativa da nossa Constituiccedilatildeo Aleacutem disso oferecem um amplo panorama acerca
dos esforccedilos que os povos empreenderam para fundar os alicerces das democracias
constitucionais do mundo moderno
A histoacuteria da construccedilatildeo da cidadania eacute uma histoacuteria de resistecircncias de povos
contra as opressotildees dos governos do desespero e das necessidades das massas eacute
a histoacuteria da esperanccedila e do empenho das naccedilotildees a histoacuteria da convivecircncia das
paixotildees humanas do futuro das geraccedilotildees eacute a histoacuteria do sofrimento e da dor eacute a
histoacuteria das vicissitudes e dramas do proacuteprio fenocircmeno humano
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13 Cidadania um fenocircmeno cultural
A cidadania eacute um fenocircmeno cultural relacionada com a conquista de direitos
com as construccedilotildees das instituiccedilotildees com a proteccedilatildeo dos direitos fundamentais e
dos valores juriacutedicos e humanos Trata-se de uma realidade cultural cuja finalidade eacute
determinar o modo como agraves pessoas devem vincular-se agraves mudanccedilas nas estruturas
sociais determinando o modo como agraves pessoas devem atuar e (com) viver em
sociedade
De certo modo a cidadania como o Direito e todos os direitos representa uma
conquista da cultura frente agrave conflitiva natureza humana Tal conclusatildeo ajuda a
compreender o Estado Democraacutetico de Direito e tudo aquilo que ele simboliza em
termos de emancipaccedilatildeo da pessoa humana Nessa linha a necessidade de
compreender o conceito atual de cidadania agrave luz das questotildees culturais e sociais
postas pela sociedade poacutes-moderna veio-nos como heranccedila do processo cultural de
formaccedilatildeo das democracias modernas
Essa representaccedilatildeo cultural da cidadania vem sendo tratada pelos
pensadores modernos sob vaacuterios enfoques Num primeiro momento surge assim
por exemplo a cidadania civil que marcou a superaccedilatildeo da situaccedilatildeo observada na
Idade Meacutedia garantindo os direitos quanto agrave liberdade e agrave justiccedila e vinculando-se
diretamente agrave burguesia Jaacute a cidadania poliacutetica surgiu com a universalizaccedilatildeo de seu
proacuteprio conceito e com a ampliaccedilatildeo dos direitos civis Esta nova consciecircncia sobre
as diferenccedilas no interior do status de cidadatildeo acentua os debates sobre a exclusatildeo
social os direitos humanos e mesmo sobre a atuaccedilatildeo poliacutetica da sociedade civil Por
outro lado no atual estaacutegio do capitalismo falar em cidadania significar considerar
igualmente as proacuteprias mudanccedilas ocorridas na sociedade nos valores e na
educaccedilatildeo proporcionados pelas inovaccedilotildees da realidade tecnocientifica
Temos desse modo associado ao atual conceito de cidadania um repertoacuterio
teoacuterico e mesmo praacutetico cuja amplitude acompanha o proacuteprio desenvolvimento das
sociedades poacutes-modernas dando a impressatildeo crescente como afirma Harvey
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De uma poderosa configuraccedilatildeo de novos sentimentos e pensamentos Que parecia a caminho de desenvolvimento social e poliacutetico apenas em virtude da maneira como definia padrotildees de criacutetica social e de praacutetica poliacutetica Em anos recentes ele vem determinando os padrotildees de debate definindo o modo do lsquodiscursorsquo e estabelecendo paracircmetros para a criacutetica cultural poliacutetica e cultural (1992)
Contudo a extensatildeo desses direitos agrave totalidade da populaccedilatildeo natildeo
possibilitou a garantia da liberdade e da igualdade idealizadas por Rousseau em sua
obra ldquoO Contrato Socialrdquo Por outro lado pode-se dizer que todos esses anos de
desenvolvimento acabaram por afirmar que a cidadania de fato soacute pode se constituir
por meio de acirrada luta cotidiana por direitos e pela garantia daqueles que jaacute
existem
Mais do que isso nota-se maior preocupaccedilatildeo com a difusatildeo desses direitos
seja por meio de educaccedilatildeo formal seja pelos meios de comunicaccedilatildeo Livros
didaacuteticos e paradidaacuteticos tecircm fomentado a discussatildeo sobre o status de cidadatildeo e os
direitos humanos outros associam ao desenvolvimento da cidadania uma
discussatildeo sobre os meios de comunicaccedilatildeo e o proacuteprio capitalismo como afirma o
professor Dalmo de Abreu Dallari em Cidadania e Direitos Humanos (1998)
Nessa perspectiva problemas recorrentes como as violaccedilotildees dos direitos
humanos as ineficiecircncias no campo social e o processo de pauperizaccedilatildeo
manifestado na periferia do capitalismo mostram que a cidadania exige mais do que
o simples ato de votar ou de pertencer a uma sociedade poliacutetica Cabe portanto agrave
sociedade civil caraacuteter representativo que substitua as pressotildees ou mesmo a
atuaccedilatildeo legiacutetima dos cidadatildeos
A evoluccedilatildeo da cidadania portanto consiste na lenta construccedilatildeo da
democracia que sintetiza os esforccedilos para a obtenccedilatildeo das prerrogativas ideoloacutegicas
e culturais que tecircm levado os membros da sociedade a decidirem acerca da
realidade que os cercam
14 Cidadania no Brasil breves consideraccedilotildees
Discorrer sobre a construccedilatildeo da cidadania no Brasil eacute tocar num ponto
crucial da nossa histoacuteria Passados mais de 500 anos da chegada dos portugueses
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por estas paragens percebe-se que a consolidaccedilatildeo da cidadania ainda eacute um desafio
para todos os brasileiros
O tema cidadania muito se tem discutido na academia e fora dela o jargatildeo
da cidadania estaacute na moda nas instituiccedilotildees poliacuteticas e juriacutedicas como tambeacutem na
opiniatildeo puacuteblica mas concretamente eacute um conceito ainda a ser construiacutedo
No contexto histoacuterico-cultural e poliacutetico dos gregos especificamente por
volta do ano 380 aC (periacuteodo do apogeu daquela civilizaccedilatildeo) embora a cidadania
fosse limitada a uma parcela social minoritaacuteria pode-se afirmar que tanto a
democracia quanto a cidadania grega natildeo deixam de ser conquistas ineacuteditas e
avanccedilos significativos para a histoacuteria ocidental Jaacute a evoluccedilatildeo e a real consolidaccedilatildeo
da cidadania na modernidade nascem a partir dos direitos naturais (vida
propriedade liberdade) do homem liberal burguecircs garantido pelas consecutivas
ldquoDeclaraccedilotildees de Direitosrdquo elaboradas a partir das revoluccedilotildees liberais na Inglaterra
(Revoluccedilatildeo Gloriosa 1688-89) Estados Unidos (Emancipaccedilatildeo poliacutetica 1776) Franccedila
(Revoluccedilatildeo Francesa)
No entanto pode-se dizer que o nosso paiacutes apesar da influecircncia dos paiacuteses
europeus vivenciou como ainda vivencia uma difiacutecil construccedilatildeo da cidadania
A longa histoacuteria do Brasil vem elencando razotildees profundas para a nossa
natildeo-cidadania atual a exemplo da conquista (ou invasatildeo) do nosso territoacuterio o
grande latifuacutendio a escravidatildeo a monocultura de exportaccedilatildeo o analfabetismo a
perpetuaccedilatildeo das elites poliacuteticas no poder fatores que refletem nos viacutecios da vida
social cultural poliacutetica e econocircmica do paiacutes
Fundamentalmente eacute preciso afirmar que no Brasil a construccedilatildeo da
cidadania natildeo seguiu a loacutegica da trajetoacuteria inglesa Houve no Brasil segundo
Carvalho (2002) pelo menos duas diferenccedilas importantes
A primeira refere-se agrave maior ecircnfase em um dos direitos o social em relaccedilatildeo aos outros a segunda refere-se agrave alteraccedilatildeo na sequecircncia em que os direitos foram adquiridos entre noacutes o social precedeu os outros
Uma das razotildees fundamentais das dificuldades da construccedilatildeo da cidadania
estaacute ligada como nos diz Carvalho ao ldquopeso do passadordquo mais especificamente ao
periacuteodo colonial (1500-1822) quando
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Os portugueses tinham construiacutedo um enorme paiacutes dotado de unidade territorial linguiacutestica cultural e religiosa Mas tinham deixado uma populaccedilatildeo analfabeta uma sociedade escravocrata uma economia monocultora e latifundiaacuteria um Estado Absolutista (CARVALHO 2002)
Em suma foram 322 anos sem poder puacuteblico sem Estado sem naccedilatildeo e
cidadania Diante de tatildeo obscuro cenaacuterio de dominaccedilatildeo opressatildeo dentre outras
formas de natildeo efetivaccedilatildeo da cidadania no Brasil podemos elencar dentre outros
tantos fatores quais foram os principais obstaacuteculos para a construccedilatildeo da cidadania
brasileira O latifuacutendio agro-exportador do periacuteodo colonial bem como o escravismo
o analfabetismo marcaram negativamente nossas origens e ateacute hoje dificultam
avanccedilos no acircmbito poliacutetico-social e econocircmico Aleacutem dessas outras razotildees foram e
continuam sendo entraves para a consolidaccedilatildeo das instituiccedilotildees poliacutetica que
impedem os avanccedilos necessaacuterios para uma cidadania plena Na ordem poliacutetica
permanecem ainda algumas mazelas histoacutericas como o patrimonialismo
(promiscuidade entre o puacuteblico e o privado) o coronelismo com sua nova roupagem
o clientelismo aleacutem da corrupccedilatildeo entre outros
Mesmo diante de tatildeo vergonhoso cenaacuterio natildeo podemos nos dispensar que
tambeacutem alcanccedilamos mesmo que de forma tiacutemida significativas conquistas de
direitos no Brasil comparadas com outros paiacuteses que vivenciaram um processo de
colonizaccedilatildeo semelhante ao nosso A conquista desses direitos deu-se de maneira
tardia e inversa haja vista que somente em 1824 mais de 320 anos apoacutes a chegada
dos portugueses foi que surgiram os primeiros direitos civis e poliacuteticos (antes disso
estaacutevamos submetidos agrave lei da coroa portuguesa) Aos poucos surgiram os direitos
sociais mas exatamente no momento em que os direitos civis e poliacuteticos estavam
sendo negados no periacuteodo da ditadura de Vargas (1937-45) e na ditadura militar
(1964-1985) Parece um paradoxo mas foi exatamente nesse periacuteodo de
conturbaccedilotildees poliacuteticas que marchamos em direccedilatildeo agrave conquista de significativos
direitos que iriam projetar uma ideia de lutas e vitoacuterias que se projetariam no campo
da cidadania de modo bastante concreto
Por fim haveremos de concordar com Benevides (1994) ao afirmar que no
intuito de reverter agrave realidade poliacutetico-social excludente ou de uma cidadania
passiva ou sem ldquopovordquo eacute necessaacuterio recorrer agrave defesa de mecanismos institucionais
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como o referendo o plebiscito e a iniciativa popular para a construccedilatildeo do que ela
chama de uma cidadania ativa ou democracia semidireta Alguns autores veem
dificuldades na implementaccedilatildeo desse sistema em paiacuteses que estatildeo em processo de
democratizaccedilatildeo no entanto logo em seguida apontam para a educaccedilatildeo poliacutetica ndash
entendida como educaccedilatildeo para a cidadania ativa
Desse modo pode-se proferir que todos esses anos de desenvolvimento
acabaram por afirmar que a cidadania de fato soacute pode se constituir por meio de
acirrada luta cotidiana por direitos e pela garantia daqueles que jaacute existem pois
apesar da existecircncia de profundas desigualdades sociais a ideia de cidadania
evoluiu com o passar dos anos Ampliou-se a abrangecircncia de sua concepccedilatildeo
abraccedilando todas as classes sociais e minorias Deixou de restringir-se apenas agrave
participaccedilatildeo poliacutetica para relacionar uma seacuterie de deveres da sociedade para com o
cidadatildeo Na praacutetica ainda haacute muito que se fazer para que direitos e deveres sejam
os mesmos para todos No entanto a busca pela realizaccedilatildeo da maacutexima ldquocada
homem um votordquo continua a ser perseguida
A luta pela conquista plena da cidadania eacute parte integrante da democracia
uma vez que assegura a continuidade das transformaccedilotildees juriacutedicas poliacuteticas entre
outras Natildeo resta duacutevida acerca do papel estruturante que essa luta desempenha no
quadro das democracias contemporacircneas fato que a converte em uma irresistiacutevel
conquista da modernidade O caraacuteter estruturante que a cidadania projeta nos
quadros da democracia atual estaacute ligado a permanente busca de um Estado
compatiacutevel com a realidade de cada tempo histoacuterico
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CAPIacuteTULO 2 - CIDADANIA Agrave LUZ DA CONSTITUICcedilAtildeO FEDERAL DE
1988
A Constituiccedilatildeo eacute a ordem juriacutedica fundamental da comunidade nas palavras
de Konrad Hesse (apud PALU 2001) eacute um documento juriacutedico e poliacutetico dirigido aos
cidadatildeos e estes satildeo os seus primeiros destinataacuterios A Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica eacute
a Lei fundamental composta por um conjunto de normas baacutesicas que compotildeem a
estrutura juriacutedica poliacutetica social e econocircmica de um paiacutes Essa eacute razatildeo pela qual
ela eacute chamada de Carta Magna pois a ela nada se sobrepotildee Para Dallari (1985) a
Constituiccedilatildeo
[] eacute a declaraccedilatildeo da vontade poliacutetica de um povo feita de modo solene por meio de uma lei que eacute superior a todas as outras que visando agrave proteccedilatildeo da dignidade humana estabelece os direitos e as responsabilidades fundamentais dos indiviacuteduos dos grupos sociais do povo e do governo
Desta forma uma Constituiccedilatildeo natildeo surge do nada ela eacute resultado de
observaccedilotildees e experiecircncias e sua finalidade eacute de afirmar e garantir os direitos
elementares das pessoas humanas disciplinar o uso ao mesmo tempo em que
evita o abuso de poder organizando de forma racional a sociedade e o governo
Satildeo inegaacuteveis as inovaccedilotildees teacutecnicas trazidas pela Constituiccedilatildeo Brasileira de
1988 no campo da instituiccedilatildeo garantia e proteccedilatildeo dos direitos fundamentais A
dignidade da pessoa humana e o exerciacutecio da cidadania satildeo considerados princiacutepios
fundamentais da Carta Magna Brasileira de 1988
Cidadania direito a ter direitos na acepccedilatildeo de Haberle ( apud VALADEacuteS
2009) refere-se a todos os direitos previstos na Constituiccedilatildeo de 1988 e ainda
aqueles natildeo expressos mas decorrentes do regime e dos princiacutepios por ela
adotados na dicccedilatildeo do sect 2deg art 5deg
O princiacutepio fundamental da cidadania conforme jaacute exposto impregna todo o
texto constitucional vigente a partir do art 1deg II em que figura de forma
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exponencial relativamente ao Estado brasileiro e tudo que lhe corresponda no
exerciacutecio de um poder que adquire significaccedilatildeo renovada e amplificada na
sociedade contemporacircnea Segundo Arendt
A cidadania eacute o direito a ter direitos pois a igualdade em dignidade e direitos dos seres humanos natildeo eacute um dado Eacute um construiacutedo da convivecircncia coletiva que requer o acesso ao espaccedilo puacuteblico Eacute este acesso ao espaccedilo puacuteblico que permite a construccedilatildeo de um mundo comum atraveacutes do processo de asserccedilatildeo dos direitos humanos
Nesse diapasatildeo o direito a ter direitos compreende o pleno acesso ao
espaccedilo puacuteblico o efetivo exerciacutecio do poder poliacutetico das prerrogativas inerentes agrave
cidadania conforme explicita a Constituiccedilatildeo no art 5deg LXXI a propoacutesito do
mandado de injunccedilatildeo no dizer todo direito atribuiacutedo com o caraacuteter de exclusividade
agrave pessoa
21 Estado Democraacutetico de Direito espaccedilo de cidadania
Apoacutes a eacutepoca de grandes restriccedilotildees militares o ato de promulgaccedilatildeo da
Constituiccedilatildeo Federal em 05 de outubro de 1988 vem marcar uma nova fase de
esperanccedila para os brasileiros Ao batizaacute-la de Constituiccedilatildeo cidadatilde a Assembleia
Nacional Constituinte atraveacutes de seu presidente o Deputado Ulisses Guimaratildees
resumiu o espiacuterito do texto constitucional assegurar aos brasileiros direitos sociais
essenciais ao exerciacutecio da cidadania e estabelecer mecanismos para garantir o
cumprimento de tais direitos
O que se viu a partir de entatildeo foi uma lenta poreacutem significativa mudanccedila na
sociedade brasileira A Constituiccedilatildeo Federal que eacute sem duacutevidas um marco na
histoacuteria do paiacutes traccedila a prioridade dada pelos constituintes aos direitos dos
brasileiros que pode ser observada em todas as questotildees
A Carta faz uma ampliaccedilatildeo dos direitos individuais sociais e poliacuteticos e como
se observa a inserccedilatildeo dos direitos sociais como segundo tiacutetulo revela a primazia
que o constituinte quis daacute a estes direitos em detrimento de todos os outros
incluindo os referentes agrave organizaccedilatildeo do Estado e dos Poderes que vecircm depois
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Ao contraacuterio do que ocorreu com as Constituiccedilotildees anteriores esse
ordenamento dos capiacutetulos parece revelar que a Carta eacute o prenuacutencio de um paiacutes em
que os direitos dos cidadatildeos formam a base do ordenamento do Estado Essa ideia
foi expressa pelo presidente da Assembleacuteia Constituinte deputado Ulysses
Guimaratildees que voltamos a citar quando anunciou
Diferentemente das sete constituiccedilotildees anteriores esta comeccedila com o homem De modo gratificante testemunha a primazia do homem que foi escrita para o homem que o homem eacute seu fim e sua esperanccedila Eacute a Constituiccedilatildeo cidadatilde
A Constituiccedilatildeo nasceu da constataccedilatildeo de que o figurino juriacutedico formulado
para o Brasil desde os primoacuterdios do Estado nacional natildeo se compatibilizava com as
necessidades dos brasileiros Houve avanccedilos na formalizaccedilatildeo da Lei Magna
especialmente no tocante aos direitos de cidadania mas estamos longe do ideal
preconizado pela carta cidadatilde O que nos leva a crer que a cidadania eacute um processo
diaacuterio e permanente de construccedilatildeo Pois natildeo basta garantir o direito eacute preciso
exercecirc-lo
A cidadania abraccedilada pela atual Constituiccedilatildeo Federal Brasileira teve seu
conteuacutedo ampliado e natildeo se restringe ao simples fato de possuir um tiacutetulo de eleitor
para votar e ser votado ela estabelece cidadania como princiacutepio fundamental da
Repuacuteblica do Brasil desta forma o conceito decorrente pode ser entendido
conforme preleciona Silva (2005) ldquocidadania estaacute aqui num sentido mais amplo do
que o de titular de direitos poliacuteticos Qualifica os participantes da vida do Estado
reconhecimento do indiviacuteduo como pessoa integrada a sociedade estatalrdquo
Tal conceito nos leva a relacionar cidadania com democracia uma vez que
optou-se pelo Estado Democraacutetico de Direito o qual assenta seus alicerces na
participaccedilatildeo popular em questotildees que envolvem a coisa puacuteblica Para Moraes
(2005) esse Estado de Direito ldquosignifica a exigecircncia de reger-se por normas
democraacuteticas com eleiccedilotildees livres perioacutedicas e pelo povo bem como o respeito das
autoridades puacuteblicas aos direitos e garantias fundamentaisrdquo
O propoacutesito da opccedilatildeo pelo Estado Democraacutetico de Direito eacute que a cidadania e
os demais direitos fundamentais fluam com plenitude talvez seja o que justifique a
denominaccedilatildeo da Carta Magna de cidadatilde pois o povo passa a atuar de forma mais
ativa na vida poliacutetica do Estado uma vez que a ele foi concedido esse poder
26
A cidadania portanto soacute adquire pleno significado no mundo contemporacircneo
num Estado Democraacutetico de Direito para tanto exige um ambiente de vida e de
conviacutevio entre os homens tiacutepico e proacuteprio de um Estado Democraacutetico pois a
cidadania constitui fundamento primordial daquele Estado qual seja possibilitar aos
indiviacuteduos habitantes de um paiacutes o seu pleno desenvolvimento atraveacutes do alcance
de igual dignidade social e econocircmica
Segundo Rozicki (2005) O ambiente de vida social do Estado Democraacutetico
cujos pilares se encontram na efetividade dos direitos fundamentais da pessoa
humana em uma sociedade solidaacuteria soacute eacute possiacutevel atraveacutes da observaccedilatildeo de alguns
postulados que lhe satildeo essenciais os quais a autora denomina de pressupostos do
Estado democraacutetico de Direito
1)a valorizaccedilatildeo e atualidade da dignidade do homem e o reconhecimento da importacircncia de dispensar a todos tratamento fraternal igualitaacuterio e natildeo discriminativo 2) a confianccedila nos talentos e possibilidades latentes dos homens 3) a seguranccedila e o creacutedito nos valores institucionalizados pelas massas como fundamentos para o progresso do bem comum e o alcance da justiccedila 4) a aceitaccedilatildeo da legitimidade das decisotildees tomadas por meio de processos racionais e participativos de deliberaccedilatildeo com o consenso da maioria que constitui o reflexo o resultado de debates livres entre todos 5) o respeito aos grupos minoritaacuterios 6) e a compreensatildeo de que todo o interesse geral eacute a siacutentese dos diversos interesses e ideacuteias dos indiviacuteduos e dos grupos diferentes centros de poder que integram a sociedade pluralista
Percebe-se que o conceito amplo de cidadania encontra seus princiacutepios
baacutesicos e estruturantes nesses pressupostos intimamente ligado aos conceitos de
democracia e de igualdade No tocante ao conceito de igualdade elucidativa eacute a
liccedilatildeo de Rozicki (2005) quando afirma que
O princiacutepio de igualdade disciplina todas as atividades puacuteblicas e tem aplicaccedilatildeo direta nas relaccedilotildees privadas que ocorrem entre os particulares impondo para tornaacute-lo real a proibiccedilatildeo de discriminaccedilotildees e a eliminaccedilatildeo das desigualdades faacuteticas nos planos social e econocircmico proporcionando a todos os cidadatildeos igual condiccedilatildeo de vida e mesma posiccedilatildeo perante o Estado Democraacutetico
E complementa que tambeacutem para a realizaccedilatildeo da cidadania o princiacutepio
democraacutetico torna indispensaacutevel agrave participaccedilatildeo popular nas tomadas de decisatildeo No
seu entender
27
A cidadania no Estado democraacutetico de direito efetivada oferece aos cidadatildeos como iguais condiccedilotildees de existecircncia o gozo atual de direitos e a obrigaccedilatildeo do cumprimento de deveres que resumidamente podem ser assim apresentados exerciacutecio de direitos fundamentais e participaccedilatildeo e os deveres de colaboraccedilatildeo e solidariedade (Rozicki 2005)
Natildeo obstante eacute vaacutelido ressaltar um princiacutepio igualmente importante e deveras
esquecido a fraternidade Este princiacutepio que eacute um dos trecircs pilares da Revoluccedilatildeo
Francesa eacute pouco discutido apesar de assumir um papel decisivo na consolidaccedilatildeo
da democracia da politica e do poder
A fraternidade eacute necessaacuteria para o estabelecimento de uma comunidade
politicamente solidaacuteria com indiviacuteduos iguais e livres
Para finalmente concebermos um Estado Democraacutetico de Direito que trate os
iguais na medida de suas desigualdades
22 Os direitos fundamentais como pressupostos de identidade da cidadania
Os direitos fundamentais vistos como um dos traccedilos mais marcante do
constitucionalismo moderno consistem no resultado da luta dos homens por um
direito ideal justo e humano representam situaccedilotildees reconhecidas juridicamente
sem as quais o homem eacute incapaz de alcanccedilar sua proacutepria realizaccedilatildeo e
desenvolvimento plenamente daiacute dizer-se que o princiacutepio preponderante que
condensa os direitos fundamentais eacute o da dignidade da pessoa humana
Os direitos fundamentais satildeo o conjunto de normas de um ordenamento juriacutedico que formam um subsistema deste fundado na liberdade na igualdade na seguridade na solidariedade expressotildees da dignidade do homem que formam parte da norma baacutesica material de identificaccedilatildeo do ordenamento juriacutedico e constitui um setor de moralidade procedimental positivada que legitima o Estado Social de Direito (MARTINEZ apud AGRA 2002)
Tais direitos foram e vatildeo sendo aperfeiccediloados e estendidos ao longo do
tempo resta dizer que os mesmos estabelecem faculdades da pessoa humana que
permitem sua breve classificaccedilatildeo do seguinte modo 1) os direitos civis e poliacuteticos
de liberdade como por exemplo a liberdade de expressatildeo de propriedade de
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manifestaccedilatildeo do pensamento de associaccedilatildeo de imprensa de reuniatildeo de igualdade
formal perante a lei de participaccedilatildeo poliacutetica o devido processo legal o habeas
corpus o direito de peticcedilatildeo etc 2) os direitos sociais econocircmicos e culturais de
participaccedilatildeo poliacutetica tais como a igualdade de sufraacutegio o direito de voto e de
elegibilidade o direito de peticcedilatildeo e os direitos de participaccedilatildeo poliacutetica 3) os direitos
da titularidade coletiva que satildeo aqueles ligados a solidariedade e a fraternidade
como por exemplo o direito agrave preservaccedilatildeo do meio ambiente e agrave qualidade de vida
etc 4) os direitos chamados de quarta geraccedilatildeo por exemplo direito a democracia a
informaccedilatildeo ao comeacutercio eletrocircnico entre os estados etc
Natildeo existe qualquer relaccedilatildeo hieraacuterquica entre estes direitos mesmo porque
todos interagem entre si de nada servindo um sem a existecircncia dos outros Esta
divisatildeo acontece devido agrave eterna e constante busca do homem por mais proteccedilatildeo
mais garantia com o objetivo de alcanccedilar uma sociedade mais justa igualitaacuteria e
fraterna
Na evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais Agra (2002) chama a atenccedilatildeo do
relevo que adquirem a democratizaccedilatildeo da informaccedilatildeo e os mecanismos de
democracia participativa E justifica que a democratizaccedilatildeo da informaccedilatildeo natildeo se
caracteriza apenas pela existecircncia de uma miacutedia plural sem nenhum tipo de
monopoacutelio mas deve ser concebida como a obrigaccedilatildeo que todos os cidadatildeos tecircm
de tomar consciecircncia dos graves problemas que afligem a humanidade e que os
mecanismos da democracia participativa concebem a cidadania em extensatildeo muito
superior ao voto abrangendo a interferecircncia direta do cidadatildeo nas decisotildees
governamentais mediante vaacuterios mecanismos juriacutedicos como o plebiscito o recall o
orccedilamento participativo etc
De acordo com Silva (2005) os Direitos Fundamentais na Constituiccedilatildeo de
1988 abrangem os ldquodireitos individuais sociais poliacuteticos e tambeacutem os direitos
econocircmicos Para o autor a ampliaccedilatildeo e transformaccedilatildeo dos direitos fundamentais
do homem na histoacuteria dificultam uma definiccedilatildeo sinteacutetica do conceitordquo
Essa dificuldade aumenta diante do emprego de vaacuterias expressotildees para
designaacute-los tais como direitos naturais direitos humanos direitos do homem
direitos individuais direitos puacuteblicos subjetivos liberdades fundamentais liberdades
puacuteblicas e direitos fundamentais do homem No entanto direitos fundamentais do
homem constitui a expressatildeo mais adequada porque na palavra fundamentais
acha-se a indicaccedilatildeo de que se trata de situaccedilotildees sem as quais o indiviacuteduo natildeo tem
29
uma vida digna natildeo convive e agraves vezes nem mesmo sobrevive A expressatildeo
direitos fundamentais eacute a mais precisa no sentido de que a todos por igual devem
ser natildeo apenas formalmente reconhecidos mas concreta e materialmente
efetivados
Por sua vez a atual Corte em julgamento do habeas corpus (HC ndeg
82424RS) marca seu posicionamento no tocante ao sistema de direitos
fundamentais insculpido na Constituiccedilatildeo de 1988 atraveacutes dos profundos e bem
fundamentados votos dos Ministros que aleacutem de delimitarem a extensatildeo e os limites
da liberdade de expressatildeo (art 5o IV e IX) acabaram indicando as bases filosoacuteficas
e juriacutedicas para a interpretaccedilatildeo do cataacutelogo de direitos fundamentais da Constituiccedilatildeo
de 1988
Nesse sentido o voto do Ministro Marco Aureacutelio tratou de definir o sistema de
direitos fundamentais como a ldquoproacutepria essecircncia da Constituiccedilatildeordquo qualificando-os
como ldquovalores objetivos que servem como norte da atuaccedilatildeo estatalrdquo Assim estaacute
consignado nos fundamentos do referido voto
A Constituiccedilatildeo de 1988 representou um divisor de aacuteguas entre o antigo regime totalitaacuterio e um periacuteodo de redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes marcando dessa forma uma eacutepoca que tem como modelo de atuaccedilatildeo do Estado o respeito incondicional aos direitos fundamentais Por isso mesmo o sistema constitucional dos direitos fundamentais previsto no artigo 5o da Carta com os eventuais acreacutescimos do sect 2o reflete em rigor e em larga medida a proacutepria essecircncia da Constituiccedilatildeo e a retomada do processo de democratizaccedilatildeo e da garantia do cidadatildeo contra abusos e arbitrariedades no exerciacutecio do Poder Puacuteblico Os direitos fundamentais satildeo hoje verdadeiros princiacutepios estruturantes da organizaccedilatildeo e do funcionamento do Estado valores objetivos que servem como norte da atuaccedilatildeo estatal em seus mais diferentes niacuteveis no Legislativo formam um cataacutelogo de princiacutepios e garantias que informam e direcionam toda a atividade de criaccedilatildeo das normas de nosso ordenamento juriacutedico e de concretizaccedilatildeo dos preceitos constitucionais no Executivo mostram-se como verdadeiros limites ao exerciacutecio do poder administrativo servindo como trincheiras de proteccedilatildeo da liberdade do cidadatildeo e no judiciaacuterio refletem a base e o fundamento necessaacuterio da compreensatildeo e interpretaccedilatildeo de nossas normas ndash efeito interpretativo - evitando que a atividade jurisdicional se transforme em medidas discricionaacuterias ou providecircncias ilegiacutetimas de opccedilotildees poliacuteticas pautadas em escolhas pessoais dos juiacutezes
Tudo indica que se trata do iniacutecio de uma soacutelida construccedilatildeo jurisprudencial a
respeito do sentido axioloacutegico do sistema de direitos fundamentais da Constituiccedilatildeo
de 1988
30
Os Direitos Individuais satildeo de exerciacutecio exclusivo do indiviacuteduo e devem ser
formalmente reconhecidos e concretizados no cotidiano do cidadatildeo O indiviacuteduo aqui
eacute considerado um sujeito de direitos e natildeo apenas como integrante de um corpo
social Esses direitos natildeo podem sofrer nenhum tipo de restriccedilatildeo natildeo se
discriminando quem os pode exercer uma vez que satildeo titulares todas as pessoas
capazes incapazes brasileiras estrangeiras alfabetizadas e iletradas
A Constituiccedilatildeo Cidadatilde foi a primeira a estabelecer direitos natildeo soacute de
indiviacuteduos mas tambeacutem de grupos sociais os denominados direitos coletivos Com
isso as pessoas passaram a ser coletivamente consideradas Os direitos individuais
e coletivos estatildeo anunciados no art 5ordm em setenta e sete incisos e em dois
paraacutegrafos
Verifica-se que os Direitos Individuais tecircm como ponto marcante a liberdade
seja ela tomada de maneira global ou especiacutefica como liberdade de associaccedilatildeo de
reuniatildeo A liberdade de reuniatildeo (art 5ordm XVI) constitui-se na primeira e mais simples
liberdade corporativa estando logo apoacutes a liberdade de locomoccedilatildeo
Os Direitos Sociais tecircm como titular uma coletividade e satildeo caracterizados
pela prestaccedilatildeo de serviccedilos ou oferecimento de melhorias para a sociedade como um
todo por parte do Poder Puacuteblico Assim os Direitos Sociais tornam possiacutevel a fruiccedilatildeo
e o exerciacutecio dos Direitos Individuais pela coletividade mesmo pelos carentes
materialmente
O art 6deg define os Direitos Sociais da seguinte maneira ldquoSatildeo Direitos Sociais
a educaccedilatildeo a sauacutede o trabalho a moradia o lazer a seguranccedila a previdecircncia
social a proteccedilatildeo agrave maternidade e agrave infacircncia a assistecircncia aos desamparados na
forma desta Constituiccedilatildeordquo
Portanto eacute obrigatoacuteria ao Estado a proteccedilatildeo dos interesses da coletividade
com o atendimento dos direitos acima citados
Satildeo direitos poliacuteticos os que conferem o acesso da populaccedilatildeo agrave participaccedilatildeo
no Poder do Estado tais como os direitos de votar e ser votado do referendo
plebiscito e iniciativa popular das leis O direito democraacutetico de participaccedilatildeo dos
cidadatildeos no governo por meio de seus representantes exigiu a formaccedilatildeo de um
conjunto de normas legais permanentes que recebeu a denominaccedilatildeo de direitos
poliacuteticos Os Direitos Poliacuteticos amparam os Direitos Individuais Sociais e
Econocircmicos pois quando desaparece a democracia desaparecem imediatamente
as liberdades fundamentais
31
Com o advento da Constituiccedilatildeo de 1988 foram criadas instituiccedilotildees para
fiscalizar e controlar a atuaccedilatildeo da administraccedilatildeo puacuteblica entre as quais o Ministeacuterio
Puacuteblico que funciona como um canal de expressatildeo dos direitos da populaccedilatildeo
O Ministeacuterio Puacuteblico foi a instituiccedilatildeo que mais ganhou importacircncia no cenaacuterio
puacuteblico por ter passado a defender os interesses coletivos ou seja os interesses de
um grupo categoria ou classe e natildeo de um indiviacuteduo isolado No artigo 127 o
Ministeacuterio Puacutebico (MP) eacute definido como ldquouma instituiccedilatildeo permanente essencial agrave
funccedilatildeo jurisdicional do Estado incumbindo-lhe a defesa da ordem juriacutedica do regime
democraacutetico e dos interesses sociais e individuais indispensaacuteveisrdquo
Cabe ao Ministeacuterio Puacuteblico exigir dos poderes puacuteblicos e dos serviccedilos de
relevacircncia puacuteblica respeito aos direitos elencados na Constituiccedilatildeo promovendo as
medidas necessaacuterias agrave garantia desses direitos Portanto eacute responsaacutevel pela
garantia da ordem juriacutedica do regime democraacutetico da moralidade puacuteblica e dos
direitos sociais e individuais
23 A consagraccedilatildeo dos direitos do cidadatildeo
A Constituiccedilatildeo de 1988 eacute o coroamento da histoacuteria constitucional do Brasil por
ter sido um marco da redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes opondo-se a qualquer forma de
autoritarismo Nela a cidadania foi consagrada como um dos fundamentos da
Repuacuteblica Federativa do Brasil (art 1ordm inc II) Observe-se que o termo cidadania
encontra-se na Constituiccedilatildeo em sentido mais amplo do que o de titular de direitos
poliacuteticos pois qualifica os participantes da vida do Estado e reconhece o indiviacuteduo
como pessoa integrada na sociedade estatal
Essa nova concepccedilatildeo de cidadania introduzida pela Constituiccedilatildeo Federal de
1988 eacute fruto da internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos e como marco principal da
institucionalizaccedilatildeo erigiu em seu artigo primeiro a dignidade da pessoa humana (inc
III) e a cidadania (incII) a princiacutepio fundamental
Institui com o princiacutepio da cidadania uma nova compreensatildeo acerca dos
direitos de deveres da pessoa elevado-o a status maacuteximo a regra-matriz que natildeo
pode ser desrespeitada pois os fundamentos constituem a essecircncia da Repuacuteblica
32
Federativa e servem como regra-matriz para a elaboraccedilatildeo interpretaccedilatildeo e
integraccedilatildeo do sistema juriacutedico nacional
Violar um princiacutepio eacute muito grave que transgredir uma norma qualquer A desatenccedilatildeo ao principio implica ofensa natildeo apenas a um especifico mandamento obrigatoacuterio mas a todo o sistema de comandos Eacute a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade representa insurgecircncia contra todo o sistema subversatildeo de valores fundamentais (MELLO apud CHIMENTI 2005 P 33)
Para Silva (2004) cidadania eacute discriminada como princiacutepio relativo ao regime
poliacutetico Dessa forma compreendida cidadania como princiacutepio fundamental eacute o
direito de participar dos destinos do Estado e mais usufruir dos direitos civis
fundamentais previstos na Constituiccedilatildeo
Muitos doutrinadores utilizam cidadania no mesmo sentido de nacionalidade
(Art 12 da Constituiccedilatildeo Federal) e de direitos poliacuteticos (Art 14) Em alguns outros
dispositivos a palavra cidadania (ou cidadatildeo) poderia ainda ter a significaccedilatildeo de
direitos poliacuteticos mas mesmo assim de forma impliacutecita a exemplo dos arts 22 XIII
e 5ordm LXXIII No primeiro se lecirc que compete agrave Uniatildeo legislar sobre nacionalidade
cidadania e naturalizaccedilatildeo e no segundo que qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima
para propor accedilatildeo popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de
entidade de que o Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e
ao patrimocircnio histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de
custas judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia No entanto conforme Mazzuoli (2002)
Observe-se que a Carta de 1988 ao tratar no seu art 14 dos direitos poliacuteticos natildeo se refere sequer em um momento agrave expressatildeo cidadania dizendo apenas que a soberania popular seraacute exercida pelo sufraacutegio universal e pelo voto direito e secreto com valor igual para todos (hellip) Pelo contraacuterio a Constituiccedilatildeo faz uma separaccedilatildeo entre cidadania e direitos poliacuteticos quando no seu art 68 sect 1ordm II ao tratar das leis delegadas exclui do acircmbito da delegaccedilatildeo legislativa a nacionalidade cidadania direitos individuais poliacuteticos e eleitorais
A Constituiccedilatildeo brasileira de 1988 com a transiccedilatildeo para o regime democraacutetico
consagrou expressamente esta nova concepccedilatildeo de cidadania como se depreende
da leitura de vaacuterios dos seus dispositivos
Foi nesse sentido que pioneiramente estatuiu a Carta de 1988 em seu art
1ordm que a Repuacuteblica Federativa do Brasil formada pela uniatildeo indissoluacutevel dos
33
Estados e Municiacutepios e do Distrito Federal constitui-se em Estado Democraacutetico de
Direito e tem como fundamentos dentre outros a cidadania (inc II) Como jaacute
mencionado
Na mesma esteira o disposto no art 5ordm incisos LXXI (conceder-se-aacute
mandado de injunccedilatildeo sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviaacutevel o
exerciacutecio dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes agrave
nacionalidade agrave soberania e agrave cidadania) e LXXVII (satildeo gratuitas as accedilotildees de
habeas-corpus e habeas-data e na forma da lei os atos necessaacuterios ao exerciacutecio
da cidadania) No seu Tiacutetulo VIII Capiacutetulo II Seccedilatildeo I a Carta Magna de 1988
dispotildee ainda que a
Educaccedilatildeo direito de todos e dever do Estado e da famiacutelia seraacute promovida e incentivada com a colaboraccedilatildeo da sociedade visando ao pleno desenvolvimento da pessoa seu preparo para o exerciacutecio da cidadania e sua qualificaccedilatildeo para o trabalho (art 205)
Outro dispositivo em que fica bastante marcada esta nova concepccedilatildeo de
cidadania eacute o art 64 do Ato das Disposiccedilotildees Constitucionais Transitoacuterias que
dispotildee
A Imprensa Nacional e demais graacuteficas da Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios da administraccedilatildeo direta ou indireta inclusive fundaccedilotildees instituiacutedas e mantidas pelo Poder Puacuteblico promoveratildeo ediccedilatildeo popular do texto integral da Constituiccedilatildeo que seraacute posta agrave disposiccedilatildeo das escolas e dos cartoacuterios dos sindicatos dos quarteacuteis das igrejas e de outras instituiccedilotildees representativas da comunidade gratuitamente de modo que cada cidadatildeo brasileiro possa receber do Estado um exemplar da Constituiccedilatildeo do Brasil
Enfim a Constituiccedilatildeo de 1988 enriqueceu e ampliou os conceitos de cidadatildeo
e cidadania Seu entendimento agora como leciona Silva (2005)
Decorre da ideia de Constituiccedilatildeo dirigente que natildeo eacute apenas um repositoacuterio de programas vagos a serem cumpridos mas constitui um sistema de previsatildeo de direitos sociais mais ou menos eficazes em torno dos quais eacute que se vem construindo a nova ideacuteia de cidadania
De forma que natildeo mais se trata de considerar a cidadania como simples
qualidade de gozar direitos poliacuteticos mas sim de aferir-lhe um nuacutecleo miacutenimo e
irredutiacutevel de direitos (fundamentais) que devem se impor obrigatoriamente agrave accedilatildeo
dos poderes puacuteblicos
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O ordenamento juriacutedico brasileiro consagrou aleacutem dos institutos jaacute
mencionados alguns outros mecanismos de defesa dos direitos e garantias
constitucionais da cidadania como a accedilatildeo civil puacuteblica regulada pela Lei nordm
734785 e accedilatildeo direta de inconstitucionalidade prevista no incIV do art 129 da
Constituiccedilatildeo Federal O Coacutedigo de Defesa do Consumidor o Estatuto da Crianccedila e
do Adolescente e ateacute mesmo o princiacutepio do devido processo legal que resguarda ao
cidadatildeo o acesso agrave justiccedila e direito de ser acionado judicialmente por meio de
procedimentos legais satildeo mecanismos de defesa dos direitos de cidadania
previstos constitucionalmente e garantidos na esfera poliacutetica civil e social
Pode-se observar que a cidadania comeccedilou a ser construiacuteda como resultado
de um processo de luta a partir da conscientizaccedilatildeo dos direitos e deveres do
homem Como vimos a cidadania jaacute em praacutetica em muitos paiacuteses adquire no
Brasil com a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 um novo sentido qual seja o
pressuposto do exerciacutecio pleno de um sistema de direitos e garantias
35
CAPIacuteTULO 3 - CIDADANIA COMO MECANISMO DE
TRANSFORMACcedilAtildeO SOCIAL
No momento em que a cidadania alccedila voos constitucionais e insere-se na
Carta Poliacutetica da Repuacuteblica Federativa do Brasil inicia-se o processo de
redemocratizaccedilatildeo e ganha relevo o cidadatildeo agente deste processo que tem em
suas matildeos a tarefa da construccedilatildeo de um novo tempo
Historicamente a ideia de cidadatildeo conotava o habitante da cidade ndash o
citadino ndash firma-se entatildeo tal conotaccedilatildeo na Antiguumlidade claacutessica para depois
significar aquele indiviacuteduo a quem se atribuem os direitos poliacuteticos Superada essa
acepccedilatildeo que tambeacutem vigorou nas constituiccedilotildees anteriores da Repuacuteblica do Brasil
na concepccedilatildeo moderna estaacute clara a noccedilatildeo de cidadatildeo como aquele que a quem
consiste a titularidade de direitos individuais poliacuteticos e sociais Noccedilatildeo esta
edificada com a internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos que amplia a acepccedilatildeo do
termo declarando que satildeo cidadatildeos todo aquele que habita o acircmbito da soberania
de um Estado e deste Estado recebem uma carga de direitos e tambeacutem deveres dos
mais variados
Desta forma a noccedilatildeo contemporacircnea de cidadania funda-se na dicotomia
direitos (exerciacutecios de direitos fundamentais - participaccedilatildeo) e deveres (colaboraccedilatildeo -
solidariedade) Ao lado dos direitos foram estabelecidos deveres fundamentais e
portanto tanto agentes puacuteblicos como os indiviacuteduos tecircm obrigaccedilotildees especiacuteficas
inclusive a de respeitar os direitos das demais pessoas que vivem na ordem social
sendo e promovendo mecanismos de transformaccedilatildeo social que visam uma nova
sociedade baseada na igualdade e na justiccedila
36
31 O ser cidadatildeo
Os termos indiviacuteduo ser humano pessoa e cidadatildeo satildeo geralmente tomados
como sinocircnimo o que certamente influi na proliferaccedilatildeo de incontaacuteveis significados e
ampliaccedilatildeo do termo cidadatildeo Poreacutem estas palavras apesar de se assemelharem
possuem carga semacircntica proacutepria e da compreensatildeo exata de cada uma decorre a
conceituaccedilatildeo mais acentuada da acepccedilatildeo do termo cidadatildeo como titular de direitos
e deveres resguardados pela constituiccedilatildeo paacutetria
Desta forma indiviacuteduo eacute um representante da espeacutecie aquele que eacute uacutenico
Enquanto ser humano eacute um termo mais geneacuterico ou indeterminado que diz respeito
agrave espeacutecie agrave classificaccedilatildeo ao mundo zooloacutegico Pessoa por sua vez eacute um termo
mais especiacutefico que tem a ver com o mundo civilizado ou se preferirmos com a
constelaccedilatildeo dos valores morais eacuteticos e juriacutedicos proacuteprios da civilizaccedilatildeo
A etimologia da palavra pessoa demonstra que eacute um conceito sobreposto ao conceito de Ser Humano Um refratildeo de origem juriacutedica tambeacutem nos lembra do homo plures pessoa polimorfa o ser humano capaz de desempenhar muitos papeacuteis um mesmo ser humano eacute empresaacuterio e delinquumlente eacute pai e metaluacutergico etc Persona (personagem) era a maacutescara que usavam os atores da trageacutedia grega para desempenhar seu papel Cabe portanto entender o conceito de Ser Humano ao lado do conceito de Pessoa No direito romano antigo os escravos eram seres humanos (homens) mas natildeo eram consideradas pessoas (patriacutecios) Os juristas romanos que usavam o conceito de Ser Humano o dissociavam do conceito de pessoas (CUNHA 2007)
O Ser Humano recebe uma distinccedilatildeo importante quando o consideramos
como Pessoa assim como a Pessoa recebe uma distinccedilatildeo redundante natildeo menos
importante quando a consideramos por forccedila de expressatildeo como uma pessoa
humana Subentendendo o adjetivo humano como relativo agrave eacutetica Portanto Ser
Humano natildeo eacute a mesma coisa que Pessoa como tampouco Ser Humano eacute o
mesmo que cidadatildeo este muito eacute mais proacuteximo do termo Pessoa Vejamos o quadro
ilustrativo que esquematiza e distinguem os referidos conceitos
37
QUADRO 1 ndash EVOLUCcedilAtildeO DO SER HUMANO ATEacute O CIDADAtildeO
O Ser Humano O Ser Indiviacuteduo O Ser Pessoa O Ser Cidadatildeo
A Dimensatildeo do conviacutevio social
A dimensatildeo do mercado de trabalho e
Consumo
A Dimensatildeo de encontrar-se no mundo
A dimensatildeo de intervir na realidade
O homem tornar-se Ser Humano nas relaccedilotildees
de conviacutevio social
O Ser Humano tornar-se indiviacuteduo quando
descobre seu papel e funccedilatildeo social
O Indiviacuteduo torna-se pessoa quanto toma
consciecircncia de si mesmo do outro e do
mundo
A pessoa torna-se cidadatildeo quando
interveacutem na realidade em que vive
Quem estuda o comportamento do Ser
Humano Seria a antropologia a histoacuteria
ou a sociologia
Quem estuda o comportamento do indiviacuteduo Seria a
Filosofia a sociologia ou a Psicologia
Quem estuda o comportamento da pessoa Seria a
Filosofia a sociologia ou a Psicologia
Quem estuda o comportamento do cidadatildeo Seria a
Sociologia a Filosofia ou As ciecircncias
poliacuteticas
Quem garante os direitos do Ser
Humano A Declaraccedilatildeo Universal
dos Direitos Humanos
Quem garante os Direitos do
Consumidor O Coacutedigo do Consumidor
Quem garante os Direitos da pessoa A proacutepria pessoa (amor proacuteprio ou autoestima)
Quem garante os Direitos do cidadatildeo (A Constituiccedilatildeo e suas leis
regulamentares)
Existe realmente uma natureza humana Teologicamente
afirmamos que existe a uma natureza humana
Seguindo a corrente existencialista (JP Sartre) negamos tal
natureza
Que diferenccedila existe entre o direito do
consumidor e o direito do cidadatildeo Ao
Consumidor deve ser dado o direito de
propriedade enquanto ao cidadatildeo deve ser
dado o direito de acesso
O que significa tornar-se pessoa no niacutevel
psicoloacutegico e social A pessoa eacute o indiviacuteduo que toma consciecircncia de si mesmo (ldquoTornar-
se Pessoardquo de Karl Roger)
Como podemos intervir na realidade
modificando as estruturas corruptas e injustas Quando os
direitos do cidadatildeo lhe satildeo oferecidos e o
mesmo passa a exercecirc-lo haacute
modificaccedilatildeo de comportamento
(ROSAS 2009)
O cidadatildeo eacute portanto aquele indiviacuteduo a quem a Constituiccedilatildeo confere direitos
e garantias e lhe daacute o poder do seu efetivo exerciacutecio aleacutem de meios processuais
eficientes contra a violaccedilatildeo de seu gozo ou fruiccedilatildeo por parte do poder puacuteblico
Sendo assim
A passagem do indiviacuteduo a cidadatildeo caracteriza-se pelo reconhecimento pela lei de direitos considerados fundamentais agrave realizaccedilatildeo da vida do homem como indiviacuteduo e ser social membro de uma comunidade poliacutetica e a garantia desses direitos pela forccedila comum de todos (CUNHA 2007)
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Nas uacuteltimas deacutecadas em alguns paiacuteses inclusive no Brasil desenvolveu-se o
conceito de cidadania calcado principalmente na questatildeo do cidadatildeo-consumidor
As pessoas passam a ser vistas como cidadatildes desde que tenham dinheiro para
adquirir mercadorias e utilizar serviccedilos Eacute certo pois que serviccedilos e mercadorias
atendem a necessidades materiais e simboacutelicas das pessoas e consumi-los eacute um
dos modos de participar da vida social criar identidade e partilhar dos bens
produzidos pela humanidade e representar-se culturalmente Contudo a cidadania
enfatizada apenas como uma relaccedilatildeo de compra e venda de mercadorias e serviccedilos
assume um conteuacutedo restrito individual conformista e voltado apenas para a
aquisiccedilatildeo de bens o que se relaciona com a ideacuteia de indiviacuteduo ou seja o consumo
atende as necessidades do indiviacuteduo
Outra forma de confusatildeo acerca do conceito de cidadatildeocidadania refere-se a
equiparaccedilatildeo feita com o assistencialismo o que configura uma acentuada inversatildeo
do termo uma vez que a praacutetica do assistencialismo natildeo propicia meios de
superaccedilatildeo das desigualdades sociais Enquanto a cidadania estaacute relacionada agrave
superaccedilatildeo das desigualdades sociais e a extensatildeo da garantia dos direitos de todos
O cidadatildeo eacute sem duacutevida uma expressatildeo que precisa ser adequadamente
utilizada e vivenciada pela coletividade compreendido na dimensatildeo do ser pessoa
de ter direitos e deveres do assumir as suas liberdades e responsabilidades no seio
de uma comunidade democraacutetica equitativa solidaacuteria e intercultural
Dessa forma ser cidadatildeo implica saber viver em sociedade estando ciente
dos anseios comuns A participaccedilatildeo ativa nas decisotildees de sua comunidade
influencia modos de vida de maneira positiva ao seu redor assim torna-se
imprescindiacutevel o exerciacutecio dos direitos constitucionais adquiridos e lutar pelos que
viratildeo eacute sobretudo estar consciente de todas as atitudes tomadas em prol da
sociedade
Eacute possiacutevel nesse espaccedilo de discussatildeo falar em ldquoestar cidadatildeordquo que eacute natildeo
praticar o exerciacutecio da cidadania em nenhuma de suas formas Implica apenas em
se deixar levar pelos acontecimentos e ainda reclamar das situaccedilotildees vividas sem
nada fazer para mudar sem nenhuma perspectiva de futuro Do que concluiacutemos que
a dinacircmica de intervir na realidade eacute pressuposto de cidadania
Ser cidadatildeo eacute tarefa que requer muito do ser humano do individuo da
pessoa Requer uma alta - estima elevada uma consciecircncia solidaacuteria uma
39
identidade que se reconheccedila na dinacircmica social interagindo com o outro ampliando
debates incitando justiccedila eacute sem duvida uma tomada de posiccedilatildeo que natildeo se
acomoda pelo contraacuterio se incomoda quando natildeo haacute comprometimento para o bem
comum
Natildeo eacute uma tarefa cocircmoda senatildeo muito complicada as pessoas natildeo nascem cidadatildeos mas fazem-se no tempo e no espaccedilo Na verdade natildeo eacute faacutecil exercer a liberdade e a cidadania ndash ser pessoa e ser cidadatildeo ndash por isso exige-se uma luta sem treacuteguas para erradicar assimetrias e exclusotildees socioculturais e criar cenaacuterios de esperanccedila realizaacuteveis fundamentados em valores e princiacutepios eacuteticos que requalifiquem a democracia com cidadatildeos participativos e
comprometidos ( SAEZ 1995)
Tem portanto como pressuposto uma mudanccedila de comportamento uma
tomada de posiccedilatildeo frente agrave dinacircmica social na qual estaacute inserido participando de
forma ativa e produtiva do processo de construccedilatildeo da cidadania por meio de seus
diversos canais
32 Emancipaccedilatildeo social atraveacutes da cidadania
Um Estado Democraacutetico eacute aquele que estaacute enraizado na legitimidade do
poder do povo e dele decorre seu exerciacutecio Assim o poder do povo eacute a expressatildeo
a aptidatildeo de homens e mulheres constituir autonomamente seu viver sem sucumbir
diante das instacircncias de poder Haacute nesse modus vivendi uma tutela das diferenccedilas e
pluralidades de formas de vida
Desta forma a cidadania eacute enfocada como o processo de participaccedilatildeo do
individuo ou de um grupo organizado nas mais variadas aacutereas de atuaccedilatildeo na
sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos sociais com a consciecircncia
da responsabilidade por sua proacutepria histoacuteria
Sendo a democracia o regime em que o povo governa sua caracteriacutestica
inarredaacutevel eacute a de ter o povo agrave frente do poder uma forma de autogoverno Em
assim sendo a cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia por meio de resultados
palpaacuteveis e medidas concretas tais como mudanccedilas na realidade de cada um com
melhoria de vida e conscientizaccedilatildeo da importacircncia na sociedade para o exerciacutecio
40
direto ou indireto desse poder pois se contentar com fato do direito estaacute prescrito
em lei natildeo eacute o bastante
Eacute certo poreacutem que o Estado democraacutetico somente se aperfeiccediloa na
proporccedilatildeo em que o povo age ativamente na medida em que os representantes
reflitam em seus atos os verdadeiros anseios populares Partindo dessa visatildeo a
cidadania eacute o grande fator de legitimaccedilatildeo do povo permitindo que ele aja em defesa
das instituiccedilotildees democraacuteticas
Sobre a participaccedilatildeo cumpre asseverar que este direito significa a
capacidade de ser consultado para as tomadas de decisatildeo que dizem respeito agrave
direccedilatildeo da sociedade em que vive o cidadatildeo este direito eacute acompanhado do
respeito aos deveres de contribuir para o progresso social e de acatar e respeitar o
resultado obtido em consulta coletiva
No elenco de mecanismo de exerciacutecio da cidadania estaacute o acesso ao direito e
a justiccedila que eacute fator preponderante para efetivar as garantias constitucionais
Assim passaremos a discorrer sobre a importacircncia de instrumentalizar o
cidadatildeo para um pleno exerciacutecio de seus direitos
Eacute Sabido que no Estado Democraacutetico Contemporacircneo os direitos
fundamentais constitucionalmente assegurados tecircm eficaacutecia imediata cumprindo ao
Estado garantir a todos os cidadatildeos o respeito a esses Direitos de modo concreto e
efetivo natildeo obstante as inuacutemeras desigualdades e condiccedilotildees adversas que
dificultam na praacutetica o seu exerciacutecio
Para o acesso ao direito o Estado deve desenvolver com eficiecircncia uma seacuterie
de atividades essenciais e dar efetividade a uma seacuterie de pressupostos Dentre eles
o principal eacute o conhecimento do Direito como fator preponderante pois o
desconhecimento da lei implica na praacutetica natildeo acionar a jurisdiccedilatildeo Um fato que
contribui para essa assertiva eacute baixa escolaridade da populaccedilatildeo e o analfabetismo
Muito pouco adianta a existecircncia de uma Constituiccedilatildeo apenas formal ou no
papel se ilegiacutetima ou desrespeitada Para que ocorra a eficaacutecia das normas
dispostas numa Constituiccedilatildeo ou melhor para que passe da teoria agrave praacutetica eacute
essencial que comandados e comandantes tenham conhecimento dos seus direitos
e responsabilidades assim como dos instrumentos juriacutedicos para efetivaacute-los (leis
regulamentadoras) O exerciacutecio da cidadania natildeo eacute somente um direito mas eacute
tambeacutem um dever de todos pois a omissatildeo de cada um contribui com as injusticcedilas e
as impunidades tatildeo presentes nos dias atuais
41
A Constituiccedilatildeo quando eacute justa e legiacutetima e principalmente quando eacute
respeitada eacute um poderoso instrumento de promoccedilatildeo e desenvolvimento social e
humano
Outro fator que deve ser considerado eacute a miserabilidade que coloca inuacutemeros
brasileiros a margem da sociedade em situaccedilatildeo precaacuteria os quais para Pinsky
(2004) ldquodesprovidos de esperanccedila de projeto de qualquer perspectiva de inclusatildeo
[] recorrer agrave Justiccedila humana parece algo irrealizaacutevel sofisticado e inteiramente
ficcionalrdquo
Desta forma o primeiro passo para concretizar os direitos previstos
constitucionalmente eacute a formaccedilatildeo do cidadatildeo atraveacutes da Educaccedilatildeo Baacutesica
infundindo-lhe a consciecircncia dos seus direitos e tambeacutem dos seus deveres sociais
bem como dos valores humanos fundamentais que devem ser por todos respeitados
na vida em sociedade A universalizaccedilatildeo do ensino fundamental a oferta obrigatoacuteria
de educaccedilatildeo infantil pelo Estado e o crescimento da oferta do ensino meacutedio satildeo
alguns dos aspectos que merecem destaques e foi devido agrave determinaccedilatildeo
constitucional de estabelecer o caraacuteter obrigatoacuterio do ensino fundamental e de
responsabilizar o Estado por sua implementaccedilatildeo que tem iniacutecio o processo de
avanccedilo desse segmento
A Constituiccedilatildeo estabeleceu de forma mais clara o papel dos entes federados
na educaccedilatildeo Tambeacutem aumentou a participaccedilatildeo orccedilamentaacuteria destinada ao setor
Com as novas regras para distribuiccedilatildeo de recursos adotadas apoacutes a promulgaccedilatildeo
da Carta os municiacutepios voltam a interessar-se pela educaccedilatildeo fundamental e o paiacutes
atinge a universalizaccedilatildeo do setor o que se busca agora satildeo mecanismos para
garantir a qualidade no ensino
O segundo passo nessa dinacircmica eacute o oferecimento a todos os cidadatildeos de
condiccedilotildees miacutenimas de sobrevivecircncia e de existecircncia condignas atraveacutes do acesso
ao trabalho produtivo livremente escolhido e do pagamento de remuneraccedilatildeo capaz
de prover ao sustento do trabalhador e de sua famiacutelia
Para milhotildees de cidadatildeos que vivem na ignoracircncia e na miseacuteria nenhuma
utilidade ou eficaacutecia tecircm os inuacutemeros direitos constitucionalmente assegurados Para
aqueles que se habituaram a retirar proventos da mendicacircncia da prostituiccedilatildeo de
atividades iliacutecitas ou aqueles que se sentiram forccedilados a sujeitar-se agrave exploraccedilatildeo de
outrem para sobreviver natildeo haacute nenhuma crenccedila na dignidade da pessoa humana e
no valor social do trabalho
42
A pobreza engendra inuacutemeras relaccedilotildees de dominaccedilatildeo entre pessoas e entre grupos sociais As habitaccedilotildees subumanas da periferia das grandes cidades no Brasil constituem verdadeiros quistos sociais terras sem lei controladas por xerifes ou por quadrilhas de malfeitores O Estado que natildeo for capaz de dotar essas comunidades do acesso efetivo agrave Educaccedilatildeo agrave Sauacutede agrave Seguranccedila e agrave Paz Puacuteblicas e ao trabalho liacutecito certamente natildeo lhes estaraacute assegurando o acesso ao Direito porque a populaccedilatildeo abrutalhada pela miseacuteria e coagida pelo medo natildeo desfruta da miacutenima eficaacutecia concreta dos
seus direitos fundamentais (GRECO 2009)
Evidencia que acesso ao Direito nas sociedades modernas mesmo nas
economicamente desenvolvidas exige o fortalecimento dos grupos intermediaacuterios e
do associativismo O cidadatildeo natildeo estaacute mais em condiccedilotildees de defender-se
individualmente das ameaccedilas e lesotildees aos seus direitos perpetradas por pessoas ou
grupos que se encontram em posiccedilatildeo de vantagem nas relaccedilotildees econocircmicas e
sociais
O sindicato veio exercer este importante papel em relaccedilatildeo ao trabalhador
empregado Mas hoje as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo natildeo satildeo apenas as que existem no
mundo do trabalho mas as que se revelam em todos os tipos de relaccedilotildees humanas
relaccedilotildees de consumo relaccedilotildees de vizinhanccedila relaccedilotildees locatiacutecias relaccedilotildees
comerciais internas e internacionais e natildeo com menor relevacircncia relaccedilotildees entre os
particulares e o Estado entre outras
Eacute preciso assegurar esse equiliacutebrio na praacutetica o que somente tornar-se-aacute
possiacutevel atraveacutes da articulaccedilatildeo dos sujeitos que se encontram em posiccedilatildeo de
desvantagem em organizaccedilotildees e associaccedilotildees que pela uniatildeo de esforccedilos
consigam compensar o desequiliacutebrio existente e dar aos indiviacuteduos e grupos a forccedila
e a capa de proteccedilatildeo necessaacuterias para ombrearem-se aos seus adversaacuterios e
lutarem pelos seus direitos ou interesses em igualdade de condiccedilotildees
Para Greco (2009) o pressuposto indispensaacutevel do acesso ao Direito eacute a
transparecircncia do Estado no trato de questotildees que possam afetar a esfera de
interesses dos cidadatildeos e complementa que aos cidadatildeos eacute indispensaacutevel
assegurar o direito de influir eficazmente nas decisotildees do poder puacuteblico atraveacutes dos
mais diversos instrumentos de participaccedilatildeo democraacutetica Ele afirma que
A relaccedilatildeo Estado-cidadatildeo natildeo eacute mais a relaccedilatildeo soberano-suacutedito O cidadatildeo tem o direito de exigir do Estado o pleno respeito ao seu
43
patrimocircnio juriacutedico Lamentavelmente a crise do Estado tem levado o Brasil a aceitar-se como normal que as pessoas juriacutedicas de Direito Puacuteblico natildeo cumpram devidamente as prestaccedilotildees positivas de que satildeo devedoras perante os particulares cabendo a estes demandar na Justiccedila para obtecirc-las (GRECO 2009)
Essa visatildeo deformada da responsabilidade do Estado ocorre o
desvirtuamento da justiccedila Por outro lado agrave violaccedilatildeo da garantia constitucional da
tutela jurisdicional efetiva (Constituiccedilatildeo artigo 5 inciso XXXV) disciplina a lei natildeo
excluiraacute da apreciaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio lesatildeo ou ameaccedila ao direito Assim o
acesso ao Direito natildeo estaraacute concretamente assegurado se o Estado natildeo oferecer a
todo cidadatildeo a possibilidade de receber aconselhamento juriacutedico a respeito dos seus
direitos
Constituiccedilatildeo de 1988 no artigo 5deg inciso LXXIV assegurou a todos
ldquoassistecircncia juriacutedicardquo a englobar assistecircncia judiciaacuteria e assessoramento juriacutedico
extrajudicial Conforme Greco (2009) ldquoeacute preciso que esse direito seja assegurado
na praacutetica Uma vez que na vida moderna o Direito tornou-se excessivamente
complexordquo Ainda no dizer do autor a consciecircncia juriacutedica do homem comum que
deve ser adquirida na famiacutelia e na escola natildeo eacute mais suficiente para a tomada de
decisotildees na vida diaacuteria das pessoas Todas as pessoas mantecircm complexas relaccedilotildees
juriacutedicas com instituiccedilotildees financeiras com fornecedores de bens e de serviccedilos etc
Nessas relaccedilotildees juriacutedicas com frequecircncia os cidadatildeos tecircm de tomar decisotildees
raacutepidas O cidadatildeo que tem meios procura um advogado particular para assessoraacute-
lo Ao pobre o Estado deve assegurar o mesmo direito em plenitude
Sem duacutevida o uacuteltimo pressuposto do acesso ao Direito eacute o acesso agrave Justiccedila
no sentido de acesso a um tribunal estatal imparcial previamente instituiacutedo como
competente para a soluccedilatildeo de qualquer litiacutegio a respeito de interesse que se afirme
juridicamente protegido ou para a praacutetica de qualquer ato que a lei subordine agrave
aprovaccedilatildeo autorizaccedilatildeo ou homologaccedilatildeo judicial
Se o cidadatildeo tem consciecircncia dos seus direitos se o Estado lhe fornece
todas as condiccedilotildees para livremente exercecirc-los mas algum outro cidadatildeo ou algum
oacutergatildeo do proacuteprio Estado impede ou dificulta esse exerciacutecio cabe ao poder puacuteblico
pocircr agrave disposiccedilatildeo do cidadatildeo lesionado ou ameaccedilado a jurisdiccedilatildeo necessaacuteria para
assegurar o pleno acesso a tal direito
Atingimos eacute certo um estaacutegio de desenvolvimento do Direito Humanitaacuterio que
natildeo mais nos permite conformar-nos com uma realidade distante do padratildeo de
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convivecircncia humana que outras naccedilotildees jaacute alcanccedilaram O exerciacutecio pleno de
cidadania seraacute obra de mais de uma geraccedilatildeo Mas se trabalharmos com firmeza
certamente os jovens de hoje poderatildeo legar aos seus descendentes a emancipaccedilatildeo
cidadatilde um paiacutes melhor e uma sociedade mais justa e democraacutetica
33 O municiacutepio como acircmbito de exerciacutecio de cidadania
Historicamente o Municiacutepio enquanto unidade poliacutetico-administrativa surgiu
conforme descreve Berardi (2004) com a Repuacuteblica Romana interessada em
manter a dominaccedilatildeo paciacutefica das cidades conquistadas pela forccedila dos exeacutercitos
Sua origem mais de natureza socioloacutegica do que poliacutetica adveacutem do espiacuterito
associativo do homem e de suas relaccedilotildees de vizinhanccedila
Eacute pois a menor unidade territorial de Federaccedilatildeo cuja criaccedilatildeo reflete a base
da organizaccedilatildeo poliacutetica administrativa da Naccedilatildeo Portanto sua funccedilatildeo administrativa
historicamente vem assentada no princiacutepio do direito natural
O artigo primeiro da Constituiccedilatildeo Federal de 1998 estabelece que o
Municiacutepio ao lado dos Estados e do Distrito Federal formam a Republica Federativa
do Brasil que se constitui em Estado Democraacutetico de Direito O municiacutepio tem assim
um poder relevante para a aplicaccedilatildeo da democracia direta iniciada e fortalecida em
niacutevel local Diversos pensadores chegaram a afirmar que a descentralizaccedilatildeo de
poder resultante da constituiccedilatildeo Cidadatilde era antes de tudo uma conquista dos
Municiacutepios sendo eles os berccedilos da perpetuaccedilatildeo da Repuacuteblica e da Democracia
efetivamente por serem o uacutenico niacutevel de governo possuidores de respaldo e
localizaccedilatildeo fiacutesica ou seja solo municipal
Eacute certo que a Carta Magna de 1988 consolidou significativas inovaccedilotildees para a
vida municipal de forma que o Municiacutepio passou a constituir um dos entes da
federaccedilatildeo tratando-o como unidade dotada de autonomia poliacutetica expressa na
capacidade de poder elaborar a sua Lei Orgacircnica fugindo assim da tutela dos
estados que ateacute entatildeo eram considerados como uacutenicos componentes da federaccedilatildeo
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A Lei Orgacircnica Municipal traz em seu bojo aleacutem da organizaccedilatildeo
administrativa do Municiacutepio a restauraccedilatildeo do Poder Legislativo municipal definindo
a diversificaccedilatildeo normativa que natildeo existia nas leis organizacionais outorgadas pelo
Estado reflexo do poder constituinte outorgados aos Municiacutepios pela Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 como consequecircncia do efetivo exerciacutecio do conceito de Estado
Democraacutetico de Direito
O Municiacutepio enquanto ente federativo tem atualmente a responsabilidade de
ordenar o seu desenvolvimento social e a garantia do bem estar de seus habitantes
executando poliacuteticas puacuteblicas de accedilotildees a serem empreendidas na consolidaccedilatildeo
democraacutetica do Estado
Fundada no elemento participaccedilatildeo o exerciacutecio de cidadania amplamente
citado encontra sua efetividade no municiacutepio Pois eacute nesse acircmbito de localizaccedilatildeo
que as pessoas mantecircm um contato direto com os poderes instituiacutedos suas
necessidades imediatas e mediatas satildeo objetos da disciplina da Lei que visa o bem
comum base do Estado democraacutetico de Direito
Baseado na maacutexima do municipalista e defensor da descentralizaccedilatildeo poliacutetica
Franco Motoro sabiamente proferiu que ldquoningueacutem vive na Uniatildeo ou no Estado As
pessoas vivem no Municiacutepiordquo Assim a cidadania encontra seu melhor espaccedilo de
realizaccedilatildeo na comunidade onde convive A vida em comunidade gera anseios
comuns sentimentos comuns uma vez que a convivecircncia propicia que as pessoas
se conheccedilam e se reconheccedilam como membros de uma mesma realidade
De acordo com Harvey (1992) ldquoa globalizaccedilatildeo provoca anonimato enquanto
comunidade cultiva solidariedaderdquo o que implica participaccedilatildeo para o exerciacutecio de
cidadania
Tudo o que acontece no mundo seja no meu paiacutes na minha cidade ou no meu bairro acontece comigo Entatildeo eu preciso participar das decisotildees que interferem na minha vida Um cidadatildeo com um sentimento eacutetico forte e consciecircncia da cidadania natildeo deixa passar nada natildeo abre matildeo desse poder de participaccedilatildeo (Herbert de Souza Betinho)
Com esse embasamento natildeo se pode perder de vista que eacute nas relaccedilotildees
diaacuterias de oposiccedilatildeo ou solidariedade que as pessoas exercem cidadania Na relaccedilatildeo
do com o outro com os poderes ao estabelecer com a vida social e puacuteblica uma
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convivecircncia posto que cidadania eacute tarefa que natildeo termina natildeo eacute um conceito
pronto tatildeo pouco acabado enquanto seres inacabados que somos estaremos
buscando descobrindo criando e tomando consciecircncia mais ampla dos direitos
O desafio eacute construir um novo discurso sobre cidadania atraveacutes de uma
praacutetica poliacutetica sustentada isto eacute realizada em dois niacuteveis
O primeiro niacutevel na base atraveacutes de construccedilatildeo das capacidades e do poder
proacuteprio da populaccedilatildeo o que envolve inevitavelmente uma mudanccedila de atitude na
busca para garantir seus direitos utilizando-se do grau de autonomia local
Essa atitude conceberia agrave democracia participativa como uma poliacutetica paralela
de intervenccedilatildeo social criando e mantendo novos espaccedilos para a tomada de
decisotildees ou seja para o auto-governo pela populaccedilatildeo nas mateacuterias que afetam
diretamente suas vidas
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade
O segundo niacutevel um governo com o povo e natildeo apenas para o povo fundado
nos ditames constitucionais valorizando o sentimento da sociedade no exerciacutecio da
governabilidade de modo que o balizamento das accedilotildees de governo deixaria de estar
no proacuteprio governo e passaria a estabelecer-se a partir do pensar da sociedade Um
governo que se pergunta o que se deve fazer para ouvir com a maior fidelidade
possiacutevel a sociedade suas instituiccedilotildees representativas e o cidadatildeo Pois as
prioridades da gestatildeo deveriam ser definidas pela sociedade e natildeo mais pelo
governo
Portanto nesses termos eacute preciso considerar que as praacuteticas da
administraccedilatildeo puacuteblica sejam democratizadoras e inclusivas inspiradas nos
princiacutepios da legalidade impessoalidade moralidade publicidade e eficiecircncia Esta
uacuteltima buscou estabelecer uma Administraccedilatildeo Puacuteblica mais eficiente no sentido de
que o cidadatildeo como destinataacuterio dos serviccedilos puacuteblicos que o Estado deve prestar
receba-os com maior qualidade e menor custo para o eraacuterio puacuteblico
Para a consecuccedilatildeo desse governar com o povo alguns pontos devem ser
revistos A mudanccedila implica na necessidade de adequaccedilatildeo reorganizaccedilatildeo
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reformulaccedilatildeo Para isso se faz premente em face dos novos e modernos conceitos
de gestatildeo puacuteblica a superaccedilatildeo do tradicional vezo burocraacutetico que vem convertendo
a Administraccedilatildeo nas palavras Dromi (1995) numa cara ldquomaacutequina de impedirrdquo fiel
ldquocoacutedigo do fracassordquo que dispotildee ldquoartigo primeiro natildeo pode artigo segundo em
caso de duacutevida abstenha-se artigo terceiro se eacute urgente espere artigo quarto
sempre eacute mais prudente natildeo fazer nadardquo numa posiccedilatildeo natildeo burocraacutetica e sim
democraacutetica de considerar que organizaccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica inclui a
praacutetica de ver os cidadatildeos como membros plenos da comunidade poliacutetica tendo
acesso e exercitando direitos as que promovem a organizaccedilatildeo da populaccedilatildeo em
torno de temas de interesse comum as que incluem o controle social sobre a
gestatildeo o debate amplo e informado sobre questotildees de governo e que abrem agrave
populaccedilatildeo as decisotildees sobre estas questotildees Como leciona e Barrientos (2000)
Tratam-se de praacuteticas que natildeo buscam somente melhorar a eficiecircncia administrativa das diferentes organizaccedilotildees puacuteblicas mas que incorporam no seu processo de gestatildeo a dimensatildeo ativa da cidadania isto eacute ldquoque facilitam as iniciativas e responsabilidades de todos os envolvidos[] estabelecendo pontes entre Estado e sociedade civil
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade Acreditamos
que o ponto de partida eacute a atitude aliada agrave solidariedade e ao espiacuterito coletivo Pois
governo e cidadatildeos juntos haveratildeo de cumprir um novo papel no processo de
desenvolvimento como agentes de uma nova cultura
Como afirma Peter Drucke
A parceria comunitaacuteria seraacute um dos verdadeiros setores em crescimento das economias desenvolvidas Surge da necessidade de uma participaccedilatildeo mais direta e efetiva da comunidade nas grandes questotildees da vida social pois natildeo existe ningueacutem melhor que o cidadatildeo para saber o que ele quer para si para sua famiacutelia e para sua comunidade (apud RAMOS 1990)
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O envolvimento efetivo da sociedade nas questotildees sociais natildeo eacute apenas uma
postura moderna Significa antes de tudo uma atitude digna de todos aqueles que
desejam exercer sua cidadania contribuindo para um paiacutes melhor e em especial
para uma sociedade mais justa fraterna e solidaacuteria
Na histoacuteria observa-se a grande coragem das pessoas em construir o
reconhecimento delas proacuteprias e de seus direitos sempre buscando a participaccedilatildeo e
defendendo os Direitos Humanos Sem duacutevida a maior ecircnfase que deve ocorrer
para a construccedilatildeo real da cidadania eacute uma mudanccedila na sociedade O melhor a ser
feito eacute reforccedilar a organizaccedilatildeo democraacutetica buscando novas formas de participaccedilatildeo
social pois cidadania natildeo se resume ao poder de votar ou ser votado mas eacute sempre
na efetiva participaccedilatildeo popular pois somente com isso haacute a verdadeira
conscientizaccedilatildeo e o comprometimento daquele que passa a se sentir cidadatildeo
abandonando-se velhos viacutecios da poliacutetica representativa
Desse modo a participaccedilatildeo do povo no momento das reivindicaccedilotildees das
discussotildees e apreciaccedilotildees de projetos que visem agrave melhoria da comunidade local a
exigecircncia de transparecircncia na administraccedilatildeo da coisa puacuteblica dentre outras eacute quem
daraacute embasamento para as verdadeiras conquistas sociais no Municiacutepio que geram
saudaacuteveis formas de pressatildeo por efetivas poliacuteticas puacuteblicas de inclusatildeo social
gerando o fim do clientelismo poliacutetico tatildeo pejorativo e comum em nossa realidade e
cultura poliacutetica
Somente a participaccedilatildeo social eacute que iraacute causar uma real democratizaccedilatildeo do
poder A afirmaccedilatildeo da cidadania eacute pressuposto para a realizaccedilatildeo dos Direitos
Humanos pois os homens natildeo nascem naturalmente iguais Inclusive para que
ocorra a realizaccedilatildeo dos referidos direitos eacute necessaacuterio tambeacutem que exista um
espaccedilo puacuteblico que seja realmente democraacutetico e acessiacutevel possibilitando a
participaccedilatildeo de todos e esse espaccedilo eacute certamente o municiacutepio
Na praacutetica um forte instrumento de cidadania para atender as necessidades
coletivas eacute o orccedilamento participativo previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal que
determina expressamente a realizaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas e a participaccedilatildeo
popular nos processos de elaboraccedilatildeo e conduccedilatildeo dos orccedilamentos como forma de
incentivo agrave preparaccedilatildeo e execuccedilatildeo de planejamentos que envolvam diretamente o
povo A Lei veio incentivar a sua propagaccedilatildeo para todos os entes federativos tendo
em conta que se trata de uma tendecircncia mundial por legitimar as escolhas e
fortalecer o princiacutepio da transparecircncia
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Os meios de acesso do cidadatildeo junto aos Poderes Puacuteblicos eacute uma realidade
no Estado Democraacutetico de Direito brasileiro a exemplo das sessotildees do Poder
Legislativo que satildeo puacuteblicas ficando abertas a todos que delas quiserem participar
Emite-se uma pauta antes do comeccedilo da sessatildeo com a preacutevia dos debates Em
niacutevel municipal verifica-se um acompanhamento mais incisivo sobre as sessotildees das
Cacircmaras de Vereadores como forma de pressatildeo para aprovaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees
da comunidade avaliaccedilatildeo do desempenho e aceitaccedilatildeo de propostas orccedilamentaacuterias
e atuaccedilatildeo dos poliacuteticos bem como entendimento das funccedilotildees do Poder Legislativo
A Constituiccedilatildeo Federal assegura desde 1988 a possibilidade de se oferecer
peticcedilatildeo agraves Mesas Legislativas como forma de pedir informaccedilotildees sobre andamento
de projetos ou relatoacuterios encaminhados aos chefes do Poder Executivo Em niacutevel
municipal pode ser utilizada a Tribuna Livre como instrumento para denuacutencias de
problemas ou discussatildeo de um tema ou mesmo para apresentar sugestotildees sendo
regulado pela Lei Orgacircnica Municipal e pelo Regimento Interno da Cacircmara
A convocaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas tambeacutem possui previsatildeo constitucional
no art 58 sect 20 inciso II em niacutevel federal As comissotildees podem em razatildeo da
mateacuteria de sua competecircncia realizar audiecircncias puacuteblicas com entidades da
sociedade civil E nada obsta que estejam previstas formas de articulaccedilatildeo da
sociedade civil com os Presidentes das Comissotildees da Cacircmara no seu Regimento
Interno em acircmbito municipal
Os dispositivos da Constituiccedilatildeo Federal que dispotildeem sobre a forma de
participaccedilatildeo direta do cidadatildeo e da sociedade civil no processo democraacutetico natildeo se
pode negar que trouxe novas perspectivas De modo geral podemos citar
Art 29 A lei orgacircnica dos Municiacutepios tem que observar entre os seus
preceitos ldquocooperaccedilatildeo das associaccedilotildees representativas no planejamento municipalrdquo
Art 31 As contas dos municiacutepios ficaratildeo durante 60 (sessenta) dias
anualmente a disposiccedilatildeo de qualquer contribuinte para exame e apreciaccedilatildeo o qual
poderaacute questionar-lhes a legitimidade nos termos da lei
Art37 sect 3ordm (EC-1998) A lei disciplinaraacute as formas de participaccedilatildeo do usuaacuterio
na administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta regulando especialmente
I- as reclamaccedilotildees relativas a prestaccedilatildeo dos serviccedilos puacuteblicos em geral asseguradas
a manutenccedilatildeo de serviccedilo de atendimento ao usuaacuterio e a avaliaccedilatildeo perioacutedica externa
e interna da qualidade dos serviccedilos
50
II- o acesso dos usuaacuterios a registros administrativos e a informaccedilatildeo sobre atos de
governo observado o disposto no art 5ordm X e XXXIII
III- a disciplina da representaccedilatildeo conta o exerciacutecio negligente ou abusivo de cargo
emprego ou funccedilatildeo na administraccedilatildeo puacuteblica
Art 74 sect 2ordm Qualquer cidadatildeo partido poliacutetico associaccedilatildeo ou sindicato eacute
parte legiacutetima para na forma de lei denunciar irregularidades ou ilegalidades perante
o Tribunal de Contas da Uniatildeo
Art194 paraacutegrafo uacutenico Compete ao Poder Puacuteblico nos termos da lei
organizar a seguridade social com base nos seguintes objetivos ()
VII ndash caraacuteter democraacutetivo descentralizado na administraccedilatildeo mediante gestatildeo
quadripartite com participaccedilatildeo dos trabalhadores dos empregados e dos
aposentados e do Governo nos oacutergatildeos colegiados nos oacutergatildeos colegiados
Art 198 As accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede integram uma rede
regionalizada e hierarquizada o constituem um sistema uacutenico organizado de acordo
com as seguintes diretrizes
III ndash participaccedilatildeo da comunidade
Art 202 sect 6ordm A lei complementa a que se refere o sect 4ordm deste artigo
estabeleceraacute os requisitos para a designaccedilatildeo dos membros das diretorias das
entidades fechadas de previdecircncia privada e disciplinaraacute a inserccedilatildeo dos
participantes nos colegiados e instacircncias de decisatildeo em que seus interesses sejam
objeto de discussatildeo e deliberaccedilatildeo
Art 204 As accedilotildees governamentais na aacuterea de assistecircncia social seratildeo
organizadas com base nas seguintes diretrizes
II ndash Participaccedilatildeo da populaccedilatildeo por meio de organizaccedilotildees representativas na
formulaccedilatildeo das poliacuteticas e no controle das accedilotildees em todos os niacuteveis
O protagonista na concretizaccedilatildeo dos direitos humanos e na ampliaccedilatildeo da cidadania eacute um sujeito coletivo de um trabalho sempre inacabado eis que se tratam de tarefas e conquistas cotidianas e gradativas obras que soacute podem ser realizada a muitas matildeos no partilhar e compartilhar da vida (COSTA NETO 2010)
A ampliaccedilatildeo da cidadania requer a consciecircncia de que os direitos pressupotildeem
deveres de maneira que os direitos de um indiviacuteduo satildeo garantidos a partir do
cumprimento dos deveres dos demais componentes da sociedade
51
34 A necessaacuteria superaccedilatildeo de velhos paradigmas
Como se sabe em 1988 foi aprovada a Constituiccedilatildeo mais liberal e
democraacutetica do Brasil chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo Assim ampliou-se de
forma significativa o campo dos direitos e garantias fundamentais No que diz
respeito a tal mateacuteria eacute considerada como uma das mais avanccediladas do mundo No
seu preacircmbulo adota o modelo de um Estado democraacutetico de Direito destinado a
garantir o exerciacutecio dos direitos sociais e individuais a liberdade a seguranccedila o
bem-estar o desenvolvimento a igualdade e a justiccedila eleitos como valores
supremos de uma sociedade fraterna pluralista e sem preconceitos
Para a construccedilatildeo democraacutetica da cidadania no Brasil contemporacircneo
salienta-se de ela deve passar de uma democracia representativa para uma
cidadania que efetivamente molde a democracia ou seja uma cidadania instituinte
da democracia
No acircmbito constitucional positivo cidadania pressupotildee o exerciacutecio de todos
os direitos fundamentais e garantias que caracterizam o Estado democraacutetico de
Direito Quando se fala em cidadania eacute no sentido de reafirmar o direito pela plena
realizaccedilatildeo do indiviacuteduo do cidadatildeo dos entes coletivos e de sua emancipaccedilatildeo nos
espaccedilos da sociedade Estatildeo sempre intimamente ligados os conceitos de
cidadania democracia e direitos humanos sendo que um remete ao outro e seus
conteuacutedos se interligam ou seja a cidadania natildeo iraacute ocorrer sem que ocorra a
realizaccedilatildeo dos Direitos Humanos da mesma forma que os direitos humanos natildeo
seratildeo concretizados se natildeo houver o exerciacutecio da cidadania
Na evoluccedilatildeo histoacuterica tais categorias se desenvolveram de forma conjunta
com o Estado Representam noccedilotildees desejaacuteveis de relaccedilotildees humanas que se espera
sejam instituiacutedas Satildeo os elementos basilares na nova ordem social e que a
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 pretendeu edificar Poreacutem a democracia poliacutetica natildeo
resolveu os problemas econocircmicos mais seacuterios como a desigualdade e o
desemprego Continuam muito seacuterios os problemas da aacuterea social principalmente
na educaccedilatildeo nos serviccedilos de sauacutede e saneamento como tambeacutem e
principalmente quanto agrave seguranccedila puacuteblica
52
A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 em seu artigo 6ordm e em outros artigos no texto
constitucional ampliou e muito os Direitos Sociais proibiu discriminaccedilotildees Assim
indicadores baacutesicos de qualidade de vida apontam que houve uma melhoria A
mortalidade infantil por exemplo caiu de maneira significativa nos uacuteltimos anos A
esperanccedila de vida ao nascer passou de 60 anos em 1980 para 70 em 2000 Poreacutem
o maior progresso foi na aacuterea da educaccedilatildeo fundamental que eacute considerado fator
decisivo para a cidadania pois a taxa de analfabetismo caiu consideravelmente
entretanto existem muitos problemas no campo educacional como a repetecircncia e
com relaccedilatildeo a desigualdade social entre as regiotildees
A grande concentraccedilatildeo da riqueza nacional nas matildeos de poucos reflete a
desigualdade e causa a pobreza e a miseacuteria ao passo que dificulta o acesso do
cidadatildeo agrave justiccedila e consequentemente ao seu estado de cidadania pleno
Dentre os fundamentos no qual se baseiam o Estado democraacutetico de Direito
no Brasil destaca-se justamente a cidadania e a dignidade humana conforme artigo
1ordm incisos II e III da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Entatildeo construir uma sociedade
livre justa e solidaacuteria garantir o desenvolvimento nacional erradicar a pobreza e a
marginalizaccedilatildeo reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de
todos sem preconceitos de origem raccedila sexo cor idade ou quaisquer outras
formas de discriminaccedilatildeo satildeo os objetivos fundamentais do Estado Brasileiro
conforme art 3ordm da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
O cenaacuterio de globalizaccedilatildeo econocircmica mundial tambeacutem traacutes seacuterios obstaacuteculos
para a construccedilatildeo da cidadania A globalizaccedilatildeo da economia em ritmo acelerado
provoca grandes mudanccedilas nas relaccedilotildees entre Estado sociedade e naccedilatildeo que
eram sempre o centro da noccedilatildeo e da praacutetica da cidadania ocidental O foco das
mudanccedilas e das preocupaccedilotildees estaacute em dois focos especiacuteficos a reduccedilatildeo do papel
central do Estado como fonte de direitos e local para a participaccedilatildeo e o
deslocamento da naccedilatildeo como principal fonte de identidade coletiva
Para que ocorra efetiva mudanccedila a melhor proposta eacute no sentido de
mudanccedila na organizaccedilatildeo da sociedade pois a inversatildeo da sequecircncia dos direitos
fez com que ocorra o reforccedilo da supremacia do Estado Para que ocorra a
consolidaccedilatildeo democraacutetica e cidadatilde eacute necessaacuterio reforccedilar a organizaccedilatildeo da
sociedade para assim dar embasamento social ao poder poliacutetico ou seja
finalmente democratizar o poder e estabelecer de forma plena a Cidadania
53
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A Constituiccedilatildeo que nasce com ldquocheiro de amanhatilde e natildeo de mofordquo nas
palavras do Deputado Ulisses Guimaratildees tem em seu relevo a esperanccedila de um
povo que sonhava com a erradicaccedilatildeo da repressatildeo militar e natildeo soacute isso um povo
que sonhava com a liberdade em suas diversas manifestaccedilotildees em suas mais
significativas formas de representaccedilatildeo e sobretudo com um paiacutes voltado para a
democracia e justiccedila social
Ao povo brasileiro foi concedido o poder de governar e nesse contexto de
mudanccedila a ldquodemocracia eacute o governo do povo pelo povo e para o povordquo na
conceituaccedilatildeo ceacutelebre de Abraham Lincoln E consoante estabelece o paraacutegrafo
uacutenico do art 1ordm da Carta cidadatilde de 1988 ldquotodo poder emana do povo que o exerce
por meio de representantes eleitos ou diretamenterdquo
No entanto natildeo basta que a fonte de poder seja o povo a democracia vem
significar a efetiva participaccedilatildeo do povo nas decisotildees e destino do Estado e sua
consolidaccedilatildeo eacute a proacutepria cidadania pois eacute o cidadatildeo que pensa e se auto define
diante da condiccedilatildeo soacutecio-histoacuterica O cidadatildeo tem portanto o poder de transformar
a realidade social segundo seu pensamento e accedilatildeo
Natildeo se pode negar que a Carta de 1988 foi a que apresentou maior
legitimidade popular que abriu caminhos apontando um novo tempo
Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita Se fosse perfeita seria irreformaacutevel Ela proacutepria com humildade e realismo admite ser emendada ateacute por maioria mais acessiacutevel dentro de cinco anos Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita mas seraacute uacutetil e pioneira e desbravadora Seraacute luz ainda que de lamparina na noite dos desgraccedilados Eacute caminhando que se abrem os caminhos Ela vai caminhar e abri-los Seraacute redentor o que penetrar nos bolsotildees sujos escuros e ignorados da miseacuteria (Ulysses Guimaratildees)
Mesmo natildeo sendo a constituiccedilatildeo perfeita sem duacutevida foi a que trouxe
esperanccedila ao povo brasileiro com a sua promulgaccedilatildeo surgiram o ldquohaacutebeas datardquo o
mandado de injunccedilatildeo e o mandado de seguranccedila coletivo - todos remeacutedios judiciais
de iacutendoles constitucionais serviacuteveis para prevenir e combater diversas tentativas de
abuso contra a pessoa humana Outrossim o objeto da accedilatildeo popular foi ampliado
Atualmente qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima para propor a mencionada accedilatildeo
54
popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de entidade de que o
Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e ao patrimocircnio
histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de custas
judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia Nesse rol de forma decisiva houve a
ampliaccedilatildeo tambeacutem dos direitos sociais
Assim a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconhece e assegura uma seacuterie de
escudos protetivos aos cidadatildeos Em sua essecircncia os direitos fundamentais
ganham forma De modo que podemos assegurar que hoje o nosso Estado eacute uma
organizaccedilatildeo centrada no ser humano visto que tem a dignidade da pessoa humana
como um fundamento da Repuacuteblica Federativa do Brasil
Apesar das inuacutemeras dificuldades o Estado Democraacutetico de Direito fundado
na cidadania constituiu para o povo uma nova identidade ndash o que em outras eacutepocas
natildeo existia
A Constituiccedilatildeo circunscreve toda a organizaccedilatildeo poliacutetica estatal no intuito
maior de criar no consciente coletivo a vontade livre e determinada de desenvolver
padrotildees de condutas destinados a elevar e promover a auto-estima de toda a
comunidade paacutetria
Foi nesse sentido que estatui em seu artigo 1ordm a cidadania como fundamento
do Estado Democraacutetico de Direito ampliando e enriquecendo o tal conceito Cada
eacutepoca produziu praacuteticas e reflexotildees muito distintas sobre o tema cidadania A
definiccedilatildeo de cidadania que vem sofrendo alteraccedilotildees ao longo do tempo obedecendo
a um processo histoacuterico de conquistas sociais eacute compreendida atualmente como
um processo de participaccedilatildeo do indiviacuteduo ou de um grupo organizado nas mais
variadas aacutereas de atuaccedilatildeo da sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos
e sociais
A cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia disso natildeo haacute duvidas e se
efetiva como mudanccedilas na realidade de cada um com melhoria de vida e
conscientizaccedilatildeo da importacircncia do cidadatildeo dado que eacute um processo em
permanente construccedilatildeo Natildeo haacute como defender uma qualidade de vida sem a
preservaccedilatildeo da cidadania em todos os seus acircmbitos Nesse sentido a efetiva
proteccedilatildeo desse aspecto basilar torna-se essencial no que tange uma assistecircncia
juriacutedica completa
No contraponto do direito estatildeo os deveres que encontramos sua realizaccedilatildeo
tambeacutem na participaccedilatildeo observando que o cidadatildeo eacute responsaacutevel pelo advir de
55
suas accedilotildees A participaccedilatildeo reflete um caraacuteter de natildeo comodismo de atenccedilatildeo agravequilo
que eacute particular e coletivo tendo como finalidade preciacutepua o bem comum
Construir cidadania hoje eacute imperativo para a sociedade pois dessa
construccedilatildeo depende o amanhatilde Estamos diante da Constituiccedilatildeo que se propotildee a
resguardar o amanhatilde sem perder de vista que ele comeccedila hoje agora e nisso a
Carta Poliacutetica traacutes consigo a certeza do despertar dessa consciecircncia a consciecircncia
cidadatilde Ela eacute a semente plantada em terra feacutertil que gera frutos diariamente e se
renova a cada estaccedilatildeo na dinacircmica da vida Talvez tenha sido esse o cheiro de
frutas alcanccedilado pelo constituinte ao anunciar que a carta tem ldquocheiro do amanhatilderdquo
A responsabilidade pelo exerciacutecio desses direitos belissimamente elencados
depende de todos e de cada um pois somos o terreno feacutertil que produziraacute o fruto de
uma sociedade fraterna
Eacute comum na praacutetica apenas responsabilizarmos o Estado em sentido lato pelo
natildeo exerciacutecio dos direitos do cidadatildeo Vale lembrar nesse contexto das palavras de
J Kennedy o qual disse ldquonatildeo pergunte o que o Estado pode fazer por vocecirc mas o
que vocecirc pode fazer pelo Estadordquo haacute nessa frase um forte traccedilo de cidadania pois
quando o cidadatildeo reivindica critica opina o que ele daacute em contrapartida ao paiacutes eacute
solidificado visto que eacute nas relaccedilotildees familiares em comunidade que se estabelece e
se fortalece os viacutenculos de solidariedade de uma sociedade que perpetua valores
condutas que as leis reguladoras natildeo conseguem por si soacute estabelecer
A concretizaccedilatildeo do ideal de uma qualidade de vida merecida a todos os seres
humanos sem restriccedilotildees requer entretanto um esforccedilo coletivo Dessa forma haacute
necessidade de suprir as muitas carecircncias advindas das desigualdades sociais e de
condiccedilotildees do descaso do poder puacuteblico e da proacutepria conceituaccedilatildeo antiga de
cidadania que ainda eacute concebida por muitos no presente
Em suma nosso trabalho procurou traccedilar a evoluccedilatildeo da cidadania e ao
mesmo tempo buscou traccedilar uma melhor caracterizaccedilatildeo do cidadatildeo agrave luz da nossa
Constituiccedilatildeo que eacute por fim a essecircncia da Magna Carta O alcance da cidadania
enquanto mecanismo de acesso a direitos foi colocado no acircmbito da pessoa
enquanto titular de direitos e num paralelo defendemos que o municiacutepio eacute o espaccedilo
de atuaccedilatildeo e exerciacutecio de cidadania dada a proximidade do cidadatildeo com as
instituiccedilotildees oacutergatildeos entidades e tudo o mais que o cerca na esfera de vivecircncia Eacute na
praccedila que discute a poliacutetica local e nacional que se indigna com as dificuldades e as
56
barreiras de acesso aos seus direitos Eacute no municiacutepio que se inicia todo um vieacutes de
desdobramento para garantir direitos
Por fim natildeo obstante resta dizer sobre o tema que os caminhos e
paradigmas que se intentou percorrer sobre cidadania como mecanismo
transformador da sociedade tem ingrediente ainda a se descortinar para o
propoacutesito valioso do bem comum Pois bem a ideia de bem comum tem como
fundamento o amor maacutexima que se estabelece por meio da democracia visto que
ldquoa demofilia o demoiacutesmo o amor do povo acima de tudo como princiacutepio ativo de
toda a sua vida poliacutetica inspirador duma sempre crescente autonomia imanente eacute
que constitui a verdadeira essecircncia da democraciardquo nas palavras de Melgareacute
(2005)
Dessa forma eacute no nuacutecleo da democracia que estaacute inscrito como pedra
angular o respeito e o amor pela pessoa humana Eacute pois um tema de larga
abrangecircncia poreacutem sem querer abreviar o caminho sua efetiva possibilidade de
realizaccedilatildeo se encontra no exerciacutecio da cidadania sem repuacutedios parciais ou exclusatildeo
de qualquer ordem na plenitude de uma cidadania para todos
57
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DEDICATOacuteRIA
Amor de matildee Conhece barreiras
Conhece obstaacuteculos Conhece impossiacutevel
Natildeo Amor de matildee Conhece dor
Mas supera no trabalho Conhece a distancia
Mas supera na esperanccedila Conhece dificuldade
Que natildeo paralisa Que natildeo intimida Que natildeo descrer
Amor de matildee suporta os amores desfeitos O ritmo desfeito o rumo desfeito a vida desfeita
Na certeza de ser maior de ser melhor de ser matildee
Para Dona Lia minha matildee Com todo o meu amor
Dedico
AGRADECIMENTOS
Ao dileto Professor Antonio Cavalcante da Costa Neto pelas valiosas contribuiccedilotildees
e solicitude com que me orientou (um sonho realizado) Li recentemente um texto
luacutedico intitulado ldquoUma mensagem a Garciardquo e encontrei naquelas linhas o perfil do
Dr Antonio Por analogia um homem a quem foi confiado uma importante missatildeo e
diante da incumbecircncia natildeo perguntou o que A quem Como Tomou sua missatildeo
deu a ela um quecirc de feacute um pouco de filosofia muito de humildade e sabedoria e fez
da sua missatildeo um sacerdoacutecio E noacutes seus alunos somos gratos por ele ter
plantado em nossos coraccedilotildees liccedilotildees de eacutetica de direito de justiccedila de esperanccedila
Aos professores da Especializaccedilatildeo em nome de Belarmino Mariano Luciano
Nascimento e Agassiz Almeida Filho nossa eterna gratidatildeo
Ao amigo Professor advogado Everaldo Ribeiro pelo companheirismo e
solidariedade com que me incentivos durante os periacuteodos mais difiacuteceis dessa
caminhada
A Gerson que pelas escolhas do coraccedilatildeo se fez meu irmatildeo
Agrave Iolanda minha comadre amiga-irmatilde de todas as horas
A Assis Brito (meu marido) exemplo de superaccedilatildeo meu constante incentivador
A Vovoacute Julia (In memoriam) que me ensinou a acreditar que eu poderia ir muito
aleacutem onde os meus sonhos me levassem
A dona Lia minha matildee minha amiga presenccedila de Deus na minha vida
Agrave Aimeacutee Antocircnia minha filha companheira inseparaacutevel presente de Deus
A Deus Senhor da minha vida e Autor da minha histoacuteria
Abre os olhos e vecirc Secirc vigilante
a reaccedilatildeo natildeo passaraacute diante
do teu punho fechado contra o medo
Levanta-te meu povo Natildeo eacute tarde
Agora eacute que o mar canta eacute que o sol arde
pois quando o povo acorda eacute sempre cedo
(Joseacute Carlos Ary dos Santos)
Sumaacuterio
INTRODUCcedilAtildeO 09
CAPIacuteTULO 1 NOVOS OLHARES SOBRE A CIDADANIA 12
11 As origens da cidadania 13
12 A construccedilatildeo da cidadania 16
13 Cidadania um fenocircmeno cultural 18
14 cidadania no Brasil Breves consideraccedilotildees 19
CAPIacuteTULO 2 CIDADANIA Agrave LUZ DA CONSTITUICcedilAtildeO FEDERAL DE 1988 23
21 Estado Democraacutetico de Direito espaccedilo de cidadania 24
22 Os direitos fundamentais como pressupostos de identidade da cidadania 27
23 A consagraccedilatildeo dos direitos do cidadatildeo 31
CAPIacuteTULO 3 CIDADANIA COMO MECANISMO DE TRANSFORMACcedilAtildeO
SOCIAL 35
31 O ser cidadatildeo 36
32 A emancipaccedilatildeo social atraveacutes da cidadania 39
33 O municiacutepio como acircmbito de exerciacutecio de cidadania 44
34 A necessaacuteria superaccedilatildeo de velhos paradigmas 50
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 53
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 57
RESUMO
A cidadania assumiu historicamente inuacutemeras concepccedilotildees em funccedilatildeo dos muitos contextos social e cultural em que esta inserida Sua construccedilatildeo ficou condicionada a maneira como se formaram os Estados Assim o conceito de cidadania como direito a ter direitos foi construiacutedo dentro das estruturas proacuteprias de cada Estado dessa forma a cidadania moderna se desenvolveu na medida em que as pessoas se sentem parte do Estado-naccedilatildeo podendo participar da dinacircmica e construccedilatildeo do bem comum Eacute dentro desse contexto que se insere o presente estudo que tem por objetivo discorrer a respeito dos principais instrumentos de defesa dos direitos do cidadatildeo observando a cidadania como mecanismo de transformaccedilatildeo social No Brasil a cidadania ganha relevo com a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 na qual aparece como princiacutepio fundamental A Carta Cidadatilde abarca no decorrer de seu texto inuacutemeras inovaccedilotildees no que concerne a questatildeo da caracterizaccedilatildeo da cidadania na sociedade atual e os direitos que abrangem a esfera poliacutetica civil e social No elenco de mecanismo de exerciacutecio da cidadania objeto de nossa anaacutelise estaacute o acesso ao direito e a justiccedila que eacute fator preponderante para efetivar as garantias constitucionais bem como a educaccedilatildeo que implica ao ser humano o conhecimento de si mesmo e do meio no qual estaacute inserido dele podendo participar de forma produtiva O alcance da cidadania enquanto exerciacutecio de direitos e deveres eacute colocada no acircmbito do municiacutepio por ser o ente federativo mais proacuteximo do cidadatildeo Nesse vieacutes a construccedilatildeo da cidadania plena se constitui como tarefa de muitas matildeos firmada em accedilotildees que visam o bem comum PALAVRAS-CHAVE cidadania direitos constituiccedilatildeo democracia
ABSTRACT
Citizenship assumed historically many concepts in the light of many social and cultural contexts in which it operates Its construction was conditioned how states were formed Thus the concept of citizenship as a right to have rights built into the structures of each state so modern citizenship has developed to the extent that people feel part of the nation-state can participate in the construction of dynamic and well common It is within this context that the present study which aims to talk about the main instruments of defense of civil rights noting citizenship as a mechanism for social change In Brazil citizenship becomes important to the Federal Constitution of 1988 which appears as a fundamental principle The Citizen Charter includes in the course of your text numerous innovations regarding the issue of characterization of citizenship in modern society and the rights covering the political civil and social The cast engine citizenship object of our analysis is access to law and justice that is decisive for effective constitutional guarantees as well as the education that involves the human knowledge of oneself and the environment in which it is inserted it can participate productively The scope of the exercise of citizenship as rights and duties is placed within the municipality for being the federative entity closest to the citizen In this vein the construction of full citizenship is constituted as a task of many hands signed into actions aimed at the common good KEYWORDS citizenship rights constitution democracy
9
INTRODUCcedilAtildeO
A palavra cidadania tem sido usada com muita frequecircncia desde um discurso
poliacutetico a um diaacutelogo trivial pois eacute um vocaacutebulo de significado amplo que permite o
seu emprego para referir-se aos direitos humanos ou direitos do consumidor ou
para dirigir-se a um indiviacuteduo
O conceito de cidadania sempre esteve fortemente associado agrave noccedilatildeo de
direito o que de certa forma justifica a amplitude de usos do termo jaacute que a histoacuteria
da cidadania confunde-se com a histoacuteria dos direitos humanos a histoacuteria das lutas
das gentes para a afirmaccedilatildeo de valores como a liberdade a dignidade e a
igualdade de todos os seres humanos indistintamente Percebe-se portanto que
existe um estreito relacionamento entre cidadania e luta por justiccedila por democracia
e outros direitos fundamentais Pois como afirma Santana (2009)
A histoacuteria da cidadania confunde-se em muito com a histoacuteria das lutas pelos direitos humanos A cidadania esteve e estaacute em permanente construccedilatildeo eacute um referencial de conquista da humanidade atraveacutes daqueles que lutam por mais direitos maior liberdade melhores garantias individuais e coletivas []
Sua trajetoacuteria eacute longa e liga-se as transformaccedilotildees poliacuteticas ocorridas na
histoacuteria das sociedades O seu nascimento remota a Antiguidade passando por uma
perda de seu significado na Idade Media ateacute ressurgir na Modernidade e originar
calorosos debates nos dias de hoje
No Brasil estamos tecendo a nossa cidadania e aos poucos vamos nos
livrando da visatildeo restritiva da cidadania aplicada como simples conjunto de pessoas
dotadas de direitos poliacuteticos (cidadania ativa e cidadania passiva)
Passos importantes foram dados com o processo de redemocratizaccedilatildeo e a
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 mas essa trajetoacuteria ainda tem um longo caminho a
ser percorrido pois construir cidadania eacute tambeacutem construir novas relaccedilotildees e
10
consciecircncia de que ela natildeo se limita a conquista legal de direitos mas tambeacutem a
realizaccedilatildeo desses direitos Sob pena de que a natildeo apropriaccedilatildeo desses direitos de
forma efetiva os transforma em letra morta
A consciecircncia cidadatilde perpassa a democracia os direitos sociais e o ideal
coletivo de justiccedila em sentido amplo o qual denominamos de bem comum A
vivecircncia da cidadania encontra diversas barreiras culturais e histoacutericas pois como
afirma Matos (2009)
Somos filhos e filhas de uma naccedilatildeo que nasceu sob o signo da cruz e da espada acostumados a apanhar calado a dizer sempre lsquosim senhorrsquo a lsquoengolir saposrsquo a achar lsquonormalrsquo as injusticcedilas a termos um lsquojeitinhorsquo para tudo a natildeo levar a seacuterio a coisa puacuteblica a pensar que direitos satildeo privileacutegios e exigi-los eacute ser boccedilal e metido a pensar que Deus eacute brasileiro e se as coisas estatildeo como estatildeo eacute por vontade Dele
Os direitos que hoje gozamos natildeo nos foram conferidos de maneira
harmoniosa foram conquistados E muitas vezes os compreendemos como uma
concessatildeo um favor de quem estaacute em cima para os que estatildeo em baixo da piracircmide
social e essa concepccedilatildeo errocircnea fragiliza a capacidade de organizaccedilatildeo participaccedilatildeo
e intervenccedilatildeo social que configura a cidadania
Este trabalho monograacutefico portanto tem como escopo discutir e traccedilar alguns
pressupostos que possibilitem a compreensatildeo do efetivo exerciacutecio da cidadania
como mecanismo transformador de uma sociedade (participaccedilatildeo cidadatilde nas
decisotildees da administraccedilatildeo puacuteblica que alcancem toda a coletividade)
compreendendo que a cidadania deve ser vista em todos os seus aspectos
principalmente no sentido que atraveacutes dela se almeja uma sociedade com vida
digna para todos Cidadania essa que se configurou e vem se impondo em meio a
fortes resistecircncias e combates
Para que os objetivos fossem alcanccedilados elegemos a pesquisa bibliograacutefica
como teacutecnica baacutesica para coletarmos os dados necessaacuterios Tratou-se de uma
proposta de estudo portanto de cunho eminentemente bibliograacutefico Assim sendo
as fontes da pesquisa foram as proacuteprias obras dos doutrinadores
Eacute por meio de referenciais teoacutericos como Hannah Arendt Joseacute Afonso da
Silva Norberto Bobbio Dalmo Dallari Walber Agra Celso Bandeira de Melo
Boaventura de Souza Joseacute Murilo de Carvalho entre outros expoentes da ciecircncia
juriacutedica que contextualizamos estes questionamentos e de certa maneira temos a
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pretensatildeo de contribuir para o fortalecimento do debate acadecircmico em torno de um
elemento valioso para o Estado Constitucional a cidadania
A dimensatildeo doutrinaacuteria do tema diz respeito a sua importacircncia para a aacuterea de
estudos em que se insere - o Direito Pois estudar e analisar elementos constitutivos
da cidadania significa compreender uma questatildeo que vem a cada dia tomando mais
espaccedilo nos meios acadecircmicos
Nos dias atuais em que a poacutes-modernidade permeia as relaccedilotildees juriacutedicas
propiciando a interdisciplinaridade e a flexibilidade da interpretaccedilatildeo dos dispositivos
postos o processo de discussatildeo voltado para a questatildeo da cidadania vivencia na
atualidade grande relevacircncia Nesse diapasatildeo duas consideraccedilotildees seratildeo levadas a
efeito a cidadania como um fundamento constitucional da Repuacuteblica Federativa do
Brasil de acordo com o que preceitua o inciso II do artigo 1ordm da Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 o local mais propiacutecio para o exerciacutecio efetivo da cidadania eacute o
municiacutepio onde ocorrem agraves decisotildees mais proacuteximas da comunidade em que o
individuo cidadatildeo tem maior facilidade de participaccedilatildeo nas decisotildees e por fim que
os indiviacuteduos exercem cidadania acessando a justiccedila em busca de seus direitos
Neste sentido o presente trabalho analisa algumas questotildees que estiveram e
ainda estatildeo por traacutes do desenvolvimento da foacutermula da cidadania percorrendo para
tanto desde a antiguidade ateacute o tempo presente De modo que o objetivo do
mesmo eacute analisar o processo de constituiccedilatildeo e consolidaccedilatildeo da cidadania ao longo
dos tempos como tambeacutem procura demonstrar os caminhos que de fato o conceito
de cidadania percorreu ateacute chegar agraves formulaccedilotildees da nossa eacutepoca em que passou
a ser concebida como um princiacutepio fundamental da Repuacuteblica Federativa do Brasil
Defendemos por fim que a cidadania como hoje a enxergamos eacute talvez o
uacutenico arcabouccedilo viaacutevel para a convivecircncia poliacutetica sendo certo que a sociabilidade
por traacutes da construccedilatildeo estatal precisa arrimar-se em postulados democraacuteticos e
criteacuterios de emancipaccedilatildeo da liberdade individual e coletiva os quais satildeo
pressupostos da cidadania plena
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CAPIacuteTULO 1 - NOVOS OLHARES SOBRE A CIDADANIA
A cidadania vista como uma verdadeira visatildeo democraacutetica da convivecircncia eacute
siacutembolo de todo um incessante processo desencadeado por meio de um labutar
juriacutedico-politico-cultural que vem acompanhado de vaacuterias etapas do fenocircmeno
humano na tentativa de harmonizar os interesses valores e necessidades dos
homens
Seus correspondentes mecanismos de atuaccedilatildeo na sociedade atual natildeo
surgiram como que por encanto pacificamente sem luta Brotaram apoacutes uma
semeadura ideoloacutegica em conflito com outras ideologias e doutrinas que lhe eram
contraacuterias A cidadania portanto consiste na lenta construccedilatildeo da democracia
sintetiza os esforccedilos para a obtenccedilatildeo das prerrogativas poliacuteticas sociais e culturais
que tecircm levado os membros da comunidade poliacutetica direta ou indiretamente a
decidir acerca da realidade que os cercam
Neste sentido obra de construccedilatildeo do civismo democraacutetico que vem se
fortalecendo de maneira eficaz com a promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo brasileira de
1988 a cidadania toma como ponto de partida a ideia de que o Estado democraacutetico
de Direito eacute uma conquista resultado de uma construccedilatildeo permanente da
convivecircncia sociopoliacutetica
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11 As origens da cidadania
A expressatildeo cidadania emana do termo latino civitas No entanto pode-se
encontrar suas procedecircncias intelectuais nas religiotildees da Antiguidade e nas
civilizaccedilotildees greco-romanas Polites que os romanos traduziram por cives que eacute o
soacutecio da polis ou civitas O legado greco-romano da palavra civitas nos remete agraves
noccedilotildees de liberdade igualdade e virtudes republicanas Eacute na polis grega que os
conceitos de liberdade e igualdade ganham sentido No entanto eacute importante citar
que
A participaccedilatildeo na polis ou na civitas era exclusiva de alguns homens que participavam do funcionamento da cidade-Estado eram eles os titulares de direitos poliacuteticos Eram considerados cidadatildeos apenas os homens nascidos no solo da cidade livres e iguais portadores de dois direitos inquestionaacuteveis portadores da isonomia (igualdade perante a lei) e da isegoria (o direito de expor e discutir em puacuteblico opiniotildees sobre accedilotildees que a cidade deveria ou natildeo realizar) (CHAUIacute 1994)
Ser cidadatildeo para os gregos significava antes de tudo usufruir certas
vantagens que nenhum outro homem conhecera Como afirma Minogue ldquoOs
cidadatildeos tinham riqueza beleza e inteligecircncia diversas mas como cidadatildeos eram
iguaisrdquo (1998) Foi especialmente no seacuteculo V aC que Atenas viveu seu momento
de apogeu Nesse seacuteculo especificamente desenvolveram-se as concepccedilotildees de
cidadania e democracia Em oposiccedilatildeo agrave ideia aristocraacutetica de poder o cidadatildeo
poderia e deveria atuar na vida puacuteblica independentemente da origem familiar
classe ou funccedilatildeo (ARENDT 1995)
Da mesma forma a racionalidade era conferida a uma minoria da
populaccedilatildeo exclusivamente aos homens que tinham o direito de filosofar aleacutem de
participar da academia (culto agrave beleza fiacutesica) e do poder (direito de comandar
politicamente todos os interesses da polis mediante a elaboraccedilatildeo e execuccedilatildeo de
leis e normas administrativas) Cidadatildeo segundo o teoacuterico Coulanges
Eacute todo o homem que segue a religiatildeo da cidade que honra os mesmos deuses da cidade () o que tem o direito de aproximar-se dos altares e podendo penetrar no recinto sagrado onde se realizam as assembleias assiste agraves festas acompanha as procissotildees e participa dos panegiacutericos participa dos banquetes sagrados e recebe sua parte das viacutetimas Assim esse homem no dia em que se inscreveu no registro dos cidadatildeos jurou praticar o culto dos deuses da cidade e por eles combater (2003)
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Os escravos e os baacuterbaros natildeo podiam tomar parte dos ambientes
sagrados Segundo alguns teoacutericos apenas 10 da populaccedilatildeo eram considerados
cidadatildeos em Atenas A fim de reduzir as despesas do Estado o governo restringiu o
direito de cidadania somente os filhos de pai e matildee atenienses seriam considerados
cidadatildeos As mulheres os metecos (estrangeiros) e os escravos continuaram
desprovidos de quaisquer direitos poliacuteticos A mulher era considera o ldquonatildeo serrdquo
equiparada aos escravos cuidava dos afazeres ldquodomeacutesticosrdquo servia como
instrumento de procriaccedilatildeo e natildeo participava portanto das decisotildees da polis
Aristoacuteteles descreve que mulheres e escravos eram mantidos fora da vista do
puacuteblico eram os trabalhadores que ldquocom o seu corpo cuidavam das necessidades
(fiacutesicas) da vidardquo Satildeo as mulheres que com seu corpo garantem a sobrevivecircncia
fiacutesica da espeacutecie Mulheres e escravos conforme Arendt
Pertenciam agrave mesma categoria e eram mantidos fora das vistas alheias - natildeo somente porque eram propriedade de outrem mas porque a sua vida era ldquolaboriosardquo dedicada a funccedilotildees corporais O filho de preferecircncia deveria ser do sexo masculino sendo candidato em potencial para exercer a cidadania O escravo servia de matildeo-de-obra para o sustento e manutenccedilatildeo dos cidadatildeos (1995)
Para Aristoacuteteles ser cidadatildeo diz respeito a todo aquele que eacute capaz de
tomar parte tanto no judiciaacuterio quanto no poder deliberativo da polis ldquoNenhum
caraacuteter define melhor o cidadatildeo no sentido estrito do que a participaccedilatildeo do exerciacutecio
dos poderes de juiz e magistradordquo (ARISTOacuteTELES A Poliacutetica III 16 Apud
TOURAINE 1994) O fim uacuteltimo do homem eacute viver na polis onde o homem se
realiza como cidadatildeo (politai) manifestando o processo de constituiccedilatildeo de sua
essecircncia a sua natureza Ou seja natildeo apenas viver em sociedade mas viver na
ldquopoliticidaderdquo
Para Aristoacuteteles a reflexatildeo sobre a poliacutetica eacute que ela natildeo se separa da
eacutetica pois segundo o estagirita a vida individual estaacute imbricada na vida comunitaacuteria
A razatildeo pela qual os indiviacuteduos reuacutenem-se nas cidades (e formam comunidades
poliacuteticas) natildeo eacute apenas a de viver em comum mas a de viver ldquobemrdquo ou a boa vida
Para que isso aconteccedila eacute necessaacuterio que os cidadatildeos vivam o bem comum ou em
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conjunto ou por intermeacutedio dos seus governantes se acontecer o contraacuterio (a busca
do interesse proacuteprio) estaacute formada a degeneraccedilatildeo do Estado
Por fim como afirma Correcirca (1999) ldquoa cidadania da Greacutecia Claacutessica
possui um paracircmetro muito especiacutefico de difiacutecil aceitaccedilatildeo numa concepccedilatildeo
moderna de cidadaniardquo Ou seja o que caracteriza a cidadania antiga eacute seu aspecto
limitador elitista e excludente pouco semelhante com o entendimento dos nossos
dias
Destarte como a democracia a cidadania passou por diferentes e possiacuteveis
ldquoinvenccedilotildeesrdquo em periacuteodos e espaccedilos determinados da histoacuteria e da geografia do
Ocidente Greacutecia e Roma consolidaram por seacuteculos seus sistemas de governos
possibilitando e permitindo a participaccedilatildeo de um significativo nuacutemero de cidadatildeos
Com o desaparecimento das civilizaccedilotildees claacutessicas a cidadania desaparece
juntamente e por um bom tempo ficaraacute fora de cena no Ocidente
Conforme Benevides (1994) a ideia moderna de cidadania e de direitos do
cidadatildeo tem como eacute sabido soacutelidas raiacutezes nas lutas e no imaginaacuterio da Revoluccedilatildeo
Francesa
Na continuidade da tradiccedilatildeo dos seacuteculos XVII e XVIII o contratualismo de
Locke e de Rousseau forneceu as bases filosoacuteficas do conceito de cidadania do
liberalismo e as revoluccedilotildees Inglesa Americana e Francesa que validaram seu uso
ao estabelecer um viacutenculo juriacutedico-legal entre as noccedilotildees de liberdade igualdade
fraternidade e o Estado-naccedilatildeo (MOISEacuteS 2005)
Nos seacuteculos XVIII e XIX outras correntes teoacutericas sobre o direito e a cidadania
seratildeo contempladas No entanto estas teorias vatildeo se contrapor agraves teorias do
jusnaturalismo e do contratualismo Segundo Correcirca (1999)
Para o positivismo juriacutedico (positivismo normativista de Kelsen) bem como para a Escola da Exegese e a Escola Histoacuterica o que vale eacute o ensino dogmaacutetico - as normas (exclue-se a anaacutelise interdisciplinar entre outras aacutereas principalmente com as Ciecircncias Sociais) A lei eacute a uacutenica fonte do direito Para essas escolas a cidadania eacute negada
Mais proacuteximo de noacutes no seacuteculo XX T A Marshall foi quem primeiro
discutiu o conceito de cidadania e suas dimensotildees no ensaio claacutessico ldquoCidadania e
classe socialrdquo Ainda hoje depois de mais de seis deacutecadas apoacutes a sua publicaccedilatildeo
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(em 1949) o ensaio de Marshall continua a ser a referecircncia teoacuterica fundamental
para quem comeccedila a refletir sobre a cidadania na sociedade contemporacircnea eacute o
que se pode constatar de resto atraveacutes da consulta a mais recente bibliografia
dedicada a esse tema
Os Direitos Civis dentro da tradiccedilatildeo apresentada por Marshall estatildeo
ligados aos direitos fundamentais do homem como o direito agrave vida agrave liberdade agrave
propriedade e agrave igualdade perante a lei Jaacute os Direitos Poliacuteticos se referem agrave
participaccedilatildeo do cidadatildeo no governo da sociedade Seu exerciacutecio eacute limitado a uma
reduzida parcela da populaccedilatildeo e consiste na capacidade de fazer demonstraccedilotildees
poliacuteticas formar e participar de agremiaccedilotildees poliacuteticas organizar partidos votar e ser
votado Em geral quando se fala de direitos poliacuteticos
Eacute do direito do voto que se estaacute falando Por fim aparecem os Direitos Sociais que garantem a participaccedilatildeo no governo da sociedade e na riqueza coletiva Eles incluem o direito agrave educaccedilatildeo ao trabalho ao salaacuterio justo agrave sauacutede e agrave aposentadoria (CARVALHO 2002)
Eacute a soma desses direitos (civis poliacuteticos e sociais) que garantem a
emancipaccedilatildeo humana e a justiccedila social Certamente Marshall descreveu a evoluccedilatildeo
da cidadania em seu paiacutes de origem ou seja a Inglaterra Foi nesse paiacutes que
surgiram inicialmente os direitos civis no seacuteculo XVIII depois vieram os direitos
poliacuteticos (XIX) e por fim os direitos sociais (XX) Trata-se portanto de verdadeiras
conquistas da contemporaneidade E como tal fazem parte de um cotidiano em que
homens e mulheres lutam por dias melhores pelo Direito justo por uma cidadania
plena e eficaz por uma convivecircncia equilibrada pela existecircncia plena daqueles que
acreditam e defendem os valores por traacutes da dignidade da pessoa humana
12 A construccedilatildeo da cidadania
A Cidadania natildeo pode ser vista como um conceito estaacutetico pois ela natildeo se
resume somente em participaccedilatildeo atraveacutes de eleiccedilotildees mas sim como uma
construccedilatildeo da democracia politizada e participativa da construccedilatildeo do poder
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Nas uacuteltimas deacutecadas o Brasil passou por significativas mudanccedilas de
paradigmas dentre os quais podemos citar a reconstruccedilatildeo do conceito proposto de
cidadania Pode-se dizer que apesar das inuacutemeras desigualdades socioeconocircmicas
o termo ldquocidadaniardquo evoluiu ampliando-se a abrangecircncia de sua concepccedilatildeo
abarcando todas as categorias sociais Para tanto para que possamos compreender
como vem se dando essa evoluccedilatildeo eacute preciso que conheccedilamos como tem se dado a
construccedilatildeo histoacuterica da representaccedilatildeo simboacutelica da cidadania
Durante toda a sua evoluccedilatildeo histoacuterica a palavra cidadania e as vaacuterias facetas
que ela assumiu nas uacuteltimas deacutecadas vecircm convivendo de perto com dissensotildees
sociais interesses e conflitos ideoloacutegicos culturais e poliacuteticos que se dedicam a
defender ou construir um modelo de cidadania compatiacutevel com as conjunturas de
cada tempo e de cada lugar
A marcha da cidadania sempre esteve ligada a avanccedilos retrocessos crises e
vitoacuterias enfim a iniciativas voltadas para a implantaccedilatildeo de uma estrateacutegia de luta
pelos direitos humanos pois ela esteve e estaacute em permanente construccedilatildeo eacute como
dizem os grandes teoacutericos um referencial de conquista da humanidade atraveacutes
daqueles que sempre lutaram e lutam por mais direitos mais liberdade melhores
garantias sejam elas individuais ou coletivas e natildeo se conformam frente agraves
dominaccedilotildees arrogantes de um pequeno grupo dominador e opressor contra uma
maioria desassistida e que natildeo se consegue fazer ouvir exatamente porque se lhe
nega a cidadania plena cuja conquista ainda que tardia natildeo seraacute obstada
Os caminhos trilhados pelos que defendem a cidadania podem vir a
apresentar em termos de sentimento constitucional a luta por um Estado
Democraacutetico de Direito que ajude na construccedilatildeo de uma adequada compreensatildeo
das situaccedilotildees de conjuntura e dos problemas estruturais que a sociedade enfrenta
dia apoacutes dia situaccedilotildees essas que se congregam para gerar a falta de efetividade
normativa da nossa Constituiccedilatildeo Aleacutem disso oferecem um amplo panorama acerca
dos esforccedilos que os povos empreenderam para fundar os alicerces das democracias
constitucionais do mundo moderno
A histoacuteria da construccedilatildeo da cidadania eacute uma histoacuteria de resistecircncias de povos
contra as opressotildees dos governos do desespero e das necessidades das massas eacute
a histoacuteria da esperanccedila e do empenho das naccedilotildees a histoacuteria da convivecircncia das
paixotildees humanas do futuro das geraccedilotildees eacute a histoacuteria do sofrimento e da dor eacute a
histoacuteria das vicissitudes e dramas do proacuteprio fenocircmeno humano
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13 Cidadania um fenocircmeno cultural
A cidadania eacute um fenocircmeno cultural relacionada com a conquista de direitos
com as construccedilotildees das instituiccedilotildees com a proteccedilatildeo dos direitos fundamentais e
dos valores juriacutedicos e humanos Trata-se de uma realidade cultural cuja finalidade eacute
determinar o modo como agraves pessoas devem vincular-se agraves mudanccedilas nas estruturas
sociais determinando o modo como agraves pessoas devem atuar e (com) viver em
sociedade
De certo modo a cidadania como o Direito e todos os direitos representa uma
conquista da cultura frente agrave conflitiva natureza humana Tal conclusatildeo ajuda a
compreender o Estado Democraacutetico de Direito e tudo aquilo que ele simboliza em
termos de emancipaccedilatildeo da pessoa humana Nessa linha a necessidade de
compreender o conceito atual de cidadania agrave luz das questotildees culturais e sociais
postas pela sociedade poacutes-moderna veio-nos como heranccedila do processo cultural de
formaccedilatildeo das democracias modernas
Essa representaccedilatildeo cultural da cidadania vem sendo tratada pelos
pensadores modernos sob vaacuterios enfoques Num primeiro momento surge assim
por exemplo a cidadania civil que marcou a superaccedilatildeo da situaccedilatildeo observada na
Idade Meacutedia garantindo os direitos quanto agrave liberdade e agrave justiccedila e vinculando-se
diretamente agrave burguesia Jaacute a cidadania poliacutetica surgiu com a universalizaccedilatildeo de seu
proacuteprio conceito e com a ampliaccedilatildeo dos direitos civis Esta nova consciecircncia sobre
as diferenccedilas no interior do status de cidadatildeo acentua os debates sobre a exclusatildeo
social os direitos humanos e mesmo sobre a atuaccedilatildeo poliacutetica da sociedade civil Por
outro lado no atual estaacutegio do capitalismo falar em cidadania significar considerar
igualmente as proacuteprias mudanccedilas ocorridas na sociedade nos valores e na
educaccedilatildeo proporcionados pelas inovaccedilotildees da realidade tecnocientifica
Temos desse modo associado ao atual conceito de cidadania um repertoacuterio
teoacuterico e mesmo praacutetico cuja amplitude acompanha o proacuteprio desenvolvimento das
sociedades poacutes-modernas dando a impressatildeo crescente como afirma Harvey
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De uma poderosa configuraccedilatildeo de novos sentimentos e pensamentos Que parecia a caminho de desenvolvimento social e poliacutetico apenas em virtude da maneira como definia padrotildees de criacutetica social e de praacutetica poliacutetica Em anos recentes ele vem determinando os padrotildees de debate definindo o modo do lsquodiscursorsquo e estabelecendo paracircmetros para a criacutetica cultural poliacutetica e cultural (1992)
Contudo a extensatildeo desses direitos agrave totalidade da populaccedilatildeo natildeo
possibilitou a garantia da liberdade e da igualdade idealizadas por Rousseau em sua
obra ldquoO Contrato Socialrdquo Por outro lado pode-se dizer que todos esses anos de
desenvolvimento acabaram por afirmar que a cidadania de fato soacute pode se constituir
por meio de acirrada luta cotidiana por direitos e pela garantia daqueles que jaacute
existem
Mais do que isso nota-se maior preocupaccedilatildeo com a difusatildeo desses direitos
seja por meio de educaccedilatildeo formal seja pelos meios de comunicaccedilatildeo Livros
didaacuteticos e paradidaacuteticos tecircm fomentado a discussatildeo sobre o status de cidadatildeo e os
direitos humanos outros associam ao desenvolvimento da cidadania uma
discussatildeo sobre os meios de comunicaccedilatildeo e o proacuteprio capitalismo como afirma o
professor Dalmo de Abreu Dallari em Cidadania e Direitos Humanos (1998)
Nessa perspectiva problemas recorrentes como as violaccedilotildees dos direitos
humanos as ineficiecircncias no campo social e o processo de pauperizaccedilatildeo
manifestado na periferia do capitalismo mostram que a cidadania exige mais do que
o simples ato de votar ou de pertencer a uma sociedade poliacutetica Cabe portanto agrave
sociedade civil caraacuteter representativo que substitua as pressotildees ou mesmo a
atuaccedilatildeo legiacutetima dos cidadatildeos
A evoluccedilatildeo da cidadania portanto consiste na lenta construccedilatildeo da
democracia que sintetiza os esforccedilos para a obtenccedilatildeo das prerrogativas ideoloacutegicas
e culturais que tecircm levado os membros da sociedade a decidirem acerca da
realidade que os cercam
14 Cidadania no Brasil breves consideraccedilotildees
Discorrer sobre a construccedilatildeo da cidadania no Brasil eacute tocar num ponto
crucial da nossa histoacuteria Passados mais de 500 anos da chegada dos portugueses
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por estas paragens percebe-se que a consolidaccedilatildeo da cidadania ainda eacute um desafio
para todos os brasileiros
O tema cidadania muito se tem discutido na academia e fora dela o jargatildeo
da cidadania estaacute na moda nas instituiccedilotildees poliacuteticas e juriacutedicas como tambeacutem na
opiniatildeo puacuteblica mas concretamente eacute um conceito ainda a ser construiacutedo
No contexto histoacuterico-cultural e poliacutetico dos gregos especificamente por
volta do ano 380 aC (periacuteodo do apogeu daquela civilizaccedilatildeo) embora a cidadania
fosse limitada a uma parcela social minoritaacuteria pode-se afirmar que tanto a
democracia quanto a cidadania grega natildeo deixam de ser conquistas ineacuteditas e
avanccedilos significativos para a histoacuteria ocidental Jaacute a evoluccedilatildeo e a real consolidaccedilatildeo
da cidadania na modernidade nascem a partir dos direitos naturais (vida
propriedade liberdade) do homem liberal burguecircs garantido pelas consecutivas
ldquoDeclaraccedilotildees de Direitosrdquo elaboradas a partir das revoluccedilotildees liberais na Inglaterra
(Revoluccedilatildeo Gloriosa 1688-89) Estados Unidos (Emancipaccedilatildeo poliacutetica 1776) Franccedila
(Revoluccedilatildeo Francesa)
No entanto pode-se dizer que o nosso paiacutes apesar da influecircncia dos paiacuteses
europeus vivenciou como ainda vivencia uma difiacutecil construccedilatildeo da cidadania
A longa histoacuteria do Brasil vem elencando razotildees profundas para a nossa
natildeo-cidadania atual a exemplo da conquista (ou invasatildeo) do nosso territoacuterio o
grande latifuacutendio a escravidatildeo a monocultura de exportaccedilatildeo o analfabetismo a
perpetuaccedilatildeo das elites poliacuteticas no poder fatores que refletem nos viacutecios da vida
social cultural poliacutetica e econocircmica do paiacutes
Fundamentalmente eacute preciso afirmar que no Brasil a construccedilatildeo da
cidadania natildeo seguiu a loacutegica da trajetoacuteria inglesa Houve no Brasil segundo
Carvalho (2002) pelo menos duas diferenccedilas importantes
A primeira refere-se agrave maior ecircnfase em um dos direitos o social em relaccedilatildeo aos outros a segunda refere-se agrave alteraccedilatildeo na sequecircncia em que os direitos foram adquiridos entre noacutes o social precedeu os outros
Uma das razotildees fundamentais das dificuldades da construccedilatildeo da cidadania
estaacute ligada como nos diz Carvalho ao ldquopeso do passadordquo mais especificamente ao
periacuteodo colonial (1500-1822) quando
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Os portugueses tinham construiacutedo um enorme paiacutes dotado de unidade territorial linguiacutestica cultural e religiosa Mas tinham deixado uma populaccedilatildeo analfabeta uma sociedade escravocrata uma economia monocultora e latifundiaacuteria um Estado Absolutista (CARVALHO 2002)
Em suma foram 322 anos sem poder puacuteblico sem Estado sem naccedilatildeo e
cidadania Diante de tatildeo obscuro cenaacuterio de dominaccedilatildeo opressatildeo dentre outras
formas de natildeo efetivaccedilatildeo da cidadania no Brasil podemos elencar dentre outros
tantos fatores quais foram os principais obstaacuteculos para a construccedilatildeo da cidadania
brasileira O latifuacutendio agro-exportador do periacuteodo colonial bem como o escravismo
o analfabetismo marcaram negativamente nossas origens e ateacute hoje dificultam
avanccedilos no acircmbito poliacutetico-social e econocircmico Aleacutem dessas outras razotildees foram e
continuam sendo entraves para a consolidaccedilatildeo das instituiccedilotildees poliacutetica que
impedem os avanccedilos necessaacuterios para uma cidadania plena Na ordem poliacutetica
permanecem ainda algumas mazelas histoacutericas como o patrimonialismo
(promiscuidade entre o puacuteblico e o privado) o coronelismo com sua nova roupagem
o clientelismo aleacutem da corrupccedilatildeo entre outros
Mesmo diante de tatildeo vergonhoso cenaacuterio natildeo podemos nos dispensar que
tambeacutem alcanccedilamos mesmo que de forma tiacutemida significativas conquistas de
direitos no Brasil comparadas com outros paiacuteses que vivenciaram um processo de
colonizaccedilatildeo semelhante ao nosso A conquista desses direitos deu-se de maneira
tardia e inversa haja vista que somente em 1824 mais de 320 anos apoacutes a chegada
dos portugueses foi que surgiram os primeiros direitos civis e poliacuteticos (antes disso
estaacutevamos submetidos agrave lei da coroa portuguesa) Aos poucos surgiram os direitos
sociais mas exatamente no momento em que os direitos civis e poliacuteticos estavam
sendo negados no periacuteodo da ditadura de Vargas (1937-45) e na ditadura militar
(1964-1985) Parece um paradoxo mas foi exatamente nesse periacuteodo de
conturbaccedilotildees poliacuteticas que marchamos em direccedilatildeo agrave conquista de significativos
direitos que iriam projetar uma ideia de lutas e vitoacuterias que se projetariam no campo
da cidadania de modo bastante concreto
Por fim haveremos de concordar com Benevides (1994) ao afirmar que no
intuito de reverter agrave realidade poliacutetico-social excludente ou de uma cidadania
passiva ou sem ldquopovordquo eacute necessaacuterio recorrer agrave defesa de mecanismos institucionais
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como o referendo o plebiscito e a iniciativa popular para a construccedilatildeo do que ela
chama de uma cidadania ativa ou democracia semidireta Alguns autores veem
dificuldades na implementaccedilatildeo desse sistema em paiacuteses que estatildeo em processo de
democratizaccedilatildeo no entanto logo em seguida apontam para a educaccedilatildeo poliacutetica ndash
entendida como educaccedilatildeo para a cidadania ativa
Desse modo pode-se proferir que todos esses anos de desenvolvimento
acabaram por afirmar que a cidadania de fato soacute pode se constituir por meio de
acirrada luta cotidiana por direitos e pela garantia daqueles que jaacute existem pois
apesar da existecircncia de profundas desigualdades sociais a ideia de cidadania
evoluiu com o passar dos anos Ampliou-se a abrangecircncia de sua concepccedilatildeo
abraccedilando todas as classes sociais e minorias Deixou de restringir-se apenas agrave
participaccedilatildeo poliacutetica para relacionar uma seacuterie de deveres da sociedade para com o
cidadatildeo Na praacutetica ainda haacute muito que se fazer para que direitos e deveres sejam
os mesmos para todos No entanto a busca pela realizaccedilatildeo da maacutexima ldquocada
homem um votordquo continua a ser perseguida
A luta pela conquista plena da cidadania eacute parte integrante da democracia
uma vez que assegura a continuidade das transformaccedilotildees juriacutedicas poliacuteticas entre
outras Natildeo resta duacutevida acerca do papel estruturante que essa luta desempenha no
quadro das democracias contemporacircneas fato que a converte em uma irresistiacutevel
conquista da modernidade O caraacuteter estruturante que a cidadania projeta nos
quadros da democracia atual estaacute ligado a permanente busca de um Estado
compatiacutevel com a realidade de cada tempo histoacuterico
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CAPIacuteTULO 2 - CIDADANIA Agrave LUZ DA CONSTITUICcedilAtildeO FEDERAL DE
1988
A Constituiccedilatildeo eacute a ordem juriacutedica fundamental da comunidade nas palavras
de Konrad Hesse (apud PALU 2001) eacute um documento juriacutedico e poliacutetico dirigido aos
cidadatildeos e estes satildeo os seus primeiros destinataacuterios A Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica eacute
a Lei fundamental composta por um conjunto de normas baacutesicas que compotildeem a
estrutura juriacutedica poliacutetica social e econocircmica de um paiacutes Essa eacute razatildeo pela qual
ela eacute chamada de Carta Magna pois a ela nada se sobrepotildee Para Dallari (1985) a
Constituiccedilatildeo
[] eacute a declaraccedilatildeo da vontade poliacutetica de um povo feita de modo solene por meio de uma lei que eacute superior a todas as outras que visando agrave proteccedilatildeo da dignidade humana estabelece os direitos e as responsabilidades fundamentais dos indiviacuteduos dos grupos sociais do povo e do governo
Desta forma uma Constituiccedilatildeo natildeo surge do nada ela eacute resultado de
observaccedilotildees e experiecircncias e sua finalidade eacute de afirmar e garantir os direitos
elementares das pessoas humanas disciplinar o uso ao mesmo tempo em que
evita o abuso de poder organizando de forma racional a sociedade e o governo
Satildeo inegaacuteveis as inovaccedilotildees teacutecnicas trazidas pela Constituiccedilatildeo Brasileira de
1988 no campo da instituiccedilatildeo garantia e proteccedilatildeo dos direitos fundamentais A
dignidade da pessoa humana e o exerciacutecio da cidadania satildeo considerados princiacutepios
fundamentais da Carta Magna Brasileira de 1988
Cidadania direito a ter direitos na acepccedilatildeo de Haberle ( apud VALADEacuteS
2009) refere-se a todos os direitos previstos na Constituiccedilatildeo de 1988 e ainda
aqueles natildeo expressos mas decorrentes do regime e dos princiacutepios por ela
adotados na dicccedilatildeo do sect 2deg art 5deg
O princiacutepio fundamental da cidadania conforme jaacute exposto impregna todo o
texto constitucional vigente a partir do art 1deg II em que figura de forma
24
exponencial relativamente ao Estado brasileiro e tudo que lhe corresponda no
exerciacutecio de um poder que adquire significaccedilatildeo renovada e amplificada na
sociedade contemporacircnea Segundo Arendt
A cidadania eacute o direito a ter direitos pois a igualdade em dignidade e direitos dos seres humanos natildeo eacute um dado Eacute um construiacutedo da convivecircncia coletiva que requer o acesso ao espaccedilo puacuteblico Eacute este acesso ao espaccedilo puacuteblico que permite a construccedilatildeo de um mundo comum atraveacutes do processo de asserccedilatildeo dos direitos humanos
Nesse diapasatildeo o direito a ter direitos compreende o pleno acesso ao
espaccedilo puacuteblico o efetivo exerciacutecio do poder poliacutetico das prerrogativas inerentes agrave
cidadania conforme explicita a Constituiccedilatildeo no art 5deg LXXI a propoacutesito do
mandado de injunccedilatildeo no dizer todo direito atribuiacutedo com o caraacuteter de exclusividade
agrave pessoa
21 Estado Democraacutetico de Direito espaccedilo de cidadania
Apoacutes a eacutepoca de grandes restriccedilotildees militares o ato de promulgaccedilatildeo da
Constituiccedilatildeo Federal em 05 de outubro de 1988 vem marcar uma nova fase de
esperanccedila para os brasileiros Ao batizaacute-la de Constituiccedilatildeo cidadatilde a Assembleia
Nacional Constituinte atraveacutes de seu presidente o Deputado Ulisses Guimaratildees
resumiu o espiacuterito do texto constitucional assegurar aos brasileiros direitos sociais
essenciais ao exerciacutecio da cidadania e estabelecer mecanismos para garantir o
cumprimento de tais direitos
O que se viu a partir de entatildeo foi uma lenta poreacutem significativa mudanccedila na
sociedade brasileira A Constituiccedilatildeo Federal que eacute sem duacutevidas um marco na
histoacuteria do paiacutes traccedila a prioridade dada pelos constituintes aos direitos dos
brasileiros que pode ser observada em todas as questotildees
A Carta faz uma ampliaccedilatildeo dos direitos individuais sociais e poliacuteticos e como
se observa a inserccedilatildeo dos direitos sociais como segundo tiacutetulo revela a primazia
que o constituinte quis daacute a estes direitos em detrimento de todos os outros
incluindo os referentes agrave organizaccedilatildeo do Estado e dos Poderes que vecircm depois
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Ao contraacuterio do que ocorreu com as Constituiccedilotildees anteriores esse
ordenamento dos capiacutetulos parece revelar que a Carta eacute o prenuacutencio de um paiacutes em
que os direitos dos cidadatildeos formam a base do ordenamento do Estado Essa ideia
foi expressa pelo presidente da Assembleacuteia Constituinte deputado Ulysses
Guimaratildees que voltamos a citar quando anunciou
Diferentemente das sete constituiccedilotildees anteriores esta comeccedila com o homem De modo gratificante testemunha a primazia do homem que foi escrita para o homem que o homem eacute seu fim e sua esperanccedila Eacute a Constituiccedilatildeo cidadatilde
A Constituiccedilatildeo nasceu da constataccedilatildeo de que o figurino juriacutedico formulado
para o Brasil desde os primoacuterdios do Estado nacional natildeo se compatibilizava com as
necessidades dos brasileiros Houve avanccedilos na formalizaccedilatildeo da Lei Magna
especialmente no tocante aos direitos de cidadania mas estamos longe do ideal
preconizado pela carta cidadatilde O que nos leva a crer que a cidadania eacute um processo
diaacuterio e permanente de construccedilatildeo Pois natildeo basta garantir o direito eacute preciso
exercecirc-lo
A cidadania abraccedilada pela atual Constituiccedilatildeo Federal Brasileira teve seu
conteuacutedo ampliado e natildeo se restringe ao simples fato de possuir um tiacutetulo de eleitor
para votar e ser votado ela estabelece cidadania como princiacutepio fundamental da
Repuacuteblica do Brasil desta forma o conceito decorrente pode ser entendido
conforme preleciona Silva (2005) ldquocidadania estaacute aqui num sentido mais amplo do
que o de titular de direitos poliacuteticos Qualifica os participantes da vida do Estado
reconhecimento do indiviacuteduo como pessoa integrada a sociedade estatalrdquo
Tal conceito nos leva a relacionar cidadania com democracia uma vez que
optou-se pelo Estado Democraacutetico de Direito o qual assenta seus alicerces na
participaccedilatildeo popular em questotildees que envolvem a coisa puacuteblica Para Moraes
(2005) esse Estado de Direito ldquosignifica a exigecircncia de reger-se por normas
democraacuteticas com eleiccedilotildees livres perioacutedicas e pelo povo bem como o respeito das
autoridades puacuteblicas aos direitos e garantias fundamentaisrdquo
O propoacutesito da opccedilatildeo pelo Estado Democraacutetico de Direito eacute que a cidadania e
os demais direitos fundamentais fluam com plenitude talvez seja o que justifique a
denominaccedilatildeo da Carta Magna de cidadatilde pois o povo passa a atuar de forma mais
ativa na vida poliacutetica do Estado uma vez que a ele foi concedido esse poder
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A cidadania portanto soacute adquire pleno significado no mundo contemporacircneo
num Estado Democraacutetico de Direito para tanto exige um ambiente de vida e de
conviacutevio entre os homens tiacutepico e proacuteprio de um Estado Democraacutetico pois a
cidadania constitui fundamento primordial daquele Estado qual seja possibilitar aos
indiviacuteduos habitantes de um paiacutes o seu pleno desenvolvimento atraveacutes do alcance
de igual dignidade social e econocircmica
Segundo Rozicki (2005) O ambiente de vida social do Estado Democraacutetico
cujos pilares se encontram na efetividade dos direitos fundamentais da pessoa
humana em uma sociedade solidaacuteria soacute eacute possiacutevel atraveacutes da observaccedilatildeo de alguns
postulados que lhe satildeo essenciais os quais a autora denomina de pressupostos do
Estado democraacutetico de Direito
1)a valorizaccedilatildeo e atualidade da dignidade do homem e o reconhecimento da importacircncia de dispensar a todos tratamento fraternal igualitaacuterio e natildeo discriminativo 2) a confianccedila nos talentos e possibilidades latentes dos homens 3) a seguranccedila e o creacutedito nos valores institucionalizados pelas massas como fundamentos para o progresso do bem comum e o alcance da justiccedila 4) a aceitaccedilatildeo da legitimidade das decisotildees tomadas por meio de processos racionais e participativos de deliberaccedilatildeo com o consenso da maioria que constitui o reflexo o resultado de debates livres entre todos 5) o respeito aos grupos minoritaacuterios 6) e a compreensatildeo de que todo o interesse geral eacute a siacutentese dos diversos interesses e ideacuteias dos indiviacuteduos e dos grupos diferentes centros de poder que integram a sociedade pluralista
Percebe-se que o conceito amplo de cidadania encontra seus princiacutepios
baacutesicos e estruturantes nesses pressupostos intimamente ligado aos conceitos de
democracia e de igualdade No tocante ao conceito de igualdade elucidativa eacute a
liccedilatildeo de Rozicki (2005) quando afirma que
O princiacutepio de igualdade disciplina todas as atividades puacuteblicas e tem aplicaccedilatildeo direta nas relaccedilotildees privadas que ocorrem entre os particulares impondo para tornaacute-lo real a proibiccedilatildeo de discriminaccedilotildees e a eliminaccedilatildeo das desigualdades faacuteticas nos planos social e econocircmico proporcionando a todos os cidadatildeos igual condiccedilatildeo de vida e mesma posiccedilatildeo perante o Estado Democraacutetico
E complementa que tambeacutem para a realizaccedilatildeo da cidadania o princiacutepio
democraacutetico torna indispensaacutevel agrave participaccedilatildeo popular nas tomadas de decisatildeo No
seu entender
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A cidadania no Estado democraacutetico de direito efetivada oferece aos cidadatildeos como iguais condiccedilotildees de existecircncia o gozo atual de direitos e a obrigaccedilatildeo do cumprimento de deveres que resumidamente podem ser assim apresentados exerciacutecio de direitos fundamentais e participaccedilatildeo e os deveres de colaboraccedilatildeo e solidariedade (Rozicki 2005)
Natildeo obstante eacute vaacutelido ressaltar um princiacutepio igualmente importante e deveras
esquecido a fraternidade Este princiacutepio que eacute um dos trecircs pilares da Revoluccedilatildeo
Francesa eacute pouco discutido apesar de assumir um papel decisivo na consolidaccedilatildeo
da democracia da politica e do poder
A fraternidade eacute necessaacuteria para o estabelecimento de uma comunidade
politicamente solidaacuteria com indiviacuteduos iguais e livres
Para finalmente concebermos um Estado Democraacutetico de Direito que trate os
iguais na medida de suas desigualdades
22 Os direitos fundamentais como pressupostos de identidade da cidadania
Os direitos fundamentais vistos como um dos traccedilos mais marcante do
constitucionalismo moderno consistem no resultado da luta dos homens por um
direito ideal justo e humano representam situaccedilotildees reconhecidas juridicamente
sem as quais o homem eacute incapaz de alcanccedilar sua proacutepria realizaccedilatildeo e
desenvolvimento plenamente daiacute dizer-se que o princiacutepio preponderante que
condensa os direitos fundamentais eacute o da dignidade da pessoa humana
Os direitos fundamentais satildeo o conjunto de normas de um ordenamento juriacutedico que formam um subsistema deste fundado na liberdade na igualdade na seguridade na solidariedade expressotildees da dignidade do homem que formam parte da norma baacutesica material de identificaccedilatildeo do ordenamento juriacutedico e constitui um setor de moralidade procedimental positivada que legitima o Estado Social de Direito (MARTINEZ apud AGRA 2002)
Tais direitos foram e vatildeo sendo aperfeiccediloados e estendidos ao longo do
tempo resta dizer que os mesmos estabelecem faculdades da pessoa humana que
permitem sua breve classificaccedilatildeo do seguinte modo 1) os direitos civis e poliacuteticos
de liberdade como por exemplo a liberdade de expressatildeo de propriedade de
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manifestaccedilatildeo do pensamento de associaccedilatildeo de imprensa de reuniatildeo de igualdade
formal perante a lei de participaccedilatildeo poliacutetica o devido processo legal o habeas
corpus o direito de peticcedilatildeo etc 2) os direitos sociais econocircmicos e culturais de
participaccedilatildeo poliacutetica tais como a igualdade de sufraacutegio o direito de voto e de
elegibilidade o direito de peticcedilatildeo e os direitos de participaccedilatildeo poliacutetica 3) os direitos
da titularidade coletiva que satildeo aqueles ligados a solidariedade e a fraternidade
como por exemplo o direito agrave preservaccedilatildeo do meio ambiente e agrave qualidade de vida
etc 4) os direitos chamados de quarta geraccedilatildeo por exemplo direito a democracia a
informaccedilatildeo ao comeacutercio eletrocircnico entre os estados etc
Natildeo existe qualquer relaccedilatildeo hieraacuterquica entre estes direitos mesmo porque
todos interagem entre si de nada servindo um sem a existecircncia dos outros Esta
divisatildeo acontece devido agrave eterna e constante busca do homem por mais proteccedilatildeo
mais garantia com o objetivo de alcanccedilar uma sociedade mais justa igualitaacuteria e
fraterna
Na evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais Agra (2002) chama a atenccedilatildeo do
relevo que adquirem a democratizaccedilatildeo da informaccedilatildeo e os mecanismos de
democracia participativa E justifica que a democratizaccedilatildeo da informaccedilatildeo natildeo se
caracteriza apenas pela existecircncia de uma miacutedia plural sem nenhum tipo de
monopoacutelio mas deve ser concebida como a obrigaccedilatildeo que todos os cidadatildeos tecircm
de tomar consciecircncia dos graves problemas que afligem a humanidade e que os
mecanismos da democracia participativa concebem a cidadania em extensatildeo muito
superior ao voto abrangendo a interferecircncia direta do cidadatildeo nas decisotildees
governamentais mediante vaacuterios mecanismos juriacutedicos como o plebiscito o recall o
orccedilamento participativo etc
De acordo com Silva (2005) os Direitos Fundamentais na Constituiccedilatildeo de
1988 abrangem os ldquodireitos individuais sociais poliacuteticos e tambeacutem os direitos
econocircmicos Para o autor a ampliaccedilatildeo e transformaccedilatildeo dos direitos fundamentais
do homem na histoacuteria dificultam uma definiccedilatildeo sinteacutetica do conceitordquo
Essa dificuldade aumenta diante do emprego de vaacuterias expressotildees para
designaacute-los tais como direitos naturais direitos humanos direitos do homem
direitos individuais direitos puacuteblicos subjetivos liberdades fundamentais liberdades
puacuteblicas e direitos fundamentais do homem No entanto direitos fundamentais do
homem constitui a expressatildeo mais adequada porque na palavra fundamentais
acha-se a indicaccedilatildeo de que se trata de situaccedilotildees sem as quais o indiviacuteduo natildeo tem
29
uma vida digna natildeo convive e agraves vezes nem mesmo sobrevive A expressatildeo
direitos fundamentais eacute a mais precisa no sentido de que a todos por igual devem
ser natildeo apenas formalmente reconhecidos mas concreta e materialmente
efetivados
Por sua vez a atual Corte em julgamento do habeas corpus (HC ndeg
82424RS) marca seu posicionamento no tocante ao sistema de direitos
fundamentais insculpido na Constituiccedilatildeo de 1988 atraveacutes dos profundos e bem
fundamentados votos dos Ministros que aleacutem de delimitarem a extensatildeo e os limites
da liberdade de expressatildeo (art 5o IV e IX) acabaram indicando as bases filosoacuteficas
e juriacutedicas para a interpretaccedilatildeo do cataacutelogo de direitos fundamentais da Constituiccedilatildeo
de 1988
Nesse sentido o voto do Ministro Marco Aureacutelio tratou de definir o sistema de
direitos fundamentais como a ldquoproacutepria essecircncia da Constituiccedilatildeordquo qualificando-os
como ldquovalores objetivos que servem como norte da atuaccedilatildeo estatalrdquo Assim estaacute
consignado nos fundamentos do referido voto
A Constituiccedilatildeo de 1988 representou um divisor de aacuteguas entre o antigo regime totalitaacuterio e um periacuteodo de redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes marcando dessa forma uma eacutepoca que tem como modelo de atuaccedilatildeo do Estado o respeito incondicional aos direitos fundamentais Por isso mesmo o sistema constitucional dos direitos fundamentais previsto no artigo 5o da Carta com os eventuais acreacutescimos do sect 2o reflete em rigor e em larga medida a proacutepria essecircncia da Constituiccedilatildeo e a retomada do processo de democratizaccedilatildeo e da garantia do cidadatildeo contra abusos e arbitrariedades no exerciacutecio do Poder Puacuteblico Os direitos fundamentais satildeo hoje verdadeiros princiacutepios estruturantes da organizaccedilatildeo e do funcionamento do Estado valores objetivos que servem como norte da atuaccedilatildeo estatal em seus mais diferentes niacuteveis no Legislativo formam um cataacutelogo de princiacutepios e garantias que informam e direcionam toda a atividade de criaccedilatildeo das normas de nosso ordenamento juriacutedico e de concretizaccedilatildeo dos preceitos constitucionais no Executivo mostram-se como verdadeiros limites ao exerciacutecio do poder administrativo servindo como trincheiras de proteccedilatildeo da liberdade do cidadatildeo e no judiciaacuterio refletem a base e o fundamento necessaacuterio da compreensatildeo e interpretaccedilatildeo de nossas normas ndash efeito interpretativo - evitando que a atividade jurisdicional se transforme em medidas discricionaacuterias ou providecircncias ilegiacutetimas de opccedilotildees poliacuteticas pautadas em escolhas pessoais dos juiacutezes
Tudo indica que se trata do iniacutecio de uma soacutelida construccedilatildeo jurisprudencial a
respeito do sentido axioloacutegico do sistema de direitos fundamentais da Constituiccedilatildeo
de 1988
30
Os Direitos Individuais satildeo de exerciacutecio exclusivo do indiviacuteduo e devem ser
formalmente reconhecidos e concretizados no cotidiano do cidadatildeo O indiviacuteduo aqui
eacute considerado um sujeito de direitos e natildeo apenas como integrante de um corpo
social Esses direitos natildeo podem sofrer nenhum tipo de restriccedilatildeo natildeo se
discriminando quem os pode exercer uma vez que satildeo titulares todas as pessoas
capazes incapazes brasileiras estrangeiras alfabetizadas e iletradas
A Constituiccedilatildeo Cidadatilde foi a primeira a estabelecer direitos natildeo soacute de
indiviacuteduos mas tambeacutem de grupos sociais os denominados direitos coletivos Com
isso as pessoas passaram a ser coletivamente consideradas Os direitos individuais
e coletivos estatildeo anunciados no art 5ordm em setenta e sete incisos e em dois
paraacutegrafos
Verifica-se que os Direitos Individuais tecircm como ponto marcante a liberdade
seja ela tomada de maneira global ou especiacutefica como liberdade de associaccedilatildeo de
reuniatildeo A liberdade de reuniatildeo (art 5ordm XVI) constitui-se na primeira e mais simples
liberdade corporativa estando logo apoacutes a liberdade de locomoccedilatildeo
Os Direitos Sociais tecircm como titular uma coletividade e satildeo caracterizados
pela prestaccedilatildeo de serviccedilos ou oferecimento de melhorias para a sociedade como um
todo por parte do Poder Puacuteblico Assim os Direitos Sociais tornam possiacutevel a fruiccedilatildeo
e o exerciacutecio dos Direitos Individuais pela coletividade mesmo pelos carentes
materialmente
O art 6deg define os Direitos Sociais da seguinte maneira ldquoSatildeo Direitos Sociais
a educaccedilatildeo a sauacutede o trabalho a moradia o lazer a seguranccedila a previdecircncia
social a proteccedilatildeo agrave maternidade e agrave infacircncia a assistecircncia aos desamparados na
forma desta Constituiccedilatildeordquo
Portanto eacute obrigatoacuteria ao Estado a proteccedilatildeo dos interesses da coletividade
com o atendimento dos direitos acima citados
Satildeo direitos poliacuteticos os que conferem o acesso da populaccedilatildeo agrave participaccedilatildeo
no Poder do Estado tais como os direitos de votar e ser votado do referendo
plebiscito e iniciativa popular das leis O direito democraacutetico de participaccedilatildeo dos
cidadatildeos no governo por meio de seus representantes exigiu a formaccedilatildeo de um
conjunto de normas legais permanentes que recebeu a denominaccedilatildeo de direitos
poliacuteticos Os Direitos Poliacuteticos amparam os Direitos Individuais Sociais e
Econocircmicos pois quando desaparece a democracia desaparecem imediatamente
as liberdades fundamentais
31
Com o advento da Constituiccedilatildeo de 1988 foram criadas instituiccedilotildees para
fiscalizar e controlar a atuaccedilatildeo da administraccedilatildeo puacuteblica entre as quais o Ministeacuterio
Puacuteblico que funciona como um canal de expressatildeo dos direitos da populaccedilatildeo
O Ministeacuterio Puacuteblico foi a instituiccedilatildeo que mais ganhou importacircncia no cenaacuterio
puacuteblico por ter passado a defender os interesses coletivos ou seja os interesses de
um grupo categoria ou classe e natildeo de um indiviacuteduo isolado No artigo 127 o
Ministeacuterio Puacutebico (MP) eacute definido como ldquouma instituiccedilatildeo permanente essencial agrave
funccedilatildeo jurisdicional do Estado incumbindo-lhe a defesa da ordem juriacutedica do regime
democraacutetico e dos interesses sociais e individuais indispensaacuteveisrdquo
Cabe ao Ministeacuterio Puacuteblico exigir dos poderes puacuteblicos e dos serviccedilos de
relevacircncia puacuteblica respeito aos direitos elencados na Constituiccedilatildeo promovendo as
medidas necessaacuterias agrave garantia desses direitos Portanto eacute responsaacutevel pela
garantia da ordem juriacutedica do regime democraacutetico da moralidade puacuteblica e dos
direitos sociais e individuais
23 A consagraccedilatildeo dos direitos do cidadatildeo
A Constituiccedilatildeo de 1988 eacute o coroamento da histoacuteria constitucional do Brasil por
ter sido um marco da redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes opondo-se a qualquer forma de
autoritarismo Nela a cidadania foi consagrada como um dos fundamentos da
Repuacuteblica Federativa do Brasil (art 1ordm inc II) Observe-se que o termo cidadania
encontra-se na Constituiccedilatildeo em sentido mais amplo do que o de titular de direitos
poliacuteticos pois qualifica os participantes da vida do Estado e reconhece o indiviacuteduo
como pessoa integrada na sociedade estatal
Essa nova concepccedilatildeo de cidadania introduzida pela Constituiccedilatildeo Federal de
1988 eacute fruto da internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos e como marco principal da
institucionalizaccedilatildeo erigiu em seu artigo primeiro a dignidade da pessoa humana (inc
III) e a cidadania (incII) a princiacutepio fundamental
Institui com o princiacutepio da cidadania uma nova compreensatildeo acerca dos
direitos de deveres da pessoa elevado-o a status maacuteximo a regra-matriz que natildeo
pode ser desrespeitada pois os fundamentos constituem a essecircncia da Repuacuteblica
32
Federativa e servem como regra-matriz para a elaboraccedilatildeo interpretaccedilatildeo e
integraccedilatildeo do sistema juriacutedico nacional
Violar um princiacutepio eacute muito grave que transgredir uma norma qualquer A desatenccedilatildeo ao principio implica ofensa natildeo apenas a um especifico mandamento obrigatoacuterio mas a todo o sistema de comandos Eacute a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade representa insurgecircncia contra todo o sistema subversatildeo de valores fundamentais (MELLO apud CHIMENTI 2005 P 33)
Para Silva (2004) cidadania eacute discriminada como princiacutepio relativo ao regime
poliacutetico Dessa forma compreendida cidadania como princiacutepio fundamental eacute o
direito de participar dos destinos do Estado e mais usufruir dos direitos civis
fundamentais previstos na Constituiccedilatildeo
Muitos doutrinadores utilizam cidadania no mesmo sentido de nacionalidade
(Art 12 da Constituiccedilatildeo Federal) e de direitos poliacuteticos (Art 14) Em alguns outros
dispositivos a palavra cidadania (ou cidadatildeo) poderia ainda ter a significaccedilatildeo de
direitos poliacuteticos mas mesmo assim de forma impliacutecita a exemplo dos arts 22 XIII
e 5ordm LXXIII No primeiro se lecirc que compete agrave Uniatildeo legislar sobre nacionalidade
cidadania e naturalizaccedilatildeo e no segundo que qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima
para propor accedilatildeo popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de
entidade de que o Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e
ao patrimocircnio histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de
custas judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia No entanto conforme Mazzuoli (2002)
Observe-se que a Carta de 1988 ao tratar no seu art 14 dos direitos poliacuteticos natildeo se refere sequer em um momento agrave expressatildeo cidadania dizendo apenas que a soberania popular seraacute exercida pelo sufraacutegio universal e pelo voto direito e secreto com valor igual para todos (hellip) Pelo contraacuterio a Constituiccedilatildeo faz uma separaccedilatildeo entre cidadania e direitos poliacuteticos quando no seu art 68 sect 1ordm II ao tratar das leis delegadas exclui do acircmbito da delegaccedilatildeo legislativa a nacionalidade cidadania direitos individuais poliacuteticos e eleitorais
A Constituiccedilatildeo brasileira de 1988 com a transiccedilatildeo para o regime democraacutetico
consagrou expressamente esta nova concepccedilatildeo de cidadania como se depreende
da leitura de vaacuterios dos seus dispositivos
Foi nesse sentido que pioneiramente estatuiu a Carta de 1988 em seu art
1ordm que a Repuacuteblica Federativa do Brasil formada pela uniatildeo indissoluacutevel dos
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Estados e Municiacutepios e do Distrito Federal constitui-se em Estado Democraacutetico de
Direito e tem como fundamentos dentre outros a cidadania (inc II) Como jaacute
mencionado
Na mesma esteira o disposto no art 5ordm incisos LXXI (conceder-se-aacute
mandado de injunccedilatildeo sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviaacutevel o
exerciacutecio dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes agrave
nacionalidade agrave soberania e agrave cidadania) e LXXVII (satildeo gratuitas as accedilotildees de
habeas-corpus e habeas-data e na forma da lei os atos necessaacuterios ao exerciacutecio
da cidadania) No seu Tiacutetulo VIII Capiacutetulo II Seccedilatildeo I a Carta Magna de 1988
dispotildee ainda que a
Educaccedilatildeo direito de todos e dever do Estado e da famiacutelia seraacute promovida e incentivada com a colaboraccedilatildeo da sociedade visando ao pleno desenvolvimento da pessoa seu preparo para o exerciacutecio da cidadania e sua qualificaccedilatildeo para o trabalho (art 205)
Outro dispositivo em que fica bastante marcada esta nova concepccedilatildeo de
cidadania eacute o art 64 do Ato das Disposiccedilotildees Constitucionais Transitoacuterias que
dispotildee
A Imprensa Nacional e demais graacuteficas da Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios da administraccedilatildeo direta ou indireta inclusive fundaccedilotildees instituiacutedas e mantidas pelo Poder Puacuteblico promoveratildeo ediccedilatildeo popular do texto integral da Constituiccedilatildeo que seraacute posta agrave disposiccedilatildeo das escolas e dos cartoacuterios dos sindicatos dos quarteacuteis das igrejas e de outras instituiccedilotildees representativas da comunidade gratuitamente de modo que cada cidadatildeo brasileiro possa receber do Estado um exemplar da Constituiccedilatildeo do Brasil
Enfim a Constituiccedilatildeo de 1988 enriqueceu e ampliou os conceitos de cidadatildeo
e cidadania Seu entendimento agora como leciona Silva (2005)
Decorre da ideia de Constituiccedilatildeo dirigente que natildeo eacute apenas um repositoacuterio de programas vagos a serem cumpridos mas constitui um sistema de previsatildeo de direitos sociais mais ou menos eficazes em torno dos quais eacute que se vem construindo a nova ideacuteia de cidadania
De forma que natildeo mais se trata de considerar a cidadania como simples
qualidade de gozar direitos poliacuteticos mas sim de aferir-lhe um nuacutecleo miacutenimo e
irredutiacutevel de direitos (fundamentais) que devem se impor obrigatoriamente agrave accedilatildeo
dos poderes puacuteblicos
34
O ordenamento juriacutedico brasileiro consagrou aleacutem dos institutos jaacute
mencionados alguns outros mecanismos de defesa dos direitos e garantias
constitucionais da cidadania como a accedilatildeo civil puacuteblica regulada pela Lei nordm
734785 e accedilatildeo direta de inconstitucionalidade prevista no incIV do art 129 da
Constituiccedilatildeo Federal O Coacutedigo de Defesa do Consumidor o Estatuto da Crianccedila e
do Adolescente e ateacute mesmo o princiacutepio do devido processo legal que resguarda ao
cidadatildeo o acesso agrave justiccedila e direito de ser acionado judicialmente por meio de
procedimentos legais satildeo mecanismos de defesa dos direitos de cidadania
previstos constitucionalmente e garantidos na esfera poliacutetica civil e social
Pode-se observar que a cidadania comeccedilou a ser construiacuteda como resultado
de um processo de luta a partir da conscientizaccedilatildeo dos direitos e deveres do
homem Como vimos a cidadania jaacute em praacutetica em muitos paiacuteses adquire no
Brasil com a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 um novo sentido qual seja o
pressuposto do exerciacutecio pleno de um sistema de direitos e garantias
35
CAPIacuteTULO 3 - CIDADANIA COMO MECANISMO DE
TRANSFORMACcedilAtildeO SOCIAL
No momento em que a cidadania alccedila voos constitucionais e insere-se na
Carta Poliacutetica da Repuacuteblica Federativa do Brasil inicia-se o processo de
redemocratizaccedilatildeo e ganha relevo o cidadatildeo agente deste processo que tem em
suas matildeos a tarefa da construccedilatildeo de um novo tempo
Historicamente a ideia de cidadatildeo conotava o habitante da cidade ndash o
citadino ndash firma-se entatildeo tal conotaccedilatildeo na Antiguumlidade claacutessica para depois
significar aquele indiviacuteduo a quem se atribuem os direitos poliacuteticos Superada essa
acepccedilatildeo que tambeacutem vigorou nas constituiccedilotildees anteriores da Repuacuteblica do Brasil
na concepccedilatildeo moderna estaacute clara a noccedilatildeo de cidadatildeo como aquele que a quem
consiste a titularidade de direitos individuais poliacuteticos e sociais Noccedilatildeo esta
edificada com a internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos que amplia a acepccedilatildeo do
termo declarando que satildeo cidadatildeos todo aquele que habita o acircmbito da soberania
de um Estado e deste Estado recebem uma carga de direitos e tambeacutem deveres dos
mais variados
Desta forma a noccedilatildeo contemporacircnea de cidadania funda-se na dicotomia
direitos (exerciacutecios de direitos fundamentais - participaccedilatildeo) e deveres (colaboraccedilatildeo -
solidariedade) Ao lado dos direitos foram estabelecidos deveres fundamentais e
portanto tanto agentes puacuteblicos como os indiviacuteduos tecircm obrigaccedilotildees especiacuteficas
inclusive a de respeitar os direitos das demais pessoas que vivem na ordem social
sendo e promovendo mecanismos de transformaccedilatildeo social que visam uma nova
sociedade baseada na igualdade e na justiccedila
36
31 O ser cidadatildeo
Os termos indiviacuteduo ser humano pessoa e cidadatildeo satildeo geralmente tomados
como sinocircnimo o que certamente influi na proliferaccedilatildeo de incontaacuteveis significados e
ampliaccedilatildeo do termo cidadatildeo Poreacutem estas palavras apesar de se assemelharem
possuem carga semacircntica proacutepria e da compreensatildeo exata de cada uma decorre a
conceituaccedilatildeo mais acentuada da acepccedilatildeo do termo cidadatildeo como titular de direitos
e deveres resguardados pela constituiccedilatildeo paacutetria
Desta forma indiviacuteduo eacute um representante da espeacutecie aquele que eacute uacutenico
Enquanto ser humano eacute um termo mais geneacuterico ou indeterminado que diz respeito
agrave espeacutecie agrave classificaccedilatildeo ao mundo zooloacutegico Pessoa por sua vez eacute um termo
mais especiacutefico que tem a ver com o mundo civilizado ou se preferirmos com a
constelaccedilatildeo dos valores morais eacuteticos e juriacutedicos proacuteprios da civilizaccedilatildeo
A etimologia da palavra pessoa demonstra que eacute um conceito sobreposto ao conceito de Ser Humano Um refratildeo de origem juriacutedica tambeacutem nos lembra do homo plures pessoa polimorfa o ser humano capaz de desempenhar muitos papeacuteis um mesmo ser humano eacute empresaacuterio e delinquumlente eacute pai e metaluacutergico etc Persona (personagem) era a maacutescara que usavam os atores da trageacutedia grega para desempenhar seu papel Cabe portanto entender o conceito de Ser Humano ao lado do conceito de Pessoa No direito romano antigo os escravos eram seres humanos (homens) mas natildeo eram consideradas pessoas (patriacutecios) Os juristas romanos que usavam o conceito de Ser Humano o dissociavam do conceito de pessoas (CUNHA 2007)
O Ser Humano recebe uma distinccedilatildeo importante quando o consideramos
como Pessoa assim como a Pessoa recebe uma distinccedilatildeo redundante natildeo menos
importante quando a consideramos por forccedila de expressatildeo como uma pessoa
humana Subentendendo o adjetivo humano como relativo agrave eacutetica Portanto Ser
Humano natildeo eacute a mesma coisa que Pessoa como tampouco Ser Humano eacute o
mesmo que cidadatildeo este muito eacute mais proacuteximo do termo Pessoa Vejamos o quadro
ilustrativo que esquematiza e distinguem os referidos conceitos
37
QUADRO 1 ndash EVOLUCcedilAtildeO DO SER HUMANO ATEacute O CIDADAtildeO
O Ser Humano O Ser Indiviacuteduo O Ser Pessoa O Ser Cidadatildeo
A Dimensatildeo do conviacutevio social
A dimensatildeo do mercado de trabalho e
Consumo
A Dimensatildeo de encontrar-se no mundo
A dimensatildeo de intervir na realidade
O homem tornar-se Ser Humano nas relaccedilotildees
de conviacutevio social
O Ser Humano tornar-se indiviacuteduo quando
descobre seu papel e funccedilatildeo social
O Indiviacuteduo torna-se pessoa quanto toma
consciecircncia de si mesmo do outro e do
mundo
A pessoa torna-se cidadatildeo quando
interveacutem na realidade em que vive
Quem estuda o comportamento do Ser
Humano Seria a antropologia a histoacuteria
ou a sociologia
Quem estuda o comportamento do indiviacuteduo Seria a
Filosofia a sociologia ou a Psicologia
Quem estuda o comportamento da pessoa Seria a
Filosofia a sociologia ou a Psicologia
Quem estuda o comportamento do cidadatildeo Seria a
Sociologia a Filosofia ou As ciecircncias
poliacuteticas
Quem garante os direitos do Ser
Humano A Declaraccedilatildeo Universal
dos Direitos Humanos
Quem garante os Direitos do
Consumidor O Coacutedigo do Consumidor
Quem garante os Direitos da pessoa A proacutepria pessoa (amor proacuteprio ou autoestima)
Quem garante os Direitos do cidadatildeo (A Constituiccedilatildeo e suas leis
regulamentares)
Existe realmente uma natureza humana Teologicamente
afirmamos que existe a uma natureza humana
Seguindo a corrente existencialista (JP Sartre) negamos tal
natureza
Que diferenccedila existe entre o direito do
consumidor e o direito do cidadatildeo Ao
Consumidor deve ser dado o direito de
propriedade enquanto ao cidadatildeo deve ser
dado o direito de acesso
O que significa tornar-se pessoa no niacutevel
psicoloacutegico e social A pessoa eacute o indiviacuteduo que toma consciecircncia de si mesmo (ldquoTornar-
se Pessoardquo de Karl Roger)
Como podemos intervir na realidade
modificando as estruturas corruptas e injustas Quando os
direitos do cidadatildeo lhe satildeo oferecidos e o
mesmo passa a exercecirc-lo haacute
modificaccedilatildeo de comportamento
(ROSAS 2009)
O cidadatildeo eacute portanto aquele indiviacuteduo a quem a Constituiccedilatildeo confere direitos
e garantias e lhe daacute o poder do seu efetivo exerciacutecio aleacutem de meios processuais
eficientes contra a violaccedilatildeo de seu gozo ou fruiccedilatildeo por parte do poder puacuteblico
Sendo assim
A passagem do indiviacuteduo a cidadatildeo caracteriza-se pelo reconhecimento pela lei de direitos considerados fundamentais agrave realizaccedilatildeo da vida do homem como indiviacuteduo e ser social membro de uma comunidade poliacutetica e a garantia desses direitos pela forccedila comum de todos (CUNHA 2007)
38
Nas uacuteltimas deacutecadas em alguns paiacuteses inclusive no Brasil desenvolveu-se o
conceito de cidadania calcado principalmente na questatildeo do cidadatildeo-consumidor
As pessoas passam a ser vistas como cidadatildes desde que tenham dinheiro para
adquirir mercadorias e utilizar serviccedilos Eacute certo pois que serviccedilos e mercadorias
atendem a necessidades materiais e simboacutelicas das pessoas e consumi-los eacute um
dos modos de participar da vida social criar identidade e partilhar dos bens
produzidos pela humanidade e representar-se culturalmente Contudo a cidadania
enfatizada apenas como uma relaccedilatildeo de compra e venda de mercadorias e serviccedilos
assume um conteuacutedo restrito individual conformista e voltado apenas para a
aquisiccedilatildeo de bens o que se relaciona com a ideacuteia de indiviacuteduo ou seja o consumo
atende as necessidades do indiviacuteduo
Outra forma de confusatildeo acerca do conceito de cidadatildeocidadania refere-se a
equiparaccedilatildeo feita com o assistencialismo o que configura uma acentuada inversatildeo
do termo uma vez que a praacutetica do assistencialismo natildeo propicia meios de
superaccedilatildeo das desigualdades sociais Enquanto a cidadania estaacute relacionada agrave
superaccedilatildeo das desigualdades sociais e a extensatildeo da garantia dos direitos de todos
O cidadatildeo eacute sem duacutevida uma expressatildeo que precisa ser adequadamente
utilizada e vivenciada pela coletividade compreendido na dimensatildeo do ser pessoa
de ter direitos e deveres do assumir as suas liberdades e responsabilidades no seio
de uma comunidade democraacutetica equitativa solidaacuteria e intercultural
Dessa forma ser cidadatildeo implica saber viver em sociedade estando ciente
dos anseios comuns A participaccedilatildeo ativa nas decisotildees de sua comunidade
influencia modos de vida de maneira positiva ao seu redor assim torna-se
imprescindiacutevel o exerciacutecio dos direitos constitucionais adquiridos e lutar pelos que
viratildeo eacute sobretudo estar consciente de todas as atitudes tomadas em prol da
sociedade
Eacute possiacutevel nesse espaccedilo de discussatildeo falar em ldquoestar cidadatildeordquo que eacute natildeo
praticar o exerciacutecio da cidadania em nenhuma de suas formas Implica apenas em
se deixar levar pelos acontecimentos e ainda reclamar das situaccedilotildees vividas sem
nada fazer para mudar sem nenhuma perspectiva de futuro Do que concluiacutemos que
a dinacircmica de intervir na realidade eacute pressuposto de cidadania
Ser cidadatildeo eacute tarefa que requer muito do ser humano do individuo da
pessoa Requer uma alta - estima elevada uma consciecircncia solidaacuteria uma
39
identidade que se reconheccedila na dinacircmica social interagindo com o outro ampliando
debates incitando justiccedila eacute sem duvida uma tomada de posiccedilatildeo que natildeo se
acomoda pelo contraacuterio se incomoda quando natildeo haacute comprometimento para o bem
comum
Natildeo eacute uma tarefa cocircmoda senatildeo muito complicada as pessoas natildeo nascem cidadatildeos mas fazem-se no tempo e no espaccedilo Na verdade natildeo eacute faacutecil exercer a liberdade e a cidadania ndash ser pessoa e ser cidadatildeo ndash por isso exige-se uma luta sem treacuteguas para erradicar assimetrias e exclusotildees socioculturais e criar cenaacuterios de esperanccedila realizaacuteveis fundamentados em valores e princiacutepios eacuteticos que requalifiquem a democracia com cidadatildeos participativos e
comprometidos ( SAEZ 1995)
Tem portanto como pressuposto uma mudanccedila de comportamento uma
tomada de posiccedilatildeo frente agrave dinacircmica social na qual estaacute inserido participando de
forma ativa e produtiva do processo de construccedilatildeo da cidadania por meio de seus
diversos canais
32 Emancipaccedilatildeo social atraveacutes da cidadania
Um Estado Democraacutetico eacute aquele que estaacute enraizado na legitimidade do
poder do povo e dele decorre seu exerciacutecio Assim o poder do povo eacute a expressatildeo
a aptidatildeo de homens e mulheres constituir autonomamente seu viver sem sucumbir
diante das instacircncias de poder Haacute nesse modus vivendi uma tutela das diferenccedilas e
pluralidades de formas de vida
Desta forma a cidadania eacute enfocada como o processo de participaccedilatildeo do
individuo ou de um grupo organizado nas mais variadas aacutereas de atuaccedilatildeo na
sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos sociais com a consciecircncia
da responsabilidade por sua proacutepria histoacuteria
Sendo a democracia o regime em que o povo governa sua caracteriacutestica
inarredaacutevel eacute a de ter o povo agrave frente do poder uma forma de autogoverno Em
assim sendo a cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia por meio de resultados
palpaacuteveis e medidas concretas tais como mudanccedilas na realidade de cada um com
melhoria de vida e conscientizaccedilatildeo da importacircncia na sociedade para o exerciacutecio
40
direto ou indireto desse poder pois se contentar com fato do direito estaacute prescrito
em lei natildeo eacute o bastante
Eacute certo poreacutem que o Estado democraacutetico somente se aperfeiccediloa na
proporccedilatildeo em que o povo age ativamente na medida em que os representantes
reflitam em seus atos os verdadeiros anseios populares Partindo dessa visatildeo a
cidadania eacute o grande fator de legitimaccedilatildeo do povo permitindo que ele aja em defesa
das instituiccedilotildees democraacuteticas
Sobre a participaccedilatildeo cumpre asseverar que este direito significa a
capacidade de ser consultado para as tomadas de decisatildeo que dizem respeito agrave
direccedilatildeo da sociedade em que vive o cidadatildeo este direito eacute acompanhado do
respeito aos deveres de contribuir para o progresso social e de acatar e respeitar o
resultado obtido em consulta coletiva
No elenco de mecanismo de exerciacutecio da cidadania estaacute o acesso ao direito e
a justiccedila que eacute fator preponderante para efetivar as garantias constitucionais
Assim passaremos a discorrer sobre a importacircncia de instrumentalizar o
cidadatildeo para um pleno exerciacutecio de seus direitos
Eacute Sabido que no Estado Democraacutetico Contemporacircneo os direitos
fundamentais constitucionalmente assegurados tecircm eficaacutecia imediata cumprindo ao
Estado garantir a todos os cidadatildeos o respeito a esses Direitos de modo concreto e
efetivo natildeo obstante as inuacutemeras desigualdades e condiccedilotildees adversas que
dificultam na praacutetica o seu exerciacutecio
Para o acesso ao direito o Estado deve desenvolver com eficiecircncia uma seacuterie
de atividades essenciais e dar efetividade a uma seacuterie de pressupostos Dentre eles
o principal eacute o conhecimento do Direito como fator preponderante pois o
desconhecimento da lei implica na praacutetica natildeo acionar a jurisdiccedilatildeo Um fato que
contribui para essa assertiva eacute baixa escolaridade da populaccedilatildeo e o analfabetismo
Muito pouco adianta a existecircncia de uma Constituiccedilatildeo apenas formal ou no
papel se ilegiacutetima ou desrespeitada Para que ocorra a eficaacutecia das normas
dispostas numa Constituiccedilatildeo ou melhor para que passe da teoria agrave praacutetica eacute
essencial que comandados e comandantes tenham conhecimento dos seus direitos
e responsabilidades assim como dos instrumentos juriacutedicos para efetivaacute-los (leis
regulamentadoras) O exerciacutecio da cidadania natildeo eacute somente um direito mas eacute
tambeacutem um dever de todos pois a omissatildeo de cada um contribui com as injusticcedilas e
as impunidades tatildeo presentes nos dias atuais
41
A Constituiccedilatildeo quando eacute justa e legiacutetima e principalmente quando eacute
respeitada eacute um poderoso instrumento de promoccedilatildeo e desenvolvimento social e
humano
Outro fator que deve ser considerado eacute a miserabilidade que coloca inuacutemeros
brasileiros a margem da sociedade em situaccedilatildeo precaacuteria os quais para Pinsky
(2004) ldquodesprovidos de esperanccedila de projeto de qualquer perspectiva de inclusatildeo
[] recorrer agrave Justiccedila humana parece algo irrealizaacutevel sofisticado e inteiramente
ficcionalrdquo
Desta forma o primeiro passo para concretizar os direitos previstos
constitucionalmente eacute a formaccedilatildeo do cidadatildeo atraveacutes da Educaccedilatildeo Baacutesica
infundindo-lhe a consciecircncia dos seus direitos e tambeacutem dos seus deveres sociais
bem como dos valores humanos fundamentais que devem ser por todos respeitados
na vida em sociedade A universalizaccedilatildeo do ensino fundamental a oferta obrigatoacuteria
de educaccedilatildeo infantil pelo Estado e o crescimento da oferta do ensino meacutedio satildeo
alguns dos aspectos que merecem destaques e foi devido agrave determinaccedilatildeo
constitucional de estabelecer o caraacuteter obrigatoacuterio do ensino fundamental e de
responsabilizar o Estado por sua implementaccedilatildeo que tem iniacutecio o processo de
avanccedilo desse segmento
A Constituiccedilatildeo estabeleceu de forma mais clara o papel dos entes federados
na educaccedilatildeo Tambeacutem aumentou a participaccedilatildeo orccedilamentaacuteria destinada ao setor
Com as novas regras para distribuiccedilatildeo de recursos adotadas apoacutes a promulgaccedilatildeo
da Carta os municiacutepios voltam a interessar-se pela educaccedilatildeo fundamental e o paiacutes
atinge a universalizaccedilatildeo do setor o que se busca agora satildeo mecanismos para
garantir a qualidade no ensino
O segundo passo nessa dinacircmica eacute o oferecimento a todos os cidadatildeos de
condiccedilotildees miacutenimas de sobrevivecircncia e de existecircncia condignas atraveacutes do acesso
ao trabalho produtivo livremente escolhido e do pagamento de remuneraccedilatildeo capaz
de prover ao sustento do trabalhador e de sua famiacutelia
Para milhotildees de cidadatildeos que vivem na ignoracircncia e na miseacuteria nenhuma
utilidade ou eficaacutecia tecircm os inuacutemeros direitos constitucionalmente assegurados Para
aqueles que se habituaram a retirar proventos da mendicacircncia da prostituiccedilatildeo de
atividades iliacutecitas ou aqueles que se sentiram forccedilados a sujeitar-se agrave exploraccedilatildeo de
outrem para sobreviver natildeo haacute nenhuma crenccedila na dignidade da pessoa humana e
no valor social do trabalho
42
A pobreza engendra inuacutemeras relaccedilotildees de dominaccedilatildeo entre pessoas e entre grupos sociais As habitaccedilotildees subumanas da periferia das grandes cidades no Brasil constituem verdadeiros quistos sociais terras sem lei controladas por xerifes ou por quadrilhas de malfeitores O Estado que natildeo for capaz de dotar essas comunidades do acesso efetivo agrave Educaccedilatildeo agrave Sauacutede agrave Seguranccedila e agrave Paz Puacuteblicas e ao trabalho liacutecito certamente natildeo lhes estaraacute assegurando o acesso ao Direito porque a populaccedilatildeo abrutalhada pela miseacuteria e coagida pelo medo natildeo desfruta da miacutenima eficaacutecia concreta dos
seus direitos fundamentais (GRECO 2009)
Evidencia que acesso ao Direito nas sociedades modernas mesmo nas
economicamente desenvolvidas exige o fortalecimento dos grupos intermediaacuterios e
do associativismo O cidadatildeo natildeo estaacute mais em condiccedilotildees de defender-se
individualmente das ameaccedilas e lesotildees aos seus direitos perpetradas por pessoas ou
grupos que se encontram em posiccedilatildeo de vantagem nas relaccedilotildees econocircmicas e
sociais
O sindicato veio exercer este importante papel em relaccedilatildeo ao trabalhador
empregado Mas hoje as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo natildeo satildeo apenas as que existem no
mundo do trabalho mas as que se revelam em todos os tipos de relaccedilotildees humanas
relaccedilotildees de consumo relaccedilotildees de vizinhanccedila relaccedilotildees locatiacutecias relaccedilotildees
comerciais internas e internacionais e natildeo com menor relevacircncia relaccedilotildees entre os
particulares e o Estado entre outras
Eacute preciso assegurar esse equiliacutebrio na praacutetica o que somente tornar-se-aacute
possiacutevel atraveacutes da articulaccedilatildeo dos sujeitos que se encontram em posiccedilatildeo de
desvantagem em organizaccedilotildees e associaccedilotildees que pela uniatildeo de esforccedilos
consigam compensar o desequiliacutebrio existente e dar aos indiviacuteduos e grupos a forccedila
e a capa de proteccedilatildeo necessaacuterias para ombrearem-se aos seus adversaacuterios e
lutarem pelos seus direitos ou interesses em igualdade de condiccedilotildees
Para Greco (2009) o pressuposto indispensaacutevel do acesso ao Direito eacute a
transparecircncia do Estado no trato de questotildees que possam afetar a esfera de
interesses dos cidadatildeos e complementa que aos cidadatildeos eacute indispensaacutevel
assegurar o direito de influir eficazmente nas decisotildees do poder puacuteblico atraveacutes dos
mais diversos instrumentos de participaccedilatildeo democraacutetica Ele afirma que
A relaccedilatildeo Estado-cidadatildeo natildeo eacute mais a relaccedilatildeo soberano-suacutedito O cidadatildeo tem o direito de exigir do Estado o pleno respeito ao seu
43
patrimocircnio juriacutedico Lamentavelmente a crise do Estado tem levado o Brasil a aceitar-se como normal que as pessoas juriacutedicas de Direito Puacuteblico natildeo cumpram devidamente as prestaccedilotildees positivas de que satildeo devedoras perante os particulares cabendo a estes demandar na Justiccedila para obtecirc-las (GRECO 2009)
Essa visatildeo deformada da responsabilidade do Estado ocorre o
desvirtuamento da justiccedila Por outro lado agrave violaccedilatildeo da garantia constitucional da
tutela jurisdicional efetiva (Constituiccedilatildeo artigo 5 inciso XXXV) disciplina a lei natildeo
excluiraacute da apreciaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio lesatildeo ou ameaccedila ao direito Assim o
acesso ao Direito natildeo estaraacute concretamente assegurado se o Estado natildeo oferecer a
todo cidadatildeo a possibilidade de receber aconselhamento juriacutedico a respeito dos seus
direitos
Constituiccedilatildeo de 1988 no artigo 5deg inciso LXXIV assegurou a todos
ldquoassistecircncia juriacutedicardquo a englobar assistecircncia judiciaacuteria e assessoramento juriacutedico
extrajudicial Conforme Greco (2009) ldquoeacute preciso que esse direito seja assegurado
na praacutetica Uma vez que na vida moderna o Direito tornou-se excessivamente
complexordquo Ainda no dizer do autor a consciecircncia juriacutedica do homem comum que
deve ser adquirida na famiacutelia e na escola natildeo eacute mais suficiente para a tomada de
decisotildees na vida diaacuteria das pessoas Todas as pessoas mantecircm complexas relaccedilotildees
juriacutedicas com instituiccedilotildees financeiras com fornecedores de bens e de serviccedilos etc
Nessas relaccedilotildees juriacutedicas com frequecircncia os cidadatildeos tecircm de tomar decisotildees
raacutepidas O cidadatildeo que tem meios procura um advogado particular para assessoraacute-
lo Ao pobre o Estado deve assegurar o mesmo direito em plenitude
Sem duacutevida o uacuteltimo pressuposto do acesso ao Direito eacute o acesso agrave Justiccedila
no sentido de acesso a um tribunal estatal imparcial previamente instituiacutedo como
competente para a soluccedilatildeo de qualquer litiacutegio a respeito de interesse que se afirme
juridicamente protegido ou para a praacutetica de qualquer ato que a lei subordine agrave
aprovaccedilatildeo autorizaccedilatildeo ou homologaccedilatildeo judicial
Se o cidadatildeo tem consciecircncia dos seus direitos se o Estado lhe fornece
todas as condiccedilotildees para livremente exercecirc-los mas algum outro cidadatildeo ou algum
oacutergatildeo do proacuteprio Estado impede ou dificulta esse exerciacutecio cabe ao poder puacuteblico
pocircr agrave disposiccedilatildeo do cidadatildeo lesionado ou ameaccedilado a jurisdiccedilatildeo necessaacuteria para
assegurar o pleno acesso a tal direito
Atingimos eacute certo um estaacutegio de desenvolvimento do Direito Humanitaacuterio que
natildeo mais nos permite conformar-nos com uma realidade distante do padratildeo de
44
convivecircncia humana que outras naccedilotildees jaacute alcanccedilaram O exerciacutecio pleno de
cidadania seraacute obra de mais de uma geraccedilatildeo Mas se trabalharmos com firmeza
certamente os jovens de hoje poderatildeo legar aos seus descendentes a emancipaccedilatildeo
cidadatilde um paiacutes melhor e uma sociedade mais justa e democraacutetica
33 O municiacutepio como acircmbito de exerciacutecio de cidadania
Historicamente o Municiacutepio enquanto unidade poliacutetico-administrativa surgiu
conforme descreve Berardi (2004) com a Repuacuteblica Romana interessada em
manter a dominaccedilatildeo paciacutefica das cidades conquistadas pela forccedila dos exeacutercitos
Sua origem mais de natureza socioloacutegica do que poliacutetica adveacutem do espiacuterito
associativo do homem e de suas relaccedilotildees de vizinhanccedila
Eacute pois a menor unidade territorial de Federaccedilatildeo cuja criaccedilatildeo reflete a base
da organizaccedilatildeo poliacutetica administrativa da Naccedilatildeo Portanto sua funccedilatildeo administrativa
historicamente vem assentada no princiacutepio do direito natural
O artigo primeiro da Constituiccedilatildeo Federal de 1998 estabelece que o
Municiacutepio ao lado dos Estados e do Distrito Federal formam a Republica Federativa
do Brasil que se constitui em Estado Democraacutetico de Direito O municiacutepio tem assim
um poder relevante para a aplicaccedilatildeo da democracia direta iniciada e fortalecida em
niacutevel local Diversos pensadores chegaram a afirmar que a descentralizaccedilatildeo de
poder resultante da constituiccedilatildeo Cidadatilde era antes de tudo uma conquista dos
Municiacutepios sendo eles os berccedilos da perpetuaccedilatildeo da Repuacuteblica e da Democracia
efetivamente por serem o uacutenico niacutevel de governo possuidores de respaldo e
localizaccedilatildeo fiacutesica ou seja solo municipal
Eacute certo que a Carta Magna de 1988 consolidou significativas inovaccedilotildees para a
vida municipal de forma que o Municiacutepio passou a constituir um dos entes da
federaccedilatildeo tratando-o como unidade dotada de autonomia poliacutetica expressa na
capacidade de poder elaborar a sua Lei Orgacircnica fugindo assim da tutela dos
estados que ateacute entatildeo eram considerados como uacutenicos componentes da federaccedilatildeo
45
A Lei Orgacircnica Municipal traz em seu bojo aleacutem da organizaccedilatildeo
administrativa do Municiacutepio a restauraccedilatildeo do Poder Legislativo municipal definindo
a diversificaccedilatildeo normativa que natildeo existia nas leis organizacionais outorgadas pelo
Estado reflexo do poder constituinte outorgados aos Municiacutepios pela Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 como consequecircncia do efetivo exerciacutecio do conceito de Estado
Democraacutetico de Direito
O Municiacutepio enquanto ente federativo tem atualmente a responsabilidade de
ordenar o seu desenvolvimento social e a garantia do bem estar de seus habitantes
executando poliacuteticas puacuteblicas de accedilotildees a serem empreendidas na consolidaccedilatildeo
democraacutetica do Estado
Fundada no elemento participaccedilatildeo o exerciacutecio de cidadania amplamente
citado encontra sua efetividade no municiacutepio Pois eacute nesse acircmbito de localizaccedilatildeo
que as pessoas mantecircm um contato direto com os poderes instituiacutedos suas
necessidades imediatas e mediatas satildeo objetos da disciplina da Lei que visa o bem
comum base do Estado democraacutetico de Direito
Baseado na maacutexima do municipalista e defensor da descentralizaccedilatildeo poliacutetica
Franco Motoro sabiamente proferiu que ldquoningueacutem vive na Uniatildeo ou no Estado As
pessoas vivem no Municiacutepiordquo Assim a cidadania encontra seu melhor espaccedilo de
realizaccedilatildeo na comunidade onde convive A vida em comunidade gera anseios
comuns sentimentos comuns uma vez que a convivecircncia propicia que as pessoas
se conheccedilam e se reconheccedilam como membros de uma mesma realidade
De acordo com Harvey (1992) ldquoa globalizaccedilatildeo provoca anonimato enquanto
comunidade cultiva solidariedaderdquo o que implica participaccedilatildeo para o exerciacutecio de
cidadania
Tudo o que acontece no mundo seja no meu paiacutes na minha cidade ou no meu bairro acontece comigo Entatildeo eu preciso participar das decisotildees que interferem na minha vida Um cidadatildeo com um sentimento eacutetico forte e consciecircncia da cidadania natildeo deixa passar nada natildeo abre matildeo desse poder de participaccedilatildeo (Herbert de Souza Betinho)
Com esse embasamento natildeo se pode perder de vista que eacute nas relaccedilotildees
diaacuterias de oposiccedilatildeo ou solidariedade que as pessoas exercem cidadania Na relaccedilatildeo
do com o outro com os poderes ao estabelecer com a vida social e puacuteblica uma
46
convivecircncia posto que cidadania eacute tarefa que natildeo termina natildeo eacute um conceito
pronto tatildeo pouco acabado enquanto seres inacabados que somos estaremos
buscando descobrindo criando e tomando consciecircncia mais ampla dos direitos
O desafio eacute construir um novo discurso sobre cidadania atraveacutes de uma
praacutetica poliacutetica sustentada isto eacute realizada em dois niacuteveis
O primeiro niacutevel na base atraveacutes de construccedilatildeo das capacidades e do poder
proacuteprio da populaccedilatildeo o que envolve inevitavelmente uma mudanccedila de atitude na
busca para garantir seus direitos utilizando-se do grau de autonomia local
Essa atitude conceberia agrave democracia participativa como uma poliacutetica paralela
de intervenccedilatildeo social criando e mantendo novos espaccedilos para a tomada de
decisotildees ou seja para o auto-governo pela populaccedilatildeo nas mateacuterias que afetam
diretamente suas vidas
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade
O segundo niacutevel um governo com o povo e natildeo apenas para o povo fundado
nos ditames constitucionais valorizando o sentimento da sociedade no exerciacutecio da
governabilidade de modo que o balizamento das accedilotildees de governo deixaria de estar
no proacuteprio governo e passaria a estabelecer-se a partir do pensar da sociedade Um
governo que se pergunta o que se deve fazer para ouvir com a maior fidelidade
possiacutevel a sociedade suas instituiccedilotildees representativas e o cidadatildeo Pois as
prioridades da gestatildeo deveriam ser definidas pela sociedade e natildeo mais pelo
governo
Portanto nesses termos eacute preciso considerar que as praacuteticas da
administraccedilatildeo puacuteblica sejam democratizadoras e inclusivas inspiradas nos
princiacutepios da legalidade impessoalidade moralidade publicidade e eficiecircncia Esta
uacuteltima buscou estabelecer uma Administraccedilatildeo Puacuteblica mais eficiente no sentido de
que o cidadatildeo como destinataacuterio dos serviccedilos puacuteblicos que o Estado deve prestar
receba-os com maior qualidade e menor custo para o eraacuterio puacuteblico
Para a consecuccedilatildeo desse governar com o povo alguns pontos devem ser
revistos A mudanccedila implica na necessidade de adequaccedilatildeo reorganizaccedilatildeo
47
reformulaccedilatildeo Para isso se faz premente em face dos novos e modernos conceitos
de gestatildeo puacuteblica a superaccedilatildeo do tradicional vezo burocraacutetico que vem convertendo
a Administraccedilatildeo nas palavras Dromi (1995) numa cara ldquomaacutequina de impedirrdquo fiel
ldquocoacutedigo do fracassordquo que dispotildee ldquoartigo primeiro natildeo pode artigo segundo em
caso de duacutevida abstenha-se artigo terceiro se eacute urgente espere artigo quarto
sempre eacute mais prudente natildeo fazer nadardquo numa posiccedilatildeo natildeo burocraacutetica e sim
democraacutetica de considerar que organizaccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica inclui a
praacutetica de ver os cidadatildeos como membros plenos da comunidade poliacutetica tendo
acesso e exercitando direitos as que promovem a organizaccedilatildeo da populaccedilatildeo em
torno de temas de interesse comum as que incluem o controle social sobre a
gestatildeo o debate amplo e informado sobre questotildees de governo e que abrem agrave
populaccedilatildeo as decisotildees sobre estas questotildees Como leciona e Barrientos (2000)
Tratam-se de praacuteticas que natildeo buscam somente melhorar a eficiecircncia administrativa das diferentes organizaccedilotildees puacuteblicas mas que incorporam no seu processo de gestatildeo a dimensatildeo ativa da cidadania isto eacute ldquoque facilitam as iniciativas e responsabilidades de todos os envolvidos[] estabelecendo pontes entre Estado e sociedade civil
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade Acreditamos
que o ponto de partida eacute a atitude aliada agrave solidariedade e ao espiacuterito coletivo Pois
governo e cidadatildeos juntos haveratildeo de cumprir um novo papel no processo de
desenvolvimento como agentes de uma nova cultura
Como afirma Peter Drucke
A parceria comunitaacuteria seraacute um dos verdadeiros setores em crescimento das economias desenvolvidas Surge da necessidade de uma participaccedilatildeo mais direta e efetiva da comunidade nas grandes questotildees da vida social pois natildeo existe ningueacutem melhor que o cidadatildeo para saber o que ele quer para si para sua famiacutelia e para sua comunidade (apud RAMOS 1990)
48
O envolvimento efetivo da sociedade nas questotildees sociais natildeo eacute apenas uma
postura moderna Significa antes de tudo uma atitude digna de todos aqueles que
desejam exercer sua cidadania contribuindo para um paiacutes melhor e em especial
para uma sociedade mais justa fraterna e solidaacuteria
Na histoacuteria observa-se a grande coragem das pessoas em construir o
reconhecimento delas proacuteprias e de seus direitos sempre buscando a participaccedilatildeo e
defendendo os Direitos Humanos Sem duacutevida a maior ecircnfase que deve ocorrer
para a construccedilatildeo real da cidadania eacute uma mudanccedila na sociedade O melhor a ser
feito eacute reforccedilar a organizaccedilatildeo democraacutetica buscando novas formas de participaccedilatildeo
social pois cidadania natildeo se resume ao poder de votar ou ser votado mas eacute sempre
na efetiva participaccedilatildeo popular pois somente com isso haacute a verdadeira
conscientizaccedilatildeo e o comprometimento daquele que passa a se sentir cidadatildeo
abandonando-se velhos viacutecios da poliacutetica representativa
Desse modo a participaccedilatildeo do povo no momento das reivindicaccedilotildees das
discussotildees e apreciaccedilotildees de projetos que visem agrave melhoria da comunidade local a
exigecircncia de transparecircncia na administraccedilatildeo da coisa puacuteblica dentre outras eacute quem
daraacute embasamento para as verdadeiras conquistas sociais no Municiacutepio que geram
saudaacuteveis formas de pressatildeo por efetivas poliacuteticas puacuteblicas de inclusatildeo social
gerando o fim do clientelismo poliacutetico tatildeo pejorativo e comum em nossa realidade e
cultura poliacutetica
Somente a participaccedilatildeo social eacute que iraacute causar uma real democratizaccedilatildeo do
poder A afirmaccedilatildeo da cidadania eacute pressuposto para a realizaccedilatildeo dos Direitos
Humanos pois os homens natildeo nascem naturalmente iguais Inclusive para que
ocorra a realizaccedilatildeo dos referidos direitos eacute necessaacuterio tambeacutem que exista um
espaccedilo puacuteblico que seja realmente democraacutetico e acessiacutevel possibilitando a
participaccedilatildeo de todos e esse espaccedilo eacute certamente o municiacutepio
Na praacutetica um forte instrumento de cidadania para atender as necessidades
coletivas eacute o orccedilamento participativo previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal que
determina expressamente a realizaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas e a participaccedilatildeo
popular nos processos de elaboraccedilatildeo e conduccedilatildeo dos orccedilamentos como forma de
incentivo agrave preparaccedilatildeo e execuccedilatildeo de planejamentos que envolvam diretamente o
povo A Lei veio incentivar a sua propagaccedilatildeo para todos os entes federativos tendo
em conta que se trata de uma tendecircncia mundial por legitimar as escolhas e
fortalecer o princiacutepio da transparecircncia
49
Os meios de acesso do cidadatildeo junto aos Poderes Puacuteblicos eacute uma realidade
no Estado Democraacutetico de Direito brasileiro a exemplo das sessotildees do Poder
Legislativo que satildeo puacuteblicas ficando abertas a todos que delas quiserem participar
Emite-se uma pauta antes do comeccedilo da sessatildeo com a preacutevia dos debates Em
niacutevel municipal verifica-se um acompanhamento mais incisivo sobre as sessotildees das
Cacircmaras de Vereadores como forma de pressatildeo para aprovaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees
da comunidade avaliaccedilatildeo do desempenho e aceitaccedilatildeo de propostas orccedilamentaacuterias
e atuaccedilatildeo dos poliacuteticos bem como entendimento das funccedilotildees do Poder Legislativo
A Constituiccedilatildeo Federal assegura desde 1988 a possibilidade de se oferecer
peticcedilatildeo agraves Mesas Legislativas como forma de pedir informaccedilotildees sobre andamento
de projetos ou relatoacuterios encaminhados aos chefes do Poder Executivo Em niacutevel
municipal pode ser utilizada a Tribuna Livre como instrumento para denuacutencias de
problemas ou discussatildeo de um tema ou mesmo para apresentar sugestotildees sendo
regulado pela Lei Orgacircnica Municipal e pelo Regimento Interno da Cacircmara
A convocaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas tambeacutem possui previsatildeo constitucional
no art 58 sect 20 inciso II em niacutevel federal As comissotildees podem em razatildeo da
mateacuteria de sua competecircncia realizar audiecircncias puacuteblicas com entidades da
sociedade civil E nada obsta que estejam previstas formas de articulaccedilatildeo da
sociedade civil com os Presidentes das Comissotildees da Cacircmara no seu Regimento
Interno em acircmbito municipal
Os dispositivos da Constituiccedilatildeo Federal que dispotildeem sobre a forma de
participaccedilatildeo direta do cidadatildeo e da sociedade civil no processo democraacutetico natildeo se
pode negar que trouxe novas perspectivas De modo geral podemos citar
Art 29 A lei orgacircnica dos Municiacutepios tem que observar entre os seus
preceitos ldquocooperaccedilatildeo das associaccedilotildees representativas no planejamento municipalrdquo
Art 31 As contas dos municiacutepios ficaratildeo durante 60 (sessenta) dias
anualmente a disposiccedilatildeo de qualquer contribuinte para exame e apreciaccedilatildeo o qual
poderaacute questionar-lhes a legitimidade nos termos da lei
Art37 sect 3ordm (EC-1998) A lei disciplinaraacute as formas de participaccedilatildeo do usuaacuterio
na administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta regulando especialmente
I- as reclamaccedilotildees relativas a prestaccedilatildeo dos serviccedilos puacuteblicos em geral asseguradas
a manutenccedilatildeo de serviccedilo de atendimento ao usuaacuterio e a avaliaccedilatildeo perioacutedica externa
e interna da qualidade dos serviccedilos
50
II- o acesso dos usuaacuterios a registros administrativos e a informaccedilatildeo sobre atos de
governo observado o disposto no art 5ordm X e XXXIII
III- a disciplina da representaccedilatildeo conta o exerciacutecio negligente ou abusivo de cargo
emprego ou funccedilatildeo na administraccedilatildeo puacuteblica
Art 74 sect 2ordm Qualquer cidadatildeo partido poliacutetico associaccedilatildeo ou sindicato eacute
parte legiacutetima para na forma de lei denunciar irregularidades ou ilegalidades perante
o Tribunal de Contas da Uniatildeo
Art194 paraacutegrafo uacutenico Compete ao Poder Puacuteblico nos termos da lei
organizar a seguridade social com base nos seguintes objetivos ()
VII ndash caraacuteter democraacutetivo descentralizado na administraccedilatildeo mediante gestatildeo
quadripartite com participaccedilatildeo dos trabalhadores dos empregados e dos
aposentados e do Governo nos oacutergatildeos colegiados nos oacutergatildeos colegiados
Art 198 As accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede integram uma rede
regionalizada e hierarquizada o constituem um sistema uacutenico organizado de acordo
com as seguintes diretrizes
III ndash participaccedilatildeo da comunidade
Art 202 sect 6ordm A lei complementa a que se refere o sect 4ordm deste artigo
estabeleceraacute os requisitos para a designaccedilatildeo dos membros das diretorias das
entidades fechadas de previdecircncia privada e disciplinaraacute a inserccedilatildeo dos
participantes nos colegiados e instacircncias de decisatildeo em que seus interesses sejam
objeto de discussatildeo e deliberaccedilatildeo
Art 204 As accedilotildees governamentais na aacuterea de assistecircncia social seratildeo
organizadas com base nas seguintes diretrizes
II ndash Participaccedilatildeo da populaccedilatildeo por meio de organizaccedilotildees representativas na
formulaccedilatildeo das poliacuteticas e no controle das accedilotildees em todos os niacuteveis
O protagonista na concretizaccedilatildeo dos direitos humanos e na ampliaccedilatildeo da cidadania eacute um sujeito coletivo de um trabalho sempre inacabado eis que se tratam de tarefas e conquistas cotidianas e gradativas obras que soacute podem ser realizada a muitas matildeos no partilhar e compartilhar da vida (COSTA NETO 2010)
A ampliaccedilatildeo da cidadania requer a consciecircncia de que os direitos pressupotildeem
deveres de maneira que os direitos de um indiviacuteduo satildeo garantidos a partir do
cumprimento dos deveres dos demais componentes da sociedade
51
34 A necessaacuteria superaccedilatildeo de velhos paradigmas
Como se sabe em 1988 foi aprovada a Constituiccedilatildeo mais liberal e
democraacutetica do Brasil chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo Assim ampliou-se de
forma significativa o campo dos direitos e garantias fundamentais No que diz
respeito a tal mateacuteria eacute considerada como uma das mais avanccediladas do mundo No
seu preacircmbulo adota o modelo de um Estado democraacutetico de Direito destinado a
garantir o exerciacutecio dos direitos sociais e individuais a liberdade a seguranccedila o
bem-estar o desenvolvimento a igualdade e a justiccedila eleitos como valores
supremos de uma sociedade fraterna pluralista e sem preconceitos
Para a construccedilatildeo democraacutetica da cidadania no Brasil contemporacircneo
salienta-se de ela deve passar de uma democracia representativa para uma
cidadania que efetivamente molde a democracia ou seja uma cidadania instituinte
da democracia
No acircmbito constitucional positivo cidadania pressupotildee o exerciacutecio de todos
os direitos fundamentais e garantias que caracterizam o Estado democraacutetico de
Direito Quando se fala em cidadania eacute no sentido de reafirmar o direito pela plena
realizaccedilatildeo do indiviacuteduo do cidadatildeo dos entes coletivos e de sua emancipaccedilatildeo nos
espaccedilos da sociedade Estatildeo sempre intimamente ligados os conceitos de
cidadania democracia e direitos humanos sendo que um remete ao outro e seus
conteuacutedos se interligam ou seja a cidadania natildeo iraacute ocorrer sem que ocorra a
realizaccedilatildeo dos Direitos Humanos da mesma forma que os direitos humanos natildeo
seratildeo concretizados se natildeo houver o exerciacutecio da cidadania
Na evoluccedilatildeo histoacuterica tais categorias se desenvolveram de forma conjunta
com o Estado Representam noccedilotildees desejaacuteveis de relaccedilotildees humanas que se espera
sejam instituiacutedas Satildeo os elementos basilares na nova ordem social e que a
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 pretendeu edificar Poreacutem a democracia poliacutetica natildeo
resolveu os problemas econocircmicos mais seacuterios como a desigualdade e o
desemprego Continuam muito seacuterios os problemas da aacuterea social principalmente
na educaccedilatildeo nos serviccedilos de sauacutede e saneamento como tambeacutem e
principalmente quanto agrave seguranccedila puacuteblica
52
A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 em seu artigo 6ordm e em outros artigos no texto
constitucional ampliou e muito os Direitos Sociais proibiu discriminaccedilotildees Assim
indicadores baacutesicos de qualidade de vida apontam que houve uma melhoria A
mortalidade infantil por exemplo caiu de maneira significativa nos uacuteltimos anos A
esperanccedila de vida ao nascer passou de 60 anos em 1980 para 70 em 2000 Poreacutem
o maior progresso foi na aacuterea da educaccedilatildeo fundamental que eacute considerado fator
decisivo para a cidadania pois a taxa de analfabetismo caiu consideravelmente
entretanto existem muitos problemas no campo educacional como a repetecircncia e
com relaccedilatildeo a desigualdade social entre as regiotildees
A grande concentraccedilatildeo da riqueza nacional nas matildeos de poucos reflete a
desigualdade e causa a pobreza e a miseacuteria ao passo que dificulta o acesso do
cidadatildeo agrave justiccedila e consequentemente ao seu estado de cidadania pleno
Dentre os fundamentos no qual se baseiam o Estado democraacutetico de Direito
no Brasil destaca-se justamente a cidadania e a dignidade humana conforme artigo
1ordm incisos II e III da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Entatildeo construir uma sociedade
livre justa e solidaacuteria garantir o desenvolvimento nacional erradicar a pobreza e a
marginalizaccedilatildeo reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de
todos sem preconceitos de origem raccedila sexo cor idade ou quaisquer outras
formas de discriminaccedilatildeo satildeo os objetivos fundamentais do Estado Brasileiro
conforme art 3ordm da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
O cenaacuterio de globalizaccedilatildeo econocircmica mundial tambeacutem traacutes seacuterios obstaacuteculos
para a construccedilatildeo da cidadania A globalizaccedilatildeo da economia em ritmo acelerado
provoca grandes mudanccedilas nas relaccedilotildees entre Estado sociedade e naccedilatildeo que
eram sempre o centro da noccedilatildeo e da praacutetica da cidadania ocidental O foco das
mudanccedilas e das preocupaccedilotildees estaacute em dois focos especiacuteficos a reduccedilatildeo do papel
central do Estado como fonte de direitos e local para a participaccedilatildeo e o
deslocamento da naccedilatildeo como principal fonte de identidade coletiva
Para que ocorra efetiva mudanccedila a melhor proposta eacute no sentido de
mudanccedila na organizaccedilatildeo da sociedade pois a inversatildeo da sequecircncia dos direitos
fez com que ocorra o reforccedilo da supremacia do Estado Para que ocorra a
consolidaccedilatildeo democraacutetica e cidadatilde eacute necessaacuterio reforccedilar a organizaccedilatildeo da
sociedade para assim dar embasamento social ao poder poliacutetico ou seja
finalmente democratizar o poder e estabelecer de forma plena a Cidadania
53
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A Constituiccedilatildeo que nasce com ldquocheiro de amanhatilde e natildeo de mofordquo nas
palavras do Deputado Ulisses Guimaratildees tem em seu relevo a esperanccedila de um
povo que sonhava com a erradicaccedilatildeo da repressatildeo militar e natildeo soacute isso um povo
que sonhava com a liberdade em suas diversas manifestaccedilotildees em suas mais
significativas formas de representaccedilatildeo e sobretudo com um paiacutes voltado para a
democracia e justiccedila social
Ao povo brasileiro foi concedido o poder de governar e nesse contexto de
mudanccedila a ldquodemocracia eacute o governo do povo pelo povo e para o povordquo na
conceituaccedilatildeo ceacutelebre de Abraham Lincoln E consoante estabelece o paraacutegrafo
uacutenico do art 1ordm da Carta cidadatilde de 1988 ldquotodo poder emana do povo que o exerce
por meio de representantes eleitos ou diretamenterdquo
No entanto natildeo basta que a fonte de poder seja o povo a democracia vem
significar a efetiva participaccedilatildeo do povo nas decisotildees e destino do Estado e sua
consolidaccedilatildeo eacute a proacutepria cidadania pois eacute o cidadatildeo que pensa e se auto define
diante da condiccedilatildeo soacutecio-histoacuterica O cidadatildeo tem portanto o poder de transformar
a realidade social segundo seu pensamento e accedilatildeo
Natildeo se pode negar que a Carta de 1988 foi a que apresentou maior
legitimidade popular que abriu caminhos apontando um novo tempo
Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita Se fosse perfeita seria irreformaacutevel Ela proacutepria com humildade e realismo admite ser emendada ateacute por maioria mais acessiacutevel dentro de cinco anos Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita mas seraacute uacutetil e pioneira e desbravadora Seraacute luz ainda que de lamparina na noite dos desgraccedilados Eacute caminhando que se abrem os caminhos Ela vai caminhar e abri-los Seraacute redentor o que penetrar nos bolsotildees sujos escuros e ignorados da miseacuteria (Ulysses Guimaratildees)
Mesmo natildeo sendo a constituiccedilatildeo perfeita sem duacutevida foi a que trouxe
esperanccedila ao povo brasileiro com a sua promulgaccedilatildeo surgiram o ldquohaacutebeas datardquo o
mandado de injunccedilatildeo e o mandado de seguranccedila coletivo - todos remeacutedios judiciais
de iacutendoles constitucionais serviacuteveis para prevenir e combater diversas tentativas de
abuso contra a pessoa humana Outrossim o objeto da accedilatildeo popular foi ampliado
Atualmente qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima para propor a mencionada accedilatildeo
54
popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de entidade de que o
Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e ao patrimocircnio
histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de custas
judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia Nesse rol de forma decisiva houve a
ampliaccedilatildeo tambeacutem dos direitos sociais
Assim a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconhece e assegura uma seacuterie de
escudos protetivos aos cidadatildeos Em sua essecircncia os direitos fundamentais
ganham forma De modo que podemos assegurar que hoje o nosso Estado eacute uma
organizaccedilatildeo centrada no ser humano visto que tem a dignidade da pessoa humana
como um fundamento da Repuacuteblica Federativa do Brasil
Apesar das inuacutemeras dificuldades o Estado Democraacutetico de Direito fundado
na cidadania constituiu para o povo uma nova identidade ndash o que em outras eacutepocas
natildeo existia
A Constituiccedilatildeo circunscreve toda a organizaccedilatildeo poliacutetica estatal no intuito
maior de criar no consciente coletivo a vontade livre e determinada de desenvolver
padrotildees de condutas destinados a elevar e promover a auto-estima de toda a
comunidade paacutetria
Foi nesse sentido que estatui em seu artigo 1ordm a cidadania como fundamento
do Estado Democraacutetico de Direito ampliando e enriquecendo o tal conceito Cada
eacutepoca produziu praacuteticas e reflexotildees muito distintas sobre o tema cidadania A
definiccedilatildeo de cidadania que vem sofrendo alteraccedilotildees ao longo do tempo obedecendo
a um processo histoacuterico de conquistas sociais eacute compreendida atualmente como
um processo de participaccedilatildeo do indiviacuteduo ou de um grupo organizado nas mais
variadas aacutereas de atuaccedilatildeo da sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos
e sociais
A cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia disso natildeo haacute duvidas e se
efetiva como mudanccedilas na realidade de cada um com melhoria de vida e
conscientizaccedilatildeo da importacircncia do cidadatildeo dado que eacute um processo em
permanente construccedilatildeo Natildeo haacute como defender uma qualidade de vida sem a
preservaccedilatildeo da cidadania em todos os seus acircmbitos Nesse sentido a efetiva
proteccedilatildeo desse aspecto basilar torna-se essencial no que tange uma assistecircncia
juriacutedica completa
No contraponto do direito estatildeo os deveres que encontramos sua realizaccedilatildeo
tambeacutem na participaccedilatildeo observando que o cidadatildeo eacute responsaacutevel pelo advir de
55
suas accedilotildees A participaccedilatildeo reflete um caraacuteter de natildeo comodismo de atenccedilatildeo agravequilo
que eacute particular e coletivo tendo como finalidade preciacutepua o bem comum
Construir cidadania hoje eacute imperativo para a sociedade pois dessa
construccedilatildeo depende o amanhatilde Estamos diante da Constituiccedilatildeo que se propotildee a
resguardar o amanhatilde sem perder de vista que ele comeccedila hoje agora e nisso a
Carta Poliacutetica traacutes consigo a certeza do despertar dessa consciecircncia a consciecircncia
cidadatilde Ela eacute a semente plantada em terra feacutertil que gera frutos diariamente e se
renova a cada estaccedilatildeo na dinacircmica da vida Talvez tenha sido esse o cheiro de
frutas alcanccedilado pelo constituinte ao anunciar que a carta tem ldquocheiro do amanhatilderdquo
A responsabilidade pelo exerciacutecio desses direitos belissimamente elencados
depende de todos e de cada um pois somos o terreno feacutertil que produziraacute o fruto de
uma sociedade fraterna
Eacute comum na praacutetica apenas responsabilizarmos o Estado em sentido lato pelo
natildeo exerciacutecio dos direitos do cidadatildeo Vale lembrar nesse contexto das palavras de
J Kennedy o qual disse ldquonatildeo pergunte o que o Estado pode fazer por vocecirc mas o
que vocecirc pode fazer pelo Estadordquo haacute nessa frase um forte traccedilo de cidadania pois
quando o cidadatildeo reivindica critica opina o que ele daacute em contrapartida ao paiacutes eacute
solidificado visto que eacute nas relaccedilotildees familiares em comunidade que se estabelece e
se fortalece os viacutenculos de solidariedade de uma sociedade que perpetua valores
condutas que as leis reguladoras natildeo conseguem por si soacute estabelecer
A concretizaccedilatildeo do ideal de uma qualidade de vida merecida a todos os seres
humanos sem restriccedilotildees requer entretanto um esforccedilo coletivo Dessa forma haacute
necessidade de suprir as muitas carecircncias advindas das desigualdades sociais e de
condiccedilotildees do descaso do poder puacuteblico e da proacutepria conceituaccedilatildeo antiga de
cidadania que ainda eacute concebida por muitos no presente
Em suma nosso trabalho procurou traccedilar a evoluccedilatildeo da cidadania e ao
mesmo tempo buscou traccedilar uma melhor caracterizaccedilatildeo do cidadatildeo agrave luz da nossa
Constituiccedilatildeo que eacute por fim a essecircncia da Magna Carta O alcance da cidadania
enquanto mecanismo de acesso a direitos foi colocado no acircmbito da pessoa
enquanto titular de direitos e num paralelo defendemos que o municiacutepio eacute o espaccedilo
de atuaccedilatildeo e exerciacutecio de cidadania dada a proximidade do cidadatildeo com as
instituiccedilotildees oacutergatildeos entidades e tudo o mais que o cerca na esfera de vivecircncia Eacute na
praccedila que discute a poliacutetica local e nacional que se indigna com as dificuldades e as
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barreiras de acesso aos seus direitos Eacute no municiacutepio que se inicia todo um vieacutes de
desdobramento para garantir direitos
Por fim natildeo obstante resta dizer sobre o tema que os caminhos e
paradigmas que se intentou percorrer sobre cidadania como mecanismo
transformador da sociedade tem ingrediente ainda a se descortinar para o
propoacutesito valioso do bem comum Pois bem a ideia de bem comum tem como
fundamento o amor maacutexima que se estabelece por meio da democracia visto que
ldquoa demofilia o demoiacutesmo o amor do povo acima de tudo como princiacutepio ativo de
toda a sua vida poliacutetica inspirador duma sempre crescente autonomia imanente eacute
que constitui a verdadeira essecircncia da democraciardquo nas palavras de Melgareacute
(2005)
Dessa forma eacute no nuacutecleo da democracia que estaacute inscrito como pedra
angular o respeito e o amor pela pessoa humana Eacute pois um tema de larga
abrangecircncia poreacutem sem querer abreviar o caminho sua efetiva possibilidade de
realizaccedilatildeo se encontra no exerciacutecio da cidadania sem repuacutedios parciais ou exclusatildeo
de qualquer ordem na plenitude de uma cidadania para todos
57
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AGRADECIMENTOS
Ao dileto Professor Antonio Cavalcante da Costa Neto pelas valiosas contribuiccedilotildees
e solicitude com que me orientou (um sonho realizado) Li recentemente um texto
luacutedico intitulado ldquoUma mensagem a Garciardquo e encontrei naquelas linhas o perfil do
Dr Antonio Por analogia um homem a quem foi confiado uma importante missatildeo e
diante da incumbecircncia natildeo perguntou o que A quem Como Tomou sua missatildeo
deu a ela um quecirc de feacute um pouco de filosofia muito de humildade e sabedoria e fez
da sua missatildeo um sacerdoacutecio E noacutes seus alunos somos gratos por ele ter
plantado em nossos coraccedilotildees liccedilotildees de eacutetica de direito de justiccedila de esperanccedila
Aos professores da Especializaccedilatildeo em nome de Belarmino Mariano Luciano
Nascimento e Agassiz Almeida Filho nossa eterna gratidatildeo
Ao amigo Professor advogado Everaldo Ribeiro pelo companheirismo e
solidariedade com que me incentivos durante os periacuteodos mais difiacuteceis dessa
caminhada
A Gerson que pelas escolhas do coraccedilatildeo se fez meu irmatildeo
Agrave Iolanda minha comadre amiga-irmatilde de todas as horas
A Assis Brito (meu marido) exemplo de superaccedilatildeo meu constante incentivador
A Vovoacute Julia (In memoriam) que me ensinou a acreditar que eu poderia ir muito
aleacutem onde os meus sonhos me levassem
A dona Lia minha matildee minha amiga presenccedila de Deus na minha vida
Agrave Aimeacutee Antocircnia minha filha companheira inseparaacutevel presente de Deus
A Deus Senhor da minha vida e Autor da minha histoacuteria
Abre os olhos e vecirc Secirc vigilante
a reaccedilatildeo natildeo passaraacute diante
do teu punho fechado contra o medo
Levanta-te meu povo Natildeo eacute tarde
Agora eacute que o mar canta eacute que o sol arde
pois quando o povo acorda eacute sempre cedo
(Joseacute Carlos Ary dos Santos)
Sumaacuterio
INTRODUCcedilAtildeO 09
CAPIacuteTULO 1 NOVOS OLHARES SOBRE A CIDADANIA 12
11 As origens da cidadania 13
12 A construccedilatildeo da cidadania 16
13 Cidadania um fenocircmeno cultural 18
14 cidadania no Brasil Breves consideraccedilotildees 19
CAPIacuteTULO 2 CIDADANIA Agrave LUZ DA CONSTITUICcedilAtildeO FEDERAL DE 1988 23
21 Estado Democraacutetico de Direito espaccedilo de cidadania 24
22 Os direitos fundamentais como pressupostos de identidade da cidadania 27
23 A consagraccedilatildeo dos direitos do cidadatildeo 31
CAPIacuteTULO 3 CIDADANIA COMO MECANISMO DE TRANSFORMACcedilAtildeO
SOCIAL 35
31 O ser cidadatildeo 36
32 A emancipaccedilatildeo social atraveacutes da cidadania 39
33 O municiacutepio como acircmbito de exerciacutecio de cidadania 44
34 A necessaacuteria superaccedilatildeo de velhos paradigmas 50
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 53
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 57
RESUMO
A cidadania assumiu historicamente inuacutemeras concepccedilotildees em funccedilatildeo dos muitos contextos social e cultural em que esta inserida Sua construccedilatildeo ficou condicionada a maneira como se formaram os Estados Assim o conceito de cidadania como direito a ter direitos foi construiacutedo dentro das estruturas proacuteprias de cada Estado dessa forma a cidadania moderna se desenvolveu na medida em que as pessoas se sentem parte do Estado-naccedilatildeo podendo participar da dinacircmica e construccedilatildeo do bem comum Eacute dentro desse contexto que se insere o presente estudo que tem por objetivo discorrer a respeito dos principais instrumentos de defesa dos direitos do cidadatildeo observando a cidadania como mecanismo de transformaccedilatildeo social No Brasil a cidadania ganha relevo com a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 na qual aparece como princiacutepio fundamental A Carta Cidadatilde abarca no decorrer de seu texto inuacutemeras inovaccedilotildees no que concerne a questatildeo da caracterizaccedilatildeo da cidadania na sociedade atual e os direitos que abrangem a esfera poliacutetica civil e social No elenco de mecanismo de exerciacutecio da cidadania objeto de nossa anaacutelise estaacute o acesso ao direito e a justiccedila que eacute fator preponderante para efetivar as garantias constitucionais bem como a educaccedilatildeo que implica ao ser humano o conhecimento de si mesmo e do meio no qual estaacute inserido dele podendo participar de forma produtiva O alcance da cidadania enquanto exerciacutecio de direitos e deveres eacute colocada no acircmbito do municiacutepio por ser o ente federativo mais proacuteximo do cidadatildeo Nesse vieacutes a construccedilatildeo da cidadania plena se constitui como tarefa de muitas matildeos firmada em accedilotildees que visam o bem comum PALAVRAS-CHAVE cidadania direitos constituiccedilatildeo democracia
ABSTRACT
Citizenship assumed historically many concepts in the light of many social and cultural contexts in which it operates Its construction was conditioned how states were formed Thus the concept of citizenship as a right to have rights built into the structures of each state so modern citizenship has developed to the extent that people feel part of the nation-state can participate in the construction of dynamic and well common It is within this context that the present study which aims to talk about the main instruments of defense of civil rights noting citizenship as a mechanism for social change In Brazil citizenship becomes important to the Federal Constitution of 1988 which appears as a fundamental principle The Citizen Charter includes in the course of your text numerous innovations regarding the issue of characterization of citizenship in modern society and the rights covering the political civil and social The cast engine citizenship object of our analysis is access to law and justice that is decisive for effective constitutional guarantees as well as the education that involves the human knowledge of oneself and the environment in which it is inserted it can participate productively The scope of the exercise of citizenship as rights and duties is placed within the municipality for being the federative entity closest to the citizen In this vein the construction of full citizenship is constituted as a task of many hands signed into actions aimed at the common good KEYWORDS citizenship rights constitution democracy
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INTRODUCcedilAtildeO
A palavra cidadania tem sido usada com muita frequecircncia desde um discurso
poliacutetico a um diaacutelogo trivial pois eacute um vocaacutebulo de significado amplo que permite o
seu emprego para referir-se aos direitos humanos ou direitos do consumidor ou
para dirigir-se a um indiviacuteduo
O conceito de cidadania sempre esteve fortemente associado agrave noccedilatildeo de
direito o que de certa forma justifica a amplitude de usos do termo jaacute que a histoacuteria
da cidadania confunde-se com a histoacuteria dos direitos humanos a histoacuteria das lutas
das gentes para a afirmaccedilatildeo de valores como a liberdade a dignidade e a
igualdade de todos os seres humanos indistintamente Percebe-se portanto que
existe um estreito relacionamento entre cidadania e luta por justiccedila por democracia
e outros direitos fundamentais Pois como afirma Santana (2009)
A histoacuteria da cidadania confunde-se em muito com a histoacuteria das lutas pelos direitos humanos A cidadania esteve e estaacute em permanente construccedilatildeo eacute um referencial de conquista da humanidade atraveacutes daqueles que lutam por mais direitos maior liberdade melhores garantias individuais e coletivas []
Sua trajetoacuteria eacute longa e liga-se as transformaccedilotildees poliacuteticas ocorridas na
histoacuteria das sociedades O seu nascimento remota a Antiguidade passando por uma
perda de seu significado na Idade Media ateacute ressurgir na Modernidade e originar
calorosos debates nos dias de hoje
No Brasil estamos tecendo a nossa cidadania e aos poucos vamos nos
livrando da visatildeo restritiva da cidadania aplicada como simples conjunto de pessoas
dotadas de direitos poliacuteticos (cidadania ativa e cidadania passiva)
Passos importantes foram dados com o processo de redemocratizaccedilatildeo e a
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 mas essa trajetoacuteria ainda tem um longo caminho a
ser percorrido pois construir cidadania eacute tambeacutem construir novas relaccedilotildees e
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consciecircncia de que ela natildeo se limita a conquista legal de direitos mas tambeacutem a
realizaccedilatildeo desses direitos Sob pena de que a natildeo apropriaccedilatildeo desses direitos de
forma efetiva os transforma em letra morta
A consciecircncia cidadatilde perpassa a democracia os direitos sociais e o ideal
coletivo de justiccedila em sentido amplo o qual denominamos de bem comum A
vivecircncia da cidadania encontra diversas barreiras culturais e histoacutericas pois como
afirma Matos (2009)
Somos filhos e filhas de uma naccedilatildeo que nasceu sob o signo da cruz e da espada acostumados a apanhar calado a dizer sempre lsquosim senhorrsquo a lsquoengolir saposrsquo a achar lsquonormalrsquo as injusticcedilas a termos um lsquojeitinhorsquo para tudo a natildeo levar a seacuterio a coisa puacuteblica a pensar que direitos satildeo privileacutegios e exigi-los eacute ser boccedilal e metido a pensar que Deus eacute brasileiro e se as coisas estatildeo como estatildeo eacute por vontade Dele
Os direitos que hoje gozamos natildeo nos foram conferidos de maneira
harmoniosa foram conquistados E muitas vezes os compreendemos como uma
concessatildeo um favor de quem estaacute em cima para os que estatildeo em baixo da piracircmide
social e essa concepccedilatildeo errocircnea fragiliza a capacidade de organizaccedilatildeo participaccedilatildeo
e intervenccedilatildeo social que configura a cidadania
Este trabalho monograacutefico portanto tem como escopo discutir e traccedilar alguns
pressupostos que possibilitem a compreensatildeo do efetivo exerciacutecio da cidadania
como mecanismo transformador de uma sociedade (participaccedilatildeo cidadatilde nas
decisotildees da administraccedilatildeo puacuteblica que alcancem toda a coletividade)
compreendendo que a cidadania deve ser vista em todos os seus aspectos
principalmente no sentido que atraveacutes dela se almeja uma sociedade com vida
digna para todos Cidadania essa que se configurou e vem se impondo em meio a
fortes resistecircncias e combates
Para que os objetivos fossem alcanccedilados elegemos a pesquisa bibliograacutefica
como teacutecnica baacutesica para coletarmos os dados necessaacuterios Tratou-se de uma
proposta de estudo portanto de cunho eminentemente bibliograacutefico Assim sendo
as fontes da pesquisa foram as proacuteprias obras dos doutrinadores
Eacute por meio de referenciais teoacutericos como Hannah Arendt Joseacute Afonso da
Silva Norberto Bobbio Dalmo Dallari Walber Agra Celso Bandeira de Melo
Boaventura de Souza Joseacute Murilo de Carvalho entre outros expoentes da ciecircncia
juriacutedica que contextualizamos estes questionamentos e de certa maneira temos a
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pretensatildeo de contribuir para o fortalecimento do debate acadecircmico em torno de um
elemento valioso para o Estado Constitucional a cidadania
A dimensatildeo doutrinaacuteria do tema diz respeito a sua importacircncia para a aacuterea de
estudos em que se insere - o Direito Pois estudar e analisar elementos constitutivos
da cidadania significa compreender uma questatildeo que vem a cada dia tomando mais
espaccedilo nos meios acadecircmicos
Nos dias atuais em que a poacutes-modernidade permeia as relaccedilotildees juriacutedicas
propiciando a interdisciplinaridade e a flexibilidade da interpretaccedilatildeo dos dispositivos
postos o processo de discussatildeo voltado para a questatildeo da cidadania vivencia na
atualidade grande relevacircncia Nesse diapasatildeo duas consideraccedilotildees seratildeo levadas a
efeito a cidadania como um fundamento constitucional da Repuacuteblica Federativa do
Brasil de acordo com o que preceitua o inciso II do artigo 1ordm da Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 o local mais propiacutecio para o exerciacutecio efetivo da cidadania eacute o
municiacutepio onde ocorrem agraves decisotildees mais proacuteximas da comunidade em que o
individuo cidadatildeo tem maior facilidade de participaccedilatildeo nas decisotildees e por fim que
os indiviacuteduos exercem cidadania acessando a justiccedila em busca de seus direitos
Neste sentido o presente trabalho analisa algumas questotildees que estiveram e
ainda estatildeo por traacutes do desenvolvimento da foacutermula da cidadania percorrendo para
tanto desde a antiguidade ateacute o tempo presente De modo que o objetivo do
mesmo eacute analisar o processo de constituiccedilatildeo e consolidaccedilatildeo da cidadania ao longo
dos tempos como tambeacutem procura demonstrar os caminhos que de fato o conceito
de cidadania percorreu ateacute chegar agraves formulaccedilotildees da nossa eacutepoca em que passou
a ser concebida como um princiacutepio fundamental da Repuacuteblica Federativa do Brasil
Defendemos por fim que a cidadania como hoje a enxergamos eacute talvez o
uacutenico arcabouccedilo viaacutevel para a convivecircncia poliacutetica sendo certo que a sociabilidade
por traacutes da construccedilatildeo estatal precisa arrimar-se em postulados democraacuteticos e
criteacuterios de emancipaccedilatildeo da liberdade individual e coletiva os quais satildeo
pressupostos da cidadania plena
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CAPIacuteTULO 1 - NOVOS OLHARES SOBRE A CIDADANIA
A cidadania vista como uma verdadeira visatildeo democraacutetica da convivecircncia eacute
siacutembolo de todo um incessante processo desencadeado por meio de um labutar
juriacutedico-politico-cultural que vem acompanhado de vaacuterias etapas do fenocircmeno
humano na tentativa de harmonizar os interesses valores e necessidades dos
homens
Seus correspondentes mecanismos de atuaccedilatildeo na sociedade atual natildeo
surgiram como que por encanto pacificamente sem luta Brotaram apoacutes uma
semeadura ideoloacutegica em conflito com outras ideologias e doutrinas que lhe eram
contraacuterias A cidadania portanto consiste na lenta construccedilatildeo da democracia
sintetiza os esforccedilos para a obtenccedilatildeo das prerrogativas poliacuteticas sociais e culturais
que tecircm levado os membros da comunidade poliacutetica direta ou indiretamente a
decidir acerca da realidade que os cercam
Neste sentido obra de construccedilatildeo do civismo democraacutetico que vem se
fortalecendo de maneira eficaz com a promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo brasileira de
1988 a cidadania toma como ponto de partida a ideia de que o Estado democraacutetico
de Direito eacute uma conquista resultado de uma construccedilatildeo permanente da
convivecircncia sociopoliacutetica
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11 As origens da cidadania
A expressatildeo cidadania emana do termo latino civitas No entanto pode-se
encontrar suas procedecircncias intelectuais nas religiotildees da Antiguidade e nas
civilizaccedilotildees greco-romanas Polites que os romanos traduziram por cives que eacute o
soacutecio da polis ou civitas O legado greco-romano da palavra civitas nos remete agraves
noccedilotildees de liberdade igualdade e virtudes republicanas Eacute na polis grega que os
conceitos de liberdade e igualdade ganham sentido No entanto eacute importante citar
que
A participaccedilatildeo na polis ou na civitas era exclusiva de alguns homens que participavam do funcionamento da cidade-Estado eram eles os titulares de direitos poliacuteticos Eram considerados cidadatildeos apenas os homens nascidos no solo da cidade livres e iguais portadores de dois direitos inquestionaacuteveis portadores da isonomia (igualdade perante a lei) e da isegoria (o direito de expor e discutir em puacuteblico opiniotildees sobre accedilotildees que a cidade deveria ou natildeo realizar) (CHAUIacute 1994)
Ser cidadatildeo para os gregos significava antes de tudo usufruir certas
vantagens que nenhum outro homem conhecera Como afirma Minogue ldquoOs
cidadatildeos tinham riqueza beleza e inteligecircncia diversas mas como cidadatildeos eram
iguaisrdquo (1998) Foi especialmente no seacuteculo V aC que Atenas viveu seu momento
de apogeu Nesse seacuteculo especificamente desenvolveram-se as concepccedilotildees de
cidadania e democracia Em oposiccedilatildeo agrave ideia aristocraacutetica de poder o cidadatildeo
poderia e deveria atuar na vida puacuteblica independentemente da origem familiar
classe ou funccedilatildeo (ARENDT 1995)
Da mesma forma a racionalidade era conferida a uma minoria da
populaccedilatildeo exclusivamente aos homens que tinham o direito de filosofar aleacutem de
participar da academia (culto agrave beleza fiacutesica) e do poder (direito de comandar
politicamente todos os interesses da polis mediante a elaboraccedilatildeo e execuccedilatildeo de
leis e normas administrativas) Cidadatildeo segundo o teoacuterico Coulanges
Eacute todo o homem que segue a religiatildeo da cidade que honra os mesmos deuses da cidade () o que tem o direito de aproximar-se dos altares e podendo penetrar no recinto sagrado onde se realizam as assembleias assiste agraves festas acompanha as procissotildees e participa dos panegiacutericos participa dos banquetes sagrados e recebe sua parte das viacutetimas Assim esse homem no dia em que se inscreveu no registro dos cidadatildeos jurou praticar o culto dos deuses da cidade e por eles combater (2003)
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Os escravos e os baacuterbaros natildeo podiam tomar parte dos ambientes
sagrados Segundo alguns teoacutericos apenas 10 da populaccedilatildeo eram considerados
cidadatildeos em Atenas A fim de reduzir as despesas do Estado o governo restringiu o
direito de cidadania somente os filhos de pai e matildee atenienses seriam considerados
cidadatildeos As mulheres os metecos (estrangeiros) e os escravos continuaram
desprovidos de quaisquer direitos poliacuteticos A mulher era considera o ldquonatildeo serrdquo
equiparada aos escravos cuidava dos afazeres ldquodomeacutesticosrdquo servia como
instrumento de procriaccedilatildeo e natildeo participava portanto das decisotildees da polis
Aristoacuteteles descreve que mulheres e escravos eram mantidos fora da vista do
puacuteblico eram os trabalhadores que ldquocom o seu corpo cuidavam das necessidades
(fiacutesicas) da vidardquo Satildeo as mulheres que com seu corpo garantem a sobrevivecircncia
fiacutesica da espeacutecie Mulheres e escravos conforme Arendt
Pertenciam agrave mesma categoria e eram mantidos fora das vistas alheias - natildeo somente porque eram propriedade de outrem mas porque a sua vida era ldquolaboriosardquo dedicada a funccedilotildees corporais O filho de preferecircncia deveria ser do sexo masculino sendo candidato em potencial para exercer a cidadania O escravo servia de matildeo-de-obra para o sustento e manutenccedilatildeo dos cidadatildeos (1995)
Para Aristoacuteteles ser cidadatildeo diz respeito a todo aquele que eacute capaz de
tomar parte tanto no judiciaacuterio quanto no poder deliberativo da polis ldquoNenhum
caraacuteter define melhor o cidadatildeo no sentido estrito do que a participaccedilatildeo do exerciacutecio
dos poderes de juiz e magistradordquo (ARISTOacuteTELES A Poliacutetica III 16 Apud
TOURAINE 1994) O fim uacuteltimo do homem eacute viver na polis onde o homem se
realiza como cidadatildeo (politai) manifestando o processo de constituiccedilatildeo de sua
essecircncia a sua natureza Ou seja natildeo apenas viver em sociedade mas viver na
ldquopoliticidaderdquo
Para Aristoacuteteles a reflexatildeo sobre a poliacutetica eacute que ela natildeo se separa da
eacutetica pois segundo o estagirita a vida individual estaacute imbricada na vida comunitaacuteria
A razatildeo pela qual os indiviacuteduos reuacutenem-se nas cidades (e formam comunidades
poliacuteticas) natildeo eacute apenas a de viver em comum mas a de viver ldquobemrdquo ou a boa vida
Para que isso aconteccedila eacute necessaacuterio que os cidadatildeos vivam o bem comum ou em
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conjunto ou por intermeacutedio dos seus governantes se acontecer o contraacuterio (a busca
do interesse proacuteprio) estaacute formada a degeneraccedilatildeo do Estado
Por fim como afirma Correcirca (1999) ldquoa cidadania da Greacutecia Claacutessica
possui um paracircmetro muito especiacutefico de difiacutecil aceitaccedilatildeo numa concepccedilatildeo
moderna de cidadaniardquo Ou seja o que caracteriza a cidadania antiga eacute seu aspecto
limitador elitista e excludente pouco semelhante com o entendimento dos nossos
dias
Destarte como a democracia a cidadania passou por diferentes e possiacuteveis
ldquoinvenccedilotildeesrdquo em periacuteodos e espaccedilos determinados da histoacuteria e da geografia do
Ocidente Greacutecia e Roma consolidaram por seacuteculos seus sistemas de governos
possibilitando e permitindo a participaccedilatildeo de um significativo nuacutemero de cidadatildeos
Com o desaparecimento das civilizaccedilotildees claacutessicas a cidadania desaparece
juntamente e por um bom tempo ficaraacute fora de cena no Ocidente
Conforme Benevides (1994) a ideia moderna de cidadania e de direitos do
cidadatildeo tem como eacute sabido soacutelidas raiacutezes nas lutas e no imaginaacuterio da Revoluccedilatildeo
Francesa
Na continuidade da tradiccedilatildeo dos seacuteculos XVII e XVIII o contratualismo de
Locke e de Rousseau forneceu as bases filosoacuteficas do conceito de cidadania do
liberalismo e as revoluccedilotildees Inglesa Americana e Francesa que validaram seu uso
ao estabelecer um viacutenculo juriacutedico-legal entre as noccedilotildees de liberdade igualdade
fraternidade e o Estado-naccedilatildeo (MOISEacuteS 2005)
Nos seacuteculos XVIII e XIX outras correntes teoacutericas sobre o direito e a cidadania
seratildeo contempladas No entanto estas teorias vatildeo se contrapor agraves teorias do
jusnaturalismo e do contratualismo Segundo Correcirca (1999)
Para o positivismo juriacutedico (positivismo normativista de Kelsen) bem como para a Escola da Exegese e a Escola Histoacuterica o que vale eacute o ensino dogmaacutetico - as normas (exclue-se a anaacutelise interdisciplinar entre outras aacutereas principalmente com as Ciecircncias Sociais) A lei eacute a uacutenica fonte do direito Para essas escolas a cidadania eacute negada
Mais proacuteximo de noacutes no seacuteculo XX T A Marshall foi quem primeiro
discutiu o conceito de cidadania e suas dimensotildees no ensaio claacutessico ldquoCidadania e
classe socialrdquo Ainda hoje depois de mais de seis deacutecadas apoacutes a sua publicaccedilatildeo
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(em 1949) o ensaio de Marshall continua a ser a referecircncia teoacuterica fundamental
para quem comeccedila a refletir sobre a cidadania na sociedade contemporacircnea eacute o
que se pode constatar de resto atraveacutes da consulta a mais recente bibliografia
dedicada a esse tema
Os Direitos Civis dentro da tradiccedilatildeo apresentada por Marshall estatildeo
ligados aos direitos fundamentais do homem como o direito agrave vida agrave liberdade agrave
propriedade e agrave igualdade perante a lei Jaacute os Direitos Poliacuteticos se referem agrave
participaccedilatildeo do cidadatildeo no governo da sociedade Seu exerciacutecio eacute limitado a uma
reduzida parcela da populaccedilatildeo e consiste na capacidade de fazer demonstraccedilotildees
poliacuteticas formar e participar de agremiaccedilotildees poliacuteticas organizar partidos votar e ser
votado Em geral quando se fala de direitos poliacuteticos
Eacute do direito do voto que se estaacute falando Por fim aparecem os Direitos Sociais que garantem a participaccedilatildeo no governo da sociedade e na riqueza coletiva Eles incluem o direito agrave educaccedilatildeo ao trabalho ao salaacuterio justo agrave sauacutede e agrave aposentadoria (CARVALHO 2002)
Eacute a soma desses direitos (civis poliacuteticos e sociais) que garantem a
emancipaccedilatildeo humana e a justiccedila social Certamente Marshall descreveu a evoluccedilatildeo
da cidadania em seu paiacutes de origem ou seja a Inglaterra Foi nesse paiacutes que
surgiram inicialmente os direitos civis no seacuteculo XVIII depois vieram os direitos
poliacuteticos (XIX) e por fim os direitos sociais (XX) Trata-se portanto de verdadeiras
conquistas da contemporaneidade E como tal fazem parte de um cotidiano em que
homens e mulheres lutam por dias melhores pelo Direito justo por uma cidadania
plena e eficaz por uma convivecircncia equilibrada pela existecircncia plena daqueles que
acreditam e defendem os valores por traacutes da dignidade da pessoa humana
12 A construccedilatildeo da cidadania
A Cidadania natildeo pode ser vista como um conceito estaacutetico pois ela natildeo se
resume somente em participaccedilatildeo atraveacutes de eleiccedilotildees mas sim como uma
construccedilatildeo da democracia politizada e participativa da construccedilatildeo do poder
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Nas uacuteltimas deacutecadas o Brasil passou por significativas mudanccedilas de
paradigmas dentre os quais podemos citar a reconstruccedilatildeo do conceito proposto de
cidadania Pode-se dizer que apesar das inuacutemeras desigualdades socioeconocircmicas
o termo ldquocidadaniardquo evoluiu ampliando-se a abrangecircncia de sua concepccedilatildeo
abarcando todas as categorias sociais Para tanto para que possamos compreender
como vem se dando essa evoluccedilatildeo eacute preciso que conheccedilamos como tem se dado a
construccedilatildeo histoacuterica da representaccedilatildeo simboacutelica da cidadania
Durante toda a sua evoluccedilatildeo histoacuterica a palavra cidadania e as vaacuterias facetas
que ela assumiu nas uacuteltimas deacutecadas vecircm convivendo de perto com dissensotildees
sociais interesses e conflitos ideoloacutegicos culturais e poliacuteticos que se dedicam a
defender ou construir um modelo de cidadania compatiacutevel com as conjunturas de
cada tempo e de cada lugar
A marcha da cidadania sempre esteve ligada a avanccedilos retrocessos crises e
vitoacuterias enfim a iniciativas voltadas para a implantaccedilatildeo de uma estrateacutegia de luta
pelos direitos humanos pois ela esteve e estaacute em permanente construccedilatildeo eacute como
dizem os grandes teoacutericos um referencial de conquista da humanidade atraveacutes
daqueles que sempre lutaram e lutam por mais direitos mais liberdade melhores
garantias sejam elas individuais ou coletivas e natildeo se conformam frente agraves
dominaccedilotildees arrogantes de um pequeno grupo dominador e opressor contra uma
maioria desassistida e que natildeo se consegue fazer ouvir exatamente porque se lhe
nega a cidadania plena cuja conquista ainda que tardia natildeo seraacute obstada
Os caminhos trilhados pelos que defendem a cidadania podem vir a
apresentar em termos de sentimento constitucional a luta por um Estado
Democraacutetico de Direito que ajude na construccedilatildeo de uma adequada compreensatildeo
das situaccedilotildees de conjuntura e dos problemas estruturais que a sociedade enfrenta
dia apoacutes dia situaccedilotildees essas que se congregam para gerar a falta de efetividade
normativa da nossa Constituiccedilatildeo Aleacutem disso oferecem um amplo panorama acerca
dos esforccedilos que os povos empreenderam para fundar os alicerces das democracias
constitucionais do mundo moderno
A histoacuteria da construccedilatildeo da cidadania eacute uma histoacuteria de resistecircncias de povos
contra as opressotildees dos governos do desespero e das necessidades das massas eacute
a histoacuteria da esperanccedila e do empenho das naccedilotildees a histoacuteria da convivecircncia das
paixotildees humanas do futuro das geraccedilotildees eacute a histoacuteria do sofrimento e da dor eacute a
histoacuteria das vicissitudes e dramas do proacuteprio fenocircmeno humano
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13 Cidadania um fenocircmeno cultural
A cidadania eacute um fenocircmeno cultural relacionada com a conquista de direitos
com as construccedilotildees das instituiccedilotildees com a proteccedilatildeo dos direitos fundamentais e
dos valores juriacutedicos e humanos Trata-se de uma realidade cultural cuja finalidade eacute
determinar o modo como agraves pessoas devem vincular-se agraves mudanccedilas nas estruturas
sociais determinando o modo como agraves pessoas devem atuar e (com) viver em
sociedade
De certo modo a cidadania como o Direito e todos os direitos representa uma
conquista da cultura frente agrave conflitiva natureza humana Tal conclusatildeo ajuda a
compreender o Estado Democraacutetico de Direito e tudo aquilo que ele simboliza em
termos de emancipaccedilatildeo da pessoa humana Nessa linha a necessidade de
compreender o conceito atual de cidadania agrave luz das questotildees culturais e sociais
postas pela sociedade poacutes-moderna veio-nos como heranccedila do processo cultural de
formaccedilatildeo das democracias modernas
Essa representaccedilatildeo cultural da cidadania vem sendo tratada pelos
pensadores modernos sob vaacuterios enfoques Num primeiro momento surge assim
por exemplo a cidadania civil que marcou a superaccedilatildeo da situaccedilatildeo observada na
Idade Meacutedia garantindo os direitos quanto agrave liberdade e agrave justiccedila e vinculando-se
diretamente agrave burguesia Jaacute a cidadania poliacutetica surgiu com a universalizaccedilatildeo de seu
proacuteprio conceito e com a ampliaccedilatildeo dos direitos civis Esta nova consciecircncia sobre
as diferenccedilas no interior do status de cidadatildeo acentua os debates sobre a exclusatildeo
social os direitos humanos e mesmo sobre a atuaccedilatildeo poliacutetica da sociedade civil Por
outro lado no atual estaacutegio do capitalismo falar em cidadania significar considerar
igualmente as proacuteprias mudanccedilas ocorridas na sociedade nos valores e na
educaccedilatildeo proporcionados pelas inovaccedilotildees da realidade tecnocientifica
Temos desse modo associado ao atual conceito de cidadania um repertoacuterio
teoacuterico e mesmo praacutetico cuja amplitude acompanha o proacuteprio desenvolvimento das
sociedades poacutes-modernas dando a impressatildeo crescente como afirma Harvey
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De uma poderosa configuraccedilatildeo de novos sentimentos e pensamentos Que parecia a caminho de desenvolvimento social e poliacutetico apenas em virtude da maneira como definia padrotildees de criacutetica social e de praacutetica poliacutetica Em anos recentes ele vem determinando os padrotildees de debate definindo o modo do lsquodiscursorsquo e estabelecendo paracircmetros para a criacutetica cultural poliacutetica e cultural (1992)
Contudo a extensatildeo desses direitos agrave totalidade da populaccedilatildeo natildeo
possibilitou a garantia da liberdade e da igualdade idealizadas por Rousseau em sua
obra ldquoO Contrato Socialrdquo Por outro lado pode-se dizer que todos esses anos de
desenvolvimento acabaram por afirmar que a cidadania de fato soacute pode se constituir
por meio de acirrada luta cotidiana por direitos e pela garantia daqueles que jaacute
existem
Mais do que isso nota-se maior preocupaccedilatildeo com a difusatildeo desses direitos
seja por meio de educaccedilatildeo formal seja pelos meios de comunicaccedilatildeo Livros
didaacuteticos e paradidaacuteticos tecircm fomentado a discussatildeo sobre o status de cidadatildeo e os
direitos humanos outros associam ao desenvolvimento da cidadania uma
discussatildeo sobre os meios de comunicaccedilatildeo e o proacuteprio capitalismo como afirma o
professor Dalmo de Abreu Dallari em Cidadania e Direitos Humanos (1998)
Nessa perspectiva problemas recorrentes como as violaccedilotildees dos direitos
humanos as ineficiecircncias no campo social e o processo de pauperizaccedilatildeo
manifestado na periferia do capitalismo mostram que a cidadania exige mais do que
o simples ato de votar ou de pertencer a uma sociedade poliacutetica Cabe portanto agrave
sociedade civil caraacuteter representativo que substitua as pressotildees ou mesmo a
atuaccedilatildeo legiacutetima dos cidadatildeos
A evoluccedilatildeo da cidadania portanto consiste na lenta construccedilatildeo da
democracia que sintetiza os esforccedilos para a obtenccedilatildeo das prerrogativas ideoloacutegicas
e culturais que tecircm levado os membros da sociedade a decidirem acerca da
realidade que os cercam
14 Cidadania no Brasil breves consideraccedilotildees
Discorrer sobre a construccedilatildeo da cidadania no Brasil eacute tocar num ponto
crucial da nossa histoacuteria Passados mais de 500 anos da chegada dos portugueses
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por estas paragens percebe-se que a consolidaccedilatildeo da cidadania ainda eacute um desafio
para todos os brasileiros
O tema cidadania muito se tem discutido na academia e fora dela o jargatildeo
da cidadania estaacute na moda nas instituiccedilotildees poliacuteticas e juriacutedicas como tambeacutem na
opiniatildeo puacuteblica mas concretamente eacute um conceito ainda a ser construiacutedo
No contexto histoacuterico-cultural e poliacutetico dos gregos especificamente por
volta do ano 380 aC (periacuteodo do apogeu daquela civilizaccedilatildeo) embora a cidadania
fosse limitada a uma parcela social minoritaacuteria pode-se afirmar que tanto a
democracia quanto a cidadania grega natildeo deixam de ser conquistas ineacuteditas e
avanccedilos significativos para a histoacuteria ocidental Jaacute a evoluccedilatildeo e a real consolidaccedilatildeo
da cidadania na modernidade nascem a partir dos direitos naturais (vida
propriedade liberdade) do homem liberal burguecircs garantido pelas consecutivas
ldquoDeclaraccedilotildees de Direitosrdquo elaboradas a partir das revoluccedilotildees liberais na Inglaterra
(Revoluccedilatildeo Gloriosa 1688-89) Estados Unidos (Emancipaccedilatildeo poliacutetica 1776) Franccedila
(Revoluccedilatildeo Francesa)
No entanto pode-se dizer que o nosso paiacutes apesar da influecircncia dos paiacuteses
europeus vivenciou como ainda vivencia uma difiacutecil construccedilatildeo da cidadania
A longa histoacuteria do Brasil vem elencando razotildees profundas para a nossa
natildeo-cidadania atual a exemplo da conquista (ou invasatildeo) do nosso territoacuterio o
grande latifuacutendio a escravidatildeo a monocultura de exportaccedilatildeo o analfabetismo a
perpetuaccedilatildeo das elites poliacuteticas no poder fatores que refletem nos viacutecios da vida
social cultural poliacutetica e econocircmica do paiacutes
Fundamentalmente eacute preciso afirmar que no Brasil a construccedilatildeo da
cidadania natildeo seguiu a loacutegica da trajetoacuteria inglesa Houve no Brasil segundo
Carvalho (2002) pelo menos duas diferenccedilas importantes
A primeira refere-se agrave maior ecircnfase em um dos direitos o social em relaccedilatildeo aos outros a segunda refere-se agrave alteraccedilatildeo na sequecircncia em que os direitos foram adquiridos entre noacutes o social precedeu os outros
Uma das razotildees fundamentais das dificuldades da construccedilatildeo da cidadania
estaacute ligada como nos diz Carvalho ao ldquopeso do passadordquo mais especificamente ao
periacuteodo colonial (1500-1822) quando
21
Os portugueses tinham construiacutedo um enorme paiacutes dotado de unidade territorial linguiacutestica cultural e religiosa Mas tinham deixado uma populaccedilatildeo analfabeta uma sociedade escravocrata uma economia monocultora e latifundiaacuteria um Estado Absolutista (CARVALHO 2002)
Em suma foram 322 anos sem poder puacuteblico sem Estado sem naccedilatildeo e
cidadania Diante de tatildeo obscuro cenaacuterio de dominaccedilatildeo opressatildeo dentre outras
formas de natildeo efetivaccedilatildeo da cidadania no Brasil podemos elencar dentre outros
tantos fatores quais foram os principais obstaacuteculos para a construccedilatildeo da cidadania
brasileira O latifuacutendio agro-exportador do periacuteodo colonial bem como o escravismo
o analfabetismo marcaram negativamente nossas origens e ateacute hoje dificultam
avanccedilos no acircmbito poliacutetico-social e econocircmico Aleacutem dessas outras razotildees foram e
continuam sendo entraves para a consolidaccedilatildeo das instituiccedilotildees poliacutetica que
impedem os avanccedilos necessaacuterios para uma cidadania plena Na ordem poliacutetica
permanecem ainda algumas mazelas histoacutericas como o patrimonialismo
(promiscuidade entre o puacuteblico e o privado) o coronelismo com sua nova roupagem
o clientelismo aleacutem da corrupccedilatildeo entre outros
Mesmo diante de tatildeo vergonhoso cenaacuterio natildeo podemos nos dispensar que
tambeacutem alcanccedilamos mesmo que de forma tiacutemida significativas conquistas de
direitos no Brasil comparadas com outros paiacuteses que vivenciaram um processo de
colonizaccedilatildeo semelhante ao nosso A conquista desses direitos deu-se de maneira
tardia e inversa haja vista que somente em 1824 mais de 320 anos apoacutes a chegada
dos portugueses foi que surgiram os primeiros direitos civis e poliacuteticos (antes disso
estaacutevamos submetidos agrave lei da coroa portuguesa) Aos poucos surgiram os direitos
sociais mas exatamente no momento em que os direitos civis e poliacuteticos estavam
sendo negados no periacuteodo da ditadura de Vargas (1937-45) e na ditadura militar
(1964-1985) Parece um paradoxo mas foi exatamente nesse periacuteodo de
conturbaccedilotildees poliacuteticas que marchamos em direccedilatildeo agrave conquista de significativos
direitos que iriam projetar uma ideia de lutas e vitoacuterias que se projetariam no campo
da cidadania de modo bastante concreto
Por fim haveremos de concordar com Benevides (1994) ao afirmar que no
intuito de reverter agrave realidade poliacutetico-social excludente ou de uma cidadania
passiva ou sem ldquopovordquo eacute necessaacuterio recorrer agrave defesa de mecanismos institucionais
22
como o referendo o plebiscito e a iniciativa popular para a construccedilatildeo do que ela
chama de uma cidadania ativa ou democracia semidireta Alguns autores veem
dificuldades na implementaccedilatildeo desse sistema em paiacuteses que estatildeo em processo de
democratizaccedilatildeo no entanto logo em seguida apontam para a educaccedilatildeo poliacutetica ndash
entendida como educaccedilatildeo para a cidadania ativa
Desse modo pode-se proferir que todos esses anos de desenvolvimento
acabaram por afirmar que a cidadania de fato soacute pode se constituir por meio de
acirrada luta cotidiana por direitos e pela garantia daqueles que jaacute existem pois
apesar da existecircncia de profundas desigualdades sociais a ideia de cidadania
evoluiu com o passar dos anos Ampliou-se a abrangecircncia de sua concepccedilatildeo
abraccedilando todas as classes sociais e minorias Deixou de restringir-se apenas agrave
participaccedilatildeo poliacutetica para relacionar uma seacuterie de deveres da sociedade para com o
cidadatildeo Na praacutetica ainda haacute muito que se fazer para que direitos e deveres sejam
os mesmos para todos No entanto a busca pela realizaccedilatildeo da maacutexima ldquocada
homem um votordquo continua a ser perseguida
A luta pela conquista plena da cidadania eacute parte integrante da democracia
uma vez que assegura a continuidade das transformaccedilotildees juriacutedicas poliacuteticas entre
outras Natildeo resta duacutevida acerca do papel estruturante que essa luta desempenha no
quadro das democracias contemporacircneas fato que a converte em uma irresistiacutevel
conquista da modernidade O caraacuteter estruturante que a cidadania projeta nos
quadros da democracia atual estaacute ligado a permanente busca de um Estado
compatiacutevel com a realidade de cada tempo histoacuterico
23
CAPIacuteTULO 2 - CIDADANIA Agrave LUZ DA CONSTITUICcedilAtildeO FEDERAL DE
1988
A Constituiccedilatildeo eacute a ordem juriacutedica fundamental da comunidade nas palavras
de Konrad Hesse (apud PALU 2001) eacute um documento juriacutedico e poliacutetico dirigido aos
cidadatildeos e estes satildeo os seus primeiros destinataacuterios A Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica eacute
a Lei fundamental composta por um conjunto de normas baacutesicas que compotildeem a
estrutura juriacutedica poliacutetica social e econocircmica de um paiacutes Essa eacute razatildeo pela qual
ela eacute chamada de Carta Magna pois a ela nada se sobrepotildee Para Dallari (1985) a
Constituiccedilatildeo
[] eacute a declaraccedilatildeo da vontade poliacutetica de um povo feita de modo solene por meio de uma lei que eacute superior a todas as outras que visando agrave proteccedilatildeo da dignidade humana estabelece os direitos e as responsabilidades fundamentais dos indiviacuteduos dos grupos sociais do povo e do governo
Desta forma uma Constituiccedilatildeo natildeo surge do nada ela eacute resultado de
observaccedilotildees e experiecircncias e sua finalidade eacute de afirmar e garantir os direitos
elementares das pessoas humanas disciplinar o uso ao mesmo tempo em que
evita o abuso de poder organizando de forma racional a sociedade e o governo
Satildeo inegaacuteveis as inovaccedilotildees teacutecnicas trazidas pela Constituiccedilatildeo Brasileira de
1988 no campo da instituiccedilatildeo garantia e proteccedilatildeo dos direitos fundamentais A
dignidade da pessoa humana e o exerciacutecio da cidadania satildeo considerados princiacutepios
fundamentais da Carta Magna Brasileira de 1988
Cidadania direito a ter direitos na acepccedilatildeo de Haberle ( apud VALADEacuteS
2009) refere-se a todos os direitos previstos na Constituiccedilatildeo de 1988 e ainda
aqueles natildeo expressos mas decorrentes do regime e dos princiacutepios por ela
adotados na dicccedilatildeo do sect 2deg art 5deg
O princiacutepio fundamental da cidadania conforme jaacute exposto impregna todo o
texto constitucional vigente a partir do art 1deg II em que figura de forma
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exponencial relativamente ao Estado brasileiro e tudo que lhe corresponda no
exerciacutecio de um poder que adquire significaccedilatildeo renovada e amplificada na
sociedade contemporacircnea Segundo Arendt
A cidadania eacute o direito a ter direitos pois a igualdade em dignidade e direitos dos seres humanos natildeo eacute um dado Eacute um construiacutedo da convivecircncia coletiva que requer o acesso ao espaccedilo puacuteblico Eacute este acesso ao espaccedilo puacuteblico que permite a construccedilatildeo de um mundo comum atraveacutes do processo de asserccedilatildeo dos direitos humanos
Nesse diapasatildeo o direito a ter direitos compreende o pleno acesso ao
espaccedilo puacuteblico o efetivo exerciacutecio do poder poliacutetico das prerrogativas inerentes agrave
cidadania conforme explicita a Constituiccedilatildeo no art 5deg LXXI a propoacutesito do
mandado de injunccedilatildeo no dizer todo direito atribuiacutedo com o caraacuteter de exclusividade
agrave pessoa
21 Estado Democraacutetico de Direito espaccedilo de cidadania
Apoacutes a eacutepoca de grandes restriccedilotildees militares o ato de promulgaccedilatildeo da
Constituiccedilatildeo Federal em 05 de outubro de 1988 vem marcar uma nova fase de
esperanccedila para os brasileiros Ao batizaacute-la de Constituiccedilatildeo cidadatilde a Assembleia
Nacional Constituinte atraveacutes de seu presidente o Deputado Ulisses Guimaratildees
resumiu o espiacuterito do texto constitucional assegurar aos brasileiros direitos sociais
essenciais ao exerciacutecio da cidadania e estabelecer mecanismos para garantir o
cumprimento de tais direitos
O que se viu a partir de entatildeo foi uma lenta poreacutem significativa mudanccedila na
sociedade brasileira A Constituiccedilatildeo Federal que eacute sem duacutevidas um marco na
histoacuteria do paiacutes traccedila a prioridade dada pelos constituintes aos direitos dos
brasileiros que pode ser observada em todas as questotildees
A Carta faz uma ampliaccedilatildeo dos direitos individuais sociais e poliacuteticos e como
se observa a inserccedilatildeo dos direitos sociais como segundo tiacutetulo revela a primazia
que o constituinte quis daacute a estes direitos em detrimento de todos os outros
incluindo os referentes agrave organizaccedilatildeo do Estado e dos Poderes que vecircm depois
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Ao contraacuterio do que ocorreu com as Constituiccedilotildees anteriores esse
ordenamento dos capiacutetulos parece revelar que a Carta eacute o prenuacutencio de um paiacutes em
que os direitos dos cidadatildeos formam a base do ordenamento do Estado Essa ideia
foi expressa pelo presidente da Assembleacuteia Constituinte deputado Ulysses
Guimaratildees que voltamos a citar quando anunciou
Diferentemente das sete constituiccedilotildees anteriores esta comeccedila com o homem De modo gratificante testemunha a primazia do homem que foi escrita para o homem que o homem eacute seu fim e sua esperanccedila Eacute a Constituiccedilatildeo cidadatilde
A Constituiccedilatildeo nasceu da constataccedilatildeo de que o figurino juriacutedico formulado
para o Brasil desde os primoacuterdios do Estado nacional natildeo se compatibilizava com as
necessidades dos brasileiros Houve avanccedilos na formalizaccedilatildeo da Lei Magna
especialmente no tocante aos direitos de cidadania mas estamos longe do ideal
preconizado pela carta cidadatilde O que nos leva a crer que a cidadania eacute um processo
diaacuterio e permanente de construccedilatildeo Pois natildeo basta garantir o direito eacute preciso
exercecirc-lo
A cidadania abraccedilada pela atual Constituiccedilatildeo Federal Brasileira teve seu
conteuacutedo ampliado e natildeo se restringe ao simples fato de possuir um tiacutetulo de eleitor
para votar e ser votado ela estabelece cidadania como princiacutepio fundamental da
Repuacuteblica do Brasil desta forma o conceito decorrente pode ser entendido
conforme preleciona Silva (2005) ldquocidadania estaacute aqui num sentido mais amplo do
que o de titular de direitos poliacuteticos Qualifica os participantes da vida do Estado
reconhecimento do indiviacuteduo como pessoa integrada a sociedade estatalrdquo
Tal conceito nos leva a relacionar cidadania com democracia uma vez que
optou-se pelo Estado Democraacutetico de Direito o qual assenta seus alicerces na
participaccedilatildeo popular em questotildees que envolvem a coisa puacuteblica Para Moraes
(2005) esse Estado de Direito ldquosignifica a exigecircncia de reger-se por normas
democraacuteticas com eleiccedilotildees livres perioacutedicas e pelo povo bem como o respeito das
autoridades puacuteblicas aos direitos e garantias fundamentaisrdquo
O propoacutesito da opccedilatildeo pelo Estado Democraacutetico de Direito eacute que a cidadania e
os demais direitos fundamentais fluam com plenitude talvez seja o que justifique a
denominaccedilatildeo da Carta Magna de cidadatilde pois o povo passa a atuar de forma mais
ativa na vida poliacutetica do Estado uma vez que a ele foi concedido esse poder
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A cidadania portanto soacute adquire pleno significado no mundo contemporacircneo
num Estado Democraacutetico de Direito para tanto exige um ambiente de vida e de
conviacutevio entre os homens tiacutepico e proacuteprio de um Estado Democraacutetico pois a
cidadania constitui fundamento primordial daquele Estado qual seja possibilitar aos
indiviacuteduos habitantes de um paiacutes o seu pleno desenvolvimento atraveacutes do alcance
de igual dignidade social e econocircmica
Segundo Rozicki (2005) O ambiente de vida social do Estado Democraacutetico
cujos pilares se encontram na efetividade dos direitos fundamentais da pessoa
humana em uma sociedade solidaacuteria soacute eacute possiacutevel atraveacutes da observaccedilatildeo de alguns
postulados que lhe satildeo essenciais os quais a autora denomina de pressupostos do
Estado democraacutetico de Direito
1)a valorizaccedilatildeo e atualidade da dignidade do homem e o reconhecimento da importacircncia de dispensar a todos tratamento fraternal igualitaacuterio e natildeo discriminativo 2) a confianccedila nos talentos e possibilidades latentes dos homens 3) a seguranccedila e o creacutedito nos valores institucionalizados pelas massas como fundamentos para o progresso do bem comum e o alcance da justiccedila 4) a aceitaccedilatildeo da legitimidade das decisotildees tomadas por meio de processos racionais e participativos de deliberaccedilatildeo com o consenso da maioria que constitui o reflexo o resultado de debates livres entre todos 5) o respeito aos grupos minoritaacuterios 6) e a compreensatildeo de que todo o interesse geral eacute a siacutentese dos diversos interesses e ideacuteias dos indiviacuteduos e dos grupos diferentes centros de poder que integram a sociedade pluralista
Percebe-se que o conceito amplo de cidadania encontra seus princiacutepios
baacutesicos e estruturantes nesses pressupostos intimamente ligado aos conceitos de
democracia e de igualdade No tocante ao conceito de igualdade elucidativa eacute a
liccedilatildeo de Rozicki (2005) quando afirma que
O princiacutepio de igualdade disciplina todas as atividades puacuteblicas e tem aplicaccedilatildeo direta nas relaccedilotildees privadas que ocorrem entre os particulares impondo para tornaacute-lo real a proibiccedilatildeo de discriminaccedilotildees e a eliminaccedilatildeo das desigualdades faacuteticas nos planos social e econocircmico proporcionando a todos os cidadatildeos igual condiccedilatildeo de vida e mesma posiccedilatildeo perante o Estado Democraacutetico
E complementa que tambeacutem para a realizaccedilatildeo da cidadania o princiacutepio
democraacutetico torna indispensaacutevel agrave participaccedilatildeo popular nas tomadas de decisatildeo No
seu entender
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A cidadania no Estado democraacutetico de direito efetivada oferece aos cidadatildeos como iguais condiccedilotildees de existecircncia o gozo atual de direitos e a obrigaccedilatildeo do cumprimento de deveres que resumidamente podem ser assim apresentados exerciacutecio de direitos fundamentais e participaccedilatildeo e os deveres de colaboraccedilatildeo e solidariedade (Rozicki 2005)
Natildeo obstante eacute vaacutelido ressaltar um princiacutepio igualmente importante e deveras
esquecido a fraternidade Este princiacutepio que eacute um dos trecircs pilares da Revoluccedilatildeo
Francesa eacute pouco discutido apesar de assumir um papel decisivo na consolidaccedilatildeo
da democracia da politica e do poder
A fraternidade eacute necessaacuteria para o estabelecimento de uma comunidade
politicamente solidaacuteria com indiviacuteduos iguais e livres
Para finalmente concebermos um Estado Democraacutetico de Direito que trate os
iguais na medida de suas desigualdades
22 Os direitos fundamentais como pressupostos de identidade da cidadania
Os direitos fundamentais vistos como um dos traccedilos mais marcante do
constitucionalismo moderno consistem no resultado da luta dos homens por um
direito ideal justo e humano representam situaccedilotildees reconhecidas juridicamente
sem as quais o homem eacute incapaz de alcanccedilar sua proacutepria realizaccedilatildeo e
desenvolvimento plenamente daiacute dizer-se que o princiacutepio preponderante que
condensa os direitos fundamentais eacute o da dignidade da pessoa humana
Os direitos fundamentais satildeo o conjunto de normas de um ordenamento juriacutedico que formam um subsistema deste fundado na liberdade na igualdade na seguridade na solidariedade expressotildees da dignidade do homem que formam parte da norma baacutesica material de identificaccedilatildeo do ordenamento juriacutedico e constitui um setor de moralidade procedimental positivada que legitima o Estado Social de Direito (MARTINEZ apud AGRA 2002)
Tais direitos foram e vatildeo sendo aperfeiccediloados e estendidos ao longo do
tempo resta dizer que os mesmos estabelecem faculdades da pessoa humana que
permitem sua breve classificaccedilatildeo do seguinte modo 1) os direitos civis e poliacuteticos
de liberdade como por exemplo a liberdade de expressatildeo de propriedade de
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manifestaccedilatildeo do pensamento de associaccedilatildeo de imprensa de reuniatildeo de igualdade
formal perante a lei de participaccedilatildeo poliacutetica o devido processo legal o habeas
corpus o direito de peticcedilatildeo etc 2) os direitos sociais econocircmicos e culturais de
participaccedilatildeo poliacutetica tais como a igualdade de sufraacutegio o direito de voto e de
elegibilidade o direito de peticcedilatildeo e os direitos de participaccedilatildeo poliacutetica 3) os direitos
da titularidade coletiva que satildeo aqueles ligados a solidariedade e a fraternidade
como por exemplo o direito agrave preservaccedilatildeo do meio ambiente e agrave qualidade de vida
etc 4) os direitos chamados de quarta geraccedilatildeo por exemplo direito a democracia a
informaccedilatildeo ao comeacutercio eletrocircnico entre os estados etc
Natildeo existe qualquer relaccedilatildeo hieraacuterquica entre estes direitos mesmo porque
todos interagem entre si de nada servindo um sem a existecircncia dos outros Esta
divisatildeo acontece devido agrave eterna e constante busca do homem por mais proteccedilatildeo
mais garantia com o objetivo de alcanccedilar uma sociedade mais justa igualitaacuteria e
fraterna
Na evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais Agra (2002) chama a atenccedilatildeo do
relevo que adquirem a democratizaccedilatildeo da informaccedilatildeo e os mecanismos de
democracia participativa E justifica que a democratizaccedilatildeo da informaccedilatildeo natildeo se
caracteriza apenas pela existecircncia de uma miacutedia plural sem nenhum tipo de
monopoacutelio mas deve ser concebida como a obrigaccedilatildeo que todos os cidadatildeos tecircm
de tomar consciecircncia dos graves problemas que afligem a humanidade e que os
mecanismos da democracia participativa concebem a cidadania em extensatildeo muito
superior ao voto abrangendo a interferecircncia direta do cidadatildeo nas decisotildees
governamentais mediante vaacuterios mecanismos juriacutedicos como o plebiscito o recall o
orccedilamento participativo etc
De acordo com Silva (2005) os Direitos Fundamentais na Constituiccedilatildeo de
1988 abrangem os ldquodireitos individuais sociais poliacuteticos e tambeacutem os direitos
econocircmicos Para o autor a ampliaccedilatildeo e transformaccedilatildeo dos direitos fundamentais
do homem na histoacuteria dificultam uma definiccedilatildeo sinteacutetica do conceitordquo
Essa dificuldade aumenta diante do emprego de vaacuterias expressotildees para
designaacute-los tais como direitos naturais direitos humanos direitos do homem
direitos individuais direitos puacuteblicos subjetivos liberdades fundamentais liberdades
puacuteblicas e direitos fundamentais do homem No entanto direitos fundamentais do
homem constitui a expressatildeo mais adequada porque na palavra fundamentais
acha-se a indicaccedilatildeo de que se trata de situaccedilotildees sem as quais o indiviacuteduo natildeo tem
29
uma vida digna natildeo convive e agraves vezes nem mesmo sobrevive A expressatildeo
direitos fundamentais eacute a mais precisa no sentido de que a todos por igual devem
ser natildeo apenas formalmente reconhecidos mas concreta e materialmente
efetivados
Por sua vez a atual Corte em julgamento do habeas corpus (HC ndeg
82424RS) marca seu posicionamento no tocante ao sistema de direitos
fundamentais insculpido na Constituiccedilatildeo de 1988 atraveacutes dos profundos e bem
fundamentados votos dos Ministros que aleacutem de delimitarem a extensatildeo e os limites
da liberdade de expressatildeo (art 5o IV e IX) acabaram indicando as bases filosoacuteficas
e juriacutedicas para a interpretaccedilatildeo do cataacutelogo de direitos fundamentais da Constituiccedilatildeo
de 1988
Nesse sentido o voto do Ministro Marco Aureacutelio tratou de definir o sistema de
direitos fundamentais como a ldquoproacutepria essecircncia da Constituiccedilatildeordquo qualificando-os
como ldquovalores objetivos que servem como norte da atuaccedilatildeo estatalrdquo Assim estaacute
consignado nos fundamentos do referido voto
A Constituiccedilatildeo de 1988 representou um divisor de aacuteguas entre o antigo regime totalitaacuterio e um periacuteodo de redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes marcando dessa forma uma eacutepoca que tem como modelo de atuaccedilatildeo do Estado o respeito incondicional aos direitos fundamentais Por isso mesmo o sistema constitucional dos direitos fundamentais previsto no artigo 5o da Carta com os eventuais acreacutescimos do sect 2o reflete em rigor e em larga medida a proacutepria essecircncia da Constituiccedilatildeo e a retomada do processo de democratizaccedilatildeo e da garantia do cidadatildeo contra abusos e arbitrariedades no exerciacutecio do Poder Puacuteblico Os direitos fundamentais satildeo hoje verdadeiros princiacutepios estruturantes da organizaccedilatildeo e do funcionamento do Estado valores objetivos que servem como norte da atuaccedilatildeo estatal em seus mais diferentes niacuteveis no Legislativo formam um cataacutelogo de princiacutepios e garantias que informam e direcionam toda a atividade de criaccedilatildeo das normas de nosso ordenamento juriacutedico e de concretizaccedilatildeo dos preceitos constitucionais no Executivo mostram-se como verdadeiros limites ao exerciacutecio do poder administrativo servindo como trincheiras de proteccedilatildeo da liberdade do cidadatildeo e no judiciaacuterio refletem a base e o fundamento necessaacuterio da compreensatildeo e interpretaccedilatildeo de nossas normas ndash efeito interpretativo - evitando que a atividade jurisdicional se transforme em medidas discricionaacuterias ou providecircncias ilegiacutetimas de opccedilotildees poliacuteticas pautadas em escolhas pessoais dos juiacutezes
Tudo indica que se trata do iniacutecio de uma soacutelida construccedilatildeo jurisprudencial a
respeito do sentido axioloacutegico do sistema de direitos fundamentais da Constituiccedilatildeo
de 1988
30
Os Direitos Individuais satildeo de exerciacutecio exclusivo do indiviacuteduo e devem ser
formalmente reconhecidos e concretizados no cotidiano do cidadatildeo O indiviacuteduo aqui
eacute considerado um sujeito de direitos e natildeo apenas como integrante de um corpo
social Esses direitos natildeo podem sofrer nenhum tipo de restriccedilatildeo natildeo se
discriminando quem os pode exercer uma vez que satildeo titulares todas as pessoas
capazes incapazes brasileiras estrangeiras alfabetizadas e iletradas
A Constituiccedilatildeo Cidadatilde foi a primeira a estabelecer direitos natildeo soacute de
indiviacuteduos mas tambeacutem de grupos sociais os denominados direitos coletivos Com
isso as pessoas passaram a ser coletivamente consideradas Os direitos individuais
e coletivos estatildeo anunciados no art 5ordm em setenta e sete incisos e em dois
paraacutegrafos
Verifica-se que os Direitos Individuais tecircm como ponto marcante a liberdade
seja ela tomada de maneira global ou especiacutefica como liberdade de associaccedilatildeo de
reuniatildeo A liberdade de reuniatildeo (art 5ordm XVI) constitui-se na primeira e mais simples
liberdade corporativa estando logo apoacutes a liberdade de locomoccedilatildeo
Os Direitos Sociais tecircm como titular uma coletividade e satildeo caracterizados
pela prestaccedilatildeo de serviccedilos ou oferecimento de melhorias para a sociedade como um
todo por parte do Poder Puacuteblico Assim os Direitos Sociais tornam possiacutevel a fruiccedilatildeo
e o exerciacutecio dos Direitos Individuais pela coletividade mesmo pelos carentes
materialmente
O art 6deg define os Direitos Sociais da seguinte maneira ldquoSatildeo Direitos Sociais
a educaccedilatildeo a sauacutede o trabalho a moradia o lazer a seguranccedila a previdecircncia
social a proteccedilatildeo agrave maternidade e agrave infacircncia a assistecircncia aos desamparados na
forma desta Constituiccedilatildeordquo
Portanto eacute obrigatoacuteria ao Estado a proteccedilatildeo dos interesses da coletividade
com o atendimento dos direitos acima citados
Satildeo direitos poliacuteticos os que conferem o acesso da populaccedilatildeo agrave participaccedilatildeo
no Poder do Estado tais como os direitos de votar e ser votado do referendo
plebiscito e iniciativa popular das leis O direito democraacutetico de participaccedilatildeo dos
cidadatildeos no governo por meio de seus representantes exigiu a formaccedilatildeo de um
conjunto de normas legais permanentes que recebeu a denominaccedilatildeo de direitos
poliacuteticos Os Direitos Poliacuteticos amparam os Direitos Individuais Sociais e
Econocircmicos pois quando desaparece a democracia desaparecem imediatamente
as liberdades fundamentais
31
Com o advento da Constituiccedilatildeo de 1988 foram criadas instituiccedilotildees para
fiscalizar e controlar a atuaccedilatildeo da administraccedilatildeo puacuteblica entre as quais o Ministeacuterio
Puacuteblico que funciona como um canal de expressatildeo dos direitos da populaccedilatildeo
O Ministeacuterio Puacuteblico foi a instituiccedilatildeo que mais ganhou importacircncia no cenaacuterio
puacuteblico por ter passado a defender os interesses coletivos ou seja os interesses de
um grupo categoria ou classe e natildeo de um indiviacuteduo isolado No artigo 127 o
Ministeacuterio Puacutebico (MP) eacute definido como ldquouma instituiccedilatildeo permanente essencial agrave
funccedilatildeo jurisdicional do Estado incumbindo-lhe a defesa da ordem juriacutedica do regime
democraacutetico e dos interesses sociais e individuais indispensaacuteveisrdquo
Cabe ao Ministeacuterio Puacuteblico exigir dos poderes puacuteblicos e dos serviccedilos de
relevacircncia puacuteblica respeito aos direitos elencados na Constituiccedilatildeo promovendo as
medidas necessaacuterias agrave garantia desses direitos Portanto eacute responsaacutevel pela
garantia da ordem juriacutedica do regime democraacutetico da moralidade puacuteblica e dos
direitos sociais e individuais
23 A consagraccedilatildeo dos direitos do cidadatildeo
A Constituiccedilatildeo de 1988 eacute o coroamento da histoacuteria constitucional do Brasil por
ter sido um marco da redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes opondo-se a qualquer forma de
autoritarismo Nela a cidadania foi consagrada como um dos fundamentos da
Repuacuteblica Federativa do Brasil (art 1ordm inc II) Observe-se que o termo cidadania
encontra-se na Constituiccedilatildeo em sentido mais amplo do que o de titular de direitos
poliacuteticos pois qualifica os participantes da vida do Estado e reconhece o indiviacuteduo
como pessoa integrada na sociedade estatal
Essa nova concepccedilatildeo de cidadania introduzida pela Constituiccedilatildeo Federal de
1988 eacute fruto da internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos e como marco principal da
institucionalizaccedilatildeo erigiu em seu artigo primeiro a dignidade da pessoa humana (inc
III) e a cidadania (incII) a princiacutepio fundamental
Institui com o princiacutepio da cidadania uma nova compreensatildeo acerca dos
direitos de deveres da pessoa elevado-o a status maacuteximo a regra-matriz que natildeo
pode ser desrespeitada pois os fundamentos constituem a essecircncia da Repuacuteblica
32
Federativa e servem como regra-matriz para a elaboraccedilatildeo interpretaccedilatildeo e
integraccedilatildeo do sistema juriacutedico nacional
Violar um princiacutepio eacute muito grave que transgredir uma norma qualquer A desatenccedilatildeo ao principio implica ofensa natildeo apenas a um especifico mandamento obrigatoacuterio mas a todo o sistema de comandos Eacute a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade representa insurgecircncia contra todo o sistema subversatildeo de valores fundamentais (MELLO apud CHIMENTI 2005 P 33)
Para Silva (2004) cidadania eacute discriminada como princiacutepio relativo ao regime
poliacutetico Dessa forma compreendida cidadania como princiacutepio fundamental eacute o
direito de participar dos destinos do Estado e mais usufruir dos direitos civis
fundamentais previstos na Constituiccedilatildeo
Muitos doutrinadores utilizam cidadania no mesmo sentido de nacionalidade
(Art 12 da Constituiccedilatildeo Federal) e de direitos poliacuteticos (Art 14) Em alguns outros
dispositivos a palavra cidadania (ou cidadatildeo) poderia ainda ter a significaccedilatildeo de
direitos poliacuteticos mas mesmo assim de forma impliacutecita a exemplo dos arts 22 XIII
e 5ordm LXXIII No primeiro se lecirc que compete agrave Uniatildeo legislar sobre nacionalidade
cidadania e naturalizaccedilatildeo e no segundo que qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima
para propor accedilatildeo popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de
entidade de que o Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e
ao patrimocircnio histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de
custas judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia No entanto conforme Mazzuoli (2002)
Observe-se que a Carta de 1988 ao tratar no seu art 14 dos direitos poliacuteticos natildeo se refere sequer em um momento agrave expressatildeo cidadania dizendo apenas que a soberania popular seraacute exercida pelo sufraacutegio universal e pelo voto direito e secreto com valor igual para todos (hellip) Pelo contraacuterio a Constituiccedilatildeo faz uma separaccedilatildeo entre cidadania e direitos poliacuteticos quando no seu art 68 sect 1ordm II ao tratar das leis delegadas exclui do acircmbito da delegaccedilatildeo legislativa a nacionalidade cidadania direitos individuais poliacuteticos e eleitorais
A Constituiccedilatildeo brasileira de 1988 com a transiccedilatildeo para o regime democraacutetico
consagrou expressamente esta nova concepccedilatildeo de cidadania como se depreende
da leitura de vaacuterios dos seus dispositivos
Foi nesse sentido que pioneiramente estatuiu a Carta de 1988 em seu art
1ordm que a Repuacuteblica Federativa do Brasil formada pela uniatildeo indissoluacutevel dos
33
Estados e Municiacutepios e do Distrito Federal constitui-se em Estado Democraacutetico de
Direito e tem como fundamentos dentre outros a cidadania (inc II) Como jaacute
mencionado
Na mesma esteira o disposto no art 5ordm incisos LXXI (conceder-se-aacute
mandado de injunccedilatildeo sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviaacutevel o
exerciacutecio dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes agrave
nacionalidade agrave soberania e agrave cidadania) e LXXVII (satildeo gratuitas as accedilotildees de
habeas-corpus e habeas-data e na forma da lei os atos necessaacuterios ao exerciacutecio
da cidadania) No seu Tiacutetulo VIII Capiacutetulo II Seccedilatildeo I a Carta Magna de 1988
dispotildee ainda que a
Educaccedilatildeo direito de todos e dever do Estado e da famiacutelia seraacute promovida e incentivada com a colaboraccedilatildeo da sociedade visando ao pleno desenvolvimento da pessoa seu preparo para o exerciacutecio da cidadania e sua qualificaccedilatildeo para o trabalho (art 205)
Outro dispositivo em que fica bastante marcada esta nova concepccedilatildeo de
cidadania eacute o art 64 do Ato das Disposiccedilotildees Constitucionais Transitoacuterias que
dispotildee
A Imprensa Nacional e demais graacuteficas da Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios da administraccedilatildeo direta ou indireta inclusive fundaccedilotildees instituiacutedas e mantidas pelo Poder Puacuteblico promoveratildeo ediccedilatildeo popular do texto integral da Constituiccedilatildeo que seraacute posta agrave disposiccedilatildeo das escolas e dos cartoacuterios dos sindicatos dos quarteacuteis das igrejas e de outras instituiccedilotildees representativas da comunidade gratuitamente de modo que cada cidadatildeo brasileiro possa receber do Estado um exemplar da Constituiccedilatildeo do Brasil
Enfim a Constituiccedilatildeo de 1988 enriqueceu e ampliou os conceitos de cidadatildeo
e cidadania Seu entendimento agora como leciona Silva (2005)
Decorre da ideia de Constituiccedilatildeo dirigente que natildeo eacute apenas um repositoacuterio de programas vagos a serem cumpridos mas constitui um sistema de previsatildeo de direitos sociais mais ou menos eficazes em torno dos quais eacute que se vem construindo a nova ideacuteia de cidadania
De forma que natildeo mais se trata de considerar a cidadania como simples
qualidade de gozar direitos poliacuteticos mas sim de aferir-lhe um nuacutecleo miacutenimo e
irredutiacutevel de direitos (fundamentais) que devem se impor obrigatoriamente agrave accedilatildeo
dos poderes puacuteblicos
34
O ordenamento juriacutedico brasileiro consagrou aleacutem dos institutos jaacute
mencionados alguns outros mecanismos de defesa dos direitos e garantias
constitucionais da cidadania como a accedilatildeo civil puacuteblica regulada pela Lei nordm
734785 e accedilatildeo direta de inconstitucionalidade prevista no incIV do art 129 da
Constituiccedilatildeo Federal O Coacutedigo de Defesa do Consumidor o Estatuto da Crianccedila e
do Adolescente e ateacute mesmo o princiacutepio do devido processo legal que resguarda ao
cidadatildeo o acesso agrave justiccedila e direito de ser acionado judicialmente por meio de
procedimentos legais satildeo mecanismos de defesa dos direitos de cidadania
previstos constitucionalmente e garantidos na esfera poliacutetica civil e social
Pode-se observar que a cidadania comeccedilou a ser construiacuteda como resultado
de um processo de luta a partir da conscientizaccedilatildeo dos direitos e deveres do
homem Como vimos a cidadania jaacute em praacutetica em muitos paiacuteses adquire no
Brasil com a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 um novo sentido qual seja o
pressuposto do exerciacutecio pleno de um sistema de direitos e garantias
35
CAPIacuteTULO 3 - CIDADANIA COMO MECANISMO DE
TRANSFORMACcedilAtildeO SOCIAL
No momento em que a cidadania alccedila voos constitucionais e insere-se na
Carta Poliacutetica da Repuacuteblica Federativa do Brasil inicia-se o processo de
redemocratizaccedilatildeo e ganha relevo o cidadatildeo agente deste processo que tem em
suas matildeos a tarefa da construccedilatildeo de um novo tempo
Historicamente a ideia de cidadatildeo conotava o habitante da cidade ndash o
citadino ndash firma-se entatildeo tal conotaccedilatildeo na Antiguumlidade claacutessica para depois
significar aquele indiviacuteduo a quem se atribuem os direitos poliacuteticos Superada essa
acepccedilatildeo que tambeacutem vigorou nas constituiccedilotildees anteriores da Repuacuteblica do Brasil
na concepccedilatildeo moderna estaacute clara a noccedilatildeo de cidadatildeo como aquele que a quem
consiste a titularidade de direitos individuais poliacuteticos e sociais Noccedilatildeo esta
edificada com a internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos que amplia a acepccedilatildeo do
termo declarando que satildeo cidadatildeos todo aquele que habita o acircmbito da soberania
de um Estado e deste Estado recebem uma carga de direitos e tambeacutem deveres dos
mais variados
Desta forma a noccedilatildeo contemporacircnea de cidadania funda-se na dicotomia
direitos (exerciacutecios de direitos fundamentais - participaccedilatildeo) e deveres (colaboraccedilatildeo -
solidariedade) Ao lado dos direitos foram estabelecidos deveres fundamentais e
portanto tanto agentes puacuteblicos como os indiviacuteduos tecircm obrigaccedilotildees especiacuteficas
inclusive a de respeitar os direitos das demais pessoas que vivem na ordem social
sendo e promovendo mecanismos de transformaccedilatildeo social que visam uma nova
sociedade baseada na igualdade e na justiccedila
36
31 O ser cidadatildeo
Os termos indiviacuteduo ser humano pessoa e cidadatildeo satildeo geralmente tomados
como sinocircnimo o que certamente influi na proliferaccedilatildeo de incontaacuteveis significados e
ampliaccedilatildeo do termo cidadatildeo Poreacutem estas palavras apesar de se assemelharem
possuem carga semacircntica proacutepria e da compreensatildeo exata de cada uma decorre a
conceituaccedilatildeo mais acentuada da acepccedilatildeo do termo cidadatildeo como titular de direitos
e deveres resguardados pela constituiccedilatildeo paacutetria
Desta forma indiviacuteduo eacute um representante da espeacutecie aquele que eacute uacutenico
Enquanto ser humano eacute um termo mais geneacuterico ou indeterminado que diz respeito
agrave espeacutecie agrave classificaccedilatildeo ao mundo zooloacutegico Pessoa por sua vez eacute um termo
mais especiacutefico que tem a ver com o mundo civilizado ou se preferirmos com a
constelaccedilatildeo dos valores morais eacuteticos e juriacutedicos proacuteprios da civilizaccedilatildeo
A etimologia da palavra pessoa demonstra que eacute um conceito sobreposto ao conceito de Ser Humano Um refratildeo de origem juriacutedica tambeacutem nos lembra do homo plures pessoa polimorfa o ser humano capaz de desempenhar muitos papeacuteis um mesmo ser humano eacute empresaacuterio e delinquumlente eacute pai e metaluacutergico etc Persona (personagem) era a maacutescara que usavam os atores da trageacutedia grega para desempenhar seu papel Cabe portanto entender o conceito de Ser Humano ao lado do conceito de Pessoa No direito romano antigo os escravos eram seres humanos (homens) mas natildeo eram consideradas pessoas (patriacutecios) Os juristas romanos que usavam o conceito de Ser Humano o dissociavam do conceito de pessoas (CUNHA 2007)
O Ser Humano recebe uma distinccedilatildeo importante quando o consideramos
como Pessoa assim como a Pessoa recebe uma distinccedilatildeo redundante natildeo menos
importante quando a consideramos por forccedila de expressatildeo como uma pessoa
humana Subentendendo o adjetivo humano como relativo agrave eacutetica Portanto Ser
Humano natildeo eacute a mesma coisa que Pessoa como tampouco Ser Humano eacute o
mesmo que cidadatildeo este muito eacute mais proacuteximo do termo Pessoa Vejamos o quadro
ilustrativo que esquematiza e distinguem os referidos conceitos
37
QUADRO 1 ndash EVOLUCcedilAtildeO DO SER HUMANO ATEacute O CIDADAtildeO
O Ser Humano O Ser Indiviacuteduo O Ser Pessoa O Ser Cidadatildeo
A Dimensatildeo do conviacutevio social
A dimensatildeo do mercado de trabalho e
Consumo
A Dimensatildeo de encontrar-se no mundo
A dimensatildeo de intervir na realidade
O homem tornar-se Ser Humano nas relaccedilotildees
de conviacutevio social
O Ser Humano tornar-se indiviacuteduo quando
descobre seu papel e funccedilatildeo social
O Indiviacuteduo torna-se pessoa quanto toma
consciecircncia de si mesmo do outro e do
mundo
A pessoa torna-se cidadatildeo quando
interveacutem na realidade em que vive
Quem estuda o comportamento do Ser
Humano Seria a antropologia a histoacuteria
ou a sociologia
Quem estuda o comportamento do indiviacuteduo Seria a
Filosofia a sociologia ou a Psicologia
Quem estuda o comportamento da pessoa Seria a
Filosofia a sociologia ou a Psicologia
Quem estuda o comportamento do cidadatildeo Seria a
Sociologia a Filosofia ou As ciecircncias
poliacuteticas
Quem garante os direitos do Ser
Humano A Declaraccedilatildeo Universal
dos Direitos Humanos
Quem garante os Direitos do
Consumidor O Coacutedigo do Consumidor
Quem garante os Direitos da pessoa A proacutepria pessoa (amor proacuteprio ou autoestima)
Quem garante os Direitos do cidadatildeo (A Constituiccedilatildeo e suas leis
regulamentares)
Existe realmente uma natureza humana Teologicamente
afirmamos que existe a uma natureza humana
Seguindo a corrente existencialista (JP Sartre) negamos tal
natureza
Que diferenccedila existe entre o direito do
consumidor e o direito do cidadatildeo Ao
Consumidor deve ser dado o direito de
propriedade enquanto ao cidadatildeo deve ser
dado o direito de acesso
O que significa tornar-se pessoa no niacutevel
psicoloacutegico e social A pessoa eacute o indiviacuteduo que toma consciecircncia de si mesmo (ldquoTornar-
se Pessoardquo de Karl Roger)
Como podemos intervir na realidade
modificando as estruturas corruptas e injustas Quando os
direitos do cidadatildeo lhe satildeo oferecidos e o
mesmo passa a exercecirc-lo haacute
modificaccedilatildeo de comportamento
(ROSAS 2009)
O cidadatildeo eacute portanto aquele indiviacuteduo a quem a Constituiccedilatildeo confere direitos
e garantias e lhe daacute o poder do seu efetivo exerciacutecio aleacutem de meios processuais
eficientes contra a violaccedilatildeo de seu gozo ou fruiccedilatildeo por parte do poder puacuteblico
Sendo assim
A passagem do indiviacuteduo a cidadatildeo caracteriza-se pelo reconhecimento pela lei de direitos considerados fundamentais agrave realizaccedilatildeo da vida do homem como indiviacuteduo e ser social membro de uma comunidade poliacutetica e a garantia desses direitos pela forccedila comum de todos (CUNHA 2007)
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Nas uacuteltimas deacutecadas em alguns paiacuteses inclusive no Brasil desenvolveu-se o
conceito de cidadania calcado principalmente na questatildeo do cidadatildeo-consumidor
As pessoas passam a ser vistas como cidadatildes desde que tenham dinheiro para
adquirir mercadorias e utilizar serviccedilos Eacute certo pois que serviccedilos e mercadorias
atendem a necessidades materiais e simboacutelicas das pessoas e consumi-los eacute um
dos modos de participar da vida social criar identidade e partilhar dos bens
produzidos pela humanidade e representar-se culturalmente Contudo a cidadania
enfatizada apenas como uma relaccedilatildeo de compra e venda de mercadorias e serviccedilos
assume um conteuacutedo restrito individual conformista e voltado apenas para a
aquisiccedilatildeo de bens o que se relaciona com a ideacuteia de indiviacuteduo ou seja o consumo
atende as necessidades do indiviacuteduo
Outra forma de confusatildeo acerca do conceito de cidadatildeocidadania refere-se a
equiparaccedilatildeo feita com o assistencialismo o que configura uma acentuada inversatildeo
do termo uma vez que a praacutetica do assistencialismo natildeo propicia meios de
superaccedilatildeo das desigualdades sociais Enquanto a cidadania estaacute relacionada agrave
superaccedilatildeo das desigualdades sociais e a extensatildeo da garantia dos direitos de todos
O cidadatildeo eacute sem duacutevida uma expressatildeo que precisa ser adequadamente
utilizada e vivenciada pela coletividade compreendido na dimensatildeo do ser pessoa
de ter direitos e deveres do assumir as suas liberdades e responsabilidades no seio
de uma comunidade democraacutetica equitativa solidaacuteria e intercultural
Dessa forma ser cidadatildeo implica saber viver em sociedade estando ciente
dos anseios comuns A participaccedilatildeo ativa nas decisotildees de sua comunidade
influencia modos de vida de maneira positiva ao seu redor assim torna-se
imprescindiacutevel o exerciacutecio dos direitos constitucionais adquiridos e lutar pelos que
viratildeo eacute sobretudo estar consciente de todas as atitudes tomadas em prol da
sociedade
Eacute possiacutevel nesse espaccedilo de discussatildeo falar em ldquoestar cidadatildeordquo que eacute natildeo
praticar o exerciacutecio da cidadania em nenhuma de suas formas Implica apenas em
se deixar levar pelos acontecimentos e ainda reclamar das situaccedilotildees vividas sem
nada fazer para mudar sem nenhuma perspectiva de futuro Do que concluiacutemos que
a dinacircmica de intervir na realidade eacute pressuposto de cidadania
Ser cidadatildeo eacute tarefa que requer muito do ser humano do individuo da
pessoa Requer uma alta - estima elevada uma consciecircncia solidaacuteria uma
39
identidade que se reconheccedila na dinacircmica social interagindo com o outro ampliando
debates incitando justiccedila eacute sem duvida uma tomada de posiccedilatildeo que natildeo se
acomoda pelo contraacuterio se incomoda quando natildeo haacute comprometimento para o bem
comum
Natildeo eacute uma tarefa cocircmoda senatildeo muito complicada as pessoas natildeo nascem cidadatildeos mas fazem-se no tempo e no espaccedilo Na verdade natildeo eacute faacutecil exercer a liberdade e a cidadania ndash ser pessoa e ser cidadatildeo ndash por isso exige-se uma luta sem treacuteguas para erradicar assimetrias e exclusotildees socioculturais e criar cenaacuterios de esperanccedila realizaacuteveis fundamentados em valores e princiacutepios eacuteticos que requalifiquem a democracia com cidadatildeos participativos e
comprometidos ( SAEZ 1995)
Tem portanto como pressuposto uma mudanccedila de comportamento uma
tomada de posiccedilatildeo frente agrave dinacircmica social na qual estaacute inserido participando de
forma ativa e produtiva do processo de construccedilatildeo da cidadania por meio de seus
diversos canais
32 Emancipaccedilatildeo social atraveacutes da cidadania
Um Estado Democraacutetico eacute aquele que estaacute enraizado na legitimidade do
poder do povo e dele decorre seu exerciacutecio Assim o poder do povo eacute a expressatildeo
a aptidatildeo de homens e mulheres constituir autonomamente seu viver sem sucumbir
diante das instacircncias de poder Haacute nesse modus vivendi uma tutela das diferenccedilas e
pluralidades de formas de vida
Desta forma a cidadania eacute enfocada como o processo de participaccedilatildeo do
individuo ou de um grupo organizado nas mais variadas aacutereas de atuaccedilatildeo na
sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos sociais com a consciecircncia
da responsabilidade por sua proacutepria histoacuteria
Sendo a democracia o regime em que o povo governa sua caracteriacutestica
inarredaacutevel eacute a de ter o povo agrave frente do poder uma forma de autogoverno Em
assim sendo a cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia por meio de resultados
palpaacuteveis e medidas concretas tais como mudanccedilas na realidade de cada um com
melhoria de vida e conscientizaccedilatildeo da importacircncia na sociedade para o exerciacutecio
40
direto ou indireto desse poder pois se contentar com fato do direito estaacute prescrito
em lei natildeo eacute o bastante
Eacute certo poreacutem que o Estado democraacutetico somente se aperfeiccediloa na
proporccedilatildeo em que o povo age ativamente na medida em que os representantes
reflitam em seus atos os verdadeiros anseios populares Partindo dessa visatildeo a
cidadania eacute o grande fator de legitimaccedilatildeo do povo permitindo que ele aja em defesa
das instituiccedilotildees democraacuteticas
Sobre a participaccedilatildeo cumpre asseverar que este direito significa a
capacidade de ser consultado para as tomadas de decisatildeo que dizem respeito agrave
direccedilatildeo da sociedade em que vive o cidadatildeo este direito eacute acompanhado do
respeito aos deveres de contribuir para o progresso social e de acatar e respeitar o
resultado obtido em consulta coletiva
No elenco de mecanismo de exerciacutecio da cidadania estaacute o acesso ao direito e
a justiccedila que eacute fator preponderante para efetivar as garantias constitucionais
Assim passaremos a discorrer sobre a importacircncia de instrumentalizar o
cidadatildeo para um pleno exerciacutecio de seus direitos
Eacute Sabido que no Estado Democraacutetico Contemporacircneo os direitos
fundamentais constitucionalmente assegurados tecircm eficaacutecia imediata cumprindo ao
Estado garantir a todos os cidadatildeos o respeito a esses Direitos de modo concreto e
efetivo natildeo obstante as inuacutemeras desigualdades e condiccedilotildees adversas que
dificultam na praacutetica o seu exerciacutecio
Para o acesso ao direito o Estado deve desenvolver com eficiecircncia uma seacuterie
de atividades essenciais e dar efetividade a uma seacuterie de pressupostos Dentre eles
o principal eacute o conhecimento do Direito como fator preponderante pois o
desconhecimento da lei implica na praacutetica natildeo acionar a jurisdiccedilatildeo Um fato que
contribui para essa assertiva eacute baixa escolaridade da populaccedilatildeo e o analfabetismo
Muito pouco adianta a existecircncia de uma Constituiccedilatildeo apenas formal ou no
papel se ilegiacutetima ou desrespeitada Para que ocorra a eficaacutecia das normas
dispostas numa Constituiccedilatildeo ou melhor para que passe da teoria agrave praacutetica eacute
essencial que comandados e comandantes tenham conhecimento dos seus direitos
e responsabilidades assim como dos instrumentos juriacutedicos para efetivaacute-los (leis
regulamentadoras) O exerciacutecio da cidadania natildeo eacute somente um direito mas eacute
tambeacutem um dever de todos pois a omissatildeo de cada um contribui com as injusticcedilas e
as impunidades tatildeo presentes nos dias atuais
41
A Constituiccedilatildeo quando eacute justa e legiacutetima e principalmente quando eacute
respeitada eacute um poderoso instrumento de promoccedilatildeo e desenvolvimento social e
humano
Outro fator que deve ser considerado eacute a miserabilidade que coloca inuacutemeros
brasileiros a margem da sociedade em situaccedilatildeo precaacuteria os quais para Pinsky
(2004) ldquodesprovidos de esperanccedila de projeto de qualquer perspectiva de inclusatildeo
[] recorrer agrave Justiccedila humana parece algo irrealizaacutevel sofisticado e inteiramente
ficcionalrdquo
Desta forma o primeiro passo para concretizar os direitos previstos
constitucionalmente eacute a formaccedilatildeo do cidadatildeo atraveacutes da Educaccedilatildeo Baacutesica
infundindo-lhe a consciecircncia dos seus direitos e tambeacutem dos seus deveres sociais
bem como dos valores humanos fundamentais que devem ser por todos respeitados
na vida em sociedade A universalizaccedilatildeo do ensino fundamental a oferta obrigatoacuteria
de educaccedilatildeo infantil pelo Estado e o crescimento da oferta do ensino meacutedio satildeo
alguns dos aspectos que merecem destaques e foi devido agrave determinaccedilatildeo
constitucional de estabelecer o caraacuteter obrigatoacuterio do ensino fundamental e de
responsabilizar o Estado por sua implementaccedilatildeo que tem iniacutecio o processo de
avanccedilo desse segmento
A Constituiccedilatildeo estabeleceu de forma mais clara o papel dos entes federados
na educaccedilatildeo Tambeacutem aumentou a participaccedilatildeo orccedilamentaacuteria destinada ao setor
Com as novas regras para distribuiccedilatildeo de recursos adotadas apoacutes a promulgaccedilatildeo
da Carta os municiacutepios voltam a interessar-se pela educaccedilatildeo fundamental e o paiacutes
atinge a universalizaccedilatildeo do setor o que se busca agora satildeo mecanismos para
garantir a qualidade no ensino
O segundo passo nessa dinacircmica eacute o oferecimento a todos os cidadatildeos de
condiccedilotildees miacutenimas de sobrevivecircncia e de existecircncia condignas atraveacutes do acesso
ao trabalho produtivo livremente escolhido e do pagamento de remuneraccedilatildeo capaz
de prover ao sustento do trabalhador e de sua famiacutelia
Para milhotildees de cidadatildeos que vivem na ignoracircncia e na miseacuteria nenhuma
utilidade ou eficaacutecia tecircm os inuacutemeros direitos constitucionalmente assegurados Para
aqueles que se habituaram a retirar proventos da mendicacircncia da prostituiccedilatildeo de
atividades iliacutecitas ou aqueles que se sentiram forccedilados a sujeitar-se agrave exploraccedilatildeo de
outrem para sobreviver natildeo haacute nenhuma crenccedila na dignidade da pessoa humana e
no valor social do trabalho
42
A pobreza engendra inuacutemeras relaccedilotildees de dominaccedilatildeo entre pessoas e entre grupos sociais As habitaccedilotildees subumanas da periferia das grandes cidades no Brasil constituem verdadeiros quistos sociais terras sem lei controladas por xerifes ou por quadrilhas de malfeitores O Estado que natildeo for capaz de dotar essas comunidades do acesso efetivo agrave Educaccedilatildeo agrave Sauacutede agrave Seguranccedila e agrave Paz Puacuteblicas e ao trabalho liacutecito certamente natildeo lhes estaraacute assegurando o acesso ao Direito porque a populaccedilatildeo abrutalhada pela miseacuteria e coagida pelo medo natildeo desfruta da miacutenima eficaacutecia concreta dos
seus direitos fundamentais (GRECO 2009)
Evidencia que acesso ao Direito nas sociedades modernas mesmo nas
economicamente desenvolvidas exige o fortalecimento dos grupos intermediaacuterios e
do associativismo O cidadatildeo natildeo estaacute mais em condiccedilotildees de defender-se
individualmente das ameaccedilas e lesotildees aos seus direitos perpetradas por pessoas ou
grupos que se encontram em posiccedilatildeo de vantagem nas relaccedilotildees econocircmicas e
sociais
O sindicato veio exercer este importante papel em relaccedilatildeo ao trabalhador
empregado Mas hoje as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo natildeo satildeo apenas as que existem no
mundo do trabalho mas as que se revelam em todos os tipos de relaccedilotildees humanas
relaccedilotildees de consumo relaccedilotildees de vizinhanccedila relaccedilotildees locatiacutecias relaccedilotildees
comerciais internas e internacionais e natildeo com menor relevacircncia relaccedilotildees entre os
particulares e o Estado entre outras
Eacute preciso assegurar esse equiliacutebrio na praacutetica o que somente tornar-se-aacute
possiacutevel atraveacutes da articulaccedilatildeo dos sujeitos que se encontram em posiccedilatildeo de
desvantagem em organizaccedilotildees e associaccedilotildees que pela uniatildeo de esforccedilos
consigam compensar o desequiliacutebrio existente e dar aos indiviacuteduos e grupos a forccedila
e a capa de proteccedilatildeo necessaacuterias para ombrearem-se aos seus adversaacuterios e
lutarem pelos seus direitos ou interesses em igualdade de condiccedilotildees
Para Greco (2009) o pressuposto indispensaacutevel do acesso ao Direito eacute a
transparecircncia do Estado no trato de questotildees que possam afetar a esfera de
interesses dos cidadatildeos e complementa que aos cidadatildeos eacute indispensaacutevel
assegurar o direito de influir eficazmente nas decisotildees do poder puacuteblico atraveacutes dos
mais diversos instrumentos de participaccedilatildeo democraacutetica Ele afirma que
A relaccedilatildeo Estado-cidadatildeo natildeo eacute mais a relaccedilatildeo soberano-suacutedito O cidadatildeo tem o direito de exigir do Estado o pleno respeito ao seu
43
patrimocircnio juriacutedico Lamentavelmente a crise do Estado tem levado o Brasil a aceitar-se como normal que as pessoas juriacutedicas de Direito Puacuteblico natildeo cumpram devidamente as prestaccedilotildees positivas de que satildeo devedoras perante os particulares cabendo a estes demandar na Justiccedila para obtecirc-las (GRECO 2009)
Essa visatildeo deformada da responsabilidade do Estado ocorre o
desvirtuamento da justiccedila Por outro lado agrave violaccedilatildeo da garantia constitucional da
tutela jurisdicional efetiva (Constituiccedilatildeo artigo 5 inciso XXXV) disciplina a lei natildeo
excluiraacute da apreciaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio lesatildeo ou ameaccedila ao direito Assim o
acesso ao Direito natildeo estaraacute concretamente assegurado se o Estado natildeo oferecer a
todo cidadatildeo a possibilidade de receber aconselhamento juriacutedico a respeito dos seus
direitos
Constituiccedilatildeo de 1988 no artigo 5deg inciso LXXIV assegurou a todos
ldquoassistecircncia juriacutedicardquo a englobar assistecircncia judiciaacuteria e assessoramento juriacutedico
extrajudicial Conforme Greco (2009) ldquoeacute preciso que esse direito seja assegurado
na praacutetica Uma vez que na vida moderna o Direito tornou-se excessivamente
complexordquo Ainda no dizer do autor a consciecircncia juriacutedica do homem comum que
deve ser adquirida na famiacutelia e na escola natildeo eacute mais suficiente para a tomada de
decisotildees na vida diaacuteria das pessoas Todas as pessoas mantecircm complexas relaccedilotildees
juriacutedicas com instituiccedilotildees financeiras com fornecedores de bens e de serviccedilos etc
Nessas relaccedilotildees juriacutedicas com frequecircncia os cidadatildeos tecircm de tomar decisotildees
raacutepidas O cidadatildeo que tem meios procura um advogado particular para assessoraacute-
lo Ao pobre o Estado deve assegurar o mesmo direito em plenitude
Sem duacutevida o uacuteltimo pressuposto do acesso ao Direito eacute o acesso agrave Justiccedila
no sentido de acesso a um tribunal estatal imparcial previamente instituiacutedo como
competente para a soluccedilatildeo de qualquer litiacutegio a respeito de interesse que se afirme
juridicamente protegido ou para a praacutetica de qualquer ato que a lei subordine agrave
aprovaccedilatildeo autorizaccedilatildeo ou homologaccedilatildeo judicial
Se o cidadatildeo tem consciecircncia dos seus direitos se o Estado lhe fornece
todas as condiccedilotildees para livremente exercecirc-los mas algum outro cidadatildeo ou algum
oacutergatildeo do proacuteprio Estado impede ou dificulta esse exerciacutecio cabe ao poder puacuteblico
pocircr agrave disposiccedilatildeo do cidadatildeo lesionado ou ameaccedilado a jurisdiccedilatildeo necessaacuteria para
assegurar o pleno acesso a tal direito
Atingimos eacute certo um estaacutegio de desenvolvimento do Direito Humanitaacuterio que
natildeo mais nos permite conformar-nos com uma realidade distante do padratildeo de
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convivecircncia humana que outras naccedilotildees jaacute alcanccedilaram O exerciacutecio pleno de
cidadania seraacute obra de mais de uma geraccedilatildeo Mas se trabalharmos com firmeza
certamente os jovens de hoje poderatildeo legar aos seus descendentes a emancipaccedilatildeo
cidadatilde um paiacutes melhor e uma sociedade mais justa e democraacutetica
33 O municiacutepio como acircmbito de exerciacutecio de cidadania
Historicamente o Municiacutepio enquanto unidade poliacutetico-administrativa surgiu
conforme descreve Berardi (2004) com a Repuacuteblica Romana interessada em
manter a dominaccedilatildeo paciacutefica das cidades conquistadas pela forccedila dos exeacutercitos
Sua origem mais de natureza socioloacutegica do que poliacutetica adveacutem do espiacuterito
associativo do homem e de suas relaccedilotildees de vizinhanccedila
Eacute pois a menor unidade territorial de Federaccedilatildeo cuja criaccedilatildeo reflete a base
da organizaccedilatildeo poliacutetica administrativa da Naccedilatildeo Portanto sua funccedilatildeo administrativa
historicamente vem assentada no princiacutepio do direito natural
O artigo primeiro da Constituiccedilatildeo Federal de 1998 estabelece que o
Municiacutepio ao lado dos Estados e do Distrito Federal formam a Republica Federativa
do Brasil que se constitui em Estado Democraacutetico de Direito O municiacutepio tem assim
um poder relevante para a aplicaccedilatildeo da democracia direta iniciada e fortalecida em
niacutevel local Diversos pensadores chegaram a afirmar que a descentralizaccedilatildeo de
poder resultante da constituiccedilatildeo Cidadatilde era antes de tudo uma conquista dos
Municiacutepios sendo eles os berccedilos da perpetuaccedilatildeo da Repuacuteblica e da Democracia
efetivamente por serem o uacutenico niacutevel de governo possuidores de respaldo e
localizaccedilatildeo fiacutesica ou seja solo municipal
Eacute certo que a Carta Magna de 1988 consolidou significativas inovaccedilotildees para a
vida municipal de forma que o Municiacutepio passou a constituir um dos entes da
federaccedilatildeo tratando-o como unidade dotada de autonomia poliacutetica expressa na
capacidade de poder elaborar a sua Lei Orgacircnica fugindo assim da tutela dos
estados que ateacute entatildeo eram considerados como uacutenicos componentes da federaccedilatildeo
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A Lei Orgacircnica Municipal traz em seu bojo aleacutem da organizaccedilatildeo
administrativa do Municiacutepio a restauraccedilatildeo do Poder Legislativo municipal definindo
a diversificaccedilatildeo normativa que natildeo existia nas leis organizacionais outorgadas pelo
Estado reflexo do poder constituinte outorgados aos Municiacutepios pela Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 como consequecircncia do efetivo exerciacutecio do conceito de Estado
Democraacutetico de Direito
O Municiacutepio enquanto ente federativo tem atualmente a responsabilidade de
ordenar o seu desenvolvimento social e a garantia do bem estar de seus habitantes
executando poliacuteticas puacuteblicas de accedilotildees a serem empreendidas na consolidaccedilatildeo
democraacutetica do Estado
Fundada no elemento participaccedilatildeo o exerciacutecio de cidadania amplamente
citado encontra sua efetividade no municiacutepio Pois eacute nesse acircmbito de localizaccedilatildeo
que as pessoas mantecircm um contato direto com os poderes instituiacutedos suas
necessidades imediatas e mediatas satildeo objetos da disciplina da Lei que visa o bem
comum base do Estado democraacutetico de Direito
Baseado na maacutexima do municipalista e defensor da descentralizaccedilatildeo poliacutetica
Franco Motoro sabiamente proferiu que ldquoningueacutem vive na Uniatildeo ou no Estado As
pessoas vivem no Municiacutepiordquo Assim a cidadania encontra seu melhor espaccedilo de
realizaccedilatildeo na comunidade onde convive A vida em comunidade gera anseios
comuns sentimentos comuns uma vez que a convivecircncia propicia que as pessoas
se conheccedilam e se reconheccedilam como membros de uma mesma realidade
De acordo com Harvey (1992) ldquoa globalizaccedilatildeo provoca anonimato enquanto
comunidade cultiva solidariedaderdquo o que implica participaccedilatildeo para o exerciacutecio de
cidadania
Tudo o que acontece no mundo seja no meu paiacutes na minha cidade ou no meu bairro acontece comigo Entatildeo eu preciso participar das decisotildees que interferem na minha vida Um cidadatildeo com um sentimento eacutetico forte e consciecircncia da cidadania natildeo deixa passar nada natildeo abre matildeo desse poder de participaccedilatildeo (Herbert de Souza Betinho)
Com esse embasamento natildeo se pode perder de vista que eacute nas relaccedilotildees
diaacuterias de oposiccedilatildeo ou solidariedade que as pessoas exercem cidadania Na relaccedilatildeo
do com o outro com os poderes ao estabelecer com a vida social e puacuteblica uma
46
convivecircncia posto que cidadania eacute tarefa que natildeo termina natildeo eacute um conceito
pronto tatildeo pouco acabado enquanto seres inacabados que somos estaremos
buscando descobrindo criando e tomando consciecircncia mais ampla dos direitos
O desafio eacute construir um novo discurso sobre cidadania atraveacutes de uma
praacutetica poliacutetica sustentada isto eacute realizada em dois niacuteveis
O primeiro niacutevel na base atraveacutes de construccedilatildeo das capacidades e do poder
proacuteprio da populaccedilatildeo o que envolve inevitavelmente uma mudanccedila de atitude na
busca para garantir seus direitos utilizando-se do grau de autonomia local
Essa atitude conceberia agrave democracia participativa como uma poliacutetica paralela
de intervenccedilatildeo social criando e mantendo novos espaccedilos para a tomada de
decisotildees ou seja para o auto-governo pela populaccedilatildeo nas mateacuterias que afetam
diretamente suas vidas
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade
O segundo niacutevel um governo com o povo e natildeo apenas para o povo fundado
nos ditames constitucionais valorizando o sentimento da sociedade no exerciacutecio da
governabilidade de modo que o balizamento das accedilotildees de governo deixaria de estar
no proacuteprio governo e passaria a estabelecer-se a partir do pensar da sociedade Um
governo que se pergunta o que se deve fazer para ouvir com a maior fidelidade
possiacutevel a sociedade suas instituiccedilotildees representativas e o cidadatildeo Pois as
prioridades da gestatildeo deveriam ser definidas pela sociedade e natildeo mais pelo
governo
Portanto nesses termos eacute preciso considerar que as praacuteticas da
administraccedilatildeo puacuteblica sejam democratizadoras e inclusivas inspiradas nos
princiacutepios da legalidade impessoalidade moralidade publicidade e eficiecircncia Esta
uacuteltima buscou estabelecer uma Administraccedilatildeo Puacuteblica mais eficiente no sentido de
que o cidadatildeo como destinataacuterio dos serviccedilos puacuteblicos que o Estado deve prestar
receba-os com maior qualidade e menor custo para o eraacuterio puacuteblico
Para a consecuccedilatildeo desse governar com o povo alguns pontos devem ser
revistos A mudanccedila implica na necessidade de adequaccedilatildeo reorganizaccedilatildeo
47
reformulaccedilatildeo Para isso se faz premente em face dos novos e modernos conceitos
de gestatildeo puacuteblica a superaccedilatildeo do tradicional vezo burocraacutetico que vem convertendo
a Administraccedilatildeo nas palavras Dromi (1995) numa cara ldquomaacutequina de impedirrdquo fiel
ldquocoacutedigo do fracassordquo que dispotildee ldquoartigo primeiro natildeo pode artigo segundo em
caso de duacutevida abstenha-se artigo terceiro se eacute urgente espere artigo quarto
sempre eacute mais prudente natildeo fazer nadardquo numa posiccedilatildeo natildeo burocraacutetica e sim
democraacutetica de considerar que organizaccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica inclui a
praacutetica de ver os cidadatildeos como membros plenos da comunidade poliacutetica tendo
acesso e exercitando direitos as que promovem a organizaccedilatildeo da populaccedilatildeo em
torno de temas de interesse comum as que incluem o controle social sobre a
gestatildeo o debate amplo e informado sobre questotildees de governo e que abrem agrave
populaccedilatildeo as decisotildees sobre estas questotildees Como leciona e Barrientos (2000)
Tratam-se de praacuteticas que natildeo buscam somente melhorar a eficiecircncia administrativa das diferentes organizaccedilotildees puacuteblicas mas que incorporam no seu processo de gestatildeo a dimensatildeo ativa da cidadania isto eacute ldquoque facilitam as iniciativas e responsabilidades de todos os envolvidos[] estabelecendo pontes entre Estado e sociedade civil
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade Acreditamos
que o ponto de partida eacute a atitude aliada agrave solidariedade e ao espiacuterito coletivo Pois
governo e cidadatildeos juntos haveratildeo de cumprir um novo papel no processo de
desenvolvimento como agentes de uma nova cultura
Como afirma Peter Drucke
A parceria comunitaacuteria seraacute um dos verdadeiros setores em crescimento das economias desenvolvidas Surge da necessidade de uma participaccedilatildeo mais direta e efetiva da comunidade nas grandes questotildees da vida social pois natildeo existe ningueacutem melhor que o cidadatildeo para saber o que ele quer para si para sua famiacutelia e para sua comunidade (apud RAMOS 1990)
48
O envolvimento efetivo da sociedade nas questotildees sociais natildeo eacute apenas uma
postura moderna Significa antes de tudo uma atitude digna de todos aqueles que
desejam exercer sua cidadania contribuindo para um paiacutes melhor e em especial
para uma sociedade mais justa fraterna e solidaacuteria
Na histoacuteria observa-se a grande coragem das pessoas em construir o
reconhecimento delas proacuteprias e de seus direitos sempre buscando a participaccedilatildeo e
defendendo os Direitos Humanos Sem duacutevida a maior ecircnfase que deve ocorrer
para a construccedilatildeo real da cidadania eacute uma mudanccedila na sociedade O melhor a ser
feito eacute reforccedilar a organizaccedilatildeo democraacutetica buscando novas formas de participaccedilatildeo
social pois cidadania natildeo se resume ao poder de votar ou ser votado mas eacute sempre
na efetiva participaccedilatildeo popular pois somente com isso haacute a verdadeira
conscientizaccedilatildeo e o comprometimento daquele que passa a se sentir cidadatildeo
abandonando-se velhos viacutecios da poliacutetica representativa
Desse modo a participaccedilatildeo do povo no momento das reivindicaccedilotildees das
discussotildees e apreciaccedilotildees de projetos que visem agrave melhoria da comunidade local a
exigecircncia de transparecircncia na administraccedilatildeo da coisa puacuteblica dentre outras eacute quem
daraacute embasamento para as verdadeiras conquistas sociais no Municiacutepio que geram
saudaacuteveis formas de pressatildeo por efetivas poliacuteticas puacuteblicas de inclusatildeo social
gerando o fim do clientelismo poliacutetico tatildeo pejorativo e comum em nossa realidade e
cultura poliacutetica
Somente a participaccedilatildeo social eacute que iraacute causar uma real democratizaccedilatildeo do
poder A afirmaccedilatildeo da cidadania eacute pressuposto para a realizaccedilatildeo dos Direitos
Humanos pois os homens natildeo nascem naturalmente iguais Inclusive para que
ocorra a realizaccedilatildeo dos referidos direitos eacute necessaacuterio tambeacutem que exista um
espaccedilo puacuteblico que seja realmente democraacutetico e acessiacutevel possibilitando a
participaccedilatildeo de todos e esse espaccedilo eacute certamente o municiacutepio
Na praacutetica um forte instrumento de cidadania para atender as necessidades
coletivas eacute o orccedilamento participativo previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal que
determina expressamente a realizaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas e a participaccedilatildeo
popular nos processos de elaboraccedilatildeo e conduccedilatildeo dos orccedilamentos como forma de
incentivo agrave preparaccedilatildeo e execuccedilatildeo de planejamentos que envolvam diretamente o
povo A Lei veio incentivar a sua propagaccedilatildeo para todos os entes federativos tendo
em conta que se trata de uma tendecircncia mundial por legitimar as escolhas e
fortalecer o princiacutepio da transparecircncia
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Os meios de acesso do cidadatildeo junto aos Poderes Puacuteblicos eacute uma realidade
no Estado Democraacutetico de Direito brasileiro a exemplo das sessotildees do Poder
Legislativo que satildeo puacuteblicas ficando abertas a todos que delas quiserem participar
Emite-se uma pauta antes do comeccedilo da sessatildeo com a preacutevia dos debates Em
niacutevel municipal verifica-se um acompanhamento mais incisivo sobre as sessotildees das
Cacircmaras de Vereadores como forma de pressatildeo para aprovaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees
da comunidade avaliaccedilatildeo do desempenho e aceitaccedilatildeo de propostas orccedilamentaacuterias
e atuaccedilatildeo dos poliacuteticos bem como entendimento das funccedilotildees do Poder Legislativo
A Constituiccedilatildeo Federal assegura desde 1988 a possibilidade de se oferecer
peticcedilatildeo agraves Mesas Legislativas como forma de pedir informaccedilotildees sobre andamento
de projetos ou relatoacuterios encaminhados aos chefes do Poder Executivo Em niacutevel
municipal pode ser utilizada a Tribuna Livre como instrumento para denuacutencias de
problemas ou discussatildeo de um tema ou mesmo para apresentar sugestotildees sendo
regulado pela Lei Orgacircnica Municipal e pelo Regimento Interno da Cacircmara
A convocaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas tambeacutem possui previsatildeo constitucional
no art 58 sect 20 inciso II em niacutevel federal As comissotildees podem em razatildeo da
mateacuteria de sua competecircncia realizar audiecircncias puacuteblicas com entidades da
sociedade civil E nada obsta que estejam previstas formas de articulaccedilatildeo da
sociedade civil com os Presidentes das Comissotildees da Cacircmara no seu Regimento
Interno em acircmbito municipal
Os dispositivos da Constituiccedilatildeo Federal que dispotildeem sobre a forma de
participaccedilatildeo direta do cidadatildeo e da sociedade civil no processo democraacutetico natildeo se
pode negar que trouxe novas perspectivas De modo geral podemos citar
Art 29 A lei orgacircnica dos Municiacutepios tem que observar entre os seus
preceitos ldquocooperaccedilatildeo das associaccedilotildees representativas no planejamento municipalrdquo
Art 31 As contas dos municiacutepios ficaratildeo durante 60 (sessenta) dias
anualmente a disposiccedilatildeo de qualquer contribuinte para exame e apreciaccedilatildeo o qual
poderaacute questionar-lhes a legitimidade nos termos da lei
Art37 sect 3ordm (EC-1998) A lei disciplinaraacute as formas de participaccedilatildeo do usuaacuterio
na administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta regulando especialmente
I- as reclamaccedilotildees relativas a prestaccedilatildeo dos serviccedilos puacuteblicos em geral asseguradas
a manutenccedilatildeo de serviccedilo de atendimento ao usuaacuterio e a avaliaccedilatildeo perioacutedica externa
e interna da qualidade dos serviccedilos
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II- o acesso dos usuaacuterios a registros administrativos e a informaccedilatildeo sobre atos de
governo observado o disposto no art 5ordm X e XXXIII
III- a disciplina da representaccedilatildeo conta o exerciacutecio negligente ou abusivo de cargo
emprego ou funccedilatildeo na administraccedilatildeo puacuteblica
Art 74 sect 2ordm Qualquer cidadatildeo partido poliacutetico associaccedilatildeo ou sindicato eacute
parte legiacutetima para na forma de lei denunciar irregularidades ou ilegalidades perante
o Tribunal de Contas da Uniatildeo
Art194 paraacutegrafo uacutenico Compete ao Poder Puacuteblico nos termos da lei
organizar a seguridade social com base nos seguintes objetivos ()
VII ndash caraacuteter democraacutetivo descentralizado na administraccedilatildeo mediante gestatildeo
quadripartite com participaccedilatildeo dos trabalhadores dos empregados e dos
aposentados e do Governo nos oacutergatildeos colegiados nos oacutergatildeos colegiados
Art 198 As accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede integram uma rede
regionalizada e hierarquizada o constituem um sistema uacutenico organizado de acordo
com as seguintes diretrizes
III ndash participaccedilatildeo da comunidade
Art 202 sect 6ordm A lei complementa a que se refere o sect 4ordm deste artigo
estabeleceraacute os requisitos para a designaccedilatildeo dos membros das diretorias das
entidades fechadas de previdecircncia privada e disciplinaraacute a inserccedilatildeo dos
participantes nos colegiados e instacircncias de decisatildeo em que seus interesses sejam
objeto de discussatildeo e deliberaccedilatildeo
Art 204 As accedilotildees governamentais na aacuterea de assistecircncia social seratildeo
organizadas com base nas seguintes diretrizes
II ndash Participaccedilatildeo da populaccedilatildeo por meio de organizaccedilotildees representativas na
formulaccedilatildeo das poliacuteticas e no controle das accedilotildees em todos os niacuteveis
O protagonista na concretizaccedilatildeo dos direitos humanos e na ampliaccedilatildeo da cidadania eacute um sujeito coletivo de um trabalho sempre inacabado eis que se tratam de tarefas e conquistas cotidianas e gradativas obras que soacute podem ser realizada a muitas matildeos no partilhar e compartilhar da vida (COSTA NETO 2010)
A ampliaccedilatildeo da cidadania requer a consciecircncia de que os direitos pressupotildeem
deveres de maneira que os direitos de um indiviacuteduo satildeo garantidos a partir do
cumprimento dos deveres dos demais componentes da sociedade
51
34 A necessaacuteria superaccedilatildeo de velhos paradigmas
Como se sabe em 1988 foi aprovada a Constituiccedilatildeo mais liberal e
democraacutetica do Brasil chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo Assim ampliou-se de
forma significativa o campo dos direitos e garantias fundamentais No que diz
respeito a tal mateacuteria eacute considerada como uma das mais avanccediladas do mundo No
seu preacircmbulo adota o modelo de um Estado democraacutetico de Direito destinado a
garantir o exerciacutecio dos direitos sociais e individuais a liberdade a seguranccedila o
bem-estar o desenvolvimento a igualdade e a justiccedila eleitos como valores
supremos de uma sociedade fraterna pluralista e sem preconceitos
Para a construccedilatildeo democraacutetica da cidadania no Brasil contemporacircneo
salienta-se de ela deve passar de uma democracia representativa para uma
cidadania que efetivamente molde a democracia ou seja uma cidadania instituinte
da democracia
No acircmbito constitucional positivo cidadania pressupotildee o exerciacutecio de todos
os direitos fundamentais e garantias que caracterizam o Estado democraacutetico de
Direito Quando se fala em cidadania eacute no sentido de reafirmar o direito pela plena
realizaccedilatildeo do indiviacuteduo do cidadatildeo dos entes coletivos e de sua emancipaccedilatildeo nos
espaccedilos da sociedade Estatildeo sempre intimamente ligados os conceitos de
cidadania democracia e direitos humanos sendo que um remete ao outro e seus
conteuacutedos se interligam ou seja a cidadania natildeo iraacute ocorrer sem que ocorra a
realizaccedilatildeo dos Direitos Humanos da mesma forma que os direitos humanos natildeo
seratildeo concretizados se natildeo houver o exerciacutecio da cidadania
Na evoluccedilatildeo histoacuterica tais categorias se desenvolveram de forma conjunta
com o Estado Representam noccedilotildees desejaacuteveis de relaccedilotildees humanas que se espera
sejam instituiacutedas Satildeo os elementos basilares na nova ordem social e que a
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 pretendeu edificar Poreacutem a democracia poliacutetica natildeo
resolveu os problemas econocircmicos mais seacuterios como a desigualdade e o
desemprego Continuam muito seacuterios os problemas da aacuterea social principalmente
na educaccedilatildeo nos serviccedilos de sauacutede e saneamento como tambeacutem e
principalmente quanto agrave seguranccedila puacuteblica
52
A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 em seu artigo 6ordm e em outros artigos no texto
constitucional ampliou e muito os Direitos Sociais proibiu discriminaccedilotildees Assim
indicadores baacutesicos de qualidade de vida apontam que houve uma melhoria A
mortalidade infantil por exemplo caiu de maneira significativa nos uacuteltimos anos A
esperanccedila de vida ao nascer passou de 60 anos em 1980 para 70 em 2000 Poreacutem
o maior progresso foi na aacuterea da educaccedilatildeo fundamental que eacute considerado fator
decisivo para a cidadania pois a taxa de analfabetismo caiu consideravelmente
entretanto existem muitos problemas no campo educacional como a repetecircncia e
com relaccedilatildeo a desigualdade social entre as regiotildees
A grande concentraccedilatildeo da riqueza nacional nas matildeos de poucos reflete a
desigualdade e causa a pobreza e a miseacuteria ao passo que dificulta o acesso do
cidadatildeo agrave justiccedila e consequentemente ao seu estado de cidadania pleno
Dentre os fundamentos no qual se baseiam o Estado democraacutetico de Direito
no Brasil destaca-se justamente a cidadania e a dignidade humana conforme artigo
1ordm incisos II e III da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Entatildeo construir uma sociedade
livre justa e solidaacuteria garantir o desenvolvimento nacional erradicar a pobreza e a
marginalizaccedilatildeo reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de
todos sem preconceitos de origem raccedila sexo cor idade ou quaisquer outras
formas de discriminaccedilatildeo satildeo os objetivos fundamentais do Estado Brasileiro
conforme art 3ordm da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
O cenaacuterio de globalizaccedilatildeo econocircmica mundial tambeacutem traacutes seacuterios obstaacuteculos
para a construccedilatildeo da cidadania A globalizaccedilatildeo da economia em ritmo acelerado
provoca grandes mudanccedilas nas relaccedilotildees entre Estado sociedade e naccedilatildeo que
eram sempre o centro da noccedilatildeo e da praacutetica da cidadania ocidental O foco das
mudanccedilas e das preocupaccedilotildees estaacute em dois focos especiacuteficos a reduccedilatildeo do papel
central do Estado como fonte de direitos e local para a participaccedilatildeo e o
deslocamento da naccedilatildeo como principal fonte de identidade coletiva
Para que ocorra efetiva mudanccedila a melhor proposta eacute no sentido de
mudanccedila na organizaccedilatildeo da sociedade pois a inversatildeo da sequecircncia dos direitos
fez com que ocorra o reforccedilo da supremacia do Estado Para que ocorra a
consolidaccedilatildeo democraacutetica e cidadatilde eacute necessaacuterio reforccedilar a organizaccedilatildeo da
sociedade para assim dar embasamento social ao poder poliacutetico ou seja
finalmente democratizar o poder e estabelecer de forma plena a Cidadania
53
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A Constituiccedilatildeo que nasce com ldquocheiro de amanhatilde e natildeo de mofordquo nas
palavras do Deputado Ulisses Guimaratildees tem em seu relevo a esperanccedila de um
povo que sonhava com a erradicaccedilatildeo da repressatildeo militar e natildeo soacute isso um povo
que sonhava com a liberdade em suas diversas manifestaccedilotildees em suas mais
significativas formas de representaccedilatildeo e sobretudo com um paiacutes voltado para a
democracia e justiccedila social
Ao povo brasileiro foi concedido o poder de governar e nesse contexto de
mudanccedila a ldquodemocracia eacute o governo do povo pelo povo e para o povordquo na
conceituaccedilatildeo ceacutelebre de Abraham Lincoln E consoante estabelece o paraacutegrafo
uacutenico do art 1ordm da Carta cidadatilde de 1988 ldquotodo poder emana do povo que o exerce
por meio de representantes eleitos ou diretamenterdquo
No entanto natildeo basta que a fonte de poder seja o povo a democracia vem
significar a efetiva participaccedilatildeo do povo nas decisotildees e destino do Estado e sua
consolidaccedilatildeo eacute a proacutepria cidadania pois eacute o cidadatildeo que pensa e se auto define
diante da condiccedilatildeo soacutecio-histoacuterica O cidadatildeo tem portanto o poder de transformar
a realidade social segundo seu pensamento e accedilatildeo
Natildeo se pode negar que a Carta de 1988 foi a que apresentou maior
legitimidade popular que abriu caminhos apontando um novo tempo
Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita Se fosse perfeita seria irreformaacutevel Ela proacutepria com humildade e realismo admite ser emendada ateacute por maioria mais acessiacutevel dentro de cinco anos Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita mas seraacute uacutetil e pioneira e desbravadora Seraacute luz ainda que de lamparina na noite dos desgraccedilados Eacute caminhando que se abrem os caminhos Ela vai caminhar e abri-los Seraacute redentor o que penetrar nos bolsotildees sujos escuros e ignorados da miseacuteria (Ulysses Guimaratildees)
Mesmo natildeo sendo a constituiccedilatildeo perfeita sem duacutevida foi a que trouxe
esperanccedila ao povo brasileiro com a sua promulgaccedilatildeo surgiram o ldquohaacutebeas datardquo o
mandado de injunccedilatildeo e o mandado de seguranccedila coletivo - todos remeacutedios judiciais
de iacutendoles constitucionais serviacuteveis para prevenir e combater diversas tentativas de
abuso contra a pessoa humana Outrossim o objeto da accedilatildeo popular foi ampliado
Atualmente qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima para propor a mencionada accedilatildeo
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popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de entidade de que o
Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e ao patrimocircnio
histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de custas
judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia Nesse rol de forma decisiva houve a
ampliaccedilatildeo tambeacutem dos direitos sociais
Assim a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconhece e assegura uma seacuterie de
escudos protetivos aos cidadatildeos Em sua essecircncia os direitos fundamentais
ganham forma De modo que podemos assegurar que hoje o nosso Estado eacute uma
organizaccedilatildeo centrada no ser humano visto que tem a dignidade da pessoa humana
como um fundamento da Repuacuteblica Federativa do Brasil
Apesar das inuacutemeras dificuldades o Estado Democraacutetico de Direito fundado
na cidadania constituiu para o povo uma nova identidade ndash o que em outras eacutepocas
natildeo existia
A Constituiccedilatildeo circunscreve toda a organizaccedilatildeo poliacutetica estatal no intuito
maior de criar no consciente coletivo a vontade livre e determinada de desenvolver
padrotildees de condutas destinados a elevar e promover a auto-estima de toda a
comunidade paacutetria
Foi nesse sentido que estatui em seu artigo 1ordm a cidadania como fundamento
do Estado Democraacutetico de Direito ampliando e enriquecendo o tal conceito Cada
eacutepoca produziu praacuteticas e reflexotildees muito distintas sobre o tema cidadania A
definiccedilatildeo de cidadania que vem sofrendo alteraccedilotildees ao longo do tempo obedecendo
a um processo histoacuterico de conquistas sociais eacute compreendida atualmente como
um processo de participaccedilatildeo do indiviacuteduo ou de um grupo organizado nas mais
variadas aacutereas de atuaccedilatildeo da sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos
e sociais
A cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia disso natildeo haacute duvidas e se
efetiva como mudanccedilas na realidade de cada um com melhoria de vida e
conscientizaccedilatildeo da importacircncia do cidadatildeo dado que eacute um processo em
permanente construccedilatildeo Natildeo haacute como defender uma qualidade de vida sem a
preservaccedilatildeo da cidadania em todos os seus acircmbitos Nesse sentido a efetiva
proteccedilatildeo desse aspecto basilar torna-se essencial no que tange uma assistecircncia
juriacutedica completa
No contraponto do direito estatildeo os deveres que encontramos sua realizaccedilatildeo
tambeacutem na participaccedilatildeo observando que o cidadatildeo eacute responsaacutevel pelo advir de
55
suas accedilotildees A participaccedilatildeo reflete um caraacuteter de natildeo comodismo de atenccedilatildeo agravequilo
que eacute particular e coletivo tendo como finalidade preciacutepua o bem comum
Construir cidadania hoje eacute imperativo para a sociedade pois dessa
construccedilatildeo depende o amanhatilde Estamos diante da Constituiccedilatildeo que se propotildee a
resguardar o amanhatilde sem perder de vista que ele comeccedila hoje agora e nisso a
Carta Poliacutetica traacutes consigo a certeza do despertar dessa consciecircncia a consciecircncia
cidadatilde Ela eacute a semente plantada em terra feacutertil que gera frutos diariamente e se
renova a cada estaccedilatildeo na dinacircmica da vida Talvez tenha sido esse o cheiro de
frutas alcanccedilado pelo constituinte ao anunciar que a carta tem ldquocheiro do amanhatilderdquo
A responsabilidade pelo exerciacutecio desses direitos belissimamente elencados
depende de todos e de cada um pois somos o terreno feacutertil que produziraacute o fruto de
uma sociedade fraterna
Eacute comum na praacutetica apenas responsabilizarmos o Estado em sentido lato pelo
natildeo exerciacutecio dos direitos do cidadatildeo Vale lembrar nesse contexto das palavras de
J Kennedy o qual disse ldquonatildeo pergunte o que o Estado pode fazer por vocecirc mas o
que vocecirc pode fazer pelo Estadordquo haacute nessa frase um forte traccedilo de cidadania pois
quando o cidadatildeo reivindica critica opina o que ele daacute em contrapartida ao paiacutes eacute
solidificado visto que eacute nas relaccedilotildees familiares em comunidade que se estabelece e
se fortalece os viacutenculos de solidariedade de uma sociedade que perpetua valores
condutas que as leis reguladoras natildeo conseguem por si soacute estabelecer
A concretizaccedilatildeo do ideal de uma qualidade de vida merecida a todos os seres
humanos sem restriccedilotildees requer entretanto um esforccedilo coletivo Dessa forma haacute
necessidade de suprir as muitas carecircncias advindas das desigualdades sociais e de
condiccedilotildees do descaso do poder puacuteblico e da proacutepria conceituaccedilatildeo antiga de
cidadania que ainda eacute concebida por muitos no presente
Em suma nosso trabalho procurou traccedilar a evoluccedilatildeo da cidadania e ao
mesmo tempo buscou traccedilar uma melhor caracterizaccedilatildeo do cidadatildeo agrave luz da nossa
Constituiccedilatildeo que eacute por fim a essecircncia da Magna Carta O alcance da cidadania
enquanto mecanismo de acesso a direitos foi colocado no acircmbito da pessoa
enquanto titular de direitos e num paralelo defendemos que o municiacutepio eacute o espaccedilo
de atuaccedilatildeo e exerciacutecio de cidadania dada a proximidade do cidadatildeo com as
instituiccedilotildees oacutergatildeos entidades e tudo o mais que o cerca na esfera de vivecircncia Eacute na
praccedila que discute a poliacutetica local e nacional que se indigna com as dificuldades e as
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barreiras de acesso aos seus direitos Eacute no municiacutepio que se inicia todo um vieacutes de
desdobramento para garantir direitos
Por fim natildeo obstante resta dizer sobre o tema que os caminhos e
paradigmas que se intentou percorrer sobre cidadania como mecanismo
transformador da sociedade tem ingrediente ainda a se descortinar para o
propoacutesito valioso do bem comum Pois bem a ideia de bem comum tem como
fundamento o amor maacutexima que se estabelece por meio da democracia visto que
ldquoa demofilia o demoiacutesmo o amor do povo acima de tudo como princiacutepio ativo de
toda a sua vida poliacutetica inspirador duma sempre crescente autonomia imanente eacute
que constitui a verdadeira essecircncia da democraciardquo nas palavras de Melgareacute
(2005)
Dessa forma eacute no nuacutecleo da democracia que estaacute inscrito como pedra
angular o respeito e o amor pela pessoa humana Eacute pois um tema de larga
abrangecircncia poreacutem sem querer abreviar o caminho sua efetiva possibilidade de
realizaccedilatildeo se encontra no exerciacutecio da cidadania sem repuacutedios parciais ou exclusatildeo
de qualquer ordem na plenitude de uma cidadania para todos
57
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58
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Abre os olhos e vecirc Secirc vigilante
a reaccedilatildeo natildeo passaraacute diante
do teu punho fechado contra o medo
Levanta-te meu povo Natildeo eacute tarde
Agora eacute que o mar canta eacute que o sol arde
pois quando o povo acorda eacute sempre cedo
(Joseacute Carlos Ary dos Santos)
Sumaacuterio
INTRODUCcedilAtildeO 09
CAPIacuteTULO 1 NOVOS OLHARES SOBRE A CIDADANIA 12
11 As origens da cidadania 13
12 A construccedilatildeo da cidadania 16
13 Cidadania um fenocircmeno cultural 18
14 cidadania no Brasil Breves consideraccedilotildees 19
CAPIacuteTULO 2 CIDADANIA Agrave LUZ DA CONSTITUICcedilAtildeO FEDERAL DE 1988 23
21 Estado Democraacutetico de Direito espaccedilo de cidadania 24
22 Os direitos fundamentais como pressupostos de identidade da cidadania 27
23 A consagraccedilatildeo dos direitos do cidadatildeo 31
CAPIacuteTULO 3 CIDADANIA COMO MECANISMO DE TRANSFORMACcedilAtildeO
SOCIAL 35
31 O ser cidadatildeo 36
32 A emancipaccedilatildeo social atraveacutes da cidadania 39
33 O municiacutepio como acircmbito de exerciacutecio de cidadania 44
34 A necessaacuteria superaccedilatildeo de velhos paradigmas 50
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 53
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 57
RESUMO
A cidadania assumiu historicamente inuacutemeras concepccedilotildees em funccedilatildeo dos muitos contextos social e cultural em que esta inserida Sua construccedilatildeo ficou condicionada a maneira como se formaram os Estados Assim o conceito de cidadania como direito a ter direitos foi construiacutedo dentro das estruturas proacuteprias de cada Estado dessa forma a cidadania moderna se desenvolveu na medida em que as pessoas se sentem parte do Estado-naccedilatildeo podendo participar da dinacircmica e construccedilatildeo do bem comum Eacute dentro desse contexto que se insere o presente estudo que tem por objetivo discorrer a respeito dos principais instrumentos de defesa dos direitos do cidadatildeo observando a cidadania como mecanismo de transformaccedilatildeo social No Brasil a cidadania ganha relevo com a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 na qual aparece como princiacutepio fundamental A Carta Cidadatilde abarca no decorrer de seu texto inuacutemeras inovaccedilotildees no que concerne a questatildeo da caracterizaccedilatildeo da cidadania na sociedade atual e os direitos que abrangem a esfera poliacutetica civil e social No elenco de mecanismo de exerciacutecio da cidadania objeto de nossa anaacutelise estaacute o acesso ao direito e a justiccedila que eacute fator preponderante para efetivar as garantias constitucionais bem como a educaccedilatildeo que implica ao ser humano o conhecimento de si mesmo e do meio no qual estaacute inserido dele podendo participar de forma produtiva O alcance da cidadania enquanto exerciacutecio de direitos e deveres eacute colocada no acircmbito do municiacutepio por ser o ente federativo mais proacuteximo do cidadatildeo Nesse vieacutes a construccedilatildeo da cidadania plena se constitui como tarefa de muitas matildeos firmada em accedilotildees que visam o bem comum PALAVRAS-CHAVE cidadania direitos constituiccedilatildeo democracia
ABSTRACT
Citizenship assumed historically many concepts in the light of many social and cultural contexts in which it operates Its construction was conditioned how states were formed Thus the concept of citizenship as a right to have rights built into the structures of each state so modern citizenship has developed to the extent that people feel part of the nation-state can participate in the construction of dynamic and well common It is within this context that the present study which aims to talk about the main instruments of defense of civil rights noting citizenship as a mechanism for social change In Brazil citizenship becomes important to the Federal Constitution of 1988 which appears as a fundamental principle The Citizen Charter includes in the course of your text numerous innovations regarding the issue of characterization of citizenship in modern society and the rights covering the political civil and social The cast engine citizenship object of our analysis is access to law and justice that is decisive for effective constitutional guarantees as well as the education that involves the human knowledge of oneself and the environment in which it is inserted it can participate productively The scope of the exercise of citizenship as rights and duties is placed within the municipality for being the federative entity closest to the citizen In this vein the construction of full citizenship is constituted as a task of many hands signed into actions aimed at the common good KEYWORDS citizenship rights constitution democracy
9
INTRODUCcedilAtildeO
A palavra cidadania tem sido usada com muita frequecircncia desde um discurso
poliacutetico a um diaacutelogo trivial pois eacute um vocaacutebulo de significado amplo que permite o
seu emprego para referir-se aos direitos humanos ou direitos do consumidor ou
para dirigir-se a um indiviacuteduo
O conceito de cidadania sempre esteve fortemente associado agrave noccedilatildeo de
direito o que de certa forma justifica a amplitude de usos do termo jaacute que a histoacuteria
da cidadania confunde-se com a histoacuteria dos direitos humanos a histoacuteria das lutas
das gentes para a afirmaccedilatildeo de valores como a liberdade a dignidade e a
igualdade de todos os seres humanos indistintamente Percebe-se portanto que
existe um estreito relacionamento entre cidadania e luta por justiccedila por democracia
e outros direitos fundamentais Pois como afirma Santana (2009)
A histoacuteria da cidadania confunde-se em muito com a histoacuteria das lutas pelos direitos humanos A cidadania esteve e estaacute em permanente construccedilatildeo eacute um referencial de conquista da humanidade atraveacutes daqueles que lutam por mais direitos maior liberdade melhores garantias individuais e coletivas []
Sua trajetoacuteria eacute longa e liga-se as transformaccedilotildees poliacuteticas ocorridas na
histoacuteria das sociedades O seu nascimento remota a Antiguidade passando por uma
perda de seu significado na Idade Media ateacute ressurgir na Modernidade e originar
calorosos debates nos dias de hoje
No Brasil estamos tecendo a nossa cidadania e aos poucos vamos nos
livrando da visatildeo restritiva da cidadania aplicada como simples conjunto de pessoas
dotadas de direitos poliacuteticos (cidadania ativa e cidadania passiva)
Passos importantes foram dados com o processo de redemocratizaccedilatildeo e a
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 mas essa trajetoacuteria ainda tem um longo caminho a
ser percorrido pois construir cidadania eacute tambeacutem construir novas relaccedilotildees e
10
consciecircncia de que ela natildeo se limita a conquista legal de direitos mas tambeacutem a
realizaccedilatildeo desses direitos Sob pena de que a natildeo apropriaccedilatildeo desses direitos de
forma efetiva os transforma em letra morta
A consciecircncia cidadatilde perpassa a democracia os direitos sociais e o ideal
coletivo de justiccedila em sentido amplo o qual denominamos de bem comum A
vivecircncia da cidadania encontra diversas barreiras culturais e histoacutericas pois como
afirma Matos (2009)
Somos filhos e filhas de uma naccedilatildeo que nasceu sob o signo da cruz e da espada acostumados a apanhar calado a dizer sempre lsquosim senhorrsquo a lsquoengolir saposrsquo a achar lsquonormalrsquo as injusticcedilas a termos um lsquojeitinhorsquo para tudo a natildeo levar a seacuterio a coisa puacuteblica a pensar que direitos satildeo privileacutegios e exigi-los eacute ser boccedilal e metido a pensar que Deus eacute brasileiro e se as coisas estatildeo como estatildeo eacute por vontade Dele
Os direitos que hoje gozamos natildeo nos foram conferidos de maneira
harmoniosa foram conquistados E muitas vezes os compreendemos como uma
concessatildeo um favor de quem estaacute em cima para os que estatildeo em baixo da piracircmide
social e essa concepccedilatildeo errocircnea fragiliza a capacidade de organizaccedilatildeo participaccedilatildeo
e intervenccedilatildeo social que configura a cidadania
Este trabalho monograacutefico portanto tem como escopo discutir e traccedilar alguns
pressupostos que possibilitem a compreensatildeo do efetivo exerciacutecio da cidadania
como mecanismo transformador de uma sociedade (participaccedilatildeo cidadatilde nas
decisotildees da administraccedilatildeo puacuteblica que alcancem toda a coletividade)
compreendendo que a cidadania deve ser vista em todos os seus aspectos
principalmente no sentido que atraveacutes dela se almeja uma sociedade com vida
digna para todos Cidadania essa que se configurou e vem se impondo em meio a
fortes resistecircncias e combates
Para que os objetivos fossem alcanccedilados elegemos a pesquisa bibliograacutefica
como teacutecnica baacutesica para coletarmos os dados necessaacuterios Tratou-se de uma
proposta de estudo portanto de cunho eminentemente bibliograacutefico Assim sendo
as fontes da pesquisa foram as proacuteprias obras dos doutrinadores
Eacute por meio de referenciais teoacutericos como Hannah Arendt Joseacute Afonso da
Silva Norberto Bobbio Dalmo Dallari Walber Agra Celso Bandeira de Melo
Boaventura de Souza Joseacute Murilo de Carvalho entre outros expoentes da ciecircncia
juriacutedica que contextualizamos estes questionamentos e de certa maneira temos a
11
pretensatildeo de contribuir para o fortalecimento do debate acadecircmico em torno de um
elemento valioso para o Estado Constitucional a cidadania
A dimensatildeo doutrinaacuteria do tema diz respeito a sua importacircncia para a aacuterea de
estudos em que se insere - o Direito Pois estudar e analisar elementos constitutivos
da cidadania significa compreender uma questatildeo que vem a cada dia tomando mais
espaccedilo nos meios acadecircmicos
Nos dias atuais em que a poacutes-modernidade permeia as relaccedilotildees juriacutedicas
propiciando a interdisciplinaridade e a flexibilidade da interpretaccedilatildeo dos dispositivos
postos o processo de discussatildeo voltado para a questatildeo da cidadania vivencia na
atualidade grande relevacircncia Nesse diapasatildeo duas consideraccedilotildees seratildeo levadas a
efeito a cidadania como um fundamento constitucional da Repuacuteblica Federativa do
Brasil de acordo com o que preceitua o inciso II do artigo 1ordm da Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 o local mais propiacutecio para o exerciacutecio efetivo da cidadania eacute o
municiacutepio onde ocorrem agraves decisotildees mais proacuteximas da comunidade em que o
individuo cidadatildeo tem maior facilidade de participaccedilatildeo nas decisotildees e por fim que
os indiviacuteduos exercem cidadania acessando a justiccedila em busca de seus direitos
Neste sentido o presente trabalho analisa algumas questotildees que estiveram e
ainda estatildeo por traacutes do desenvolvimento da foacutermula da cidadania percorrendo para
tanto desde a antiguidade ateacute o tempo presente De modo que o objetivo do
mesmo eacute analisar o processo de constituiccedilatildeo e consolidaccedilatildeo da cidadania ao longo
dos tempos como tambeacutem procura demonstrar os caminhos que de fato o conceito
de cidadania percorreu ateacute chegar agraves formulaccedilotildees da nossa eacutepoca em que passou
a ser concebida como um princiacutepio fundamental da Repuacuteblica Federativa do Brasil
Defendemos por fim que a cidadania como hoje a enxergamos eacute talvez o
uacutenico arcabouccedilo viaacutevel para a convivecircncia poliacutetica sendo certo que a sociabilidade
por traacutes da construccedilatildeo estatal precisa arrimar-se em postulados democraacuteticos e
criteacuterios de emancipaccedilatildeo da liberdade individual e coletiva os quais satildeo
pressupostos da cidadania plena
12
CAPIacuteTULO 1 - NOVOS OLHARES SOBRE A CIDADANIA
A cidadania vista como uma verdadeira visatildeo democraacutetica da convivecircncia eacute
siacutembolo de todo um incessante processo desencadeado por meio de um labutar
juriacutedico-politico-cultural que vem acompanhado de vaacuterias etapas do fenocircmeno
humano na tentativa de harmonizar os interesses valores e necessidades dos
homens
Seus correspondentes mecanismos de atuaccedilatildeo na sociedade atual natildeo
surgiram como que por encanto pacificamente sem luta Brotaram apoacutes uma
semeadura ideoloacutegica em conflito com outras ideologias e doutrinas que lhe eram
contraacuterias A cidadania portanto consiste na lenta construccedilatildeo da democracia
sintetiza os esforccedilos para a obtenccedilatildeo das prerrogativas poliacuteticas sociais e culturais
que tecircm levado os membros da comunidade poliacutetica direta ou indiretamente a
decidir acerca da realidade que os cercam
Neste sentido obra de construccedilatildeo do civismo democraacutetico que vem se
fortalecendo de maneira eficaz com a promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo brasileira de
1988 a cidadania toma como ponto de partida a ideia de que o Estado democraacutetico
de Direito eacute uma conquista resultado de uma construccedilatildeo permanente da
convivecircncia sociopoliacutetica
13
11 As origens da cidadania
A expressatildeo cidadania emana do termo latino civitas No entanto pode-se
encontrar suas procedecircncias intelectuais nas religiotildees da Antiguidade e nas
civilizaccedilotildees greco-romanas Polites que os romanos traduziram por cives que eacute o
soacutecio da polis ou civitas O legado greco-romano da palavra civitas nos remete agraves
noccedilotildees de liberdade igualdade e virtudes republicanas Eacute na polis grega que os
conceitos de liberdade e igualdade ganham sentido No entanto eacute importante citar
que
A participaccedilatildeo na polis ou na civitas era exclusiva de alguns homens que participavam do funcionamento da cidade-Estado eram eles os titulares de direitos poliacuteticos Eram considerados cidadatildeos apenas os homens nascidos no solo da cidade livres e iguais portadores de dois direitos inquestionaacuteveis portadores da isonomia (igualdade perante a lei) e da isegoria (o direito de expor e discutir em puacuteblico opiniotildees sobre accedilotildees que a cidade deveria ou natildeo realizar) (CHAUIacute 1994)
Ser cidadatildeo para os gregos significava antes de tudo usufruir certas
vantagens que nenhum outro homem conhecera Como afirma Minogue ldquoOs
cidadatildeos tinham riqueza beleza e inteligecircncia diversas mas como cidadatildeos eram
iguaisrdquo (1998) Foi especialmente no seacuteculo V aC que Atenas viveu seu momento
de apogeu Nesse seacuteculo especificamente desenvolveram-se as concepccedilotildees de
cidadania e democracia Em oposiccedilatildeo agrave ideia aristocraacutetica de poder o cidadatildeo
poderia e deveria atuar na vida puacuteblica independentemente da origem familiar
classe ou funccedilatildeo (ARENDT 1995)
Da mesma forma a racionalidade era conferida a uma minoria da
populaccedilatildeo exclusivamente aos homens que tinham o direito de filosofar aleacutem de
participar da academia (culto agrave beleza fiacutesica) e do poder (direito de comandar
politicamente todos os interesses da polis mediante a elaboraccedilatildeo e execuccedilatildeo de
leis e normas administrativas) Cidadatildeo segundo o teoacuterico Coulanges
Eacute todo o homem que segue a religiatildeo da cidade que honra os mesmos deuses da cidade () o que tem o direito de aproximar-se dos altares e podendo penetrar no recinto sagrado onde se realizam as assembleias assiste agraves festas acompanha as procissotildees e participa dos panegiacutericos participa dos banquetes sagrados e recebe sua parte das viacutetimas Assim esse homem no dia em que se inscreveu no registro dos cidadatildeos jurou praticar o culto dos deuses da cidade e por eles combater (2003)
14
Os escravos e os baacuterbaros natildeo podiam tomar parte dos ambientes
sagrados Segundo alguns teoacutericos apenas 10 da populaccedilatildeo eram considerados
cidadatildeos em Atenas A fim de reduzir as despesas do Estado o governo restringiu o
direito de cidadania somente os filhos de pai e matildee atenienses seriam considerados
cidadatildeos As mulheres os metecos (estrangeiros) e os escravos continuaram
desprovidos de quaisquer direitos poliacuteticos A mulher era considera o ldquonatildeo serrdquo
equiparada aos escravos cuidava dos afazeres ldquodomeacutesticosrdquo servia como
instrumento de procriaccedilatildeo e natildeo participava portanto das decisotildees da polis
Aristoacuteteles descreve que mulheres e escravos eram mantidos fora da vista do
puacuteblico eram os trabalhadores que ldquocom o seu corpo cuidavam das necessidades
(fiacutesicas) da vidardquo Satildeo as mulheres que com seu corpo garantem a sobrevivecircncia
fiacutesica da espeacutecie Mulheres e escravos conforme Arendt
Pertenciam agrave mesma categoria e eram mantidos fora das vistas alheias - natildeo somente porque eram propriedade de outrem mas porque a sua vida era ldquolaboriosardquo dedicada a funccedilotildees corporais O filho de preferecircncia deveria ser do sexo masculino sendo candidato em potencial para exercer a cidadania O escravo servia de matildeo-de-obra para o sustento e manutenccedilatildeo dos cidadatildeos (1995)
Para Aristoacuteteles ser cidadatildeo diz respeito a todo aquele que eacute capaz de
tomar parte tanto no judiciaacuterio quanto no poder deliberativo da polis ldquoNenhum
caraacuteter define melhor o cidadatildeo no sentido estrito do que a participaccedilatildeo do exerciacutecio
dos poderes de juiz e magistradordquo (ARISTOacuteTELES A Poliacutetica III 16 Apud
TOURAINE 1994) O fim uacuteltimo do homem eacute viver na polis onde o homem se
realiza como cidadatildeo (politai) manifestando o processo de constituiccedilatildeo de sua
essecircncia a sua natureza Ou seja natildeo apenas viver em sociedade mas viver na
ldquopoliticidaderdquo
Para Aristoacuteteles a reflexatildeo sobre a poliacutetica eacute que ela natildeo se separa da
eacutetica pois segundo o estagirita a vida individual estaacute imbricada na vida comunitaacuteria
A razatildeo pela qual os indiviacuteduos reuacutenem-se nas cidades (e formam comunidades
poliacuteticas) natildeo eacute apenas a de viver em comum mas a de viver ldquobemrdquo ou a boa vida
Para que isso aconteccedila eacute necessaacuterio que os cidadatildeos vivam o bem comum ou em
15
conjunto ou por intermeacutedio dos seus governantes se acontecer o contraacuterio (a busca
do interesse proacuteprio) estaacute formada a degeneraccedilatildeo do Estado
Por fim como afirma Correcirca (1999) ldquoa cidadania da Greacutecia Claacutessica
possui um paracircmetro muito especiacutefico de difiacutecil aceitaccedilatildeo numa concepccedilatildeo
moderna de cidadaniardquo Ou seja o que caracteriza a cidadania antiga eacute seu aspecto
limitador elitista e excludente pouco semelhante com o entendimento dos nossos
dias
Destarte como a democracia a cidadania passou por diferentes e possiacuteveis
ldquoinvenccedilotildeesrdquo em periacuteodos e espaccedilos determinados da histoacuteria e da geografia do
Ocidente Greacutecia e Roma consolidaram por seacuteculos seus sistemas de governos
possibilitando e permitindo a participaccedilatildeo de um significativo nuacutemero de cidadatildeos
Com o desaparecimento das civilizaccedilotildees claacutessicas a cidadania desaparece
juntamente e por um bom tempo ficaraacute fora de cena no Ocidente
Conforme Benevides (1994) a ideia moderna de cidadania e de direitos do
cidadatildeo tem como eacute sabido soacutelidas raiacutezes nas lutas e no imaginaacuterio da Revoluccedilatildeo
Francesa
Na continuidade da tradiccedilatildeo dos seacuteculos XVII e XVIII o contratualismo de
Locke e de Rousseau forneceu as bases filosoacuteficas do conceito de cidadania do
liberalismo e as revoluccedilotildees Inglesa Americana e Francesa que validaram seu uso
ao estabelecer um viacutenculo juriacutedico-legal entre as noccedilotildees de liberdade igualdade
fraternidade e o Estado-naccedilatildeo (MOISEacuteS 2005)
Nos seacuteculos XVIII e XIX outras correntes teoacutericas sobre o direito e a cidadania
seratildeo contempladas No entanto estas teorias vatildeo se contrapor agraves teorias do
jusnaturalismo e do contratualismo Segundo Correcirca (1999)
Para o positivismo juriacutedico (positivismo normativista de Kelsen) bem como para a Escola da Exegese e a Escola Histoacuterica o que vale eacute o ensino dogmaacutetico - as normas (exclue-se a anaacutelise interdisciplinar entre outras aacutereas principalmente com as Ciecircncias Sociais) A lei eacute a uacutenica fonte do direito Para essas escolas a cidadania eacute negada
Mais proacuteximo de noacutes no seacuteculo XX T A Marshall foi quem primeiro
discutiu o conceito de cidadania e suas dimensotildees no ensaio claacutessico ldquoCidadania e
classe socialrdquo Ainda hoje depois de mais de seis deacutecadas apoacutes a sua publicaccedilatildeo
16
(em 1949) o ensaio de Marshall continua a ser a referecircncia teoacuterica fundamental
para quem comeccedila a refletir sobre a cidadania na sociedade contemporacircnea eacute o
que se pode constatar de resto atraveacutes da consulta a mais recente bibliografia
dedicada a esse tema
Os Direitos Civis dentro da tradiccedilatildeo apresentada por Marshall estatildeo
ligados aos direitos fundamentais do homem como o direito agrave vida agrave liberdade agrave
propriedade e agrave igualdade perante a lei Jaacute os Direitos Poliacuteticos se referem agrave
participaccedilatildeo do cidadatildeo no governo da sociedade Seu exerciacutecio eacute limitado a uma
reduzida parcela da populaccedilatildeo e consiste na capacidade de fazer demonstraccedilotildees
poliacuteticas formar e participar de agremiaccedilotildees poliacuteticas organizar partidos votar e ser
votado Em geral quando se fala de direitos poliacuteticos
Eacute do direito do voto que se estaacute falando Por fim aparecem os Direitos Sociais que garantem a participaccedilatildeo no governo da sociedade e na riqueza coletiva Eles incluem o direito agrave educaccedilatildeo ao trabalho ao salaacuterio justo agrave sauacutede e agrave aposentadoria (CARVALHO 2002)
Eacute a soma desses direitos (civis poliacuteticos e sociais) que garantem a
emancipaccedilatildeo humana e a justiccedila social Certamente Marshall descreveu a evoluccedilatildeo
da cidadania em seu paiacutes de origem ou seja a Inglaterra Foi nesse paiacutes que
surgiram inicialmente os direitos civis no seacuteculo XVIII depois vieram os direitos
poliacuteticos (XIX) e por fim os direitos sociais (XX) Trata-se portanto de verdadeiras
conquistas da contemporaneidade E como tal fazem parte de um cotidiano em que
homens e mulheres lutam por dias melhores pelo Direito justo por uma cidadania
plena e eficaz por uma convivecircncia equilibrada pela existecircncia plena daqueles que
acreditam e defendem os valores por traacutes da dignidade da pessoa humana
12 A construccedilatildeo da cidadania
A Cidadania natildeo pode ser vista como um conceito estaacutetico pois ela natildeo se
resume somente em participaccedilatildeo atraveacutes de eleiccedilotildees mas sim como uma
construccedilatildeo da democracia politizada e participativa da construccedilatildeo do poder
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Nas uacuteltimas deacutecadas o Brasil passou por significativas mudanccedilas de
paradigmas dentre os quais podemos citar a reconstruccedilatildeo do conceito proposto de
cidadania Pode-se dizer que apesar das inuacutemeras desigualdades socioeconocircmicas
o termo ldquocidadaniardquo evoluiu ampliando-se a abrangecircncia de sua concepccedilatildeo
abarcando todas as categorias sociais Para tanto para que possamos compreender
como vem se dando essa evoluccedilatildeo eacute preciso que conheccedilamos como tem se dado a
construccedilatildeo histoacuterica da representaccedilatildeo simboacutelica da cidadania
Durante toda a sua evoluccedilatildeo histoacuterica a palavra cidadania e as vaacuterias facetas
que ela assumiu nas uacuteltimas deacutecadas vecircm convivendo de perto com dissensotildees
sociais interesses e conflitos ideoloacutegicos culturais e poliacuteticos que se dedicam a
defender ou construir um modelo de cidadania compatiacutevel com as conjunturas de
cada tempo e de cada lugar
A marcha da cidadania sempre esteve ligada a avanccedilos retrocessos crises e
vitoacuterias enfim a iniciativas voltadas para a implantaccedilatildeo de uma estrateacutegia de luta
pelos direitos humanos pois ela esteve e estaacute em permanente construccedilatildeo eacute como
dizem os grandes teoacutericos um referencial de conquista da humanidade atraveacutes
daqueles que sempre lutaram e lutam por mais direitos mais liberdade melhores
garantias sejam elas individuais ou coletivas e natildeo se conformam frente agraves
dominaccedilotildees arrogantes de um pequeno grupo dominador e opressor contra uma
maioria desassistida e que natildeo se consegue fazer ouvir exatamente porque se lhe
nega a cidadania plena cuja conquista ainda que tardia natildeo seraacute obstada
Os caminhos trilhados pelos que defendem a cidadania podem vir a
apresentar em termos de sentimento constitucional a luta por um Estado
Democraacutetico de Direito que ajude na construccedilatildeo de uma adequada compreensatildeo
das situaccedilotildees de conjuntura e dos problemas estruturais que a sociedade enfrenta
dia apoacutes dia situaccedilotildees essas que se congregam para gerar a falta de efetividade
normativa da nossa Constituiccedilatildeo Aleacutem disso oferecem um amplo panorama acerca
dos esforccedilos que os povos empreenderam para fundar os alicerces das democracias
constitucionais do mundo moderno
A histoacuteria da construccedilatildeo da cidadania eacute uma histoacuteria de resistecircncias de povos
contra as opressotildees dos governos do desespero e das necessidades das massas eacute
a histoacuteria da esperanccedila e do empenho das naccedilotildees a histoacuteria da convivecircncia das
paixotildees humanas do futuro das geraccedilotildees eacute a histoacuteria do sofrimento e da dor eacute a
histoacuteria das vicissitudes e dramas do proacuteprio fenocircmeno humano
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13 Cidadania um fenocircmeno cultural
A cidadania eacute um fenocircmeno cultural relacionada com a conquista de direitos
com as construccedilotildees das instituiccedilotildees com a proteccedilatildeo dos direitos fundamentais e
dos valores juriacutedicos e humanos Trata-se de uma realidade cultural cuja finalidade eacute
determinar o modo como agraves pessoas devem vincular-se agraves mudanccedilas nas estruturas
sociais determinando o modo como agraves pessoas devem atuar e (com) viver em
sociedade
De certo modo a cidadania como o Direito e todos os direitos representa uma
conquista da cultura frente agrave conflitiva natureza humana Tal conclusatildeo ajuda a
compreender o Estado Democraacutetico de Direito e tudo aquilo que ele simboliza em
termos de emancipaccedilatildeo da pessoa humana Nessa linha a necessidade de
compreender o conceito atual de cidadania agrave luz das questotildees culturais e sociais
postas pela sociedade poacutes-moderna veio-nos como heranccedila do processo cultural de
formaccedilatildeo das democracias modernas
Essa representaccedilatildeo cultural da cidadania vem sendo tratada pelos
pensadores modernos sob vaacuterios enfoques Num primeiro momento surge assim
por exemplo a cidadania civil que marcou a superaccedilatildeo da situaccedilatildeo observada na
Idade Meacutedia garantindo os direitos quanto agrave liberdade e agrave justiccedila e vinculando-se
diretamente agrave burguesia Jaacute a cidadania poliacutetica surgiu com a universalizaccedilatildeo de seu
proacuteprio conceito e com a ampliaccedilatildeo dos direitos civis Esta nova consciecircncia sobre
as diferenccedilas no interior do status de cidadatildeo acentua os debates sobre a exclusatildeo
social os direitos humanos e mesmo sobre a atuaccedilatildeo poliacutetica da sociedade civil Por
outro lado no atual estaacutegio do capitalismo falar em cidadania significar considerar
igualmente as proacuteprias mudanccedilas ocorridas na sociedade nos valores e na
educaccedilatildeo proporcionados pelas inovaccedilotildees da realidade tecnocientifica
Temos desse modo associado ao atual conceito de cidadania um repertoacuterio
teoacuterico e mesmo praacutetico cuja amplitude acompanha o proacuteprio desenvolvimento das
sociedades poacutes-modernas dando a impressatildeo crescente como afirma Harvey
19
De uma poderosa configuraccedilatildeo de novos sentimentos e pensamentos Que parecia a caminho de desenvolvimento social e poliacutetico apenas em virtude da maneira como definia padrotildees de criacutetica social e de praacutetica poliacutetica Em anos recentes ele vem determinando os padrotildees de debate definindo o modo do lsquodiscursorsquo e estabelecendo paracircmetros para a criacutetica cultural poliacutetica e cultural (1992)
Contudo a extensatildeo desses direitos agrave totalidade da populaccedilatildeo natildeo
possibilitou a garantia da liberdade e da igualdade idealizadas por Rousseau em sua
obra ldquoO Contrato Socialrdquo Por outro lado pode-se dizer que todos esses anos de
desenvolvimento acabaram por afirmar que a cidadania de fato soacute pode se constituir
por meio de acirrada luta cotidiana por direitos e pela garantia daqueles que jaacute
existem
Mais do que isso nota-se maior preocupaccedilatildeo com a difusatildeo desses direitos
seja por meio de educaccedilatildeo formal seja pelos meios de comunicaccedilatildeo Livros
didaacuteticos e paradidaacuteticos tecircm fomentado a discussatildeo sobre o status de cidadatildeo e os
direitos humanos outros associam ao desenvolvimento da cidadania uma
discussatildeo sobre os meios de comunicaccedilatildeo e o proacuteprio capitalismo como afirma o
professor Dalmo de Abreu Dallari em Cidadania e Direitos Humanos (1998)
Nessa perspectiva problemas recorrentes como as violaccedilotildees dos direitos
humanos as ineficiecircncias no campo social e o processo de pauperizaccedilatildeo
manifestado na periferia do capitalismo mostram que a cidadania exige mais do que
o simples ato de votar ou de pertencer a uma sociedade poliacutetica Cabe portanto agrave
sociedade civil caraacuteter representativo que substitua as pressotildees ou mesmo a
atuaccedilatildeo legiacutetima dos cidadatildeos
A evoluccedilatildeo da cidadania portanto consiste na lenta construccedilatildeo da
democracia que sintetiza os esforccedilos para a obtenccedilatildeo das prerrogativas ideoloacutegicas
e culturais que tecircm levado os membros da sociedade a decidirem acerca da
realidade que os cercam
14 Cidadania no Brasil breves consideraccedilotildees
Discorrer sobre a construccedilatildeo da cidadania no Brasil eacute tocar num ponto
crucial da nossa histoacuteria Passados mais de 500 anos da chegada dos portugueses
20
por estas paragens percebe-se que a consolidaccedilatildeo da cidadania ainda eacute um desafio
para todos os brasileiros
O tema cidadania muito se tem discutido na academia e fora dela o jargatildeo
da cidadania estaacute na moda nas instituiccedilotildees poliacuteticas e juriacutedicas como tambeacutem na
opiniatildeo puacuteblica mas concretamente eacute um conceito ainda a ser construiacutedo
No contexto histoacuterico-cultural e poliacutetico dos gregos especificamente por
volta do ano 380 aC (periacuteodo do apogeu daquela civilizaccedilatildeo) embora a cidadania
fosse limitada a uma parcela social minoritaacuteria pode-se afirmar que tanto a
democracia quanto a cidadania grega natildeo deixam de ser conquistas ineacuteditas e
avanccedilos significativos para a histoacuteria ocidental Jaacute a evoluccedilatildeo e a real consolidaccedilatildeo
da cidadania na modernidade nascem a partir dos direitos naturais (vida
propriedade liberdade) do homem liberal burguecircs garantido pelas consecutivas
ldquoDeclaraccedilotildees de Direitosrdquo elaboradas a partir das revoluccedilotildees liberais na Inglaterra
(Revoluccedilatildeo Gloriosa 1688-89) Estados Unidos (Emancipaccedilatildeo poliacutetica 1776) Franccedila
(Revoluccedilatildeo Francesa)
No entanto pode-se dizer que o nosso paiacutes apesar da influecircncia dos paiacuteses
europeus vivenciou como ainda vivencia uma difiacutecil construccedilatildeo da cidadania
A longa histoacuteria do Brasil vem elencando razotildees profundas para a nossa
natildeo-cidadania atual a exemplo da conquista (ou invasatildeo) do nosso territoacuterio o
grande latifuacutendio a escravidatildeo a monocultura de exportaccedilatildeo o analfabetismo a
perpetuaccedilatildeo das elites poliacuteticas no poder fatores que refletem nos viacutecios da vida
social cultural poliacutetica e econocircmica do paiacutes
Fundamentalmente eacute preciso afirmar que no Brasil a construccedilatildeo da
cidadania natildeo seguiu a loacutegica da trajetoacuteria inglesa Houve no Brasil segundo
Carvalho (2002) pelo menos duas diferenccedilas importantes
A primeira refere-se agrave maior ecircnfase em um dos direitos o social em relaccedilatildeo aos outros a segunda refere-se agrave alteraccedilatildeo na sequecircncia em que os direitos foram adquiridos entre noacutes o social precedeu os outros
Uma das razotildees fundamentais das dificuldades da construccedilatildeo da cidadania
estaacute ligada como nos diz Carvalho ao ldquopeso do passadordquo mais especificamente ao
periacuteodo colonial (1500-1822) quando
21
Os portugueses tinham construiacutedo um enorme paiacutes dotado de unidade territorial linguiacutestica cultural e religiosa Mas tinham deixado uma populaccedilatildeo analfabeta uma sociedade escravocrata uma economia monocultora e latifundiaacuteria um Estado Absolutista (CARVALHO 2002)
Em suma foram 322 anos sem poder puacuteblico sem Estado sem naccedilatildeo e
cidadania Diante de tatildeo obscuro cenaacuterio de dominaccedilatildeo opressatildeo dentre outras
formas de natildeo efetivaccedilatildeo da cidadania no Brasil podemos elencar dentre outros
tantos fatores quais foram os principais obstaacuteculos para a construccedilatildeo da cidadania
brasileira O latifuacutendio agro-exportador do periacuteodo colonial bem como o escravismo
o analfabetismo marcaram negativamente nossas origens e ateacute hoje dificultam
avanccedilos no acircmbito poliacutetico-social e econocircmico Aleacutem dessas outras razotildees foram e
continuam sendo entraves para a consolidaccedilatildeo das instituiccedilotildees poliacutetica que
impedem os avanccedilos necessaacuterios para uma cidadania plena Na ordem poliacutetica
permanecem ainda algumas mazelas histoacutericas como o patrimonialismo
(promiscuidade entre o puacuteblico e o privado) o coronelismo com sua nova roupagem
o clientelismo aleacutem da corrupccedilatildeo entre outros
Mesmo diante de tatildeo vergonhoso cenaacuterio natildeo podemos nos dispensar que
tambeacutem alcanccedilamos mesmo que de forma tiacutemida significativas conquistas de
direitos no Brasil comparadas com outros paiacuteses que vivenciaram um processo de
colonizaccedilatildeo semelhante ao nosso A conquista desses direitos deu-se de maneira
tardia e inversa haja vista que somente em 1824 mais de 320 anos apoacutes a chegada
dos portugueses foi que surgiram os primeiros direitos civis e poliacuteticos (antes disso
estaacutevamos submetidos agrave lei da coroa portuguesa) Aos poucos surgiram os direitos
sociais mas exatamente no momento em que os direitos civis e poliacuteticos estavam
sendo negados no periacuteodo da ditadura de Vargas (1937-45) e na ditadura militar
(1964-1985) Parece um paradoxo mas foi exatamente nesse periacuteodo de
conturbaccedilotildees poliacuteticas que marchamos em direccedilatildeo agrave conquista de significativos
direitos que iriam projetar uma ideia de lutas e vitoacuterias que se projetariam no campo
da cidadania de modo bastante concreto
Por fim haveremos de concordar com Benevides (1994) ao afirmar que no
intuito de reverter agrave realidade poliacutetico-social excludente ou de uma cidadania
passiva ou sem ldquopovordquo eacute necessaacuterio recorrer agrave defesa de mecanismos institucionais
22
como o referendo o plebiscito e a iniciativa popular para a construccedilatildeo do que ela
chama de uma cidadania ativa ou democracia semidireta Alguns autores veem
dificuldades na implementaccedilatildeo desse sistema em paiacuteses que estatildeo em processo de
democratizaccedilatildeo no entanto logo em seguida apontam para a educaccedilatildeo poliacutetica ndash
entendida como educaccedilatildeo para a cidadania ativa
Desse modo pode-se proferir que todos esses anos de desenvolvimento
acabaram por afirmar que a cidadania de fato soacute pode se constituir por meio de
acirrada luta cotidiana por direitos e pela garantia daqueles que jaacute existem pois
apesar da existecircncia de profundas desigualdades sociais a ideia de cidadania
evoluiu com o passar dos anos Ampliou-se a abrangecircncia de sua concepccedilatildeo
abraccedilando todas as classes sociais e minorias Deixou de restringir-se apenas agrave
participaccedilatildeo poliacutetica para relacionar uma seacuterie de deveres da sociedade para com o
cidadatildeo Na praacutetica ainda haacute muito que se fazer para que direitos e deveres sejam
os mesmos para todos No entanto a busca pela realizaccedilatildeo da maacutexima ldquocada
homem um votordquo continua a ser perseguida
A luta pela conquista plena da cidadania eacute parte integrante da democracia
uma vez que assegura a continuidade das transformaccedilotildees juriacutedicas poliacuteticas entre
outras Natildeo resta duacutevida acerca do papel estruturante que essa luta desempenha no
quadro das democracias contemporacircneas fato que a converte em uma irresistiacutevel
conquista da modernidade O caraacuteter estruturante que a cidadania projeta nos
quadros da democracia atual estaacute ligado a permanente busca de um Estado
compatiacutevel com a realidade de cada tempo histoacuterico
23
CAPIacuteTULO 2 - CIDADANIA Agrave LUZ DA CONSTITUICcedilAtildeO FEDERAL DE
1988
A Constituiccedilatildeo eacute a ordem juriacutedica fundamental da comunidade nas palavras
de Konrad Hesse (apud PALU 2001) eacute um documento juriacutedico e poliacutetico dirigido aos
cidadatildeos e estes satildeo os seus primeiros destinataacuterios A Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica eacute
a Lei fundamental composta por um conjunto de normas baacutesicas que compotildeem a
estrutura juriacutedica poliacutetica social e econocircmica de um paiacutes Essa eacute razatildeo pela qual
ela eacute chamada de Carta Magna pois a ela nada se sobrepotildee Para Dallari (1985) a
Constituiccedilatildeo
[] eacute a declaraccedilatildeo da vontade poliacutetica de um povo feita de modo solene por meio de uma lei que eacute superior a todas as outras que visando agrave proteccedilatildeo da dignidade humana estabelece os direitos e as responsabilidades fundamentais dos indiviacuteduos dos grupos sociais do povo e do governo
Desta forma uma Constituiccedilatildeo natildeo surge do nada ela eacute resultado de
observaccedilotildees e experiecircncias e sua finalidade eacute de afirmar e garantir os direitos
elementares das pessoas humanas disciplinar o uso ao mesmo tempo em que
evita o abuso de poder organizando de forma racional a sociedade e o governo
Satildeo inegaacuteveis as inovaccedilotildees teacutecnicas trazidas pela Constituiccedilatildeo Brasileira de
1988 no campo da instituiccedilatildeo garantia e proteccedilatildeo dos direitos fundamentais A
dignidade da pessoa humana e o exerciacutecio da cidadania satildeo considerados princiacutepios
fundamentais da Carta Magna Brasileira de 1988
Cidadania direito a ter direitos na acepccedilatildeo de Haberle ( apud VALADEacuteS
2009) refere-se a todos os direitos previstos na Constituiccedilatildeo de 1988 e ainda
aqueles natildeo expressos mas decorrentes do regime e dos princiacutepios por ela
adotados na dicccedilatildeo do sect 2deg art 5deg
O princiacutepio fundamental da cidadania conforme jaacute exposto impregna todo o
texto constitucional vigente a partir do art 1deg II em que figura de forma
24
exponencial relativamente ao Estado brasileiro e tudo que lhe corresponda no
exerciacutecio de um poder que adquire significaccedilatildeo renovada e amplificada na
sociedade contemporacircnea Segundo Arendt
A cidadania eacute o direito a ter direitos pois a igualdade em dignidade e direitos dos seres humanos natildeo eacute um dado Eacute um construiacutedo da convivecircncia coletiva que requer o acesso ao espaccedilo puacuteblico Eacute este acesso ao espaccedilo puacuteblico que permite a construccedilatildeo de um mundo comum atraveacutes do processo de asserccedilatildeo dos direitos humanos
Nesse diapasatildeo o direito a ter direitos compreende o pleno acesso ao
espaccedilo puacuteblico o efetivo exerciacutecio do poder poliacutetico das prerrogativas inerentes agrave
cidadania conforme explicita a Constituiccedilatildeo no art 5deg LXXI a propoacutesito do
mandado de injunccedilatildeo no dizer todo direito atribuiacutedo com o caraacuteter de exclusividade
agrave pessoa
21 Estado Democraacutetico de Direito espaccedilo de cidadania
Apoacutes a eacutepoca de grandes restriccedilotildees militares o ato de promulgaccedilatildeo da
Constituiccedilatildeo Federal em 05 de outubro de 1988 vem marcar uma nova fase de
esperanccedila para os brasileiros Ao batizaacute-la de Constituiccedilatildeo cidadatilde a Assembleia
Nacional Constituinte atraveacutes de seu presidente o Deputado Ulisses Guimaratildees
resumiu o espiacuterito do texto constitucional assegurar aos brasileiros direitos sociais
essenciais ao exerciacutecio da cidadania e estabelecer mecanismos para garantir o
cumprimento de tais direitos
O que se viu a partir de entatildeo foi uma lenta poreacutem significativa mudanccedila na
sociedade brasileira A Constituiccedilatildeo Federal que eacute sem duacutevidas um marco na
histoacuteria do paiacutes traccedila a prioridade dada pelos constituintes aos direitos dos
brasileiros que pode ser observada em todas as questotildees
A Carta faz uma ampliaccedilatildeo dos direitos individuais sociais e poliacuteticos e como
se observa a inserccedilatildeo dos direitos sociais como segundo tiacutetulo revela a primazia
que o constituinte quis daacute a estes direitos em detrimento de todos os outros
incluindo os referentes agrave organizaccedilatildeo do Estado e dos Poderes que vecircm depois
25
Ao contraacuterio do que ocorreu com as Constituiccedilotildees anteriores esse
ordenamento dos capiacutetulos parece revelar que a Carta eacute o prenuacutencio de um paiacutes em
que os direitos dos cidadatildeos formam a base do ordenamento do Estado Essa ideia
foi expressa pelo presidente da Assembleacuteia Constituinte deputado Ulysses
Guimaratildees que voltamos a citar quando anunciou
Diferentemente das sete constituiccedilotildees anteriores esta comeccedila com o homem De modo gratificante testemunha a primazia do homem que foi escrita para o homem que o homem eacute seu fim e sua esperanccedila Eacute a Constituiccedilatildeo cidadatilde
A Constituiccedilatildeo nasceu da constataccedilatildeo de que o figurino juriacutedico formulado
para o Brasil desde os primoacuterdios do Estado nacional natildeo se compatibilizava com as
necessidades dos brasileiros Houve avanccedilos na formalizaccedilatildeo da Lei Magna
especialmente no tocante aos direitos de cidadania mas estamos longe do ideal
preconizado pela carta cidadatilde O que nos leva a crer que a cidadania eacute um processo
diaacuterio e permanente de construccedilatildeo Pois natildeo basta garantir o direito eacute preciso
exercecirc-lo
A cidadania abraccedilada pela atual Constituiccedilatildeo Federal Brasileira teve seu
conteuacutedo ampliado e natildeo se restringe ao simples fato de possuir um tiacutetulo de eleitor
para votar e ser votado ela estabelece cidadania como princiacutepio fundamental da
Repuacuteblica do Brasil desta forma o conceito decorrente pode ser entendido
conforme preleciona Silva (2005) ldquocidadania estaacute aqui num sentido mais amplo do
que o de titular de direitos poliacuteticos Qualifica os participantes da vida do Estado
reconhecimento do indiviacuteduo como pessoa integrada a sociedade estatalrdquo
Tal conceito nos leva a relacionar cidadania com democracia uma vez que
optou-se pelo Estado Democraacutetico de Direito o qual assenta seus alicerces na
participaccedilatildeo popular em questotildees que envolvem a coisa puacuteblica Para Moraes
(2005) esse Estado de Direito ldquosignifica a exigecircncia de reger-se por normas
democraacuteticas com eleiccedilotildees livres perioacutedicas e pelo povo bem como o respeito das
autoridades puacuteblicas aos direitos e garantias fundamentaisrdquo
O propoacutesito da opccedilatildeo pelo Estado Democraacutetico de Direito eacute que a cidadania e
os demais direitos fundamentais fluam com plenitude talvez seja o que justifique a
denominaccedilatildeo da Carta Magna de cidadatilde pois o povo passa a atuar de forma mais
ativa na vida poliacutetica do Estado uma vez que a ele foi concedido esse poder
26
A cidadania portanto soacute adquire pleno significado no mundo contemporacircneo
num Estado Democraacutetico de Direito para tanto exige um ambiente de vida e de
conviacutevio entre os homens tiacutepico e proacuteprio de um Estado Democraacutetico pois a
cidadania constitui fundamento primordial daquele Estado qual seja possibilitar aos
indiviacuteduos habitantes de um paiacutes o seu pleno desenvolvimento atraveacutes do alcance
de igual dignidade social e econocircmica
Segundo Rozicki (2005) O ambiente de vida social do Estado Democraacutetico
cujos pilares se encontram na efetividade dos direitos fundamentais da pessoa
humana em uma sociedade solidaacuteria soacute eacute possiacutevel atraveacutes da observaccedilatildeo de alguns
postulados que lhe satildeo essenciais os quais a autora denomina de pressupostos do
Estado democraacutetico de Direito
1)a valorizaccedilatildeo e atualidade da dignidade do homem e o reconhecimento da importacircncia de dispensar a todos tratamento fraternal igualitaacuterio e natildeo discriminativo 2) a confianccedila nos talentos e possibilidades latentes dos homens 3) a seguranccedila e o creacutedito nos valores institucionalizados pelas massas como fundamentos para o progresso do bem comum e o alcance da justiccedila 4) a aceitaccedilatildeo da legitimidade das decisotildees tomadas por meio de processos racionais e participativos de deliberaccedilatildeo com o consenso da maioria que constitui o reflexo o resultado de debates livres entre todos 5) o respeito aos grupos minoritaacuterios 6) e a compreensatildeo de que todo o interesse geral eacute a siacutentese dos diversos interesses e ideacuteias dos indiviacuteduos e dos grupos diferentes centros de poder que integram a sociedade pluralista
Percebe-se que o conceito amplo de cidadania encontra seus princiacutepios
baacutesicos e estruturantes nesses pressupostos intimamente ligado aos conceitos de
democracia e de igualdade No tocante ao conceito de igualdade elucidativa eacute a
liccedilatildeo de Rozicki (2005) quando afirma que
O princiacutepio de igualdade disciplina todas as atividades puacuteblicas e tem aplicaccedilatildeo direta nas relaccedilotildees privadas que ocorrem entre os particulares impondo para tornaacute-lo real a proibiccedilatildeo de discriminaccedilotildees e a eliminaccedilatildeo das desigualdades faacuteticas nos planos social e econocircmico proporcionando a todos os cidadatildeos igual condiccedilatildeo de vida e mesma posiccedilatildeo perante o Estado Democraacutetico
E complementa que tambeacutem para a realizaccedilatildeo da cidadania o princiacutepio
democraacutetico torna indispensaacutevel agrave participaccedilatildeo popular nas tomadas de decisatildeo No
seu entender
27
A cidadania no Estado democraacutetico de direito efetivada oferece aos cidadatildeos como iguais condiccedilotildees de existecircncia o gozo atual de direitos e a obrigaccedilatildeo do cumprimento de deveres que resumidamente podem ser assim apresentados exerciacutecio de direitos fundamentais e participaccedilatildeo e os deveres de colaboraccedilatildeo e solidariedade (Rozicki 2005)
Natildeo obstante eacute vaacutelido ressaltar um princiacutepio igualmente importante e deveras
esquecido a fraternidade Este princiacutepio que eacute um dos trecircs pilares da Revoluccedilatildeo
Francesa eacute pouco discutido apesar de assumir um papel decisivo na consolidaccedilatildeo
da democracia da politica e do poder
A fraternidade eacute necessaacuteria para o estabelecimento de uma comunidade
politicamente solidaacuteria com indiviacuteduos iguais e livres
Para finalmente concebermos um Estado Democraacutetico de Direito que trate os
iguais na medida de suas desigualdades
22 Os direitos fundamentais como pressupostos de identidade da cidadania
Os direitos fundamentais vistos como um dos traccedilos mais marcante do
constitucionalismo moderno consistem no resultado da luta dos homens por um
direito ideal justo e humano representam situaccedilotildees reconhecidas juridicamente
sem as quais o homem eacute incapaz de alcanccedilar sua proacutepria realizaccedilatildeo e
desenvolvimento plenamente daiacute dizer-se que o princiacutepio preponderante que
condensa os direitos fundamentais eacute o da dignidade da pessoa humana
Os direitos fundamentais satildeo o conjunto de normas de um ordenamento juriacutedico que formam um subsistema deste fundado na liberdade na igualdade na seguridade na solidariedade expressotildees da dignidade do homem que formam parte da norma baacutesica material de identificaccedilatildeo do ordenamento juriacutedico e constitui um setor de moralidade procedimental positivada que legitima o Estado Social de Direito (MARTINEZ apud AGRA 2002)
Tais direitos foram e vatildeo sendo aperfeiccediloados e estendidos ao longo do
tempo resta dizer que os mesmos estabelecem faculdades da pessoa humana que
permitem sua breve classificaccedilatildeo do seguinte modo 1) os direitos civis e poliacuteticos
de liberdade como por exemplo a liberdade de expressatildeo de propriedade de
28
manifestaccedilatildeo do pensamento de associaccedilatildeo de imprensa de reuniatildeo de igualdade
formal perante a lei de participaccedilatildeo poliacutetica o devido processo legal o habeas
corpus o direito de peticcedilatildeo etc 2) os direitos sociais econocircmicos e culturais de
participaccedilatildeo poliacutetica tais como a igualdade de sufraacutegio o direito de voto e de
elegibilidade o direito de peticcedilatildeo e os direitos de participaccedilatildeo poliacutetica 3) os direitos
da titularidade coletiva que satildeo aqueles ligados a solidariedade e a fraternidade
como por exemplo o direito agrave preservaccedilatildeo do meio ambiente e agrave qualidade de vida
etc 4) os direitos chamados de quarta geraccedilatildeo por exemplo direito a democracia a
informaccedilatildeo ao comeacutercio eletrocircnico entre os estados etc
Natildeo existe qualquer relaccedilatildeo hieraacuterquica entre estes direitos mesmo porque
todos interagem entre si de nada servindo um sem a existecircncia dos outros Esta
divisatildeo acontece devido agrave eterna e constante busca do homem por mais proteccedilatildeo
mais garantia com o objetivo de alcanccedilar uma sociedade mais justa igualitaacuteria e
fraterna
Na evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais Agra (2002) chama a atenccedilatildeo do
relevo que adquirem a democratizaccedilatildeo da informaccedilatildeo e os mecanismos de
democracia participativa E justifica que a democratizaccedilatildeo da informaccedilatildeo natildeo se
caracteriza apenas pela existecircncia de uma miacutedia plural sem nenhum tipo de
monopoacutelio mas deve ser concebida como a obrigaccedilatildeo que todos os cidadatildeos tecircm
de tomar consciecircncia dos graves problemas que afligem a humanidade e que os
mecanismos da democracia participativa concebem a cidadania em extensatildeo muito
superior ao voto abrangendo a interferecircncia direta do cidadatildeo nas decisotildees
governamentais mediante vaacuterios mecanismos juriacutedicos como o plebiscito o recall o
orccedilamento participativo etc
De acordo com Silva (2005) os Direitos Fundamentais na Constituiccedilatildeo de
1988 abrangem os ldquodireitos individuais sociais poliacuteticos e tambeacutem os direitos
econocircmicos Para o autor a ampliaccedilatildeo e transformaccedilatildeo dos direitos fundamentais
do homem na histoacuteria dificultam uma definiccedilatildeo sinteacutetica do conceitordquo
Essa dificuldade aumenta diante do emprego de vaacuterias expressotildees para
designaacute-los tais como direitos naturais direitos humanos direitos do homem
direitos individuais direitos puacuteblicos subjetivos liberdades fundamentais liberdades
puacuteblicas e direitos fundamentais do homem No entanto direitos fundamentais do
homem constitui a expressatildeo mais adequada porque na palavra fundamentais
acha-se a indicaccedilatildeo de que se trata de situaccedilotildees sem as quais o indiviacuteduo natildeo tem
29
uma vida digna natildeo convive e agraves vezes nem mesmo sobrevive A expressatildeo
direitos fundamentais eacute a mais precisa no sentido de que a todos por igual devem
ser natildeo apenas formalmente reconhecidos mas concreta e materialmente
efetivados
Por sua vez a atual Corte em julgamento do habeas corpus (HC ndeg
82424RS) marca seu posicionamento no tocante ao sistema de direitos
fundamentais insculpido na Constituiccedilatildeo de 1988 atraveacutes dos profundos e bem
fundamentados votos dos Ministros que aleacutem de delimitarem a extensatildeo e os limites
da liberdade de expressatildeo (art 5o IV e IX) acabaram indicando as bases filosoacuteficas
e juriacutedicas para a interpretaccedilatildeo do cataacutelogo de direitos fundamentais da Constituiccedilatildeo
de 1988
Nesse sentido o voto do Ministro Marco Aureacutelio tratou de definir o sistema de
direitos fundamentais como a ldquoproacutepria essecircncia da Constituiccedilatildeordquo qualificando-os
como ldquovalores objetivos que servem como norte da atuaccedilatildeo estatalrdquo Assim estaacute
consignado nos fundamentos do referido voto
A Constituiccedilatildeo de 1988 representou um divisor de aacuteguas entre o antigo regime totalitaacuterio e um periacuteodo de redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes marcando dessa forma uma eacutepoca que tem como modelo de atuaccedilatildeo do Estado o respeito incondicional aos direitos fundamentais Por isso mesmo o sistema constitucional dos direitos fundamentais previsto no artigo 5o da Carta com os eventuais acreacutescimos do sect 2o reflete em rigor e em larga medida a proacutepria essecircncia da Constituiccedilatildeo e a retomada do processo de democratizaccedilatildeo e da garantia do cidadatildeo contra abusos e arbitrariedades no exerciacutecio do Poder Puacuteblico Os direitos fundamentais satildeo hoje verdadeiros princiacutepios estruturantes da organizaccedilatildeo e do funcionamento do Estado valores objetivos que servem como norte da atuaccedilatildeo estatal em seus mais diferentes niacuteveis no Legislativo formam um cataacutelogo de princiacutepios e garantias que informam e direcionam toda a atividade de criaccedilatildeo das normas de nosso ordenamento juriacutedico e de concretizaccedilatildeo dos preceitos constitucionais no Executivo mostram-se como verdadeiros limites ao exerciacutecio do poder administrativo servindo como trincheiras de proteccedilatildeo da liberdade do cidadatildeo e no judiciaacuterio refletem a base e o fundamento necessaacuterio da compreensatildeo e interpretaccedilatildeo de nossas normas ndash efeito interpretativo - evitando que a atividade jurisdicional se transforme em medidas discricionaacuterias ou providecircncias ilegiacutetimas de opccedilotildees poliacuteticas pautadas em escolhas pessoais dos juiacutezes
Tudo indica que se trata do iniacutecio de uma soacutelida construccedilatildeo jurisprudencial a
respeito do sentido axioloacutegico do sistema de direitos fundamentais da Constituiccedilatildeo
de 1988
30
Os Direitos Individuais satildeo de exerciacutecio exclusivo do indiviacuteduo e devem ser
formalmente reconhecidos e concretizados no cotidiano do cidadatildeo O indiviacuteduo aqui
eacute considerado um sujeito de direitos e natildeo apenas como integrante de um corpo
social Esses direitos natildeo podem sofrer nenhum tipo de restriccedilatildeo natildeo se
discriminando quem os pode exercer uma vez que satildeo titulares todas as pessoas
capazes incapazes brasileiras estrangeiras alfabetizadas e iletradas
A Constituiccedilatildeo Cidadatilde foi a primeira a estabelecer direitos natildeo soacute de
indiviacuteduos mas tambeacutem de grupos sociais os denominados direitos coletivos Com
isso as pessoas passaram a ser coletivamente consideradas Os direitos individuais
e coletivos estatildeo anunciados no art 5ordm em setenta e sete incisos e em dois
paraacutegrafos
Verifica-se que os Direitos Individuais tecircm como ponto marcante a liberdade
seja ela tomada de maneira global ou especiacutefica como liberdade de associaccedilatildeo de
reuniatildeo A liberdade de reuniatildeo (art 5ordm XVI) constitui-se na primeira e mais simples
liberdade corporativa estando logo apoacutes a liberdade de locomoccedilatildeo
Os Direitos Sociais tecircm como titular uma coletividade e satildeo caracterizados
pela prestaccedilatildeo de serviccedilos ou oferecimento de melhorias para a sociedade como um
todo por parte do Poder Puacuteblico Assim os Direitos Sociais tornam possiacutevel a fruiccedilatildeo
e o exerciacutecio dos Direitos Individuais pela coletividade mesmo pelos carentes
materialmente
O art 6deg define os Direitos Sociais da seguinte maneira ldquoSatildeo Direitos Sociais
a educaccedilatildeo a sauacutede o trabalho a moradia o lazer a seguranccedila a previdecircncia
social a proteccedilatildeo agrave maternidade e agrave infacircncia a assistecircncia aos desamparados na
forma desta Constituiccedilatildeordquo
Portanto eacute obrigatoacuteria ao Estado a proteccedilatildeo dos interesses da coletividade
com o atendimento dos direitos acima citados
Satildeo direitos poliacuteticos os que conferem o acesso da populaccedilatildeo agrave participaccedilatildeo
no Poder do Estado tais como os direitos de votar e ser votado do referendo
plebiscito e iniciativa popular das leis O direito democraacutetico de participaccedilatildeo dos
cidadatildeos no governo por meio de seus representantes exigiu a formaccedilatildeo de um
conjunto de normas legais permanentes que recebeu a denominaccedilatildeo de direitos
poliacuteticos Os Direitos Poliacuteticos amparam os Direitos Individuais Sociais e
Econocircmicos pois quando desaparece a democracia desaparecem imediatamente
as liberdades fundamentais
31
Com o advento da Constituiccedilatildeo de 1988 foram criadas instituiccedilotildees para
fiscalizar e controlar a atuaccedilatildeo da administraccedilatildeo puacuteblica entre as quais o Ministeacuterio
Puacuteblico que funciona como um canal de expressatildeo dos direitos da populaccedilatildeo
O Ministeacuterio Puacuteblico foi a instituiccedilatildeo que mais ganhou importacircncia no cenaacuterio
puacuteblico por ter passado a defender os interesses coletivos ou seja os interesses de
um grupo categoria ou classe e natildeo de um indiviacuteduo isolado No artigo 127 o
Ministeacuterio Puacutebico (MP) eacute definido como ldquouma instituiccedilatildeo permanente essencial agrave
funccedilatildeo jurisdicional do Estado incumbindo-lhe a defesa da ordem juriacutedica do regime
democraacutetico e dos interesses sociais e individuais indispensaacuteveisrdquo
Cabe ao Ministeacuterio Puacuteblico exigir dos poderes puacuteblicos e dos serviccedilos de
relevacircncia puacuteblica respeito aos direitos elencados na Constituiccedilatildeo promovendo as
medidas necessaacuterias agrave garantia desses direitos Portanto eacute responsaacutevel pela
garantia da ordem juriacutedica do regime democraacutetico da moralidade puacuteblica e dos
direitos sociais e individuais
23 A consagraccedilatildeo dos direitos do cidadatildeo
A Constituiccedilatildeo de 1988 eacute o coroamento da histoacuteria constitucional do Brasil por
ter sido um marco da redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes opondo-se a qualquer forma de
autoritarismo Nela a cidadania foi consagrada como um dos fundamentos da
Repuacuteblica Federativa do Brasil (art 1ordm inc II) Observe-se que o termo cidadania
encontra-se na Constituiccedilatildeo em sentido mais amplo do que o de titular de direitos
poliacuteticos pois qualifica os participantes da vida do Estado e reconhece o indiviacuteduo
como pessoa integrada na sociedade estatal
Essa nova concepccedilatildeo de cidadania introduzida pela Constituiccedilatildeo Federal de
1988 eacute fruto da internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos e como marco principal da
institucionalizaccedilatildeo erigiu em seu artigo primeiro a dignidade da pessoa humana (inc
III) e a cidadania (incII) a princiacutepio fundamental
Institui com o princiacutepio da cidadania uma nova compreensatildeo acerca dos
direitos de deveres da pessoa elevado-o a status maacuteximo a regra-matriz que natildeo
pode ser desrespeitada pois os fundamentos constituem a essecircncia da Repuacuteblica
32
Federativa e servem como regra-matriz para a elaboraccedilatildeo interpretaccedilatildeo e
integraccedilatildeo do sistema juriacutedico nacional
Violar um princiacutepio eacute muito grave que transgredir uma norma qualquer A desatenccedilatildeo ao principio implica ofensa natildeo apenas a um especifico mandamento obrigatoacuterio mas a todo o sistema de comandos Eacute a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade representa insurgecircncia contra todo o sistema subversatildeo de valores fundamentais (MELLO apud CHIMENTI 2005 P 33)
Para Silva (2004) cidadania eacute discriminada como princiacutepio relativo ao regime
poliacutetico Dessa forma compreendida cidadania como princiacutepio fundamental eacute o
direito de participar dos destinos do Estado e mais usufruir dos direitos civis
fundamentais previstos na Constituiccedilatildeo
Muitos doutrinadores utilizam cidadania no mesmo sentido de nacionalidade
(Art 12 da Constituiccedilatildeo Federal) e de direitos poliacuteticos (Art 14) Em alguns outros
dispositivos a palavra cidadania (ou cidadatildeo) poderia ainda ter a significaccedilatildeo de
direitos poliacuteticos mas mesmo assim de forma impliacutecita a exemplo dos arts 22 XIII
e 5ordm LXXIII No primeiro se lecirc que compete agrave Uniatildeo legislar sobre nacionalidade
cidadania e naturalizaccedilatildeo e no segundo que qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima
para propor accedilatildeo popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de
entidade de que o Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e
ao patrimocircnio histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de
custas judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia No entanto conforme Mazzuoli (2002)
Observe-se que a Carta de 1988 ao tratar no seu art 14 dos direitos poliacuteticos natildeo se refere sequer em um momento agrave expressatildeo cidadania dizendo apenas que a soberania popular seraacute exercida pelo sufraacutegio universal e pelo voto direito e secreto com valor igual para todos (hellip) Pelo contraacuterio a Constituiccedilatildeo faz uma separaccedilatildeo entre cidadania e direitos poliacuteticos quando no seu art 68 sect 1ordm II ao tratar das leis delegadas exclui do acircmbito da delegaccedilatildeo legislativa a nacionalidade cidadania direitos individuais poliacuteticos e eleitorais
A Constituiccedilatildeo brasileira de 1988 com a transiccedilatildeo para o regime democraacutetico
consagrou expressamente esta nova concepccedilatildeo de cidadania como se depreende
da leitura de vaacuterios dos seus dispositivos
Foi nesse sentido que pioneiramente estatuiu a Carta de 1988 em seu art
1ordm que a Repuacuteblica Federativa do Brasil formada pela uniatildeo indissoluacutevel dos
33
Estados e Municiacutepios e do Distrito Federal constitui-se em Estado Democraacutetico de
Direito e tem como fundamentos dentre outros a cidadania (inc II) Como jaacute
mencionado
Na mesma esteira o disposto no art 5ordm incisos LXXI (conceder-se-aacute
mandado de injunccedilatildeo sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviaacutevel o
exerciacutecio dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes agrave
nacionalidade agrave soberania e agrave cidadania) e LXXVII (satildeo gratuitas as accedilotildees de
habeas-corpus e habeas-data e na forma da lei os atos necessaacuterios ao exerciacutecio
da cidadania) No seu Tiacutetulo VIII Capiacutetulo II Seccedilatildeo I a Carta Magna de 1988
dispotildee ainda que a
Educaccedilatildeo direito de todos e dever do Estado e da famiacutelia seraacute promovida e incentivada com a colaboraccedilatildeo da sociedade visando ao pleno desenvolvimento da pessoa seu preparo para o exerciacutecio da cidadania e sua qualificaccedilatildeo para o trabalho (art 205)
Outro dispositivo em que fica bastante marcada esta nova concepccedilatildeo de
cidadania eacute o art 64 do Ato das Disposiccedilotildees Constitucionais Transitoacuterias que
dispotildee
A Imprensa Nacional e demais graacuteficas da Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios da administraccedilatildeo direta ou indireta inclusive fundaccedilotildees instituiacutedas e mantidas pelo Poder Puacuteblico promoveratildeo ediccedilatildeo popular do texto integral da Constituiccedilatildeo que seraacute posta agrave disposiccedilatildeo das escolas e dos cartoacuterios dos sindicatos dos quarteacuteis das igrejas e de outras instituiccedilotildees representativas da comunidade gratuitamente de modo que cada cidadatildeo brasileiro possa receber do Estado um exemplar da Constituiccedilatildeo do Brasil
Enfim a Constituiccedilatildeo de 1988 enriqueceu e ampliou os conceitos de cidadatildeo
e cidadania Seu entendimento agora como leciona Silva (2005)
Decorre da ideia de Constituiccedilatildeo dirigente que natildeo eacute apenas um repositoacuterio de programas vagos a serem cumpridos mas constitui um sistema de previsatildeo de direitos sociais mais ou menos eficazes em torno dos quais eacute que se vem construindo a nova ideacuteia de cidadania
De forma que natildeo mais se trata de considerar a cidadania como simples
qualidade de gozar direitos poliacuteticos mas sim de aferir-lhe um nuacutecleo miacutenimo e
irredutiacutevel de direitos (fundamentais) que devem se impor obrigatoriamente agrave accedilatildeo
dos poderes puacuteblicos
34
O ordenamento juriacutedico brasileiro consagrou aleacutem dos institutos jaacute
mencionados alguns outros mecanismos de defesa dos direitos e garantias
constitucionais da cidadania como a accedilatildeo civil puacuteblica regulada pela Lei nordm
734785 e accedilatildeo direta de inconstitucionalidade prevista no incIV do art 129 da
Constituiccedilatildeo Federal O Coacutedigo de Defesa do Consumidor o Estatuto da Crianccedila e
do Adolescente e ateacute mesmo o princiacutepio do devido processo legal que resguarda ao
cidadatildeo o acesso agrave justiccedila e direito de ser acionado judicialmente por meio de
procedimentos legais satildeo mecanismos de defesa dos direitos de cidadania
previstos constitucionalmente e garantidos na esfera poliacutetica civil e social
Pode-se observar que a cidadania comeccedilou a ser construiacuteda como resultado
de um processo de luta a partir da conscientizaccedilatildeo dos direitos e deveres do
homem Como vimos a cidadania jaacute em praacutetica em muitos paiacuteses adquire no
Brasil com a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 um novo sentido qual seja o
pressuposto do exerciacutecio pleno de um sistema de direitos e garantias
35
CAPIacuteTULO 3 - CIDADANIA COMO MECANISMO DE
TRANSFORMACcedilAtildeO SOCIAL
No momento em que a cidadania alccedila voos constitucionais e insere-se na
Carta Poliacutetica da Repuacuteblica Federativa do Brasil inicia-se o processo de
redemocratizaccedilatildeo e ganha relevo o cidadatildeo agente deste processo que tem em
suas matildeos a tarefa da construccedilatildeo de um novo tempo
Historicamente a ideia de cidadatildeo conotava o habitante da cidade ndash o
citadino ndash firma-se entatildeo tal conotaccedilatildeo na Antiguumlidade claacutessica para depois
significar aquele indiviacuteduo a quem se atribuem os direitos poliacuteticos Superada essa
acepccedilatildeo que tambeacutem vigorou nas constituiccedilotildees anteriores da Repuacuteblica do Brasil
na concepccedilatildeo moderna estaacute clara a noccedilatildeo de cidadatildeo como aquele que a quem
consiste a titularidade de direitos individuais poliacuteticos e sociais Noccedilatildeo esta
edificada com a internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos que amplia a acepccedilatildeo do
termo declarando que satildeo cidadatildeos todo aquele que habita o acircmbito da soberania
de um Estado e deste Estado recebem uma carga de direitos e tambeacutem deveres dos
mais variados
Desta forma a noccedilatildeo contemporacircnea de cidadania funda-se na dicotomia
direitos (exerciacutecios de direitos fundamentais - participaccedilatildeo) e deveres (colaboraccedilatildeo -
solidariedade) Ao lado dos direitos foram estabelecidos deveres fundamentais e
portanto tanto agentes puacuteblicos como os indiviacuteduos tecircm obrigaccedilotildees especiacuteficas
inclusive a de respeitar os direitos das demais pessoas que vivem na ordem social
sendo e promovendo mecanismos de transformaccedilatildeo social que visam uma nova
sociedade baseada na igualdade e na justiccedila
36
31 O ser cidadatildeo
Os termos indiviacuteduo ser humano pessoa e cidadatildeo satildeo geralmente tomados
como sinocircnimo o que certamente influi na proliferaccedilatildeo de incontaacuteveis significados e
ampliaccedilatildeo do termo cidadatildeo Poreacutem estas palavras apesar de se assemelharem
possuem carga semacircntica proacutepria e da compreensatildeo exata de cada uma decorre a
conceituaccedilatildeo mais acentuada da acepccedilatildeo do termo cidadatildeo como titular de direitos
e deveres resguardados pela constituiccedilatildeo paacutetria
Desta forma indiviacuteduo eacute um representante da espeacutecie aquele que eacute uacutenico
Enquanto ser humano eacute um termo mais geneacuterico ou indeterminado que diz respeito
agrave espeacutecie agrave classificaccedilatildeo ao mundo zooloacutegico Pessoa por sua vez eacute um termo
mais especiacutefico que tem a ver com o mundo civilizado ou se preferirmos com a
constelaccedilatildeo dos valores morais eacuteticos e juriacutedicos proacuteprios da civilizaccedilatildeo
A etimologia da palavra pessoa demonstra que eacute um conceito sobreposto ao conceito de Ser Humano Um refratildeo de origem juriacutedica tambeacutem nos lembra do homo plures pessoa polimorfa o ser humano capaz de desempenhar muitos papeacuteis um mesmo ser humano eacute empresaacuterio e delinquumlente eacute pai e metaluacutergico etc Persona (personagem) era a maacutescara que usavam os atores da trageacutedia grega para desempenhar seu papel Cabe portanto entender o conceito de Ser Humano ao lado do conceito de Pessoa No direito romano antigo os escravos eram seres humanos (homens) mas natildeo eram consideradas pessoas (patriacutecios) Os juristas romanos que usavam o conceito de Ser Humano o dissociavam do conceito de pessoas (CUNHA 2007)
O Ser Humano recebe uma distinccedilatildeo importante quando o consideramos
como Pessoa assim como a Pessoa recebe uma distinccedilatildeo redundante natildeo menos
importante quando a consideramos por forccedila de expressatildeo como uma pessoa
humana Subentendendo o adjetivo humano como relativo agrave eacutetica Portanto Ser
Humano natildeo eacute a mesma coisa que Pessoa como tampouco Ser Humano eacute o
mesmo que cidadatildeo este muito eacute mais proacuteximo do termo Pessoa Vejamos o quadro
ilustrativo que esquematiza e distinguem os referidos conceitos
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QUADRO 1 ndash EVOLUCcedilAtildeO DO SER HUMANO ATEacute O CIDADAtildeO
O Ser Humano O Ser Indiviacuteduo O Ser Pessoa O Ser Cidadatildeo
A Dimensatildeo do conviacutevio social
A dimensatildeo do mercado de trabalho e
Consumo
A Dimensatildeo de encontrar-se no mundo
A dimensatildeo de intervir na realidade
O homem tornar-se Ser Humano nas relaccedilotildees
de conviacutevio social
O Ser Humano tornar-se indiviacuteduo quando
descobre seu papel e funccedilatildeo social
O Indiviacuteduo torna-se pessoa quanto toma
consciecircncia de si mesmo do outro e do
mundo
A pessoa torna-se cidadatildeo quando
interveacutem na realidade em que vive
Quem estuda o comportamento do Ser
Humano Seria a antropologia a histoacuteria
ou a sociologia
Quem estuda o comportamento do indiviacuteduo Seria a
Filosofia a sociologia ou a Psicologia
Quem estuda o comportamento da pessoa Seria a
Filosofia a sociologia ou a Psicologia
Quem estuda o comportamento do cidadatildeo Seria a
Sociologia a Filosofia ou As ciecircncias
poliacuteticas
Quem garante os direitos do Ser
Humano A Declaraccedilatildeo Universal
dos Direitos Humanos
Quem garante os Direitos do
Consumidor O Coacutedigo do Consumidor
Quem garante os Direitos da pessoa A proacutepria pessoa (amor proacuteprio ou autoestima)
Quem garante os Direitos do cidadatildeo (A Constituiccedilatildeo e suas leis
regulamentares)
Existe realmente uma natureza humana Teologicamente
afirmamos que existe a uma natureza humana
Seguindo a corrente existencialista (JP Sartre) negamos tal
natureza
Que diferenccedila existe entre o direito do
consumidor e o direito do cidadatildeo Ao
Consumidor deve ser dado o direito de
propriedade enquanto ao cidadatildeo deve ser
dado o direito de acesso
O que significa tornar-se pessoa no niacutevel
psicoloacutegico e social A pessoa eacute o indiviacuteduo que toma consciecircncia de si mesmo (ldquoTornar-
se Pessoardquo de Karl Roger)
Como podemos intervir na realidade
modificando as estruturas corruptas e injustas Quando os
direitos do cidadatildeo lhe satildeo oferecidos e o
mesmo passa a exercecirc-lo haacute
modificaccedilatildeo de comportamento
(ROSAS 2009)
O cidadatildeo eacute portanto aquele indiviacuteduo a quem a Constituiccedilatildeo confere direitos
e garantias e lhe daacute o poder do seu efetivo exerciacutecio aleacutem de meios processuais
eficientes contra a violaccedilatildeo de seu gozo ou fruiccedilatildeo por parte do poder puacuteblico
Sendo assim
A passagem do indiviacuteduo a cidadatildeo caracteriza-se pelo reconhecimento pela lei de direitos considerados fundamentais agrave realizaccedilatildeo da vida do homem como indiviacuteduo e ser social membro de uma comunidade poliacutetica e a garantia desses direitos pela forccedila comum de todos (CUNHA 2007)
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Nas uacuteltimas deacutecadas em alguns paiacuteses inclusive no Brasil desenvolveu-se o
conceito de cidadania calcado principalmente na questatildeo do cidadatildeo-consumidor
As pessoas passam a ser vistas como cidadatildes desde que tenham dinheiro para
adquirir mercadorias e utilizar serviccedilos Eacute certo pois que serviccedilos e mercadorias
atendem a necessidades materiais e simboacutelicas das pessoas e consumi-los eacute um
dos modos de participar da vida social criar identidade e partilhar dos bens
produzidos pela humanidade e representar-se culturalmente Contudo a cidadania
enfatizada apenas como uma relaccedilatildeo de compra e venda de mercadorias e serviccedilos
assume um conteuacutedo restrito individual conformista e voltado apenas para a
aquisiccedilatildeo de bens o que se relaciona com a ideacuteia de indiviacuteduo ou seja o consumo
atende as necessidades do indiviacuteduo
Outra forma de confusatildeo acerca do conceito de cidadatildeocidadania refere-se a
equiparaccedilatildeo feita com o assistencialismo o que configura uma acentuada inversatildeo
do termo uma vez que a praacutetica do assistencialismo natildeo propicia meios de
superaccedilatildeo das desigualdades sociais Enquanto a cidadania estaacute relacionada agrave
superaccedilatildeo das desigualdades sociais e a extensatildeo da garantia dos direitos de todos
O cidadatildeo eacute sem duacutevida uma expressatildeo que precisa ser adequadamente
utilizada e vivenciada pela coletividade compreendido na dimensatildeo do ser pessoa
de ter direitos e deveres do assumir as suas liberdades e responsabilidades no seio
de uma comunidade democraacutetica equitativa solidaacuteria e intercultural
Dessa forma ser cidadatildeo implica saber viver em sociedade estando ciente
dos anseios comuns A participaccedilatildeo ativa nas decisotildees de sua comunidade
influencia modos de vida de maneira positiva ao seu redor assim torna-se
imprescindiacutevel o exerciacutecio dos direitos constitucionais adquiridos e lutar pelos que
viratildeo eacute sobretudo estar consciente de todas as atitudes tomadas em prol da
sociedade
Eacute possiacutevel nesse espaccedilo de discussatildeo falar em ldquoestar cidadatildeordquo que eacute natildeo
praticar o exerciacutecio da cidadania em nenhuma de suas formas Implica apenas em
se deixar levar pelos acontecimentos e ainda reclamar das situaccedilotildees vividas sem
nada fazer para mudar sem nenhuma perspectiva de futuro Do que concluiacutemos que
a dinacircmica de intervir na realidade eacute pressuposto de cidadania
Ser cidadatildeo eacute tarefa que requer muito do ser humano do individuo da
pessoa Requer uma alta - estima elevada uma consciecircncia solidaacuteria uma
39
identidade que se reconheccedila na dinacircmica social interagindo com o outro ampliando
debates incitando justiccedila eacute sem duvida uma tomada de posiccedilatildeo que natildeo se
acomoda pelo contraacuterio se incomoda quando natildeo haacute comprometimento para o bem
comum
Natildeo eacute uma tarefa cocircmoda senatildeo muito complicada as pessoas natildeo nascem cidadatildeos mas fazem-se no tempo e no espaccedilo Na verdade natildeo eacute faacutecil exercer a liberdade e a cidadania ndash ser pessoa e ser cidadatildeo ndash por isso exige-se uma luta sem treacuteguas para erradicar assimetrias e exclusotildees socioculturais e criar cenaacuterios de esperanccedila realizaacuteveis fundamentados em valores e princiacutepios eacuteticos que requalifiquem a democracia com cidadatildeos participativos e
comprometidos ( SAEZ 1995)
Tem portanto como pressuposto uma mudanccedila de comportamento uma
tomada de posiccedilatildeo frente agrave dinacircmica social na qual estaacute inserido participando de
forma ativa e produtiva do processo de construccedilatildeo da cidadania por meio de seus
diversos canais
32 Emancipaccedilatildeo social atraveacutes da cidadania
Um Estado Democraacutetico eacute aquele que estaacute enraizado na legitimidade do
poder do povo e dele decorre seu exerciacutecio Assim o poder do povo eacute a expressatildeo
a aptidatildeo de homens e mulheres constituir autonomamente seu viver sem sucumbir
diante das instacircncias de poder Haacute nesse modus vivendi uma tutela das diferenccedilas e
pluralidades de formas de vida
Desta forma a cidadania eacute enfocada como o processo de participaccedilatildeo do
individuo ou de um grupo organizado nas mais variadas aacutereas de atuaccedilatildeo na
sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos sociais com a consciecircncia
da responsabilidade por sua proacutepria histoacuteria
Sendo a democracia o regime em que o povo governa sua caracteriacutestica
inarredaacutevel eacute a de ter o povo agrave frente do poder uma forma de autogoverno Em
assim sendo a cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia por meio de resultados
palpaacuteveis e medidas concretas tais como mudanccedilas na realidade de cada um com
melhoria de vida e conscientizaccedilatildeo da importacircncia na sociedade para o exerciacutecio
40
direto ou indireto desse poder pois se contentar com fato do direito estaacute prescrito
em lei natildeo eacute o bastante
Eacute certo poreacutem que o Estado democraacutetico somente se aperfeiccediloa na
proporccedilatildeo em que o povo age ativamente na medida em que os representantes
reflitam em seus atos os verdadeiros anseios populares Partindo dessa visatildeo a
cidadania eacute o grande fator de legitimaccedilatildeo do povo permitindo que ele aja em defesa
das instituiccedilotildees democraacuteticas
Sobre a participaccedilatildeo cumpre asseverar que este direito significa a
capacidade de ser consultado para as tomadas de decisatildeo que dizem respeito agrave
direccedilatildeo da sociedade em que vive o cidadatildeo este direito eacute acompanhado do
respeito aos deveres de contribuir para o progresso social e de acatar e respeitar o
resultado obtido em consulta coletiva
No elenco de mecanismo de exerciacutecio da cidadania estaacute o acesso ao direito e
a justiccedila que eacute fator preponderante para efetivar as garantias constitucionais
Assim passaremos a discorrer sobre a importacircncia de instrumentalizar o
cidadatildeo para um pleno exerciacutecio de seus direitos
Eacute Sabido que no Estado Democraacutetico Contemporacircneo os direitos
fundamentais constitucionalmente assegurados tecircm eficaacutecia imediata cumprindo ao
Estado garantir a todos os cidadatildeos o respeito a esses Direitos de modo concreto e
efetivo natildeo obstante as inuacutemeras desigualdades e condiccedilotildees adversas que
dificultam na praacutetica o seu exerciacutecio
Para o acesso ao direito o Estado deve desenvolver com eficiecircncia uma seacuterie
de atividades essenciais e dar efetividade a uma seacuterie de pressupostos Dentre eles
o principal eacute o conhecimento do Direito como fator preponderante pois o
desconhecimento da lei implica na praacutetica natildeo acionar a jurisdiccedilatildeo Um fato que
contribui para essa assertiva eacute baixa escolaridade da populaccedilatildeo e o analfabetismo
Muito pouco adianta a existecircncia de uma Constituiccedilatildeo apenas formal ou no
papel se ilegiacutetima ou desrespeitada Para que ocorra a eficaacutecia das normas
dispostas numa Constituiccedilatildeo ou melhor para que passe da teoria agrave praacutetica eacute
essencial que comandados e comandantes tenham conhecimento dos seus direitos
e responsabilidades assim como dos instrumentos juriacutedicos para efetivaacute-los (leis
regulamentadoras) O exerciacutecio da cidadania natildeo eacute somente um direito mas eacute
tambeacutem um dever de todos pois a omissatildeo de cada um contribui com as injusticcedilas e
as impunidades tatildeo presentes nos dias atuais
41
A Constituiccedilatildeo quando eacute justa e legiacutetima e principalmente quando eacute
respeitada eacute um poderoso instrumento de promoccedilatildeo e desenvolvimento social e
humano
Outro fator que deve ser considerado eacute a miserabilidade que coloca inuacutemeros
brasileiros a margem da sociedade em situaccedilatildeo precaacuteria os quais para Pinsky
(2004) ldquodesprovidos de esperanccedila de projeto de qualquer perspectiva de inclusatildeo
[] recorrer agrave Justiccedila humana parece algo irrealizaacutevel sofisticado e inteiramente
ficcionalrdquo
Desta forma o primeiro passo para concretizar os direitos previstos
constitucionalmente eacute a formaccedilatildeo do cidadatildeo atraveacutes da Educaccedilatildeo Baacutesica
infundindo-lhe a consciecircncia dos seus direitos e tambeacutem dos seus deveres sociais
bem como dos valores humanos fundamentais que devem ser por todos respeitados
na vida em sociedade A universalizaccedilatildeo do ensino fundamental a oferta obrigatoacuteria
de educaccedilatildeo infantil pelo Estado e o crescimento da oferta do ensino meacutedio satildeo
alguns dos aspectos que merecem destaques e foi devido agrave determinaccedilatildeo
constitucional de estabelecer o caraacuteter obrigatoacuterio do ensino fundamental e de
responsabilizar o Estado por sua implementaccedilatildeo que tem iniacutecio o processo de
avanccedilo desse segmento
A Constituiccedilatildeo estabeleceu de forma mais clara o papel dos entes federados
na educaccedilatildeo Tambeacutem aumentou a participaccedilatildeo orccedilamentaacuteria destinada ao setor
Com as novas regras para distribuiccedilatildeo de recursos adotadas apoacutes a promulgaccedilatildeo
da Carta os municiacutepios voltam a interessar-se pela educaccedilatildeo fundamental e o paiacutes
atinge a universalizaccedilatildeo do setor o que se busca agora satildeo mecanismos para
garantir a qualidade no ensino
O segundo passo nessa dinacircmica eacute o oferecimento a todos os cidadatildeos de
condiccedilotildees miacutenimas de sobrevivecircncia e de existecircncia condignas atraveacutes do acesso
ao trabalho produtivo livremente escolhido e do pagamento de remuneraccedilatildeo capaz
de prover ao sustento do trabalhador e de sua famiacutelia
Para milhotildees de cidadatildeos que vivem na ignoracircncia e na miseacuteria nenhuma
utilidade ou eficaacutecia tecircm os inuacutemeros direitos constitucionalmente assegurados Para
aqueles que se habituaram a retirar proventos da mendicacircncia da prostituiccedilatildeo de
atividades iliacutecitas ou aqueles que se sentiram forccedilados a sujeitar-se agrave exploraccedilatildeo de
outrem para sobreviver natildeo haacute nenhuma crenccedila na dignidade da pessoa humana e
no valor social do trabalho
42
A pobreza engendra inuacutemeras relaccedilotildees de dominaccedilatildeo entre pessoas e entre grupos sociais As habitaccedilotildees subumanas da periferia das grandes cidades no Brasil constituem verdadeiros quistos sociais terras sem lei controladas por xerifes ou por quadrilhas de malfeitores O Estado que natildeo for capaz de dotar essas comunidades do acesso efetivo agrave Educaccedilatildeo agrave Sauacutede agrave Seguranccedila e agrave Paz Puacuteblicas e ao trabalho liacutecito certamente natildeo lhes estaraacute assegurando o acesso ao Direito porque a populaccedilatildeo abrutalhada pela miseacuteria e coagida pelo medo natildeo desfruta da miacutenima eficaacutecia concreta dos
seus direitos fundamentais (GRECO 2009)
Evidencia que acesso ao Direito nas sociedades modernas mesmo nas
economicamente desenvolvidas exige o fortalecimento dos grupos intermediaacuterios e
do associativismo O cidadatildeo natildeo estaacute mais em condiccedilotildees de defender-se
individualmente das ameaccedilas e lesotildees aos seus direitos perpetradas por pessoas ou
grupos que se encontram em posiccedilatildeo de vantagem nas relaccedilotildees econocircmicas e
sociais
O sindicato veio exercer este importante papel em relaccedilatildeo ao trabalhador
empregado Mas hoje as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo natildeo satildeo apenas as que existem no
mundo do trabalho mas as que se revelam em todos os tipos de relaccedilotildees humanas
relaccedilotildees de consumo relaccedilotildees de vizinhanccedila relaccedilotildees locatiacutecias relaccedilotildees
comerciais internas e internacionais e natildeo com menor relevacircncia relaccedilotildees entre os
particulares e o Estado entre outras
Eacute preciso assegurar esse equiliacutebrio na praacutetica o que somente tornar-se-aacute
possiacutevel atraveacutes da articulaccedilatildeo dos sujeitos que se encontram em posiccedilatildeo de
desvantagem em organizaccedilotildees e associaccedilotildees que pela uniatildeo de esforccedilos
consigam compensar o desequiliacutebrio existente e dar aos indiviacuteduos e grupos a forccedila
e a capa de proteccedilatildeo necessaacuterias para ombrearem-se aos seus adversaacuterios e
lutarem pelos seus direitos ou interesses em igualdade de condiccedilotildees
Para Greco (2009) o pressuposto indispensaacutevel do acesso ao Direito eacute a
transparecircncia do Estado no trato de questotildees que possam afetar a esfera de
interesses dos cidadatildeos e complementa que aos cidadatildeos eacute indispensaacutevel
assegurar o direito de influir eficazmente nas decisotildees do poder puacuteblico atraveacutes dos
mais diversos instrumentos de participaccedilatildeo democraacutetica Ele afirma que
A relaccedilatildeo Estado-cidadatildeo natildeo eacute mais a relaccedilatildeo soberano-suacutedito O cidadatildeo tem o direito de exigir do Estado o pleno respeito ao seu
43
patrimocircnio juriacutedico Lamentavelmente a crise do Estado tem levado o Brasil a aceitar-se como normal que as pessoas juriacutedicas de Direito Puacuteblico natildeo cumpram devidamente as prestaccedilotildees positivas de que satildeo devedoras perante os particulares cabendo a estes demandar na Justiccedila para obtecirc-las (GRECO 2009)
Essa visatildeo deformada da responsabilidade do Estado ocorre o
desvirtuamento da justiccedila Por outro lado agrave violaccedilatildeo da garantia constitucional da
tutela jurisdicional efetiva (Constituiccedilatildeo artigo 5 inciso XXXV) disciplina a lei natildeo
excluiraacute da apreciaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio lesatildeo ou ameaccedila ao direito Assim o
acesso ao Direito natildeo estaraacute concretamente assegurado se o Estado natildeo oferecer a
todo cidadatildeo a possibilidade de receber aconselhamento juriacutedico a respeito dos seus
direitos
Constituiccedilatildeo de 1988 no artigo 5deg inciso LXXIV assegurou a todos
ldquoassistecircncia juriacutedicardquo a englobar assistecircncia judiciaacuteria e assessoramento juriacutedico
extrajudicial Conforme Greco (2009) ldquoeacute preciso que esse direito seja assegurado
na praacutetica Uma vez que na vida moderna o Direito tornou-se excessivamente
complexordquo Ainda no dizer do autor a consciecircncia juriacutedica do homem comum que
deve ser adquirida na famiacutelia e na escola natildeo eacute mais suficiente para a tomada de
decisotildees na vida diaacuteria das pessoas Todas as pessoas mantecircm complexas relaccedilotildees
juriacutedicas com instituiccedilotildees financeiras com fornecedores de bens e de serviccedilos etc
Nessas relaccedilotildees juriacutedicas com frequecircncia os cidadatildeos tecircm de tomar decisotildees
raacutepidas O cidadatildeo que tem meios procura um advogado particular para assessoraacute-
lo Ao pobre o Estado deve assegurar o mesmo direito em plenitude
Sem duacutevida o uacuteltimo pressuposto do acesso ao Direito eacute o acesso agrave Justiccedila
no sentido de acesso a um tribunal estatal imparcial previamente instituiacutedo como
competente para a soluccedilatildeo de qualquer litiacutegio a respeito de interesse que se afirme
juridicamente protegido ou para a praacutetica de qualquer ato que a lei subordine agrave
aprovaccedilatildeo autorizaccedilatildeo ou homologaccedilatildeo judicial
Se o cidadatildeo tem consciecircncia dos seus direitos se o Estado lhe fornece
todas as condiccedilotildees para livremente exercecirc-los mas algum outro cidadatildeo ou algum
oacutergatildeo do proacuteprio Estado impede ou dificulta esse exerciacutecio cabe ao poder puacuteblico
pocircr agrave disposiccedilatildeo do cidadatildeo lesionado ou ameaccedilado a jurisdiccedilatildeo necessaacuteria para
assegurar o pleno acesso a tal direito
Atingimos eacute certo um estaacutegio de desenvolvimento do Direito Humanitaacuterio que
natildeo mais nos permite conformar-nos com uma realidade distante do padratildeo de
44
convivecircncia humana que outras naccedilotildees jaacute alcanccedilaram O exerciacutecio pleno de
cidadania seraacute obra de mais de uma geraccedilatildeo Mas se trabalharmos com firmeza
certamente os jovens de hoje poderatildeo legar aos seus descendentes a emancipaccedilatildeo
cidadatilde um paiacutes melhor e uma sociedade mais justa e democraacutetica
33 O municiacutepio como acircmbito de exerciacutecio de cidadania
Historicamente o Municiacutepio enquanto unidade poliacutetico-administrativa surgiu
conforme descreve Berardi (2004) com a Repuacuteblica Romana interessada em
manter a dominaccedilatildeo paciacutefica das cidades conquistadas pela forccedila dos exeacutercitos
Sua origem mais de natureza socioloacutegica do que poliacutetica adveacutem do espiacuterito
associativo do homem e de suas relaccedilotildees de vizinhanccedila
Eacute pois a menor unidade territorial de Federaccedilatildeo cuja criaccedilatildeo reflete a base
da organizaccedilatildeo poliacutetica administrativa da Naccedilatildeo Portanto sua funccedilatildeo administrativa
historicamente vem assentada no princiacutepio do direito natural
O artigo primeiro da Constituiccedilatildeo Federal de 1998 estabelece que o
Municiacutepio ao lado dos Estados e do Distrito Federal formam a Republica Federativa
do Brasil que se constitui em Estado Democraacutetico de Direito O municiacutepio tem assim
um poder relevante para a aplicaccedilatildeo da democracia direta iniciada e fortalecida em
niacutevel local Diversos pensadores chegaram a afirmar que a descentralizaccedilatildeo de
poder resultante da constituiccedilatildeo Cidadatilde era antes de tudo uma conquista dos
Municiacutepios sendo eles os berccedilos da perpetuaccedilatildeo da Repuacuteblica e da Democracia
efetivamente por serem o uacutenico niacutevel de governo possuidores de respaldo e
localizaccedilatildeo fiacutesica ou seja solo municipal
Eacute certo que a Carta Magna de 1988 consolidou significativas inovaccedilotildees para a
vida municipal de forma que o Municiacutepio passou a constituir um dos entes da
federaccedilatildeo tratando-o como unidade dotada de autonomia poliacutetica expressa na
capacidade de poder elaborar a sua Lei Orgacircnica fugindo assim da tutela dos
estados que ateacute entatildeo eram considerados como uacutenicos componentes da federaccedilatildeo
45
A Lei Orgacircnica Municipal traz em seu bojo aleacutem da organizaccedilatildeo
administrativa do Municiacutepio a restauraccedilatildeo do Poder Legislativo municipal definindo
a diversificaccedilatildeo normativa que natildeo existia nas leis organizacionais outorgadas pelo
Estado reflexo do poder constituinte outorgados aos Municiacutepios pela Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 como consequecircncia do efetivo exerciacutecio do conceito de Estado
Democraacutetico de Direito
O Municiacutepio enquanto ente federativo tem atualmente a responsabilidade de
ordenar o seu desenvolvimento social e a garantia do bem estar de seus habitantes
executando poliacuteticas puacuteblicas de accedilotildees a serem empreendidas na consolidaccedilatildeo
democraacutetica do Estado
Fundada no elemento participaccedilatildeo o exerciacutecio de cidadania amplamente
citado encontra sua efetividade no municiacutepio Pois eacute nesse acircmbito de localizaccedilatildeo
que as pessoas mantecircm um contato direto com os poderes instituiacutedos suas
necessidades imediatas e mediatas satildeo objetos da disciplina da Lei que visa o bem
comum base do Estado democraacutetico de Direito
Baseado na maacutexima do municipalista e defensor da descentralizaccedilatildeo poliacutetica
Franco Motoro sabiamente proferiu que ldquoningueacutem vive na Uniatildeo ou no Estado As
pessoas vivem no Municiacutepiordquo Assim a cidadania encontra seu melhor espaccedilo de
realizaccedilatildeo na comunidade onde convive A vida em comunidade gera anseios
comuns sentimentos comuns uma vez que a convivecircncia propicia que as pessoas
se conheccedilam e se reconheccedilam como membros de uma mesma realidade
De acordo com Harvey (1992) ldquoa globalizaccedilatildeo provoca anonimato enquanto
comunidade cultiva solidariedaderdquo o que implica participaccedilatildeo para o exerciacutecio de
cidadania
Tudo o que acontece no mundo seja no meu paiacutes na minha cidade ou no meu bairro acontece comigo Entatildeo eu preciso participar das decisotildees que interferem na minha vida Um cidadatildeo com um sentimento eacutetico forte e consciecircncia da cidadania natildeo deixa passar nada natildeo abre matildeo desse poder de participaccedilatildeo (Herbert de Souza Betinho)
Com esse embasamento natildeo se pode perder de vista que eacute nas relaccedilotildees
diaacuterias de oposiccedilatildeo ou solidariedade que as pessoas exercem cidadania Na relaccedilatildeo
do com o outro com os poderes ao estabelecer com a vida social e puacuteblica uma
46
convivecircncia posto que cidadania eacute tarefa que natildeo termina natildeo eacute um conceito
pronto tatildeo pouco acabado enquanto seres inacabados que somos estaremos
buscando descobrindo criando e tomando consciecircncia mais ampla dos direitos
O desafio eacute construir um novo discurso sobre cidadania atraveacutes de uma
praacutetica poliacutetica sustentada isto eacute realizada em dois niacuteveis
O primeiro niacutevel na base atraveacutes de construccedilatildeo das capacidades e do poder
proacuteprio da populaccedilatildeo o que envolve inevitavelmente uma mudanccedila de atitude na
busca para garantir seus direitos utilizando-se do grau de autonomia local
Essa atitude conceberia agrave democracia participativa como uma poliacutetica paralela
de intervenccedilatildeo social criando e mantendo novos espaccedilos para a tomada de
decisotildees ou seja para o auto-governo pela populaccedilatildeo nas mateacuterias que afetam
diretamente suas vidas
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade
O segundo niacutevel um governo com o povo e natildeo apenas para o povo fundado
nos ditames constitucionais valorizando o sentimento da sociedade no exerciacutecio da
governabilidade de modo que o balizamento das accedilotildees de governo deixaria de estar
no proacuteprio governo e passaria a estabelecer-se a partir do pensar da sociedade Um
governo que se pergunta o que se deve fazer para ouvir com a maior fidelidade
possiacutevel a sociedade suas instituiccedilotildees representativas e o cidadatildeo Pois as
prioridades da gestatildeo deveriam ser definidas pela sociedade e natildeo mais pelo
governo
Portanto nesses termos eacute preciso considerar que as praacuteticas da
administraccedilatildeo puacuteblica sejam democratizadoras e inclusivas inspiradas nos
princiacutepios da legalidade impessoalidade moralidade publicidade e eficiecircncia Esta
uacuteltima buscou estabelecer uma Administraccedilatildeo Puacuteblica mais eficiente no sentido de
que o cidadatildeo como destinataacuterio dos serviccedilos puacuteblicos que o Estado deve prestar
receba-os com maior qualidade e menor custo para o eraacuterio puacuteblico
Para a consecuccedilatildeo desse governar com o povo alguns pontos devem ser
revistos A mudanccedila implica na necessidade de adequaccedilatildeo reorganizaccedilatildeo
47
reformulaccedilatildeo Para isso se faz premente em face dos novos e modernos conceitos
de gestatildeo puacuteblica a superaccedilatildeo do tradicional vezo burocraacutetico que vem convertendo
a Administraccedilatildeo nas palavras Dromi (1995) numa cara ldquomaacutequina de impedirrdquo fiel
ldquocoacutedigo do fracassordquo que dispotildee ldquoartigo primeiro natildeo pode artigo segundo em
caso de duacutevida abstenha-se artigo terceiro se eacute urgente espere artigo quarto
sempre eacute mais prudente natildeo fazer nadardquo numa posiccedilatildeo natildeo burocraacutetica e sim
democraacutetica de considerar que organizaccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica inclui a
praacutetica de ver os cidadatildeos como membros plenos da comunidade poliacutetica tendo
acesso e exercitando direitos as que promovem a organizaccedilatildeo da populaccedilatildeo em
torno de temas de interesse comum as que incluem o controle social sobre a
gestatildeo o debate amplo e informado sobre questotildees de governo e que abrem agrave
populaccedilatildeo as decisotildees sobre estas questotildees Como leciona e Barrientos (2000)
Tratam-se de praacuteticas que natildeo buscam somente melhorar a eficiecircncia administrativa das diferentes organizaccedilotildees puacuteblicas mas que incorporam no seu processo de gestatildeo a dimensatildeo ativa da cidadania isto eacute ldquoque facilitam as iniciativas e responsabilidades de todos os envolvidos[] estabelecendo pontes entre Estado e sociedade civil
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade Acreditamos
que o ponto de partida eacute a atitude aliada agrave solidariedade e ao espiacuterito coletivo Pois
governo e cidadatildeos juntos haveratildeo de cumprir um novo papel no processo de
desenvolvimento como agentes de uma nova cultura
Como afirma Peter Drucke
A parceria comunitaacuteria seraacute um dos verdadeiros setores em crescimento das economias desenvolvidas Surge da necessidade de uma participaccedilatildeo mais direta e efetiva da comunidade nas grandes questotildees da vida social pois natildeo existe ningueacutem melhor que o cidadatildeo para saber o que ele quer para si para sua famiacutelia e para sua comunidade (apud RAMOS 1990)
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O envolvimento efetivo da sociedade nas questotildees sociais natildeo eacute apenas uma
postura moderna Significa antes de tudo uma atitude digna de todos aqueles que
desejam exercer sua cidadania contribuindo para um paiacutes melhor e em especial
para uma sociedade mais justa fraterna e solidaacuteria
Na histoacuteria observa-se a grande coragem das pessoas em construir o
reconhecimento delas proacuteprias e de seus direitos sempre buscando a participaccedilatildeo e
defendendo os Direitos Humanos Sem duacutevida a maior ecircnfase que deve ocorrer
para a construccedilatildeo real da cidadania eacute uma mudanccedila na sociedade O melhor a ser
feito eacute reforccedilar a organizaccedilatildeo democraacutetica buscando novas formas de participaccedilatildeo
social pois cidadania natildeo se resume ao poder de votar ou ser votado mas eacute sempre
na efetiva participaccedilatildeo popular pois somente com isso haacute a verdadeira
conscientizaccedilatildeo e o comprometimento daquele que passa a se sentir cidadatildeo
abandonando-se velhos viacutecios da poliacutetica representativa
Desse modo a participaccedilatildeo do povo no momento das reivindicaccedilotildees das
discussotildees e apreciaccedilotildees de projetos que visem agrave melhoria da comunidade local a
exigecircncia de transparecircncia na administraccedilatildeo da coisa puacuteblica dentre outras eacute quem
daraacute embasamento para as verdadeiras conquistas sociais no Municiacutepio que geram
saudaacuteveis formas de pressatildeo por efetivas poliacuteticas puacuteblicas de inclusatildeo social
gerando o fim do clientelismo poliacutetico tatildeo pejorativo e comum em nossa realidade e
cultura poliacutetica
Somente a participaccedilatildeo social eacute que iraacute causar uma real democratizaccedilatildeo do
poder A afirmaccedilatildeo da cidadania eacute pressuposto para a realizaccedilatildeo dos Direitos
Humanos pois os homens natildeo nascem naturalmente iguais Inclusive para que
ocorra a realizaccedilatildeo dos referidos direitos eacute necessaacuterio tambeacutem que exista um
espaccedilo puacuteblico que seja realmente democraacutetico e acessiacutevel possibilitando a
participaccedilatildeo de todos e esse espaccedilo eacute certamente o municiacutepio
Na praacutetica um forte instrumento de cidadania para atender as necessidades
coletivas eacute o orccedilamento participativo previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal que
determina expressamente a realizaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas e a participaccedilatildeo
popular nos processos de elaboraccedilatildeo e conduccedilatildeo dos orccedilamentos como forma de
incentivo agrave preparaccedilatildeo e execuccedilatildeo de planejamentos que envolvam diretamente o
povo A Lei veio incentivar a sua propagaccedilatildeo para todos os entes federativos tendo
em conta que se trata de uma tendecircncia mundial por legitimar as escolhas e
fortalecer o princiacutepio da transparecircncia
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Os meios de acesso do cidadatildeo junto aos Poderes Puacuteblicos eacute uma realidade
no Estado Democraacutetico de Direito brasileiro a exemplo das sessotildees do Poder
Legislativo que satildeo puacuteblicas ficando abertas a todos que delas quiserem participar
Emite-se uma pauta antes do comeccedilo da sessatildeo com a preacutevia dos debates Em
niacutevel municipal verifica-se um acompanhamento mais incisivo sobre as sessotildees das
Cacircmaras de Vereadores como forma de pressatildeo para aprovaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees
da comunidade avaliaccedilatildeo do desempenho e aceitaccedilatildeo de propostas orccedilamentaacuterias
e atuaccedilatildeo dos poliacuteticos bem como entendimento das funccedilotildees do Poder Legislativo
A Constituiccedilatildeo Federal assegura desde 1988 a possibilidade de se oferecer
peticcedilatildeo agraves Mesas Legislativas como forma de pedir informaccedilotildees sobre andamento
de projetos ou relatoacuterios encaminhados aos chefes do Poder Executivo Em niacutevel
municipal pode ser utilizada a Tribuna Livre como instrumento para denuacutencias de
problemas ou discussatildeo de um tema ou mesmo para apresentar sugestotildees sendo
regulado pela Lei Orgacircnica Municipal e pelo Regimento Interno da Cacircmara
A convocaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas tambeacutem possui previsatildeo constitucional
no art 58 sect 20 inciso II em niacutevel federal As comissotildees podem em razatildeo da
mateacuteria de sua competecircncia realizar audiecircncias puacuteblicas com entidades da
sociedade civil E nada obsta que estejam previstas formas de articulaccedilatildeo da
sociedade civil com os Presidentes das Comissotildees da Cacircmara no seu Regimento
Interno em acircmbito municipal
Os dispositivos da Constituiccedilatildeo Federal que dispotildeem sobre a forma de
participaccedilatildeo direta do cidadatildeo e da sociedade civil no processo democraacutetico natildeo se
pode negar que trouxe novas perspectivas De modo geral podemos citar
Art 29 A lei orgacircnica dos Municiacutepios tem que observar entre os seus
preceitos ldquocooperaccedilatildeo das associaccedilotildees representativas no planejamento municipalrdquo
Art 31 As contas dos municiacutepios ficaratildeo durante 60 (sessenta) dias
anualmente a disposiccedilatildeo de qualquer contribuinte para exame e apreciaccedilatildeo o qual
poderaacute questionar-lhes a legitimidade nos termos da lei
Art37 sect 3ordm (EC-1998) A lei disciplinaraacute as formas de participaccedilatildeo do usuaacuterio
na administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta regulando especialmente
I- as reclamaccedilotildees relativas a prestaccedilatildeo dos serviccedilos puacuteblicos em geral asseguradas
a manutenccedilatildeo de serviccedilo de atendimento ao usuaacuterio e a avaliaccedilatildeo perioacutedica externa
e interna da qualidade dos serviccedilos
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II- o acesso dos usuaacuterios a registros administrativos e a informaccedilatildeo sobre atos de
governo observado o disposto no art 5ordm X e XXXIII
III- a disciplina da representaccedilatildeo conta o exerciacutecio negligente ou abusivo de cargo
emprego ou funccedilatildeo na administraccedilatildeo puacuteblica
Art 74 sect 2ordm Qualquer cidadatildeo partido poliacutetico associaccedilatildeo ou sindicato eacute
parte legiacutetima para na forma de lei denunciar irregularidades ou ilegalidades perante
o Tribunal de Contas da Uniatildeo
Art194 paraacutegrafo uacutenico Compete ao Poder Puacuteblico nos termos da lei
organizar a seguridade social com base nos seguintes objetivos ()
VII ndash caraacuteter democraacutetivo descentralizado na administraccedilatildeo mediante gestatildeo
quadripartite com participaccedilatildeo dos trabalhadores dos empregados e dos
aposentados e do Governo nos oacutergatildeos colegiados nos oacutergatildeos colegiados
Art 198 As accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede integram uma rede
regionalizada e hierarquizada o constituem um sistema uacutenico organizado de acordo
com as seguintes diretrizes
III ndash participaccedilatildeo da comunidade
Art 202 sect 6ordm A lei complementa a que se refere o sect 4ordm deste artigo
estabeleceraacute os requisitos para a designaccedilatildeo dos membros das diretorias das
entidades fechadas de previdecircncia privada e disciplinaraacute a inserccedilatildeo dos
participantes nos colegiados e instacircncias de decisatildeo em que seus interesses sejam
objeto de discussatildeo e deliberaccedilatildeo
Art 204 As accedilotildees governamentais na aacuterea de assistecircncia social seratildeo
organizadas com base nas seguintes diretrizes
II ndash Participaccedilatildeo da populaccedilatildeo por meio de organizaccedilotildees representativas na
formulaccedilatildeo das poliacuteticas e no controle das accedilotildees em todos os niacuteveis
O protagonista na concretizaccedilatildeo dos direitos humanos e na ampliaccedilatildeo da cidadania eacute um sujeito coletivo de um trabalho sempre inacabado eis que se tratam de tarefas e conquistas cotidianas e gradativas obras que soacute podem ser realizada a muitas matildeos no partilhar e compartilhar da vida (COSTA NETO 2010)
A ampliaccedilatildeo da cidadania requer a consciecircncia de que os direitos pressupotildeem
deveres de maneira que os direitos de um indiviacuteduo satildeo garantidos a partir do
cumprimento dos deveres dos demais componentes da sociedade
51
34 A necessaacuteria superaccedilatildeo de velhos paradigmas
Como se sabe em 1988 foi aprovada a Constituiccedilatildeo mais liberal e
democraacutetica do Brasil chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo Assim ampliou-se de
forma significativa o campo dos direitos e garantias fundamentais No que diz
respeito a tal mateacuteria eacute considerada como uma das mais avanccediladas do mundo No
seu preacircmbulo adota o modelo de um Estado democraacutetico de Direito destinado a
garantir o exerciacutecio dos direitos sociais e individuais a liberdade a seguranccedila o
bem-estar o desenvolvimento a igualdade e a justiccedila eleitos como valores
supremos de uma sociedade fraterna pluralista e sem preconceitos
Para a construccedilatildeo democraacutetica da cidadania no Brasil contemporacircneo
salienta-se de ela deve passar de uma democracia representativa para uma
cidadania que efetivamente molde a democracia ou seja uma cidadania instituinte
da democracia
No acircmbito constitucional positivo cidadania pressupotildee o exerciacutecio de todos
os direitos fundamentais e garantias que caracterizam o Estado democraacutetico de
Direito Quando se fala em cidadania eacute no sentido de reafirmar o direito pela plena
realizaccedilatildeo do indiviacuteduo do cidadatildeo dos entes coletivos e de sua emancipaccedilatildeo nos
espaccedilos da sociedade Estatildeo sempre intimamente ligados os conceitos de
cidadania democracia e direitos humanos sendo que um remete ao outro e seus
conteuacutedos se interligam ou seja a cidadania natildeo iraacute ocorrer sem que ocorra a
realizaccedilatildeo dos Direitos Humanos da mesma forma que os direitos humanos natildeo
seratildeo concretizados se natildeo houver o exerciacutecio da cidadania
Na evoluccedilatildeo histoacuterica tais categorias se desenvolveram de forma conjunta
com o Estado Representam noccedilotildees desejaacuteveis de relaccedilotildees humanas que se espera
sejam instituiacutedas Satildeo os elementos basilares na nova ordem social e que a
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 pretendeu edificar Poreacutem a democracia poliacutetica natildeo
resolveu os problemas econocircmicos mais seacuterios como a desigualdade e o
desemprego Continuam muito seacuterios os problemas da aacuterea social principalmente
na educaccedilatildeo nos serviccedilos de sauacutede e saneamento como tambeacutem e
principalmente quanto agrave seguranccedila puacuteblica
52
A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 em seu artigo 6ordm e em outros artigos no texto
constitucional ampliou e muito os Direitos Sociais proibiu discriminaccedilotildees Assim
indicadores baacutesicos de qualidade de vida apontam que houve uma melhoria A
mortalidade infantil por exemplo caiu de maneira significativa nos uacuteltimos anos A
esperanccedila de vida ao nascer passou de 60 anos em 1980 para 70 em 2000 Poreacutem
o maior progresso foi na aacuterea da educaccedilatildeo fundamental que eacute considerado fator
decisivo para a cidadania pois a taxa de analfabetismo caiu consideravelmente
entretanto existem muitos problemas no campo educacional como a repetecircncia e
com relaccedilatildeo a desigualdade social entre as regiotildees
A grande concentraccedilatildeo da riqueza nacional nas matildeos de poucos reflete a
desigualdade e causa a pobreza e a miseacuteria ao passo que dificulta o acesso do
cidadatildeo agrave justiccedila e consequentemente ao seu estado de cidadania pleno
Dentre os fundamentos no qual se baseiam o Estado democraacutetico de Direito
no Brasil destaca-se justamente a cidadania e a dignidade humana conforme artigo
1ordm incisos II e III da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Entatildeo construir uma sociedade
livre justa e solidaacuteria garantir o desenvolvimento nacional erradicar a pobreza e a
marginalizaccedilatildeo reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de
todos sem preconceitos de origem raccedila sexo cor idade ou quaisquer outras
formas de discriminaccedilatildeo satildeo os objetivos fundamentais do Estado Brasileiro
conforme art 3ordm da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
O cenaacuterio de globalizaccedilatildeo econocircmica mundial tambeacutem traacutes seacuterios obstaacuteculos
para a construccedilatildeo da cidadania A globalizaccedilatildeo da economia em ritmo acelerado
provoca grandes mudanccedilas nas relaccedilotildees entre Estado sociedade e naccedilatildeo que
eram sempre o centro da noccedilatildeo e da praacutetica da cidadania ocidental O foco das
mudanccedilas e das preocupaccedilotildees estaacute em dois focos especiacuteficos a reduccedilatildeo do papel
central do Estado como fonte de direitos e local para a participaccedilatildeo e o
deslocamento da naccedilatildeo como principal fonte de identidade coletiva
Para que ocorra efetiva mudanccedila a melhor proposta eacute no sentido de
mudanccedila na organizaccedilatildeo da sociedade pois a inversatildeo da sequecircncia dos direitos
fez com que ocorra o reforccedilo da supremacia do Estado Para que ocorra a
consolidaccedilatildeo democraacutetica e cidadatilde eacute necessaacuterio reforccedilar a organizaccedilatildeo da
sociedade para assim dar embasamento social ao poder poliacutetico ou seja
finalmente democratizar o poder e estabelecer de forma plena a Cidadania
53
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A Constituiccedilatildeo que nasce com ldquocheiro de amanhatilde e natildeo de mofordquo nas
palavras do Deputado Ulisses Guimaratildees tem em seu relevo a esperanccedila de um
povo que sonhava com a erradicaccedilatildeo da repressatildeo militar e natildeo soacute isso um povo
que sonhava com a liberdade em suas diversas manifestaccedilotildees em suas mais
significativas formas de representaccedilatildeo e sobretudo com um paiacutes voltado para a
democracia e justiccedila social
Ao povo brasileiro foi concedido o poder de governar e nesse contexto de
mudanccedila a ldquodemocracia eacute o governo do povo pelo povo e para o povordquo na
conceituaccedilatildeo ceacutelebre de Abraham Lincoln E consoante estabelece o paraacutegrafo
uacutenico do art 1ordm da Carta cidadatilde de 1988 ldquotodo poder emana do povo que o exerce
por meio de representantes eleitos ou diretamenterdquo
No entanto natildeo basta que a fonte de poder seja o povo a democracia vem
significar a efetiva participaccedilatildeo do povo nas decisotildees e destino do Estado e sua
consolidaccedilatildeo eacute a proacutepria cidadania pois eacute o cidadatildeo que pensa e se auto define
diante da condiccedilatildeo soacutecio-histoacuterica O cidadatildeo tem portanto o poder de transformar
a realidade social segundo seu pensamento e accedilatildeo
Natildeo se pode negar que a Carta de 1988 foi a que apresentou maior
legitimidade popular que abriu caminhos apontando um novo tempo
Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita Se fosse perfeita seria irreformaacutevel Ela proacutepria com humildade e realismo admite ser emendada ateacute por maioria mais acessiacutevel dentro de cinco anos Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita mas seraacute uacutetil e pioneira e desbravadora Seraacute luz ainda que de lamparina na noite dos desgraccedilados Eacute caminhando que se abrem os caminhos Ela vai caminhar e abri-los Seraacute redentor o que penetrar nos bolsotildees sujos escuros e ignorados da miseacuteria (Ulysses Guimaratildees)
Mesmo natildeo sendo a constituiccedilatildeo perfeita sem duacutevida foi a que trouxe
esperanccedila ao povo brasileiro com a sua promulgaccedilatildeo surgiram o ldquohaacutebeas datardquo o
mandado de injunccedilatildeo e o mandado de seguranccedila coletivo - todos remeacutedios judiciais
de iacutendoles constitucionais serviacuteveis para prevenir e combater diversas tentativas de
abuso contra a pessoa humana Outrossim o objeto da accedilatildeo popular foi ampliado
Atualmente qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima para propor a mencionada accedilatildeo
54
popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de entidade de que o
Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e ao patrimocircnio
histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de custas
judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia Nesse rol de forma decisiva houve a
ampliaccedilatildeo tambeacutem dos direitos sociais
Assim a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconhece e assegura uma seacuterie de
escudos protetivos aos cidadatildeos Em sua essecircncia os direitos fundamentais
ganham forma De modo que podemos assegurar que hoje o nosso Estado eacute uma
organizaccedilatildeo centrada no ser humano visto que tem a dignidade da pessoa humana
como um fundamento da Repuacuteblica Federativa do Brasil
Apesar das inuacutemeras dificuldades o Estado Democraacutetico de Direito fundado
na cidadania constituiu para o povo uma nova identidade ndash o que em outras eacutepocas
natildeo existia
A Constituiccedilatildeo circunscreve toda a organizaccedilatildeo poliacutetica estatal no intuito
maior de criar no consciente coletivo a vontade livre e determinada de desenvolver
padrotildees de condutas destinados a elevar e promover a auto-estima de toda a
comunidade paacutetria
Foi nesse sentido que estatui em seu artigo 1ordm a cidadania como fundamento
do Estado Democraacutetico de Direito ampliando e enriquecendo o tal conceito Cada
eacutepoca produziu praacuteticas e reflexotildees muito distintas sobre o tema cidadania A
definiccedilatildeo de cidadania que vem sofrendo alteraccedilotildees ao longo do tempo obedecendo
a um processo histoacuterico de conquistas sociais eacute compreendida atualmente como
um processo de participaccedilatildeo do indiviacuteduo ou de um grupo organizado nas mais
variadas aacutereas de atuaccedilatildeo da sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos
e sociais
A cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia disso natildeo haacute duvidas e se
efetiva como mudanccedilas na realidade de cada um com melhoria de vida e
conscientizaccedilatildeo da importacircncia do cidadatildeo dado que eacute um processo em
permanente construccedilatildeo Natildeo haacute como defender uma qualidade de vida sem a
preservaccedilatildeo da cidadania em todos os seus acircmbitos Nesse sentido a efetiva
proteccedilatildeo desse aspecto basilar torna-se essencial no que tange uma assistecircncia
juriacutedica completa
No contraponto do direito estatildeo os deveres que encontramos sua realizaccedilatildeo
tambeacutem na participaccedilatildeo observando que o cidadatildeo eacute responsaacutevel pelo advir de
55
suas accedilotildees A participaccedilatildeo reflete um caraacuteter de natildeo comodismo de atenccedilatildeo agravequilo
que eacute particular e coletivo tendo como finalidade preciacutepua o bem comum
Construir cidadania hoje eacute imperativo para a sociedade pois dessa
construccedilatildeo depende o amanhatilde Estamos diante da Constituiccedilatildeo que se propotildee a
resguardar o amanhatilde sem perder de vista que ele comeccedila hoje agora e nisso a
Carta Poliacutetica traacutes consigo a certeza do despertar dessa consciecircncia a consciecircncia
cidadatilde Ela eacute a semente plantada em terra feacutertil que gera frutos diariamente e se
renova a cada estaccedilatildeo na dinacircmica da vida Talvez tenha sido esse o cheiro de
frutas alcanccedilado pelo constituinte ao anunciar que a carta tem ldquocheiro do amanhatilderdquo
A responsabilidade pelo exerciacutecio desses direitos belissimamente elencados
depende de todos e de cada um pois somos o terreno feacutertil que produziraacute o fruto de
uma sociedade fraterna
Eacute comum na praacutetica apenas responsabilizarmos o Estado em sentido lato pelo
natildeo exerciacutecio dos direitos do cidadatildeo Vale lembrar nesse contexto das palavras de
J Kennedy o qual disse ldquonatildeo pergunte o que o Estado pode fazer por vocecirc mas o
que vocecirc pode fazer pelo Estadordquo haacute nessa frase um forte traccedilo de cidadania pois
quando o cidadatildeo reivindica critica opina o que ele daacute em contrapartida ao paiacutes eacute
solidificado visto que eacute nas relaccedilotildees familiares em comunidade que se estabelece e
se fortalece os viacutenculos de solidariedade de uma sociedade que perpetua valores
condutas que as leis reguladoras natildeo conseguem por si soacute estabelecer
A concretizaccedilatildeo do ideal de uma qualidade de vida merecida a todos os seres
humanos sem restriccedilotildees requer entretanto um esforccedilo coletivo Dessa forma haacute
necessidade de suprir as muitas carecircncias advindas das desigualdades sociais e de
condiccedilotildees do descaso do poder puacuteblico e da proacutepria conceituaccedilatildeo antiga de
cidadania que ainda eacute concebida por muitos no presente
Em suma nosso trabalho procurou traccedilar a evoluccedilatildeo da cidadania e ao
mesmo tempo buscou traccedilar uma melhor caracterizaccedilatildeo do cidadatildeo agrave luz da nossa
Constituiccedilatildeo que eacute por fim a essecircncia da Magna Carta O alcance da cidadania
enquanto mecanismo de acesso a direitos foi colocado no acircmbito da pessoa
enquanto titular de direitos e num paralelo defendemos que o municiacutepio eacute o espaccedilo
de atuaccedilatildeo e exerciacutecio de cidadania dada a proximidade do cidadatildeo com as
instituiccedilotildees oacutergatildeos entidades e tudo o mais que o cerca na esfera de vivecircncia Eacute na
praccedila que discute a poliacutetica local e nacional que se indigna com as dificuldades e as
56
barreiras de acesso aos seus direitos Eacute no municiacutepio que se inicia todo um vieacutes de
desdobramento para garantir direitos
Por fim natildeo obstante resta dizer sobre o tema que os caminhos e
paradigmas que se intentou percorrer sobre cidadania como mecanismo
transformador da sociedade tem ingrediente ainda a se descortinar para o
propoacutesito valioso do bem comum Pois bem a ideia de bem comum tem como
fundamento o amor maacutexima que se estabelece por meio da democracia visto que
ldquoa demofilia o demoiacutesmo o amor do povo acima de tudo como princiacutepio ativo de
toda a sua vida poliacutetica inspirador duma sempre crescente autonomia imanente eacute
que constitui a verdadeira essecircncia da democraciardquo nas palavras de Melgareacute
(2005)
Dessa forma eacute no nuacutecleo da democracia que estaacute inscrito como pedra
angular o respeito e o amor pela pessoa humana Eacute pois um tema de larga
abrangecircncia poreacutem sem querer abreviar o caminho sua efetiva possibilidade de
realizaccedilatildeo se encontra no exerciacutecio da cidadania sem repuacutedios parciais ou exclusatildeo
de qualquer ordem na plenitude de uma cidadania para todos
57
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
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Sumaacuterio
INTRODUCcedilAtildeO 09
CAPIacuteTULO 1 NOVOS OLHARES SOBRE A CIDADANIA 12
11 As origens da cidadania 13
12 A construccedilatildeo da cidadania 16
13 Cidadania um fenocircmeno cultural 18
14 cidadania no Brasil Breves consideraccedilotildees 19
CAPIacuteTULO 2 CIDADANIA Agrave LUZ DA CONSTITUICcedilAtildeO FEDERAL DE 1988 23
21 Estado Democraacutetico de Direito espaccedilo de cidadania 24
22 Os direitos fundamentais como pressupostos de identidade da cidadania 27
23 A consagraccedilatildeo dos direitos do cidadatildeo 31
CAPIacuteTULO 3 CIDADANIA COMO MECANISMO DE TRANSFORMACcedilAtildeO
SOCIAL 35
31 O ser cidadatildeo 36
32 A emancipaccedilatildeo social atraveacutes da cidadania 39
33 O municiacutepio como acircmbito de exerciacutecio de cidadania 44
34 A necessaacuteria superaccedilatildeo de velhos paradigmas 50
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 53
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 57
RESUMO
A cidadania assumiu historicamente inuacutemeras concepccedilotildees em funccedilatildeo dos muitos contextos social e cultural em que esta inserida Sua construccedilatildeo ficou condicionada a maneira como se formaram os Estados Assim o conceito de cidadania como direito a ter direitos foi construiacutedo dentro das estruturas proacuteprias de cada Estado dessa forma a cidadania moderna se desenvolveu na medida em que as pessoas se sentem parte do Estado-naccedilatildeo podendo participar da dinacircmica e construccedilatildeo do bem comum Eacute dentro desse contexto que se insere o presente estudo que tem por objetivo discorrer a respeito dos principais instrumentos de defesa dos direitos do cidadatildeo observando a cidadania como mecanismo de transformaccedilatildeo social No Brasil a cidadania ganha relevo com a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 na qual aparece como princiacutepio fundamental A Carta Cidadatilde abarca no decorrer de seu texto inuacutemeras inovaccedilotildees no que concerne a questatildeo da caracterizaccedilatildeo da cidadania na sociedade atual e os direitos que abrangem a esfera poliacutetica civil e social No elenco de mecanismo de exerciacutecio da cidadania objeto de nossa anaacutelise estaacute o acesso ao direito e a justiccedila que eacute fator preponderante para efetivar as garantias constitucionais bem como a educaccedilatildeo que implica ao ser humano o conhecimento de si mesmo e do meio no qual estaacute inserido dele podendo participar de forma produtiva O alcance da cidadania enquanto exerciacutecio de direitos e deveres eacute colocada no acircmbito do municiacutepio por ser o ente federativo mais proacuteximo do cidadatildeo Nesse vieacutes a construccedilatildeo da cidadania plena se constitui como tarefa de muitas matildeos firmada em accedilotildees que visam o bem comum PALAVRAS-CHAVE cidadania direitos constituiccedilatildeo democracia
ABSTRACT
Citizenship assumed historically many concepts in the light of many social and cultural contexts in which it operates Its construction was conditioned how states were formed Thus the concept of citizenship as a right to have rights built into the structures of each state so modern citizenship has developed to the extent that people feel part of the nation-state can participate in the construction of dynamic and well common It is within this context that the present study which aims to talk about the main instruments of defense of civil rights noting citizenship as a mechanism for social change In Brazil citizenship becomes important to the Federal Constitution of 1988 which appears as a fundamental principle The Citizen Charter includes in the course of your text numerous innovations regarding the issue of characterization of citizenship in modern society and the rights covering the political civil and social The cast engine citizenship object of our analysis is access to law and justice that is decisive for effective constitutional guarantees as well as the education that involves the human knowledge of oneself and the environment in which it is inserted it can participate productively The scope of the exercise of citizenship as rights and duties is placed within the municipality for being the federative entity closest to the citizen In this vein the construction of full citizenship is constituted as a task of many hands signed into actions aimed at the common good KEYWORDS citizenship rights constitution democracy
9
INTRODUCcedilAtildeO
A palavra cidadania tem sido usada com muita frequecircncia desde um discurso
poliacutetico a um diaacutelogo trivial pois eacute um vocaacutebulo de significado amplo que permite o
seu emprego para referir-se aos direitos humanos ou direitos do consumidor ou
para dirigir-se a um indiviacuteduo
O conceito de cidadania sempre esteve fortemente associado agrave noccedilatildeo de
direito o que de certa forma justifica a amplitude de usos do termo jaacute que a histoacuteria
da cidadania confunde-se com a histoacuteria dos direitos humanos a histoacuteria das lutas
das gentes para a afirmaccedilatildeo de valores como a liberdade a dignidade e a
igualdade de todos os seres humanos indistintamente Percebe-se portanto que
existe um estreito relacionamento entre cidadania e luta por justiccedila por democracia
e outros direitos fundamentais Pois como afirma Santana (2009)
A histoacuteria da cidadania confunde-se em muito com a histoacuteria das lutas pelos direitos humanos A cidadania esteve e estaacute em permanente construccedilatildeo eacute um referencial de conquista da humanidade atraveacutes daqueles que lutam por mais direitos maior liberdade melhores garantias individuais e coletivas []
Sua trajetoacuteria eacute longa e liga-se as transformaccedilotildees poliacuteticas ocorridas na
histoacuteria das sociedades O seu nascimento remota a Antiguidade passando por uma
perda de seu significado na Idade Media ateacute ressurgir na Modernidade e originar
calorosos debates nos dias de hoje
No Brasil estamos tecendo a nossa cidadania e aos poucos vamos nos
livrando da visatildeo restritiva da cidadania aplicada como simples conjunto de pessoas
dotadas de direitos poliacuteticos (cidadania ativa e cidadania passiva)
Passos importantes foram dados com o processo de redemocratizaccedilatildeo e a
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 mas essa trajetoacuteria ainda tem um longo caminho a
ser percorrido pois construir cidadania eacute tambeacutem construir novas relaccedilotildees e
10
consciecircncia de que ela natildeo se limita a conquista legal de direitos mas tambeacutem a
realizaccedilatildeo desses direitos Sob pena de que a natildeo apropriaccedilatildeo desses direitos de
forma efetiva os transforma em letra morta
A consciecircncia cidadatilde perpassa a democracia os direitos sociais e o ideal
coletivo de justiccedila em sentido amplo o qual denominamos de bem comum A
vivecircncia da cidadania encontra diversas barreiras culturais e histoacutericas pois como
afirma Matos (2009)
Somos filhos e filhas de uma naccedilatildeo que nasceu sob o signo da cruz e da espada acostumados a apanhar calado a dizer sempre lsquosim senhorrsquo a lsquoengolir saposrsquo a achar lsquonormalrsquo as injusticcedilas a termos um lsquojeitinhorsquo para tudo a natildeo levar a seacuterio a coisa puacuteblica a pensar que direitos satildeo privileacutegios e exigi-los eacute ser boccedilal e metido a pensar que Deus eacute brasileiro e se as coisas estatildeo como estatildeo eacute por vontade Dele
Os direitos que hoje gozamos natildeo nos foram conferidos de maneira
harmoniosa foram conquistados E muitas vezes os compreendemos como uma
concessatildeo um favor de quem estaacute em cima para os que estatildeo em baixo da piracircmide
social e essa concepccedilatildeo errocircnea fragiliza a capacidade de organizaccedilatildeo participaccedilatildeo
e intervenccedilatildeo social que configura a cidadania
Este trabalho monograacutefico portanto tem como escopo discutir e traccedilar alguns
pressupostos que possibilitem a compreensatildeo do efetivo exerciacutecio da cidadania
como mecanismo transformador de uma sociedade (participaccedilatildeo cidadatilde nas
decisotildees da administraccedilatildeo puacuteblica que alcancem toda a coletividade)
compreendendo que a cidadania deve ser vista em todos os seus aspectos
principalmente no sentido que atraveacutes dela se almeja uma sociedade com vida
digna para todos Cidadania essa que se configurou e vem se impondo em meio a
fortes resistecircncias e combates
Para que os objetivos fossem alcanccedilados elegemos a pesquisa bibliograacutefica
como teacutecnica baacutesica para coletarmos os dados necessaacuterios Tratou-se de uma
proposta de estudo portanto de cunho eminentemente bibliograacutefico Assim sendo
as fontes da pesquisa foram as proacuteprias obras dos doutrinadores
Eacute por meio de referenciais teoacutericos como Hannah Arendt Joseacute Afonso da
Silva Norberto Bobbio Dalmo Dallari Walber Agra Celso Bandeira de Melo
Boaventura de Souza Joseacute Murilo de Carvalho entre outros expoentes da ciecircncia
juriacutedica que contextualizamos estes questionamentos e de certa maneira temos a
11
pretensatildeo de contribuir para o fortalecimento do debate acadecircmico em torno de um
elemento valioso para o Estado Constitucional a cidadania
A dimensatildeo doutrinaacuteria do tema diz respeito a sua importacircncia para a aacuterea de
estudos em que se insere - o Direito Pois estudar e analisar elementos constitutivos
da cidadania significa compreender uma questatildeo que vem a cada dia tomando mais
espaccedilo nos meios acadecircmicos
Nos dias atuais em que a poacutes-modernidade permeia as relaccedilotildees juriacutedicas
propiciando a interdisciplinaridade e a flexibilidade da interpretaccedilatildeo dos dispositivos
postos o processo de discussatildeo voltado para a questatildeo da cidadania vivencia na
atualidade grande relevacircncia Nesse diapasatildeo duas consideraccedilotildees seratildeo levadas a
efeito a cidadania como um fundamento constitucional da Repuacuteblica Federativa do
Brasil de acordo com o que preceitua o inciso II do artigo 1ordm da Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 o local mais propiacutecio para o exerciacutecio efetivo da cidadania eacute o
municiacutepio onde ocorrem agraves decisotildees mais proacuteximas da comunidade em que o
individuo cidadatildeo tem maior facilidade de participaccedilatildeo nas decisotildees e por fim que
os indiviacuteduos exercem cidadania acessando a justiccedila em busca de seus direitos
Neste sentido o presente trabalho analisa algumas questotildees que estiveram e
ainda estatildeo por traacutes do desenvolvimento da foacutermula da cidadania percorrendo para
tanto desde a antiguidade ateacute o tempo presente De modo que o objetivo do
mesmo eacute analisar o processo de constituiccedilatildeo e consolidaccedilatildeo da cidadania ao longo
dos tempos como tambeacutem procura demonstrar os caminhos que de fato o conceito
de cidadania percorreu ateacute chegar agraves formulaccedilotildees da nossa eacutepoca em que passou
a ser concebida como um princiacutepio fundamental da Repuacuteblica Federativa do Brasil
Defendemos por fim que a cidadania como hoje a enxergamos eacute talvez o
uacutenico arcabouccedilo viaacutevel para a convivecircncia poliacutetica sendo certo que a sociabilidade
por traacutes da construccedilatildeo estatal precisa arrimar-se em postulados democraacuteticos e
criteacuterios de emancipaccedilatildeo da liberdade individual e coletiva os quais satildeo
pressupostos da cidadania plena
12
CAPIacuteTULO 1 - NOVOS OLHARES SOBRE A CIDADANIA
A cidadania vista como uma verdadeira visatildeo democraacutetica da convivecircncia eacute
siacutembolo de todo um incessante processo desencadeado por meio de um labutar
juriacutedico-politico-cultural que vem acompanhado de vaacuterias etapas do fenocircmeno
humano na tentativa de harmonizar os interesses valores e necessidades dos
homens
Seus correspondentes mecanismos de atuaccedilatildeo na sociedade atual natildeo
surgiram como que por encanto pacificamente sem luta Brotaram apoacutes uma
semeadura ideoloacutegica em conflito com outras ideologias e doutrinas que lhe eram
contraacuterias A cidadania portanto consiste na lenta construccedilatildeo da democracia
sintetiza os esforccedilos para a obtenccedilatildeo das prerrogativas poliacuteticas sociais e culturais
que tecircm levado os membros da comunidade poliacutetica direta ou indiretamente a
decidir acerca da realidade que os cercam
Neste sentido obra de construccedilatildeo do civismo democraacutetico que vem se
fortalecendo de maneira eficaz com a promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo brasileira de
1988 a cidadania toma como ponto de partida a ideia de que o Estado democraacutetico
de Direito eacute uma conquista resultado de uma construccedilatildeo permanente da
convivecircncia sociopoliacutetica
13
11 As origens da cidadania
A expressatildeo cidadania emana do termo latino civitas No entanto pode-se
encontrar suas procedecircncias intelectuais nas religiotildees da Antiguidade e nas
civilizaccedilotildees greco-romanas Polites que os romanos traduziram por cives que eacute o
soacutecio da polis ou civitas O legado greco-romano da palavra civitas nos remete agraves
noccedilotildees de liberdade igualdade e virtudes republicanas Eacute na polis grega que os
conceitos de liberdade e igualdade ganham sentido No entanto eacute importante citar
que
A participaccedilatildeo na polis ou na civitas era exclusiva de alguns homens que participavam do funcionamento da cidade-Estado eram eles os titulares de direitos poliacuteticos Eram considerados cidadatildeos apenas os homens nascidos no solo da cidade livres e iguais portadores de dois direitos inquestionaacuteveis portadores da isonomia (igualdade perante a lei) e da isegoria (o direito de expor e discutir em puacuteblico opiniotildees sobre accedilotildees que a cidade deveria ou natildeo realizar) (CHAUIacute 1994)
Ser cidadatildeo para os gregos significava antes de tudo usufruir certas
vantagens que nenhum outro homem conhecera Como afirma Minogue ldquoOs
cidadatildeos tinham riqueza beleza e inteligecircncia diversas mas como cidadatildeos eram
iguaisrdquo (1998) Foi especialmente no seacuteculo V aC que Atenas viveu seu momento
de apogeu Nesse seacuteculo especificamente desenvolveram-se as concepccedilotildees de
cidadania e democracia Em oposiccedilatildeo agrave ideia aristocraacutetica de poder o cidadatildeo
poderia e deveria atuar na vida puacuteblica independentemente da origem familiar
classe ou funccedilatildeo (ARENDT 1995)
Da mesma forma a racionalidade era conferida a uma minoria da
populaccedilatildeo exclusivamente aos homens que tinham o direito de filosofar aleacutem de
participar da academia (culto agrave beleza fiacutesica) e do poder (direito de comandar
politicamente todos os interesses da polis mediante a elaboraccedilatildeo e execuccedilatildeo de
leis e normas administrativas) Cidadatildeo segundo o teoacuterico Coulanges
Eacute todo o homem que segue a religiatildeo da cidade que honra os mesmos deuses da cidade () o que tem o direito de aproximar-se dos altares e podendo penetrar no recinto sagrado onde se realizam as assembleias assiste agraves festas acompanha as procissotildees e participa dos panegiacutericos participa dos banquetes sagrados e recebe sua parte das viacutetimas Assim esse homem no dia em que se inscreveu no registro dos cidadatildeos jurou praticar o culto dos deuses da cidade e por eles combater (2003)
14
Os escravos e os baacuterbaros natildeo podiam tomar parte dos ambientes
sagrados Segundo alguns teoacutericos apenas 10 da populaccedilatildeo eram considerados
cidadatildeos em Atenas A fim de reduzir as despesas do Estado o governo restringiu o
direito de cidadania somente os filhos de pai e matildee atenienses seriam considerados
cidadatildeos As mulheres os metecos (estrangeiros) e os escravos continuaram
desprovidos de quaisquer direitos poliacuteticos A mulher era considera o ldquonatildeo serrdquo
equiparada aos escravos cuidava dos afazeres ldquodomeacutesticosrdquo servia como
instrumento de procriaccedilatildeo e natildeo participava portanto das decisotildees da polis
Aristoacuteteles descreve que mulheres e escravos eram mantidos fora da vista do
puacuteblico eram os trabalhadores que ldquocom o seu corpo cuidavam das necessidades
(fiacutesicas) da vidardquo Satildeo as mulheres que com seu corpo garantem a sobrevivecircncia
fiacutesica da espeacutecie Mulheres e escravos conforme Arendt
Pertenciam agrave mesma categoria e eram mantidos fora das vistas alheias - natildeo somente porque eram propriedade de outrem mas porque a sua vida era ldquolaboriosardquo dedicada a funccedilotildees corporais O filho de preferecircncia deveria ser do sexo masculino sendo candidato em potencial para exercer a cidadania O escravo servia de matildeo-de-obra para o sustento e manutenccedilatildeo dos cidadatildeos (1995)
Para Aristoacuteteles ser cidadatildeo diz respeito a todo aquele que eacute capaz de
tomar parte tanto no judiciaacuterio quanto no poder deliberativo da polis ldquoNenhum
caraacuteter define melhor o cidadatildeo no sentido estrito do que a participaccedilatildeo do exerciacutecio
dos poderes de juiz e magistradordquo (ARISTOacuteTELES A Poliacutetica III 16 Apud
TOURAINE 1994) O fim uacuteltimo do homem eacute viver na polis onde o homem se
realiza como cidadatildeo (politai) manifestando o processo de constituiccedilatildeo de sua
essecircncia a sua natureza Ou seja natildeo apenas viver em sociedade mas viver na
ldquopoliticidaderdquo
Para Aristoacuteteles a reflexatildeo sobre a poliacutetica eacute que ela natildeo se separa da
eacutetica pois segundo o estagirita a vida individual estaacute imbricada na vida comunitaacuteria
A razatildeo pela qual os indiviacuteduos reuacutenem-se nas cidades (e formam comunidades
poliacuteticas) natildeo eacute apenas a de viver em comum mas a de viver ldquobemrdquo ou a boa vida
Para que isso aconteccedila eacute necessaacuterio que os cidadatildeos vivam o bem comum ou em
15
conjunto ou por intermeacutedio dos seus governantes se acontecer o contraacuterio (a busca
do interesse proacuteprio) estaacute formada a degeneraccedilatildeo do Estado
Por fim como afirma Correcirca (1999) ldquoa cidadania da Greacutecia Claacutessica
possui um paracircmetro muito especiacutefico de difiacutecil aceitaccedilatildeo numa concepccedilatildeo
moderna de cidadaniardquo Ou seja o que caracteriza a cidadania antiga eacute seu aspecto
limitador elitista e excludente pouco semelhante com o entendimento dos nossos
dias
Destarte como a democracia a cidadania passou por diferentes e possiacuteveis
ldquoinvenccedilotildeesrdquo em periacuteodos e espaccedilos determinados da histoacuteria e da geografia do
Ocidente Greacutecia e Roma consolidaram por seacuteculos seus sistemas de governos
possibilitando e permitindo a participaccedilatildeo de um significativo nuacutemero de cidadatildeos
Com o desaparecimento das civilizaccedilotildees claacutessicas a cidadania desaparece
juntamente e por um bom tempo ficaraacute fora de cena no Ocidente
Conforme Benevides (1994) a ideia moderna de cidadania e de direitos do
cidadatildeo tem como eacute sabido soacutelidas raiacutezes nas lutas e no imaginaacuterio da Revoluccedilatildeo
Francesa
Na continuidade da tradiccedilatildeo dos seacuteculos XVII e XVIII o contratualismo de
Locke e de Rousseau forneceu as bases filosoacuteficas do conceito de cidadania do
liberalismo e as revoluccedilotildees Inglesa Americana e Francesa que validaram seu uso
ao estabelecer um viacutenculo juriacutedico-legal entre as noccedilotildees de liberdade igualdade
fraternidade e o Estado-naccedilatildeo (MOISEacuteS 2005)
Nos seacuteculos XVIII e XIX outras correntes teoacutericas sobre o direito e a cidadania
seratildeo contempladas No entanto estas teorias vatildeo se contrapor agraves teorias do
jusnaturalismo e do contratualismo Segundo Correcirca (1999)
Para o positivismo juriacutedico (positivismo normativista de Kelsen) bem como para a Escola da Exegese e a Escola Histoacuterica o que vale eacute o ensino dogmaacutetico - as normas (exclue-se a anaacutelise interdisciplinar entre outras aacutereas principalmente com as Ciecircncias Sociais) A lei eacute a uacutenica fonte do direito Para essas escolas a cidadania eacute negada
Mais proacuteximo de noacutes no seacuteculo XX T A Marshall foi quem primeiro
discutiu o conceito de cidadania e suas dimensotildees no ensaio claacutessico ldquoCidadania e
classe socialrdquo Ainda hoje depois de mais de seis deacutecadas apoacutes a sua publicaccedilatildeo
16
(em 1949) o ensaio de Marshall continua a ser a referecircncia teoacuterica fundamental
para quem comeccedila a refletir sobre a cidadania na sociedade contemporacircnea eacute o
que se pode constatar de resto atraveacutes da consulta a mais recente bibliografia
dedicada a esse tema
Os Direitos Civis dentro da tradiccedilatildeo apresentada por Marshall estatildeo
ligados aos direitos fundamentais do homem como o direito agrave vida agrave liberdade agrave
propriedade e agrave igualdade perante a lei Jaacute os Direitos Poliacuteticos se referem agrave
participaccedilatildeo do cidadatildeo no governo da sociedade Seu exerciacutecio eacute limitado a uma
reduzida parcela da populaccedilatildeo e consiste na capacidade de fazer demonstraccedilotildees
poliacuteticas formar e participar de agremiaccedilotildees poliacuteticas organizar partidos votar e ser
votado Em geral quando se fala de direitos poliacuteticos
Eacute do direito do voto que se estaacute falando Por fim aparecem os Direitos Sociais que garantem a participaccedilatildeo no governo da sociedade e na riqueza coletiva Eles incluem o direito agrave educaccedilatildeo ao trabalho ao salaacuterio justo agrave sauacutede e agrave aposentadoria (CARVALHO 2002)
Eacute a soma desses direitos (civis poliacuteticos e sociais) que garantem a
emancipaccedilatildeo humana e a justiccedila social Certamente Marshall descreveu a evoluccedilatildeo
da cidadania em seu paiacutes de origem ou seja a Inglaterra Foi nesse paiacutes que
surgiram inicialmente os direitos civis no seacuteculo XVIII depois vieram os direitos
poliacuteticos (XIX) e por fim os direitos sociais (XX) Trata-se portanto de verdadeiras
conquistas da contemporaneidade E como tal fazem parte de um cotidiano em que
homens e mulheres lutam por dias melhores pelo Direito justo por uma cidadania
plena e eficaz por uma convivecircncia equilibrada pela existecircncia plena daqueles que
acreditam e defendem os valores por traacutes da dignidade da pessoa humana
12 A construccedilatildeo da cidadania
A Cidadania natildeo pode ser vista como um conceito estaacutetico pois ela natildeo se
resume somente em participaccedilatildeo atraveacutes de eleiccedilotildees mas sim como uma
construccedilatildeo da democracia politizada e participativa da construccedilatildeo do poder
17
Nas uacuteltimas deacutecadas o Brasil passou por significativas mudanccedilas de
paradigmas dentre os quais podemos citar a reconstruccedilatildeo do conceito proposto de
cidadania Pode-se dizer que apesar das inuacutemeras desigualdades socioeconocircmicas
o termo ldquocidadaniardquo evoluiu ampliando-se a abrangecircncia de sua concepccedilatildeo
abarcando todas as categorias sociais Para tanto para que possamos compreender
como vem se dando essa evoluccedilatildeo eacute preciso que conheccedilamos como tem se dado a
construccedilatildeo histoacuterica da representaccedilatildeo simboacutelica da cidadania
Durante toda a sua evoluccedilatildeo histoacuterica a palavra cidadania e as vaacuterias facetas
que ela assumiu nas uacuteltimas deacutecadas vecircm convivendo de perto com dissensotildees
sociais interesses e conflitos ideoloacutegicos culturais e poliacuteticos que se dedicam a
defender ou construir um modelo de cidadania compatiacutevel com as conjunturas de
cada tempo e de cada lugar
A marcha da cidadania sempre esteve ligada a avanccedilos retrocessos crises e
vitoacuterias enfim a iniciativas voltadas para a implantaccedilatildeo de uma estrateacutegia de luta
pelos direitos humanos pois ela esteve e estaacute em permanente construccedilatildeo eacute como
dizem os grandes teoacutericos um referencial de conquista da humanidade atraveacutes
daqueles que sempre lutaram e lutam por mais direitos mais liberdade melhores
garantias sejam elas individuais ou coletivas e natildeo se conformam frente agraves
dominaccedilotildees arrogantes de um pequeno grupo dominador e opressor contra uma
maioria desassistida e que natildeo se consegue fazer ouvir exatamente porque se lhe
nega a cidadania plena cuja conquista ainda que tardia natildeo seraacute obstada
Os caminhos trilhados pelos que defendem a cidadania podem vir a
apresentar em termos de sentimento constitucional a luta por um Estado
Democraacutetico de Direito que ajude na construccedilatildeo de uma adequada compreensatildeo
das situaccedilotildees de conjuntura e dos problemas estruturais que a sociedade enfrenta
dia apoacutes dia situaccedilotildees essas que se congregam para gerar a falta de efetividade
normativa da nossa Constituiccedilatildeo Aleacutem disso oferecem um amplo panorama acerca
dos esforccedilos que os povos empreenderam para fundar os alicerces das democracias
constitucionais do mundo moderno
A histoacuteria da construccedilatildeo da cidadania eacute uma histoacuteria de resistecircncias de povos
contra as opressotildees dos governos do desespero e das necessidades das massas eacute
a histoacuteria da esperanccedila e do empenho das naccedilotildees a histoacuteria da convivecircncia das
paixotildees humanas do futuro das geraccedilotildees eacute a histoacuteria do sofrimento e da dor eacute a
histoacuteria das vicissitudes e dramas do proacuteprio fenocircmeno humano
18
13 Cidadania um fenocircmeno cultural
A cidadania eacute um fenocircmeno cultural relacionada com a conquista de direitos
com as construccedilotildees das instituiccedilotildees com a proteccedilatildeo dos direitos fundamentais e
dos valores juriacutedicos e humanos Trata-se de uma realidade cultural cuja finalidade eacute
determinar o modo como agraves pessoas devem vincular-se agraves mudanccedilas nas estruturas
sociais determinando o modo como agraves pessoas devem atuar e (com) viver em
sociedade
De certo modo a cidadania como o Direito e todos os direitos representa uma
conquista da cultura frente agrave conflitiva natureza humana Tal conclusatildeo ajuda a
compreender o Estado Democraacutetico de Direito e tudo aquilo que ele simboliza em
termos de emancipaccedilatildeo da pessoa humana Nessa linha a necessidade de
compreender o conceito atual de cidadania agrave luz das questotildees culturais e sociais
postas pela sociedade poacutes-moderna veio-nos como heranccedila do processo cultural de
formaccedilatildeo das democracias modernas
Essa representaccedilatildeo cultural da cidadania vem sendo tratada pelos
pensadores modernos sob vaacuterios enfoques Num primeiro momento surge assim
por exemplo a cidadania civil que marcou a superaccedilatildeo da situaccedilatildeo observada na
Idade Meacutedia garantindo os direitos quanto agrave liberdade e agrave justiccedila e vinculando-se
diretamente agrave burguesia Jaacute a cidadania poliacutetica surgiu com a universalizaccedilatildeo de seu
proacuteprio conceito e com a ampliaccedilatildeo dos direitos civis Esta nova consciecircncia sobre
as diferenccedilas no interior do status de cidadatildeo acentua os debates sobre a exclusatildeo
social os direitos humanos e mesmo sobre a atuaccedilatildeo poliacutetica da sociedade civil Por
outro lado no atual estaacutegio do capitalismo falar em cidadania significar considerar
igualmente as proacuteprias mudanccedilas ocorridas na sociedade nos valores e na
educaccedilatildeo proporcionados pelas inovaccedilotildees da realidade tecnocientifica
Temos desse modo associado ao atual conceito de cidadania um repertoacuterio
teoacuterico e mesmo praacutetico cuja amplitude acompanha o proacuteprio desenvolvimento das
sociedades poacutes-modernas dando a impressatildeo crescente como afirma Harvey
19
De uma poderosa configuraccedilatildeo de novos sentimentos e pensamentos Que parecia a caminho de desenvolvimento social e poliacutetico apenas em virtude da maneira como definia padrotildees de criacutetica social e de praacutetica poliacutetica Em anos recentes ele vem determinando os padrotildees de debate definindo o modo do lsquodiscursorsquo e estabelecendo paracircmetros para a criacutetica cultural poliacutetica e cultural (1992)
Contudo a extensatildeo desses direitos agrave totalidade da populaccedilatildeo natildeo
possibilitou a garantia da liberdade e da igualdade idealizadas por Rousseau em sua
obra ldquoO Contrato Socialrdquo Por outro lado pode-se dizer que todos esses anos de
desenvolvimento acabaram por afirmar que a cidadania de fato soacute pode se constituir
por meio de acirrada luta cotidiana por direitos e pela garantia daqueles que jaacute
existem
Mais do que isso nota-se maior preocupaccedilatildeo com a difusatildeo desses direitos
seja por meio de educaccedilatildeo formal seja pelos meios de comunicaccedilatildeo Livros
didaacuteticos e paradidaacuteticos tecircm fomentado a discussatildeo sobre o status de cidadatildeo e os
direitos humanos outros associam ao desenvolvimento da cidadania uma
discussatildeo sobre os meios de comunicaccedilatildeo e o proacuteprio capitalismo como afirma o
professor Dalmo de Abreu Dallari em Cidadania e Direitos Humanos (1998)
Nessa perspectiva problemas recorrentes como as violaccedilotildees dos direitos
humanos as ineficiecircncias no campo social e o processo de pauperizaccedilatildeo
manifestado na periferia do capitalismo mostram que a cidadania exige mais do que
o simples ato de votar ou de pertencer a uma sociedade poliacutetica Cabe portanto agrave
sociedade civil caraacuteter representativo que substitua as pressotildees ou mesmo a
atuaccedilatildeo legiacutetima dos cidadatildeos
A evoluccedilatildeo da cidadania portanto consiste na lenta construccedilatildeo da
democracia que sintetiza os esforccedilos para a obtenccedilatildeo das prerrogativas ideoloacutegicas
e culturais que tecircm levado os membros da sociedade a decidirem acerca da
realidade que os cercam
14 Cidadania no Brasil breves consideraccedilotildees
Discorrer sobre a construccedilatildeo da cidadania no Brasil eacute tocar num ponto
crucial da nossa histoacuteria Passados mais de 500 anos da chegada dos portugueses
20
por estas paragens percebe-se que a consolidaccedilatildeo da cidadania ainda eacute um desafio
para todos os brasileiros
O tema cidadania muito se tem discutido na academia e fora dela o jargatildeo
da cidadania estaacute na moda nas instituiccedilotildees poliacuteticas e juriacutedicas como tambeacutem na
opiniatildeo puacuteblica mas concretamente eacute um conceito ainda a ser construiacutedo
No contexto histoacuterico-cultural e poliacutetico dos gregos especificamente por
volta do ano 380 aC (periacuteodo do apogeu daquela civilizaccedilatildeo) embora a cidadania
fosse limitada a uma parcela social minoritaacuteria pode-se afirmar que tanto a
democracia quanto a cidadania grega natildeo deixam de ser conquistas ineacuteditas e
avanccedilos significativos para a histoacuteria ocidental Jaacute a evoluccedilatildeo e a real consolidaccedilatildeo
da cidadania na modernidade nascem a partir dos direitos naturais (vida
propriedade liberdade) do homem liberal burguecircs garantido pelas consecutivas
ldquoDeclaraccedilotildees de Direitosrdquo elaboradas a partir das revoluccedilotildees liberais na Inglaterra
(Revoluccedilatildeo Gloriosa 1688-89) Estados Unidos (Emancipaccedilatildeo poliacutetica 1776) Franccedila
(Revoluccedilatildeo Francesa)
No entanto pode-se dizer que o nosso paiacutes apesar da influecircncia dos paiacuteses
europeus vivenciou como ainda vivencia uma difiacutecil construccedilatildeo da cidadania
A longa histoacuteria do Brasil vem elencando razotildees profundas para a nossa
natildeo-cidadania atual a exemplo da conquista (ou invasatildeo) do nosso territoacuterio o
grande latifuacutendio a escravidatildeo a monocultura de exportaccedilatildeo o analfabetismo a
perpetuaccedilatildeo das elites poliacuteticas no poder fatores que refletem nos viacutecios da vida
social cultural poliacutetica e econocircmica do paiacutes
Fundamentalmente eacute preciso afirmar que no Brasil a construccedilatildeo da
cidadania natildeo seguiu a loacutegica da trajetoacuteria inglesa Houve no Brasil segundo
Carvalho (2002) pelo menos duas diferenccedilas importantes
A primeira refere-se agrave maior ecircnfase em um dos direitos o social em relaccedilatildeo aos outros a segunda refere-se agrave alteraccedilatildeo na sequecircncia em que os direitos foram adquiridos entre noacutes o social precedeu os outros
Uma das razotildees fundamentais das dificuldades da construccedilatildeo da cidadania
estaacute ligada como nos diz Carvalho ao ldquopeso do passadordquo mais especificamente ao
periacuteodo colonial (1500-1822) quando
21
Os portugueses tinham construiacutedo um enorme paiacutes dotado de unidade territorial linguiacutestica cultural e religiosa Mas tinham deixado uma populaccedilatildeo analfabeta uma sociedade escravocrata uma economia monocultora e latifundiaacuteria um Estado Absolutista (CARVALHO 2002)
Em suma foram 322 anos sem poder puacuteblico sem Estado sem naccedilatildeo e
cidadania Diante de tatildeo obscuro cenaacuterio de dominaccedilatildeo opressatildeo dentre outras
formas de natildeo efetivaccedilatildeo da cidadania no Brasil podemos elencar dentre outros
tantos fatores quais foram os principais obstaacuteculos para a construccedilatildeo da cidadania
brasileira O latifuacutendio agro-exportador do periacuteodo colonial bem como o escravismo
o analfabetismo marcaram negativamente nossas origens e ateacute hoje dificultam
avanccedilos no acircmbito poliacutetico-social e econocircmico Aleacutem dessas outras razotildees foram e
continuam sendo entraves para a consolidaccedilatildeo das instituiccedilotildees poliacutetica que
impedem os avanccedilos necessaacuterios para uma cidadania plena Na ordem poliacutetica
permanecem ainda algumas mazelas histoacutericas como o patrimonialismo
(promiscuidade entre o puacuteblico e o privado) o coronelismo com sua nova roupagem
o clientelismo aleacutem da corrupccedilatildeo entre outros
Mesmo diante de tatildeo vergonhoso cenaacuterio natildeo podemos nos dispensar que
tambeacutem alcanccedilamos mesmo que de forma tiacutemida significativas conquistas de
direitos no Brasil comparadas com outros paiacuteses que vivenciaram um processo de
colonizaccedilatildeo semelhante ao nosso A conquista desses direitos deu-se de maneira
tardia e inversa haja vista que somente em 1824 mais de 320 anos apoacutes a chegada
dos portugueses foi que surgiram os primeiros direitos civis e poliacuteticos (antes disso
estaacutevamos submetidos agrave lei da coroa portuguesa) Aos poucos surgiram os direitos
sociais mas exatamente no momento em que os direitos civis e poliacuteticos estavam
sendo negados no periacuteodo da ditadura de Vargas (1937-45) e na ditadura militar
(1964-1985) Parece um paradoxo mas foi exatamente nesse periacuteodo de
conturbaccedilotildees poliacuteticas que marchamos em direccedilatildeo agrave conquista de significativos
direitos que iriam projetar uma ideia de lutas e vitoacuterias que se projetariam no campo
da cidadania de modo bastante concreto
Por fim haveremos de concordar com Benevides (1994) ao afirmar que no
intuito de reverter agrave realidade poliacutetico-social excludente ou de uma cidadania
passiva ou sem ldquopovordquo eacute necessaacuterio recorrer agrave defesa de mecanismos institucionais
22
como o referendo o plebiscito e a iniciativa popular para a construccedilatildeo do que ela
chama de uma cidadania ativa ou democracia semidireta Alguns autores veem
dificuldades na implementaccedilatildeo desse sistema em paiacuteses que estatildeo em processo de
democratizaccedilatildeo no entanto logo em seguida apontam para a educaccedilatildeo poliacutetica ndash
entendida como educaccedilatildeo para a cidadania ativa
Desse modo pode-se proferir que todos esses anos de desenvolvimento
acabaram por afirmar que a cidadania de fato soacute pode se constituir por meio de
acirrada luta cotidiana por direitos e pela garantia daqueles que jaacute existem pois
apesar da existecircncia de profundas desigualdades sociais a ideia de cidadania
evoluiu com o passar dos anos Ampliou-se a abrangecircncia de sua concepccedilatildeo
abraccedilando todas as classes sociais e minorias Deixou de restringir-se apenas agrave
participaccedilatildeo poliacutetica para relacionar uma seacuterie de deveres da sociedade para com o
cidadatildeo Na praacutetica ainda haacute muito que se fazer para que direitos e deveres sejam
os mesmos para todos No entanto a busca pela realizaccedilatildeo da maacutexima ldquocada
homem um votordquo continua a ser perseguida
A luta pela conquista plena da cidadania eacute parte integrante da democracia
uma vez que assegura a continuidade das transformaccedilotildees juriacutedicas poliacuteticas entre
outras Natildeo resta duacutevida acerca do papel estruturante que essa luta desempenha no
quadro das democracias contemporacircneas fato que a converte em uma irresistiacutevel
conquista da modernidade O caraacuteter estruturante que a cidadania projeta nos
quadros da democracia atual estaacute ligado a permanente busca de um Estado
compatiacutevel com a realidade de cada tempo histoacuterico
23
CAPIacuteTULO 2 - CIDADANIA Agrave LUZ DA CONSTITUICcedilAtildeO FEDERAL DE
1988
A Constituiccedilatildeo eacute a ordem juriacutedica fundamental da comunidade nas palavras
de Konrad Hesse (apud PALU 2001) eacute um documento juriacutedico e poliacutetico dirigido aos
cidadatildeos e estes satildeo os seus primeiros destinataacuterios A Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica eacute
a Lei fundamental composta por um conjunto de normas baacutesicas que compotildeem a
estrutura juriacutedica poliacutetica social e econocircmica de um paiacutes Essa eacute razatildeo pela qual
ela eacute chamada de Carta Magna pois a ela nada se sobrepotildee Para Dallari (1985) a
Constituiccedilatildeo
[] eacute a declaraccedilatildeo da vontade poliacutetica de um povo feita de modo solene por meio de uma lei que eacute superior a todas as outras que visando agrave proteccedilatildeo da dignidade humana estabelece os direitos e as responsabilidades fundamentais dos indiviacuteduos dos grupos sociais do povo e do governo
Desta forma uma Constituiccedilatildeo natildeo surge do nada ela eacute resultado de
observaccedilotildees e experiecircncias e sua finalidade eacute de afirmar e garantir os direitos
elementares das pessoas humanas disciplinar o uso ao mesmo tempo em que
evita o abuso de poder organizando de forma racional a sociedade e o governo
Satildeo inegaacuteveis as inovaccedilotildees teacutecnicas trazidas pela Constituiccedilatildeo Brasileira de
1988 no campo da instituiccedilatildeo garantia e proteccedilatildeo dos direitos fundamentais A
dignidade da pessoa humana e o exerciacutecio da cidadania satildeo considerados princiacutepios
fundamentais da Carta Magna Brasileira de 1988
Cidadania direito a ter direitos na acepccedilatildeo de Haberle ( apud VALADEacuteS
2009) refere-se a todos os direitos previstos na Constituiccedilatildeo de 1988 e ainda
aqueles natildeo expressos mas decorrentes do regime e dos princiacutepios por ela
adotados na dicccedilatildeo do sect 2deg art 5deg
O princiacutepio fundamental da cidadania conforme jaacute exposto impregna todo o
texto constitucional vigente a partir do art 1deg II em que figura de forma
24
exponencial relativamente ao Estado brasileiro e tudo que lhe corresponda no
exerciacutecio de um poder que adquire significaccedilatildeo renovada e amplificada na
sociedade contemporacircnea Segundo Arendt
A cidadania eacute o direito a ter direitos pois a igualdade em dignidade e direitos dos seres humanos natildeo eacute um dado Eacute um construiacutedo da convivecircncia coletiva que requer o acesso ao espaccedilo puacuteblico Eacute este acesso ao espaccedilo puacuteblico que permite a construccedilatildeo de um mundo comum atraveacutes do processo de asserccedilatildeo dos direitos humanos
Nesse diapasatildeo o direito a ter direitos compreende o pleno acesso ao
espaccedilo puacuteblico o efetivo exerciacutecio do poder poliacutetico das prerrogativas inerentes agrave
cidadania conforme explicita a Constituiccedilatildeo no art 5deg LXXI a propoacutesito do
mandado de injunccedilatildeo no dizer todo direito atribuiacutedo com o caraacuteter de exclusividade
agrave pessoa
21 Estado Democraacutetico de Direito espaccedilo de cidadania
Apoacutes a eacutepoca de grandes restriccedilotildees militares o ato de promulgaccedilatildeo da
Constituiccedilatildeo Federal em 05 de outubro de 1988 vem marcar uma nova fase de
esperanccedila para os brasileiros Ao batizaacute-la de Constituiccedilatildeo cidadatilde a Assembleia
Nacional Constituinte atraveacutes de seu presidente o Deputado Ulisses Guimaratildees
resumiu o espiacuterito do texto constitucional assegurar aos brasileiros direitos sociais
essenciais ao exerciacutecio da cidadania e estabelecer mecanismos para garantir o
cumprimento de tais direitos
O que se viu a partir de entatildeo foi uma lenta poreacutem significativa mudanccedila na
sociedade brasileira A Constituiccedilatildeo Federal que eacute sem duacutevidas um marco na
histoacuteria do paiacutes traccedila a prioridade dada pelos constituintes aos direitos dos
brasileiros que pode ser observada em todas as questotildees
A Carta faz uma ampliaccedilatildeo dos direitos individuais sociais e poliacuteticos e como
se observa a inserccedilatildeo dos direitos sociais como segundo tiacutetulo revela a primazia
que o constituinte quis daacute a estes direitos em detrimento de todos os outros
incluindo os referentes agrave organizaccedilatildeo do Estado e dos Poderes que vecircm depois
25
Ao contraacuterio do que ocorreu com as Constituiccedilotildees anteriores esse
ordenamento dos capiacutetulos parece revelar que a Carta eacute o prenuacutencio de um paiacutes em
que os direitos dos cidadatildeos formam a base do ordenamento do Estado Essa ideia
foi expressa pelo presidente da Assembleacuteia Constituinte deputado Ulysses
Guimaratildees que voltamos a citar quando anunciou
Diferentemente das sete constituiccedilotildees anteriores esta comeccedila com o homem De modo gratificante testemunha a primazia do homem que foi escrita para o homem que o homem eacute seu fim e sua esperanccedila Eacute a Constituiccedilatildeo cidadatilde
A Constituiccedilatildeo nasceu da constataccedilatildeo de que o figurino juriacutedico formulado
para o Brasil desde os primoacuterdios do Estado nacional natildeo se compatibilizava com as
necessidades dos brasileiros Houve avanccedilos na formalizaccedilatildeo da Lei Magna
especialmente no tocante aos direitos de cidadania mas estamos longe do ideal
preconizado pela carta cidadatilde O que nos leva a crer que a cidadania eacute um processo
diaacuterio e permanente de construccedilatildeo Pois natildeo basta garantir o direito eacute preciso
exercecirc-lo
A cidadania abraccedilada pela atual Constituiccedilatildeo Federal Brasileira teve seu
conteuacutedo ampliado e natildeo se restringe ao simples fato de possuir um tiacutetulo de eleitor
para votar e ser votado ela estabelece cidadania como princiacutepio fundamental da
Repuacuteblica do Brasil desta forma o conceito decorrente pode ser entendido
conforme preleciona Silva (2005) ldquocidadania estaacute aqui num sentido mais amplo do
que o de titular de direitos poliacuteticos Qualifica os participantes da vida do Estado
reconhecimento do indiviacuteduo como pessoa integrada a sociedade estatalrdquo
Tal conceito nos leva a relacionar cidadania com democracia uma vez que
optou-se pelo Estado Democraacutetico de Direito o qual assenta seus alicerces na
participaccedilatildeo popular em questotildees que envolvem a coisa puacuteblica Para Moraes
(2005) esse Estado de Direito ldquosignifica a exigecircncia de reger-se por normas
democraacuteticas com eleiccedilotildees livres perioacutedicas e pelo povo bem como o respeito das
autoridades puacuteblicas aos direitos e garantias fundamentaisrdquo
O propoacutesito da opccedilatildeo pelo Estado Democraacutetico de Direito eacute que a cidadania e
os demais direitos fundamentais fluam com plenitude talvez seja o que justifique a
denominaccedilatildeo da Carta Magna de cidadatilde pois o povo passa a atuar de forma mais
ativa na vida poliacutetica do Estado uma vez que a ele foi concedido esse poder
26
A cidadania portanto soacute adquire pleno significado no mundo contemporacircneo
num Estado Democraacutetico de Direito para tanto exige um ambiente de vida e de
conviacutevio entre os homens tiacutepico e proacuteprio de um Estado Democraacutetico pois a
cidadania constitui fundamento primordial daquele Estado qual seja possibilitar aos
indiviacuteduos habitantes de um paiacutes o seu pleno desenvolvimento atraveacutes do alcance
de igual dignidade social e econocircmica
Segundo Rozicki (2005) O ambiente de vida social do Estado Democraacutetico
cujos pilares se encontram na efetividade dos direitos fundamentais da pessoa
humana em uma sociedade solidaacuteria soacute eacute possiacutevel atraveacutes da observaccedilatildeo de alguns
postulados que lhe satildeo essenciais os quais a autora denomina de pressupostos do
Estado democraacutetico de Direito
1)a valorizaccedilatildeo e atualidade da dignidade do homem e o reconhecimento da importacircncia de dispensar a todos tratamento fraternal igualitaacuterio e natildeo discriminativo 2) a confianccedila nos talentos e possibilidades latentes dos homens 3) a seguranccedila e o creacutedito nos valores institucionalizados pelas massas como fundamentos para o progresso do bem comum e o alcance da justiccedila 4) a aceitaccedilatildeo da legitimidade das decisotildees tomadas por meio de processos racionais e participativos de deliberaccedilatildeo com o consenso da maioria que constitui o reflexo o resultado de debates livres entre todos 5) o respeito aos grupos minoritaacuterios 6) e a compreensatildeo de que todo o interesse geral eacute a siacutentese dos diversos interesses e ideacuteias dos indiviacuteduos e dos grupos diferentes centros de poder que integram a sociedade pluralista
Percebe-se que o conceito amplo de cidadania encontra seus princiacutepios
baacutesicos e estruturantes nesses pressupostos intimamente ligado aos conceitos de
democracia e de igualdade No tocante ao conceito de igualdade elucidativa eacute a
liccedilatildeo de Rozicki (2005) quando afirma que
O princiacutepio de igualdade disciplina todas as atividades puacuteblicas e tem aplicaccedilatildeo direta nas relaccedilotildees privadas que ocorrem entre os particulares impondo para tornaacute-lo real a proibiccedilatildeo de discriminaccedilotildees e a eliminaccedilatildeo das desigualdades faacuteticas nos planos social e econocircmico proporcionando a todos os cidadatildeos igual condiccedilatildeo de vida e mesma posiccedilatildeo perante o Estado Democraacutetico
E complementa que tambeacutem para a realizaccedilatildeo da cidadania o princiacutepio
democraacutetico torna indispensaacutevel agrave participaccedilatildeo popular nas tomadas de decisatildeo No
seu entender
27
A cidadania no Estado democraacutetico de direito efetivada oferece aos cidadatildeos como iguais condiccedilotildees de existecircncia o gozo atual de direitos e a obrigaccedilatildeo do cumprimento de deveres que resumidamente podem ser assim apresentados exerciacutecio de direitos fundamentais e participaccedilatildeo e os deveres de colaboraccedilatildeo e solidariedade (Rozicki 2005)
Natildeo obstante eacute vaacutelido ressaltar um princiacutepio igualmente importante e deveras
esquecido a fraternidade Este princiacutepio que eacute um dos trecircs pilares da Revoluccedilatildeo
Francesa eacute pouco discutido apesar de assumir um papel decisivo na consolidaccedilatildeo
da democracia da politica e do poder
A fraternidade eacute necessaacuteria para o estabelecimento de uma comunidade
politicamente solidaacuteria com indiviacuteduos iguais e livres
Para finalmente concebermos um Estado Democraacutetico de Direito que trate os
iguais na medida de suas desigualdades
22 Os direitos fundamentais como pressupostos de identidade da cidadania
Os direitos fundamentais vistos como um dos traccedilos mais marcante do
constitucionalismo moderno consistem no resultado da luta dos homens por um
direito ideal justo e humano representam situaccedilotildees reconhecidas juridicamente
sem as quais o homem eacute incapaz de alcanccedilar sua proacutepria realizaccedilatildeo e
desenvolvimento plenamente daiacute dizer-se que o princiacutepio preponderante que
condensa os direitos fundamentais eacute o da dignidade da pessoa humana
Os direitos fundamentais satildeo o conjunto de normas de um ordenamento juriacutedico que formam um subsistema deste fundado na liberdade na igualdade na seguridade na solidariedade expressotildees da dignidade do homem que formam parte da norma baacutesica material de identificaccedilatildeo do ordenamento juriacutedico e constitui um setor de moralidade procedimental positivada que legitima o Estado Social de Direito (MARTINEZ apud AGRA 2002)
Tais direitos foram e vatildeo sendo aperfeiccediloados e estendidos ao longo do
tempo resta dizer que os mesmos estabelecem faculdades da pessoa humana que
permitem sua breve classificaccedilatildeo do seguinte modo 1) os direitos civis e poliacuteticos
de liberdade como por exemplo a liberdade de expressatildeo de propriedade de
28
manifestaccedilatildeo do pensamento de associaccedilatildeo de imprensa de reuniatildeo de igualdade
formal perante a lei de participaccedilatildeo poliacutetica o devido processo legal o habeas
corpus o direito de peticcedilatildeo etc 2) os direitos sociais econocircmicos e culturais de
participaccedilatildeo poliacutetica tais como a igualdade de sufraacutegio o direito de voto e de
elegibilidade o direito de peticcedilatildeo e os direitos de participaccedilatildeo poliacutetica 3) os direitos
da titularidade coletiva que satildeo aqueles ligados a solidariedade e a fraternidade
como por exemplo o direito agrave preservaccedilatildeo do meio ambiente e agrave qualidade de vida
etc 4) os direitos chamados de quarta geraccedilatildeo por exemplo direito a democracia a
informaccedilatildeo ao comeacutercio eletrocircnico entre os estados etc
Natildeo existe qualquer relaccedilatildeo hieraacuterquica entre estes direitos mesmo porque
todos interagem entre si de nada servindo um sem a existecircncia dos outros Esta
divisatildeo acontece devido agrave eterna e constante busca do homem por mais proteccedilatildeo
mais garantia com o objetivo de alcanccedilar uma sociedade mais justa igualitaacuteria e
fraterna
Na evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais Agra (2002) chama a atenccedilatildeo do
relevo que adquirem a democratizaccedilatildeo da informaccedilatildeo e os mecanismos de
democracia participativa E justifica que a democratizaccedilatildeo da informaccedilatildeo natildeo se
caracteriza apenas pela existecircncia de uma miacutedia plural sem nenhum tipo de
monopoacutelio mas deve ser concebida como a obrigaccedilatildeo que todos os cidadatildeos tecircm
de tomar consciecircncia dos graves problemas que afligem a humanidade e que os
mecanismos da democracia participativa concebem a cidadania em extensatildeo muito
superior ao voto abrangendo a interferecircncia direta do cidadatildeo nas decisotildees
governamentais mediante vaacuterios mecanismos juriacutedicos como o plebiscito o recall o
orccedilamento participativo etc
De acordo com Silva (2005) os Direitos Fundamentais na Constituiccedilatildeo de
1988 abrangem os ldquodireitos individuais sociais poliacuteticos e tambeacutem os direitos
econocircmicos Para o autor a ampliaccedilatildeo e transformaccedilatildeo dos direitos fundamentais
do homem na histoacuteria dificultam uma definiccedilatildeo sinteacutetica do conceitordquo
Essa dificuldade aumenta diante do emprego de vaacuterias expressotildees para
designaacute-los tais como direitos naturais direitos humanos direitos do homem
direitos individuais direitos puacuteblicos subjetivos liberdades fundamentais liberdades
puacuteblicas e direitos fundamentais do homem No entanto direitos fundamentais do
homem constitui a expressatildeo mais adequada porque na palavra fundamentais
acha-se a indicaccedilatildeo de que se trata de situaccedilotildees sem as quais o indiviacuteduo natildeo tem
29
uma vida digna natildeo convive e agraves vezes nem mesmo sobrevive A expressatildeo
direitos fundamentais eacute a mais precisa no sentido de que a todos por igual devem
ser natildeo apenas formalmente reconhecidos mas concreta e materialmente
efetivados
Por sua vez a atual Corte em julgamento do habeas corpus (HC ndeg
82424RS) marca seu posicionamento no tocante ao sistema de direitos
fundamentais insculpido na Constituiccedilatildeo de 1988 atraveacutes dos profundos e bem
fundamentados votos dos Ministros que aleacutem de delimitarem a extensatildeo e os limites
da liberdade de expressatildeo (art 5o IV e IX) acabaram indicando as bases filosoacuteficas
e juriacutedicas para a interpretaccedilatildeo do cataacutelogo de direitos fundamentais da Constituiccedilatildeo
de 1988
Nesse sentido o voto do Ministro Marco Aureacutelio tratou de definir o sistema de
direitos fundamentais como a ldquoproacutepria essecircncia da Constituiccedilatildeordquo qualificando-os
como ldquovalores objetivos que servem como norte da atuaccedilatildeo estatalrdquo Assim estaacute
consignado nos fundamentos do referido voto
A Constituiccedilatildeo de 1988 representou um divisor de aacuteguas entre o antigo regime totalitaacuterio e um periacuteodo de redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes marcando dessa forma uma eacutepoca que tem como modelo de atuaccedilatildeo do Estado o respeito incondicional aos direitos fundamentais Por isso mesmo o sistema constitucional dos direitos fundamentais previsto no artigo 5o da Carta com os eventuais acreacutescimos do sect 2o reflete em rigor e em larga medida a proacutepria essecircncia da Constituiccedilatildeo e a retomada do processo de democratizaccedilatildeo e da garantia do cidadatildeo contra abusos e arbitrariedades no exerciacutecio do Poder Puacuteblico Os direitos fundamentais satildeo hoje verdadeiros princiacutepios estruturantes da organizaccedilatildeo e do funcionamento do Estado valores objetivos que servem como norte da atuaccedilatildeo estatal em seus mais diferentes niacuteveis no Legislativo formam um cataacutelogo de princiacutepios e garantias que informam e direcionam toda a atividade de criaccedilatildeo das normas de nosso ordenamento juriacutedico e de concretizaccedilatildeo dos preceitos constitucionais no Executivo mostram-se como verdadeiros limites ao exerciacutecio do poder administrativo servindo como trincheiras de proteccedilatildeo da liberdade do cidadatildeo e no judiciaacuterio refletem a base e o fundamento necessaacuterio da compreensatildeo e interpretaccedilatildeo de nossas normas ndash efeito interpretativo - evitando que a atividade jurisdicional se transforme em medidas discricionaacuterias ou providecircncias ilegiacutetimas de opccedilotildees poliacuteticas pautadas em escolhas pessoais dos juiacutezes
Tudo indica que se trata do iniacutecio de uma soacutelida construccedilatildeo jurisprudencial a
respeito do sentido axioloacutegico do sistema de direitos fundamentais da Constituiccedilatildeo
de 1988
30
Os Direitos Individuais satildeo de exerciacutecio exclusivo do indiviacuteduo e devem ser
formalmente reconhecidos e concretizados no cotidiano do cidadatildeo O indiviacuteduo aqui
eacute considerado um sujeito de direitos e natildeo apenas como integrante de um corpo
social Esses direitos natildeo podem sofrer nenhum tipo de restriccedilatildeo natildeo se
discriminando quem os pode exercer uma vez que satildeo titulares todas as pessoas
capazes incapazes brasileiras estrangeiras alfabetizadas e iletradas
A Constituiccedilatildeo Cidadatilde foi a primeira a estabelecer direitos natildeo soacute de
indiviacuteduos mas tambeacutem de grupos sociais os denominados direitos coletivos Com
isso as pessoas passaram a ser coletivamente consideradas Os direitos individuais
e coletivos estatildeo anunciados no art 5ordm em setenta e sete incisos e em dois
paraacutegrafos
Verifica-se que os Direitos Individuais tecircm como ponto marcante a liberdade
seja ela tomada de maneira global ou especiacutefica como liberdade de associaccedilatildeo de
reuniatildeo A liberdade de reuniatildeo (art 5ordm XVI) constitui-se na primeira e mais simples
liberdade corporativa estando logo apoacutes a liberdade de locomoccedilatildeo
Os Direitos Sociais tecircm como titular uma coletividade e satildeo caracterizados
pela prestaccedilatildeo de serviccedilos ou oferecimento de melhorias para a sociedade como um
todo por parte do Poder Puacuteblico Assim os Direitos Sociais tornam possiacutevel a fruiccedilatildeo
e o exerciacutecio dos Direitos Individuais pela coletividade mesmo pelos carentes
materialmente
O art 6deg define os Direitos Sociais da seguinte maneira ldquoSatildeo Direitos Sociais
a educaccedilatildeo a sauacutede o trabalho a moradia o lazer a seguranccedila a previdecircncia
social a proteccedilatildeo agrave maternidade e agrave infacircncia a assistecircncia aos desamparados na
forma desta Constituiccedilatildeordquo
Portanto eacute obrigatoacuteria ao Estado a proteccedilatildeo dos interesses da coletividade
com o atendimento dos direitos acima citados
Satildeo direitos poliacuteticos os que conferem o acesso da populaccedilatildeo agrave participaccedilatildeo
no Poder do Estado tais como os direitos de votar e ser votado do referendo
plebiscito e iniciativa popular das leis O direito democraacutetico de participaccedilatildeo dos
cidadatildeos no governo por meio de seus representantes exigiu a formaccedilatildeo de um
conjunto de normas legais permanentes que recebeu a denominaccedilatildeo de direitos
poliacuteticos Os Direitos Poliacuteticos amparam os Direitos Individuais Sociais e
Econocircmicos pois quando desaparece a democracia desaparecem imediatamente
as liberdades fundamentais
31
Com o advento da Constituiccedilatildeo de 1988 foram criadas instituiccedilotildees para
fiscalizar e controlar a atuaccedilatildeo da administraccedilatildeo puacuteblica entre as quais o Ministeacuterio
Puacuteblico que funciona como um canal de expressatildeo dos direitos da populaccedilatildeo
O Ministeacuterio Puacuteblico foi a instituiccedilatildeo que mais ganhou importacircncia no cenaacuterio
puacuteblico por ter passado a defender os interesses coletivos ou seja os interesses de
um grupo categoria ou classe e natildeo de um indiviacuteduo isolado No artigo 127 o
Ministeacuterio Puacutebico (MP) eacute definido como ldquouma instituiccedilatildeo permanente essencial agrave
funccedilatildeo jurisdicional do Estado incumbindo-lhe a defesa da ordem juriacutedica do regime
democraacutetico e dos interesses sociais e individuais indispensaacuteveisrdquo
Cabe ao Ministeacuterio Puacuteblico exigir dos poderes puacuteblicos e dos serviccedilos de
relevacircncia puacuteblica respeito aos direitos elencados na Constituiccedilatildeo promovendo as
medidas necessaacuterias agrave garantia desses direitos Portanto eacute responsaacutevel pela
garantia da ordem juriacutedica do regime democraacutetico da moralidade puacuteblica e dos
direitos sociais e individuais
23 A consagraccedilatildeo dos direitos do cidadatildeo
A Constituiccedilatildeo de 1988 eacute o coroamento da histoacuteria constitucional do Brasil por
ter sido um marco da redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes opondo-se a qualquer forma de
autoritarismo Nela a cidadania foi consagrada como um dos fundamentos da
Repuacuteblica Federativa do Brasil (art 1ordm inc II) Observe-se que o termo cidadania
encontra-se na Constituiccedilatildeo em sentido mais amplo do que o de titular de direitos
poliacuteticos pois qualifica os participantes da vida do Estado e reconhece o indiviacuteduo
como pessoa integrada na sociedade estatal
Essa nova concepccedilatildeo de cidadania introduzida pela Constituiccedilatildeo Federal de
1988 eacute fruto da internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos e como marco principal da
institucionalizaccedilatildeo erigiu em seu artigo primeiro a dignidade da pessoa humana (inc
III) e a cidadania (incII) a princiacutepio fundamental
Institui com o princiacutepio da cidadania uma nova compreensatildeo acerca dos
direitos de deveres da pessoa elevado-o a status maacuteximo a regra-matriz que natildeo
pode ser desrespeitada pois os fundamentos constituem a essecircncia da Repuacuteblica
32
Federativa e servem como regra-matriz para a elaboraccedilatildeo interpretaccedilatildeo e
integraccedilatildeo do sistema juriacutedico nacional
Violar um princiacutepio eacute muito grave que transgredir uma norma qualquer A desatenccedilatildeo ao principio implica ofensa natildeo apenas a um especifico mandamento obrigatoacuterio mas a todo o sistema de comandos Eacute a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade representa insurgecircncia contra todo o sistema subversatildeo de valores fundamentais (MELLO apud CHIMENTI 2005 P 33)
Para Silva (2004) cidadania eacute discriminada como princiacutepio relativo ao regime
poliacutetico Dessa forma compreendida cidadania como princiacutepio fundamental eacute o
direito de participar dos destinos do Estado e mais usufruir dos direitos civis
fundamentais previstos na Constituiccedilatildeo
Muitos doutrinadores utilizam cidadania no mesmo sentido de nacionalidade
(Art 12 da Constituiccedilatildeo Federal) e de direitos poliacuteticos (Art 14) Em alguns outros
dispositivos a palavra cidadania (ou cidadatildeo) poderia ainda ter a significaccedilatildeo de
direitos poliacuteticos mas mesmo assim de forma impliacutecita a exemplo dos arts 22 XIII
e 5ordm LXXIII No primeiro se lecirc que compete agrave Uniatildeo legislar sobre nacionalidade
cidadania e naturalizaccedilatildeo e no segundo que qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima
para propor accedilatildeo popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de
entidade de que o Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e
ao patrimocircnio histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de
custas judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia No entanto conforme Mazzuoli (2002)
Observe-se que a Carta de 1988 ao tratar no seu art 14 dos direitos poliacuteticos natildeo se refere sequer em um momento agrave expressatildeo cidadania dizendo apenas que a soberania popular seraacute exercida pelo sufraacutegio universal e pelo voto direito e secreto com valor igual para todos (hellip) Pelo contraacuterio a Constituiccedilatildeo faz uma separaccedilatildeo entre cidadania e direitos poliacuteticos quando no seu art 68 sect 1ordm II ao tratar das leis delegadas exclui do acircmbito da delegaccedilatildeo legislativa a nacionalidade cidadania direitos individuais poliacuteticos e eleitorais
A Constituiccedilatildeo brasileira de 1988 com a transiccedilatildeo para o regime democraacutetico
consagrou expressamente esta nova concepccedilatildeo de cidadania como se depreende
da leitura de vaacuterios dos seus dispositivos
Foi nesse sentido que pioneiramente estatuiu a Carta de 1988 em seu art
1ordm que a Repuacuteblica Federativa do Brasil formada pela uniatildeo indissoluacutevel dos
33
Estados e Municiacutepios e do Distrito Federal constitui-se em Estado Democraacutetico de
Direito e tem como fundamentos dentre outros a cidadania (inc II) Como jaacute
mencionado
Na mesma esteira o disposto no art 5ordm incisos LXXI (conceder-se-aacute
mandado de injunccedilatildeo sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviaacutevel o
exerciacutecio dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes agrave
nacionalidade agrave soberania e agrave cidadania) e LXXVII (satildeo gratuitas as accedilotildees de
habeas-corpus e habeas-data e na forma da lei os atos necessaacuterios ao exerciacutecio
da cidadania) No seu Tiacutetulo VIII Capiacutetulo II Seccedilatildeo I a Carta Magna de 1988
dispotildee ainda que a
Educaccedilatildeo direito de todos e dever do Estado e da famiacutelia seraacute promovida e incentivada com a colaboraccedilatildeo da sociedade visando ao pleno desenvolvimento da pessoa seu preparo para o exerciacutecio da cidadania e sua qualificaccedilatildeo para o trabalho (art 205)
Outro dispositivo em que fica bastante marcada esta nova concepccedilatildeo de
cidadania eacute o art 64 do Ato das Disposiccedilotildees Constitucionais Transitoacuterias que
dispotildee
A Imprensa Nacional e demais graacuteficas da Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios da administraccedilatildeo direta ou indireta inclusive fundaccedilotildees instituiacutedas e mantidas pelo Poder Puacuteblico promoveratildeo ediccedilatildeo popular do texto integral da Constituiccedilatildeo que seraacute posta agrave disposiccedilatildeo das escolas e dos cartoacuterios dos sindicatos dos quarteacuteis das igrejas e de outras instituiccedilotildees representativas da comunidade gratuitamente de modo que cada cidadatildeo brasileiro possa receber do Estado um exemplar da Constituiccedilatildeo do Brasil
Enfim a Constituiccedilatildeo de 1988 enriqueceu e ampliou os conceitos de cidadatildeo
e cidadania Seu entendimento agora como leciona Silva (2005)
Decorre da ideia de Constituiccedilatildeo dirigente que natildeo eacute apenas um repositoacuterio de programas vagos a serem cumpridos mas constitui um sistema de previsatildeo de direitos sociais mais ou menos eficazes em torno dos quais eacute que se vem construindo a nova ideacuteia de cidadania
De forma que natildeo mais se trata de considerar a cidadania como simples
qualidade de gozar direitos poliacuteticos mas sim de aferir-lhe um nuacutecleo miacutenimo e
irredutiacutevel de direitos (fundamentais) que devem se impor obrigatoriamente agrave accedilatildeo
dos poderes puacuteblicos
34
O ordenamento juriacutedico brasileiro consagrou aleacutem dos institutos jaacute
mencionados alguns outros mecanismos de defesa dos direitos e garantias
constitucionais da cidadania como a accedilatildeo civil puacuteblica regulada pela Lei nordm
734785 e accedilatildeo direta de inconstitucionalidade prevista no incIV do art 129 da
Constituiccedilatildeo Federal O Coacutedigo de Defesa do Consumidor o Estatuto da Crianccedila e
do Adolescente e ateacute mesmo o princiacutepio do devido processo legal que resguarda ao
cidadatildeo o acesso agrave justiccedila e direito de ser acionado judicialmente por meio de
procedimentos legais satildeo mecanismos de defesa dos direitos de cidadania
previstos constitucionalmente e garantidos na esfera poliacutetica civil e social
Pode-se observar que a cidadania comeccedilou a ser construiacuteda como resultado
de um processo de luta a partir da conscientizaccedilatildeo dos direitos e deveres do
homem Como vimos a cidadania jaacute em praacutetica em muitos paiacuteses adquire no
Brasil com a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 um novo sentido qual seja o
pressuposto do exerciacutecio pleno de um sistema de direitos e garantias
35
CAPIacuteTULO 3 - CIDADANIA COMO MECANISMO DE
TRANSFORMACcedilAtildeO SOCIAL
No momento em que a cidadania alccedila voos constitucionais e insere-se na
Carta Poliacutetica da Repuacuteblica Federativa do Brasil inicia-se o processo de
redemocratizaccedilatildeo e ganha relevo o cidadatildeo agente deste processo que tem em
suas matildeos a tarefa da construccedilatildeo de um novo tempo
Historicamente a ideia de cidadatildeo conotava o habitante da cidade ndash o
citadino ndash firma-se entatildeo tal conotaccedilatildeo na Antiguumlidade claacutessica para depois
significar aquele indiviacuteduo a quem se atribuem os direitos poliacuteticos Superada essa
acepccedilatildeo que tambeacutem vigorou nas constituiccedilotildees anteriores da Repuacuteblica do Brasil
na concepccedilatildeo moderna estaacute clara a noccedilatildeo de cidadatildeo como aquele que a quem
consiste a titularidade de direitos individuais poliacuteticos e sociais Noccedilatildeo esta
edificada com a internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos que amplia a acepccedilatildeo do
termo declarando que satildeo cidadatildeos todo aquele que habita o acircmbito da soberania
de um Estado e deste Estado recebem uma carga de direitos e tambeacutem deveres dos
mais variados
Desta forma a noccedilatildeo contemporacircnea de cidadania funda-se na dicotomia
direitos (exerciacutecios de direitos fundamentais - participaccedilatildeo) e deveres (colaboraccedilatildeo -
solidariedade) Ao lado dos direitos foram estabelecidos deveres fundamentais e
portanto tanto agentes puacuteblicos como os indiviacuteduos tecircm obrigaccedilotildees especiacuteficas
inclusive a de respeitar os direitos das demais pessoas que vivem na ordem social
sendo e promovendo mecanismos de transformaccedilatildeo social que visam uma nova
sociedade baseada na igualdade e na justiccedila
36
31 O ser cidadatildeo
Os termos indiviacuteduo ser humano pessoa e cidadatildeo satildeo geralmente tomados
como sinocircnimo o que certamente influi na proliferaccedilatildeo de incontaacuteveis significados e
ampliaccedilatildeo do termo cidadatildeo Poreacutem estas palavras apesar de se assemelharem
possuem carga semacircntica proacutepria e da compreensatildeo exata de cada uma decorre a
conceituaccedilatildeo mais acentuada da acepccedilatildeo do termo cidadatildeo como titular de direitos
e deveres resguardados pela constituiccedilatildeo paacutetria
Desta forma indiviacuteduo eacute um representante da espeacutecie aquele que eacute uacutenico
Enquanto ser humano eacute um termo mais geneacuterico ou indeterminado que diz respeito
agrave espeacutecie agrave classificaccedilatildeo ao mundo zooloacutegico Pessoa por sua vez eacute um termo
mais especiacutefico que tem a ver com o mundo civilizado ou se preferirmos com a
constelaccedilatildeo dos valores morais eacuteticos e juriacutedicos proacuteprios da civilizaccedilatildeo
A etimologia da palavra pessoa demonstra que eacute um conceito sobreposto ao conceito de Ser Humano Um refratildeo de origem juriacutedica tambeacutem nos lembra do homo plures pessoa polimorfa o ser humano capaz de desempenhar muitos papeacuteis um mesmo ser humano eacute empresaacuterio e delinquumlente eacute pai e metaluacutergico etc Persona (personagem) era a maacutescara que usavam os atores da trageacutedia grega para desempenhar seu papel Cabe portanto entender o conceito de Ser Humano ao lado do conceito de Pessoa No direito romano antigo os escravos eram seres humanos (homens) mas natildeo eram consideradas pessoas (patriacutecios) Os juristas romanos que usavam o conceito de Ser Humano o dissociavam do conceito de pessoas (CUNHA 2007)
O Ser Humano recebe uma distinccedilatildeo importante quando o consideramos
como Pessoa assim como a Pessoa recebe uma distinccedilatildeo redundante natildeo menos
importante quando a consideramos por forccedila de expressatildeo como uma pessoa
humana Subentendendo o adjetivo humano como relativo agrave eacutetica Portanto Ser
Humano natildeo eacute a mesma coisa que Pessoa como tampouco Ser Humano eacute o
mesmo que cidadatildeo este muito eacute mais proacuteximo do termo Pessoa Vejamos o quadro
ilustrativo que esquematiza e distinguem os referidos conceitos
37
QUADRO 1 ndash EVOLUCcedilAtildeO DO SER HUMANO ATEacute O CIDADAtildeO
O Ser Humano O Ser Indiviacuteduo O Ser Pessoa O Ser Cidadatildeo
A Dimensatildeo do conviacutevio social
A dimensatildeo do mercado de trabalho e
Consumo
A Dimensatildeo de encontrar-se no mundo
A dimensatildeo de intervir na realidade
O homem tornar-se Ser Humano nas relaccedilotildees
de conviacutevio social
O Ser Humano tornar-se indiviacuteduo quando
descobre seu papel e funccedilatildeo social
O Indiviacuteduo torna-se pessoa quanto toma
consciecircncia de si mesmo do outro e do
mundo
A pessoa torna-se cidadatildeo quando
interveacutem na realidade em que vive
Quem estuda o comportamento do Ser
Humano Seria a antropologia a histoacuteria
ou a sociologia
Quem estuda o comportamento do indiviacuteduo Seria a
Filosofia a sociologia ou a Psicologia
Quem estuda o comportamento da pessoa Seria a
Filosofia a sociologia ou a Psicologia
Quem estuda o comportamento do cidadatildeo Seria a
Sociologia a Filosofia ou As ciecircncias
poliacuteticas
Quem garante os direitos do Ser
Humano A Declaraccedilatildeo Universal
dos Direitos Humanos
Quem garante os Direitos do
Consumidor O Coacutedigo do Consumidor
Quem garante os Direitos da pessoa A proacutepria pessoa (amor proacuteprio ou autoestima)
Quem garante os Direitos do cidadatildeo (A Constituiccedilatildeo e suas leis
regulamentares)
Existe realmente uma natureza humana Teologicamente
afirmamos que existe a uma natureza humana
Seguindo a corrente existencialista (JP Sartre) negamos tal
natureza
Que diferenccedila existe entre o direito do
consumidor e o direito do cidadatildeo Ao
Consumidor deve ser dado o direito de
propriedade enquanto ao cidadatildeo deve ser
dado o direito de acesso
O que significa tornar-se pessoa no niacutevel
psicoloacutegico e social A pessoa eacute o indiviacuteduo que toma consciecircncia de si mesmo (ldquoTornar-
se Pessoardquo de Karl Roger)
Como podemos intervir na realidade
modificando as estruturas corruptas e injustas Quando os
direitos do cidadatildeo lhe satildeo oferecidos e o
mesmo passa a exercecirc-lo haacute
modificaccedilatildeo de comportamento
(ROSAS 2009)
O cidadatildeo eacute portanto aquele indiviacuteduo a quem a Constituiccedilatildeo confere direitos
e garantias e lhe daacute o poder do seu efetivo exerciacutecio aleacutem de meios processuais
eficientes contra a violaccedilatildeo de seu gozo ou fruiccedilatildeo por parte do poder puacuteblico
Sendo assim
A passagem do indiviacuteduo a cidadatildeo caracteriza-se pelo reconhecimento pela lei de direitos considerados fundamentais agrave realizaccedilatildeo da vida do homem como indiviacuteduo e ser social membro de uma comunidade poliacutetica e a garantia desses direitos pela forccedila comum de todos (CUNHA 2007)
38
Nas uacuteltimas deacutecadas em alguns paiacuteses inclusive no Brasil desenvolveu-se o
conceito de cidadania calcado principalmente na questatildeo do cidadatildeo-consumidor
As pessoas passam a ser vistas como cidadatildes desde que tenham dinheiro para
adquirir mercadorias e utilizar serviccedilos Eacute certo pois que serviccedilos e mercadorias
atendem a necessidades materiais e simboacutelicas das pessoas e consumi-los eacute um
dos modos de participar da vida social criar identidade e partilhar dos bens
produzidos pela humanidade e representar-se culturalmente Contudo a cidadania
enfatizada apenas como uma relaccedilatildeo de compra e venda de mercadorias e serviccedilos
assume um conteuacutedo restrito individual conformista e voltado apenas para a
aquisiccedilatildeo de bens o que se relaciona com a ideacuteia de indiviacuteduo ou seja o consumo
atende as necessidades do indiviacuteduo
Outra forma de confusatildeo acerca do conceito de cidadatildeocidadania refere-se a
equiparaccedilatildeo feita com o assistencialismo o que configura uma acentuada inversatildeo
do termo uma vez que a praacutetica do assistencialismo natildeo propicia meios de
superaccedilatildeo das desigualdades sociais Enquanto a cidadania estaacute relacionada agrave
superaccedilatildeo das desigualdades sociais e a extensatildeo da garantia dos direitos de todos
O cidadatildeo eacute sem duacutevida uma expressatildeo que precisa ser adequadamente
utilizada e vivenciada pela coletividade compreendido na dimensatildeo do ser pessoa
de ter direitos e deveres do assumir as suas liberdades e responsabilidades no seio
de uma comunidade democraacutetica equitativa solidaacuteria e intercultural
Dessa forma ser cidadatildeo implica saber viver em sociedade estando ciente
dos anseios comuns A participaccedilatildeo ativa nas decisotildees de sua comunidade
influencia modos de vida de maneira positiva ao seu redor assim torna-se
imprescindiacutevel o exerciacutecio dos direitos constitucionais adquiridos e lutar pelos que
viratildeo eacute sobretudo estar consciente de todas as atitudes tomadas em prol da
sociedade
Eacute possiacutevel nesse espaccedilo de discussatildeo falar em ldquoestar cidadatildeordquo que eacute natildeo
praticar o exerciacutecio da cidadania em nenhuma de suas formas Implica apenas em
se deixar levar pelos acontecimentos e ainda reclamar das situaccedilotildees vividas sem
nada fazer para mudar sem nenhuma perspectiva de futuro Do que concluiacutemos que
a dinacircmica de intervir na realidade eacute pressuposto de cidadania
Ser cidadatildeo eacute tarefa que requer muito do ser humano do individuo da
pessoa Requer uma alta - estima elevada uma consciecircncia solidaacuteria uma
39
identidade que se reconheccedila na dinacircmica social interagindo com o outro ampliando
debates incitando justiccedila eacute sem duvida uma tomada de posiccedilatildeo que natildeo se
acomoda pelo contraacuterio se incomoda quando natildeo haacute comprometimento para o bem
comum
Natildeo eacute uma tarefa cocircmoda senatildeo muito complicada as pessoas natildeo nascem cidadatildeos mas fazem-se no tempo e no espaccedilo Na verdade natildeo eacute faacutecil exercer a liberdade e a cidadania ndash ser pessoa e ser cidadatildeo ndash por isso exige-se uma luta sem treacuteguas para erradicar assimetrias e exclusotildees socioculturais e criar cenaacuterios de esperanccedila realizaacuteveis fundamentados em valores e princiacutepios eacuteticos que requalifiquem a democracia com cidadatildeos participativos e
comprometidos ( SAEZ 1995)
Tem portanto como pressuposto uma mudanccedila de comportamento uma
tomada de posiccedilatildeo frente agrave dinacircmica social na qual estaacute inserido participando de
forma ativa e produtiva do processo de construccedilatildeo da cidadania por meio de seus
diversos canais
32 Emancipaccedilatildeo social atraveacutes da cidadania
Um Estado Democraacutetico eacute aquele que estaacute enraizado na legitimidade do
poder do povo e dele decorre seu exerciacutecio Assim o poder do povo eacute a expressatildeo
a aptidatildeo de homens e mulheres constituir autonomamente seu viver sem sucumbir
diante das instacircncias de poder Haacute nesse modus vivendi uma tutela das diferenccedilas e
pluralidades de formas de vida
Desta forma a cidadania eacute enfocada como o processo de participaccedilatildeo do
individuo ou de um grupo organizado nas mais variadas aacutereas de atuaccedilatildeo na
sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos sociais com a consciecircncia
da responsabilidade por sua proacutepria histoacuteria
Sendo a democracia o regime em que o povo governa sua caracteriacutestica
inarredaacutevel eacute a de ter o povo agrave frente do poder uma forma de autogoverno Em
assim sendo a cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia por meio de resultados
palpaacuteveis e medidas concretas tais como mudanccedilas na realidade de cada um com
melhoria de vida e conscientizaccedilatildeo da importacircncia na sociedade para o exerciacutecio
40
direto ou indireto desse poder pois se contentar com fato do direito estaacute prescrito
em lei natildeo eacute o bastante
Eacute certo poreacutem que o Estado democraacutetico somente se aperfeiccediloa na
proporccedilatildeo em que o povo age ativamente na medida em que os representantes
reflitam em seus atos os verdadeiros anseios populares Partindo dessa visatildeo a
cidadania eacute o grande fator de legitimaccedilatildeo do povo permitindo que ele aja em defesa
das instituiccedilotildees democraacuteticas
Sobre a participaccedilatildeo cumpre asseverar que este direito significa a
capacidade de ser consultado para as tomadas de decisatildeo que dizem respeito agrave
direccedilatildeo da sociedade em que vive o cidadatildeo este direito eacute acompanhado do
respeito aos deveres de contribuir para o progresso social e de acatar e respeitar o
resultado obtido em consulta coletiva
No elenco de mecanismo de exerciacutecio da cidadania estaacute o acesso ao direito e
a justiccedila que eacute fator preponderante para efetivar as garantias constitucionais
Assim passaremos a discorrer sobre a importacircncia de instrumentalizar o
cidadatildeo para um pleno exerciacutecio de seus direitos
Eacute Sabido que no Estado Democraacutetico Contemporacircneo os direitos
fundamentais constitucionalmente assegurados tecircm eficaacutecia imediata cumprindo ao
Estado garantir a todos os cidadatildeos o respeito a esses Direitos de modo concreto e
efetivo natildeo obstante as inuacutemeras desigualdades e condiccedilotildees adversas que
dificultam na praacutetica o seu exerciacutecio
Para o acesso ao direito o Estado deve desenvolver com eficiecircncia uma seacuterie
de atividades essenciais e dar efetividade a uma seacuterie de pressupostos Dentre eles
o principal eacute o conhecimento do Direito como fator preponderante pois o
desconhecimento da lei implica na praacutetica natildeo acionar a jurisdiccedilatildeo Um fato que
contribui para essa assertiva eacute baixa escolaridade da populaccedilatildeo e o analfabetismo
Muito pouco adianta a existecircncia de uma Constituiccedilatildeo apenas formal ou no
papel se ilegiacutetima ou desrespeitada Para que ocorra a eficaacutecia das normas
dispostas numa Constituiccedilatildeo ou melhor para que passe da teoria agrave praacutetica eacute
essencial que comandados e comandantes tenham conhecimento dos seus direitos
e responsabilidades assim como dos instrumentos juriacutedicos para efetivaacute-los (leis
regulamentadoras) O exerciacutecio da cidadania natildeo eacute somente um direito mas eacute
tambeacutem um dever de todos pois a omissatildeo de cada um contribui com as injusticcedilas e
as impunidades tatildeo presentes nos dias atuais
41
A Constituiccedilatildeo quando eacute justa e legiacutetima e principalmente quando eacute
respeitada eacute um poderoso instrumento de promoccedilatildeo e desenvolvimento social e
humano
Outro fator que deve ser considerado eacute a miserabilidade que coloca inuacutemeros
brasileiros a margem da sociedade em situaccedilatildeo precaacuteria os quais para Pinsky
(2004) ldquodesprovidos de esperanccedila de projeto de qualquer perspectiva de inclusatildeo
[] recorrer agrave Justiccedila humana parece algo irrealizaacutevel sofisticado e inteiramente
ficcionalrdquo
Desta forma o primeiro passo para concretizar os direitos previstos
constitucionalmente eacute a formaccedilatildeo do cidadatildeo atraveacutes da Educaccedilatildeo Baacutesica
infundindo-lhe a consciecircncia dos seus direitos e tambeacutem dos seus deveres sociais
bem como dos valores humanos fundamentais que devem ser por todos respeitados
na vida em sociedade A universalizaccedilatildeo do ensino fundamental a oferta obrigatoacuteria
de educaccedilatildeo infantil pelo Estado e o crescimento da oferta do ensino meacutedio satildeo
alguns dos aspectos que merecem destaques e foi devido agrave determinaccedilatildeo
constitucional de estabelecer o caraacuteter obrigatoacuterio do ensino fundamental e de
responsabilizar o Estado por sua implementaccedilatildeo que tem iniacutecio o processo de
avanccedilo desse segmento
A Constituiccedilatildeo estabeleceu de forma mais clara o papel dos entes federados
na educaccedilatildeo Tambeacutem aumentou a participaccedilatildeo orccedilamentaacuteria destinada ao setor
Com as novas regras para distribuiccedilatildeo de recursos adotadas apoacutes a promulgaccedilatildeo
da Carta os municiacutepios voltam a interessar-se pela educaccedilatildeo fundamental e o paiacutes
atinge a universalizaccedilatildeo do setor o que se busca agora satildeo mecanismos para
garantir a qualidade no ensino
O segundo passo nessa dinacircmica eacute o oferecimento a todos os cidadatildeos de
condiccedilotildees miacutenimas de sobrevivecircncia e de existecircncia condignas atraveacutes do acesso
ao trabalho produtivo livremente escolhido e do pagamento de remuneraccedilatildeo capaz
de prover ao sustento do trabalhador e de sua famiacutelia
Para milhotildees de cidadatildeos que vivem na ignoracircncia e na miseacuteria nenhuma
utilidade ou eficaacutecia tecircm os inuacutemeros direitos constitucionalmente assegurados Para
aqueles que se habituaram a retirar proventos da mendicacircncia da prostituiccedilatildeo de
atividades iliacutecitas ou aqueles que se sentiram forccedilados a sujeitar-se agrave exploraccedilatildeo de
outrem para sobreviver natildeo haacute nenhuma crenccedila na dignidade da pessoa humana e
no valor social do trabalho
42
A pobreza engendra inuacutemeras relaccedilotildees de dominaccedilatildeo entre pessoas e entre grupos sociais As habitaccedilotildees subumanas da periferia das grandes cidades no Brasil constituem verdadeiros quistos sociais terras sem lei controladas por xerifes ou por quadrilhas de malfeitores O Estado que natildeo for capaz de dotar essas comunidades do acesso efetivo agrave Educaccedilatildeo agrave Sauacutede agrave Seguranccedila e agrave Paz Puacuteblicas e ao trabalho liacutecito certamente natildeo lhes estaraacute assegurando o acesso ao Direito porque a populaccedilatildeo abrutalhada pela miseacuteria e coagida pelo medo natildeo desfruta da miacutenima eficaacutecia concreta dos
seus direitos fundamentais (GRECO 2009)
Evidencia que acesso ao Direito nas sociedades modernas mesmo nas
economicamente desenvolvidas exige o fortalecimento dos grupos intermediaacuterios e
do associativismo O cidadatildeo natildeo estaacute mais em condiccedilotildees de defender-se
individualmente das ameaccedilas e lesotildees aos seus direitos perpetradas por pessoas ou
grupos que se encontram em posiccedilatildeo de vantagem nas relaccedilotildees econocircmicas e
sociais
O sindicato veio exercer este importante papel em relaccedilatildeo ao trabalhador
empregado Mas hoje as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo natildeo satildeo apenas as que existem no
mundo do trabalho mas as que se revelam em todos os tipos de relaccedilotildees humanas
relaccedilotildees de consumo relaccedilotildees de vizinhanccedila relaccedilotildees locatiacutecias relaccedilotildees
comerciais internas e internacionais e natildeo com menor relevacircncia relaccedilotildees entre os
particulares e o Estado entre outras
Eacute preciso assegurar esse equiliacutebrio na praacutetica o que somente tornar-se-aacute
possiacutevel atraveacutes da articulaccedilatildeo dos sujeitos que se encontram em posiccedilatildeo de
desvantagem em organizaccedilotildees e associaccedilotildees que pela uniatildeo de esforccedilos
consigam compensar o desequiliacutebrio existente e dar aos indiviacuteduos e grupos a forccedila
e a capa de proteccedilatildeo necessaacuterias para ombrearem-se aos seus adversaacuterios e
lutarem pelos seus direitos ou interesses em igualdade de condiccedilotildees
Para Greco (2009) o pressuposto indispensaacutevel do acesso ao Direito eacute a
transparecircncia do Estado no trato de questotildees que possam afetar a esfera de
interesses dos cidadatildeos e complementa que aos cidadatildeos eacute indispensaacutevel
assegurar o direito de influir eficazmente nas decisotildees do poder puacuteblico atraveacutes dos
mais diversos instrumentos de participaccedilatildeo democraacutetica Ele afirma que
A relaccedilatildeo Estado-cidadatildeo natildeo eacute mais a relaccedilatildeo soberano-suacutedito O cidadatildeo tem o direito de exigir do Estado o pleno respeito ao seu
43
patrimocircnio juriacutedico Lamentavelmente a crise do Estado tem levado o Brasil a aceitar-se como normal que as pessoas juriacutedicas de Direito Puacuteblico natildeo cumpram devidamente as prestaccedilotildees positivas de que satildeo devedoras perante os particulares cabendo a estes demandar na Justiccedila para obtecirc-las (GRECO 2009)
Essa visatildeo deformada da responsabilidade do Estado ocorre o
desvirtuamento da justiccedila Por outro lado agrave violaccedilatildeo da garantia constitucional da
tutela jurisdicional efetiva (Constituiccedilatildeo artigo 5 inciso XXXV) disciplina a lei natildeo
excluiraacute da apreciaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio lesatildeo ou ameaccedila ao direito Assim o
acesso ao Direito natildeo estaraacute concretamente assegurado se o Estado natildeo oferecer a
todo cidadatildeo a possibilidade de receber aconselhamento juriacutedico a respeito dos seus
direitos
Constituiccedilatildeo de 1988 no artigo 5deg inciso LXXIV assegurou a todos
ldquoassistecircncia juriacutedicardquo a englobar assistecircncia judiciaacuteria e assessoramento juriacutedico
extrajudicial Conforme Greco (2009) ldquoeacute preciso que esse direito seja assegurado
na praacutetica Uma vez que na vida moderna o Direito tornou-se excessivamente
complexordquo Ainda no dizer do autor a consciecircncia juriacutedica do homem comum que
deve ser adquirida na famiacutelia e na escola natildeo eacute mais suficiente para a tomada de
decisotildees na vida diaacuteria das pessoas Todas as pessoas mantecircm complexas relaccedilotildees
juriacutedicas com instituiccedilotildees financeiras com fornecedores de bens e de serviccedilos etc
Nessas relaccedilotildees juriacutedicas com frequecircncia os cidadatildeos tecircm de tomar decisotildees
raacutepidas O cidadatildeo que tem meios procura um advogado particular para assessoraacute-
lo Ao pobre o Estado deve assegurar o mesmo direito em plenitude
Sem duacutevida o uacuteltimo pressuposto do acesso ao Direito eacute o acesso agrave Justiccedila
no sentido de acesso a um tribunal estatal imparcial previamente instituiacutedo como
competente para a soluccedilatildeo de qualquer litiacutegio a respeito de interesse que se afirme
juridicamente protegido ou para a praacutetica de qualquer ato que a lei subordine agrave
aprovaccedilatildeo autorizaccedilatildeo ou homologaccedilatildeo judicial
Se o cidadatildeo tem consciecircncia dos seus direitos se o Estado lhe fornece
todas as condiccedilotildees para livremente exercecirc-los mas algum outro cidadatildeo ou algum
oacutergatildeo do proacuteprio Estado impede ou dificulta esse exerciacutecio cabe ao poder puacuteblico
pocircr agrave disposiccedilatildeo do cidadatildeo lesionado ou ameaccedilado a jurisdiccedilatildeo necessaacuteria para
assegurar o pleno acesso a tal direito
Atingimos eacute certo um estaacutegio de desenvolvimento do Direito Humanitaacuterio que
natildeo mais nos permite conformar-nos com uma realidade distante do padratildeo de
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convivecircncia humana que outras naccedilotildees jaacute alcanccedilaram O exerciacutecio pleno de
cidadania seraacute obra de mais de uma geraccedilatildeo Mas se trabalharmos com firmeza
certamente os jovens de hoje poderatildeo legar aos seus descendentes a emancipaccedilatildeo
cidadatilde um paiacutes melhor e uma sociedade mais justa e democraacutetica
33 O municiacutepio como acircmbito de exerciacutecio de cidadania
Historicamente o Municiacutepio enquanto unidade poliacutetico-administrativa surgiu
conforme descreve Berardi (2004) com a Repuacuteblica Romana interessada em
manter a dominaccedilatildeo paciacutefica das cidades conquistadas pela forccedila dos exeacutercitos
Sua origem mais de natureza socioloacutegica do que poliacutetica adveacutem do espiacuterito
associativo do homem e de suas relaccedilotildees de vizinhanccedila
Eacute pois a menor unidade territorial de Federaccedilatildeo cuja criaccedilatildeo reflete a base
da organizaccedilatildeo poliacutetica administrativa da Naccedilatildeo Portanto sua funccedilatildeo administrativa
historicamente vem assentada no princiacutepio do direito natural
O artigo primeiro da Constituiccedilatildeo Federal de 1998 estabelece que o
Municiacutepio ao lado dos Estados e do Distrito Federal formam a Republica Federativa
do Brasil que se constitui em Estado Democraacutetico de Direito O municiacutepio tem assim
um poder relevante para a aplicaccedilatildeo da democracia direta iniciada e fortalecida em
niacutevel local Diversos pensadores chegaram a afirmar que a descentralizaccedilatildeo de
poder resultante da constituiccedilatildeo Cidadatilde era antes de tudo uma conquista dos
Municiacutepios sendo eles os berccedilos da perpetuaccedilatildeo da Repuacuteblica e da Democracia
efetivamente por serem o uacutenico niacutevel de governo possuidores de respaldo e
localizaccedilatildeo fiacutesica ou seja solo municipal
Eacute certo que a Carta Magna de 1988 consolidou significativas inovaccedilotildees para a
vida municipal de forma que o Municiacutepio passou a constituir um dos entes da
federaccedilatildeo tratando-o como unidade dotada de autonomia poliacutetica expressa na
capacidade de poder elaborar a sua Lei Orgacircnica fugindo assim da tutela dos
estados que ateacute entatildeo eram considerados como uacutenicos componentes da federaccedilatildeo
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A Lei Orgacircnica Municipal traz em seu bojo aleacutem da organizaccedilatildeo
administrativa do Municiacutepio a restauraccedilatildeo do Poder Legislativo municipal definindo
a diversificaccedilatildeo normativa que natildeo existia nas leis organizacionais outorgadas pelo
Estado reflexo do poder constituinte outorgados aos Municiacutepios pela Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 como consequecircncia do efetivo exerciacutecio do conceito de Estado
Democraacutetico de Direito
O Municiacutepio enquanto ente federativo tem atualmente a responsabilidade de
ordenar o seu desenvolvimento social e a garantia do bem estar de seus habitantes
executando poliacuteticas puacuteblicas de accedilotildees a serem empreendidas na consolidaccedilatildeo
democraacutetica do Estado
Fundada no elemento participaccedilatildeo o exerciacutecio de cidadania amplamente
citado encontra sua efetividade no municiacutepio Pois eacute nesse acircmbito de localizaccedilatildeo
que as pessoas mantecircm um contato direto com os poderes instituiacutedos suas
necessidades imediatas e mediatas satildeo objetos da disciplina da Lei que visa o bem
comum base do Estado democraacutetico de Direito
Baseado na maacutexima do municipalista e defensor da descentralizaccedilatildeo poliacutetica
Franco Motoro sabiamente proferiu que ldquoningueacutem vive na Uniatildeo ou no Estado As
pessoas vivem no Municiacutepiordquo Assim a cidadania encontra seu melhor espaccedilo de
realizaccedilatildeo na comunidade onde convive A vida em comunidade gera anseios
comuns sentimentos comuns uma vez que a convivecircncia propicia que as pessoas
se conheccedilam e se reconheccedilam como membros de uma mesma realidade
De acordo com Harvey (1992) ldquoa globalizaccedilatildeo provoca anonimato enquanto
comunidade cultiva solidariedaderdquo o que implica participaccedilatildeo para o exerciacutecio de
cidadania
Tudo o que acontece no mundo seja no meu paiacutes na minha cidade ou no meu bairro acontece comigo Entatildeo eu preciso participar das decisotildees que interferem na minha vida Um cidadatildeo com um sentimento eacutetico forte e consciecircncia da cidadania natildeo deixa passar nada natildeo abre matildeo desse poder de participaccedilatildeo (Herbert de Souza Betinho)
Com esse embasamento natildeo se pode perder de vista que eacute nas relaccedilotildees
diaacuterias de oposiccedilatildeo ou solidariedade que as pessoas exercem cidadania Na relaccedilatildeo
do com o outro com os poderes ao estabelecer com a vida social e puacuteblica uma
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convivecircncia posto que cidadania eacute tarefa que natildeo termina natildeo eacute um conceito
pronto tatildeo pouco acabado enquanto seres inacabados que somos estaremos
buscando descobrindo criando e tomando consciecircncia mais ampla dos direitos
O desafio eacute construir um novo discurso sobre cidadania atraveacutes de uma
praacutetica poliacutetica sustentada isto eacute realizada em dois niacuteveis
O primeiro niacutevel na base atraveacutes de construccedilatildeo das capacidades e do poder
proacuteprio da populaccedilatildeo o que envolve inevitavelmente uma mudanccedila de atitude na
busca para garantir seus direitos utilizando-se do grau de autonomia local
Essa atitude conceberia agrave democracia participativa como uma poliacutetica paralela
de intervenccedilatildeo social criando e mantendo novos espaccedilos para a tomada de
decisotildees ou seja para o auto-governo pela populaccedilatildeo nas mateacuterias que afetam
diretamente suas vidas
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade
O segundo niacutevel um governo com o povo e natildeo apenas para o povo fundado
nos ditames constitucionais valorizando o sentimento da sociedade no exerciacutecio da
governabilidade de modo que o balizamento das accedilotildees de governo deixaria de estar
no proacuteprio governo e passaria a estabelecer-se a partir do pensar da sociedade Um
governo que se pergunta o que se deve fazer para ouvir com a maior fidelidade
possiacutevel a sociedade suas instituiccedilotildees representativas e o cidadatildeo Pois as
prioridades da gestatildeo deveriam ser definidas pela sociedade e natildeo mais pelo
governo
Portanto nesses termos eacute preciso considerar que as praacuteticas da
administraccedilatildeo puacuteblica sejam democratizadoras e inclusivas inspiradas nos
princiacutepios da legalidade impessoalidade moralidade publicidade e eficiecircncia Esta
uacuteltima buscou estabelecer uma Administraccedilatildeo Puacuteblica mais eficiente no sentido de
que o cidadatildeo como destinataacuterio dos serviccedilos puacuteblicos que o Estado deve prestar
receba-os com maior qualidade e menor custo para o eraacuterio puacuteblico
Para a consecuccedilatildeo desse governar com o povo alguns pontos devem ser
revistos A mudanccedila implica na necessidade de adequaccedilatildeo reorganizaccedilatildeo
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reformulaccedilatildeo Para isso se faz premente em face dos novos e modernos conceitos
de gestatildeo puacuteblica a superaccedilatildeo do tradicional vezo burocraacutetico que vem convertendo
a Administraccedilatildeo nas palavras Dromi (1995) numa cara ldquomaacutequina de impedirrdquo fiel
ldquocoacutedigo do fracassordquo que dispotildee ldquoartigo primeiro natildeo pode artigo segundo em
caso de duacutevida abstenha-se artigo terceiro se eacute urgente espere artigo quarto
sempre eacute mais prudente natildeo fazer nadardquo numa posiccedilatildeo natildeo burocraacutetica e sim
democraacutetica de considerar que organizaccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica inclui a
praacutetica de ver os cidadatildeos como membros plenos da comunidade poliacutetica tendo
acesso e exercitando direitos as que promovem a organizaccedilatildeo da populaccedilatildeo em
torno de temas de interesse comum as que incluem o controle social sobre a
gestatildeo o debate amplo e informado sobre questotildees de governo e que abrem agrave
populaccedilatildeo as decisotildees sobre estas questotildees Como leciona e Barrientos (2000)
Tratam-se de praacuteticas que natildeo buscam somente melhorar a eficiecircncia administrativa das diferentes organizaccedilotildees puacuteblicas mas que incorporam no seu processo de gestatildeo a dimensatildeo ativa da cidadania isto eacute ldquoque facilitam as iniciativas e responsabilidades de todos os envolvidos[] estabelecendo pontes entre Estado e sociedade civil
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade Acreditamos
que o ponto de partida eacute a atitude aliada agrave solidariedade e ao espiacuterito coletivo Pois
governo e cidadatildeos juntos haveratildeo de cumprir um novo papel no processo de
desenvolvimento como agentes de uma nova cultura
Como afirma Peter Drucke
A parceria comunitaacuteria seraacute um dos verdadeiros setores em crescimento das economias desenvolvidas Surge da necessidade de uma participaccedilatildeo mais direta e efetiva da comunidade nas grandes questotildees da vida social pois natildeo existe ningueacutem melhor que o cidadatildeo para saber o que ele quer para si para sua famiacutelia e para sua comunidade (apud RAMOS 1990)
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O envolvimento efetivo da sociedade nas questotildees sociais natildeo eacute apenas uma
postura moderna Significa antes de tudo uma atitude digna de todos aqueles que
desejam exercer sua cidadania contribuindo para um paiacutes melhor e em especial
para uma sociedade mais justa fraterna e solidaacuteria
Na histoacuteria observa-se a grande coragem das pessoas em construir o
reconhecimento delas proacuteprias e de seus direitos sempre buscando a participaccedilatildeo e
defendendo os Direitos Humanos Sem duacutevida a maior ecircnfase que deve ocorrer
para a construccedilatildeo real da cidadania eacute uma mudanccedila na sociedade O melhor a ser
feito eacute reforccedilar a organizaccedilatildeo democraacutetica buscando novas formas de participaccedilatildeo
social pois cidadania natildeo se resume ao poder de votar ou ser votado mas eacute sempre
na efetiva participaccedilatildeo popular pois somente com isso haacute a verdadeira
conscientizaccedilatildeo e o comprometimento daquele que passa a se sentir cidadatildeo
abandonando-se velhos viacutecios da poliacutetica representativa
Desse modo a participaccedilatildeo do povo no momento das reivindicaccedilotildees das
discussotildees e apreciaccedilotildees de projetos que visem agrave melhoria da comunidade local a
exigecircncia de transparecircncia na administraccedilatildeo da coisa puacuteblica dentre outras eacute quem
daraacute embasamento para as verdadeiras conquistas sociais no Municiacutepio que geram
saudaacuteveis formas de pressatildeo por efetivas poliacuteticas puacuteblicas de inclusatildeo social
gerando o fim do clientelismo poliacutetico tatildeo pejorativo e comum em nossa realidade e
cultura poliacutetica
Somente a participaccedilatildeo social eacute que iraacute causar uma real democratizaccedilatildeo do
poder A afirmaccedilatildeo da cidadania eacute pressuposto para a realizaccedilatildeo dos Direitos
Humanos pois os homens natildeo nascem naturalmente iguais Inclusive para que
ocorra a realizaccedilatildeo dos referidos direitos eacute necessaacuterio tambeacutem que exista um
espaccedilo puacuteblico que seja realmente democraacutetico e acessiacutevel possibilitando a
participaccedilatildeo de todos e esse espaccedilo eacute certamente o municiacutepio
Na praacutetica um forte instrumento de cidadania para atender as necessidades
coletivas eacute o orccedilamento participativo previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal que
determina expressamente a realizaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas e a participaccedilatildeo
popular nos processos de elaboraccedilatildeo e conduccedilatildeo dos orccedilamentos como forma de
incentivo agrave preparaccedilatildeo e execuccedilatildeo de planejamentos que envolvam diretamente o
povo A Lei veio incentivar a sua propagaccedilatildeo para todos os entes federativos tendo
em conta que se trata de uma tendecircncia mundial por legitimar as escolhas e
fortalecer o princiacutepio da transparecircncia
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Os meios de acesso do cidadatildeo junto aos Poderes Puacuteblicos eacute uma realidade
no Estado Democraacutetico de Direito brasileiro a exemplo das sessotildees do Poder
Legislativo que satildeo puacuteblicas ficando abertas a todos que delas quiserem participar
Emite-se uma pauta antes do comeccedilo da sessatildeo com a preacutevia dos debates Em
niacutevel municipal verifica-se um acompanhamento mais incisivo sobre as sessotildees das
Cacircmaras de Vereadores como forma de pressatildeo para aprovaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees
da comunidade avaliaccedilatildeo do desempenho e aceitaccedilatildeo de propostas orccedilamentaacuterias
e atuaccedilatildeo dos poliacuteticos bem como entendimento das funccedilotildees do Poder Legislativo
A Constituiccedilatildeo Federal assegura desde 1988 a possibilidade de se oferecer
peticcedilatildeo agraves Mesas Legislativas como forma de pedir informaccedilotildees sobre andamento
de projetos ou relatoacuterios encaminhados aos chefes do Poder Executivo Em niacutevel
municipal pode ser utilizada a Tribuna Livre como instrumento para denuacutencias de
problemas ou discussatildeo de um tema ou mesmo para apresentar sugestotildees sendo
regulado pela Lei Orgacircnica Municipal e pelo Regimento Interno da Cacircmara
A convocaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas tambeacutem possui previsatildeo constitucional
no art 58 sect 20 inciso II em niacutevel federal As comissotildees podem em razatildeo da
mateacuteria de sua competecircncia realizar audiecircncias puacuteblicas com entidades da
sociedade civil E nada obsta que estejam previstas formas de articulaccedilatildeo da
sociedade civil com os Presidentes das Comissotildees da Cacircmara no seu Regimento
Interno em acircmbito municipal
Os dispositivos da Constituiccedilatildeo Federal que dispotildeem sobre a forma de
participaccedilatildeo direta do cidadatildeo e da sociedade civil no processo democraacutetico natildeo se
pode negar que trouxe novas perspectivas De modo geral podemos citar
Art 29 A lei orgacircnica dos Municiacutepios tem que observar entre os seus
preceitos ldquocooperaccedilatildeo das associaccedilotildees representativas no planejamento municipalrdquo
Art 31 As contas dos municiacutepios ficaratildeo durante 60 (sessenta) dias
anualmente a disposiccedilatildeo de qualquer contribuinte para exame e apreciaccedilatildeo o qual
poderaacute questionar-lhes a legitimidade nos termos da lei
Art37 sect 3ordm (EC-1998) A lei disciplinaraacute as formas de participaccedilatildeo do usuaacuterio
na administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta regulando especialmente
I- as reclamaccedilotildees relativas a prestaccedilatildeo dos serviccedilos puacuteblicos em geral asseguradas
a manutenccedilatildeo de serviccedilo de atendimento ao usuaacuterio e a avaliaccedilatildeo perioacutedica externa
e interna da qualidade dos serviccedilos
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II- o acesso dos usuaacuterios a registros administrativos e a informaccedilatildeo sobre atos de
governo observado o disposto no art 5ordm X e XXXIII
III- a disciplina da representaccedilatildeo conta o exerciacutecio negligente ou abusivo de cargo
emprego ou funccedilatildeo na administraccedilatildeo puacuteblica
Art 74 sect 2ordm Qualquer cidadatildeo partido poliacutetico associaccedilatildeo ou sindicato eacute
parte legiacutetima para na forma de lei denunciar irregularidades ou ilegalidades perante
o Tribunal de Contas da Uniatildeo
Art194 paraacutegrafo uacutenico Compete ao Poder Puacuteblico nos termos da lei
organizar a seguridade social com base nos seguintes objetivos ()
VII ndash caraacuteter democraacutetivo descentralizado na administraccedilatildeo mediante gestatildeo
quadripartite com participaccedilatildeo dos trabalhadores dos empregados e dos
aposentados e do Governo nos oacutergatildeos colegiados nos oacutergatildeos colegiados
Art 198 As accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede integram uma rede
regionalizada e hierarquizada o constituem um sistema uacutenico organizado de acordo
com as seguintes diretrizes
III ndash participaccedilatildeo da comunidade
Art 202 sect 6ordm A lei complementa a que se refere o sect 4ordm deste artigo
estabeleceraacute os requisitos para a designaccedilatildeo dos membros das diretorias das
entidades fechadas de previdecircncia privada e disciplinaraacute a inserccedilatildeo dos
participantes nos colegiados e instacircncias de decisatildeo em que seus interesses sejam
objeto de discussatildeo e deliberaccedilatildeo
Art 204 As accedilotildees governamentais na aacuterea de assistecircncia social seratildeo
organizadas com base nas seguintes diretrizes
II ndash Participaccedilatildeo da populaccedilatildeo por meio de organizaccedilotildees representativas na
formulaccedilatildeo das poliacuteticas e no controle das accedilotildees em todos os niacuteveis
O protagonista na concretizaccedilatildeo dos direitos humanos e na ampliaccedilatildeo da cidadania eacute um sujeito coletivo de um trabalho sempre inacabado eis que se tratam de tarefas e conquistas cotidianas e gradativas obras que soacute podem ser realizada a muitas matildeos no partilhar e compartilhar da vida (COSTA NETO 2010)
A ampliaccedilatildeo da cidadania requer a consciecircncia de que os direitos pressupotildeem
deveres de maneira que os direitos de um indiviacuteduo satildeo garantidos a partir do
cumprimento dos deveres dos demais componentes da sociedade
51
34 A necessaacuteria superaccedilatildeo de velhos paradigmas
Como se sabe em 1988 foi aprovada a Constituiccedilatildeo mais liberal e
democraacutetica do Brasil chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo Assim ampliou-se de
forma significativa o campo dos direitos e garantias fundamentais No que diz
respeito a tal mateacuteria eacute considerada como uma das mais avanccediladas do mundo No
seu preacircmbulo adota o modelo de um Estado democraacutetico de Direito destinado a
garantir o exerciacutecio dos direitos sociais e individuais a liberdade a seguranccedila o
bem-estar o desenvolvimento a igualdade e a justiccedila eleitos como valores
supremos de uma sociedade fraterna pluralista e sem preconceitos
Para a construccedilatildeo democraacutetica da cidadania no Brasil contemporacircneo
salienta-se de ela deve passar de uma democracia representativa para uma
cidadania que efetivamente molde a democracia ou seja uma cidadania instituinte
da democracia
No acircmbito constitucional positivo cidadania pressupotildee o exerciacutecio de todos
os direitos fundamentais e garantias que caracterizam o Estado democraacutetico de
Direito Quando se fala em cidadania eacute no sentido de reafirmar o direito pela plena
realizaccedilatildeo do indiviacuteduo do cidadatildeo dos entes coletivos e de sua emancipaccedilatildeo nos
espaccedilos da sociedade Estatildeo sempre intimamente ligados os conceitos de
cidadania democracia e direitos humanos sendo que um remete ao outro e seus
conteuacutedos se interligam ou seja a cidadania natildeo iraacute ocorrer sem que ocorra a
realizaccedilatildeo dos Direitos Humanos da mesma forma que os direitos humanos natildeo
seratildeo concretizados se natildeo houver o exerciacutecio da cidadania
Na evoluccedilatildeo histoacuterica tais categorias se desenvolveram de forma conjunta
com o Estado Representam noccedilotildees desejaacuteveis de relaccedilotildees humanas que se espera
sejam instituiacutedas Satildeo os elementos basilares na nova ordem social e que a
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 pretendeu edificar Poreacutem a democracia poliacutetica natildeo
resolveu os problemas econocircmicos mais seacuterios como a desigualdade e o
desemprego Continuam muito seacuterios os problemas da aacuterea social principalmente
na educaccedilatildeo nos serviccedilos de sauacutede e saneamento como tambeacutem e
principalmente quanto agrave seguranccedila puacuteblica
52
A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 em seu artigo 6ordm e em outros artigos no texto
constitucional ampliou e muito os Direitos Sociais proibiu discriminaccedilotildees Assim
indicadores baacutesicos de qualidade de vida apontam que houve uma melhoria A
mortalidade infantil por exemplo caiu de maneira significativa nos uacuteltimos anos A
esperanccedila de vida ao nascer passou de 60 anos em 1980 para 70 em 2000 Poreacutem
o maior progresso foi na aacuterea da educaccedilatildeo fundamental que eacute considerado fator
decisivo para a cidadania pois a taxa de analfabetismo caiu consideravelmente
entretanto existem muitos problemas no campo educacional como a repetecircncia e
com relaccedilatildeo a desigualdade social entre as regiotildees
A grande concentraccedilatildeo da riqueza nacional nas matildeos de poucos reflete a
desigualdade e causa a pobreza e a miseacuteria ao passo que dificulta o acesso do
cidadatildeo agrave justiccedila e consequentemente ao seu estado de cidadania pleno
Dentre os fundamentos no qual se baseiam o Estado democraacutetico de Direito
no Brasil destaca-se justamente a cidadania e a dignidade humana conforme artigo
1ordm incisos II e III da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Entatildeo construir uma sociedade
livre justa e solidaacuteria garantir o desenvolvimento nacional erradicar a pobreza e a
marginalizaccedilatildeo reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de
todos sem preconceitos de origem raccedila sexo cor idade ou quaisquer outras
formas de discriminaccedilatildeo satildeo os objetivos fundamentais do Estado Brasileiro
conforme art 3ordm da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
O cenaacuterio de globalizaccedilatildeo econocircmica mundial tambeacutem traacutes seacuterios obstaacuteculos
para a construccedilatildeo da cidadania A globalizaccedilatildeo da economia em ritmo acelerado
provoca grandes mudanccedilas nas relaccedilotildees entre Estado sociedade e naccedilatildeo que
eram sempre o centro da noccedilatildeo e da praacutetica da cidadania ocidental O foco das
mudanccedilas e das preocupaccedilotildees estaacute em dois focos especiacuteficos a reduccedilatildeo do papel
central do Estado como fonte de direitos e local para a participaccedilatildeo e o
deslocamento da naccedilatildeo como principal fonte de identidade coletiva
Para que ocorra efetiva mudanccedila a melhor proposta eacute no sentido de
mudanccedila na organizaccedilatildeo da sociedade pois a inversatildeo da sequecircncia dos direitos
fez com que ocorra o reforccedilo da supremacia do Estado Para que ocorra a
consolidaccedilatildeo democraacutetica e cidadatilde eacute necessaacuterio reforccedilar a organizaccedilatildeo da
sociedade para assim dar embasamento social ao poder poliacutetico ou seja
finalmente democratizar o poder e estabelecer de forma plena a Cidadania
53
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A Constituiccedilatildeo que nasce com ldquocheiro de amanhatilde e natildeo de mofordquo nas
palavras do Deputado Ulisses Guimaratildees tem em seu relevo a esperanccedila de um
povo que sonhava com a erradicaccedilatildeo da repressatildeo militar e natildeo soacute isso um povo
que sonhava com a liberdade em suas diversas manifestaccedilotildees em suas mais
significativas formas de representaccedilatildeo e sobretudo com um paiacutes voltado para a
democracia e justiccedila social
Ao povo brasileiro foi concedido o poder de governar e nesse contexto de
mudanccedila a ldquodemocracia eacute o governo do povo pelo povo e para o povordquo na
conceituaccedilatildeo ceacutelebre de Abraham Lincoln E consoante estabelece o paraacutegrafo
uacutenico do art 1ordm da Carta cidadatilde de 1988 ldquotodo poder emana do povo que o exerce
por meio de representantes eleitos ou diretamenterdquo
No entanto natildeo basta que a fonte de poder seja o povo a democracia vem
significar a efetiva participaccedilatildeo do povo nas decisotildees e destino do Estado e sua
consolidaccedilatildeo eacute a proacutepria cidadania pois eacute o cidadatildeo que pensa e se auto define
diante da condiccedilatildeo soacutecio-histoacuterica O cidadatildeo tem portanto o poder de transformar
a realidade social segundo seu pensamento e accedilatildeo
Natildeo se pode negar que a Carta de 1988 foi a que apresentou maior
legitimidade popular que abriu caminhos apontando um novo tempo
Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita Se fosse perfeita seria irreformaacutevel Ela proacutepria com humildade e realismo admite ser emendada ateacute por maioria mais acessiacutevel dentro de cinco anos Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita mas seraacute uacutetil e pioneira e desbravadora Seraacute luz ainda que de lamparina na noite dos desgraccedilados Eacute caminhando que se abrem os caminhos Ela vai caminhar e abri-los Seraacute redentor o que penetrar nos bolsotildees sujos escuros e ignorados da miseacuteria (Ulysses Guimaratildees)
Mesmo natildeo sendo a constituiccedilatildeo perfeita sem duacutevida foi a que trouxe
esperanccedila ao povo brasileiro com a sua promulgaccedilatildeo surgiram o ldquohaacutebeas datardquo o
mandado de injunccedilatildeo e o mandado de seguranccedila coletivo - todos remeacutedios judiciais
de iacutendoles constitucionais serviacuteveis para prevenir e combater diversas tentativas de
abuso contra a pessoa humana Outrossim o objeto da accedilatildeo popular foi ampliado
Atualmente qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima para propor a mencionada accedilatildeo
54
popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de entidade de que o
Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e ao patrimocircnio
histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de custas
judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia Nesse rol de forma decisiva houve a
ampliaccedilatildeo tambeacutem dos direitos sociais
Assim a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconhece e assegura uma seacuterie de
escudos protetivos aos cidadatildeos Em sua essecircncia os direitos fundamentais
ganham forma De modo que podemos assegurar que hoje o nosso Estado eacute uma
organizaccedilatildeo centrada no ser humano visto que tem a dignidade da pessoa humana
como um fundamento da Repuacuteblica Federativa do Brasil
Apesar das inuacutemeras dificuldades o Estado Democraacutetico de Direito fundado
na cidadania constituiu para o povo uma nova identidade ndash o que em outras eacutepocas
natildeo existia
A Constituiccedilatildeo circunscreve toda a organizaccedilatildeo poliacutetica estatal no intuito
maior de criar no consciente coletivo a vontade livre e determinada de desenvolver
padrotildees de condutas destinados a elevar e promover a auto-estima de toda a
comunidade paacutetria
Foi nesse sentido que estatui em seu artigo 1ordm a cidadania como fundamento
do Estado Democraacutetico de Direito ampliando e enriquecendo o tal conceito Cada
eacutepoca produziu praacuteticas e reflexotildees muito distintas sobre o tema cidadania A
definiccedilatildeo de cidadania que vem sofrendo alteraccedilotildees ao longo do tempo obedecendo
a um processo histoacuterico de conquistas sociais eacute compreendida atualmente como
um processo de participaccedilatildeo do indiviacuteduo ou de um grupo organizado nas mais
variadas aacutereas de atuaccedilatildeo da sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos
e sociais
A cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia disso natildeo haacute duvidas e se
efetiva como mudanccedilas na realidade de cada um com melhoria de vida e
conscientizaccedilatildeo da importacircncia do cidadatildeo dado que eacute um processo em
permanente construccedilatildeo Natildeo haacute como defender uma qualidade de vida sem a
preservaccedilatildeo da cidadania em todos os seus acircmbitos Nesse sentido a efetiva
proteccedilatildeo desse aspecto basilar torna-se essencial no que tange uma assistecircncia
juriacutedica completa
No contraponto do direito estatildeo os deveres que encontramos sua realizaccedilatildeo
tambeacutem na participaccedilatildeo observando que o cidadatildeo eacute responsaacutevel pelo advir de
55
suas accedilotildees A participaccedilatildeo reflete um caraacuteter de natildeo comodismo de atenccedilatildeo agravequilo
que eacute particular e coletivo tendo como finalidade preciacutepua o bem comum
Construir cidadania hoje eacute imperativo para a sociedade pois dessa
construccedilatildeo depende o amanhatilde Estamos diante da Constituiccedilatildeo que se propotildee a
resguardar o amanhatilde sem perder de vista que ele comeccedila hoje agora e nisso a
Carta Poliacutetica traacutes consigo a certeza do despertar dessa consciecircncia a consciecircncia
cidadatilde Ela eacute a semente plantada em terra feacutertil que gera frutos diariamente e se
renova a cada estaccedilatildeo na dinacircmica da vida Talvez tenha sido esse o cheiro de
frutas alcanccedilado pelo constituinte ao anunciar que a carta tem ldquocheiro do amanhatilderdquo
A responsabilidade pelo exerciacutecio desses direitos belissimamente elencados
depende de todos e de cada um pois somos o terreno feacutertil que produziraacute o fruto de
uma sociedade fraterna
Eacute comum na praacutetica apenas responsabilizarmos o Estado em sentido lato pelo
natildeo exerciacutecio dos direitos do cidadatildeo Vale lembrar nesse contexto das palavras de
J Kennedy o qual disse ldquonatildeo pergunte o que o Estado pode fazer por vocecirc mas o
que vocecirc pode fazer pelo Estadordquo haacute nessa frase um forte traccedilo de cidadania pois
quando o cidadatildeo reivindica critica opina o que ele daacute em contrapartida ao paiacutes eacute
solidificado visto que eacute nas relaccedilotildees familiares em comunidade que se estabelece e
se fortalece os viacutenculos de solidariedade de uma sociedade que perpetua valores
condutas que as leis reguladoras natildeo conseguem por si soacute estabelecer
A concretizaccedilatildeo do ideal de uma qualidade de vida merecida a todos os seres
humanos sem restriccedilotildees requer entretanto um esforccedilo coletivo Dessa forma haacute
necessidade de suprir as muitas carecircncias advindas das desigualdades sociais e de
condiccedilotildees do descaso do poder puacuteblico e da proacutepria conceituaccedilatildeo antiga de
cidadania que ainda eacute concebida por muitos no presente
Em suma nosso trabalho procurou traccedilar a evoluccedilatildeo da cidadania e ao
mesmo tempo buscou traccedilar uma melhor caracterizaccedilatildeo do cidadatildeo agrave luz da nossa
Constituiccedilatildeo que eacute por fim a essecircncia da Magna Carta O alcance da cidadania
enquanto mecanismo de acesso a direitos foi colocado no acircmbito da pessoa
enquanto titular de direitos e num paralelo defendemos que o municiacutepio eacute o espaccedilo
de atuaccedilatildeo e exerciacutecio de cidadania dada a proximidade do cidadatildeo com as
instituiccedilotildees oacutergatildeos entidades e tudo o mais que o cerca na esfera de vivecircncia Eacute na
praccedila que discute a poliacutetica local e nacional que se indigna com as dificuldades e as
56
barreiras de acesso aos seus direitos Eacute no municiacutepio que se inicia todo um vieacutes de
desdobramento para garantir direitos
Por fim natildeo obstante resta dizer sobre o tema que os caminhos e
paradigmas que se intentou percorrer sobre cidadania como mecanismo
transformador da sociedade tem ingrediente ainda a se descortinar para o
propoacutesito valioso do bem comum Pois bem a ideia de bem comum tem como
fundamento o amor maacutexima que se estabelece por meio da democracia visto que
ldquoa demofilia o demoiacutesmo o amor do povo acima de tudo como princiacutepio ativo de
toda a sua vida poliacutetica inspirador duma sempre crescente autonomia imanente eacute
que constitui a verdadeira essecircncia da democraciardquo nas palavras de Melgareacute
(2005)
Dessa forma eacute no nuacutecleo da democracia que estaacute inscrito como pedra
angular o respeito e o amor pela pessoa humana Eacute pois um tema de larga
abrangecircncia poreacutem sem querer abreviar o caminho sua efetiva possibilidade de
realizaccedilatildeo se encontra no exerciacutecio da cidadania sem repuacutedios parciais ou exclusatildeo
de qualquer ordem na plenitude de uma cidadania para todos
57
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
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RESUMO
A cidadania assumiu historicamente inuacutemeras concepccedilotildees em funccedilatildeo dos muitos contextos social e cultural em que esta inserida Sua construccedilatildeo ficou condicionada a maneira como se formaram os Estados Assim o conceito de cidadania como direito a ter direitos foi construiacutedo dentro das estruturas proacuteprias de cada Estado dessa forma a cidadania moderna se desenvolveu na medida em que as pessoas se sentem parte do Estado-naccedilatildeo podendo participar da dinacircmica e construccedilatildeo do bem comum Eacute dentro desse contexto que se insere o presente estudo que tem por objetivo discorrer a respeito dos principais instrumentos de defesa dos direitos do cidadatildeo observando a cidadania como mecanismo de transformaccedilatildeo social No Brasil a cidadania ganha relevo com a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 na qual aparece como princiacutepio fundamental A Carta Cidadatilde abarca no decorrer de seu texto inuacutemeras inovaccedilotildees no que concerne a questatildeo da caracterizaccedilatildeo da cidadania na sociedade atual e os direitos que abrangem a esfera poliacutetica civil e social No elenco de mecanismo de exerciacutecio da cidadania objeto de nossa anaacutelise estaacute o acesso ao direito e a justiccedila que eacute fator preponderante para efetivar as garantias constitucionais bem como a educaccedilatildeo que implica ao ser humano o conhecimento de si mesmo e do meio no qual estaacute inserido dele podendo participar de forma produtiva O alcance da cidadania enquanto exerciacutecio de direitos e deveres eacute colocada no acircmbito do municiacutepio por ser o ente federativo mais proacuteximo do cidadatildeo Nesse vieacutes a construccedilatildeo da cidadania plena se constitui como tarefa de muitas matildeos firmada em accedilotildees que visam o bem comum PALAVRAS-CHAVE cidadania direitos constituiccedilatildeo democracia
ABSTRACT
Citizenship assumed historically many concepts in the light of many social and cultural contexts in which it operates Its construction was conditioned how states were formed Thus the concept of citizenship as a right to have rights built into the structures of each state so modern citizenship has developed to the extent that people feel part of the nation-state can participate in the construction of dynamic and well common It is within this context that the present study which aims to talk about the main instruments of defense of civil rights noting citizenship as a mechanism for social change In Brazil citizenship becomes important to the Federal Constitution of 1988 which appears as a fundamental principle The Citizen Charter includes in the course of your text numerous innovations regarding the issue of characterization of citizenship in modern society and the rights covering the political civil and social The cast engine citizenship object of our analysis is access to law and justice that is decisive for effective constitutional guarantees as well as the education that involves the human knowledge of oneself and the environment in which it is inserted it can participate productively The scope of the exercise of citizenship as rights and duties is placed within the municipality for being the federative entity closest to the citizen In this vein the construction of full citizenship is constituted as a task of many hands signed into actions aimed at the common good KEYWORDS citizenship rights constitution democracy
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INTRODUCcedilAtildeO
A palavra cidadania tem sido usada com muita frequecircncia desde um discurso
poliacutetico a um diaacutelogo trivial pois eacute um vocaacutebulo de significado amplo que permite o
seu emprego para referir-se aos direitos humanos ou direitos do consumidor ou
para dirigir-se a um indiviacuteduo
O conceito de cidadania sempre esteve fortemente associado agrave noccedilatildeo de
direito o que de certa forma justifica a amplitude de usos do termo jaacute que a histoacuteria
da cidadania confunde-se com a histoacuteria dos direitos humanos a histoacuteria das lutas
das gentes para a afirmaccedilatildeo de valores como a liberdade a dignidade e a
igualdade de todos os seres humanos indistintamente Percebe-se portanto que
existe um estreito relacionamento entre cidadania e luta por justiccedila por democracia
e outros direitos fundamentais Pois como afirma Santana (2009)
A histoacuteria da cidadania confunde-se em muito com a histoacuteria das lutas pelos direitos humanos A cidadania esteve e estaacute em permanente construccedilatildeo eacute um referencial de conquista da humanidade atraveacutes daqueles que lutam por mais direitos maior liberdade melhores garantias individuais e coletivas []
Sua trajetoacuteria eacute longa e liga-se as transformaccedilotildees poliacuteticas ocorridas na
histoacuteria das sociedades O seu nascimento remota a Antiguidade passando por uma
perda de seu significado na Idade Media ateacute ressurgir na Modernidade e originar
calorosos debates nos dias de hoje
No Brasil estamos tecendo a nossa cidadania e aos poucos vamos nos
livrando da visatildeo restritiva da cidadania aplicada como simples conjunto de pessoas
dotadas de direitos poliacuteticos (cidadania ativa e cidadania passiva)
Passos importantes foram dados com o processo de redemocratizaccedilatildeo e a
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 mas essa trajetoacuteria ainda tem um longo caminho a
ser percorrido pois construir cidadania eacute tambeacutem construir novas relaccedilotildees e
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consciecircncia de que ela natildeo se limita a conquista legal de direitos mas tambeacutem a
realizaccedilatildeo desses direitos Sob pena de que a natildeo apropriaccedilatildeo desses direitos de
forma efetiva os transforma em letra morta
A consciecircncia cidadatilde perpassa a democracia os direitos sociais e o ideal
coletivo de justiccedila em sentido amplo o qual denominamos de bem comum A
vivecircncia da cidadania encontra diversas barreiras culturais e histoacutericas pois como
afirma Matos (2009)
Somos filhos e filhas de uma naccedilatildeo que nasceu sob o signo da cruz e da espada acostumados a apanhar calado a dizer sempre lsquosim senhorrsquo a lsquoengolir saposrsquo a achar lsquonormalrsquo as injusticcedilas a termos um lsquojeitinhorsquo para tudo a natildeo levar a seacuterio a coisa puacuteblica a pensar que direitos satildeo privileacutegios e exigi-los eacute ser boccedilal e metido a pensar que Deus eacute brasileiro e se as coisas estatildeo como estatildeo eacute por vontade Dele
Os direitos que hoje gozamos natildeo nos foram conferidos de maneira
harmoniosa foram conquistados E muitas vezes os compreendemos como uma
concessatildeo um favor de quem estaacute em cima para os que estatildeo em baixo da piracircmide
social e essa concepccedilatildeo errocircnea fragiliza a capacidade de organizaccedilatildeo participaccedilatildeo
e intervenccedilatildeo social que configura a cidadania
Este trabalho monograacutefico portanto tem como escopo discutir e traccedilar alguns
pressupostos que possibilitem a compreensatildeo do efetivo exerciacutecio da cidadania
como mecanismo transformador de uma sociedade (participaccedilatildeo cidadatilde nas
decisotildees da administraccedilatildeo puacuteblica que alcancem toda a coletividade)
compreendendo que a cidadania deve ser vista em todos os seus aspectos
principalmente no sentido que atraveacutes dela se almeja uma sociedade com vida
digna para todos Cidadania essa que se configurou e vem se impondo em meio a
fortes resistecircncias e combates
Para que os objetivos fossem alcanccedilados elegemos a pesquisa bibliograacutefica
como teacutecnica baacutesica para coletarmos os dados necessaacuterios Tratou-se de uma
proposta de estudo portanto de cunho eminentemente bibliograacutefico Assim sendo
as fontes da pesquisa foram as proacuteprias obras dos doutrinadores
Eacute por meio de referenciais teoacutericos como Hannah Arendt Joseacute Afonso da
Silva Norberto Bobbio Dalmo Dallari Walber Agra Celso Bandeira de Melo
Boaventura de Souza Joseacute Murilo de Carvalho entre outros expoentes da ciecircncia
juriacutedica que contextualizamos estes questionamentos e de certa maneira temos a
11
pretensatildeo de contribuir para o fortalecimento do debate acadecircmico em torno de um
elemento valioso para o Estado Constitucional a cidadania
A dimensatildeo doutrinaacuteria do tema diz respeito a sua importacircncia para a aacuterea de
estudos em que se insere - o Direito Pois estudar e analisar elementos constitutivos
da cidadania significa compreender uma questatildeo que vem a cada dia tomando mais
espaccedilo nos meios acadecircmicos
Nos dias atuais em que a poacutes-modernidade permeia as relaccedilotildees juriacutedicas
propiciando a interdisciplinaridade e a flexibilidade da interpretaccedilatildeo dos dispositivos
postos o processo de discussatildeo voltado para a questatildeo da cidadania vivencia na
atualidade grande relevacircncia Nesse diapasatildeo duas consideraccedilotildees seratildeo levadas a
efeito a cidadania como um fundamento constitucional da Repuacuteblica Federativa do
Brasil de acordo com o que preceitua o inciso II do artigo 1ordm da Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 o local mais propiacutecio para o exerciacutecio efetivo da cidadania eacute o
municiacutepio onde ocorrem agraves decisotildees mais proacuteximas da comunidade em que o
individuo cidadatildeo tem maior facilidade de participaccedilatildeo nas decisotildees e por fim que
os indiviacuteduos exercem cidadania acessando a justiccedila em busca de seus direitos
Neste sentido o presente trabalho analisa algumas questotildees que estiveram e
ainda estatildeo por traacutes do desenvolvimento da foacutermula da cidadania percorrendo para
tanto desde a antiguidade ateacute o tempo presente De modo que o objetivo do
mesmo eacute analisar o processo de constituiccedilatildeo e consolidaccedilatildeo da cidadania ao longo
dos tempos como tambeacutem procura demonstrar os caminhos que de fato o conceito
de cidadania percorreu ateacute chegar agraves formulaccedilotildees da nossa eacutepoca em que passou
a ser concebida como um princiacutepio fundamental da Repuacuteblica Federativa do Brasil
Defendemos por fim que a cidadania como hoje a enxergamos eacute talvez o
uacutenico arcabouccedilo viaacutevel para a convivecircncia poliacutetica sendo certo que a sociabilidade
por traacutes da construccedilatildeo estatal precisa arrimar-se em postulados democraacuteticos e
criteacuterios de emancipaccedilatildeo da liberdade individual e coletiva os quais satildeo
pressupostos da cidadania plena
12
CAPIacuteTULO 1 - NOVOS OLHARES SOBRE A CIDADANIA
A cidadania vista como uma verdadeira visatildeo democraacutetica da convivecircncia eacute
siacutembolo de todo um incessante processo desencadeado por meio de um labutar
juriacutedico-politico-cultural que vem acompanhado de vaacuterias etapas do fenocircmeno
humano na tentativa de harmonizar os interesses valores e necessidades dos
homens
Seus correspondentes mecanismos de atuaccedilatildeo na sociedade atual natildeo
surgiram como que por encanto pacificamente sem luta Brotaram apoacutes uma
semeadura ideoloacutegica em conflito com outras ideologias e doutrinas que lhe eram
contraacuterias A cidadania portanto consiste na lenta construccedilatildeo da democracia
sintetiza os esforccedilos para a obtenccedilatildeo das prerrogativas poliacuteticas sociais e culturais
que tecircm levado os membros da comunidade poliacutetica direta ou indiretamente a
decidir acerca da realidade que os cercam
Neste sentido obra de construccedilatildeo do civismo democraacutetico que vem se
fortalecendo de maneira eficaz com a promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo brasileira de
1988 a cidadania toma como ponto de partida a ideia de que o Estado democraacutetico
de Direito eacute uma conquista resultado de uma construccedilatildeo permanente da
convivecircncia sociopoliacutetica
13
11 As origens da cidadania
A expressatildeo cidadania emana do termo latino civitas No entanto pode-se
encontrar suas procedecircncias intelectuais nas religiotildees da Antiguidade e nas
civilizaccedilotildees greco-romanas Polites que os romanos traduziram por cives que eacute o
soacutecio da polis ou civitas O legado greco-romano da palavra civitas nos remete agraves
noccedilotildees de liberdade igualdade e virtudes republicanas Eacute na polis grega que os
conceitos de liberdade e igualdade ganham sentido No entanto eacute importante citar
que
A participaccedilatildeo na polis ou na civitas era exclusiva de alguns homens que participavam do funcionamento da cidade-Estado eram eles os titulares de direitos poliacuteticos Eram considerados cidadatildeos apenas os homens nascidos no solo da cidade livres e iguais portadores de dois direitos inquestionaacuteveis portadores da isonomia (igualdade perante a lei) e da isegoria (o direito de expor e discutir em puacuteblico opiniotildees sobre accedilotildees que a cidade deveria ou natildeo realizar) (CHAUIacute 1994)
Ser cidadatildeo para os gregos significava antes de tudo usufruir certas
vantagens que nenhum outro homem conhecera Como afirma Minogue ldquoOs
cidadatildeos tinham riqueza beleza e inteligecircncia diversas mas como cidadatildeos eram
iguaisrdquo (1998) Foi especialmente no seacuteculo V aC que Atenas viveu seu momento
de apogeu Nesse seacuteculo especificamente desenvolveram-se as concepccedilotildees de
cidadania e democracia Em oposiccedilatildeo agrave ideia aristocraacutetica de poder o cidadatildeo
poderia e deveria atuar na vida puacuteblica independentemente da origem familiar
classe ou funccedilatildeo (ARENDT 1995)
Da mesma forma a racionalidade era conferida a uma minoria da
populaccedilatildeo exclusivamente aos homens que tinham o direito de filosofar aleacutem de
participar da academia (culto agrave beleza fiacutesica) e do poder (direito de comandar
politicamente todos os interesses da polis mediante a elaboraccedilatildeo e execuccedilatildeo de
leis e normas administrativas) Cidadatildeo segundo o teoacuterico Coulanges
Eacute todo o homem que segue a religiatildeo da cidade que honra os mesmos deuses da cidade () o que tem o direito de aproximar-se dos altares e podendo penetrar no recinto sagrado onde se realizam as assembleias assiste agraves festas acompanha as procissotildees e participa dos panegiacutericos participa dos banquetes sagrados e recebe sua parte das viacutetimas Assim esse homem no dia em que se inscreveu no registro dos cidadatildeos jurou praticar o culto dos deuses da cidade e por eles combater (2003)
14
Os escravos e os baacuterbaros natildeo podiam tomar parte dos ambientes
sagrados Segundo alguns teoacutericos apenas 10 da populaccedilatildeo eram considerados
cidadatildeos em Atenas A fim de reduzir as despesas do Estado o governo restringiu o
direito de cidadania somente os filhos de pai e matildee atenienses seriam considerados
cidadatildeos As mulheres os metecos (estrangeiros) e os escravos continuaram
desprovidos de quaisquer direitos poliacuteticos A mulher era considera o ldquonatildeo serrdquo
equiparada aos escravos cuidava dos afazeres ldquodomeacutesticosrdquo servia como
instrumento de procriaccedilatildeo e natildeo participava portanto das decisotildees da polis
Aristoacuteteles descreve que mulheres e escravos eram mantidos fora da vista do
puacuteblico eram os trabalhadores que ldquocom o seu corpo cuidavam das necessidades
(fiacutesicas) da vidardquo Satildeo as mulheres que com seu corpo garantem a sobrevivecircncia
fiacutesica da espeacutecie Mulheres e escravos conforme Arendt
Pertenciam agrave mesma categoria e eram mantidos fora das vistas alheias - natildeo somente porque eram propriedade de outrem mas porque a sua vida era ldquolaboriosardquo dedicada a funccedilotildees corporais O filho de preferecircncia deveria ser do sexo masculino sendo candidato em potencial para exercer a cidadania O escravo servia de matildeo-de-obra para o sustento e manutenccedilatildeo dos cidadatildeos (1995)
Para Aristoacuteteles ser cidadatildeo diz respeito a todo aquele que eacute capaz de
tomar parte tanto no judiciaacuterio quanto no poder deliberativo da polis ldquoNenhum
caraacuteter define melhor o cidadatildeo no sentido estrito do que a participaccedilatildeo do exerciacutecio
dos poderes de juiz e magistradordquo (ARISTOacuteTELES A Poliacutetica III 16 Apud
TOURAINE 1994) O fim uacuteltimo do homem eacute viver na polis onde o homem se
realiza como cidadatildeo (politai) manifestando o processo de constituiccedilatildeo de sua
essecircncia a sua natureza Ou seja natildeo apenas viver em sociedade mas viver na
ldquopoliticidaderdquo
Para Aristoacuteteles a reflexatildeo sobre a poliacutetica eacute que ela natildeo se separa da
eacutetica pois segundo o estagirita a vida individual estaacute imbricada na vida comunitaacuteria
A razatildeo pela qual os indiviacuteduos reuacutenem-se nas cidades (e formam comunidades
poliacuteticas) natildeo eacute apenas a de viver em comum mas a de viver ldquobemrdquo ou a boa vida
Para que isso aconteccedila eacute necessaacuterio que os cidadatildeos vivam o bem comum ou em
15
conjunto ou por intermeacutedio dos seus governantes se acontecer o contraacuterio (a busca
do interesse proacuteprio) estaacute formada a degeneraccedilatildeo do Estado
Por fim como afirma Correcirca (1999) ldquoa cidadania da Greacutecia Claacutessica
possui um paracircmetro muito especiacutefico de difiacutecil aceitaccedilatildeo numa concepccedilatildeo
moderna de cidadaniardquo Ou seja o que caracteriza a cidadania antiga eacute seu aspecto
limitador elitista e excludente pouco semelhante com o entendimento dos nossos
dias
Destarte como a democracia a cidadania passou por diferentes e possiacuteveis
ldquoinvenccedilotildeesrdquo em periacuteodos e espaccedilos determinados da histoacuteria e da geografia do
Ocidente Greacutecia e Roma consolidaram por seacuteculos seus sistemas de governos
possibilitando e permitindo a participaccedilatildeo de um significativo nuacutemero de cidadatildeos
Com o desaparecimento das civilizaccedilotildees claacutessicas a cidadania desaparece
juntamente e por um bom tempo ficaraacute fora de cena no Ocidente
Conforme Benevides (1994) a ideia moderna de cidadania e de direitos do
cidadatildeo tem como eacute sabido soacutelidas raiacutezes nas lutas e no imaginaacuterio da Revoluccedilatildeo
Francesa
Na continuidade da tradiccedilatildeo dos seacuteculos XVII e XVIII o contratualismo de
Locke e de Rousseau forneceu as bases filosoacuteficas do conceito de cidadania do
liberalismo e as revoluccedilotildees Inglesa Americana e Francesa que validaram seu uso
ao estabelecer um viacutenculo juriacutedico-legal entre as noccedilotildees de liberdade igualdade
fraternidade e o Estado-naccedilatildeo (MOISEacuteS 2005)
Nos seacuteculos XVIII e XIX outras correntes teoacutericas sobre o direito e a cidadania
seratildeo contempladas No entanto estas teorias vatildeo se contrapor agraves teorias do
jusnaturalismo e do contratualismo Segundo Correcirca (1999)
Para o positivismo juriacutedico (positivismo normativista de Kelsen) bem como para a Escola da Exegese e a Escola Histoacuterica o que vale eacute o ensino dogmaacutetico - as normas (exclue-se a anaacutelise interdisciplinar entre outras aacutereas principalmente com as Ciecircncias Sociais) A lei eacute a uacutenica fonte do direito Para essas escolas a cidadania eacute negada
Mais proacuteximo de noacutes no seacuteculo XX T A Marshall foi quem primeiro
discutiu o conceito de cidadania e suas dimensotildees no ensaio claacutessico ldquoCidadania e
classe socialrdquo Ainda hoje depois de mais de seis deacutecadas apoacutes a sua publicaccedilatildeo
16
(em 1949) o ensaio de Marshall continua a ser a referecircncia teoacuterica fundamental
para quem comeccedila a refletir sobre a cidadania na sociedade contemporacircnea eacute o
que se pode constatar de resto atraveacutes da consulta a mais recente bibliografia
dedicada a esse tema
Os Direitos Civis dentro da tradiccedilatildeo apresentada por Marshall estatildeo
ligados aos direitos fundamentais do homem como o direito agrave vida agrave liberdade agrave
propriedade e agrave igualdade perante a lei Jaacute os Direitos Poliacuteticos se referem agrave
participaccedilatildeo do cidadatildeo no governo da sociedade Seu exerciacutecio eacute limitado a uma
reduzida parcela da populaccedilatildeo e consiste na capacidade de fazer demonstraccedilotildees
poliacuteticas formar e participar de agremiaccedilotildees poliacuteticas organizar partidos votar e ser
votado Em geral quando se fala de direitos poliacuteticos
Eacute do direito do voto que se estaacute falando Por fim aparecem os Direitos Sociais que garantem a participaccedilatildeo no governo da sociedade e na riqueza coletiva Eles incluem o direito agrave educaccedilatildeo ao trabalho ao salaacuterio justo agrave sauacutede e agrave aposentadoria (CARVALHO 2002)
Eacute a soma desses direitos (civis poliacuteticos e sociais) que garantem a
emancipaccedilatildeo humana e a justiccedila social Certamente Marshall descreveu a evoluccedilatildeo
da cidadania em seu paiacutes de origem ou seja a Inglaterra Foi nesse paiacutes que
surgiram inicialmente os direitos civis no seacuteculo XVIII depois vieram os direitos
poliacuteticos (XIX) e por fim os direitos sociais (XX) Trata-se portanto de verdadeiras
conquistas da contemporaneidade E como tal fazem parte de um cotidiano em que
homens e mulheres lutam por dias melhores pelo Direito justo por uma cidadania
plena e eficaz por uma convivecircncia equilibrada pela existecircncia plena daqueles que
acreditam e defendem os valores por traacutes da dignidade da pessoa humana
12 A construccedilatildeo da cidadania
A Cidadania natildeo pode ser vista como um conceito estaacutetico pois ela natildeo se
resume somente em participaccedilatildeo atraveacutes de eleiccedilotildees mas sim como uma
construccedilatildeo da democracia politizada e participativa da construccedilatildeo do poder
17
Nas uacuteltimas deacutecadas o Brasil passou por significativas mudanccedilas de
paradigmas dentre os quais podemos citar a reconstruccedilatildeo do conceito proposto de
cidadania Pode-se dizer que apesar das inuacutemeras desigualdades socioeconocircmicas
o termo ldquocidadaniardquo evoluiu ampliando-se a abrangecircncia de sua concepccedilatildeo
abarcando todas as categorias sociais Para tanto para que possamos compreender
como vem se dando essa evoluccedilatildeo eacute preciso que conheccedilamos como tem se dado a
construccedilatildeo histoacuterica da representaccedilatildeo simboacutelica da cidadania
Durante toda a sua evoluccedilatildeo histoacuterica a palavra cidadania e as vaacuterias facetas
que ela assumiu nas uacuteltimas deacutecadas vecircm convivendo de perto com dissensotildees
sociais interesses e conflitos ideoloacutegicos culturais e poliacuteticos que se dedicam a
defender ou construir um modelo de cidadania compatiacutevel com as conjunturas de
cada tempo e de cada lugar
A marcha da cidadania sempre esteve ligada a avanccedilos retrocessos crises e
vitoacuterias enfim a iniciativas voltadas para a implantaccedilatildeo de uma estrateacutegia de luta
pelos direitos humanos pois ela esteve e estaacute em permanente construccedilatildeo eacute como
dizem os grandes teoacutericos um referencial de conquista da humanidade atraveacutes
daqueles que sempre lutaram e lutam por mais direitos mais liberdade melhores
garantias sejam elas individuais ou coletivas e natildeo se conformam frente agraves
dominaccedilotildees arrogantes de um pequeno grupo dominador e opressor contra uma
maioria desassistida e que natildeo se consegue fazer ouvir exatamente porque se lhe
nega a cidadania plena cuja conquista ainda que tardia natildeo seraacute obstada
Os caminhos trilhados pelos que defendem a cidadania podem vir a
apresentar em termos de sentimento constitucional a luta por um Estado
Democraacutetico de Direito que ajude na construccedilatildeo de uma adequada compreensatildeo
das situaccedilotildees de conjuntura e dos problemas estruturais que a sociedade enfrenta
dia apoacutes dia situaccedilotildees essas que se congregam para gerar a falta de efetividade
normativa da nossa Constituiccedilatildeo Aleacutem disso oferecem um amplo panorama acerca
dos esforccedilos que os povos empreenderam para fundar os alicerces das democracias
constitucionais do mundo moderno
A histoacuteria da construccedilatildeo da cidadania eacute uma histoacuteria de resistecircncias de povos
contra as opressotildees dos governos do desespero e das necessidades das massas eacute
a histoacuteria da esperanccedila e do empenho das naccedilotildees a histoacuteria da convivecircncia das
paixotildees humanas do futuro das geraccedilotildees eacute a histoacuteria do sofrimento e da dor eacute a
histoacuteria das vicissitudes e dramas do proacuteprio fenocircmeno humano
18
13 Cidadania um fenocircmeno cultural
A cidadania eacute um fenocircmeno cultural relacionada com a conquista de direitos
com as construccedilotildees das instituiccedilotildees com a proteccedilatildeo dos direitos fundamentais e
dos valores juriacutedicos e humanos Trata-se de uma realidade cultural cuja finalidade eacute
determinar o modo como agraves pessoas devem vincular-se agraves mudanccedilas nas estruturas
sociais determinando o modo como agraves pessoas devem atuar e (com) viver em
sociedade
De certo modo a cidadania como o Direito e todos os direitos representa uma
conquista da cultura frente agrave conflitiva natureza humana Tal conclusatildeo ajuda a
compreender o Estado Democraacutetico de Direito e tudo aquilo que ele simboliza em
termos de emancipaccedilatildeo da pessoa humana Nessa linha a necessidade de
compreender o conceito atual de cidadania agrave luz das questotildees culturais e sociais
postas pela sociedade poacutes-moderna veio-nos como heranccedila do processo cultural de
formaccedilatildeo das democracias modernas
Essa representaccedilatildeo cultural da cidadania vem sendo tratada pelos
pensadores modernos sob vaacuterios enfoques Num primeiro momento surge assim
por exemplo a cidadania civil que marcou a superaccedilatildeo da situaccedilatildeo observada na
Idade Meacutedia garantindo os direitos quanto agrave liberdade e agrave justiccedila e vinculando-se
diretamente agrave burguesia Jaacute a cidadania poliacutetica surgiu com a universalizaccedilatildeo de seu
proacuteprio conceito e com a ampliaccedilatildeo dos direitos civis Esta nova consciecircncia sobre
as diferenccedilas no interior do status de cidadatildeo acentua os debates sobre a exclusatildeo
social os direitos humanos e mesmo sobre a atuaccedilatildeo poliacutetica da sociedade civil Por
outro lado no atual estaacutegio do capitalismo falar em cidadania significar considerar
igualmente as proacuteprias mudanccedilas ocorridas na sociedade nos valores e na
educaccedilatildeo proporcionados pelas inovaccedilotildees da realidade tecnocientifica
Temos desse modo associado ao atual conceito de cidadania um repertoacuterio
teoacuterico e mesmo praacutetico cuja amplitude acompanha o proacuteprio desenvolvimento das
sociedades poacutes-modernas dando a impressatildeo crescente como afirma Harvey
19
De uma poderosa configuraccedilatildeo de novos sentimentos e pensamentos Que parecia a caminho de desenvolvimento social e poliacutetico apenas em virtude da maneira como definia padrotildees de criacutetica social e de praacutetica poliacutetica Em anos recentes ele vem determinando os padrotildees de debate definindo o modo do lsquodiscursorsquo e estabelecendo paracircmetros para a criacutetica cultural poliacutetica e cultural (1992)
Contudo a extensatildeo desses direitos agrave totalidade da populaccedilatildeo natildeo
possibilitou a garantia da liberdade e da igualdade idealizadas por Rousseau em sua
obra ldquoO Contrato Socialrdquo Por outro lado pode-se dizer que todos esses anos de
desenvolvimento acabaram por afirmar que a cidadania de fato soacute pode se constituir
por meio de acirrada luta cotidiana por direitos e pela garantia daqueles que jaacute
existem
Mais do que isso nota-se maior preocupaccedilatildeo com a difusatildeo desses direitos
seja por meio de educaccedilatildeo formal seja pelos meios de comunicaccedilatildeo Livros
didaacuteticos e paradidaacuteticos tecircm fomentado a discussatildeo sobre o status de cidadatildeo e os
direitos humanos outros associam ao desenvolvimento da cidadania uma
discussatildeo sobre os meios de comunicaccedilatildeo e o proacuteprio capitalismo como afirma o
professor Dalmo de Abreu Dallari em Cidadania e Direitos Humanos (1998)
Nessa perspectiva problemas recorrentes como as violaccedilotildees dos direitos
humanos as ineficiecircncias no campo social e o processo de pauperizaccedilatildeo
manifestado na periferia do capitalismo mostram que a cidadania exige mais do que
o simples ato de votar ou de pertencer a uma sociedade poliacutetica Cabe portanto agrave
sociedade civil caraacuteter representativo que substitua as pressotildees ou mesmo a
atuaccedilatildeo legiacutetima dos cidadatildeos
A evoluccedilatildeo da cidadania portanto consiste na lenta construccedilatildeo da
democracia que sintetiza os esforccedilos para a obtenccedilatildeo das prerrogativas ideoloacutegicas
e culturais que tecircm levado os membros da sociedade a decidirem acerca da
realidade que os cercam
14 Cidadania no Brasil breves consideraccedilotildees
Discorrer sobre a construccedilatildeo da cidadania no Brasil eacute tocar num ponto
crucial da nossa histoacuteria Passados mais de 500 anos da chegada dos portugueses
20
por estas paragens percebe-se que a consolidaccedilatildeo da cidadania ainda eacute um desafio
para todos os brasileiros
O tema cidadania muito se tem discutido na academia e fora dela o jargatildeo
da cidadania estaacute na moda nas instituiccedilotildees poliacuteticas e juriacutedicas como tambeacutem na
opiniatildeo puacuteblica mas concretamente eacute um conceito ainda a ser construiacutedo
No contexto histoacuterico-cultural e poliacutetico dos gregos especificamente por
volta do ano 380 aC (periacuteodo do apogeu daquela civilizaccedilatildeo) embora a cidadania
fosse limitada a uma parcela social minoritaacuteria pode-se afirmar que tanto a
democracia quanto a cidadania grega natildeo deixam de ser conquistas ineacuteditas e
avanccedilos significativos para a histoacuteria ocidental Jaacute a evoluccedilatildeo e a real consolidaccedilatildeo
da cidadania na modernidade nascem a partir dos direitos naturais (vida
propriedade liberdade) do homem liberal burguecircs garantido pelas consecutivas
ldquoDeclaraccedilotildees de Direitosrdquo elaboradas a partir das revoluccedilotildees liberais na Inglaterra
(Revoluccedilatildeo Gloriosa 1688-89) Estados Unidos (Emancipaccedilatildeo poliacutetica 1776) Franccedila
(Revoluccedilatildeo Francesa)
No entanto pode-se dizer que o nosso paiacutes apesar da influecircncia dos paiacuteses
europeus vivenciou como ainda vivencia uma difiacutecil construccedilatildeo da cidadania
A longa histoacuteria do Brasil vem elencando razotildees profundas para a nossa
natildeo-cidadania atual a exemplo da conquista (ou invasatildeo) do nosso territoacuterio o
grande latifuacutendio a escravidatildeo a monocultura de exportaccedilatildeo o analfabetismo a
perpetuaccedilatildeo das elites poliacuteticas no poder fatores que refletem nos viacutecios da vida
social cultural poliacutetica e econocircmica do paiacutes
Fundamentalmente eacute preciso afirmar que no Brasil a construccedilatildeo da
cidadania natildeo seguiu a loacutegica da trajetoacuteria inglesa Houve no Brasil segundo
Carvalho (2002) pelo menos duas diferenccedilas importantes
A primeira refere-se agrave maior ecircnfase em um dos direitos o social em relaccedilatildeo aos outros a segunda refere-se agrave alteraccedilatildeo na sequecircncia em que os direitos foram adquiridos entre noacutes o social precedeu os outros
Uma das razotildees fundamentais das dificuldades da construccedilatildeo da cidadania
estaacute ligada como nos diz Carvalho ao ldquopeso do passadordquo mais especificamente ao
periacuteodo colonial (1500-1822) quando
21
Os portugueses tinham construiacutedo um enorme paiacutes dotado de unidade territorial linguiacutestica cultural e religiosa Mas tinham deixado uma populaccedilatildeo analfabeta uma sociedade escravocrata uma economia monocultora e latifundiaacuteria um Estado Absolutista (CARVALHO 2002)
Em suma foram 322 anos sem poder puacuteblico sem Estado sem naccedilatildeo e
cidadania Diante de tatildeo obscuro cenaacuterio de dominaccedilatildeo opressatildeo dentre outras
formas de natildeo efetivaccedilatildeo da cidadania no Brasil podemos elencar dentre outros
tantos fatores quais foram os principais obstaacuteculos para a construccedilatildeo da cidadania
brasileira O latifuacutendio agro-exportador do periacuteodo colonial bem como o escravismo
o analfabetismo marcaram negativamente nossas origens e ateacute hoje dificultam
avanccedilos no acircmbito poliacutetico-social e econocircmico Aleacutem dessas outras razotildees foram e
continuam sendo entraves para a consolidaccedilatildeo das instituiccedilotildees poliacutetica que
impedem os avanccedilos necessaacuterios para uma cidadania plena Na ordem poliacutetica
permanecem ainda algumas mazelas histoacutericas como o patrimonialismo
(promiscuidade entre o puacuteblico e o privado) o coronelismo com sua nova roupagem
o clientelismo aleacutem da corrupccedilatildeo entre outros
Mesmo diante de tatildeo vergonhoso cenaacuterio natildeo podemos nos dispensar que
tambeacutem alcanccedilamos mesmo que de forma tiacutemida significativas conquistas de
direitos no Brasil comparadas com outros paiacuteses que vivenciaram um processo de
colonizaccedilatildeo semelhante ao nosso A conquista desses direitos deu-se de maneira
tardia e inversa haja vista que somente em 1824 mais de 320 anos apoacutes a chegada
dos portugueses foi que surgiram os primeiros direitos civis e poliacuteticos (antes disso
estaacutevamos submetidos agrave lei da coroa portuguesa) Aos poucos surgiram os direitos
sociais mas exatamente no momento em que os direitos civis e poliacuteticos estavam
sendo negados no periacuteodo da ditadura de Vargas (1937-45) e na ditadura militar
(1964-1985) Parece um paradoxo mas foi exatamente nesse periacuteodo de
conturbaccedilotildees poliacuteticas que marchamos em direccedilatildeo agrave conquista de significativos
direitos que iriam projetar uma ideia de lutas e vitoacuterias que se projetariam no campo
da cidadania de modo bastante concreto
Por fim haveremos de concordar com Benevides (1994) ao afirmar que no
intuito de reverter agrave realidade poliacutetico-social excludente ou de uma cidadania
passiva ou sem ldquopovordquo eacute necessaacuterio recorrer agrave defesa de mecanismos institucionais
22
como o referendo o plebiscito e a iniciativa popular para a construccedilatildeo do que ela
chama de uma cidadania ativa ou democracia semidireta Alguns autores veem
dificuldades na implementaccedilatildeo desse sistema em paiacuteses que estatildeo em processo de
democratizaccedilatildeo no entanto logo em seguida apontam para a educaccedilatildeo poliacutetica ndash
entendida como educaccedilatildeo para a cidadania ativa
Desse modo pode-se proferir que todos esses anos de desenvolvimento
acabaram por afirmar que a cidadania de fato soacute pode se constituir por meio de
acirrada luta cotidiana por direitos e pela garantia daqueles que jaacute existem pois
apesar da existecircncia de profundas desigualdades sociais a ideia de cidadania
evoluiu com o passar dos anos Ampliou-se a abrangecircncia de sua concepccedilatildeo
abraccedilando todas as classes sociais e minorias Deixou de restringir-se apenas agrave
participaccedilatildeo poliacutetica para relacionar uma seacuterie de deveres da sociedade para com o
cidadatildeo Na praacutetica ainda haacute muito que se fazer para que direitos e deveres sejam
os mesmos para todos No entanto a busca pela realizaccedilatildeo da maacutexima ldquocada
homem um votordquo continua a ser perseguida
A luta pela conquista plena da cidadania eacute parte integrante da democracia
uma vez que assegura a continuidade das transformaccedilotildees juriacutedicas poliacuteticas entre
outras Natildeo resta duacutevida acerca do papel estruturante que essa luta desempenha no
quadro das democracias contemporacircneas fato que a converte em uma irresistiacutevel
conquista da modernidade O caraacuteter estruturante que a cidadania projeta nos
quadros da democracia atual estaacute ligado a permanente busca de um Estado
compatiacutevel com a realidade de cada tempo histoacuterico
23
CAPIacuteTULO 2 - CIDADANIA Agrave LUZ DA CONSTITUICcedilAtildeO FEDERAL DE
1988
A Constituiccedilatildeo eacute a ordem juriacutedica fundamental da comunidade nas palavras
de Konrad Hesse (apud PALU 2001) eacute um documento juriacutedico e poliacutetico dirigido aos
cidadatildeos e estes satildeo os seus primeiros destinataacuterios A Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica eacute
a Lei fundamental composta por um conjunto de normas baacutesicas que compotildeem a
estrutura juriacutedica poliacutetica social e econocircmica de um paiacutes Essa eacute razatildeo pela qual
ela eacute chamada de Carta Magna pois a ela nada se sobrepotildee Para Dallari (1985) a
Constituiccedilatildeo
[] eacute a declaraccedilatildeo da vontade poliacutetica de um povo feita de modo solene por meio de uma lei que eacute superior a todas as outras que visando agrave proteccedilatildeo da dignidade humana estabelece os direitos e as responsabilidades fundamentais dos indiviacuteduos dos grupos sociais do povo e do governo
Desta forma uma Constituiccedilatildeo natildeo surge do nada ela eacute resultado de
observaccedilotildees e experiecircncias e sua finalidade eacute de afirmar e garantir os direitos
elementares das pessoas humanas disciplinar o uso ao mesmo tempo em que
evita o abuso de poder organizando de forma racional a sociedade e o governo
Satildeo inegaacuteveis as inovaccedilotildees teacutecnicas trazidas pela Constituiccedilatildeo Brasileira de
1988 no campo da instituiccedilatildeo garantia e proteccedilatildeo dos direitos fundamentais A
dignidade da pessoa humana e o exerciacutecio da cidadania satildeo considerados princiacutepios
fundamentais da Carta Magna Brasileira de 1988
Cidadania direito a ter direitos na acepccedilatildeo de Haberle ( apud VALADEacuteS
2009) refere-se a todos os direitos previstos na Constituiccedilatildeo de 1988 e ainda
aqueles natildeo expressos mas decorrentes do regime e dos princiacutepios por ela
adotados na dicccedilatildeo do sect 2deg art 5deg
O princiacutepio fundamental da cidadania conforme jaacute exposto impregna todo o
texto constitucional vigente a partir do art 1deg II em que figura de forma
24
exponencial relativamente ao Estado brasileiro e tudo que lhe corresponda no
exerciacutecio de um poder que adquire significaccedilatildeo renovada e amplificada na
sociedade contemporacircnea Segundo Arendt
A cidadania eacute o direito a ter direitos pois a igualdade em dignidade e direitos dos seres humanos natildeo eacute um dado Eacute um construiacutedo da convivecircncia coletiva que requer o acesso ao espaccedilo puacuteblico Eacute este acesso ao espaccedilo puacuteblico que permite a construccedilatildeo de um mundo comum atraveacutes do processo de asserccedilatildeo dos direitos humanos
Nesse diapasatildeo o direito a ter direitos compreende o pleno acesso ao
espaccedilo puacuteblico o efetivo exerciacutecio do poder poliacutetico das prerrogativas inerentes agrave
cidadania conforme explicita a Constituiccedilatildeo no art 5deg LXXI a propoacutesito do
mandado de injunccedilatildeo no dizer todo direito atribuiacutedo com o caraacuteter de exclusividade
agrave pessoa
21 Estado Democraacutetico de Direito espaccedilo de cidadania
Apoacutes a eacutepoca de grandes restriccedilotildees militares o ato de promulgaccedilatildeo da
Constituiccedilatildeo Federal em 05 de outubro de 1988 vem marcar uma nova fase de
esperanccedila para os brasileiros Ao batizaacute-la de Constituiccedilatildeo cidadatilde a Assembleia
Nacional Constituinte atraveacutes de seu presidente o Deputado Ulisses Guimaratildees
resumiu o espiacuterito do texto constitucional assegurar aos brasileiros direitos sociais
essenciais ao exerciacutecio da cidadania e estabelecer mecanismos para garantir o
cumprimento de tais direitos
O que se viu a partir de entatildeo foi uma lenta poreacutem significativa mudanccedila na
sociedade brasileira A Constituiccedilatildeo Federal que eacute sem duacutevidas um marco na
histoacuteria do paiacutes traccedila a prioridade dada pelos constituintes aos direitos dos
brasileiros que pode ser observada em todas as questotildees
A Carta faz uma ampliaccedilatildeo dos direitos individuais sociais e poliacuteticos e como
se observa a inserccedilatildeo dos direitos sociais como segundo tiacutetulo revela a primazia
que o constituinte quis daacute a estes direitos em detrimento de todos os outros
incluindo os referentes agrave organizaccedilatildeo do Estado e dos Poderes que vecircm depois
25
Ao contraacuterio do que ocorreu com as Constituiccedilotildees anteriores esse
ordenamento dos capiacutetulos parece revelar que a Carta eacute o prenuacutencio de um paiacutes em
que os direitos dos cidadatildeos formam a base do ordenamento do Estado Essa ideia
foi expressa pelo presidente da Assembleacuteia Constituinte deputado Ulysses
Guimaratildees que voltamos a citar quando anunciou
Diferentemente das sete constituiccedilotildees anteriores esta comeccedila com o homem De modo gratificante testemunha a primazia do homem que foi escrita para o homem que o homem eacute seu fim e sua esperanccedila Eacute a Constituiccedilatildeo cidadatilde
A Constituiccedilatildeo nasceu da constataccedilatildeo de que o figurino juriacutedico formulado
para o Brasil desde os primoacuterdios do Estado nacional natildeo se compatibilizava com as
necessidades dos brasileiros Houve avanccedilos na formalizaccedilatildeo da Lei Magna
especialmente no tocante aos direitos de cidadania mas estamos longe do ideal
preconizado pela carta cidadatilde O que nos leva a crer que a cidadania eacute um processo
diaacuterio e permanente de construccedilatildeo Pois natildeo basta garantir o direito eacute preciso
exercecirc-lo
A cidadania abraccedilada pela atual Constituiccedilatildeo Federal Brasileira teve seu
conteuacutedo ampliado e natildeo se restringe ao simples fato de possuir um tiacutetulo de eleitor
para votar e ser votado ela estabelece cidadania como princiacutepio fundamental da
Repuacuteblica do Brasil desta forma o conceito decorrente pode ser entendido
conforme preleciona Silva (2005) ldquocidadania estaacute aqui num sentido mais amplo do
que o de titular de direitos poliacuteticos Qualifica os participantes da vida do Estado
reconhecimento do indiviacuteduo como pessoa integrada a sociedade estatalrdquo
Tal conceito nos leva a relacionar cidadania com democracia uma vez que
optou-se pelo Estado Democraacutetico de Direito o qual assenta seus alicerces na
participaccedilatildeo popular em questotildees que envolvem a coisa puacuteblica Para Moraes
(2005) esse Estado de Direito ldquosignifica a exigecircncia de reger-se por normas
democraacuteticas com eleiccedilotildees livres perioacutedicas e pelo povo bem como o respeito das
autoridades puacuteblicas aos direitos e garantias fundamentaisrdquo
O propoacutesito da opccedilatildeo pelo Estado Democraacutetico de Direito eacute que a cidadania e
os demais direitos fundamentais fluam com plenitude talvez seja o que justifique a
denominaccedilatildeo da Carta Magna de cidadatilde pois o povo passa a atuar de forma mais
ativa na vida poliacutetica do Estado uma vez que a ele foi concedido esse poder
26
A cidadania portanto soacute adquire pleno significado no mundo contemporacircneo
num Estado Democraacutetico de Direito para tanto exige um ambiente de vida e de
conviacutevio entre os homens tiacutepico e proacuteprio de um Estado Democraacutetico pois a
cidadania constitui fundamento primordial daquele Estado qual seja possibilitar aos
indiviacuteduos habitantes de um paiacutes o seu pleno desenvolvimento atraveacutes do alcance
de igual dignidade social e econocircmica
Segundo Rozicki (2005) O ambiente de vida social do Estado Democraacutetico
cujos pilares se encontram na efetividade dos direitos fundamentais da pessoa
humana em uma sociedade solidaacuteria soacute eacute possiacutevel atraveacutes da observaccedilatildeo de alguns
postulados que lhe satildeo essenciais os quais a autora denomina de pressupostos do
Estado democraacutetico de Direito
1)a valorizaccedilatildeo e atualidade da dignidade do homem e o reconhecimento da importacircncia de dispensar a todos tratamento fraternal igualitaacuterio e natildeo discriminativo 2) a confianccedila nos talentos e possibilidades latentes dos homens 3) a seguranccedila e o creacutedito nos valores institucionalizados pelas massas como fundamentos para o progresso do bem comum e o alcance da justiccedila 4) a aceitaccedilatildeo da legitimidade das decisotildees tomadas por meio de processos racionais e participativos de deliberaccedilatildeo com o consenso da maioria que constitui o reflexo o resultado de debates livres entre todos 5) o respeito aos grupos minoritaacuterios 6) e a compreensatildeo de que todo o interesse geral eacute a siacutentese dos diversos interesses e ideacuteias dos indiviacuteduos e dos grupos diferentes centros de poder que integram a sociedade pluralista
Percebe-se que o conceito amplo de cidadania encontra seus princiacutepios
baacutesicos e estruturantes nesses pressupostos intimamente ligado aos conceitos de
democracia e de igualdade No tocante ao conceito de igualdade elucidativa eacute a
liccedilatildeo de Rozicki (2005) quando afirma que
O princiacutepio de igualdade disciplina todas as atividades puacuteblicas e tem aplicaccedilatildeo direta nas relaccedilotildees privadas que ocorrem entre os particulares impondo para tornaacute-lo real a proibiccedilatildeo de discriminaccedilotildees e a eliminaccedilatildeo das desigualdades faacuteticas nos planos social e econocircmico proporcionando a todos os cidadatildeos igual condiccedilatildeo de vida e mesma posiccedilatildeo perante o Estado Democraacutetico
E complementa que tambeacutem para a realizaccedilatildeo da cidadania o princiacutepio
democraacutetico torna indispensaacutevel agrave participaccedilatildeo popular nas tomadas de decisatildeo No
seu entender
27
A cidadania no Estado democraacutetico de direito efetivada oferece aos cidadatildeos como iguais condiccedilotildees de existecircncia o gozo atual de direitos e a obrigaccedilatildeo do cumprimento de deveres que resumidamente podem ser assim apresentados exerciacutecio de direitos fundamentais e participaccedilatildeo e os deveres de colaboraccedilatildeo e solidariedade (Rozicki 2005)
Natildeo obstante eacute vaacutelido ressaltar um princiacutepio igualmente importante e deveras
esquecido a fraternidade Este princiacutepio que eacute um dos trecircs pilares da Revoluccedilatildeo
Francesa eacute pouco discutido apesar de assumir um papel decisivo na consolidaccedilatildeo
da democracia da politica e do poder
A fraternidade eacute necessaacuteria para o estabelecimento de uma comunidade
politicamente solidaacuteria com indiviacuteduos iguais e livres
Para finalmente concebermos um Estado Democraacutetico de Direito que trate os
iguais na medida de suas desigualdades
22 Os direitos fundamentais como pressupostos de identidade da cidadania
Os direitos fundamentais vistos como um dos traccedilos mais marcante do
constitucionalismo moderno consistem no resultado da luta dos homens por um
direito ideal justo e humano representam situaccedilotildees reconhecidas juridicamente
sem as quais o homem eacute incapaz de alcanccedilar sua proacutepria realizaccedilatildeo e
desenvolvimento plenamente daiacute dizer-se que o princiacutepio preponderante que
condensa os direitos fundamentais eacute o da dignidade da pessoa humana
Os direitos fundamentais satildeo o conjunto de normas de um ordenamento juriacutedico que formam um subsistema deste fundado na liberdade na igualdade na seguridade na solidariedade expressotildees da dignidade do homem que formam parte da norma baacutesica material de identificaccedilatildeo do ordenamento juriacutedico e constitui um setor de moralidade procedimental positivada que legitima o Estado Social de Direito (MARTINEZ apud AGRA 2002)
Tais direitos foram e vatildeo sendo aperfeiccediloados e estendidos ao longo do
tempo resta dizer que os mesmos estabelecem faculdades da pessoa humana que
permitem sua breve classificaccedilatildeo do seguinte modo 1) os direitos civis e poliacuteticos
de liberdade como por exemplo a liberdade de expressatildeo de propriedade de
28
manifestaccedilatildeo do pensamento de associaccedilatildeo de imprensa de reuniatildeo de igualdade
formal perante a lei de participaccedilatildeo poliacutetica o devido processo legal o habeas
corpus o direito de peticcedilatildeo etc 2) os direitos sociais econocircmicos e culturais de
participaccedilatildeo poliacutetica tais como a igualdade de sufraacutegio o direito de voto e de
elegibilidade o direito de peticcedilatildeo e os direitos de participaccedilatildeo poliacutetica 3) os direitos
da titularidade coletiva que satildeo aqueles ligados a solidariedade e a fraternidade
como por exemplo o direito agrave preservaccedilatildeo do meio ambiente e agrave qualidade de vida
etc 4) os direitos chamados de quarta geraccedilatildeo por exemplo direito a democracia a
informaccedilatildeo ao comeacutercio eletrocircnico entre os estados etc
Natildeo existe qualquer relaccedilatildeo hieraacuterquica entre estes direitos mesmo porque
todos interagem entre si de nada servindo um sem a existecircncia dos outros Esta
divisatildeo acontece devido agrave eterna e constante busca do homem por mais proteccedilatildeo
mais garantia com o objetivo de alcanccedilar uma sociedade mais justa igualitaacuteria e
fraterna
Na evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais Agra (2002) chama a atenccedilatildeo do
relevo que adquirem a democratizaccedilatildeo da informaccedilatildeo e os mecanismos de
democracia participativa E justifica que a democratizaccedilatildeo da informaccedilatildeo natildeo se
caracteriza apenas pela existecircncia de uma miacutedia plural sem nenhum tipo de
monopoacutelio mas deve ser concebida como a obrigaccedilatildeo que todos os cidadatildeos tecircm
de tomar consciecircncia dos graves problemas que afligem a humanidade e que os
mecanismos da democracia participativa concebem a cidadania em extensatildeo muito
superior ao voto abrangendo a interferecircncia direta do cidadatildeo nas decisotildees
governamentais mediante vaacuterios mecanismos juriacutedicos como o plebiscito o recall o
orccedilamento participativo etc
De acordo com Silva (2005) os Direitos Fundamentais na Constituiccedilatildeo de
1988 abrangem os ldquodireitos individuais sociais poliacuteticos e tambeacutem os direitos
econocircmicos Para o autor a ampliaccedilatildeo e transformaccedilatildeo dos direitos fundamentais
do homem na histoacuteria dificultam uma definiccedilatildeo sinteacutetica do conceitordquo
Essa dificuldade aumenta diante do emprego de vaacuterias expressotildees para
designaacute-los tais como direitos naturais direitos humanos direitos do homem
direitos individuais direitos puacuteblicos subjetivos liberdades fundamentais liberdades
puacuteblicas e direitos fundamentais do homem No entanto direitos fundamentais do
homem constitui a expressatildeo mais adequada porque na palavra fundamentais
acha-se a indicaccedilatildeo de que se trata de situaccedilotildees sem as quais o indiviacuteduo natildeo tem
29
uma vida digna natildeo convive e agraves vezes nem mesmo sobrevive A expressatildeo
direitos fundamentais eacute a mais precisa no sentido de que a todos por igual devem
ser natildeo apenas formalmente reconhecidos mas concreta e materialmente
efetivados
Por sua vez a atual Corte em julgamento do habeas corpus (HC ndeg
82424RS) marca seu posicionamento no tocante ao sistema de direitos
fundamentais insculpido na Constituiccedilatildeo de 1988 atraveacutes dos profundos e bem
fundamentados votos dos Ministros que aleacutem de delimitarem a extensatildeo e os limites
da liberdade de expressatildeo (art 5o IV e IX) acabaram indicando as bases filosoacuteficas
e juriacutedicas para a interpretaccedilatildeo do cataacutelogo de direitos fundamentais da Constituiccedilatildeo
de 1988
Nesse sentido o voto do Ministro Marco Aureacutelio tratou de definir o sistema de
direitos fundamentais como a ldquoproacutepria essecircncia da Constituiccedilatildeordquo qualificando-os
como ldquovalores objetivos que servem como norte da atuaccedilatildeo estatalrdquo Assim estaacute
consignado nos fundamentos do referido voto
A Constituiccedilatildeo de 1988 representou um divisor de aacuteguas entre o antigo regime totalitaacuterio e um periacuteodo de redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes marcando dessa forma uma eacutepoca que tem como modelo de atuaccedilatildeo do Estado o respeito incondicional aos direitos fundamentais Por isso mesmo o sistema constitucional dos direitos fundamentais previsto no artigo 5o da Carta com os eventuais acreacutescimos do sect 2o reflete em rigor e em larga medida a proacutepria essecircncia da Constituiccedilatildeo e a retomada do processo de democratizaccedilatildeo e da garantia do cidadatildeo contra abusos e arbitrariedades no exerciacutecio do Poder Puacuteblico Os direitos fundamentais satildeo hoje verdadeiros princiacutepios estruturantes da organizaccedilatildeo e do funcionamento do Estado valores objetivos que servem como norte da atuaccedilatildeo estatal em seus mais diferentes niacuteveis no Legislativo formam um cataacutelogo de princiacutepios e garantias que informam e direcionam toda a atividade de criaccedilatildeo das normas de nosso ordenamento juriacutedico e de concretizaccedilatildeo dos preceitos constitucionais no Executivo mostram-se como verdadeiros limites ao exerciacutecio do poder administrativo servindo como trincheiras de proteccedilatildeo da liberdade do cidadatildeo e no judiciaacuterio refletem a base e o fundamento necessaacuterio da compreensatildeo e interpretaccedilatildeo de nossas normas ndash efeito interpretativo - evitando que a atividade jurisdicional se transforme em medidas discricionaacuterias ou providecircncias ilegiacutetimas de opccedilotildees poliacuteticas pautadas em escolhas pessoais dos juiacutezes
Tudo indica que se trata do iniacutecio de uma soacutelida construccedilatildeo jurisprudencial a
respeito do sentido axioloacutegico do sistema de direitos fundamentais da Constituiccedilatildeo
de 1988
30
Os Direitos Individuais satildeo de exerciacutecio exclusivo do indiviacuteduo e devem ser
formalmente reconhecidos e concretizados no cotidiano do cidadatildeo O indiviacuteduo aqui
eacute considerado um sujeito de direitos e natildeo apenas como integrante de um corpo
social Esses direitos natildeo podem sofrer nenhum tipo de restriccedilatildeo natildeo se
discriminando quem os pode exercer uma vez que satildeo titulares todas as pessoas
capazes incapazes brasileiras estrangeiras alfabetizadas e iletradas
A Constituiccedilatildeo Cidadatilde foi a primeira a estabelecer direitos natildeo soacute de
indiviacuteduos mas tambeacutem de grupos sociais os denominados direitos coletivos Com
isso as pessoas passaram a ser coletivamente consideradas Os direitos individuais
e coletivos estatildeo anunciados no art 5ordm em setenta e sete incisos e em dois
paraacutegrafos
Verifica-se que os Direitos Individuais tecircm como ponto marcante a liberdade
seja ela tomada de maneira global ou especiacutefica como liberdade de associaccedilatildeo de
reuniatildeo A liberdade de reuniatildeo (art 5ordm XVI) constitui-se na primeira e mais simples
liberdade corporativa estando logo apoacutes a liberdade de locomoccedilatildeo
Os Direitos Sociais tecircm como titular uma coletividade e satildeo caracterizados
pela prestaccedilatildeo de serviccedilos ou oferecimento de melhorias para a sociedade como um
todo por parte do Poder Puacuteblico Assim os Direitos Sociais tornam possiacutevel a fruiccedilatildeo
e o exerciacutecio dos Direitos Individuais pela coletividade mesmo pelos carentes
materialmente
O art 6deg define os Direitos Sociais da seguinte maneira ldquoSatildeo Direitos Sociais
a educaccedilatildeo a sauacutede o trabalho a moradia o lazer a seguranccedila a previdecircncia
social a proteccedilatildeo agrave maternidade e agrave infacircncia a assistecircncia aos desamparados na
forma desta Constituiccedilatildeordquo
Portanto eacute obrigatoacuteria ao Estado a proteccedilatildeo dos interesses da coletividade
com o atendimento dos direitos acima citados
Satildeo direitos poliacuteticos os que conferem o acesso da populaccedilatildeo agrave participaccedilatildeo
no Poder do Estado tais como os direitos de votar e ser votado do referendo
plebiscito e iniciativa popular das leis O direito democraacutetico de participaccedilatildeo dos
cidadatildeos no governo por meio de seus representantes exigiu a formaccedilatildeo de um
conjunto de normas legais permanentes que recebeu a denominaccedilatildeo de direitos
poliacuteticos Os Direitos Poliacuteticos amparam os Direitos Individuais Sociais e
Econocircmicos pois quando desaparece a democracia desaparecem imediatamente
as liberdades fundamentais
31
Com o advento da Constituiccedilatildeo de 1988 foram criadas instituiccedilotildees para
fiscalizar e controlar a atuaccedilatildeo da administraccedilatildeo puacuteblica entre as quais o Ministeacuterio
Puacuteblico que funciona como um canal de expressatildeo dos direitos da populaccedilatildeo
O Ministeacuterio Puacuteblico foi a instituiccedilatildeo que mais ganhou importacircncia no cenaacuterio
puacuteblico por ter passado a defender os interesses coletivos ou seja os interesses de
um grupo categoria ou classe e natildeo de um indiviacuteduo isolado No artigo 127 o
Ministeacuterio Puacutebico (MP) eacute definido como ldquouma instituiccedilatildeo permanente essencial agrave
funccedilatildeo jurisdicional do Estado incumbindo-lhe a defesa da ordem juriacutedica do regime
democraacutetico e dos interesses sociais e individuais indispensaacuteveisrdquo
Cabe ao Ministeacuterio Puacuteblico exigir dos poderes puacuteblicos e dos serviccedilos de
relevacircncia puacuteblica respeito aos direitos elencados na Constituiccedilatildeo promovendo as
medidas necessaacuterias agrave garantia desses direitos Portanto eacute responsaacutevel pela
garantia da ordem juriacutedica do regime democraacutetico da moralidade puacuteblica e dos
direitos sociais e individuais
23 A consagraccedilatildeo dos direitos do cidadatildeo
A Constituiccedilatildeo de 1988 eacute o coroamento da histoacuteria constitucional do Brasil por
ter sido um marco da redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes opondo-se a qualquer forma de
autoritarismo Nela a cidadania foi consagrada como um dos fundamentos da
Repuacuteblica Federativa do Brasil (art 1ordm inc II) Observe-se que o termo cidadania
encontra-se na Constituiccedilatildeo em sentido mais amplo do que o de titular de direitos
poliacuteticos pois qualifica os participantes da vida do Estado e reconhece o indiviacuteduo
como pessoa integrada na sociedade estatal
Essa nova concepccedilatildeo de cidadania introduzida pela Constituiccedilatildeo Federal de
1988 eacute fruto da internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos e como marco principal da
institucionalizaccedilatildeo erigiu em seu artigo primeiro a dignidade da pessoa humana (inc
III) e a cidadania (incII) a princiacutepio fundamental
Institui com o princiacutepio da cidadania uma nova compreensatildeo acerca dos
direitos de deveres da pessoa elevado-o a status maacuteximo a regra-matriz que natildeo
pode ser desrespeitada pois os fundamentos constituem a essecircncia da Repuacuteblica
32
Federativa e servem como regra-matriz para a elaboraccedilatildeo interpretaccedilatildeo e
integraccedilatildeo do sistema juriacutedico nacional
Violar um princiacutepio eacute muito grave que transgredir uma norma qualquer A desatenccedilatildeo ao principio implica ofensa natildeo apenas a um especifico mandamento obrigatoacuterio mas a todo o sistema de comandos Eacute a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade representa insurgecircncia contra todo o sistema subversatildeo de valores fundamentais (MELLO apud CHIMENTI 2005 P 33)
Para Silva (2004) cidadania eacute discriminada como princiacutepio relativo ao regime
poliacutetico Dessa forma compreendida cidadania como princiacutepio fundamental eacute o
direito de participar dos destinos do Estado e mais usufruir dos direitos civis
fundamentais previstos na Constituiccedilatildeo
Muitos doutrinadores utilizam cidadania no mesmo sentido de nacionalidade
(Art 12 da Constituiccedilatildeo Federal) e de direitos poliacuteticos (Art 14) Em alguns outros
dispositivos a palavra cidadania (ou cidadatildeo) poderia ainda ter a significaccedilatildeo de
direitos poliacuteticos mas mesmo assim de forma impliacutecita a exemplo dos arts 22 XIII
e 5ordm LXXIII No primeiro se lecirc que compete agrave Uniatildeo legislar sobre nacionalidade
cidadania e naturalizaccedilatildeo e no segundo que qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima
para propor accedilatildeo popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de
entidade de que o Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e
ao patrimocircnio histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de
custas judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia No entanto conforme Mazzuoli (2002)
Observe-se que a Carta de 1988 ao tratar no seu art 14 dos direitos poliacuteticos natildeo se refere sequer em um momento agrave expressatildeo cidadania dizendo apenas que a soberania popular seraacute exercida pelo sufraacutegio universal e pelo voto direito e secreto com valor igual para todos (hellip) Pelo contraacuterio a Constituiccedilatildeo faz uma separaccedilatildeo entre cidadania e direitos poliacuteticos quando no seu art 68 sect 1ordm II ao tratar das leis delegadas exclui do acircmbito da delegaccedilatildeo legislativa a nacionalidade cidadania direitos individuais poliacuteticos e eleitorais
A Constituiccedilatildeo brasileira de 1988 com a transiccedilatildeo para o regime democraacutetico
consagrou expressamente esta nova concepccedilatildeo de cidadania como se depreende
da leitura de vaacuterios dos seus dispositivos
Foi nesse sentido que pioneiramente estatuiu a Carta de 1988 em seu art
1ordm que a Repuacuteblica Federativa do Brasil formada pela uniatildeo indissoluacutevel dos
33
Estados e Municiacutepios e do Distrito Federal constitui-se em Estado Democraacutetico de
Direito e tem como fundamentos dentre outros a cidadania (inc II) Como jaacute
mencionado
Na mesma esteira o disposto no art 5ordm incisos LXXI (conceder-se-aacute
mandado de injunccedilatildeo sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviaacutevel o
exerciacutecio dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes agrave
nacionalidade agrave soberania e agrave cidadania) e LXXVII (satildeo gratuitas as accedilotildees de
habeas-corpus e habeas-data e na forma da lei os atos necessaacuterios ao exerciacutecio
da cidadania) No seu Tiacutetulo VIII Capiacutetulo II Seccedilatildeo I a Carta Magna de 1988
dispotildee ainda que a
Educaccedilatildeo direito de todos e dever do Estado e da famiacutelia seraacute promovida e incentivada com a colaboraccedilatildeo da sociedade visando ao pleno desenvolvimento da pessoa seu preparo para o exerciacutecio da cidadania e sua qualificaccedilatildeo para o trabalho (art 205)
Outro dispositivo em que fica bastante marcada esta nova concepccedilatildeo de
cidadania eacute o art 64 do Ato das Disposiccedilotildees Constitucionais Transitoacuterias que
dispotildee
A Imprensa Nacional e demais graacuteficas da Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios da administraccedilatildeo direta ou indireta inclusive fundaccedilotildees instituiacutedas e mantidas pelo Poder Puacuteblico promoveratildeo ediccedilatildeo popular do texto integral da Constituiccedilatildeo que seraacute posta agrave disposiccedilatildeo das escolas e dos cartoacuterios dos sindicatos dos quarteacuteis das igrejas e de outras instituiccedilotildees representativas da comunidade gratuitamente de modo que cada cidadatildeo brasileiro possa receber do Estado um exemplar da Constituiccedilatildeo do Brasil
Enfim a Constituiccedilatildeo de 1988 enriqueceu e ampliou os conceitos de cidadatildeo
e cidadania Seu entendimento agora como leciona Silva (2005)
Decorre da ideia de Constituiccedilatildeo dirigente que natildeo eacute apenas um repositoacuterio de programas vagos a serem cumpridos mas constitui um sistema de previsatildeo de direitos sociais mais ou menos eficazes em torno dos quais eacute que se vem construindo a nova ideacuteia de cidadania
De forma que natildeo mais se trata de considerar a cidadania como simples
qualidade de gozar direitos poliacuteticos mas sim de aferir-lhe um nuacutecleo miacutenimo e
irredutiacutevel de direitos (fundamentais) que devem se impor obrigatoriamente agrave accedilatildeo
dos poderes puacuteblicos
34
O ordenamento juriacutedico brasileiro consagrou aleacutem dos institutos jaacute
mencionados alguns outros mecanismos de defesa dos direitos e garantias
constitucionais da cidadania como a accedilatildeo civil puacuteblica regulada pela Lei nordm
734785 e accedilatildeo direta de inconstitucionalidade prevista no incIV do art 129 da
Constituiccedilatildeo Federal O Coacutedigo de Defesa do Consumidor o Estatuto da Crianccedila e
do Adolescente e ateacute mesmo o princiacutepio do devido processo legal que resguarda ao
cidadatildeo o acesso agrave justiccedila e direito de ser acionado judicialmente por meio de
procedimentos legais satildeo mecanismos de defesa dos direitos de cidadania
previstos constitucionalmente e garantidos na esfera poliacutetica civil e social
Pode-se observar que a cidadania comeccedilou a ser construiacuteda como resultado
de um processo de luta a partir da conscientizaccedilatildeo dos direitos e deveres do
homem Como vimos a cidadania jaacute em praacutetica em muitos paiacuteses adquire no
Brasil com a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 um novo sentido qual seja o
pressuposto do exerciacutecio pleno de um sistema de direitos e garantias
35
CAPIacuteTULO 3 - CIDADANIA COMO MECANISMO DE
TRANSFORMACcedilAtildeO SOCIAL
No momento em que a cidadania alccedila voos constitucionais e insere-se na
Carta Poliacutetica da Repuacuteblica Federativa do Brasil inicia-se o processo de
redemocratizaccedilatildeo e ganha relevo o cidadatildeo agente deste processo que tem em
suas matildeos a tarefa da construccedilatildeo de um novo tempo
Historicamente a ideia de cidadatildeo conotava o habitante da cidade ndash o
citadino ndash firma-se entatildeo tal conotaccedilatildeo na Antiguumlidade claacutessica para depois
significar aquele indiviacuteduo a quem se atribuem os direitos poliacuteticos Superada essa
acepccedilatildeo que tambeacutem vigorou nas constituiccedilotildees anteriores da Repuacuteblica do Brasil
na concepccedilatildeo moderna estaacute clara a noccedilatildeo de cidadatildeo como aquele que a quem
consiste a titularidade de direitos individuais poliacuteticos e sociais Noccedilatildeo esta
edificada com a internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos que amplia a acepccedilatildeo do
termo declarando que satildeo cidadatildeos todo aquele que habita o acircmbito da soberania
de um Estado e deste Estado recebem uma carga de direitos e tambeacutem deveres dos
mais variados
Desta forma a noccedilatildeo contemporacircnea de cidadania funda-se na dicotomia
direitos (exerciacutecios de direitos fundamentais - participaccedilatildeo) e deveres (colaboraccedilatildeo -
solidariedade) Ao lado dos direitos foram estabelecidos deveres fundamentais e
portanto tanto agentes puacuteblicos como os indiviacuteduos tecircm obrigaccedilotildees especiacuteficas
inclusive a de respeitar os direitos das demais pessoas que vivem na ordem social
sendo e promovendo mecanismos de transformaccedilatildeo social que visam uma nova
sociedade baseada na igualdade e na justiccedila
36
31 O ser cidadatildeo
Os termos indiviacuteduo ser humano pessoa e cidadatildeo satildeo geralmente tomados
como sinocircnimo o que certamente influi na proliferaccedilatildeo de incontaacuteveis significados e
ampliaccedilatildeo do termo cidadatildeo Poreacutem estas palavras apesar de se assemelharem
possuem carga semacircntica proacutepria e da compreensatildeo exata de cada uma decorre a
conceituaccedilatildeo mais acentuada da acepccedilatildeo do termo cidadatildeo como titular de direitos
e deveres resguardados pela constituiccedilatildeo paacutetria
Desta forma indiviacuteduo eacute um representante da espeacutecie aquele que eacute uacutenico
Enquanto ser humano eacute um termo mais geneacuterico ou indeterminado que diz respeito
agrave espeacutecie agrave classificaccedilatildeo ao mundo zooloacutegico Pessoa por sua vez eacute um termo
mais especiacutefico que tem a ver com o mundo civilizado ou se preferirmos com a
constelaccedilatildeo dos valores morais eacuteticos e juriacutedicos proacuteprios da civilizaccedilatildeo
A etimologia da palavra pessoa demonstra que eacute um conceito sobreposto ao conceito de Ser Humano Um refratildeo de origem juriacutedica tambeacutem nos lembra do homo plures pessoa polimorfa o ser humano capaz de desempenhar muitos papeacuteis um mesmo ser humano eacute empresaacuterio e delinquumlente eacute pai e metaluacutergico etc Persona (personagem) era a maacutescara que usavam os atores da trageacutedia grega para desempenhar seu papel Cabe portanto entender o conceito de Ser Humano ao lado do conceito de Pessoa No direito romano antigo os escravos eram seres humanos (homens) mas natildeo eram consideradas pessoas (patriacutecios) Os juristas romanos que usavam o conceito de Ser Humano o dissociavam do conceito de pessoas (CUNHA 2007)
O Ser Humano recebe uma distinccedilatildeo importante quando o consideramos
como Pessoa assim como a Pessoa recebe uma distinccedilatildeo redundante natildeo menos
importante quando a consideramos por forccedila de expressatildeo como uma pessoa
humana Subentendendo o adjetivo humano como relativo agrave eacutetica Portanto Ser
Humano natildeo eacute a mesma coisa que Pessoa como tampouco Ser Humano eacute o
mesmo que cidadatildeo este muito eacute mais proacuteximo do termo Pessoa Vejamos o quadro
ilustrativo que esquematiza e distinguem os referidos conceitos
37
QUADRO 1 ndash EVOLUCcedilAtildeO DO SER HUMANO ATEacute O CIDADAtildeO
O Ser Humano O Ser Indiviacuteduo O Ser Pessoa O Ser Cidadatildeo
A Dimensatildeo do conviacutevio social
A dimensatildeo do mercado de trabalho e
Consumo
A Dimensatildeo de encontrar-se no mundo
A dimensatildeo de intervir na realidade
O homem tornar-se Ser Humano nas relaccedilotildees
de conviacutevio social
O Ser Humano tornar-se indiviacuteduo quando
descobre seu papel e funccedilatildeo social
O Indiviacuteduo torna-se pessoa quanto toma
consciecircncia de si mesmo do outro e do
mundo
A pessoa torna-se cidadatildeo quando
interveacutem na realidade em que vive
Quem estuda o comportamento do Ser
Humano Seria a antropologia a histoacuteria
ou a sociologia
Quem estuda o comportamento do indiviacuteduo Seria a
Filosofia a sociologia ou a Psicologia
Quem estuda o comportamento da pessoa Seria a
Filosofia a sociologia ou a Psicologia
Quem estuda o comportamento do cidadatildeo Seria a
Sociologia a Filosofia ou As ciecircncias
poliacuteticas
Quem garante os direitos do Ser
Humano A Declaraccedilatildeo Universal
dos Direitos Humanos
Quem garante os Direitos do
Consumidor O Coacutedigo do Consumidor
Quem garante os Direitos da pessoa A proacutepria pessoa (amor proacuteprio ou autoestima)
Quem garante os Direitos do cidadatildeo (A Constituiccedilatildeo e suas leis
regulamentares)
Existe realmente uma natureza humana Teologicamente
afirmamos que existe a uma natureza humana
Seguindo a corrente existencialista (JP Sartre) negamos tal
natureza
Que diferenccedila existe entre o direito do
consumidor e o direito do cidadatildeo Ao
Consumidor deve ser dado o direito de
propriedade enquanto ao cidadatildeo deve ser
dado o direito de acesso
O que significa tornar-se pessoa no niacutevel
psicoloacutegico e social A pessoa eacute o indiviacuteduo que toma consciecircncia de si mesmo (ldquoTornar-
se Pessoardquo de Karl Roger)
Como podemos intervir na realidade
modificando as estruturas corruptas e injustas Quando os
direitos do cidadatildeo lhe satildeo oferecidos e o
mesmo passa a exercecirc-lo haacute
modificaccedilatildeo de comportamento
(ROSAS 2009)
O cidadatildeo eacute portanto aquele indiviacuteduo a quem a Constituiccedilatildeo confere direitos
e garantias e lhe daacute o poder do seu efetivo exerciacutecio aleacutem de meios processuais
eficientes contra a violaccedilatildeo de seu gozo ou fruiccedilatildeo por parte do poder puacuteblico
Sendo assim
A passagem do indiviacuteduo a cidadatildeo caracteriza-se pelo reconhecimento pela lei de direitos considerados fundamentais agrave realizaccedilatildeo da vida do homem como indiviacuteduo e ser social membro de uma comunidade poliacutetica e a garantia desses direitos pela forccedila comum de todos (CUNHA 2007)
38
Nas uacuteltimas deacutecadas em alguns paiacuteses inclusive no Brasil desenvolveu-se o
conceito de cidadania calcado principalmente na questatildeo do cidadatildeo-consumidor
As pessoas passam a ser vistas como cidadatildes desde que tenham dinheiro para
adquirir mercadorias e utilizar serviccedilos Eacute certo pois que serviccedilos e mercadorias
atendem a necessidades materiais e simboacutelicas das pessoas e consumi-los eacute um
dos modos de participar da vida social criar identidade e partilhar dos bens
produzidos pela humanidade e representar-se culturalmente Contudo a cidadania
enfatizada apenas como uma relaccedilatildeo de compra e venda de mercadorias e serviccedilos
assume um conteuacutedo restrito individual conformista e voltado apenas para a
aquisiccedilatildeo de bens o que se relaciona com a ideacuteia de indiviacuteduo ou seja o consumo
atende as necessidades do indiviacuteduo
Outra forma de confusatildeo acerca do conceito de cidadatildeocidadania refere-se a
equiparaccedilatildeo feita com o assistencialismo o que configura uma acentuada inversatildeo
do termo uma vez que a praacutetica do assistencialismo natildeo propicia meios de
superaccedilatildeo das desigualdades sociais Enquanto a cidadania estaacute relacionada agrave
superaccedilatildeo das desigualdades sociais e a extensatildeo da garantia dos direitos de todos
O cidadatildeo eacute sem duacutevida uma expressatildeo que precisa ser adequadamente
utilizada e vivenciada pela coletividade compreendido na dimensatildeo do ser pessoa
de ter direitos e deveres do assumir as suas liberdades e responsabilidades no seio
de uma comunidade democraacutetica equitativa solidaacuteria e intercultural
Dessa forma ser cidadatildeo implica saber viver em sociedade estando ciente
dos anseios comuns A participaccedilatildeo ativa nas decisotildees de sua comunidade
influencia modos de vida de maneira positiva ao seu redor assim torna-se
imprescindiacutevel o exerciacutecio dos direitos constitucionais adquiridos e lutar pelos que
viratildeo eacute sobretudo estar consciente de todas as atitudes tomadas em prol da
sociedade
Eacute possiacutevel nesse espaccedilo de discussatildeo falar em ldquoestar cidadatildeordquo que eacute natildeo
praticar o exerciacutecio da cidadania em nenhuma de suas formas Implica apenas em
se deixar levar pelos acontecimentos e ainda reclamar das situaccedilotildees vividas sem
nada fazer para mudar sem nenhuma perspectiva de futuro Do que concluiacutemos que
a dinacircmica de intervir na realidade eacute pressuposto de cidadania
Ser cidadatildeo eacute tarefa que requer muito do ser humano do individuo da
pessoa Requer uma alta - estima elevada uma consciecircncia solidaacuteria uma
39
identidade que se reconheccedila na dinacircmica social interagindo com o outro ampliando
debates incitando justiccedila eacute sem duvida uma tomada de posiccedilatildeo que natildeo se
acomoda pelo contraacuterio se incomoda quando natildeo haacute comprometimento para o bem
comum
Natildeo eacute uma tarefa cocircmoda senatildeo muito complicada as pessoas natildeo nascem cidadatildeos mas fazem-se no tempo e no espaccedilo Na verdade natildeo eacute faacutecil exercer a liberdade e a cidadania ndash ser pessoa e ser cidadatildeo ndash por isso exige-se uma luta sem treacuteguas para erradicar assimetrias e exclusotildees socioculturais e criar cenaacuterios de esperanccedila realizaacuteveis fundamentados em valores e princiacutepios eacuteticos que requalifiquem a democracia com cidadatildeos participativos e
comprometidos ( SAEZ 1995)
Tem portanto como pressuposto uma mudanccedila de comportamento uma
tomada de posiccedilatildeo frente agrave dinacircmica social na qual estaacute inserido participando de
forma ativa e produtiva do processo de construccedilatildeo da cidadania por meio de seus
diversos canais
32 Emancipaccedilatildeo social atraveacutes da cidadania
Um Estado Democraacutetico eacute aquele que estaacute enraizado na legitimidade do
poder do povo e dele decorre seu exerciacutecio Assim o poder do povo eacute a expressatildeo
a aptidatildeo de homens e mulheres constituir autonomamente seu viver sem sucumbir
diante das instacircncias de poder Haacute nesse modus vivendi uma tutela das diferenccedilas e
pluralidades de formas de vida
Desta forma a cidadania eacute enfocada como o processo de participaccedilatildeo do
individuo ou de um grupo organizado nas mais variadas aacutereas de atuaccedilatildeo na
sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos sociais com a consciecircncia
da responsabilidade por sua proacutepria histoacuteria
Sendo a democracia o regime em que o povo governa sua caracteriacutestica
inarredaacutevel eacute a de ter o povo agrave frente do poder uma forma de autogoverno Em
assim sendo a cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia por meio de resultados
palpaacuteveis e medidas concretas tais como mudanccedilas na realidade de cada um com
melhoria de vida e conscientizaccedilatildeo da importacircncia na sociedade para o exerciacutecio
40
direto ou indireto desse poder pois se contentar com fato do direito estaacute prescrito
em lei natildeo eacute o bastante
Eacute certo poreacutem que o Estado democraacutetico somente se aperfeiccediloa na
proporccedilatildeo em que o povo age ativamente na medida em que os representantes
reflitam em seus atos os verdadeiros anseios populares Partindo dessa visatildeo a
cidadania eacute o grande fator de legitimaccedilatildeo do povo permitindo que ele aja em defesa
das instituiccedilotildees democraacuteticas
Sobre a participaccedilatildeo cumpre asseverar que este direito significa a
capacidade de ser consultado para as tomadas de decisatildeo que dizem respeito agrave
direccedilatildeo da sociedade em que vive o cidadatildeo este direito eacute acompanhado do
respeito aos deveres de contribuir para o progresso social e de acatar e respeitar o
resultado obtido em consulta coletiva
No elenco de mecanismo de exerciacutecio da cidadania estaacute o acesso ao direito e
a justiccedila que eacute fator preponderante para efetivar as garantias constitucionais
Assim passaremos a discorrer sobre a importacircncia de instrumentalizar o
cidadatildeo para um pleno exerciacutecio de seus direitos
Eacute Sabido que no Estado Democraacutetico Contemporacircneo os direitos
fundamentais constitucionalmente assegurados tecircm eficaacutecia imediata cumprindo ao
Estado garantir a todos os cidadatildeos o respeito a esses Direitos de modo concreto e
efetivo natildeo obstante as inuacutemeras desigualdades e condiccedilotildees adversas que
dificultam na praacutetica o seu exerciacutecio
Para o acesso ao direito o Estado deve desenvolver com eficiecircncia uma seacuterie
de atividades essenciais e dar efetividade a uma seacuterie de pressupostos Dentre eles
o principal eacute o conhecimento do Direito como fator preponderante pois o
desconhecimento da lei implica na praacutetica natildeo acionar a jurisdiccedilatildeo Um fato que
contribui para essa assertiva eacute baixa escolaridade da populaccedilatildeo e o analfabetismo
Muito pouco adianta a existecircncia de uma Constituiccedilatildeo apenas formal ou no
papel se ilegiacutetima ou desrespeitada Para que ocorra a eficaacutecia das normas
dispostas numa Constituiccedilatildeo ou melhor para que passe da teoria agrave praacutetica eacute
essencial que comandados e comandantes tenham conhecimento dos seus direitos
e responsabilidades assim como dos instrumentos juriacutedicos para efetivaacute-los (leis
regulamentadoras) O exerciacutecio da cidadania natildeo eacute somente um direito mas eacute
tambeacutem um dever de todos pois a omissatildeo de cada um contribui com as injusticcedilas e
as impunidades tatildeo presentes nos dias atuais
41
A Constituiccedilatildeo quando eacute justa e legiacutetima e principalmente quando eacute
respeitada eacute um poderoso instrumento de promoccedilatildeo e desenvolvimento social e
humano
Outro fator que deve ser considerado eacute a miserabilidade que coloca inuacutemeros
brasileiros a margem da sociedade em situaccedilatildeo precaacuteria os quais para Pinsky
(2004) ldquodesprovidos de esperanccedila de projeto de qualquer perspectiva de inclusatildeo
[] recorrer agrave Justiccedila humana parece algo irrealizaacutevel sofisticado e inteiramente
ficcionalrdquo
Desta forma o primeiro passo para concretizar os direitos previstos
constitucionalmente eacute a formaccedilatildeo do cidadatildeo atraveacutes da Educaccedilatildeo Baacutesica
infundindo-lhe a consciecircncia dos seus direitos e tambeacutem dos seus deveres sociais
bem como dos valores humanos fundamentais que devem ser por todos respeitados
na vida em sociedade A universalizaccedilatildeo do ensino fundamental a oferta obrigatoacuteria
de educaccedilatildeo infantil pelo Estado e o crescimento da oferta do ensino meacutedio satildeo
alguns dos aspectos que merecem destaques e foi devido agrave determinaccedilatildeo
constitucional de estabelecer o caraacuteter obrigatoacuterio do ensino fundamental e de
responsabilizar o Estado por sua implementaccedilatildeo que tem iniacutecio o processo de
avanccedilo desse segmento
A Constituiccedilatildeo estabeleceu de forma mais clara o papel dos entes federados
na educaccedilatildeo Tambeacutem aumentou a participaccedilatildeo orccedilamentaacuteria destinada ao setor
Com as novas regras para distribuiccedilatildeo de recursos adotadas apoacutes a promulgaccedilatildeo
da Carta os municiacutepios voltam a interessar-se pela educaccedilatildeo fundamental e o paiacutes
atinge a universalizaccedilatildeo do setor o que se busca agora satildeo mecanismos para
garantir a qualidade no ensino
O segundo passo nessa dinacircmica eacute o oferecimento a todos os cidadatildeos de
condiccedilotildees miacutenimas de sobrevivecircncia e de existecircncia condignas atraveacutes do acesso
ao trabalho produtivo livremente escolhido e do pagamento de remuneraccedilatildeo capaz
de prover ao sustento do trabalhador e de sua famiacutelia
Para milhotildees de cidadatildeos que vivem na ignoracircncia e na miseacuteria nenhuma
utilidade ou eficaacutecia tecircm os inuacutemeros direitos constitucionalmente assegurados Para
aqueles que se habituaram a retirar proventos da mendicacircncia da prostituiccedilatildeo de
atividades iliacutecitas ou aqueles que se sentiram forccedilados a sujeitar-se agrave exploraccedilatildeo de
outrem para sobreviver natildeo haacute nenhuma crenccedila na dignidade da pessoa humana e
no valor social do trabalho
42
A pobreza engendra inuacutemeras relaccedilotildees de dominaccedilatildeo entre pessoas e entre grupos sociais As habitaccedilotildees subumanas da periferia das grandes cidades no Brasil constituem verdadeiros quistos sociais terras sem lei controladas por xerifes ou por quadrilhas de malfeitores O Estado que natildeo for capaz de dotar essas comunidades do acesso efetivo agrave Educaccedilatildeo agrave Sauacutede agrave Seguranccedila e agrave Paz Puacuteblicas e ao trabalho liacutecito certamente natildeo lhes estaraacute assegurando o acesso ao Direito porque a populaccedilatildeo abrutalhada pela miseacuteria e coagida pelo medo natildeo desfruta da miacutenima eficaacutecia concreta dos
seus direitos fundamentais (GRECO 2009)
Evidencia que acesso ao Direito nas sociedades modernas mesmo nas
economicamente desenvolvidas exige o fortalecimento dos grupos intermediaacuterios e
do associativismo O cidadatildeo natildeo estaacute mais em condiccedilotildees de defender-se
individualmente das ameaccedilas e lesotildees aos seus direitos perpetradas por pessoas ou
grupos que se encontram em posiccedilatildeo de vantagem nas relaccedilotildees econocircmicas e
sociais
O sindicato veio exercer este importante papel em relaccedilatildeo ao trabalhador
empregado Mas hoje as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo natildeo satildeo apenas as que existem no
mundo do trabalho mas as que se revelam em todos os tipos de relaccedilotildees humanas
relaccedilotildees de consumo relaccedilotildees de vizinhanccedila relaccedilotildees locatiacutecias relaccedilotildees
comerciais internas e internacionais e natildeo com menor relevacircncia relaccedilotildees entre os
particulares e o Estado entre outras
Eacute preciso assegurar esse equiliacutebrio na praacutetica o que somente tornar-se-aacute
possiacutevel atraveacutes da articulaccedilatildeo dos sujeitos que se encontram em posiccedilatildeo de
desvantagem em organizaccedilotildees e associaccedilotildees que pela uniatildeo de esforccedilos
consigam compensar o desequiliacutebrio existente e dar aos indiviacuteduos e grupos a forccedila
e a capa de proteccedilatildeo necessaacuterias para ombrearem-se aos seus adversaacuterios e
lutarem pelos seus direitos ou interesses em igualdade de condiccedilotildees
Para Greco (2009) o pressuposto indispensaacutevel do acesso ao Direito eacute a
transparecircncia do Estado no trato de questotildees que possam afetar a esfera de
interesses dos cidadatildeos e complementa que aos cidadatildeos eacute indispensaacutevel
assegurar o direito de influir eficazmente nas decisotildees do poder puacuteblico atraveacutes dos
mais diversos instrumentos de participaccedilatildeo democraacutetica Ele afirma que
A relaccedilatildeo Estado-cidadatildeo natildeo eacute mais a relaccedilatildeo soberano-suacutedito O cidadatildeo tem o direito de exigir do Estado o pleno respeito ao seu
43
patrimocircnio juriacutedico Lamentavelmente a crise do Estado tem levado o Brasil a aceitar-se como normal que as pessoas juriacutedicas de Direito Puacuteblico natildeo cumpram devidamente as prestaccedilotildees positivas de que satildeo devedoras perante os particulares cabendo a estes demandar na Justiccedila para obtecirc-las (GRECO 2009)
Essa visatildeo deformada da responsabilidade do Estado ocorre o
desvirtuamento da justiccedila Por outro lado agrave violaccedilatildeo da garantia constitucional da
tutela jurisdicional efetiva (Constituiccedilatildeo artigo 5 inciso XXXV) disciplina a lei natildeo
excluiraacute da apreciaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio lesatildeo ou ameaccedila ao direito Assim o
acesso ao Direito natildeo estaraacute concretamente assegurado se o Estado natildeo oferecer a
todo cidadatildeo a possibilidade de receber aconselhamento juriacutedico a respeito dos seus
direitos
Constituiccedilatildeo de 1988 no artigo 5deg inciso LXXIV assegurou a todos
ldquoassistecircncia juriacutedicardquo a englobar assistecircncia judiciaacuteria e assessoramento juriacutedico
extrajudicial Conforme Greco (2009) ldquoeacute preciso que esse direito seja assegurado
na praacutetica Uma vez que na vida moderna o Direito tornou-se excessivamente
complexordquo Ainda no dizer do autor a consciecircncia juriacutedica do homem comum que
deve ser adquirida na famiacutelia e na escola natildeo eacute mais suficiente para a tomada de
decisotildees na vida diaacuteria das pessoas Todas as pessoas mantecircm complexas relaccedilotildees
juriacutedicas com instituiccedilotildees financeiras com fornecedores de bens e de serviccedilos etc
Nessas relaccedilotildees juriacutedicas com frequecircncia os cidadatildeos tecircm de tomar decisotildees
raacutepidas O cidadatildeo que tem meios procura um advogado particular para assessoraacute-
lo Ao pobre o Estado deve assegurar o mesmo direito em plenitude
Sem duacutevida o uacuteltimo pressuposto do acesso ao Direito eacute o acesso agrave Justiccedila
no sentido de acesso a um tribunal estatal imparcial previamente instituiacutedo como
competente para a soluccedilatildeo de qualquer litiacutegio a respeito de interesse que se afirme
juridicamente protegido ou para a praacutetica de qualquer ato que a lei subordine agrave
aprovaccedilatildeo autorizaccedilatildeo ou homologaccedilatildeo judicial
Se o cidadatildeo tem consciecircncia dos seus direitos se o Estado lhe fornece
todas as condiccedilotildees para livremente exercecirc-los mas algum outro cidadatildeo ou algum
oacutergatildeo do proacuteprio Estado impede ou dificulta esse exerciacutecio cabe ao poder puacuteblico
pocircr agrave disposiccedilatildeo do cidadatildeo lesionado ou ameaccedilado a jurisdiccedilatildeo necessaacuteria para
assegurar o pleno acesso a tal direito
Atingimos eacute certo um estaacutegio de desenvolvimento do Direito Humanitaacuterio que
natildeo mais nos permite conformar-nos com uma realidade distante do padratildeo de
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convivecircncia humana que outras naccedilotildees jaacute alcanccedilaram O exerciacutecio pleno de
cidadania seraacute obra de mais de uma geraccedilatildeo Mas se trabalharmos com firmeza
certamente os jovens de hoje poderatildeo legar aos seus descendentes a emancipaccedilatildeo
cidadatilde um paiacutes melhor e uma sociedade mais justa e democraacutetica
33 O municiacutepio como acircmbito de exerciacutecio de cidadania
Historicamente o Municiacutepio enquanto unidade poliacutetico-administrativa surgiu
conforme descreve Berardi (2004) com a Repuacuteblica Romana interessada em
manter a dominaccedilatildeo paciacutefica das cidades conquistadas pela forccedila dos exeacutercitos
Sua origem mais de natureza socioloacutegica do que poliacutetica adveacutem do espiacuterito
associativo do homem e de suas relaccedilotildees de vizinhanccedila
Eacute pois a menor unidade territorial de Federaccedilatildeo cuja criaccedilatildeo reflete a base
da organizaccedilatildeo poliacutetica administrativa da Naccedilatildeo Portanto sua funccedilatildeo administrativa
historicamente vem assentada no princiacutepio do direito natural
O artigo primeiro da Constituiccedilatildeo Federal de 1998 estabelece que o
Municiacutepio ao lado dos Estados e do Distrito Federal formam a Republica Federativa
do Brasil que se constitui em Estado Democraacutetico de Direito O municiacutepio tem assim
um poder relevante para a aplicaccedilatildeo da democracia direta iniciada e fortalecida em
niacutevel local Diversos pensadores chegaram a afirmar que a descentralizaccedilatildeo de
poder resultante da constituiccedilatildeo Cidadatilde era antes de tudo uma conquista dos
Municiacutepios sendo eles os berccedilos da perpetuaccedilatildeo da Repuacuteblica e da Democracia
efetivamente por serem o uacutenico niacutevel de governo possuidores de respaldo e
localizaccedilatildeo fiacutesica ou seja solo municipal
Eacute certo que a Carta Magna de 1988 consolidou significativas inovaccedilotildees para a
vida municipal de forma que o Municiacutepio passou a constituir um dos entes da
federaccedilatildeo tratando-o como unidade dotada de autonomia poliacutetica expressa na
capacidade de poder elaborar a sua Lei Orgacircnica fugindo assim da tutela dos
estados que ateacute entatildeo eram considerados como uacutenicos componentes da federaccedilatildeo
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A Lei Orgacircnica Municipal traz em seu bojo aleacutem da organizaccedilatildeo
administrativa do Municiacutepio a restauraccedilatildeo do Poder Legislativo municipal definindo
a diversificaccedilatildeo normativa que natildeo existia nas leis organizacionais outorgadas pelo
Estado reflexo do poder constituinte outorgados aos Municiacutepios pela Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 como consequecircncia do efetivo exerciacutecio do conceito de Estado
Democraacutetico de Direito
O Municiacutepio enquanto ente federativo tem atualmente a responsabilidade de
ordenar o seu desenvolvimento social e a garantia do bem estar de seus habitantes
executando poliacuteticas puacuteblicas de accedilotildees a serem empreendidas na consolidaccedilatildeo
democraacutetica do Estado
Fundada no elemento participaccedilatildeo o exerciacutecio de cidadania amplamente
citado encontra sua efetividade no municiacutepio Pois eacute nesse acircmbito de localizaccedilatildeo
que as pessoas mantecircm um contato direto com os poderes instituiacutedos suas
necessidades imediatas e mediatas satildeo objetos da disciplina da Lei que visa o bem
comum base do Estado democraacutetico de Direito
Baseado na maacutexima do municipalista e defensor da descentralizaccedilatildeo poliacutetica
Franco Motoro sabiamente proferiu que ldquoningueacutem vive na Uniatildeo ou no Estado As
pessoas vivem no Municiacutepiordquo Assim a cidadania encontra seu melhor espaccedilo de
realizaccedilatildeo na comunidade onde convive A vida em comunidade gera anseios
comuns sentimentos comuns uma vez que a convivecircncia propicia que as pessoas
se conheccedilam e se reconheccedilam como membros de uma mesma realidade
De acordo com Harvey (1992) ldquoa globalizaccedilatildeo provoca anonimato enquanto
comunidade cultiva solidariedaderdquo o que implica participaccedilatildeo para o exerciacutecio de
cidadania
Tudo o que acontece no mundo seja no meu paiacutes na minha cidade ou no meu bairro acontece comigo Entatildeo eu preciso participar das decisotildees que interferem na minha vida Um cidadatildeo com um sentimento eacutetico forte e consciecircncia da cidadania natildeo deixa passar nada natildeo abre matildeo desse poder de participaccedilatildeo (Herbert de Souza Betinho)
Com esse embasamento natildeo se pode perder de vista que eacute nas relaccedilotildees
diaacuterias de oposiccedilatildeo ou solidariedade que as pessoas exercem cidadania Na relaccedilatildeo
do com o outro com os poderes ao estabelecer com a vida social e puacuteblica uma
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convivecircncia posto que cidadania eacute tarefa que natildeo termina natildeo eacute um conceito
pronto tatildeo pouco acabado enquanto seres inacabados que somos estaremos
buscando descobrindo criando e tomando consciecircncia mais ampla dos direitos
O desafio eacute construir um novo discurso sobre cidadania atraveacutes de uma
praacutetica poliacutetica sustentada isto eacute realizada em dois niacuteveis
O primeiro niacutevel na base atraveacutes de construccedilatildeo das capacidades e do poder
proacuteprio da populaccedilatildeo o que envolve inevitavelmente uma mudanccedila de atitude na
busca para garantir seus direitos utilizando-se do grau de autonomia local
Essa atitude conceberia agrave democracia participativa como uma poliacutetica paralela
de intervenccedilatildeo social criando e mantendo novos espaccedilos para a tomada de
decisotildees ou seja para o auto-governo pela populaccedilatildeo nas mateacuterias que afetam
diretamente suas vidas
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade
O segundo niacutevel um governo com o povo e natildeo apenas para o povo fundado
nos ditames constitucionais valorizando o sentimento da sociedade no exerciacutecio da
governabilidade de modo que o balizamento das accedilotildees de governo deixaria de estar
no proacuteprio governo e passaria a estabelecer-se a partir do pensar da sociedade Um
governo que se pergunta o que se deve fazer para ouvir com a maior fidelidade
possiacutevel a sociedade suas instituiccedilotildees representativas e o cidadatildeo Pois as
prioridades da gestatildeo deveriam ser definidas pela sociedade e natildeo mais pelo
governo
Portanto nesses termos eacute preciso considerar que as praacuteticas da
administraccedilatildeo puacuteblica sejam democratizadoras e inclusivas inspiradas nos
princiacutepios da legalidade impessoalidade moralidade publicidade e eficiecircncia Esta
uacuteltima buscou estabelecer uma Administraccedilatildeo Puacuteblica mais eficiente no sentido de
que o cidadatildeo como destinataacuterio dos serviccedilos puacuteblicos que o Estado deve prestar
receba-os com maior qualidade e menor custo para o eraacuterio puacuteblico
Para a consecuccedilatildeo desse governar com o povo alguns pontos devem ser
revistos A mudanccedila implica na necessidade de adequaccedilatildeo reorganizaccedilatildeo
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reformulaccedilatildeo Para isso se faz premente em face dos novos e modernos conceitos
de gestatildeo puacuteblica a superaccedilatildeo do tradicional vezo burocraacutetico que vem convertendo
a Administraccedilatildeo nas palavras Dromi (1995) numa cara ldquomaacutequina de impedirrdquo fiel
ldquocoacutedigo do fracassordquo que dispotildee ldquoartigo primeiro natildeo pode artigo segundo em
caso de duacutevida abstenha-se artigo terceiro se eacute urgente espere artigo quarto
sempre eacute mais prudente natildeo fazer nadardquo numa posiccedilatildeo natildeo burocraacutetica e sim
democraacutetica de considerar que organizaccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica inclui a
praacutetica de ver os cidadatildeos como membros plenos da comunidade poliacutetica tendo
acesso e exercitando direitos as que promovem a organizaccedilatildeo da populaccedilatildeo em
torno de temas de interesse comum as que incluem o controle social sobre a
gestatildeo o debate amplo e informado sobre questotildees de governo e que abrem agrave
populaccedilatildeo as decisotildees sobre estas questotildees Como leciona e Barrientos (2000)
Tratam-se de praacuteticas que natildeo buscam somente melhorar a eficiecircncia administrativa das diferentes organizaccedilotildees puacuteblicas mas que incorporam no seu processo de gestatildeo a dimensatildeo ativa da cidadania isto eacute ldquoque facilitam as iniciativas e responsabilidades de todos os envolvidos[] estabelecendo pontes entre Estado e sociedade civil
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade Acreditamos
que o ponto de partida eacute a atitude aliada agrave solidariedade e ao espiacuterito coletivo Pois
governo e cidadatildeos juntos haveratildeo de cumprir um novo papel no processo de
desenvolvimento como agentes de uma nova cultura
Como afirma Peter Drucke
A parceria comunitaacuteria seraacute um dos verdadeiros setores em crescimento das economias desenvolvidas Surge da necessidade de uma participaccedilatildeo mais direta e efetiva da comunidade nas grandes questotildees da vida social pois natildeo existe ningueacutem melhor que o cidadatildeo para saber o que ele quer para si para sua famiacutelia e para sua comunidade (apud RAMOS 1990)
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O envolvimento efetivo da sociedade nas questotildees sociais natildeo eacute apenas uma
postura moderna Significa antes de tudo uma atitude digna de todos aqueles que
desejam exercer sua cidadania contribuindo para um paiacutes melhor e em especial
para uma sociedade mais justa fraterna e solidaacuteria
Na histoacuteria observa-se a grande coragem das pessoas em construir o
reconhecimento delas proacuteprias e de seus direitos sempre buscando a participaccedilatildeo e
defendendo os Direitos Humanos Sem duacutevida a maior ecircnfase que deve ocorrer
para a construccedilatildeo real da cidadania eacute uma mudanccedila na sociedade O melhor a ser
feito eacute reforccedilar a organizaccedilatildeo democraacutetica buscando novas formas de participaccedilatildeo
social pois cidadania natildeo se resume ao poder de votar ou ser votado mas eacute sempre
na efetiva participaccedilatildeo popular pois somente com isso haacute a verdadeira
conscientizaccedilatildeo e o comprometimento daquele que passa a se sentir cidadatildeo
abandonando-se velhos viacutecios da poliacutetica representativa
Desse modo a participaccedilatildeo do povo no momento das reivindicaccedilotildees das
discussotildees e apreciaccedilotildees de projetos que visem agrave melhoria da comunidade local a
exigecircncia de transparecircncia na administraccedilatildeo da coisa puacuteblica dentre outras eacute quem
daraacute embasamento para as verdadeiras conquistas sociais no Municiacutepio que geram
saudaacuteveis formas de pressatildeo por efetivas poliacuteticas puacuteblicas de inclusatildeo social
gerando o fim do clientelismo poliacutetico tatildeo pejorativo e comum em nossa realidade e
cultura poliacutetica
Somente a participaccedilatildeo social eacute que iraacute causar uma real democratizaccedilatildeo do
poder A afirmaccedilatildeo da cidadania eacute pressuposto para a realizaccedilatildeo dos Direitos
Humanos pois os homens natildeo nascem naturalmente iguais Inclusive para que
ocorra a realizaccedilatildeo dos referidos direitos eacute necessaacuterio tambeacutem que exista um
espaccedilo puacuteblico que seja realmente democraacutetico e acessiacutevel possibilitando a
participaccedilatildeo de todos e esse espaccedilo eacute certamente o municiacutepio
Na praacutetica um forte instrumento de cidadania para atender as necessidades
coletivas eacute o orccedilamento participativo previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal que
determina expressamente a realizaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas e a participaccedilatildeo
popular nos processos de elaboraccedilatildeo e conduccedilatildeo dos orccedilamentos como forma de
incentivo agrave preparaccedilatildeo e execuccedilatildeo de planejamentos que envolvam diretamente o
povo A Lei veio incentivar a sua propagaccedilatildeo para todos os entes federativos tendo
em conta que se trata de uma tendecircncia mundial por legitimar as escolhas e
fortalecer o princiacutepio da transparecircncia
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Os meios de acesso do cidadatildeo junto aos Poderes Puacuteblicos eacute uma realidade
no Estado Democraacutetico de Direito brasileiro a exemplo das sessotildees do Poder
Legislativo que satildeo puacuteblicas ficando abertas a todos que delas quiserem participar
Emite-se uma pauta antes do comeccedilo da sessatildeo com a preacutevia dos debates Em
niacutevel municipal verifica-se um acompanhamento mais incisivo sobre as sessotildees das
Cacircmaras de Vereadores como forma de pressatildeo para aprovaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees
da comunidade avaliaccedilatildeo do desempenho e aceitaccedilatildeo de propostas orccedilamentaacuterias
e atuaccedilatildeo dos poliacuteticos bem como entendimento das funccedilotildees do Poder Legislativo
A Constituiccedilatildeo Federal assegura desde 1988 a possibilidade de se oferecer
peticcedilatildeo agraves Mesas Legislativas como forma de pedir informaccedilotildees sobre andamento
de projetos ou relatoacuterios encaminhados aos chefes do Poder Executivo Em niacutevel
municipal pode ser utilizada a Tribuna Livre como instrumento para denuacutencias de
problemas ou discussatildeo de um tema ou mesmo para apresentar sugestotildees sendo
regulado pela Lei Orgacircnica Municipal e pelo Regimento Interno da Cacircmara
A convocaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas tambeacutem possui previsatildeo constitucional
no art 58 sect 20 inciso II em niacutevel federal As comissotildees podem em razatildeo da
mateacuteria de sua competecircncia realizar audiecircncias puacuteblicas com entidades da
sociedade civil E nada obsta que estejam previstas formas de articulaccedilatildeo da
sociedade civil com os Presidentes das Comissotildees da Cacircmara no seu Regimento
Interno em acircmbito municipal
Os dispositivos da Constituiccedilatildeo Federal que dispotildeem sobre a forma de
participaccedilatildeo direta do cidadatildeo e da sociedade civil no processo democraacutetico natildeo se
pode negar que trouxe novas perspectivas De modo geral podemos citar
Art 29 A lei orgacircnica dos Municiacutepios tem que observar entre os seus
preceitos ldquocooperaccedilatildeo das associaccedilotildees representativas no planejamento municipalrdquo
Art 31 As contas dos municiacutepios ficaratildeo durante 60 (sessenta) dias
anualmente a disposiccedilatildeo de qualquer contribuinte para exame e apreciaccedilatildeo o qual
poderaacute questionar-lhes a legitimidade nos termos da lei
Art37 sect 3ordm (EC-1998) A lei disciplinaraacute as formas de participaccedilatildeo do usuaacuterio
na administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta regulando especialmente
I- as reclamaccedilotildees relativas a prestaccedilatildeo dos serviccedilos puacuteblicos em geral asseguradas
a manutenccedilatildeo de serviccedilo de atendimento ao usuaacuterio e a avaliaccedilatildeo perioacutedica externa
e interna da qualidade dos serviccedilos
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II- o acesso dos usuaacuterios a registros administrativos e a informaccedilatildeo sobre atos de
governo observado o disposto no art 5ordm X e XXXIII
III- a disciplina da representaccedilatildeo conta o exerciacutecio negligente ou abusivo de cargo
emprego ou funccedilatildeo na administraccedilatildeo puacuteblica
Art 74 sect 2ordm Qualquer cidadatildeo partido poliacutetico associaccedilatildeo ou sindicato eacute
parte legiacutetima para na forma de lei denunciar irregularidades ou ilegalidades perante
o Tribunal de Contas da Uniatildeo
Art194 paraacutegrafo uacutenico Compete ao Poder Puacuteblico nos termos da lei
organizar a seguridade social com base nos seguintes objetivos ()
VII ndash caraacuteter democraacutetivo descentralizado na administraccedilatildeo mediante gestatildeo
quadripartite com participaccedilatildeo dos trabalhadores dos empregados e dos
aposentados e do Governo nos oacutergatildeos colegiados nos oacutergatildeos colegiados
Art 198 As accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede integram uma rede
regionalizada e hierarquizada o constituem um sistema uacutenico organizado de acordo
com as seguintes diretrizes
III ndash participaccedilatildeo da comunidade
Art 202 sect 6ordm A lei complementa a que se refere o sect 4ordm deste artigo
estabeleceraacute os requisitos para a designaccedilatildeo dos membros das diretorias das
entidades fechadas de previdecircncia privada e disciplinaraacute a inserccedilatildeo dos
participantes nos colegiados e instacircncias de decisatildeo em que seus interesses sejam
objeto de discussatildeo e deliberaccedilatildeo
Art 204 As accedilotildees governamentais na aacuterea de assistecircncia social seratildeo
organizadas com base nas seguintes diretrizes
II ndash Participaccedilatildeo da populaccedilatildeo por meio de organizaccedilotildees representativas na
formulaccedilatildeo das poliacuteticas e no controle das accedilotildees em todos os niacuteveis
O protagonista na concretizaccedilatildeo dos direitos humanos e na ampliaccedilatildeo da cidadania eacute um sujeito coletivo de um trabalho sempre inacabado eis que se tratam de tarefas e conquistas cotidianas e gradativas obras que soacute podem ser realizada a muitas matildeos no partilhar e compartilhar da vida (COSTA NETO 2010)
A ampliaccedilatildeo da cidadania requer a consciecircncia de que os direitos pressupotildeem
deveres de maneira que os direitos de um indiviacuteduo satildeo garantidos a partir do
cumprimento dos deveres dos demais componentes da sociedade
51
34 A necessaacuteria superaccedilatildeo de velhos paradigmas
Como se sabe em 1988 foi aprovada a Constituiccedilatildeo mais liberal e
democraacutetica do Brasil chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo Assim ampliou-se de
forma significativa o campo dos direitos e garantias fundamentais No que diz
respeito a tal mateacuteria eacute considerada como uma das mais avanccediladas do mundo No
seu preacircmbulo adota o modelo de um Estado democraacutetico de Direito destinado a
garantir o exerciacutecio dos direitos sociais e individuais a liberdade a seguranccedila o
bem-estar o desenvolvimento a igualdade e a justiccedila eleitos como valores
supremos de uma sociedade fraterna pluralista e sem preconceitos
Para a construccedilatildeo democraacutetica da cidadania no Brasil contemporacircneo
salienta-se de ela deve passar de uma democracia representativa para uma
cidadania que efetivamente molde a democracia ou seja uma cidadania instituinte
da democracia
No acircmbito constitucional positivo cidadania pressupotildee o exerciacutecio de todos
os direitos fundamentais e garantias que caracterizam o Estado democraacutetico de
Direito Quando se fala em cidadania eacute no sentido de reafirmar o direito pela plena
realizaccedilatildeo do indiviacuteduo do cidadatildeo dos entes coletivos e de sua emancipaccedilatildeo nos
espaccedilos da sociedade Estatildeo sempre intimamente ligados os conceitos de
cidadania democracia e direitos humanos sendo que um remete ao outro e seus
conteuacutedos se interligam ou seja a cidadania natildeo iraacute ocorrer sem que ocorra a
realizaccedilatildeo dos Direitos Humanos da mesma forma que os direitos humanos natildeo
seratildeo concretizados se natildeo houver o exerciacutecio da cidadania
Na evoluccedilatildeo histoacuterica tais categorias se desenvolveram de forma conjunta
com o Estado Representam noccedilotildees desejaacuteveis de relaccedilotildees humanas que se espera
sejam instituiacutedas Satildeo os elementos basilares na nova ordem social e que a
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 pretendeu edificar Poreacutem a democracia poliacutetica natildeo
resolveu os problemas econocircmicos mais seacuterios como a desigualdade e o
desemprego Continuam muito seacuterios os problemas da aacuterea social principalmente
na educaccedilatildeo nos serviccedilos de sauacutede e saneamento como tambeacutem e
principalmente quanto agrave seguranccedila puacuteblica
52
A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 em seu artigo 6ordm e em outros artigos no texto
constitucional ampliou e muito os Direitos Sociais proibiu discriminaccedilotildees Assim
indicadores baacutesicos de qualidade de vida apontam que houve uma melhoria A
mortalidade infantil por exemplo caiu de maneira significativa nos uacuteltimos anos A
esperanccedila de vida ao nascer passou de 60 anos em 1980 para 70 em 2000 Poreacutem
o maior progresso foi na aacuterea da educaccedilatildeo fundamental que eacute considerado fator
decisivo para a cidadania pois a taxa de analfabetismo caiu consideravelmente
entretanto existem muitos problemas no campo educacional como a repetecircncia e
com relaccedilatildeo a desigualdade social entre as regiotildees
A grande concentraccedilatildeo da riqueza nacional nas matildeos de poucos reflete a
desigualdade e causa a pobreza e a miseacuteria ao passo que dificulta o acesso do
cidadatildeo agrave justiccedila e consequentemente ao seu estado de cidadania pleno
Dentre os fundamentos no qual se baseiam o Estado democraacutetico de Direito
no Brasil destaca-se justamente a cidadania e a dignidade humana conforme artigo
1ordm incisos II e III da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Entatildeo construir uma sociedade
livre justa e solidaacuteria garantir o desenvolvimento nacional erradicar a pobreza e a
marginalizaccedilatildeo reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de
todos sem preconceitos de origem raccedila sexo cor idade ou quaisquer outras
formas de discriminaccedilatildeo satildeo os objetivos fundamentais do Estado Brasileiro
conforme art 3ordm da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
O cenaacuterio de globalizaccedilatildeo econocircmica mundial tambeacutem traacutes seacuterios obstaacuteculos
para a construccedilatildeo da cidadania A globalizaccedilatildeo da economia em ritmo acelerado
provoca grandes mudanccedilas nas relaccedilotildees entre Estado sociedade e naccedilatildeo que
eram sempre o centro da noccedilatildeo e da praacutetica da cidadania ocidental O foco das
mudanccedilas e das preocupaccedilotildees estaacute em dois focos especiacuteficos a reduccedilatildeo do papel
central do Estado como fonte de direitos e local para a participaccedilatildeo e o
deslocamento da naccedilatildeo como principal fonte de identidade coletiva
Para que ocorra efetiva mudanccedila a melhor proposta eacute no sentido de
mudanccedila na organizaccedilatildeo da sociedade pois a inversatildeo da sequecircncia dos direitos
fez com que ocorra o reforccedilo da supremacia do Estado Para que ocorra a
consolidaccedilatildeo democraacutetica e cidadatilde eacute necessaacuterio reforccedilar a organizaccedilatildeo da
sociedade para assim dar embasamento social ao poder poliacutetico ou seja
finalmente democratizar o poder e estabelecer de forma plena a Cidadania
53
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A Constituiccedilatildeo que nasce com ldquocheiro de amanhatilde e natildeo de mofordquo nas
palavras do Deputado Ulisses Guimaratildees tem em seu relevo a esperanccedila de um
povo que sonhava com a erradicaccedilatildeo da repressatildeo militar e natildeo soacute isso um povo
que sonhava com a liberdade em suas diversas manifestaccedilotildees em suas mais
significativas formas de representaccedilatildeo e sobretudo com um paiacutes voltado para a
democracia e justiccedila social
Ao povo brasileiro foi concedido o poder de governar e nesse contexto de
mudanccedila a ldquodemocracia eacute o governo do povo pelo povo e para o povordquo na
conceituaccedilatildeo ceacutelebre de Abraham Lincoln E consoante estabelece o paraacutegrafo
uacutenico do art 1ordm da Carta cidadatilde de 1988 ldquotodo poder emana do povo que o exerce
por meio de representantes eleitos ou diretamenterdquo
No entanto natildeo basta que a fonte de poder seja o povo a democracia vem
significar a efetiva participaccedilatildeo do povo nas decisotildees e destino do Estado e sua
consolidaccedilatildeo eacute a proacutepria cidadania pois eacute o cidadatildeo que pensa e se auto define
diante da condiccedilatildeo soacutecio-histoacuterica O cidadatildeo tem portanto o poder de transformar
a realidade social segundo seu pensamento e accedilatildeo
Natildeo se pode negar que a Carta de 1988 foi a que apresentou maior
legitimidade popular que abriu caminhos apontando um novo tempo
Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita Se fosse perfeita seria irreformaacutevel Ela proacutepria com humildade e realismo admite ser emendada ateacute por maioria mais acessiacutevel dentro de cinco anos Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita mas seraacute uacutetil e pioneira e desbravadora Seraacute luz ainda que de lamparina na noite dos desgraccedilados Eacute caminhando que se abrem os caminhos Ela vai caminhar e abri-los Seraacute redentor o que penetrar nos bolsotildees sujos escuros e ignorados da miseacuteria (Ulysses Guimaratildees)
Mesmo natildeo sendo a constituiccedilatildeo perfeita sem duacutevida foi a que trouxe
esperanccedila ao povo brasileiro com a sua promulgaccedilatildeo surgiram o ldquohaacutebeas datardquo o
mandado de injunccedilatildeo e o mandado de seguranccedila coletivo - todos remeacutedios judiciais
de iacutendoles constitucionais serviacuteveis para prevenir e combater diversas tentativas de
abuso contra a pessoa humana Outrossim o objeto da accedilatildeo popular foi ampliado
Atualmente qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima para propor a mencionada accedilatildeo
54
popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de entidade de que o
Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e ao patrimocircnio
histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de custas
judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia Nesse rol de forma decisiva houve a
ampliaccedilatildeo tambeacutem dos direitos sociais
Assim a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconhece e assegura uma seacuterie de
escudos protetivos aos cidadatildeos Em sua essecircncia os direitos fundamentais
ganham forma De modo que podemos assegurar que hoje o nosso Estado eacute uma
organizaccedilatildeo centrada no ser humano visto que tem a dignidade da pessoa humana
como um fundamento da Repuacuteblica Federativa do Brasil
Apesar das inuacutemeras dificuldades o Estado Democraacutetico de Direito fundado
na cidadania constituiu para o povo uma nova identidade ndash o que em outras eacutepocas
natildeo existia
A Constituiccedilatildeo circunscreve toda a organizaccedilatildeo poliacutetica estatal no intuito
maior de criar no consciente coletivo a vontade livre e determinada de desenvolver
padrotildees de condutas destinados a elevar e promover a auto-estima de toda a
comunidade paacutetria
Foi nesse sentido que estatui em seu artigo 1ordm a cidadania como fundamento
do Estado Democraacutetico de Direito ampliando e enriquecendo o tal conceito Cada
eacutepoca produziu praacuteticas e reflexotildees muito distintas sobre o tema cidadania A
definiccedilatildeo de cidadania que vem sofrendo alteraccedilotildees ao longo do tempo obedecendo
a um processo histoacuterico de conquistas sociais eacute compreendida atualmente como
um processo de participaccedilatildeo do indiviacuteduo ou de um grupo organizado nas mais
variadas aacutereas de atuaccedilatildeo da sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos
e sociais
A cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia disso natildeo haacute duvidas e se
efetiva como mudanccedilas na realidade de cada um com melhoria de vida e
conscientizaccedilatildeo da importacircncia do cidadatildeo dado que eacute um processo em
permanente construccedilatildeo Natildeo haacute como defender uma qualidade de vida sem a
preservaccedilatildeo da cidadania em todos os seus acircmbitos Nesse sentido a efetiva
proteccedilatildeo desse aspecto basilar torna-se essencial no que tange uma assistecircncia
juriacutedica completa
No contraponto do direito estatildeo os deveres que encontramos sua realizaccedilatildeo
tambeacutem na participaccedilatildeo observando que o cidadatildeo eacute responsaacutevel pelo advir de
55
suas accedilotildees A participaccedilatildeo reflete um caraacuteter de natildeo comodismo de atenccedilatildeo agravequilo
que eacute particular e coletivo tendo como finalidade preciacutepua o bem comum
Construir cidadania hoje eacute imperativo para a sociedade pois dessa
construccedilatildeo depende o amanhatilde Estamos diante da Constituiccedilatildeo que se propotildee a
resguardar o amanhatilde sem perder de vista que ele comeccedila hoje agora e nisso a
Carta Poliacutetica traacutes consigo a certeza do despertar dessa consciecircncia a consciecircncia
cidadatilde Ela eacute a semente plantada em terra feacutertil que gera frutos diariamente e se
renova a cada estaccedilatildeo na dinacircmica da vida Talvez tenha sido esse o cheiro de
frutas alcanccedilado pelo constituinte ao anunciar que a carta tem ldquocheiro do amanhatilderdquo
A responsabilidade pelo exerciacutecio desses direitos belissimamente elencados
depende de todos e de cada um pois somos o terreno feacutertil que produziraacute o fruto de
uma sociedade fraterna
Eacute comum na praacutetica apenas responsabilizarmos o Estado em sentido lato pelo
natildeo exerciacutecio dos direitos do cidadatildeo Vale lembrar nesse contexto das palavras de
J Kennedy o qual disse ldquonatildeo pergunte o que o Estado pode fazer por vocecirc mas o
que vocecirc pode fazer pelo Estadordquo haacute nessa frase um forte traccedilo de cidadania pois
quando o cidadatildeo reivindica critica opina o que ele daacute em contrapartida ao paiacutes eacute
solidificado visto que eacute nas relaccedilotildees familiares em comunidade que se estabelece e
se fortalece os viacutenculos de solidariedade de uma sociedade que perpetua valores
condutas que as leis reguladoras natildeo conseguem por si soacute estabelecer
A concretizaccedilatildeo do ideal de uma qualidade de vida merecida a todos os seres
humanos sem restriccedilotildees requer entretanto um esforccedilo coletivo Dessa forma haacute
necessidade de suprir as muitas carecircncias advindas das desigualdades sociais e de
condiccedilotildees do descaso do poder puacuteblico e da proacutepria conceituaccedilatildeo antiga de
cidadania que ainda eacute concebida por muitos no presente
Em suma nosso trabalho procurou traccedilar a evoluccedilatildeo da cidadania e ao
mesmo tempo buscou traccedilar uma melhor caracterizaccedilatildeo do cidadatildeo agrave luz da nossa
Constituiccedilatildeo que eacute por fim a essecircncia da Magna Carta O alcance da cidadania
enquanto mecanismo de acesso a direitos foi colocado no acircmbito da pessoa
enquanto titular de direitos e num paralelo defendemos que o municiacutepio eacute o espaccedilo
de atuaccedilatildeo e exerciacutecio de cidadania dada a proximidade do cidadatildeo com as
instituiccedilotildees oacutergatildeos entidades e tudo o mais que o cerca na esfera de vivecircncia Eacute na
praccedila que discute a poliacutetica local e nacional que se indigna com as dificuldades e as
56
barreiras de acesso aos seus direitos Eacute no municiacutepio que se inicia todo um vieacutes de
desdobramento para garantir direitos
Por fim natildeo obstante resta dizer sobre o tema que os caminhos e
paradigmas que se intentou percorrer sobre cidadania como mecanismo
transformador da sociedade tem ingrediente ainda a se descortinar para o
propoacutesito valioso do bem comum Pois bem a ideia de bem comum tem como
fundamento o amor maacutexima que se estabelece por meio da democracia visto que
ldquoa demofilia o demoiacutesmo o amor do povo acima de tudo como princiacutepio ativo de
toda a sua vida poliacutetica inspirador duma sempre crescente autonomia imanente eacute
que constitui a verdadeira essecircncia da democraciardquo nas palavras de Melgareacute
(2005)
Dessa forma eacute no nuacutecleo da democracia que estaacute inscrito como pedra
angular o respeito e o amor pela pessoa humana Eacute pois um tema de larga
abrangecircncia poreacutem sem querer abreviar o caminho sua efetiva possibilidade de
realizaccedilatildeo se encontra no exerciacutecio da cidadania sem repuacutedios parciais ou exclusatildeo
de qualquer ordem na plenitude de uma cidadania para todos
57
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
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ABSTRACT
Citizenship assumed historically many concepts in the light of many social and cultural contexts in which it operates Its construction was conditioned how states were formed Thus the concept of citizenship as a right to have rights built into the structures of each state so modern citizenship has developed to the extent that people feel part of the nation-state can participate in the construction of dynamic and well common It is within this context that the present study which aims to talk about the main instruments of defense of civil rights noting citizenship as a mechanism for social change In Brazil citizenship becomes important to the Federal Constitution of 1988 which appears as a fundamental principle The Citizen Charter includes in the course of your text numerous innovations regarding the issue of characterization of citizenship in modern society and the rights covering the political civil and social The cast engine citizenship object of our analysis is access to law and justice that is decisive for effective constitutional guarantees as well as the education that involves the human knowledge of oneself and the environment in which it is inserted it can participate productively The scope of the exercise of citizenship as rights and duties is placed within the municipality for being the federative entity closest to the citizen In this vein the construction of full citizenship is constituted as a task of many hands signed into actions aimed at the common good KEYWORDS citizenship rights constitution democracy
9
INTRODUCcedilAtildeO
A palavra cidadania tem sido usada com muita frequecircncia desde um discurso
poliacutetico a um diaacutelogo trivial pois eacute um vocaacutebulo de significado amplo que permite o
seu emprego para referir-se aos direitos humanos ou direitos do consumidor ou
para dirigir-se a um indiviacuteduo
O conceito de cidadania sempre esteve fortemente associado agrave noccedilatildeo de
direito o que de certa forma justifica a amplitude de usos do termo jaacute que a histoacuteria
da cidadania confunde-se com a histoacuteria dos direitos humanos a histoacuteria das lutas
das gentes para a afirmaccedilatildeo de valores como a liberdade a dignidade e a
igualdade de todos os seres humanos indistintamente Percebe-se portanto que
existe um estreito relacionamento entre cidadania e luta por justiccedila por democracia
e outros direitos fundamentais Pois como afirma Santana (2009)
A histoacuteria da cidadania confunde-se em muito com a histoacuteria das lutas pelos direitos humanos A cidadania esteve e estaacute em permanente construccedilatildeo eacute um referencial de conquista da humanidade atraveacutes daqueles que lutam por mais direitos maior liberdade melhores garantias individuais e coletivas []
Sua trajetoacuteria eacute longa e liga-se as transformaccedilotildees poliacuteticas ocorridas na
histoacuteria das sociedades O seu nascimento remota a Antiguidade passando por uma
perda de seu significado na Idade Media ateacute ressurgir na Modernidade e originar
calorosos debates nos dias de hoje
No Brasil estamos tecendo a nossa cidadania e aos poucos vamos nos
livrando da visatildeo restritiva da cidadania aplicada como simples conjunto de pessoas
dotadas de direitos poliacuteticos (cidadania ativa e cidadania passiva)
Passos importantes foram dados com o processo de redemocratizaccedilatildeo e a
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 mas essa trajetoacuteria ainda tem um longo caminho a
ser percorrido pois construir cidadania eacute tambeacutem construir novas relaccedilotildees e
10
consciecircncia de que ela natildeo se limita a conquista legal de direitos mas tambeacutem a
realizaccedilatildeo desses direitos Sob pena de que a natildeo apropriaccedilatildeo desses direitos de
forma efetiva os transforma em letra morta
A consciecircncia cidadatilde perpassa a democracia os direitos sociais e o ideal
coletivo de justiccedila em sentido amplo o qual denominamos de bem comum A
vivecircncia da cidadania encontra diversas barreiras culturais e histoacutericas pois como
afirma Matos (2009)
Somos filhos e filhas de uma naccedilatildeo que nasceu sob o signo da cruz e da espada acostumados a apanhar calado a dizer sempre lsquosim senhorrsquo a lsquoengolir saposrsquo a achar lsquonormalrsquo as injusticcedilas a termos um lsquojeitinhorsquo para tudo a natildeo levar a seacuterio a coisa puacuteblica a pensar que direitos satildeo privileacutegios e exigi-los eacute ser boccedilal e metido a pensar que Deus eacute brasileiro e se as coisas estatildeo como estatildeo eacute por vontade Dele
Os direitos que hoje gozamos natildeo nos foram conferidos de maneira
harmoniosa foram conquistados E muitas vezes os compreendemos como uma
concessatildeo um favor de quem estaacute em cima para os que estatildeo em baixo da piracircmide
social e essa concepccedilatildeo errocircnea fragiliza a capacidade de organizaccedilatildeo participaccedilatildeo
e intervenccedilatildeo social que configura a cidadania
Este trabalho monograacutefico portanto tem como escopo discutir e traccedilar alguns
pressupostos que possibilitem a compreensatildeo do efetivo exerciacutecio da cidadania
como mecanismo transformador de uma sociedade (participaccedilatildeo cidadatilde nas
decisotildees da administraccedilatildeo puacuteblica que alcancem toda a coletividade)
compreendendo que a cidadania deve ser vista em todos os seus aspectos
principalmente no sentido que atraveacutes dela se almeja uma sociedade com vida
digna para todos Cidadania essa que se configurou e vem se impondo em meio a
fortes resistecircncias e combates
Para que os objetivos fossem alcanccedilados elegemos a pesquisa bibliograacutefica
como teacutecnica baacutesica para coletarmos os dados necessaacuterios Tratou-se de uma
proposta de estudo portanto de cunho eminentemente bibliograacutefico Assim sendo
as fontes da pesquisa foram as proacuteprias obras dos doutrinadores
Eacute por meio de referenciais teoacutericos como Hannah Arendt Joseacute Afonso da
Silva Norberto Bobbio Dalmo Dallari Walber Agra Celso Bandeira de Melo
Boaventura de Souza Joseacute Murilo de Carvalho entre outros expoentes da ciecircncia
juriacutedica que contextualizamos estes questionamentos e de certa maneira temos a
11
pretensatildeo de contribuir para o fortalecimento do debate acadecircmico em torno de um
elemento valioso para o Estado Constitucional a cidadania
A dimensatildeo doutrinaacuteria do tema diz respeito a sua importacircncia para a aacuterea de
estudos em que se insere - o Direito Pois estudar e analisar elementos constitutivos
da cidadania significa compreender uma questatildeo que vem a cada dia tomando mais
espaccedilo nos meios acadecircmicos
Nos dias atuais em que a poacutes-modernidade permeia as relaccedilotildees juriacutedicas
propiciando a interdisciplinaridade e a flexibilidade da interpretaccedilatildeo dos dispositivos
postos o processo de discussatildeo voltado para a questatildeo da cidadania vivencia na
atualidade grande relevacircncia Nesse diapasatildeo duas consideraccedilotildees seratildeo levadas a
efeito a cidadania como um fundamento constitucional da Repuacuteblica Federativa do
Brasil de acordo com o que preceitua o inciso II do artigo 1ordm da Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 o local mais propiacutecio para o exerciacutecio efetivo da cidadania eacute o
municiacutepio onde ocorrem agraves decisotildees mais proacuteximas da comunidade em que o
individuo cidadatildeo tem maior facilidade de participaccedilatildeo nas decisotildees e por fim que
os indiviacuteduos exercem cidadania acessando a justiccedila em busca de seus direitos
Neste sentido o presente trabalho analisa algumas questotildees que estiveram e
ainda estatildeo por traacutes do desenvolvimento da foacutermula da cidadania percorrendo para
tanto desde a antiguidade ateacute o tempo presente De modo que o objetivo do
mesmo eacute analisar o processo de constituiccedilatildeo e consolidaccedilatildeo da cidadania ao longo
dos tempos como tambeacutem procura demonstrar os caminhos que de fato o conceito
de cidadania percorreu ateacute chegar agraves formulaccedilotildees da nossa eacutepoca em que passou
a ser concebida como um princiacutepio fundamental da Repuacuteblica Federativa do Brasil
Defendemos por fim que a cidadania como hoje a enxergamos eacute talvez o
uacutenico arcabouccedilo viaacutevel para a convivecircncia poliacutetica sendo certo que a sociabilidade
por traacutes da construccedilatildeo estatal precisa arrimar-se em postulados democraacuteticos e
criteacuterios de emancipaccedilatildeo da liberdade individual e coletiva os quais satildeo
pressupostos da cidadania plena
12
CAPIacuteTULO 1 - NOVOS OLHARES SOBRE A CIDADANIA
A cidadania vista como uma verdadeira visatildeo democraacutetica da convivecircncia eacute
siacutembolo de todo um incessante processo desencadeado por meio de um labutar
juriacutedico-politico-cultural que vem acompanhado de vaacuterias etapas do fenocircmeno
humano na tentativa de harmonizar os interesses valores e necessidades dos
homens
Seus correspondentes mecanismos de atuaccedilatildeo na sociedade atual natildeo
surgiram como que por encanto pacificamente sem luta Brotaram apoacutes uma
semeadura ideoloacutegica em conflito com outras ideologias e doutrinas que lhe eram
contraacuterias A cidadania portanto consiste na lenta construccedilatildeo da democracia
sintetiza os esforccedilos para a obtenccedilatildeo das prerrogativas poliacuteticas sociais e culturais
que tecircm levado os membros da comunidade poliacutetica direta ou indiretamente a
decidir acerca da realidade que os cercam
Neste sentido obra de construccedilatildeo do civismo democraacutetico que vem se
fortalecendo de maneira eficaz com a promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo brasileira de
1988 a cidadania toma como ponto de partida a ideia de que o Estado democraacutetico
de Direito eacute uma conquista resultado de uma construccedilatildeo permanente da
convivecircncia sociopoliacutetica
13
11 As origens da cidadania
A expressatildeo cidadania emana do termo latino civitas No entanto pode-se
encontrar suas procedecircncias intelectuais nas religiotildees da Antiguidade e nas
civilizaccedilotildees greco-romanas Polites que os romanos traduziram por cives que eacute o
soacutecio da polis ou civitas O legado greco-romano da palavra civitas nos remete agraves
noccedilotildees de liberdade igualdade e virtudes republicanas Eacute na polis grega que os
conceitos de liberdade e igualdade ganham sentido No entanto eacute importante citar
que
A participaccedilatildeo na polis ou na civitas era exclusiva de alguns homens que participavam do funcionamento da cidade-Estado eram eles os titulares de direitos poliacuteticos Eram considerados cidadatildeos apenas os homens nascidos no solo da cidade livres e iguais portadores de dois direitos inquestionaacuteveis portadores da isonomia (igualdade perante a lei) e da isegoria (o direito de expor e discutir em puacuteblico opiniotildees sobre accedilotildees que a cidade deveria ou natildeo realizar) (CHAUIacute 1994)
Ser cidadatildeo para os gregos significava antes de tudo usufruir certas
vantagens que nenhum outro homem conhecera Como afirma Minogue ldquoOs
cidadatildeos tinham riqueza beleza e inteligecircncia diversas mas como cidadatildeos eram
iguaisrdquo (1998) Foi especialmente no seacuteculo V aC que Atenas viveu seu momento
de apogeu Nesse seacuteculo especificamente desenvolveram-se as concepccedilotildees de
cidadania e democracia Em oposiccedilatildeo agrave ideia aristocraacutetica de poder o cidadatildeo
poderia e deveria atuar na vida puacuteblica independentemente da origem familiar
classe ou funccedilatildeo (ARENDT 1995)
Da mesma forma a racionalidade era conferida a uma minoria da
populaccedilatildeo exclusivamente aos homens que tinham o direito de filosofar aleacutem de
participar da academia (culto agrave beleza fiacutesica) e do poder (direito de comandar
politicamente todos os interesses da polis mediante a elaboraccedilatildeo e execuccedilatildeo de
leis e normas administrativas) Cidadatildeo segundo o teoacuterico Coulanges
Eacute todo o homem que segue a religiatildeo da cidade que honra os mesmos deuses da cidade () o que tem o direito de aproximar-se dos altares e podendo penetrar no recinto sagrado onde se realizam as assembleias assiste agraves festas acompanha as procissotildees e participa dos panegiacutericos participa dos banquetes sagrados e recebe sua parte das viacutetimas Assim esse homem no dia em que se inscreveu no registro dos cidadatildeos jurou praticar o culto dos deuses da cidade e por eles combater (2003)
14
Os escravos e os baacuterbaros natildeo podiam tomar parte dos ambientes
sagrados Segundo alguns teoacutericos apenas 10 da populaccedilatildeo eram considerados
cidadatildeos em Atenas A fim de reduzir as despesas do Estado o governo restringiu o
direito de cidadania somente os filhos de pai e matildee atenienses seriam considerados
cidadatildeos As mulheres os metecos (estrangeiros) e os escravos continuaram
desprovidos de quaisquer direitos poliacuteticos A mulher era considera o ldquonatildeo serrdquo
equiparada aos escravos cuidava dos afazeres ldquodomeacutesticosrdquo servia como
instrumento de procriaccedilatildeo e natildeo participava portanto das decisotildees da polis
Aristoacuteteles descreve que mulheres e escravos eram mantidos fora da vista do
puacuteblico eram os trabalhadores que ldquocom o seu corpo cuidavam das necessidades
(fiacutesicas) da vidardquo Satildeo as mulheres que com seu corpo garantem a sobrevivecircncia
fiacutesica da espeacutecie Mulheres e escravos conforme Arendt
Pertenciam agrave mesma categoria e eram mantidos fora das vistas alheias - natildeo somente porque eram propriedade de outrem mas porque a sua vida era ldquolaboriosardquo dedicada a funccedilotildees corporais O filho de preferecircncia deveria ser do sexo masculino sendo candidato em potencial para exercer a cidadania O escravo servia de matildeo-de-obra para o sustento e manutenccedilatildeo dos cidadatildeos (1995)
Para Aristoacuteteles ser cidadatildeo diz respeito a todo aquele que eacute capaz de
tomar parte tanto no judiciaacuterio quanto no poder deliberativo da polis ldquoNenhum
caraacuteter define melhor o cidadatildeo no sentido estrito do que a participaccedilatildeo do exerciacutecio
dos poderes de juiz e magistradordquo (ARISTOacuteTELES A Poliacutetica III 16 Apud
TOURAINE 1994) O fim uacuteltimo do homem eacute viver na polis onde o homem se
realiza como cidadatildeo (politai) manifestando o processo de constituiccedilatildeo de sua
essecircncia a sua natureza Ou seja natildeo apenas viver em sociedade mas viver na
ldquopoliticidaderdquo
Para Aristoacuteteles a reflexatildeo sobre a poliacutetica eacute que ela natildeo se separa da
eacutetica pois segundo o estagirita a vida individual estaacute imbricada na vida comunitaacuteria
A razatildeo pela qual os indiviacuteduos reuacutenem-se nas cidades (e formam comunidades
poliacuteticas) natildeo eacute apenas a de viver em comum mas a de viver ldquobemrdquo ou a boa vida
Para que isso aconteccedila eacute necessaacuterio que os cidadatildeos vivam o bem comum ou em
15
conjunto ou por intermeacutedio dos seus governantes se acontecer o contraacuterio (a busca
do interesse proacuteprio) estaacute formada a degeneraccedilatildeo do Estado
Por fim como afirma Correcirca (1999) ldquoa cidadania da Greacutecia Claacutessica
possui um paracircmetro muito especiacutefico de difiacutecil aceitaccedilatildeo numa concepccedilatildeo
moderna de cidadaniardquo Ou seja o que caracteriza a cidadania antiga eacute seu aspecto
limitador elitista e excludente pouco semelhante com o entendimento dos nossos
dias
Destarte como a democracia a cidadania passou por diferentes e possiacuteveis
ldquoinvenccedilotildeesrdquo em periacuteodos e espaccedilos determinados da histoacuteria e da geografia do
Ocidente Greacutecia e Roma consolidaram por seacuteculos seus sistemas de governos
possibilitando e permitindo a participaccedilatildeo de um significativo nuacutemero de cidadatildeos
Com o desaparecimento das civilizaccedilotildees claacutessicas a cidadania desaparece
juntamente e por um bom tempo ficaraacute fora de cena no Ocidente
Conforme Benevides (1994) a ideia moderna de cidadania e de direitos do
cidadatildeo tem como eacute sabido soacutelidas raiacutezes nas lutas e no imaginaacuterio da Revoluccedilatildeo
Francesa
Na continuidade da tradiccedilatildeo dos seacuteculos XVII e XVIII o contratualismo de
Locke e de Rousseau forneceu as bases filosoacuteficas do conceito de cidadania do
liberalismo e as revoluccedilotildees Inglesa Americana e Francesa que validaram seu uso
ao estabelecer um viacutenculo juriacutedico-legal entre as noccedilotildees de liberdade igualdade
fraternidade e o Estado-naccedilatildeo (MOISEacuteS 2005)
Nos seacuteculos XVIII e XIX outras correntes teoacutericas sobre o direito e a cidadania
seratildeo contempladas No entanto estas teorias vatildeo se contrapor agraves teorias do
jusnaturalismo e do contratualismo Segundo Correcirca (1999)
Para o positivismo juriacutedico (positivismo normativista de Kelsen) bem como para a Escola da Exegese e a Escola Histoacuterica o que vale eacute o ensino dogmaacutetico - as normas (exclue-se a anaacutelise interdisciplinar entre outras aacutereas principalmente com as Ciecircncias Sociais) A lei eacute a uacutenica fonte do direito Para essas escolas a cidadania eacute negada
Mais proacuteximo de noacutes no seacuteculo XX T A Marshall foi quem primeiro
discutiu o conceito de cidadania e suas dimensotildees no ensaio claacutessico ldquoCidadania e
classe socialrdquo Ainda hoje depois de mais de seis deacutecadas apoacutes a sua publicaccedilatildeo
16
(em 1949) o ensaio de Marshall continua a ser a referecircncia teoacuterica fundamental
para quem comeccedila a refletir sobre a cidadania na sociedade contemporacircnea eacute o
que se pode constatar de resto atraveacutes da consulta a mais recente bibliografia
dedicada a esse tema
Os Direitos Civis dentro da tradiccedilatildeo apresentada por Marshall estatildeo
ligados aos direitos fundamentais do homem como o direito agrave vida agrave liberdade agrave
propriedade e agrave igualdade perante a lei Jaacute os Direitos Poliacuteticos se referem agrave
participaccedilatildeo do cidadatildeo no governo da sociedade Seu exerciacutecio eacute limitado a uma
reduzida parcela da populaccedilatildeo e consiste na capacidade de fazer demonstraccedilotildees
poliacuteticas formar e participar de agremiaccedilotildees poliacuteticas organizar partidos votar e ser
votado Em geral quando se fala de direitos poliacuteticos
Eacute do direito do voto que se estaacute falando Por fim aparecem os Direitos Sociais que garantem a participaccedilatildeo no governo da sociedade e na riqueza coletiva Eles incluem o direito agrave educaccedilatildeo ao trabalho ao salaacuterio justo agrave sauacutede e agrave aposentadoria (CARVALHO 2002)
Eacute a soma desses direitos (civis poliacuteticos e sociais) que garantem a
emancipaccedilatildeo humana e a justiccedila social Certamente Marshall descreveu a evoluccedilatildeo
da cidadania em seu paiacutes de origem ou seja a Inglaterra Foi nesse paiacutes que
surgiram inicialmente os direitos civis no seacuteculo XVIII depois vieram os direitos
poliacuteticos (XIX) e por fim os direitos sociais (XX) Trata-se portanto de verdadeiras
conquistas da contemporaneidade E como tal fazem parte de um cotidiano em que
homens e mulheres lutam por dias melhores pelo Direito justo por uma cidadania
plena e eficaz por uma convivecircncia equilibrada pela existecircncia plena daqueles que
acreditam e defendem os valores por traacutes da dignidade da pessoa humana
12 A construccedilatildeo da cidadania
A Cidadania natildeo pode ser vista como um conceito estaacutetico pois ela natildeo se
resume somente em participaccedilatildeo atraveacutes de eleiccedilotildees mas sim como uma
construccedilatildeo da democracia politizada e participativa da construccedilatildeo do poder
17
Nas uacuteltimas deacutecadas o Brasil passou por significativas mudanccedilas de
paradigmas dentre os quais podemos citar a reconstruccedilatildeo do conceito proposto de
cidadania Pode-se dizer que apesar das inuacutemeras desigualdades socioeconocircmicas
o termo ldquocidadaniardquo evoluiu ampliando-se a abrangecircncia de sua concepccedilatildeo
abarcando todas as categorias sociais Para tanto para que possamos compreender
como vem se dando essa evoluccedilatildeo eacute preciso que conheccedilamos como tem se dado a
construccedilatildeo histoacuterica da representaccedilatildeo simboacutelica da cidadania
Durante toda a sua evoluccedilatildeo histoacuterica a palavra cidadania e as vaacuterias facetas
que ela assumiu nas uacuteltimas deacutecadas vecircm convivendo de perto com dissensotildees
sociais interesses e conflitos ideoloacutegicos culturais e poliacuteticos que se dedicam a
defender ou construir um modelo de cidadania compatiacutevel com as conjunturas de
cada tempo e de cada lugar
A marcha da cidadania sempre esteve ligada a avanccedilos retrocessos crises e
vitoacuterias enfim a iniciativas voltadas para a implantaccedilatildeo de uma estrateacutegia de luta
pelos direitos humanos pois ela esteve e estaacute em permanente construccedilatildeo eacute como
dizem os grandes teoacutericos um referencial de conquista da humanidade atraveacutes
daqueles que sempre lutaram e lutam por mais direitos mais liberdade melhores
garantias sejam elas individuais ou coletivas e natildeo se conformam frente agraves
dominaccedilotildees arrogantes de um pequeno grupo dominador e opressor contra uma
maioria desassistida e que natildeo se consegue fazer ouvir exatamente porque se lhe
nega a cidadania plena cuja conquista ainda que tardia natildeo seraacute obstada
Os caminhos trilhados pelos que defendem a cidadania podem vir a
apresentar em termos de sentimento constitucional a luta por um Estado
Democraacutetico de Direito que ajude na construccedilatildeo de uma adequada compreensatildeo
das situaccedilotildees de conjuntura e dos problemas estruturais que a sociedade enfrenta
dia apoacutes dia situaccedilotildees essas que se congregam para gerar a falta de efetividade
normativa da nossa Constituiccedilatildeo Aleacutem disso oferecem um amplo panorama acerca
dos esforccedilos que os povos empreenderam para fundar os alicerces das democracias
constitucionais do mundo moderno
A histoacuteria da construccedilatildeo da cidadania eacute uma histoacuteria de resistecircncias de povos
contra as opressotildees dos governos do desespero e das necessidades das massas eacute
a histoacuteria da esperanccedila e do empenho das naccedilotildees a histoacuteria da convivecircncia das
paixotildees humanas do futuro das geraccedilotildees eacute a histoacuteria do sofrimento e da dor eacute a
histoacuteria das vicissitudes e dramas do proacuteprio fenocircmeno humano
18
13 Cidadania um fenocircmeno cultural
A cidadania eacute um fenocircmeno cultural relacionada com a conquista de direitos
com as construccedilotildees das instituiccedilotildees com a proteccedilatildeo dos direitos fundamentais e
dos valores juriacutedicos e humanos Trata-se de uma realidade cultural cuja finalidade eacute
determinar o modo como agraves pessoas devem vincular-se agraves mudanccedilas nas estruturas
sociais determinando o modo como agraves pessoas devem atuar e (com) viver em
sociedade
De certo modo a cidadania como o Direito e todos os direitos representa uma
conquista da cultura frente agrave conflitiva natureza humana Tal conclusatildeo ajuda a
compreender o Estado Democraacutetico de Direito e tudo aquilo que ele simboliza em
termos de emancipaccedilatildeo da pessoa humana Nessa linha a necessidade de
compreender o conceito atual de cidadania agrave luz das questotildees culturais e sociais
postas pela sociedade poacutes-moderna veio-nos como heranccedila do processo cultural de
formaccedilatildeo das democracias modernas
Essa representaccedilatildeo cultural da cidadania vem sendo tratada pelos
pensadores modernos sob vaacuterios enfoques Num primeiro momento surge assim
por exemplo a cidadania civil que marcou a superaccedilatildeo da situaccedilatildeo observada na
Idade Meacutedia garantindo os direitos quanto agrave liberdade e agrave justiccedila e vinculando-se
diretamente agrave burguesia Jaacute a cidadania poliacutetica surgiu com a universalizaccedilatildeo de seu
proacuteprio conceito e com a ampliaccedilatildeo dos direitos civis Esta nova consciecircncia sobre
as diferenccedilas no interior do status de cidadatildeo acentua os debates sobre a exclusatildeo
social os direitos humanos e mesmo sobre a atuaccedilatildeo poliacutetica da sociedade civil Por
outro lado no atual estaacutegio do capitalismo falar em cidadania significar considerar
igualmente as proacuteprias mudanccedilas ocorridas na sociedade nos valores e na
educaccedilatildeo proporcionados pelas inovaccedilotildees da realidade tecnocientifica
Temos desse modo associado ao atual conceito de cidadania um repertoacuterio
teoacuterico e mesmo praacutetico cuja amplitude acompanha o proacuteprio desenvolvimento das
sociedades poacutes-modernas dando a impressatildeo crescente como afirma Harvey
19
De uma poderosa configuraccedilatildeo de novos sentimentos e pensamentos Que parecia a caminho de desenvolvimento social e poliacutetico apenas em virtude da maneira como definia padrotildees de criacutetica social e de praacutetica poliacutetica Em anos recentes ele vem determinando os padrotildees de debate definindo o modo do lsquodiscursorsquo e estabelecendo paracircmetros para a criacutetica cultural poliacutetica e cultural (1992)
Contudo a extensatildeo desses direitos agrave totalidade da populaccedilatildeo natildeo
possibilitou a garantia da liberdade e da igualdade idealizadas por Rousseau em sua
obra ldquoO Contrato Socialrdquo Por outro lado pode-se dizer que todos esses anos de
desenvolvimento acabaram por afirmar que a cidadania de fato soacute pode se constituir
por meio de acirrada luta cotidiana por direitos e pela garantia daqueles que jaacute
existem
Mais do que isso nota-se maior preocupaccedilatildeo com a difusatildeo desses direitos
seja por meio de educaccedilatildeo formal seja pelos meios de comunicaccedilatildeo Livros
didaacuteticos e paradidaacuteticos tecircm fomentado a discussatildeo sobre o status de cidadatildeo e os
direitos humanos outros associam ao desenvolvimento da cidadania uma
discussatildeo sobre os meios de comunicaccedilatildeo e o proacuteprio capitalismo como afirma o
professor Dalmo de Abreu Dallari em Cidadania e Direitos Humanos (1998)
Nessa perspectiva problemas recorrentes como as violaccedilotildees dos direitos
humanos as ineficiecircncias no campo social e o processo de pauperizaccedilatildeo
manifestado na periferia do capitalismo mostram que a cidadania exige mais do que
o simples ato de votar ou de pertencer a uma sociedade poliacutetica Cabe portanto agrave
sociedade civil caraacuteter representativo que substitua as pressotildees ou mesmo a
atuaccedilatildeo legiacutetima dos cidadatildeos
A evoluccedilatildeo da cidadania portanto consiste na lenta construccedilatildeo da
democracia que sintetiza os esforccedilos para a obtenccedilatildeo das prerrogativas ideoloacutegicas
e culturais que tecircm levado os membros da sociedade a decidirem acerca da
realidade que os cercam
14 Cidadania no Brasil breves consideraccedilotildees
Discorrer sobre a construccedilatildeo da cidadania no Brasil eacute tocar num ponto
crucial da nossa histoacuteria Passados mais de 500 anos da chegada dos portugueses
20
por estas paragens percebe-se que a consolidaccedilatildeo da cidadania ainda eacute um desafio
para todos os brasileiros
O tema cidadania muito se tem discutido na academia e fora dela o jargatildeo
da cidadania estaacute na moda nas instituiccedilotildees poliacuteticas e juriacutedicas como tambeacutem na
opiniatildeo puacuteblica mas concretamente eacute um conceito ainda a ser construiacutedo
No contexto histoacuterico-cultural e poliacutetico dos gregos especificamente por
volta do ano 380 aC (periacuteodo do apogeu daquela civilizaccedilatildeo) embora a cidadania
fosse limitada a uma parcela social minoritaacuteria pode-se afirmar que tanto a
democracia quanto a cidadania grega natildeo deixam de ser conquistas ineacuteditas e
avanccedilos significativos para a histoacuteria ocidental Jaacute a evoluccedilatildeo e a real consolidaccedilatildeo
da cidadania na modernidade nascem a partir dos direitos naturais (vida
propriedade liberdade) do homem liberal burguecircs garantido pelas consecutivas
ldquoDeclaraccedilotildees de Direitosrdquo elaboradas a partir das revoluccedilotildees liberais na Inglaterra
(Revoluccedilatildeo Gloriosa 1688-89) Estados Unidos (Emancipaccedilatildeo poliacutetica 1776) Franccedila
(Revoluccedilatildeo Francesa)
No entanto pode-se dizer que o nosso paiacutes apesar da influecircncia dos paiacuteses
europeus vivenciou como ainda vivencia uma difiacutecil construccedilatildeo da cidadania
A longa histoacuteria do Brasil vem elencando razotildees profundas para a nossa
natildeo-cidadania atual a exemplo da conquista (ou invasatildeo) do nosso territoacuterio o
grande latifuacutendio a escravidatildeo a monocultura de exportaccedilatildeo o analfabetismo a
perpetuaccedilatildeo das elites poliacuteticas no poder fatores que refletem nos viacutecios da vida
social cultural poliacutetica e econocircmica do paiacutes
Fundamentalmente eacute preciso afirmar que no Brasil a construccedilatildeo da
cidadania natildeo seguiu a loacutegica da trajetoacuteria inglesa Houve no Brasil segundo
Carvalho (2002) pelo menos duas diferenccedilas importantes
A primeira refere-se agrave maior ecircnfase em um dos direitos o social em relaccedilatildeo aos outros a segunda refere-se agrave alteraccedilatildeo na sequecircncia em que os direitos foram adquiridos entre noacutes o social precedeu os outros
Uma das razotildees fundamentais das dificuldades da construccedilatildeo da cidadania
estaacute ligada como nos diz Carvalho ao ldquopeso do passadordquo mais especificamente ao
periacuteodo colonial (1500-1822) quando
21
Os portugueses tinham construiacutedo um enorme paiacutes dotado de unidade territorial linguiacutestica cultural e religiosa Mas tinham deixado uma populaccedilatildeo analfabeta uma sociedade escravocrata uma economia monocultora e latifundiaacuteria um Estado Absolutista (CARVALHO 2002)
Em suma foram 322 anos sem poder puacuteblico sem Estado sem naccedilatildeo e
cidadania Diante de tatildeo obscuro cenaacuterio de dominaccedilatildeo opressatildeo dentre outras
formas de natildeo efetivaccedilatildeo da cidadania no Brasil podemos elencar dentre outros
tantos fatores quais foram os principais obstaacuteculos para a construccedilatildeo da cidadania
brasileira O latifuacutendio agro-exportador do periacuteodo colonial bem como o escravismo
o analfabetismo marcaram negativamente nossas origens e ateacute hoje dificultam
avanccedilos no acircmbito poliacutetico-social e econocircmico Aleacutem dessas outras razotildees foram e
continuam sendo entraves para a consolidaccedilatildeo das instituiccedilotildees poliacutetica que
impedem os avanccedilos necessaacuterios para uma cidadania plena Na ordem poliacutetica
permanecem ainda algumas mazelas histoacutericas como o patrimonialismo
(promiscuidade entre o puacuteblico e o privado) o coronelismo com sua nova roupagem
o clientelismo aleacutem da corrupccedilatildeo entre outros
Mesmo diante de tatildeo vergonhoso cenaacuterio natildeo podemos nos dispensar que
tambeacutem alcanccedilamos mesmo que de forma tiacutemida significativas conquistas de
direitos no Brasil comparadas com outros paiacuteses que vivenciaram um processo de
colonizaccedilatildeo semelhante ao nosso A conquista desses direitos deu-se de maneira
tardia e inversa haja vista que somente em 1824 mais de 320 anos apoacutes a chegada
dos portugueses foi que surgiram os primeiros direitos civis e poliacuteticos (antes disso
estaacutevamos submetidos agrave lei da coroa portuguesa) Aos poucos surgiram os direitos
sociais mas exatamente no momento em que os direitos civis e poliacuteticos estavam
sendo negados no periacuteodo da ditadura de Vargas (1937-45) e na ditadura militar
(1964-1985) Parece um paradoxo mas foi exatamente nesse periacuteodo de
conturbaccedilotildees poliacuteticas que marchamos em direccedilatildeo agrave conquista de significativos
direitos que iriam projetar uma ideia de lutas e vitoacuterias que se projetariam no campo
da cidadania de modo bastante concreto
Por fim haveremos de concordar com Benevides (1994) ao afirmar que no
intuito de reverter agrave realidade poliacutetico-social excludente ou de uma cidadania
passiva ou sem ldquopovordquo eacute necessaacuterio recorrer agrave defesa de mecanismos institucionais
22
como o referendo o plebiscito e a iniciativa popular para a construccedilatildeo do que ela
chama de uma cidadania ativa ou democracia semidireta Alguns autores veem
dificuldades na implementaccedilatildeo desse sistema em paiacuteses que estatildeo em processo de
democratizaccedilatildeo no entanto logo em seguida apontam para a educaccedilatildeo poliacutetica ndash
entendida como educaccedilatildeo para a cidadania ativa
Desse modo pode-se proferir que todos esses anos de desenvolvimento
acabaram por afirmar que a cidadania de fato soacute pode se constituir por meio de
acirrada luta cotidiana por direitos e pela garantia daqueles que jaacute existem pois
apesar da existecircncia de profundas desigualdades sociais a ideia de cidadania
evoluiu com o passar dos anos Ampliou-se a abrangecircncia de sua concepccedilatildeo
abraccedilando todas as classes sociais e minorias Deixou de restringir-se apenas agrave
participaccedilatildeo poliacutetica para relacionar uma seacuterie de deveres da sociedade para com o
cidadatildeo Na praacutetica ainda haacute muito que se fazer para que direitos e deveres sejam
os mesmos para todos No entanto a busca pela realizaccedilatildeo da maacutexima ldquocada
homem um votordquo continua a ser perseguida
A luta pela conquista plena da cidadania eacute parte integrante da democracia
uma vez que assegura a continuidade das transformaccedilotildees juriacutedicas poliacuteticas entre
outras Natildeo resta duacutevida acerca do papel estruturante que essa luta desempenha no
quadro das democracias contemporacircneas fato que a converte em uma irresistiacutevel
conquista da modernidade O caraacuteter estruturante que a cidadania projeta nos
quadros da democracia atual estaacute ligado a permanente busca de um Estado
compatiacutevel com a realidade de cada tempo histoacuterico
23
CAPIacuteTULO 2 - CIDADANIA Agrave LUZ DA CONSTITUICcedilAtildeO FEDERAL DE
1988
A Constituiccedilatildeo eacute a ordem juriacutedica fundamental da comunidade nas palavras
de Konrad Hesse (apud PALU 2001) eacute um documento juriacutedico e poliacutetico dirigido aos
cidadatildeos e estes satildeo os seus primeiros destinataacuterios A Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica eacute
a Lei fundamental composta por um conjunto de normas baacutesicas que compotildeem a
estrutura juriacutedica poliacutetica social e econocircmica de um paiacutes Essa eacute razatildeo pela qual
ela eacute chamada de Carta Magna pois a ela nada se sobrepotildee Para Dallari (1985) a
Constituiccedilatildeo
[] eacute a declaraccedilatildeo da vontade poliacutetica de um povo feita de modo solene por meio de uma lei que eacute superior a todas as outras que visando agrave proteccedilatildeo da dignidade humana estabelece os direitos e as responsabilidades fundamentais dos indiviacuteduos dos grupos sociais do povo e do governo
Desta forma uma Constituiccedilatildeo natildeo surge do nada ela eacute resultado de
observaccedilotildees e experiecircncias e sua finalidade eacute de afirmar e garantir os direitos
elementares das pessoas humanas disciplinar o uso ao mesmo tempo em que
evita o abuso de poder organizando de forma racional a sociedade e o governo
Satildeo inegaacuteveis as inovaccedilotildees teacutecnicas trazidas pela Constituiccedilatildeo Brasileira de
1988 no campo da instituiccedilatildeo garantia e proteccedilatildeo dos direitos fundamentais A
dignidade da pessoa humana e o exerciacutecio da cidadania satildeo considerados princiacutepios
fundamentais da Carta Magna Brasileira de 1988
Cidadania direito a ter direitos na acepccedilatildeo de Haberle ( apud VALADEacuteS
2009) refere-se a todos os direitos previstos na Constituiccedilatildeo de 1988 e ainda
aqueles natildeo expressos mas decorrentes do regime e dos princiacutepios por ela
adotados na dicccedilatildeo do sect 2deg art 5deg
O princiacutepio fundamental da cidadania conforme jaacute exposto impregna todo o
texto constitucional vigente a partir do art 1deg II em que figura de forma
24
exponencial relativamente ao Estado brasileiro e tudo que lhe corresponda no
exerciacutecio de um poder que adquire significaccedilatildeo renovada e amplificada na
sociedade contemporacircnea Segundo Arendt
A cidadania eacute o direito a ter direitos pois a igualdade em dignidade e direitos dos seres humanos natildeo eacute um dado Eacute um construiacutedo da convivecircncia coletiva que requer o acesso ao espaccedilo puacuteblico Eacute este acesso ao espaccedilo puacuteblico que permite a construccedilatildeo de um mundo comum atraveacutes do processo de asserccedilatildeo dos direitos humanos
Nesse diapasatildeo o direito a ter direitos compreende o pleno acesso ao
espaccedilo puacuteblico o efetivo exerciacutecio do poder poliacutetico das prerrogativas inerentes agrave
cidadania conforme explicita a Constituiccedilatildeo no art 5deg LXXI a propoacutesito do
mandado de injunccedilatildeo no dizer todo direito atribuiacutedo com o caraacuteter de exclusividade
agrave pessoa
21 Estado Democraacutetico de Direito espaccedilo de cidadania
Apoacutes a eacutepoca de grandes restriccedilotildees militares o ato de promulgaccedilatildeo da
Constituiccedilatildeo Federal em 05 de outubro de 1988 vem marcar uma nova fase de
esperanccedila para os brasileiros Ao batizaacute-la de Constituiccedilatildeo cidadatilde a Assembleia
Nacional Constituinte atraveacutes de seu presidente o Deputado Ulisses Guimaratildees
resumiu o espiacuterito do texto constitucional assegurar aos brasileiros direitos sociais
essenciais ao exerciacutecio da cidadania e estabelecer mecanismos para garantir o
cumprimento de tais direitos
O que se viu a partir de entatildeo foi uma lenta poreacutem significativa mudanccedila na
sociedade brasileira A Constituiccedilatildeo Federal que eacute sem duacutevidas um marco na
histoacuteria do paiacutes traccedila a prioridade dada pelos constituintes aos direitos dos
brasileiros que pode ser observada em todas as questotildees
A Carta faz uma ampliaccedilatildeo dos direitos individuais sociais e poliacuteticos e como
se observa a inserccedilatildeo dos direitos sociais como segundo tiacutetulo revela a primazia
que o constituinte quis daacute a estes direitos em detrimento de todos os outros
incluindo os referentes agrave organizaccedilatildeo do Estado e dos Poderes que vecircm depois
25
Ao contraacuterio do que ocorreu com as Constituiccedilotildees anteriores esse
ordenamento dos capiacutetulos parece revelar que a Carta eacute o prenuacutencio de um paiacutes em
que os direitos dos cidadatildeos formam a base do ordenamento do Estado Essa ideia
foi expressa pelo presidente da Assembleacuteia Constituinte deputado Ulysses
Guimaratildees que voltamos a citar quando anunciou
Diferentemente das sete constituiccedilotildees anteriores esta comeccedila com o homem De modo gratificante testemunha a primazia do homem que foi escrita para o homem que o homem eacute seu fim e sua esperanccedila Eacute a Constituiccedilatildeo cidadatilde
A Constituiccedilatildeo nasceu da constataccedilatildeo de que o figurino juriacutedico formulado
para o Brasil desde os primoacuterdios do Estado nacional natildeo se compatibilizava com as
necessidades dos brasileiros Houve avanccedilos na formalizaccedilatildeo da Lei Magna
especialmente no tocante aos direitos de cidadania mas estamos longe do ideal
preconizado pela carta cidadatilde O que nos leva a crer que a cidadania eacute um processo
diaacuterio e permanente de construccedilatildeo Pois natildeo basta garantir o direito eacute preciso
exercecirc-lo
A cidadania abraccedilada pela atual Constituiccedilatildeo Federal Brasileira teve seu
conteuacutedo ampliado e natildeo se restringe ao simples fato de possuir um tiacutetulo de eleitor
para votar e ser votado ela estabelece cidadania como princiacutepio fundamental da
Repuacuteblica do Brasil desta forma o conceito decorrente pode ser entendido
conforme preleciona Silva (2005) ldquocidadania estaacute aqui num sentido mais amplo do
que o de titular de direitos poliacuteticos Qualifica os participantes da vida do Estado
reconhecimento do indiviacuteduo como pessoa integrada a sociedade estatalrdquo
Tal conceito nos leva a relacionar cidadania com democracia uma vez que
optou-se pelo Estado Democraacutetico de Direito o qual assenta seus alicerces na
participaccedilatildeo popular em questotildees que envolvem a coisa puacuteblica Para Moraes
(2005) esse Estado de Direito ldquosignifica a exigecircncia de reger-se por normas
democraacuteticas com eleiccedilotildees livres perioacutedicas e pelo povo bem como o respeito das
autoridades puacuteblicas aos direitos e garantias fundamentaisrdquo
O propoacutesito da opccedilatildeo pelo Estado Democraacutetico de Direito eacute que a cidadania e
os demais direitos fundamentais fluam com plenitude talvez seja o que justifique a
denominaccedilatildeo da Carta Magna de cidadatilde pois o povo passa a atuar de forma mais
ativa na vida poliacutetica do Estado uma vez que a ele foi concedido esse poder
26
A cidadania portanto soacute adquire pleno significado no mundo contemporacircneo
num Estado Democraacutetico de Direito para tanto exige um ambiente de vida e de
conviacutevio entre os homens tiacutepico e proacuteprio de um Estado Democraacutetico pois a
cidadania constitui fundamento primordial daquele Estado qual seja possibilitar aos
indiviacuteduos habitantes de um paiacutes o seu pleno desenvolvimento atraveacutes do alcance
de igual dignidade social e econocircmica
Segundo Rozicki (2005) O ambiente de vida social do Estado Democraacutetico
cujos pilares se encontram na efetividade dos direitos fundamentais da pessoa
humana em uma sociedade solidaacuteria soacute eacute possiacutevel atraveacutes da observaccedilatildeo de alguns
postulados que lhe satildeo essenciais os quais a autora denomina de pressupostos do
Estado democraacutetico de Direito
1)a valorizaccedilatildeo e atualidade da dignidade do homem e o reconhecimento da importacircncia de dispensar a todos tratamento fraternal igualitaacuterio e natildeo discriminativo 2) a confianccedila nos talentos e possibilidades latentes dos homens 3) a seguranccedila e o creacutedito nos valores institucionalizados pelas massas como fundamentos para o progresso do bem comum e o alcance da justiccedila 4) a aceitaccedilatildeo da legitimidade das decisotildees tomadas por meio de processos racionais e participativos de deliberaccedilatildeo com o consenso da maioria que constitui o reflexo o resultado de debates livres entre todos 5) o respeito aos grupos minoritaacuterios 6) e a compreensatildeo de que todo o interesse geral eacute a siacutentese dos diversos interesses e ideacuteias dos indiviacuteduos e dos grupos diferentes centros de poder que integram a sociedade pluralista
Percebe-se que o conceito amplo de cidadania encontra seus princiacutepios
baacutesicos e estruturantes nesses pressupostos intimamente ligado aos conceitos de
democracia e de igualdade No tocante ao conceito de igualdade elucidativa eacute a
liccedilatildeo de Rozicki (2005) quando afirma que
O princiacutepio de igualdade disciplina todas as atividades puacuteblicas e tem aplicaccedilatildeo direta nas relaccedilotildees privadas que ocorrem entre os particulares impondo para tornaacute-lo real a proibiccedilatildeo de discriminaccedilotildees e a eliminaccedilatildeo das desigualdades faacuteticas nos planos social e econocircmico proporcionando a todos os cidadatildeos igual condiccedilatildeo de vida e mesma posiccedilatildeo perante o Estado Democraacutetico
E complementa que tambeacutem para a realizaccedilatildeo da cidadania o princiacutepio
democraacutetico torna indispensaacutevel agrave participaccedilatildeo popular nas tomadas de decisatildeo No
seu entender
27
A cidadania no Estado democraacutetico de direito efetivada oferece aos cidadatildeos como iguais condiccedilotildees de existecircncia o gozo atual de direitos e a obrigaccedilatildeo do cumprimento de deveres que resumidamente podem ser assim apresentados exerciacutecio de direitos fundamentais e participaccedilatildeo e os deveres de colaboraccedilatildeo e solidariedade (Rozicki 2005)
Natildeo obstante eacute vaacutelido ressaltar um princiacutepio igualmente importante e deveras
esquecido a fraternidade Este princiacutepio que eacute um dos trecircs pilares da Revoluccedilatildeo
Francesa eacute pouco discutido apesar de assumir um papel decisivo na consolidaccedilatildeo
da democracia da politica e do poder
A fraternidade eacute necessaacuteria para o estabelecimento de uma comunidade
politicamente solidaacuteria com indiviacuteduos iguais e livres
Para finalmente concebermos um Estado Democraacutetico de Direito que trate os
iguais na medida de suas desigualdades
22 Os direitos fundamentais como pressupostos de identidade da cidadania
Os direitos fundamentais vistos como um dos traccedilos mais marcante do
constitucionalismo moderno consistem no resultado da luta dos homens por um
direito ideal justo e humano representam situaccedilotildees reconhecidas juridicamente
sem as quais o homem eacute incapaz de alcanccedilar sua proacutepria realizaccedilatildeo e
desenvolvimento plenamente daiacute dizer-se que o princiacutepio preponderante que
condensa os direitos fundamentais eacute o da dignidade da pessoa humana
Os direitos fundamentais satildeo o conjunto de normas de um ordenamento juriacutedico que formam um subsistema deste fundado na liberdade na igualdade na seguridade na solidariedade expressotildees da dignidade do homem que formam parte da norma baacutesica material de identificaccedilatildeo do ordenamento juriacutedico e constitui um setor de moralidade procedimental positivada que legitima o Estado Social de Direito (MARTINEZ apud AGRA 2002)
Tais direitos foram e vatildeo sendo aperfeiccediloados e estendidos ao longo do
tempo resta dizer que os mesmos estabelecem faculdades da pessoa humana que
permitem sua breve classificaccedilatildeo do seguinte modo 1) os direitos civis e poliacuteticos
de liberdade como por exemplo a liberdade de expressatildeo de propriedade de
28
manifestaccedilatildeo do pensamento de associaccedilatildeo de imprensa de reuniatildeo de igualdade
formal perante a lei de participaccedilatildeo poliacutetica o devido processo legal o habeas
corpus o direito de peticcedilatildeo etc 2) os direitos sociais econocircmicos e culturais de
participaccedilatildeo poliacutetica tais como a igualdade de sufraacutegio o direito de voto e de
elegibilidade o direito de peticcedilatildeo e os direitos de participaccedilatildeo poliacutetica 3) os direitos
da titularidade coletiva que satildeo aqueles ligados a solidariedade e a fraternidade
como por exemplo o direito agrave preservaccedilatildeo do meio ambiente e agrave qualidade de vida
etc 4) os direitos chamados de quarta geraccedilatildeo por exemplo direito a democracia a
informaccedilatildeo ao comeacutercio eletrocircnico entre os estados etc
Natildeo existe qualquer relaccedilatildeo hieraacuterquica entre estes direitos mesmo porque
todos interagem entre si de nada servindo um sem a existecircncia dos outros Esta
divisatildeo acontece devido agrave eterna e constante busca do homem por mais proteccedilatildeo
mais garantia com o objetivo de alcanccedilar uma sociedade mais justa igualitaacuteria e
fraterna
Na evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais Agra (2002) chama a atenccedilatildeo do
relevo que adquirem a democratizaccedilatildeo da informaccedilatildeo e os mecanismos de
democracia participativa E justifica que a democratizaccedilatildeo da informaccedilatildeo natildeo se
caracteriza apenas pela existecircncia de uma miacutedia plural sem nenhum tipo de
monopoacutelio mas deve ser concebida como a obrigaccedilatildeo que todos os cidadatildeos tecircm
de tomar consciecircncia dos graves problemas que afligem a humanidade e que os
mecanismos da democracia participativa concebem a cidadania em extensatildeo muito
superior ao voto abrangendo a interferecircncia direta do cidadatildeo nas decisotildees
governamentais mediante vaacuterios mecanismos juriacutedicos como o plebiscito o recall o
orccedilamento participativo etc
De acordo com Silva (2005) os Direitos Fundamentais na Constituiccedilatildeo de
1988 abrangem os ldquodireitos individuais sociais poliacuteticos e tambeacutem os direitos
econocircmicos Para o autor a ampliaccedilatildeo e transformaccedilatildeo dos direitos fundamentais
do homem na histoacuteria dificultam uma definiccedilatildeo sinteacutetica do conceitordquo
Essa dificuldade aumenta diante do emprego de vaacuterias expressotildees para
designaacute-los tais como direitos naturais direitos humanos direitos do homem
direitos individuais direitos puacuteblicos subjetivos liberdades fundamentais liberdades
puacuteblicas e direitos fundamentais do homem No entanto direitos fundamentais do
homem constitui a expressatildeo mais adequada porque na palavra fundamentais
acha-se a indicaccedilatildeo de que se trata de situaccedilotildees sem as quais o indiviacuteduo natildeo tem
29
uma vida digna natildeo convive e agraves vezes nem mesmo sobrevive A expressatildeo
direitos fundamentais eacute a mais precisa no sentido de que a todos por igual devem
ser natildeo apenas formalmente reconhecidos mas concreta e materialmente
efetivados
Por sua vez a atual Corte em julgamento do habeas corpus (HC ndeg
82424RS) marca seu posicionamento no tocante ao sistema de direitos
fundamentais insculpido na Constituiccedilatildeo de 1988 atraveacutes dos profundos e bem
fundamentados votos dos Ministros que aleacutem de delimitarem a extensatildeo e os limites
da liberdade de expressatildeo (art 5o IV e IX) acabaram indicando as bases filosoacuteficas
e juriacutedicas para a interpretaccedilatildeo do cataacutelogo de direitos fundamentais da Constituiccedilatildeo
de 1988
Nesse sentido o voto do Ministro Marco Aureacutelio tratou de definir o sistema de
direitos fundamentais como a ldquoproacutepria essecircncia da Constituiccedilatildeordquo qualificando-os
como ldquovalores objetivos que servem como norte da atuaccedilatildeo estatalrdquo Assim estaacute
consignado nos fundamentos do referido voto
A Constituiccedilatildeo de 1988 representou um divisor de aacuteguas entre o antigo regime totalitaacuterio e um periacuteodo de redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes marcando dessa forma uma eacutepoca que tem como modelo de atuaccedilatildeo do Estado o respeito incondicional aos direitos fundamentais Por isso mesmo o sistema constitucional dos direitos fundamentais previsto no artigo 5o da Carta com os eventuais acreacutescimos do sect 2o reflete em rigor e em larga medida a proacutepria essecircncia da Constituiccedilatildeo e a retomada do processo de democratizaccedilatildeo e da garantia do cidadatildeo contra abusos e arbitrariedades no exerciacutecio do Poder Puacuteblico Os direitos fundamentais satildeo hoje verdadeiros princiacutepios estruturantes da organizaccedilatildeo e do funcionamento do Estado valores objetivos que servem como norte da atuaccedilatildeo estatal em seus mais diferentes niacuteveis no Legislativo formam um cataacutelogo de princiacutepios e garantias que informam e direcionam toda a atividade de criaccedilatildeo das normas de nosso ordenamento juriacutedico e de concretizaccedilatildeo dos preceitos constitucionais no Executivo mostram-se como verdadeiros limites ao exerciacutecio do poder administrativo servindo como trincheiras de proteccedilatildeo da liberdade do cidadatildeo e no judiciaacuterio refletem a base e o fundamento necessaacuterio da compreensatildeo e interpretaccedilatildeo de nossas normas ndash efeito interpretativo - evitando que a atividade jurisdicional se transforme em medidas discricionaacuterias ou providecircncias ilegiacutetimas de opccedilotildees poliacuteticas pautadas em escolhas pessoais dos juiacutezes
Tudo indica que se trata do iniacutecio de uma soacutelida construccedilatildeo jurisprudencial a
respeito do sentido axioloacutegico do sistema de direitos fundamentais da Constituiccedilatildeo
de 1988
30
Os Direitos Individuais satildeo de exerciacutecio exclusivo do indiviacuteduo e devem ser
formalmente reconhecidos e concretizados no cotidiano do cidadatildeo O indiviacuteduo aqui
eacute considerado um sujeito de direitos e natildeo apenas como integrante de um corpo
social Esses direitos natildeo podem sofrer nenhum tipo de restriccedilatildeo natildeo se
discriminando quem os pode exercer uma vez que satildeo titulares todas as pessoas
capazes incapazes brasileiras estrangeiras alfabetizadas e iletradas
A Constituiccedilatildeo Cidadatilde foi a primeira a estabelecer direitos natildeo soacute de
indiviacuteduos mas tambeacutem de grupos sociais os denominados direitos coletivos Com
isso as pessoas passaram a ser coletivamente consideradas Os direitos individuais
e coletivos estatildeo anunciados no art 5ordm em setenta e sete incisos e em dois
paraacutegrafos
Verifica-se que os Direitos Individuais tecircm como ponto marcante a liberdade
seja ela tomada de maneira global ou especiacutefica como liberdade de associaccedilatildeo de
reuniatildeo A liberdade de reuniatildeo (art 5ordm XVI) constitui-se na primeira e mais simples
liberdade corporativa estando logo apoacutes a liberdade de locomoccedilatildeo
Os Direitos Sociais tecircm como titular uma coletividade e satildeo caracterizados
pela prestaccedilatildeo de serviccedilos ou oferecimento de melhorias para a sociedade como um
todo por parte do Poder Puacuteblico Assim os Direitos Sociais tornam possiacutevel a fruiccedilatildeo
e o exerciacutecio dos Direitos Individuais pela coletividade mesmo pelos carentes
materialmente
O art 6deg define os Direitos Sociais da seguinte maneira ldquoSatildeo Direitos Sociais
a educaccedilatildeo a sauacutede o trabalho a moradia o lazer a seguranccedila a previdecircncia
social a proteccedilatildeo agrave maternidade e agrave infacircncia a assistecircncia aos desamparados na
forma desta Constituiccedilatildeordquo
Portanto eacute obrigatoacuteria ao Estado a proteccedilatildeo dos interesses da coletividade
com o atendimento dos direitos acima citados
Satildeo direitos poliacuteticos os que conferem o acesso da populaccedilatildeo agrave participaccedilatildeo
no Poder do Estado tais como os direitos de votar e ser votado do referendo
plebiscito e iniciativa popular das leis O direito democraacutetico de participaccedilatildeo dos
cidadatildeos no governo por meio de seus representantes exigiu a formaccedilatildeo de um
conjunto de normas legais permanentes que recebeu a denominaccedilatildeo de direitos
poliacuteticos Os Direitos Poliacuteticos amparam os Direitos Individuais Sociais e
Econocircmicos pois quando desaparece a democracia desaparecem imediatamente
as liberdades fundamentais
31
Com o advento da Constituiccedilatildeo de 1988 foram criadas instituiccedilotildees para
fiscalizar e controlar a atuaccedilatildeo da administraccedilatildeo puacuteblica entre as quais o Ministeacuterio
Puacuteblico que funciona como um canal de expressatildeo dos direitos da populaccedilatildeo
O Ministeacuterio Puacuteblico foi a instituiccedilatildeo que mais ganhou importacircncia no cenaacuterio
puacuteblico por ter passado a defender os interesses coletivos ou seja os interesses de
um grupo categoria ou classe e natildeo de um indiviacuteduo isolado No artigo 127 o
Ministeacuterio Puacutebico (MP) eacute definido como ldquouma instituiccedilatildeo permanente essencial agrave
funccedilatildeo jurisdicional do Estado incumbindo-lhe a defesa da ordem juriacutedica do regime
democraacutetico e dos interesses sociais e individuais indispensaacuteveisrdquo
Cabe ao Ministeacuterio Puacuteblico exigir dos poderes puacuteblicos e dos serviccedilos de
relevacircncia puacuteblica respeito aos direitos elencados na Constituiccedilatildeo promovendo as
medidas necessaacuterias agrave garantia desses direitos Portanto eacute responsaacutevel pela
garantia da ordem juriacutedica do regime democraacutetico da moralidade puacuteblica e dos
direitos sociais e individuais
23 A consagraccedilatildeo dos direitos do cidadatildeo
A Constituiccedilatildeo de 1988 eacute o coroamento da histoacuteria constitucional do Brasil por
ter sido um marco da redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes opondo-se a qualquer forma de
autoritarismo Nela a cidadania foi consagrada como um dos fundamentos da
Repuacuteblica Federativa do Brasil (art 1ordm inc II) Observe-se que o termo cidadania
encontra-se na Constituiccedilatildeo em sentido mais amplo do que o de titular de direitos
poliacuteticos pois qualifica os participantes da vida do Estado e reconhece o indiviacuteduo
como pessoa integrada na sociedade estatal
Essa nova concepccedilatildeo de cidadania introduzida pela Constituiccedilatildeo Federal de
1988 eacute fruto da internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos e como marco principal da
institucionalizaccedilatildeo erigiu em seu artigo primeiro a dignidade da pessoa humana (inc
III) e a cidadania (incII) a princiacutepio fundamental
Institui com o princiacutepio da cidadania uma nova compreensatildeo acerca dos
direitos de deveres da pessoa elevado-o a status maacuteximo a regra-matriz que natildeo
pode ser desrespeitada pois os fundamentos constituem a essecircncia da Repuacuteblica
32
Federativa e servem como regra-matriz para a elaboraccedilatildeo interpretaccedilatildeo e
integraccedilatildeo do sistema juriacutedico nacional
Violar um princiacutepio eacute muito grave que transgredir uma norma qualquer A desatenccedilatildeo ao principio implica ofensa natildeo apenas a um especifico mandamento obrigatoacuterio mas a todo o sistema de comandos Eacute a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade representa insurgecircncia contra todo o sistema subversatildeo de valores fundamentais (MELLO apud CHIMENTI 2005 P 33)
Para Silva (2004) cidadania eacute discriminada como princiacutepio relativo ao regime
poliacutetico Dessa forma compreendida cidadania como princiacutepio fundamental eacute o
direito de participar dos destinos do Estado e mais usufruir dos direitos civis
fundamentais previstos na Constituiccedilatildeo
Muitos doutrinadores utilizam cidadania no mesmo sentido de nacionalidade
(Art 12 da Constituiccedilatildeo Federal) e de direitos poliacuteticos (Art 14) Em alguns outros
dispositivos a palavra cidadania (ou cidadatildeo) poderia ainda ter a significaccedilatildeo de
direitos poliacuteticos mas mesmo assim de forma impliacutecita a exemplo dos arts 22 XIII
e 5ordm LXXIII No primeiro se lecirc que compete agrave Uniatildeo legislar sobre nacionalidade
cidadania e naturalizaccedilatildeo e no segundo que qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima
para propor accedilatildeo popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de
entidade de que o Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e
ao patrimocircnio histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de
custas judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia No entanto conforme Mazzuoli (2002)
Observe-se que a Carta de 1988 ao tratar no seu art 14 dos direitos poliacuteticos natildeo se refere sequer em um momento agrave expressatildeo cidadania dizendo apenas que a soberania popular seraacute exercida pelo sufraacutegio universal e pelo voto direito e secreto com valor igual para todos (hellip) Pelo contraacuterio a Constituiccedilatildeo faz uma separaccedilatildeo entre cidadania e direitos poliacuteticos quando no seu art 68 sect 1ordm II ao tratar das leis delegadas exclui do acircmbito da delegaccedilatildeo legislativa a nacionalidade cidadania direitos individuais poliacuteticos e eleitorais
A Constituiccedilatildeo brasileira de 1988 com a transiccedilatildeo para o regime democraacutetico
consagrou expressamente esta nova concepccedilatildeo de cidadania como se depreende
da leitura de vaacuterios dos seus dispositivos
Foi nesse sentido que pioneiramente estatuiu a Carta de 1988 em seu art
1ordm que a Repuacuteblica Federativa do Brasil formada pela uniatildeo indissoluacutevel dos
33
Estados e Municiacutepios e do Distrito Federal constitui-se em Estado Democraacutetico de
Direito e tem como fundamentos dentre outros a cidadania (inc II) Como jaacute
mencionado
Na mesma esteira o disposto no art 5ordm incisos LXXI (conceder-se-aacute
mandado de injunccedilatildeo sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviaacutevel o
exerciacutecio dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes agrave
nacionalidade agrave soberania e agrave cidadania) e LXXVII (satildeo gratuitas as accedilotildees de
habeas-corpus e habeas-data e na forma da lei os atos necessaacuterios ao exerciacutecio
da cidadania) No seu Tiacutetulo VIII Capiacutetulo II Seccedilatildeo I a Carta Magna de 1988
dispotildee ainda que a
Educaccedilatildeo direito de todos e dever do Estado e da famiacutelia seraacute promovida e incentivada com a colaboraccedilatildeo da sociedade visando ao pleno desenvolvimento da pessoa seu preparo para o exerciacutecio da cidadania e sua qualificaccedilatildeo para o trabalho (art 205)
Outro dispositivo em que fica bastante marcada esta nova concepccedilatildeo de
cidadania eacute o art 64 do Ato das Disposiccedilotildees Constitucionais Transitoacuterias que
dispotildee
A Imprensa Nacional e demais graacuteficas da Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios da administraccedilatildeo direta ou indireta inclusive fundaccedilotildees instituiacutedas e mantidas pelo Poder Puacuteblico promoveratildeo ediccedilatildeo popular do texto integral da Constituiccedilatildeo que seraacute posta agrave disposiccedilatildeo das escolas e dos cartoacuterios dos sindicatos dos quarteacuteis das igrejas e de outras instituiccedilotildees representativas da comunidade gratuitamente de modo que cada cidadatildeo brasileiro possa receber do Estado um exemplar da Constituiccedilatildeo do Brasil
Enfim a Constituiccedilatildeo de 1988 enriqueceu e ampliou os conceitos de cidadatildeo
e cidadania Seu entendimento agora como leciona Silva (2005)
Decorre da ideia de Constituiccedilatildeo dirigente que natildeo eacute apenas um repositoacuterio de programas vagos a serem cumpridos mas constitui um sistema de previsatildeo de direitos sociais mais ou menos eficazes em torno dos quais eacute que se vem construindo a nova ideacuteia de cidadania
De forma que natildeo mais se trata de considerar a cidadania como simples
qualidade de gozar direitos poliacuteticos mas sim de aferir-lhe um nuacutecleo miacutenimo e
irredutiacutevel de direitos (fundamentais) que devem se impor obrigatoriamente agrave accedilatildeo
dos poderes puacuteblicos
34
O ordenamento juriacutedico brasileiro consagrou aleacutem dos institutos jaacute
mencionados alguns outros mecanismos de defesa dos direitos e garantias
constitucionais da cidadania como a accedilatildeo civil puacuteblica regulada pela Lei nordm
734785 e accedilatildeo direta de inconstitucionalidade prevista no incIV do art 129 da
Constituiccedilatildeo Federal O Coacutedigo de Defesa do Consumidor o Estatuto da Crianccedila e
do Adolescente e ateacute mesmo o princiacutepio do devido processo legal que resguarda ao
cidadatildeo o acesso agrave justiccedila e direito de ser acionado judicialmente por meio de
procedimentos legais satildeo mecanismos de defesa dos direitos de cidadania
previstos constitucionalmente e garantidos na esfera poliacutetica civil e social
Pode-se observar que a cidadania comeccedilou a ser construiacuteda como resultado
de um processo de luta a partir da conscientizaccedilatildeo dos direitos e deveres do
homem Como vimos a cidadania jaacute em praacutetica em muitos paiacuteses adquire no
Brasil com a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 um novo sentido qual seja o
pressuposto do exerciacutecio pleno de um sistema de direitos e garantias
35
CAPIacuteTULO 3 - CIDADANIA COMO MECANISMO DE
TRANSFORMACcedilAtildeO SOCIAL
No momento em que a cidadania alccedila voos constitucionais e insere-se na
Carta Poliacutetica da Repuacuteblica Federativa do Brasil inicia-se o processo de
redemocratizaccedilatildeo e ganha relevo o cidadatildeo agente deste processo que tem em
suas matildeos a tarefa da construccedilatildeo de um novo tempo
Historicamente a ideia de cidadatildeo conotava o habitante da cidade ndash o
citadino ndash firma-se entatildeo tal conotaccedilatildeo na Antiguumlidade claacutessica para depois
significar aquele indiviacuteduo a quem se atribuem os direitos poliacuteticos Superada essa
acepccedilatildeo que tambeacutem vigorou nas constituiccedilotildees anteriores da Repuacuteblica do Brasil
na concepccedilatildeo moderna estaacute clara a noccedilatildeo de cidadatildeo como aquele que a quem
consiste a titularidade de direitos individuais poliacuteticos e sociais Noccedilatildeo esta
edificada com a internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos que amplia a acepccedilatildeo do
termo declarando que satildeo cidadatildeos todo aquele que habita o acircmbito da soberania
de um Estado e deste Estado recebem uma carga de direitos e tambeacutem deveres dos
mais variados
Desta forma a noccedilatildeo contemporacircnea de cidadania funda-se na dicotomia
direitos (exerciacutecios de direitos fundamentais - participaccedilatildeo) e deveres (colaboraccedilatildeo -
solidariedade) Ao lado dos direitos foram estabelecidos deveres fundamentais e
portanto tanto agentes puacuteblicos como os indiviacuteduos tecircm obrigaccedilotildees especiacuteficas
inclusive a de respeitar os direitos das demais pessoas que vivem na ordem social
sendo e promovendo mecanismos de transformaccedilatildeo social que visam uma nova
sociedade baseada na igualdade e na justiccedila
36
31 O ser cidadatildeo
Os termos indiviacuteduo ser humano pessoa e cidadatildeo satildeo geralmente tomados
como sinocircnimo o que certamente influi na proliferaccedilatildeo de incontaacuteveis significados e
ampliaccedilatildeo do termo cidadatildeo Poreacutem estas palavras apesar de se assemelharem
possuem carga semacircntica proacutepria e da compreensatildeo exata de cada uma decorre a
conceituaccedilatildeo mais acentuada da acepccedilatildeo do termo cidadatildeo como titular de direitos
e deveres resguardados pela constituiccedilatildeo paacutetria
Desta forma indiviacuteduo eacute um representante da espeacutecie aquele que eacute uacutenico
Enquanto ser humano eacute um termo mais geneacuterico ou indeterminado que diz respeito
agrave espeacutecie agrave classificaccedilatildeo ao mundo zooloacutegico Pessoa por sua vez eacute um termo
mais especiacutefico que tem a ver com o mundo civilizado ou se preferirmos com a
constelaccedilatildeo dos valores morais eacuteticos e juriacutedicos proacuteprios da civilizaccedilatildeo
A etimologia da palavra pessoa demonstra que eacute um conceito sobreposto ao conceito de Ser Humano Um refratildeo de origem juriacutedica tambeacutem nos lembra do homo plures pessoa polimorfa o ser humano capaz de desempenhar muitos papeacuteis um mesmo ser humano eacute empresaacuterio e delinquumlente eacute pai e metaluacutergico etc Persona (personagem) era a maacutescara que usavam os atores da trageacutedia grega para desempenhar seu papel Cabe portanto entender o conceito de Ser Humano ao lado do conceito de Pessoa No direito romano antigo os escravos eram seres humanos (homens) mas natildeo eram consideradas pessoas (patriacutecios) Os juristas romanos que usavam o conceito de Ser Humano o dissociavam do conceito de pessoas (CUNHA 2007)
O Ser Humano recebe uma distinccedilatildeo importante quando o consideramos
como Pessoa assim como a Pessoa recebe uma distinccedilatildeo redundante natildeo menos
importante quando a consideramos por forccedila de expressatildeo como uma pessoa
humana Subentendendo o adjetivo humano como relativo agrave eacutetica Portanto Ser
Humano natildeo eacute a mesma coisa que Pessoa como tampouco Ser Humano eacute o
mesmo que cidadatildeo este muito eacute mais proacuteximo do termo Pessoa Vejamos o quadro
ilustrativo que esquematiza e distinguem os referidos conceitos
37
QUADRO 1 ndash EVOLUCcedilAtildeO DO SER HUMANO ATEacute O CIDADAtildeO
O Ser Humano O Ser Indiviacuteduo O Ser Pessoa O Ser Cidadatildeo
A Dimensatildeo do conviacutevio social
A dimensatildeo do mercado de trabalho e
Consumo
A Dimensatildeo de encontrar-se no mundo
A dimensatildeo de intervir na realidade
O homem tornar-se Ser Humano nas relaccedilotildees
de conviacutevio social
O Ser Humano tornar-se indiviacuteduo quando
descobre seu papel e funccedilatildeo social
O Indiviacuteduo torna-se pessoa quanto toma
consciecircncia de si mesmo do outro e do
mundo
A pessoa torna-se cidadatildeo quando
interveacutem na realidade em que vive
Quem estuda o comportamento do Ser
Humano Seria a antropologia a histoacuteria
ou a sociologia
Quem estuda o comportamento do indiviacuteduo Seria a
Filosofia a sociologia ou a Psicologia
Quem estuda o comportamento da pessoa Seria a
Filosofia a sociologia ou a Psicologia
Quem estuda o comportamento do cidadatildeo Seria a
Sociologia a Filosofia ou As ciecircncias
poliacuteticas
Quem garante os direitos do Ser
Humano A Declaraccedilatildeo Universal
dos Direitos Humanos
Quem garante os Direitos do
Consumidor O Coacutedigo do Consumidor
Quem garante os Direitos da pessoa A proacutepria pessoa (amor proacuteprio ou autoestima)
Quem garante os Direitos do cidadatildeo (A Constituiccedilatildeo e suas leis
regulamentares)
Existe realmente uma natureza humana Teologicamente
afirmamos que existe a uma natureza humana
Seguindo a corrente existencialista (JP Sartre) negamos tal
natureza
Que diferenccedila existe entre o direito do
consumidor e o direito do cidadatildeo Ao
Consumidor deve ser dado o direito de
propriedade enquanto ao cidadatildeo deve ser
dado o direito de acesso
O que significa tornar-se pessoa no niacutevel
psicoloacutegico e social A pessoa eacute o indiviacuteduo que toma consciecircncia de si mesmo (ldquoTornar-
se Pessoardquo de Karl Roger)
Como podemos intervir na realidade
modificando as estruturas corruptas e injustas Quando os
direitos do cidadatildeo lhe satildeo oferecidos e o
mesmo passa a exercecirc-lo haacute
modificaccedilatildeo de comportamento
(ROSAS 2009)
O cidadatildeo eacute portanto aquele indiviacuteduo a quem a Constituiccedilatildeo confere direitos
e garantias e lhe daacute o poder do seu efetivo exerciacutecio aleacutem de meios processuais
eficientes contra a violaccedilatildeo de seu gozo ou fruiccedilatildeo por parte do poder puacuteblico
Sendo assim
A passagem do indiviacuteduo a cidadatildeo caracteriza-se pelo reconhecimento pela lei de direitos considerados fundamentais agrave realizaccedilatildeo da vida do homem como indiviacuteduo e ser social membro de uma comunidade poliacutetica e a garantia desses direitos pela forccedila comum de todos (CUNHA 2007)
38
Nas uacuteltimas deacutecadas em alguns paiacuteses inclusive no Brasil desenvolveu-se o
conceito de cidadania calcado principalmente na questatildeo do cidadatildeo-consumidor
As pessoas passam a ser vistas como cidadatildes desde que tenham dinheiro para
adquirir mercadorias e utilizar serviccedilos Eacute certo pois que serviccedilos e mercadorias
atendem a necessidades materiais e simboacutelicas das pessoas e consumi-los eacute um
dos modos de participar da vida social criar identidade e partilhar dos bens
produzidos pela humanidade e representar-se culturalmente Contudo a cidadania
enfatizada apenas como uma relaccedilatildeo de compra e venda de mercadorias e serviccedilos
assume um conteuacutedo restrito individual conformista e voltado apenas para a
aquisiccedilatildeo de bens o que se relaciona com a ideacuteia de indiviacuteduo ou seja o consumo
atende as necessidades do indiviacuteduo
Outra forma de confusatildeo acerca do conceito de cidadatildeocidadania refere-se a
equiparaccedilatildeo feita com o assistencialismo o que configura uma acentuada inversatildeo
do termo uma vez que a praacutetica do assistencialismo natildeo propicia meios de
superaccedilatildeo das desigualdades sociais Enquanto a cidadania estaacute relacionada agrave
superaccedilatildeo das desigualdades sociais e a extensatildeo da garantia dos direitos de todos
O cidadatildeo eacute sem duacutevida uma expressatildeo que precisa ser adequadamente
utilizada e vivenciada pela coletividade compreendido na dimensatildeo do ser pessoa
de ter direitos e deveres do assumir as suas liberdades e responsabilidades no seio
de uma comunidade democraacutetica equitativa solidaacuteria e intercultural
Dessa forma ser cidadatildeo implica saber viver em sociedade estando ciente
dos anseios comuns A participaccedilatildeo ativa nas decisotildees de sua comunidade
influencia modos de vida de maneira positiva ao seu redor assim torna-se
imprescindiacutevel o exerciacutecio dos direitos constitucionais adquiridos e lutar pelos que
viratildeo eacute sobretudo estar consciente de todas as atitudes tomadas em prol da
sociedade
Eacute possiacutevel nesse espaccedilo de discussatildeo falar em ldquoestar cidadatildeordquo que eacute natildeo
praticar o exerciacutecio da cidadania em nenhuma de suas formas Implica apenas em
se deixar levar pelos acontecimentos e ainda reclamar das situaccedilotildees vividas sem
nada fazer para mudar sem nenhuma perspectiva de futuro Do que concluiacutemos que
a dinacircmica de intervir na realidade eacute pressuposto de cidadania
Ser cidadatildeo eacute tarefa que requer muito do ser humano do individuo da
pessoa Requer uma alta - estima elevada uma consciecircncia solidaacuteria uma
39
identidade que se reconheccedila na dinacircmica social interagindo com o outro ampliando
debates incitando justiccedila eacute sem duvida uma tomada de posiccedilatildeo que natildeo se
acomoda pelo contraacuterio se incomoda quando natildeo haacute comprometimento para o bem
comum
Natildeo eacute uma tarefa cocircmoda senatildeo muito complicada as pessoas natildeo nascem cidadatildeos mas fazem-se no tempo e no espaccedilo Na verdade natildeo eacute faacutecil exercer a liberdade e a cidadania ndash ser pessoa e ser cidadatildeo ndash por isso exige-se uma luta sem treacuteguas para erradicar assimetrias e exclusotildees socioculturais e criar cenaacuterios de esperanccedila realizaacuteveis fundamentados em valores e princiacutepios eacuteticos que requalifiquem a democracia com cidadatildeos participativos e
comprometidos ( SAEZ 1995)
Tem portanto como pressuposto uma mudanccedila de comportamento uma
tomada de posiccedilatildeo frente agrave dinacircmica social na qual estaacute inserido participando de
forma ativa e produtiva do processo de construccedilatildeo da cidadania por meio de seus
diversos canais
32 Emancipaccedilatildeo social atraveacutes da cidadania
Um Estado Democraacutetico eacute aquele que estaacute enraizado na legitimidade do
poder do povo e dele decorre seu exerciacutecio Assim o poder do povo eacute a expressatildeo
a aptidatildeo de homens e mulheres constituir autonomamente seu viver sem sucumbir
diante das instacircncias de poder Haacute nesse modus vivendi uma tutela das diferenccedilas e
pluralidades de formas de vida
Desta forma a cidadania eacute enfocada como o processo de participaccedilatildeo do
individuo ou de um grupo organizado nas mais variadas aacutereas de atuaccedilatildeo na
sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos sociais com a consciecircncia
da responsabilidade por sua proacutepria histoacuteria
Sendo a democracia o regime em que o povo governa sua caracteriacutestica
inarredaacutevel eacute a de ter o povo agrave frente do poder uma forma de autogoverno Em
assim sendo a cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia por meio de resultados
palpaacuteveis e medidas concretas tais como mudanccedilas na realidade de cada um com
melhoria de vida e conscientizaccedilatildeo da importacircncia na sociedade para o exerciacutecio
40
direto ou indireto desse poder pois se contentar com fato do direito estaacute prescrito
em lei natildeo eacute o bastante
Eacute certo poreacutem que o Estado democraacutetico somente se aperfeiccediloa na
proporccedilatildeo em que o povo age ativamente na medida em que os representantes
reflitam em seus atos os verdadeiros anseios populares Partindo dessa visatildeo a
cidadania eacute o grande fator de legitimaccedilatildeo do povo permitindo que ele aja em defesa
das instituiccedilotildees democraacuteticas
Sobre a participaccedilatildeo cumpre asseverar que este direito significa a
capacidade de ser consultado para as tomadas de decisatildeo que dizem respeito agrave
direccedilatildeo da sociedade em que vive o cidadatildeo este direito eacute acompanhado do
respeito aos deveres de contribuir para o progresso social e de acatar e respeitar o
resultado obtido em consulta coletiva
No elenco de mecanismo de exerciacutecio da cidadania estaacute o acesso ao direito e
a justiccedila que eacute fator preponderante para efetivar as garantias constitucionais
Assim passaremos a discorrer sobre a importacircncia de instrumentalizar o
cidadatildeo para um pleno exerciacutecio de seus direitos
Eacute Sabido que no Estado Democraacutetico Contemporacircneo os direitos
fundamentais constitucionalmente assegurados tecircm eficaacutecia imediata cumprindo ao
Estado garantir a todos os cidadatildeos o respeito a esses Direitos de modo concreto e
efetivo natildeo obstante as inuacutemeras desigualdades e condiccedilotildees adversas que
dificultam na praacutetica o seu exerciacutecio
Para o acesso ao direito o Estado deve desenvolver com eficiecircncia uma seacuterie
de atividades essenciais e dar efetividade a uma seacuterie de pressupostos Dentre eles
o principal eacute o conhecimento do Direito como fator preponderante pois o
desconhecimento da lei implica na praacutetica natildeo acionar a jurisdiccedilatildeo Um fato que
contribui para essa assertiva eacute baixa escolaridade da populaccedilatildeo e o analfabetismo
Muito pouco adianta a existecircncia de uma Constituiccedilatildeo apenas formal ou no
papel se ilegiacutetima ou desrespeitada Para que ocorra a eficaacutecia das normas
dispostas numa Constituiccedilatildeo ou melhor para que passe da teoria agrave praacutetica eacute
essencial que comandados e comandantes tenham conhecimento dos seus direitos
e responsabilidades assim como dos instrumentos juriacutedicos para efetivaacute-los (leis
regulamentadoras) O exerciacutecio da cidadania natildeo eacute somente um direito mas eacute
tambeacutem um dever de todos pois a omissatildeo de cada um contribui com as injusticcedilas e
as impunidades tatildeo presentes nos dias atuais
41
A Constituiccedilatildeo quando eacute justa e legiacutetima e principalmente quando eacute
respeitada eacute um poderoso instrumento de promoccedilatildeo e desenvolvimento social e
humano
Outro fator que deve ser considerado eacute a miserabilidade que coloca inuacutemeros
brasileiros a margem da sociedade em situaccedilatildeo precaacuteria os quais para Pinsky
(2004) ldquodesprovidos de esperanccedila de projeto de qualquer perspectiva de inclusatildeo
[] recorrer agrave Justiccedila humana parece algo irrealizaacutevel sofisticado e inteiramente
ficcionalrdquo
Desta forma o primeiro passo para concretizar os direitos previstos
constitucionalmente eacute a formaccedilatildeo do cidadatildeo atraveacutes da Educaccedilatildeo Baacutesica
infundindo-lhe a consciecircncia dos seus direitos e tambeacutem dos seus deveres sociais
bem como dos valores humanos fundamentais que devem ser por todos respeitados
na vida em sociedade A universalizaccedilatildeo do ensino fundamental a oferta obrigatoacuteria
de educaccedilatildeo infantil pelo Estado e o crescimento da oferta do ensino meacutedio satildeo
alguns dos aspectos que merecem destaques e foi devido agrave determinaccedilatildeo
constitucional de estabelecer o caraacuteter obrigatoacuterio do ensino fundamental e de
responsabilizar o Estado por sua implementaccedilatildeo que tem iniacutecio o processo de
avanccedilo desse segmento
A Constituiccedilatildeo estabeleceu de forma mais clara o papel dos entes federados
na educaccedilatildeo Tambeacutem aumentou a participaccedilatildeo orccedilamentaacuteria destinada ao setor
Com as novas regras para distribuiccedilatildeo de recursos adotadas apoacutes a promulgaccedilatildeo
da Carta os municiacutepios voltam a interessar-se pela educaccedilatildeo fundamental e o paiacutes
atinge a universalizaccedilatildeo do setor o que se busca agora satildeo mecanismos para
garantir a qualidade no ensino
O segundo passo nessa dinacircmica eacute o oferecimento a todos os cidadatildeos de
condiccedilotildees miacutenimas de sobrevivecircncia e de existecircncia condignas atraveacutes do acesso
ao trabalho produtivo livremente escolhido e do pagamento de remuneraccedilatildeo capaz
de prover ao sustento do trabalhador e de sua famiacutelia
Para milhotildees de cidadatildeos que vivem na ignoracircncia e na miseacuteria nenhuma
utilidade ou eficaacutecia tecircm os inuacutemeros direitos constitucionalmente assegurados Para
aqueles que se habituaram a retirar proventos da mendicacircncia da prostituiccedilatildeo de
atividades iliacutecitas ou aqueles que se sentiram forccedilados a sujeitar-se agrave exploraccedilatildeo de
outrem para sobreviver natildeo haacute nenhuma crenccedila na dignidade da pessoa humana e
no valor social do trabalho
42
A pobreza engendra inuacutemeras relaccedilotildees de dominaccedilatildeo entre pessoas e entre grupos sociais As habitaccedilotildees subumanas da periferia das grandes cidades no Brasil constituem verdadeiros quistos sociais terras sem lei controladas por xerifes ou por quadrilhas de malfeitores O Estado que natildeo for capaz de dotar essas comunidades do acesso efetivo agrave Educaccedilatildeo agrave Sauacutede agrave Seguranccedila e agrave Paz Puacuteblicas e ao trabalho liacutecito certamente natildeo lhes estaraacute assegurando o acesso ao Direito porque a populaccedilatildeo abrutalhada pela miseacuteria e coagida pelo medo natildeo desfruta da miacutenima eficaacutecia concreta dos
seus direitos fundamentais (GRECO 2009)
Evidencia que acesso ao Direito nas sociedades modernas mesmo nas
economicamente desenvolvidas exige o fortalecimento dos grupos intermediaacuterios e
do associativismo O cidadatildeo natildeo estaacute mais em condiccedilotildees de defender-se
individualmente das ameaccedilas e lesotildees aos seus direitos perpetradas por pessoas ou
grupos que se encontram em posiccedilatildeo de vantagem nas relaccedilotildees econocircmicas e
sociais
O sindicato veio exercer este importante papel em relaccedilatildeo ao trabalhador
empregado Mas hoje as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo natildeo satildeo apenas as que existem no
mundo do trabalho mas as que se revelam em todos os tipos de relaccedilotildees humanas
relaccedilotildees de consumo relaccedilotildees de vizinhanccedila relaccedilotildees locatiacutecias relaccedilotildees
comerciais internas e internacionais e natildeo com menor relevacircncia relaccedilotildees entre os
particulares e o Estado entre outras
Eacute preciso assegurar esse equiliacutebrio na praacutetica o que somente tornar-se-aacute
possiacutevel atraveacutes da articulaccedilatildeo dos sujeitos que se encontram em posiccedilatildeo de
desvantagem em organizaccedilotildees e associaccedilotildees que pela uniatildeo de esforccedilos
consigam compensar o desequiliacutebrio existente e dar aos indiviacuteduos e grupos a forccedila
e a capa de proteccedilatildeo necessaacuterias para ombrearem-se aos seus adversaacuterios e
lutarem pelos seus direitos ou interesses em igualdade de condiccedilotildees
Para Greco (2009) o pressuposto indispensaacutevel do acesso ao Direito eacute a
transparecircncia do Estado no trato de questotildees que possam afetar a esfera de
interesses dos cidadatildeos e complementa que aos cidadatildeos eacute indispensaacutevel
assegurar o direito de influir eficazmente nas decisotildees do poder puacuteblico atraveacutes dos
mais diversos instrumentos de participaccedilatildeo democraacutetica Ele afirma que
A relaccedilatildeo Estado-cidadatildeo natildeo eacute mais a relaccedilatildeo soberano-suacutedito O cidadatildeo tem o direito de exigir do Estado o pleno respeito ao seu
43
patrimocircnio juriacutedico Lamentavelmente a crise do Estado tem levado o Brasil a aceitar-se como normal que as pessoas juriacutedicas de Direito Puacuteblico natildeo cumpram devidamente as prestaccedilotildees positivas de que satildeo devedoras perante os particulares cabendo a estes demandar na Justiccedila para obtecirc-las (GRECO 2009)
Essa visatildeo deformada da responsabilidade do Estado ocorre o
desvirtuamento da justiccedila Por outro lado agrave violaccedilatildeo da garantia constitucional da
tutela jurisdicional efetiva (Constituiccedilatildeo artigo 5 inciso XXXV) disciplina a lei natildeo
excluiraacute da apreciaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio lesatildeo ou ameaccedila ao direito Assim o
acesso ao Direito natildeo estaraacute concretamente assegurado se o Estado natildeo oferecer a
todo cidadatildeo a possibilidade de receber aconselhamento juriacutedico a respeito dos seus
direitos
Constituiccedilatildeo de 1988 no artigo 5deg inciso LXXIV assegurou a todos
ldquoassistecircncia juriacutedicardquo a englobar assistecircncia judiciaacuteria e assessoramento juriacutedico
extrajudicial Conforme Greco (2009) ldquoeacute preciso que esse direito seja assegurado
na praacutetica Uma vez que na vida moderna o Direito tornou-se excessivamente
complexordquo Ainda no dizer do autor a consciecircncia juriacutedica do homem comum que
deve ser adquirida na famiacutelia e na escola natildeo eacute mais suficiente para a tomada de
decisotildees na vida diaacuteria das pessoas Todas as pessoas mantecircm complexas relaccedilotildees
juriacutedicas com instituiccedilotildees financeiras com fornecedores de bens e de serviccedilos etc
Nessas relaccedilotildees juriacutedicas com frequecircncia os cidadatildeos tecircm de tomar decisotildees
raacutepidas O cidadatildeo que tem meios procura um advogado particular para assessoraacute-
lo Ao pobre o Estado deve assegurar o mesmo direito em plenitude
Sem duacutevida o uacuteltimo pressuposto do acesso ao Direito eacute o acesso agrave Justiccedila
no sentido de acesso a um tribunal estatal imparcial previamente instituiacutedo como
competente para a soluccedilatildeo de qualquer litiacutegio a respeito de interesse que se afirme
juridicamente protegido ou para a praacutetica de qualquer ato que a lei subordine agrave
aprovaccedilatildeo autorizaccedilatildeo ou homologaccedilatildeo judicial
Se o cidadatildeo tem consciecircncia dos seus direitos se o Estado lhe fornece
todas as condiccedilotildees para livremente exercecirc-los mas algum outro cidadatildeo ou algum
oacutergatildeo do proacuteprio Estado impede ou dificulta esse exerciacutecio cabe ao poder puacuteblico
pocircr agrave disposiccedilatildeo do cidadatildeo lesionado ou ameaccedilado a jurisdiccedilatildeo necessaacuteria para
assegurar o pleno acesso a tal direito
Atingimos eacute certo um estaacutegio de desenvolvimento do Direito Humanitaacuterio que
natildeo mais nos permite conformar-nos com uma realidade distante do padratildeo de
44
convivecircncia humana que outras naccedilotildees jaacute alcanccedilaram O exerciacutecio pleno de
cidadania seraacute obra de mais de uma geraccedilatildeo Mas se trabalharmos com firmeza
certamente os jovens de hoje poderatildeo legar aos seus descendentes a emancipaccedilatildeo
cidadatilde um paiacutes melhor e uma sociedade mais justa e democraacutetica
33 O municiacutepio como acircmbito de exerciacutecio de cidadania
Historicamente o Municiacutepio enquanto unidade poliacutetico-administrativa surgiu
conforme descreve Berardi (2004) com a Repuacuteblica Romana interessada em
manter a dominaccedilatildeo paciacutefica das cidades conquistadas pela forccedila dos exeacutercitos
Sua origem mais de natureza socioloacutegica do que poliacutetica adveacutem do espiacuterito
associativo do homem e de suas relaccedilotildees de vizinhanccedila
Eacute pois a menor unidade territorial de Federaccedilatildeo cuja criaccedilatildeo reflete a base
da organizaccedilatildeo poliacutetica administrativa da Naccedilatildeo Portanto sua funccedilatildeo administrativa
historicamente vem assentada no princiacutepio do direito natural
O artigo primeiro da Constituiccedilatildeo Federal de 1998 estabelece que o
Municiacutepio ao lado dos Estados e do Distrito Federal formam a Republica Federativa
do Brasil que se constitui em Estado Democraacutetico de Direito O municiacutepio tem assim
um poder relevante para a aplicaccedilatildeo da democracia direta iniciada e fortalecida em
niacutevel local Diversos pensadores chegaram a afirmar que a descentralizaccedilatildeo de
poder resultante da constituiccedilatildeo Cidadatilde era antes de tudo uma conquista dos
Municiacutepios sendo eles os berccedilos da perpetuaccedilatildeo da Repuacuteblica e da Democracia
efetivamente por serem o uacutenico niacutevel de governo possuidores de respaldo e
localizaccedilatildeo fiacutesica ou seja solo municipal
Eacute certo que a Carta Magna de 1988 consolidou significativas inovaccedilotildees para a
vida municipal de forma que o Municiacutepio passou a constituir um dos entes da
federaccedilatildeo tratando-o como unidade dotada de autonomia poliacutetica expressa na
capacidade de poder elaborar a sua Lei Orgacircnica fugindo assim da tutela dos
estados que ateacute entatildeo eram considerados como uacutenicos componentes da federaccedilatildeo
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A Lei Orgacircnica Municipal traz em seu bojo aleacutem da organizaccedilatildeo
administrativa do Municiacutepio a restauraccedilatildeo do Poder Legislativo municipal definindo
a diversificaccedilatildeo normativa que natildeo existia nas leis organizacionais outorgadas pelo
Estado reflexo do poder constituinte outorgados aos Municiacutepios pela Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 como consequecircncia do efetivo exerciacutecio do conceito de Estado
Democraacutetico de Direito
O Municiacutepio enquanto ente federativo tem atualmente a responsabilidade de
ordenar o seu desenvolvimento social e a garantia do bem estar de seus habitantes
executando poliacuteticas puacuteblicas de accedilotildees a serem empreendidas na consolidaccedilatildeo
democraacutetica do Estado
Fundada no elemento participaccedilatildeo o exerciacutecio de cidadania amplamente
citado encontra sua efetividade no municiacutepio Pois eacute nesse acircmbito de localizaccedilatildeo
que as pessoas mantecircm um contato direto com os poderes instituiacutedos suas
necessidades imediatas e mediatas satildeo objetos da disciplina da Lei que visa o bem
comum base do Estado democraacutetico de Direito
Baseado na maacutexima do municipalista e defensor da descentralizaccedilatildeo poliacutetica
Franco Motoro sabiamente proferiu que ldquoningueacutem vive na Uniatildeo ou no Estado As
pessoas vivem no Municiacutepiordquo Assim a cidadania encontra seu melhor espaccedilo de
realizaccedilatildeo na comunidade onde convive A vida em comunidade gera anseios
comuns sentimentos comuns uma vez que a convivecircncia propicia que as pessoas
se conheccedilam e se reconheccedilam como membros de uma mesma realidade
De acordo com Harvey (1992) ldquoa globalizaccedilatildeo provoca anonimato enquanto
comunidade cultiva solidariedaderdquo o que implica participaccedilatildeo para o exerciacutecio de
cidadania
Tudo o que acontece no mundo seja no meu paiacutes na minha cidade ou no meu bairro acontece comigo Entatildeo eu preciso participar das decisotildees que interferem na minha vida Um cidadatildeo com um sentimento eacutetico forte e consciecircncia da cidadania natildeo deixa passar nada natildeo abre matildeo desse poder de participaccedilatildeo (Herbert de Souza Betinho)
Com esse embasamento natildeo se pode perder de vista que eacute nas relaccedilotildees
diaacuterias de oposiccedilatildeo ou solidariedade que as pessoas exercem cidadania Na relaccedilatildeo
do com o outro com os poderes ao estabelecer com a vida social e puacuteblica uma
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convivecircncia posto que cidadania eacute tarefa que natildeo termina natildeo eacute um conceito
pronto tatildeo pouco acabado enquanto seres inacabados que somos estaremos
buscando descobrindo criando e tomando consciecircncia mais ampla dos direitos
O desafio eacute construir um novo discurso sobre cidadania atraveacutes de uma
praacutetica poliacutetica sustentada isto eacute realizada em dois niacuteveis
O primeiro niacutevel na base atraveacutes de construccedilatildeo das capacidades e do poder
proacuteprio da populaccedilatildeo o que envolve inevitavelmente uma mudanccedila de atitude na
busca para garantir seus direitos utilizando-se do grau de autonomia local
Essa atitude conceberia agrave democracia participativa como uma poliacutetica paralela
de intervenccedilatildeo social criando e mantendo novos espaccedilos para a tomada de
decisotildees ou seja para o auto-governo pela populaccedilatildeo nas mateacuterias que afetam
diretamente suas vidas
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade
O segundo niacutevel um governo com o povo e natildeo apenas para o povo fundado
nos ditames constitucionais valorizando o sentimento da sociedade no exerciacutecio da
governabilidade de modo que o balizamento das accedilotildees de governo deixaria de estar
no proacuteprio governo e passaria a estabelecer-se a partir do pensar da sociedade Um
governo que se pergunta o que se deve fazer para ouvir com a maior fidelidade
possiacutevel a sociedade suas instituiccedilotildees representativas e o cidadatildeo Pois as
prioridades da gestatildeo deveriam ser definidas pela sociedade e natildeo mais pelo
governo
Portanto nesses termos eacute preciso considerar que as praacuteticas da
administraccedilatildeo puacuteblica sejam democratizadoras e inclusivas inspiradas nos
princiacutepios da legalidade impessoalidade moralidade publicidade e eficiecircncia Esta
uacuteltima buscou estabelecer uma Administraccedilatildeo Puacuteblica mais eficiente no sentido de
que o cidadatildeo como destinataacuterio dos serviccedilos puacuteblicos que o Estado deve prestar
receba-os com maior qualidade e menor custo para o eraacuterio puacuteblico
Para a consecuccedilatildeo desse governar com o povo alguns pontos devem ser
revistos A mudanccedila implica na necessidade de adequaccedilatildeo reorganizaccedilatildeo
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reformulaccedilatildeo Para isso se faz premente em face dos novos e modernos conceitos
de gestatildeo puacuteblica a superaccedilatildeo do tradicional vezo burocraacutetico que vem convertendo
a Administraccedilatildeo nas palavras Dromi (1995) numa cara ldquomaacutequina de impedirrdquo fiel
ldquocoacutedigo do fracassordquo que dispotildee ldquoartigo primeiro natildeo pode artigo segundo em
caso de duacutevida abstenha-se artigo terceiro se eacute urgente espere artigo quarto
sempre eacute mais prudente natildeo fazer nadardquo numa posiccedilatildeo natildeo burocraacutetica e sim
democraacutetica de considerar que organizaccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica inclui a
praacutetica de ver os cidadatildeos como membros plenos da comunidade poliacutetica tendo
acesso e exercitando direitos as que promovem a organizaccedilatildeo da populaccedilatildeo em
torno de temas de interesse comum as que incluem o controle social sobre a
gestatildeo o debate amplo e informado sobre questotildees de governo e que abrem agrave
populaccedilatildeo as decisotildees sobre estas questotildees Como leciona e Barrientos (2000)
Tratam-se de praacuteticas que natildeo buscam somente melhorar a eficiecircncia administrativa das diferentes organizaccedilotildees puacuteblicas mas que incorporam no seu processo de gestatildeo a dimensatildeo ativa da cidadania isto eacute ldquoque facilitam as iniciativas e responsabilidades de todos os envolvidos[] estabelecendo pontes entre Estado e sociedade civil
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade Acreditamos
que o ponto de partida eacute a atitude aliada agrave solidariedade e ao espiacuterito coletivo Pois
governo e cidadatildeos juntos haveratildeo de cumprir um novo papel no processo de
desenvolvimento como agentes de uma nova cultura
Como afirma Peter Drucke
A parceria comunitaacuteria seraacute um dos verdadeiros setores em crescimento das economias desenvolvidas Surge da necessidade de uma participaccedilatildeo mais direta e efetiva da comunidade nas grandes questotildees da vida social pois natildeo existe ningueacutem melhor que o cidadatildeo para saber o que ele quer para si para sua famiacutelia e para sua comunidade (apud RAMOS 1990)
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O envolvimento efetivo da sociedade nas questotildees sociais natildeo eacute apenas uma
postura moderna Significa antes de tudo uma atitude digna de todos aqueles que
desejam exercer sua cidadania contribuindo para um paiacutes melhor e em especial
para uma sociedade mais justa fraterna e solidaacuteria
Na histoacuteria observa-se a grande coragem das pessoas em construir o
reconhecimento delas proacuteprias e de seus direitos sempre buscando a participaccedilatildeo e
defendendo os Direitos Humanos Sem duacutevida a maior ecircnfase que deve ocorrer
para a construccedilatildeo real da cidadania eacute uma mudanccedila na sociedade O melhor a ser
feito eacute reforccedilar a organizaccedilatildeo democraacutetica buscando novas formas de participaccedilatildeo
social pois cidadania natildeo se resume ao poder de votar ou ser votado mas eacute sempre
na efetiva participaccedilatildeo popular pois somente com isso haacute a verdadeira
conscientizaccedilatildeo e o comprometimento daquele que passa a se sentir cidadatildeo
abandonando-se velhos viacutecios da poliacutetica representativa
Desse modo a participaccedilatildeo do povo no momento das reivindicaccedilotildees das
discussotildees e apreciaccedilotildees de projetos que visem agrave melhoria da comunidade local a
exigecircncia de transparecircncia na administraccedilatildeo da coisa puacuteblica dentre outras eacute quem
daraacute embasamento para as verdadeiras conquistas sociais no Municiacutepio que geram
saudaacuteveis formas de pressatildeo por efetivas poliacuteticas puacuteblicas de inclusatildeo social
gerando o fim do clientelismo poliacutetico tatildeo pejorativo e comum em nossa realidade e
cultura poliacutetica
Somente a participaccedilatildeo social eacute que iraacute causar uma real democratizaccedilatildeo do
poder A afirmaccedilatildeo da cidadania eacute pressuposto para a realizaccedilatildeo dos Direitos
Humanos pois os homens natildeo nascem naturalmente iguais Inclusive para que
ocorra a realizaccedilatildeo dos referidos direitos eacute necessaacuterio tambeacutem que exista um
espaccedilo puacuteblico que seja realmente democraacutetico e acessiacutevel possibilitando a
participaccedilatildeo de todos e esse espaccedilo eacute certamente o municiacutepio
Na praacutetica um forte instrumento de cidadania para atender as necessidades
coletivas eacute o orccedilamento participativo previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal que
determina expressamente a realizaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas e a participaccedilatildeo
popular nos processos de elaboraccedilatildeo e conduccedilatildeo dos orccedilamentos como forma de
incentivo agrave preparaccedilatildeo e execuccedilatildeo de planejamentos que envolvam diretamente o
povo A Lei veio incentivar a sua propagaccedilatildeo para todos os entes federativos tendo
em conta que se trata de uma tendecircncia mundial por legitimar as escolhas e
fortalecer o princiacutepio da transparecircncia
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Os meios de acesso do cidadatildeo junto aos Poderes Puacuteblicos eacute uma realidade
no Estado Democraacutetico de Direito brasileiro a exemplo das sessotildees do Poder
Legislativo que satildeo puacuteblicas ficando abertas a todos que delas quiserem participar
Emite-se uma pauta antes do comeccedilo da sessatildeo com a preacutevia dos debates Em
niacutevel municipal verifica-se um acompanhamento mais incisivo sobre as sessotildees das
Cacircmaras de Vereadores como forma de pressatildeo para aprovaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees
da comunidade avaliaccedilatildeo do desempenho e aceitaccedilatildeo de propostas orccedilamentaacuterias
e atuaccedilatildeo dos poliacuteticos bem como entendimento das funccedilotildees do Poder Legislativo
A Constituiccedilatildeo Federal assegura desde 1988 a possibilidade de se oferecer
peticcedilatildeo agraves Mesas Legislativas como forma de pedir informaccedilotildees sobre andamento
de projetos ou relatoacuterios encaminhados aos chefes do Poder Executivo Em niacutevel
municipal pode ser utilizada a Tribuna Livre como instrumento para denuacutencias de
problemas ou discussatildeo de um tema ou mesmo para apresentar sugestotildees sendo
regulado pela Lei Orgacircnica Municipal e pelo Regimento Interno da Cacircmara
A convocaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas tambeacutem possui previsatildeo constitucional
no art 58 sect 20 inciso II em niacutevel federal As comissotildees podem em razatildeo da
mateacuteria de sua competecircncia realizar audiecircncias puacuteblicas com entidades da
sociedade civil E nada obsta que estejam previstas formas de articulaccedilatildeo da
sociedade civil com os Presidentes das Comissotildees da Cacircmara no seu Regimento
Interno em acircmbito municipal
Os dispositivos da Constituiccedilatildeo Federal que dispotildeem sobre a forma de
participaccedilatildeo direta do cidadatildeo e da sociedade civil no processo democraacutetico natildeo se
pode negar que trouxe novas perspectivas De modo geral podemos citar
Art 29 A lei orgacircnica dos Municiacutepios tem que observar entre os seus
preceitos ldquocooperaccedilatildeo das associaccedilotildees representativas no planejamento municipalrdquo
Art 31 As contas dos municiacutepios ficaratildeo durante 60 (sessenta) dias
anualmente a disposiccedilatildeo de qualquer contribuinte para exame e apreciaccedilatildeo o qual
poderaacute questionar-lhes a legitimidade nos termos da lei
Art37 sect 3ordm (EC-1998) A lei disciplinaraacute as formas de participaccedilatildeo do usuaacuterio
na administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta regulando especialmente
I- as reclamaccedilotildees relativas a prestaccedilatildeo dos serviccedilos puacuteblicos em geral asseguradas
a manutenccedilatildeo de serviccedilo de atendimento ao usuaacuterio e a avaliaccedilatildeo perioacutedica externa
e interna da qualidade dos serviccedilos
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II- o acesso dos usuaacuterios a registros administrativos e a informaccedilatildeo sobre atos de
governo observado o disposto no art 5ordm X e XXXIII
III- a disciplina da representaccedilatildeo conta o exerciacutecio negligente ou abusivo de cargo
emprego ou funccedilatildeo na administraccedilatildeo puacuteblica
Art 74 sect 2ordm Qualquer cidadatildeo partido poliacutetico associaccedilatildeo ou sindicato eacute
parte legiacutetima para na forma de lei denunciar irregularidades ou ilegalidades perante
o Tribunal de Contas da Uniatildeo
Art194 paraacutegrafo uacutenico Compete ao Poder Puacuteblico nos termos da lei
organizar a seguridade social com base nos seguintes objetivos ()
VII ndash caraacuteter democraacutetivo descentralizado na administraccedilatildeo mediante gestatildeo
quadripartite com participaccedilatildeo dos trabalhadores dos empregados e dos
aposentados e do Governo nos oacutergatildeos colegiados nos oacutergatildeos colegiados
Art 198 As accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede integram uma rede
regionalizada e hierarquizada o constituem um sistema uacutenico organizado de acordo
com as seguintes diretrizes
III ndash participaccedilatildeo da comunidade
Art 202 sect 6ordm A lei complementa a que se refere o sect 4ordm deste artigo
estabeleceraacute os requisitos para a designaccedilatildeo dos membros das diretorias das
entidades fechadas de previdecircncia privada e disciplinaraacute a inserccedilatildeo dos
participantes nos colegiados e instacircncias de decisatildeo em que seus interesses sejam
objeto de discussatildeo e deliberaccedilatildeo
Art 204 As accedilotildees governamentais na aacuterea de assistecircncia social seratildeo
organizadas com base nas seguintes diretrizes
II ndash Participaccedilatildeo da populaccedilatildeo por meio de organizaccedilotildees representativas na
formulaccedilatildeo das poliacuteticas e no controle das accedilotildees em todos os niacuteveis
O protagonista na concretizaccedilatildeo dos direitos humanos e na ampliaccedilatildeo da cidadania eacute um sujeito coletivo de um trabalho sempre inacabado eis que se tratam de tarefas e conquistas cotidianas e gradativas obras que soacute podem ser realizada a muitas matildeos no partilhar e compartilhar da vida (COSTA NETO 2010)
A ampliaccedilatildeo da cidadania requer a consciecircncia de que os direitos pressupotildeem
deveres de maneira que os direitos de um indiviacuteduo satildeo garantidos a partir do
cumprimento dos deveres dos demais componentes da sociedade
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34 A necessaacuteria superaccedilatildeo de velhos paradigmas
Como se sabe em 1988 foi aprovada a Constituiccedilatildeo mais liberal e
democraacutetica do Brasil chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo Assim ampliou-se de
forma significativa o campo dos direitos e garantias fundamentais No que diz
respeito a tal mateacuteria eacute considerada como uma das mais avanccediladas do mundo No
seu preacircmbulo adota o modelo de um Estado democraacutetico de Direito destinado a
garantir o exerciacutecio dos direitos sociais e individuais a liberdade a seguranccedila o
bem-estar o desenvolvimento a igualdade e a justiccedila eleitos como valores
supremos de uma sociedade fraterna pluralista e sem preconceitos
Para a construccedilatildeo democraacutetica da cidadania no Brasil contemporacircneo
salienta-se de ela deve passar de uma democracia representativa para uma
cidadania que efetivamente molde a democracia ou seja uma cidadania instituinte
da democracia
No acircmbito constitucional positivo cidadania pressupotildee o exerciacutecio de todos
os direitos fundamentais e garantias que caracterizam o Estado democraacutetico de
Direito Quando se fala em cidadania eacute no sentido de reafirmar o direito pela plena
realizaccedilatildeo do indiviacuteduo do cidadatildeo dos entes coletivos e de sua emancipaccedilatildeo nos
espaccedilos da sociedade Estatildeo sempre intimamente ligados os conceitos de
cidadania democracia e direitos humanos sendo que um remete ao outro e seus
conteuacutedos se interligam ou seja a cidadania natildeo iraacute ocorrer sem que ocorra a
realizaccedilatildeo dos Direitos Humanos da mesma forma que os direitos humanos natildeo
seratildeo concretizados se natildeo houver o exerciacutecio da cidadania
Na evoluccedilatildeo histoacuterica tais categorias se desenvolveram de forma conjunta
com o Estado Representam noccedilotildees desejaacuteveis de relaccedilotildees humanas que se espera
sejam instituiacutedas Satildeo os elementos basilares na nova ordem social e que a
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 pretendeu edificar Poreacutem a democracia poliacutetica natildeo
resolveu os problemas econocircmicos mais seacuterios como a desigualdade e o
desemprego Continuam muito seacuterios os problemas da aacuterea social principalmente
na educaccedilatildeo nos serviccedilos de sauacutede e saneamento como tambeacutem e
principalmente quanto agrave seguranccedila puacuteblica
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A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 em seu artigo 6ordm e em outros artigos no texto
constitucional ampliou e muito os Direitos Sociais proibiu discriminaccedilotildees Assim
indicadores baacutesicos de qualidade de vida apontam que houve uma melhoria A
mortalidade infantil por exemplo caiu de maneira significativa nos uacuteltimos anos A
esperanccedila de vida ao nascer passou de 60 anos em 1980 para 70 em 2000 Poreacutem
o maior progresso foi na aacuterea da educaccedilatildeo fundamental que eacute considerado fator
decisivo para a cidadania pois a taxa de analfabetismo caiu consideravelmente
entretanto existem muitos problemas no campo educacional como a repetecircncia e
com relaccedilatildeo a desigualdade social entre as regiotildees
A grande concentraccedilatildeo da riqueza nacional nas matildeos de poucos reflete a
desigualdade e causa a pobreza e a miseacuteria ao passo que dificulta o acesso do
cidadatildeo agrave justiccedila e consequentemente ao seu estado de cidadania pleno
Dentre os fundamentos no qual se baseiam o Estado democraacutetico de Direito
no Brasil destaca-se justamente a cidadania e a dignidade humana conforme artigo
1ordm incisos II e III da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Entatildeo construir uma sociedade
livre justa e solidaacuteria garantir o desenvolvimento nacional erradicar a pobreza e a
marginalizaccedilatildeo reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de
todos sem preconceitos de origem raccedila sexo cor idade ou quaisquer outras
formas de discriminaccedilatildeo satildeo os objetivos fundamentais do Estado Brasileiro
conforme art 3ordm da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
O cenaacuterio de globalizaccedilatildeo econocircmica mundial tambeacutem traacutes seacuterios obstaacuteculos
para a construccedilatildeo da cidadania A globalizaccedilatildeo da economia em ritmo acelerado
provoca grandes mudanccedilas nas relaccedilotildees entre Estado sociedade e naccedilatildeo que
eram sempre o centro da noccedilatildeo e da praacutetica da cidadania ocidental O foco das
mudanccedilas e das preocupaccedilotildees estaacute em dois focos especiacuteficos a reduccedilatildeo do papel
central do Estado como fonte de direitos e local para a participaccedilatildeo e o
deslocamento da naccedilatildeo como principal fonte de identidade coletiva
Para que ocorra efetiva mudanccedila a melhor proposta eacute no sentido de
mudanccedila na organizaccedilatildeo da sociedade pois a inversatildeo da sequecircncia dos direitos
fez com que ocorra o reforccedilo da supremacia do Estado Para que ocorra a
consolidaccedilatildeo democraacutetica e cidadatilde eacute necessaacuterio reforccedilar a organizaccedilatildeo da
sociedade para assim dar embasamento social ao poder poliacutetico ou seja
finalmente democratizar o poder e estabelecer de forma plena a Cidadania
53
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A Constituiccedilatildeo que nasce com ldquocheiro de amanhatilde e natildeo de mofordquo nas
palavras do Deputado Ulisses Guimaratildees tem em seu relevo a esperanccedila de um
povo que sonhava com a erradicaccedilatildeo da repressatildeo militar e natildeo soacute isso um povo
que sonhava com a liberdade em suas diversas manifestaccedilotildees em suas mais
significativas formas de representaccedilatildeo e sobretudo com um paiacutes voltado para a
democracia e justiccedila social
Ao povo brasileiro foi concedido o poder de governar e nesse contexto de
mudanccedila a ldquodemocracia eacute o governo do povo pelo povo e para o povordquo na
conceituaccedilatildeo ceacutelebre de Abraham Lincoln E consoante estabelece o paraacutegrafo
uacutenico do art 1ordm da Carta cidadatilde de 1988 ldquotodo poder emana do povo que o exerce
por meio de representantes eleitos ou diretamenterdquo
No entanto natildeo basta que a fonte de poder seja o povo a democracia vem
significar a efetiva participaccedilatildeo do povo nas decisotildees e destino do Estado e sua
consolidaccedilatildeo eacute a proacutepria cidadania pois eacute o cidadatildeo que pensa e se auto define
diante da condiccedilatildeo soacutecio-histoacuterica O cidadatildeo tem portanto o poder de transformar
a realidade social segundo seu pensamento e accedilatildeo
Natildeo se pode negar que a Carta de 1988 foi a que apresentou maior
legitimidade popular que abriu caminhos apontando um novo tempo
Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita Se fosse perfeita seria irreformaacutevel Ela proacutepria com humildade e realismo admite ser emendada ateacute por maioria mais acessiacutevel dentro de cinco anos Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita mas seraacute uacutetil e pioneira e desbravadora Seraacute luz ainda que de lamparina na noite dos desgraccedilados Eacute caminhando que se abrem os caminhos Ela vai caminhar e abri-los Seraacute redentor o que penetrar nos bolsotildees sujos escuros e ignorados da miseacuteria (Ulysses Guimaratildees)
Mesmo natildeo sendo a constituiccedilatildeo perfeita sem duacutevida foi a que trouxe
esperanccedila ao povo brasileiro com a sua promulgaccedilatildeo surgiram o ldquohaacutebeas datardquo o
mandado de injunccedilatildeo e o mandado de seguranccedila coletivo - todos remeacutedios judiciais
de iacutendoles constitucionais serviacuteveis para prevenir e combater diversas tentativas de
abuso contra a pessoa humana Outrossim o objeto da accedilatildeo popular foi ampliado
Atualmente qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima para propor a mencionada accedilatildeo
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popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de entidade de que o
Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e ao patrimocircnio
histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de custas
judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia Nesse rol de forma decisiva houve a
ampliaccedilatildeo tambeacutem dos direitos sociais
Assim a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconhece e assegura uma seacuterie de
escudos protetivos aos cidadatildeos Em sua essecircncia os direitos fundamentais
ganham forma De modo que podemos assegurar que hoje o nosso Estado eacute uma
organizaccedilatildeo centrada no ser humano visto que tem a dignidade da pessoa humana
como um fundamento da Repuacuteblica Federativa do Brasil
Apesar das inuacutemeras dificuldades o Estado Democraacutetico de Direito fundado
na cidadania constituiu para o povo uma nova identidade ndash o que em outras eacutepocas
natildeo existia
A Constituiccedilatildeo circunscreve toda a organizaccedilatildeo poliacutetica estatal no intuito
maior de criar no consciente coletivo a vontade livre e determinada de desenvolver
padrotildees de condutas destinados a elevar e promover a auto-estima de toda a
comunidade paacutetria
Foi nesse sentido que estatui em seu artigo 1ordm a cidadania como fundamento
do Estado Democraacutetico de Direito ampliando e enriquecendo o tal conceito Cada
eacutepoca produziu praacuteticas e reflexotildees muito distintas sobre o tema cidadania A
definiccedilatildeo de cidadania que vem sofrendo alteraccedilotildees ao longo do tempo obedecendo
a um processo histoacuterico de conquistas sociais eacute compreendida atualmente como
um processo de participaccedilatildeo do indiviacuteduo ou de um grupo organizado nas mais
variadas aacutereas de atuaccedilatildeo da sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos
e sociais
A cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia disso natildeo haacute duvidas e se
efetiva como mudanccedilas na realidade de cada um com melhoria de vida e
conscientizaccedilatildeo da importacircncia do cidadatildeo dado que eacute um processo em
permanente construccedilatildeo Natildeo haacute como defender uma qualidade de vida sem a
preservaccedilatildeo da cidadania em todos os seus acircmbitos Nesse sentido a efetiva
proteccedilatildeo desse aspecto basilar torna-se essencial no que tange uma assistecircncia
juriacutedica completa
No contraponto do direito estatildeo os deveres que encontramos sua realizaccedilatildeo
tambeacutem na participaccedilatildeo observando que o cidadatildeo eacute responsaacutevel pelo advir de
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suas accedilotildees A participaccedilatildeo reflete um caraacuteter de natildeo comodismo de atenccedilatildeo agravequilo
que eacute particular e coletivo tendo como finalidade preciacutepua o bem comum
Construir cidadania hoje eacute imperativo para a sociedade pois dessa
construccedilatildeo depende o amanhatilde Estamos diante da Constituiccedilatildeo que se propotildee a
resguardar o amanhatilde sem perder de vista que ele comeccedila hoje agora e nisso a
Carta Poliacutetica traacutes consigo a certeza do despertar dessa consciecircncia a consciecircncia
cidadatilde Ela eacute a semente plantada em terra feacutertil que gera frutos diariamente e se
renova a cada estaccedilatildeo na dinacircmica da vida Talvez tenha sido esse o cheiro de
frutas alcanccedilado pelo constituinte ao anunciar que a carta tem ldquocheiro do amanhatilderdquo
A responsabilidade pelo exerciacutecio desses direitos belissimamente elencados
depende de todos e de cada um pois somos o terreno feacutertil que produziraacute o fruto de
uma sociedade fraterna
Eacute comum na praacutetica apenas responsabilizarmos o Estado em sentido lato pelo
natildeo exerciacutecio dos direitos do cidadatildeo Vale lembrar nesse contexto das palavras de
J Kennedy o qual disse ldquonatildeo pergunte o que o Estado pode fazer por vocecirc mas o
que vocecirc pode fazer pelo Estadordquo haacute nessa frase um forte traccedilo de cidadania pois
quando o cidadatildeo reivindica critica opina o que ele daacute em contrapartida ao paiacutes eacute
solidificado visto que eacute nas relaccedilotildees familiares em comunidade que se estabelece e
se fortalece os viacutenculos de solidariedade de uma sociedade que perpetua valores
condutas que as leis reguladoras natildeo conseguem por si soacute estabelecer
A concretizaccedilatildeo do ideal de uma qualidade de vida merecida a todos os seres
humanos sem restriccedilotildees requer entretanto um esforccedilo coletivo Dessa forma haacute
necessidade de suprir as muitas carecircncias advindas das desigualdades sociais e de
condiccedilotildees do descaso do poder puacuteblico e da proacutepria conceituaccedilatildeo antiga de
cidadania que ainda eacute concebida por muitos no presente
Em suma nosso trabalho procurou traccedilar a evoluccedilatildeo da cidadania e ao
mesmo tempo buscou traccedilar uma melhor caracterizaccedilatildeo do cidadatildeo agrave luz da nossa
Constituiccedilatildeo que eacute por fim a essecircncia da Magna Carta O alcance da cidadania
enquanto mecanismo de acesso a direitos foi colocado no acircmbito da pessoa
enquanto titular de direitos e num paralelo defendemos que o municiacutepio eacute o espaccedilo
de atuaccedilatildeo e exerciacutecio de cidadania dada a proximidade do cidadatildeo com as
instituiccedilotildees oacutergatildeos entidades e tudo o mais que o cerca na esfera de vivecircncia Eacute na
praccedila que discute a poliacutetica local e nacional que se indigna com as dificuldades e as
56
barreiras de acesso aos seus direitos Eacute no municiacutepio que se inicia todo um vieacutes de
desdobramento para garantir direitos
Por fim natildeo obstante resta dizer sobre o tema que os caminhos e
paradigmas que se intentou percorrer sobre cidadania como mecanismo
transformador da sociedade tem ingrediente ainda a se descortinar para o
propoacutesito valioso do bem comum Pois bem a ideia de bem comum tem como
fundamento o amor maacutexima que se estabelece por meio da democracia visto que
ldquoa demofilia o demoiacutesmo o amor do povo acima de tudo como princiacutepio ativo de
toda a sua vida poliacutetica inspirador duma sempre crescente autonomia imanente eacute
que constitui a verdadeira essecircncia da democraciardquo nas palavras de Melgareacute
(2005)
Dessa forma eacute no nuacutecleo da democracia que estaacute inscrito como pedra
angular o respeito e o amor pela pessoa humana Eacute pois um tema de larga
abrangecircncia poreacutem sem querer abreviar o caminho sua efetiva possibilidade de
realizaccedilatildeo se encontra no exerciacutecio da cidadania sem repuacutedios parciais ou exclusatildeo
de qualquer ordem na plenitude de uma cidadania para todos
57
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
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9
INTRODUCcedilAtildeO
A palavra cidadania tem sido usada com muita frequecircncia desde um discurso
poliacutetico a um diaacutelogo trivial pois eacute um vocaacutebulo de significado amplo que permite o
seu emprego para referir-se aos direitos humanos ou direitos do consumidor ou
para dirigir-se a um indiviacuteduo
O conceito de cidadania sempre esteve fortemente associado agrave noccedilatildeo de
direito o que de certa forma justifica a amplitude de usos do termo jaacute que a histoacuteria
da cidadania confunde-se com a histoacuteria dos direitos humanos a histoacuteria das lutas
das gentes para a afirmaccedilatildeo de valores como a liberdade a dignidade e a
igualdade de todos os seres humanos indistintamente Percebe-se portanto que
existe um estreito relacionamento entre cidadania e luta por justiccedila por democracia
e outros direitos fundamentais Pois como afirma Santana (2009)
A histoacuteria da cidadania confunde-se em muito com a histoacuteria das lutas pelos direitos humanos A cidadania esteve e estaacute em permanente construccedilatildeo eacute um referencial de conquista da humanidade atraveacutes daqueles que lutam por mais direitos maior liberdade melhores garantias individuais e coletivas []
Sua trajetoacuteria eacute longa e liga-se as transformaccedilotildees poliacuteticas ocorridas na
histoacuteria das sociedades O seu nascimento remota a Antiguidade passando por uma
perda de seu significado na Idade Media ateacute ressurgir na Modernidade e originar
calorosos debates nos dias de hoje
No Brasil estamos tecendo a nossa cidadania e aos poucos vamos nos
livrando da visatildeo restritiva da cidadania aplicada como simples conjunto de pessoas
dotadas de direitos poliacuteticos (cidadania ativa e cidadania passiva)
Passos importantes foram dados com o processo de redemocratizaccedilatildeo e a
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 mas essa trajetoacuteria ainda tem um longo caminho a
ser percorrido pois construir cidadania eacute tambeacutem construir novas relaccedilotildees e
10
consciecircncia de que ela natildeo se limita a conquista legal de direitos mas tambeacutem a
realizaccedilatildeo desses direitos Sob pena de que a natildeo apropriaccedilatildeo desses direitos de
forma efetiva os transforma em letra morta
A consciecircncia cidadatilde perpassa a democracia os direitos sociais e o ideal
coletivo de justiccedila em sentido amplo o qual denominamos de bem comum A
vivecircncia da cidadania encontra diversas barreiras culturais e histoacutericas pois como
afirma Matos (2009)
Somos filhos e filhas de uma naccedilatildeo que nasceu sob o signo da cruz e da espada acostumados a apanhar calado a dizer sempre lsquosim senhorrsquo a lsquoengolir saposrsquo a achar lsquonormalrsquo as injusticcedilas a termos um lsquojeitinhorsquo para tudo a natildeo levar a seacuterio a coisa puacuteblica a pensar que direitos satildeo privileacutegios e exigi-los eacute ser boccedilal e metido a pensar que Deus eacute brasileiro e se as coisas estatildeo como estatildeo eacute por vontade Dele
Os direitos que hoje gozamos natildeo nos foram conferidos de maneira
harmoniosa foram conquistados E muitas vezes os compreendemos como uma
concessatildeo um favor de quem estaacute em cima para os que estatildeo em baixo da piracircmide
social e essa concepccedilatildeo errocircnea fragiliza a capacidade de organizaccedilatildeo participaccedilatildeo
e intervenccedilatildeo social que configura a cidadania
Este trabalho monograacutefico portanto tem como escopo discutir e traccedilar alguns
pressupostos que possibilitem a compreensatildeo do efetivo exerciacutecio da cidadania
como mecanismo transformador de uma sociedade (participaccedilatildeo cidadatilde nas
decisotildees da administraccedilatildeo puacuteblica que alcancem toda a coletividade)
compreendendo que a cidadania deve ser vista em todos os seus aspectos
principalmente no sentido que atraveacutes dela se almeja uma sociedade com vida
digna para todos Cidadania essa que se configurou e vem se impondo em meio a
fortes resistecircncias e combates
Para que os objetivos fossem alcanccedilados elegemos a pesquisa bibliograacutefica
como teacutecnica baacutesica para coletarmos os dados necessaacuterios Tratou-se de uma
proposta de estudo portanto de cunho eminentemente bibliograacutefico Assim sendo
as fontes da pesquisa foram as proacuteprias obras dos doutrinadores
Eacute por meio de referenciais teoacutericos como Hannah Arendt Joseacute Afonso da
Silva Norberto Bobbio Dalmo Dallari Walber Agra Celso Bandeira de Melo
Boaventura de Souza Joseacute Murilo de Carvalho entre outros expoentes da ciecircncia
juriacutedica que contextualizamos estes questionamentos e de certa maneira temos a
11
pretensatildeo de contribuir para o fortalecimento do debate acadecircmico em torno de um
elemento valioso para o Estado Constitucional a cidadania
A dimensatildeo doutrinaacuteria do tema diz respeito a sua importacircncia para a aacuterea de
estudos em que se insere - o Direito Pois estudar e analisar elementos constitutivos
da cidadania significa compreender uma questatildeo que vem a cada dia tomando mais
espaccedilo nos meios acadecircmicos
Nos dias atuais em que a poacutes-modernidade permeia as relaccedilotildees juriacutedicas
propiciando a interdisciplinaridade e a flexibilidade da interpretaccedilatildeo dos dispositivos
postos o processo de discussatildeo voltado para a questatildeo da cidadania vivencia na
atualidade grande relevacircncia Nesse diapasatildeo duas consideraccedilotildees seratildeo levadas a
efeito a cidadania como um fundamento constitucional da Repuacuteblica Federativa do
Brasil de acordo com o que preceitua o inciso II do artigo 1ordm da Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 o local mais propiacutecio para o exerciacutecio efetivo da cidadania eacute o
municiacutepio onde ocorrem agraves decisotildees mais proacuteximas da comunidade em que o
individuo cidadatildeo tem maior facilidade de participaccedilatildeo nas decisotildees e por fim que
os indiviacuteduos exercem cidadania acessando a justiccedila em busca de seus direitos
Neste sentido o presente trabalho analisa algumas questotildees que estiveram e
ainda estatildeo por traacutes do desenvolvimento da foacutermula da cidadania percorrendo para
tanto desde a antiguidade ateacute o tempo presente De modo que o objetivo do
mesmo eacute analisar o processo de constituiccedilatildeo e consolidaccedilatildeo da cidadania ao longo
dos tempos como tambeacutem procura demonstrar os caminhos que de fato o conceito
de cidadania percorreu ateacute chegar agraves formulaccedilotildees da nossa eacutepoca em que passou
a ser concebida como um princiacutepio fundamental da Repuacuteblica Federativa do Brasil
Defendemos por fim que a cidadania como hoje a enxergamos eacute talvez o
uacutenico arcabouccedilo viaacutevel para a convivecircncia poliacutetica sendo certo que a sociabilidade
por traacutes da construccedilatildeo estatal precisa arrimar-se em postulados democraacuteticos e
criteacuterios de emancipaccedilatildeo da liberdade individual e coletiva os quais satildeo
pressupostos da cidadania plena
12
CAPIacuteTULO 1 - NOVOS OLHARES SOBRE A CIDADANIA
A cidadania vista como uma verdadeira visatildeo democraacutetica da convivecircncia eacute
siacutembolo de todo um incessante processo desencadeado por meio de um labutar
juriacutedico-politico-cultural que vem acompanhado de vaacuterias etapas do fenocircmeno
humano na tentativa de harmonizar os interesses valores e necessidades dos
homens
Seus correspondentes mecanismos de atuaccedilatildeo na sociedade atual natildeo
surgiram como que por encanto pacificamente sem luta Brotaram apoacutes uma
semeadura ideoloacutegica em conflito com outras ideologias e doutrinas que lhe eram
contraacuterias A cidadania portanto consiste na lenta construccedilatildeo da democracia
sintetiza os esforccedilos para a obtenccedilatildeo das prerrogativas poliacuteticas sociais e culturais
que tecircm levado os membros da comunidade poliacutetica direta ou indiretamente a
decidir acerca da realidade que os cercam
Neste sentido obra de construccedilatildeo do civismo democraacutetico que vem se
fortalecendo de maneira eficaz com a promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo brasileira de
1988 a cidadania toma como ponto de partida a ideia de que o Estado democraacutetico
de Direito eacute uma conquista resultado de uma construccedilatildeo permanente da
convivecircncia sociopoliacutetica
13
11 As origens da cidadania
A expressatildeo cidadania emana do termo latino civitas No entanto pode-se
encontrar suas procedecircncias intelectuais nas religiotildees da Antiguidade e nas
civilizaccedilotildees greco-romanas Polites que os romanos traduziram por cives que eacute o
soacutecio da polis ou civitas O legado greco-romano da palavra civitas nos remete agraves
noccedilotildees de liberdade igualdade e virtudes republicanas Eacute na polis grega que os
conceitos de liberdade e igualdade ganham sentido No entanto eacute importante citar
que
A participaccedilatildeo na polis ou na civitas era exclusiva de alguns homens que participavam do funcionamento da cidade-Estado eram eles os titulares de direitos poliacuteticos Eram considerados cidadatildeos apenas os homens nascidos no solo da cidade livres e iguais portadores de dois direitos inquestionaacuteveis portadores da isonomia (igualdade perante a lei) e da isegoria (o direito de expor e discutir em puacuteblico opiniotildees sobre accedilotildees que a cidade deveria ou natildeo realizar) (CHAUIacute 1994)
Ser cidadatildeo para os gregos significava antes de tudo usufruir certas
vantagens que nenhum outro homem conhecera Como afirma Minogue ldquoOs
cidadatildeos tinham riqueza beleza e inteligecircncia diversas mas como cidadatildeos eram
iguaisrdquo (1998) Foi especialmente no seacuteculo V aC que Atenas viveu seu momento
de apogeu Nesse seacuteculo especificamente desenvolveram-se as concepccedilotildees de
cidadania e democracia Em oposiccedilatildeo agrave ideia aristocraacutetica de poder o cidadatildeo
poderia e deveria atuar na vida puacuteblica independentemente da origem familiar
classe ou funccedilatildeo (ARENDT 1995)
Da mesma forma a racionalidade era conferida a uma minoria da
populaccedilatildeo exclusivamente aos homens que tinham o direito de filosofar aleacutem de
participar da academia (culto agrave beleza fiacutesica) e do poder (direito de comandar
politicamente todos os interesses da polis mediante a elaboraccedilatildeo e execuccedilatildeo de
leis e normas administrativas) Cidadatildeo segundo o teoacuterico Coulanges
Eacute todo o homem que segue a religiatildeo da cidade que honra os mesmos deuses da cidade () o que tem o direito de aproximar-se dos altares e podendo penetrar no recinto sagrado onde se realizam as assembleias assiste agraves festas acompanha as procissotildees e participa dos panegiacutericos participa dos banquetes sagrados e recebe sua parte das viacutetimas Assim esse homem no dia em que se inscreveu no registro dos cidadatildeos jurou praticar o culto dos deuses da cidade e por eles combater (2003)
14
Os escravos e os baacuterbaros natildeo podiam tomar parte dos ambientes
sagrados Segundo alguns teoacutericos apenas 10 da populaccedilatildeo eram considerados
cidadatildeos em Atenas A fim de reduzir as despesas do Estado o governo restringiu o
direito de cidadania somente os filhos de pai e matildee atenienses seriam considerados
cidadatildeos As mulheres os metecos (estrangeiros) e os escravos continuaram
desprovidos de quaisquer direitos poliacuteticos A mulher era considera o ldquonatildeo serrdquo
equiparada aos escravos cuidava dos afazeres ldquodomeacutesticosrdquo servia como
instrumento de procriaccedilatildeo e natildeo participava portanto das decisotildees da polis
Aristoacuteteles descreve que mulheres e escravos eram mantidos fora da vista do
puacuteblico eram os trabalhadores que ldquocom o seu corpo cuidavam das necessidades
(fiacutesicas) da vidardquo Satildeo as mulheres que com seu corpo garantem a sobrevivecircncia
fiacutesica da espeacutecie Mulheres e escravos conforme Arendt
Pertenciam agrave mesma categoria e eram mantidos fora das vistas alheias - natildeo somente porque eram propriedade de outrem mas porque a sua vida era ldquolaboriosardquo dedicada a funccedilotildees corporais O filho de preferecircncia deveria ser do sexo masculino sendo candidato em potencial para exercer a cidadania O escravo servia de matildeo-de-obra para o sustento e manutenccedilatildeo dos cidadatildeos (1995)
Para Aristoacuteteles ser cidadatildeo diz respeito a todo aquele que eacute capaz de
tomar parte tanto no judiciaacuterio quanto no poder deliberativo da polis ldquoNenhum
caraacuteter define melhor o cidadatildeo no sentido estrito do que a participaccedilatildeo do exerciacutecio
dos poderes de juiz e magistradordquo (ARISTOacuteTELES A Poliacutetica III 16 Apud
TOURAINE 1994) O fim uacuteltimo do homem eacute viver na polis onde o homem se
realiza como cidadatildeo (politai) manifestando o processo de constituiccedilatildeo de sua
essecircncia a sua natureza Ou seja natildeo apenas viver em sociedade mas viver na
ldquopoliticidaderdquo
Para Aristoacuteteles a reflexatildeo sobre a poliacutetica eacute que ela natildeo se separa da
eacutetica pois segundo o estagirita a vida individual estaacute imbricada na vida comunitaacuteria
A razatildeo pela qual os indiviacuteduos reuacutenem-se nas cidades (e formam comunidades
poliacuteticas) natildeo eacute apenas a de viver em comum mas a de viver ldquobemrdquo ou a boa vida
Para que isso aconteccedila eacute necessaacuterio que os cidadatildeos vivam o bem comum ou em
15
conjunto ou por intermeacutedio dos seus governantes se acontecer o contraacuterio (a busca
do interesse proacuteprio) estaacute formada a degeneraccedilatildeo do Estado
Por fim como afirma Correcirca (1999) ldquoa cidadania da Greacutecia Claacutessica
possui um paracircmetro muito especiacutefico de difiacutecil aceitaccedilatildeo numa concepccedilatildeo
moderna de cidadaniardquo Ou seja o que caracteriza a cidadania antiga eacute seu aspecto
limitador elitista e excludente pouco semelhante com o entendimento dos nossos
dias
Destarte como a democracia a cidadania passou por diferentes e possiacuteveis
ldquoinvenccedilotildeesrdquo em periacuteodos e espaccedilos determinados da histoacuteria e da geografia do
Ocidente Greacutecia e Roma consolidaram por seacuteculos seus sistemas de governos
possibilitando e permitindo a participaccedilatildeo de um significativo nuacutemero de cidadatildeos
Com o desaparecimento das civilizaccedilotildees claacutessicas a cidadania desaparece
juntamente e por um bom tempo ficaraacute fora de cena no Ocidente
Conforme Benevides (1994) a ideia moderna de cidadania e de direitos do
cidadatildeo tem como eacute sabido soacutelidas raiacutezes nas lutas e no imaginaacuterio da Revoluccedilatildeo
Francesa
Na continuidade da tradiccedilatildeo dos seacuteculos XVII e XVIII o contratualismo de
Locke e de Rousseau forneceu as bases filosoacuteficas do conceito de cidadania do
liberalismo e as revoluccedilotildees Inglesa Americana e Francesa que validaram seu uso
ao estabelecer um viacutenculo juriacutedico-legal entre as noccedilotildees de liberdade igualdade
fraternidade e o Estado-naccedilatildeo (MOISEacuteS 2005)
Nos seacuteculos XVIII e XIX outras correntes teoacutericas sobre o direito e a cidadania
seratildeo contempladas No entanto estas teorias vatildeo se contrapor agraves teorias do
jusnaturalismo e do contratualismo Segundo Correcirca (1999)
Para o positivismo juriacutedico (positivismo normativista de Kelsen) bem como para a Escola da Exegese e a Escola Histoacuterica o que vale eacute o ensino dogmaacutetico - as normas (exclue-se a anaacutelise interdisciplinar entre outras aacutereas principalmente com as Ciecircncias Sociais) A lei eacute a uacutenica fonte do direito Para essas escolas a cidadania eacute negada
Mais proacuteximo de noacutes no seacuteculo XX T A Marshall foi quem primeiro
discutiu o conceito de cidadania e suas dimensotildees no ensaio claacutessico ldquoCidadania e
classe socialrdquo Ainda hoje depois de mais de seis deacutecadas apoacutes a sua publicaccedilatildeo
16
(em 1949) o ensaio de Marshall continua a ser a referecircncia teoacuterica fundamental
para quem comeccedila a refletir sobre a cidadania na sociedade contemporacircnea eacute o
que se pode constatar de resto atraveacutes da consulta a mais recente bibliografia
dedicada a esse tema
Os Direitos Civis dentro da tradiccedilatildeo apresentada por Marshall estatildeo
ligados aos direitos fundamentais do homem como o direito agrave vida agrave liberdade agrave
propriedade e agrave igualdade perante a lei Jaacute os Direitos Poliacuteticos se referem agrave
participaccedilatildeo do cidadatildeo no governo da sociedade Seu exerciacutecio eacute limitado a uma
reduzida parcela da populaccedilatildeo e consiste na capacidade de fazer demonstraccedilotildees
poliacuteticas formar e participar de agremiaccedilotildees poliacuteticas organizar partidos votar e ser
votado Em geral quando se fala de direitos poliacuteticos
Eacute do direito do voto que se estaacute falando Por fim aparecem os Direitos Sociais que garantem a participaccedilatildeo no governo da sociedade e na riqueza coletiva Eles incluem o direito agrave educaccedilatildeo ao trabalho ao salaacuterio justo agrave sauacutede e agrave aposentadoria (CARVALHO 2002)
Eacute a soma desses direitos (civis poliacuteticos e sociais) que garantem a
emancipaccedilatildeo humana e a justiccedila social Certamente Marshall descreveu a evoluccedilatildeo
da cidadania em seu paiacutes de origem ou seja a Inglaterra Foi nesse paiacutes que
surgiram inicialmente os direitos civis no seacuteculo XVIII depois vieram os direitos
poliacuteticos (XIX) e por fim os direitos sociais (XX) Trata-se portanto de verdadeiras
conquistas da contemporaneidade E como tal fazem parte de um cotidiano em que
homens e mulheres lutam por dias melhores pelo Direito justo por uma cidadania
plena e eficaz por uma convivecircncia equilibrada pela existecircncia plena daqueles que
acreditam e defendem os valores por traacutes da dignidade da pessoa humana
12 A construccedilatildeo da cidadania
A Cidadania natildeo pode ser vista como um conceito estaacutetico pois ela natildeo se
resume somente em participaccedilatildeo atraveacutes de eleiccedilotildees mas sim como uma
construccedilatildeo da democracia politizada e participativa da construccedilatildeo do poder
17
Nas uacuteltimas deacutecadas o Brasil passou por significativas mudanccedilas de
paradigmas dentre os quais podemos citar a reconstruccedilatildeo do conceito proposto de
cidadania Pode-se dizer que apesar das inuacutemeras desigualdades socioeconocircmicas
o termo ldquocidadaniardquo evoluiu ampliando-se a abrangecircncia de sua concepccedilatildeo
abarcando todas as categorias sociais Para tanto para que possamos compreender
como vem se dando essa evoluccedilatildeo eacute preciso que conheccedilamos como tem se dado a
construccedilatildeo histoacuterica da representaccedilatildeo simboacutelica da cidadania
Durante toda a sua evoluccedilatildeo histoacuterica a palavra cidadania e as vaacuterias facetas
que ela assumiu nas uacuteltimas deacutecadas vecircm convivendo de perto com dissensotildees
sociais interesses e conflitos ideoloacutegicos culturais e poliacuteticos que se dedicam a
defender ou construir um modelo de cidadania compatiacutevel com as conjunturas de
cada tempo e de cada lugar
A marcha da cidadania sempre esteve ligada a avanccedilos retrocessos crises e
vitoacuterias enfim a iniciativas voltadas para a implantaccedilatildeo de uma estrateacutegia de luta
pelos direitos humanos pois ela esteve e estaacute em permanente construccedilatildeo eacute como
dizem os grandes teoacutericos um referencial de conquista da humanidade atraveacutes
daqueles que sempre lutaram e lutam por mais direitos mais liberdade melhores
garantias sejam elas individuais ou coletivas e natildeo se conformam frente agraves
dominaccedilotildees arrogantes de um pequeno grupo dominador e opressor contra uma
maioria desassistida e que natildeo se consegue fazer ouvir exatamente porque se lhe
nega a cidadania plena cuja conquista ainda que tardia natildeo seraacute obstada
Os caminhos trilhados pelos que defendem a cidadania podem vir a
apresentar em termos de sentimento constitucional a luta por um Estado
Democraacutetico de Direito que ajude na construccedilatildeo de uma adequada compreensatildeo
das situaccedilotildees de conjuntura e dos problemas estruturais que a sociedade enfrenta
dia apoacutes dia situaccedilotildees essas que se congregam para gerar a falta de efetividade
normativa da nossa Constituiccedilatildeo Aleacutem disso oferecem um amplo panorama acerca
dos esforccedilos que os povos empreenderam para fundar os alicerces das democracias
constitucionais do mundo moderno
A histoacuteria da construccedilatildeo da cidadania eacute uma histoacuteria de resistecircncias de povos
contra as opressotildees dos governos do desespero e das necessidades das massas eacute
a histoacuteria da esperanccedila e do empenho das naccedilotildees a histoacuteria da convivecircncia das
paixotildees humanas do futuro das geraccedilotildees eacute a histoacuteria do sofrimento e da dor eacute a
histoacuteria das vicissitudes e dramas do proacuteprio fenocircmeno humano
18
13 Cidadania um fenocircmeno cultural
A cidadania eacute um fenocircmeno cultural relacionada com a conquista de direitos
com as construccedilotildees das instituiccedilotildees com a proteccedilatildeo dos direitos fundamentais e
dos valores juriacutedicos e humanos Trata-se de uma realidade cultural cuja finalidade eacute
determinar o modo como agraves pessoas devem vincular-se agraves mudanccedilas nas estruturas
sociais determinando o modo como agraves pessoas devem atuar e (com) viver em
sociedade
De certo modo a cidadania como o Direito e todos os direitos representa uma
conquista da cultura frente agrave conflitiva natureza humana Tal conclusatildeo ajuda a
compreender o Estado Democraacutetico de Direito e tudo aquilo que ele simboliza em
termos de emancipaccedilatildeo da pessoa humana Nessa linha a necessidade de
compreender o conceito atual de cidadania agrave luz das questotildees culturais e sociais
postas pela sociedade poacutes-moderna veio-nos como heranccedila do processo cultural de
formaccedilatildeo das democracias modernas
Essa representaccedilatildeo cultural da cidadania vem sendo tratada pelos
pensadores modernos sob vaacuterios enfoques Num primeiro momento surge assim
por exemplo a cidadania civil que marcou a superaccedilatildeo da situaccedilatildeo observada na
Idade Meacutedia garantindo os direitos quanto agrave liberdade e agrave justiccedila e vinculando-se
diretamente agrave burguesia Jaacute a cidadania poliacutetica surgiu com a universalizaccedilatildeo de seu
proacuteprio conceito e com a ampliaccedilatildeo dos direitos civis Esta nova consciecircncia sobre
as diferenccedilas no interior do status de cidadatildeo acentua os debates sobre a exclusatildeo
social os direitos humanos e mesmo sobre a atuaccedilatildeo poliacutetica da sociedade civil Por
outro lado no atual estaacutegio do capitalismo falar em cidadania significar considerar
igualmente as proacuteprias mudanccedilas ocorridas na sociedade nos valores e na
educaccedilatildeo proporcionados pelas inovaccedilotildees da realidade tecnocientifica
Temos desse modo associado ao atual conceito de cidadania um repertoacuterio
teoacuterico e mesmo praacutetico cuja amplitude acompanha o proacuteprio desenvolvimento das
sociedades poacutes-modernas dando a impressatildeo crescente como afirma Harvey
19
De uma poderosa configuraccedilatildeo de novos sentimentos e pensamentos Que parecia a caminho de desenvolvimento social e poliacutetico apenas em virtude da maneira como definia padrotildees de criacutetica social e de praacutetica poliacutetica Em anos recentes ele vem determinando os padrotildees de debate definindo o modo do lsquodiscursorsquo e estabelecendo paracircmetros para a criacutetica cultural poliacutetica e cultural (1992)
Contudo a extensatildeo desses direitos agrave totalidade da populaccedilatildeo natildeo
possibilitou a garantia da liberdade e da igualdade idealizadas por Rousseau em sua
obra ldquoO Contrato Socialrdquo Por outro lado pode-se dizer que todos esses anos de
desenvolvimento acabaram por afirmar que a cidadania de fato soacute pode se constituir
por meio de acirrada luta cotidiana por direitos e pela garantia daqueles que jaacute
existem
Mais do que isso nota-se maior preocupaccedilatildeo com a difusatildeo desses direitos
seja por meio de educaccedilatildeo formal seja pelos meios de comunicaccedilatildeo Livros
didaacuteticos e paradidaacuteticos tecircm fomentado a discussatildeo sobre o status de cidadatildeo e os
direitos humanos outros associam ao desenvolvimento da cidadania uma
discussatildeo sobre os meios de comunicaccedilatildeo e o proacuteprio capitalismo como afirma o
professor Dalmo de Abreu Dallari em Cidadania e Direitos Humanos (1998)
Nessa perspectiva problemas recorrentes como as violaccedilotildees dos direitos
humanos as ineficiecircncias no campo social e o processo de pauperizaccedilatildeo
manifestado na periferia do capitalismo mostram que a cidadania exige mais do que
o simples ato de votar ou de pertencer a uma sociedade poliacutetica Cabe portanto agrave
sociedade civil caraacuteter representativo que substitua as pressotildees ou mesmo a
atuaccedilatildeo legiacutetima dos cidadatildeos
A evoluccedilatildeo da cidadania portanto consiste na lenta construccedilatildeo da
democracia que sintetiza os esforccedilos para a obtenccedilatildeo das prerrogativas ideoloacutegicas
e culturais que tecircm levado os membros da sociedade a decidirem acerca da
realidade que os cercam
14 Cidadania no Brasil breves consideraccedilotildees
Discorrer sobre a construccedilatildeo da cidadania no Brasil eacute tocar num ponto
crucial da nossa histoacuteria Passados mais de 500 anos da chegada dos portugueses
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por estas paragens percebe-se que a consolidaccedilatildeo da cidadania ainda eacute um desafio
para todos os brasileiros
O tema cidadania muito se tem discutido na academia e fora dela o jargatildeo
da cidadania estaacute na moda nas instituiccedilotildees poliacuteticas e juriacutedicas como tambeacutem na
opiniatildeo puacuteblica mas concretamente eacute um conceito ainda a ser construiacutedo
No contexto histoacuterico-cultural e poliacutetico dos gregos especificamente por
volta do ano 380 aC (periacuteodo do apogeu daquela civilizaccedilatildeo) embora a cidadania
fosse limitada a uma parcela social minoritaacuteria pode-se afirmar que tanto a
democracia quanto a cidadania grega natildeo deixam de ser conquistas ineacuteditas e
avanccedilos significativos para a histoacuteria ocidental Jaacute a evoluccedilatildeo e a real consolidaccedilatildeo
da cidadania na modernidade nascem a partir dos direitos naturais (vida
propriedade liberdade) do homem liberal burguecircs garantido pelas consecutivas
ldquoDeclaraccedilotildees de Direitosrdquo elaboradas a partir das revoluccedilotildees liberais na Inglaterra
(Revoluccedilatildeo Gloriosa 1688-89) Estados Unidos (Emancipaccedilatildeo poliacutetica 1776) Franccedila
(Revoluccedilatildeo Francesa)
No entanto pode-se dizer que o nosso paiacutes apesar da influecircncia dos paiacuteses
europeus vivenciou como ainda vivencia uma difiacutecil construccedilatildeo da cidadania
A longa histoacuteria do Brasil vem elencando razotildees profundas para a nossa
natildeo-cidadania atual a exemplo da conquista (ou invasatildeo) do nosso territoacuterio o
grande latifuacutendio a escravidatildeo a monocultura de exportaccedilatildeo o analfabetismo a
perpetuaccedilatildeo das elites poliacuteticas no poder fatores que refletem nos viacutecios da vida
social cultural poliacutetica e econocircmica do paiacutes
Fundamentalmente eacute preciso afirmar que no Brasil a construccedilatildeo da
cidadania natildeo seguiu a loacutegica da trajetoacuteria inglesa Houve no Brasil segundo
Carvalho (2002) pelo menos duas diferenccedilas importantes
A primeira refere-se agrave maior ecircnfase em um dos direitos o social em relaccedilatildeo aos outros a segunda refere-se agrave alteraccedilatildeo na sequecircncia em que os direitos foram adquiridos entre noacutes o social precedeu os outros
Uma das razotildees fundamentais das dificuldades da construccedilatildeo da cidadania
estaacute ligada como nos diz Carvalho ao ldquopeso do passadordquo mais especificamente ao
periacuteodo colonial (1500-1822) quando
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Os portugueses tinham construiacutedo um enorme paiacutes dotado de unidade territorial linguiacutestica cultural e religiosa Mas tinham deixado uma populaccedilatildeo analfabeta uma sociedade escravocrata uma economia monocultora e latifundiaacuteria um Estado Absolutista (CARVALHO 2002)
Em suma foram 322 anos sem poder puacuteblico sem Estado sem naccedilatildeo e
cidadania Diante de tatildeo obscuro cenaacuterio de dominaccedilatildeo opressatildeo dentre outras
formas de natildeo efetivaccedilatildeo da cidadania no Brasil podemos elencar dentre outros
tantos fatores quais foram os principais obstaacuteculos para a construccedilatildeo da cidadania
brasileira O latifuacutendio agro-exportador do periacuteodo colonial bem como o escravismo
o analfabetismo marcaram negativamente nossas origens e ateacute hoje dificultam
avanccedilos no acircmbito poliacutetico-social e econocircmico Aleacutem dessas outras razotildees foram e
continuam sendo entraves para a consolidaccedilatildeo das instituiccedilotildees poliacutetica que
impedem os avanccedilos necessaacuterios para uma cidadania plena Na ordem poliacutetica
permanecem ainda algumas mazelas histoacutericas como o patrimonialismo
(promiscuidade entre o puacuteblico e o privado) o coronelismo com sua nova roupagem
o clientelismo aleacutem da corrupccedilatildeo entre outros
Mesmo diante de tatildeo vergonhoso cenaacuterio natildeo podemos nos dispensar que
tambeacutem alcanccedilamos mesmo que de forma tiacutemida significativas conquistas de
direitos no Brasil comparadas com outros paiacuteses que vivenciaram um processo de
colonizaccedilatildeo semelhante ao nosso A conquista desses direitos deu-se de maneira
tardia e inversa haja vista que somente em 1824 mais de 320 anos apoacutes a chegada
dos portugueses foi que surgiram os primeiros direitos civis e poliacuteticos (antes disso
estaacutevamos submetidos agrave lei da coroa portuguesa) Aos poucos surgiram os direitos
sociais mas exatamente no momento em que os direitos civis e poliacuteticos estavam
sendo negados no periacuteodo da ditadura de Vargas (1937-45) e na ditadura militar
(1964-1985) Parece um paradoxo mas foi exatamente nesse periacuteodo de
conturbaccedilotildees poliacuteticas que marchamos em direccedilatildeo agrave conquista de significativos
direitos que iriam projetar uma ideia de lutas e vitoacuterias que se projetariam no campo
da cidadania de modo bastante concreto
Por fim haveremos de concordar com Benevides (1994) ao afirmar que no
intuito de reverter agrave realidade poliacutetico-social excludente ou de uma cidadania
passiva ou sem ldquopovordquo eacute necessaacuterio recorrer agrave defesa de mecanismos institucionais
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como o referendo o plebiscito e a iniciativa popular para a construccedilatildeo do que ela
chama de uma cidadania ativa ou democracia semidireta Alguns autores veem
dificuldades na implementaccedilatildeo desse sistema em paiacuteses que estatildeo em processo de
democratizaccedilatildeo no entanto logo em seguida apontam para a educaccedilatildeo poliacutetica ndash
entendida como educaccedilatildeo para a cidadania ativa
Desse modo pode-se proferir que todos esses anos de desenvolvimento
acabaram por afirmar que a cidadania de fato soacute pode se constituir por meio de
acirrada luta cotidiana por direitos e pela garantia daqueles que jaacute existem pois
apesar da existecircncia de profundas desigualdades sociais a ideia de cidadania
evoluiu com o passar dos anos Ampliou-se a abrangecircncia de sua concepccedilatildeo
abraccedilando todas as classes sociais e minorias Deixou de restringir-se apenas agrave
participaccedilatildeo poliacutetica para relacionar uma seacuterie de deveres da sociedade para com o
cidadatildeo Na praacutetica ainda haacute muito que se fazer para que direitos e deveres sejam
os mesmos para todos No entanto a busca pela realizaccedilatildeo da maacutexima ldquocada
homem um votordquo continua a ser perseguida
A luta pela conquista plena da cidadania eacute parte integrante da democracia
uma vez que assegura a continuidade das transformaccedilotildees juriacutedicas poliacuteticas entre
outras Natildeo resta duacutevida acerca do papel estruturante que essa luta desempenha no
quadro das democracias contemporacircneas fato que a converte em uma irresistiacutevel
conquista da modernidade O caraacuteter estruturante que a cidadania projeta nos
quadros da democracia atual estaacute ligado a permanente busca de um Estado
compatiacutevel com a realidade de cada tempo histoacuterico
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CAPIacuteTULO 2 - CIDADANIA Agrave LUZ DA CONSTITUICcedilAtildeO FEDERAL DE
1988
A Constituiccedilatildeo eacute a ordem juriacutedica fundamental da comunidade nas palavras
de Konrad Hesse (apud PALU 2001) eacute um documento juriacutedico e poliacutetico dirigido aos
cidadatildeos e estes satildeo os seus primeiros destinataacuterios A Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica eacute
a Lei fundamental composta por um conjunto de normas baacutesicas que compotildeem a
estrutura juriacutedica poliacutetica social e econocircmica de um paiacutes Essa eacute razatildeo pela qual
ela eacute chamada de Carta Magna pois a ela nada se sobrepotildee Para Dallari (1985) a
Constituiccedilatildeo
[] eacute a declaraccedilatildeo da vontade poliacutetica de um povo feita de modo solene por meio de uma lei que eacute superior a todas as outras que visando agrave proteccedilatildeo da dignidade humana estabelece os direitos e as responsabilidades fundamentais dos indiviacuteduos dos grupos sociais do povo e do governo
Desta forma uma Constituiccedilatildeo natildeo surge do nada ela eacute resultado de
observaccedilotildees e experiecircncias e sua finalidade eacute de afirmar e garantir os direitos
elementares das pessoas humanas disciplinar o uso ao mesmo tempo em que
evita o abuso de poder organizando de forma racional a sociedade e o governo
Satildeo inegaacuteveis as inovaccedilotildees teacutecnicas trazidas pela Constituiccedilatildeo Brasileira de
1988 no campo da instituiccedilatildeo garantia e proteccedilatildeo dos direitos fundamentais A
dignidade da pessoa humana e o exerciacutecio da cidadania satildeo considerados princiacutepios
fundamentais da Carta Magna Brasileira de 1988
Cidadania direito a ter direitos na acepccedilatildeo de Haberle ( apud VALADEacuteS
2009) refere-se a todos os direitos previstos na Constituiccedilatildeo de 1988 e ainda
aqueles natildeo expressos mas decorrentes do regime e dos princiacutepios por ela
adotados na dicccedilatildeo do sect 2deg art 5deg
O princiacutepio fundamental da cidadania conforme jaacute exposto impregna todo o
texto constitucional vigente a partir do art 1deg II em que figura de forma
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exponencial relativamente ao Estado brasileiro e tudo que lhe corresponda no
exerciacutecio de um poder que adquire significaccedilatildeo renovada e amplificada na
sociedade contemporacircnea Segundo Arendt
A cidadania eacute o direito a ter direitos pois a igualdade em dignidade e direitos dos seres humanos natildeo eacute um dado Eacute um construiacutedo da convivecircncia coletiva que requer o acesso ao espaccedilo puacuteblico Eacute este acesso ao espaccedilo puacuteblico que permite a construccedilatildeo de um mundo comum atraveacutes do processo de asserccedilatildeo dos direitos humanos
Nesse diapasatildeo o direito a ter direitos compreende o pleno acesso ao
espaccedilo puacuteblico o efetivo exerciacutecio do poder poliacutetico das prerrogativas inerentes agrave
cidadania conforme explicita a Constituiccedilatildeo no art 5deg LXXI a propoacutesito do
mandado de injunccedilatildeo no dizer todo direito atribuiacutedo com o caraacuteter de exclusividade
agrave pessoa
21 Estado Democraacutetico de Direito espaccedilo de cidadania
Apoacutes a eacutepoca de grandes restriccedilotildees militares o ato de promulgaccedilatildeo da
Constituiccedilatildeo Federal em 05 de outubro de 1988 vem marcar uma nova fase de
esperanccedila para os brasileiros Ao batizaacute-la de Constituiccedilatildeo cidadatilde a Assembleia
Nacional Constituinte atraveacutes de seu presidente o Deputado Ulisses Guimaratildees
resumiu o espiacuterito do texto constitucional assegurar aos brasileiros direitos sociais
essenciais ao exerciacutecio da cidadania e estabelecer mecanismos para garantir o
cumprimento de tais direitos
O que se viu a partir de entatildeo foi uma lenta poreacutem significativa mudanccedila na
sociedade brasileira A Constituiccedilatildeo Federal que eacute sem duacutevidas um marco na
histoacuteria do paiacutes traccedila a prioridade dada pelos constituintes aos direitos dos
brasileiros que pode ser observada em todas as questotildees
A Carta faz uma ampliaccedilatildeo dos direitos individuais sociais e poliacuteticos e como
se observa a inserccedilatildeo dos direitos sociais como segundo tiacutetulo revela a primazia
que o constituinte quis daacute a estes direitos em detrimento de todos os outros
incluindo os referentes agrave organizaccedilatildeo do Estado e dos Poderes que vecircm depois
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Ao contraacuterio do que ocorreu com as Constituiccedilotildees anteriores esse
ordenamento dos capiacutetulos parece revelar que a Carta eacute o prenuacutencio de um paiacutes em
que os direitos dos cidadatildeos formam a base do ordenamento do Estado Essa ideia
foi expressa pelo presidente da Assembleacuteia Constituinte deputado Ulysses
Guimaratildees que voltamos a citar quando anunciou
Diferentemente das sete constituiccedilotildees anteriores esta comeccedila com o homem De modo gratificante testemunha a primazia do homem que foi escrita para o homem que o homem eacute seu fim e sua esperanccedila Eacute a Constituiccedilatildeo cidadatilde
A Constituiccedilatildeo nasceu da constataccedilatildeo de que o figurino juriacutedico formulado
para o Brasil desde os primoacuterdios do Estado nacional natildeo se compatibilizava com as
necessidades dos brasileiros Houve avanccedilos na formalizaccedilatildeo da Lei Magna
especialmente no tocante aos direitos de cidadania mas estamos longe do ideal
preconizado pela carta cidadatilde O que nos leva a crer que a cidadania eacute um processo
diaacuterio e permanente de construccedilatildeo Pois natildeo basta garantir o direito eacute preciso
exercecirc-lo
A cidadania abraccedilada pela atual Constituiccedilatildeo Federal Brasileira teve seu
conteuacutedo ampliado e natildeo se restringe ao simples fato de possuir um tiacutetulo de eleitor
para votar e ser votado ela estabelece cidadania como princiacutepio fundamental da
Repuacuteblica do Brasil desta forma o conceito decorrente pode ser entendido
conforme preleciona Silva (2005) ldquocidadania estaacute aqui num sentido mais amplo do
que o de titular de direitos poliacuteticos Qualifica os participantes da vida do Estado
reconhecimento do indiviacuteduo como pessoa integrada a sociedade estatalrdquo
Tal conceito nos leva a relacionar cidadania com democracia uma vez que
optou-se pelo Estado Democraacutetico de Direito o qual assenta seus alicerces na
participaccedilatildeo popular em questotildees que envolvem a coisa puacuteblica Para Moraes
(2005) esse Estado de Direito ldquosignifica a exigecircncia de reger-se por normas
democraacuteticas com eleiccedilotildees livres perioacutedicas e pelo povo bem como o respeito das
autoridades puacuteblicas aos direitos e garantias fundamentaisrdquo
O propoacutesito da opccedilatildeo pelo Estado Democraacutetico de Direito eacute que a cidadania e
os demais direitos fundamentais fluam com plenitude talvez seja o que justifique a
denominaccedilatildeo da Carta Magna de cidadatilde pois o povo passa a atuar de forma mais
ativa na vida poliacutetica do Estado uma vez que a ele foi concedido esse poder
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A cidadania portanto soacute adquire pleno significado no mundo contemporacircneo
num Estado Democraacutetico de Direito para tanto exige um ambiente de vida e de
conviacutevio entre os homens tiacutepico e proacuteprio de um Estado Democraacutetico pois a
cidadania constitui fundamento primordial daquele Estado qual seja possibilitar aos
indiviacuteduos habitantes de um paiacutes o seu pleno desenvolvimento atraveacutes do alcance
de igual dignidade social e econocircmica
Segundo Rozicki (2005) O ambiente de vida social do Estado Democraacutetico
cujos pilares se encontram na efetividade dos direitos fundamentais da pessoa
humana em uma sociedade solidaacuteria soacute eacute possiacutevel atraveacutes da observaccedilatildeo de alguns
postulados que lhe satildeo essenciais os quais a autora denomina de pressupostos do
Estado democraacutetico de Direito
1)a valorizaccedilatildeo e atualidade da dignidade do homem e o reconhecimento da importacircncia de dispensar a todos tratamento fraternal igualitaacuterio e natildeo discriminativo 2) a confianccedila nos talentos e possibilidades latentes dos homens 3) a seguranccedila e o creacutedito nos valores institucionalizados pelas massas como fundamentos para o progresso do bem comum e o alcance da justiccedila 4) a aceitaccedilatildeo da legitimidade das decisotildees tomadas por meio de processos racionais e participativos de deliberaccedilatildeo com o consenso da maioria que constitui o reflexo o resultado de debates livres entre todos 5) o respeito aos grupos minoritaacuterios 6) e a compreensatildeo de que todo o interesse geral eacute a siacutentese dos diversos interesses e ideacuteias dos indiviacuteduos e dos grupos diferentes centros de poder que integram a sociedade pluralista
Percebe-se que o conceito amplo de cidadania encontra seus princiacutepios
baacutesicos e estruturantes nesses pressupostos intimamente ligado aos conceitos de
democracia e de igualdade No tocante ao conceito de igualdade elucidativa eacute a
liccedilatildeo de Rozicki (2005) quando afirma que
O princiacutepio de igualdade disciplina todas as atividades puacuteblicas e tem aplicaccedilatildeo direta nas relaccedilotildees privadas que ocorrem entre os particulares impondo para tornaacute-lo real a proibiccedilatildeo de discriminaccedilotildees e a eliminaccedilatildeo das desigualdades faacuteticas nos planos social e econocircmico proporcionando a todos os cidadatildeos igual condiccedilatildeo de vida e mesma posiccedilatildeo perante o Estado Democraacutetico
E complementa que tambeacutem para a realizaccedilatildeo da cidadania o princiacutepio
democraacutetico torna indispensaacutevel agrave participaccedilatildeo popular nas tomadas de decisatildeo No
seu entender
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A cidadania no Estado democraacutetico de direito efetivada oferece aos cidadatildeos como iguais condiccedilotildees de existecircncia o gozo atual de direitos e a obrigaccedilatildeo do cumprimento de deveres que resumidamente podem ser assim apresentados exerciacutecio de direitos fundamentais e participaccedilatildeo e os deveres de colaboraccedilatildeo e solidariedade (Rozicki 2005)
Natildeo obstante eacute vaacutelido ressaltar um princiacutepio igualmente importante e deveras
esquecido a fraternidade Este princiacutepio que eacute um dos trecircs pilares da Revoluccedilatildeo
Francesa eacute pouco discutido apesar de assumir um papel decisivo na consolidaccedilatildeo
da democracia da politica e do poder
A fraternidade eacute necessaacuteria para o estabelecimento de uma comunidade
politicamente solidaacuteria com indiviacuteduos iguais e livres
Para finalmente concebermos um Estado Democraacutetico de Direito que trate os
iguais na medida de suas desigualdades
22 Os direitos fundamentais como pressupostos de identidade da cidadania
Os direitos fundamentais vistos como um dos traccedilos mais marcante do
constitucionalismo moderno consistem no resultado da luta dos homens por um
direito ideal justo e humano representam situaccedilotildees reconhecidas juridicamente
sem as quais o homem eacute incapaz de alcanccedilar sua proacutepria realizaccedilatildeo e
desenvolvimento plenamente daiacute dizer-se que o princiacutepio preponderante que
condensa os direitos fundamentais eacute o da dignidade da pessoa humana
Os direitos fundamentais satildeo o conjunto de normas de um ordenamento juriacutedico que formam um subsistema deste fundado na liberdade na igualdade na seguridade na solidariedade expressotildees da dignidade do homem que formam parte da norma baacutesica material de identificaccedilatildeo do ordenamento juriacutedico e constitui um setor de moralidade procedimental positivada que legitima o Estado Social de Direito (MARTINEZ apud AGRA 2002)
Tais direitos foram e vatildeo sendo aperfeiccediloados e estendidos ao longo do
tempo resta dizer que os mesmos estabelecem faculdades da pessoa humana que
permitem sua breve classificaccedilatildeo do seguinte modo 1) os direitos civis e poliacuteticos
de liberdade como por exemplo a liberdade de expressatildeo de propriedade de
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manifestaccedilatildeo do pensamento de associaccedilatildeo de imprensa de reuniatildeo de igualdade
formal perante a lei de participaccedilatildeo poliacutetica o devido processo legal o habeas
corpus o direito de peticcedilatildeo etc 2) os direitos sociais econocircmicos e culturais de
participaccedilatildeo poliacutetica tais como a igualdade de sufraacutegio o direito de voto e de
elegibilidade o direito de peticcedilatildeo e os direitos de participaccedilatildeo poliacutetica 3) os direitos
da titularidade coletiva que satildeo aqueles ligados a solidariedade e a fraternidade
como por exemplo o direito agrave preservaccedilatildeo do meio ambiente e agrave qualidade de vida
etc 4) os direitos chamados de quarta geraccedilatildeo por exemplo direito a democracia a
informaccedilatildeo ao comeacutercio eletrocircnico entre os estados etc
Natildeo existe qualquer relaccedilatildeo hieraacuterquica entre estes direitos mesmo porque
todos interagem entre si de nada servindo um sem a existecircncia dos outros Esta
divisatildeo acontece devido agrave eterna e constante busca do homem por mais proteccedilatildeo
mais garantia com o objetivo de alcanccedilar uma sociedade mais justa igualitaacuteria e
fraterna
Na evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais Agra (2002) chama a atenccedilatildeo do
relevo que adquirem a democratizaccedilatildeo da informaccedilatildeo e os mecanismos de
democracia participativa E justifica que a democratizaccedilatildeo da informaccedilatildeo natildeo se
caracteriza apenas pela existecircncia de uma miacutedia plural sem nenhum tipo de
monopoacutelio mas deve ser concebida como a obrigaccedilatildeo que todos os cidadatildeos tecircm
de tomar consciecircncia dos graves problemas que afligem a humanidade e que os
mecanismos da democracia participativa concebem a cidadania em extensatildeo muito
superior ao voto abrangendo a interferecircncia direta do cidadatildeo nas decisotildees
governamentais mediante vaacuterios mecanismos juriacutedicos como o plebiscito o recall o
orccedilamento participativo etc
De acordo com Silva (2005) os Direitos Fundamentais na Constituiccedilatildeo de
1988 abrangem os ldquodireitos individuais sociais poliacuteticos e tambeacutem os direitos
econocircmicos Para o autor a ampliaccedilatildeo e transformaccedilatildeo dos direitos fundamentais
do homem na histoacuteria dificultam uma definiccedilatildeo sinteacutetica do conceitordquo
Essa dificuldade aumenta diante do emprego de vaacuterias expressotildees para
designaacute-los tais como direitos naturais direitos humanos direitos do homem
direitos individuais direitos puacuteblicos subjetivos liberdades fundamentais liberdades
puacuteblicas e direitos fundamentais do homem No entanto direitos fundamentais do
homem constitui a expressatildeo mais adequada porque na palavra fundamentais
acha-se a indicaccedilatildeo de que se trata de situaccedilotildees sem as quais o indiviacuteduo natildeo tem
29
uma vida digna natildeo convive e agraves vezes nem mesmo sobrevive A expressatildeo
direitos fundamentais eacute a mais precisa no sentido de que a todos por igual devem
ser natildeo apenas formalmente reconhecidos mas concreta e materialmente
efetivados
Por sua vez a atual Corte em julgamento do habeas corpus (HC ndeg
82424RS) marca seu posicionamento no tocante ao sistema de direitos
fundamentais insculpido na Constituiccedilatildeo de 1988 atraveacutes dos profundos e bem
fundamentados votos dos Ministros que aleacutem de delimitarem a extensatildeo e os limites
da liberdade de expressatildeo (art 5o IV e IX) acabaram indicando as bases filosoacuteficas
e juriacutedicas para a interpretaccedilatildeo do cataacutelogo de direitos fundamentais da Constituiccedilatildeo
de 1988
Nesse sentido o voto do Ministro Marco Aureacutelio tratou de definir o sistema de
direitos fundamentais como a ldquoproacutepria essecircncia da Constituiccedilatildeordquo qualificando-os
como ldquovalores objetivos que servem como norte da atuaccedilatildeo estatalrdquo Assim estaacute
consignado nos fundamentos do referido voto
A Constituiccedilatildeo de 1988 representou um divisor de aacuteguas entre o antigo regime totalitaacuterio e um periacuteodo de redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes marcando dessa forma uma eacutepoca que tem como modelo de atuaccedilatildeo do Estado o respeito incondicional aos direitos fundamentais Por isso mesmo o sistema constitucional dos direitos fundamentais previsto no artigo 5o da Carta com os eventuais acreacutescimos do sect 2o reflete em rigor e em larga medida a proacutepria essecircncia da Constituiccedilatildeo e a retomada do processo de democratizaccedilatildeo e da garantia do cidadatildeo contra abusos e arbitrariedades no exerciacutecio do Poder Puacuteblico Os direitos fundamentais satildeo hoje verdadeiros princiacutepios estruturantes da organizaccedilatildeo e do funcionamento do Estado valores objetivos que servem como norte da atuaccedilatildeo estatal em seus mais diferentes niacuteveis no Legislativo formam um cataacutelogo de princiacutepios e garantias que informam e direcionam toda a atividade de criaccedilatildeo das normas de nosso ordenamento juriacutedico e de concretizaccedilatildeo dos preceitos constitucionais no Executivo mostram-se como verdadeiros limites ao exerciacutecio do poder administrativo servindo como trincheiras de proteccedilatildeo da liberdade do cidadatildeo e no judiciaacuterio refletem a base e o fundamento necessaacuterio da compreensatildeo e interpretaccedilatildeo de nossas normas ndash efeito interpretativo - evitando que a atividade jurisdicional se transforme em medidas discricionaacuterias ou providecircncias ilegiacutetimas de opccedilotildees poliacuteticas pautadas em escolhas pessoais dos juiacutezes
Tudo indica que se trata do iniacutecio de uma soacutelida construccedilatildeo jurisprudencial a
respeito do sentido axioloacutegico do sistema de direitos fundamentais da Constituiccedilatildeo
de 1988
30
Os Direitos Individuais satildeo de exerciacutecio exclusivo do indiviacuteduo e devem ser
formalmente reconhecidos e concretizados no cotidiano do cidadatildeo O indiviacuteduo aqui
eacute considerado um sujeito de direitos e natildeo apenas como integrante de um corpo
social Esses direitos natildeo podem sofrer nenhum tipo de restriccedilatildeo natildeo se
discriminando quem os pode exercer uma vez que satildeo titulares todas as pessoas
capazes incapazes brasileiras estrangeiras alfabetizadas e iletradas
A Constituiccedilatildeo Cidadatilde foi a primeira a estabelecer direitos natildeo soacute de
indiviacuteduos mas tambeacutem de grupos sociais os denominados direitos coletivos Com
isso as pessoas passaram a ser coletivamente consideradas Os direitos individuais
e coletivos estatildeo anunciados no art 5ordm em setenta e sete incisos e em dois
paraacutegrafos
Verifica-se que os Direitos Individuais tecircm como ponto marcante a liberdade
seja ela tomada de maneira global ou especiacutefica como liberdade de associaccedilatildeo de
reuniatildeo A liberdade de reuniatildeo (art 5ordm XVI) constitui-se na primeira e mais simples
liberdade corporativa estando logo apoacutes a liberdade de locomoccedilatildeo
Os Direitos Sociais tecircm como titular uma coletividade e satildeo caracterizados
pela prestaccedilatildeo de serviccedilos ou oferecimento de melhorias para a sociedade como um
todo por parte do Poder Puacuteblico Assim os Direitos Sociais tornam possiacutevel a fruiccedilatildeo
e o exerciacutecio dos Direitos Individuais pela coletividade mesmo pelos carentes
materialmente
O art 6deg define os Direitos Sociais da seguinte maneira ldquoSatildeo Direitos Sociais
a educaccedilatildeo a sauacutede o trabalho a moradia o lazer a seguranccedila a previdecircncia
social a proteccedilatildeo agrave maternidade e agrave infacircncia a assistecircncia aos desamparados na
forma desta Constituiccedilatildeordquo
Portanto eacute obrigatoacuteria ao Estado a proteccedilatildeo dos interesses da coletividade
com o atendimento dos direitos acima citados
Satildeo direitos poliacuteticos os que conferem o acesso da populaccedilatildeo agrave participaccedilatildeo
no Poder do Estado tais como os direitos de votar e ser votado do referendo
plebiscito e iniciativa popular das leis O direito democraacutetico de participaccedilatildeo dos
cidadatildeos no governo por meio de seus representantes exigiu a formaccedilatildeo de um
conjunto de normas legais permanentes que recebeu a denominaccedilatildeo de direitos
poliacuteticos Os Direitos Poliacuteticos amparam os Direitos Individuais Sociais e
Econocircmicos pois quando desaparece a democracia desaparecem imediatamente
as liberdades fundamentais
31
Com o advento da Constituiccedilatildeo de 1988 foram criadas instituiccedilotildees para
fiscalizar e controlar a atuaccedilatildeo da administraccedilatildeo puacuteblica entre as quais o Ministeacuterio
Puacuteblico que funciona como um canal de expressatildeo dos direitos da populaccedilatildeo
O Ministeacuterio Puacuteblico foi a instituiccedilatildeo que mais ganhou importacircncia no cenaacuterio
puacuteblico por ter passado a defender os interesses coletivos ou seja os interesses de
um grupo categoria ou classe e natildeo de um indiviacuteduo isolado No artigo 127 o
Ministeacuterio Puacutebico (MP) eacute definido como ldquouma instituiccedilatildeo permanente essencial agrave
funccedilatildeo jurisdicional do Estado incumbindo-lhe a defesa da ordem juriacutedica do regime
democraacutetico e dos interesses sociais e individuais indispensaacuteveisrdquo
Cabe ao Ministeacuterio Puacuteblico exigir dos poderes puacuteblicos e dos serviccedilos de
relevacircncia puacuteblica respeito aos direitos elencados na Constituiccedilatildeo promovendo as
medidas necessaacuterias agrave garantia desses direitos Portanto eacute responsaacutevel pela
garantia da ordem juriacutedica do regime democraacutetico da moralidade puacuteblica e dos
direitos sociais e individuais
23 A consagraccedilatildeo dos direitos do cidadatildeo
A Constituiccedilatildeo de 1988 eacute o coroamento da histoacuteria constitucional do Brasil por
ter sido um marco da redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes opondo-se a qualquer forma de
autoritarismo Nela a cidadania foi consagrada como um dos fundamentos da
Repuacuteblica Federativa do Brasil (art 1ordm inc II) Observe-se que o termo cidadania
encontra-se na Constituiccedilatildeo em sentido mais amplo do que o de titular de direitos
poliacuteticos pois qualifica os participantes da vida do Estado e reconhece o indiviacuteduo
como pessoa integrada na sociedade estatal
Essa nova concepccedilatildeo de cidadania introduzida pela Constituiccedilatildeo Federal de
1988 eacute fruto da internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos e como marco principal da
institucionalizaccedilatildeo erigiu em seu artigo primeiro a dignidade da pessoa humana (inc
III) e a cidadania (incII) a princiacutepio fundamental
Institui com o princiacutepio da cidadania uma nova compreensatildeo acerca dos
direitos de deveres da pessoa elevado-o a status maacuteximo a regra-matriz que natildeo
pode ser desrespeitada pois os fundamentos constituem a essecircncia da Repuacuteblica
32
Federativa e servem como regra-matriz para a elaboraccedilatildeo interpretaccedilatildeo e
integraccedilatildeo do sistema juriacutedico nacional
Violar um princiacutepio eacute muito grave que transgredir uma norma qualquer A desatenccedilatildeo ao principio implica ofensa natildeo apenas a um especifico mandamento obrigatoacuterio mas a todo o sistema de comandos Eacute a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade representa insurgecircncia contra todo o sistema subversatildeo de valores fundamentais (MELLO apud CHIMENTI 2005 P 33)
Para Silva (2004) cidadania eacute discriminada como princiacutepio relativo ao regime
poliacutetico Dessa forma compreendida cidadania como princiacutepio fundamental eacute o
direito de participar dos destinos do Estado e mais usufruir dos direitos civis
fundamentais previstos na Constituiccedilatildeo
Muitos doutrinadores utilizam cidadania no mesmo sentido de nacionalidade
(Art 12 da Constituiccedilatildeo Federal) e de direitos poliacuteticos (Art 14) Em alguns outros
dispositivos a palavra cidadania (ou cidadatildeo) poderia ainda ter a significaccedilatildeo de
direitos poliacuteticos mas mesmo assim de forma impliacutecita a exemplo dos arts 22 XIII
e 5ordm LXXIII No primeiro se lecirc que compete agrave Uniatildeo legislar sobre nacionalidade
cidadania e naturalizaccedilatildeo e no segundo que qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima
para propor accedilatildeo popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de
entidade de que o Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e
ao patrimocircnio histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de
custas judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia No entanto conforme Mazzuoli (2002)
Observe-se que a Carta de 1988 ao tratar no seu art 14 dos direitos poliacuteticos natildeo se refere sequer em um momento agrave expressatildeo cidadania dizendo apenas que a soberania popular seraacute exercida pelo sufraacutegio universal e pelo voto direito e secreto com valor igual para todos (hellip) Pelo contraacuterio a Constituiccedilatildeo faz uma separaccedilatildeo entre cidadania e direitos poliacuteticos quando no seu art 68 sect 1ordm II ao tratar das leis delegadas exclui do acircmbito da delegaccedilatildeo legislativa a nacionalidade cidadania direitos individuais poliacuteticos e eleitorais
A Constituiccedilatildeo brasileira de 1988 com a transiccedilatildeo para o regime democraacutetico
consagrou expressamente esta nova concepccedilatildeo de cidadania como se depreende
da leitura de vaacuterios dos seus dispositivos
Foi nesse sentido que pioneiramente estatuiu a Carta de 1988 em seu art
1ordm que a Repuacuteblica Federativa do Brasil formada pela uniatildeo indissoluacutevel dos
33
Estados e Municiacutepios e do Distrito Federal constitui-se em Estado Democraacutetico de
Direito e tem como fundamentos dentre outros a cidadania (inc II) Como jaacute
mencionado
Na mesma esteira o disposto no art 5ordm incisos LXXI (conceder-se-aacute
mandado de injunccedilatildeo sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviaacutevel o
exerciacutecio dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes agrave
nacionalidade agrave soberania e agrave cidadania) e LXXVII (satildeo gratuitas as accedilotildees de
habeas-corpus e habeas-data e na forma da lei os atos necessaacuterios ao exerciacutecio
da cidadania) No seu Tiacutetulo VIII Capiacutetulo II Seccedilatildeo I a Carta Magna de 1988
dispotildee ainda que a
Educaccedilatildeo direito de todos e dever do Estado e da famiacutelia seraacute promovida e incentivada com a colaboraccedilatildeo da sociedade visando ao pleno desenvolvimento da pessoa seu preparo para o exerciacutecio da cidadania e sua qualificaccedilatildeo para o trabalho (art 205)
Outro dispositivo em que fica bastante marcada esta nova concepccedilatildeo de
cidadania eacute o art 64 do Ato das Disposiccedilotildees Constitucionais Transitoacuterias que
dispotildee
A Imprensa Nacional e demais graacuteficas da Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios da administraccedilatildeo direta ou indireta inclusive fundaccedilotildees instituiacutedas e mantidas pelo Poder Puacuteblico promoveratildeo ediccedilatildeo popular do texto integral da Constituiccedilatildeo que seraacute posta agrave disposiccedilatildeo das escolas e dos cartoacuterios dos sindicatos dos quarteacuteis das igrejas e de outras instituiccedilotildees representativas da comunidade gratuitamente de modo que cada cidadatildeo brasileiro possa receber do Estado um exemplar da Constituiccedilatildeo do Brasil
Enfim a Constituiccedilatildeo de 1988 enriqueceu e ampliou os conceitos de cidadatildeo
e cidadania Seu entendimento agora como leciona Silva (2005)
Decorre da ideia de Constituiccedilatildeo dirigente que natildeo eacute apenas um repositoacuterio de programas vagos a serem cumpridos mas constitui um sistema de previsatildeo de direitos sociais mais ou menos eficazes em torno dos quais eacute que se vem construindo a nova ideacuteia de cidadania
De forma que natildeo mais se trata de considerar a cidadania como simples
qualidade de gozar direitos poliacuteticos mas sim de aferir-lhe um nuacutecleo miacutenimo e
irredutiacutevel de direitos (fundamentais) que devem se impor obrigatoriamente agrave accedilatildeo
dos poderes puacuteblicos
34
O ordenamento juriacutedico brasileiro consagrou aleacutem dos institutos jaacute
mencionados alguns outros mecanismos de defesa dos direitos e garantias
constitucionais da cidadania como a accedilatildeo civil puacuteblica regulada pela Lei nordm
734785 e accedilatildeo direta de inconstitucionalidade prevista no incIV do art 129 da
Constituiccedilatildeo Federal O Coacutedigo de Defesa do Consumidor o Estatuto da Crianccedila e
do Adolescente e ateacute mesmo o princiacutepio do devido processo legal que resguarda ao
cidadatildeo o acesso agrave justiccedila e direito de ser acionado judicialmente por meio de
procedimentos legais satildeo mecanismos de defesa dos direitos de cidadania
previstos constitucionalmente e garantidos na esfera poliacutetica civil e social
Pode-se observar que a cidadania comeccedilou a ser construiacuteda como resultado
de um processo de luta a partir da conscientizaccedilatildeo dos direitos e deveres do
homem Como vimos a cidadania jaacute em praacutetica em muitos paiacuteses adquire no
Brasil com a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 um novo sentido qual seja o
pressuposto do exerciacutecio pleno de um sistema de direitos e garantias
35
CAPIacuteTULO 3 - CIDADANIA COMO MECANISMO DE
TRANSFORMACcedilAtildeO SOCIAL
No momento em que a cidadania alccedila voos constitucionais e insere-se na
Carta Poliacutetica da Repuacuteblica Federativa do Brasil inicia-se o processo de
redemocratizaccedilatildeo e ganha relevo o cidadatildeo agente deste processo que tem em
suas matildeos a tarefa da construccedilatildeo de um novo tempo
Historicamente a ideia de cidadatildeo conotava o habitante da cidade ndash o
citadino ndash firma-se entatildeo tal conotaccedilatildeo na Antiguumlidade claacutessica para depois
significar aquele indiviacuteduo a quem se atribuem os direitos poliacuteticos Superada essa
acepccedilatildeo que tambeacutem vigorou nas constituiccedilotildees anteriores da Repuacuteblica do Brasil
na concepccedilatildeo moderna estaacute clara a noccedilatildeo de cidadatildeo como aquele que a quem
consiste a titularidade de direitos individuais poliacuteticos e sociais Noccedilatildeo esta
edificada com a internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos que amplia a acepccedilatildeo do
termo declarando que satildeo cidadatildeos todo aquele que habita o acircmbito da soberania
de um Estado e deste Estado recebem uma carga de direitos e tambeacutem deveres dos
mais variados
Desta forma a noccedilatildeo contemporacircnea de cidadania funda-se na dicotomia
direitos (exerciacutecios de direitos fundamentais - participaccedilatildeo) e deveres (colaboraccedilatildeo -
solidariedade) Ao lado dos direitos foram estabelecidos deveres fundamentais e
portanto tanto agentes puacuteblicos como os indiviacuteduos tecircm obrigaccedilotildees especiacuteficas
inclusive a de respeitar os direitos das demais pessoas que vivem na ordem social
sendo e promovendo mecanismos de transformaccedilatildeo social que visam uma nova
sociedade baseada na igualdade e na justiccedila
36
31 O ser cidadatildeo
Os termos indiviacuteduo ser humano pessoa e cidadatildeo satildeo geralmente tomados
como sinocircnimo o que certamente influi na proliferaccedilatildeo de incontaacuteveis significados e
ampliaccedilatildeo do termo cidadatildeo Poreacutem estas palavras apesar de se assemelharem
possuem carga semacircntica proacutepria e da compreensatildeo exata de cada uma decorre a
conceituaccedilatildeo mais acentuada da acepccedilatildeo do termo cidadatildeo como titular de direitos
e deveres resguardados pela constituiccedilatildeo paacutetria
Desta forma indiviacuteduo eacute um representante da espeacutecie aquele que eacute uacutenico
Enquanto ser humano eacute um termo mais geneacuterico ou indeterminado que diz respeito
agrave espeacutecie agrave classificaccedilatildeo ao mundo zooloacutegico Pessoa por sua vez eacute um termo
mais especiacutefico que tem a ver com o mundo civilizado ou se preferirmos com a
constelaccedilatildeo dos valores morais eacuteticos e juriacutedicos proacuteprios da civilizaccedilatildeo
A etimologia da palavra pessoa demonstra que eacute um conceito sobreposto ao conceito de Ser Humano Um refratildeo de origem juriacutedica tambeacutem nos lembra do homo plures pessoa polimorfa o ser humano capaz de desempenhar muitos papeacuteis um mesmo ser humano eacute empresaacuterio e delinquumlente eacute pai e metaluacutergico etc Persona (personagem) era a maacutescara que usavam os atores da trageacutedia grega para desempenhar seu papel Cabe portanto entender o conceito de Ser Humano ao lado do conceito de Pessoa No direito romano antigo os escravos eram seres humanos (homens) mas natildeo eram consideradas pessoas (patriacutecios) Os juristas romanos que usavam o conceito de Ser Humano o dissociavam do conceito de pessoas (CUNHA 2007)
O Ser Humano recebe uma distinccedilatildeo importante quando o consideramos
como Pessoa assim como a Pessoa recebe uma distinccedilatildeo redundante natildeo menos
importante quando a consideramos por forccedila de expressatildeo como uma pessoa
humana Subentendendo o adjetivo humano como relativo agrave eacutetica Portanto Ser
Humano natildeo eacute a mesma coisa que Pessoa como tampouco Ser Humano eacute o
mesmo que cidadatildeo este muito eacute mais proacuteximo do termo Pessoa Vejamos o quadro
ilustrativo que esquematiza e distinguem os referidos conceitos
37
QUADRO 1 ndash EVOLUCcedilAtildeO DO SER HUMANO ATEacute O CIDADAtildeO
O Ser Humano O Ser Indiviacuteduo O Ser Pessoa O Ser Cidadatildeo
A Dimensatildeo do conviacutevio social
A dimensatildeo do mercado de trabalho e
Consumo
A Dimensatildeo de encontrar-se no mundo
A dimensatildeo de intervir na realidade
O homem tornar-se Ser Humano nas relaccedilotildees
de conviacutevio social
O Ser Humano tornar-se indiviacuteduo quando
descobre seu papel e funccedilatildeo social
O Indiviacuteduo torna-se pessoa quanto toma
consciecircncia de si mesmo do outro e do
mundo
A pessoa torna-se cidadatildeo quando
interveacutem na realidade em que vive
Quem estuda o comportamento do Ser
Humano Seria a antropologia a histoacuteria
ou a sociologia
Quem estuda o comportamento do indiviacuteduo Seria a
Filosofia a sociologia ou a Psicologia
Quem estuda o comportamento da pessoa Seria a
Filosofia a sociologia ou a Psicologia
Quem estuda o comportamento do cidadatildeo Seria a
Sociologia a Filosofia ou As ciecircncias
poliacuteticas
Quem garante os direitos do Ser
Humano A Declaraccedilatildeo Universal
dos Direitos Humanos
Quem garante os Direitos do
Consumidor O Coacutedigo do Consumidor
Quem garante os Direitos da pessoa A proacutepria pessoa (amor proacuteprio ou autoestima)
Quem garante os Direitos do cidadatildeo (A Constituiccedilatildeo e suas leis
regulamentares)
Existe realmente uma natureza humana Teologicamente
afirmamos que existe a uma natureza humana
Seguindo a corrente existencialista (JP Sartre) negamos tal
natureza
Que diferenccedila existe entre o direito do
consumidor e o direito do cidadatildeo Ao
Consumidor deve ser dado o direito de
propriedade enquanto ao cidadatildeo deve ser
dado o direito de acesso
O que significa tornar-se pessoa no niacutevel
psicoloacutegico e social A pessoa eacute o indiviacuteduo que toma consciecircncia de si mesmo (ldquoTornar-
se Pessoardquo de Karl Roger)
Como podemos intervir na realidade
modificando as estruturas corruptas e injustas Quando os
direitos do cidadatildeo lhe satildeo oferecidos e o
mesmo passa a exercecirc-lo haacute
modificaccedilatildeo de comportamento
(ROSAS 2009)
O cidadatildeo eacute portanto aquele indiviacuteduo a quem a Constituiccedilatildeo confere direitos
e garantias e lhe daacute o poder do seu efetivo exerciacutecio aleacutem de meios processuais
eficientes contra a violaccedilatildeo de seu gozo ou fruiccedilatildeo por parte do poder puacuteblico
Sendo assim
A passagem do indiviacuteduo a cidadatildeo caracteriza-se pelo reconhecimento pela lei de direitos considerados fundamentais agrave realizaccedilatildeo da vida do homem como indiviacuteduo e ser social membro de uma comunidade poliacutetica e a garantia desses direitos pela forccedila comum de todos (CUNHA 2007)
38
Nas uacuteltimas deacutecadas em alguns paiacuteses inclusive no Brasil desenvolveu-se o
conceito de cidadania calcado principalmente na questatildeo do cidadatildeo-consumidor
As pessoas passam a ser vistas como cidadatildes desde que tenham dinheiro para
adquirir mercadorias e utilizar serviccedilos Eacute certo pois que serviccedilos e mercadorias
atendem a necessidades materiais e simboacutelicas das pessoas e consumi-los eacute um
dos modos de participar da vida social criar identidade e partilhar dos bens
produzidos pela humanidade e representar-se culturalmente Contudo a cidadania
enfatizada apenas como uma relaccedilatildeo de compra e venda de mercadorias e serviccedilos
assume um conteuacutedo restrito individual conformista e voltado apenas para a
aquisiccedilatildeo de bens o que se relaciona com a ideacuteia de indiviacuteduo ou seja o consumo
atende as necessidades do indiviacuteduo
Outra forma de confusatildeo acerca do conceito de cidadatildeocidadania refere-se a
equiparaccedilatildeo feita com o assistencialismo o que configura uma acentuada inversatildeo
do termo uma vez que a praacutetica do assistencialismo natildeo propicia meios de
superaccedilatildeo das desigualdades sociais Enquanto a cidadania estaacute relacionada agrave
superaccedilatildeo das desigualdades sociais e a extensatildeo da garantia dos direitos de todos
O cidadatildeo eacute sem duacutevida uma expressatildeo que precisa ser adequadamente
utilizada e vivenciada pela coletividade compreendido na dimensatildeo do ser pessoa
de ter direitos e deveres do assumir as suas liberdades e responsabilidades no seio
de uma comunidade democraacutetica equitativa solidaacuteria e intercultural
Dessa forma ser cidadatildeo implica saber viver em sociedade estando ciente
dos anseios comuns A participaccedilatildeo ativa nas decisotildees de sua comunidade
influencia modos de vida de maneira positiva ao seu redor assim torna-se
imprescindiacutevel o exerciacutecio dos direitos constitucionais adquiridos e lutar pelos que
viratildeo eacute sobretudo estar consciente de todas as atitudes tomadas em prol da
sociedade
Eacute possiacutevel nesse espaccedilo de discussatildeo falar em ldquoestar cidadatildeordquo que eacute natildeo
praticar o exerciacutecio da cidadania em nenhuma de suas formas Implica apenas em
se deixar levar pelos acontecimentos e ainda reclamar das situaccedilotildees vividas sem
nada fazer para mudar sem nenhuma perspectiva de futuro Do que concluiacutemos que
a dinacircmica de intervir na realidade eacute pressuposto de cidadania
Ser cidadatildeo eacute tarefa que requer muito do ser humano do individuo da
pessoa Requer uma alta - estima elevada uma consciecircncia solidaacuteria uma
39
identidade que se reconheccedila na dinacircmica social interagindo com o outro ampliando
debates incitando justiccedila eacute sem duvida uma tomada de posiccedilatildeo que natildeo se
acomoda pelo contraacuterio se incomoda quando natildeo haacute comprometimento para o bem
comum
Natildeo eacute uma tarefa cocircmoda senatildeo muito complicada as pessoas natildeo nascem cidadatildeos mas fazem-se no tempo e no espaccedilo Na verdade natildeo eacute faacutecil exercer a liberdade e a cidadania ndash ser pessoa e ser cidadatildeo ndash por isso exige-se uma luta sem treacuteguas para erradicar assimetrias e exclusotildees socioculturais e criar cenaacuterios de esperanccedila realizaacuteveis fundamentados em valores e princiacutepios eacuteticos que requalifiquem a democracia com cidadatildeos participativos e
comprometidos ( SAEZ 1995)
Tem portanto como pressuposto uma mudanccedila de comportamento uma
tomada de posiccedilatildeo frente agrave dinacircmica social na qual estaacute inserido participando de
forma ativa e produtiva do processo de construccedilatildeo da cidadania por meio de seus
diversos canais
32 Emancipaccedilatildeo social atraveacutes da cidadania
Um Estado Democraacutetico eacute aquele que estaacute enraizado na legitimidade do
poder do povo e dele decorre seu exerciacutecio Assim o poder do povo eacute a expressatildeo
a aptidatildeo de homens e mulheres constituir autonomamente seu viver sem sucumbir
diante das instacircncias de poder Haacute nesse modus vivendi uma tutela das diferenccedilas e
pluralidades de formas de vida
Desta forma a cidadania eacute enfocada como o processo de participaccedilatildeo do
individuo ou de um grupo organizado nas mais variadas aacutereas de atuaccedilatildeo na
sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos sociais com a consciecircncia
da responsabilidade por sua proacutepria histoacuteria
Sendo a democracia o regime em que o povo governa sua caracteriacutestica
inarredaacutevel eacute a de ter o povo agrave frente do poder uma forma de autogoverno Em
assim sendo a cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia por meio de resultados
palpaacuteveis e medidas concretas tais como mudanccedilas na realidade de cada um com
melhoria de vida e conscientizaccedilatildeo da importacircncia na sociedade para o exerciacutecio
40
direto ou indireto desse poder pois se contentar com fato do direito estaacute prescrito
em lei natildeo eacute o bastante
Eacute certo poreacutem que o Estado democraacutetico somente se aperfeiccediloa na
proporccedilatildeo em que o povo age ativamente na medida em que os representantes
reflitam em seus atos os verdadeiros anseios populares Partindo dessa visatildeo a
cidadania eacute o grande fator de legitimaccedilatildeo do povo permitindo que ele aja em defesa
das instituiccedilotildees democraacuteticas
Sobre a participaccedilatildeo cumpre asseverar que este direito significa a
capacidade de ser consultado para as tomadas de decisatildeo que dizem respeito agrave
direccedilatildeo da sociedade em que vive o cidadatildeo este direito eacute acompanhado do
respeito aos deveres de contribuir para o progresso social e de acatar e respeitar o
resultado obtido em consulta coletiva
No elenco de mecanismo de exerciacutecio da cidadania estaacute o acesso ao direito e
a justiccedila que eacute fator preponderante para efetivar as garantias constitucionais
Assim passaremos a discorrer sobre a importacircncia de instrumentalizar o
cidadatildeo para um pleno exerciacutecio de seus direitos
Eacute Sabido que no Estado Democraacutetico Contemporacircneo os direitos
fundamentais constitucionalmente assegurados tecircm eficaacutecia imediata cumprindo ao
Estado garantir a todos os cidadatildeos o respeito a esses Direitos de modo concreto e
efetivo natildeo obstante as inuacutemeras desigualdades e condiccedilotildees adversas que
dificultam na praacutetica o seu exerciacutecio
Para o acesso ao direito o Estado deve desenvolver com eficiecircncia uma seacuterie
de atividades essenciais e dar efetividade a uma seacuterie de pressupostos Dentre eles
o principal eacute o conhecimento do Direito como fator preponderante pois o
desconhecimento da lei implica na praacutetica natildeo acionar a jurisdiccedilatildeo Um fato que
contribui para essa assertiva eacute baixa escolaridade da populaccedilatildeo e o analfabetismo
Muito pouco adianta a existecircncia de uma Constituiccedilatildeo apenas formal ou no
papel se ilegiacutetima ou desrespeitada Para que ocorra a eficaacutecia das normas
dispostas numa Constituiccedilatildeo ou melhor para que passe da teoria agrave praacutetica eacute
essencial que comandados e comandantes tenham conhecimento dos seus direitos
e responsabilidades assim como dos instrumentos juriacutedicos para efetivaacute-los (leis
regulamentadoras) O exerciacutecio da cidadania natildeo eacute somente um direito mas eacute
tambeacutem um dever de todos pois a omissatildeo de cada um contribui com as injusticcedilas e
as impunidades tatildeo presentes nos dias atuais
41
A Constituiccedilatildeo quando eacute justa e legiacutetima e principalmente quando eacute
respeitada eacute um poderoso instrumento de promoccedilatildeo e desenvolvimento social e
humano
Outro fator que deve ser considerado eacute a miserabilidade que coloca inuacutemeros
brasileiros a margem da sociedade em situaccedilatildeo precaacuteria os quais para Pinsky
(2004) ldquodesprovidos de esperanccedila de projeto de qualquer perspectiva de inclusatildeo
[] recorrer agrave Justiccedila humana parece algo irrealizaacutevel sofisticado e inteiramente
ficcionalrdquo
Desta forma o primeiro passo para concretizar os direitos previstos
constitucionalmente eacute a formaccedilatildeo do cidadatildeo atraveacutes da Educaccedilatildeo Baacutesica
infundindo-lhe a consciecircncia dos seus direitos e tambeacutem dos seus deveres sociais
bem como dos valores humanos fundamentais que devem ser por todos respeitados
na vida em sociedade A universalizaccedilatildeo do ensino fundamental a oferta obrigatoacuteria
de educaccedilatildeo infantil pelo Estado e o crescimento da oferta do ensino meacutedio satildeo
alguns dos aspectos que merecem destaques e foi devido agrave determinaccedilatildeo
constitucional de estabelecer o caraacuteter obrigatoacuterio do ensino fundamental e de
responsabilizar o Estado por sua implementaccedilatildeo que tem iniacutecio o processo de
avanccedilo desse segmento
A Constituiccedilatildeo estabeleceu de forma mais clara o papel dos entes federados
na educaccedilatildeo Tambeacutem aumentou a participaccedilatildeo orccedilamentaacuteria destinada ao setor
Com as novas regras para distribuiccedilatildeo de recursos adotadas apoacutes a promulgaccedilatildeo
da Carta os municiacutepios voltam a interessar-se pela educaccedilatildeo fundamental e o paiacutes
atinge a universalizaccedilatildeo do setor o que se busca agora satildeo mecanismos para
garantir a qualidade no ensino
O segundo passo nessa dinacircmica eacute o oferecimento a todos os cidadatildeos de
condiccedilotildees miacutenimas de sobrevivecircncia e de existecircncia condignas atraveacutes do acesso
ao trabalho produtivo livremente escolhido e do pagamento de remuneraccedilatildeo capaz
de prover ao sustento do trabalhador e de sua famiacutelia
Para milhotildees de cidadatildeos que vivem na ignoracircncia e na miseacuteria nenhuma
utilidade ou eficaacutecia tecircm os inuacutemeros direitos constitucionalmente assegurados Para
aqueles que se habituaram a retirar proventos da mendicacircncia da prostituiccedilatildeo de
atividades iliacutecitas ou aqueles que se sentiram forccedilados a sujeitar-se agrave exploraccedilatildeo de
outrem para sobreviver natildeo haacute nenhuma crenccedila na dignidade da pessoa humana e
no valor social do trabalho
42
A pobreza engendra inuacutemeras relaccedilotildees de dominaccedilatildeo entre pessoas e entre grupos sociais As habitaccedilotildees subumanas da periferia das grandes cidades no Brasil constituem verdadeiros quistos sociais terras sem lei controladas por xerifes ou por quadrilhas de malfeitores O Estado que natildeo for capaz de dotar essas comunidades do acesso efetivo agrave Educaccedilatildeo agrave Sauacutede agrave Seguranccedila e agrave Paz Puacuteblicas e ao trabalho liacutecito certamente natildeo lhes estaraacute assegurando o acesso ao Direito porque a populaccedilatildeo abrutalhada pela miseacuteria e coagida pelo medo natildeo desfruta da miacutenima eficaacutecia concreta dos
seus direitos fundamentais (GRECO 2009)
Evidencia que acesso ao Direito nas sociedades modernas mesmo nas
economicamente desenvolvidas exige o fortalecimento dos grupos intermediaacuterios e
do associativismo O cidadatildeo natildeo estaacute mais em condiccedilotildees de defender-se
individualmente das ameaccedilas e lesotildees aos seus direitos perpetradas por pessoas ou
grupos que se encontram em posiccedilatildeo de vantagem nas relaccedilotildees econocircmicas e
sociais
O sindicato veio exercer este importante papel em relaccedilatildeo ao trabalhador
empregado Mas hoje as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo natildeo satildeo apenas as que existem no
mundo do trabalho mas as que se revelam em todos os tipos de relaccedilotildees humanas
relaccedilotildees de consumo relaccedilotildees de vizinhanccedila relaccedilotildees locatiacutecias relaccedilotildees
comerciais internas e internacionais e natildeo com menor relevacircncia relaccedilotildees entre os
particulares e o Estado entre outras
Eacute preciso assegurar esse equiliacutebrio na praacutetica o que somente tornar-se-aacute
possiacutevel atraveacutes da articulaccedilatildeo dos sujeitos que se encontram em posiccedilatildeo de
desvantagem em organizaccedilotildees e associaccedilotildees que pela uniatildeo de esforccedilos
consigam compensar o desequiliacutebrio existente e dar aos indiviacuteduos e grupos a forccedila
e a capa de proteccedilatildeo necessaacuterias para ombrearem-se aos seus adversaacuterios e
lutarem pelos seus direitos ou interesses em igualdade de condiccedilotildees
Para Greco (2009) o pressuposto indispensaacutevel do acesso ao Direito eacute a
transparecircncia do Estado no trato de questotildees que possam afetar a esfera de
interesses dos cidadatildeos e complementa que aos cidadatildeos eacute indispensaacutevel
assegurar o direito de influir eficazmente nas decisotildees do poder puacuteblico atraveacutes dos
mais diversos instrumentos de participaccedilatildeo democraacutetica Ele afirma que
A relaccedilatildeo Estado-cidadatildeo natildeo eacute mais a relaccedilatildeo soberano-suacutedito O cidadatildeo tem o direito de exigir do Estado o pleno respeito ao seu
43
patrimocircnio juriacutedico Lamentavelmente a crise do Estado tem levado o Brasil a aceitar-se como normal que as pessoas juriacutedicas de Direito Puacuteblico natildeo cumpram devidamente as prestaccedilotildees positivas de que satildeo devedoras perante os particulares cabendo a estes demandar na Justiccedila para obtecirc-las (GRECO 2009)
Essa visatildeo deformada da responsabilidade do Estado ocorre o
desvirtuamento da justiccedila Por outro lado agrave violaccedilatildeo da garantia constitucional da
tutela jurisdicional efetiva (Constituiccedilatildeo artigo 5 inciso XXXV) disciplina a lei natildeo
excluiraacute da apreciaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio lesatildeo ou ameaccedila ao direito Assim o
acesso ao Direito natildeo estaraacute concretamente assegurado se o Estado natildeo oferecer a
todo cidadatildeo a possibilidade de receber aconselhamento juriacutedico a respeito dos seus
direitos
Constituiccedilatildeo de 1988 no artigo 5deg inciso LXXIV assegurou a todos
ldquoassistecircncia juriacutedicardquo a englobar assistecircncia judiciaacuteria e assessoramento juriacutedico
extrajudicial Conforme Greco (2009) ldquoeacute preciso que esse direito seja assegurado
na praacutetica Uma vez que na vida moderna o Direito tornou-se excessivamente
complexordquo Ainda no dizer do autor a consciecircncia juriacutedica do homem comum que
deve ser adquirida na famiacutelia e na escola natildeo eacute mais suficiente para a tomada de
decisotildees na vida diaacuteria das pessoas Todas as pessoas mantecircm complexas relaccedilotildees
juriacutedicas com instituiccedilotildees financeiras com fornecedores de bens e de serviccedilos etc
Nessas relaccedilotildees juriacutedicas com frequecircncia os cidadatildeos tecircm de tomar decisotildees
raacutepidas O cidadatildeo que tem meios procura um advogado particular para assessoraacute-
lo Ao pobre o Estado deve assegurar o mesmo direito em plenitude
Sem duacutevida o uacuteltimo pressuposto do acesso ao Direito eacute o acesso agrave Justiccedila
no sentido de acesso a um tribunal estatal imparcial previamente instituiacutedo como
competente para a soluccedilatildeo de qualquer litiacutegio a respeito de interesse que se afirme
juridicamente protegido ou para a praacutetica de qualquer ato que a lei subordine agrave
aprovaccedilatildeo autorizaccedilatildeo ou homologaccedilatildeo judicial
Se o cidadatildeo tem consciecircncia dos seus direitos se o Estado lhe fornece
todas as condiccedilotildees para livremente exercecirc-los mas algum outro cidadatildeo ou algum
oacutergatildeo do proacuteprio Estado impede ou dificulta esse exerciacutecio cabe ao poder puacuteblico
pocircr agrave disposiccedilatildeo do cidadatildeo lesionado ou ameaccedilado a jurisdiccedilatildeo necessaacuteria para
assegurar o pleno acesso a tal direito
Atingimos eacute certo um estaacutegio de desenvolvimento do Direito Humanitaacuterio que
natildeo mais nos permite conformar-nos com uma realidade distante do padratildeo de
44
convivecircncia humana que outras naccedilotildees jaacute alcanccedilaram O exerciacutecio pleno de
cidadania seraacute obra de mais de uma geraccedilatildeo Mas se trabalharmos com firmeza
certamente os jovens de hoje poderatildeo legar aos seus descendentes a emancipaccedilatildeo
cidadatilde um paiacutes melhor e uma sociedade mais justa e democraacutetica
33 O municiacutepio como acircmbito de exerciacutecio de cidadania
Historicamente o Municiacutepio enquanto unidade poliacutetico-administrativa surgiu
conforme descreve Berardi (2004) com a Repuacuteblica Romana interessada em
manter a dominaccedilatildeo paciacutefica das cidades conquistadas pela forccedila dos exeacutercitos
Sua origem mais de natureza socioloacutegica do que poliacutetica adveacutem do espiacuterito
associativo do homem e de suas relaccedilotildees de vizinhanccedila
Eacute pois a menor unidade territorial de Federaccedilatildeo cuja criaccedilatildeo reflete a base
da organizaccedilatildeo poliacutetica administrativa da Naccedilatildeo Portanto sua funccedilatildeo administrativa
historicamente vem assentada no princiacutepio do direito natural
O artigo primeiro da Constituiccedilatildeo Federal de 1998 estabelece que o
Municiacutepio ao lado dos Estados e do Distrito Federal formam a Republica Federativa
do Brasil que se constitui em Estado Democraacutetico de Direito O municiacutepio tem assim
um poder relevante para a aplicaccedilatildeo da democracia direta iniciada e fortalecida em
niacutevel local Diversos pensadores chegaram a afirmar que a descentralizaccedilatildeo de
poder resultante da constituiccedilatildeo Cidadatilde era antes de tudo uma conquista dos
Municiacutepios sendo eles os berccedilos da perpetuaccedilatildeo da Repuacuteblica e da Democracia
efetivamente por serem o uacutenico niacutevel de governo possuidores de respaldo e
localizaccedilatildeo fiacutesica ou seja solo municipal
Eacute certo que a Carta Magna de 1988 consolidou significativas inovaccedilotildees para a
vida municipal de forma que o Municiacutepio passou a constituir um dos entes da
federaccedilatildeo tratando-o como unidade dotada de autonomia poliacutetica expressa na
capacidade de poder elaborar a sua Lei Orgacircnica fugindo assim da tutela dos
estados que ateacute entatildeo eram considerados como uacutenicos componentes da federaccedilatildeo
45
A Lei Orgacircnica Municipal traz em seu bojo aleacutem da organizaccedilatildeo
administrativa do Municiacutepio a restauraccedilatildeo do Poder Legislativo municipal definindo
a diversificaccedilatildeo normativa que natildeo existia nas leis organizacionais outorgadas pelo
Estado reflexo do poder constituinte outorgados aos Municiacutepios pela Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 como consequecircncia do efetivo exerciacutecio do conceito de Estado
Democraacutetico de Direito
O Municiacutepio enquanto ente federativo tem atualmente a responsabilidade de
ordenar o seu desenvolvimento social e a garantia do bem estar de seus habitantes
executando poliacuteticas puacuteblicas de accedilotildees a serem empreendidas na consolidaccedilatildeo
democraacutetica do Estado
Fundada no elemento participaccedilatildeo o exerciacutecio de cidadania amplamente
citado encontra sua efetividade no municiacutepio Pois eacute nesse acircmbito de localizaccedilatildeo
que as pessoas mantecircm um contato direto com os poderes instituiacutedos suas
necessidades imediatas e mediatas satildeo objetos da disciplina da Lei que visa o bem
comum base do Estado democraacutetico de Direito
Baseado na maacutexima do municipalista e defensor da descentralizaccedilatildeo poliacutetica
Franco Motoro sabiamente proferiu que ldquoningueacutem vive na Uniatildeo ou no Estado As
pessoas vivem no Municiacutepiordquo Assim a cidadania encontra seu melhor espaccedilo de
realizaccedilatildeo na comunidade onde convive A vida em comunidade gera anseios
comuns sentimentos comuns uma vez que a convivecircncia propicia que as pessoas
se conheccedilam e se reconheccedilam como membros de uma mesma realidade
De acordo com Harvey (1992) ldquoa globalizaccedilatildeo provoca anonimato enquanto
comunidade cultiva solidariedaderdquo o que implica participaccedilatildeo para o exerciacutecio de
cidadania
Tudo o que acontece no mundo seja no meu paiacutes na minha cidade ou no meu bairro acontece comigo Entatildeo eu preciso participar das decisotildees que interferem na minha vida Um cidadatildeo com um sentimento eacutetico forte e consciecircncia da cidadania natildeo deixa passar nada natildeo abre matildeo desse poder de participaccedilatildeo (Herbert de Souza Betinho)
Com esse embasamento natildeo se pode perder de vista que eacute nas relaccedilotildees
diaacuterias de oposiccedilatildeo ou solidariedade que as pessoas exercem cidadania Na relaccedilatildeo
do com o outro com os poderes ao estabelecer com a vida social e puacuteblica uma
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convivecircncia posto que cidadania eacute tarefa que natildeo termina natildeo eacute um conceito
pronto tatildeo pouco acabado enquanto seres inacabados que somos estaremos
buscando descobrindo criando e tomando consciecircncia mais ampla dos direitos
O desafio eacute construir um novo discurso sobre cidadania atraveacutes de uma
praacutetica poliacutetica sustentada isto eacute realizada em dois niacuteveis
O primeiro niacutevel na base atraveacutes de construccedilatildeo das capacidades e do poder
proacuteprio da populaccedilatildeo o que envolve inevitavelmente uma mudanccedila de atitude na
busca para garantir seus direitos utilizando-se do grau de autonomia local
Essa atitude conceberia agrave democracia participativa como uma poliacutetica paralela
de intervenccedilatildeo social criando e mantendo novos espaccedilos para a tomada de
decisotildees ou seja para o auto-governo pela populaccedilatildeo nas mateacuterias que afetam
diretamente suas vidas
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade
O segundo niacutevel um governo com o povo e natildeo apenas para o povo fundado
nos ditames constitucionais valorizando o sentimento da sociedade no exerciacutecio da
governabilidade de modo que o balizamento das accedilotildees de governo deixaria de estar
no proacuteprio governo e passaria a estabelecer-se a partir do pensar da sociedade Um
governo que se pergunta o que se deve fazer para ouvir com a maior fidelidade
possiacutevel a sociedade suas instituiccedilotildees representativas e o cidadatildeo Pois as
prioridades da gestatildeo deveriam ser definidas pela sociedade e natildeo mais pelo
governo
Portanto nesses termos eacute preciso considerar que as praacuteticas da
administraccedilatildeo puacuteblica sejam democratizadoras e inclusivas inspiradas nos
princiacutepios da legalidade impessoalidade moralidade publicidade e eficiecircncia Esta
uacuteltima buscou estabelecer uma Administraccedilatildeo Puacuteblica mais eficiente no sentido de
que o cidadatildeo como destinataacuterio dos serviccedilos puacuteblicos que o Estado deve prestar
receba-os com maior qualidade e menor custo para o eraacuterio puacuteblico
Para a consecuccedilatildeo desse governar com o povo alguns pontos devem ser
revistos A mudanccedila implica na necessidade de adequaccedilatildeo reorganizaccedilatildeo
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reformulaccedilatildeo Para isso se faz premente em face dos novos e modernos conceitos
de gestatildeo puacuteblica a superaccedilatildeo do tradicional vezo burocraacutetico que vem convertendo
a Administraccedilatildeo nas palavras Dromi (1995) numa cara ldquomaacutequina de impedirrdquo fiel
ldquocoacutedigo do fracassordquo que dispotildee ldquoartigo primeiro natildeo pode artigo segundo em
caso de duacutevida abstenha-se artigo terceiro se eacute urgente espere artigo quarto
sempre eacute mais prudente natildeo fazer nadardquo numa posiccedilatildeo natildeo burocraacutetica e sim
democraacutetica de considerar que organizaccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica inclui a
praacutetica de ver os cidadatildeos como membros plenos da comunidade poliacutetica tendo
acesso e exercitando direitos as que promovem a organizaccedilatildeo da populaccedilatildeo em
torno de temas de interesse comum as que incluem o controle social sobre a
gestatildeo o debate amplo e informado sobre questotildees de governo e que abrem agrave
populaccedilatildeo as decisotildees sobre estas questotildees Como leciona e Barrientos (2000)
Tratam-se de praacuteticas que natildeo buscam somente melhorar a eficiecircncia administrativa das diferentes organizaccedilotildees puacuteblicas mas que incorporam no seu processo de gestatildeo a dimensatildeo ativa da cidadania isto eacute ldquoque facilitam as iniciativas e responsabilidades de todos os envolvidos[] estabelecendo pontes entre Estado e sociedade civil
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade Acreditamos
que o ponto de partida eacute a atitude aliada agrave solidariedade e ao espiacuterito coletivo Pois
governo e cidadatildeos juntos haveratildeo de cumprir um novo papel no processo de
desenvolvimento como agentes de uma nova cultura
Como afirma Peter Drucke
A parceria comunitaacuteria seraacute um dos verdadeiros setores em crescimento das economias desenvolvidas Surge da necessidade de uma participaccedilatildeo mais direta e efetiva da comunidade nas grandes questotildees da vida social pois natildeo existe ningueacutem melhor que o cidadatildeo para saber o que ele quer para si para sua famiacutelia e para sua comunidade (apud RAMOS 1990)
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O envolvimento efetivo da sociedade nas questotildees sociais natildeo eacute apenas uma
postura moderna Significa antes de tudo uma atitude digna de todos aqueles que
desejam exercer sua cidadania contribuindo para um paiacutes melhor e em especial
para uma sociedade mais justa fraterna e solidaacuteria
Na histoacuteria observa-se a grande coragem das pessoas em construir o
reconhecimento delas proacuteprias e de seus direitos sempre buscando a participaccedilatildeo e
defendendo os Direitos Humanos Sem duacutevida a maior ecircnfase que deve ocorrer
para a construccedilatildeo real da cidadania eacute uma mudanccedila na sociedade O melhor a ser
feito eacute reforccedilar a organizaccedilatildeo democraacutetica buscando novas formas de participaccedilatildeo
social pois cidadania natildeo se resume ao poder de votar ou ser votado mas eacute sempre
na efetiva participaccedilatildeo popular pois somente com isso haacute a verdadeira
conscientizaccedilatildeo e o comprometimento daquele que passa a se sentir cidadatildeo
abandonando-se velhos viacutecios da poliacutetica representativa
Desse modo a participaccedilatildeo do povo no momento das reivindicaccedilotildees das
discussotildees e apreciaccedilotildees de projetos que visem agrave melhoria da comunidade local a
exigecircncia de transparecircncia na administraccedilatildeo da coisa puacuteblica dentre outras eacute quem
daraacute embasamento para as verdadeiras conquistas sociais no Municiacutepio que geram
saudaacuteveis formas de pressatildeo por efetivas poliacuteticas puacuteblicas de inclusatildeo social
gerando o fim do clientelismo poliacutetico tatildeo pejorativo e comum em nossa realidade e
cultura poliacutetica
Somente a participaccedilatildeo social eacute que iraacute causar uma real democratizaccedilatildeo do
poder A afirmaccedilatildeo da cidadania eacute pressuposto para a realizaccedilatildeo dos Direitos
Humanos pois os homens natildeo nascem naturalmente iguais Inclusive para que
ocorra a realizaccedilatildeo dos referidos direitos eacute necessaacuterio tambeacutem que exista um
espaccedilo puacuteblico que seja realmente democraacutetico e acessiacutevel possibilitando a
participaccedilatildeo de todos e esse espaccedilo eacute certamente o municiacutepio
Na praacutetica um forte instrumento de cidadania para atender as necessidades
coletivas eacute o orccedilamento participativo previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal que
determina expressamente a realizaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas e a participaccedilatildeo
popular nos processos de elaboraccedilatildeo e conduccedilatildeo dos orccedilamentos como forma de
incentivo agrave preparaccedilatildeo e execuccedilatildeo de planejamentos que envolvam diretamente o
povo A Lei veio incentivar a sua propagaccedilatildeo para todos os entes federativos tendo
em conta que se trata de uma tendecircncia mundial por legitimar as escolhas e
fortalecer o princiacutepio da transparecircncia
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Os meios de acesso do cidadatildeo junto aos Poderes Puacuteblicos eacute uma realidade
no Estado Democraacutetico de Direito brasileiro a exemplo das sessotildees do Poder
Legislativo que satildeo puacuteblicas ficando abertas a todos que delas quiserem participar
Emite-se uma pauta antes do comeccedilo da sessatildeo com a preacutevia dos debates Em
niacutevel municipal verifica-se um acompanhamento mais incisivo sobre as sessotildees das
Cacircmaras de Vereadores como forma de pressatildeo para aprovaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees
da comunidade avaliaccedilatildeo do desempenho e aceitaccedilatildeo de propostas orccedilamentaacuterias
e atuaccedilatildeo dos poliacuteticos bem como entendimento das funccedilotildees do Poder Legislativo
A Constituiccedilatildeo Federal assegura desde 1988 a possibilidade de se oferecer
peticcedilatildeo agraves Mesas Legislativas como forma de pedir informaccedilotildees sobre andamento
de projetos ou relatoacuterios encaminhados aos chefes do Poder Executivo Em niacutevel
municipal pode ser utilizada a Tribuna Livre como instrumento para denuacutencias de
problemas ou discussatildeo de um tema ou mesmo para apresentar sugestotildees sendo
regulado pela Lei Orgacircnica Municipal e pelo Regimento Interno da Cacircmara
A convocaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas tambeacutem possui previsatildeo constitucional
no art 58 sect 20 inciso II em niacutevel federal As comissotildees podem em razatildeo da
mateacuteria de sua competecircncia realizar audiecircncias puacuteblicas com entidades da
sociedade civil E nada obsta que estejam previstas formas de articulaccedilatildeo da
sociedade civil com os Presidentes das Comissotildees da Cacircmara no seu Regimento
Interno em acircmbito municipal
Os dispositivos da Constituiccedilatildeo Federal que dispotildeem sobre a forma de
participaccedilatildeo direta do cidadatildeo e da sociedade civil no processo democraacutetico natildeo se
pode negar que trouxe novas perspectivas De modo geral podemos citar
Art 29 A lei orgacircnica dos Municiacutepios tem que observar entre os seus
preceitos ldquocooperaccedilatildeo das associaccedilotildees representativas no planejamento municipalrdquo
Art 31 As contas dos municiacutepios ficaratildeo durante 60 (sessenta) dias
anualmente a disposiccedilatildeo de qualquer contribuinte para exame e apreciaccedilatildeo o qual
poderaacute questionar-lhes a legitimidade nos termos da lei
Art37 sect 3ordm (EC-1998) A lei disciplinaraacute as formas de participaccedilatildeo do usuaacuterio
na administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta regulando especialmente
I- as reclamaccedilotildees relativas a prestaccedilatildeo dos serviccedilos puacuteblicos em geral asseguradas
a manutenccedilatildeo de serviccedilo de atendimento ao usuaacuterio e a avaliaccedilatildeo perioacutedica externa
e interna da qualidade dos serviccedilos
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II- o acesso dos usuaacuterios a registros administrativos e a informaccedilatildeo sobre atos de
governo observado o disposto no art 5ordm X e XXXIII
III- a disciplina da representaccedilatildeo conta o exerciacutecio negligente ou abusivo de cargo
emprego ou funccedilatildeo na administraccedilatildeo puacuteblica
Art 74 sect 2ordm Qualquer cidadatildeo partido poliacutetico associaccedilatildeo ou sindicato eacute
parte legiacutetima para na forma de lei denunciar irregularidades ou ilegalidades perante
o Tribunal de Contas da Uniatildeo
Art194 paraacutegrafo uacutenico Compete ao Poder Puacuteblico nos termos da lei
organizar a seguridade social com base nos seguintes objetivos ()
VII ndash caraacuteter democraacutetivo descentralizado na administraccedilatildeo mediante gestatildeo
quadripartite com participaccedilatildeo dos trabalhadores dos empregados e dos
aposentados e do Governo nos oacutergatildeos colegiados nos oacutergatildeos colegiados
Art 198 As accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede integram uma rede
regionalizada e hierarquizada o constituem um sistema uacutenico organizado de acordo
com as seguintes diretrizes
III ndash participaccedilatildeo da comunidade
Art 202 sect 6ordm A lei complementa a que se refere o sect 4ordm deste artigo
estabeleceraacute os requisitos para a designaccedilatildeo dos membros das diretorias das
entidades fechadas de previdecircncia privada e disciplinaraacute a inserccedilatildeo dos
participantes nos colegiados e instacircncias de decisatildeo em que seus interesses sejam
objeto de discussatildeo e deliberaccedilatildeo
Art 204 As accedilotildees governamentais na aacuterea de assistecircncia social seratildeo
organizadas com base nas seguintes diretrizes
II ndash Participaccedilatildeo da populaccedilatildeo por meio de organizaccedilotildees representativas na
formulaccedilatildeo das poliacuteticas e no controle das accedilotildees em todos os niacuteveis
O protagonista na concretizaccedilatildeo dos direitos humanos e na ampliaccedilatildeo da cidadania eacute um sujeito coletivo de um trabalho sempre inacabado eis que se tratam de tarefas e conquistas cotidianas e gradativas obras que soacute podem ser realizada a muitas matildeos no partilhar e compartilhar da vida (COSTA NETO 2010)
A ampliaccedilatildeo da cidadania requer a consciecircncia de que os direitos pressupotildeem
deveres de maneira que os direitos de um indiviacuteduo satildeo garantidos a partir do
cumprimento dos deveres dos demais componentes da sociedade
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34 A necessaacuteria superaccedilatildeo de velhos paradigmas
Como se sabe em 1988 foi aprovada a Constituiccedilatildeo mais liberal e
democraacutetica do Brasil chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo Assim ampliou-se de
forma significativa o campo dos direitos e garantias fundamentais No que diz
respeito a tal mateacuteria eacute considerada como uma das mais avanccediladas do mundo No
seu preacircmbulo adota o modelo de um Estado democraacutetico de Direito destinado a
garantir o exerciacutecio dos direitos sociais e individuais a liberdade a seguranccedila o
bem-estar o desenvolvimento a igualdade e a justiccedila eleitos como valores
supremos de uma sociedade fraterna pluralista e sem preconceitos
Para a construccedilatildeo democraacutetica da cidadania no Brasil contemporacircneo
salienta-se de ela deve passar de uma democracia representativa para uma
cidadania que efetivamente molde a democracia ou seja uma cidadania instituinte
da democracia
No acircmbito constitucional positivo cidadania pressupotildee o exerciacutecio de todos
os direitos fundamentais e garantias que caracterizam o Estado democraacutetico de
Direito Quando se fala em cidadania eacute no sentido de reafirmar o direito pela plena
realizaccedilatildeo do indiviacuteduo do cidadatildeo dos entes coletivos e de sua emancipaccedilatildeo nos
espaccedilos da sociedade Estatildeo sempre intimamente ligados os conceitos de
cidadania democracia e direitos humanos sendo que um remete ao outro e seus
conteuacutedos se interligam ou seja a cidadania natildeo iraacute ocorrer sem que ocorra a
realizaccedilatildeo dos Direitos Humanos da mesma forma que os direitos humanos natildeo
seratildeo concretizados se natildeo houver o exerciacutecio da cidadania
Na evoluccedilatildeo histoacuterica tais categorias se desenvolveram de forma conjunta
com o Estado Representam noccedilotildees desejaacuteveis de relaccedilotildees humanas que se espera
sejam instituiacutedas Satildeo os elementos basilares na nova ordem social e que a
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 pretendeu edificar Poreacutem a democracia poliacutetica natildeo
resolveu os problemas econocircmicos mais seacuterios como a desigualdade e o
desemprego Continuam muito seacuterios os problemas da aacuterea social principalmente
na educaccedilatildeo nos serviccedilos de sauacutede e saneamento como tambeacutem e
principalmente quanto agrave seguranccedila puacuteblica
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A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 em seu artigo 6ordm e em outros artigos no texto
constitucional ampliou e muito os Direitos Sociais proibiu discriminaccedilotildees Assim
indicadores baacutesicos de qualidade de vida apontam que houve uma melhoria A
mortalidade infantil por exemplo caiu de maneira significativa nos uacuteltimos anos A
esperanccedila de vida ao nascer passou de 60 anos em 1980 para 70 em 2000 Poreacutem
o maior progresso foi na aacuterea da educaccedilatildeo fundamental que eacute considerado fator
decisivo para a cidadania pois a taxa de analfabetismo caiu consideravelmente
entretanto existem muitos problemas no campo educacional como a repetecircncia e
com relaccedilatildeo a desigualdade social entre as regiotildees
A grande concentraccedilatildeo da riqueza nacional nas matildeos de poucos reflete a
desigualdade e causa a pobreza e a miseacuteria ao passo que dificulta o acesso do
cidadatildeo agrave justiccedila e consequentemente ao seu estado de cidadania pleno
Dentre os fundamentos no qual se baseiam o Estado democraacutetico de Direito
no Brasil destaca-se justamente a cidadania e a dignidade humana conforme artigo
1ordm incisos II e III da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Entatildeo construir uma sociedade
livre justa e solidaacuteria garantir o desenvolvimento nacional erradicar a pobreza e a
marginalizaccedilatildeo reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de
todos sem preconceitos de origem raccedila sexo cor idade ou quaisquer outras
formas de discriminaccedilatildeo satildeo os objetivos fundamentais do Estado Brasileiro
conforme art 3ordm da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
O cenaacuterio de globalizaccedilatildeo econocircmica mundial tambeacutem traacutes seacuterios obstaacuteculos
para a construccedilatildeo da cidadania A globalizaccedilatildeo da economia em ritmo acelerado
provoca grandes mudanccedilas nas relaccedilotildees entre Estado sociedade e naccedilatildeo que
eram sempre o centro da noccedilatildeo e da praacutetica da cidadania ocidental O foco das
mudanccedilas e das preocupaccedilotildees estaacute em dois focos especiacuteficos a reduccedilatildeo do papel
central do Estado como fonte de direitos e local para a participaccedilatildeo e o
deslocamento da naccedilatildeo como principal fonte de identidade coletiva
Para que ocorra efetiva mudanccedila a melhor proposta eacute no sentido de
mudanccedila na organizaccedilatildeo da sociedade pois a inversatildeo da sequecircncia dos direitos
fez com que ocorra o reforccedilo da supremacia do Estado Para que ocorra a
consolidaccedilatildeo democraacutetica e cidadatilde eacute necessaacuterio reforccedilar a organizaccedilatildeo da
sociedade para assim dar embasamento social ao poder poliacutetico ou seja
finalmente democratizar o poder e estabelecer de forma plena a Cidadania
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CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A Constituiccedilatildeo que nasce com ldquocheiro de amanhatilde e natildeo de mofordquo nas
palavras do Deputado Ulisses Guimaratildees tem em seu relevo a esperanccedila de um
povo que sonhava com a erradicaccedilatildeo da repressatildeo militar e natildeo soacute isso um povo
que sonhava com a liberdade em suas diversas manifestaccedilotildees em suas mais
significativas formas de representaccedilatildeo e sobretudo com um paiacutes voltado para a
democracia e justiccedila social
Ao povo brasileiro foi concedido o poder de governar e nesse contexto de
mudanccedila a ldquodemocracia eacute o governo do povo pelo povo e para o povordquo na
conceituaccedilatildeo ceacutelebre de Abraham Lincoln E consoante estabelece o paraacutegrafo
uacutenico do art 1ordm da Carta cidadatilde de 1988 ldquotodo poder emana do povo que o exerce
por meio de representantes eleitos ou diretamenterdquo
No entanto natildeo basta que a fonte de poder seja o povo a democracia vem
significar a efetiva participaccedilatildeo do povo nas decisotildees e destino do Estado e sua
consolidaccedilatildeo eacute a proacutepria cidadania pois eacute o cidadatildeo que pensa e se auto define
diante da condiccedilatildeo soacutecio-histoacuterica O cidadatildeo tem portanto o poder de transformar
a realidade social segundo seu pensamento e accedilatildeo
Natildeo se pode negar que a Carta de 1988 foi a que apresentou maior
legitimidade popular que abriu caminhos apontando um novo tempo
Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita Se fosse perfeita seria irreformaacutevel Ela proacutepria com humildade e realismo admite ser emendada ateacute por maioria mais acessiacutevel dentro de cinco anos Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita mas seraacute uacutetil e pioneira e desbravadora Seraacute luz ainda que de lamparina na noite dos desgraccedilados Eacute caminhando que se abrem os caminhos Ela vai caminhar e abri-los Seraacute redentor o que penetrar nos bolsotildees sujos escuros e ignorados da miseacuteria (Ulysses Guimaratildees)
Mesmo natildeo sendo a constituiccedilatildeo perfeita sem duacutevida foi a que trouxe
esperanccedila ao povo brasileiro com a sua promulgaccedilatildeo surgiram o ldquohaacutebeas datardquo o
mandado de injunccedilatildeo e o mandado de seguranccedila coletivo - todos remeacutedios judiciais
de iacutendoles constitucionais serviacuteveis para prevenir e combater diversas tentativas de
abuso contra a pessoa humana Outrossim o objeto da accedilatildeo popular foi ampliado
Atualmente qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima para propor a mencionada accedilatildeo
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popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de entidade de que o
Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e ao patrimocircnio
histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de custas
judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia Nesse rol de forma decisiva houve a
ampliaccedilatildeo tambeacutem dos direitos sociais
Assim a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconhece e assegura uma seacuterie de
escudos protetivos aos cidadatildeos Em sua essecircncia os direitos fundamentais
ganham forma De modo que podemos assegurar que hoje o nosso Estado eacute uma
organizaccedilatildeo centrada no ser humano visto que tem a dignidade da pessoa humana
como um fundamento da Repuacuteblica Federativa do Brasil
Apesar das inuacutemeras dificuldades o Estado Democraacutetico de Direito fundado
na cidadania constituiu para o povo uma nova identidade ndash o que em outras eacutepocas
natildeo existia
A Constituiccedilatildeo circunscreve toda a organizaccedilatildeo poliacutetica estatal no intuito
maior de criar no consciente coletivo a vontade livre e determinada de desenvolver
padrotildees de condutas destinados a elevar e promover a auto-estima de toda a
comunidade paacutetria
Foi nesse sentido que estatui em seu artigo 1ordm a cidadania como fundamento
do Estado Democraacutetico de Direito ampliando e enriquecendo o tal conceito Cada
eacutepoca produziu praacuteticas e reflexotildees muito distintas sobre o tema cidadania A
definiccedilatildeo de cidadania que vem sofrendo alteraccedilotildees ao longo do tempo obedecendo
a um processo histoacuterico de conquistas sociais eacute compreendida atualmente como
um processo de participaccedilatildeo do indiviacuteduo ou de um grupo organizado nas mais
variadas aacutereas de atuaccedilatildeo da sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos
e sociais
A cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia disso natildeo haacute duvidas e se
efetiva como mudanccedilas na realidade de cada um com melhoria de vida e
conscientizaccedilatildeo da importacircncia do cidadatildeo dado que eacute um processo em
permanente construccedilatildeo Natildeo haacute como defender uma qualidade de vida sem a
preservaccedilatildeo da cidadania em todos os seus acircmbitos Nesse sentido a efetiva
proteccedilatildeo desse aspecto basilar torna-se essencial no que tange uma assistecircncia
juriacutedica completa
No contraponto do direito estatildeo os deveres que encontramos sua realizaccedilatildeo
tambeacutem na participaccedilatildeo observando que o cidadatildeo eacute responsaacutevel pelo advir de
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suas accedilotildees A participaccedilatildeo reflete um caraacuteter de natildeo comodismo de atenccedilatildeo agravequilo
que eacute particular e coletivo tendo como finalidade preciacutepua o bem comum
Construir cidadania hoje eacute imperativo para a sociedade pois dessa
construccedilatildeo depende o amanhatilde Estamos diante da Constituiccedilatildeo que se propotildee a
resguardar o amanhatilde sem perder de vista que ele comeccedila hoje agora e nisso a
Carta Poliacutetica traacutes consigo a certeza do despertar dessa consciecircncia a consciecircncia
cidadatilde Ela eacute a semente plantada em terra feacutertil que gera frutos diariamente e se
renova a cada estaccedilatildeo na dinacircmica da vida Talvez tenha sido esse o cheiro de
frutas alcanccedilado pelo constituinte ao anunciar que a carta tem ldquocheiro do amanhatilderdquo
A responsabilidade pelo exerciacutecio desses direitos belissimamente elencados
depende de todos e de cada um pois somos o terreno feacutertil que produziraacute o fruto de
uma sociedade fraterna
Eacute comum na praacutetica apenas responsabilizarmos o Estado em sentido lato pelo
natildeo exerciacutecio dos direitos do cidadatildeo Vale lembrar nesse contexto das palavras de
J Kennedy o qual disse ldquonatildeo pergunte o que o Estado pode fazer por vocecirc mas o
que vocecirc pode fazer pelo Estadordquo haacute nessa frase um forte traccedilo de cidadania pois
quando o cidadatildeo reivindica critica opina o que ele daacute em contrapartida ao paiacutes eacute
solidificado visto que eacute nas relaccedilotildees familiares em comunidade que se estabelece e
se fortalece os viacutenculos de solidariedade de uma sociedade que perpetua valores
condutas que as leis reguladoras natildeo conseguem por si soacute estabelecer
A concretizaccedilatildeo do ideal de uma qualidade de vida merecida a todos os seres
humanos sem restriccedilotildees requer entretanto um esforccedilo coletivo Dessa forma haacute
necessidade de suprir as muitas carecircncias advindas das desigualdades sociais e de
condiccedilotildees do descaso do poder puacuteblico e da proacutepria conceituaccedilatildeo antiga de
cidadania que ainda eacute concebida por muitos no presente
Em suma nosso trabalho procurou traccedilar a evoluccedilatildeo da cidadania e ao
mesmo tempo buscou traccedilar uma melhor caracterizaccedilatildeo do cidadatildeo agrave luz da nossa
Constituiccedilatildeo que eacute por fim a essecircncia da Magna Carta O alcance da cidadania
enquanto mecanismo de acesso a direitos foi colocado no acircmbito da pessoa
enquanto titular de direitos e num paralelo defendemos que o municiacutepio eacute o espaccedilo
de atuaccedilatildeo e exerciacutecio de cidadania dada a proximidade do cidadatildeo com as
instituiccedilotildees oacutergatildeos entidades e tudo o mais que o cerca na esfera de vivecircncia Eacute na
praccedila que discute a poliacutetica local e nacional que se indigna com as dificuldades e as
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barreiras de acesso aos seus direitos Eacute no municiacutepio que se inicia todo um vieacutes de
desdobramento para garantir direitos
Por fim natildeo obstante resta dizer sobre o tema que os caminhos e
paradigmas que se intentou percorrer sobre cidadania como mecanismo
transformador da sociedade tem ingrediente ainda a se descortinar para o
propoacutesito valioso do bem comum Pois bem a ideia de bem comum tem como
fundamento o amor maacutexima que se estabelece por meio da democracia visto que
ldquoa demofilia o demoiacutesmo o amor do povo acima de tudo como princiacutepio ativo de
toda a sua vida poliacutetica inspirador duma sempre crescente autonomia imanente eacute
que constitui a verdadeira essecircncia da democraciardquo nas palavras de Melgareacute
(2005)
Dessa forma eacute no nuacutecleo da democracia que estaacute inscrito como pedra
angular o respeito e o amor pela pessoa humana Eacute pois um tema de larga
abrangecircncia poreacutem sem querer abreviar o caminho sua efetiva possibilidade de
realizaccedilatildeo se encontra no exerciacutecio da cidadania sem repuacutedios parciais ou exclusatildeo
de qualquer ordem na plenitude de uma cidadania para todos
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REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
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consciecircncia de que ela natildeo se limita a conquista legal de direitos mas tambeacutem a
realizaccedilatildeo desses direitos Sob pena de que a natildeo apropriaccedilatildeo desses direitos de
forma efetiva os transforma em letra morta
A consciecircncia cidadatilde perpassa a democracia os direitos sociais e o ideal
coletivo de justiccedila em sentido amplo o qual denominamos de bem comum A
vivecircncia da cidadania encontra diversas barreiras culturais e histoacutericas pois como
afirma Matos (2009)
Somos filhos e filhas de uma naccedilatildeo que nasceu sob o signo da cruz e da espada acostumados a apanhar calado a dizer sempre lsquosim senhorrsquo a lsquoengolir saposrsquo a achar lsquonormalrsquo as injusticcedilas a termos um lsquojeitinhorsquo para tudo a natildeo levar a seacuterio a coisa puacuteblica a pensar que direitos satildeo privileacutegios e exigi-los eacute ser boccedilal e metido a pensar que Deus eacute brasileiro e se as coisas estatildeo como estatildeo eacute por vontade Dele
Os direitos que hoje gozamos natildeo nos foram conferidos de maneira
harmoniosa foram conquistados E muitas vezes os compreendemos como uma
concessatildeo um favor de quem estaacute em cima para os que estatildeo em baixo da piracircmide
social e essa concepccedilatildeo errocircnea fragiliza a capacidade de organizaccedilatildeo participaccedilatildeo
e intervenccedilatildeo social que configura a cidadania
Este trabalho monograacutefico portanto tem como escopo discutir e traccedilar alguns
pressupostos que possibilitem a compreensatildeo do efetivo exerciacutecio da cidadania
como mecanismo transformador de uma sociedade (participaccedilatildeo cidadatilde nas
decisotildees da administraccedilatildeo puacuteblica que alcancem toda a coletividade)
compreendendo que a cidadania deve ser vista em todos os seus aspectos
principalmente no sentido que atraveacutes dela se almeja uma sociedade com vida
digna para todos Cidadania essa que se configurou e vem se impondo em meio a
fortes resistecircncias e combates
Para que os objetivos fossem alcanccedilados elegemos a pesquisa bibliograacutefica
como teacutecnica baacutesica para coletarmos os dados necessaacuterios Tratou-se de uma
proposta de estudo portanto de cunho eminentemente bibliograacutefico Assim sendo
as fontes da pesquisa foram as proacuteprias obras dos doutrinadores
Eacute por meio de referenciais teoacutericos como Hannah Arendt Joseacute Afonso da
Silva Norberto Bobbio Dalmo Dallari Walber Agra Celso Bandeira de Melo
Boaventura de Souza Joseacute Murilo de Carvalho entre outros expoentes da ciecircncia
juriacutedica que contextualizamos estes questionamentos e de certa maneira temos a
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pretensatildeo de contribuir para o fortalecimento do debate acadecircmico em torno de um
elemento valioso para o Estado Constitucional a cidadania
A dimensatildeo doutrinaacuteria do tema diz respeito a sua importacircncia para a aacuterea de
estudos em que se insere - o Direito Pois estudar e analisar elementos constitutivos
da cidadania significa compreender uma questatildeo que vem a cada dia tomando mais
espaccedilo nos meios acadecircmicos
Nos dias atuais em que a poacutes-modernidade permeia as relaccedilotildees juriacutedicas
propiciando a interdisciplinaridade e a flexibilidade da interpretaccedilatildeo dos dispositivos
postos o processo de discussatildeo voltado para a questatildeo da cidadania vivencia na
atualidade grande relevacircncia Nesse diapasatildeo duas consideraccedilotildees seratildeo levadas a
efeito a cidadania como um fundamento constitucional da Repuacuteblica Federativa do
Brasil de acordo com o que preceitua o inciso II do artigo 1ordm da Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 o local mais propiacutecio para o exerciacutecio efetivo da cidadania eacute o
municiacutepio onde ocorrem agraves decisotildees mais proacuteximas da comunidade em que o
individuo cidadatildeo tem maior facilidade de participaccedilatildeo nas decisotildees e por fim que
os indiviacuteduos exercem cidadania acessando a justiccedila em busca de seus direitos
Neste sentido o presente trabalho analisa algumas questotildees que estiveram e
ainda estatildeo por traacutes do desenvolvimento da foacutermula da cidadania percorrendo para
tanto desde a antiguidade ateacute o tempo presente De modo que o objetivo do
mesmo eacute analisar o processo de constituiccedilatildeo e consolidaccedilatildeo da cidadania ao longo
dos tempos como tambeacutem procura demonstrar os caminhos que de fato o conceito
de cidadania percorreu ateacute chegar agraves formulaccedilotildees da nossa eacutepoca em que passou
a ser concebida como um princiacutepio fundamental da Repuacuteblica Federativa do Brasil
Defendemos por fim que a cidadania como hoje a enxergamos eacute talvez o
uacutenico arcabouccedilo viaacutevel para a convivecircncia poliacutetica sendo certo que a sociabilidade
por traacutes da construccedilatildeo estatal precisa arrimar-se em postulados democraacuteticos e
criteacuterios de emancipaccedilatildeo da liberdade individual e coletiva os quais satildeo
pressupostos da cidadania plena
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CAPIacuteTULO 1 - NOVOS OLHARES SOBRE A CIDADANIA
A cidadania vista como uma verdadeira visatildeo democraacutetica da convivecircncia eacute
siacutembolo de todo um incessante processo desencadeado por meio de um labutar
juriacutedico-politico-cultural que vem acompanhado de vaacuterias etapas do fenocircmeno
humano na tentativa de harmonizar os interesses valores e necessidades dos
homens
Seus correspondentes mecanismos de atuaccedilatildeo na sociedade atual natildeo
surgiram como que por encanto pacificamente sem luta Brotaram apoacutes uma
semeadura ideoloacutegica em conflito com outras ideologias e doutrinas que lhe eram
contraacuterias A cidadania portanto consiste na lenta construccedilatildeo da democracia
sintetiza os esforccedilos para a obtenccedilatildeo das prerrogativas poliacuteticas sociais e culturais
que tecircm levado os membros da comunidade poliacutetica direta ou indiretamente a
decidir acerca da realidade que os cercam
Neste sentido obra de construccedilatildeo do civismo democraacutetico que vem se
fortalecendo de maneira eficaz com a promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo brasileira de
1988 a cidadania toma como ponto de partida a ideia de que o Estado democraacutetico
de Direito eacute uma conquista resultado de uma construccedilatildeo permanente da
convivecircncia sociopoliacutetica
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11 As origens da cidadania
A expressatildeo cidadania emana do termo latino civitas No entanto pode-se
encontrar suas procedecircncias intelectuais nas religiotildees da Antiguidade e nas
civilizaccedilotildees greco-romanas Polites que os romanos traduziram por cives que eacute o
soacutecio da polis ou civitas O legado greco-romano da palavra civitas nos remete agraves
noccedilotildees de liberdade igualdade e virtudes republicanas Eacute na polis grega que os
conceitos de liberdade e igualdade ganham sentido No entanto eacute importante citar
que
A participaccedilatildeo na polis ou na civitas era exclusiva de alguns homens que participavam do funcionamento da cidade-Estado eram eles os titulares de direitos poliacuteticos Eram considerados cidadatildeos apenas os homens nascidos no solo da cidade livres e iguais portadores de dois direitos inquestionaacuteveis portadores da isonomia (igualdade perante a lei) e da isegoria (o direito de expor e discutir em puacuteblico opiniotildees sobre accedilotildees que a cidade deveria ou natildeo realizar) (CHAUIacute 1994)
Ser cidadatildeo para os gregos significava antes de tudo usufruir certas
vantagens que nenhum outro homem conhecera Como afirma Minogue ldquoOs
cidadatildeos tinham riqueza beleza e inteligecircncia diversas mas como cidadatildeos eram
iguaisrdquo (1998) Foi especialmente no seacuteculo V aC que Atenas viveu seu momento
de apogeu Nesse seacuteculo especificamente desenvolveram-se as concepccedilotildees de
cidadania e democracia Em oposiccedilatildeo agrave ideia aristocraacutetica de poder o cidadatildeo
poderia e deveria atuar na vida puacuteblica independentemente da origem familiar
classe ou funccedilatildeo (ARENDT 1995)
Da mesma forma a racionalidade era conferida a uma minoria da
populaccedilatildeo exclusivamente aos homens que tinham o direito de filosofar aleacutem de
participar da academia (culto agrave beleza fiacutesica) e do poder (direito de comandar
politicamente todos os interesses da polis mediante a elaboraccedilatildeo e execuccedilatildeo de
leis e normas administrativas) Cidadatildeo segundo o teoacuterico Coulanges
Eacute todo o homem que segue a religiatildeo da cidade que honra os mesmos deuses da cidade () o que tem o direito de aproximar-se dos altares e podendo penetrar no recinto sagrado onde se realizam as assembleias assiste agraves festas acompanha as procissotildees e participa dos panegiacutericos participa dos banquetes sagrados e recebe sua parte das viacutetimas Assim esse homem no dia em que se inscreveu no registro dos cidadatildeos jurou praticar o culto dos deuses da cidade e por eles combater (2003)
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Os escravos e os baacuterbaros natildeo podiam tomar parte dos ambientes
sagrados Segundo alguns teoacutericos apenas 10 da populaccedilatildeo eram considerados
cidadatildeos em Atenas A fim de reduzir as despesas do Estado o governo restringiu o
direito de cidadania somente os filhos de pai e matildee atenienses seriam considerados
cidadatildeos As mulheres os metecos (estrangeiros) e os escravos continuaram
desprovidos de quaisquer direitos poliacuteticos A mulher era considera o ldquonatildeo serrdquo
equiparada aos escravos cuidava dos afazeres ldquodomeacutesticosrdquo servia como
instrumento de procriaccedilatildeo e natildeo participava portanto das decisotildees da polis
Aristoacuteteles descreve que mulheres e escravos eram mantidos fora da vista do
puacuteblico eram os trabalhadores que ldquocom o seu corpo cuidavam das necessidades
(fiacutesicas) da vidardquo Satildeo as mulheres que com seu corpo garantem a sobrevivecircncia
fiacutesica da espeacutecie Mulheres e escravos conforme Arendt
Pertenciam agrave mesma categoria e eram mantidos fora das vistas alheias - natildeo somente porque eram propriedade de outrem mas porque a sua vida era ldquolaboriosardquo dedicada a funccedilotildees corporais O filho de preferecircncia deveria ser do sexo masculino sendo candidato em potencial para exercer a cidadania O escravo servia de matildeo-de-obra para o sustento e manutenccedilatildeo dos cidadatildeos (1995)
Para Aristoacuteteles ser cidadatildeo diz respeito a todo aquele que eacute capaz de
tomar parte tanto no judiciaacuterio quanto no poder deliberativo da polis ldquoNenhum
caraacuteter define melhor o cidadatildeo no sentido estrito do que a participaccedilatildeo do exerciacutecio
dos poderes de juiz e magistradordquo (ARISTOacuteTELES A Poliacutetica III 16 Apud
TOURAINE 1994) O fim uacuteltimo do homem eacute viver na polis onde o homem se
realiza como cidadatildeo (politai) manifestando o processo de constituiccedilatildeo de sua
essecircncia a sua natureza Ou seja natildeo apenas viver em sociedade mas viver na
ldquopoliticidaderdquo
Para Aristoacuteteles a reflexatildeo sobre a poliacutetica eacute que ela natildeo se separa da
eacutetica pois segundo o estagirita a vida individual estaacute imbricada na vida comunitaacuteria
A razatildeo pela qual os indiviacuteduos reuacutenem-se nas cidades (e formam comunidades
poliacuteticas) natildeo eacute apenas a de viver em comum mas a de viver ldquobemrdquo ou a boa vida
Para que isso aconteccedila eacute necessaacuterio que os cidadatildeos vivam o bem comum ou em
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conjunto ou por intermeacutedio dos seus governantes se acontecer o contraacuterio (a busca
do interesse proacuteprio) estaacute formada a degeneraccedilatildeo do Estado
Por fim como afirma Correcirca (1999) ldquoa cidadania da Greacutecia Claacutessica
possui um paracircmetro muito especiacutefico de difiacutecil aceitaccedilatildeo numa concepccedilatildeo
moderna de cidadaniardquo Ou seja o que caracteriza a cidadania antiga eacute seu aspecto
limitador elitista e excludente pouco semelhante com o entendimento dos nossos
dias
Destarte como a democracia a cidadania passou por diferentes e possiacuteveis
ldquoinvenccedilotildeesrdquo em periacuteodos e espaccedilos determinados da histoacuteria e da geografia do
Ocidente Greacutecia e Roma consolidaram por seacuteculos seus sistemas de governos
possibilitando e permitindo a participaccedilatildeo de um significativo nuacutemero de cidadatildeos
Com o desaparecimento das civilizaccedilotildees claacutessicas a cidadania desaparece
juntamente e por um bom tempo ficaraacute fora de cena no Ocidente
Conforme Benevides (1994) a ideia moderna de cidadania e de direitos do
cidadatildeo tem como eacute sabido soacutelidas raiacutezes nas lutas e no imaginaacuterio da Revoluccedilatildeo
Francesa
Na continuidade da tradiccedilatildeo dos seacuteculos XVII e XVIII o contratualismo de
Locke e de Rousseau forneceu as bases filosoacuteficas do conceito de cidadania do
liberalismo e as revoluccedilotildees Inglesa Americana e Francesa que validaram seu uso
ao estabelecer um viacutenculo juriacutedico-legal entre as noccedilotildees de liberdade igualdade
fraternidade e o Estado-naccedilatildeo (MOISEacuteS 2005)
Nos seacuteculos XVIII e XIX outras correntes teoacutericas sobre o direito e a cidadania
seratildeo contempladas No entanto estas teorias vatildeo se contrapor agraves teorias do
jusnaturalismo e do contratualismo Segundo Correcirca (1999)
Para o positivismo juriacutedico (positivismo normativista de Kelsen) bem como para a Escola da Exegese e a Escola Histoacuterica o que vale eacute o ensino dogmaacutetico - as normas (exclue-se a anaacutelise interdisciplinar entre outras aacutereas principalmente com as Ciecircncias Sociais) A lei eacute a uacutenica fonte do direito Para essas escolas a cidadania eacute negada
Mais proacuteximo de noacutes no seacuteculo XX T A Marshall foi quem primeiro
discutiu o conceito de cidadania e suas dimensotildees no ensaio claacutessico ldquoCidadania e
classe socialrdquo Ainda hoje depois de mais de seis deacutecadas apoacutes a sua publicaccedilatildeo
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(em 1949) o ensaio de Marshall continua a ser a referecircncia teoacuterica fundamental
para quem comeccedila a refletir sobre a cidadania na sociedade contemporacircnea eacute o
que se pode constatar de resto atraveacutes da consulta a mais recente bibliografia
dedicada a esse tema
Os Direitos Civis dentro da tradiccedilatildeo apresentada por Marshall estatildeo
ligados aos direitos fundamentais do homem como o direito agrave vida agrave liberdade agrave
propriedade e agrave igualdade perante a lei Jaacute os Direitos Poliacuteticos se referem agrave
participaccedilatildeo do cidadatildeo no governo da sociedade Seu exerciacutecio eacute limitado a uma
reduzida parcela da populaccedilatildeo e consiste na capacidade de fazer demonstraccedilotildees
poliacuteticas formar e participar de agremiaccedilotildees poliacuteticas organizar partidos votar e ser
votado Em geral quando se fala de direitos poliacuteticos
Eacute do direito do voto que se estaacute falando Por fim aparecem os Direitos Sociais que garantem a participaccedilatildeo no governo da sociedade e na riqueza coletiva Eles incluem o direito agrave educaccedilatildeo ao trabalho ao salaacuterio justo agrave sauacutede e agrave aposentadoria (CARVALHO 2002)
Eacute a soma desses direitos (civis poliacuteticos e sociais) que garantem a
emancipaccedilatildeo humana e a justiccedila social Certamente Marshall descreveu a evoluccedilatildeo
da cidadania em seu paiacutes de origem ou seja a Inglaterra Foi nesse paiacutes que
surgiram inicialmente os direitos civis no seacuteculo XVIII depois vieram os direitos
poliacuteticos (XIX) e por fim os direitos sociais (XX) Trata-se portanto de verdadeiras
conquistas da contemporaneidade E como tal fazem parte de um cotidiano em que
homens e mulheres lutam por dias melhores pelo Direito justo por uma cidadania
plena e eficaz por uma convivecircncia equilibrada pela existecircncia plena daqueles que
acreditam e defendem os valores por traacutes da dignidade da pessoa humana
12 A construccedilatildeo da cidadania
A Cidadania natildeo pode ser vista como um conceito estaacutetico pois ela natildeo se
resume somente em participaccedilatildeo atraveacutes de eleiccedilotildees mas sim como uma
construccedilatildeo da democracia politizada e participativa da construccedilatildeo do poder
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Nas uacuteltimas deacutecadas o Brasil passou por significativas mudanccedilas de
paradigmas dentre os quais podemos citar a reconstruccedilatildeo do conceito proposto de
cidadania Pode-se dizer que apesar das inuacutemeras desigualdades socioeconocircmicas
o termo ldquocidadaniardquo evoluiu ampliando-se a abrangecircncia de sua concepccedilatildeo
abarcando todas as categorias sociais Para tanto para que possamos compreender
como vem se dando essa evoluccedilatildeo eacute preciso que conheccedilamos como tem se dado a
construccedilatildeo histoacuterica da representaccedilatildeo simboacutelica da cidadania
Durante toda a sua evoluccedilatildeo histoacuterica a palavra cidadania e as vaacuterias facetas
que ela assumiu nas uacuteltimas deacutecadas vecircm convivendo de perto com dissensotildees
sociais interesses e conflitos ideoloacutegicos culturais e poliacuteticos que se dedicam a
defender ou construir um modelo de cidadania compatiacutevel com as conjunturas de
cada tempo e de cada lugar
A marcha da cidadania sempre esteve ligada a avanccedilos retrocessos crises e
vitoacuterias enfim a iniciativas voltadas para a implantaccedilatildeo de uma estrateacutegia de luta
pelos direitos humanos pois ela esteve e estaacute em permanente construccedilatildeo eacute como
dizem os grandes teoacutericos um referencial de conquista da humanidade atraveacutes
daqueles que sempre lutaram e lutam por mais direitos mais liberdade melhores
garantias sejam elas individuais ou coletivas e natildeo se conformam frente agraves
dominaccedilotildees arrogantes de um pequeno grupo dominador e opressor contra uma
maioria desassistida e que natildeo se consegue fazer ouvir exatamente porque se lhe
nega a cidadania plena cuja conquista ainda que tardia natildeo seraacute obstada
Os caminhos trilhados pelos que defendem a cidadania podem vir a
apresentar em termos de sentimento constitucional a luta por um Estado
Democraacutetico de Direito que ajude na construccedilatildeo de uma adequada compreensatildeo
das situaccedilotildees de conjuntura e dos problemas estruturais que a sociedade enfrenta
dia apoacutes dia situaccedilotildees essas que se congregam para gerar a falta de efetividade
normativa da nossa Constituiccedilatildeo Aleacutem disso oferecem um amplo panorama acerca
dos esforccedilos que os povos empreenderam para fundar os alicerces das democracias
constitucionais do mundo moderno
A histoacuteria da construccedilatildeo da cidadania eacute uma histoacuteria de resistecircncias de povos
contra as opressotildees dos governos do desespero e das necessidades das massas eacute
a histoacuteria da esperanccedila e do empenho das naccedilotildees a histoacuteria da convivecircncia das
paixotildees humanas do futuro das geraccedilotildees eacute a histoacuteria do sofrimento e da dor eacute a
histoacuteria das vicissitudes e dramas do proacuteprio fenocircmeno humano
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13 Cidadania um fenocircmeno cultural
A cidadania eacute um fenocircmeno cultural relacionada com a conquista de direitos
com as construccedilotildees das instituiccedilotildees com a proteccedilatildeo dos direitos fundamentais e
dos valores juriacutedicos e humanos Trata-se de uma realidade cultural cuja finalidade eacute
determinar o modo como agraves pessoas devem vincular-se agraves mudanccedilas nas estruturas
sociais determinando o modo como agraves pessoas devem atuar e (com) viver em
sociedade
De certo modo a cidadania como o Direito e todos os direitos representa uma
conquista da cultura frente agrave conflitiva natureza humana Tal conclusatildeo ajuda a
compreender o Estado Democraacutetico de Direito e tudo aquilo que ele simboliza em
termos de emancipaccedilatildeo da pessoa humana Nessa linha a necessidade de
compreender o conceito atual de cidadania agrave luz das questotildees culturais e sociais
postas pela sociedade poacutes-moderna veio-nos como heranccedila do processo cultural de
formaccedilatildeo das democracias modernas
Essa representaccedilatildeo cultural da cidadania vem sendo tratada pelos
pensadores modernos sob vaacuterios enfoques Num primeiro momento surge assim
por exemplo a cidadania civil que marcou a superaccedilatildeo da situaccedilatildeo observada na
Idade Meacutedia garantindo os direitos quanto agrave liberdade e agrave justiccedila e vinculando-se
diretamente agrave burguesia Jaacute a cidadania poliacutetica surgiu com a universalizaccedilatildeo de seu
proacuteprio conceito e com a ampliaccedilatildeo dos direitos civis Esta nova consciecircncia sobre
as diferenccedilas no interior do status de cidadatildeo acentua os debates sobre a exclusatildeo
social os direitos humanos e mesmo sobre a atuaccedilatildeo poliacutetica da sociedade civil Por
outro lado no atual estaacutegio do capitalismo falar em cidadania significar considerar
igualmente as proacuteprias mudanccedilas ocorridas na sociedade nos valores e na
educaccedilatildeo proporcionados pelas inovaccedilotildees da realidade tecnocientifica
Temos desse modo associado ao atual conceito de cidadania um repertoacuterio
teoacuterico e mesmo praacutetico cuja amplitude acompanha o proacuteprio desenvolvimento das
sociedades poacutes-modernas dando a impressatildeo crescente como afirma Harvey
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De uma poderosa configuraccedilatildeo de novos sentimentos e pensamentos Que parecia a caminho de desenvolvimento social e poliacutetico apenas em virtude da maneira como definia padrotildees de criacutetica social e de praacutetica poliacutetica Em anos recentes ele vem determinando os padrotildees de debate definindo o modo do lsquodiscursorsquo e estabelecendo paracircmetros para a criacutetica cultural poliacutetica e cultural (1992)
Contudo a extensatildeo desses direitos agrave totalidade da populaccedilatildeo natildeo
possibilitou a garantia da liberdade e da igualdade idealizadas por Rousseau em sua
obra ldquoO Contrato Socialrdquo Por outro lado pode-se dizer que todos esses anos de
desenvolvimento acabaram por afirmar que a cidadania de fato soacute pode se constituir
por meio de acirrada luta cotidiana por direitos e pela garantia daqueles que jaacute
existem
Mais do que isso nota-se maior preocupaccedilatildeo com a difusatildeo desses direitos
seja por meio de educaccedilatildeo formal seja pelos meios de comunicaccedilatildeo Livros
didaacuteticos e paradidaacuteticos tecircm fomentado a discussatildeo sobre o status de cidadatildeo e os
direitos humanos outros associam ao desenvolvimento da cidadania uma
discussatildeo sobre os meios de comunicaccedilatildeo e o proacuteprio capitalismo como afirma o
professor Dalmo de Abreu Dallari em Cidadania e Direitos Humanos (1998)
Nessa perspectiva problemas recorrentes como as violaccedilotildees dos direitos
humanos as ineficiecircncias no campo social e o processo de pauperizaccedilatildeo
manifestado na periferia do capitalismo mostram que a cidadania exige mais do que
o simples ato de votar ou de pertencer a uma sociedade poliacutetica Cabe portanto agrave
sociedade civil caraacuteter representativo que substitua as pressotildees ou mesmo a
atuaccedilatildeo legiacutetima dos cidadatildeos
A evoluccedilatildeo da cidadania portanto consiste na lenta construccedilatildeo da
democracia que sintetiza os esforccedilos para a obtenccedilatildeo das prerrogativas ideoloacutegicas
e culturais que tecircm levado os membros da sociedade a decidirem acerca da
realidade que os cercam
14 Cidadania no Brasil breves consideraccedilotildees
Discorrer sobre a construccedilatildeo da cidadania no Brasil eacute tocar num ponto
crucial da nossa histoacuteria Passados mais de 500 anos da chegada dos portugueses
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por estas paragens percebe-se que a consolidaccedilatildeo da cidadania ainda eacute um desafio
para todos os brasileiros
O tema cidadania muito se tem discutido na academia e fora dela o jargatildeo
da cidadania estaacute na moda nas instituiccedilotildees poliacuteticas e juriacutedicas como tambeacutem na
opiniatildeo puacuteblica mas concretamente eacute um conceito ainda a ser construiacutedo
No contexto histoacuterico-cultural e poliacutetico dos gregos especificamente por
volta do ano 380 aC (periacuteodo do apogeu daquela civilizaccedilatildeo) embora a cidadania
fosse limitada a uma parcela social minoritaacuteria pode-se afirmar que tanto a
democracia quanto a cidadania grega natildeo deixam de ser conquistas ineacuteditas e
avanccedilos significativos para a histoacuteria ocidental Jaacute a evoluccedilatildeo e a real consolidaccedilatildeo
da cidadania na modernidade nascem a partir dos direitos naturais (vida
propriedade liberdade) do homem liberal burguecircs garantido pelas consecutivas
ldquoDeclaraccedilotildees de Direitosrdquo elaboradas a partir das revoluccedilotildees liberais na Inglaterra
(Revoluccedilatildeo Gloriosa 1688-89) Estados Unidos (Emancipaccedilatildeo poliacutetica 1776) Franccedila
(Revoluccedilatildeo Francesa)
No entanto pode-se dizer que o nosso paiacutes apesar da influecircncia dos paiacuteses
europeus vivenciou como ainda vivencia uma difiacutecil construccedilatildeo da cidadania
A longa histoacuteria do Brasil vem elencando razotildees profundas para a nossa
natildeo-cidadania atual a exemplo da conquista (ou invasatildeo) do nosso territoacuterio o
grande latifuacutendio a escravidatildeo a monocultura de exportaccedilatildeo o analfabetismo a
perpetuaccedilatildeo das elites poliacuteticas no poder fatores que refletem nos viacutecios da vida
social cultural poliacutetica e econocircmica do paiacutes
Fundamentalmente eacute preciso afirmar que no Brasil a construccedilatildeo da
cidadania natildeo seguiu a loacutegica da trajetoacuteria inglesa Houve no Brasil segundo
Carvalho (2002) pelo menos duas diferenccedilas importantes
A primeira refere-se agrave maior ecircnfase em um dos direitos o social em relaccedilatildeo aos outros a segunda refere-se agrave alteraccedilatildeo na sequecircncia em que os direitos foram adquiridos entre noacutes o social precedeu os outros
Uma das razotildees fundamentais das dificuldades da construccedilatildeo da cidadania
estaacute ligada como nos diz Carvalho ao ldquopeso do passadordquo mais especificamente ao
periacuteodo colonial (1500-1822) quando
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Os portugueses tinham construiacutedo um enorme paiacutes dotado de unidade territorial linguiacutestica cultural e religiosa Mas tinham deixado uma populaccedilatildeo analfabeta uma sociedade escravocrata uma economia monocultora e latifundiaacuteria um Estado Absolutista (CARVALHO 2002)
Em suma foram 322 anos sem poder puacuteblico sem Estado sem naccedilatildeo e
cidadania Diante de tatildeo obscuro cenaacuterio de dominaccedilatildeo opressatildeo dentre outras
formas de natildeo efetivaccedilatildeo da cidadania no Brasil podemos elencar dentre outros
tantos fatores quais foram os principais obstaacuteculos para a construccedilatildeo da cidadania
brasileira O latifuacutendio agro-exportador do periacuteodo colonial bem como o escravismo
o analfabetismo marcaram negativamente nossas origens e ateacute hoje dificultam
avanccedilos no acircmbito poliacutetico-social e econocircmico Aleacutem dessas outras razotildees foram e
continuam sendo entraves para a consolidaccedilatildeo das instituiccedilotildees poliacutetica que
impedem os avanccedilos necessaacuterios para uma cidadania plena Na ordem poliacutetica
permanecem ainda algumas mazelas histoacutericas como o patrimonialismo
(promiscuidade entre o puacuteblico e o privado) o coronelismo com sua nova roupagem
o clientelismo aleacutem da corrupccedilatildeo entre outros
Mesmo diante de tatildeo vergonhoso cenaacuterio natildeo podemos nos dispensar que
tambeacutem alcanccedilamos mesmo que de forma tiacutemida significativas conquistas de
direitos no Brasil comparadas com outros paiacuteses que vivenciaram um processo de
colonizaccedilatildeo semelhante ao nosso A conquista desses direitos deu-se de maneira
tardia e inversa haja vista que somente em 1824 mais de 320 anos apoacutes a chegada
dos portugueses foi que surgiram os primeiros direitos civis e poliacuteticos (antes disso
estaacutevamos submetidos agrave lei da coroa portuguesa) Aos poucos surgiram os direitos
sociais mas exatamente no momento em que os direitos civis e poliacuteticos estavam
sendo negados no periacuteodo da ditadura de Vargas (1937-45) e na ditadura militar
(1964-1985) Parece um paradoxo mas foi exatamente nesse periacuteodo de
conturbaccedilotildees poliacuteticas que marchamos em direccedilatildeo agrave conquista de significativos
direitos que iriam projetar uma ideia de lutas e vitoacuterias que se projetariam no campo
da cidadania de modo bastante concreto
Por fim haveremos de concordar com Benevides (1994) ao afirmar que no
intuito de reverter agrave realidade poliacutetico-social excludente ou de uma cidadania
passiva ou sem ldquopovordquo eacute necessaacuterio recorrer agrave defesa de mecanismos institucionais
22
como o referendo o plebiscito e a iniciativa popular para a construccedilatildeo do que ela
chama de uma cidadania ativa ou democracia semidireta Alguns autores veem
dificuldades na implementaccedilatildeo desse sistema em paiacuteses que estatildeo em processo de
democratizaccedilatildeo no entanto logo em seguida apontam para a educaccedilatildeo poliacutetica ndash
entendida como educaccedilatildeo para a cidadania ativa
Desse modo pode-se proferir que todos esses anos de desenvolvimento
acabaram por afirmar que a cidadania de fato soacute pode se constituir por meio de
acirrada luta cotidiana por direitos e pela garantia daqueles que jaacute existem pois
apesar da existecircncia de profundas desigualdades sociais a ideia de cidadania
evoluiu com o passar dos anos Ampliou-se a abrangecircncia de sua concepccedilatildeo
abraccedilando todas as classes sociais e minorias Deixou de restringir-se apenas agrave
participaccedilatildeo poliacutetica para relacionar uma seacuterie de deveres da sociedade para com o
cidadatildeo Na praacutetica ainda haacute muito que se fazer para que direitos e deveres sejam
os mesmos para todos No entanto a busca pela realizaccedilatildeo da maacutexima ldquocada
homem um votordquo continua a ser perseguida
A luta pela conquista plena da cidadania eacute parte integrante da democracia
uma vez que assegura a continuidade das transformaccedilotildees juriacutedicas poliacuteticas entre
outras Natildeo resta duacutevida acerca do papel estruturante que essa luta desempenha no
quadro das democracias contemporacircneas fato que a converte em uma irresistiacutevel
conquista da modernidade O caraacuteter estruturante que a cidadania projeta nos
quadros da democracia atual estaacute ligado a permanente busca de um Estado
compatiacutevel com a realidade de cada tempo histoacuterico
23
CAPIacuteTULO 2 - CIDADANIA Agrave LUZ DA CONSTITUICcedilAtildeO FEDERAL DE
1988
A Constituiccedilatildeo eacute a ordem juriacutedica fundamental da comunidade nas palavras
de Konrad Hesse (apud PALU 2001) eacute um documento juriacutedico e poliacutetico dirigido aos
cidadatildeos e estes satildeo os seus primeiros destinataacuterios A Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica eacute
a Lei fundamental composta por um conjunto de normas baacutesicas que compotildeem a
estrutura juriacutedica poliacutetica social e econocircmica de um paiacutes Essa eacute razatildeo pela qual
ela eacute chamada de Carta Magna pois a ela nada se sobrepotildee Para Dallari (1985) a
Constituiccedilatildeo
[] eacute a declaraccedilatildeo da vontade poliacutetica de um povo feita de modo solene por meio de uma lei que eacute superior a todas as outras que visando agrave proteccedilatildeo da dignidade humana estabelece os direitos e as responsabilidades fundamentais dos indiviacuteduos dos grupos sociais do povo e do governo
Desta forma uma Constituiccedilatildeo natildeo surge do nada ela eacute resultado de
observaccedilotildees e experiecircncias e sua finalidade eacute de afirmar e garantir os direitos
elementares das pessoas humanas disciplinar o uso ao mesmo tempo em que
evita o abuso de poder organizando de forma racional a sociedade e o governo
Satildeo inegaacuteveis as inovaccedilotildees teacutecnicas trazidas pela Constituiccedilatildeo Brasileira de
1988 no campo da instituiccedilatildeo garantia e proteccedilatildeo dos direitos fundamentais A
dignidade da pessoa humana e o exerciacutecio da cidadania satildeo considerados princiacutepios
fundamentais da Carta Magna Brasileira de 1988
Cidadania direito a ter direitos na acepccedilatildeo de Haberle ( apud VALADEacuteS
2009) refere-se a todos os direitos previstos na Constituiccedilatildeo de 1988 e ainda
aqueles natildeo expressos mas decorrentes do regime e dos princiacutepios por ela
adotados na dicccedilatildeo do sect 2deg art 5deg
O princiacutepio fundamental da cidadania conforme jaacute exposto impregna todo o
texto constitucional vigente a partir do art 1deg II em que figura de forma
24
exponencial relativamente ao Estado brasileiro e tudo que lhe corresponda no
exerciacutecio de um poder que adquire significaccedilatildeo renovada e amplificada na
sociedade contemporacircnea Segundo Arendt
A cidadania eacute o direito a ter direitos pois a igualdade em dignidade e direitos dos seres humanos natildeo eacute um dado Eacute um construiacutedo da convivecircncia coletiva que requer o acesso ao espaccedilo puacuteblico Eacute este acesso ao espaccedilo puacuteblico que permite a construccedilatildeo de um mundo comum atraveacutes do processo de asserccedilatildeo dos direitos humanos
Nesse diapasatildeo o direito a ter direitos compreende o pleno acesso ao
espaccedilo puacuteblico o efetivo exerciacutecio do poder poliacutetico das prerrogativas inerentes agrave
cidadania conforme explicita a Constituiccedilatildeo no art 5deg LXXI a propoacutesito do
mandado de injunccedilatildeo no dizer todo direito atribuiacutedo com o caraacuteter de exclusividade
agrave pessoa
21 Estado Democraacutetico de Direito espaccedilo de cidadania
Apoacutes a eacutepoca de grandes restriccedilotildees militares o ato de promulgaccedilatildeo da
Constituiccedilatildeo Federal em 05 de outubro de 1988 vem marcar uma nova fase de
esperanccedila para os brasileiros Ao batizaacute-la de Constituiccedilatildeo cidadatilde a Assembleia
Nacional Constituinte atraveacutes de seu presidente o Deputado Ulisses Guimaratildees
resumiu o espiacuterito do texto constitucional assegurar aos brasileiros direitos sociais
essenciais ao exerciacutecio da cidadania e estabelecer mecanismos para garantir o
cumprimento de tais direitos
O que se viu a partir de entatildeo foi uma lenta poreacutem significativa mudanccedila na
sociedade brasileira A Constituiccedilatildeo Federal que eacute sem duacutevidas um marco na
histoacuteria do paiacutes traccedila a prioridade dada pelos constituintes aos direitos dos
brasileiros que pode ser observada em todas as questotildees
A Carta faz uma ampliaccedilatildeo dos direitos individuais sociais e poliacuteticos e como
se observa a inserccedilatildeo dos direitos sociais como segundo tiacutetulo revela a primazia
que o constituinte quis daacute a estes direitos em detrimento de todos os outros
incluindo os referentes agrave organizaccedilatildeo do Estado e dos Poderes que vecircm depois
25
Ao contraacuterio do que ocorreu com as Constituiccedilotildees anteriores esse
ordenamento dos capiacutetulos parece revelar que a Carta eacute o prenuacutencio de um paiacutes em
que os direitos dos cidadatildeos formam a base do ordenamento do Estado Essa ideia
foi expressa pelo presidente da Assembleacuteia Constituinte deputado Ulysses
Guimaratildees que voltamos a citar quando anunciou
Diferentemente das sete constituiccedilotildees anteriores esta comeccedila com o homem De modo gratificante testemunha a primazia do homem que foi escrita para o homem que o homem eacute seu fim e sua esperanccedila Eacute a Constituiccedilatildeo cidadatilde
A Constituiccedilatildeo nasceu da constataccedilatildeo de que o figurino juriacutedico formulado
para o Brasil desde os primoacuterdios do Estado nacional natildeo se compatibilizava com as
necessidades dos brasileiros Houve avanccedilos na formalizaccedilatildeo da Lei Magna
especialmente no tocante aos direitos de cidadania mas estamos longe do ideal
preconizado pela carta cidadatilde O que nos leva a crer que a cidadania eacute um processo
diaacuterio e permanente de construccedilatildeo Pois natildeo basta garantir o direito eacute preciso
exercecirc-lo
A cidadania abraccedilada pela atual Constituiccedilatildeo Federal Brasileira teve seu
conteuacutedo ampliado e natildeo se restringe ao simples fato de possuir um tiacutetulo de eleitor
para votar e ser votado ela estabelece cidadania como princiacutepio fundamental da
Repuacuteblica do Brasil desta forma o conceito decorrente pode ser entendido
conforme preleciona Silva (2005) ldquocidadania estaacute aqui num sentido mais amplo do
que o de titular de direitos poliacuteticos Qualifica os participantes da vida do Estado
reconhecimento do indiviacuteduo como pessoa integrada a sociedade estatalrdquo
Tal conceito nos leva a relacionar cidadania com democracia uma vez que
optou-se pelo Estado Democraacutetico de Direito o qual assenta seus alicerces na
participaccedilatildeo popular em questotildees que envolvem a coisa puacuteblica Para Moraes
(2005) esse Estado de Direito ldquosignifica a exigecircncia de reger-se por normas
democraacuteticas com eleiccedilotildees livres perioacutedicas e pelo povo bem como o respeito das
autoridades puacuteblicas aos direitos e garantias fundamentaisrdquo
O propoacutesito da opccedilatildeo pelo Estado Democraacutetico de Direito eacute que a cidadania e
os demais direitos fundamentais fluam com plenitude talvez seja o que justifique a
denominaccedilatildeo da Carta Magna de cidadatilde pois o povo passa a atuar de forma mais
ativa na vida poliacutetica do Estado uma vez que a ele foi concedido esse poder
26
A cidadania portanto soacute adquire pleno significado no mundo contemporacircneo
num Estado Democraacutetico de Direito para tanto exige um ambiente de vida e de
conviacutevio entre os homens tiacutepico e proacuteprio de um Estado Democraacutetico pois a
cidadania constitui fundamento primordial daquele Estado qual seja possibilitar aos
indiviacuteduos habitantes de um paiacutes o seu pleno desenvolvimento atraveacutes do alcance
de igual dignidade social e econocircmica
Segundo Rozicki (2005) O ambiente de vida social do Estado Democraacutetico
cujos pilares se encontram na efetividade dos direitos fundamentais da pessoa
humana em uma sociedade solidaacuteria soacute eacute possiacutevel atraveacutes da observaccedilatildeo de alguns
postulados que lhe satildeo essenciais os quais a autora denomina de pressupostos do
Estado democraacutetico de Direito
1)a valorizaccedilatildeo e atualidade da dignidade do homem e o reconhecimento da importacircncia de dispensar a todos tratamento fraternal igualitaacuterio e natildeo discriminativo 2) a confianccedila nos talentos e possibilidades latentes dos homens 3) a seguranccedila e o creacutedito nos valores institucionalizados pelas massas como fundamentos para o progresso do bem comum e o alcance da justiccedila 4) a aceitaccedilatildeo da legitimidade das decisotildees tomadas por meio de processos racionais e participativos de deliberaccedilatildeo com o consenso da maioria que constitui o reflexo o resultado de debates livres entre todos 5) o respeito aos grupos minoritaacuterios 6) e a compreensatildeo de que todo o interesse geral eacute a siacutentese dos diversos interesses e ideacuteias dos indiviacuteduos e dos grupos diferentes centros de poder que integram a sociedade pluralista
Percebe-se que o conceito amplo de cidadania encontra seus princiacutepios
baacutesicos e estruturantes nesses pressupostos intimamente ligado aos conceitos de
democracia e de igualdade No tocante ao conceito de igualdade elucidativa eacute a
liccedilatildeo de Rozicki (2005) quando afirma que
O princiacutepio de igualdade disciplina todas as atividades puacuteblicas e tem aplicaccedilatildeo direta nas relaccedilotildees privadas que ocorrem entre os particulares impondo para tornaacute-lo real a proibiccedilatildeo de discriminaccedilotildees e a eliminaccedilatildeo das desigualdades faacuteticas nos planos social e econocircmico proporcionando a todos os cidadatildeos igual condiccedilatildeo de vida e mesma posiccedilatildeo perante o Estado Democraacutetico
E complementa que tambeacutem para a realizaccedilatildeo da cidadania o princiacutepio
democraacutetico torna indispensaacutevel agrave participaccedilatildeo popular nas tomadas de decisatildeo No
seu entender
27
A cidadania no Estado democraacutetico de direito efetivada oferece aos cidadatildeos como iguais condiccedilotildees de existecircncia o gozo atual de direitos e a obrigaccedilatildeo do cumprimento de deveres que resumidamente podem ser assim apresentados exerciacutecio de direitos fundamentais e participaccedilatildeo e os deveres de colaboraccedilatildeo e solidariedade (Rozicki 2005)
Natildeo obstante eacute vaacutelido ressaltar um princiacutepio igualmente importante e deveras
esquecido a fraternidade Este princiacutepio que eacute um dos trecircs pilares da Revoluccedilatildeo
Francesa eacute pouco discutido apesar de assumir um papel decisivo na consolidaccedilatildeo
da democracia da politica e do poder
A fraternidade eacute necessaacuteria para o estabelecimento de uma comunidade
politicamente solidaacuteria com indiviacuteduos iguais e livres
Para finalmente concebermos um Estado Democraacutetico de Direito que trate os
iguais na medida de suas desigualdades
22 Os direitos fundamentais como pressupostos de identidade da cidadania
Os direitos fundamentais vistos como um dos traccedilos mais marcante do
constitucionalismo moderno consistem no resultado da luta dos homens por um
direito ideal justo e humano representam situaccedilotildees reconhecidas juridicamente
sem as quais o homem eacute incapaz de alcanccedilar sua proacutepria realizaccedilatildeo e
desenvolvimento plenamente daiacute dizer-se que o princiacutepio preponderante que
condensa os direitos fundamentais eacute o da dignidade da pessoa humana
Os direitos fundamentais satildeo o conjunto de normas de um ordenamento juriacutedico que formam um subsistema deste fundado na liberdade na igualdade na seguridade na solidariedade expressotildees da dignidade do homem que formam parte da norma baacutesica material de identificaccedilatildeo do ordenamento juriacutedico e constitui um setor de moralidade procedimental positivada que legitima o Estado Social de Direito (MARTINEZ apud AGRA 2002)
Tais direitos foram e vatildeo sendo aperfeiccediloados e estendidos ao longo do
tempo resta dizer que os mesmos estabelecem faculdades da pessoa humana que
permitem sua breve classificaccedilatildeo do seguinte modo 1) os direitos civis e poliacuteticos
de liberdade como por exemplo a liberdade de expressatildeo de propriedade de
28
manifestaccedilatildeo do pensamento de associaccedilatildeo de imprensa de reuniatildeo de igualdade
formal perante a lei de participaccedilatildeo poliacutetica o devido processo legal o habeas
corpus o direito de peticcedilatildeo etc 2) os direitos sociais econocircmicos e culturais de
participaccedilatildeo poliacutetica tais como a igualdade de sufraacutegio o direito de voto e de
elegibilidade o direito de peticcedilatildeo e os direitos de participaccedilatildeo poliacutetica 3) os direitos
da titularidade coletiva que satildeo aqueles ligados a solidariedade e a fraternidade
como por exemplo o direito agrave preservaccedilatildeo do meio ambiente e agrave qualidade de vida
etc 4) os direitos chamados de quarta geraccedilatildeo por exemplo direito a democracia a
informaccedilatildeo ao comeacutercio eletrocircnico entre os estados etc
Natildeo existe qualquer relaccedilatildeo hieraacuterquica entre estes direitos mesmo porque
todos interagem entre si de nada servindo um sem a existecircncia dos outros Esta
divisatildeo acontece devido agrave eterna e constante busca do homem por mais proteccedilatildeo
mais garantia com o objetivo de alcanccedilar uma sociedade mais justa igualitaacuteria e
fraterna
Na evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais Agra (2002) chama a atenccedilatildeo do
relevo que adquirem a democratizaccedilatildeo da informaccedilatildeo e os mecanismos de
democracia participativa E justifica que a democratizaccedilatildeo da informaccedilatildeo natildeo se
caracteriza apenas pela existecircncia de uma miacutedia plural sem nenhum tipo de
monopoacutelio mas deve ser concebida como a obrigaccedilatildeo que todos os cidadatildeos tecircm
de tomar consciecircncia dos graves problemas que afligem a humanidade e que os
mecanismos da democracia participativa concebem a cidadania em extensatildeo muito
superior ao voto abrangendo a interferecircncia direta do cidadatildeo nas decisotildees
governamentais mediante vaacuterios mecanismos juriacutedicos como o plebiscito o recall o
orccedilamento participativo etc
De acordo com Silva (2005) os Direitos Fundamentais na Constituiccedilatildeo de
1988 abrangem os ldquodireitos individuais sociais poliacuteticos e tambeacutem os direitos
econocircmicos Para o autor a ampliaccedilatildeo e transformaccedilatildeo dos direitos fundamentais
do homem na histoacuteria dificultam uma definiccedilatildeo sinteacutetica do conceitordquo
Essa dificuldade aumenta diante do emprego de vaacuterias expressotildees para
designaacute-los tais como direitos naturais direitos humanos direitos do homem
direitos individuais direitos puacuteblicos subjetivos liberdades fundamentais liberdades
puacuteblicas e direitos fundamentais do homem No entanto direitos fundamentais do
homem constitui a expressatildeo mais adequada porque na palavra fundamentais
acha-se a indicaccedilatildeo de que se trata de situaccedilotildees sem as quais o indiviacuteduo natildeo tem
29
uma vida digna natildeo convive e agraves vezes nem mesmo sobrevive A expressatildeo
direitos fundamentais eacute a mais precisa no sentido de que a todos por igual devem
ser natildeo apenas formalmente reconhecidos mas concreta e materialmente
efetivados
Por sua vez a atual Corte em julgamento do habeas corpus (HC ndeg
82424RS) marca seu posicionamento no tocante ao sistema de direitos
fundamentais insculpido na Constituiccedilatildeo de 1988 atraveacutes dos profundos e bem
fundamentados votos dos Ministros que aleacutem de delimitarem a extensatildeo e os limites
da liberdade de expressatildeo (art 5o IV e IX) acabaram indicando as bases filosoacuteficas
e juriacutedicas para a interpretaccedilatildeo do cataacutelogo de direitos fundamentais da Constituiccedilatildeo
de 1988
Nesse sentido o voto do Ministro Marco Aureacutelio tratou de definir o sistema de
direitos fundamentais como a ldquoproacutepria essecircncia da Constituiccedilatildeordquo qualificando-os
como ldquovalores objetivos que servem como norte da atuaccedilatildeo estatalrdquo Assim estaacute
consignado nos fundamentos do referido voto
A Constituiccedilatildeo de 1988 representou um divisor de aacuteguas entre o antigo regime totalitaacuterio e um periacuteodo de redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes marcando dessa forma uma eacutepoca que tem como modelo de atuaccedilatildeo do Estado o respeito incondicional aos direitos fundamentais Por isso mesmo o sistema constitucional dos direitos fundamentais previsto no artigo 5o da Carta com os eventuais acreacutescimos do sect 2o reflete em rigor e em larga medida a proacutepria essecircncia da Constituiccedilatildeo e a retomada do processo de democratizaccedilatildeo e da garantia do cidadatildeo contra abusos e arbitrariedades no exerciacutecio do Poder Puacuteblico Os direitos fundamentais satildeo hoje verdadeiros princiacutepios estruturantes da organizaccedilatildeo e do funcionamento do Estado valores objetivos que servem como norte da atuaccedilatildeo estatal em seus mais diferentes niacuteveis no Legislativo formam um cataacutelogo de princiacutepios e garantias que informam e direcionam toda a atividade de criaccedilatildeo das normas de nosso ordenamento juriacutedico e de concretizaccedilatildeo dos preceitos constitucionais no Executivo mostram-se como verdadeiros limites ao exerciacutecio do poder administrativo servindo como trincheiras de proteccedilatildeo da liberdade do cidadatildeo e no judiciaacuterio refletem a base e o fundamento necessaacuterio da compreensatildeo e interpretaccedilatildeo de nossas normas ndash efeito interpretativo - evitando que a atividade jurisdicional se transforme em medidas discricionaacuterias ou providecircncias ilegiacutetimas de opccedilotildees poliacuteticas pautadas em escolhas pessoais dos juiacutezes
Tudo indica que se trata do iniacutecio de uma soacutelida construccedilatildeo jurisprudencial a
respeito do sentido axioloacutegico do sistema de direitos fundamentais da Constituiccedilatildeo
de 1988
30
Os Direitos Individuais satildeo de exerciacutecio exclusivo do indiviacuteduo e devem ser
formalmente reconhecidos e concretizados no cotidiano do cidadatildeo O indiviacuteduo aqui
eacute considerado um sujeito de direitos e natildeo apenas como integrante de um corpo
social Esses direitos natildeo podem sofrer nenhum tipo de restriccedilatildeo natildeo se
discriminando quem os pode exercer uma vez que satildeo titulares todas as pessoas
capazes incapazes brasileiras estrangeiras alfabetizadas e iletradas
A Constituiccedilatildeo Cidadatilde foi a primeira a estabelecer direitos natildeo soacute de
indiviacuteduos mas tambeacutem de grupos sociais os denominados direitos coletivos Com
isso as pessoas passaram a ser coletivamente consideradas Os direitos individuais
e coletivos estatildeo anunciados no art 5ordm em setenta e sete incisos e em dois
paraacutegrafos
Verifica-se que os Direitos Individuais tecircm como ponto marcante a liberdade
seja ela tomada de maneira global ou especiacutefica como liberdade de associaccedilatildeo de
reuniatildeo A liberdade de reuniatildeo (art 5ordm XVI) constitui-se na primeira e mais simples
liberdade corporativa estando logo apoacutes a liberdade de locomoccedilatildeo
Os Direitos Sociais tecircm como titular uma coletividade e satildeo caracterizados
pela prestaccedilatildeo de serviccedilos ou oferecimento de melhorias para a sociedade como um
todo por parte do Poder Puacuteblico Assim os Direitos Sociais tornam possiacutevel a fruiccedilatildeo
e o exerciacutecio dos Direitos Individuais pela coletividade mesmo pelos carentes
materialmente
O art 6deg define os Direitos Sociais da seguinte maneira ldquoSatildeo Direitos Sociais
a educaccedilatildeo a sauacutede o trabalho a moradia o lazer a seguranccedila a previdecircncia
social a proteccedilatildeo agrave maternidade e agrave infacircncia a assistecircncia aos desamparados na
forma desta Constituiccedilatildeordquo
Portanto eacute obrigatoacuteria ao Estado a proteccedilatildeo dos interesses da coletividade
com o atendimento dos direitos acima citados
Satildeo direitos poliacuteticos os que conferem o acesso da populaccedilatildeo agrave participaccedilatildeo
no Poder do Estado tais como os direitos de votar e ser votado do referendo
plebiscito e iniciativa popular das leis O direito democraacutetico de participaccedilatildeo dos
cidadatildeos no governo por meio de seus representantes exigiu a formaccedilatildeo de um
conjunto de normas legais permanentes que recebeu a denominaccedilatildeo de direitos
poliacuteticos Os Direitos Poliacuteticos amparam os Direitos Individuais Sociais e
Econocircmicos pois quando desaparece a democracia desaparecem imediatamente
as liberdades fundamentais
31
Com o advento da Constituiccedilatildeo de 1988 foram criadas instituiccedilotildees para
fiscalizar e controlar a atuaccedilatildeo da administraccedilatildeo puacuteblica entre as quais o Ministeacuterio
Puacuteblico que funciona como um canal de expressatildeo dos direitos da populaccedilatildeo
O Ministeacuterio Puacuteblico foi a instituiccedilatildeo que mais ganhou importacircncia no cenaacuterio
puacuteblico por ter passado a defender os interesses coletivos ou seja os interesses de
um grupo categoria ou classe e natildeo de um indiviacuteduo isolado No artigo 127 o
Ministeacuterio Puacutebico (MP) eacute definido como ldquouma instituiccedilatildeo permanente essencial agrave
funccedilatildeo jurisdicional do Estado incumbindo-lhe a defesa da ordem juriacutedica do regime
democraacutetico e dos interesses sociais e individuais indispensaacuteveisrdquo
Cabe ao Ministeacuterio Puacuteblico exigir dos poderes puacuteblicos e dos serviccedilos de
relevacircncia puacuteblica respeito aos direitos elencados na Constituiccedilatildeo promovendo as
medidas necessaacuterias agrave garantia desses direitos Portanto eacute responsaacutevel pela
garantia da ordem juriacutedica do regime democraacutetico da moralidade puacuteblica e dos
direitos sociais e individuais
23 A consagraccedilatildeo dos direitos do cidadatildeo
A Constituiccedilatildeo de 1988 eacute o coroamento da histoacuteria constitucional do Brasil por
ter sido um marco da redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes opondo-se a qualquer forma de
autoritarismo Nela a cidadania foi consagrada como um dos fundamentos da
Repuacuteblica Federativa do Brasil (art 1ordm inc II) Observe-se que o termo cidadania
encontra-se na Constituiccedilatildeo em sentido mais amplo do que o de titular de direitos
poliacuteticos pois qualifica os participantes da vida do Estado e reconhece o indiviacuteduo
como pessoa integrada na sociedade estatal
Essa nova concepccedilatildeo de cidadania introduzida pela Constituiccedilatildeo Federal de
1988 eacute fruto da internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos e como marco principal da
institucionalizaccedilatildeo erigiu em seu artigo primeiro a dignidade da pessoa humana (inc
III) e a cidadania (incII) a princiacutepio fundamental
Institui com o princiacutepio da cidadania uma nova compreensatildeo acerca dos
direitos de deveres da pessoa elevado-o a status maacuteximo a regra-matriz que natildeo
pode ser desrespeitada pois os fundamentos constituem a essecircncia da Repuacuteblica
32
Federativa e servem como regra-matriz para a elaboraccedilatildeo interpretaccedilatildeo e
integraccedilatildeo do sistema juriacutedico nacional
Violar um princiacutepio eacute muito grave que transgredir uma norma qualquer A desatenccedilatildeo ao principio implica ofensa natildeo apenas a um especifico mandamento obrigatoacuterio mas a todo o sistema de comandos Eacute a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade representa insurgecircncia contra todo o sistema subversatildeo de valores fundamentais (MELLO apud CHIMENTI 2005 P 33)
Para Silva (2004) cidadania eacute discriminada como princiacutepio relativo ao regime
poliacutetico Dessa forma compreendida cidadania como princiacutepio fundamental eacute o
direito de participar dos destinos do Estado e mais usufruir dos direitos civis
fundamentais previstos na Constituiccedilatildeo
Muitos doutrinadores utilizam cidadania no mesmo sentido de nacionalidade
(Art 12 da Constituiccedilatildeo Federal) e de direitos poliacuteticos (Art 14) Em alguns outros
dispositivos a palavra cidadania (ou cidadatildeo) poderia ainda ter a significaccedilatildeo de
direitos poliacuteticos mas mesmo assim de forma impliacutecita a exemplo dos arts 22 XIII
e 5ordm LXXIII No primeiro se lecirc que compete agrave Uniatildeo legislar sobre nacionalidade
cidadania e naturalizaccedilatildeo e no segundo que qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima
para propor accedilatildeo popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de
entidade de que o Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e
ao patrimocircnio histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de
custas judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia No entanto conforme Mazzuoli (2002)
Observe-se que a Carta de 1988 ao tratar no seu art 14 dos direitos poliacuteticos natildeo se refere sequer em um momento agrave expressatildeo cidadania dizendo apenas que a soberania popular seraacute exercida pelo sufraacutegio universal e pelo voto direito e secreto com valor igual para todos (hellip) Pelo contraacuterio a Constituiccedilatildeo faz uma separaccedilatildeo entre cidadania e direitos poliacuteticos quando no seu art 68 sect 1ordm II ao tratar das leis delegadas exclui do acircmbito da delegaccedilatildeo legislativa a nacionalidade cidadania direitos individuais poliacuteticos e eleitorais
A Constituiccedilatildeo brasileira de 1988 com a transiccedilatildeo para o regime democraacutetico
consagrou expressamente esta nova concepccedilatildeo de cidadania como se depreende
da leitura de vaacuterios dos seus dispositivos
Foi nesse sentido que pioneiramente estatuiu a Carta de 1988 em seu art
1ordm que a Repuacuteblica Federativa do Brasil formada pela uniatildeo indissoluacutevel dos
33
Estados e Municiacutepios e do Distrito Federal constitui-se em Estado Democraacutetico de
Direito e tem como fundamentos dentre outros a cidadania (inc II) Como jaacute
mencionado
Na mesma esteira o disposto no art 5ordm incisos LXXI (conceder-se-aacute
mandado de injunccedilatildeo sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviaacutevel o
exerciacutecio dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes agrave
nacionalidade agrave soberania e agrave cidadania) e LXXVII (satildeo gratuitas as accedilotildees de
habeas-corpus e habeas-data e na forma da lei os atos necessaacuterios ao exerciacutecio
da cidadania) No seu Tiacutetulo VIII Capiacutetulo II Seccedilatildeo I a Carta Magna de 1988
dispotildee ainda que a
Educaccedilatildeo direito de todos e dever do Estado e da famiacutelia seraacute promovida e incentivada com a colaboraccedilatildeo da sociedade visando ao pleno desenvolvimento da pessoa seu preparo para o exerciacutecio da cidadania e sua qualificaccedilatildeo para o trabalho (art 205)
Outro dispositivo em que fica bastante marcada esta nova concepccedilatildeo de
cidadania eacute o art 64 do Ato das Disposiccedilotildees Constitucionais Transitoacuterias que
dispotildee
A Imprensa Nacional e demais graacuteficas da Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios da administraccedilatildeo direta ou indireta inclusive fundaccedilotildees instituiacutedas e mantidas pelo Poder Puacuteblico promoveratildeo ediccedilatildeo popular do texto integral da Constituiccedilatildeo que seraacute posta agrave disposiccedilatildeo das escolas e dos cartoacuterios dos sindicatos dos quarteacuteis das igrejas e de outras instituiccedilotildees representativas da comunidade gratuitamente de modo que cada cidadatildeo brasileiro possa receber do Estado um exemplar da Constituiccedilatildeo do Brasil
Enfim a Constituiccedilatildeo de 1988 enriqueceu e ampliou os conceitos de cidadatildeo
e cidadania Seu entendimento agora como leciona Silva (2005)
Decorre da ideia de Constituiccedilatildeo dirigente que natildeo eacute apenas um repositoacuterio de programas vagos a serem cumpridos mas constitui um sistema de previsatildeo de direitos sociais mais ou menos eficazes em torno dos quais eacute que se vem construindo a nova ideacuteia de cidadania
De forma que natildeo mais se trata de considerar a cidadania como simples
qualidade de gozar direitos poliacuteticos mas sim de aferir-lhe um nuacutecleo miacutenimo e
irredutiacutevel de direitos (fundamentais) que devem se impor obrigatoriamente agrave accedilatildeo
dos poderes puacuteblicos
34
O ordenamento juriacutedico brasileiro consagrou aleacutem dos institutos jaacute
mencionados alguns outros mecanismos de defesa dos direitos e garantias
constitucionais da cidadania como a accedilatildeo civil puacuteblica regulada pela Lei nordm
734785 e accedilatildeo direta de inconstitucionalidade prevista no incIV do art 129 da
Constituiccedilatildeo Federal O Coacutedigo de Defesa do Consumidor o Estatuto da Crianccedila e
do Adolescente e ateacute mesmo o princiacutepio do devido processo legal que resguarda ao
cidadatildeo o acesso agrave justiccedila e direito de ser acionado judicialmente por meio de
procedimentos legais satildeo mecanismos de defesa dos direitos de cidadania
previstos constitucionalmente e garantidos na esfera poliacutetica civil e social
Pode-se observar que a cidadania comeccedilou a ser construiacuteda como resultado
de um processo de luta a partir da conscientizaccedilatildeo dos direitos e deveres do
homem Como vimos a cidadania jaacute em praacutetica em muitos paiacuteses adquire no
Brasil com a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 um novo sentido qual seja o
pressuposto do exerciacutecio pleno de um sistema de direitos e garantias
35
CAPIacuteTULO 3 - CIDADANIA COMO MECANISMO DE
TRANSFORMACcedilAtildeO SOCIAL
No momento em que a cidadania alccedila voos constitucionais e insere-se na
Carta Poliacutetica da Repuacuteblica Federativa do Brasil inicia-se o processo de
redemocratizaccedilatildeo e ganha relevo o cidadatildeo agente deste processo que tem em
suas matildeos a tarefa da construccedilatildeo de um novo tempo
Historicamente a ideia de cidadatildeo conotava o habitante da cidade ndash o
citadino ndash firma-se entatildeo tal conotaccedilatildeo na Antiguumlidade claacutessica para depois
significar aquele indiviacuteduo a quem se atribuem os direitos poliacuteticos Superada essa
acepccedilatildeo que tambeacutem vigorou nas constituiccedilotildees anteriores da Repuacuteblica do Brasil
na concepccedilatildeo moderna estaacute clara a noccedilatildeo de cidadatildeo como aquele que a quem
consiste a titularidade de direitos individuais poliacuteticos e sociais Noccedilatildeo esta
edificada com a internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos que amplia a acepccedilatildeo do
termo declarando que satildeo cidadatildeos todo aquele que habita o acircmbito da soberania
de um Estado e deste Estado recebem uma carga de direitos e tambeacutem deveres dos
mais variados
Desta forma a noccedilatildeo contemporacircnea de cidadania funda-se na dicotomia
direitos (exerciacutecios de direitos fundamentais - participaccedilatildeo) e deveres (colaboraccedilatildeo -
solidariedade) Ao lado dos direitos foram estabelecidos deveres fundamentais e
portanto tanto agentes puacuteblicos como os indiviacuteduos tecircm obrigaccedilotildees especiacuteficas
inclusive a de respeitar os direitos das demais pessoas que vivem na ordem social
sendo e promovendo mecanismos de transformaccedilatildeo social que visam uma nova
sociedade baseada na igualdade e na justiccedila
36
31 O ser cidadatildeo
Os termos indiviacuteduo ser humano pessoa e cidadatildeo satildeo geralmente tomados
como sinocircnimo o que certamente influi na proliferaccedilatildeo de incontaacuteveis significados e
ampliaccedilatildeo do termo cidadatildeo Poreacutem estas palavras apesar de se assemelharem
possuem carga semacircntica proacutepria e da compreensatildeo exata de cada uma decorre a
conceituaccedilatildeo mais acentuada da acepccedilatildeo do termo cidadatildeo como titular de direitos
e deveres resguardados pela constituiccedilatildeo paacutetria
Desta forma indiviacuteduo eacute um representante da espeacutecie aquele que eacute uacutenico
Enquanto ser humano eacute um termo mais geneacuterico ou indeterminado que diz respeito
agrave espeacutecie agrave classificaccedilatildeo ao mundo zooloacutegico Pessoa por sua vez eacute um termo
mais especiacutefico que tem a ver com o mundo civilizado ou se preferirmos com a
constelaccedilatildeo dos valores morais eacuteticos e juriacutedicos proacuteprios da civilizaccedilatildeo
A etimologia da palavra pessoa demonstra que eacute um conceito sobreposto ao conceito de Ser Humano Um refratildeo de origem juriacutedica tambeacutem nos lembra do homo plures pessoa polimorfa o ser humano capaz de desempenhar muitos papeacuteis um mesmo ser humano eacute empresaacuterio e delinquumlente eacute pai e metaluacutergico etc Persona (personagem) era a maacutescara que usavam os atores da trageacutedia grega para desempenhar seu papel Cabe portanto entender o conceito de Ser Humano ao lado do conceito de Pessoa No direito romano antigo os escravos eram seres humanos (homens) mas natildeo eram consideradas pessoas (patriacutecios) Os juristas romanos que usavam o conceito de Ser Humano o dissociavam do conceito de pessoas (CUNHA 2007)
O Ser Humano recebe uma distinccedilatildeo importante quando o consideramos
como Pessoa assim como a Pessoa recebe uma distinccedilatildeo redundante natildeo menos
importante quando a consideramos por forccedila de expressatildeo como uma pessoa
humana Subentendendo o adjetivo humano como relativo agrave eacutetica Portanto Ser
Humano natildeo eacute a mesma coisa que Pessoa como tampouco Ser Humano eacute o
mesmo que cidadatildeo este muito eacute mais proacuteximo do termo Pessoa Vejamos o quadro
ilustrativo que esquematiza e distinguem os referidos conceitos
37
QUADRO 1 ndash EVOLUCcedilAtildeO DO SER HUMANO ATEacute O CIDADAtildeO
O Ser Humano O Ser Indiviacuteduo O Ser Pessoa O Ser Cidadatildeo
A Dimensatildeo do conviacutevio social
A dimensatildeo do mercado de trabalho e
Consumo
A Dimensatildeo de encontrar-se no mundo
A dimensatildeo de intervir na realidade
O homem tornar-se Ser Humano nas relaccedilotildees
de conviacutevio social
O Ser Humano tornar-se indiviacuteduo quando
descobre seu papel e funccedilatildeo social
O Indiviacuteduo torna-se pessoa quanto toma
consciecircncia de si mesmo do outro e do
mundo
A pessoa torna-se cidadatildeo quando
interveacutem na realidade em que vive
Quem estuda o comportamento do Ser
Humano Seria a antropologia a histoacuteria
ou a sociologia
Quem estuda o comportamento do indiviacuteduo Seria a
Filosofia a sociologia ou a Psicologia
Quem estuda o comportamento da pessoa Seria a
Filosofia a sociologia ou a Psicologia
Quem estuda o comportamento do cidadatildeo Seria a
Sociologia a Filosofia ou As ciecircncias
poliacuteticas
Quem garante os direitos do Ser
Humano A Declaraccedilatildeo Universal
dos Direitos Humanos
Quem garante os Direitos do
Consumidor O Coacutedigo do Consumidor
Quem garante os Direitos da pessoa A proacutepria pessoa (amor proacuteprio ou autoestima)
Quem garante os Direitos do cidadatildeo (A Constituiccedilatildeo e suas leis
regulamentares)
Existe realmente uma natureza humana Teologicamente
afirmamos que existe a uma natureza humana
Seguindo a corrente existencialista (JP Sartre) negamos tal
natureza
Que diferenccedila existe entre o direito do
consumidor e o direito do cidadatildeo Ao
Consumidor deve ser dado o direito de
propriedade enquanto ao cidadatildeo deve ser
dado o direito de acesso
O que significa tornar-se pessoa no niacutevel
psicoloacutegico e social A pessoa eacute o indiviacuteduo que toma consciecircncia de si mesmo (ldquoTornar-
se Pessoardquo de Karl Roger)
Como podemos intervir na realidade
modificando as estruturas corruptas e injustas Quando os
direitos do cidadatildeo lhe satildeo oferecidos e o
mesmo passa a exercecirc-lo haacute
modificaccedilatildeo de comportamento
(ROSAS 2009)
O cidadatildeo eacute portanto aquele indiviacuteduo a quem a Constituiccedilatildeo confere direitos
e garantias e lhe daacute o poder do seu efetivo exerciacutecio aleacutem de meios processuais
eficientes contra a violaccedilatildeo de seu gozo ou fruiccedilatildeo por parte do poder puacuteblico
Sendo assim
A passagem do indiviacuteduo a cidadatildeo caracteriza-se pelo reconhecimento pela lei de direitos considerados fundamentais agrave realizaccedilatildeo da vida do homem como indiviacuteduo e ser social membro de uma comunidade poliacutetica e a garantia desses direitos pela forccedila comum de todos (CUNHA 2007)
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Nas uacuteltimas deacutecadas em alguns paiacuteses inclusive no Brasil desenvolveu-se o
conceito de cidadania calcado principalmente na questatildeo do cidadatildeo-consumidor
As pessoas passam a ser vistas como cidadatildes desde que tenham dinheiro para
adquirir mercadorias e utilizar serviccedilos Eacute certo pois que serviccedilos e mercadorias
atendem a necessidades materiais e simboacutelicas das pessoas e consumi-los eacute um
dos modos de participar da vida social criar identidade e partilhar dos bens
produzidos pela humanidade e representar-se culturalmente Contudo a cidadania
enfatizada apenas como uma relaccedilatildeo de compra e venda de mercadorias e serviccedilos
assume um conteuacutedo restrito individual conformista e voltado apenas para a
aquisiccedilatildeo de bens o que se relaciona com a ideacuteia de indiviacuteduo ou seja o consumo
atende as necessidades do indiviacuteduo
Outra forma de confusatildeo acerca do conceito de cidadatildeocidadania refere-se a
equiparaccedilatildeo feita com o assistencialismo o que configura uma acentuada inversatildeo
do termo uma vez que a praacutetica do assistencialismo natildeo propicia meios de
superaccedilatildeo das desigualdades sociais Enquanto a cidadania estaacute relacionada agrave
superaccedilatildeo das desigualdades sociais e a extensatildeo da garantia dos direitos de todos
O cidadatildeo eacute sem duacutevida uma expressatildeo que precisa ser adequadamente
utilizada e vivenciada pela coletividade compreendido na dimensatildeo do ser pessoa
de ter direitos e deveres do assumir as suas liberdades e responsabilidades no seio
de uma comunidade democraacutetica equitativa solidaacuteria e intercultural
Dessa forma ser cidadatildeo implica saber viver em sociedade estando ciente
dos anseios comuns A participaccedilatildeo ativa nas decisotildees de sua comunidade
influencia modos de vida de maneira positiva ao seu redor assim torna-se
imprescindiacutevel o exerciacutecio dos direitos constitucionais adquiridos e lutar pelos que
viratildeo eacute sobretudo estar consciente de todas as atitudes tomadas em prol da
sociedade
Eacute possiacutevel nesse espaccedilo de discussatildeo falar em ldquoestar cidadatildeordquo que eacute natildeo
praticar o exerciacutecio da cidadania em nenhuma de suas formas Implica apenas em
se deixar levar pelos acontecimentos e ainda reclamar das situaccedilotildees vividas sem
nada fazer para mudar sem nenhuma perspectiva de futuro Do que concluiacutemos que
a dinacircmica de intervir na realidade eacute pressuposto de cidadania
Ser cidadatildeo eacute tarefa que requer muito do ser humano do individuo da
pessoa Requer uma alta - estima elevada uma consciecircncia solidaacuteria uma
39
identidade que se reconheccedila na dinacircmica social interagindo com o outro ampliando
debates incitando justiccedila eacute sem duvida uma tomada de posiccedilatildeo que natildeo se
acomoda pelo contraacuterio se incomoda quando natildeo haacute comprometimento para o bem
comum
Natildeo eacute uma tarefa cocircmoda senatildeo muito complicada as pessoas natildeo nascem cidadatildeos mas fazem-se no tempo e no espaccedilo Na verdade natildeo eacute faacutecil exercer a liberdade e a cidadania ndash ser pessoa e ser cidadatildeo ndash por isso exige-se uma luta sem treacuteguas para erradicar assimetrias e exclusotildees socioculturais e criar cenaacuterios de esperanccedila realizaacuteveis fundamentados em valores e princiacutepios eacuteticos que requalifiquem a democracia com cidadatildeos participativos e
comprometidos ( SAEZ 1995)
Tem portanto como pressuposto uma mudanccedila de comportamento uma
tomada de posiccedilatildeo frente agrave dinacircmica social na qual estaacute inserido participando de
forma ativa e produtiva do processo de construccedilatildeo da cidadania por meio de seus
diversos canais
32 Emancipaccedilatildeo social atraveacutes da cidadania
Um Estado Democraacutetico eacute aquele que estaacute enraizado na legitimidade do
poder do povo e dele decorre seu exerciacutecio Assim o poder do povo eacute a expressatildeo
a aptidatildeo de homens e mulheres constituir autonomamente seu viver sem sucumbir
diante das instacircncias de poder Haacute nesse modus vivendi uma tutela das diferenccedilas e
pluralidades de formas de vida
Desta forma a cidadania eacute enfocada como o processo de participaccedilatildeo do
individuo ou de um grupo organizado nas mais variadas aacutereas de atuaccedilatildeo na
sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos sociais com a consciecircncia
da responsabilidade por sua proacutepria histoacuteria
Sendo a democracia o regime em que o povo governa sua caracteriacutestica
inarredaacutevel eacute a de ter o povo agrave frente do poder uma forma de autogoverno Em
assim sendo a cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia por meio de resultados
palpaacuteveis e medidas concretas tais como mudanccedilas na realidade de cada um com
melhoria de vida e conscientizaccedilatildeo da importacircncia na sociedade para o exerciacutecio
40
direto ou indireto desse poder pois se contentar com fato do direito estaacute prescrito
em lei natildeo eacute o bastante
Eacute certo poreacutem que o Estado democraacutetico somente se aperfeiccediloa na
proporccedilatildeo em que o povo age ativamente na medida em que os representantes
reflitam em seus atos os verdadeiros anseios populares Partindo dessa visatildeo a
cidadania eacute o grande fator de legitimaccedilatildeo do povo permitindo que ele aja em defesa
das instituiccedilotildees democraacuteticas
Sobre a participaccedilatildeo cumpre asseverar que este direito significa a
capacidade de ser consultado para as tomadas de decisatildeo que dizem respeito agrave
direccedilatildeo da sociedade em que vive o cidadatildeo este direito eacute acompanhado do
respeito aos deveres de contribuir para o progresso social e de acatar e respeitar o
resultado obtido em consulta coletiva
No elenco de mecanismo de exerciacutecio da cidadania estaacute o acesso ao direito e
a justiccedila que eacute fator preponderante para efetivar as garantias constitucionais
Assim passaremos a discorrer sobre a importacircncia de instrumentalizar o
cidadatildeo para um pleno exerciacutecio de seus direitos
Eacute Sabido que no Estado Democraacutetico Contemporacircneo os direitos
fundamentais constitucionalmente assegurados tecircm eficaacutecia imediata cumprindo ao
Estado garantir a todos os cidadatildeos o respeito a esses Direitos de modo concreto e
efetivo natildeo obstante as inuacutemeras desigualdades e condiccedilotildees adversas que
dificultam na praacutetica o seu exerciacutecio
Para o acesso ao direito o Estado deve desenvolver com eficiecircncia uma seacuterie
de atividades essenciais e dar efetividade a uma seacuterie de pressupostos Dentre eles
o principal eacute o conhecimento do Direito como fator preponderante pois o
desconhecimento da lei implica na praacutetica natildeo acionar a jurisdiccedilatildeo Um fato que
contribui para essa assertiva eacute baixa escolaridade da populaccedilatildeo e o analfabetismo
Muito pouco adianta a existecircncia de uma Constituiccedilatildeo apenas formal ou no
papel se ilegiacutetima ou desrespeitada Para que ocorra a eficaacutecia das normas
dispostas numa Constituiccedilatildeo ou melhor para que passe da teoria agrave praacutetica eacute
essencial que comandados e comandantes tenham conhecimento dos seus direitos
e responsabilidades assim como dos instrumentos juriacutedicos para efetivaacute-los (leis
regulamentadoras) O exerciacutecio da cidadania natildeo eacute somente um direito mas eacute
tambeacutem um dever de todos pois a omissatildeo de cada um contribui com as injusticcedilas e
as impunidades tatildeo presentes nos dias atuais
41
A Constituiccedilatildeo quando eacute justa e legiacutetima e principalmente quando eacute
respeitada eacute um poderoso instrumento de promoccedilatildeo e desenvolvimento social e
humano
Outro fator que deve ser considerado eacute a miserabilidade que coloca inuacutemeros
brasileiros a margem da sociedade em situaccedilatildeo precaacuteria os quais para Pinsky
(2004) ldquodesprovidos de esperanccedila de projeto de qualquer perspectiva de inclusatildeo
[] recorrer agrave Justiccedila humana parece algo irrealizaacutevel sofisticado e inteiramente
ficcionalrdquo
Desta forma o primeiro passo para concretizar os direitos previstos
constitucionalmente eacute a formaccedilatildeo do cidadatildeo atraveacutes da Educaccedilatildeo Baacutesica
infundindo-lhe a consciecircncia dos seus direitos e tambeacutem dos seus deveres sociais
bem como dos valores humanos fundamentais que devem ser por todos respeitados
na vida em sociedade A universalizaccedilatildeo do ensino fundamental a oferta obrigatoacuteria
de educaccedilatildeo infantil pelo Estado e o crescimento da oferta do ensino meacutedio satildeo
alguns dos aspectos que merecem destaques e foi devido agrave determinaccedilatildeo
constitucional de estabelecer o caraacuteter obrigatoacuterio do ensino fundamental e de
responsabilizar o Estado por sua implementaccedilatildeo que tem iniacutecio o processo de
avanccedilo desse segmento
A Constituiccedilatildeo estabeleceu de forma mais clara o papel dos entes federados
na educaccedilatildeo Tambeacutem aumentou a participaccedilatildeo orccedilamentaacuteria destinada ao setor
Com as novas regras para distribuiccedilatildeo de recursos adotadas apoacutes a promulgaccedilatildeo
da Carta os municiacutepios voltam a interessar-se pela educaccedilatildeo fundamental e o paiacutes
atinge a universalizaccedilatildeo do setor o que se busca agora satildeo mecanismos para
garantir a qualidade no ensino
O segundo passo nessa dinacircmica eacute o oferecimento a todos os cidadatildeos de
condiccedilotildees miacutenimas de sobrevivecircncia e de existecircncia condignas atraveacutes do acesso
ao trabalho produtivo livremente escolhido e do pagamento de remuneraccedilatildeo capaz
de prover ao sustento do trabalhador e de sua famiacutelia
Para milhotildees de cidadatildeos que vivem na ignoracircncia e na miseacuteria nenhuma
utilidade ou eficaacutecia tecircm os inuacutemeros direitos constitucionalmente assegurados Para
aqueles que se habituaram a retirar proventos da mendicacircncia da prostituiccedilatildeo de
atividades iliacutecitas ou aqueles que se sentiram forccedilados a sujeitar-se agrave exploraccedilatildeo de
outrem para sobreviver natildeo haacute nenhuma crenccedila na dignidade da pessoa humana e
no valor social do trabalho
42
A pobreza engendra inuacutemeras relaccedilotildees de dominaccedilatildeo entre pessoas e entre grupos sociais As habitaccedilotildees subumanas da periferia das grandes cidades no Brasil constituem verdadeiros quistos sociais terras sem lei controladas por xerifes ou por quadrilhas de malfeitores O Estado que natildeo for capaz de dotar essas comunidades do acesso efetivo agrave Educaccedilatildeo agrave Sauacutede agrave Seguranccedila e agrave Paz Puacuteblicas e ao trabalho liacutecito certamente natildeo lhes estaraacute assegurando o acesso ao Direito porque a populaccedilatildeo abrutalhada pela miseacuteria e coagida pelo medo natildeo desfruta da miacutenima eficaacutecia concreta dos
seus direitos fundamentais (GRECO 2009)
Evidencia que acesso ao Direito nas sociedades modernas mesmo nas
economicamente desenvolvidas exige o fortalecimento dos grupos intermediaacuterios e
do associativismo O cidadatildeo natildeo estaacute mais em condiccedilotildees de defender-se
individualmente das ameaccedilas e lesotildees aos seus direitos perpetradas por pessoas ou
grupos que se encontram em posiccedilatildeo de vantagem nas relaccedilotildees econocircmicas e
sociais
O sindicato veio exercer este importante papel em relaccedilatildeo ao trabalhador
empregado Mas hoje as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo natildeo satildeo apenas as que existem no
mundo do trabalho mas as que se revelam em todos os tipos de relaccedilotildees humanas
relaccedilotildees de consumo relaccedilotildees de vizinhanccedila relaccedilotildees locatiacutecias relaccedilotildees
comerciais internas e internacionais e natildeo com menor relevacircncia relaccedilotildees entre os
particulares e o Estado entre outras
Eacute preciso assegurar esse equiliacutebrio na praacutetica o que somente tornar-se-aacute
possiacutevel atraveacutes da articulaccedilatildeo dos sujeitos que se encontram em posiccedilatildeo de
desvantagem em organizaccedilotildees e associaccedilotildees que pela uniatildeo de esforccedilos
consigam compensar o desequiliacutebrio existente e dar aos indiviacuteduos e grupos a forccedila
e a capa de proteccedilatildeo necessaacuterias para ombrearem-se aos seus adversaacuterios e
lutarem pelos seus direitos ou interesses em igualdade de condiccedilotildees
Para Greco (2009) o pressuposto indispensaacutevel do acesso ao Direito eacute a
transparecircncia do Estado no trato de questotildees que possam afetar a esfera de
interesses dos cidadatildeos e complementa que aos cidadatildeos eacute indispensaacutevel
assegurar o direito de influir eficazmente nas decisotildees do poder puacuteblico atraveacutes dos
mais diversos instrumentos de participaccedilatildeo democraacutetica Ele afirma que
A relaccedilatildeo Estado-cidadatildeo natildeo eacute mais a relaccedilatildeo soberano-suacutedito O cidadatildeo tem o direito de exigir do Estado o pleno respeito ao seu
43
patrimocircnio juriacutedico Lamentavelmente a crise do Estado tem levado o Brasil a aceitar-se como normal que as pessoas juriacutedicas de Direito Puacuteblico natildeo cumpram devidamente as prestaccedilotildees positivas de que satildeo devedoras perante os particulares cabendo a estes demandar na Justiccedila para obtecirc-las (GRECO 2009)
Essa visatildeo deformada da responsabilidade do Estado ocorre o
desvirtuamento da justiccedila Por outro lado agrave violaccedilatildeo da garantia constitucional da
tutela jurisdicional efetiva (Constituiccedilatildeo artigo 5 inciso XXXV) disciplina a lei natildeo
excluiraacute da apreciaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio lesatildeo ou ameaccedila ao direito Assim o
acesso ao Direito natildeo estaraacute concretamente assegurado se o Estado natildeo oferecer a
todo cidadatildeo a possibilidade de receber aconselhamento juriacutedico a respeito dos seus
direitos
Constituiccedilatildeo de 1988 no artigo 5deg inciso LXXIV assegurou a todos
ldquoassistecircncia juriacutedicardquo a englobar assistecircncia judiciaacuteria e assessoramento juriacutedico
extrajudicial Conforme Greco (2009) ldquoeacute preciso que esse direito seja assegurado
na praacutetica Uma vez que na vida moderna o Direito tornou-se excessivamente
complexordquo Ainda no dizer do autor a consciecircncia juriacutedica do homem comum que
deve ser adquirida na famiacutelia e na escola natildeo eacute mais suficiente para a tomada de
decisotildees na vida diaacuteria das pessoas Todas as pessoas mantecircm complexas relaccedilotildees
juriacutedicas com instituiccedilotildees financeiras com fornecedores de bens e de serviccedilos etc
Nessas relaccedilotildees juriacutedicas com frequecircncia os cidadatildeos tecircm de tomar decisotildees
raacutepidas O cidadatildeo que tem meios procura um advogado particular para assessoraacute-
lo Ao pobre o Estado deve assegurar o mesmo direito em plenitude
Sem duacutevida o uacuteltimo pressuposto do acesso ao Direito eacute o acesso agrave Justiccedila
no sentido de acesso a um tribunal estatal imparcial previamente instituiacutedo como
competente para a soluccedilatildeo de qualquer litiacutegio a respeito de interesse que se afirme
juridicamente protegido ou para a praacutetica de qualquer ato que a lei subordine agrave
aprovaccedilatildeo autorizaccedilatildeo ou homologaccedilatildeo judicial
Se o cidadatildeo tem consciecircncia dos seus direitos se o Estado lhe fornece
todas as condiccedilotildees para livremente exercecirc-los mas algum outro cidadatildeo ou algum
oacutergatildeo do proacuteprio Estado impede ou dificulta esse exerciacutecio cabe ao poder puacuteblico
pocircr agrave disposiccedilatildeo do cidadatildeo lesionado ou ameaccedilado a jurisdiccedilatildeo necessaacuteria para
assegurar o pleno acesso a tal direito
Atingimos eacute certo um estaacutegio de desenvolvimento do Direito Humanitaacuterio que
natildeo mais nos permite conformar-nos com uma realidade distante do padratildeo de
44
convivecircncia humana que outras naccedilotildees jaacute alcanccedilaram O exerciacutecio pleno de
cidadania seraacute obra de mais de uma geraccedilatildeo Mas se trabalharmos com firmeza
certamente os jovens de hoje poderatildeo legar aos seus descendentes a emancipaccedilatildeo
cidadatilde um paiacutes melhor e uma sociedade mais justa e democraacutetica
33 O municiacutepio como acircmbito de exerciacutecio de cidadania
Historicamente o Municiacutepio enquanto unidade poliacutetico-administrativa surgiu
conforme descreve Berardi (2004) com a Repuacuteblica Romana interessada em
manter a dominaccedilatildeo paciacutefica das cidades conquistadas pela forccedila dos exeacutercitos
Sua origem mais de natureza socioloacutegica do que poliacutetica adveacutem do espiacuterito
associativo do homem e de suas relaccedilotildees de vizinhanccedila
Eacute pois a menor unidade territorial de Federaccedilatildeo cuja criaccedilatildeo reflete a base
da organizaccedilatildeo poliacutetica administrativa da Naccedilatildeo Portanto sua funccedilatildeo administrativa
historicamente vem assentada no princiacutepio do direito natural
O artigo primeiro da Constituiccedilatildeo Federal de 1998 estabelece que o
Municiacutepio ao lado dos Estados e do Distrito Federal formam a Republica Federativa
do Brasil que se constitui em Estado Democraacutetico de Direito O municiacutepio tem assim
um poder relevante para a aplicaccedilatildeo da democracia direta iniciada e fortalecida em
niacutevel local Diversos pensadores chegaram a afirmar que a descentralizaccedilatildeo de
poder resultante da constituiccedilatildeo Cidadatilde era antes de tudo uma conquista dos
Municiacutepios sendo eles os berccedilos da perpetuaccedilatildeo da Repuacuteblica e da Democracia
efetivamente por serem o uacutenico niacutevel de governo possuidores de respaldo e
localizaccedilatildeo fiacutesica ou seja solo municipal
Eacute certo que a Carta Magna de 1988 consolidou significativas inovaccedilotildees para a
vida municipal de forma que o Municiacutepio passou a constituir um dos entes da
federaccedilatildeo tratando-o como unidade dotada de autonomia poliacutetica expressa na
capacidade de poder elaborar a sua Lei Orgacircnica fugindo assim da tutela dos
estados que ateacute entatildeo eram considerados como uacutenicos componentes da federaccedilatildeo
45
A Lei Orgacircnica Municipal traz em seu bojo aleacutem da organizaccedilatildeo
administrativa do Municiacutepio a restauraccedilatildeo do Poder Legislativo municipal definindo
a diversificaccedilatildeo normativa que natildeo existia nas leis organizacionais outorgadas pelo
Estado reflexo do poder constituinte outorgados aos Municiacutepios pela Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 como consequecircncia do efetivo exerciacutecio do conceito de Estado
Democraacutetico de Direito
O Municiacutepio enquanto ente federativo tem atualmente a responsabilidade de
ordenar o seu desenvolvimento social e a garantia do bem estar de seus habitantes
executando poliacuteticas puacuteblicas de accedilotildees a serem empreendidas na consolidaccedilatildeo
democraacutetica do Estado
Fundada no elemento participaccedilatildeo o exerciacutecio de cidadania amplamente
citado encontra sua efetividade no municiacutepio Pois eacute nesse acircmbito de localizaccedilatildeo
que as pessoas mantecircm um contato direto com os poderes instituiacutedos suas
necessidades imediatas e mediatas satildeo objetos da disciplina da Lei que visa o bem
comum base do Estado democraacutetico de Direito
Baseado na maacutexima do municipalista e defensor da descentralizaccedilatildeo poliacutetica
Franco Motoro sabiamente proferiu que ldquoningueacutem vive na Uniatildeo ou no Estado As
pessoas vivem no Municiacutepiordquo Assim a cidadania encontra seu melhor espaccedilo de
realizaccedilatildeo na comunidade onde convive A vida em comunidade gera anseios
comuns sentimentos comuns uma vez que a convivecircncia propicia que as pessoas
se conheccedilam e se reconheccedilam como membros de uma mesma realidade
De acordo com Harvey (1992) ldquoa globalizaccedilatildeo provoca anonimato enquanto
comunidade cultiva solidariedaderdquo o que implica participaccedilatildeo para o exerciacutecio de
cidadania
Tudo o que acontece no mundo seja no meu paiacutes na minha cidade ou no meu bairro acontece comigo Entatildeo eu preciso participar das decisotildees que interferem na minha vida Um cidadatildeo com um sentimento eacutetico forte e consciecircncia da cidadania natildeo deixa passar nada natildeo abre matildeo desse poder de participaccedilatildeo (Herbert de Souza Betinho)
Com esse embasamento natildeo se pode perder de vista que eacute nas relaccedilotildees
diaacuterias de oposiccedilatildeo ou solidariedade que as pessoas exercem cidadania Na relaccedilatildeo
do com o outro com os poderes ao estabelecer com a vida social e puacuteblica uma
46
convivecircncia posto que cidadania eacute tarefa que natildeo termina natildeo eacute um conceito
pronto tatildeo pouco acabado enquanto seres inacabados que somos estaremos
buscando descobrindo criando e tomando consciecircncia mais ampla dos direitos
O desafio eacute construir um novo discurso sobre cidadania atraveacutes de uma
praacutetica poliacutetica sustentada isto eacute realizada em dois niacuteveis
O primeiro niacutevel na base atraveacutes de construccedilatildeo das capacidades e do poder
proacuteprio da populaccedilatildeo o que envolve inevitavelmente uma mudanccedila de atitude na
busca para garantir seus direitos utilizando-se do grau de autonomia local
Essa atitude conceberia agrave democracia participativa como uma poliacutetica paralela
de intervenccedilatildeo social criando e mantendo novos espaccedilos para a tomada de
decisotildees ou seja para o auto-governo pela populaccedilatildeo nas mateacuterias que afetam
diretamente suas vidas
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade
O segundo niacutevel um governo com o povo e natildeo apenas para o povo fundado
nos ditames constitucionais valorizando o sentimento da sociedade no exerciacutecio da
governabilidade de modo que o balizamento das accedilotildees de governo deixaria de estar
no proacuteprio governo e passaria a estabelecer-se a partir do pensar da sociedade Um
governo que se pergunta o que se deve fazer para ouvir com a maior fidelidade
possiacutevel a sociedade suas instituiccedilotildees representativas e o cidadatildeo Pois as
prioridades da gestatildeo deveriam ser definidas pela sociedade e natildeo mais pelo
governo
Portanto nesses termos eacute preciso considerar que as praacuteticas da
administraccedilatildeo puacuteblica sejam democratizadoras e inclusivas inspiradas nos
princiacutepios da legalidade impessoalidade moralidade publicidade e eficiecircncia Esta
uacuteltima buscou estabelecer uma Administraccedilatildeo Puacuteblica mais eficiente no sentido de
que o cidadatildeo como destinataacuterio dos serviccedilos puacuteblicos que o Estado deve prestar
receba-os com maior qualidade e menor custo para o eraacuterio puacuteblico
Para a consecuccedilatildeo desse governar com o povo alguns pontos devem ser
revistos A mudanccedila implica na necessidade de adequaccedilatildeo reorganizaccedilatildeo
47
reformulaccedilatildeo Para isso se faz premente em face dos novos e modernos conceitos
de gestatildeo puacuteblica a superaccedilatildeo do tradicional vezo burocraacutetico que vem convertendo
a Administraccedilatildeo nas palavras Dromi (1995) numa cara ldquomaacutequina de impedirrdquo fiel
ldquocoacutedigo do fracassordquo que dispotildee ldquoartigo primeiro natildeo pode artigo segundo em
caso de duacutevida abstenha-se artigo terceiro se eacute urgente espere artigo quarto
sempre eacute mais prudente natildeo fazer nadardquo numa posiccedilatildeo natildeo burocraacutetica e sim
democraacutetica de considerar que organizaccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica inclui a
praacutetica de ver os cidadatildeos como membros plenos da comunidade poliacutetica tendo
acesso e exercitando direitos as que promovem a organizaccedilatildeo da populaccedilatildeo em
torno de temas de interesse comum as que incluem o controle social sobre a
gestatildeo o debate amplo e informado sobre questotildees de governo e que abrem agrave
populaccedilatildeo as decisotildees sobre estas questotildees Como leciona e Barrientos (2000)
Tratam-se de praacuteticas que natildeo buscam somente melhorar a eficiecircncia administrativa das diferentes organizaccedilotildees puacuteblicas mas que incorporam no seu processo de gestatildeo a dimensatildeo ativa da cidadania isto eacute ldquoque facilitam as iniciativas e responsabilidades de todos os envolvidos[] estabelecendo pontes entre Estado e sociedade civil
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade Acreditamos
que o ponto de partida eacute a atitude aliada agrave solidariedade e ao espiacuterito coletivo Pois
governo e cidadatildeos juntos haveratildeo de cumprir um novo papel no processo de
desenvolvimento como agentes de uma nova cultura
Como afirma Peter Drucke
A parceria comunitaacuteria seraacute um dos verdadeiros setores em crescimento das economias desenvolvidas Surge da necessidade de uma participaccedilatildeo mais direta e efetiva da comunidade nas grandes questotildees da vida social pois natildeo existe ningueacutem melhor que o cidadatildeo para saber o que ele quer para si para sua famiacutelia e para sua comunidade (apud RAMOS 1990)
48
O envolvimento efetivo da sociedade nas questotildees sociais natildeo eacute apenas uma
postura moderna Significa antes de tudo uma atitude digna de todos aqueles que
desejam exercer sua cidadania contribuindo para um paiacutes melhor e em especial
para uma sociedade mais justa fraterna e solidaacuteria
Na histoacuteria observa-se a grande coragem das pessoas em construir o
reconhecimento delas proacuteprias e de seus direitos sempre buscando a participaccedilatildeo e
defendendo os Direitos Humanos Sem duacutevida a maior ecircnfase que deve ocorrer
para a construccedilatildeo real da cidadania eacute uma mudanccedila na sociedade O melhor a ser
feito eacute reforccedilar a organizaccedilatildeo democraacutetica buscando novas formas de participaccedilatildeo
social pois cidadania natildeo se resume ao poder de votar ou ser votado mas eacute sempre
na efetiva participaccedilatildeo popular pois somente com isso haacute a verdadeira
conscientizaccedilatildeo e o comprometimento daquele que passa a se sentir cidadatildeo
abandonando-se velhos viacutecios da poliacutetica representativa
Desse modo a participaccedilatildeo do povo no momento das reivindicaccedilotildees das
discussotildees e apreciaccedilotildees de projetos que visem agrave melhoria da comunidade local a
exigecircncia de transparecircncia na administraccedilatildeo da coisa puacuteblica dentre outras eacute quem
daraacute embasamento para as verdadeiras conquistas sociais no Municiacutepio que geram
saudaacuteveis formas de pressatildeo por efetivas poliacuteticas puacuteblicas de inclusatildeo social
gerando o fim do clientelismo poliacutetico tatildeo pejorativo e comum em nossa realidade e
cultura poliacutetica
Somente a participaccedilatildeo social eacute que iraacute causar uma real democratizaccedilatildeo do
poder A afirmaccedilatildeo da cidadania eacute pressuposto para a realizaccedilatildeo dos Direitos
Humanos pois os homens natildeo nascem naturalmente iguais Inclusive para que
ocorra a realizaccedilatildeo dos referidos direitos eacute necessaacuterio tambeacutem que exista um
espaccedilo puacuteblico que seja realmente democraacutetico e acessiacutevel possibilitando a
participaccedilatildeo de todos e esse espaccedilo eacute certamente o municiacutepio
Na praacutetica um forte instrumento de cidadania para atender as necessidades
coletivas eacute o orccedilamento participativo previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal que
determina expressamente a realizaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas e a participaccedilatildeo
popular nos processos de elaboraccedilatildeo e conduccedilatildeo dos orccedilamentos como forma de
incentivo agrave preparaccedilatildeo e execuccedilatildeo de planejamentos que envolvam diretamente o
povo A Lei veio incentivar a sua propagaccedilatildeo para todos os entes federativos tendo
em conta que se trata de uma tendecircncia mundial por legitimar as escolhas e
fortalecer o princiacutepio da transparecircncia
49
Os meios de acesso do cidadatildeo junto aos Poderes Puacuteblicos eacute uma realidade
no Estado Democraacutetico de Direito brasileiro a exemplo das sessotildees do Poder
Legislativo que satildeo puacuteblicas ficando abertas a todos que delas quiserem participar
Emite-se uma pauta antes do comeccedilo da sessatildeo com a preacutevia dos debates Em
niacutevel municipal verifica-se um acompanhamento mais incisivo sobre as sessotildees das
Cacircmaras de Vereadores como forma de pressatildeo para aprovaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees
da comunidade avaliaccedilatildeo do desempenho e aceitaccedilatildeo de propostas orccedilamentaacuterias
e atuaccedilatildeo dos poliacuteticos bem como entendimento das funccedilotildees do Poder Legislativo
A Constituiccedilatildeo Federal assegura desde 1988 a possibilidade de se oferecer
peticcedilatildeo agraves Mesas Legislativas como forma de pedir informaccedilotildees sobre andamento
de projetos ou relatoacuterios encaminhados aos chefes do Poder Executivo Em niacutevel
municipal pode ser utilizada a Tribuna Livre como instrumento para denuacutencias de
problemas ou discussatildeo de um tema ou mesmo para apresentar sugestotildees sendo
regulado pela Lei Orgacircnica Municipal e pelo Regimento Interno da Cacircmara
A convocaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas tambeacutem possui previsatildeo constitucional
no art 58 sect 20 inciso II em niacutevel federal As comissotildees podem em razatildeo da
mateacuteria de sua competecircncia realizar audiecircncias puacuteblicas com entidades da
sociedade civil E nada obsta que estejam previstas formas de articulaccedilatildeo da
sociedade civil com os Presidentes das Comissotildees da Cacircmara no seu Regimento
Interno em acircmbito municipal
Os dispositivos da Constituiccedilatildeo Federal que dispotildeem sobre a forma de
participaccedilatildeo direta do cidadatildeo e da sociedade civil no processo democraacutetico natildeo se
pode negar que trouxe novas perspectivas De modo geral podemos citar
Art 29 A lei orgacircnica dos Municiacutepios tem que observar entre os seus
preceitos ldquocooperaccedilatildeo das associaccedilotildees representativas no planejamento municipalrdquo
Art 31 As contas dos municiacutepios ficaratildeo durante 60 (sessenta) dias
anualmente a disposiccedilatildeo de qualquer contribuinte para exame e apreciaccedilatildeo o qual
poderaacute questionar-lhes a legitimidade nos termos da lei
Art37 sect 3ordm (EC-1998) A lei disciplinaraacute as formas de participaccedilatildeo do usuaacuterio
na administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta regulando especialmente
I- as reclamaccedilotildees relativas a prestaccedilatildeo dos serviccedilos puacuteblicos em geral asseguradas
a manutenccedilatildeo de serviccedilo de atendimento ao usuaacuterio e a avaliaccedilatildeo perioacutedica externa
e interna da qualidade dos serviccedilos
50
II- o acesso dos usuaacuterios a registros administrativos e a informaccedilatildeo sobre atos de
governo observado o disposto no art 5ordm X e XXXIII
III- a disciplina da representaccedilatildeo conta o exerciacutecio negligente ou abusivo de cargo
emprego ou funccedilatildeo na administraccedilatildeo puacuteblica
Art 74 sect 2ordm Qualquer cidadatildeo partido poliacutetico associaccedilatildeo ou sindicato eacute
parte legiacutetima para na forma de lei denunciar irregularidades ou ilegalidades perante
o Tribunal de Contas da Uniatildeo
Art194 paraacutegrafo uacutenico Compete ao Poder Puacuteblico nos termos da lei
organizar a seguridade social com base nos seguintes objetivos ()
VII ndash caraacuteter democraacutetivo descentralizado na administraccedilatildeo mediante gestatildeo
quadripartite com participaccedilatildeo dos trabalhadores dos empregados e dos
aposentados e do Governo nos oacutergatildeos colegiados nos oacutergatildeos colegiados
Art 198 As accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede integram uma rede
regionalizada e hierarquizada o constituem um sistema uacutenico organizado de acordo
com as seguintes diretrizes
III ndash participaccedilatildeo da comunidade
Art 202 sect 6ordm A lei complementa a que se refere o sect 4ordm deste artigo
estabeleceraacute os requisitos para a designaccedilatildeo dos membros das diretorias das
entidades fechadas de previdecircncia privada e disciplinaraacute a inserccedilatildeo dos
participantes nos colegiados e instacircncias de decisatildeo em que seus interesses sejam
objeto de discussatildeo e deliberaccedilatildeo
Art 204 As accedilotildees governamentais na aacuterea de assistecircncia social seratildeo
organizadas com base nas seguintes diretrizes
II ndash Participaccedilatildeo da populaccedilatildeo por meio de organizaccedilotildees representativas na
formulaccedilatildeo das poliacuteticas e no controle das accedilotildees em todos os niacuteveis
O protagonista na concretizaccedilatildeo dos direitos humanos e na ampliaccedilatildeo da cidadania eacute um sujeito coletivo de um trabalho sempre inacabado eis que se tratam de tarefas e conquistas cotidianas e gradativas obras que soacute podem ser realizada a muitas matildeos no partilhar e compartilhar da vida (COSTA NETO 2010)
A ampliaccedilatildeo da cidadania requer a consciecircncia de que os direitos pressupotildeem
deveres de maneira que os direitos de um indiviacuteduo satildeo garantidos a partir do
cumprimento dos deveres dos demais componentes da sociedade
51
34 A necessaacuteria superaccedilatildeo de velhos paradigmas
Como se sabe em 1988 foi aprovada a Constituiccedilatildeo mais liberal e
democraacutetica do Brasil chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo Assim ampliou-se de
forma significativa o campo dos direitos e garantias fundamentais No que diz
respeito a tal mateacuteria eacute considerada como uma das mais avanccediladas do mundo No
seu preacircmbulo adota o modelo de um Estado democraacutetico de Direito destinado a
garantir o exerciacutecio dos direitos sociais e individuais a liberdade a seguranccedila o
bem-estar o desenvolvimento a igualdade e a justiccedila eleitos como valores
supremos de uma sociedade fraterna pluralista e sem preconceitos
Para a construccedilatildeo democraacutetica da cidadania no Brasil contemporacircneo
salienta-se de ela deve passar de uma democracia representativa para uma
cidadania que efetivamente molde a democracia ou seja uma cidadania instituinte
da democracia
No acircmbito constitucional positivo cidadania pressupotildee o exerciacutecio de todos
os direitos fundamentais e garantias que caracterizam o Estado democraacutetico de
Direito Quando se fala em cidadania eacute no sentido de reafirmar o direito pela plena
realizaccedilatildeo do indiviacuteduo do cidadatildeo dos entes coletivos e de sua emancipaccedilatildeo nos
espaccedilos da sociedade Estatildeo sempre intimamente ligados os conceitos de
cidadania democracia e direitos humanos sendo que um remete ao outro e seus
conteuacutedos se interligam ou seja a cidadania natildeo iraacute ocorrer sem que ocorra a
realizaccedilatildeo dos Direitos Humanos da mesma forma que os direitos humanos natildeo
seratildeo concretizados se natildeo houver o exerciacutecio da cidadania
Na evoluccedilatildeo histoacuterica tais categorias se desenvolveram de forma conjunta
com o Estado Representam noccedilotildees desejaacuteveis de relaccedilotildees humanas que se espera
sejam instituiacutedas Satildeo os elementos basilares na nova ordem social e que a
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 pretendeu edificar Poreacutem a democracia poliacutetica natildeo
resolveu os problemas econocircmicos mais seacuterios como a desigualdade e o
desemprego Continuam muito seacuterios os problemas da aacuterea social principalmente
na educaccedilatildeo nos serviccedilos de sauacutede e saneamento como tambeacutem e
principalmente quanto agrave seguranccedila puacuteblica
52
A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 em seu artigo 6ordm e em outros artigos no texto
constitucional ampliou e muito os Direitos Sociais proibiu discriminaccedilotildees Assim
indicadores baacutesicos de qualidade de vida apontam que houve uma melhoria A
mortalidade infantil por exemplo caiu de maneira significativa nos uacuteltimos anos A
esperanccedila de vida ao nascer passou de 60 anos em 1980 para 70 em 2000 Poreacutem
o maior progresso foi na aacuterea da educaccedilatildeo fundamental que eacute considerado fator
decisivo para a cidadania pois a taxa de analfabetismo caiu consideravelmente
entretanto existem muitos problemas no campo educacional como a repetecircncia e
com relaccedilatildeo a desigualdade social entre as regiotildees
A grande concentraccedilatildeo da riqueza nacional nas matildeos de poucos reflete a
desigualdade e causa a pobreza e a miseacuteria ao passo que dificulta o acesso do
cidadatildeo agrave justiccedila e consequentemente ao seu estado de cidadania pleno
Dentre os fundamentos no qual se baseiam o Estado democraacutetico de Direito
no Brasil destaca-se justamente a cidadania e a dignidade humana conforme artigo
1ordm incisos II e III da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Entatildeo construir uma sociedade
livre justa e solidaacuteria garantir o desenvolvimento nacional erradicar a pobreza e a
marginalizaccedilatildeo reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de
todos sem preconceitos de origem raccedila sexo cor idade ou quaisquer outras
formas de discriminaccedilatildeo satildeo os objetivos fundamentais do Estado Brasileiro
conforme art 3ordm da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
O cenaacuterio de globalizaccedilatildeo econocircmica mundial tambeacutem traacutes seacuterios obstaacuteculos
para a construccedilatildeo da cidadania A globalizaccedilatildeo da economia em ritmo acelerado
provoca grandes mudanccedilas nas relaccedilotildees entre Estado sociedade e naccedilatildeo que
eram sempre o centro da noccedilatildeo e da praacutetica da cidadania ocidental O foco das
mudanccedilas e das preocupaccedilotildees estaacute em dois focos especiacuteficos a reduccedilatildeo do papel
central do Estado como fonte de direitos e local para a participaccedilatildeo e o
deslocamento da naccedilatildeo como principal fonte de identidade coletiva
Para que ocorra efetiva mudanccedila a melhor proposta eacute no sentido de
mudanccedila na organizaccedilatildeo da sociedade pois a inversatildeo da sequecircncia dos direitos
fez com que ocorra o reforccedilo da supremacia do Estado Para que ocorra a
consolidaccedilatildeo democraacutetica e cidadatilde eacute necessaacuterio reforccedilar a organizaccedilatildeo da
sociedade para assim dar embasamento social ao poder poliacutetico ou seja
finalmente democratizar o poder e estabelecer de forma plena a Cidadania
53
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A Constituiccedilatildeo que nasce com ldquocheiro de amanhatilde e natildeo de mofordquo nas
palavras do Deputado Ulisses Guimaratildees tem em seu relevo a esperanccedila de um
povo que sonhava com a erradicaccedilatildeo da repressatildeo militar e natildeo soacute isso um povo
que sonhava com a liberdade em suas diversas manifestaccedilotildees em suas mais
significativas formas de representaccedilatildeo e sobretudo com um paiacutes voltado para a
democracia e justiccedila social
Ao povo brasileiro foi concedido o poder de governar e nesse contexto de
mudanccedila a ldquodemocracia eacute o governo do povo pelo povo e para o povordquo na
conceituaccedilatildeo ceacutelebre de Abraham Lincoln E consoante estabelece o paraacutegrafo
uacutenico do art 1ordm da Carta cidadatilde de 1988 ldquotodo poder emana do povo que o exerce
por meio de representantes eleitos ou diretamenterdquo
No entanto natildeo basta que a fonte de poder seja o povo a democracia vem
significar a efetiva participaccedilatildeo do povo nas decisotildees e destino do Estado e sua
consolidaccedilatildeo eacute a proacutepria cidadania pois eacute o cidadatildeo que pensa e se auto define
diante da condiccedilatildeo soacutecio-histoacuterica O cidadatildeo tem portanto o poder de transformar
a realidade social segundo seu pensamento e accedilatildeo
Natildeo se pode negar que a Carta de 1988 foi a que apresentou maior
legitimidade popular que abriu caminhos apontando um novo tempo
Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita Se fosse perfeita seria irreformaacutevel Ela proacutepria com humildade e realismo admite ser emendada ateacute por maioria mais acessiacutevel dentro de cinco anos Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita mas seraacute uacutetil e pioneira e desbravadora Seraacute luz ainda que de lamparina na noite dos desgraccedilados Eacute caminhando que se abrem os caminhos Ela vai caminhar e abri-los Seraacute redentor o que penetrar nos bolsotildees sujos escuros e ignorados da miseacuteria (Ulysses Guimaratildees)
Mesmo natildeo sendo a constituiccedilatildeo perfeita sem duacutevida foi a que trouxe
esperanccedila ao povo brasileiro com a sua promulgaccedilatildeo surgiram o ldquohaacutebeas datardquo o
mandado de injunccedilatildeo e o mandado de seguranccedila coletivo - todos remeacutedios judiciais
de iacutendoles constitucionais serviacuteveis para prevenir e combater diversas tentativas de
abuso contra a pessoa humana Outrossim o objeto da accedilatildeo popular foi ampliado
Atualmente qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima para propor a mencionada accedilatildeo
54
popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de entidade de que o
Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e ao patrimocircnio
histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de custas
judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia Nesse rol de forma decisiva houve a
ampliaccedilatildeo tambeacutem dos direitos sociais
Assim a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconhece e assegura uma seacuterie de
escudos protetivos aos cidadatildeos Em sua essecircncia os direitos fundamentais
ganham forma De modo que podemos assegurar que hoje o nosso Estado eacute uma
organizaccedilatildeo centrada no ser humano visto que tem a dignidade da pessoa humana
como um fundamento da Repuacuteblica Federativa do Brasil
Apesar das inuacutemeras dificuldades o Estado Democraacutetico de Direito fundado
na cidadania constituiu para o povo uma nova identidade ndash o que em outras eacutepocas
natildeo existia
A Constituiccedilatildeo circunscreve toda a organizaccedilatildeo poliacutetica estatal no intuito
maior de criar no consciente coletivo a vontade livre e determinada de desenvolver
padrotildees de condutas destinados a elevar e promover a auto-estima de toda a
comunidade paacutetria
Foi nesse sentido que estatui em seu artigo 1ordm a cidadania como fundamento
do Estado Democraacutetico de Direito ampliando e enriquecendo o tal conceito Cada
eacutepoca produziu praacuteticas e reflexotildees muito distintas sobre o tema cidadania A
definiccedilatildeo de cidadania que vem sofrendo alteraccedilotildees ao longo do tempo obedecendo
a um processo histoacuterico de conquistas sociais eacute compreendida atualmente como
um processo de participaccedilatildeo do indiviacuteduo ou de um grupo organizado nas mais
variadas aacutereas de atuaccedilatildeo da sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos
e sociais
A cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia disso natildeo haacute duvidas e se
efetiva como mudanccedilas na realidade de cada um com melhoria de vida e
conscientizaccedilatildeo da importacircncia do cidadatildeo dado que eacute um processo em
permanente construccedilatildeo Natildeo haacute como defender uma qualidade de vida sem a
preservaccedilatildeo da cidadania em todos os seus acircmbitos Nesse sentido a efetiva
proteccedilatildeo desse aspecto basilar torna-se essencial no que tange uma assistecircncia
juriacutedica completa
No contraponto do direito estatildeo os deveres que encontramos sua realizaccedilatildeo
tambeacutem na participaccedilatildeo observando que o cidadatildeo eacute responsaacutevel pelo advir de
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suas accedilotildees A participaccedilatildeo reflete um caraacuteter de natildeo comodismo de atenccedilatildeo agravequilo
que eacute particular e coletivo tendo como finalidade preciacutepua o bem comum
Construir cidadania hoje eacute imperativo para a sociedade pois dessa
construccedilatildeo depende o amanhatilde Estamos diante da Constituiccedilatildeo que se propotildee a
resguardar o amanhatilde sem perder de vista que ele comeccedila hoje agora e nisso a
Carta Poliacutetica traacutes consigo a certeza do despertar dessa consciecircncia a consciecircncia
cidadatilde Ela eacute a semente plantada em terra feacutertil que gera frutos diariamente e se
renova a cada estaccedilatildeo na dinacircmica da vida Talvez tenha sido esse o cheiro de
frutas alcanccedilado pelo constituinte ao anunciar que a carta tem ldquocheiro do amanhatilderdquo
A responsabilidade pelo exerciacutecio desses direitos belissimamente elencados
depende de todos e de cada um pois somos o terreno feacutertil que produziraacute o fruto de
uma sociedade fraterna
Eacute comum na praacutetica apenas responsabilizarmos o Estado em sentido lato pelo
natildeo exerciacutecio dos direitos do cidadatildeo Vale lembrar nesse contexto das palavras de
J Kennedy o qual disse ldquonatildeo pergunte o que o Estado pode fazer por vocecirc mas o
que vocecirc pode fazer pelo Estadordquo haacute nessa frase um forte traccedilo de cidadania pois
quando o cidadatildeo reivindica critica opina o que ele daacute em contrapartida ao paiacutes eacute
solidificado visto que eacute nas relaccedilotildees familiares em comunidade que se estabelece e
se fortalece os viacutenculos de solidariedade de uma sociedade que perpetua valores
condutas que as leis reguladoras natildeo conseguem por si soacute estabelecer
A concretizaccedilatildeo do ideal de uma qualidade de vida merecida a todos os seres
humanos sem restriccedilotildees requer entretanto um esforccedilo coletivo Dessa forma haacute
necessidade de suprir as muitas carecircncias advindas das desigualdades sociais e de
condiccedilotildees do descaso do poder puacuteblico e da proacutepria conceituaccedilatildeo antiga de
cidadania que ainda eacute concebida por muitos no presente
Em suma nosso trabalho procurou traccedilar a evoluccedilatildeo da cidadania e ao
mesmo tempo buscou traccedilar uma melhor caracterizaccedilatildeo do cidadatildeo agrave luz da nossa
Constituiccedilatildeo que eacute por fim a essecircncia da Magna Carta O alcance da cidadania
enquanto mecanismo de acesso a direitos foi colocado no acircmbito da pessoa
enquanto titular de direitos e num paralelo defendemos que o municiacutepio eacute o espaccedilo
de atuaccedilatildeo e exerciacutecio de cidadania dada a proximidade do cidadatildeo com as
instituiccedilotildees oacutergatildeos entidades e tudo o mais que o cerca na esfera de vivecircncia Eacute na
praccedila que discute a poliacutetica local e nacional que se indigna com as dificuldades e as
56
barreiras de acesso aos seus direitos Eacute no municiacutepio que se inicia todo um vieacutes de
desdobramento para garantir direitos
Por fim natildeo obstante resta dizer sobre o tema que os caminhos e
paradigmas que se intentou percorrer sobre cidadania como mecanismo
transformador da sociedade tem ingrediente ainda a se descortinar para o
propoacutesito valioso do bem comum Pois bem a ideia de bem comum tem como
fundamento o amor maacutexima que se estabelece por meio da democracia visto que
ldquoa demofilia o demoiacutesmo o amor do povo acima de tudo como princiacutepio ativo de
toda a sua vida poliacutetica inspirador duma sempre crescente autonomia imanente eacute
que constitui a verdadeira essecircncia da democraciardquo nas palavras de Melgareacute
(2005)
Dessa forma eacute no nuacutecleo da democracia que estaacute inscrito como pedra
angular o respeito e o amor pela pessoa humana Eacute pois um tema de larga
abrangecircncia poreacutem sem querer abreviar o caminho sua efetiva possibilidade de
realizaccedilatildeo se encontra no exerciacutecio da cidadania sem repuacutedios parciais ou exclusatildeo
de qualquer ordem na plenitude de uma cidadania para todos
57
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elemento valioso para o Estado Constitucional a cidadania
A dimensatildeo doutrinaacuteria do tema diz respeito a sua importacircncia para a aacuterea de
estudos em que se insere - o Direito Pois estudar e analisar elementos constitutivos
da cidadania significa compreender uma questatildeo que vem a cada dia tomando mais
espaccedilo nos meios acadecircmicos
Nos dias atuais em que a poacutes-modernidade permeia as relaccedilotildees juriacutedicas
propiciando a interdisciplinaridade e a flexibilidade da interpretaccedilatildeo dos dispositivos
postos o processo de discussatildeo voltado para a questatildeo da cidadania vivencia na
atualidade grande relevacircncia Nesse diapasatildeo duas consideraccedilotildees seratildeo levadas a
efeito a cidadania como um fundamento constitucional da Repuacuteblica Federativa do
Brasil de acordo com o que preceitua o inciso II do artigo 1ordm da Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 o local mais propiacutecio para o exerciacutecio efetivo da cidadania eacute o
municiacutepio onde ocorrem agraves decisotildees mais proacuteximas da comunidade em que o
individuo cidadatildeo tem maior facilidade de participaccedilatildeo nas decisotildees e por fim que
os indiviacuteduos exercem cidadania acessando a justiccedila em busca de seus direitos
Neste sentido o presente trabalho analisa algumas questotildees que estiveram e
ainda estatildeo por traacutes do desenvolvimento da foacutermula da cidadania percorrendo para
tanto desde a antiguidade ateacute o tempo presente De modo que o objetivo do
mesmo eacute analisar o processo de constituiccedilatildeo e consolidaccedilatildeo da cidadania ao longo
dos tempos como tambeacutem procura demonstrar os caminhos que de fato o conceito
de cidadania percorreu ateacute chegar agraves formulaccedilotildees da nossa eacutepoca em que passou
a ser concebida como um princiacutepio fundamental da Repuacuteblica Federativa do Brasil
Defendemos por fim que a cidadania como hoje a enxergamos eacute talvez o
uacutenico arcabouccedilo viaacutevel para a convivecircncia poliacutetica sendo certo que a sociabilidade
por traacutes da construccedilatildeo estatal precisa arrimar-se em postulados democraacuteticos e
criteacuterios de emancipaccedilatildeo da liberdade individual e coletiva os quais satildeo
pressupostos da cidadania plena
12
CAPIacuteTULO 1 - NOVOS OLHARES SOBRE A CIDADANIA
A cidadania vista como uma verdadeira visatildeo democraacutetica da convivecircncia eacute
siacutembolo de todo um incessante processo desencadeado por meio de um labutar
juriacutedico-politico-cultural que vem acompanhado de vaacuterias etapas do fenocircmeno
humano na tentativa de harmonizar os interesses valores e necessidades dos
homens
Seus correspondentes mecanismos de atuaccedilatildeo na sociedade atual natildeo
surgiram como que por encanto pacificamente sem luta Brotaram apoacutes uma
semeadura ideoloacutegica em conflito com outras ideologias e doutrinas que lhe eram
contraacuterias A cidadania portanto consiste na lenta construccedilatildeo da democracia
sintetiza os esforccedilos para a obtenccedilatildeo das prerrogativas poliacuteticas sociais e culturais
que tecircm levado os membros da comunidade poliacutetica direta ou indiretamente a
decidir acerca da realidade que os cercam
Neste sentido obra de construccedilatildeo do civismo democraacutetico que vem se
fortalecendo de maneira eficaz com a promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo brasileira de
1988 a cidadania toma como ponto de partida a ideia de que o Estado democraacutetico
de Direito eacute uma conquista resultado de uma construccedilatildeo permanente da
convivecircncia sociopoliacutetica
13
11 As origens da cidadania
A expressatildeo cidadania emana do termo latino civitas No entanto pode-se
encontrar suas procedecircncias intelectuais nas religiotildees da Antiguidade e nas
civilizaccedilotildees greco-romanas Polites que os romanos traduziram por cives que eacute o
soacutecio da polis ou civitas O legado greco-romano da palavra civitas nos remete agraves
noccedilotildees de liberdade igualdade e virtudes republicanas Eacute na polis grega que os
conceitos de liberdade e igualdade ganham sentido No entanto eacute importante citar
que
A participaccedilatildeo na polis ou na civitas era exclusiva de alguns homens que participavam do funcionamento da cidade-Estado eram eles os titulares de direitos poliacuteticos Eram considerados cidadatildeos apenas os homens nascidos no solo da cidade livres e iguais portadores de dois direitos inquestionaacuteveis portadores da isonomia (igualdade perante a lei) e da isegoria (o direito de expor e discutir em puacuteblico opiniotildees sobre accedilotildees que a cidade deveria ou natildeo realizar) (CHAUIacute 1994)
Ser cidadatildeo para os gregos significava antes de tudo usufruir certas
vantagens que nenhum outro homem conhecera Como afirma Minogue ldquoOs
cidadatildeos tinham riqueza beleza e inteligecircncia diversas mas como cidadatildeos eram
iguaisrdquo (1998) Foi especialmente no seacuteculo V aC que Atenas viveu seu momento
de apogeu Nesse seacuteculo especificamente desenvolveram-se as concepccedilotildees de
cidadania e democracia Em oposiccedilatildeo agrave ideia aristocraacutetica de poder o cidadatildeo
poderia e deveria atuar na vida puacuteblica independentemente da origem familiar
classe ou funccedilatildeo (ARENDT 1995)
Da mesma forma a racionalidade era conferida a uma minoria da
populaccedilatildeo exclusivamente aos homens que tinham o direito de filosofar aleacutem de
participar da academia (culto agrave beleza fiacutesica) e do poder (direito de comandar
politicamente todos os interesses da polis mediante a elaboraccedilatildeo e execuccedilatildeo de
leis e normas administrativas) Cidadatildeo segundo o teoacuterico Coulanges
Eacute todo o homem que segue a religiatildeo da cidade que honra os mesmos deuses da cidade () o que tem o direito de aproximar-se dos altares e podendo penetrar no recinto sagrado onde se realizam as assembleias assiste agraves festas acompanha as procissotildees e participa dos panegiacutericos participa dos banquetes sagrados e recebe sua parte das viacutetimas Assim esse homem no dia em que se inscreveu no registro dos cidadatildeos jurou praticar o culto dos deuses da cidade e por eles combater (2003)
14
Os escravos e os baacuterbaros natildeo podiam tomar parte dos ambientes
sagrados Segundo alguns teoacutericos apenas 10 da populaccedilatildeo eram considerados
cidadatildeos em Atenas A fim de reduzir as despesas do Estado o governo restringiu o
direito de cidadania somente os filhos de pai e matildee atenienses seriam considerados
cidadatildeos As mulheres os metecos (estrangeiros) e os escravos continuaram
desprovidos de quaisquer direitos poliacuteticos A mulher era considera o ldquonatildeo serrdquo
equiparada aos escravos cuidava dos afazeres ldquodomeacutesticosrdquo servia como
instrumento de procriaccedilatildeo e natildeo participava portanto das decisotildees da polis
Aristoacuteteles descreve que mulheres e escravos eram mantidos fora da vista do
puacuteblico eram os trabalhadores que ldquocom o seu corpo cuidavam das necessidades
(fiacutesicas) da vidardquo Satildeo as mulheres que com seu corpo garantem a sobrevivecircncia
fiacutesica da espeacutecie Mulheres e escravos conforme Arendt
Pertenciam agrave mesma categoria e eram mantidos fora das vistas alheias - natildeo somente porque eram propriedade de outrem mas porque a sua vida era ldquolaboriosardquo dedicada a funccedilotildees corporais O filho de preferecircncia deveria ser do sexo masculino sendo candidato em potencial para exercer a cidadania O escravo servia de matildeo-de-obra para o sustento e manutenccedilatildeo dos cidadatildeos (1995)
Para Aristoacuteteles ser cidadatildeo diz respeito a todo aquele que eacute capaz de
tomar parte tanto no judiciaacuterio quanto no poder deliberativo da polis ldquoNenhum
caraacuteter define melhor o cidadatildeo no sentido estrito do que a participaccedilatildeo do exerciacutecio
dos poderes de juiz e magistradordquo (ARISTOacuteTELES A Poliacutetica III 16 Apud
TOURAINE 1994) O fim uacuteltimo do homem eacute viver na polis onde o homem se
realiza como cidadatildeo (politai) manifestando o processo de constituiccedilatildeo de sua
essecircncia a sua natureza Ou seja natildeo apenas viver em sociedade mas viver na
ldquopoliticidaderdquo
Para Aristoacuteteles a reflexatildeo sobre a poliacutetica eacute que ela natildeo se separa da
eacutetica pois segundo o estagirita a vida individual estaacute imbricada na vida comunitaacuteria
A razatildeo pela qual os indiviacuteduos reuacutenem-se nas cidades (e formam comunidades
poliacuteticas) natildeo eacute apenas a de viver em comum mas a de viver ldquobemrdquo ou a boa vida
Para que isso aconteccedila eacute necessaacuterio que os cidadatildeos vivam o bem comum ou em
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conjunto ou por intermeacutedio dos seus governantes se acontecer o contraacuterio (a busca
do interesse proacuteprio) estaacute formada a degeneraccedilatildeo do Estado
Por fim como afirma Correcirca (1999) ldquoa cidadania da Greacutecia Claacutessica
possui um paracircmetro muito especiacutefico de difiacutecil aceitaccedilatildeo numa concepccedilatildeo
moderna de cidadaniardquo Ou seja o que caracteriza a cidadania antiga eacute seu aspecto
limitador elitista e excludente pouco semelhante com o entendimento dos nossos
dias
Destarte como a democracia a cidadania passou por diferentes e possiacuteveis
ldquoinvenccedilotildeesrdquo em periacuteodos e espaccedilos determinados da histoacuteria e da geografia do
Ocidente Greacutecia e Roma consolidaram por seacuteculos seus sistemas de governos
possibilitando e permitindo a participaccedilatildeo de um significativo nuacutemero de cidadatildeos
Com o desaparecimento das civilizaccedilotildees claacutessicas a cidadania desaparece
juntamente e por um bom tempo ficaraacute fora de cena no Ocidente
Conforme Benevides (1994) a ideia moderna de cidadania e de direitos do
cidadatildeo tem como eacute sabido soacutelidas raiacutezes nas lutas e no imaginaacuterio da Revoluccedilatildeo
Francesa
Na continuidade da tradiccedilatildeo dos seacuteculos XVII e XVIII o contratualismo de
Locke e de Rousseau forneceu as bases filosoacuteficas do conceito de cidadania do
liberalismo e as revoluccedilotildees Inglesa Americana e Francesa que validaram seu uso
ao estabelecer um viacutenculo juriacutedico-legal entre as noccedilotildees de liberdade igualdade
fraternidade e o Estado-naccedilatildeo (MOISEacuteS 2005)
Nos seacuteculos XVIII e XIX outras correntes teoacutericas sobre o direito e a cidadania
seratildeo contempladas No entanto estas teorias vatildeo se contrapor agraves teorias do
jusnaturalismo e do contratualismo Segundo Correcirca (1999)
Para o positivismo juriacutedico (positivismo normativista de Kelsen) bem como para a Escola da Exegese e a Escola Histoacuterica o que vale eacute o ensino dogmaacutetico - as normas (exclue-se a anaacutelise interdisciplinar entre outras aacutereas principalmente com as Ciecircncias Sociais) A lei eacute a uacutenica fonte do direito Para essas escolas a cidadania eacute negada
Mais proacuteximo de noacutes no seacuteculo XX T A Marshall foi quem primeiro
discutiu o conceito de cidadania e suas dimensotildees no ensaio claacutessico ldquoCidadania e
classe socialrdquo Ainda hoje depois de mais de seis deacutecadas apoacutes a sua publicaccedilatildeo
16
(em 1949) o ensaio de Marshall continua a ser a referecircncia teoacuterica fundamental
para quem comeccedila a refletir sobre a cidadania na sociedade contemporacircnea eacute o
que se pode constatar de resto atraveacutes da consulta a mais recente bibliografia
dedicada a esse tema
Os Direitos Civis dentro da tradiccedilatildeo apresentada por Marshall estatildeo
ligados aos direitos fundamentais do homem como o direito agrave vida agrave liberdade agrave
propriedade e agrave igualdade perante a lei Jaacute os Direitos Poliacuteticos se referem agrave
participaccedilatildeo do cidadatildeo no governo da sociedade Seu exerciacutecio eacute limitado a uma
reduzida parcela da populaccedilatildeo e consiste na capacidade de fazer demonstraccedilotildees
poliacuteticas formar e participar de agremiaccedilotildees poliacuteticas organizar partidos votar e ser
votado Em geral quando se fala de direitos poliacuteticos
Eacute do direito do voto que se estaacute falando Por fim aparecem os Direitos Sociais que garantem a participaccedilatildeo no governo da sociedade e na riqueza coletiva Eles incluem o direito agrave educaccedilatildeo ao trabalho ao salaacuterio justo agrave sauacutede e agrave aposentadoria (CARVALHO 2002)
Eacute a soma desses direitos (civis poliacuteticos e sociais) que garantem a
emancipaccedilatildeo humana e a justiccedila social Certamente Marshall descreveu a evoluccedilatildeo
da cidadania em seu paiacutes de origem ou seja a Inglaterra Foi nesse paiacutes que
surgiram inicialmente os direitos civis no seacuteculo XVIII depois vieram os direitos
poliacuteticos (XIX) e por fim os direitos sociais (XX) Trata-se portanto de verdadeiras
conquistas da contemporaneidade E como tal fazem parte de um cotidiano em que
homens e mulheres lutam por dias melhores pelo Direito justo por uma cidadania
plena e eficaz por uma convivecircncia equilibrada pela existecircncia plena daqueles que
acreditam e defendem os valores por traacutes da dignidade da pessoa humana
12 A construccedilatildeo da cidadania
A Cidadania natildeo pode ser vista como um conceito estaacutetico pois ela natildeo se
resume somente em participaccedilatildeo atraveacutes de eleiccedilotildees mas sim como uma
construccedilatildeo da democracia politizada e participativa da construccedilatildeo do poder
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Nas uacuteltimas deacutecadas o Brasil passou por significativas mudanccedilas de
paradigmas dentre os quais podemos citar a reconstruccedilatildeo do conceito proposto de
cidadania Pode-se dizer que apesar das inuacutemeras desigualdades socioeconocircmicas
o termo ldquocidadaniardquo evoluiu ampliando-se a abrangecircncia de sua concepccedilatildeo
abarcando todas as categorias sociais Para tanto para que possamos compreender
como vem se dando essa evoluccedilatildeo eacute preciso que conheccedilamos como tem se dado a
construccedilatildeo histoacuterica da representaccedilatildeo simboacutelica da cidadania
Durante toda a sua evoluccedilatildeo histoacuterica a palavra cidadania e as vaacuterias facetas
que ela assumiu nas uacuteltimas deacutecadas vecircm convivendo de perto com dissensotildees
sociais interesses e conflitos ideoloacutegicos culturais e poliacuteticos que se dedicam a
defender ou construir um modelo de cidadania compatiacutevel com as conjunturas de
cada tempo e de cada lugar
A marcha da cidadania sempre esteve ligada a avanccedilos retrocessos crises e
vitoacuterias enfim a iniciativas voltadas para a implantaccedilatildeo de uma estrateacutegia de luta
pelos direitos humanos pois ela esteve e estaacute em permanente construccedilatildeo eacute como
dizem os grandes teoacutericos um referencial de conquista da humanidade atraveacutes
daqueles que sempre lutaram e lutam por mais direitos mais liberdade melhores
garantias sejam elas individuais ou coletivas e natildeo se conformam frente agraves
dominaccedilotildees arrogantes de um pequeno grupo dominador e opressor contra uma
maioria desassistida e que natildeo se consegue fazer ouvir exatamente porque se lhe
nega a cidadania plena cuja conquista ainda que tardia natildeo seraacute obstada
Os caminhos trilhados pelos que defendem a cidadania podem vir a
apresentar em termos de sentimento constitucional a luta por um Estado
Democraacutetico de Direito que ajude na construccedilatildeo de uma adequada compreensatildeo
das situaccedilotildees de conjuntura e dos problemas estruturais que a sociedade enfrenta
dia apoacutes dia situaccedilotildees essas que se congregam para gerar a falta de efetividade
normativa da nossa Constituiccedilatildeo Aleacutem disso oferecem um amplo panorama acerca
dos esforccedilos que os povos empreenderam para fundar os alicerces das democracias
constitucionais do mundo moderno
A histoacuteria da construccedilatildeo da cidadania eacute uma histoacuteria de resistecircncias de povos
contra as opressotildees dos governos do desespero e das necessidades das massas eacute
a histoacuteria da esperanccedila e do empenho das naccedilotildees a histoacuteria da convivecircncia das
paixotildees humanas do futuro das geraccedilotildees eacute a histoacuteria do sofrimento e da dor eacute a
histoacuteria das vicissitudes e dramas do proacuteprio fenocircmeno humano
18
13 Cidadania um fenocircmeno cultural
A cidadania eacute um fenocircmeno cultural relacionada com a conquista de direitos
com as construccedilotildees das instituiccedilotildees com a proteccedilatildeo dos direitos fundamentais e
dos valores juriacutedicos e humanos Trata-se de uma realidade cultural cuja finalidade eacute
determinar o modo como agraves pessoas devem vincular-se agraves mudanccedilas nas estruturas
sociais determinando o modo como agraves pessoas devem atuar e (com) viver em
sociedade
De certo modo a cidadania como o Direito e todos os direitos representa uma
conquista da cultura frente agrave conflitiva natureza humana Tal conclusatildeo ajuda a
compreender o Estado Democraacutetico de Direito e tudo aquilo que ele simboliza em
termos de emancipaccedilatildeo da pessoa humana Nessa linha a necessidade de
compreender o conceito atual de cidadania agrave luz das questotildees culturais e sociais
postas pela sociedade poacutes-moderna veio-nos como heranccedila do processo cultural de
formaccedilatildeo das democracias modernas
Essa representaccedilatildeo cultural da cidadania vem sendo tratada pelos
pensadores modernos sob vaacuterios enfoques Num primeiro momento surge assim
por exemplo a cidadania civil que marcou a superaccedilatildeo da situaccedilatildeo observada na
Idade Meacutedia garantindo os direitos quanto agrave liberdade e agrave justiccedila e vinculando-se
diretamente agrave burguesia Jaacute a cidadania poliacutetica surgiu com a universalizaccedilatildeo de seu
proacuteprio conceito e com a ampliaccedilatildeo dos direitos civis Esta nova consciecircncia sobre
as diferenccedilas no interior do status de cidadatildeo acentua os debates sobre a exclusatildeo
social os direitos humanos e mesmo sobre a atuaccedilatildeo poliacutetica da sociedade civil Por
outro lado no atual estaacutegio do capitalismo falar em cidadania significar considerar
igualmente as proacuteprias mudanccedilas ocorridas na sociedade nos valores e na
educaccedilatildeo proporcionados pelas inovaccedilotildees da realidade tecnocientifica
Temos desse modo associado ao atual conceito de cidadania um repertoacuterio
teoacuterico e mesmo praacutetico cuja amplitude acompanha o proacuteprio desenvolvimento das
sociedades poacutes-modernas dando a impressatildeo crescente como afirma Harvey
19
De uma poderosa configuraccedilatildeo de novos sentimentos e pensamentos Que parecia a caminho de desenvolvimento social e poliacutetico apenas em virtude da maneira como definia padrotildees de criacutetica social e de praacutetica poliacutetica Em anos recentes ele vem determinando os padrotildees de debate definindo o modo do lsquodiscursorsquo e estabelecendo paracircmetros para a criacutetica cultural poliacutetica e cultural (1992)
Contudo a extensatildeo desses direitos agrave totalidade da populaccedilatildeo natildeo
possibilitou a garantia da liberdade e da igualdade idealizadas por Rousseau em sua
obra ldquoO Contrato Socialrdquo Por outro lado pode-se dizer que todos esses anos de
desenvolvimento acabaram por afirmar que a cidadania de fato soacute pode se constituir
por meio de acirrada luta cotidiana por direitos e pela garantia daqueles que jaacute
existem
Mais do que isso nota-se maior preocupaccedilatildeo com a difusatildeo desses direitos
seja por meio de educaccedilatildeo formal seja pelos meios de comunicaccedilatildeo Livros
didaacuteticos e paradidaacuteticos tecircm fomentado a discussatildeo sobre o status de cidadatildeo e os
direitos humanos outros associam ao desenvolvimento da cidadania uma
discussatildeo sobre os meios de comunicaccedilatildeo e o proacuteprio capitalismo como afirma o
professor Dalmo de Abreu Dallari em Cidadania e Direitos Humanos (1998)
Nessa perspectiva problemas recorrentes como as violaccedilotildees dos direitos
humanos as ineficiecircncias no campo social e o processo de pauperizaccedilatildeo
manifestado na periferia do capitalismo mostram que a cidadania exige mais do que
o simples ato de votar ou de pertencer a uma sociedade poliacutetica Cabe portanto agrave
sociedade civil caraacuteter representativo que substitua as pressotildees ou mesmo a
atuaccedilatildeo legiacutetima dos cidadatildeos
A evoluccedilatildeo da cidadania portanto consiste na lenta construccedilatildeo da
democracia que sintetiza os esforccedilos para a obtenccedilatildeo das prerrogativas ideoloacutegicas
e culturais que tecircm levado os membros da sociedade a decidirem acerca da
realidade que os cercam
14 Cidadania no Brasil breves consideraccedilotildees
Discorrer sobre a construccedilatildeo da cidadania no Brasil eacute tocar num ponto
crucial da nossa histoacuteria Passados mais de 500 anos da chegada dos portugueses
20
por estas paragens percebe-se que a consolidaccedilatildeo da cidadania ainda eacute um desafio
para todos os brasileiros
O tema cidadania muito se tem discutido na academia e fora dela o jargatildeo
da cidadania estaacute na moda nas instituiccedilotildees poliacuteticas e juriacutedicas como tambeacutem na
opiniatildeo puacuteblica mas concretamente eacute um conceito ainda a ser construiacutedo
No contexto histoacuterico-cultural e poliacutetico dos gregos especificamente por
volta do ano 380 aC (periacuteodo do apogeu daquela civilizaccedilatildeo) embora a cidadania
fosse limitada a uma parcela social minoritaacuteria pode-se afirmar que tanto a
democracia quanto a cidadania grega natildeo deixam de ser conquistas ineacuteditas e
avanccedilos significativos para a histoacuteria ocidental Jaacute a evoluccedilatildeo e a real consolidaccedilatildeo
da cidadania na modernidade nascem a partir dos direitos naturais (vida
propriedade liberdade) do homem liberal burguecircs garantido pelas consecutivas
ldquoDeclaraccedilotildees de Direitosrdquo elaboradas a partir das revoluccedilotildees liberais na Inglaterra
(Revoluccedilatildeo Gloriosa 1688-89) Estados Unidos (Emancipaccedilatildeo poliacutetica 1776) Franccedila
(Revoluccedilatildeo Francesa)
No entanto pode-se dizer que o nosso paiacutes apesar da influecircncia dos paiacuteses
europeus vivenciou como ainda vivencia uma difiacutecil construccedilatildeo da cidadania
A longa histoacuteria do Brasil vem elencando razotildees profundas para a nossa
natildeo-cidadania atual a exemplo da conquista (ou invasatildeo) do nosso territoacuterio o
grande latifuacutendio a escravidatildeo a monocultura de exportaccedilatildeo o analfabetismo a
perpetuaccedilatildeo das elites poliacuteticas no poder fatores que refletem nos viacutecios da vida
social cultural poliacutetica e econocircmica do paiacutes
Fundamentalmente eacute preciso afirmar que no Brasil a construccedilatildeo da
cidadania natildeo seguiu a loacutegica da trajetoacuteria inglesa Houve no Brasil segundo
Carvalho (2002) pelo menos duas diferenccedilas importantes
A primeira refere-se agrave maior ecircnfase em um dos direitos o social em relaccedilatildeo aos outros a segunda refere-se agrave alteraccedilatildeo na sequecircncia em que os direitos foram adquiridos entre noacutes o social precedeu os outros
Uma das razotildees fundamentais das dificuldades da construccedilatildeo da cidadania
estaacute ligada como nos diz Carvalho ao ldquopeso do passadordquo mais especificamente ao
periacuteodo colonial (1500-1822) quando
21
Os portugueses tinham construiacutedo um enorme paiacutes dotado de unidade territorial linguiacutestica cultural e religiosa Mas tinham deixado uma populaccedilatildeo analfabeta uma sociedade escravocrata uma economia monocultora e latifundiaacuteria um Estado Absolutista (CARVALHO 2002)
Em suma foram 322 anos sem poder puacuteblico sem Estado sem naccedilatildeo e
cidadania Diante de tatildeo obscuro cenaacuterio de dominaccedilatildeo opressatildeo dentre outras
formas de natildeo efetivaccedilatildeo da cidadania no Brasil podemos elencar dentre outros
tantos fatores quais foram os principais obstaacuteculos para a construccedilatildeo da cidadania
brasileira O latifuacutendio agro-exportador do periacuteodo colonial bem como o escravismo
o analfabetismo marcaram negativamente nossas origens e ateacute hoje dificultam
avanccedilos no acircmbito poliacutetico-social e econocircmico Aleacutem dessas outras razotildees foram e
continuam sendo entraves para a consolidaccedilatildeo das instituiccedilotildees poliacutetica que
impedem os avanccedilos necessaacuterios para uma cidadania plena Na ordem poliacutetica
permanecem ainda algumas mazelas histoacutericas como o patrimonialismo
(promiscuidade entre o puacuteblico e o privado) o coronelismo com sua nova roupagem
o clientelismo aleacutem da corrupccedilatildeo entre outros
Mesmo diante de tatildeo vergonhoso cenaacuterio natildeo podemos nos dispensar que
tambeacutem alcanccedilamos mesmo que de forma tiacutemida significativas conquistas de
direitos no Brasil comparadas com outros paiacuteses que vivenciaram um processo de
colonizaccedilatildeo semelhante ao nosso A conquista desses direitos deu-se de maneira
tardia e inversa haja vista que somente em 1824 mais de 320 anos apoacutes a chegada
dos portugueses foi que surgiram os primeiros direitos civis e poliacuteticos (antes disso
estaacutevamos submetidos agrave lei da coroa portuguesa) Aos poucos surgiram os direitos
sociais mas exatamente no momento em que os direitos civis e poliacuteticos estavam
sendo negados no periacuteodo da ditadura de Vargas (1937-45) e na ditadura militar
(1964-1985) Parece um paradoxo mas foi exatamente nesse periacuteodo de
conturbaccedilotildees poliacuteticas que marchamos em direccedilatildeo agrave conquista de significativos
direitos que iriam projetar uma ideia de lutas e vitoacuterias que se projetariam no campo
da cidadania de modo bastante concreto
Por fim haveremos de concordar com Benevides (1994) ao afirmar que no
intuito de reverter agrave realidade poliacutetico-social excludente ou de uma cidadania
passiva ou sem ldquopovordquo eacute necessaacuterio recorrer agrave defesa de mecanismos institucionais
22
como o referendo o plebiscito e a iniciativa popular para a construccedilatildeo do que ela
chama de uma cidadania ativa ou democracia semidireta Alguns autores veem
dificuldades na implementaccedilatildeo desse sistema em paiacuteses que estatildeo em processo de
democratizaccedilatildeo no entanto logo em seguida apontam para a educaccedilatildeo poliacutetica ndash
entendida como educaccedilatildeo para a cidadania ativa
Desse modo pode-se proferir que todos esses anos de desenvolvimento
acabaram por afirmar que a cidadania de fato soacute pode se constituir por meio de
acirrada luta cotidiana por direitos e pela garantia daqueles que jaacute existem pois
apesar da existecircncia de profundas desigualdades sociais a ideia de cidadania
evoluiu com o passar dos anos Ampliou-se a abrangecircncia de sua concepccedilatildeo
abraccedilando todas as classes sociais e minorias Deixou de restringir-se apenas agrave
participaccedilatildeo poliacutetica para relacionar uma seacuterie de deveres da sociedade para com o
cidadatildeo Na praacutetica ainda haacute muito que se fazer para que direitos e deveres sejam
os mesmos para todos No entanto a busca pela realizaccedilatildeo da maacutexima ldquocada
homem um votordquo continua a ser perseguida
A luta pela conquista plena da cidadania eacute parte integrante da democracia
uma vez que assegura a continuidade das transformaccedilotildees juriacutedicas poliacuteticas entre
outras Natildeo resta duacutevida acerca do papel estruturante que essa luta desempenha no
quadro das democracias contemporacircneas fato que a converte em uma irresistiacutevel
conquista da modernidade O caraacuteter estruturante que a cidadania projeta nos
quadros da democracia atual estaacute ligado a permanente busca de um Estado
compatiacutevel com a realidade de cada tempo histoacuterico
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CAPIacuteTULO 2 - CIDADANIA Agrave LUZ DA CONSTITUICcedilAtildeO FEDERAL DE
1988
A Constituiccedilatildeo eacute a ordem juriacutedica fundamental da comunidade nas palavras
de Konrad Hesse (apud PALU 2001) eacute um documento juriacutedico e poliacutetico dirigido aos
cidadatildeos e estes satildeo os seus primeiros destinataacuterios A Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica eacute
a Lei fundamental composta por um conjunto de normas baacutesicas que compotildeem a
estrutura juriacutedica poliacutetica social e econocircmica de um paiacutes Essa eacute razatildeo pela qual
ela eacute chamada de Carta Magna pois a ela nada se sobrepotildee Para Dallari (1985) a
Constituiccedilatildeo
[] eacute a declaraccedilatildeo da vontade poliacutetica de um povo feita de modo solene por meio de uma lei que eacute superior a todas as outras que visando agrave proteccedilatildeo da dignidade humana estabelece os direitos e as responsabilidades fundamentais dos indiviacuteduos dos grupos sociais do povo e do governo
Desta forma uma Constituiccedilatildeo natildeo surge do nada ela eacute resultado de
observaccedilotildees e experiecircncias e sua finalidade eacute de afirmar e garantir os direitos
elementares das pessoas humanas disciplinar o uso ao mesmo tempo em que
evita o abuso de poder organizando de forma racional a sociedade e o governo
Satildeo inegaacuteveis as inovaccedilotildees teacutecnicas trazidas pela Constituiccedilatildeo Brasileira de
1988 no campo da instituiccedilatildeo garantia e proteccedilatildeo dos direitos fundamentais A
dignidade da pessoa humana e o exerciacutecio da cidadania satildeo considerados princiacutepios
fundamentais da Carta Magna Brasileira de 1988
Cidadania direito a ter direitos na acepccedilatildeo de Haberle ( apud VALADEacuteS
2009) refere-se a todos os direitos previstos na Constituiccedilatildeo de 1988 e ainda
aqueles natildeo expressos mas decorrentes do regime e dos princiacutepios por ela
adotados na dicccedilatildeo do sect 2deg art 5deg
O princiacutepio fundamental da cidadania conforme jaacute exposto impregna todo o
texto constitucional vigente a partir do art 1deg II em que figura de forma
24
exponencial relativamente ao Estado brasileiro e tudo que lhe corresponda no
exerciacutecio de um poder que adquire significaccedilatildeo renovada e amplificada na
sociedade contemporacircnea Segundo Arendt
A cidadania eacute o direito a ter direitos pois a igualdade em dignidade e direitos dos seres humanos natildeo eacute um dado Eacute um construiacutedo da convivecircncia coletiva que requer o acesso ao espaccedilo puacuteblico Eacute este acesso ao espaccedilo puacuteblico que permite a construccedilatildeo de um mundo comum atraveacutes do processo de asserccedilatildeo dos direitos humanos
Nesse diapasatildeo o direito a ter direitos compreende o pleno acesso ao
espaccedilo puacuteblico o efetivo exerciacutecio do poder poliacutetico das prerrogativas inerentes agrave
cidadania conforme explicita a Constituiccedilatildeo no art 5deg LXXI a propoacutesito do
mandado de injunccedilatildeo no dizer todo direito atribuiacutedo com o caraacuteter de exclusividade
agrave pessoa
21 Estado Democraacutetico de Direito espaccedilo de cidadania
Apoacutes a eacutepoca de grandes restriccedilotildees militares o ato de promulgaccedilatildeo da
Constituiccedilatildeo Federal em 05 de outubro de 1988 vem marcar uma nova fase de
esperanccedila para os brasileiros Ao batizaacute-la de Constituiccedilatildeo cidadatilde a Assembleia
Nacional Constituinte atraveacutes de seu presidente o Deputado Ulisses Guimaratildees
resumiu o espiacuterito do texto constitucional assegurar aos brasileiros direitos sociais
essenciais ao exerciacutecio da cidadania e estabelecer mecanismos para garantir o
cumprimento de tais direitos
O que se viu a partir de entatildeo foi uma lenta poreacutem significativa mudanccedila na
sociedade brasileira A Constituiccedilatildeo Federal que eacute sem duacutevidas um marco na
histoacuteria do paiacutes traccedila a prioridade dada pelos constituintes aos direitos dos
brasileiros que pode ser observada em todas as questotildees
A Carta faz uma ampliaccedilatildeo dos direitos individuais sociais e poliacuteticos e como
se observa a inserccedilatildeo dos direitos sociais como segundo tiacutetulo revela a primazia
que o constituinte quis daacute a estes direitos em detrimento de todos os outros
incluindo os referentes agrave organizaccedilatildeo do Estado e dos Poderes que vecircm depois
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Ao contraacuterio do que ocorreu com as Constituiccedilotildees anteriores esse
ordenamento dos capiacutetulos parece revelar que a Carta eacute o prenuacutencio de um paiacutes em
que os direitos dos cidadatildeos formam a base do ordenamento do Estado Essa ideia
foi expressa pelo presidente da Assembleacuteia Constituinte deputado Ulysses
Guimaratildees que voltamos a citar quando anunciou
Diferentemente das sete constituiccedilotildees anteriores esta comeccedila com o homem De modo gratificante testemunha a primazia do homem que foi escrita para o homem que o homem eacute seu fim e sua esperanccedila Eacute a Constituiccedilatildeo cidadatilde
A Constituiccedilatildeo nasceu da constataccedilatildeo de que o figurino juriacutedico formulado
para o Brasil desde os primoacuterdios do Estado nacional natildeo se compatibilizava com as
necessidades dos brasileiros Houve avanccedilos na formalizaccedilatildeo da Lei Magna
especialmente no tocante aos direitos de cidadania mas estamos longe do ideal
preconizado pela carta cidadatilde O que nos leva a crer que a cidadania eacute um processo
diaacuterio e permanente de construccedilatildeo Pois natildeo basta garantir o direito eacute preciso
exercecirc-lo
A cidadania abraccedilada pela atual Constituiccedilatildeo Federal Brasileira teve seu
conteuacutedo ampliado e natildeo se restringe ao simples fato de possuir um tiacutetulo de eleitor
para votar e ser votado ela estabelece cidadania como princiacutepio fundamental da
Repuacuteblica do Brasil desta forma o conceito decorrente pode ser entendido
conforme preleciona Silva (2005) ldquocidadania estaacute aqui num sentido mais amplo do
que o de titular de direitos poliacuteticos Qualifica os participantes da vida do Estado
reconhecimento do indiviacuteduo como pessoa integrada a sociedade estatalrdquo
Tal conceito nos leva a relacionar cidadania com democracia uma vez que
optou-se pelo Estado Democraacutetico de Direito o qual assenta seus alicerces na
participaccedilatildeo popular em questotildees que envolvem a coisa puacuteblica Para Moraes
(2005) esse Estado de Direito ldquosignifica a exigecircncia de reger-se por normas
democraacuteticas com eleiccedilotildees livres perioacutedicas e pelo povo bem como o respeito das
autoridades puacuteblicas aos direitos e garantias fundamentaisrdquo
O propoacutesito da opccedilatildeo pelo Estado Democraacutetico de Direito eacute que a cidadania e
os demais direitos fundamentais fluam com plenitude talvez seja o que justifique a
denominaccedilatildeo da Carta Magna de cidadatilde pois o povo passa a atuar de forma mais
ativa na vida poliacutetica do Estado uma vez que a ele foi concedido esse poder
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A cidadania portanto soacute adquire pleno significado no mundo contemporacircneo
num Estado Democraacutetico de Direito para tanto exige um ambiente de vida e de
conviacutevio entre os homens tiacutepico e proacuteprio de um Estado Democraacutetico pois a
cidadania constitui fundamento primordial daquele Estado qual seja possibilitar aos
indiviacuteduos habitantes de um paiacutes o seu pleno desenvolvimento atraveacutes do alcance
de igual dignidade social e econocircmica
Segundo Rozicki (2005) O ambiente de vida social do Estado Democraacutetico
cujos pilares se encontram na efetividade dos direitos fundamentais da pessoa
humana em uma sociedade solidaacuteria soacute eacute possiacutevel atraveacutes da observaccedilatildeo de alguns
postulados que lhe satildeo essenciais os quais a autora denomina de pressupostos do
Estado democraacutetico de Direito
1)a valorizaccedilatildeo e atualidade da dignidade do homem e o reconhecimento da importacircncia de dispensar a todos tratamento fraternal igualitaacuterio e natildeo discriminativo 2) a confianccedila nos talentos e possibilidades latentes dos homens 3) a seguranccedila e o creacutedito nos valores institucionalizados pelas massas como fundamentos para o progresso do bem comum e o alcance da justiccedila 4) a aceitaccedilatildeo da legitimidade das decisotildees tomadas por meio de processos racionais e participativos de deliberaccedilatildeo com o consenso da maioria que constitui o reflexo o resultado de debates livres entre todos 5) o respeito aos grupos minoritaacuterios 6) e a compreensatildeo de que todo o interesse geral eacute a siacutentese dos diversos interesses e ideacuteias dos indiviacuteduos e dos grupos diferentes centros de poder que integram a sociedade pluralista
Percebe-se que o conceito amplo de cidadania encontra seus princiacutepios
baacutesicos e estruturantes nesses pressupostos intimamente ligado aos conceitos de
democracia e de igualdade No tocante ao conceito de igualdade elucidativa eacute a
liccedilatildeo de Rozicki (2005) quando afirma que
O princiacutepio de igualdade disciplina todas as atividades puacuteblicas e tem aplicaccedilatildeo direta nas relaccedilotildees privadas que ocorrem entre os particulares impondo para tornaacute-lo real a proibiccedilatildeo de discriminaccedilotildees e a eliminaccedilatildeo das desigualdades faacuteticas nos planos social e econocircmico proporcionando a todos os cidadatildeos igual condiccedilatildeo de vida e mesma posiccedilatildeo perante o Estado Democraacutetico
E complementa que tambeacutem para a realizaccedilatildeo da cidadania o princiacutepio
democraacutetico torna indispensaacutevel agrave participaccedilatildeo popular nas tomadas de decisatildeo No
seu entender
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A cidadania no Estado democraacutetico de direito efetivada oferece aos cidadatildeos como iguais condiccedilotildees de existecircncia o gozo atual de direitos e a obrigaccedilatildeo do cumprimento de deveres que resumidamente podem ser assim apresentados exerciacutecio de direitos fundamentais e participaccedilatildeo e os deveres de colaboraccedilatildeo e solidariedade (Rozicki 2005)
Natildeo obstante eacute vaacutelido ressaltar um princiacutepio igualmente importante e deveras
esquecido a fraternidade Este princiacutepio que eacute um dos trecircs pilares da Revoluccedilatildeo
Francesa eacute pouco discutido apesar de assumir um papel decisivo na consolidaccedilatildeo
da democracia da politica e do poder
A fraternidade eacute necessaacuteria para o estabelecimento de uma comunidade
politicamente solidaacuteria com indiviacuteduos iguais e livres
Para finalmente concebermos um Estado Democraacutetico de Direito que trate os
iguais na medida de suas desigualdades
22 Os direitos fundamentais como pressupostos de identidade da cidadania
Os direitos fundamentais vistos como um dos traccedilos mais marcante do
constitucionalismo moderno consistem no resultado da luta dos homens por um
direito ideal justo e humano representam situaccedilotildees reconhecidas juridicamente
sem as quais o homem eacute incapaz de alcanccedilar sua proacutepria realizaccedilatildeo e
desenvolvimento plenamente daiacute dizer-se que o princiacutepio preponderante que
condensa os direitos fundamentais eacute o da dignidade da pessoa humana
Os direitos fundamentais satildeo o conjunto de normas de um ordenamento juriacutedico que formam um subsistema deste fundado na liberdade na igualdade na seguridade na solidariedade expressotildees da dignidade do homem que formam parte da norma baacutesica material de identificaccedilatildeo do ordenamento juriacutedico e constitui um setor de moralidade procedimental positivada que legitima o Estado Social de Direito (MARTINEZ apud AGRA 2002)
Tais direitos foram e vatildeo sendo aperfeiccediloados e estendidos ao longo do
tempo resta dizer que os mesmos estabelecem faculdades da pessoa humana que
permitem sua breve classificaccedilatildeo do seguinte modo 1) os direitos civis e poliacuteticos
de liberdade como por exemplo a liberdade de expressatildeo de propriedade de
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manifestaccedilatildeo do pensamento de associaccedilatildeo de imprensa de reuniatildeo de igualdade
formal perante a lei de participaccedilatildeo poliacutetica o devido processo legal o habeas
corpus o direito de peticcedilatildeo etc 2) os direitos sociais econocircmicos e culturais de
participaccedilatildeo poliacutetica tais como a igualdade de sufraacutegio o direito de voto e de
elegibilidade o direito de peticcedilatildeo e os direitos de participaccedilatildeo poliacutetica 3) os direitos
da titularidade coletiva que satildeo aqueles ligados a solidariedade e a fraternidade
como por exemplo o direito agrave preservaccedilatildeo do meio ambiente e agrave qualidade de vida
etc 4) os direitos chamados de quarta geraccedilatildeo por exemplo direito a democracia a
informaccedilatildeo ao comeacutercio eletrocircnico entre os estados etc
Natildeo existe qualquer relaccedilatildeo hieraacuterquica entre estes direitos mesmo porque
todos interagem entre si de nada servindo um sem a existecircncia dos outros Esta
divisatildeo acontece devido agrave eterna e constante busca do homem por mais proteccedilatildeo
mais garantia com o objetivo de alcanccedilar uma sociedade mais justa igualitaacuteria e
fraterna
Na evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais Agra (2002) chama a atenccedilatildeo do
relevo que adquirem a democratizaccedilatildeo da informaccedilatildeo e os mecanismos de
democracia participativa E justifica que a democratizaccedilatildeo da informaccedilatildeo natildeo se
caracteriza apenas pela existecircncia de uma miacutedia plural sem nenhum tipo de
monopoacutelio mas deve ser concebida como a obrigaccedilatildeo que todos os cidadatildeos tecircm
de tomar consciecircncia dos graves problemas que afligem a humanidade e que os
mecanismos da democracia participativa concebem a cidadania em extensatildeo muito
superior ao voto abrangendo a interferecircncia direta do cidadatildeo nas decisotildees
governamentais mediante vaacuterios mecanismos juriacutedicos como o plebiscito o recall o
orccedilamento participativo etc
De acordo com Silva (2005) os Direitos Fundamentais na Constituiccedilatildeo de
1988 abrangem os ldquodireitos individuais sociais poliacuteticos e tambeacutem os direitos
econocircmicos Para o autor a ampliaccedilatildeo e transformaccedilatildeo dos direitos fundamentais
do homem na histoacuteria dificultam uma definiccedilatildeo sinteacutetica do conceitordquo
Essa dificuldade aumenta diante do emprego de vaacuterias expressotildees para
designaacute-los tais como direitos naturais direitos humanos direitos do homem
direitos individuais direitos puacuteblicos subjetivos liberdades fundamentais liberdades
puacuteblicas e direitos fundamentais do homem No entanto direitos fundamentais do
homem constitui a expressatildeo mais adequada porque na palavra fundamentais
acha-se a indicaccedilatildeo de que se trata de situaccedilotildees sem as quais o indiviacuteduo natildeo tem
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uma vida digna natildeo convive e agraves vezes nem mesmo sobrevive A expressatildeo
direitos fundamentais eacute a mais precisa no sentido de que a todos por igual devem
ser natildeo apenas formalmente reconhecidos mas concreta e materialmente
efetivados
Por sua vez a atual Corte em julgamento do habeas corpus (HC ndeg
82424RS) marca seu posicionamento no tocante ao sistema de direitos
fundamentais insculpido na Constituiccedilatildeo de 1988 atraveacutes dos profundos e bem
fundamentados votos dos Ministros que aleacutem de delimitarem a extensatildeo e os limites
da liberdade de expressatildeo (art 5o IV e IX) acabaram indicando as bases filosoacuteficas
e juriacutedicas para a interpretaccedilatildeo do cataacutelogo de direitos fundamentais da Constituiccedilatildeo
de 1988
Nesse sentido o voto do Ministro Marco Aureacutelio tratou de definir o sistema de
direitos fundamentais como a ldquoproacutepria essecircncia da Constituiccedilatildeordquo qualificando-os
como ldquovalores objetivos que servem como norte da atuaccedilatildeo estatalrdquo Assim estaacute
consignado nos fundamentos do referido voto
A Constituiccedilatildeo de 1988 representou um divisor de aacuteguas entre o antigo regime totalitaacuterio e um periacuteodo de redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes marcando dessa forma uma eacutepoca que tem como modelo de atuaccedilatildeo do Estado o respeito incondicional aos direitos fundamentais Por isso mesmo o sistema constitucional dos direitos fundamentais previsto no artigo 5o da Carta com os eventuais acreacutescimos do sect 2o reflete em rigor e em larga medida a proacutepria essecircncia da Constituiccedilatildeo e a retomada do processo de democratizaccedilatildeo e da garantia do cidadatildeo contra abusos e arbitrariedades no exerciacutecio do Poder Puacuteblico Os direitos fundamentais satildeo hoje verdadeiros princiacutepios estruturantes da organizaccedilatildeo e do funcionamento do Estado valores objetivos que servem como norte da atuaccedilatildeo estatal em seus mais diferentes niacuteveis no Legislativo formam um cataacutelogo de princiacutepios e garantias que informam e direcionam toda a atividade de criaccedilatildeo das normas de nosso ordenamento juriacutedico e de concretizaccedilatildeo dos preceitos constitucionais no Executivo mostram-se como verdadeiros limites ao exerciacutecio do poder administrativo servindo como trincheiras de proteccedilatildeo da liberdade do cidadatildeo e no judiciaacuterio refletem a base e o fundamento necessaacuterio da compreensatildeo e interpretaccedilatildeo de nossas normas ndash efeito interpretativo - evitando que a atividade jurisdicional se transforme em medidas discricionaacuterias ou providecircncias ilegiacutetimas de opccedilotildees poliacuteticas pautadas em escolhas pessoais dos juiacutezes
Tudo indica que se trata do iniacutecio de uma soacutelida construccedilatildeo jurisprudencial a
respeito do sentido axioloacutegico do sistema de direitos fundamentais da Constituiccedilatildeo
de 1988
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Os Direitos Individuais satildeo de exerciacutecio exclusivo do indiviacuteduo e devem ser
formalmente reconhecidos e concretizados no cotidiano do cidadatildeo O indiviacuteduo aqui
eacute considerado um sujeito de direitos e natildeo apenas como integrante de um corpo
social Esses direitos natildeo podem sofrer nenhum tipo de restriccedilatildeo natildeo se
discriminando quem os pode exercer uma vez que satildeo titulares todas as pessoas
capazes incapazes brasileiras estrangeiras alfabetizadas e iletradas
A Constituiccedilatildeo Cidadatilde foi a primeira a estabelecer direitos natildeo soacute de
indiviacuteduos mas tambeacutem de grupos sociais os denominados direitos coletivos Com
isso as pessoas passaram a ser coletivamente consideradas Os direitos individuais
e coletivos estatildeo anunciados no art 5ordm em setenta e sete incisos e em dois
paraacutegrafos
Verifica-se que os Direitos Individuais tecircm como ponto marcante a liberdade
seja ela tomada de maneira global ou especiacutefica como liberdade de associaccedilatildeo de
reuniatildeo A liberdade de reuniatildeo (art 5ordm XVI) constitui-se na primeira e mais simples
liberdade corporativa estando logo apoacutes a liberdade de locomoccedilatildeo
Os Direitos Sociais tecircm como titular uma coletividade e satildeo caracterizados
pela prestaccedilatildeo de serviccedilos ou oferecimento de melhorias para a sociedade como um
todo por parte do Poder Puacuteblico Assim os Direitos Sociais tornam possiacutevel a fruiccedilatildeo
e o exerciacutecio dos Direitos Individuais pela coletividade mesmo pelos carentes
materialmente
O art 6deg define os Direitos Sociais da seguinte maneira ldquoSatildeo Direitos Sociais
a educaccedilatildeo a sauacutede o trabalho a moradia o lazer a seguranccedila a previdecircncia
social a proteccedilatildeo agrave maternidade e agrave infacircncia a assistecircncia aos desamparados na
forma desta Constituiccedilatildeordquo
Portanto eacute obrigatoacuteria ao Estado a proteccedilatildeo dos interesses da coletividade
com o atendimento dos direitos acima citados
Satildeo direitos poliacuteticos os que conferem o acesso da populaccedilatildeo agrave participaccedilatildeo
no Poder do Estado tais como os direitos de votar e ser votado do referendo
plebiscito e iniciativa popular das leis O direito democraacutetico de participaccedilatildeo dos
cidadatildeos no governo por meio de seus representantes exigiu a formaccedilatildeo de um
conjunto de normas legais permanentes que recebeu a denominaccedilatildeo de direitos
poliacuteticos Os Direitos Poliacuteticos amparam os Direitos Individuais Sociais e
Econocircmicos pois quando desaparece a democracia desaparecem imediatamente
as liberdades fundamentais
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Com o advento da Constituiccedilatildeo de 1988 foram criadas instituiccedilotildees para
fiscalizar e controlar a atuaccedilatildeo da administraccedilatildeo puacuteblica entre as quais o Ministeacuterio
Puacuteblico que funciona como um canal de expressatildeo dos direitos da populaccedilatildeo
O Ministeacuterio Puacuteblico foi a instituiccedilatildeo que mais ganhou importacircncia no cenaacuterio
puacuteblico por ter passado a defender os interesses coletivos ou seja os interesses de
um grupo categoria ou classe e natildeo de um indiviacuteduo isolado No artigo 127 o
Ministeacuterio Puacutebico (MP) eacute definido como ldquouma instituiccedilatildeo permanente essencial agrave
funccedilatildeo jurisdicional do Estado incumbindo-lhe a defesa da ordem juriacutedica do regime
democraacutetico e dos interesses sociais e individuais indispensaacuteveisrdquo
Cabe ao Ministeacuterio Puacuteblico exigir dos poderes puacuteblicos e dos serviccedilos de
relevacircncia puacuteblica respeito aos direitos elencados na Constituiccedilatildeo promovendo as
medidas necessaacuterias agrave garantia desses direitos Portanto eacute responsaacutevel pela
garantia da ordem juriacutedica do regime democraacutetico da moralidade puacuteblica e dos
direitos sociais e individuais
23 A consagraccedilatildeo dos direitos do cidadatildeo
A Constituiccedilatildeo de 1988 eacute o coroamento da histoacuteria constitucional do Brasil por
ter sido um marco da redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes opondo-se a qualquer forma de
autoritarismo Nela a cidadania foi consagrada como um dos fundamentos da
Repuacuteblica Federativa do Brasil (art 1ordm inc II) Observe-se que o termo cidadania
encontra-se na Constituiccedilatildeo em sentido mais amplo do que o de titular de direitos
poliacuteticos pois qualifica os participantes da vida do Estado e reconhece o indiviacuteduo
como pessoa integrada na sociedade estatal
Essa nova concepccedilatildeo de cidadania introduzida pela Constituiccedilatildeo Federal de
1988 eacute fruto da internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos e como marco principal da
institucionalizaccedilatildeo erigiu em seu artigo primeiro a dignidade da pessoa humana (inc
III) e a cidadania (incII) a princiacutepio fundamental
Institui com o princiacutepio da cidadania uma nova compreensatildeo acerca dos
direitos de deveres da pessoa elevado-o a status maacuteximo a regra-matriz que natildeo
pode ser desrespeitada pois os fundamentos constituem a essecircncia da Repuacuteblica
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Federativa e servem como regra-matriz para a elaboraccedilatildeo interpretaccedilatildeo e
integraccedilatildeo do sistema juriacutedico nacional
Violar um princiacutepio eacute muito grave que transgredir uma norma qualquer A desatenccedilatildeo ao principio implica ofensa natildeo apenas a um especifico mandamento obrigatoacuterio mas a todo o sistema de comandos Eacute a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade representa insurgecircncia contra todo o sistema subversatildeo de valores fundamentais (MELLO apud CHIMENTI 2005 P 33)
Para Silva (2004) cidadania eacute discriminada como princiacutepio relativo ao regime
poliacutetico Dessa forma compreendida cidadania como princiacutepio fundamental eacute o
direito de participar dos destinos do Estado e mais usufruir dos direitos civis
fundamentais previstos na Constituiccedilatildeo
Muitos doutrinadores utilizam cidadania no mesmo sentido de nacionalidade
(Art 12 da Constituiccedilatildeo Federal) e de direitos poliacuteticos (Art 14) Em alguns outros
dispositivos a palavra cidadania (ou cidadatildeo) poderia ainda ter a significaccedilatildeo de
direitos poliacuteticos mas mesmo assim de forma impliacutecita a exemplo dos arts 22 XIII
e 5ordm LXXIII No primeiro se lecirc que compete agrave Uniatildeo legislar sobre nacionalidade
cidadania e naturalizaccedilatildeo e no segundo que qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima
para propor accedilatildeo popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de
entidade de que o Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e
ao patrimocircnio histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de
custas judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia No entanto conforme Mazzuoli (2002)
Observe-se que a Carta de 1988 ao tratar no seu art 14 dos direitos poliacuteticos natildeo se refere sequer em um momento agrave expressatildeo cidadania dizendo apenas que a soberania popular seraacute exercida pelo sufraacutegio universal e pelo voto direito e secreto com valor igual para todos (hellip) Pelo contraacuterio a Constituiccedilatildeo faz uma separaccedilatildeo entre cidadania e direitos poliacuteticos quando no seu art 68 sect 1ordm II ao tratar das leis delegadas exclui do acircmbito da delegaccedilatildeo legislativa a nacionalidade cidadania direitos individuais poliacuteticos e eleitorais
A Constituiccedilatildeo brasileira de 1988 com a transiccedilatildeo para o regime democraacutetico
consagrou expressamente esta nova concepccedilatildeo de cidadania como se depreende
da leitura de vaacuterios dos seus dispositivos
Foi nesse sentido que pioneiramente estatuiu a Carta de 1988 em seu art
1ordm que a Repuacuteblica Federativa do Brasil formada pela uniatildeo indissoluacutevel dos
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Estados e Municiacutepios e do Distrito Federal constitui-se em Estado Democraacutetico de
Direito e tem como fundamentos dentre outros a cidadania (inc II) Como jaacute
mencionado
Na mesma esteira o disposto no art 5ordm incisos LXXI (conceder-se-aacute
mandado de injunccedilatildeo sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviaacutevel o
exerciacutecio dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes agrave
nacionalidade agrave soberania e agrave cidadania) e LXXVII (satildeo gratuitas as accedilotildees de
habeas-corpus e habeas-data e na forma da lei os atos necessaacuterios ao exerciacutecio
da cidadania) No seu Tiacutetulo VIII Capiacutetulo II Seccedilatildeo I a Carta Magna de 1988
dispotildee ainda que a
Educaccedilatildeo direito de todos e dever do Estado e da famiacutelia seraacute promovida e incentivada com a colaboraccedilatildeo da sociedade visando ao pleno desenvolvimento da pessoa seu preparo para o exerciacutecio da cidadania e sua qualificaccedilatildeo para o trabalho (art 205)
Outro dispositivo em que fica bastante marcada esta nova concepccedilatildeo de
cidadania eacute o art 64 do Ato das Disposiccedilotildees Constitucionais Transitoacuterias que
dispotildee
A Imprensa Nacional e demais graacuteficas da Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios da administraccedilatildeo direta ou indireta inclusive fundaccedilotildees instituiacutedas e mantidas pelo Poder Puacuteblico promoveratildeo ediccedilatildeo popular do texto integral da Constituiccedilatildeo que seraacute posta agrave disposiccedilatildeo das escolas e dos cartoacuterios dos sindicatos dos quarteacuteis das igrejas e de outras instituiccedilotildees representativas da comunidade gratuitamente de modo que cada cidadatildeo brasileiro possa receber do Estado um exemplar da Constituiccedilatildeo do Brasil
Enfim a Constituiccedilatildeo de 1988 enriqueceu e ampliou os conceitos de cidadatildeo
e cidadania Seu entendimento agora como leciona Silva (2005)
Decorre da ideia de Constituiccedilatildeo dirigente que natildeo eacute apenas um repositoacuterio de programas vagos a serem cumpridos mas constitui um sistema de previsatildeo de direitos sociais mais ou menos eficazes em torno dos quais eacute que se vem construindo a nova ideacuteia de cidadania
De forma que natildeo mais se trata de considerar a cidadania como simples
qualidade de gozar direitos poliacuteticos mas sim de aferir-lhe um nuacutecleo miacutenimo e
irredutiacutevel de direitos (fundamentais) que devem se impor obrigatoriamente agrave accedilatildeo
dos poderes puacuteblicos
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O ordenamento juriacutedico brasileiro consagrou aleacutem dos institutos jaacute
mencionados alguns outros mecanismos de defesa dos direitos e garantias
constitucionais da cidadania como a accedilatildeo civil puacuteblica regulada pela Lei nordm
734785 e accedilatildeo direta de inconstitucionalidade prevista no incIV do art 129 da
Constituiccedilatildeo Federal O Coacutedigo de Defesa do Consumidor o Estatuto da Crianccedila e
do Adolescente e ateacute mesmo o princiacutepio do devido processo legal que resguarda ao
cidadatildeo o acesso agrave justiccedila e direito de ser acionado judicialmente por meio de
procedimentos legais satildeo mecanismos de defesa dos direitos de cidadania
previstos constitucionalmente e garantidos na esfera poliacutetica civil e social
Pode-se observar que a cidadania comeccedilou a ser construiacuteda como resultado
de um processo de luta a partir da conscientizaccedilatildeo dos direitos e deveres do
homem Como vimos a cidadania jaacute em praacutetica em muitos paiacuteses adquire no
Brasil com a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 um novo sentido qual seja o
pressuposto do exerciacutecio pleno de um sistema de direitos e garantias
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CAPIacuteTULO 3 - CIDADANIA COMO MECANISMO DE
TRANSFORMACcedilAtildeO SOCIAL
No momento em que a cidadania alccedila voos constitucionais e insere-se na
Carta Poliacutetica da Repuacuteblica Federativa do Brasil inicia-se o processo de
redemocratizaccedilatildeo e ganha relevo o cidadatildeo agente deste processo que tem em
suas matildeos a tarefa da construccedilatildeo de um novo tempo
Historicamente a ideia de cidadatildeo conotava o habitante da cidade ndash o
citadino ndash firma-se entatildeo tal conotaccedilatildeo na Antiguumlidade claacutessica para depois
significar aquele indiviacuteduo a quem se atribuem os direitos poliacuteticos Superada essa
acepccedilatildeo que tambeacutem vigorou nas constituiccedilotildees anteriores da Repuacuteblica do Brasil
na concepccedilatildeo moderna estaacute clara a noccedilatildeo de cidadatildeo como aquele que a quem
consiste a titularidade de direitos individuais poliacuteticos e sociais Noccedilatildeo esta
edificada com a internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos que amplia a acepccedilatildeo do
termo declarando que satildeo cidadatildeos todo aquele que habita o acircmbito da soberania
de um Estado e deste Estado recebem uma carga de direitos e tambeacutem deveres dos
mais variados
Desta forma a noccedilatildeo contemporacircnea de cidadania funda-se na dicotomia
direitos (exerciacutecios de direitos fundamentais - participaccedilatildeo) e deveres (colaboraccedilatildeo -
solidariedade) Ao lado dos direitos foram estabelecidos deveres fundamentais e
portanto tanto agentes puacuteblicos como os indiviacuteduos tecircm obrigaccedilotildees especiacuteficas
inclusive a de respeitar os direitos das demais pessoas que vivem na ordem social
sendo e promovendo mecanismos de transformaccedilatildeo social que visam uma nova
sociedade baseada na igualdade e na justiccedila
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31 O ser cidadatildeo
Os termos indiviacuteduo ser humano pessoa e cidadatildeo satildeo geralmente tomados
como sinocircnimo o que certamente influi na proliferaccedilatildeo de incontaacuteveis significados e
ampliaccedilatildeo do termo cidadatildeo Poreacutem estas palavras apesar de se assemelharem
possuem carga semacircntica proacutepria e da compreensatildeo exata de cada uma decorre a
conceituaccedilatildeo mais acentuada da acepccedilatildeo do termo cidadatildeo como titular de direitos
e deveres resguardados pela constituiccedilatildeo paacutetria
Desta forma indiviacuteduo eacute um representante da espeacutecie aquele que eacute uacutenico
Enquanto ser humano eacute um termo mais geneacuterico ou indeterminado que diz respeito
agrave espeacutecie agrave classificaccedilatildeo ao mundo zooloacutegico Pessoa por sua vez eacute um termo
mais especiacutefico que tem a ver com o mundo civilizado ou se preferirmos com a
constelaccedilatildeo dos valores morais eacuteticos e juriacutedicos proacuteprios da civilizaccedilatildeo
A etimologia da palavra pessoa demonstra que eacute um conceito sobreposto ao conceito de Ser Humano Um refratildeo de origem juriacutedica tambeacutem nos lembra do homo plures pessoa polimorfa o ser humano capaz de desempenhar muitos papeacuteis um mesmo ser humano eacute empresaacuterio e delinquumlente eacute pai e metaluacutergico etc Persona (personagem) era a maacutescara que usavam os atores da trageacutedia grega para desempenhar seu papel Cabe portanto entender o conceito de Ser Humano ao lado do conceito de Pessoa No direito romano antigo os escravos eram seres humanos (homens) mas natildeo eram consideradas pessoas (patriacutecios) Os juristas romanos que usavam o conceito de Ser Humano o dissociavam do conceito de pessoas (CUNHA 2007)
O Ser Humano recebe uma distinccedilatildeo importante quando o consideramos
como Pessoa assim como a Pessoa recebe uma distinccedilatildeo redundante natildeo menos
importante quando a consideramos por forccedila de expressatildeo como uma pessoa
humana Subentendendo o adjetivo humano como relativo agrave eacutetica Portanto Ser
Humano natildeo eacute a mesma coisa que Pessoa como tampouco Ser Humano eacute o
mesmo que cidadatildeo este muito eacute mais proacuteximo do termo Pessoa Vejamos o quadro
ilustrativo que esquematiza e distinguem os referidos conceitos
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QUADRO 1 ndash EVOLUCcedilAtildeO DO SER HUMANO ATEacute O CIDADAtildeO
O Ser Humano O Ser Indiviacuteduo O Ser Pessoa O Ser Cidadatildeo
A Dimensatildeo do conviacutevio social
A dimensatildeo do mercado de trabalho e
Consumo
A Dimensatildeo de encontrar-se no mundo
A dimensatildeo de intervir na realidade
O homem tornar-se Ser Humano nas relaccedilotildees
de conviacutevio social
O Ser Humano tornar-se indiviacuteduo quando
descobre seu papel e funccedilatildeo social
O Indiviacuteduo torna-se pessoa quanto toma
consciecircncia de si mesmo do outro e do
mundo
A pessoa torna-se cidadatildeo quando
interveacutem na realidade em que vive
Quem estuda o comportamento do Ser
Humano Seria a antropologia a histoacuteria
ou a sociologia
Quem estuda o comportamento do indiviacuteduo Seria a
Filosofia a sociologia ou a Psicologia
Quem estuda o comportamento da pessoa Seria a
Filosofia a sociologia ou a Psicologia
Quem estuda o comportamento do cidadatildeo Seria a
Sociologia a Filosofia ou As ciecircncias
poliacuteticas
Quem garante os direitos do Ser
Humano A Declaraccedilatildeo Universal
dos Direitos Humanos
Quem garante os Direitos do
Consumidor O Coacutedigo do Consumidor
Quem garante os Direitos da pessoa A proacutepria pessoa (amor proacuteprio ou autoestima)
Quem garante os Direitos do cidadatildeo (A Constituiccedilatildeo e suas leis
regulamentares)
Existe realmente uma natureza humana Teologicamente
afirmamos que existe a uma natureza humana
Seguindo a corrente existencialista (JP Sartre) negamos tal
natureza
Que diferenccedila existe entre o direito do
consumidor e o direito do cidadatildeo Ao
Consumidor deve ser dado o direito de
propriedade enquanto ao cidadatildeo deve ser
dado o direito de acesso
O que significa tornar-se pessoa no niacutevel
psicoloacutegico e social A pessoa eacute o indiviacuteduo que toma consciecircncia de si mesmo (ldquoTornar-
se Pessoardquo de Karl Roger)
Como podemos intervir na realidade
modificando as estruturas corruptas e injustas Quando os
direitos do cidadatildeo lhe satildeo oferecidos e o
mesmo passa a exercecirc-lo haacute
modificaccedilatildeo de comportamento
(ROSAS 2009)
O cidadatildeo eacute portanto aquele indiviacuteduo a quem a Constituiccedilatildeo confere direitos
e garantias e lhe daacute o poder do seu efetivo exerciacutecio aleacutem de meios processuais
eficientes contra a violaccedilatildeo de seu gozo ou fruiccedilatildeo por parte do poder puacuteblico
Sendo assim
A passagem do indiviacuteduo a cidadatildeo caracteriza-se pelo reconhecimento pela lei de direitos considerados fundamentais agrave realizaccedilatildeo da vida do homem como indiviacuteduo e ser social membro de uma comunidade poliacutetica e a garantia desses direitos pela forccedila comum de todos (CUNHA 2007)
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Nas uacuteltimas deacutecadas em alguns paiacuteses inclusive no Brasil desenvolveu-se o
conceito de cidadania calcado principalmente na questatildeo do cidadatildeo-consumidor
As pessoas passam a ser vistas como cidadatildes desde que tenham dinheiro para
adquirir mercadorias e utilizar serviccedilos Eacute certo pois que serviccedilos e mercadorias
atendem a necessidades materiais e simboacutelicas das pessoas e consumi-los eacute um
dos modos de participar da vida social criar identidade e partilhar dos bens
produzidos pela humanidade e representar-se culturalmente Contudo a cidadania
enfatizada apenas como uma relaccedilatildeo de compra e venda de mercadorias e serviccedilos
assume um conteuacutedo restrito individual conformista e voltado apenas para a
aquisiccedilatildeo de bens o que se relaciona com a ideacuteia de indiviacuteduo ou seja o consumo
atende as necessidades do indiviacuteduo
Outra forma de confusatildeo acerca do conceito de cidadatildeocidadania refere-se a
equiparaccedilatildeo feita com o assistencialismo o que configura uma acentuada inversatildeo
do termo uma vez que a praacutetica do assistencialismo natildeo propicia meios de
superaccedilatildeo das desigualdades sociais Enquanto a cidadania estaacute relacionada agrave
superaccedilatildeo das desigualdades sociais e a extensatildeo da garantia dos direitos de todos
O cidadatildeo eacute sem duacutevida uma expressatildeo que precisa ser adequadamente
utilizada e vivenciada pela coletividade compreendido na dimensatildeo do ser pessoa
de ter direitos e deveres do assumir as suas liberdades e responsabilidades no seio
de uma comunidade democraacutetica equitativa solidaacuteria e intercultural
Dessa forma ser cidadatildeo implica saber viver em sociedade estando ciente
dos anseios comuns A participaccedilatildeo ativa nas decisotildees de sua comunidade
influencia modos de vida de maneira positiva ao seu redor assim torna-se
imprescindiacutevel o exerciacutecio dos direitos constitucionais adquiridos e lutar pelos que
viratildeo eacute sobretudo estar consciente de todas as atitudes tomadas em prol da
sociedade
Eacute possiacutevel nesse espaccedilo de discussatildeo falar em ldquoestar cidadatildeordquo que eacute natildeo
praticar o exerciacutecio da cidadania em nenhuma de suas formas Implica apenas em
se deixar levar pelos acontecimentos e ainda reclamar das situaccedilotildees vividas sem
nada fazer para mudar sem nenhuma perspectiva de futuro Do que concluiacutemos que
a dinacircmica de intervir na realidade eacute pressuposto de cidadania
Ser cidadatildeo eacute tarefa que requer muito do ser humano do individuo da
pessoa Requer uma alta - estima elevada uma consciecircncia solidaacuteria uma
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identidade que se reconheccedila na dinacircmica social interagindo com o outro ampliando
debates incitando justiccedila eacute sem duvida uma tomada de posiccedilatildeo que natildeo se
acomoda pelo contraacuterio se incomoda quando natildeo haacute comprometimento para o bem
comum
Natildeo eacute uma tarefa cocircmoda senatildeo muito complicada as pessoas natildeo nascem cidadatildeos mas fazem-se no tempo e no espaccedilo Na verdade natildeo eacute faacutecil exercer a liberdade e a cidadania ndash ser pessoa e ser cidadatildeo ndash por isso exige-se uma luta sem treacuteguas para erradicar assimetrias e exclusotildees socioculturais e criar cenaacuterios de esperanccedila realizaacuteveis fundamentados em valores e princiacutepios eacuteticos que requalifiquem a democracia com cidadatildeos participativos e
comprometidos ( SAEZ 1995)
Tem portanto como pressuposto uma mudanccedila de comportamento uma
tomada de posiccedilatildeo frente agrave dinacircmica social na qual estaacute inserido participando de
forma ativa e produtiva do processo de construccedilatildeo da cidadania por meio de seus
diversos canais
32 Emancipaccedilatildeo social atraveacutes da cidadania
Um Estado Democraacutetico eacute aquele que estaacute enraizado na legitimidade do
poder do povo e dele decorre seu exerciacutecio Assim o poder do povo eacute a expressatildeo
a aptidatildeo de homens e mulheres constituir autonomamente seu viver sem sucumbir
diante das instacircncias de poder Haacute nesse modus vivendi uma tutela das diferenccedilas e
pluralidades de formas de vida
Desta forma a cidadania eacute enfocada como o processo de participaccedilatildeo do
individuo ou de um grupo organizado nas mais variadas aacutereas de atuaccedilatildeo na
sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos sociais com a consciecircncia
da responsabilidade por sua proacutepria histoacuteria
Sendo a democracia o regime em que o povo governa sua caracteriacutestica
inarredaacutevel eacute a de ter o povo agrave frente do poder uma forma de autogoverno Em
assim sendo a cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia por meio de resultados
palpaacuteveis e medidas concretas tais como mudanccedilas na realidade de cada um com
melhoria de vida e conscientizaccedilatildeo da importacircncia na sociedade para o exerciacutecio
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direto ou indireto desse poder pois se contentar com fato do direito estaacute prescrito
em lei natildeo eacute o bastante
Eacute certo poreacutem que o Estado democraacutetico somente se aperfeiccediloa na
proporccedilatildeo em que o povo age ativamente na medida em que os representantes
reflitam em seus atos os verdadeiros anseios populares Partindo dessa visatildeo a
cidadania eacute o grande fator de legitimaccedilatildeo do povo permitindo que ele aja em defesa
das instituiccedilotildees democraacuteticas
Sobre a participaccedilatildeo cumpre asseverar que este direito significa a
capacidade de ser consultado para as tomadas de decisatildeo que dizem respeito agrave
direccedilatildeo da sociedade em que vive o cidadatildeo este direito eacute acompanhado do
respeito aos deveres de contribuir para o progresso social e de acatar e respeitar o
resultado obtido em consulta coletiva
No elenco de mecanismo de exerciacutecio da cidadania estaacute o acesso ao direito e
a justiccedila que eacute fator preponderante para efetivar as garantias constitucionais
Assim passaremos a discorrer sobre a importacircncia de instrumentalizar o
cidadatildeo para um pleno exerciacutecio de seus direitos
Eacute Sabido que no Estado Democraacutetico Contemporacircneo os direitos
fundamentais constitucionalmente assegurados tecircm eficaacutecia imediata cumprindo ao
Estado garantir a todos os cidadatildeos o respeito a esses Direitos de modo concreto e
efetivo natildeo obstante as inuacutemeras desigualdades e condiccedilotildees adversas que
dificultam na praacutetica o seu exerciacutecio
Para o acesso ao direito o Estado deve desenvolver com eficiecircncia uma seacuterie
de atividades essenciais e dar efetividade a uma seacuterie de pressupostos Dentre eles
o principal eacute o conhecimento do Direito como fator preponderante pois o
desconhecimento da lei implica na praacutetica natildeo acionar a jurisdiccedilatildeo Um fato que
contribui para essa assertiva eacute baixa escolaridade da populaccedilatildeo e o analfabetismo
Muito pouco adianta a existecircncia de uma Constituiccedilatildeo apenas formal ou no
papel se ilegiacutetima ou desrespeitada Para que ocorra a eficaacutecia das normas
dispostas numa Constituiccedilatildeo ou melhor para que passe da teoria agrave praacutetica eacute
essencial que comandados e comandantes tenham conhecimento dos seus direitos
e responsabilidades assim como dos instrumentos juriacutedicos para efetivaacute-los (leis
regulamentadoras) O exerciacutecio da cidadania natildeo eacute somente um direito mas eacute
tambeacutem um dever de todos pois a omissatildeo de cada um contribui com as injusticcedilas e
as impunidades tatildeo presentes nos dias atuais
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A Constituiccedilatildeo quando eacute justa e legiacutetima e principalmente quando eacute
respeitada eacute um poderoso instrumento de promoccedilatildeo e desenvolvimento social e
humano
Outro fator que deve ser considerado eacute a miserabilidade que coloca inuacutemeros
brasileiros a margem da sociedade em situaccedilatildeo precaacuteria os quais para Pinsky
(2004) ldquodesprovidos de esperanccedila de projeto de qualquer perspectiva de inclusatildeo
[] recorrer agrave Justiccedila humana parece algo irrealizaacutevel sofisticado e inteiramente
ficcionalrdquo
Desta forma o primeiro passo para concretizar os direitos previstos
constitucionalmente eacute a formaccedilatildeo do cidadatildeo atraveacutes da Educaccedilatildeo Baacutesica
infundindo-lhe a consciecircncia dos seus direitos e tambeacutem dos seus deveres sociais
bem como dos valores humanos fundamentais que devem ser por todos respeitados
na vida em sociedade A universalizaccedilatildeo do ensino fundamental a oferta obrigatoacuteria
de educaccedilatildeo infantil pelo Estado e o crescimento da oferta do ensino meacutedio satildeo
alguns dos aspectos que merecem destaques e foi devido agrave determinaccedilatildeo
constitucional de estabelecer o caraacuteter obrigatoacuterio do ensino fundamental e de
responsabilizar o Estado por sua implementaccedilatildeo que tem iniacutecio o processo de
avanccedilo desse segmento
A Constituiccedilatildeo estabeleceu de forma mais clara o papel dos entes federados
na educaccedilatildeo Tambeacutem aumentou a participaccedilatildeo orccedilamentaacuteria destinada ao setor
Com as novas regras para distribuiccedilatildeo de recursos adotadas apoacutes a promulgaccedilatildeo
da Carta os municiacutepios voltam a interessar-se pela educaccedilatildeo fundamental e o paiacutes
atinge a universalizaccedilatildeo do setor o que se busca agora satildeo mecanismos para
garantir a qualidade no ensino
O segundo passo nessa dinacircmica eacute o oferecimento a todos os cidadatildeos de
condiccedilotildees miacutenimas de sobrevivecircncia e de existecircncia condignas atraveacutes do acesso
ao trabalho produtivo livremente escolhido e do pagamento de remuneraccedilatildeo capaz
de prover ao sustento do trabalhador e de sua famiacutelia
Para milhotildees de cidadatildeos que vivem na ignoracircncia e na miseacuteria nenhuma
utilidade ou eficaacutecia tecircm os inuacutemeros direitos constitucionalmente assegurados Para
aqueles que se habituaram a retirar proventos da mendicacircncia da prostituiccedilatildeo de
atividades iliacutecitas ou aqueles que se sentiram forccedilados a sujeitar-se agrave exploraccedilatildeo de
outrem para sobreviver natildeo haacute nenhuma crenccedila na dignidade da pessoa humana e
no valor social do trabalho
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A pobreza engendra inuacutemeras relaccedilotildees de dominaccedilatildeo entre pessoas e entre grupos sociais As habitaccedilotildees subumanas da periferia das grandes cidades no Brasil constituem verdadeiros quistos sociais terras sem lei controladas por xerifes ou por quadrilhas de malfeitores O Estado que natildeo for capaz de dotar essas comunidades do acesso efetivo agrave Educaccedilatildeo agrave Sauacutede agrave Seguranccedila e agrave Paz Puacuteblicas e ao trabalho liacutecito certamente natildeo lhes estaraacute assegurando o acesso ao Direito porque a populaccedilatildeo abrutalhada pela miseacuteria e coagida pelo medo natildeo desfruta da miacutenima eficaacutecia concreta dos
seus direitos fundamentais (GRECO 2009)
Evidencia que acesso ao Direito nas sociedades modernas mesmo nas
economicamente desenvolvidas exige o fortalecimento dos grupos intermediaacuterios e
do associativismo O cidadatildeo natildeo estaacute mais em condiccedilotildees de defender-se
individualmente das ameaccedilas e lesotildees aos seus direitos perpetradas por pessoas ou
grupos que se encontram em posiccedilatildeo de vantagem nas relaccedilotildees econocircmicas e
sociais
O sindicato veio exercer este importante papel em relaccedilatildeo ao trabalhador
empregado Mas hoje as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo natildeo satildeo apenas as que existem no
mundo do trabalho mas as que se revelam em todos os tipos de relaccedilotildees humanas
relaccedilotildees de consumo relaccedilotildees de vizinhanccedila relaccedilotildees locatiacutecias relaccedilotildees
comerciais internas e internacionais e natildeo com menor relevacircncia relaccedilotildees entre os
particulares e o Estado entre outras
Eacute preciso assegurar esse equiliacutebrio na praacutetica o que somente tornar-se-aacute
possiacutevel atraveacutes da articulaccedilatildeo dos sujeitos que se encontram em posiccedilatildeo de
desvantagem em organizaccedilotildees e associaccedilotildees que pela uniatildeo de esforccedilos
consigam compensar o desequiliacutebrio existente e dar aos indiviacuteduos e grupos a forccedila
e a capa de proteccedilatildeo necessaacuterias para ombrearem-se aos seus adversaacuterios e
lutarem pelos seus direitos ou interesses em igualdade de condiccedilotildees
Para Greco (2009) o pressuposto indispensaacutevel do acesso ao Direito eacute a
transparecircncia do Estado no trato de questotildees que possam afetar a esfera de
interesses dos cidadatildeos e complementa que aos cidadatildeos eacute indispensaacutevel
assegurar o direito de influir eficazmente nas decisotildees do poder puacuteblico atraveacutes dos
mais diversos instrumentos de participaccedilatildeo democraacutetica Ele afirma que
A relaccedilatildeo Estado-cidadatildeo natildeo eacute mais a relaccedilatildeo soberano-suacutedito O cidadatildeo tem o direito de exigir do Estado o pleno respeito ao seu
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patrimocircnio juriacutedico Lamentavelmente a crise do Estado tem levado o Brasil a aceitar-se como normal que as pessoas juriacutedicas de Direito Puacuteblico natildeo cumpram devidamente as prestaccedilotildees positivas de que satildeo devedoras perante os particulares cabendo a estes demandar na Justiccedila para obtecirc-las (GRECO 2009)
Essa visatildeo deformada da responsabilidade do Estado ocorre o
desvirtuamento da justiccedila Por outro lado agrave violaccedilatildeo da garantia constitucional da
tutela jurisdicional efetiva (Constituiccedilatildeo artigo 5 inciso XXXV) disciplina a lei natildeo
excluiraacute da apreciaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio lesatildeo ou ameaccedila ao direito Assim o
acesso ao Direito natildeo estaraacute concretamente assegurado se o Estado natildeo oferecer a
todo cidadatildeo a possibilidade de receber aconselhamento juriacutedico a respeito dos seus
direitos
Constituiccedilatildeo de 1988 no artigo 5deg inciso LXXIV assegurou a todos
ldquoassistecircncia juriacutedicardquo a englobar assistecircncia judiciaacuteria e assessoramento juriacutedico
extrajudicial Conforme Greco (2009) ldquoeacute preciso que esse direito seja assegurado
na praacutetica Uma vez que na vida moderna o Direito tornou-se excessivamente
complexordquo Ainda no dizer do autor a consciecircncia juriacutedica do homem comum que
deve ser adquirida na famiacutelia e na escola natildeo eacute mais suficiente para a tomada de
decisotildees na vida diaacuteria das pessoas Todas as pessoas mantecircm complexas relaccedilotildees
juriacutedicas com instituiccedilotildees financeiras com fornecedores de bens e de serviccedilos etc
Nessas relaccedilotildees juriacutedicas com frequecircncia os cidadatildeos tecircm de tomar decisotildees
raacutepidas O cidadatildeo que tem meios procura um advogado particular para assessoraacute-
lo Ao pobre o Estado deve assegurar o mesmo direito em plenitude
Sem duacutevida o uacuteltimo pressuposto do acesso ao Direito eacute o acesso agrave Justiccedila
no sentido de acesso a um tribunal estatal imparcial previamente instituiacutedo como
competente para a soluccedilatildeo de qualquer litiacutegio a respeito de interesse que se afirme
juridicamente protegido ou para a praacutetica de qualquer ato que a lei subordine agrave
aprovaccedilatildeo autorizaccedilatildeo ou homologaccedilatildeo judicial
Se o cidadatildeo tem consciecircncia dos seus direitos se o Estado lhe fornece
todas as condiccedilotildees para livremente exercecirc-los mas algum outro cidadatildeo ou algum
oacutergatildeo do proacuteprio Estado impede ou dificulta esse exerciacutecio cabe ao poder puacuteblico
pocircr agrave disposiccedilatildeo do cidadatildeo lesionado ou ameaccedilado a jurisdiccedilatildeo necessaacuteria para
assegurar o pleno acesso a tal direito
Atingimos eacute certo um estaacutegio de desenvolvimento do Direito Humanitaacuterio que
natildeo mais nos permite conformar-nos com uma realidade distante do padratildeo de
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convivecircncia humana que outras naccedilotildees jaacute alcanccedilaram O exerciacutecio pleno de
cidadania seraacute obra de mais de uma geraccedilatildeo Mas se trabalharmos com firmeza
certamente os jovens de hoje poderatildeo legar aos seus descendentes a emancipaccedilatildeo
cidadatilde um paiacutes melhor e uma sociedade mais justa e democraacutetica
33 O municiacutepio como acircmbito de exerciacutecio de cidadania
Historicamente o Municiacutepio enquanto unidade poliacutetico-administrativa surgiu
conforme descreve Berardi (2004) com a Repuacuteblica Romana interessada em
manter a dominaccedilatildeo paciacutefica das cidades conquistadas pela forccedila dos exeacutercitos
Sua origem mais de natureza socioloacutegica do que poliacutetica adveacutem do espiacuterito
associativo do homem e de suas relaccedilotildees de vizinhanccedila
Eacute pois a menor unidade territorial de Federaccedilatildeo cuja criaccedilatildeo reflete a base
da organizaccedilatildeo poliacutetica administrativa da Naccedilatildeo Portanto sua funccedilatildeo administrativa
historicamente vem assentada no princiacutepio do direito natural
O artigo primeiro da Constituiccedilatildeo Federal de 1998 estabelece que o
Municiacutepio ao lado dos Estados e do Distrito Federal formam a Republica Federativa
do Brasil que se constitui em Estado Democraacutetico de Direito O municiacutepio tem assim
um poder relevante para a aplicaccedilatildeo da democracia direta iniciada e fortalecida em
niacutevel local Diversos pensadores chegaram a afirmar que a descentralizaccedilatildeo de
poder resultante da constituiccedilatildeo Cidadatilde era antes de tudo uma conquista dos
Municiacutepios sendo eles os berccedilos da perpetuaccedilatildeo da Repuacuteblica e da Democracia
efetivamente por serem o uacutenico niacutevel de governo possuidores de respaldo e
localizaccedilatildeo fiacutesica ou seja solo municipal
Eacute certo que a Carta Magna de 1988 consolidou significativas inovaccedilotildees para a
vida municipal de forma que o Municiacutepio passou a constituir um dos entes da
federaccedilatildeo tratando-o como unidade dotada de autonomia poliacutetica expressa na
capacidade de poder elaborar a sua Lei Orgacircnica fugindo assim da tutela dos
estados que ateacute entatildeo eram considerados como uacutenicos componentes da federaccedilatildeo
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A Lei Orgacircnica Municipal traz em seu bojo aleacutem da organizaccedilatildeo
administrativa do Municiacutepio a restauraccedilatildeo do Poder Legislativo municipal definindo
a diversificaccedilatildeo normativa que natildeo existia nas leis organizacionais outorgadas pelo
Estado reflexo do poder constituinte outorgados aos Municiacutepios pela Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 como consequecircncia do efetivo exerciacutecio do conceito de Estado
Democraacutetico de Direito
O Municiacutepio enquanto ente federativo tem atualmente a responsabilidade de
ordenar o seu desenvolvimento social e a garantia do bem estar de seus habitantes
executando poliacuteticas puacuteblicas de accedilotildees a serem empreendidas na consolidaccedilatildeo
democraacutetica do Estado
Fundada no elemento participaccedilatildeo o exerciacutecio de cidadania amplamente
citado encontra sua efetividade no municiacutepio Pois eacute nesse acircmbito de localizaccedilatildeo
que as pessoas mantecircm um contato direto com os poderes instituiacutedos suas
necessidades imediatas e mediatas satildeo objetos da disciplina da Lei que visa o bem
comum base do Estado democraacutetico de Direito
Baseado na maacutexima do municipalista e defensor da descentralizaccedilatildeo poliacutetica
Franco Motoro sabiamente proferiu que ldquoningueacutem vive na Uniatildeo ou no Estado As
pessoas vivem no Municiacutepiordquo Assim a cidadania encontra seu melhor espaccedilo de
realizaccedilatildeo na comunidade onde convive A vida em comunidade gera anseios
comuns sentimentos comuns uma vez que a convivecircncia propicia que as pessoas
se conheccedilam e se reconheccedilam como membros de uma mesma realidade
De acordo com Harvey (1992) ldquoa globalizaccedilatildeo provoca anonimato enquanto
comunidade cultiva solidariedaderdquo o que implica participaccedilatildeo para o exerciacutecio de
cidadania
Tudo o que acontece no mundo seja no meu paiacutes na minha cidade ou no meu bairro acontece comigo Entatildeo eu preciso participar das decisotildees que interferem na minha vida Um cidadatildeo com um sentimento eacutetico forte e consciecircncia da cidadania natildeo deixa passar nada natildeo abre matildeo desse poder de participaccedilatildeo (Herbert de Souza Betinho)
Com esse embasamento natildeo se pode perder de vista que eacute nas relaccedilotildees
diaacuterias de oposiccedilatildeo ou solidariedade que as pessoas exercem cidadania Na relaccedilatildeo
do com o outro com os poderes ao estabelecer com a vida social e puacuteblica uma
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convivecircncia posto que cidadania eacute tarefa que natildeo termina natildeo eacute um conceito
pronto tatildeo pouco acabado enquanto seres inacabados que somos estaremos
buscando descobrindo criando e tomando consciecircncia mais ampla dos direitos
O desafio eacute construir um novo discurso sobre cidadania atraveacutes de uma
praacutetica poliacutetica sustentada isto eacute realizada em dois niacuteveis
O primeiro niacutevel na base atraveacutes de construccedilatildeo das capacidades e do poder
proacuteprio da populaccedilatildeo o que envolve inevitavelmente uma mudanccedila de atitude na
busca para garantir seus direitos utilizando-se do grau de autonomia local
Essa atitude conceberia agrave democracia participativa como uma poliacutetica paralela
de intervenccedilatildeo social criando e mantendo novos espaccedilos para a tomada de
decisotildees ou seja para o auto-governo pela populaccedilatildeo nas mateacuterias que afetam
diretamente suas vidas
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade
O segundo niacutevel um governo com o povo e natildeo apenas para o povo fundado
nos ditames constitucionais valorizando o sentimento da sociedade no exerciacutecio da
governabilidade de modo que o balizamento das accedilotildees de governo deixaria de estar
no proacuteprio governo e passaria a estabelecer-se a partir do pensar da sociedade Um
governo que se pergunta o que se deve fazer para ouvir com a maior fidelidade
possiacutevel a sociedade suas instituiccedilotildees representativas e o cidadatildeo Pois as
prioridades da gestatildeo deveriam ser definidas pela sociedade e natildeo mais pelo
governo
Portanto nesses termos eacute preciso considerar que as praacuteticas da
administraccedilatildeo puacuteblica sejam democratizadoras e inclusivas inspiradas nos
princiacutepios da legalidade impessoalidade moralidade publicidade e eficiecircncia Esta
uacuteltima buscou estabelecer uma Administraccedilatildeo Puacuteblica mais eficiente no sentido de
que o cidadatildeo como destinataacuterio dos serviccedilos puacuteblicos que o Estado deve prestar
receba-os com maior qualidade e menor custo para o eraacuterio puacuteblico
Para a consecuccedilatildeo desse governar com o povo alguns pontos devem ser
revistos A mudanccedila implica na necessidade de adequaccedilatildeo reorganizaccedilatildeo
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reformulaccedilatildeo Para isso se faz premente em face dos novos e modernos conceitos
de gestatildeo puacuteblica a superaccedilatildeo do tradicional vezo burocraacutetico que vem convertendo
a Administraccedilatildeo nas palavras Dromi (1995) numa cara ldquomaacutequina de impedirrdquo fiel
ldquocoacutedigo do fracassordquo que dispotildee ldquoartigo primeiro natildeo pode artigo segundo em
caso de duacutevida abstenha-se artigo terceiro se eacute urgente espere artigo quarto
sempre eacute mais prudente natildeo fazer nadardquo numa posiccedilatildeo natildeo burocraacutetica e sim
democraacutetica de considerar que organizaccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica inclui a
praacutetica de ver os cidadatildeos como membros plenos da comunidade poliacutetica tendo
acesso e exercitando direitos as que promovem a organizaccedilatildeo da populaccedilatildeo em
torno de temas de interesse comum as que incluem o controle social sobre a
gestatildeo o debate amplo e informado sobre questotildees de governo e que abrem agrave
populaccedilatildeo as decisotildees sobre estas questotildees Como leciona e Barrientos (2000)
Tratam-se de praacuteticas que natildeo buscam somente melhorar a eficiecircncia administrativa das diferentes organizaccedilotildees puacuteblicas mas que incorporam no seu processo de gestatildeo a dimensatildeo ativa da cidadania isto eacute ldquoque facilitam as iniciativas e responsabilidades de todos os envolvidos[] estabelecendo pontes entre Estado e sociedade civil
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade Acreditamos
que o ponto de partida eacute a atitude aliada agrave solidariedade e ao espiacuterito coletivo Pois
governo e cidadatildeos juntos haveratildeo de cumprir um novo papel no processo de
desenvolvimento como agentes de uma nova cultura
Como afirma Peter Drucke
A parceria comunitaacuteria seraacute um dos verdadeiros setores em crescimento das economias desenvolvidas Surge da necessidade de uma participaccedilatildeo mais direta e efetiva da comunidade nas grandes questotildees da vida social pois natildeo existe ningueacutem melhor que o cidadatildeo para saber o que ele quer para si para sua famiacutelia e para sua comunidade (apud RAMOS 1990)
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O envolvimento efetivo da sociedade nas questotildees sociais natildeo eacute apenas uma
postura moderna Significa antes de tudo uma atitude digna de todos aqueles que
desejam exercer sua cidadania contribuindo para um paiacutes melhor e em especial
para uma sociedade mais justa fraterna e solidaacuteria
Na histoacuteria observa-se a grande coragem das pessoas em construir o
reconhecimento delas proacuteprias e de seus direitos sempre buscando a participaccedilatildeo e
defendendo os Direitos Humanos Sem duacutevida a maior ecircnfase que deve ocorrer
para a construccedilatildeo real da cidadania eacute uma mudanccedila na sociedade O melhor a ser
feito eacute reforccedilar a organizaccedilatildeo democraacutetica buscando novas formas de participaccedilatildeo
social pois cidadania natildeo se resume ao poder de votar ou ser votado mas eacute sempre
na efetiva participaccedilatildeo popular pois somente com isso haacute a verdadeira
conscientizaccedilatildeo e o comprometimento daquele que passa a se sentir cidadatildeo
abandonando-se velhos viacutecios da poliacutetica representativa
Desse modo a participaccedilatildeo do povo no momento das reivindicaccedilotildees das
discussotildees e apreciaccedilotildees de projetos que visem agrave melhoria da comunidade local a
exigecircncia de transparecircncia na administraccedilatildeo da coisa puacuteblica dentre outras eacute quem
daraacute embasamento para as verdadeiras conquistas sociais no Municiacutepio que geram
saudaacuteveis formas de pressatildeo por efetivas poliacuteticas puacuteblicas de inclusatildeo social
gerando o fim do clientelismo poliacutetico tatildeo pejorativo e comum em nossa realidade e
cultura poliacutetica
Somente a participaccedilatildeo social eacute que iraacute causar uma real democratizaccedilatildeo do
poder A afirmaccedilatildeo da cidadania eacute pressuposto para a realizaccedilatildeo dos Direitos
Humanos pois os homens natildeo nascem naturalmente iguais Inclusive para que
ocorra a realizaccedilatildeo dos referidos direitos eacute necessaacuterio tambeacutem que exista um
espaccedilo puacuteblico que seja realmente democraacutetico e acessiacutevel possibilitando a
participaccedilatildeo de todos e esse espaccedilo eacute certamente o municiacutepio
Na praacutetica um forte instrumento de cidadania para atender as necessidades
coletivas eacute o orccedilamento participativo previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal que
determina expressamente a realizaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas e a participaccedilatildeo
popular nos processos de elaboraccedilatildeo e conduccedilatildeo dos orccedilamentos como forma de
incentivo agrave preparaccedilatildeo e execuccedilatildeo de planejamentos que envolvam diretamente o
povo A Lei veio incentivar a sua propagaccedilatildeo para todos os entes federativos tendo
em conta que se trata de uma tendecircncia mundial por legitimar as escolhas e
fortalecer o princiacutepio da transparecircncia
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Os meios de acesso do cidadatildeo junto aos Poderes Puacuteblicos eacute uma realidade
no Estado Democraacutetico de Direito brasileiro a exemplo das sessotildees do Poder
Legislativo que satildeo puacuteblicas ficando abertas a todos que delas quiserem participar
Emite-se uma pauta antes do comeccedilo da sessatildeo com a preacutevia dos debates Em
niacutevel municipal verifica-se um acompanhamento mais incisivo sobre as sessotildees das
Cacircmaras de Vereadores como forma de pressatildeo para aprovaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees
da comunidade avaliaccedilatildeo do desempenho e aceitaccedilatildeo de propostas orccedilamentaacuterias
e atuaccedilatildeo dos poliacuteticos bem como entendimento das funccedilotildees do Poder Legislativo
A Constituiccedilatildeo Federal assegura desde 1988 a possibilidade de se oferecer
peticcedilatildeo agraves Mesas Legislativas como forma de pedir informaccedilotildees sobre andamento
de projetos ou relatoacuterios encaminhados aos chefes do Poder Executivo Em niacutevel
municipal pode ser utilizada a Tribuna Livre como instrumento para denuacutencias de
problemas ou discussatildeo de um tema ou mesmo para apresentar sugestotildees sendo
regulado pela Lei Orgacircnica Municipal e pelo Regimento Interno da Cacircmara
A convocaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas tambeacutem possui previsatildeo constitucional
no art 58 sect 20 inciso II em niacutevel federal As comissotildees podem em razatildeo da
mateacuteria de sua competecircncia realizar audiecircncias puacuteblicas com entidades da
sociedade civil E nada obsta que estejam previstas formas de articulaccedilatildeo da
sociedade civil com os Presidentes das Comissotildees da Cacircmara no seu Regimento
Interno em acircmbito municipal
Os dispositivos da Constituiccedilatildeo Federal que dispotildeem sobre a forma de
participaccedilatildeo direta do cidadatildeo e da sociedade civil no processo democraacutetico natildeo se
pode negar que trouxe novas perspectivas De modo geral podemos citar
Art 29 A lei orgacircnica dos Municiacutepios tem que observar entre os seus
preceitos ldquocooperaccedilatildeo das associaccedilotildees representativas no planejamento municipalrdquo
Art 31 As contas dos municiacutepios ficaratildeo durante 60 (sessenta) dias
anualmente a disposiccedilatildeo de qualquer contribuinte para exame e apreciaccedilatildeo o qual
poderaacute questionar-lhes a legitimidade nos termos da lei
Art37 sect 3ordm (EC-1998) A lei disciplinaraacute as formas de participaccedilatildeo do usuaacuterio
na administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta regulando especialmente
I- as reclamaccedilotildees relativas a prestaccedilatildeo dos serviccedilos puacuteblicos em geral asseguradas
a manutenccedilatildeo de serviccedilo de atendimento ao usuaacuterio e a avaliaccedilatildeo perioacutedica externa
e interna da qualidade dos serviccedilos
50
II- o acesso dos usuaacuterios a registros administrativos e a informaccedilatildeo sobre atos de
governo observado o disposto no art 5ordm X e XXXIII
III- a disciplina da representaccedilatildeo conta o exerciacutecio negligente ou abusivo de cargo
emprego ou funccedilatildeo na administraccedilatildeo puacuteblica
Art 74 sect 2ordm Qualquer cidadatildeo partido poliacutetico associaccedilatildeo ou sindicato eacute
parte legiacutetima para na forma de lei denunciar irregularidades ou ilegalidades perante
o Tribunal de Contas da Uniatildeo
Art194 paraacutegrafo uacutenico Compete ao Poder Puacuteblico nos termos da lei
organizar a seguridade social com base nos seguintes objetivos ()
VII ndash caraacuteter democraacutetivo descentralizado na administraccedilatildeo mediante gestatildeo
quadripartite com participaccedilatildeo dos trabalhadores dos empregados e dos
aposentados e do Governo nos oacutergatildeos colegiados nos oacutergatildeos colegiados
Art 198 As accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede integram uma rede
regionalizada e hierarquizada o constituem um sistema uacutenico organizado de acordo
com as seguintes diretrizes
III ndash participaccedilatildeo da comunidade
Art 202 sect 6ordm A lei complementa a que se refere o sect 4ordm deste artigo
estabeleceraacute os requisitos para a designaccedilatildeo dos membros das diretorias das
entidades fechadas de previdecircncia privada e disciplinaraacute a inserccedilatildeo dos
participantes nos colegiados e instacircncias de decisatildeo em que seus interesses sejam
objeto de discussatildeo e deliberaccedilatildeo
Art 204 As accedilotildees governamentais na aacuterea de assistecircncia social seratildeo
organizadas com base nas seguintes diretrizes
II ndash Participaccedilatildeo da populaccedilatildeo por meio de organizaccedilotildees representativas na
formulaccedilatildeo das poliacuteticas e no controle das accedilotildees em todos os niacuteveis
O protagonista na concretizaccedilatildeo dos direitos humanos e na ampliaccedilatildeo da cidadania eacute um sujeito coletivo de um trabalho sempre inacabado eis que se tratam de tarefas e conquistas cotidianas e gradativas obras que soacute podem ser realizada a muitas matildeos no partilhar e compartilhar da vida (COSTA NETO 2010)
A ampliaccedilatildeo da cidadania requer a consciecircncia de que os direitos pressupotildeem
deveres de maneira que os direitos de um indiviacuteduo satildeo garantidos a partir do
cumprimento dos deveres dos demais componentes da sociedade
51
34 A necessaacuteria superaccedilatildeo de velhos paradigmas
Como se sabe em 1988 foi aprovada a Constituiccedilatildeo mais liberal e
democraacutetica do Brasil chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo Assim ampliou-se de
forma significativa o campo dos direitos e garantias fundamentais No que diz
respeito a tal mateacuteria eacute considerada como uma das mais avanccediladas do mundo No
seu preacircmbulo adota o modelo de um Estado democraacutetico de Direito destinado a
garantir o exerciacutecio dos direitos sociais e individuais a liberdade a seguranccedila o
bem-estar o desenvolvimento a igualdade e a justiccedila eleitos como valores
supremos de uma sociedade fraterna pluralista e sem preconceitos
Para a construccedilatildeo democraacutetica da cidadania no Brasil contemporacircneo
salienta-se de ela deve passar de uma democracia representativa para uma
cidadania que efetivamente molde a democracia ou seja uma cidadania instituinte
da democracia
No acircmbito constitucional positivo cidadania pressupotildee o exerciacutecio de todos
os direitos fundamentais e garantias que caracterizam o Estado democraacutetico de
Direito Quando se fala em cidadania eacute no sentido de reafirmar o direito pela plena
realizaccedilatildeo do indiviacuteduo do cidadatildeo dos entes coletivos e de sua emancipaccedilatildeo nos
espaccedilos da sociedade Estatildeo sempre intimamente ligados os conceitos de
cidadania democracia e direitos humanos sendo que um remete ao outro e seus
conteuacutedos se interligam ou seja a cidadania natildeo iraacute ocorrer sem que ocorra a
realizaccedilatildeo dos Direitos Humanos da mesma forma que os direitos humanos natildeo
seratildeo concretizados se natildeo houver o exerciacutecio da cidadania
Na evoluccedilatildeo histoacuterica tais categorias se desenvolveram de forma conjunta
com o Estado Representam noccedilotildees desejaacuteveis de relaccedilotildees humanas que se espera
sejam instituiacutedas Satildeo os elementos basilares na nova ordem social e que a
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 pretendeu edificar Poreacutem a democracia poliacutetica natildeo
resolveu os problemas econocircmicos mais seacuterios como a desigualdade e o
desemprego Continuam muito seacuterios os problemas da aacuterea social principalmente
na educaccedilatildeo nos serviccedilos de sauacutede e saneamento como tambeacutem e
principalmente quanto agrave seguranccedila puacuteblica
52
A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 em seu artigo 6ordm e em outros artigos no texto
constitucional ampliou e muito os Direitos Sociais proibiu discriminaccedilotildees Assim
indicadores baacutesicos de qualidade de vida apontam que houve uma melhoria A
mortalidade infantil por exemplo caiu de maneira significativa nos uacuteltimos anos A
esperanccedila de vida ao nascer passou de 60 anos em 1980 para 70 em 2000 Poreacutem
o maior progresso foi na aacuterea da educaccedilatildeo fundamental que eacute considerado fator
decisivo para a cidadania pois a taxa de analfabetismo caiu consideravelmente
entretanto existem muitos problemas no campo educacional como a repetecircncia e
com relaccedilatildeo a desigualdade social entre as regiotildees
A grande concentraccedilatildeo da riqueza nacional nas matildeos de poucos reflete a
desigualdade e causa a pobreza e a miseacuteria ao passo que dificulta o acesso do
cidadatildeo agrave justiccedila e consequentemente ao seu estado de cidadania pleno
Dentre os fundamentos no qual se baseiam o Estado democraacutetico de Direito
no Brasil destaca-se justamente a cidadania e a dignidade humana conforme artigo
1ordm incisos II e III da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Entatildeo construir uma sociedade
livre justa e solidaacuteria garantir o desenvolvimento nacional erradicar a pobreza e a
marginalizaccedilatildeo reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de
todos sem preconceitos de origem raccedila sexo cor idade ou quaisquer outras
formas de discriminaccedilatildeo satildeo os objetivos fundamentais do Estado Brasileiro
conforme art 3ordm da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
O cenaacuterio de globalizaccedilatildeo econocircmica mundial tambeacutem traacutes seacuterios obstaacuteculos
para a construccedilatildeo da cidadania A globalizaccedilatildeo da economia em ritmo acelerado
provoca grandes mudanccedilas nas relaccedilotildees entre Estado sociedade e naccedilatildeo que
eram sempre o centro da noccedilatildeo e da praacutetica da cidadania ocidental O foco das
mudanccedilas e das preocupaccedilotildees estaacute em dois focos especiacuteficos a reduccedilatildeo do papel
central do Estado como fonte de direitos e local para a participaccedilatildeo e o
deslocamento da naccedilatildeo como principal fonte de identidade coletiva
Para que ocorra efetiva mudanccedila a melhor proposta eacute no sentido de
mudanccedila na organizaccedilatildeo da sociedade pois a inversatildeo da sequecircncia dos direitos
fez com que ocorra o reforccedilo da supremacia do Estado Para que ocorra a
consolidaccedilatildeo democraacutetica e cidadatilde eacute necessaacuterio reforccedilar a organizaccedilatildeo da
sociedade para assim dar embasamento social ao poder poliacutetico ou seja
finalmente democratizar o poder e estabelecer de forma plena a Cidadania
53
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A Constituiccedilatildeo que nasce com ldquocheiro de amanhatilde e natildeo de mofordquo nas
palavras do Deputado Ulisses Guimaratildees tem em seu relevo a esperanccedila de um
povo que sonhava com a erradicaccedilatildeo da repressatildeo militar e natildeo soacute isso um povo
que sonhava com a liberdade em suas diversas manifestaccedilotildees em suas mais
significativas formas de representaccedilatildeo e sobretudo com um paiacutes voltado para a
democracia e justiccedila social
Ao povo brasileiro foi concedido o poder de governar e nesse contexto de
mudanccedila a ldquodemocracia eacute o governo do povo pelo povo e para o povordquo na
conceituaccedilatildeo ceacutelebre de Abraham Lincoln E consoante estabelece o paraacutegrafo
uacutenico do art 1ordm da Carta cidadatilde de 1988 ldquotodo poder emana do povo que o exerce
por meio de representantes eleitos ou diretamenterdquo
No entanto natildeo basta que a fonte de poder seja o povo a democracia vem
significar a efetiva participaccedilatildeo do povo nas decisotildees e destino do Estado e sua
consolidaccedilatildeo eacute a proacutepria cidadania pois eacute o cidadatildeo que pensa e se auto define
diante da condiccedilatildeo soacutecio-histoacuterica O cidadatildeo tem portanto o poder de transformar
a realidade social segundo seu pensamento e accedilatildeo
Natildeo se pode negar que a Carta de 1988 foi a que apresentou maior
legitimidade popular que abriu caminhos apontando um novo tempo
Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita Se fosse perfeita seria irreformaacutevel Ela proacutepria com humildade e realismo admite ser emendada ateacute por maioria mais acessiacutevel dentro de cinco anos Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita mas seraacute uacutetil e pioneira e desbravadora Seraacute luz ainda que de lamparina na noite dos desgraccedilados Eacute caminhando que se abrem os caminhos Ela vai caminhar e abri-los Seraacute redentor o que penetrar nos bolsotildees sujos escuros e ignorados da miseacuteria (Ulysses Guimaratildees)
Mesmo natildeo sendo a constituiccedilatildeo perfeita sem duacutevida foi a que trouxe
esperanccedila ao povo brasileiro com a sua promulgaccedilatildeo surgiram o ldquohaacutebeas datardquo o
mandado de injunccedilatildeo e o mandado de seguranccedila coletivo - todos remeacutedios judiciais
de iacutendoles constitucionais serviacuteveis para prevenir e combater diversas tentativas de
abuso contra a pessoa humana Outrossim o objeto da accedilatildeo popular foi ampliado
Atualmente qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima para propor a mencionada accedilatildeo
54
popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de entidade de que o
Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e ao patrimocircnio
histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de custas
judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia Nesse rol de forma decisiva houve a
ampliaccedilatildeo tambeacutem dos direitos sociais
Assim a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconhece e assegura uma seacuterie de
escudos protetivos aos cidadatildeos Em sua essecircncia os direitos fundamentais
ganham forma De modo que podemos assegurar que hoje o nosso Estado eacute uma
organizaccedilatildeo centrada no ser humano visto que tem a dignidade da pessoa humana
como um fundamento da Repuacuteblica Federativa do Brasil
Apesar das inuacutemeras dificuldades o Estado Democraacutetico de Direito fundado
na cidadania constituiu para o povo uma nova identidade ndash o que em outras eacutepocas
natildeo existia
A Constituiccedilatildeo circunscreve toda a organizaccedilatildeo poliacutetica estatal no intuito
maior de criar no consciente coletivo a vontade livre e determinada de desenvolver
padrotildees de condutas destinados a elevar e promover a auto-estima de toda a
comunidade paacutetria
Foi nesse sentido que estatui em seu artigo 1ordm a cidadania como fundamento
do Estado Democraacutetico de Direito ampliando e enriquecendo o tal conceito Cada
eacutepoca produziu praacuteticas e reflexotildees muito distintas sobre o tema cidadania A
definiccedilatildeo de cidadania que vem sofrendo alteraccedilotildees ao longo do tempo obedecendo
a um processo histoacuterico de conquistas sociais eacute compreendida atualmente como
um processo de participaccedilatildeo do indiviacuteduo ou de um grupo organizado nas mais
variadas aacutereas de atuaccedilatildeo da sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos
e sociais
A cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia disso natildeo haacute duvidas e se
efetiva como mudanccedilas na realidade de cada um com melhoria de vida e
conscientizaccedilatildeo da importacircncia do cidadatildeo dado que eacute um processo em
permanente construccedilatildeo Natildeo haacute como defender uma qualidade de vida sem a
preservaccedilatildeo da cidadania em todos os seus acircmbitos Nesse sentido a efetiva
proteccedilatildeo desse aspecto basilar torna-se essencial no que tange uma assistecircncia
juriacutedica completa
No contraponto do direito estatildeo os deveres que encontramos sua realizaccedilatildeo
tambeacutem na participaccedilatildeo observando que o cidadatildeo eacute responsaacutevel pelo advir de
55
suas accedilotildees A participaccedilatildeo reflete um caraacuteter de natildeo comodismo de atenccedilatildeo agravequilo
que eacute particular e coletivo tendo como finalidade preciacutepua o bem comum
Construir cidadania hoje eacute imperativo para a sociedade pois dessa
construccedilatildeo depende o amanhatilde Estamos diante da Constituiccedilatildeo que se propotildee a
resguardar o amanhatilde sem perder de vista que ele comeccedila hoje agora e nisso a
Carta Poliacutetica traacutes consigo a certeza do despertar dessa consciecircncia a consciecircncia
cidadatilde Ela eacute a semente plantada em terra feacutertil que gera frutos diariamente e se
renova a cada estaccedilatildeo na dinacircmica da vida Talvez tenha sido esse o cheiro de
frutas alcanccedilado pelo constituinte ao anunciar que a carta tem ldquocheiro do amanhatilderdquo
A responsabilidade pelo exerciacutecio desses direitos belissimamente elencados
depende de todos e de cada um pois somos o terreno feacutertil que produziraacute o fruto de
uma sociedade fraterna
Eacute comum na praacutetica apenas responsabilizarmos o Estado em sentido lato pelo
natildeo exerciacutecio dos direitos do cidadatildeo Vale lembrar nesse contexto das palavras de
J Kennedy o qual disse ldquonatildeo pergunte o que o Estado pode fazer por vocecirc mas o
que vocecirc pode fazer pelo Estadordquo haacute nessa frase um forte traccedilo de cidadania pois
quando o cidadatildeo reivindica critica opina o que ele daacute em contrapartida ao paiacutes eacute
solidificado visto que eacute nas relaccedilotildees familiares em comunidade que se estabelece e
se fortalece os viacutenculos de solidariedade de uma sociedade que perpetua valores
condutas que as leis reguladoras natildeo conseguem por si soacute estabelecer
A concretizaccedilatildeo do ideal de uma qualidade de vida merecida a todos os seres
humanos sem restriccedilotildees requer entretanto um esforccedilo coletivo Dessa forma haacute
necessidade de suprir as muitas carecircncias advindas das desigualdades sociais e de
condiccedilotildees do descaso do poder puacuteblico e da proacutepria conceituaccedilatildeo antiga de
cidadania que ainda eacute concebida por muitos no presente
Em suma nosso trabalho procurou traccedilar a evoluccedilatildeo da cidadania e ao
mesmo tempo buscou traccedilar uma melhor caracterizaccedilatildeo do cidadatildeo agrave luz da nossa
Constituiccedilatildeo que eacute por fim a essecircncia da Magna Carta O alcance da cidadania
enquanto mecanismo de acesso a direitos foi colocado no acircmbito da pessoa
enquanto titular de direitos e num paralelo defendemos que o municiacutepio eacute o espaccedilo
de atuaccedilatildeo e exerciacutecio de cidadania dada a proximidade do cidadatildeo com as
instituiccedilotildees oacutergatildeos entidades e tudo o mais que o cerca na esfera de vivecircncia Eacute na
praccedila que discute a poliacutetica local e nacional que se indigna com as dificuldades e as
56
barreiras de acesso aos seus direitos Eacute no municiacutepio que se inicia todo um vieacutes de
desdobramento para garantir direitos
Por fim natildeo obstante resta dizer sobre o tema que os caminhos e
paradigmas que se intentou percorrer sobre cidadania como mecanismo
transformador da sociedade tem ingrediente ainda a se descortinar para o
propoacutesito valioso do bem comum Pois bem a ideia de bem comum tem como
fundamento o amor maacutexima que se estabelece por meio da democracia visto que
ldquoa demofilia o demoiacutesmo o amor do povo acima de tudo como princiacutepio ativo de
toda a sua vida poliacutetica inspirador duma sempre crescente autonomia imanente eacute
que constitui a verdadeira essecircncia da democraciardquo nas palavras de Melgareacute
(2005)
Dessa forma eacute no nuacutecleo da democracia que estaacute inscrito como pedra
angular o respeito e o amor pela pessoa humana Eacute pois um tema de larga
abrangecircncia poreacutem sem querer abreviar o caminho sua efetiva possibilidade de
realizaccedilatildeo se encontra no exerciacutecio da cidadania sem repuacutedios parciais ou exclusatildeo
de qualquer ordem na plenitude de uma cidadania para todos
57
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12
CAPIacuteTULO 1 - NOVOS OLHARES SOBRE A CIDADANIA
A cidadania vista como uma verdadeira visatildeo democraacutetica da convivecircncia eacute
siacutembolo de todo um incessante processo desencadeado por meio de um labutar
juriacutedico-politico-cultural que vem acompanhado de vaacuterias etapas do fenocircmeno
humano na tentativa de harmonizar os interesses valores e necessidades dos
homens
Seus correspondentes mecanismos de atuaccedilatildeo na sociedade atual natildeo
surgiram como que por encanto pacificamente sem luta Brotaram apoacutes uma
semeadura ideoloacutegica em conflito com outras ideologias e doutrinas que lhe eram
contraacuterias A cidadania portanto consiste na lenta construccedilatildeo da democracia
sintetiza os esforccedilos para a obtenccedilatildeo das prerrogativas poliacuteticas sociais e culturais
que tecircm levado os membros da comunidade poliacutetica direta ou indiretamente a
decidir acerca da realidade que os cercam
Neste sentido obra de construccedilatildeo do civismo democraacutetico que vem se
fortalecendo de maneira eficaz com a promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo brasileira de
1988 a cidadania toma como ponto de partida a ideia de que o Estado democraacutetico
de Direito eacute uma conquista resultado de uma construccedilatildeo permanente da
convivecircncia sociopoliacutetica
13
11 As origens da cidadania
A expressatildeo cidadania emana do termo latino civitas No entanto pode-se
encontrar suas procedecircncias intelectuais nas religiotildees da Antiguidade e nas
civilizaccedilotildees greco-romanas Polites que os romanos traduziram por cives que eacute o
soacutecio da polis ou civitas O legado greco-romano da palavra civitas nos remete agraves
noccedilotildees de liberdade igualdade e virtudes republicanas Eacute na polis grega que os
conceitos de liberdade e igualdade ganham sentido No entanto eacute importante citar
que
A participaccedilatildeo na polis ou na civitas era exclusiva de alguns homens que participavam do funcionamento da cidade-Estado eram eles os titulares de direitos poliacuteticos Eram considerados cidadatildeos apenas os homens nascidos no solo da cidade livres e iguais portadores de dois direitos inquestionaacuteveis portadores da isonomia (igualdade perante a lei) e da isegoria (o direito de expor e discutir em puacuteblico opiniotildees sobre accedilotildees que a cidade deveria ou natildeo realizar) (CHAUIacute 1994)
Ser cidadatildeo para os gregos significava antes de tudo usufruir certas
vantagens que nenhum outro homem conhecera Como afirma Minogue ldquoOs
cidadatildeos tinham riqueza beleza e inteligecircncia diversas mas como cidadatildeos eram
iguaisrdquo (1998) Foi especialmente no seacuteculo V aC que Atenas viveu seu momento
de apogeu Nesse seacuteculo especificamente desenvolveram-se as concepccedilotildees de
cidadania e democracia Em oposiccedilatildeo agrave ideia aristocraacutetica de poder o cidadatildeo
poderia e deveria atuar na vida puacuteblica independentemente da origem familiar
classe ou funccedilatildeo (ARENDT 1995)
Da mesma forma a racionalidade era conferida a uma minoria da
populaccedilatildeo exclusivamente aos homens que tinham o direito de filosofar aleacutem de
participar da academia (culto agrave beleza fiacutesica) e do poder (direito de comandar
politicamente todos os interesses da polis mediante a elaboraccedilatildeo e execuccedilatildeo de
leis e normas administrativas) Cidadatildeo segundo o teoacuterico Coulanges
Eacute todo o homem que segue a religiatildeo da cidade que honra os mesmos deuses da cidade () o que tem o direito de aproximar-se dos altares e podendo penetrar no recinto sagrado onde se realizam as assembleias assiste agraves festas acompanha as procissotildees e participa dos panegiacutericos participa dos banquetes sagrados e recebe sua parte das viacutetimas Assim esse homem no dia em que se inscreveu no registro dos cidadatildeos jurou praticar o culto dos deuses da cidade e por eles combater (2003)
14
Os escravos e os baacuterbaros natildeo podiam tomar parte dos ambientes
sagrados Segundo alguns teoacutericos apenas 10 da populaccedilatildeo eram considerados
cidadatildeos em Atenas A fim de reduzir as despesas do Estado o governo restringiu o
direito de cidadania somente os filhos de pai e matildee atenienses seriam considerados
cidadatildeos As mulheres os metecos (estrangeiros) e os escravos continuaram
desprovidos de quaisquer direitos poliacuteticos A mulher era considera o ldquonatildeo serrdquo
equiparada aos escravos cuidava dos afazeres ldquodomeacutesticosrdquo servia como
instrumento de procriaccedilatildeo e natildeo participava portanto das decisotildees da polis
Aristoacuteteles descreve que mulheres e escravos eram mantidos fora da vista do
puacuteblico eram os trabalhadores que ldquocom o seu corpo cuidavam das necessidades
(fiacutesicas) da vidardquo Satildeo as mulheres que com seu corpo garantem a sobrevivecircncia
fiacutesica da espeacutecie Mulheres e escravos conforme Arendt
Pertenciam agrave mesma categoria e eram mantidos fora das vistas alheias - natildeo somente porque eram propriedade de outrem mas porque a sua vida era ldquolaboriosardquo dedicada a funccedilotildees corporais O filho de preferecircncia deveria ser do sexo masculino sendo candidato em potencial para exercer a cidadania O escravo servia de matildeo-de-obra para o sustento e manutenccedilatildeo dos cidadatildeos (1995)
Para Aristoacuteteles ser cidadatildeo diz respeito a todo aquele que eacute capaz de
tomar parte tanto no judiciaacuterio quanto no poder deliberativo da polis ldquoNenhum
caraacuteter define melhor o cidadatildeo no sentido estrito do que a participaccedilatildeo do exerciacutecio
dos poderes de juiz e magistradordquo (ARISTOacuteTELES A Poliacutetica III 16 Apud
TOURAINE 1994) O fim uacuteltimo do homem eacute viver na polis onde o homem se
realiza como cidadatildeo (politai) manifestando o processo de constituiccedilatildeo de sua
essecircncia a sua natureza Ou seja natildeo apenas viver em sociedade mas viver na
ldquopoliticidaderdquo
Para Aristoacuteteles a reflexatildeo sobre a poliacutetica eacute que ela natildeo se separa da
eacutetica pois segundo o estagirita a vida individual estaacute imbricada na vida comunitaacuteria
A razatildeo pela qual os indiviacuteduos reuacutenem-se nas cidades (e formam comunidades
poliacuteticas) natildeo eacute apenas a de viver em comum mas a de viver ldquobemrdquo ou a boa vida
Para que isso aconteccedila eacute necessaacuterio que os cidadatildeos vivam o bem comum ou em
15
conjunto ou por intermeacutedio dos seus governantes se acontecer o contraacuterio (a busca
do interesse proacuteprio) estaacute formada a degeneraccedilatildeo do Estado
Por fim como afirma Correcirca (1999) ldquoa cidadania da Greacutecia Claacutessica
possui um paracircmetro muito especiacutefico de difiacutecil aceitaccedilatildeo numa concepccedilatildeo
moderna de cidadaniardquo Ou seja o que caracteriza a cidadania antiga eacute seu aspecto
limitador elitista e excludente pouco semelhante com o entendimento dos nossos
dias
Destarte como a democracia a cidadania passou por diferentes e possiacuteveis
ldquoinvenccedilotildeesrdquo em periacuteodos e espaccedilos determinados da histoacuteria e da geografia do
Ocidente Greacutecia e Roma consolidaram por seacuteculos seus sistemas de governos
possibilitando e permitindo a participaccedilatildeo de um significativo nuacutemero de cidadatildeos
Com o desaparecimento das civilizaccedilotildees claacutessicas a cidadania desaparece
juntamente e por um bom tempo ficaraacute fora de cena no Ocidente
Conforme Benevides (1994) a ideia moderna de cidadania e de direitos do
cidadatildeo tem como eacute sabido soacutelidas raiacutezes nas lutas e no imaginaacuterio da Revoluccedilatildeo
Francesa
Na continuidade da tradiccedilatildeo dos seacuteculos XVII e XVIII o contratualismo de
Locke e de Rousseau forneceu as bases filosoacuteficas do conceito de cidadania do
liberalismo e as revoluccedilotildees Inglesa Americana e Francesa que validaram seu uso
ao estabelecer um viacutenculo juriacutedico-legal entre as noccedilotildees de liberdade igualdade
fraternidade e o Estado-naccedilatildeo (MOISEacuteS 2005)
Nos seacuteculos XVIII e XIX outras correntes teoacutericas sobre o direito e a cidadania
seratildeo contempladas No entanto estas teorias vatildeo se contrapor agraves teorias do
jusnaturalismo e do contratualismo Segundo Correcirca (1999)
Para o positivismo juriacutedico (positivismo normativista de Kelsen) bem como para a Escola da Exegese e a Escola Histoacuterica o que vale eacute o ensino dogmaacutetico - as normas (exclue-se a anaacutelise interdisciplinar entre outras aacutereas principalmente com as Ciecircncias Sociais) A lei eacute a uacutenica fonte do direito Para essas escolas a cidadania eacute negada
Mais proacuteximo de noacutes no seacuteculo XX T A Marshall foi quem primeiro
discutiu o conceito de cidadania e suas dimensotildees no ensaio claacutessico ldquoCidadania e
classe socialrdquo Ainda hoje depois de mais de seis deacutecadas apoacutes a sua publicaccedilatildeo
16
(em 1949) o ensaio de Marshall continua a ser a referecircncia teoacuterica fundamental
para quem comeccedila a refletir sobre a cidadania na sociedade contemporacircnea eacute o
que se pode constatar de resto atraveacutes da consulta a mais recente bibliografia
dedicada a esse tema
Os Direitos Civis dentro da tradiccedilatildeo apresentada por Marshall estatildeo
ligados aos direitos fundamentais do homem como o direito agrave vida agrave liberdade agrave
propriedade e agrave igualdade perante a lei Jaacute os Direitos Poliacuteticos se referem agrave
participaccedilatildeo do cidadatildeo no governo da sociedade Seu exerciacutecio eacute limitado a uma
reduzida parcela da populaccedilatildeo e consiste na capacidade de fazer demonstraccedilotildees
poliacuteticas formar e participar de agremiaccedilotildees poliacuteticas organizar partidos votar e ser
votado Em geral quando se fala de direitos poliacuteticos
Eacute do direito do voto que se estaacute falando Por fim aparecem os Direitos Sociais que garantem a participaccedilatildeo no governo da sociedade e na riqueza coletiva Eles incluem o direito agrave educaccedilatildeo ao trabalho ao salaacuterio justo agrave sauacutede e agrave aposentadoria (CARVALHO 2002)
Eacute a soma desses direitos (civis poliacuteticos e sociais) que garantem a
emancipaccedilatildeo humana e a justiccedila social Certamente Marshall descreveu a evoluccedilatildeo
da cidadania em seu paiacutes de origem ou seja a Inglaterra Foi nesse paiacutes que
surgiram inicialmente os direitos civis no seacuteculo XVIII depois vieram os direitos
poliacuteticos (XIX) e por fim os direitos sociais (XX) Trata-se portanto de verdadeiras
conquistas da contemporaneidade E como tal fazem parte de um cotidiano em que
homens e mulheres lutam por dias melhores pelo Direito justo por uma cidadania
plena e eficaz por uma convivecircncia equilibrada pela existecircncia plena daqueles que
acreditam e defendem os valores por traacutes da dignidade da pessoa humana
12 A construccedilatildeo da cidadania
A Cidadania natildeo pode ser vista como um conceito estaacutetico pois ela natildeo se
resume somente em participaccedilatildeo atraveacutes de eleiccedilotildees mas sim como uma
construccedilatildeo da democracia politizada e participativa da construccedilatildeo do poder
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Nas uacuteltimas deacutecadas o Brasil passou por significativas mudanccedilas de
paradigmas dentre os quais podemos citar a reconstruccedilatildeo do conceito proposto de
cidadania Pode-se dizer que apesar das inuacutemeras desigualdades socioeconocircmicas
o termo ldquocidadaniardquo evoluiu ampliando-se a abrangecircncia de sua concepccedilatildeo
abarcando todas as categorias sociais Para tanto para que possamos compreender
como vem se dando essa evoluccedilatildeo eacute preciso que conheccedilamos como tem se dado a
construccedilatildeo histoacuterica da representaccedilatildeo simboacutelica da cidadania
Durante toda a sua evoluccedilatildeo histoacuterica a palavra cidadania e as vaacuterias facetas
que ela assumiu nas uacuteltimas deacutecadas vecircm convivendo de perto com dissensotildees
sociais interesses e conflitos ideoloacutegicos culturais e poliacuteticos que se dedicam a
defender ou construir um modelo de cidadania compatiacutevel com as conjunturas de
cada tempo e de cada lugar
A marcha da cidadania sempre esteve ligada a avanccedilos retrocessos crises e
vitoacuterias enfim a iniciativas voltadas para a implantaccedilatildeo de uma estrateacutegia de luta
pelos direitos humanos pois ela esteve e estaacute em permanente construccedilatildeo eacute como
dizem os grandes teoacutericos um referencial de conquista da humanidade atraveacutes
daqueles que sempre lutaram e lutam por mais direitos mais liberdade melhores
garantias sejam elas individuais ou coletivas e natildeo se conformam frente agraves
dominaccedilotildees arrogantes de um pequeno grupo dominador e opressor contra uma
maioria desassistida e que natildeo se consegue fazer ouvir exatamente porque se lhe
nega a cidadania plena cuja conquista ainda que tardia natildeo seraacute obstada
Os caminhos trilhados pelos que defendem a cidadania podem vir a
apresentar em termos de sentimento constitucional a luta por um Estado
Democraacutetico de Direito que ajude na construccedilatildeo de uma adequada compreensatildeo
das situaccedilotildees de conjuntura e dos problemas estruturais que a sociedade enfrenta
dia apoacutes dia situaccedilotildees essas que se congregam para gerar a falta de efetividade
normativa da nossa Constituiccedilatildeo Aleacutem disso oferecem um amplo panorama acerca
dos esforccedilos que os povos empreenderam para fundar os alicerces das democracias
constitucionais do mundo moderno
A histoacuteria da construccedilatildeo da cidadania eacute uma histoacuteria de resistecircncias de povos
contra as opressotildees dos governos do desespero e das necessidades das massas eacute
a histoacuteria da esperanccedila e do empenho das naccedilotildees a histoacuteria da convivecircncia das
paixotildees humanas do futuro das geraccedilotildees eacute a histoacuteria do sofrimento e da dor eacute a
histoacuteria das vicissitudes e dramas do proacuteprio fenocircmeno humano
18
13 Cidadania um fenocircmeno cultural
A cidadania eacute um fenocircmeno cultural relacionada com a conquista de direitos
com as construccedilotildees das instituiccedilotildees com a proteccedilatildeo dos direitos fundamentais e
dos valores juriacutedicos e humanos Trata-se de uma realidade cultural cuja finalidade eacute
determinar o modo como agraves pessoas devem vincular-se agraves mudanccedilas nas estruturas
sociais determinando o modo como agraves pessoas devem atuar e (com) viver em
sociedade
De certo modo a cidadania como o Direito e todos os direitos representa uma
conquista da cultura frente agrave conflitiva natureza humana Tal conclusatildeo ajuda a
compreender o Estado Democraacutetico de Direito e tudo aquilo que ele simboliza em
termos de emancipaccedilatildeo da pessoa humana Nessa linha a necessidade de
compreender o conceito atual de cidadania agrave luz das questotildees culturais e sociais
postas pela sociedade poacutes-moderna veio-nos como heranccedila do processo cultural de
formaccedilatildeo das democracias modernas
Essa representaccedilatildeo cultural da cidadania vem sendo tratada pelos
pensadores modernos sob vaacuterios enfoques Num primeiro momento surge assim
por exemplo a cidadania civil que marcou a superaccedilatildeo da situaccedilatildeo observada na
Idade Meacutedia garantindo os direitos quanto agrave liberdade e agrave justiccedila e vinculando-se
diretamente agrave burguesia Jaacute a cidadania poliacutetica surgiu com a universalizaccedilatildeo de seu
proacuteprio conceito e com a ampliaccedilatildeo dos direitos civis Esta nova consciecircncia sobre
as diferenccedilas no interior do status de cidadatildeo acentua os debates sobre a exclusatildeo
social os direitos humanos e mesmo sobre a atuaccedilatildeo poliacutetica da sociedade civil Por
outro lado no atual estaacutegio do capitalismo falar em cidadania significar considerar
igualmente as proacuteprias mudanccedilas ocorridas na sociedade nos valores e na
educaccedilatildeo proporcionados pelas inovaccedilotildees da realidade tecnocientifica
Temos desse modo associado ao atual conceito de cidadania um repertoacuterio
teoacuterico e mesmo praacutetico cuja amplitude acompanha o proacuteprio desenvolvimento das
sociedades poacutes-modernas dando a impressatildeo crescente como afirma Harvey
19
De uma poderosa configuraccedilatildeo de novos sentimentos e pensamentos Que parecia a caminho de desenvolvimento social e poliacutetico apenas em virtude da maneira como definia padrotildees de criacutetica social e de praacutetica poliacutetica Em anos recentes ele vem determinando os padrotildees de debate definindo o modo do lsquodiscursorsquo e estabelecendo paracircmetros para a criacutetica cultural poliacutetica e cultural (1992)
Contudo a extensatildeo desses direitos agrave totalidade da populaccedilatildeo natildeo
possibilitou a garantia da liberdade e da igualdade idealizadas por Rousseau em sua
obra ldquoO Contrato Socialrdquo Por outro lado pode-se dizer que todos esses anos de
desenvolvimento acabaram por afirmar que a cidadania de fato soacute pode se constituir
por meio de acirrada luta cotidiana por direitos e pela garantia daqueles que jaacute
existem
Mais do que isso nota-se maior preocupaccedilatildeo com a difusatildeo desses direitos
seja por meio de educaccedilatildeo formal seja pelos meios de comunicaccedilatildeo Livros
didaacuteticos e paradidaacuteticos tecircm fomentado a discussatildeo sobre o status de cidadatildeo e os
direitos humanos outros associam ao desenvolvimento da cidadania uma
discussatildeo sobre os meios de comunicaccedilatildeo e o proacuteprio capitalismo como afirma o
professor Dalmo de Abreu Dallari em Cidadania e Direitos Humanos (1998)
Nessa perspectiva problemas recorrentes como as violaccedilotildees dos direitos
humanos as ineficiecircncias no campo social e o processo de pauperizaccedilatildeo
manifestado na periferia do capitalismo mostram que a cidadania exige mais do que
o simples ato de votar ou de pertencer a uma sociedade poliacutetica Cabe portanto agrave
sociedade civil caraacuteter representativo que substitua as pressotildees ou mesmo a
atuaccedilatildeo legiacutetima dos cidadatildeos
A evoluccedilatildeo da cidadania portanto consiste na lenta construccedilatildeo da
democracia que sintetiza os esforccedilos para a obtenccedilatildeo das prerrogativas ideoloacutegicas
e culturais que tecircm levado os membros da sociedade a decidirem acerca da
realidade que os cercam
14 Cidadania no Brasil breves consideraccedilotildees
Discorrer sobre a construccedilatildeo da cidadania no Brasil eacute tocar num ponto
crucial da nossa histoacuteria Passados mais de 500 anos da chegada dos portugueses
20
por estas paragens percebe-se que a consolidaccedilatildeo da cidadania ainda eacute um desafio
para todos os brasileiros
O tema cidadania muito se tem discutido na academia e fora dela o jargatildeo
da cidadania estaacute na moda nas instituiccedilotildees poliacuteticas e juriacutedicas como tambeacutem na
opiniatildeo puacuteblica mas concretamente eacute um conceito ainda a ser construiacutedo
No contexto histoacuterico-cultural e poliacutetico dos gregos especificamente por
volta do ano 380 aC (periacuteodo do apogeu daquela civilizaccedilatildeo) embora a cidadania
fosse limitada a uma parcela social minoritaacuteria pode-se afirmar que tanto a
democracia quanto a cidadania grega natildeo deixam de ser conquistas ineacuteditas e
avanccedilos significativos para a histoacuteria ocidental Jaacute a evoluccedilatildeo e a real consolidaccedilatildeo
da cidadania na modernidade nascem a partir dos direitos naturais (vida
propriedade liberdade) do homem liberal burguecircs garantido pelas consecutivas
ldquoDeclaraccedilotildees de Direitosrdquo elaboradas a partir das revoluccedilotildees liberais na Inglaterra
(Revoluccedilatildeo Gloriosa 1688-89) Estados Unidos (Emancipaccedilatildeo poliacutetica 1776) Franccedila
(Revoluccedilatildeo Francesa)
No entanto pode-se dizer que o nosso paiacutes apesar da influecircncia dos paiacuteses
europeus vivenciou como ainda vivencia uma difiacutecil construccedilatildeo da cidadania
A longa histoacuteria do Brasil vem elencando razotildees profundas para a nossa
natildeo-cidadania atual a exemplo da conquista (ou invasatildeo) do nosso territoacuterio o
grande latifuacutendio a escravidatildeo a monocultura de exportaccedilatildeo o analfabetismo a
perpetuaccedilatildeo das elites poliacuteticas no poder fatores que refletem nos viacutecios da vida
social cultural poliacutetica e econocircmica do paiacutes
Fundamentalmente eacute preciso afirmar que no Brasil a construccedilatildeo da
cidadania natildeo seguiu a loacutegica da trajetoacuteria inglesa Houve no Brasil segundo
Carvalho (2002) pelo menos duas diferenccedilas importantes
A primeira refere-se agrave maior ecircnfase em um dos direitos o social em relaccedilatildeo aos outros a segunda refere-se agrave alteraccedilatildeo na sequecircncia em que os direitos foram adquiridos entre noacutes o social precedeu os outros
Uma das razotildees fundamentais das dificuldades da construccedilatildeo da cidadania
estaacute ligada como nos diz Carvalho ao ldquopeso do passadordquo mais especificamente ao
periacuteodo colonial (1500-1822) quando
21
Os portugueses tinham construiacutedo um enorme paiacutes dotado de unidade territorial linguiacutestica cultural e religiosa Mas tinham deixado uma populaccedilatildeo analfabeta uma sociedade escravocrata uma economia monocultora e latifundiaacuteria um Estado Absolutista (CARVALHO 2002)
Em suma foram 322 anos sem poder puacuteblico sem Estado sem naccedilatildeo e
cidadania Diante de tatildeo obscuro cenaacuterio de dominaccedilatildeo opressatildeo dentre outras
formas de natildeo efetivaccedilatildeo da cidadania no Brasil podemos elencar dentre outros
tantos fatores quais foram os principais obstaacuteculos para a construccedilatildeo da cidadania
brasileira O latifuacutendio agro-exportador do periacuteodo colonial bem como o escravismo
o analfabetismo marcaram negativamente nossas origens e ateacute hoje dificultam
avanccedilos no acircmbito poliacutetico-social e econocircmico Aleacutem dessas outras razotildees foram e
continuam sendo entraves para a consolidaccedilatildeo das instituiccedilotildees poliacutetica que
impedem os avanccedilos necessaacuterios para uma cidadania plena Na ordem poliacutetica
permanecem ainda algumas mazelas histoacutericas como o patrimonialismo
(promiscuidade entre o puacuteblico e o privado) o coronelismo com sua nova roupagem
o clientelismo aleacutem da corrupccedilatildeo entre outros
Mesmo diante de tatildeo vergonhoso cenaacuterio natildeo podemos nos dispensar que
tambeacutem alcanccedilamos mesmo que de forma tiacutemida significativas conquistas de
direitos no Brasil comparadas com outros paiacuteses que vivenciaram um processo de
colonizaccedilatildeo semelhante ao nosso A conquista desses direitos deu-se de maneira
tardia e inversa haja vista que somente em 1824 mais de 320 anos apoacutes a chegada
dos portugueses foi que surgiram os primeiros direitos civis e poliacuteticos (antes disso
estaacutevamos submetidos agrave lei da coroa portuguesa) Aos poucos surgiram os direitos
sociais mas exatamente no momento em que os direitos civis e poliacuteticos estavam
sendo negados no periacuteodo da ditadura de Vargas (1937-45) e na ditadura militar
(1964-1985) Parece um paradoxo mas foi exatamente nesse periacuteodo de
conturbaccedilotildees poliacuteticas que marchamos em direccedilatildeo agrave conquista de significativos
direitos que iriam projetar uma ideia de lutas e vitoacuterias que se projetariam no campo
da cidadania de modo bastante concreto
Por fim haveremos de concordar com Benevides (1994) ao afirmar que no
intuito de reverter agrave realidade poliacutetico-social excludente ou de uma cidadania
passiva ou sem ldquopovordquo eacute necessaacuterio recorrer agrave defesa de mecanismos institucionais
22
como o referendo o plebiscito e a iniciativa popular para a construccedilatildeo do que ela
chama de uma cidadania ativa ou democracia semidireta Alguns autores veem
dificuldades na implementaccedilatildeo desse sistema em paiacuteses que estatildeo em processo de
democratizaccedilatildeo no entanto logo em seguida apontam para a educaccedilatildeo poliacutetica ndash
entendida como educaccedilatildeo para a cidadania ativa
Desse modo pode-se proferir que todos esses anos de desenvolvimento
acabaram por afirmar que a cidadania de fato soacute pode se constituir por meio de
acirrada luta cotidiana por direitos e pela garantia daqueles que jaacute existem pois
apesar da existecircncia de profundas desigualdades sociais a ideia de cidadania
evoluiu com o passar dos anos Ampliou-se a abrangecircncia de sua concepccedilatildeo
abraccedilando todas as classes sociais e minorias Deixou de restringir-se apenas agrave
participaccedilatildeo poliacutetica para relacionar uma seacuterie de deveres da sociedade para com o
cidadatildeo Na praacutetica ainda haacute muito que se fazer para que direitos e deveres sejam
os mesmos para todos No entanto a busca pela realizaccedilatildeo da maacutexima ldquocada
homem um votordquo continua a ser perseguida
A luta pela conquista plena da cidadania eacute parte integrante da democracia
uma vez que assegura a continuidade das transformaccedilotildees juriacutedicas poliacuteticas entre
outras Natildeo resta duacutevida acerca do papel estruturante que essa luta desempenha no
quadro das democracias contemporacircneas fato que a converte em uma irresistiacutevel
conquista da modernidade O caraacuteter estruturante que a cidadania projeta nos
quadros da democracia atual estaacute ligado a permanente busca de um Estado
compatiacutevel com a realidade de cada tempo histoacuterico
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CAPIacuteTULO 2 - CIDADANIA Agrave LUZ DA CONSTITUICcedilAtildeO FEDERAL DE
1988
A Constituiccedilatildeo eacute a ordem juriacutedica fundamental da comunidade nas palavras
de Konrad Hesse (apud PALU 2001) eacute um documento juriacutedico e poliacutetico dirigido aos
cidadatildeos e estes satildeo os seus primeiros destinataacuterios A Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica eacute
a Lei fundamental composta por um conjunto de normas baacutesicas que compotildeem a
estrutura juriacutedica poliacutetica social e econocircmica de um paiacutes Essa eacute razatildeo pela qual
ela eacute chamada de Carta Magna pois a ela nada se sobrepotildee Para Dallari (1985) a
Constituiccedilatildeo
[] eacute a declaraccedilatildeo da vontade poliacutetica de um povo feita de modo solene por meio de uma lei que eacute superior a todas as outras que visando agrave proteccedilatildeo da dignidade humana estabelece os direitos e as responsabilidades fundamentais dos indiviacuteduos dos grupos sociais do povo e do governo
Desta forma uma Constituiccedilatildeo natildeo surge do nada ela eacute resultado de
observaccedilotildees e experiecircncias e sua finalidade eacute de afirmar e garantir os direitos
elementares das pessoas humanas disciplinar o uso ao mesmo tempo em que
evita o abuso de poder organizando de forma racional a sociedade e o governo
Satildeo inegaacuteveis as inovaccedilotildees teacutecnicas trazidas pela Constituiccedilatildeo Brasileira de
1988 no campo da instituiccedilatildeo garantia e proteccedilatildeo dos direitos fundamentais A
dignidade da pessoa humana e o exerciacutecio da cidadania satildeo considerados princiacutepios
fundamentais da Carta Magna Brasileira de 1988
Cidadania direito a ter direitos na acepccedilatildeo de Haberle ( apud VALADEacuteS
2009) refere-se a todos os direitos previstos na Constituiccedilatildeo de 1988 e ainda
aqueles natildeo expressos mas decorrentes do regime e dos princiacutepios por ela
adotados na dicccedilatildeo do sect 2deg art 5deg
O princiacutepio fundamental da cidadania conforme jaacute exposto impregna todo o
texto constitucional vigente a partir do art 1deg II em que figura de forma
24
exponencial relativamente ao Estado brasileiro e tudo que lhe corresponda no
exerciacutecio de um poder que adquire significaccedilatildeo renovada e amplificada na
sociedade contemporacircnea Segundo Arendt
A cidadania eacute o direito a ter direitos pois a igualdade em dignidade e direitos dos seres humanos natildeo eacute um dado Eacute um construiacutedo da convivecircncia coletiva que requer o acesso ao espaccedilo puacuteblico Eacute este acesso ao espaccedilo puacuteblico que permite a construccedilatildeo de um mundo comum atraveacutes do processo de asserccedilatildeo dos direitos humanos
Nesse diapasatildeo o direito a ter direitos compreende o pleno acesso ao
espaccedilo puacuteblico o efetivo exerciacutecio do poder poliacutetico das prerrogativas inerentes agrave
cidadania conforme explicita a Constituiccedilatildeo no art 5deg LXXI a propoacutesito do
mandado de injunccedilatildeo no dizer todo direito atribuiacutedo com o caraacuteter de exclusividade
agrave pessoa
21 Estado Democraacutetico de Direito espaccedilo de cidadania
Apoacutes a eacutepoca de grandes restriccedilotildees militares o ato de promulgaccedilatildeo da
Constituiccedilatildeo Federal em 05 de outubro de 1988 vem marcar uma nova fase de
esperanccedila para os brasileiros Ao batizaacute-la de Constituiccedilatildeo cidadatilde a Assembleia
Nacional Constituinte atraveacutes de seu presidente o Deputado Ulisses Guimaratildees
resumiu o espiacuterito do texto constitucional assegurar aos brasileiros direitos sociais
essenciais ao exerciacutecio da cidadania e estabelecer mecanismos para garantir o
cumprimento de tais direitos
O que se viu a partir de entatildeo foi uma lenta poreacutem significativa mudanccedila na
sociedade brasileira A Constituiccedilatildeo Federal que eacute sem duacutevidas um marco na
histoacuteria do paiacutes traccedila a prioridade dada pelos constituintes aos direitos dos
brasileiros que pode ser observada em todas as questotildees
A Carta faz uma ampliaccedilatildeo dos direitos individuais sociais e poliacuteticos e como
se observa a inserccedilatildeo dos direitos sociais como segundo tiacutetulo revela a primazia
que o constituinte quis daacute a estes direitos em detrimento de todos os outros
incluindo os referentes agrave organizaccedilatildeo do Estado e dos Poderes que vecircm depois
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Ao contraacuterio do que ocorreu com as Constituiccedilotildees anteriores esse
ordenamento dos capiacutetulos parece revelar que a Carta eacute o prenuacutencio de um paiacutes em
que os direitos dos cidadatildeos formam a base do ordenamento do Estado Essa ideia
foi expressa pelo presidente da Assembleacuteia Constituinte deputado Ulysses
Guimaratildees que voltamos a citar quando anunciou
Diferentemente das sete constituiccedilotildees anteriores esta comeccedila com o homem De modo gratificante testemunha a primazia do homem que foi escrita para o homem que o homem eacute seu fim e sua esperanccedila Eacute a Constituiccedilatildeo cidadatilde
A Constituiccedilatildeo nasceu da constataccedilatildeo de que o figurino juriacutedico formulado
para o Brasil desde os primoacuterdios do Estado nacional natildeo se compatibilizava com as
necessidades dos brasileiros Houve avanccedilos na formalizaccedilatildeo da Lei Magna
especialmente no tocante aos direitos de cidadania mas estamos longe do ideal
preconizado pela carta cidadatilde O que nos leva a crer que a cidadania eacute um processo
diaacuterio e permanente de construccedilatildeo Pois natildeo basta garantir o direito eacute preciso
exercecirc-lo
A cidadania abraccedilada pela atual Constituiccedilatildeo Federal Brasileira teve seu
conteuacutedo ampliado e natildeo se restringe ao simples fato de possuir um tiacutetulo de eleitor
para votar e ser votado ela estabelece cidadania como princiacutepio fundamental da
Repuacuteblica do Brasil desta forma o conceito decorrente pode ser entendido
conforme preleciona Silva (2005) ldquocidadania estaacute aqui num sentido mais amplo do
que o de titular de direitos poliacuteticos Qualifica os participantes da vida do Estado
reconhecimento do indiviacuteduo como pessoa integrada a sociedade estatalrdquo
Tal conceito nos leva a relacionar cidadania com democracia uma vez que
optou-se pelo Estado Democraacutetico de Direito o qual assenta seus alicerces na
participaccedilatildeo popular em questotildees que envolvem a coisa puacuteblica Para Moraes
(2005) esse Estado de Direito ldquosignifica a exigecircncia de reger-se por normas
democraacuteticas com eleiccedilotildees livres perioacutedicas e pelo povo bem como o respeito das
autoridades puacuteblicas aos direitos e garantias fundamentaisrdquo
O propoacutesito da opccedilatildeo pelo Estado Democraacutetico de Direito eacute que a cidadania e
os demais direitos fundamentais fluam com plenitude talvez seja o que justifique a
denominaccedilatildeo da Carta Magna de cidadatilde pois o povo passa a atuar de forma mais
ativa na vida poliacutetica do Estado uma vez que a ele foi concedido esse poder
26
A cidadania portanto soacute adquire pleno significado no mundo contemporacircneo
num Estado Democraacutetico de Direito para tanto exige um ambiente de vida e de
conviacutevio entre os homens tiacutepico e proacuteprio de um Estado Democraacutetico pois a
cidadania constitui fundamento primordial daquele Estado qual seja possibilitar aos
indiviacuteduos habitantes de um paiacutes o seu pleno desenvolvimento atraveacutes do alcance
de igual dignidade social e econocircmica
Segundo Rozicki (2005) O ambiente de vida social do Estado Democraacutetico
cujos pilares se encontram na efetividade dos direitos fundamentais da pessoa
humana em uma sociedade solidaacuteria soacute eacute possiacutevel atraveacutes da observaccedilatildeo de alguns
postulados que lhe satildeo essenciais os quais a autora denomina de pressupostos do
Estado democraacutetico de Direito
1)a valorizaccedilatildeo e atualidade da dignidade do homem e o reconhecimento da importacircncia de dispensar a todos tratamento fraternal igualitaacuterio e natildeo discriminativo 2) a confianccedila nos talentos e possibilidades latentes dos homens 3) a seguranccedila e o creacutedito nos valores institucionalizados pelas massas como fundamentos para o progresso do bem comum e o alcance da justiccedila 4) a aceitaccedilatildeo da legitimidade das decisotildees tomadas por meio de processos racionais e participativos de deliberaccedilatildeo com o consenso da maioria que constitui o reflexo o resultado de debates livres entre todos 5) o respeito aos grupos minoritaacuterios 6) e a compreensatildeo de que todo o interesse geral eacute a siacutentese dos diversos interesses e ideacuteias dos indiviacuteduos e dos grupos diferentes centros de poder que integram a sociedade pluralista
Percebe-se que o conceito amplo de cidadania encontra seus princiacutepios
baacutesicos e estruturantes nesses pressupostos intimamente ligado aos conceitos de
democracia e de igualdade No tocante ao conceito de igualdade elucidativa eacute a
liccedilatildeo de Rozicki (2005) quando afirma que
O princiacutepio de igualdade disciplina todas as atividades puacuteblicas e tem aplicaccedilatildeo direta nas relaccedilotildees privadas que ocorrem entre os particulares impondo para tornaacute-lo real a proibiccedilatildeo de discriminaccedilotildees e a eliminaccedilatildeo das desigualdades faacuteticas nos planos social e econocircmico proporcionando a todos os cidadatildeos igual condiccedilatildeo de vida e mesma posiccedilatildeo perante o Estado Democraacutetico
E complementa que tambeacutem para a realizaccedilatildeo da cidadania o princiacutepio
democraacutetico torna indispensaacutevel agrave participaccedilatildeo popular nas tomadas de decisatildeo No
seu entender
27
A cidadania no Estado democraacutetico de direito efetivada oferece aos cidadatildeos como iguais condiccedilotildees de existecircncia o gozo atual de direitos e a obrigaccedilatildeo do cumprimento de deveres que resumidamente podem ser assim apresentados exerciacutecio de direitos fundamentais e participaccedilatildeo e os deveres de colaboraccedilatildeo e solidariedade (Rozicki 2005)
Natildeo obstante eacute vaacutelido ressaltar um princiacutepio igualmente importante e deveras
esquecido a fraternidade Este princiacutepio que eacute um dos trecircs pilares da Revoluccedilatildeo
Francesa eacute pouco discutido apesar de assumir um papel decisivo na consolidaccedilatildeo
da democracia da politica e do poder
A fraternidade eacute necessaacuteria para o estabelecimento de uma comunidade
politicamente solidaacuteria com indiviacuteduos iguais e livres
Para finalmente concebermos um Estado Democraacutetico de Direito que trate os
iguais na medida de suas desigualdades
22 Os direitos fundamentais como pressupostos de identidade da cidadania
Os direitos fundamentais vistos como um dos traccedilos mais marcante do
constitucionalismo moderno consistem no resultado da luta dos homens por um
direito ideal justo e humano representam situaccedilotildees reconhecidas juridicamente
sem as quais o homem eacute incapaz de alcanccedilar sua proacutepria realizaccedilatildeo e
desenvolvimento plenamente daiacute dizer-se que o princiacutepio preponderante que
condensa os direitos fundamentais eacute o da dignidade da pessoa humana
Os direitos fundamentais satildeo o conjunto de normas de um ordenamento juriacutedico que formam um subsistema deste fundado na liberdade na igualdade na seguridade na solidariedade expressotildees da dignidade do homem que formam parte da norma baacutesica material de identificaccedilatildeo do ordenamento juriacutedico e constitui um setor de moralidade procedimental positivada que legitima o Estado Social de Direito (MARTINEZ apud AGRA 2002)
Tais direitos foram e vatildeo sendo aperfeiccediloados e estendidos ao longo do
tempo resta dizer que os mesmos estabelecem faculdades da pessoa humana que
permitem sua breve classificaccedilatildeo do seguinte modo 1) os direitos civis e poliacuteticos
de liberdade como por exemplo a liberdade de expressatildeo de propriedade de
28
manifestaccedilatildeo do pensamento de associaccedilatildeo de imprensa de reuniatildeo de igualdade
formal perante a lei de participaccedilatildeo poliacutetica o devido processo legal o habeas
corpus o direito de peticcedilatildeo etc 2) os direitos sociais econocircmicos e culturais de
participaccedilatildeo poliacutetica tais como a igualdade de sufraacutegio o direito de voto e de
elegibilidade o direito de peticcedilatildeo e os direitos de participaccedilatildeo poliacutetica 3) os direitos
da titularidade coletiva que satildeo aqueles ligados a solidariedade e a fraternidade
como por exemplo o direito agrave preservaccedilatildeo do meio ambiente e agrave qualidade de vida
etc 4) os direitos chamados de quarta geraccedilatildeo por exemplo direito a democracia a
informaccedilatildeo ao comeacutercio eletrocircnico entre os estados etc
Natildeo existe qualquer relaccedilatildeo hieraacuterquica entre estes direitos mesmo porque
todos interagem entre si de nada servindo um sem a existecircncia dos outros Esta
divisatildeo acontece devido agrave eterna e constante busca do homem por mais proteccedilatildeo
mais garantia com o objetivo de alcanccedilar uma sociedade mais justa igualitaacuteria e
fraterna
Na evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais Agra (2002) chama a atenccedilatildeo do
relevo que adquirem a democratizaccedilatildeo da informaccedilatildeo e os mecanismos de
democracia participativa E justifica que a democratizaccedilatildeo da informaccedilatildeo natildeo se
caracteriza apenas pela existecircncia de uma miacutedia plural sem nenhum tipo de
monopoacutelio mas deve ser concebida como a obrigaccedilatildeo que todos os cidadatildeos tecircm
de tomar consciecircncia dos graves problemas que afligem a humanidade e que os
mecanismos da democracia participativa concebem a cidadania em extensatildeo muito
superior ao voto abrangendo a interferecircncia direta do cidadatildeo nas decisotildees
governamentais mediante vaacuterios mecanismos juriacutedicos como o plebiscito o recall o
orccedilamento participativo etc
De acordo com Silva (2005) os Direitos Fundamentais na Constituiccedilatildeo de
1988 abrangem os ldquodireitos individuais sociais poliacuteticos e tambeacutem os direitos
econocircmicos Para o autor a ampliaccedilatildeo e transformaccedilatildeo dos direitos fundamentais
do homem na histoacuteria dificultam uma definiccedilatildeo sinteacutetica do conceitordquo
Essa dificuldade aumenta diante do emprego de vaacuterias expressotildees para
designaacute-los tais como direitos naturais direitos humanos direitos do homem
direitos individuais direitos puacuteblicos subjetivos liberdades fundamentais liberdades
puacuteblicas e direitos fundamentais do homem No entanto direitos fundamentais do
homem constitui a expressatildeo mais adequada porque na palavra fundamentais
acha-se a indicaccedilatildeo de que se trata de situaccedilotildees sem as quais o indiviacuteduo natildeo tem
29
uma vida digna natildeo convive e agraves vezes nem mesmo sobrevive A expressatildeo
direitos fundamentais eacute a mais precisa no sentido de que a todos por igual devem
ser natildeo apenas formalmente reconhecidos mas concreta e materialmente
efetivados
Por sua vez a atual Corte em julgamento do habeas corpus (HC ndeg
82424RS) marca seu posicionamento no tocante ao sistema de direitos
fundamentais insculpido na Constituiccedilatildeo de 1988 atraveacutes dos profundos e bem
fundamentados votos dos Ministros que aleacutem de delimitarem a extensatildeo e os limites
da liberdade de expressatildeo (art 5o IV e IX) acabaram indicando as bases filosoacuteficas
e juriacutedicas para a interpretaccedilatildeo do cataacutelogo de direitos fundamentais da Constituiccedilatildeo
de 1988
Nesse sentido o voto do Ministro Marco Aureacutelio tratou de definir o sistema de
direitos fundamentais como a ldquoproacutepria essecircncia da Constituiccedilatildeordquo qualificando-os
como ldquovalores objetivos que servem como norte da atuaccedilatildeo estatalrdquo Assim estaacute
consignado nos fundamentos do referido voto
A Constituiccedilatildeo de 1988 representou um divisor de aacuteguas entre o antigo regime totalitaacuterio e um periacuteodo de redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes marcando dessa forma uma eacutepoca que tem como modelo de atuaccedilatildeo do Estado o respeito incondicional aos direitos fundamentais Por isso mesmo o sistema constitucional dos direitos fundamentais previsto no artigo 5o da Carta com os eventuais acreacutescimos do sect 2o reflete em rigor e em larga medida a proacutepria essecircncia da Constituiccedilatildeo e a retomada do processo de democratizaccedilatildeo e da garantia do cidadatildeo contra abusos e arbitrariedades no exerciacutecio do Poder Puacuteblico Os direitos fundamentais satildeo hoje verdadeiros princiacutepios estruturantes da organizaccedilatildeo e do funcionamento do Estado valores objetivos que servem como norte da atuaccedilatildeo estatal em seus mais diferentes niacuteveis no Legislativo formam um cataacutelogo de princiacutepios e garantias que informam e direcionam toda a atividade de criaccedilatildeo das normas de nosso ordenamento juriacutedico e de concretizaccedilatildeo dos preceitos constitucionais no Executivo mostram-se como verdadeiros limites ao exerciacutecio do poder administrativo servindo como trincheiras de proteccedilatildeo da liberdade do cidadatildeo e no judiciaacuterio refletem a base e o fundamento necessaacuterio da compreensatildeo e interpretaccedilatildeo de nossas normas ndash efeito interpretativo - evitando que a atividade jurisdicional se transforme em medidas discricionaacuterias ou providecircncias ilegiacutetimas de opccedilotildees poliacuteticas pautadas em escolhas pessoais dos juiacutezes
Tudo indica que se trata do iniacutecio de uma soacutelida construccedilatildeo jurisprudencial a
respeito do sentido axioloacutegico do sistema de direitos fundamentais da Constituiccedilatildeo
de 1988
30
Os Direitos Individuais satildeo de exerciacutecio exclusivo do indiviacuteduo e devem ser
formalmente reconhecidos e concretizados no cotidiano do cidadatildeo O indiviacuteduo aqui
eacute considerado um sujeito de direitos e natildeo apenas como integrante de um corpo
social Esses direitos natildeo podem sofrer nenhum tipo de restriccedilatildeo natildeo se
discriminando quem os pode exercer uma vez que satildeo titulares todas as pessoas
capazes incapazes brasileiras estrangeiras alfabetizadas e iletradas
A Constituiccedilatildeo Cidadatilde foi a primeira a estabelecer direitos natildeo soacute de
indiviacuteduos mas tambeacutem de grupos sociais os denominados direitos coletivos Com
isso as pessoas passaram a ser coletivamente consideradas Os direitos individuais
e coletivos estatildeo anunciados no art 5ordm em setenta e sete incisos e em dois
paraacutegrafos
Verifica-se que os Direitos Individuais tecircm como ponto marcante a liberdade
seja ela tomada de maneira global ou especiacutefica como liberdade de associaccedilatildeo de
reuniatildeo A liberdade de reuniatildeo (art 5ordm XVI) constitui-se na primeira e mais simples
liberdade corporativa estando logo apoacutes a liberdade de locomoccedilatildeo
Os Direitos Sociais tecircm como titular uma coletividade e satildeo caracterizados
pela prestaccedilatildeo de serviccedilos ou oferecimento de melhorias para a sociedade como um
todo por parte do Poder Puacuteblico Assim os Direitos Sociais tornam possiacutevel a fruiccedilatildeo
e o exerciacutecio dos Direitos Individuais pela coletividade mesmo pelos carentes
materialmente
O art 6deg define os Direitos Sociais da seguinte maneira ldquoSatildeo Direitos Sociais
a educaccedilatildeo a sauacutede o trabalho a moradia o lazer a seguranccedila a previdecircncia
social a proteccedilatildeo agrave maternidade e agrave infacircncia a assistecircncia aos desamparados na
forma desta Constituiccedilatildeordquo
Portanto eacute obrigatoacuteria ao Estado a proteccedilatildeo dos interesses da coletividade
com o atendimento dos direitos acima citados
Satildeo direitos poliacuteticos os que conferem o acesso da populaccedilatildeo agrave participaccedilatildeo
no Poder do Estado tais como os direitos de votar e ser votado do referendo
plebiscito e iniciativa popular das leis O direito democraacutetico de participaccedilatildeo dos
cidadatildeos no governo por meio de seus representantes exigiu a formaccedilatildeo de um
conjunto de normas legais permanentes que recebeu a denominaccedilatildeo de direitos
poliacuteticos Os Direitos Poliacuteticos amparam os Direitos Individuais Sociais e
Econocircmicos pois quando desaparece a democracia desaparecem imediatamente
as liberdades fundamentais
31
Com o advento da Constituiccedilatildeo de 1988 foram criadas instituiccedilotildees para
fiscalizar e controlar a atuaccedilatildeo da administraccedilatildeo puacuteblica entre as quais o Ministeacuterio
Puacuteblico que funciona como um canal de expressatildeo dos direitos da populaccedilatildeo
O Ministeacuterio Puacuteblico foi a instituiccedilatildeo que mais ganhou importacircncia no cenaacuterio
puacuteblico por ter passado a defender os interesses coletivos ou seja os interesses de
um grupo categoria ou classe e natildeo de um indiviacuteduo isolado No artigo 127 o
Ministeacuterio Puacutebico (MP) eacute definido como ldquouma instituiccedilatildeo permanente essencial agrave
funccedilatildeo jurisdicional do Estado incumbindo-lhe a defesa da ordem juriacutedica do regime
democraacutetico e dos interesses sociais e individuais indispensaacuteveisrdquo
Cabe ao Ministeacuterio Puacuteblico exigir dos poderes puacuteblicos e dos serviccedilos de
relevacircncia puacuteblica respeito aos direitos elencados na Constituiccedilatildeo promovendo as
medidas necessaacuterias agrave garantia desses direitos Portanto eacute responsaacutevel pela
garantia da ordem juriacutedica do regime democraacutetico da moralidade puacuteblica e dos
direitos sociais e individuais
23 A consagraccedilatildeo dos direitos do cidadatildeo
A Constituiccedilatildeo de 1988 eacute o coroamento da histoacuteria constitucional do Brasil por
ter sido um marco da redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes opondo-se a qualquer forma de
autoritarismo Nela a cidadania foi consagrada como um dos fundamentos da
Repuacuteblica Federativa do Brasil (art 1ordm inc II) Observe-se que o termo cidadania
encontra-se na Constituiccedilatildeo em sentido mais amplo do que o de titular de direitos
poliacuteticos pois qualifica os participantes da vida do Estado e reconhece o indiviacuteduo
como pessoa integrada na sociedade estatal
Essa nova concepccedilatildeo de cidadania introduzida pela Constituiccedilatildeo Federal de
1988 eacute fruto da internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos e como marco principal da
institucionalizaccedilatildeo erigiu em seu artigo primeiro a dignidade da pessoa humana (inc
III) e a cidadania (incII) a princiacutepio fundamental
Institui com o princiacutepio da cidadania uma nova compreensatildeo acerca dos
direitos de deveres da pessoa elevado-o a status maacuteximo a regra-matriz que natildeo
pode ser desrespeitada pois os fundamentos constituem a essecircncia da Repuacuteblica
32
Federativa e servem como regra-matriz para a elaboraccedilatildeo interpretaccedilatildeo e
integraccedilatildeo do sistema juriacutedico nacional
Violar um princiacutepio eacute muito grave que transgredir uma norma qualquer A desatenccedilatildeo ao principio implica ofensa natildeo apenas a um especifico mandamento obrigatoacuterio mas a todo o sistema de comandos Eacute a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade representa insurgecircncia contra todo o sistema subversatildeo de valores fundamentais (MELLO apud CHIMENTI 2005 P 33)
Para Silva (2004) cidadania eacute discriminada como princiacutepio relativo ao regime
poliacutetico Dessa forma compreendida cidadania como princiacutepio fundamental eacute o
direito de participar dos destinos do Estado e mais usufruir dos direitos civis
fundamentais previstos na Constituiccedilatildeo
Muitos doutrinadores utilizam cidadania no mesmo sentido de nacionalidade
(Art 12 da Constituiccedilatildeo Federal) e de direitos poliacuteticos (Art 14) Em alguns outros
dispositivos a palavra cidadania (ou cidadatildeo) poderia ainda ter a significaccedilatildeo de
direitos poliacuteticos mas mesmo assim de forma impliacutecita a exemplo dos arts 22 XIII
e 5ordm LXXIII No primeiro se lecirc que compete agrave Uniatildeo legislar sobre nacionalidade
cidadania e naturalizaccedilatildeo e no segundo que qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima
para propor accedilatildeo popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de
entidade de que o Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e
ao patrimocircnio histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de
custas judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia No entanto conforme Mazzuoli (2002)
Observe-se que a Carta de 1988 ao tratar no seu art 14 dos direitos poliacuteticos natildeo se refere sequer em um momento agrave expressatildeo cidadania dizendo apenas que a soberania popular seraacute exercida pelo sufraacutegio universal e pelo voto direito e secreto com valor igual para todos (hellip) Pelo contraacuterio a Constituiccedilatildeo faz uma separaccedilatildeo entre cidadania e direitos poliacuteticos quando no seu art 68 sect 1ordm II ao tratar das leis delegadas exclui do acircmbito da delegaccedilatildeo legislativa a nacionalidade cidadania direitos individuais poliacuteticos e eleitorais
A Constituiccedilatildeo brasileira de 1988 com a transiccedilatildeo para o regime democraacutetico
consagrou expressamente esta nova concepccedilatildeo de cidadania como se depreende
da leitura de vaacuterios dos seus dispositivos
Foi nesse sentido que pioneiramente estatuiu a Carta de 1988 em seu art
1ordm que a Repuacuteblica Federativa do Brasil formada pela uniatildeo indissoluacutevel dos
33
Estados e Municiacutepios e do Distrito Federal constitui-se em Estado Democraacutetico de
Direito e tem como fundamentos dentre outros a cidadania (inc II) Como jaacute
mencionado
Na mesma esteira o disposto no art 5ordm incisos LXXI (conceder-se-aacute
mandado de injunccedilatildeo sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviaacutevel o
exerciacutecio dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes agrave
nacionalidade agrave soberania e agrave cidadania) e LXXVII (satildeo gratuitas as accedilotildees de
habeas-corpus e habeas-data e na forma da lei os atos necessaacuterios ao exerciacutecio
da cidadania) No seu Tiacutetulo VIII Capiacutetulo II Seccedilatildeo I a Carta Magna de 1988
dispotildee ainda que a
Educaccedilatildeo direito de todos e dever do Estado e da famiacutelia seraacute promovida e incentivada com a colaboraccedilatildeo da sociedade visando ao pleno desenvolvimento da pessoa seu preparo para o exerciacutecio da cidadania e sua qualificaccedilatildeo para o trabalho (art 205)
Outro dispositivo em que fica bastante marcada esta nova concepccedilatildeo de
cidadania eacute o art 64 do Ato das Disposiccedilotildees Constitucionais Transitoacuterias que
dispotildee
A Imprensa Nacional e demais graacuteficas da Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios da administraccedilatildeo direta ou indireta inclusive fundaccedilotildees instituiacutedas e mantidas pelo Poder Puacuteblico promoveratildeo ediccedilatildeo popular do texto integral da Constituiccedilatildeo que seraacute posta agrave disposiccedilatildeo das escolas e dos cartoacuterios dos sindicatos dos quarteacuteis das igrejas e de outras instituiccedilotildees representativas da comunidade gratuitamente de modo que cada cidadatildeo brasileiro possa receber do Estado um exemplar da Constituiccedilatildeo do Brasil
Enfim a Constituiccedilatildeo de 1988 enriqueceu e ampliou os conceitos de cidadatildeo
e cidadania Seu entendimento agora como leciona Silva (2005)
Decorre da ideia de Constituiccedilatildeo dirigente que natildeo eacute apenas um repositoacuterio de programas vagos a serem cumpridos mas constitui um sistema de previsatildeo de direitos sociais mais ou menos eficazes em torno dos quais eacute que se vem construindo a nova ideacuteia de cidadania
De forma que natildeo mais se trata de considerar a cidadania como simples
qualidade de gozar direitos poliacuteticos mas sim de aferir-lhe um nuacutecleo miacutenimo e
irredutiacutevel de direitos (fundamentais) que devem se impor obrigatoriamente agrave accedilatildeo
dos poderes puacuteblicos
34
O ordenamento juriacutedico brasileiro consagrou aleacutem dos institutos jaacute
mencionados alguns outros mecanismos de defesa dos direitos e garantias
constitucionais da cidadania como a accedilatildeo civil puacuteblica regulada pela Lei nordm
734785 e accedilatildeo direta de inconstitucionalidade prevista no incIV do art 129 da
Constituiccedilatildeo Federal O Coacutedigo de Defesa do Consumidor o Estatuto da Crianccedila e
do Adolescente e ateacute mesmo o princiacutepio do devido processo legal que resguarda ao
cidadatildeo o acesso agrave justiccedila e direito de ser acionado judicialmente por meio de
procedimentos legais satildeo mecanismos de defesa dos direitos de cidadania
previstos constitucionalmente e garantidos na esfera poliacutetica civil e social
Pode-se observar que a cidadania comeccedilou a ser construiacuteda como resultado
de um processo de luta a partir da conscientizaccedilatildeo dos direitos e deveres do
homem Como vimos a cidadania jaacute em praacutetica em muitos paiacuteses adquire no
Brasil com a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 um novo sentido qual seja o
pressuposto do exerciacutecio pleno de um sistema de direitos e garantias
35
CAPIacuteTULO 3 - CIDADANIA COMO MECANISMO DE
TRANSFORMACcedilAtildeO SOCIAL
No momento em que a cidadania alccedila voos constitucionais e insere-se na
Carta Poliacutetica da Repuacuteblica Federativa do Brasil inicia-se o processo de
redemocratizaccedilatildeo e ganha relevo o cidadatildeo agente deste processo que tem em
suas matildeos a tarefa da construccedilatildeo de um novo tempo
Historicamente a ideia de cidadatildeo conotava o habitante da cidade ndash o
citadino ndash firma-se entatildeo tal conotaccedilatildeo na Antiguumlidade claacutessica para depois
significar aquele indiviacuteduo a quem se atribuem os direitos poliacuteticos Superada essa
acepccedilatildeo que tambeacutem vigorou nas constituiccedilotildees anteriores da Repuacuteblica do Brasil
na concepccedilatildeo moderna estaacute clara a noccedilatildeo de cidadatildeo como aquele que a quem
consiste a titularidade de direitos individuais poliacuteticos e sociais Noccedilatildeo esta
edificada com a internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos que amplia a acepccedilatildeo do
termo declarando que satildeo cidadatildeos todo aquele que habita o acircmbito da soberania
de um Estado e deste Estado recebem uma carga de direitos e tambeacutem deveres dos
mais variados
Desta forma a noccedilatildeo contemporacircnea de cidadania funda-se na dicotomia
direitos (exerciacutecios de direitos fundamentais - participaccedilatildeo) e deveres (colaboraccedilatildeo -
solidariedade) Ao lado dos direitos foram estabelecidos deveres fundamentais e
portanto tanto agentes puacuteblicos como os indiviacuteduos tecircm obrigaccedilotildees especiacuteficas
inclusive a de respeitar os direitos das demais pessoas que vivem na ordem social
sendo e promovendo mecanismos de transformaccedilatildeo social que visam uma nova
sociedade baseada na igualdade e na justiccedila
36
31 O ser cidadatildeo
Os termos indiviacuteduo ser humano pessoa e cidadatildeo satildeo geralmente tomados
como sinocircnimo o que certamente influi na proliferaccedilatildeo de incontaacuteveis significados e
ampliaccedilatildeo do termo cidadatildeo Poreacutem estas palavras apesar de se assemelharem
possuem carga semacircntica proacutepria e da compreensatildeo exata de cada uma decorre a
conceituaccedilatildeo mais acentuada da acepccedilatildeo do termo cidadatildeo como titular de direitos
e deveres resguardados pela constituiccedilatildeo paacutetria
Desta forma indiviacuteduo eacute um representante da espeacutecie aquele que eacute uacutenico
Enquanto ser humano eacute um termo mais geneacuterico ou indeterminado que diz respeito
agrave espeacutecie agrave classificaccedilatildeo ao mundo zooloacutegico Pessoa por sua vez eacute um termo
mais especiacutefico que tem a ver com o mundo civilizado ou se preferirmos com a
constelaccedilatildeo dos valores morais eacuteticos e juriacutedicos proacuteprios da civilizaccedilatildeo
A etimologia da palavra pessoa demonstra que eacute um conceito sobreposto ao conceito de Ser Humano Um refratildeo de origem juriacutedica tambeacutem nos lembra do homo plures pessoa polimorfa o ser humano capaz de desempenhar muitos papeacuteis um mesmo ser humano eacute empresaacuterio e delinquumlente eacute pai e metaluacutergico etc Persona (personagem) era a maacutescara que usavam os atores da trageacutedia grega para desempenhar seu papel Cabe portanto entender o conceito de Ser Humano ao lado do conceito de Pessoa No direito romano antigo os escravos eram seres humanos (homens) mas natildeo eram consideradas pessoas (patriacutecios) Os juristas romanos que usavam o conceito de Ser Humano o dissociavam do conceito de pessoas (CUNHA 2007)
O Ser Humano recebe uma distinccedilatildeo importante quando o consideramos
como Pessoa assim como a Pessoa recebe uma distinccedilatildeo redundante natildeo menos
importante quando a consideramos por forccedila de expressatildeo como uma pessoa
humana Subentendendo o adjetivo humano como relativo agrave eacutetica Portanto Ser
Humano natildeo eacute a mesma coisa que Pessoa como tampouco Ser Humano eacute o
mesmo que cidadatildeo este muito eacute mais proacuteximo do termo Pessoa Vejamos o quadro
ilustrativo que esquematiza e distinguem os referidos conceitos
37
QUADRO 1 ndash EVOLUCcedilAtildeO DO SER HUMANO ATEacute O CIDADAtildeO
O Ser Humano O Ser Indiviacuteduo O Ser Pessoa O Ser Cidadatildeo
A Dimensatildeo do conviacutevio social
A dimensatildeo do mercado de trabalho e
Consumo
A Dimensatildeo de encontrar-se no mundo
A dimensatildeo de intervir na realidade
O homem tornar-se Ser Humano nas relaccedilotildees
de conviacutevio social
O Ser Humano tornar-se indiviacuteduo quando
descobre seu papel e funccedilatildeo social
O Indiviacuteduo torna-se pessoa quanto toma
consciecircncia de si mesmo do outro e do
mundo
A pessoa torna-se cidadatildeo quando
interveacutem na realidade em que vive
Quem estuda o comportamento do Ser
Humano Seria a antropologia a histoacuteria
ou a sociologia
Quem estuda o comportamento do indiviacuteduo Seria a
Filosofia a sociologia ou a Psicologia
Quem estuda o comportamento da pessoa Seria a
Filosofia a sociologia ou a Psicologia
Quem estuda o comportamento do cidadatildeo Seria a
Sociologia a Filosofia ou As ciecircncias
poliacuteticas
Quem garante os direitos do Ser
Humano A Declaraccedilatildeo Universal
dos Direitos Humanos
Quem garante os Direitos do
Consumidor O Coacutedigo do Consumidor
Quem garante os Direitos da pessoa A proacutepria pessoa (amor proacuteprio ou autoestima)
Quem garante os Direitos do cidadatildeo (A Constituiccedilatildeo e suas leis
regulamentares)
Existe realmente uma natureza humana Teologicamente
afirmamos que existe a uma natureza humana
Seguindo a corrente existencialista (JP Sartre) negamos tal
natureza
Que diferenccedila existe entre o direito do
consumidor e o direito do cidadatildeo Ao
Consumidor deve ser dado o direito de
propriedade enquanto ao cidadatildeo deve ser
dado o direito de acesso
O que significa tornar-se pessoa no niacutevel
psicoloacutegico e social A pessoa eacute o indiviacuteduo que toma consciecircncia de si mesmo (ldquoTornar-
se Pessoardquo de Karl Roger)
Como podemos intervir na realidade
modificando as estruturas corruptas e injustas Quando os
direitos do cidadatildeo lhe satildeo oferecidos e o
mesmo passa a exercecirc-lo haacute
modificaccedilatildeo de comportamento
(ROSAS 2009)
O cidadatildeo eacute portanto aquele indiviacuteduo a quem a Constituiccedilatildeo confere direitos
e garantias e lhe daacute o poder do seu efetivo exerciacutecio aleacutem de meios processuais
eficientes contra a violaccedilatildeo de seu gozo ou fruiccedilatildeo por parte do poder puacuteblico
Sendo assim
A passagem do indiviacuteduo a cidadatildeo caracteriza-se pelo reconhecimento pela lei de direitos considerados fundamentais agrave realizaccedilatildeo da vida do homem como indiviacuteduo e ser social membro de uma comunidade poliacutetica e a garantia desses direitos pela forccedila comum de todos (CUNHA 2007)
38
Nas uacuteltimas deacutecadas em alguns paiacuteses inclusive no Brasil desenvolveu-se o
conceito de cidadania calcado principalmente na questatildeo do cidadatildeo-consumidor
As pessoas passam a ser vistas como cidadatildes desde que tenham dinheiro para
adquirir mercadorias e utilizar serviccedilos Eacute certo pois que serviccedilos e mercadorias
atendem a necessidades materiais e simboacutelicas das pessoas e consumi-los eacute um
dos modos de participar da vida social criar identidade e partilhar dos bens
produzidos pela humanidade e representar-se culturalmente Contudo a cidadania
enfatizada apenas como uma relaccedilatildeo de compra e venda de mercadorias e serviccedilos
assume um conteuacutedo restrito individual conformista e voltado apenas para a
aquisiccedilatildeo de bens o que se relaciona com a ideacuteia de indiviacuteduo ou seja o consumo
atende as necessidades do indiviacuteduo
Outra forma de confusatildeo acerca do conceito de cidadatildeocidadania refere-se a
equiparaccedilatildeo feita com o assistencialismo o que configura uma acentuada inversatildeo
do termo uma vez que a praacutetica do assistencialismo natildeo propicia meios de
superaccedilatildeo das desigualdades sociais Enquanto a cidadania estaacute relacionada agrave
superaccedilatildeo das desigualdades sociais e a extensatildeo da garantia dos direitos de todos
O cidadatildeo eacute sem duacutevida uma expressatildeo que precisa ser adequadamente
utilizada e vivenciada pela coletividade compreendido na dimensatildeo do ser pessoa
de ter direitos e deveres do assumir as suas liberdades e responsabilidades no seio
de uma comunidade democraacutetica equitativa solidaacuteria e intercultural
Dessa forma ser cidadatildeo implica saber viver em sociedade estando ciente
dos anseios comuns A participaccedilatildeo ativa nas decisotildees de sua comunidade
influencia modos de vida de maneira positiva ao seu redor assim torna-se
imprescindiacutevel o exerciacutecio dos direitos constitucionais adquiridos e lutar pelos que
viratildeo eacute sobretudo estar consciente de todas as atitudes tomadas em prol da
sociedade
Eacute possiacutevel nesse espaccedilo de discussatildeo falar em ldquoestar cidadatildeordquo que eacute natildeo
praticar o exerciacutecio da cidadania em nenhuma de suas formas Implica apenas em
se deixar levar pelos acontecimentos e ainda reclamar das situaccedilotildees vividas sem
nada fazer para mudar sem nenhuma perspectiva de futuro Do que concluiacutemos que
a dinacircmica de intervir na realidade eacute pressuposto de cidadania
Ser cidadatildeo eacute tarefa que requer muito do ser humano do individuo da
pessoa Requer uma alta - estima elevada uma consciecircncia solidaacuteria uma
39
identidade que se reconheccedila na dinacircmica social interagindo com o outro ampliando
debates incitando justiccedila eacute sem duvida uma tomada de posiccedilatildeo que natildeo se
acomoda pelo contraacuterio se incomoda quando natildeo haacute comprometimento para o bem
comum
Natildeo eacute uma tarefa cocircmoda senatildeo muito complicada as pessoas natildeo nascem cidadatildeos mas fazem-se no tempo e no espaccedilo Na verdade natildeo eacute faacutecil exercer a liberdade e a cidadania ndash ser pessoa e ser cidadatildeo ndash por isso exige-se uma luta sem treacuteguas para erradicar assimetrias e exclusotildees socioculturais e criar cenaacuterios de esperanccedila realizaacuteveis fundamentados em valores e princiacutepios eacuteticos que requalifiquem a democracia com cidadatildeos participativos e
comprometidos ( SAEZ 1995)
Tem portanto como pressuposto uma mudanccedila de comportamento uma
tomada de posiccedilatildeo frente agrave dinacircmica social na qual estaacute inserido participando de
forma ativa e produtiva do processo de construccedilatildeo da cidadania por meio de seus
diversos canais
32 Emancipaccedilatildeo social atraveacutes da cidadania
Um Estado Democraacutetico eacute aquele que estaacute enraizado na legitimidade do
poder do povo e dele decorre seu exerciacutecio Assim o poder do povo eacute a expressatildeo
a aptidatildeo de homens e mulheres constituir autonomamente seu viver sem sucumbir
diante das instacircncias de poder Haacute nesse modus vivendi uma tutela das diferenccedilas e
pluralidades de formas de vida
Desta forma a cidadania eacute enfocada como o processo de participaccedilatildeo do
individuo ou de um grupo organizado nas mais variadas aacutereas de atuaccedilatildeo na
sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos sociais com a consciecircncia
da responsabilidade por sua proacutepria histoacuteria
Sendo a democracia o regime em que o povo governa sua caracteriacutestica
inarredaacutevel eacute a de ter o povo agrave frente do poder uma forma de autogoverno Em
assim sendo a cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia por meio de resultados
palpaacuteveis e medidas concretas tais como mudanccedilas na realidade de cada um com
melhoria de vida e conscientizaccedilatildeo da importacircncia na sociedade para o exerciacutecio
40
direto ou indireto desse poder pois se contentar com fato do direito estaacute prescrito
em lei natildeo eacute o bastante
Eacute certo poreacutem que o Estado democraacutetico somente se aperfeiccediloa na
proporccedilatildeo em que o povo age ativamente na medida em que os representantes
reflitam em seus atos os verdadeiros anseios populares Partindo dessa visatildeo a
cidadania eacute o grande fator de legitimaccedilatildeo do povo permitindo que ele aja em defesa
das instituiccedilotildees democraacuteticas
Sobre a participaccedilatildeo cumpre asseverar que este direito significa a
capacidade de ser consultado para as tomadas de decisatildeo que dizem respeito agrave
direccedilatildeo da sociedade em que vive o cidadatildeo este direito eacute acompanhado do
respeito aos deveres de contribuir para o progresso social e de acatar e respeitar o
resultado obtido em consulta coletiva
No elenco de mecanismo de exerciacutecio da cidadania estaacute o acesso ao direito e
a justiccedila que eacute fator preponderante para efetivar as garantias constitucionais
Assim passaremos a discorrer sobre a importacircncia de instrumentalizar o
cidadatildeo para um pleno exerciacutecio de seus direitos
Eacute Sabido que no Estado Democraacutetico Contemporacircneo os direitos
fundamentais constitucionalmente assegurados tecircm eficaacutecia imediata cumprindo ao
Estado garantir a todos os cidadatildeos o respeito a esses Direitos de modo concreto e
efetivo natildeo obstante as inuacutemeras desigualdades e condiccedilotildees adversas que
dificultam na praacutetica o seu exerciacutecio
Para o acesso ao direito o Estado deve desenvolver com eficiecircncia uma seacuterie
de atividades essenciais e dar efetividade a uma seacuterie de pressupostos Dentre eles
o principal eacute o conhecimento do Direito como fator preponderante pois o
desconhecimento da lei implica na praacutetica natildeo acionar a jurisdiccedilatildeo Um fato que
contribui para essa assertiva eacute baixa escolaridade da populaccedilatildeo e o analfabetismo
Muito pouco adianta a existecircncia de uma Constituiccedilatildeo apenas formal ou no
papel se ilegiacutetima ou desrespeitada Para que ocorra a eficaacutecia das normas
dispostas numa Constituiccedilatildeo ou melhor para que passe da teoria agrave praacutetica eacute
essencial que comandados e comandantes tenham conhecimento dos seus direitos
e responsabilidades assim como dos instrumentos juriacutedicos para efetivaacute-los (leis
regulamentadoras) O exerciacutecio da cidadania natildeo eacute somente um direito mas eacute
tambeacutem um dever de todos pois a omissatildeo de cada um contribui com as injusticcedilas e
as impunidades tatildeo presentes nos dias atuais
41
A Constituiccedilatildeo quando eacute justa e legiacutetima e principalmente quando eacute
respeitada eacute um poderoso instrumento de promoccedilatildeo e desenvolvimento social e
humano
Outro fator que deve ser considerado eacute a miserabilidade que coloca inuacutemeros
brasileiros a margem da sociedade em situaccedilatildeo precaacuteria os quais para Pinsky
(2004) ldquodesprovidos de esperanccedila de projeto de qualquer perspectiva de inclusatildeo
[] recorrer agrave Justiccedila humana parece algo irrealizaacutevel sofisticado e inteiramente
ficcionalrdquo
Desta forma o primeiro passo para concretizar os direitos previstos
constitucionalmente eacute a formaccedilatildeo do cidadatildeo atraveacutes da Educaccedilatildeo Baacutesica
infundindo-lhe a consciecircncia dos seus direitos e tambeacutem dos seus deveres sociais
bem como dos valores humanos fundamentais que devem ser por todos respeitados
na vida em sociedade A universalizaccedilatildeo do ensino fundamental a oferta obrigatoacuteria
de educaccedilatildeo infantil pelo Estado e o crescimento da oferta do ensino meacutedio satildeo
alguns dos aspectos que merecem destaques e foi devido agrave determinaccedilatildeo
constitucional de estabelecer o caraacuteter obrigatoacuterio do ensino fundamental e de
responsabilizar o Estado por sua implementaccedilatildeo que tem iniacutecio o processo de
avanccedilo desse segmento
A Constituiccedilatildeo estabeleceu de forma mais clara o papel dos entes federados
na educaccedilatildeo Tambeacutem aumentou a participaccedilatildeo orccedilamentaacuteria destinada ao setor
Com as novas regras para distribuiccedilatildeo de recursos adotadas apoacutes a promulgaccedilatildeo
da Carta os municiacutepios voltam a interessar-se pela educaccedilatildeo fundamental e o paiacutes
atinge a universalizaccedilatildeo do setor o que se busca agora satildeo mecanismos para
garantir a qualidade no ensino
O segundo passo nessa dinacircmica eacute o oferecimento a todos os cidadatildeos de
condiccedilotildees miacutenimas de sobrevivecircncia e de existecircncia condignas atraveacutes do acesso
ao trabalho produtivo livremente escolhido e do pagamento de remuneraccedilatildeo capaz
de prover ao sustento do trabalhador e de sua famiacutelia
Para milhotildees de cidadatildeos que vivem na ignoracircncia e na miseacuteria nenhuma
utilidade ou eficaacutecia tecircm os inuacutemeros direitos constitucionalmente assegurados Para
aqueles que se habituaram a retirar proventos da mendicacircncia da prostituiccedilatildeo de
atividades iliacutecitas ou aqueles que se sentiram forccedilados a sujeitar-se agrave exploraccedilatildeo de
outrem para sobreviver natildeo haacute nenhuma crenccedila na dignidade da pessoa humana e
no valor social do trabalho
42
A pobreza engendra inuacutemeras relaccedilotildees de dominaccedilatildeo entre pessoas e entre grupos sociais As habitaccedilotildees subumanas da periferia das grandes cidades no Brasil constituem verdadeiros quistos sociais terras sem lei controladas por xerifes ou por quadrilhas de malfeitores O Estado que natildeo for capaz de dotar essas comunidades do acesso efetivo agrave Educaccedilatildeo agrave Sauacutede agrave Seguranccedila e agrave Paz Puacuteblicas e ao trabalho liacutecito certamente natildeo lhes estaraacute assegurando o acesso ao Direito porque a populaccedilatildeo abrutalhada pela miseacuteria e coagida pelo medo natildeo desfruta da miacutenima eficaacutecia concreta dos
seus direitos fundamentais (GRECO 2009)
Evidencia que acesso ao Direito nas sociedades modernas mesmo nas
economicamente desenvolvidas exige o fortalecimento dos grupos intermediaacuterios e
do associativismo O cidadatildeo natildeo estaacute mais em condiccedilotildees de defender-se
individualmente das ameaccedilas e lesotildees aos seus direitos perpetradas por pessoas ou
grupos que se encontram em posiccedilatildeo de vantagem nas relaccedilotildees econocircmicas e
sociais
O sindicato veio exercer este importante papel em relaccedilatildeo ao trabalhador
empregado Mas hoje as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo natildeo satildeo apenas as que existem no
mundo do trabalho mas as que se revelam em todos os tipos de relaccedilotildees humanas
relaccedilotildees de consumo relaccedilotildees de vizinhanccedila relaccedilotildees locatiacutecias relaccedilotildees
comerciais internas e internacionais e natildeo com menor relevacircncia relaccedilotildees entre os
particulares e o Estado entre outras
Eacute preciso assegurar esse equiliacutebrio na praacutetica o que somente tornar-se-aacute
possiacutevel atraveacutes da articulaccedilatildeo dos sujeitos que se encontram em posiccedilatildeo de
desvantagem em organizaccedilotildees e associaccedilotildees que pela uniatildeo de esforccedilos
consigam compensar o desequiliacutebrio existente e dar aos indiviacuteduos e grupos a forccedila
e a capa de proteccedilatildeo necessaacuterias para ombrearem-se aos seus adversaacuterios e
lutarem pelos seus direitos ou interesses em igualdade de condiccedilotildees
Para Greco (2009) o pressuposto indispensaacutevel do acesso ao Direito eacute a
transparecircncia do Estado no trato de questotildees que possam afetar a esfera de
interesses dos cidadatildeos e complementa que aos cidadatildeos eacute indispensaacutevel
assegurar o direito de influir eficazmente nas decisotildees do poder puacuteblico atraveacutes dos
mais diversos instrumentos de participaccedilatildeo democraacutetica Ele afirma que
A relaccedilatildeo Estado-cidadatildeo natildeo eacute mais a relaccedilatildeo soberano-suacutedito O cidadatildeo tem o direito de exigir do Estado o pleno respeito ao seu
43
patrimocircnio juriacutedico Lamentavelmente a crise do Estado tem levado o Brasil a aceitar-se como normal que as pessoas juriacutedicas de Direito Puacuteblico natildeo cumpram devidamente as prestaccedilotildees positivas de que satildeo devedoras perante os particulares cabendo a estes demandar na Justiccedila para obtecirc-las (GRECO 2009)
Essa visatildeo deformada da responsabilidade do Estado ocorre o
desvirtuamento da justiccedila Por outro lado agrave violaccedilatildeo da garantia constitucional da
tutela jurisdicional efetiva (Constituiccedilatildeo artigo 5 inciso XXXV) disciplina a lei natildeo
excluiraacute da apreciaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio lesatildeo ou ameaccedila ao direito Assim o
acesso ao Direito natildeo estaraacute concretamente assegurado se o Estado natildeo oferecer a
todo cidadatildeo a possibilidade de receber aconselhamento juriacutedico a respeito dos seus
direitos
Constituiccedilatildeo de 1988 no artigo 5deg inciso LXXIV assegurou a todos
ldquoassistecircncia juriacutedicardquo a englobar assistecircncia judiciaacuteria e assessoramento juriacutedico
extrajudicial Conforme Greco (2009) ldquoeacute preciso que esse direito seja assegurado
na praacutetica Uma vez que na vida moderna o Direito tornou-se excessivamente
complexordquo Ainda no dizer do autor a consciecircncia juriacutedica do homem comum que
deve ser adquirida na famiacutelia e na escola natildeo eacute mais suficiente para a tomada de
decisotildees na vida diaacuteria das pessoas Todas as pessoas mantecircm complexas relaccedilotildees
juriacutedicas com instituiccedilotildees financeiras com fornecedores de bens e de serviccedilos etc
Nessas relaccedilotildees juriacutedicas com frequecircncia os cidadatildeos tecircm de tomar decisotildees
raacutepidas O cidadatildeo que tem meios procura um advogado particular para assessoraacute-
lo Ao pobre o Estado deve assegurar o mesmo direito em plenitude
Sem duacutevida o uacuteltimo pressuposto do acesso ao Direito eacute o acesso agrave Justiccedila
no sentido de acesso a um tribunal estatal imparcial previamente instituiacutedo como
competente para a soluccedilatildeo de qualquer litiacutegio a respeito de interesse que se afirme
juridicamente protegido ou para a praacutetica de qualquer ato que a lei subordine agrave
aprovaccedilatildeo autorizaccedilatildeo ou homologaccedilatildeo judicial
Se o cidadatildeo tem consciecircncia dos seus direitos se o Estado lhe fornece
todas as condiccedilotildees para livremente exercecirc-los mas algum outro cidadatildeo ou algum
oacutergatildeo do proacuteprio Estado impede ou dificulta esse exerciacutecio cabe ao poder puacuteblico
pocircr agrave disposiccedilatildeo do cidadatildeo lesionado ou ameaccedilado a jurisdiccedilatildeo necessaacuteria para
assegurar o pleno acesso a tal direito
Atingimos eacute certo um estaacutegio de desenvolvimento do Direito Humanitaacuterio que
natildeo mais nos permite conformar-nos com uma realidade distante do padratildeo de
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convivecircncia humana que outras naccedilotildees jaacute alcanccedilaram O exerciacutecio pleno de
cidadania seraacute obra de mais de uma geraccedilatildeo Mas se trabalharmos com firmeza
certamente os jovens de hoje poderatildeo legar aos seus descendentes a emancipaccedilatildeo
cidadatilde um paiacutes melhor e uma sociedade mais justa e democraacutetica
33 O municiacutepio como acircmbito de exerciacutecio de cidadania
Historicamente o Municiacutepio enquanto unidade poliacutetico-administrativa surgiu
conforme descreve Berardi (2004) com a Repuacuteblica Romana interessada em
manter a dominaccedilatildeo paciacutefica das cidades conquistadas pela forccedila dos exeacutercitos
Sua origem mais de natureza socioloacutegica do que poliacutetica adveacutem do espiacuterito
associativo do homem e de suas relaccedilotildees de vizinhanccedila
Eacute pois a menor unidade territorial de Federaccedilatildeo cuja criaccedilatildeo reflete a base
da organizaccedilatildeo poliacutetica administrativa da Naccedilatildeo Portanto sua funccedilatildeo administrativa
historicamente vem assentada no princiacutepio do direito natural
O artigo primeiro da Constituiccedilatildeo Federal de 1998 estabelece que o
Municiacutepio ao lado dos Estados e do Distrito Federal formam a Republica Federativa
do Brasil que se constitui em Estado Democraacutetico de Direito O municiacutepio tem assim
um poder relevante para a aplicaccedilatildeo da democracia direta iniciada e fortalecida em
niacutevel local Diversos pensadores chegaram a afirmar que a descentralizaccedilatildeo de
poder resultante da constituiccedilatildeo Cidadatilde era antes de tudo uma conquista dos
Municiacutepios sendo eles os berccedilos da perpetuaccedilatildeo da Repuacuteblica e da Democracia
efetivamente por serem o uacutenico niacutevel de governo possuidores de respaldo e
localizaccedilatildeo fiacutesica ou seja solo municipal
Eacute certo que a Carta Magna de 1988 consolidou significativas inovaccedilotildees para a
vida municipal de forma que o Municiacutepio passou a constituir um dos entes da
federaccedilatildeo tratando-o como unidade dotada de autonomia poliacutetica expressa na
capacidade de poder elaborar a sua Lei Orgacircnica fugindo assim da tutela dos
estados que ateacute entatildeo eram considerados como uacutenicos componentes da federaccedilatildeo
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A Lei Orgacircnica Municipal traz em seu bojo aleacutem da organizaccedilatildeo
administrativa do Municiacutepio a restauraccedilatildeo do Poder Legislativo municipal definindo
a diversificaccedilatildeo normativa que natildeo existia nas leis organizacionais outorgadas pelo
Estado reflexo do poder constituinte outorgados aos Municiacutepios pela Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 como consequecircncia do efetivo exerciacutecio do conceito de Estado
Democraacutetico de Direito
O Municiacutepio enquanto ente federativo tem atualmente a responsabilidade de
ordenar o seu desenvolvimento social e a garantia do bem estar de seus habitantes
executando poliacuteticas puacuteblicas de accedilotildees a serem empreendidas na consolidaccedilatildeo
democraacutetica do Estado
Fundada no elemento participaccedilatildeo o exerciacutecio de cidadania amplamente
citado encontra sua efetividade no municiacutepio Pois eacute nesse acircmbito de localizaccedilatildeo
que as pessoas mantecircm um contato direto com os poderes instituiacutedos suas
necessidades imediatas e mediatas satildeo objetos da disciplina da Lei que visa o bem
comum base do Estado democraacutetico de Direito
Baseado na maacutexima do municipalista e defensor da descentralizaccedilatildeo poliacutetica
Franco Motoro sabiamente proferiu que ldquoningueacutem vive na Uniatildeo ou no Estado As
pessoas vivem no Municiacutepiordquo Assim a cidadania encontra seu melhor espaccedilo de
realizaccedilatildeo na comunidade onde convive A vida em comunidade gera anseios
comuns sentimentos comuns uma vez que a convivecircncia propicia que as pessoas
se conheccedilam e se reconheccedilam como membros de uma mesma realidade
De acordo com Harvey (1992) ldquoa globalizaccedilatildeo provoca anonimato enquanto
comunidade cultiva solidariedaderdquo o que implica participaccedilatildeo para o exerciacutecio de
cidadania
Tudo o que acontece no mundo seja no meu paiacutes na minha cidade ou no meu bairro acontece comigo Entatildeo eu preciso participar das decisotildees que interferem na minha vida Um cidadatildeo com um sentimento eacutetico forte e consciecircncia da cidadania natildeo deixa passar nada natildeo abre matildeo desse poder de participaccedilatildeo (Herbert de Souza Betinho)
Com esse embasamento natildeo se pode perder de vista que eacute nas relaccedilotildees
diaacuterias de oposiccedilatildeo ou solidariedade que as pessoas exercem cidadania Na relaccedilatildeo
do com o outro com os poderes ao estabelecer com a vida social e puacuteblica uma
46
convivecircncia posto que cidadania eacute tarefa que natildeo termina natildeo eacute um conceito
pronto tatildeo pouco acabado enquanto seres inacabados que somos estaremos
buscando descobrindo criando e tomando consciecircncia mais ampla dos direitos
O desafio eacute construir um novo discurso sobre cidadania atraveacutes de uma
praacutetica poliacutetica sustentada isto eacute realizada em dois niacuteveis
O primeiro niacutevel na base atraveacutes de construccedilatildeo das capacidades e do poder
proacuteprio da populaccedilatildeo o que envolve inevitavelmente uma mudanccedila de atitude na
busca para garantir seus direitos utilizando-se do grau de autonomia local
Essa atitude conceberia agrave democracia participativa como uma poliacutetica paralela
de intervenccedilatildeo social criando e mantendo novos espaccedilos para a tomada de
decisotildees ou seja para o auto-governo pela populaccedilatildeo nas mateacuterias que afetam
diretamente suas vidas
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade
O segundo niacutevel um governo com o povo e natildeo apenas para o povo fundado
nos ditames constitucionais valorizando o sentimento da sociedade no exerciacutecio da
governabilidade de modo que o balizamento das accedilotildees de governo deixaria de estar
no proacuteprio governo e passaria a estabelecer-se a partir do pensar da sociedade Um
governo que se pergunta o que se deve fazer para ouvir com a maior fidelidade
possiacutevel a sociedade suas instituiccedilotildees representativas e o cidadatildeo Pois as
prioridades da gestatildeo deveriam ser definidas pela sociedade e natildeo mais pelo
governo
Portanto nesses termos eacute preciso considerar que as praacuteticas da
administraccedilatildeo puacuteblica sejam democratizadoras e inclusivas inspiradas nos
princiacutepios da legalidade impessoalidade moralidade publicidade e eficiecircncia Esta
uacuteltima buscou estabelecer uma Administraccedilatildeo Puacuteblica mais eficiente no sentido de
que o cidadatildeo como destinataacuterio dos serviccedilos puacuteblicos que o Estado deve prestar
receba-os com maior qualidade e menor custo para o eraacuterio puacuteblico
Para a consecuccedilatildeo desse governar com o povo alguns pontos devem ser
revistos A mudanccedila implica na necessidade de adequaccedilatildeo reorganizaccedilatildeo
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reformulaccedilatildeo Para isso se faz premente em face dos novos e modernos conceitos
de gestatildeo puacuteblica a superaccedilatildeo do tradicional vezo burocraacutetico que vem convertendo
a Administraccedilatildeo nas palavras Dromi (1995) numa cara ldquomaacutequina de impedirrdquo fiel
ldquocoacutedigo do fracassordquo que dispotildee ldquoartigo primeiro natildeo pode artigo segundo em
caso de duacutevida abstenha-se artigo terceiro se eacute urgente espere artigo quarto
sempre eacute mais prudente natildeo fazer nadardquo numa posiccedilatildeo natildeo burocraacutetica e sim
democraacutetica de considerar que organizaccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica inclui a
praacutetica de ver os cidadatildeos como membros plenos da comunidade poliacutetica tendo
acesso e exercitando direitos as que promovem a organizaccedilatildeo da populaccedilatildeo em
torno de temas de interesse comum as que incluem o controle social sobre a
gestatildeo o debate amplo e informado sobre questotildees de governo e que abrem agrave
populaccedilatildeo as decisotildees sobre estas questotildees Como leciona e Barrientos (2000)
Tratam-se de praacuteticas que natildeo buscam somente melhorar a eficiecircncia administrativa das diferentes organizaccedilotildees puacuteblicas mas que incorporam no seu processo de gestatildeo a dimensatildeo ativa da cidadania isto eacute ldquoque facilitam as iniciativas e responsabilidades de todos os envolvidos[] estabelecendo pontes entre Estado e sociedade civil
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade Acreditamos
que o ponto de partida eacute a atitude aliada agrave solidariedade e ao espiacuterito coletivo Pois
governo e cidadatildeos juntos haveratildeo de cumprir um novo papel no processo de
desenvolvimento como agentes de uma nova cultura
Como afirma Peter Drucke
A parceria comunitaacuteria seraacute um dos verdadeiros setores em crescimento das economias desenvolvidas Surge da necessidade de uma participaccedilatildeo mais direta e efetiva da comunidade nas grandes questotildees da vida social pois natildeo existe ningueacutem melhor que o cidadatildeo para saber o que ele quer para si para sua famiacutelia e para sua comunidade (apud RAMOS 1990)
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O envolvimento efetivo da sociedade nas questotildees sociais natildeo eacute apenas uma
postura moderna Significa antes de tudo uma atitude digna de todos aqueles que
desejam exercer sua cidadania contribuindo para um paiacutes melhor e em especial
para uma sociedade mais justa fraterna e solidaacuteria
Na histoacuteria observa-se a grande coragem das pessoas em construir o
reconhecimento delas proacuteprias e de seus direitos sempre buscando a participaccedilatildeo e
defendendo os Direitos Humanos Sem duacutevida a maior ecircnfase que deve ocorrer
para a construccedilatildeo real da cidadania eacute uma mudanccedila na sociedade O melhor a ser
feito eacute reforccedilar a organizaccedilatildeo democraacutetica buscando novas formas de participaccedilatildeo
social pois cidadania natildeo se resume ao poder de votar ou ser votado mas eacute sempre
na efetiva participaccedilatildeo popular pois somente com isso haacute a verdadeira
conscientizaccedilatildeo e o comprometimento daquele que passa a se sentir cidadatildeo
abandonando-se velhos viacutecios da poliacutetica representativa
Desse modo a participaccedilatildeo do povo no momento das reivindicaccedilotildees das
discussotildees e apreciaccedilotildees de projetos que visem agrave melhoria da comunidade local a
exigecircncia de transparecircncia na administraccedilatildeo da coisa puacuteblica dentre outras eacute quem
daraacute embasamento para as verdadeiras conquistas sociais no Municiacutepio que geram
saudaacuteveis formas de pressatildeo por efetivas poliacuteticas puacuteblicas de inclusatildeo social
gerando o fim do clientelismo poliacutetico tatildeo pejorativo e comum em nossa realidade e
cultura poliacutetica
Somente a participaccedilatildeo social eacute que iraacute causar uma real democratizaccedilatildeo do
poder A afirmaccedilatildeo da cidadania eacute pressuposto para a realizaccedilatildeo dos Direitos
Humanos pois os homens natildeo nascem naturalmente iguais Inclusive para que
ocorra a realizaccedilatildeo dos referidos direitos eacute necessaacuterio tambeacutem que exista um
espaccedilo puacuteblico que seja realmente democraacutetico e acessiacutevel possibilitando a
participaccedilatildeo de todos e esse espaccedilo eacute certamente o municiacutepio
Na praacutetica um forte instrumento de cidadania para atender as necessidades
coletivas eacute o orccedilamento participativo previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal que
determina expressamente a realizaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas e a participaccedilatildeo
popular nos processos de elaboraccedilatildeo e conduccedilatildeo dos orccedilamentos como forma de
incentivo agrave preparaccedilatildeo e execuccedilatildeo de planejamentos que envolvam diretamente o
povo A Lei veio incentivar a sua propagaccedilatildeo para todos os entes federativos tendo
em conta que se trata de uma tendecircncia mundial por legitimar as escolhas e
fortalecer o princiacutepio da transparecircncia
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Os meios de acesso do cidadatildeo junto aos Poderes Puacuteblicos eacute uma realidade
no Estado Democraacutetico de Direito brasileiro a exemplo das sessotildees do Poder
Legislativo que satildeo puacuteblicas ficando abertas a todos que delas quiserem participar
Emite-se uma pauta antes do comeccedilo da sessatildeo com a preacutevia dos debates Em
niacutevel municipal verifica-se um acompanhamento mais incisivo sobre as sessotildees das
Cacircmaras de Vereadores como forma de pressatildeo para aprovaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees
da comunidade avaliaccedilatildeo do desempenho e aceitaccedilatildeo de propostas orccedilamentaacuterias
e atuaccedilatildeo dos poliacuteticos bem como entendimento das funccedilotildees do Poder Legislativo
A Constituiccedilatildeo Federal assegura desde 1988 a possibilidade de se oferecer
peticcedilatildeo agraves Mesas Legislativas como forma de pedir informaccedilotildees sobre andamento
de projetos ou relatoacuterios encaminhados aos chefes do Poder Executivo Em niacutevel
municipal pode ser utilizada a Tribuna Livre como instrumento para denuacutencias de
problemas ou discussatildeo de um tema ou mesmo para apresentar sugestotildees sendo
regulado pela Lei Orgacircnica Municipal e pelo Regimento Interno da Cacircmara
A convocaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas tambeacutem possui previsatildeo constitucional
no art 58 sect 20 inciso II em niacutevel federal As comissotildees podem em razatildeo da
mateacuteria de sua competecircncia realizar audiecircncias puacuteblicas com entidades da
sociedade civil E nada obsta que estejam previstas formas de articulaccedilatildeo da
sociedade civil com os Presidentes das Comissotildees da Cacircmara no seu Regimento
Interno em acircmbito municipal
Os dispositivos da Constituiccedilatildeo Federal que dispotildeem sobre a forma de
participaccedilatildeo direta do cidadatildeo e da sociedade civil no processo democraacutetico natildeo se
pode negar que trouxe novas perspectivas De modo geral podemos citar
Art 29 A lei orgacircnica dos Municiacutepios tem que observar entre os seus
preceitos ldquocooperaccedilatildeo das associaccedilotildees representativas no planejamento municipalrdquo
Art 31 As contas dos municiacutepios ficaratildeo durante 60 (sessenta) dias
anualmente a disposiccedilatildeo de qualquer contribuinte para exame e apreciaccedilatildeo o qual
poderaacute questionar-lhes a legitimidade nos termos da lei
Art37 sect 3ordm (EC-1998) A lei disciplinaraacute as formas de participaccedilatildeo do usuaacuterio
na administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta regulando especialmente
I- as reclamaccedilotildees relativas a prestaccedilatildeo dos serviccedilos puacuteblicos em geral asseguradas
a manutenccedilatildeo de serviccedilo de atendimento ao usuaacuterio e a avaliaccedilatildeo perioacutedica externa
e interna da qualidade dos serviccedilos
50
II- o acesso dos usuaacuterios a registros administrativos e a informaccedilatildeo sobre atos de
governo observado o disposto no art 5ordm X e XXXIII
III- a disciplina da representaccedilatildeo conta o exerciacutecio negligente ou abusivo de cargo
emprego ou funccedilatildeo na administraccedilatildeo puacuteblica
Art 74 sect 2ordm Qualquer cidadatildeo partido poliacutetico associaccedilatildeo ou sindicato eacute
parte legiacutetima para na forma de lei denunciar irregularidades ou ilegalidades perante
o Tribunal de Contas da Uniatildeo
Art194 paraacutegrafo uacutenico Compete ao Poder Puacuteblico nos termos da lei
organizar a seguridade social com base nos seguintes objetivos ()
VII ndash caraacuteter democraacutetivo descentralizado na administraccedilatildeo mediante gestatildeo
quadripartite com participaccedilatildeo dos trabalhadores dos empregados e dos
aposentados e do Governo nos oacutergatildeos colegiados nos oacutergatildeos colegiados
Art 198 As accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede integram uma rede
regionalizada e hierarquizada o constituem um sistema uacutenico organizado de acordo
com as seguintes diretrizes
III ndash participaccedilatildeo da comunidade
Art 202 sect 6ordm A lei complementa a que se refere o sect 4ordm deste artigo
estabeleceraacute os requisitos para a designaccedilatildeo dos membros das diretorias das
entidades fechadas de previdecircncia privada e disciplinaraacute a inserccedilatildeo dos
participantes nos colegiados e instacircncias de decisatildeo em que seus interesses sejam
objeto de discussatildeo e deliberaccedilatildeo
Art 204 As accedilotildees governamentais na aacuterea de assistecircncia social seratildeo
organizadas com base nas seguintes diretrizes
II ndash Participaccedilatildeo da populaccedilatildeo por meio de organizaccedilotildees representativas na
formulaccedilatildeo das poliacuteticas e no controle das accedilotildees em todos os niacuteveis
O protagonista na concretizaccedilatildeo dos direitos humanos e na ampliaccedilatildeo da cidadania eacute um sujeito coletivo de um trabalho sempre inacabado eis que se tratam de tarefas e conquistas cotidianas e gradativas obras que soacute podem ser realizada a muitas matildeos no partilhar e compartilhar da vida (COSTA NETO 2010)
A ampliaccedilatildeo da cidadania requer a consciecircncia de que os direitos pressupotildeem
deveres de maneira que os direitos de um indiviacuteduo satildeo garantidos a partir do
cumprimento dos deveres dos demais componentes da sociedade
51
34 A necessaacuteria superaccedilatildeo de velhos paradigmas
Como se sabe em 1988 foi aprovada a Constituiccedilatildeo mais liberal e
democraacutetica do Brasil chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo Assim ampliou-se de
forma significativa o campo dos direitos e garantias fundamentais No que diz
respeito a tal mateacuteria eacute considerada como uma das mais avanccediladas do mundo No
seu preacircmbulo adota o modelo de um Estado democraacutetico de Direito destinado a
garantir o exerciacutecio dos direitos sociais e individuais a liberdade a seguranccedila o
bem-estar o desenvolvimento a igualdade e a justiccedila eleitos como valores
supremos de uma sociedade fraterna pluralista e sem preconceitos
Para a construccedilatildeo democraacutetica da cidadania no Brasil contemporacircneo
salienta-se de ela deve passar de uma democracia representativa para uma
cidadania que efetivamente molde a democracia ou seja uma cidadania instituinte
da democracia
No acircmbito constitucional positivo cidadania pressupotildee o exerciacutecio de todos
os direitos fundamentais e garantias que caracterizam o Estado democraacutetico de
Direito Quando se fala em cidadania eacute no sentido de reafirmar o direito pela plena
realizaccedilatildeo do indiviacuteduo do cidadatildeo dos entes coletivos e de sua emancipaccedilatildeo nos
espaccedilos da sociedade Estatildeo sempre intimamente ligados os conceitos de
cidadania democracia e direitos humanos sendo que um remete ao outro e seus
conteuacutedos se interligam ou seja a cidadania natildeo iraacute ocorrer sem que ocorra a
realizaccedilatildeo dos Direitos Humanos da mesma forma que os direitos humanos natildeo
seratildeo concretizados se natildeo houver o exerciacutecio da cidadania
Na evoluccedilatildeo histoacuterica tais categorias se desenvolveram de forma conjunta
com o Estado Representam noccedilotildees desejaacuteveis de relaccedilotildees humanas que se espera
sejam instituiacutedas Satildeo os elementos basilares na nova ordem social e que a
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 pretendeu edificar Poreacutem a democracia poliacutetica natildeo
resolveu os problemas econocircmicos mais seacuterios como a desigualdade e o
desemprego Continuam muito seacuterios os problemas da aacuterea social principalmente
na educaccedilatildeo nos serviccedilos de sauacutede e saneamento como tambeacutem e
principalmente quanto agrave seguranccedila puacuteblica
52
A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 em seu artigo 6ordm e em outros artigos no texto
constitucional ampliou e muito os Direitos Sociais proibiu discriminaccedilotildees Assim
indicadores baacutesicos de qualidade de vida apontam que houve uma melhoria A
mortalidade infantil por exemplo caiu de maneira significativa nos uacuteltimos anos A
esperanccedila de vida ao nascer passou de 60 anos em 1980 para 70 em 2000 Poreacutem
o maior progresso foi na aacuterea da educaccedilatildeo fundamental que eacute considerado fator
decisivo para a cidadania pois a taxa de analfabetismo caiu consideravelmente
entretanto existem muitos problemas no campo educacional como a repetecircncia e
com relaccedilatildeo a desigualdade social entre as regiotildees
A grande concentraccedilatildeo da riqueza nacional nas matildeos de poucos reflete a
desigualdade e causa a pobreza e a miseacuteria ao passo que dificulta o acesso do
cidadatildeo agrave justiccedila e consequentemente ao seu estado de cidadania pleno
Dentre os fundamentos no qual se baseiam o Estado democraacutetico de Direito
no Brasil destaca-se justamente a cidadania e a dignidade humana conforme artigo
1ordm incisos II e III da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Entatildeo construir uma sociedade
livre justa e solidaacuteria garantir o desenvolvimento nacional erradicar a pobreza e a
marginalizaccedilatildeo reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de
todos sem preconceitos de origem raccedila sexo cor idade ou quaisquer outras
formas de discriminaccedilatildeo satildeo os objetivos fundamentais do Estado Brasileiro
conforme art 3ordm da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
O cenaacuterio de globalizaccedilatildeo econocircmica mundial tambeacutem traacutes seacuterios obstaacuteculos
para a construccedilatildeo da cidadania A globalizaccedilatildeo da economia em ritmo acelerado
provoca grandes mudanccedilas nas relaccedilotildees entre Estado sociedade e naccedilatildeo que
eram sempre o centro da noccedilatildeo e da praacutetica da cidadania ocidental O foco das
mudanccedilas e das preocupaccedilotildees estaacute em dois focos especiacuteficos a reduccedilatildeo do papel
central do Estado como fonte de direitos e local para a participaccedilatildeo e o
deslocamento da naccedilatildeo como principal fonte de identidade coletiva
Para que ocorra efetiva mudanccedila a melhor proposta eacute no sentido de
mudanccedila na organizaccedilatildeo da sociedade pois a inversatildeo da sequecircncia dos direitos
fez com que ocorra o reforccedilo da supremacia do Estado Para que ocorra a
consolidaccedilatildeo democraacutetica e cidadatilde eacute necessaacuterio reforccedilar a organizaccedilatildeo da
sociedade para assim dar embasamento social ao poder poliacutetico ou seja
finalmente democratizar o poder e estabelecer de forma plena a Cidadania
53
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A Constituiccedilatildeo que nasce com ldquocheiro de amanhatilde e natildeo de mofordquo nas
palavras do Deputado Ulisses Guimaratildees tem em seu relevo a esperanccedila de um
povo que sonhava com a erradicaccedilatildeo da repressatildeo militar e natildeo soacute isso um povo
que sonhava com a liberdade em suas diversas manifestaccedilotildees em suas mais
significativas formas de representaccedilatildeo e sobretudo com um paiacutes voltado para a
democracia e justiccedila social
Ao povo brasileiro foi concedido o poder de governar e nesse contexto de
mudanccedila a ldquodemocracia eacute o governo do povo pelo povo e para o povordquo na
conceituaccedilatildeo ceacutelebre de Abraham Lincoln E consoante estabelece o paraacutegrafo
uacutenico do art 1ordm da Carta cidadatilde de 1988 ldquotodo poder emana do povo que o exerce
por meio de representantes eleitos ou diretamenterdquo
No entanto natildeo basta que a fonte de poder seja o povo a democracia vem
significar a efetiva participaccedilatildeo do povo nas decisotildees e destino do Estado e sua
consolidaccedilatildeo eacute a proacutepria cidadania pois eacute o cidadatildeo que pensa e se auto define
diante da condiccedilatildeo soacutecio-histoacuterica O cidadatildeo tem portanto o poder de transformar
a realidade social segundo seu pensamento e accedilatildeo
Natildeo se pode negar que a Carta de 1988 foi a que apresentou maior
legitimidade popular que abriu caminhos apontando um novo tempo
Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita Se fosse perfeita seria irreformaacutevel Ela proacutepria com humildade e realismo admite ser emendada ateacute por maioria mais acessiacutevel dentro de cinco anos Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita mas seraacute uacutetil e pioneira e desbravadora Seraacute luz ainda que de lamparina na noite dos desgraccedilados Eacute caminhando que se abrem os caminhos Ela vai caminhar e abri-los Seraacute redentor o que penetrar nos bolsotildees sujos escuros e ignorados da miseacuteria (Ulysses Guimaratildees)
Mesmo natildeo sendo a constituiccedilatildeo perfeita sem duacutevida foi a que trouxe
esperanccedila ao povo brasileiro com a sua promulgaccedilatildeo surgiram o ldquohaacutebeas datardquo o
mandado de injunccedilatildeo e o mandado de seguranccedila coletivo - todos remeacutedios judiciais
de iacutendoles constitucionais serviacuteveis para prevenir e combater diversas tentativas de
abuso contra a pessoa humana Outrossim o objeto da accedilatildeo popular foi ampliado
Atualmente qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima para propor a mencionada accedilatildeo
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popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de entidade de que o
Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e ao patrimocircnio
histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de custas
judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia Nesse rol de forma decisiva houve a
ampliaccedilatildeo tambeacutem dos direitos sociais
Assim a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconhece e assegura uma seacuterie de
escudos protetivos aos cidadatildeos Em sua essecircncia os direitos fundamentais
ganham forma De modo que podemos assegurar que hoje o nosso Estado eacute uma
organizaccedilatildeo centrada no ser humano visto que tem a dignidade da pessoa humana
como um fundamento da Repuacuteblica Federativa do Brasil
Apesar das inuacutemeras dificuldades o Estado Democraacutetico de Direito fundado
na cidadania constituiu para o povo uma nova identidade ndash o que em outras eacutepocas
natildeo existia
A Constituiccedilatildeo circunscreve toda a organizaccedilatildeo poliacutetica estatal no intuito
maior de criar no consciente coletivo a vontade livre e determinada de desenvolver
padrotildees de condutas destinados a elevar e promover a auto-estima de toda a
comunidade paacutetria
Foi nesse sentido que estatui em seu artigo 1ordm a cidadania como fundamento
do Estado Democraacutetico de Direito ampliando e enriquecendo o tal conceito Cada
eacutepoca produziu praacuteticas e reflexotildees muito distintas sobre o tema cidadania A
definiccedilatildeo de cidadania que vem sofrendo alteraccedilotildees ao longo do tempo obedecendo
a um processo histoacuterico de conquistas sociais eacute compreendida atualmente como
um processo de participaccedilatildeo do indiviacuteduo ou de um grupo organizado nas mais
variadas aacutereas de atuaccedilatildeo da sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos
e sociais
A cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia disso natildeo haacute duvidas e se
efetiva como mudanccedilas na realidade de cada um com melhoria de vida e
conscientizaccedilatildeo da importacircncia do cidadatildeo dado que eacute um processo em
permanente construccedilatildeo Natildeo haacute como defender uma qualidade de vida sem a
preservaccedilatildeo da cidadania em todos os seus acircmbitos Nesse sentido a efetiva
proteccedilatildeo desse aspecto basilar torna-se essencial no que tange uma assistecircncia
juriacutedica completa
No contraponto do direito estatildeo os deveres que encontramos sua realizaccedilatildeo
tambeacutem na participaccedilatildeo observando que o cidadatildeo eacute responsaacutevel pelo advir de
55
suas accedilotildees A participaccedilatildeo reflete um caraacuteter de natildeo comodismo de atenccedilatildeo agravequilo
que eacute particular e coletivo tendo como finalidade preciacutepua o bem comum
Construir cidadania hoje eacute imperativo para a sociedade pois dessa
construccedilatildeo depende o amanhatilde Estamos diante da Constituiccedilatildeo que se propotildee a
resguardar o amanhatilde sem perder de vista que ele comeccedila hoje agora e nisso a
Carta Poliacutetica traacutes consigo a certeza do despertar dessa consciecircncia a consciecircncia
cidadatilde Ela eacute a semente plantada em terra feacutertil que gera frutos diariamente e se
renova a cada estaccedilatildeo na dinacircmica da vida Talvez tenha sido esse o cheiro de
frutas alcanccedilado pelo constituinte ao anunciar que a carta tem ldquocheiro do amanhatilderdquo
A responsabilidade pelo exerciacutecio desses direitos belissimamente elencados
depende de todos e de cada um pois somos o terreno feacutertil que produziraacute o fruto de
uma sociedade fraterna
Eacute comum na praacutetica apenas responsabilizarmos o Estado em sentido lato pelo
natildeo exerciacutecio dos direitos do cidadatildeo Vale lembrar nesse contexto das palavras de
J Kennedy o qual disse ldquonatildeo pergunte o que o Estado pode fazer por vocecirc mas o
que vocecirc pode fazer pelo Estadordquo haacute nessa frase um forte traccedilo de cidadania pois
quando o cidadatildeo reivindica critica opina o que ele daacute em contrapartida ao paiacutes eacute
solidificado visto que eacute nas relaccedilotildees familiares em comunidade que se estabelece e
se fortalece os viacutenculos de solidariedade de uma sociedade que perpetua valores
condutas que as leis reguladoras natildeo conseguem por si soacute estabelecer
A concretizaccedilatildeo do ideal de uma qualidade de vida merecida a todos os seres
humanos sem restriccedilotildees requer entretanto um esforccedilo coletivo Dessa forma haacute
necessidade de suprir as muitas carecircncias advindas das desigualdades sociais e de
condiccedilotildees do descaso do poder puacuteblico e da proacutepria conceituaccedilatildeo antiga de
cidadania que ainda eacute concebida por muitos no presente
Em suma nosso trabalho procurou traccedilar a evoluccedilatildeo da cidadania e ao
mesmo tempo buscou traccedilar uma melhor caracterizaccedilatildeo do cidadatildeo agrave luz da nossa
Constituiccedilatildeo que eacute por fim a essecircncia da Magna Carta O alcance da cidadania
enquanto mecanismo de acesso a direitos foi colocado no acircmbito da pessoa
enquanto titular de direitos e num paralelo defendemos que o municiacutepio eacute o espaccedilo
de atuaccedilatildeo e exerciacutecio de cidadania dada a proximidade do cidadatildeo com as
instituiccedilotildees oacutergatildeos entidades e tudo o mais que o cerca na esfera de vivecircncia Eacute na
praccedila que discute a poliacutetica local e nacional que se indigna com as dificuldades e as
56
barreiras de acesso aos seus direitos Eacute no municiacutepio que se inicia todo um vieacutes de
desdobramento para garantir direitos
Por fim natildeo obstante resta dizer sobre o tema que os caminhos e
paradigmas que se intentou percorrer sobre cidadania como mecanismo
transformador da sociedade tem ingrediente ainda a se descortinar para o
propoacutesito valioso do bem comum Pois bem a ideia de bem comum tem como
fundamento o amor maacutexima que se estabelece por meio da democracia visto que
ldquoa demofilia o demoiacutesmo o amor do povo acima de tudo como princiacutepio ativo de
toda a sua vida poliacutetica inspirador duma sempre crescente autonomia imanente eacute
que constitui a verdadeira essecircncia da democraciardquo nas palavras de Melgareacute
(2005)
Dessa forma eacute no nuacutecleo da democracia que estaacute inscrito como pedra
angular o respeito e o amor pela pessoa humana Eacute pois um tema de larga
abrangecircncia poreacutem sem querer abreviar o caminho sua efetiva possibilidade de
realizaccedilatildeo se encontra no exerciacutecio da cidadania sem repuacutedios parciais ou exclusatildeo
de qualquer ordem na plenitude de uma cidadania para todos
57
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13
11 As origens da cidadania
A expressatildeo cidadania emana do termo latino civitas No entanto pode-se
encontrar suas procedecircncias intelectuais nas religiotildees da Antiguidade e nas
civilizaccedilotildees greco-romanas Polites que os romanos traduziram por cives que eacute o
soacutecio da polis ou civitas O legado greco-romano da palavra civitas nos remete agraves
noccedilotildees de liberdade igualdade e virtudes republicanas Eacute na polis grega que os
conceitos de liberdade e igualdade ganham sentido No entanto eacute importante citar
que
A participaccedilatildeo na polis ou na civitas era exclusiva de alguns homens que participavam do funcionamento da cidade-Estado eram eles os titulares de direitos poliacuteticos Eram considerados cidadatildeos apenas os homens nascidos no solo da cidade livres e iguais portadores de dois direitos inquestionaacuteveis portadores da isonomia (igualdade perante a lei) e da isegoria (o direito de expor e discutir em puacuteblico opiniotildees sobre accedilotildees que a cidade deveria ou natildeo realizar) (CHAUIacute 1994)
Ser cidadatildeo para os gregos significava antes de tudo usufruir certas
vantagens que nenhum outro homem conhecera Como afirma Minogue ldquoOs
cidadatildeos tinham riqueza beleza e inteligecircncia diversas mas como cidadatildeos eram
iguaisrdquo (1998) Foi especialmente no seacuteculo V aC que Atenas viveu seu momento
de apogeu Nesse seacuteculo especificamente desenvolveram-se as concepccedilotildees de
cidadania e democracia Em oposiccedilatildeo agrave ideia aristocraacutetica de poder o cidadatildeo
poderia e deveria atuar na vida puacuteblica independentemente da origem familiar
classe ou funccedilatildeo (ARENDT 1995)
Da mesma forma a racionalidade era conferida a uma minoria da
populaccedilatildeo exclusivamente aos homens que tinham o direito de filosofar aleacutem de
participar da academia (culto agrave beleza fiacutesica) e do poder (direito de comandar
politicamente todos os interesses da polis mediante a elaboraccedilatildeo e execuccedilatildeo de
leis e normas administrativas) Cidadatildeo segundo o teoacuterico Coulanges
Eacute todo o homem que segue a religiatildeo da cidade que honra os mesmos deuses da cidade () o que tem o direito de aproximar-se dos altares e podendo penetrar no recinto sagrado onde se realizam as assembleias assiste agraves festas acompanha as procissotildees e participa dos panegiacutericos participa dos banquetes sagrados e recebe sua parte das viacutetimas Assim esse homem no dia em que se inscreveu no registro dos cidadatildeos jurou praticar o culto dos deuses da cidade e por eles combater (2003)
14
Os escravos e os baacuterbaros natildeo podiam tomar parte dos ambientes
sagrados Segundo alguns teoacutericos apenas 10 da populaccedilatildeo eram considerados
cidadatildeos em Atenas A fim de reduzir as despesas do Estado o governo restringiu o
direito de cidadania somente os filhos de pai e matildee atenienses seriam considerados
cidadatildeos As mulheres os metecos (estrangeiros) e os escravos continuaram
desprovidos de quaisquer direitos poliacuteticos A mulher era considera o ldquonatildeo serrdquo
equiparada aos escravos cuidava dos afazeres ldquodomeacutesticosrdquo servia como
instrumento de procriaccedilatildeo e natildeo participava portanto das decisotildees da polis
Aristoacuteteles descreve que mulheres e escravos eram mantidos fora da vista do
puacuteblico eram os trabalhadores que ldquocom o seu corpo cuidavam das necessidades
(fiacutesicas) da vidardquo Satildeo as mulheres que com seu corpo garantem a sobrevivecircncia
fiacutesica da espeacutecie Mulheres e escravos conforme Arendt
Pertenciam agrave mesma categoria e eram mantidos fora das vistas alheias - natildeo somente porque eram propriedade de outrem mas porque a sua vida era ldquolaboriosardquo dedicada a funccedilotildees corporais O filho de preferecircncia deveria ser do sexo masculino sendo candidato em potencial para exercer a cidadania O escravo servia de matildeo-de-obra para o sustento e manutenccedilatildeo dos cidadatildeos (1995)
Para Aristoacuteteles ser cidadatildeo diz respeito a todo aquele que eacute capaz de
tomar parte tanto no judiciaacuterio quanto no poder deliberativo da polis ldquoNenhum
caraacuteter define melhor o cidadatildeo no sentido estrito do que a participaccedilatildeo do exerciacutecio
dos poderes de juiz e magistradordquo (ARISTOacuteTELES A Poliacutetica III 16 Apud
TOURAINE 1994) O fim uacuteltimo do homem eacute viver na polis onde o homem se
realiza como cidadatildeo (politai) manifestando o processo de constituiccedilatildeo de sua
essecircncia a sua natureza Ou seja natildeo apenas viver em sociedade mas viver na
ldquopoliticidaderdquo
Para Aristoacuteteles a reflexatildeo sobre a poliacutetica eacute que ela natildeo se separa da
eacutetica pois segundo o estagirita a vida individual estaacute imbricada na vida comunitaacuteria
A razatildeo pela qual os indiviacuteduos reuacutenem-se nas cidades (e formam comunidades
poliacuteticas) natildeo eacute apenas a de viver em comum mas a de viver ldquobemrdquo ou a boa vida
Para que isso aconteccedila eacute necessaacuterio que os cidadatildeos vivam o bem comum ou em
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conjunto ou por intermeacutedio dos seus governantes se acontecer o contraacuterio (a busca
do interesse proacuteprio) estaacute formada a degeneraccedilatildeo do Estado
Por fim como afirma Correcirca (1999) ldquoa cidadania da Greacutecia Claacutessica
possui um paracircmetro muito especiacutefico de difiacutecil aceitaccedilatildeo numa concepccedilatildeo
moderna de cidadaniardquo Ou seja o que caracteriza a cidadania antiga eacute seu aspecto
limitador elitista e excludente pouco semelhante com o entendimento dos nossos
dias
Destarte como a democracia a cidadania passou por diferentes e possiacuteveis
ldquoinvenccedilotildeesrdquo em periacuteodos e espaccedilos determinados da histoacuteria e da geografia do
Ocidente Greacutecia e Roma consolidaram por seacuteculos seus sistemas de governos
possibilitando e permitindo a participaccedilatildeo de um significativo nuacutemero de cidadatildeos
Com o desaparecimento das civilizaccedilotildees claacutessicas a cidadania desaparece
juntamente e por um bom tempo ficaraacute fora de cena no Ocidente
Conforme Benevides (1994) a ideia moderna de cidadania e de direitos do
cidadatildeo tem como eacute sabido soacutelidas raiacutezes nas lutas e no imaginaacuterio da Revoluccedilatildeo
Francesa
Na continuidade da tradiccedilatildeo dos seacuteculos XVII e XVIII o contratualismo de
Locke e de Rousseau forneceu as bases filosoacuteficas do conceito de cidadania do
liberalismo e as revoluccedilotildees Inglesa Americana e Francesa que validaram seu uso
ao estabelecer um viacutenculo juriacutedico-legal entre as noccedilotildees de liberdade igualdade
fraternidade e o Estado-naccedilatildeo (MOISEacuteS 2005)
Nos seacuteculos XVIII e XIX outras correntes teoacutericas sobre o direito e a cidadania
seratildeo contempladas No entanto estas teorias vatildeo se contrapor agraves teorias do
jusnaturalismo e do contratualismo Segundo Correcirca (1999)
Para o positivismo juriacutedico (positivismo normativista de Kelsen) bem como para a Escola da Exegese e a Escola Histoacuterica o que vale eacute o ensino dogmaacutetico - as normas (exclue-se a anaacutelise interdisciplinar entre outras aacutereas principalmente com as Ciecircncias Sociais) A lei eacute a uacutenica fonte do direito Para essas escolas a cidadania eacute negada
Mais proacuteximo de noacutes no seacuteculo XX T A Marshall foi quem primeiro
discutiu o conceito de cidadania e suas dimensotildees no ensaio claacutessico ldquoCidadania e
classe socialrdquo Ainda hoje depois de mais de seis deacutecadas apoacutes a sua publicaccedilatildeo
16
(em 1949) o ensaio de Marshall continua a ser a referecircncia teoacuterica fundamental
para quem comeccedila a refletir sobre a cidadania na sociedade contemporacircnea eacute o
que se pode constatar de resto atraveacutes da consulta a mais recente bibliografia
dedicada a esse tema
Os Direitos Civis dentro da tradiccedilatildeo apresentada por Marshall estatildeo
ligados aos direitos fundamentais do homem como o direito agrave vida agrave liberdade agrave
propriedade e agrave igualdade perante a lei Jaacute os Direitos Poliacuteticos se referem agrave
participaccedilatildeo do cidadatildeo no governo da sociedade Seu exerciacutecio eacute limitado a uma
reduzida parcela da populaccedilatildeo e consiste na capacidade de fazer demonstraccedilotildees
poliacuteticas formar e participar de agremiaccedilotildees poliacuteticas organizar partidos votar e ser
votado Em geral quando se fala de direitos poliacuteticos
Eacute do direito do voto que se estaacute falando Por fim aparecem os Direitos Sociais que garantem a participaccedilatildeo no governo da sociedade e na riqueza coletiva Eles incluem o direito agrave educaccedilatildeo ao trabalho ao salaacuterio justo agrave sauacutede e agrave aposentadoria (CARVALHO 2002)
Eacute a soma desses direitos (civis poliacuteticos e sociais) que garantem a
emancipaccedilatildeo humana e a justiccedila social Certamente Marshall descreveu a evoluccedilatildeo
da cidadania em seu paiacutes de origem ou seja a Inglaterra Foi nesse paiacutes que
surgiram inicialmente os direitos civis no seacuteculo XVIII depois vieram os direitos
poliacuteticos (XIX) e por fim os direitos sociais (XX) Trata-se portanto de verdadeiras
conquistas da contemporaneidade E como tal fazem parte de um cotidiano em que
homens e mulheres lutam por dias melhores pelo Direito justo por uma cidadania
plena e eficaz por uma convivecircncia equilibrada pela existecircncia plena daqueles que
acreditam e defendem os valores por traacutes da dignidade da pessoa humana
12 A construccedilatildeo da cidadania
A Cidadania natildeo pode ser vista como um conceito estaacutetico pois ela natildeo se
resume somente em participaccedilatildeo atraveacutes de eleiccedilotildees mas sim como uma
construccedilatildeo da democracia politizada e participativa da construccedilatildeo do poder
17
Nas uacuteltimas deacutecadas o Brasil passou por significativas mudanccedilas de
paradigmas dentre os quais podemos citar a reconstruccedilatildeo do conceito proposto de
cidadania Pode-se dizer que apesar das inuacutemeras desigualdades socioeconocircmicas
o termo ldquocidadaniardquo evoluiu ampliando-se a abrangecircncia de sua concepccedilatildeo
abarcando todas as categorias sociais Para tanto para que possamos compreender
como vem se dando essa evoluccedilatildeo eacute preciso que conheccedilamos como tem se dado a
construccedilatildeo histoacuterica da representaccedilatildeo simboacutelica da cidadania
Durante toda a sua evoluccedilatildeo histoacuterica a palavra cidadania e as vaacuterias facetas
que ela assumiu nas uacuteltimas deacutecadas vecircm convivendo de perto com dissensotildees
sociais interesses e conflitos ideoloacutegicos culturais e poliacuteticos que se dedicam a
defender ou construir um modelo de cidadania compatiacutevel com as conjunturas de
cada tempo e de cada lugar
A marcha da cidadania sempre esteve ligada a avanccedilos retrocessos crises e
vitoacuterias enfim a iniciativas voltadas para a implantaccedilatildeo de uma estrateacutegia de luta
pelos direitos humanos pois ela esteve e estaacute em permanente construccedilatildeo eacute como
dizem os grandes teoacutericos um referencial de conquista da humanidade atraveacutes
daqueles que sempre lutaram e lutam por mais direitos mais liberdade melhores
garantias sejam elas individuais ou coletivas e natildeo se conformam frente agraves
dominaccedilotildees arrogantes de um pequeno grupo dominador e opressor contra uma
maioria desassistida e que natildeo se consegue fazer ouvir exatamente porque se lhe
nega a cidadania plena cuja conquista ainda que tardia natildeo seraacute obstada
Os caminhos trilhados pelos que defendem a cidadania podem vir a
apresentar em termos de sentimento constitucional a luta por um Estado
Democraacutetico de Direito que ajude na construccedilatildeo de uma adequada compreensatildeo
das situaccedilotildees de conjuntura e dos problemas estruturais que a sociedade enfrenta
dia apoacutes dia situaccedilotildees essas que se congregam para gerar a falta de efetividade
normativa da nossa Constituiccedilatildeo Aleacutem disso oferecem um amplo panorama acerca
dos esforccedilos que os povos empreenderam para fundar os alicerces das democracias
constitucionais do mundo moderno
A histoacuteria da construccedilatildeo da cidadania eacute uma histoacuteria de resistecircncias de povos
contra as opressotildees dos governos do desespero e das necessidades das massas eacute
a histoacuteria da esperanccedila e do empenho das naccedilotildees a histoacuteria da convivecircncia das
paixotildees humanas do futuro das geraccedilotildees eacute a histoacuteria do sofrimento e da dor eacute a
histoacuteria das vicissitudes e dramas do proacuteprio fenocircmeno humano
18
13 Cidadania um fenocircmeno cultural
A cidadania eacute um fenocircmeno cultural relacionada com a conquista de direitos
com as construccedilotildees das instituiccedilotildees com a proteccedilatildeo dos direitos fundamentais e
dos valores juriacutedicos e humanos Trata-se de uma realidade cultural cuja finalidade eacute
determinar o modo como agraves pessoas devem vincular-se agraves mudanccedilas nas estruturas
sociais determinando o modo como agraves pessoas devem atuar e (com) viver em
sociedade
De certo modo a cidadania como o Direito e todos os direitos representa uma
conquista da cultura frente agrave conflitiva natureza humana Tal conclusatildeo ajuda a
compreender o Estado Democraacutetico de Direito e tudo aquilo que ele simboliza em
termos de emancipaccedilatildeo da pessoa humana Nessa linha a necessidade de
compreender o conceito atual de cidadania agrave luz das questotildees culturais e sociais
postas pela sociedade poacutes-moderna veio-nos como heranccedila do processo cultural de
formaccedilatildeo das democracias modernas
Essa representaccedilatildeo cultural da cidadania vem sendo tratada pelos
pensadores modernos sob vaacuterios enfoques Num primeiro momento surge assim
por exemplo a cidadania civil que marcou a superaccedilatildeo da situaccedilatildeo observada na
Idade Meacutedia garantindo os direitos quanto agrave liberdade e agrave justiccedila e vinculando-se
diretamente agrave burguesia Jaacute a cidadania poliacutetica surgiu com a universalizaccedilatildeo de seu
proacuteprio conceito e com a ampliaccedilatildeo dos direitos civis Esta nova consciecircncia sobre
as diferenccedilas no interior do status de cidadatildeo acentua os debates sobre a exclusatildeo
social os direitos humanos e mesmo sobre a atuaccedilatildeo poliacutetica da sociedade civil Por
outro lado no atual estaacutegio do capitalismo falar em cidadania significar considerar
igualmente as proacuteprias mudanccedilas ocorridas na sociedade nos valores e na
educaccedilatildeo proporcionados pelas inovaccedilotildees da realidade tecnocientifica
Temos desse modo associado ao atual conceito de cidadania um repertoacuterio
teoacuterico e mesmo praacutetico cuja amplitude acompanha o proacuteprio desenvolvimento das
sociedades poacutes-modernas dando a impressatildeo crescente como afirma Harvey
19
De uma poderosa configuraccedilatildeo de novos sentimentos e pensamentos Que parecia a caminho de desenvolvimento social e poliacutetico apenas em virtude da maneira como definia padrotildees de criacutetica social e de praacutetica poliacutetica Em anos recentes ele vem determinando os padrotildees de debate definindo o modo do lsquodiscursorsquo e estabelecendo paracircmetros para a criacutetica cultural poliacutetica e cultural (1992)
Contudo a extensatildeo desses direitos agrave totalidade da populaccedilatildeo natildeo
possibilitou a garantia da liberdade e da igualdade idealizadas por Rousseau em sua
obra ldquoO Contrato Socialrdquo Por outro lado pode-se dizer que todos esses anos de
desenvolvimento acabaram por afirmar que a cidadania de fato soacute pode se constituir
por meio de acirrada luta cotidiana por direitos e pela garantia daqueles que jaacute
existem
Mais do que isso nota-se maior preocupaccedilatildeo com a difusatildeo desses direitos
seja por meio de educaccedilatildeo formal seja pelos meios de comunicaccedilatildeo Livros
didaacuteticos e paradidaacuteticos tecircm fomentado a discussatildeo sobre o status de cidadatildeo e os
direitos humanos outros associam ao desenvolvimento da cidadania uma
discussatildeo sobre os meios de comunicaccedilatildeo e o proacuteprio capitalismo como afirma o
professor Dalmo de Abreu Dallari em Cidadania e Direitos Humanos (1998)
Nessa perspectiva problemas recorrentes como as violaccedilotildees dos direitos
humanos as ineficiecircncias no campo social e o processo de pauperizaccedilatildeo
manifestado na periferia do capitalismo mostram que a cidadania exige mais do que
o simples ato de votar ou de pertencer a uma sociedade poliacutetica Cabe portanto agrave
sociedade civil caraacuteter representativo que substitua as pressotildees ou mesmo a
atuaccedilatildeo legiacutetima dos cidadatildeos
A evoluccedilatildeo da cidadania portanto consiste na lenta construccedilatildeo da
democracia que sintetiza os esforccedilos para a obtenccedilatildeo das prerrogativas ideoloacutegicas
e culturais que tecircm levado os membros da sociedade a decidirem acerca da
realidade que os cercam
14 Cidadania no Brasil breves consideraccedilotildees
Discorrer sobre a construccedilatildeo da cidadania no Brasil eacute tocar num ponto
crucial da nossa histoacuteria Passados mais de 500 anos da chegada dos portugueses
20
por estas paragens percebe-se que a consolidaccedilatildeo da cidadania ainda eacute um desafio
para todos os brasileiros
O tema cidadania muito se tem discutido na academia e fora dela o jargatildeo
da cidadania estaacute na moda nas instituiccedilotildees poliacuteticas e juriacutedicas como tambeacutem na
opiniatildeo puacuteblica mas concretamente eacute um conceito ainda a ser construiacutedo
No contexto histoacuterico-cultural e poliacutetico dos gregos especificamente por
volta do ano 380 aC (periacuteodo do apogeu daquela civilizaccedilatildeo) embora a cidadania
fosse limitada a uma parcela social minoritaacuteria pode-se afirmar que tanto a
democracia quanto a cidadania grega natildeo deixam de ser conquistas ineacuteditas e
avanccedilos significativos para a histoacuteria ocidental Jaacute a evoluccedilatildeo e a real consolidaccedilatildeo
da cidadania na modernidade nascem a partir dos direitos naturais (vida
propriedade liberdade) do homem liberal burguecircs garantido pelas consecutivas
ldquoDeclaraccedilotildees de Direitosrdquo elaboradas a partir das revoluccedilotildees liberais na Inglaterra
(Revoluccedilatildeo Gloriosa 1688-89) Estados Unidos (Emancipaccedilatildeo poliacutetica 1776) Franccedila
(Revoluccedilatildeo Francesa)
No entanto pode-se dizer que o nosso paiacutes apesar da influecircncia dos paiacuteses
europeus vivenciou como ainda vivencia uma difiacutecil construccedilatildeo da cidadania
A longa histoacuteria do Brasil vem elencando razotildees profundas para a nossa
natildeo-cidadania atual a exemplo da conquista (ou invasatildeo) do nosso territoacuterio o
grande latifuacutendio a escravidatildeo a monocultura de exportaccedilatildeo o analfabetismo a
perpetuaccedilatildeo das elites poliacuteticas no poder fatores que refletem nos viacutecios da vida
social cultural poliacutetica e econocircmica do paiacutes
Fundamentalmente eacute preciso afirmar que no Brasil a construccedilatildeo da
cidadania natildeo seguiu a loacutegica da trajetoacuteria inglesa Houve no Brasil segundo
Carvalho (2002) pelo menos duas diferenccedilas importantes
A primeira refere-se agrave maior ecircnfase em um dos direitos o social em relaccedilatildeo aos outros a segunda refere-se agrave alteraccedilatildeo na sequecircncia em que os direitos foram adquiridos entre noacutes o social precedeu os outros
Uma das razotildees fundamentais das dificuldades da construccedilatildeo da cidadania
estaacute ligada como nos diz Carvalho ao ldquopeso do passadordquo mais especificamente ao
periacuteodo colonial (1500-1822) quando
21
Os portugueses tinham construiacutedo um enorme paiacutes dotado de unidade territorial linguiacutestica cultural e religiosa Mas tinham deixado uma populaccedilatildeo analfabeta uma sociedade escravocrata uma economia monocultora e latifundiaacuteria um Estado Absolutista (CARVALHO 2002)
Em suma foram 322 anos sem poder puacuteblico sem Estado sem naccedilatildeo e
cidadania Diante de tatildeo obscuro cenaacuterio de dominaccedilatildeo opressatildeo dentre outras
formas de natildeo efetivaccedilatildeo da cidadania no Brasil podemos elencar dentre outros
tantos fatores quais foram os principais obstaacuteculos para a construccedilatildeo da cidadania
brasileira O latifuacutendio agro-exportador do periacuteodo colonial bem como o escravismo
o analfabetismo marcaram negativamente nossas origens e ateacute hoje dificultam
avanccedilos no acircmbito poliacutetico-social e econocircmico Aleacutem dessas outras razotildees foram e
continuam sendo entraves para a consolidaccedilatildeo das instituiccedilotildees poliacutetica que
impedem os avanccedilos necessaacuterios para uma cidadania plena Na ordem poliacutetica
permanecem ainda algumas mazelas histoacutericas como o patrimonialismo
(promiscuidade entre o puacuteblico e o privado) o coronelismo com sua nova roupagem
o clientelismo aleacutem da corrupccedilatildeo entre outros
Mesmo diante de tatildeo vergonhoso cenaacuterio natildeo podemos nos dispensar que
tambeacutem alcanccedilamos mesmo que de forma tiacutemida significativas conquistas de
direitos no Brasil comparadas com outros paiacuteses que vivenciaram um processo de
colonizaccedilatildeo semelhante ao nosso A conquista desses direitos deu-se de maneira
tardia e inversa haja vista que somente em 1824 mais de 320 anos apoacutes a chegada
dos portugueses foi que surgiram os primeiros direitos civis e poliacuteticos (antes disso
estaacutevamos submetidos agrave lei da coroa portuguesa) Aos poucos surgiram os direitos
sociais mas exatamente no momento em que os direitos civis e poliacuteticos estavam
sendo negados no periacuteodo da ditadura de Vargas (1937-45) e na ditadura militar
(1964-1985) Parece um paradoxo mas foi exatamente nesse periacuteodo de
conturbaccedilotildees poliacuteticas que marchamos em direccedilatildeo agrave conquista de significativos
direitos que iriam projetar uma ideia de lutas e vitoacuterias que se projetariam no campo
da cidadania de modo bastante concreto
Por fim haveremos de concordar com Benevides (1994) ao afirmar que no
intuito de reverter agrave realidade poliacutetico-social excludente ou de uma cidadania
passiva ou sem ldquopovordquo eacute necessaacuterio recorrer agrave defesa de mecanismos institucionais
22
como o referendo o plebiscito e a iniciativa popular para a construccedilatildeo do que ela
chama de uma cidadania ativa ou democracia semidireta Alguns autores veem
dificuldades na implementaccedilatildeo desse sistema em paiacuteses que estatildeo em processo de
democratizaccedilatildeo no entanto logo em seguida apontam para a educaccedilatildeo poliacutetica ndash
entendida como educaccedilatildeo para a cidadania ativa
Desse modo pode-se proferir que todos esses anos de desenvolvimento
acabaram por afirmar que a cidadania de fato soacute pode se constituir por meio de
acirrada luta cotidiana por direitos e pela garantia daqueles que jaacute existem pois
apesar da existecircncia de profundas desigualdades sociais a ideia de cidadania
evoluiu com o passar dos anos Ampliou-se a abrangecircncia de sua concepccedilatildeo
abraccedilando todas as classes sociais e minorias Deixou de restringir-se apenas agrave
participaccedilatildeo poliacutetica para relacionar uma seacuterie de deveres da sociedade para com o
cidadatildeo Na praacutetica ainda haacute muito que se fazer para que direitos e deveres sejam
os mesmos para todos No entanto a busca pela realizaccedilatildeo da maacutexima ldquocada
homem um votordquo continua a ser perseguida
A luta pela conquista plena da cidadania eacute parte integrante da democracia
uma vez que assegura a continuidade das transformaccedilotildees juriacutedicas poliacuteticas entre
outras Natildeo resta duacutevida acerca do papel estruturante que essa luta desempenha no
quadro das democracias contemporacircneas fato que a converte em uma irresistiacutevel
conquista da modernidade O caraacuteter estruturante que a cidadania projeta nos
quadros da democracia atual estaacute ligado a permanente busca de um Estado
compatiacutevel com a realidade de cada tempo histoacuterico
23
CAPIacuteTULO 2 - CIDADANIA Agrave LUZ DA CONSTITUICcedilAtildeO FEDERAL DE
1988
A Constituiccedilatildeo eacute a ordem juriacutedica fundamental da comunidade nas palavras
de Konrad Hesse (apud PALU 2001) eacute um documento juriacutedico e poliacutetico dirigido aos
cidadatildeos e estes satildeo os seus primeiros destinataacuterios A Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica eacute
a Lei fundamental composta por um conjunto de normas baacutesicas que compotildeem a
estrutura juriacutedica poliacutetica social e econocircmica de um paiacutes Essa eacute razatildeo pela qual
ela eacute chamada de Carta Magna pois a ela nada se sobrepotildee Para Dallari (1985) a
Constituiccedilatildeo
[] eacute a declaraccedilatildeo da vontade poliacutetica de um povo feita de modo solene por meio de uma lei que eacute superior a todas as outras que visando agrave proteccedilatildeo da dignidade humana estabelece os direitos e as responsabilidades fundamentais dos indiviacuteduos dos grupos sociais do povo e do governo
Desta forma uma Constituiccedilatildeo natildeo surge do nada ela eacute resultado de
observaccedilotildees e experiecircncias e sua finalidade eacute de afirmar e garantir os direitos
elementares das pessoas humanas disciplinar o uso ao mesmo tempo em que
evita o abuso de poder organizando de forma racional a sociedade e o governo
Satildeo inegaacuteveis as inovaccedilotildees teacutecnicas trazidas pela Constituiccedilatildeo Brasileira de
1988 no campo da instituiccedilatildeo garantia e proteccedilatildeo dos direitos fundamentais A
dignidade da pessoa humana e o exerciacutecio da cidadania satildeo considerados princiacutepios
fundamentais da Carta Magna Brasileira de 1988
Cidadania direito a ter direitos na acepccedilatildeo de Haberle ( apud VALADEacuteS
2009) refere-se a todos os direitos previstos na Constituiccedilatildeo de 1988 e ainda
aqueles natildeo expressos mas decorrentes do regime e dos princiacutepios por ela
adotados na dicccedilatildeo do sect 2deg art 5deg
O princiacutepio fundamental da cidadania conforme jaacute exposto impregna todo o
texto constitucional vigente a partir do art 1deg II em que figura de forma
24
exponencial relativamente ao Estado brasileiro e tudo que lhe corresponda no
exerciacutecio de um poder que adquire significaccedilatildeo renovada e amplificada na
sociedade contemporacircnea Segundo Arendt
A cidadania eacute o direito a ter direitos pois a igualdade em dignidade e direitos dos seres humanos natildeo eacute um dado Eacute um construiacutedo da convivecircncia coletiva que requer o acesso ao espaccedilo puacuteblico Eacute este acesso ao espaccedilo puacuteblico que permite a construccedilatildeo de um mundo comum atraveacutes do processo de asserccedilatildeo dos direitos humanos
Nesse diapasatildeo o direito a ter direitos compreende o pleno acesso ao
espaccedilo puacuteblico o efetivo exerciacutecio do poder poliacutetico das prerrogativas inerentes agrave
cidadania conforme explicita a Constituiccedilatildeo no art 5deg LXXI a propoacutesito do
mandado de injunccedilatildeo no dizer todo direito atribuiacutedo com o caraacuteter de exclusividade
agrave pessoa
21 Estado Democraacutetico de Direito espaccedilo de cidadania
Apoacutes a eacutepoca de grandes restriccedilotildees militares o ato de promulgaccedilatildeo da
Constituiccedilatildeo Federal em 05 de outubro de 1988 vem marcar uma nova fase de
esperanccedila para os brasileiros Ao batizaacute-la de Constituiccedilatildeo cidadatilde a Assembleia
Nacional Constituinte atraveacutes de seu presidente o Deputado Ulisses Guimaratildees
resumiu o espiacuterito do texto constitucional assegurar aos brasileiros direitos sociais
essenciais ao exerciacutecio da cidadania e estabelecer mecanismos para garantir o
cumprimento de tais direitos
O que se viu a partir de entatildeo foi uma lenta poreacutem significativa mudanccedila na
sociedade brasileira A Constituiccedilatildeo Federal que eacute sem duacutevidas um marco na
histoacuteria do paiacutes traccedila a prioridade dada pelos constituintes aos direitos dos
brasileiros que pode ser observada em todas as questotildees
A Carta faz uma ampliaccedilatildeo dos direitos individuais sociais e poliacuteticos e como
se observa a inserccedilatildeo dos direitos sociais como segundo tiacutetulo revela a primazia
que o constituinte quis daacute a estes direitos em detrimento de todos os outros
incluindo os referentes agrave organizaccedilatildeo do Estado e dos Poderes que vecircm depois
25
Ao contraacuterio do que ocorreu com as Constituiccedilotildees anteriores esse
ordenamento dos capiacutetulos parece revelar que a Carta eacute o prenuacutencio de um paiacutes em
que os direitos dos cidadatildeos formam a base do ordenamento do Estado Essa ideia
foi expressa pelo presidente da Assembleacuteia Constituinte deputado Ulysses
Guimaratildees que voltamos a citar quando anunciou
Diferentemente das sete constituiccedilotildees anteriores esta comeccedila com o homem De modo gratificante testemunha a primazia do homem que foi escrita para o homem que o homem eacute seu fim e sua esperanccedila Eacute a Constituiccedilatildeo cidadatilde
A Constituiccedilatildeo nasceu da constataccedilatildeo de que o figurino juriacutedico formulado
para o Brasil desde os primoacuterdios do Estado nacional natildeo se compatibilizava com as
necessidades dos brasileiros Houve avanccedilos na formalizaccedilatildeo da Lei Magna
especialmente no tocante aos direitos de cidadania mas estamos longe do ideal
preconizado pela carta cidadatilde O que nos leva a crer que a cidadania eacute um processo
diaacuterio e permanente de construccedilatildeo Pois natildeo basta garantir o direito eacute preciso
exercecirc-lo
A cidadania abraccedilada pela atual Constituiccedilatildeo Federal Brasileira teve seu
conteuacutedo ampliado e natildeo se restringe ao simples fato de possuir um tiacutetulo de eleitor
para votar e ser votado ela estabelece cidadania como princiacutepio fundamental da
Repuacuteblica do Brasil desta forma o conceito decorrente pode ser entendido
conforme preleciona Silva (2005) ldquocidadania estaacute aqui num sentido mais amplo do
que o de titular de direitos poliacuteticos Qualifica os participantes da vida do Estado
reconhecimento do indiviacuteduo como pessoa integrada a sociedade estatalrdquo
Tal conceito nos leva a relacionar cidadania com democracia uma vez que
optou-se pelo Estado Democraacutetico de Direito o qual assenta seus alicerces na
participaccedilatildeo popular em questotildees que envolvem a coisa puacuteblica Para Moraes
(2005) esse Estado de Direito ldquosignifica a exigecircncia de reger-se por normas
democraacuteticas com eleiccedilotildees livres perioacutedicas e pelo povo bem como o respeito das
autoridades puacuteblicas aos direitos e garantias fundamentaisrdquo
O propoacutesito da opccedilatildeo pelo Estado Democraacutetico de Direito eacute que a cidadania e
os demais direitos fundamentais fluam com plenitude talvez seja o que justifique a
denominaccedilatildeo da Carta Magna de cidadatilde pois o povo passa a atuar de forma mais
ativa na vida poliacutetica do Estado uma vez que a ele foi concedido esse poder
26
A cidadania portanto soacute adquire pleno significado no mundo contemporacircneo
num Estado Democraacutetico de Direito para tanto exige um ambiente de vida e de
conviacutevio entre os homens tiacutepico e proacuteprio de um Estado Democraacutetico pois a
cidadania constitui fundamento primordial daquele Estado qual seja possibilitar aos
indiviacuteduos habitantes de um paiacutes o seu pleno desenvolvimento atraveacutes do alcance
de igual dignidade social e econocircmica
Segundo Rozicki (2005) O ambiente de vida social do Estado Democraacutetico
cujos pilares se encontram na efetividade dos direitos fundamentais da pessoa
humana em uma sociedade solidaacuteria soacute eacute possiacutevel atraveacutes da observaccedilatildeo de alguns
postulados que lhe satildeo essenciais os quais a autora denomina de pressupostos do
Estado democraacutetico de Direito
1)a valorizaccedilatildeo e atualidade da dignidade do homem e o reconhecimento da importacircncia de dispensar a todos tratamento fraternal igualitaacuterio e natildeo discriminativo 2) a confianccedila nos talentos e possibilidades latentes dos homens 3) a seguranccedila e o creacutedito nos valores institucionalizados pelas massas como fundamentos para o progresso do bem comum e o alcance da justiccedila 4) a aceitaccedilatildeo da legitimidade das decisotildees tomadas por meio de processos racionais e participativos de deliberaccedilatildeo com o consenso da maioria que constitui o reflexo o resultado de debates livres entre todos 5) o respeito aos grupos minoritaacuterios 6) e a compreensatildeo de que todo o interesse geral eacute a siacutentese dos diversos interesses e ideacuteias dos indiviacuteduos e dos grupos diferentes centros de poder que integram a sociedade pluralista
Percebe-se que o conceito amplo de cidadania encontra seus princiacutepios
baacutesicos e estruturantes nesses pressupostos intimamente ligado aos conceitos de
democracia e de igualdade No tocante ao conceito de igualdade elucidativa eacute a
liccedilatildeo de Rozicki (2005) quando afirma que
O princiacutepio de igualdade disciplina todas as atividades puacuteblicas e tem aplicaccedilatildeo direta nas relaccedilotildees privadas que ocorrem entre os particulares impondo para tornaacute-lo real a proibiccedilatildeo de discriminaccedilotildees e a eliminaccedilatildeo das desigualdades faacuteticas nos planos social e econocircmico proporcionando a todos os cidadatildeos igual condiccedilatildeo de vida e mesma posiccedilatildeo perante o Estado Democraacutetico
E complementa que tambeacutem para a realizaccedilatildeo da cidadania o princiacutepio
democraacutetico torna indispensaacutevel agrave participaccedilatildeo popular nas tomadas de decisatildeo No
seu entender
27
A cidadania no Estado democraacutetico de direito efetivada oferece aos cidadatildeos como iguais condiccedilotildees de existecircncia o gozo atual de direitos e a obrigaccedilatildeo do cumprimento de deveres que resumidamente podem ser assim apresentados exerciacutecio de direitos fundamentais e participaccedilatildeo e os deveres de colaboraccedilatildeo e solidariedade (Rozicki 2005)
Natildeo obstante eacute vaacutelido ressaltar um princiacutepio igualmente importante e deveras
esquecido a fraternidade Este princiacutepio que eacute um dos trecircs pilares da Revoluccedilatildeo
Francesa eacute pouco discutido apesar de assumir um papel decisivo na consolidaccedilatildeo
da democracia da politica e do poder
A fraternidade eacute necessaacuteria para o estabelecimento de uma comunidade
politicamente solidaacuteria com indiviacuteduos iguais e livres
Para finalmente concebermos um Estado Democraacutetico de Direito que trate os
iguais na medida de suas desigualdades
22 Os direitos fundamentais como pressupostos de identidade da cidadania
Os direitos fundamentais vistos como um dos traccedilos mais marcante do
constitucionalismo moderno consistem no resultado da luta dos homens por um
direito ideal justo e humano representam situaccedilotildees reconhecidas juridicamente
sem as quais o homem eacute incapaz de alcanccedilar sua proacutepria realizaccedilatildeo e
desenvolvimento plenamente daiacute dizer-se que o princiacutepio preponderante que
condensa os direitos fundamentais eacute o da dignidade da pessoa humana
Os direitos fundamentais satildeo o conjunto de normas de um ordenamento juriacutedico que formam um subsistema deste fundado na liberdade na igualdade na seguridade na solidariedade expressotildees da dignidade do homem que formam parte da norma baacutesica material de identificaccedilatildeo do ordenamento juriacutedico e constitui um setor de moralidade procedimental positivada que legitima o Estado Social de Direito (MARTINEZ apud AGRA 2002)
Tais direitos foram e vatildeo sendo aperfeiccediloados e estendidos ao longo do
tempo resta dizer que os mesmos estabelecem faculdades da pessoa humana que
permitem sua breve classificaccedilatildeo do seguinte modo 1) os direitos civis e poliacuteticos
de liberdade como por exemplo a liberdade de expressatildeo de propriedade de
28
manifestaccedilatildeo do pensamento de associaccedilatildeo de imprensa de reuniatildeo de igualdade
formal perante a lei de participaccedilatildeo poliacutetica o devido processo legal o habeas
corpus o direito de peticcedilatildeo etc 2) os direitos sociais econocircmicos e culturais de
participaccedilatildeo poliacutetica tais como a igualdade de sufraacutegio o direito de voto e de
elegibilidade o direito de peticcedilatildeo e os direitos de participaccedilatildeo poliacutetica 3) os direitos
da titularidade coletiva que satildeo aqueles ligados a solidariedade e a fraternidade
como por exemplo o direito agrave preservaccedilatildeo do meio ambiente e agrave qualidade de vida
etc 4) os direitos chamados de quarta geraccedilatildeo por exemplo direito a democracia a
informaccedilatildeo ao comeacutercio eletrocircnico entre os estados etc
Natildeo existe qualquer relaccedilatildeo hieraacuterquica entre estes direitos mesmo porque
todos interagem entre si de nada servindo um sem a existecircncia dos outros Esta
divisatildeo acontece devido agrave eterna e constante busca do homem por mais proteccedilatildeo
mais garantia com o objetivo de alcanccedilar uma sociedade mais justa igualitaacuteria e
fraterna
Na evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais Agra (2002) chama a atenccedilatildeo do
relevo que adquirem a democratizaccedilatildeo da informaccedilatildeo e os mecanismos de
democracia participativa E justifica que a democratizaccedilatildeo da informaccedilatildeo natildeo se
caracteriza apenas pela existecircncia de uma miacutedia plural sem nenhum tipo de
monopoacutelio mas deve ser concebida como a obrigaccedilatildeo que todos os cidadatildeos tecircm
de tomar consciecircncia dos graves problemas que afligem a humanidade e que os
mecanismos da democracia participativa concebem a cidadania em extensatildeo muito
superior ao voto abrangendo a interferecircncia direta do cidadatildeo nas decisotildees
governamentais mediante vaacuterios mecanismos juriacutedicos como o plebiscito o recall o
orccedilamento participativo etc
De acordo com Silva (2005) os Direitos Fundamentais na Constituiccedilatildeo de
1988 abrangem os ldquodireitos individuais sociais poliacuteticos e tambeacutem os direitos
econocircmicos Para o autor a ampliaccedilatildeo e transformaccedilatildeo dos direitos fundamentais
do homem na histoacuteria dificultam uma definiccedilatildeo sinteacutetica do conceitordquo
Essa dificuldade aumenta diante do emprego de vaacuterias expressotildees para
designaacute-los tais como direitos naturais direitos humanos direitos do homem
direitos individuais direitos puacuteblicos subjetivos liberdades fundamentais liberdades
puacuteblicas e direitos fundamentais do homem No entanto direitos fundamentais do
homem constitui a expressatildeo mais adequada porque na palavra fundamentais
acha-se a indicaccedilatildeo de que se trata de situaccedilotildees sem as quais o indiviacuteduo natildeo tem
29
uma vida digna natildeo convive e agraves vezes nem mesmo sobrevive A expressatildeo
direitos fundamentais eacute a mais precisa no sentido de que a todos por igual devem
ser natildeo apenas formalmente reconhecidos mas concreta e materialmente
efetivados
Por sua vez a atual Corte em julgamento do habeas corpus (HC ndeg
82424RS) marca seu posicionamento no tocante ao sistema de direitos
fundamentais insculpido na Constituiccedilatildeo de 1988 atraveacutes dos profundos e bem
fundamentados votos dos Ministros que aleacutem de delimitarem a extensatildeo e os limites
da liberdade de expressatildeo (art 5o IV e IX) acabaram indicando as bases filosoacuteficas
e juriacutedicas para a interpretaccedilatildeo do cataacutelogo de direitos fundamentais da Constituiccedilatildeo
de 1988
Nesse sentido o voto do Ministro Marco Aureacutelio tratou de definir o sistema de
direitos fundamentais como a ldquoproacutepria essecircncia da Constituiccedilatildeordquo qualificando-os
como ldquovalores objetivos que servem como norte da atuaccedilatildeo estatalrdquo Assim estaacute
consignado nos fundamentos do referido voto
A Constituiccedilatildeo de 1988 representou um divisor de aacuteguas entre o antigo regime totalitaacuterio e um periacuteodo de redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes marcando dessa forma uma eacutepoca que tem como modelo de atuaccedilatildeo do Estado o respeito incondicional aos direitos fundamentais Por isso mesmo o sistema constitucional dos direitos fundamentais previsto no artigo 5o da Carta com os eventuais acreacutescimos do sect 2o reflete em rigor e em larga medida a proacutepria essecircncia da Constituiccedilatildeo e a retomada do processo de democratizaccedilatildeo e da garantia do cidadatildeo contra abusos e arbitrariedades no exerciacutecio do Poder Puacuteblico Os direitos fundamentais satildeo hoje verdadeiros princiacutepios estruturantes da organizaccedilatildeo e do funcionamento do Estado valores objetivos que servem como norte da atuaccedilatildeo estatal em seus mais diferentes niacuteveis no Legislativo formam um cataacutelogo de princiacutepios e garantias que informam e direcionam toda a atividade de criaccedilatildeo das normas de nosso ordenamento juriacutedico e de concretizaccedilatildeo dos preceitos constitucionais no Executivo mostram-se como verdadeiros limites ao exerciacutecio do poder administrativo servindo como trincheiras de proteccedilatildeo da liberdade do cidadatildeo e no judiciaacuterio refletem a base e o fundamento necessaacuterio da compreensatildeo e interpretaccedilatildeo de nossas normas ndash efeito interpretativo - evitando que a atividade jurisdicional se transforme em medidas discricionaacuterias ou providecircncias ilegiacutetimas de opccedilotildees poliacuteticas pautadas em escolhas pessoais dos juiacutezes
Tudo indica que se trata do iniacutecio de uma soacutelida construccedilatildeo jurisprudencial a
respeito do sentido axioloacutegico do sistema de direitos fundamentais da Constituiccedilatildeo
de 1988
30
Os Direitos Individuais satildeo de exerciacutecio exclusivo do indiviacuteduo e devem ser
formalmente reconhecidos e concretizados no cotidiano do cidadatildeo O indiviacuteduo aqui
eacute considerado um sujeito de direitos e natildeo apenas como integrante de um corpo
social Esses direitos natildeo podem sofrer nenhum tipo de restriccedilatildeo natildeo se
discriminando quem os pode exercer uma vez que satildeo titulares todas as pessoas
capazes incapazes brasileiras estrangeiras alfabetizadas e iletradas
A Constituiccedilatildeo Cidadatilde foi a primeira a estabelecer direitos natildeo soacute de
indiviacuteduos mas tambeacutem de grupos sociais os denominados direitos coletivos Com
isso as pessoas passaram a ser coletivamente consideradas Os direitos individuais
e coletivos estatildeo anunciados no art 5ordm em setenta e sete incisos e em dois
paraacutegrafos
Verifica-se que os Direitos Individuais tecircm como ponto marcante a liberdade
seja ela tomada de maneira global ou especiacutefica como liberdade de associaccedilatildeo de
reuniatildeo A liberdade de reuniatildeo (art 5ordm XVI) constitui-se na primeira e mais simples
liberdade corporativa estando logo apoacutes a liberdade de locomoccedilatildeo
Os Direitos Sociais tecircm como titular uma coletividade e satildeo caracterizados
pela prestaccedilatildeo de serviccedilos ou oferecimento de melhorias para a sociedade como um
todo por parte do Poder Puacuteblico Assim os Direitos Sociais tornam possiacutevel a fruiccedilatildeo
e o exerciacutecio dos Direitos Individuais pela coletividade mesmo pelos carentes
materialmente
O art 6deg define os Direitos Sociais da seguinte maneira ldquoSatildeo Direitos Sociais
a educaccedilatildeo a sauacutede o trabalho a moradia o lazer a seguranccedila a previdecircncia
social a proteccedilatildeo agrave maternidade e agrave infacircncia a assistecircncia aos desamparados na
forma desta Constituiccedilatildeordquo
Portanto eacute obrigatoacuteria ao Estado a proteccedilatildeo dos interesses da coletividade
com o atendimento dos direitos acima citados
Satildeo direitos poliacuteticos os que conferem o acesso da populaccedilatildeo agrave participaccedilatildeo
no Poder do Estado tais como os direitos de votar e ser votado do referendo
plebiscito e iniciativa popular das leis O direito democraacutetico de participaccedilatildeo dos
cidadatildeos no governo por meio de seus representantes exigiu a formaccedilatildeo de um
conjunto de normas legais permanentes que recebeu a denominaccedilatildeo de direitos
poliacuteticos Os Direitos Poliacuteticos amparam os Direitos Individuais Sociais e
Econocircmicos pois quando desaparece a democracia desaparecem imediatamente
as liberdades fundamentais
31
Com o advento da Constituiccedilatildeo de 1988 foram criadas instituiccedilotildees para
fiscalizar e controlar a atuaccedilatildeo da administraccedilatildeo puacuteblica entre as quais o Ministeacuterio
Puacuteblico que funciona como um canal de expressatildeo dos direitos da populaccedilatildeo
O Ministeacuterio Puacuteblico foi a instituiccedilatildeo que mais ganhou importacircncia no cenaacuterio
puacuteblico por ter passado a defender os interesses coletivos ou seja os interesses de
um grupo categoria ou classe e natildeo de um indiviacuteduo isolado No artigo 127 o
Ministeacuterio Puacutebico (MP) eacute definido como ldquouma instituiccedilatildeo permanente essencial agrave
funccedilatildeo jurisdicional do Estado incumbindo-lhe a defesa da ordem juriacutedica do regime
democraacutetico e dos interesses sociais e individuais indispensaacuteveisrdquo
Cabe ao Ministeacuterio Puacuteblico exigir dos poderes puacuteblicos e dos serviccedilos de
relevacircncia puacuteblica respeito aos direitos elencados na Constituiccedilatildeo promovendo as
medidas necessaacuterias agrave garantia desses direitos Portanto eacute responsaacutevel pela
garantia da ordem juriacutedica do regime democraacutetico da moralidade puacuteblica e dos
direitos sociais e individuais
23 A consagraccedilatildeo dos direitos do cidadatildeo
A Constituiccedilatildeo de 1988 eacute o coroamento da histoacuteria constitucional do Brasil por
ter sido um marco da redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes opondo-se a qualquer forma de
autoritarismo Nela a cidadania foi consagrada como um dos fundamentos da
Repuacuteblica Federativa do Brasil (art 1ordm inc II) Observe-se que o termo cidadania
encontra-se na Constituiccedilatildeo em sentido mais amplo do que o de titular de direitos
poliacuteticos pois qualifica os participantes da vida do Estado e reconhece o indiviacuteduo
como pessoa integrada na sociedade estatal
Essa nova concepccedilatildeo de cidadania introduzida pela Constituiccedilatildeo Federal de
1988 eacute fruto da internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos e como marco principal da
institucionalizaccedilatildeo erigiu em seu artigo primeiro a dignidade da pessoa humana (inc
III) e a cidadania (incII) a princiacutepio fundamental
Institui com o princiacutepio da cidadania uma nova compreensatildeo acerca dos
direitos de deveres da pessoa elevado-o a status maacuteximo a regra-matriz que natildeo
pode ser desrespeitada pois os fundamentos constituem a essecircncia da Repuacuteblica
32
Federativa e servem como regra-matriz para a elaboraccedilatildeo interpretaccedilatildeo e
integraccedilatildeo do sistema juriacutedico nacional
Violar um princiacutepio eacute muito grave que transgredir uma norma qualquer A desatenccedilatildeo ao principio implica ofensa natildeo apenas a um especifico mandamento obrigatoacuterio mas a todo o sistema de comandos Eacute a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade representa insurgecircncia contra todo o sistema subversatildeo de valores fundamentais (MELLO apud CHIMENTI 2005 P 33)
Para Silva (2004) cidadania eacute discriminada como princiacutepio relativo ao regime
poliacutetico Dessa forma compreendida cidadania como princiacutepio fundamental eacute o
direito de participar dos destinos do Estado e mais usufruir dos direitos civis
fundamentais previstos na Constituiccedilatildeo
Muitos doutrinadores utilizam cidadania no mesmo sentido de nacionalidade
(Art 12 da Constituiccedilatildeo Federal) e de direitos poliacuteticos (Art 14) Em alguns outros
dispositivos a palavra cidadania (ou cidadatildeo) poderia ainda ter a significaccedilatildeo de
direitos poliacuteticos mas mesmo assim de forma impliacutecita a exemplo dos arts 22 XIII
e 5ordm LXXIII No primeiro se lecirc que compete agrave Uniatildeo legislar sobre nacionalidade
cidadania e naturalizaccedilatildeo e no segundo que qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima
para propor accedilatildeo popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de
entidade de que o Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e
ao patrimocircnio histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de
custas judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia No entanto conforme Mazzuoli (2002)
Observe-se que a Carta de 1988 ao tratar no seu art 14 dos direitos poliacuteticos natildeo se refere sequer em um momento agrave expressatildeo cidadania dizendo apenas que a soberania popular seraacute exercida pelo sufraacutegio universal e pelo voto direito e secreto com valor igual para todos (hellip) Pelo contraacuterio a Constituiccedilatildeo faz uma separaccedilatildeo entre cidadania e direitos poliacuteticos quando no seu art 68 sect 1ordm II ao tratar das leis delegadas exclui do acircmbito da delegaccedilatildeo legislativa a nacionalidade cidadania direitos individuais poliacuteticos e eleitorais
A Constituiccedilatildeo brasileira de 1988 com a transiccedilatildeo para o regime democraacutetico
consagrou expressamente esta nova concepccedilatildeo de cidadania como se depreende
da leitura de vaacuterios dos seus dispositivos
Foi nesse sentido que pioneiramente estatuiu a Carta de 1988 em seu art
1ordm que a Repuacuteblica Federativa do Brasil formada pela uniatildeo indissoluacutevel dos
33
Estados e Municiacutepios e do Distrito Federal constitui-se em Estado Democraacutetico de
Direito e tem como fundamentos dentre outros a cidadania (inc II) Como jaacute
mencionado
Na mesma esteira o disposto no art 5ordm incisos LXXI (conceder-se-aacute
mandado de injunccedilatildeo sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviaacutevel o
exerciacutecio dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes agrave
nacionalidade agrave soberania e agrave cidadania) e LXXVII (satildeo gratuitas as accedilotildees de
habeas-corpus e habeas-data e na forma da lei os atos necessaacuterios ao exerciacutecio
da cidadania) No seu Tiacutetulo VIII Capiacutetulo II Seccedilatildeo I a Carta Magna de 1988
dispotildee ainda que a
Educaccedilatildeo direito de todos e dever do Estado e da famiacutelia seraacute promovida e incentivada com a colaboraccedilatildeo da sociedade visando ao pleno desenvolvimento da pessoa seu preparo para o exerciacutecio da cidadania e sua qualificaccedilatildeo para o trabalho (art 205)
Outro dispositivo em que fica bastante marcada esta nova concepccedilatildeo de
cidadania eacute o art 64 do Ato das Disposiccedilotildees Constitucionais Transitoacuterias que
dispotildee
A Imprensa Nacional e demais graacuteficas da Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios da administraccedilatildeo direta ou indireta inclusive fundaccedilotildees instituiacutedas e mantidas pelo Poder Puacuteblico promoveratildeo ediccedilatildeo popular do texto integral da Constituiccedilatildeo que seraacute posta agrave disposiccedilatildeo das escolas e dos cartoacuterios dos sindicatos dos quarteacuteis das igrejas e de outras instituiccedilotildees representativas da comunidade gratuitamente de modo que cada cidadatildeo brasileiro possa receber do Estado um exemplar da Constituiccedilatildeo do Brasil
Enfim a Constituiccedilatildeo de 1988 enriqueceu e ampliou os conceitos de cidadatildeo
e cidadania Seu entendimento agora como leciona Silva (2005)
Decorre da ideia de Constituiccedilatildeo dirigente que natildeo eacute apenas um repositoacuterio de programas vagos a serem cumpridos mas constitui um sistema de previsatildeo de direitos sociais mais ou menos eficazes em torno dos quais eacute que se vem construindo a nova ideacuteia de cidadania
De forma que natildeo mais se trata de considerar a cidadania como simples
qualidade de gozar direitos poliacuteticos mas sim de aferir-lhe um nuacutecleo miacutenimo e
irredutiacutevel de direitos (fundamentais) que devem se impor obrigatoriamente agrave accedilatildeo
dos poderes puacuteblicos
34
O ordenamento juriacutedico brasileiro consagrou aleacutem dos institutos jaacute
mencionados alguns outros mecanismos de defesa dos direitos e garantias
constitucionais da cidadania como a accedilatildeo civil puacuteblica regulada pela Lei nordm
734785 e accedilatildeo direta de inconstitucionalidade prevista no incIV do art 129 da
Constituiccedilatildeo Federal O Coacutedigo de Defesa do Consumidor o Estatuto da Crianccedila e
do Adolescente e ateacute mesmo o princiacutepio do devido processo legal que resguarda ao
cidadatildeo o acesso agrave justiccedila e direito de ser acionado judicialmente por meio de
procedimentos legais satildeo mecanismos de defesa dos direitos de cidadania
previstos constitucionalmente e garantidos na esfera poliacutetica civil e social
Pode-se observar que a cidadania comeccedilou a ser construiacuteda como resultado
de um processo de luta a partir da conscientizaccedilatildeo dos direitos e deveres do
homem Como vimos a cidadania jaacute em praacutetica em muitos paiacuteses adquire no
Brasil com a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 um novo sentido qual seja o
pressuposto do exerciacutecio pleno de um sistema de direitos e garantias
35
CAPIacuteTULO 3 - CIDADANIA COMO MECANISMO DE
TRANSFORMACcedilAtildeO SOCIAL
No momento em que a cidadania alccedila voos constitucionais e insere-se na
Carta Poliacutetica da Repuacuteblica Federativa do Brasil inicia-se o processo de
redemocratizaccedilatildeo e ganha relevo o cidadatildeo agente deste processo que tem em
suas matildeos a tarefa da construccedilatildeo de um novo tempo
Historicamente a ideia de cidadatildeo conotava o habitante da cidade ndash o
citadino ndash firma-se entatildeo tal conotaccedilatildeo na Antiguumlidade claacutessica para depois
significar aquele indiviacuteduo a quem se atribuem os direitos poliacuteticos Superada essa
acepccedilatildeo que tambeacutem vigorou nas constituiccedilotildees anteriores da Repuacuteblica do Brasil
na concepccedilatildeo moderna estaacute clara a noccedilatildeo de cidadatildeo como aquele que a quem
consiste a titularidade de direitos individuais poliacuteticos e sociais Noccedilatildeo esta
edificada com a internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos que amplia a acepccedilatildeo do
termo declarando que satildeo cidadatildeos todo aquele que habita o acircmbito da soberania
de um Estado e deste Estado recebem uma carga de direitos e tambeacutem deveres dos
mais variados
Desta forma a noccedilatildeo contemporacircnea de cidadania funda-se na dicotomia
direitos (exerciacutecios de direitos fundamentais - participaccedilatildeo) e deveres (colaboraccedilatildeo -
solidariedade) Ao lado dos direitos foram estabelecidos deveres fundamentais e
portanto tanto agentes puacuteblicos como os indiviacuteduos tecircm obrigaccedilotildees especiacuteficas
inclusive a de respeitar os direitos das demais pessoas que vivem na ordem social
sendo e promovendo mecanismos de transformaccedilatildeo social que visam uma nova
sociedade baseada na igualdade e na justiccedila
36
31 O ser cidadatildeo
Os termos indiviacuteduo ser humano pessoa e cidadatildeo satildeo geralmente tomados
como sinocircnimo o que certamente influi na proliferaccedilatildeo de incontaacuteveis significados e
ampliaccedilatildeo do termo cidadatildeo Poreacutem estas palavras apesar de se assemelharem
possuem carga semacircntica proacutepria e da compreensatildeo exata de cada uma decorre a
conceituaccedilatildeo mais acentuada da acepccedilatildeo do termo cidadatildeo como titular de direitos
e deveres resguardados pela constituiccedilatildeo paacutetria
Desta forma indiviacuteduo eacute um representante da espeacutecie aquele que eacute uacutenico
Enquanto ser humano eacute um termo mais geneacuterico ou indeterminado que diz respeito
agrave espeacutecie agrave classificaccedilatildeo ao mundo zooloacutegico Pessoa por sua vez eacute um termo
mais especiacutefico que tem a ver com o mundo civilizado ou se preferirmos com a
constelaccedilatildeo dos valores morais eacuteticos e juriacutedicos proacuteprios da civilizaccedilatildeo
A etimologia da palavra pessoa demonstra que eacute um conceito sobreposto ao conceito de Ser Humano Um refratildeo de origem juriacutedica tambeacutem nos lembra do homo plures pessoa polimorfa o ser humano capaz de desempenhar muitos papeacuteis um mesmo ser humano eacute empresaacuterio e delinquumlente eacute pai e metaluacutergico etc Persona (personagem) era a maacutescara que usavam os atores da trageacutedia grega para desempenhar seu papel Cabe portanto entender o conceito de Ser Humano ao lado do conceito de Pessoa No direito romano antigo os escravos eram seres humanos (homens) mas natildeo eram consideradas pessoas (patriacutecios) Os juristas romanos que usavam o conceito de Ser Humano o dissociavam do conceito de pessoas (CUNHA 2007)
O Ser Humano recebe uma distinccedilatildeo importante quando o consideramos
como Pessoa assim como a Pessoa recebe uma distinccedilatildeo redundante natildeo menos
importante quando a consideramos por forccedila de expressatildeo como uma pessoa
humana Subentendendo o adjetivo humano como relativo agrave eacutetica Portanto Ser
Humano natildeo eacute a mesma coisa que Pessoa como tampouco Ser Humano eacute o
mesmo que cidadatildeo este muito eacute mais proacuteximo do termo Pessoa Vejamos o quadro
ilustrativo que esquematiza e distinguem os referidos conceitos
37
QUADRO 1 ndash EVOLUCcedilAtildeO DO SER HUMANO ATEacute O CIDADAtildeO
O Ser Humano O Ser Indiviacuteduo O Ser Pessoa O Ser Cidadatildeo
A Dimensatildeo do conviacutevio social
A dimensatildeo do mercado de trabalho e
Consumo
A Dimensatildeo de encontrar-se no mundo
A dimensatildeo de intervir na realidade
O homem tornar-se Ser Humano nas relaccedilotildees
de conviacutevio social
O Ser Humano tornar-se indiviacuteduo quando
descobre seu papel e funccedilatildeo social
O Indiviacuteduo torna-se pessoa quanto toma
consciecircncia de si mesmo do outro e do
mundo
A pessoa torna-se cidadatildeo quando
interveacutem na realidade em que vive
Quem estuda o comportamento do Ser
Humano Seria a antropologia a histoacuteria
ou a sociologia
Quem estuda o comportamento do indiviacuteduo Seria a
Filosofia a sociologia ou a Psicologia
Quem estuda o comportamento da pessoa Seria a
Filosofia a sociologia ou a Psicologia
Quem estuda o comportamento do cidadatildeo Seria a
Sociologia a Filosofia ou As ciecircncias
poliacuteticas
Quem garante os direitos do Ser
Humano A Declaraccedilatildeo Universal
dos Direitos Humanos
Quem garante os Direitos do
Consumidor O Coacutedigo do Consumidor
Quem garante os Direitos da pessoa A proacutepria pessoa (amor proacuteprio ou autoestima)
Quem garante os Direitos do cidadatildeo (A Constituiccedilatildeo e suas leis
regulamentares)
Existe realmente uma natureza humana Teologicamente
afirmamos que existe a uma natureza humana
Seguindo a corrente existencialista (JP Sartre) negamos tal
natureza
Que diferenccedila existe entre o direito do
consumidor e o direito do cidadatildeo Ao
Consumidor deve ser dado o direito de
propriedade enquanto ao cidadatildeo deve ser
dado o direito de acesso
O que significa tornar-se pessoa no niacutevel
psicoloacutegico e social A pessoa eacute o indiviacuteduo que toma consciecircncia de si mesmo (ldquoTornar-
se Pessoardquo de Karl Roger)
Como podemos intervir na realidade
modificando as estruturas corruptas e injustas Quando os
direitos do cidadatildeo lhe satildeo oferecidos e o
mesmo passa a exercecirc-lo haacute
modificaccedilatildeo de comportamento
(ROSAS 2009)
O cidadatildeo eacute portanto aquele indiviacuteduo a quem a Constituiccedilatildeo confere direitos
e garantias e lhe daacute o poder do seu efetivo exerciacutecio aleacutem de meios processuais
eficientes contra a violaccedilatildeo de seu gozo ou fruiccedilatildeo por parte do poder puacuteblico
Sendo assim
A passagem do indiviacuteduo a cidadatildeo caracteriza-se pelo reconhecimento pela lei de direitos considerados fundamentais agrave realizaccedilatildeo da vida do homem como indiviacuteduo e ser social membro de uma comunidade poliacutetica e a garantia desses direitos pela forccedila comum de todos (CUNHA 2007)
38
Nas uacuteltimas deacutecadas em alguns paiacuteses inclusive no Brasil desenvolveu-se o
conceito de cidadania calcado principalmente na questatildeo do cidadatildeo-consumidor
As pessoas passam a ser vistas como cidadatildes desde que tenham dinheiro para
adquirir mercadorias e utilizar serviccedilos Eacute certo pois que serviccedilos e mercadorias
atendem a necessidades materiais e simboacutelicas das pessoas e consumi-los eacute um
dos modos de participar da vida social criar identidade e partilhar dos bens
produzidos pela humanidade e representar-se culturalmente Contudo a cidadania
enfatizada apenas como uma relaccedilatildeo de compra e venda de mercadorias e serviccedilos
assume um conteuacutedo restrito individual conformista e voltado apenas para a
aquisiccedilatildeo de bens o que se relaciona com a ideacuteia de indiviacuteduo ou seja o consumo
atende as necessidades do indiviacuteduo
Outra forma de confusatildeo acerca do conceito de cidadatildeocidadania refere-se a
equiparaccedilatildeo feita com o assistencialismo o que configura uma acentuada inversatildeo
do termo uma vez que a praacutetica do assistencialismo natildeo propicia meios de
superaccedilatildeo das desigualdades sociais Enquanto a cidadania estaacute relacionada agrave
superaccedilatildeo das desigualdades sociais e a extensatildeo da garantia dos direitos de todos
O cidadatildeo eacute sem duacutevida uma expressatildeo que precisa ser adequadamente
utilizada e vivenciada pela coletividade compreendido na dimensatildeo do ser pessoa
de ter direitos e deveres do assumir as suas liberdades e responsabilidades no seio
de uma comunidade democraacutetica equitativa solidaacuteria e intercultural
Dessa forma ser cidadatildeo implica saber viver em sociedade estando ciente
dos anseios comuns A participaccedilatildeo ativa nas decisotildees de sua comunidade
influencia modos de vida de maneira positiva ao seu redor assim torna-se
imprescindiacutevel o exerciacutecio dos direitos constitucionais adquiridos e lutar pelos que
viratildeo eacute sobretudo estar consciente de todas as atitudes tomadas em prol da
sociedade
Eacute possiacutevel nesse espaccedilo de discussatildeo falar em ldquoestar cidadatildeordquo que eacute natildeo
praticar o exerciacutecio da cidadania em nenhuma de suas formas Implica apenas em
se deixar levar pelos acontecimentos e ainda reclamar das situaccedilotildees vividas sem
nada fazer para mudar sem nenhuma perspectiva de futuro Do que concluiacutemos que
a dinacircmica de intervir na realidade eacute pressuposto de cidadania
Ser cidadatildeo eacute tarefa que requer muito do ser humano do individuo da
pessoa Requer uma alta - estima elevada uma consciecircncia solidaacuteria uma
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identidade que se reconheccedila na dinacircmica social interagindo com o outro ampliando
debates incitando justiccedila eacute sem duvida uma tomada de posiccedilatildeo que natildeo se
acomoda pelo contraacuterio se incomoda quando natildeo haacute comprometimento para o bem
comum
Natildeo eacute uma tarefa cocircmoda senatildeo muito complicada as pessoas natildeo nascem cidadatildeos mas fazem-se no tempo e no espaccedilo Na verdade natildeo eacute faacutecil exercer a liberdade e a cidadania ndash ser pessoa e ser cidadatildeo ndash por isso exige-se uma luta sem treacuteguas para erradicar assimetrias e exclusotildees socioculturais e criar cenaacuterios de esperanccedila realizaacuteveis fundamentados em valores e princiacutepios eacuteticos que requalifiquem a democracia com cidadatildeos participativos e
comprometidos ( SAEZ 1995)
Tem portanto como pressuposto uma mudanccedila de comportamento uma
tomada de posiccedilatildeo frente agrave dinacircmica social na qual estaacute inserido participando de
forma ativa e produtiva do processo de construccedilatildeo da cidadania por meio de seus
diversos canais
32 Emancipaccedilatildeo social atraveacutes da cidadania
Um Estado Democraacutetico eacute aquele que estaacute enraizado na legitimidade do
poder do povo e dele decorre seu exerciacutecio Assim o poder do povo eacute a expressatildeo
a aptidatildeo de homens e mulheres constituir autonomamente seu viver sem sucumbir
diante das instacircncias de poder Haacute nesse modus vivendi uma tutela das diferenccedilas e
pluralidades de formas de vida
Desta forma a cidadania eacute enfocada como o processo de participaccedilatildeo do
individuo ou de um grupo organizado nas mais variadas aacutereas de atuaccedilatildeo na
sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos sociais com a consciecircncia
da responsabilidade por sua proacutepria histoacuteria
Sendo a democracia o regime em que o povo governa sua caracteriacutestica
inarredaacutevel eacute a de ter o povo agrave frente do poder uma forma de autogoverno Em
assim sendo a cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia por meio de resultados
palpaacuteveis e medidas concretas tais como mudanccedilas na realidade de cada um com
melhoria de vida e conscientizaccedilatildeo da importacircncia na sociedade para o exerciacutecio
40
direto ou indireto desse poder pois se contentar com fato do direito estaacute prescrito
em lei natildeo eacute o bastante
Eacute certo poreacutem que o Estado democraacutetico somente se aperfeiccediloa na
proporccedilatildeo em que o povo age ativamente na medida em que os representantes
reflitam em seus atos os verdadeiros anseios populares Partindo dessa visatildeo a
cidadania eacute o grande fator de legitimaccedilatildeo do povo permitindo que ele aja em defesa
das instituiccedilotildees democraacuteticas
Sobre a participaccedilatildeo cumpre asseverar que este direito significa a
capacidade de ser consultado para as tomadas de decisatildeo que dizem respeito agrave
direccedilatildeo da sociedade em que vive o cidadatildeo este direito eacute acompanhado do
respeito aos deveres de contribuir para o progresso social e de acatar e respeitar o
resultado obtido em consulta coletiva
No elenco de mecanismo de exerciacutecio da cidadania estaacute o acesso ao direito e
a justiccedila que eacute fator preponderante para efetivar as garantias constitucionais
Assim passaremos a discorrer sobre a importacircncia de instrumentalizar o
cidadatildeo para um pleno exerciacutecio de seus direitos
Eacute Sabido que no Estado Democraacutetico Contemporacircneo os direitos
fundamentais constitucionalmente assegurados tecircm eficaacutecia imediata cumprindo ao
Estado garantir a todos os cidadatildeos o respeito a esses Direitos de modo concreto e
efetivo natildeo obstante as inuacutemeras desigualdades e condiccedilotildees adversas que
dificultam na praacutetica o seu exerciacutecio
Para o acesso ao direito o Estado deve desenvolver com eficiecircncia uma seacuterie
de atividades essenciais e dar efetividade a uma seacuterie de pressupostos Dentre eles
o principal eacute o conhecimento do Direito como fator preponderante pois o
desconhecimento da lei implica na praacutetica natildeo acionar a jurisdiccedilatildeo Um fato que
contribui para essa assertiva eacute baixa escolaridade da populaccedilatildeo e o analfabetismo
Muito pouco adianta a existecircncia de uma Constituiccedilatildeo apenas formal ou no
papel se ilegiacutetima ou desrespeitada Para que ocorra a eficaacutecia das normas
dispostas numa Constituiccedilatildeo ou melhor para que passe da teoria agrave praacutetica eacute
essencial que comandados e comandantes tenham conhecimento dos seus direitos
e responsabilidades assim como dos instrumentos juriacutedicos para efetivaacute-los (leis
regulamentadoras) O exerciacutecio da cidadania natildeo eacute somente um direito mas eacute
tambeacutem um dever de todos pois a omissatildeo de cada um contribui com as injusticcedilas e
as impunidades tatildeo presentes nos dias atuais
41
A Constituiccedilatildeo quando eacute justa e legiacutetima e principalmente quando eacute
respeitada eacute um poderoso instrumento de promoccedilatildeo e desenvolvimento social e
humano
Outro fator que deve ser considerado eacute a miserabilidade que coloca inuacutemeros
brasileiros a margem da sociedade em situaccedilatildeo precaacuteria os quais para Pinsky
(2004) ldquodesprovidos de esperanccedila de projeto de qualquer perspectiva de inclusatildeo
[] recorrer agrave Justiccedila humana parece algo irrealizaacutevel sofisticado e inteiramente
ficcionalrdquo
Desta forma o primeiro passo para concretizar os direitos previstos
constitucionalmente eacute a formaccedilatildeo do cidadatildeo atraveacutes da Educaccedilatildeo Baacutesica
infundindo-lhe a consciecircncia dos seus direitos e tambeacutem dos seus deveres sociais
bem como dos valores humanos fundamentais que devem ser por todos respeitados
na vida em sociedade A universalizaccedilatildeo do ensino fundamental a oferta obrigatoacuteria
de educaccedilatildeo infantil pelo Estado e o crescimento da oferta do ensino meacutedio satildeo
alguns dos aspectos que merecem destaques e foi devido agrave determinaccedilatildeo
constitucional de estabelecer o caraacuteter obrigatoacuterio do ensino fundamental e de
responsabilizar o Estado por sua implementaccedilatildeo que tem iniacutecio o processo de
avanccedilo desse segmento
A Constituiccedilatildeo estabeleceu de forma mais clara o papel dos entes federados
na educaccedilatildeo Tambeacutem aumentou a participaccedilatildeo orccedilamentaacuteria destinada ao setor
Com as novas regras para distribuiccedilatildeo de recursos adotadas apoacutes a promulgaccedilatildeo
da Carta os municiacutepios voltam a interessar-se pela educaccedilatildeo fundamental e o paiacutes
atinge a universalizaccedilatildeo do setor o que se busca agora satildeo mecanismos para
garantir a qualidade no ensino
O segundo passo nessa dinacircmica eacute o oferecimento a todos os cidadatildeos de
condiccedilotildees miacutenimas de sobrevivecircncia e de existecircncia condignas atraveacutes do acesso
ao trabalho produtivo livremente escolhido e do pagamento de remuneraccedilatildeo capaz
de prover ao sustento do trabalhador e de sua famiacutelia
Para milhotildees de cidadatildeos que vivem na ignoracircncia e na miseacuteria nenhuma
utilidade ou eficaacutecia tecircm os inuacutemeros direitos constitucionalmente assegurados Para
aqueles que se habituaram a retirar proventos da mendicacircncia da prostituiccedilatildeo de
atividades iliacutecitas ou aqueles que se sentiram forccedilados a sujeitar-se agrave exploraccedilatildeo de
outrem para sobreviver natildeo haacute nenhuma crenccedila na dignidade da pessoa humana e
no valor social do trabalho
42
A pobreza engendra inuacutemeras relaccedilotildees de dominaccedilatildeo entre pessoas e entre grupos sociais As habitaccedilotildees subumanas da periferia das grandes cidades no Brasil constituem verdadeiros quistos sociais terras sem lei controladas por xerifes ou por quadrilhas de malfeitores O Estado que natildeo for capaz de dotar essas comunidades do acesso efetivo agrave Educaccedilatildeo agrave Sauacutede agrave Seguranccedila e agrave Paz Puacuteblicas e ao trabalho liacutecito certamente natildeo lhes estaraacute assegurando o acesso ao Direito porque a populaccedilatildeo abrutalhada pela miseacuteria e coagida pelo medo natildeo desfruta da miacutenima eficaacutecia concreta dos
seus direitos fundamentais (GRECO 2009)
Evidencia que acesso ao Direito nas sociedades modernas mesmo nas
economicamente desenvolvidas exige o fortalecimento dos grupos intermediaacuterios e
do associativismo O cidadatildeo natildeo estaacute mais em condiccedilotildees de defender-se
individualmente das ameaccedilas e lesotildees aos seus direitos perpetradas por pessoas ou
grupos que se encontram em posiccedilatildeo de vantagem nas relaccedilotildees econocircmicas e
sociais
O sindicato veio exercer este importante papel em relaccedilatildeo ao trabalhador
empregado Mas hoje as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo natildeo satildeo apenas as que existem no
mundo do trabalho mas as que se revelam em todos os tipos de relaccedilotildees humanas
relaccedilotildees de consumo relaccedilotildees de vizinhanccedila relaccedilotildees locatiacutecias relaccedilotildees
comerciais internas e internacionais e natildeo com menor relevacircncia relaccedilotildees entre os
particulares e o Estado entre outras
Eacute preciso assegurar esse equiliacutebrio na praacutetica o que somente tornar-se-aacute
possiacutevel atraveacutes da articulaccedilatildeo dos sujeitos que se encontram em posiccedilatildeo de
desvantagem em organizaccedilotildees e associaccedilotildees que pela uniatildeo de esforccedilos
consigam compensar o desequiliacutebrio existente e dar aos indiviacuteduos e grupos a forccedila
e a capa de proteccedilatildeo necessaacuterias para ombrearem-se aos seus adversaacuterios e
lutarem pelos seus direitos ou interesses em igualdade de condiccedilotildees
Para Greco (2009) o pressuposto indispensaacutevel do acesso ao Direito eacute a
transparecircncia do Estado no trato de questotildees que possam afetar a esfera de
interesses dos cidadatildeos e complementa que aos cidadatildeos eacute indispensaacutevel
assegurar o direito de influir eficazmente nas decisotildees do poder puacuteblico atraveacutes dos
mais diversos instrumentos de participaccedilatildeo democraacutetica Ele afirma que
A relaccedilatildeo Estado-cidadatildeo natildeo eacute mais a relaccedilatildeo soberano-suacutedito O cidadatildeo tem o direito de exigir do Estado o pleno respeito ao seu
43
patrimocircnio juriacutedico Lamentavelmente a crise do Estado tem levado o Brasil a aceitar-se como normal que as pessoas juriacutedicas de Direito Puacuteblico natildeo cumpram devidamente as prestaccedilotildees positivas de que satildeo devedoras perante os particulares cabendo a estes demandar na Justiccedila para obtecirc-las (GRECO 2009)
Essa visatildeo deformada da responsabilidade do Estado ocorre o
desvirtuamento da justiccedila Por outro lado agrave violaccedilatildeo da garantia constitucional da
tutela jurisdicional efetiva (Constituiccedilatildeo artigo 5 inciso XXXV) disciplina a lei natildeo
excluiraacute da apreciaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio lesatildeo ou ameaccedila ao direito Assim o
acesso ao Direito natildeo estaraacute concretamente assegurado se o Estado natildeo oferecer a
todo cidadatildeo a possibilidade de receber aconselhamento juriacutedico a respeito dos seus
direitos
Constituiccedilatildeo de 1988 no artigo 5deg inciso LXXIV assegurou a todos
ldquoassistecircncia juriacutedicardquo a englobar assistecircncia judiciaacuteria e assessoramento juriacutedico
extrajudicial Conforme Greco (2009) ldquoeacute preciso que esse direito seja assegurado
na praacutetica Uma vez que na vida moderna o Direito tornou-se excessivamente
complexordquo Ainda no dizer do autor a consciecircncia juriacutedica do homem comum que
deve ser adquirida na famiacutelia e na escola natildeo eacute mais suficiente para a tomada de
decisotildees na vida diaacuteria das pessoas Todas as pessoas mantecircm complexas relaccedilotildees
juriacutedicas com instituiccedilotildees financeiras com fornecedores de bens e de serviccedilos etc
Nessas relaccedilotildees juriacutedicas com frequecircncia os cidadatildeos tecircm de tomar decisotildees
raacutepidas O cidadatildeo que tem meios procura um advogado particular para assessoraacute-
lo Ao pobre o Estado deve assegurar o mesmo direito em plenitude
Sem duacutevida o uacuteltimo pressuposto do acesso ao Direito eacute o acesso agrave Justiccedila
no sentido de acesso a um tribunal estatal imparcial previamente instituiacutedo como
competente para a soluccedilatildeo de qualquer litiacutegio a respeito de interesse que se afirme
juridicamente protegido ou para a praacutetica de qualquer ato que a lei subordine agrave
aprovaccedilatildeo autorizaccedilatildeo ou homologaccedilatildeo judicial
Se o cidadatildeo tem consciecircncia dos seus direitos se o Estado lhe fornece
todas as condiccedilotildees para livremente exercecirc-los mas algum outro cidadatildeo ou algum
oacutergatildeo do proacuteprio Estado impede ou dificulta esse exerciacutecio cabe ao poder puacuteblico
pocircr agrave disposiccedilatildeo do cidadatildeo lesionado ou ameaccedilado a jurisdiccedilatildeo necessaacuteria para
assegurar o pleno acesso a tal direito
Atingimos eacute certo um estaacutegio de desenvolvimento do Direito Humanitaacuterio que
natildeo mais nos permite conformar-nos com uma realidade distante do padratildeo de
44
convivecircncia humana que outras naccedilotildees jaacute alcanccedilaram O exerciacutecio pleno de
cidadania seraacute obra de mais de uma geraccedilatildeo Mas se trabalharmos com firmeza
certamente os jovens de hoje poderatildeo legar aos seus descendentes a emancipaccedilatildeo
cidadatilde um paiacutes melhor e uma sociedade mais justa e democraacutetica
33 O municiacutepio como acircmbito de exerciacutecio de cidadania
Historicamente o Municiacutepio enquanto unidade poliacutetico-administrativa surgiu
conforme descreve Berardi (2004) com a Repuacuteblica Romana interessada em
manter a dominaccedilatildeo paciacutefica das cidades conquistadas pela forccedila dos exeacutercitos
Sua origem mais de natureza socioloacutegica do que poliacutetica adveacutem do espiacuterito
associativo do homem e de suas relaccedilotildees de vizinhanccedila
Eacute pois a menor unidade territorial de Federaccedilatildeo cuja criaccedilatildeo reflete a base
da organizaccedilatildeo poliacutetica administrativa da Naccedilatildeo Portanto sua funccedilatildeo administrativa
historicamente vem assentada no princiacutepio do direito natural
O artigo primeiro da Constituiccedilatildeo Federal de 1998 estabelece que o
Municiacutepio ao lado dos Estados e do Distrito Federal formam a Republica Federativa
do Brasil que se constitui em Estado Democraacutetico de Direito O municiacutepio tem assim
um poder relevante para a aplicaccedilatildeo da democracia direta iniciada e fortalecida em
niacutevel local Diversos pensadores chegaram a afirmar que a descentralizaccedilatildeo de
poder resultante da constituiccedilatildeo Cidadatilde era antes de tudo uma conquista dos
Municiacutepios sendo eles os berccedilos da perpetuaccedilatildeo da Repuacuteblica e da Democracia
efetivamente por serem o uacutenico niacutevel de governo possuidores de respaldo e
localizaccedilatildeo fiacutesica ou seja solo municipal
Eacute certo que a Carta Magna de 1988 consolidou significativas inovaccedilotildees para a
vida municipal de forma que o Municiacutepio passou a constituir um dos entes da
federaccedilatildeo tratando-o como unidade dotada de autonomia poliacutetica expressa na
capacidade de poder elaborar a sua Lei Orgacircnica fugindo assim da tutela dos
estados que ateacute entatildeo eram considerados como uacutenicos componentes da federaccedilatildeo
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A Lei Orgacircnica Municipal traz em seu bojo aleacutem da organizaccedilatildeo
administrativa do Municiacutepio a restauraccedilatildeo do Poder Legislativo municipal definindo
a diversificaccedilatildeo normativa que natildeo existia nas leis organizacionais outorgadas pelo
Estado reflexo do poder constituinte outorgados aos Municiacutepios pela Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 como consequecircncia do efetivo exerciacutecio do conceito de Estado
Democraacutetico de Direito
O Municiacutepio enquanto ente federativo tem atualmente a responsabilidade de
ordenar o seu desenvolvimento social e a garantia do bem estar de seus habitantes
executando poliacuteticas puacuteblicas de accedilotildees a serem empreendidas na consolidaccedilatildeo
democraacutetica do Estado
Fundada no elemento participaccedilatildeo o exerciacutecio de cidadania amplamente
citado encontra sua efetividade no municiacutepio Pois eacute nesse acircmbito de localizaccedilatildeo
que as pessoas mantecircm um contato direto com os poderes instituiacutedos suas
necessidades imediatas e mediatas satildeo objetos da disciplina da Lei que visa o bem
comum base do Estado democraacutetico de Direito
Baseado na maacutexima do municipalista e defensor da descentralizaccedilatildeo poliacutetica
Franco Motoro sabiamente proferiu que ldquoningueacutem vive na Uniatildeo ou no Estado As
pessoas vivem no Municiacutepiordquo Assim a cidadania encontra seu melhor espaccedilo de
realizaccedilatildeo na comunidade onde convive A vida em comunidade gera anseios
comuns sentimentos comuns uma vez que a convivecircncia propicia que as pessoas
se conheccedilam e se reconheccedilam como membros de uma mesma realidade
De acordo com Harvey (1992) ldquoa globalizaccedilatildeo provoca anonimato enquanto
comunidade cultiva solidariedaderdquo o que implica participaccedilatildeo para o exerciacutecio de
cidadania
Tudo o que acontece no mundo seja no meu paiacutes na minha cidade ou no meu bairro acontece comigo Entatildeo eu preciso participar das decisotildees que interferem na minha vida Um cidadatildeo com um sentimento eacutetico forte e consciecircncia da cidadania natildeo deixa passar nada natildeo abre matildeo desse poder de participaccedilatildeo (Herbert de Souza Betinho)
Com esse embasamento natildeo se pode perder de vista que eacute nas relaccedilotildees
diaacuterias de oposiccedilatildeo ou solidariedade que as pessoas exercem cidadania Na relaccedilatildeo
do com o outro com os poderes ao estabelecer com a vida social e puacuteblica uma
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convivecircncia posto que cidadania eacute tarefa que natildeo termina natildeo eacute um conceito
pronto tatildeo pouco acabado enquanto seres inacabados que somos estaremos
buscando descobrindo criando e tomando consciecircncia mais ampla dos direitos
O desafio eacute construir um novo discurso sobre cidadania atraveacutes de uma
praacutetica poliacutetica sustentada isto eacute realizada em dois niacuteveis
O primeiro niacutevel na base atraveacutes de construccedilatildeo das capacidades e do poder
proacuteprio da populaccedilatildeo o que envolve inevitavelmente uma mudanccedila de atitude na
busca para garantir seus direitos utilizando-se do grau de autonomia local
Essa atitude conceberia agrave democracia participativa como uma poliacutetica paralela
de intervenccedilatildeo social criando e mantendo novos espaccedilos para a tomada de
decisotildees ou seja para o auto-governo pela populaccedilatildeo nas mateacuterias que afetam
diretamente suas vidas
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade
O segundo niacutevel um governo com o povo e natildeo apenas para o povo fundado
nos ditames constitucionais valorizando o sentimento da sociedade no exerciacutecio da
governabilidade de modo que o balizamento das accedilotildees de governo deixaria de estar
no proacuteprio governo e passaria a estabelecer-se a partir do pensar da sociedade Um
governo que se pergunta o que se deve fazer para ouvir com a maior fidelidade
possiacutevel a sociedade suas instituiccedilotildees representativas e o cidadatildeo Pois as
prioridades da gestatildeo deveriam ser definidas pela sociedade e natildeo mais pelo
governo
Portanto nesses termos eacute preciso considerar que as praacuteticas da
administraccedilatildeo puacuteblica sejam democratizadoras e inclusivas inspiradas nos
princiacutepios da legalidade impessoalidade moralidade publicidade e eficiecircncia Esta
uacuteltima buscou estabelecer uma Administraccedilatildeo Puacuteblica mais eficiente no sentido de
que o cidadatildeo como destinataacuterio dos serviccedilos puacuteblicos que o Estado deve prestar
receba-os com maior qualidade e menor custo para o eraacuterio puacuteblico
Para a consecuccedilatildeo desse governar com o povo alguns pontos devem ser
revistos A mudanccedila implica na necessidade de adequaccedilatildeo reorganizaccedilatildeo
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reformulaccedilatildeo Para isso se faz premente em face dos novos e modernos conceitos
de gestatildeo puacuteblica a superaccedilatildeo do tradicional vezo burocraacutetico que vem convertendo
a Administraccedilatildeo nas palavras Dromi (1995) numa cara ldquomaacutequina de impedirrdquo fiel
ldquocoacutedigo do fracassordquo que dispotildee ldquoartigo primeiro natildeo pode artigo segundo em
caso de duacutevida abstenha-se artigo terceiro se eacute urgente espere artigo quarto
sempre eacute mais prudente natildeo fazer nadardquo numa posiccedilatildeo natildeo burocraacutetica e sim
democraacutetica de considerar que organizaccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica inclui a
praacutetica de ver os cidadatildeos como membros plenos da comunidade poliacutetica tendo
acesso e exercitando direitos as que promovem a organizaccedilatildeo da populaccedilatildeo em
torno de temas de interesse comum as que incluem o controle social sobre a
gestatildeo o debate amplo e informado sobre questotildees de governo e que abrem agrave
populaccedilatildeo as decisotildees sobre estas questotildees Como leciona e Barrientos (2000)
Tratam-se de praacuteticas que natildeo buscam somente melhorar a eficiecircncia administrativa das diferentes organizaccedilotildees puacuteblicas mas que incorporam no seu processo de gestatildeo a dimensatildeo ativa da cidadania isto eacute ldquoque facilitam as iniciativas e responsabilidades de todos os envolvidos[] estabelecendo pontes entre Estado e sociedade civil
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade Acreditamos
que o ponto de partida eacute a atitude aliada agrave solidariedade e ao espiacuterito coletivo Pois
governo e cidadatildeos juntos haveratildeo de cumprir um novo papel no processo de
desenvolvimento como agentes de uma nova cultura
Como afirma Peter Drucke
A parceria comunitaacuteria seraacute um dos verdadeiros setores em crescimento das economias desenvolvidas Surge da necessidade de uma participaccedilatildeo mais direta e efetiva da comunidade nas grandes questotildees da vida social pois natildeo existe ningueacutem melhor que o cidadatildeo para saber o que ele quer para si para sua famiacutelia e para sua comunidade (apud RAMOS 1990)
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O envolvimento efetivo da sociedade nas questotildees sociais natildeo eacute apenas uma
postura moderna Significa antes de tudo uma atitude digna de todos aqueles que
desejam exercer sua cidadania contribuindo para um paiacutes melhor e em especial
para uma sociedade mais justa fraterna e solidaacuteria
Na histoacuteria observa-se a grande coragem das pessoas em construir o
reconhecimento delas proacuteprias e de seus direitos sempre buscando a participaccedilatildeo e
defendendo os Direitos Humanos Sem duacutevida a maior ecircnfase que deve ocorrer
para a construccedilatildeo real da cidadania eacute uma mudanccedila na sociedade O melhor a ser
feito eacute reforccedilar a organizaccedilatildeo democraacutetica buscando novas formas de participaccedilatildeo
social pois cidadania natildeo se resume ao poder de votar ou ser votado mas eacute sempre
na efetiva participaccedilatildeo popular pois somente com isso haacute a verdadeira
conscientizaccedilatildeo e o comprometimento daquele que passa a se sentir cidadatildeo
abandonando-se velhos viacutecios da poliacutetica representativa
Desse modo a participaccedilatildeo do povo no momento das reivindicaccedilotildees das
discussotildees e apreciaccedilotildees de projetos que visem agrave melhoria da comunidade local a
exigecircncia de transparecircncia na administraccedilatildeo da coisa puacuteblica dentre outras eacute quem
daraacute embasamento para as verdadeiras conquistas sociais no Municiacutepio que geram
saudaacuteveis formas de pressatildeo por efetivas poliacuteticas puacuteblicas de inclusatildeo social
gerando o fim do clientelismo poliacutetico tatildeo pejorativo e comum em nossa realidade e
cultura poliacutetica
Somente a participaccedilatildeo social eacute que iraacute causar uma real democratizaccedilatildeo do
poder A afirmaccedilatildeo da cidadania eacute pressuposto para a realizaccedilatildeo dos Direitos
Humanos pois os homens natildeo nascem naturalmente iguais Inclusive para que
ocorra a realizaccedilatildeo dos referidos direitos eacute necessaacuterio tambeacutem que exista um
espaccedilo puacuteblico que seja realmente democraacutetico e acessiacutevel possibilitando a
participaccedilatildeo de todos e esse espaccedilo eacute certamente o municiacutepio
Na praacutetica um forte instrumento de cidadania para atender as necessidades
coletivas eacute o orccedilamento participativo previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal que
determina expressamente a realizaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas e a participaccedilatildeo
popular nos processos de elaboraccedilatildeo e conduccedilatildeo dos orccedilamentos como forma de
incentivo agrave preparaccedilatildeo e execuccedilatildeo de planejamentos que envolvam diretamente o
povo A Lei veio incentivar a sua propagaccedilatildeo para todos os entes federativos tendo
em conta que se trata de uma tendecircncia mundial por legitimar as escolhas e
fortalecer o princiacutepio da transparecircncia
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Os meios de acesso do cidadatildeo junto aos Poderes Puacuteblicos eacute uma realidade
no Estado Democraacutetico de Direito brasileiro a exemplo das sessotildees do Poder
Legislativo que satildeo puacuteblicas ficando abertas a todos que delas quiserem participar
Emite-se uma pauta antes do comeccedilo da sessatildeo com a preacutevia dos debates Em
niacutevel municipal verifica-se um acompanhamento mais incisivo sobre as sessotildees das
Cacircmaras de Vereadores como forma de pressatildeo para aprovaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees
da comunidade avaliaccedilatildeo do desempenho e aceitaccedilatildeo de propostas orccedilamentaacuterias
e atuaccedilatildeo dos poliacuteticos bem como entendimento das funccedilotildees do Poder Legislativo
A Constituiccedilatildeo Federal assegura desde 1988 a possibilidade de se oferecer
peticcedilatildeo agraves Mesas Legislativas como forma de pedir informaccedilotildees sobre andamento
de projetos ou relatoacuterios encaminhados aos chefes do Poder Executivo Em niacutevel
municipal pode ser utilizada a Tribuna Livre como instrumento para denuacutencias de
problemas ou discussatildeo de um tema ou mesmo para apresentar sugestotildees sendo
regulado pela Lei Orgacircnica Municipal e pelo Regimento Interno da Cacircmara
A convocaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas tambeacutem possui previsatildeo constitucional
no art 58 sect 20 inciso II em niacutevel federal As comissotildees podem em razatildeo da
mateacuteria de sua competecircncia realizar audiecircncias puacuteblicas com entidades da
sociedade civil E nada obsta que estejam previstas formas de articulaccedilatildeo da
sociedade civil com os Presidentes das Comissotildees da Cacircmara no seu Regimento
Interno em acircmbito municipal
Os dispositivos da Constituiccedilatildeo Federal que dispotildeem sobre a forma de
participaccedilatildeo direta do cidadatildeo e da sociedade civil no processo democraacutetico natildeo se
pode negar que trouxe novas perspectivas De modo geral podemos citar
Art 29 A lei orgacircnica dos Municiacutepios tem que observar entre os seus
preceitos ldquocooperaccedilatildeo das associaccedilotildees representativas no planejamento municipalrdquo
Art 31 As contas dos municiacutepios ficaratildeo durante 60 (sessenta) dias
anualmente a disposiccedilatildeo de qualquer contribuinte para exame e apreciaccedilatildeo o qual
poderaacute questionar-lhes a legitimidade nos termos da lei
Art37 sect 3ordm (EC-1998) A lei disciplinaraacute as formas de participaccedilatildeo do usuaacuterio
na administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta regulando especialmente
I- as reclamaccedilotildees relativas a prestaccedilatildeo dos serviccedilos puacuteblicos em geral asseguradas
a manutenccedilatildeo de serviccedilo de atendimento ao usuaacuterio e a avaliaccedilatildeo perioacutedica externa
e interna da qualidade dos serviccedilos
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II- o acesso dos usuaacuterios a registros administrativos e a informaccedilatildeo sobre atos de
governo observado o disposto no art 5ordm X e XXXIII
III- a disciplina da representaccedilatildeo conta o exerciacutecio negligente ou abusivo de cargo
emprego ou funccedilatildeo na administraccedilatildeo puacuteblica
Art 74 sect 2ordm Qualquer cidadatildeo partido poliacutetico associaccedilatildeo ou sindicato eacute
parte legiacutetima para na forma de lei denunciar irregularidades ou ilegalidades perante
o Tribunal de Contas da Uniatildeo
Art194 paraacutegrafo uacutenico Compete ao Poder Puacuteblico nos termos da lei
organizar a seguridade social com base nos seguintes objetivos ()
VII ndash caraacuteter democraacutetivo descentralizado na administraccedilatildeo mediante gestatildeo
quadripartite com participaccedilatildeo dos trabalhadores dos empregados e dos
aposentados e do Governo nos oacutergatildeos colegiados nos oacutergatildeos colegiados
Art 198 As accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede integram uma rede
regionalizada e hierarquizada o constituem um sistema uacutenico organizado de acordo
com as seguintes diretrizes
III ndash participaccedilatildeo da comunidade
Art 202 sect 6ordm A lei complementa a que se refere o sect 4ordm deste artigo
estabeleceraacute os requisitos para a designaccedilatildeo dos membros das diretorias das
entidades fechadas de previdecircncia privada e disciplinaraacute a inserccedilatildeo dos
participantes nos colegiados e instacircncias de decisatildeo em que seus interesses sejam
objeto de discussatildeo e deliberaccedilatildeo
Art 204 As accedilotildees governamentais na aacuterea de assistecircncia social seratildeo
organizadas com base nas seguintes diretrizes
II ndash Participaccedilatildeo da populaccedilatildeo por meio de organizaccedilotildees representativas na
formulaccedilatildeo das poliacuteticas e no controle das accedilotildees em todos os niacuteveis
O protagonista na concretizaccedilatildeo dos direitos humanos e na ampliaccedilatildeo da cidadania eacute um sujeito coletivo de um trabalho sempre inacabado eis que se tratam de tarefas e conquistas cotidianas e gradativas obras que soacute podem ser realizada a muitas matildeos no partilhar e compartilhar da vida (COSTA NETO 2010)
A ampliaccedilatildeo da cidadania requer a consciecircncia de que os direitos pressupotildeem
deveres de maneira que os direitos de um indiviacuteduo satildeo garantidos a partir do
cumprimento dos deveres dos demais componentes da sociedade
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34 A necessaacuteria superaccedilatildeo de velhos paradigmas
Como se sabe em 1988 foi aprovada a Constituiccedilatildeo mais liberal e
democraacutetica do Brasil chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo Assim ampliou-se de
forma significativa o campo dos direitos e garantias fundamentais No que diz
respeito a tal mateacuteria eacute considerada como uma das mais avanccediladas do mundo No
seu preacircmbulo adota o modelo de um Estado democraacutetico de Direito destinado a
garantir o exerciacutecio dos direitos sociais e individuais a liberdade a seguranccedila o
bem-estar o desenvolvimento a igualdade e a justiccedila eleitos como valores
supremos de uma sociedade fraterna pluralista e sem preconceitos
Para a construccedilatildeo democraacutetica da cidadania no Brasil contemporacircneo
salienta-se de ela deve passar de uma democracia representativa para uma
cidadania que efetivamente molde a democracia ou seja uma cidadania instituinte
da democracia
No acircmbito constitucional positivo cidadania pressupotildee o exerciacutecio de todos
os direitos fundamentais e garantias que caracterizam o Estado democraacutetico de
Direito Quando se fala em cidadania eacute no sentido de reafirmar o direito pela plena
realizaccedilatildeo do indiviacuteduo do cidadatildeo dos entes coletivos e de sua emancipaccedilatildeo nos
espaccedilos da sociedade Estatildeo sempre intimamente ligados os conceitos de
cidadania democracia e direitos humanos sendo que um remete ao outro e seus
conteuacutedos se interligam ou seja a cidadania natildeo iraacute ocorrer sem que ocorra a
realizaccedilatildeo dos Direitos Humanos da mesma forma que os direitos humanos natildeo
seratildeo concretizados se natildeo houver o exerciacutecio da cidadania
Na evoluccedilatildeo histoacuterica tais categorias se desenvolveram de forma conjunta
com o Estado Representam noccedilotildees desejaacuteveis de relaccedilotildees humanas que se espera
sejam instituiacutedas Satildeo os elementos basilares na nova ordem social e que a
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 pretendeu edificar Poreacutem a democracia poliacutetica natildeo
resolveu os problemas econocircmicos mais seacuterios como a desigualdade e o
desemprego Continuam muito seacuterios os problemas da aacuterea social principalmente
na educaccedilatildeo nos serviccedilos de sauacutede e saneamento como tambeacutem e
principalmente quanto agrave seguranccedila puacuteblica
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A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 em seu artigo 6ordm e em outros artigos no texto
constitucional ampliou e muito os Direitos Sociais proibiu discriminaccedilotildees Assim
indicadores baacutesicos de qualidade de vida apontam que houve uma melhoria A
mortalidade infantil por exemplo caiu de maneira significativa nos uacuteltimos anos A
esperanccedila de vida ao nascer passou de 60 anos em 1980 para 70 em 2000 Poreacutem
o maior progresso foi na aacuterea da educaccedilatildeo fundamental que eacute considerado fator
decisivo para a cidadania pois a taxa de analfabetismo caiu consideravelmente
entretanto existem muitos problemas no campo educacional como a repetecircncia e
com relaccedilatildeo a desigualdade social entre as regiotildees
A grande concentraccedilatildeo da riqueza nacional nas matildeos de poucos reflete a
desigualdade e causa a pobreza e a miseacuteria ao passo que dificulta o acesso do
cidadatildeo agrave justiccedila e consequentemente ao seu estado de cidadania pleno
Dentre os fundamentos no qual se baseiam o Estado democraacutetico de Direito
no Brasil destaca-se justamente a cidadania e a dignidade humana conforme artigo
1ordm incisos II e III da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Entatildeo construir uma sociedade
livre justa e solidaacuteria garantir o desenvolvimento nacional erradicar a pobreza e a
marginalizaccedilatildeo reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de
todos sem preconceitos de origem raccedila sexo cor idade ou quaisquer outras
formas de discriminaccedilatildeo satildeo os objetivos fundamentais do Estado Brasileiro
conforme art 3ordm da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
O cenaacuterio de globalizaccedilatildeo econocircmica mundial tambeacutem traacutes seacuterios obstaacuteculos
para a construccedilatildeo da cidadania A globalizaccedilatildeo da economia em ritmo acelerado
provoca grandes mudanccedilas nas relaccedilotildees entre Estado sociedade e naccedilatildeo que
eram sempre o centro da noccedilatildeo e da praacutetica da cidadania ocidental O foco das
mudanccedilas e das preocupaccedilotildees estaacute em dois focos especiacuteficos a reduccedilatildeo do papel
central do Estado como fonte de direitos e local para a participaccedilatildeo e o
deslocamento da naccedilatildeo como principal fonte de identidade coletiva
Para que ocorra efetiva mudanccedila a melhor proposta eacute no sentido de
mudanccedila na organizaccedilatildeo da sociedade pois a inversatildeo da sequecircncia dos direitos
fez com que ocorra o reforccedilo da supremacia do Estado Para que ocorra a
consolidaccedilatildeo democraacutetica e cidadatilde eacute necessaacuterio reforccedilar a organizaccedilatildeo da
sociedade para assim dar embasamento social ao poder poliacutetico ou seja
finalmente democratizar o poder e estabelecer de forma plena a Cidadania
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CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A Constituiccedilatildeo que nasce com ldquocheiro de amanhatilde e natildeo de mofordquo nas
palavras do Deputado Ulisses Guimaratildees tem em seu relevo a esperanccedila de um
povo que sonhava com a erradicaccedilatildeo da repressatildeo militar e natildeo soacute isso um povo
que sonhava com a liberdade em suas diversas manifestaccedilotildees em suas mais
significativas formas de representaccedilatildeo e sobretudo com um paiacutes voltado para a
democracia e justiccedila social
Ao povo brasileiro foi concedido o poder de governar e nesse contexto de
mudanccedila a ldquodemocracia eacute o governo do povo pelo povo e para o povordquo na
conceituaccedilatildeo ceacutelebre de Abraham Lincoln E consoante estabelece o paraacutegrafo
uacutenico do art 1ordm da Carta cidadatilde de 1988 ldquotodo poder emana do povo que o exerce
por meio de representantes eleitos ou diretamenterdquo
No entanto natildeo basta que a fonte de poder seja o povo a democracia vem
significar a efetiva participaccedilatildeo do povo nas decisotildees e destino do Estado e sua
consolidaccedilatildeo eacute a proacutepria cidadania pois eacute o cidadatildeo que pensa e se auto define
diante da condiccedilatildeo soacutecio-histoacuterica O cidadatildeo tem portanto o poder de transformar
a realidade social segundo seu pensamento e accedilatildeo
Natildeo se pode negar que a Carta de 1988 foi a que apresentou maior
legitimidade popular que abriu caminhos apontando um novo tempo
Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita Se fosse perfeita seria irreformaacutevel Ela proacutepria com humildade e realismo admite ser emendada ateacute por maioria mais acessiacutevel dentro de cinco anos Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita mas seraacute uacutetil e pioneira e desbravadora Seraacute luz ainda que de lamparina na noite dos desgraccedilados Eacute caminhando que se abrem os caminhos Ela vai caminhar e abri-los Seraacute redentor o que penetrar nos bolsotildees sujos escuros e ignorados da miseacuteria (Ulysses Guimaratildees)
Mesmo natildeo sendo a constituiccedilatildeo perfeita sem duacutevida foi a que trouxe
esperanccedila ao povo brasileiro com a sua promulgaccedilatildeo surgiram o ldquohaacutebeas datardquo o
mandado de injunccedilatildeo e o mandado de seguranccedila coletivo - todos remeacutedios judiciais
de iacutendoles constitucionais serviacuteveis para prevenir e combater diversas tentativas de
abuso contra a pessoa humana Outrossim o objeto da accedilatildeo popular foi ampliado
Atualmente qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima para propor a mencionada accedilatildeo
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popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de entidade de que o
Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e ao patrimocircnio
histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de custas
judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia Nesse rol de forma decisiva houve a
ampliaccedilatildeo tambeacutem dos direitos sociais
Assim a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconhece e assegura uma seacuterie de
escudos protetivos aos cidadatildeos Em sua essecircncia os direitos fundamentais
ganham forma De modo que podemos assegurar que hoje o nosso Estado eacute uma
organizaccedilatildeo centrada no ser humano visto que tem a dignidade da pessoa humana
como um fundamento da Repuacuteblica Federativa do Brasil
Apesar das inuacutemeras dificuldades o Estado Democraacutetico de Direito fundado
na cidadania constituiu para o povo uma nova identidade ndash o que em outras eacutepocas
natildeo existia
A Constituiccedilatildeo circunscreve toda a organizaccedilatildeo poliacutetica estatal no intuito
maior de criar no consciente coletivo a vontade livre e determinada de desenvolver
padrotildees de condutas destinados a elevar e promover a auto-estima de toda a
comunidade paacutetria
Foi nesse sentido que estatui em seu artigo 1ordm a cidadania como fundamento
do Estado Democraacutetico de Direito ampliando e enriquecendo o tal conceito Cada
eacutepoca produziu praacuteticas e reflexotildees muito distintas sobre o tema cidadania A
definiccedilatildeo de cidadania que vem sofrendo alteraccedilotildees ao longo do tempo obedecendo
a um processo histoacuterico de conquistas sociais eacute compreendida atualmente como
um processo de participaccedilatildeo do indiviacuteduo ou de um grupo organizado nas mais
variadas aacutereas de atuaccedilatildeo da sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos
e sociais
A cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia disso natildeo haacute duvidas e se
efetiva como mudanccedilas na realidade de cada um com melhoria de vida e
conscientizaccedilatildeo da importacircncia do cidadatildeo dado que eacute um processo em
permanente construccedilatildeo Natildeo haacute como defender uma qualidade de vida sem a
preservaccedilatildeo da cidadania em todos os seus acircmbitos Nesse sentido a efetiva
proteccedilatildeo desse aspecto basilar torna-se essencial no que tange uma assistecircncia
juriacutedica completa
No contraponto do direito estatildeo os deveres que encontramos sua realizaccedilatildeo
tambeacutem na participaccedilatildeo observando que o cidadatildeo eacute responsaacutevel pelo advir de
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suas accedilotildees A participaccedilatildeo reflete um caraacuteter de natildeo comodismo de atenccedilatildeo agravequilo
que eacute particular e coletivo tendo como finalidade preciacutepua o bem comum
Construir cidadania hoje eacute imperativo para a sociedade pois dessa
construccedilatildeo depende o amanhatilde Estamos diante da Constituiccedilatildeo que se propotildee a
resguardar o amanhatilde sem perder de vista que ele comeccedila hoje agora e nisso a
Carta Poliacutetica traacutes consigo a certeza do despertar dessa consciecircncia a consciecircncia
cidadatilde Ela eacute a semente plantada em terra feacutertil que gera frutos diariamente e se
renova a cada estaccedilatildeo na dinacircmica da vida Talvez tenha sido esse o cheiro de
frutas alcanccedilado pelo constituinte ao anunciar que a carta tem ldquocheiro do amanhatilderdquo
A responsabilidade pelo exerciacutecio desses direitos belissimamente elencados
depende de todos e de cada um pois somos o terreno feacutertil que produziraacute o fruto de
uma sociedade fraterna
Eacute comum na praacutetica apenas responsabilizarmos o Estado em sentido lato pelo
natildeo exerciacutecio dos direitos do cidadatildeo Vale lembrar nesse contexto das palavras de
J Kennedy o qual disse ldquonatildeo pergunte o que o Estado pode fazer por vocecirc mas o
que vocecirc pode fazer pelo Estadordquo haacute nessa frase um forte traccedilo de cidadania pois
quando o cidadatildeo reivindica critica opina o que ele daacute em contrapartida ao paiacutes eacute
solidificado visto que eacute nas relaccedilotildees familiares em comunidade que se estabelece e
se fortalece os viacutenculos de solidariedade de uma sociedade que perpetua valores
condutas que as leis reguladoras natildeo conseguem por si soacute estabelecer
A concretizaccedilatildeo do ideal de uma qualidade de vida merecida a todos os seres
humanos sem restriccedilotildees requer entretanto um esforccedilo coletivo Dessa forma haacute
necessidade de suprir as muitas carecircncias advindas das desigualdades sociais e de
condiccedilotildees do descaso do poder puacuteblico e da proacutepria conceituaccedilatildeo antiga de
cidadania que ainda eacute concebida por muitos no presente
Em suma nosso trabalho procurou traccedilar a evoluccedilatildeo da cidadania e ao
mesmo tempo buscou traccedilar uma melhor caracterizaccedilatildeo do cidadatildeo agrave luz da nossa
Constituiccedilatildeo que eacute por fim a essecircncia da Magna Carta O alcance da cidadania
enquanto mecanismo de acesso a direitos foi colocado no acircmbito da pessoa
enquanto titular de direitos e num paralelo defendemos que o municiacutepio eacute o espaccedilo
de atuaccedilatildeo e exerciacutecio de cidadania dada a proximidade do cidadatildeo com as
instituiccedilotildees oacutergatildeos entidades e tudo o mais que o cerca na esfera de vivecircncia Eacute na
praccedila que discute a poliacutetica local e nacional que se indigna com as dificuldades e as
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barreiras de acesso aos seus direitos Eacute no municiacutepio que se inicia todo um vieacutes de
desdobramento para garantir direitos
Por fim natildeo obstante resta dizer sobre o tema que os caminhos e
paradigmas que se intentou percorrer sobre cidadania como mecanismo
transformador da sociedade tem ingrediente ainda a se descortinar para o
propoacutesito valioso do bem comum Pois bem a ideia de bem comum tem como
fundamento o amor maacutexima que se estabelece por meio da democracia visto que
ldquoa demofilia o demoiacutesmo o amor do povo acima de tudo como princiacutepio ativo de
toda a sua vida poliacutetica inspirador duma sempre crescente autonomia imanente eacute
que constitui a verdadeira essecircncia da democraciardquo nas palavras de Melgareacute
(2005)
Dessa forma eacute no nuacutecleo da democracia que estaacute inscrito como pedra
angular o respeito e o amor pela pessoa humana Eacute pois um tema de larga
abrangecircncia poreacutem sem querer abreviar o caminho sua efetiva possibilidade de
realizaccedilatildeo se encontra no exerciacutecio da cidadania sem repuacutedios parciais ou exclusatildeo
de qualquer ordem na plenitude de uma cidadania para todos
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REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
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Os escravos e os baacuterbaros natildeo podiam tomar parte dos ambientes
sagrados Segundo alguns teoacutericos apenas 10 da populaccedilatildeo eram considerados
cidadatildeos em Atenas A fim de reduzir as despesas do Estado o governo restringiu o
direito de cidadania somente os filhos de pai e matildee atenienses seriam considerados
cidadatildeos As mulheres os metecos (estrangeiros) e os escravos continuaram
desprovidos de quaisquer direitos poliacuteticos A mulher era considera o ldquonatildeo serrdquo
equiparada aos escravos cuidava dos afazeres ldquodomeacutesticosrdquo servia como
instrumento de procriaccedilatildeo e natildeo participava portanto das decisotildees da polis
Aristoacuteteles descreve que mulheres e escravos eram mantidos fora da vista do
puacuteblico eram os trabalhadores que ldquocom o seu corpo cuidavam das necessidades
(fiacutesicas) da vidardquo Satildeo as mulheres que com seu corpo garantem a sobrevivecircncia
fiacutesica da espeacutecie Mulheres e escravos conforme Arendt
Pertenciam agrave mesma categoria e eram mantidos fora das vistas alheias - natildeo somente porque eram propriedade de outrem mas porque a sua vida era ldquolaboriosardquo dedicada a funccedilotildees corporais O filho de preferecircncia deveria ser do sexo masculino sendo candidato em potencial para exercer a cidadania O escravo servia de matildeo-de-obra para o sustento e manutenccedilatildeo dos cidadatildeos (1995)
Para Aristoacuteteles ser cidadatildeo diz respeito a todo aquele que eacute capaz de
tomar parte tanto no judiciaacuterio quanto no poder deliberativo da polis ldquoNenhum
caraacuteter define melhor o cidadatildeo no sentido estrito do que a participaccedilatildeo do exerciacutecio
dos poderes de juiz e magistradordquo (ARISTOacuteTELES A Poliacutetica III 16 Apud
TOURAINE 1994) O fim uacuteltimo do homem eacute viver na polis onde o homem se
realiza como cidadatildeo (politai) manifestando o processo de constituiccedilatildeo de sua
essecircncia a sua natureza Ou seja natildeo apenas viver em sociedade mas viver na
ldquopoliticidaderdquo
Para Aristoacuteteles a reflexatildeo sobre a poliacutetica eacute que ela natildeo se separa da
eacutetica pois segundo o estagirita a vida individual estaacute imbricada na vida comunitaacuteria
A razatildeo pela qual os indiviacuteduos reuacutenem-se nas cidades (e formam comunidades
poliacuteticas) natildeo eacute apenas a de viver em comum mas a de viver ldquobemrdquo ou a boa vida
Para que isso aconteccedila eacute necessaacuterio que os cidadatildeos vivam o bem comum ou em
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conjunto ou por intermeacutedio dos seus governantes se acontecer o contraacuterio (a busca
do interesse proacuteprio) estaacute formada a degeneraccedilatildeo do Estado
Por fim como afirma Correcirca (1999) ldquoa cidadania da Greacutecia Claacutessica
possui um paracircmetro muito especiacutefico de difiacutecil aceitaccedilatildeo numa concepccedilatildeo
moderna de cidadaniardquo Ou seja o que caracteriza a cidadania antiga eacute seu aspecto
limitador elitista e excludente pouco semelhante com o entendimento dos nossos
dias
Destarte como a democracia a cidadania passou por diferentes e possiacuteveis
ldquoinvenccedilotildeesrdquo em periacuteodos e espaccedilos determinados da histoacuteria e da geografia do
Ocidente Greacutecia e Roma consolidaram por seacuteculos seus sistemas de governos
possibilitando e permitindo a participaccedilatildeo de um significativo nuacutemero de cidadatildeos
Com o desaparecimento das civilizaccedilotildees claacutessicas a cidadania desaparece
juntamente e por um bom tempo ficaraacute fora de cena no Ocidente
Conforme Benevides (1994) a ideia moderna de cidadania e de direitos do
cidadatildeo tem como eacute sabido soacutelidas raiacutezes nas lutas e no imaginaacuterio da Revoluccedilatildeo
Francesa
Na continuidade da tradiccedilatildeo dos seacuteculos XVII e XVIII o contratualismo de
Locke e de Rousseau forneceu as bases filosoacuteficas do conceito de cidadania do
liberalismo e as revoluccedilotildees Inglesa Americana e Francesa que validaram seu uso
ao estabelecer um viacutenculo juriacutedico-legal entre as noccedilotildees de liberdade igualdade
fraternidade e o Estado-naccedilatildeo (MOISEacuteS 2005)
Nos seacuteculos XVIII e XIX outras correntes teoacutericas sobre o direito e a cidadania
seratildeo contempladas No entanto estas teorias vatildeo se contrapor agraves teorias do
jusnaturalismo e do contratualismo Segundo Correcirca (1999)
Para o positivismo juriacutedico (positivismo normativista de Kelsen) bem como para a Escola da Exegese e a Escola Histoacuterica o que vale eacute o ensino dogmaacutetico - as normas (exclue-se a anaacutelise interdisciplinar entre outras aacutereas principalmente com as Ciecircncias Sociais) A lei eacute a uacutenica fonte do direito Para essas escolas a cidadania eacute negada
Mais proacuteximo de noacutes no seacuteculo XX T A Marshall foi quem primeiro
discutiu o conceito de cidadania e suas dimensotildees no ensaio claacutessico ldquoCidadania e
classe socialrdquo Ainda hoje depois de mais de seis deacutecadas apoacutes a sua publicaccedilatildeo
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(em 1949) o ensaio de Marshall continua a ser a referecircncia teoacuterica fundamental
para quem comeccedila a refletir sobre a cidadania na sociedade contemporacircnea eacute o
que se pode constatar de resto atraveacutes da consulta a mais recente bibliografia
dedicada a esse tema
Os Direitos Civis dentro da tradiccedilatildeo apresentada por Marshall estatildeo
ligados aos direitos fundamentais do homem como o direito agrave vida agrave liberdade agrave
propriedade e agrave igualdade perante a lei Jaacute os Direitos Poliacuteticos se referem agrave
participaccedilatildeo do cidadatildeo no governo da sociedade Seu exerciacutecio eacute limitado a uma
reduzida parcela da populaccedilatildeo e consiste na capacidade de fazer demonstraccedilotildees
poliacuteticas formar e participar de agremiaccedilotildees poliacuteticas organizar partidos votar e ser
votado Em geral quando se fala de direitos poliacuteticos
Eacute do direito do voto que se estaacute falando Por fim aparecem os Direitos Sociais que garantem a participaccedilatildeo no governo da sociedade e na riqueza coletiva Eles incluem o direito agrave educaccedilatildeo ao trabalho ao salaacuterio justo agrave sauacutede e agrave aposentadoria (CARVALHO 2002)
Eacute a soma desses direitos (civis poliacuteticos e sociais) que garantem a
emancipaccedilatildeo humana e a justiccedila social Certamente Marshall descreveu a evoluccedilatildeo
da cidadania em seu paiacutes de origem ou seja a Inglaterra Foi nesse paiacutes que
surgiram inicialmente os direitos civis no seacuteculo XVIII depois vieram os direitos
poliacuteticos (XIX) e por fim os direitos sociais (XX) Trata-se portanto de verdadeiras
conquistas da contemporaneidade E como tal fazem parte de um cotidiano em que
homens e mulheres lutam por dias melhores pelo Direito justo por uma cidadania
plena e eficaz por uma convivecircncia equilibrada pela existecircncia plena daqueles que
acreditam e defendem os valores por traacutes da dignidade da pessoa humana
12 A construccedilatildeo da cidadania
A Cidadania natildeo pode ser vista como um conceito estaacutetico pois ela natildeo se
resume somente em participaccedilatildeo atraveacutes de eleiccedilotildees mas sim como uma
construccedilatildeo da democracia politizada e participativa da construccedilatildeo do poder
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Nas uacuteltimas deacutecadas o Brasil passou por significativas mudanccedilas de
paradigmas dentre os quais podemos citar a reconstruccedilatildeo do conceito proposto de
cidadania Pode-se dizer que apesar das inuacutemeras desigualdades socioeconocircmicas
o termo ldquocidadaniardquo evoluiu ampliando-se a abrangecircncia de sua concepccedilatildeo
abarcando todas as categorias sociais Para tanto para que possamos compreender
como vem se dando essa evoluccedilatildeo eacute preciso que conheccedilamos como tem se dado a
construccedilatildeo histoacuterica da representaccedilatildeo simboacutelica da cidadania
Durante toda a sua evoluccedilatildeo histoacuterica a palavra cidadania e as vaacuterias facetas
que ela assumiu nas uacuteltimas deacutecadas vecircm convivendo de perto com dissensotildees
sociais interesses e conflitos ideoloacutegicos culturais e poliacuteticos que se dedicam a
defender ou construir um modelo de cidadania compatiacutevel com as conjunturas de
cada tempo e de cada lugar
A marcha da cidadania sempre esteve ligada a avanccedilos retrocessos crises e
vitoacuterias enfim a iniciativas voltadas para a implantaccedilatildeo de uma estrateacutegia de luta
pelos direitos humanos pois ela esteve e estaacute em permanente construccedilatildeo eacute como
dizem os grandes teoacutericos um referencial de conquista da humanidade atraveacutes
daqueles que sempre lutaram e lutam por mais direitos mais liberdade melhores
garantias sejam elas individuais ou coletivas e natildeo se conformam frente agraves
dominaccedilotildees arrogantes de um pequeno grupo dominador e opressor contra uma
maioria desassistida e que natildeo se consegue fazer ouvir exatamente porque se lhe
nega a cidadania plena cuja conquista ainda que tardia natildeo seraacute obstada
Os caminhos trilhados pelos que defendem a cidadania podem vir a
apresentar em termos de sentimento constitucional a luta por um Estado
Democraacutetico de Direito que ajude na construccedilatildeo de uma adequada compreensatildeo
das situaccedilotildees de conjuntura e dos problemas estruturais que a sociedade enfrenta
dia apoacutes dia situaccedilotildees essas que se congregam para gerar a falta de efetividade
normativa da nossa Constituiccedilatildeo Aleacutem disso oferecem um amplo panorama acerca
dos esforccedilos que os povos empreenderam para fundar os alicerces das democracias
constitucionais do mundo moderno
A histoacuteria da construccedilatildeo da cidadania eacute uma histoacuteria de resistecircncias de povos
contra as opressotildees dos governos do desespero e das necessidades das massas eacute
a histoacuteria da esperanccedila e do empenho das naccedilotildees a histoacuteria da convivecircncia das
paixotildees humanas do futuro das geraccedilotildees eacute a histoacuteria do sofrimento e da dor eacute a
histoacuteria das vicissitudes e dramas do proacuteprio fenocircmeno humano
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13 Cidadania um fenocircmeno cultural
A cidadania eacute um fenocircmeno cultural relacionada com a conquista de direitos
com as construccedilotildees das instituiccedilotildees com a proteccedilatildeo dos direitos fundamentais e
dos valores juriacutedicos e humanos Trata-se de uma realidade cultural cuja finalidade eacute
determinar o modo como agraves pessoas devem vincular-se agraves mudanccedilas nas estruturas
sociais determinando o modo como agraves pessoas devem atuar e (com) viver em
sociedade
De certo modo a cidadania como o Direito e todos os direitos representa uma
conquista da cultura frente agrave conflitiva natureza humana Tal conclusatildeo ajuda a
compreender o Estado Democraacutetico de Direito e tudo aquilo que ele simboliza em
termos de emancipaccedilatildeo da pessoa humana Nessa linha a necessidade de
compreender o conceito atual de cidadania agrave luz das questotildees culturais e sociais
postas pela sociedade poacutes-moderna veio-nos como heranccedila do processo cultural de
formaccedilatildeo das democracias modernas
Essa representaccedilatildeo cultural da cidadania vem sendo tratada pelos
pensadores modernos sob vaacuterios enfoques Num primeiro momento surge assim
por exemplo a cidadania civil que marcou a superaccedilatildeo da situaccedilatildeo observada na
Idade Meacutedia garantindo os direitos quanto agrave liberdade e agrave justiccedila e vinculando-se
diretamente agrave burguesia Jaacute a cidadania poliacutetica surgiu com a universalizaccedilatildeo de seu
proacuteprio conceito e com a ampliaccedilatildeo dos direitos civis Esta nova consciecircncia sobre
as diferenccedilas no interior do status de cidadatildeo acentua os debates sobre a exclusatildeo
social os direitos humanos e mesmo sobre a atuaccedilatildeo poliacutetica da sociedade civil Por
outro lado no atual estaacutegio do capitalismo falar em cidadania significar considerar
igualmente as proacuteprias mudanccedilas ocorridas na sociedade nos valores e na
educaccedilatildeo proporcionados pelas inovaccedilotildees da realidade tecnocientifica
Temos desse modo associado ao atual conceito de cidadania um repertoacuterio
teoacuterico e mesmo praacutetico cuja amplitude acompanha o proacuteprio desenvolvimento das
sociedades poacutes-modernas dando a impressatildeo crescente como afirma Harvey
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De uma poderosa configuraccedilatildeo de novos sentimentos e pensamentos Que parecia a caminho de desenvolvimento social e poliacutetico apenas em virtude da maneira como definia padrotildees de criacutetica social e de praacutetica poliacutetica Em anos recentes ele vem determinando os padrotildees de debate definindo o modo do lsquodiscursorsquo e estabelecendo paracircmetros para a criacutetica cultural poliacutetica e cultural (1992)
Contudo a extensatildeo desses direitos agrave totalidade da populaccedilatildeo natildeo
possibilitou a garantia da liberdade e da igualdade idealizadas por Rousseau em sua
obra ldquoO Contrato Socialrdquo Por outro lado pode-se dizer que todos esses anos de
desenvolvimento acabaram por afirmar que a cidadania de fato soacute pode se constituir
por meio de acirrada luta cotidiana por direitos e pela garantia daqueles que jaacute
existem
Mais do que isso nota-se maior preocupaccedilatildeo com a difusatildeo desses direitos
seja por meio de educaccedilatildeo formal seja pelos meios de comunicaccedilatildeo Livros
didaacuteticos e paradidaacuteticos tecircm fomentado a discussatildeo sobre o status de cidadatildeo e os
direitos humanos outros associam ao desenvolvimento da cidadania uma
discussatildeo sobre os meios de comunicaccedilatildeo e o proacuteprio capitalismo como afirma o
professor Dalmo de Abreu Dallari em Cidadania e Direitos Humanos (1998)
Nessa perspectiva problemas recorrentes como as violaccedilotildees dos direitos
humanos as ineficiecircncias no campo social e o processo de pauperizaccedilatildeo
manifestado na periferia do capitalismo mostram que a cidadania exige mais do que
o simples ato de votar ou de pertencer a uma sociedade poliacutetica Cabe portanto agrave
sociedade civil caraacuteter representativo que substitua as pressotildees ou mesmo a
atuaccedilatildeo legiacutetima dos cidadatildeos
A evoluccedilatildeo da cidadania portanto consiste na lenta construccedilatildeo da
democracia que sintetiza os esforccedilos para a obtenccedilatildeo das prerrogativas ideoloacutegicas
e culturais que tecircm levado os membros da sociedade a decidirem acerca da
realidade que os cercam
14 Cidadania no Brasil breves consideraccedilotildees
Discorrer sobre a construccedilatildeo da cidadania no Brasil eacute tocar num ponto
crucial da nossa histoacuteria Passados mais de 500 anos da chegada dos portugueses
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por estas paragens percebe-se que a consolidaccedilatildeo da cidadania ainda eacute um desafio
para todos os brasileiros
O tema cidadania muito se tem discutido na academia e fora dela o jargatildeo
da cidadania estaacute na moda nas instituiccedilotildees poliacuteticas e juriacutedicas como tambeacutem na
opiniatildeo puacuteblica mas concretamente eacute um conceito ainda a ser construiacutedo
No contexto histoacuterico-cultural e poliacutetico dos gregos especificamente por
volta do ano 380 aC (periacuteodo do apogeu daquela civilizaccedilatildeo) embora a cidadania
fosse limitada a uma parcela social minoritaacuteria pode-se afirmar que tanto a
democracia quanto a cidadania grega natildeo deixam de ser conquistas ineacuteditas e
avanccedilos significativos para a histoacuteria ocidental Jaacute a evoluccedilatildeo e a real consolidaccedilatildeo
da cidadania na modernidade nascem a partir dos direitos naturais (vida
propriedade liberdade) do homem liberal burguecircs garantido pelas consecutivas
ldquoDeclaraccedilotildees de Direitosrdquo elaboradas a partir das revoluccedilotildees liberais na Inglaterra
(Revoluccedilatildeo Gloriosa 1688-89) Estados Unidos (Emancipaccedilatildeo poliacutetica 1776) Franccedila
(Revoluccedilatildeo Francesa)
No entanto pode-se dizer que o nosso paiacutes apesar da influecircncia dos paiacuteses
europeus vivenciou como ainda vivencia uma difiacutecil construccedilatildeo da cidadania
A longa histoacuteria do Brasil vem elencando razotildees profundas para a nossa
natildeo-cidadania atual a exemplo da conquista (ou invasatildeo) do nosso territoacuterio o
grande latifuacutendio a escravidatildeo a monocultura de exportaccedilatildeo o analfabetismo a
perpetuaccedilatildeo das elites poliacuteticas no poder fatores que refletem nos viacutecios da vida
social cultural poliacutetica e econocircmica do paiacutes
Fundamentalmente eacute preciso afirmar que no Brasil a construccedilatildeo da
cidadania natildeo seguiu a loacutegica da trajetoacuteria inglesa Houve no Brasil segundo
Carvalho (2002) pelo menos duas diferenccedilas importantes
A primeira refere-se agrave maior ecircnfase em um dos direitos o social em relaccedilatildeo aos outros a segunda refere-se agrave alteraccedilatildeo na sequecircncia em que os direitos foram adquiridos entre noacutes o social precedeu os outros
Uma das razotildees fundamentais das dificuldades da construccedilatildeo da cidadania
estaacute ligada como nos diz Carvalho ao ldquopeso do passadordquo mais especificamente ao
periacuteodo colonial (1500-1822) quando
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Os portugueses tinham construiacutedo um enorme paiacutes dotado de unidade territorial linguiacutestica cultural e religiosa Mas tinham deixado uma populaccedilatildeo analfabeta uma sociedade escravocrata uma economia monocultora e latifundiaacuteria um Estado Absolutista (CARVALHO 2002)
Em suma foram 322 anos sem poder puacuteblico sem Estado sem naccedilatildeo e
cidadania Diante de tatildeo obscuro cenaacuterio de dominaccedilatildeo opressatildeo dentre outras
formas de natildeo efetivaccedilatildeo da cidadania no Brasil podemos elencar dentre outros
tantos fatores quais foram os principais obstaacuteculos para a construccedilatildeo da cidadania
brasileira O latifuacutendio agro-exportador do periacuteodo colonial bem como o escravismo
o analfabetismo marcaram negativamente nossas origens e ateacute hoje dificultam
avanccedilos no acircmbito poliacutetico-social e econocircmico Aleacutem dessas outras razotildees foram e
continuam sendo entraves para a consolidaccedilatildeo das instituiccedilotildees poliacutetica que
impedem os avanccedilos necessaacuterios para uma cidadania plena Na ordem poliacutetica
permanecem ainda algumas mazelas histoacutericas como o patrimonialismo
(promiscuidade entre o puacuteblico e o privado) o coronelismo com sua nova roupagem
o clientelismo aleacutem da corrupccedilatildeo entre outros
Mesmo diante de tatildeo vergonhoso cenaacuterio natildeo podemos nos dispensar que
tambeacutem alcanccedilamos mesmo que de forma tiacutemida significativas conquistas de
direitos no Brasil comparadas com outros paiacuteses que vivenciaram um processo de
colonizaccedilatildeo semelhante ao nosso A conquista desses direitos deu-se de maneira
tardia e inversa haja vista que somente em 1824 mais de 320 anos apoacutes a chegada
dos portugueses foi que surgiram os primeiros direitos civis e poliacuteticos (antes disso
estaacutevamos submetidos agrave lei da coroa portuguesa) Aos poucos surgiram os direitos
sociais mas exatamente no momento em que os direitos civis e poliacuteticos estavam
sendo negados no periacuteodo da ditadura de Vargas (1937-45) e na ditadura militar
(1964-1985) Parece um paradoxo mas foi exatamente nesse periacuteodo de
conturbaccedilotildees poliacuteticas que marchamos em direccedilatildeo agrave conquista de significativos
direitos que iriam projetar uma ideia de lutas e vitoacuterias que se projetariam no campo
da cidadania de modo bastante concreto
Por fim haveremos de concordar com Benevides (1994) ao afirmar que no
intuito de reverter agrave realidade poliacutetico-social excludente ou de uma cidadania
passiva ou sem ldquopovordquo eacute necessaacuterio recorrer agrave defesa de mecanismos institucionais
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como o referendo o plebiscito e a iniciativa popular para a construccedilatildeo do que ela
chama de uma cidadania ativa ou democracia semidireta Alguns autores veem
dificuldades na implementaccedilatildeo desse sistema em paiacuteses que estatildeo em processo de
democratizaccedilatildeo no entanto logo em seguida apontam para a educaccedilatildeo poliacutetica ndash
entendida como educaccedilatildeo para a cidadania ativa
Desse modo pode-se proferir que todos esses anos de desenvolvimento
acabaram por afirmar que a cidadania de fato soacute pode se constituir por meio de
acirrada luta cotidiana por direitos e pela garantia daqueles que jaacute existem pois
apesar da existecircncia de profundas desigualdades sociais a ideia de cidadania
evoluiu com o passar dos anos Ampliou-se a abrangecircncia de sua concepccedilatildeo
abraccedilando todas as classes sociais e minorias Deixou de restringir-se apenas agrave
participaccedilatildeo poliacutetica para relacionar uma seacuterie de deveres da sociedade para com o
cidadatildeo Na praacutetica ainda haacute muito que se fazer para que direitos e deveres sejam
os mesmos para todos No entanto a busca pela realizaccedilatildeo da maacutexima ldquocada
homem um votordquo continua a ser perseguida
A luta pela conquista plena da cidadania eacute parte integrante da democracia
uma vez que assegura a continuidade das transformaccedilotildees juriacutedicas poliacuteticas entre
outras Natildeo resta duacutevida acerca do papel estruturante que essa luta desempenha no
quadro das democracias contemporacircneas fato que a converte em uma irresistiacutevel
conquista da modernidade O caraacuteter estruturante que a cidadania projeta nos
quadros da democracia atual estaacute ligado a permanente busca de um Estado
compatiacutevel com a realidade de cada tempo histoacuterico
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CAPIacuteTULO 2 - CIDADANIA Agrave LUZ DA CONSTITUICcedilAtildeO FEDERAL DE
1988
A Constituiccedilatildeo eacute a ordem juriacutedica fundamental da comunidade nas palavras
de Konrad Hesse (apud PALU 2001) eacute um documento juriacutedico e poliacutetico dirigido aos
cidadatildeos e estes satildeo os seus primeiros destinataacuterios A Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica eacute
a Lei fundamental composta por um conjunto de normas baacutesicas que compotildeem a
estrutura juriacutedica poliacutetica social e econocircmica de um paiacutes Essa eacute razatildeo pela qual
ela eacute chamada de Carta Magna pois a ela nada se sobrepotildee Para Dallari (1985) a
Constituiccedilatildeo
[] eacute a declaraccedilatildeo da vontade poliacutetica de um povo feita de modo solene por meio de uma lei que eacute superior a todas as outras que visando agrave proteccedilatildeo da dignidade humana estabelece os direitos e as responsabilidades fundamentais dos indiviacuteduos dos grupos sociais do povo e do governo
Desta forma uma Constituiccedilatildeo natildeo surge do nada ela eacute resultado de
observaccedilotildees e experiecircncias e sua finalidade eacute de afirmar e garantir os direitos
elementares das pessoas humanas disciplinar o uso ao mesmo tempo em que
evita o abuso de poder organizando de forma racional a sociedade e o governo
Satildeo inegaacuteveis as inovaccedilotildees teacutecnicas trazidas pela Constituiccedilatildeo Brasileira de
1988 no campo da instituiccedilatildeo garantia e proteccedilatildeo dos direitos fundamentais A
dignidade da pessoa humana e o exerciacutecio da cidadania satildeo considerados princiacutepios
fundamentais da Carta Magna Brasileira de 1988
Cidadania direito a ter direitos na acepccedilatildeo de Haberle ( apud VALADEacuteS
2009) refere-se a todos os direitos previstos na Constituiccedilatildeo de 1988 e ainda
aqueles natildeo expressos mas decorrentes do regime e dos princiacutepios por ela
adotados na dicccedilatildeo do sect 2deg art 5deg
O princiacutepio fundamental da cidadania conforme jaacute exposto impregna todo o
texto constitucional vigente a partir do art 1deg II em que figura de forma
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exponencial relativamente ao Estado brasileiro e tudo que lhe corresponda no
exerciacutecio de um poder que adquire significaccedilatildeo renovada e amplificada na
sociedade contemporacircnea Segundo Arendt
A cidadania eacute o direito a ter direitos pois a igualdade em dignidade e direitos dos seres humanos natildeo eacute um dado Eacute um construiacutedo da convivecircncia coletiva que requer o acesso ao espaccedilo puacuteblico Eacute este acesso ao espaccedilo puacuteblico que permite a construccedilatildeo de um mundo comum atraveacutes do processo de asserccedilatildeo dos direitos humanos
Nesse diapasatildeo o direito a ter direitos compreende o pleno acesso ao
espaccedilo puacuteblico o efetivo exerciacutecio do poder poliacutetico das prerrogativas inerentes agrave
cidadania conforme explicita a Constituiccedilatildeo no art 5deg LXXI a propoacutesito do
mandado de injunccedilatildeo no dizer todo direito atribuiacutedo com o caraacuteter de exclusividade
agrave pessoa
21 Estado Democraacutetico de Direito espaccedilo de cidadania
Apoacutes a eacutepoca de grandes restriccedilotildees militares o ato de promulgaccedilatildeo da
Constituiccedilatildeo Federal em 05 de outubro de 1988 vem marcar uma nova fase de
esperanccedila para os brasileiros Ao batizaacute-la de Constituiccedilatildeo cidadatilde a Assembleia
Nacional Constituinte atraveacutes de seu presidente o Deputado Ulisses Guimaratildees
resumiu o espiacuterito do texto constitucional assegurar aos brasileiros direitos sociais
essenciais ao exerciacutecio da cidadania e estabelecer mecanismos para garantir o
cumprimento de tais direitos
O que se viu a partir de entatildeo foi uma lenta poreacutem significativa mudanccedila na
sociedade brasileira A Constituiccedilatildeo Federal que eacute sem duacutevidas um marco na
histoacuteria do paiacutes traccedila a prioridade dada pelos constituintes aos direitos dos
brasileiros que pode ser observada em todas as questotildees
A Carta faz uma ampliaccedilatildeo dos direitos individuais sociais e poliacuteticos e como
se observa a inserccedilatildeo dos direitos sociais como segundo tiacutetulo revela a primazia
que o constituinte quis daacute a estes direitos em detrimento de todos os outros
incluindo os referentes agrave organizaccedilatildeo do Estado e dos Poderes que vecircm depois
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Ao contraacuterio do que ocorreu com as Constituiccedilotildees anteriores esse
ordenamento dos capiacutetulos parece revelar que a Carta eacute o prenuacutencio de um paiacutes em
que os direitos dos cidadatildeos formam a base do ordenamento do Estado Essa ideia
foi expressa pelo presidente da Assembleacuteia Constituinte deputado Ulysses
Guimaratildees que voltamos a citar quando anunciou
Diferentemente das sete constituiccedilotildees anteriores esta comeccedila com o homem De modo gratificante testemunha a primazia do homem que foi escrita para o homem que o homem eacute seu fim e sua esperanccedila Eacute a Constituiccedilatildeo cidadatilde
A Constituiccedilatildeo nasceu da constataccedilatildeo de que o figurino juriacutedico formulado
para o Brasil desde os primoacuterdios do Estado nacional natildeo se compatibilizava com as
necessidades dos brasileiros Houve avanccedilos na formalizaccedilatildeo da Lei Magna
especialmente no tocante aos direitos de cidadania mas estamos longe do ideal
preconizado pela carta cidadatilde O que nos leva a crer que a cidadania eacute um processo
diaacuterio e permanente de construccedilatildeo Pois natildeo basta garantir o direito eacute preciso
exercecirc-lo
A cidadania abraccedilada pela atual Constituiccedilatildeo Federal Brasileira teve seu
conteuacutedo ampliado e natildeo se restringe ao simples fato de possuir um tiacutetulo de eleitor
para votar e ser votado ela estabelece cidadania como princiacutepio fundamental da
Repuacuteblica do Brasil desta forma o conceito decorrente pode ser entendido
conforme preleciona Silva (2005) ldquocidadania estaacute aqui num sentido mais amplo do
que o de titular de direitos poliacuteticos Qualifica os participantes da vida do Estado
reconhecimento do indiviacuteduo como pessoa integrada a sociedade estatalrdquo
Tal conceito nos leva a relacionar cidadania com democracia uma vez que
optou-se pelo Estado Democraacutetico de Direito o qual assenta seus alicerces na
participaccedilatildeo popular em questotildees que envolvem a coisa puacuteblica Para Moraes
(2005) esse Estado de Direito ldquosignifica a exigecircncia de reger-se por normas
democraacuteticas com eleiccedilotildees livres perioacutedicas e pelo povo bem como o respeito das
autoridades puacuteblicas aos direitos e garantias fundamentaisrdquo
O propoacutesito da opccedilatildeo pelo Estado Democraacutetico de Direito eacute que a cidadania e
os demais direitos fundamentais fluam com plenitude talvez seja o que justifique a
denominaccedilatildeo da Carta Magna de cidadatilde pois o povo passa a atuar de forma mais
ativa na vida poliacutetica do Estado uma vez que a ele foi concedido esse poder
26
A cidadania portanto soacute adquire pleno significado no mundo contemporacircneo
num Estado Democraacutetico de Direito para tanto exige um ambiente de vida e de
conviacutevio entre os homens tiacutepico e proacuteprio de um Estado Democraacutetico pois a
cidadania constitui fundamento primordial daquele Estado qual seja possibilitar aos
indiviacuteduos habitantes de um paiacutes o seu pleno desenvolvimento atraveacutes do alcance
de igual dignidade social e econocircmica
Segundo Rozicki (2005) O ambiente de vida social do Estado Democraacutetico
cujos pilares se encontram na efetividade dos direitos fundamentais da pessoa
humana em uma sociedade solidaacuteria soacute eacute possiacutevel atraveacutes da observaccedilatildeo de alguns
postulados que lhe satildeo essenciais os quais a autora denomina de pressupostos do
Estado democraacutetico de Direito
1)a valorizaccedilatildeo e atualidade da dignidade do homem e o reconhecimento da importacircncia de dispensar a todos tratamento fraternal igualitaacuterio e natildeo discriminativo 2) a confianccedila nos talentos e possibilidades latentes dos homens 3) a seguranccedila e o creacutedito nos valores institucionalizados pelas massas como fundamentos para o progresso do bem comum e o alcance da justiccedila 4) a aceitaccedilatildeo da legitimidade das decisotildees tomadas por meio de processos racionais e participativos de deliberaccedilatildeo com o consenso da maioria que constitui o reflexo o resultado de debates livres entre todos 5) o respeito aos grupos minoritaacuterios 6) e a compreensatildeo de que todo o interesse geral eacute a siacutentese dos diversos interesses e ideacuteias dos indiviacuteduos e dos grupos diferentes centros de poder que integram a sociedade pluralista
Percebe-se que o conceito amplo de cidadania encontra seus princiacutepios
baacutesicos e estruturantes nesses pressupostos intimamente ligado aos conceitos de
democracia e de igualdade No tocante ao conceito de igualdade elucidativa eacute a
liccedilatildeo de Rozicki (2005) quando afirma que
O princiacutepio de igualdade disciplina todas as atividades puacuteblicas e tem aplicaccedilatildeo direta nas relaccedilotildees privadas que ocorrem entre os particulares impondo para tornaacute-lo real a proibiccedilatildeo de discriminaccedilotildees e a eliminaccedilatildeo das desigualdades faacuteticas nos planos social e econocircmico proporcionando a todos os cidadatildeos igual condiccedilatildeo de vida e mesma posiccedilatildeo perante o Estado Democraacutetico
E complementa que tambeacutem para a realizaccedilatildeo da cidadania o princiacutepio
democraacutetico torna indispensaacutevel agrave participaccedilatildeo popular nas tomadas de decisatildeo No
seu entender
27
A cidadania no Estado democraacutetico de direito efetivada oferece aos cidadatildeos como iguais condiccedilotildees de existecircncia o gozo atual de direitos e a obrigaccedilatildeo do cumprimento de deveres que resumidamente podem ser assim apresentados exerciacutecio de direitos fundamentais e participaccedilatildeo e os deveres de colaboraccedilatildeo e solidariedade (Rozicki 2005)
Natildeo obstante eacute vaacutelido ressaltar um princiacutepio igualmente importante e deveras
esquecido a fraternidade Este princiacutepio que eacute um dos trecircs pilares da Revoluccedilatildeo
Francesa eacute pouco discutido apesar de assumir um papel decisivo na consolidaccedilatildeo
da democracia da politica e do poder
A fraternidade eacute necessaacuteria para o estabelecimento de uma comunidade
politicamente solidaacuteria com indiviacuteduos iguais e livres
Para finalmente concebermos um Estado Democraacutetico de Direito que trate os
iguais na medida de suas desigualdades
22 Os direitos fundamentais como pressupostos de identidade da cidadania
Os direitos fundamentais vistos como um dos traccedilos mais marcante do
constitucionalismo moderno consistem no resultado da luta dos homens por um
direito ideal justo e humano representam situaccedilotildees reconhecidas juridicamente
sem as quais o homem eacute incapaz de alcanccedilar sua proacutepria realizaccedilatildeo e
desenvolvimento plenamente daiacute dizer-se que o princiacutepio preponderante que
condensa os direitos fundamentais eacute o da dignidade da pessoa humana
Os direitos fundamentais satildeo o conjunto de normas de um ordenamento juriacutedico que formam um subsistema deste fundado na liberdade na igualdade na seguridade na solidariedade expressotildees da dignidade do homem que formam parte da norma baacutesica material de identificaccedilatildeo do ordenamento juriacutedico e constitui um setor de moralidade procedimental positivada que legitima o Estado Social de Direito (MARTINEZ apud AGRA 2002)
Tais direitos foram e vatildeo sendo aperfeiccediloados e estendidos ao longo do
tempo resta dizer que os mesmos estabelecem faculdades da pessoa humana que
permitem sua breve classificaccedilatildeo do seguinte modo 1) os direitos civis e poliacuteticos
de liberdade como por exemplo a liberdade de expressatildeo de propriedade de
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manifestaccedilatildeo do pensamento de associaccedilatildeo de imprensa de reuniatildeo de igualdade
formal perante a lei de participaccedilatildeo poliacutetica o devido processo legal o habeas
corpus o direito de peticcedilatildeo etc 2) os direitos sociais econocircmicos e culturais de
participaccedilatildeo poliacutetica tais como a igualdade de sufraacutegio o direito de voto e de
elegibilidade o direito de peticcedilatildeo e os direitos de participaccedilatildeo poliacutetica 3) os direitos
da titularidade coletiva que satildeo aqueles ligados a solidariedade e a fraternidade
como por exemplo o direito agrave preservaccedilatildeo do meio ambiente e agrave qualidade de vida
etc 4) os direitos chamados de quarta geraccedilatildeo por exemplo direito a democracia a
informaccedilatildeo ao comeacutercio eletrocircnico entre os estados etc
Natildeo existe qualquer relaccedilatildeo hieraacuterquica entre estes direitos mesmo porque
todos interagem entre si de nada servindo um sem a existecircncia dos outros Esta
divisatildeo acontece devido agrave eterna e constante busca do homem por mais proteccedilatildeo
mais garantia com o objetivo de alcanccedilar uma sociedade mais justa igualitaacuteria e
fraterna
Na evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais Agra (2002) chama a atenccedilatildeo do
relevo que adquirem a democratizaccedilatildeo da informaccedilatildeo e os mecanismos de
democracia participativa E justifica que a democratizaccedilatildeo da informaccedilatildeo natildeo se
caracteriza apenas pela existecircncia de uma miacutedia plural sem nenhum tipo de
monopoacutelio mas deve ser concebida como a obrigaccedilatildeo que todos os cidadatildeos tecircm
de tomar consciecircncia dos graves problemas que afligem a humanidade e que os
mecanismos da democracia participativa concebem a cidadania em extensatildeo muito
superior ao voto abrangendo a interferecircncia direta do cidadatildeo nas decisotildees
governamentais mediante vaacuterios mecanismos juriacutedicos como o plebiscito o recall o
orccedilamento participativo etc
De acordo com Silva (2005) os Direitos Fundamentais na Constituiccedilatildeo de
1988 abrangem os ldquodireitos individuais sociais poliacuteticos e tambeacutem os direitos
econocircmicos Para o autor a ampliaccedilatildeo e transformaccedilatildeo dos direitos fundamentais
do homem na histoacuteria dificultam uma definiccedilatildeo sinteacutetica do conceitordquo
Essa dificuldade aumenta diante do emprego de vaacuterias expressotildees para
designaacute-los tais como direitos naturais direitos humanos direitos do homem
direitos individuais direitos puacuteblicos subjetivos liberdades fundamentais liberdades
puacuteblicas e direitos fundamentais do homem No entanto direitos fundamentais do
homem constitui a expressatildeo mais adequada porque na palavra fundamentais
acha-se a indicaccedilatildeo de que se trata de situaccedilotildees sem as quais o indiviacuteduo natildeo tem
29
uma vida digna natildeo convive e agraves vezes nem mesmo sobrevive A expressatildeo
direitos fundamentais eacute a mais precisa no sentido de que a todos por igual devem
ser natildeo apenas formalmente reconhecidos mas concreta e materialmente
efetivados
Por sua vez a atual Corte em julgamento do habeas corpus (HC ndeg
82424RS) marca seu posicionamento no tocante ao sistema de direitos
fundamentais insculpido na Constituiccedilatildeo de 1988 atraveacutes dos profundos e bem
fundamentados votos dos Ministros que aleacutem de delimitarem a extensatildeo e os limites
da liberdade de expressatildeo (art 5o IV e IX) acabaram indicando as bases filosoacuteficas
e juriacutedicas para a interpretaccedilatildeo do cataacutelogo de direitos fundamentais da Constituiccedilatildeo
de 1988
Nesse sentido o voto do Ministro Marco Aureacutelio tratou de definir o sistema de
direitos fundamentais como a ldquoproacutepria essecircncia da Constituiccedilatildeordquo qualificando-os
como ldquovalores objetivos que servem como norte da atuaccedilatildeo estatalrdquo Assim estaacute
consignado nos fundamentos do referido voto
A Constituiccedilatildeo de 1988 representou um divisor de aacuteguas entre o antigo regime totalitaacuterio e um periacuteodo de redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes marcando dessa forma uma eacutepoca que tem como modelo de atuaccedilatildeo do Estado o respeito incondicional aos direitos fundamentais Por isso mesmo o sistema constitucional dos direitos fundamentais previsto no artigo 5o da Carta com os eventuais acreacutescimos do sect 2o reflete em rigor e em larga medida a proacutepria essecircncia da Constituiccedilatildeo e a retomada do processo de democratizaccedilatildeo e da garantia do cidadatildeo contra abusos e arbitrariedades no exerciacutecio do Poder Puacuteblico Os direitos fundamentais satildeo hoje verdadeiros princiacutepios estruturantes da organizaccedilatildeo e do funcionamento do Estado valores objetivos que servem como norte da atuaccedilatildeo estatal em seus mais diferentes niacuteveis no Legislativo formam um cataacutelogo de princiacutepios e garantias que informam e direcionam toda a atividade de criaccedilatildeo das normas de nosso ordenamento juriacutedico e de concretizaccedilatildeo dos preceitos constitucionais no Executivo mostram-se como verdadeiros limites ao exerciacutecio do poder administrativo servindo como trincheiras de proteccedilatildeo da liberdade do cidadatildeo e no judiciaacuterio refletem a base e o fundamento necessaacuterio da compreensatildeo e interpretaccedilatildeo de nossas normas ndash efeito interpretativo - evitando que a atividade jurisdicional se transforme em medidas discricionaacuterias ou providecircncias ilegiacutetimas de opccedilotildees poliacuteticas pautadas em escolhas pessoais dos juiacutezes
Tudo indica que se trata do iniacutecio de uma soacutelida construccedilatildeo jurisprudencial a
respeito do sentido axioloacutegico do sistema de direitos fundamentais da Constituiccedilatildeo
de 1988
30
Os Direitos Individuais satildeo de exerciacutecio exclusivo do indiviacuteduo e devem ser
formalmente reconhecidos e concretizados no cotidiano do cidadatildeo O indiviacuteduo aqui
eacute considerado um sujeito de direitos e natildeo apenas como integrante de um corpo
social Esses direitos natildeo podem sofrer nenhum tipo de restriccedilatildeo natildeo se
discriminando quem os pode exercer uma vez que satildeo titulares todas as pessoas
capazes incapazes brasileiras estrangeiras alfabetizadas e iletradas
A Constituiccedilatildeo Cidadatilde foi a primeira a estabelecer direitos natildeo soacute de
indiviacuteduos mas tambeacutem de grupos sociais os denominados direitos coletivos Com
isso as pessoas passaram a ser coletivamente consideradas Os direitos individuais
e coletivos estatildeo anunciados no art 5ordm em setenta e sete incisos e em dois
paraacutegrafos
Verifica-se que os Direitos Individuais tecircm como ponto marcante a liberdade
seja ela tomada de maneira global ou especiacutefica como liberdade de associaccedilatildeo de
reuniatildeo A liberdade de reuniatildeo (art 5ordm XVI) constitui-se na primeira e mais simples
liberdade corporativa estando logo apoacutes a liberdade de locomoccedilatildeo
Os Direitos Sociais tecircm como titular uma coletividade e satildeo caracterizados
pela prestaccedilatildeo de serviccedilos ou oferecimento de melhorias para a sociedade como um
todo por parte do Poder Puacuteblico Assim os Direitos Sociais tornam possiacutevel a fruiccedilatildeo
e o exerciacutecio dos Direitos Individuais pela coletividade mesmo pelos carentes
materialmente
O art 6deg define os Direitos Sociais da seguinte maneira ldquoSatildeo Direitos Sociais
a educaccedilatildeo a sauacutede o trabalho a moradia o lazer a seguranccedila a previdecircncia
social a proteccedilatildeo agrave maternidade e agrave infacircncia a assistecircncia aos desamparados na
forma desta Constituiccedilatildeordquo
Portanto eacute obrigatoacuteria ao Estado a proteccedilatildeo dos interesses da coletividade
com o atendimento dos direitos acima citados
Satildeo direitos poliacuteticos os que conferem o acesso da populaccedilatildeo agrave participaccedilatildeo
no Poder do Estado tais como os direitos de votar e ser votado do referendo
plebiscito e iniciativa popular das leis O direito democraacutetico de participaccedilatildeo dos
cidadatildeos no governo por meio de seus representantes exigiu a formaccedilatildeo de um
conjunto de normas legais permanentes que recebeu a denominaccedilatildeo de direitos
poliacuteticos Os Direitos Poliacuteticos amparam os Direitos Individuais Sociais e
Econocircmicos pois quando desaparece a democracia desaparecem imediatamente
as liberdades fundamentais
31
Com o advento da Constituiccedilatildeo de 1988 foram criadas instituiccedilotildees para
fiscalizar e controlar a atuaccedilatildeo da administraccedilatildeo puacuteblica entre as quais o Ministeacuterio
Puacuteblico que funciona como um canal de expressatildeo dos direitos da populaccedilatildeo
O Ministeacuterio Puacuteblico foi a instituiccedilatildeo que mais ganhou importacircncia no cenaacuterio
puacuteblico por ter passado a defender os interesses coletivos ou seja os interesses de
um grupo categoria ou classe e natildeo de um indiviacuteduo isolado No artigo 127 o
Ministeacuterio Puacutebico (MP) eacute definido como ldquouma instituiccedilatildeo permanente essencial agrave
funccedilatildeo jurisdicional do Estado incumbindo-lhe a defesa da ordem juriacutedica do regime
democraacutetico e dos interesses sociais e individuais indispensaacuteveisrdquo
Cabe ao Ministeacuterio Puacuteblico exigir dos poderes puacuteblicos e dos serviccedilos de
relevacircncia puacuteblica respeito aos direitos elencados na Constituiccedilatildeo promovendo as
medidas necessaacuterias agrave garantia desses direitos Portanto eacute responsaacutevel pela
garantia da ordem juriacutedica do regime democraacutetico da moralidade puacuteblica e dos
direitos sociais e individuais
23 A consagraccedilatildeo dos direitos do cidadatildeo
A Constituiccedilatildeo de 1988 eacute o coroamento da histoacuteria constitucional do Brasil por
ter sido um marco da redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes opondo-se a qualquer forma de
autoritarismo Nela a cidadania foi consagrada como um dos fundamentos da
Repuacuteblica Federativa do Brasil (art 1ordm inc II) Observe-se que o termo cidadania
encontra-se na Constituiccedilatildeo em sentido mais amplo do que o de titular de direitos
poliacuteticos pois qualifica os participantes da vida do Estado e reconhece o indiviacuteduo
como pessoa integrada na sociedade estatal
Essa nova concepccedilatildeo de cidadania introduzida pela Constituiccedilatildeo Federal de
1988 eacute fruto da internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos e como marco principal da
institucionalizaccedilatildeo erigiu em seu artigo primeiro a dignidade da pessoa humana (inc
III) e a cidadania (incII) a princiacutepio fundamental
Institui com o princiacutepio da cidadania uma nova compreensatildeo acerca dos
direitos de deveres da pessoa elevado-o a status maacuteximo a regra-matriz que natildeo
pode ser desrespeitada pois os fundamentos constituem a essecircncia da Repuacuteblica
32
Federativa e servem como regra-matriz para a elaboraccedilatildeo interpretaccedilatildeo e
integraccedilatildeo do sistema juriacutedico nacional
Violar um princiacutepio eacute muito grave que transgredir uma norma qualquer A desatenccedilatildeo ao principio implica ofensa natildeo apenas a um especifico mandamento obrigatoacuterio mas a todo o sistema de comandos Eacute a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade representa insurgecircncia contra todo o sistema subversatildeo de valores fundamentais (MELLO apud CHIMENTI 2005 P 33)
Para Silva (2004) cidadania eacute discriminada como princiacutepio relativo ao regime
poliacutetico Dessa forma compreendida cidadania como princiacutepio fundamental eacute o
direito de participar dos destinos do Estado e mais usufruir dos direitos civis
fundamentais previstos na Constituiccedilatildeo
Muitos doutrinadores utilizam cidadania no mesmo sentido de nacionalidade
(Art 12 da Constituiccedilatildeo Federal) e de direitos poliacuteticos (Art 14) Em alguns outros
dispositivos a palavra cidadania (ou cidadatildeo) poderia ainda ter a significaccedilatildeo de
direitos poliacuteticos mas mesmo assim de forma impliacutecita a exemplo dos arts 22 XIII
e 5ordm LXXIII No primeiro se lecirc que compete agrave Uniatildeo legislar sobre nacionalidade
cidadania e naturalizaccedilatildeo e no segundo que qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima
para propor accedilatildeo popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de
entidade de que o Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e
ao patrimocircnio histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de
custas judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia No entanto conforme Mazzuoli (2002)
Observe-se que a Carta de 1988 ao tratar no seu art 14 dos direitos poliacuteticos natildeo se refere sequer em um momento agrave expressatildeo cidadania dizendo apenas que a soberania popular seraacute exercida pelo sufraacutegio universal e pelo voto direito e secreto com valor igual para todos (hellip) Pelo contraacuterio a Constituiccedilatildeo faz uma separaccedilatildeo entre cidadania e direitos poliacuteticos quando no seu art 68 sect 1ordm II ao tratar das leis delegadas exclui do acircmbito da delegaccedilatildeo legislativa a nacionalidade cidadania direitos individuais poliacuteticos e eleitorais
A Constituiccedilatildeo brasileira de 1988 com a transiccedilatildeo para o regime democraacutetico
consagrou expressamente esta nova concepccedilatildeo de cidadania como se depreende
da leitura de vaacuterios dos seus dispositivos
Foi nesse sentido que pioneiramente estatuiu a Carta de 1988 em seu art
1ordm que a Repuacuteblica Federativa do Brasil formada pela uniatildeo indissoluacutevel dos
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Estados e Municiacutepios e do Distrito Federal constitui-se em Estado Democraacutetico de
Direito e tem como fundamentos dentre outros a cidadania (inc II) Como jaacute
mencionado
Na mesma esteira o disposto no art 5ordm incisos LXXI (conceder-se-aacute
mandado de injunccedilatildeo sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviaacutevel o
exerciacutecio dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes agrave
nacionalidade agrave soberania e agrave cidadania) e LXXVII (satildeo gratuitas as accedilotildees de
habeas-corpus e habeas-data e na forma da lei os atos necessaacuterios ao exerciacutecio
da cidadania) No seu Tiacutetulo VIII Capiacutetulo II Seccedilatildeo I a Carta Magna de 1988
dispotildee ainda que a
Educaccedilatildeo direito de todos e dever do Estado e da famiacutelia seraacute promovida e incentivada com a colaboraccedilatildeo da sociedade visando ao pleno desenvolvimento da pessoa seu preparo para o exerciacutecio da cidadania e sua qualificaccedilatildeo para o trabalho (art 205)
Outro dispositivo em que fica bastante marcada esta nova concepccedilatildeo de
cidadania eacute o art 64 do Ato das Disposiccedilotildees Constitucionais Transitoacuterias que
dispotildee
A Imprensa Nacional e demais graacuteficas da Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios da administraccedilatildeo direta ou indireta inclusive fundaccedilotildees instituiacutedas e mantidas pelo Poder Puacuteblico promoveratildeo ediccedilatildeo popular do texto integral da Constituiccedilatildeo que seraacute posta agrave disposiccedilatildeo das escolas e dos cartoacuterios dos sindicatos dos quarteacuteis das igrejas e de outras instituiccedilotildees representativas da comunidade gratuitamente de modo que cada cidadatildeo brasileiro possa receber do Estado um exemplar da Constituiccedilatildeo do Brasil
Enfim a Constituiccedilatildeo de 1988 enriqueceu e ampliou os conceitos de cidadatildeo
e cidadania Seu entendimento agora como leciona Silva (2005)
Decorre da ideia de Constituiccedilatildeo dirigente que natildeo eacute apenas um repositoacuterio de programas vagos a serem cumpridos mas constitui um sistema de previsatildeo de direitos sociais mais ou menos eficazes em torno dos quais eacute que se vem construindo a nova ideacuteia de cidadania
De forma que natildeo mais se trata de considerar a cidadania como simples
qualidade de gozar direitos poliacuteticos mas sim de aferir-lhe um nuacutecleo miacutenimo e
irredutiacutevel de direitos (fundamentais) que devem se impor obrigatoriamente agrave accedilatildeo
dos poderes puacuteblicos
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O ordenamento juriacutedico brasileiro consagrou aleacutem dos institutos jaacute
mencionados alguns outros mecanismos de defesa dos direitos e garantias
constitucionais da cidadania como a accedilatildeo civil puacuteblica regulada pela Lei nordm
734785 e accedilatildeo direta de inconstitucionalidade prevista no incIV do art 129 da
Constituiccedilatildeo Federal O Coacutedigo de Defesa do Consumidor o Estatuto da Crianccedila e
do Adolescente e ateacute mesmo o princiacutepio do devido processo legal que resguarda ao
cidadatildeo o acesso agrave justiccedila e direito de ser acionado judicialmente por meio de
procedimentos legais satildeo mecanismos de defesa dos direitos de cidadania
previstos constitucionalmente e garantidos na esfera poliacutetica civil e social
Pode-se observar que a cidadania comeccedilou a ser construiacuteda como resultado
de um processo de luta a partir da conscientizaccedilatildeo dos direitos e deveres do
homem Como vimos a cidadania jaacute em praacutetica em muitos paiacuteses adquire no
Brasil com a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 um novo sentido qual seja o
pressuposto do exerciacutecio pleno de um sistema de direitos e garantias
35
CAPIacuteTULO 3 - CIDADANIA COMO MECANISMO DE
TRANSFORMACcedilAtildeO SOCIAL
No momento em que a cidadania alccedila voos constitucionais e insere-se na
Carta Poliacutetica da Repuacuteblica Federativa do Brasil inicia-se o processo de
redemocratizaccedilatildeo e ganha relevo o cidadatildeo agente deste processo que tem em
suas matildeos a tarefa da construccedilatildeo de um novo tempo
Historicamente a ideia de cidadatildeo conotava o habitante da cidade ndash o
citadino ndash firma-se entatildeo tal conotaccedilatildeo na Antiguumlidade claacutessica para depois
significar aquele indiviacuteduo a quem se atribuem os direitos poliacuteticos Superada essa
acepccedilatildeo que tambeacutem vigorou nas constituiccedilotildees anteriores da Repuacuteblica do Brasil
na concepccedilatildeo moderna estaacute clara a noccedilatildeo de cidadatildeo como aquele que a quem
consiste a titularidade de direitos individuais poliacuteticos e sociais Noccedilatildeo esta
edificada com a internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos que amplia a acepccedilatildeo do
termo declarando que satildeo cidadatildeos todo aquele que habita o acircmbito da soberania
de um Estado e deste Estado recebem uma carga de direitos e tambeacutem deveres dos
mais variados
Desta forma a noccedilatildeo contemporacircnea de cidadania funda-se na dicotomia
direitos (exerciacutecios de direitos fundamentais - participaccedilatildeo) e deveres (colaboraccedilatildeo -
solidariedade) Ao lado dos direitos foram estabelecidos deveres fundamentais e
portanto tanto agentes puacuteblicos como os indiviacuteduos tecircm obrigaccedilotildees especiacuteficas
inclusive a de respeitar os direitos das demais pessoas que vivem na ordem social
sendo e promovendo mecanismos de transformaccedilatildeo social que visam uma nova
sociedade baseada na igualdade e na justiccedila
36
31 O ser cidadatildeo
Os termos indiviacuteduo ser humano pessoa e cidadatildeo satildeo geralmente tomados
como sinocircnimo o que certamente influi na proliferaccedilatildeo de incontaacuteveis significados e
ampliaccedilatildeo do termo cidadatildeo Poreacutem estas palavras apesar de se assemelharem
possuem carga semacircntica proacutepria e da compreensatildeo exata de cada uma decorre a
conceituaccedilatildeo mais acentuada da acepccedilatildeo do termo cidadatildeo como titular de direitos
e deveres resguardados pela constituiccedilatildeo paacutetria
Desta forma indiviacuteduo eacute um representante da espeacutecie aquele que eacute uacutenico
Enquanto ser humano eacute um termo mais geneacuterico ou indeterminado que diz respeito
agrave espeacutecie agrave classificaccedilatildeo ao mundo zooloacutegico Pessoa por sua vez eacute um termo
mais especiacutefico que tem a ver com o mundo civilizado ou se preferirmos com a
constelaccedilatildeo dos valores morais eacuteticos e juriacutedicos proacuteprios da civilizaccedilatildeo
A etimologia da palavra pessoa demonstra que eacute um conceito sobreposto ao conceito de Ser Humano Um refratildeo de origem juriacutedica tambeacutem nos lembra do homo plures pessoa polimorfa o ser humano capaz de desempenhar muitos papeacuteis um mesmo ser humano eacute empresaacuterio e delinquumlente eacute pai e metaluacutergico etc Persona (personagem) era a maacutescara que usavam os atores da trageacutedia grega para desempenhar seu papel Cabe portanto entender o conceito de Ser Humano ao lado do conceito de Pessoa No direito romano antigo os escravos eram seres humanos (homens) mas natildeo eram consideradas pessoas (patriacutecios) Os juristas romanos que usavam o conceito de Ser Humano o dissociavam do conceito de pessoas (CUNHA 2007)
O Ser Humano recebe uma distinccedilatildeo importante quando o consideramos
como Pessoa assim como a Pessoa recebe uma distinccedilatildeo redundante natildeo menos
importante quando a consideramos por forccedila de expressatildeo como uma pessoa
humana Subentendendo o adjetivo humano como relativo agrave eacutetica Portanto Ser
Humano natildeo eacute a mesma coisa que Pessoa como tampouco Ser Humano eacute o
mesmo que cidadatildeo este muito eacute mais proacuteximo do termo Pessoa Vejamos o quadro
ilustrativo que esquematiza e distinguem os referidos conceitos
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QUADRO 1 ndash EVOLUCcedilAtildeO DO SER HUMANO ATEacute O CIDADAtildeO
O Ser Humano O Ser Indiviacuteduo O Ser Pessoa O Ser Cidadatildeo
A Dimensatildeo do conviacutevio social
A dimensatildeo do mercado de trabalho e
Consumo
A Dimensatildeo de encontrar-se no mundo
A dimensatildeo de intervir na realidade
O homem tornar-se Ser Humano nas relaccedilotildees
de conviacutevio social
O Ser Humano tornar-se indiviacuteduo quando
descobre seu papel e funccedilatildeo social
O Indiviacuteduo torna-se pessoa quanto toma
consciecircncia de si mesmo do outro e do
mundo
A pessoa torna-se cidadatildeo quando
interveacutem na realidade em que vive
Quem estuda o comportamento do Ser
Humano Seria a antropologia a histoacuteria
ou a sociologia
Quem estuda o comportamento do indiviacuteduo Seria a
Filosofia a sociologia ou a Psicologia
Quem estuda o comportamento da pessoa Seria a
Filosofia a sociologia ou a Psicologia
Quem estuda o comportamento do cidadatildeo Seria a
Sociologia a Filosofia ou As ciecircncias
poliacuteticas
Quem garante os direitos do Ser
Humano A Declaraccedilatildeo Universal
dos Direitos Humanos
Quem garante os Direitos do
Consumidor O Coacutedigo do Consumidor
Quem garante os Direitos da pessoa A proacutepria pessoa (amor proacuteprio ou autoestima)
Quem garante os Direitos do cidadatildeo (A Constituiccedilatildeo e suas leis
regulamentares)
Existe realmente uma natureza humana Teologicamente
afirmamos que existe a uma natureza humana
Seguindo a corrente existencialista (JP Sartre) negamos tal
natureza
Que diferenccedila existe entre o direito do
consumidor e o direito do cidadatildeo Ao
Consumidor deve ser dado o direito de
propriedade enquanto ao cidadatildeo deve ser
dado o direito de acesso
O que significa tornar-se pessoa no niacutevel
psicoloacutegico e social A pessoa eacute o indiviacuteduo que toma consciecircncia de si mesmo (ldquoTornar-
se Pessoardquo de Karl Roger)
Como podemos intervir na realidade
modificando as estruturas corruptas e injustas Quando os
direitos do cidadatildeo lhe satildeo oferecidos e o
mesmo passa a exercecirc-lo haacute
modificaccedilatildeo de comportamento
(ROSAS 2009)
O cidadatildeo eacute portanto aquele indiviacuteduo a quem a Constituiccedilatildeo confere direitos
e garantias e lhe daacute o poder do seu efetivo exerciacutecio aleacutem de meios processuais
eficientes contra a violaccedilatildeo de seu gozo ou fruiccedilatildeo por parte do poder puacuteblico
Sendo assim
A passagem do indiviacuteduo a cidadatildeo caracteriza-se pelo reconhecimento pela lei de direitos considerados fundamentais agrave realizaccedilatildeo da vida do homem como indiviacuteduo e ser social membro de uma comunidade poliacutetica e a garantia desses direitos pela forccedila comum de todos (CUNHA 2007)
38
Nas uacuteltimas deacutecadas em alguns paiacuteses inclusive no Brasil desenvolveu-se o
conceito de cidadania calcado principalmente na questatildeo do cidadatildeo-consumidor
As pessoas passam a ser vistas como cidadatildes desde que tenham dinheiro para
adquirir mercadorias e utilizar serviccedilos Eacute certo pois que serviccedilos e mercadorias
atendem a necessidades materiais e simboacutelicas das pessoas e consumi-los eacute um
dos modos de participar da vida social criar identidade e partilhar dos bens
produzidos pela humanidade e representar-se culturalmente Contudo a cidadania
enfatizada apenas como uma relaccedilatildeo de compra e venda de mercadorias e serviccedilos
assume um conteuacutedo restrito individual conformista e voltado apenas para a
aquisiccedilatildeo de bens o que se relaciona com a ideacuteia de indiviacuteduo ou seja o consumo
atende as necessidades do indiviacuteduo
Outra forma de confusatildeo acerca do conceito de cidadatildeocidadania refere-se a
equiparaccedilatildeo feita com o assistencialismo o que configura uma acentuada inversatildeo
do termo uma vez que a praacutetica do assistencialismo natildeo propicia meios de
superaccedilatildeo das desigualdades sociais Enquanto a cidadania estaacute relacionada agrave
superaccedilatildeo das desigualdades sociais e a extensatildeo da garantia dos direitos de todos
O cidadatildeo eacute sem duacutevida uma expressatildeo que precisa ser adequadamente
utilizada e vivenciada pela coletividade compreendido na dimensatildeo do ser pessoa
de ter direitos e deveres do assumir as suas liberdades e responsabilidades no seio
de uma comunidade democraacutetica equitativa solidaacuteria e intercultural
Dessa forma ser cidadatildeo implica saber viver em sociedade estando ciente
dos anseios comuns A participaccedilatildeo ativa nas decisotildees de sua comunidade
influencia modos de vida de maneira positiva ao seu redor assim torna-se
imprescindiacutevel o exerciacutecio dos direitos constitucionais adquiridos e lutar pelos que
viratildeo eacute sobretudo estar consciente de todas as atitudes tomadas em prol da
sociedade
Eacute possiacutevel nesse espaccedilo de discussatildeo falar em ldquoestar cidadatildeordquo que eacute natildeo
praticar o exerciacutecio da cidadania em nenhuma de suas formas Implica apenas em
se deixar levar pelos acontecimentos e ainda reclamar das situaccedilotildees vividas sem
nada fazer para mudar sem nenhuma perspectiva de futuro Do que concluiacutemos que
a dinacircmica de intervir na realidade eacute pressuposto de cidadania
Ser cidadatildeo eacute tarefa que requer muito do ser humano do individuo da
pessoa Requer uma alta - estima elevada uma consciecircncia solidaacuteria uma
39
identidade que se reconheccedila na dinacircmica social interagindo com o outro ampliando
debates incitando justiccedila eacute sem duvida uma tomada de posiccedilatildeo que natildeo se
acomoda pelo contraacuterio se incomoda quando natildeo haacute comprometimento para o bem
comum
Natildeo eacute uma tarefa cocircmoda senatildeo muito complicada as pessoas natildeo nascem cidadatildeos mas fazem-se no tempo e no espaccedilo Na verdade natildeo eacute faacutecil exercer a liberdade e a cidadania ndash ser pessoa e ser cidadatildeo ndash por isso exige-se uma luta sem treacuteguas para erradicar assimetrias e exclusotildees socioculturais e criar cenaacuterios de esperanccedila realizaacuteveis fundamentados em valores e princiacutepios eacuteticos que requalifiquem a democracia com cidadatildeos participativos e
comprometidos ( SAEZ 1995)
Tem portanto como pressuposto uma mudanccedila de comportamento uma
tomada de posiccedilatildeo frente agrave dinacircmica social na qual estaacute inserido participando de
forma ativa e produtiva do processo de construccedilatildeo da cidadania por meio de seus
diversos canais
32 Emancipaccedilatildeo social atraveacutes da cidadania
Um Estado Democraacutetico eacute aquele que estaacute enraizado na legitimidade do
poder do povo e dele decorre seu exerciacutecio Assim o poder do povo eacute a expressatildeo
a aptidatildeo de homens e mulheres constituir autonomamente seu viver sem sucumbir
diante das instacircncias de poder Haacute nesse modus vivendi uma tutela das diferenccedilas e
pluralidades de formas de vida
Desta forma a cidadania eacute enfocada como o processo de participaccedilatildeo do
individuo ou de um grupo organizado nas mais variadas aacutereas de atuaccedilatildeo na
sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos sociais com a consciecircncia
da responsabilidade por sua proacutepria histoacuteria
Sendo a democracia o regime em que o povo governa sua caracteriacutestica
inarredaacutevel eacute a de ter o povo agrave frente do poder uma forma de autogoverno Em
assim sendo a cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia por meio de resultados
palpaacuteveis e medidas concretas tais como mudanccedilas na realidade de cada um com
melhoria de vida e conscientizaccedilatildeo da importacircncia na sociedade para o exerciacutecio
40
direto ou indireto desse poder pois se contentar com fato do direito estaacute prescrito
em lei natildeo eacute o bastante
Eacute certo poreacutem que o Estado democraacutetico somente se aperfeiccediloa na
proporccedilatildeo em que o povo age ativamente na medida em que os representantes
reflitam em seus atos os verdadeiros anseios populares Partindo dessa visatildeo a
cidadania eacute o grande fator de legitimaccedilatildeo do povo permitindo que ele aja em defesa
das instituiccedilotildees democraacuteticas
Sobre a participaccedilatildeo cumpre asseverar que este direito significa a
capacidade de ser consultado para as tomadas de decisatildeo que dizem respeito agrave
direccedilatildeo da sociedade em que vive o cidadatildeo este direito eacute acompanhado do
respeito aos deveres de contribuir para o progresso social e de acatar e respeitar o
resultado obtido em consulta coletiva
No elenco de mecanismo de exerciacutecio da cidadania estaacute o acesso ao direito e
a justiccedila que eacute fator preponderante para efetivar as garantias constitucionais
Assim passaremos a discorrer sobre a importacircncia de instrumentalizar o
cidadatildeo para um pleno exerciacutecio de seus direitos
Eacute Sabido que no Estado Democraacutetico Contemporacircneo os direitos
fundamentais constitucionalmente assegurados tecircm eficaacutecia imediata cumprindo ao
Estado garantir a todos os cidadatildeos o respeito a esses Direitos de modo concreto e
efetivo natildeo obstante as inuacutemeras desigualdades e condiccedilotildees adversas que
dificultam na praacutetica o seu exerciacutecio
Para o acesso ao direito o Estado deve desenvolver com eficiecircncia uma seacuterie
de atividades essenciais e dar efetividade a uma seacuterie de pressupostos Dentre eles
o principal eacute o conhecimento do Direito como fator preponderante pois o
desconhecimento da lei implica na praacutetica natildeo acionar a jurisdiccedilatildeo Um fato que
contribui para essa assertiva eacute baixa escolaridade da populaccedilatildeo e o analfabetismo
Muito pouco adianta a existecircncia de uma Constituiccedilatildeo apenas formal ou no
papel se ilegiacutetima ou desrespeitada Para que ocorra a eficaacutecia das normas
dispostas numa Constituiccedilatildeo ou melhor para que passe da teoria agrave praacutetica eacute
essencial que comandados e comandantes tenham conhecimento dos seus direitos
e responsabilidades assim como dos instrumentos juriacutedicos para efetivaacute-los (leis
regulamentadoras) O exerciacutecio da cidadania natildeo eacute somente um direito mas eacute
tambeacutem um dever de todos pois a omissatildeo de cada um contribui com as injusticcedilas e
as impunidades tatildeo presentes nos dias atuais
41
A Constituiccedilatildeo quando eacute justa e legiacutetima e principalmente quando eacute
respeitada eacute um poderoso instrumento de promoccedilatildeo e desenvolvimento social e
humano
Outro fator que deve ser considerado eacute a miserabilidade que coloca inuacutemeros
brasileiros a margem da sociedade em situaccedilatildeo precaacuteria os quais para Pinsky
(2004) ldquodesprovidos de esperanccedila de projeto de qualquer perspectiva de inclusatildeo
[] recorrer agrave Justiccedila humana parece algo irrealizaacutevel sofisticado e inteiramente
ficcionalrdquo
Desta forma o primeiro passo para concretizar os direitos previstos
constitucionalmente eacute a formaccedilatildeo do cidadatildeo atraveacutes da Educaccedilatildeo Baacutesica
infundindo-lhe a consciecircncia dos seus direitos e tambeacutem dos seus deveres sociais
bem como dos valores humanos fundamentais que devem ser por todos respeitados
na vida em sociedade A universalizaccedilatildeo do ensino fundamental a oferta obrigatoacuteria
de educaccedilatildeo infantil pelo Estado e o crescimento da oferta do ensino meacutedio satildeo
alguns dos aspectos que merecem destaques e foi devido agrave determinaccedilatildeo
constitucional de estabelecer o caraacuteter obrigatoacuterio do ensino fundamental e de
responsabilizar o Estado por sua implementaccedilatildeo que tem iniacutecio o processo de
avanccedilo desse segmento
A Constituiccedilatildeo estabeleceu de forma mais clara o papel dos entes federados
na educaccedilatildeo Tambeacutem aumentou a participaccedilatildeo orccedilamentaacuteria destinada ao setor
Com as novas regras para distribuiccedilatildeo de recursos adotadas apoacutes a promulgaccedilatildeo
da Carta os municiacutepios voltam a interessar-se pela educaccedilatildeo fundamental e o paiacutes
atinge a universalizaccedilatildeo do setor o que se busca agora satildeo mecanismos para
garantir a qualidade no ensino
O segundo passo nessa dinacircmica eacute o oferecimento a todos os cidadatildeos de
condiccedilotildees miacutenimas de sobrevivecircncia e de existecircncia condignas atraveacutes do acesso
ao trabalho produtivo livremente escolhido e do pagamento de remuneraccedilatildeo capaz
de prover ao sustento do trabalhador e de sua famiacutelia
Para milhotildees de cidadatildeos que vivem na ignoracircncia e na miseacuteria nenhuma
utilidade ou eficaacutecia tecircm os inuacutemeros direitos constitucionalmente assegurados Para
aqueles que se habituaram a retirar proventos da mendicacircncia da prostituiccedilatildeo de
atividades iliacutecitas ou aqueles que se sentiram forccedilados a sujeitar-se agrave exploraccedilatildeo de
outrem para sobreviver natildeo haacute nenhuma crenccedila na dignidade da pessoa humana e
no valor social do trabalho
42
A pobreza engendra inuacutemeras relaccedilotildees de dominaccedilatildeo entre pessoas e entre grupos sociais As habitaccedilotildees subumanas da periferia das grandes cidades no Brasil constituem verdadeiros quistos sociais terras sem lei controladas por xerifes ou por quadrilhas de malfeitores O Estado que natildeo for capaz de dotar essas comunidades do acesso efetivo agrave Educaccedilatildeo agrave Sauacutede agrave Seguranccedila e agrave Paz Puacuteblicas e ao trabalho liacutecito certamente natildeo lhes estaraacute assegurando o acesso ao Direito porque a populaccedilatildeo abrutalhada pela miseacuteria e coagida pelo medo natildeo desfruta da miacutenima eficaacutecia concreta dos
seus direitos fundamentais (GRECO 2009)
Evidencia que acesso ao Direito nas sociedades modernas mesmo nas
economicamente desenvolvidas exige o fortalecimento dos grupos intermediaacuterios e
do associativismo O cidadatildeo natildeo estaacute mais em condiccedilotildees de defender-se
individualmente das ameaccedilas e lesotildees aos seus direitos perpetradas por pessoas ou
grupos que se encontram em posiccedilatildeo de vantagem nas relaccedilotildees econocircmicas e
sociais
O sindicato veio exercer este importante papel em relaccedilatildeo ao trabalhador
empregado Mas hoje as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo natildeo satildeo apenas as que existem no
mundo do trabalho mas as que se revelam em todos os tipos de relaccedilotildees humanas
relaccedilotildees de consumo relaccedilotildees de vizinhanccedila relaccedilotildees locatiacutecias relaccedilotildees
comerciais internas e internacionais e natildeo com menor relevacircncia relaccedilotildees entre os
particulares e o Estado entre outras
Eacute preciso assegurar esse equiliacutebrio na praacutetica o que somente tornar-se-aacute
possiacutevel atraveacutes da articulaccedilatildeo dos sujeitos que se encontram em posiccedilatildeo de
desvantagem em organizaccedilotildees e associaccedilotildees que pela uniatildeo de esforccedilos
consigam compensar o desequiliacutebrio existente e dar aos indiviacuteduos e grupos a forccedila
e a capa de proteccedilatildeo necessaacuterias para ombrearem-se aos seus adversaacuterios e
lutarem pelos seus direitos ou interesses em igualdade de condiccedilotildees
Para Greco (2009) o pressuposto indispensaacutevel do acesso ao Direito eacute a
transparecircncia do Estado no trato de questotildees que possam afetar a esfera de
interesses dos cidadatildeos e complementa que aos cidadatildeos eacute indispensaacutevel
assegurar o direito de influir eficazmente nas decisotildees do poder puacuteblico atraveacutes dos
mais diversos instrumentos de participaccedilatildeo democraacutetica Ele afirma que
A relaccedilatildeo Estado-cidadatildeo natildeo eacute mais a relaccedilatildeo soberano-suacutedito O cidadatildeo tem o direito de exigir do Estado o pleno respeito ao seu
43
patrimocircnio juriacutedico Lamentavelmente a crise do Estado tem levado o Brasil a aceitar-se como normal que as pessoas juriacutedicas de Direito Puacuteblico natildeo cumpram devidamente as prestaccedilotildees positivas de que satildeo devedoras perante os particulares cabendo a estes demandar na Justiccedila para obtecirc-las (GRECO 2009)
Essa visatildeo deformada da responsabilidade do Estado ocorre o
desvirtuamento da justiccedila Por outro lado agrave violaccedilatildeo da garantia constitucional da
tutela jurisdicional efetiva (Constituiccedilatildeo artigo 5 inciso XXXV) disciplina a lei natildeo
excluiraacute da apreciaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio lesatildeo ou ameaccedila ao direito Assim o
acesso ao Direito natildeo estaraacute concretamente assegurado se o Estado natildeo oferecer a
todo cidadatildeo a possibilidade de receber aconselhamento juriacutedico a respeito dos seus
direitos
Constituiccedilatildeo de 1988 no artigo 5deg inciso LXXIV assegurou a todos
ldquoassistecircncia juriacutedicardquo a englobar assistecircncia judiciaacuteria e assessoramento juriacutedico
extrajudicial Conforme Greco (2009) ldquoeacute preciso que esse direito seja assegurado
na praacutetica Uma vez que na vida moderna o Direito tornou-se excessivamente
complexordquo Ainda no dizer do autor a consciecircncia juriacutedica do homem comum que
deve ser adquirida na famiacutelia e na escola natildeo eacute mais suficiente para a tomada de
decisotildees na vida diaacuteria das pessoas Todas as pessoas mantecircm complexas relaccedilotildees
juriacutedicas com instituiccedilotildees financeiras com fornecedores de bens e de serviccedilos etc
Nessas relaccedilotildees juriacutedicas com frequecircncia os cidadatildeos tecircm de tomar decisotildees
raacutepidas O cidadatildeo que tem meios procura um advogado particular para assessoraacute-
lo Ao pobre o Estado deve assegurar o mesmo direito em plenitude
Sem duacutevida o uacuteltimo pressuposto do acesso ao Direito eacute o acesso agrave Justiccedila
no sentido de acesso a um tribunal estatal imparcial previamente instituiacutedo como
competente para a soluccedilatildeo de qualquer litiacutegio a respeito de interesse que se afirme
juridicamente protegido ou para a praacutetica de qualquer ato que a lei subordine agrave
aprovaccedilatildeo autorizaccedilatildeo ou homologaccedilatildeo judicial
Se o cidadatildeo tem consciecircncia dos seus direitos se o Estado lhe fornece
todas as condiccedilotildees para livremente exercecirc-los mas algum outro cidadatildeo ou algum
oacutergatildeo do proacuteprio Estado impede ou dificulta esse exerciacutecio cabe ao poder puacuteblico
pocircr agrave disposiccedilatildeo do cidadatildeo lesionado ou ameaccedilado a jurisdiccedilatildeo necessaacuteria para
assegurar o pleno acesso a tal direito
Atingimos eacute certo um estaacutegio de desenvolvimento do Direito Humanitaacuterio que
natildeo mais nos permite conformar-nos com uma realidade distante do padratildeo de
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convivecircncia humana que outras naccedilotildees jaacute alcanccedilaram O exerciacutecio pleno de
cidadania seraacute obra de mais de uma geraccedilatildeo Mas se trabalharmos com firmeza
certamente os jovens de hoje poderatildeo legar aos seus descendentes a emancipaccedilatildeo
cidadatilde um paiacutes melhor e uma sociedade mais justa e democraacutetica
33 O municiacutepio como acircmbito de exerciacutecio de cidadania
Historicamente o Municiacutepio enquanto unidade poliacutetico-administrativa surgiu
conforme descreve Berardi (2004) com a Repuacuteblica Romana interessada em
manter a dominaccedilatildeo paciacutefica das cidades conquistadas pela forccedila dos exeacutercitos
Sua origem mais de natureza socioloacutegica do que poliacutetica adveacutem do espiacuterito
associativo do homem e de suas relaccedilotildees de vizinhanccedila
Eacute pois a menor unidade territorial de Federaccedilatildeo cuja criaccedilatildeo reflete a base
da organizaccedilatildeo poliacutetica administrativa da Naccedilatildeo Portanto sua funccedilatildeo administrativa
historicamente vem assentada no princiacutepio do direito natural
O artigo primeiro da Constituiccedilatildeo Federal de 1998 estabelece que o
Municiacutepio ao lado dos Estados e do Distrito Federal formam a Republica Federativa
do Brasil que se constitui em Estado Democraacutetico de Direito O municiacutepio tem assim
um poder relevante para a aplicaccedilatildeo da democracia direta iniciada e fortalecida em
niacutevel local Diversos pensadores chegaram a afirmar que a descentralizaccedilatildeo de
poder resultante da constituiccedilatildeo Cidadatilde era antes de tudo uma conquista dos
Municiacutepios sendo eles os berccedilos da perpetuaccedilatildeo da Repuacuteblica e da Democracia
efetivamente por serem o uacutenico niacutevel de governo possuidores de respaldo e
localizaccedilatildeo fiacutesica ou seja solo municipal
Eacute certo que a Carta Magna de 1988 consolidou significativas inovaccedilotildees para a
vida municipal de forma que o Municiacutepio passou a constituir um dos entes da
federaccedilatildeo tratando-o como unidade dotada de autonomia poliacutetica expressa na
capacidade de poder elaborar a sua Lei Orgacircnica fugindo assim da tutela dos
estados que ateacute entatildeo eram considerados como uacutenicos componentes da federaccedilatildeo
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A Lei Orgacircnica Municipal traz em seu bojo aleacutem da organizaccedilatildeo
administrativa do Municiacutepio a restauraccedilatildeo do Poder Legislativo municipal definindo
a diversificaccedilatildeo normativa que natildeo existia nas leis organizacionais outorgadas pelo
Estado reflexo do poder constituinte outorgados aos Municiacutepios pela Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 como consequecircncia do efetivo exerciacutecio do conceito de Estado
Democraacutetico de Direito
O Municiacutepio enquanto ente federativo tem atualmente a responsabilidade de
ordenar o seu desenvolvimento social e a garantia do bem estar de seus habitantes
executando poliacuteticas puacuteblicas de accedilotildees a serem empreendidas na consolidaccedilatildeo
democraacutetica do Estado
Fundada no elemento participaccedilatildeo o exerciacutecio de cidadania amplamente
citado encontra sua efetividade no municiacutepio Pois eacute nesse acircmbito de localizaccedilatildeo
que as pessoas mantecircm um contato direto com os poderes instituiacutedos suas
necessidades imediatas e mediatas satildeo objetos da disciplina da Lei que visa o bem
comum base do Estado democraacutetico de Direito
Baseado na maacutexima do municipalista e defensor da descentralizaccedilatildeo poliacutetica
Franco Motoro sabiamente proferiu que ldquoningueacutem vive na Uniatildeo ou no Estado As
pessoas vivem no Municiacutepiordquo Assim a cidadania encontra seu melhor espaccedilo de
realizaccedilatildeo na comunidade onde convive A vida em comunidade gera anseios
comuns sentimentos comuns uma vez que a convivecircncia propicia que as pessoas
se conheccedilam e se reconheccedilam como membros de uma mesma realidade
De acordo com Harvey (1992) ldquoa globalizaccedilatildeo provoca anonimato enquanto
comunidade cultiva solidariedaderdquo o que implica participaccedilatildeo para o exerciacutecio de
cidadania
Tudo o que acontece no mundo seja no meu paiacutes na minha cidade ou no meu bairro acontece comigo Entatildeo eu preciso participar das decisotildees que interferem na minha vida Um cidadatildeo com um sentimento eacutetico forte e consciecircncia da cidadania natildeo deixa passar nada natildeo abre matildeo desse poder de participaccedilatildeo (Herbert de Souza Betinho)
Com esse embasamento natildeo se pode perder de vista que eacute nas relaccedilotildees
diaacuterias de oposiccedilatildeo ou solidariedade que as pessoas exercem cidadania Na relaccedilatildeo
do com o outro com os poderes ao estabelecer com a vida social e puacuteblica uma
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convivecircncia posto que cidadania eacute tarefa que natildeo termina natildeo eacute um conceito
pronto tatildeo pouco acabado enquanto seres inacabados que somos estaremos
buscando descobrindo criando e tomando consciecircncia mais ampla dos direitos
O desafio eacute construir um novo discurso sobre cidadania atraveacutes de uma
praacutetica poliacutetica sustentada isto eacute realizada em dois niacuteveis
O primeiro niacutevel na base atraveacutes de construccedilatildeo das capacidades e do poder
proacuteprio da populaccedilatildeo o que envolve inevitavelmente uma mudanccedila de atitude na
busca para garantir seus direitos utilizando-se do grau de autonomia local
Essa atitude conceberia agrave democracia participativa como uma poliacutetica paralela
de intervenccedilatildeo social criando e mantendo novos espaccedilos para a tomada de
decisotildees ou seja para o auto-governo pela populaccedilatildeo nas mateacuterias que afetam
diretamente suas vidas
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade
O segundo niacutevel um governo com o povo e natildeo apenas para o povo fundado
nos ditames constitucionais valorizando o sentimento da sociedade no exerciacutecio da
governabilidade de modo que o balizamento das accedilotildees de governo deixaria de estar
no proacuteprio governo e passaria a estabelecer-se a partir do pensar da sociedade Um
governo que se pergunta o que se deve fazer para ouvir com a maior fidelidade
possiacutevel a sociedade suas instituiccedilotildees representativas e o cidadatildeo Pois as
prioridades da gestatildeo deveriam ser definidas pela sociedade e natildeo mais pelo
governo
Portanto nesses termos eacute preciso considerar que as praacuteticas da
administraccedilatildeo puacuteblica sejam democratizadoras e inclusivas inspiradas nos
princiacutepios da legalidade impessoalidade moralidade publicidade e eficiecircncia Esta
uacuteltima buscou estabelecer uma Administraccedilatildeo Puacuteblica mais eficiente no sentido de
que o cidadatildeo como destinataacuterio dos serviccedilos puacuteblicos que o Estado deve prestar
receba-os com maior qualidade e menor custo para o eraacuterio puacuteblico
Para a consecuccedilatildeo desse governar com o povo alguns pontos devem ser
revistos A mudanccedila implica na necessidade de adequaccedilatildeo reorganizaccedilatildeo
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reformulaccedilatildeo Para isso se faz premente em face dos novos e modernos conceitos
de gestatildeo puacuteblica a superaccedilatildeo do tradicional vezo burocraacutetico que vem convertendo
a Administraccedilatildeo nas palavras Dromi (1995) numa cara ldquomaacutequina de impedirrdquo fiel
ldquocoacutedigo do fracassordquo que dispotildee ldquoartigo primeiro natildeo pode artigo segundo em
caso de duacutevida abstenha-se artigo terceiro se eacute urgente espere artigo quarto
sempre eacute mais prudente natildeo fazer nadardquo numa posiccedilatildeo natildeo burocraacutetica e sim
democraacutetica de considerar que organizaccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica inclui a
praacutetica de ver os cidadatildeos como membros plenos da comunidade poliacutetica tendo
acesso e exercitando direitos as que promovem a organizaccedilatildeo da populaccedilatildeo em
torno de temas de interesse comum as que incluem o controle social sobre a
gestatildeo o debate amplo e informado sobre questotildees de governo e que abrem agrave
populaccedilatildeo as decisotildees sobre estas questotildees Como leciona e Barrientos (2000)
Tratam-se de praacuteticas que natildeo buscam somente melhorar a eficiecircncia administrativa das diferentes organizaccedilotildees puacuteblicas mas que incorporam no seu processo de gestatildeo a dimensatildeo ativa da cidadania isto eacute ldquoque facilitam as iniciativas e responsabilidades de todos os envolvidos[] estabelecendo pontes entre Estado e sociedade civil
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade Acreditamos
que o ponto de partida eacute a atitude aliada agrave solidariedade e ao espiacuterito coletivo Pois
governo e cidadatildeos juntos haveratildeo de cumprir um novo papel no processo de
desenvolvimento como agentes de uma nova cultura
Como afirma Peter Drucke
A parceria comunitaacuteria seraacute um dos verdadeiros setores em crescimento das economias desenvolvidas Surge da necessidade de uma participaccedilatildeo mais direta e efetiva da comunidade nas grandes questotildees da vida social pois natildeo existe ningueacutem melhor que o cidadatildeo para saber o que ele quer para si para sua famiacutelia e para sua comunidade (apud RAMOS 1990)
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O envolvimento efetivo da sociedade nas questotildees sociais natildeo eacute apenas uma
postura moderna Significa antes de tudo uma atitude digna de todos aqueles que
desejam exercer sua cidadania contribuindo para um paiacutes melhor e em especial
para uma sociedade mais justa fraterna e solidaacuteria
Na histoacuteria observa-se a grande coragem das pessoas em construir o
reconhecimento delas proacuteprias e de seus direitos sempre buscando a participaccedilatildeo e
defendendo os Direitos Humanos Sem duacutevida a maior ecircnfase que deve ocorrer
para a construccedilatildeo real da cidadania eacute uma mudanccedila na sociedade O melhor a ser
feito eacute reforccedilar a organizaccedilatildeo democraacutetica buscando novas formas de participaccedilatildeo
social pois cidadania natildeo se resume ao poder de votar ou ser votado mas eacute sempre
na efetiva participaccedilatildeo popular pois somente com isso haacute a verdadeira
conscientizaccedilatildeo e o comprometimento daquele que passa a se sentir cidadatildeo
abandonando-se velhos viacutecios da poliacutetica representativa
Desse modo a participaccedilatildeo do povo no momento das reivindicaccedilotildees das
discussotildees e apreciaccedilotildees de projetos que visem agrave melhoria da comunidade local a
exigecircncia de transparecircncia na administraccedilatildeo da coisa puacuteblica dentre outras eacute quem
daraacute embasamento para as verdadeiras conquistas sociais no Municiacutepio que geram
saudaacuteveis formas de pressatildeo por efetivas poliacuteticas puacuteblicas de inclusatildeo social
gerando o fim do clientelismo poliacutetico tatildeo pejorativo e comum em nossa realidade e
cultura poliacutetica
Somente a participaccedilatildeo social eacute que iraacute causar uma real democratizaccedilatildeo do
poder A afirmaccedilatildeo da cidadania eacute pressuposto para a realizaccedilatildeo dos Direitos
Humanos pois os homens natildeo nascem naturalmente iguais Inclusive para que
ocorra a realizaccedilatildeo dos referidos direitos eacute necessaacuterio tambeacutem que exista um
espaccedilo puacuteblico que seja realmente democraacutetico e acessiacutevel possibilitando a
participaccedilatildeo de todos e esse espaccedilo eacute certamente o municiacutepio
Na praacutetica um forte instrumento de cidadania para atender as necessidades
coletivas eacute o orccedilamento participativo previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal que
determina expressamente a realizaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas e a participaccedilatildeo
popular nos processos de elaboraccedilatildeo e conduccedilatildeo dos orccedilamentos como forma de
incentivo agrave preparaccedilatildeo e execuccedilatildeo de planejamentos que envolvam diretamente o
povo A Lei veio incentivar a sua propagaccedilatildeo para todos os entes federativos tendo
em conta que se trata de uma tendecircncia mundial por legitimar as escolhas e
fortalecer o princiacutepio da transparecircncia
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Os meios de acesso do cidadatildeo junto aos Poderes Puacuteblicos eacute uma realidade
no Estado Democraacutetico de Direito brasileiro a exemplo das sessotildees do Poder
Legislativo que satildeo puacuteblicas ficando abertas a todos que delas quiserem participar
Emite-se uma pauta antes do comeccedilo da sessatildeo com a preacutevia dos debates Em
niacutevel municipal verifica-se um acompanhamento mais incisivo sobre as sessotildees das
Cacircmaras de Vereadores como forma de pressatildeo para aprovaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees
da comunidade avaliaccedilatildeo do desempenho e aceitaccedilatildeo de propostas orccedilamentaacuterias
e atuaccedilatildeo dos poliacuteticos bem como entendimento das funccedilotildees do Poder Legislativo
A Constituiccedilatildeo Federal assegura desde 1988 a possibilidade de se oferecer
peticcedilatildeo agraves Mesas Legislativas como forma de pedir informaccedilotildees sobre andamento
de projetos ou relatoacuterios encaminhados aos chefes do Poder Executivo Em niacutevel
municipal pode ser utilizada a Tribuna Livre como instrumento para denuacutencias de
problemas ou discussatildeo de um tema ou mesmo para apresentar sugestotildees sendo
regulado pela Lei Orgacircnica Municipal e pelo Regimento Interno da Cacircmara
A convocaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas tambeacutem possui previsatildeo constitucional
no art 58 sect 20 inciso II em niacutevel federal As comissotildees podem em razatildeo da
mateacuteria de sua competecircncia realizar audiecircncias puacuteblicas com entidades da
sociedade civil E nada obsta que estejam previstas formas de articulaccedilatildeo da
sociedade civil com os Presidentes das Comissotildees da Cacircmara no seu Regimento
Interno em acircmbito municipal
Os dispositivos da Constituiccedilatildeo Federal que dispotildeem sobre a forma de
participaccedilatildeo direta do cidadatildeo e da sociedade civil no processo democraacutetico natildeo se
pode negar que trouxe novas perspectivas De modo geral podemos citar
Art 29 A lei orgacircnica dos Municiacutepios tem que observar entre os seus
preceitos ldquocooperaccedilatildeo das associaccedilotildees representativas no planejamento municipalrdquo
Art 31 As contas dos municiacutepios ficaratildeo durante 60 (sessenta) dias
anualmente a disposiccedilatildeo de qualquer contribuinte para exame e apreciaccedilatildeo o qual
poderaacute questionar-lhes a legitimidade nos termos da lei
Art37 sect 3ordm (EC-1998) A lei disciplinaraacute as formas de participaccedilatildeo do usuaacuterio
na administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta regulando especialmente
I- as reclamaccedilotildees relativas a prestaccedilatildeo dos serviccedilos puacuteblicos em geral asseguradas
a manutenccedilatildeo de serviccedilo de atendimento ao usuaacuterio e a avaliaccedilatildeo perioacutedica externa
e interna da qualidade dos serviccedilos
50
II- o acesso dos usuaacuterios a registros administrativos e a informaccedilatildeo sobre atos de
governo observado o disposto no art 5ordm X e XXXIII
III- a disciplina da representaccedilatildeo conta o exerciacutecio negligente ou abusivo de cargo
emprego ou funccedilatildeo na administraccedilatildeo puacuteblica
Art 74 sect 2ordm Qualquer cidadatildeo partido poliacutetico associaccedilatildeo ou sindicato eacute
parte legiacutetima para na forma de lei denunciar irregularidades ou ilegalidades perante
o Tribunal de Contas da Uniatildeo
Art194 paraacutegrafo uacutenico Compete ao Poder Puacuteblico nos termos da lei
organizar a seguridade social com base nos seguintes objetivos ()
VII ndash caraacuteter democraacutetivo descentralizado na administraccedilatildeo mediante gestatildeo
quadripartite com participaccedilatildeo dos trabalhadores dos empregados e dos
aposentados e do Governo nos oacutergatildeos colegiados nos oacutergatildeos colegiados
Art 198 As accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede integram uma rede
regionalizada e hierarquizada o constituem um sistema uacutenico organizado de acordo
com as seguintes diretrizes
III ndash participaccedilatildeo da comunidade
Art 202 sect 6ordm A lei complementa a que se refere o sect 4ordm deste artigo
estabeleceraacute os requisitos para a designaccedilatildeo dos membros das diretorias das
entidades fechadas de previdecircncia privada e disciplinaraacute a inserccedilatildeo dos
participantes nos colegiados e instacircncias de decisatildeo em que seus interesses sejam
objeto de discussatildeo e deliberaccedilatildeo
Art 204 As accedilotildees governamentais na aacuterea de assistecircncia social seratildeo
organizadas com base nas seguintes diretrizes
II ndash Participaccedilatildeo da populaccedilatildeo por meio de organizaccedilotildees representativas na
formulaccedilatildeo das poliacuteticas e no controle das accedilotildees em todos os niacuteveis
O protagonista na concretizaccedilatildeo dos direitos humanos e na ampliaccedilatildeo da cidadania eacute um sujeito coletivo de um trabalho sempre inacabado eis que se tratam de tarefas e conquistas cotidianas e gradativas obras que soacute podem ser realizada a muitas matildeos no partilhar e compartilhar da vida (COSTA NETO 2010)
A ampliaccedilatildeo da cidadania requer a consciecircncia de que os direitos pressupotildeem
deveres de maneira que os direitos de um indiviacuteduo satildeo garantidos a partir do
cumprimento dos deveres dos demais componentes da sociedade
51
34 A necessaacuteria superaccedilatildeo de velhos paradigmas
Como se sabe em 1988 foi aprovada a Constituiccedilatildeo mais liberal e
democraacutetica do Brasil chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo Assim ampliou-se de
forma significativa o campo dos direitos e garantias fundamentais No que diz
respeito a tal mateacuteria eacute considerada como uma das mais avanccediladas do mundo No
seu preacircmbulo adota o modelo de um Estado democraacutetico de Direito destinado a
garantir o exerciacutecio dos direitos sociais e individuais a liberdade a seguranccedila o
bem-estar o desenvolvimento a igualdade e a justiccedila eleitos como valores
supremos de uma sociedade fraterna pluralista e sem preconceitos
Para a construccedilatildeo democraacutetica da cidadania no Brasil contemporacircneo
salienta-se de ela deve passar de uma democracia representativa para uma
cidadania que efetivamente molde a democracia ou seja uma cidadania instituinte
da democracia
No acircmbito constitucional positivo cidadania pressupotildee o exerciacutecio de todos
os direitos fundamentais e garantias que caracterizam o Estado democraacutetico de
Direito Quando se fala em cidadania eacute no sentido de reafirmar o direito pela plena
realizaccedilatildeo do indiviacuteduo do cidadatildeo dos entes coletivos e de sua emancipaccedilatildeo nos
espaccedilos da sociedade Estatildeo sempre intimamente ligados os conceitos de
cidadania democracia e direitos humanos sendo que um remete ao outro e seus
conteuacutedos se interligam ou seja a cidadania natildeo iraacute ocorrer sem que ocorra a
realizaccedilatildeo dos Direitos Humanos da mesma forma que os direitos humanos natildeo
seratildeo concretizados se natildeo houver o exerciacutecio da cidadania
Na evoluccedilatildeo histoacuterica tais categorias se desenvolveram de forma conjunta
com o Estado Representam noccedilotildees desejaacuteveis de relaccedilotildees humanas que se espera
sejam instituiacutedas Satildeo os elementos basilares na nova ordem social e que a
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 pretendeu edificar Poreacutem a democracia poliacutetica natildeo
resolveu os problemas econocircmicos mais seacuterios como a desigualdade e o
desemprego Continuam muito seacuterios os problemas da aacuterea social principalmente
na educaccedilatildeo nos serviccedilos de sauacutede e saneamento como tambeacutem e
principalmente quanto agrave seguranccedila puacuteblica
52
A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 em seu artigo 6ordm e em outros artigos no texto
constitucional ampliou e muito os Direitos Sociais proibiu discriminaccedilotildees Assim
indicadores baacutesicos de qualidade de vida apontam que houve uma melhoria A
mortalidade infantil por exemplo caiu de maneira significativa nos uacuteltimos anos A
esperanccedila de vida ao nascer passou de 60 anos em 1980 para 70 em 2000 Poreacutem
o maior progresso foi na aacuterea da educaccedilatildeo fundamental que eacute considerado fator
decisivo para a cidadania pois a taxa de analfabetismo caiu consideravelmente
entretanto existem muitos problemas no campo educacional como a repetecircncia e
com relaccedilatildeo a desigualdade social entre as regiotildees
A grande concentraccedilatildeo da riqueza nacional nas matildeos de poucos reflete a
desigualdade e causa a pobreza e a miseacuteria ao passo que dificulta o acesso do
cidadatildeo agrave justiccedila e consequentemente ao seu estado de cidadania pleno
Dentre os fundamentos no qual se baseiam o Estado democraacutetico de Direito
no Brasil destaca-se justamente a cidadania e a dignidade humana conforme artigo
1ordm incisos II e III da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Entatildeo construir uma sociedade
livre justa e solidaacuteria garantir o desenvolvimento nacional erradicar a pobreza e a
marginalizaccedilatildeo reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de
todos sem preconceitos de origem raccedila sexo cor idade ou quaisquer outras
formas de discriminaccedilatildeo satildeo os objetivos fundamentais do Estado Brasileiro
conforme art 3ordm da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
O cenaacuterio de globalizaccedilatildeo econocircmica mundial tambeacutem traacutes seacuterios obstaacuteculos
para a construccedilatildeo da cidadania A globalizaccedilatildeo da economia em ritmo acelerado
provoca grandes mudanccedilas nas relaccedilotildees entre Estado sociedade e naccedilatildeo que
eram sempre o centro da noccedilatildeo e da praacutetica da cidadania ocidental O foco das
mudanccedilas e das preocupaccedilotildees estaacute em dois focos especiacuteficos a reduccedilatildeo do papel
central do Estado como fonte de direitos e local para a participaccedilatildeo e o
deslocamento da naccedilatildeo como principal fonte de identidade coletiva
Para que ocorra efetiva mudanccedila a melhor proposta eacute no sentido de
mudanccedila na organizaccedilatildeo da sociedade pois a inversatildeo da sequecircncia dos direitos
fez com que ocorra o reforccedilo da supremacia do Estado Para que ocorra a
consolidaccedilatildeo democraacutetica e cidadatilde eacute necessaacuterio reforccedilar a organizaccedilatildeo da
sociedade para assim dar embasamento social ao poder poliacutetico ou seja
finalmente democratizar o poder e estabelecer de forma plena a Cidadania
53
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A Constituiccedilatildeo que nasce com ldquocheiro de amanhatilde e natildeo de mofordquo nas
palavras do Deputado Ulisses Guimaratildees tem em seu relevo a esperanccedila de um
povo que sonhava com a erradicaccedilatildeo da repressatildeo militar e natildeo soacute isso um povo
que sonhava com a liberdade em suas diversas manifestaccedilotildees em suas mais
significativas formas de representaccedilatildeo e sobretudo com um paiacutes voltado para a
democracia e justiccedila social
Ao povo brasileiro foi concedido o poder de governar e nesse contexto de
mudanccedila a ldquodemocracia eacute o governo do povo pelo povo e para o povordquo na
conceituaccedilatildeo ceacutelebre de Abraham Lincoln E consoante estabelece o paraacutegrafo
uacutenico do art 1ordm da Carta cidadatilde de 1988 ldquotodo poder emana do povo que o exerce
por meio de representantes eleitos ou diretamenterdquo
No entanto natildeo basta que a fonte de poder seja o povo a democracia vem
significar a efetiva participaccedilatildeo do povo nas decisotildees e destino do Estado e sua
consolidaccedilatildeo eacute a proacutepria cidadania pois eacute o cidadatildeo que pensa e se auto define
diante da condiccedilatildeo soacutecio-histoacuterica O cidadatildeo tem portanto o poder de transformar
a realidade social segundo seu pensamento e accedilatildeo
Natildeo se pode negar que a Carta de 1988 foi a que apresentou maior
legitimidade popular que abriu caminhos apontando um novo tempo
Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita Se fosse perfeita seria irreformaacutevel Ela proacutepria com humildade e realismo admite ser emendada ateacute por maioria mais acessiacutevel dentro de cinco anos Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita mas seraacute uacutetil e pioneira e desbravadora Seraacute luz ainda que de lamparina na noite dos desgraccedilados Eacute caminhando que se abrem os caminhos Ela vai caminhar e abri-los Seraacute redentor o que penetrar nos bolsotildees sujos escuros e ignorados da miseacuteria (Ulysses Guimaratildees)
Mesmo natildeo sendo a constituiccedilatildeo perfeita sem duacutevida foi a que trouxe
esperanccedila ao povo brasileiro com a sua promulgaccedilatildeo surgiram o ldquohaacutebeas datardquo o
mandado de injunccedilatildeo e o mandado de seguranccedila coletivo - todos remeacutedios judiciais
de iacutendoles constitucionais serviacuteveis para prevenir e combater diversas tentativas de
abuso contra a pessoa humana Outrossim o objeto da accedilatildeo popular foi ampliado
Atualmente qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima para propor a mencionada accedilatildeo
54
popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de entidade de que o
Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e ao patrimocircnio
histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de custas
judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia Nesse rol de forma decisiva houve a
ampliaccedilatildeo tambeacutem dos direitos sociais
Assim a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconhece e assegura uma seacuterie de
escudos protetivos aos cidadatildeos Em sua essecircncia os direitos fundamentais
ganham forma De modo que podemos assegurar que hoje o nosso Estado eacute uma
organizaccedilatildeo centrada no ser humano visto que tem a dignidade da pessoa humana
como um fundamento da Repuacuteblica Federativa do Brasil
Apesar das inuacutemeras dificuldades o Estado Democraacutetico de Direito fundado
na cidadania constituiu para o povo uma nova identidade ndash o que em outras eacutepocas
natildeo existia
A Constituiccedilatildeo circunscreve toda a organizaccedilatildeo poliacutetica estatal no intuito
maior de criar no consciente coletivo a vontade livre e determinada de desenvolver
padrotildees de condutas destinados a elevar e promover a auto-estima de toda a
comunidade paacutetria
Foi nesse sentido que estatui em seu artigo 1ordm a cidadania como fundamento
do Estado Democraacutetico de Direito ampliando e enriquecendo o tal conceito Cada
eacutepoca produziu praacuteticas e reflexotildees muito distintas sobre o tema cidadania A
definiccedilatildeo de cidadania que vem sofrendo alteraccedilotildees ao longo do tempo obedecendo
a um processo histoacuterico de conquistas sociais eacute compreendida atualmente como
um processo de participaccedilatildeo do indiviacuteduo ou de um grupo organizado nas mais
variadas aacutereas de atuaccedilatildeo da sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos
e sociais
A cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia disso natildeo haacute duvidas e se
efetiva como mudanccedilas na realidade de cada um com melhoria de vida e
conscientizaccedilatildeo da importacircncia do cidadatildeo dado que eacute um processo em
permanente construccedilatildeo Natildeo haacute como defender uma qualidade de vida sem a
preservaccedilatildeo da cidadania em todos os seus acircmbitos Nesse sentido a efetiva
proteccedilatildeo desse aspecto basilar torna-se essencial no que tange uma assistecircncia
juriacutedica completa
No contraponto do direito estatildeo os deveres que encontramos sua realizaccedilatildeo
tambeacutem na participaccedilatildeo observando que o cidadatildeo eacute responsaacutevel pelo advir de
55
suas accedilotildees A participaccedilatildeo reflete um caraacuteter de natildeo comodismo de atenccedilatildeo agravequilo
que eacute particular e coletivo tendo como finalidade preciacutepua o bem comum
Construir cidadania hoje eacute imperativo para a sociedade pois dessa
construccedilatildeo depende o amanhatilde Estamos diante da Constituiccedilatildeo que se propotildee a
resguardar o amanhatilde sem perder de vista que ele comeccedila hoje agora e nisso a
Carta Poliacutetica traacutes consigo a certeza do despertar dessa consciecircncia a consciecircncia
cidadatilde Ela eacute a semente plantada em terra feacutertil que gera frutos diariamente e se
renova a cada estaccedilatildeo na dinacircmica da vida Talvez tenha sido esse o cheiro de
frutas alcanccedilado pelo constituinte ao anunciar que a carta tem ldquocheiro do amanhatilderdquo
A responsabilidade pelo exerciacutecio desses direitos belissimamente elencados
depende de todos e de cada um pois somos o terreno feacutertil que produziraacute o fruto de
uma sociedade fraterna
Eacute comum na praacutetica apenas responsabilizarmos o Estado em sentido lato pelo
natildeo exerciacutecio dos direitos do cidadatildeo Vale lembrar nesse contexto das palavras de
J Kennedy o qual disse ldquonatildeo pergunte o que o Estado pode fazer por vocecirc mas o
que vocecirc pode fazer pelo Estadordquo haacute nessa frase um forte traccedilo de cidadania pois
quando o cidadatildeo reivindica critica opina o que ele daacute em contrapartida ao paiacutes eacute
solidificado visto que eacute nas relaccedilotildees familiares em comunidade que se estabelece e
se fortalece os viacutenculos de solidariedade de uma sociedade que perpetua valores
condutas que as leis reguladoras natildeo conseguem por si soacute estabelecer
A concretizaccedilatildeo do ideal de uma qualidade de vida merecida a todos os seres
humanos sem restriccedilotildees requer entretanto um esforccedilo coletivo Dessa forma haacute
necessidade de suprir as muitas carecircncias advindas das desigualdades sociais e de
condiccedilotildees do descaso do poder puacuteblico e da proacutepria conceituaccedilatildeo antiga de
cidadania que ainda eacute concebida por muitos no presente
Em suma nosso trabalho procurou traccedilar a evoluccedilatildeo da cidadania e ao
mesmo tempo buscou traccedilar uma melhor caracterizaccedilatildeo do cidadatildeo agrave luz da nossa
Constituiccedilatildeo que eacute por fim a essecircncia da Magna Carta O alcance da cidadania
enquanto mecanismo de acesso a direitos foi colocado no acircmbito da pessoa
enquanto titular de direitos e num paralelo defendemos que o municiacutepio eacute o espaccedilo
de atuaccedilatildeo e exerciacutecio de cidadania dada a proximidade do cidadatildeo com as
instituiccedilotildees oacutergatildeos entidades e tudo o mais que o cerca na esfera de vivecircncia Eacute na
praccedila que discute a poliacutetica local e nacional que se indigna com as dificuldades e as
56
barreiras de acesso aos seus direitos Eacute no municiacutepio que se inicia todo um vieacutes de
desdobramento para garantir direitos
Por fim natildeo obstante resta dizer sobre o tema que os caminhos e
paradigmas que se intentou percorrer sobre cidadania como mecanismo
transformador da sociedade tem ingrediente ainda a se descortinar para o
propoacutesito valioso do bem comum Pois bem a ideia de bem comum tem como
fundamento o amor maacutexima que se estabelece por meio da democracia visto que
ldquoa demofilia o demoiacutesmo o amor do povo acima de tudo como princiacutepio ativo de
toda a sua vida poliacutetica inspirador duma sempre crescente autonomia imanente eacute
que constitui a verdadeira essecircncia da democraciardquo nas palavras de Melgareacute
(2005)
Dessa forma eacute no nuacutecleo da democracia que estaacute inscrito como pedra
angular o respeito e o amor pela pessoa humana Eacute pois um tema de larga
abrangecircncia poreacutem sem querer abreviar o caminho sua efetiva possibilidade de
realizaccedilatildeo se encontra no exerciacutecio da cidadania sem repuacutedios parciais ou exclusatildeo
de qualquer ordem na plenitude de uma cidadania para todos
57
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conjunto ou por intermeacutedio dos seus governantes se acontecer o contraacuterio (a busca
do interesse proacuteprio) estaacute formada a degeneraccedilatildeo do Estado
Por fim como afirma Correcirca (1999) ldquoa cidadania da Greacutecia Claacutessica
possui um paracircmetro muito especiacutefico de difiacutecil aceitaccedilatildeo numa concepccedilatildeo
moderna de cidadaniardquo Ou seja o que caracteriza a cidadania antiga eacute seu aspecto
limitador elitista e excludente pouco semelhante com o entendimento dos nossos
dias
Destarte como a democracia a cidadania passou por diferentes e possiacuteveis
ldquoinvenccedilotildeesrdquo em periacuteodos e espaccedilos determinados da histoacuteria e da geografia do
Ocidente Greacutecia e Roma consolidaram por seacuteculos seus sistemas de governos
possibilitando e permitindo a participaccedilatildeo de um significativo nuacutemero de cidadatildeos
Com o desaparecimento das civilizaccedilotildees claacutessicas a cidadania desaparece
juntamente e por um bom tempo ficaraacute fora de cena no Ocidente
Conforme Benevides (1994) a ideia moderna de cidadania e de direitos do
cidadatildeo tem como eacute sabido soacutelidas raiacutezes nas lutas e no imaginaacuterio da Revoluccedilatildeo
Francesa
Na continuidade da tradiccedilatildeo dos seacuteculos XVII e XVIII o contratualismo de
Locke e de Rousseau forneceu as bases filosoacuteficas do conceito de cidadania do
liberalismo e as revoluccedilotildees Inglesa Americana e Francesa que validaram seu uso
ao estabelecer um viacutenculo juriacutedico-legal entre as noccedilotildees de liberdade igualdade
fraternidade e o Estado-naccedilatildeo (MOISEacuteS 2005)
Nos seacuteculos XVIII e XIX outras correntes teoacutericas sobre o direito e a cidadania
seratildeo contempladas No entanto estas teorias vatildeo se contrapor agraves teorias do
jusnaturalismo e do contratualismo Segundo Correcirca (1999)
Para o positivismo juriacutedico (positivismo normativista de Kelsen) bem como para a Escola da Exegese e a Escola Histoacuterica o que vale eacute o ensino dogmaacutetico - as normas (exclue-se a anaacutelise interdisciplinar entre outras aacutereas principalmente com as Ciecircncias Sociais) A lei eacute a uacutenica fonte do direito Para essas escolas a cidadania eacute negada
Mais proacuteximo de noacutes no seacuteculo XX T A Marshall foi quem primeiro
discutiu o conceito de cidadania e suas dimensotildees no ensaio claacutessico ldquoCidadania e
classe socialrdquo Ainda hoje depois de mais de seis deacutecadas apoacutes a sua publicaccedilatildeo
16
(em 1949) o ensaio de Marshall continua a ser a referecircncia teoacuterica fundamental
para quem comeccedila a refletir sobre a cidadania na sociedade contemporacircnea eacute o
que se pode constatar de resto atraveacutes da consulta a mais recente bibliografia
dedicada a esse tema
Os Direitos Civis dentro da tradiccedilatildeo apresentada por Marshall estatildeo
ligados aos direitos fundamentais do homem como o direito agrave vida agrave liberdade agrave
propriedade e agrave igualdade perante a lei Jaacute os Direitos Poliacuteticos se referem agrave
participaccedilatildeo do cidadatildeo no governo da sociedade Seu exerciacutecio eacute limitado a uma
reduzida parcela da populaccedilatildeo e consiste na capacidade de fazer demonstraccedilotildees
poliacuteticas formar e participar de agremiaccedilotildees poliacuteticas organizar partidos votar e ser
votado Em geral quando se fala de direitos poliacuteticos
Eacute do direito do voto que se estaacute falando Por fim aparecem os Direitos Sociais que garantem a participaccedilatildeo no governo da sociedade e na riqueza coletiva Eles incluem o direito agrave educaccedilatildeo ao trabalho ao salaacuterio justo agrave sauacutede e agrave aposentadoria (CARVALHO 2002)
Eacute a soma desses direitos (civis poliacuteticos e sociais) que garantem a
emancipaccedilatildeo humana e a justiccedila social Certamente Marshall descreveu a evoluccedilatildeo
da cidadania em seu paiacutes de origem ou seja a Inglaterra Foi nesse paiacutes que
surgiram inicialmente os direitos civis no seacuteculo XVIII depois vieram os direitos
poliacuteticos (XIX) e por fim os direitos sociais (XX) Trata-se portanto de verdadeiras
conquistas da contemporaneidade E como tal fazem parte de um cotidiano em que
homens e mulheres lutam por dias melhores pelo Direito justo por uma cidadania
plena e eficaz por uma convivecircncia equilibrada pela existecircncia plena daqueles que
acreditam e defendem os valores por traacutes da dignidade da pessoa humana
12 A construccedilatildeo da cidadania
A Cidadania natildeo pode ser vista como um conceito estaacutetico pois ela natildeo se
resume somente em participaccedilatildeo atraveacutes de eleiccedilotildees mas sim como uma
construccedilatildeo da democracia politizada e participativa da construccedilatildeo do poder
17
Nas uacuteltimas deacutecadas o Brasil passou por significativas mudanccedilas de
paradigmas dentre os quais podemos citar a reconstruccedilatildeo do conceito proposto de
cidadania Pode-se dizer que apesar das inuacutemeras desigualdades socioeconocircmicas
o termo ldquocidadaniardquo evoluiu ampliando-se a abrangecircncia de sua concepccedilatildeo
abarcando todas as categorias sociais Para tanto para que possamos compreender
como vem se dando essa evoluccedilatildeo eacute preciso que conheccedilamos como tem se dado a
construccedilatildeo histoacuterica da representaccedilatildeo simboacutelica da cidadania
Durante toda a sua evoluccedilatildeo histoacuterica a palavra cidadania e as vaacuterias facetas
que ela assumiu nas uacuteltimas deacutecadas vecircm convivendo de perto com dissensotildees
sociais interesses e conflitos ideoloacutegicos culturais e poliacuteticos que se dedicam a
defender ou construir um modelo de cidadania compatiacutevel com as conjunturas de
cada tempo e de cada lugar
A marcha da cidadania sempre esteve ligada a avanccedilos retrocessos crises e
vitoacuterias enfim a iniciativas voltadas para a implantaccedilatildeo de uma estrateacutegia de luta
pelos direitos humanos pois ela esteve e estaacute em permanente construccedilatildeo eacute como
dizem os grandes teoacutericos um referencial de conquista da humanidade atraveacutes
daqueles que sempre lutaram e lutam por mais direitos mais liberdade melhores
garantias sejam elas individuais ou coletivas e natildeo se conformam frente agraves
dominaccedilotildees arrogantes de um pequeno grupo dominador e opressor contra uma
maioria desassistida e que natildeo se consegue fazer ouvir exatamente porque se lhe
nega a cidadania plena cuja conquista ainda que tardia natildeo seraacute obstada
Os caminhos trilhados pelos que defendem a cidadania podem vir a
apresentar em termos de sentimento constitucional a luta por um Estado
Democraacutetico de Direito que ajude na construccedilatildeo de uma adequada compreensatildeo
das situaccedilotildees de conjuntura e dos problemas estruturais que a sociedade enfrenta
dia apoacutes dia situaccedilotildees essas que se congregam para gerar a falta de efetividade
normativa da nossa Constituiccedilatildeo Aleacutem disso oferecem um amplo panorama acerca
dos esforccedilos que os povos empreenderam para fundar os alicerces das democracias
constitucionais do mundo moderno
A histoacuteria da construccedilatildeo da cidadania eacute uma histoacuteria de resistecircncias de povos
contra as opressotildees dos governos do desespero e das necessidades das massas eacute
a histoacuteria da esperanccedila e do empenho das naccedilotildees a histoacuteria da convivecircncia das
paixotildees humanas do futuro das geraccedilotildees eacute a histoacuteria do sofrimento e da dor eacute a
histoacuteria das vicissitudes e dramas do proacuteprio fenocircmeno humano
18
13 Cidadania um fenocircmeno cultural
A cidadania eacute um fenocircmeno cultural relacionada com a conquista de direitos
com as construccedilotildees das instituiccedilotildees com a proteccedilatildeo dos direitos fundamentais e
dos valores juriacutedicos e humanos Trata-se de uma realidade cultural cuja finalidade eacute
determinar o modo como agraves pessoas devem vincular-se agraves mudanccedilas nas estruturas
sociais determinando o modo como agraves pessoas devem atuar e (com) viver em
sociedade
De certo modo a cidadania como o Direito e todos os direitos representa uma
conquista da cultura frente agrave conflitiva natureza humana Tal conclusatildeo ajuda a
compreender o Estado Democraacutetico de Direito e tudo aquilo que ele simboliza em
termos de emancipaccedilatildeo da pessoa humana Nessa linha a necessidade de
compreender o conceito atual de cidadania agrave luz das questotildees culturais e sociais
postas pela sociedade poacutes-moderna veio-nos como heranccedila do processo cultural de
formaccedilatildeo das democracias modernas
Essa representaccedilatildeo cultural da cidadania vem sendo tratada pelos
pensadores modernos sob vaacuterios enfoques Num primeiro momento surge assim
por exemplo a cidadania civil que marcou a superaccedilatildeo da situaccedilatildeo observada na
Idade Meacutedia garantindo os direitos quanto agrave liberdade e agrave justiccedila e vinculando-se
diretamente agrave burguesia Jaacute a cidadania poliacutetica surgiu com a universalizaccedilatildeo de seu
proacuteprio conceito e com a ampliaccedilatildeo dos direitos civis Esta nova consciecircncia sobre
as diferenccedilas no interior do status de cidadatildeo acentua os debates sobre a exclusatildeo
social os direitos humanos e mesmo sobre a atuaccedilatildeo poliacutetica da sociedade civil Por
outro lado no atual estaacutegio do capitalismo falar em cidadania significar considerar
igualmente as proacuteprias mudanccedilas ocorridas na sociedade nos valores e na
educaccedilatildeo proporcionados pelas inovaccedilotildees da realidade tecnocientifica
Temos desse modo associado ao atual conceito de cidadania um repertoacuterio
teoacuterico e mesmo praacutetico cuja amplitude acompanha o proacuteprio desenvolvimento das
sociedades poacutes-modernas dando a impressatildeo crescente como afirma Harvey
19
De uma poderosa configuraccedilatildeo de novos sentimentos e pensamentos Que parecia a caminho de desenvolvimento social e poliacutetico apenas em virtude da maneira como definia padrotildees de criacutetica social e de praacutetica poliacutetica Em anos recentes ele vem determinando os padrotildees de debate definindo o modo do lsquodiscursorsquo e estabelecendo paracircmetros para a criacutetica cultural poliacutetica e cultural (1992)
Contudo a extensatildeo desses direitos agrave totalidade da populaccedilatildeo natildeo
possibilitou a garantia da liberdade e da igualdade idealizadas por Rousseau em sua
obra ldquoO Contrato Socialrdquo Por outro lado pode-se dizer que todos esses anos de
desenvolvimento acabaram por afirmar que a cidadania de fato soacute pode se constituir
por meio de acirrada luta cotidiana por direitos e pela garantia daqueles que jaacute
existem
Mais do que isso nota-se maior preocupaccedilatildeo com a difusatildeo desses direitos
seja por meio de educaccedilatildeo formal seja pelos meios de comunicaccedilatildeo Livros
didaacuteticos e paradidaacuteticos tecircm fomentado a discussatildeo sobre o status de cidadatildeo e os
direitos humanos outros associam ao desenvolvimento da cidadania uma
discussatildeo sobre os meios de comunicaccedilatildeo e o proacuteprio capitalismo como afirma o
professor Dalmo de Abreu Dallari em Cidadania e Direitos Humanos (1998)
Nessa perspectiva problemas recorrentes como as violaccedilotildees dos direitos
humanos as ineficiecircncias no campo social e o processo de pauperizaccedilatildeo
manifestado na periferia do capitalismo mostram que a cidadania exige mais do que
o simples ato de votar ou de pertencer a uma sociedade poliacutetica Cabe portanto agrave
sociedade civil caraacuteter representativo que substitua as pressotildees ou mesmo a
atuaccedilatildeo legiacutetima dos cidadatildeos
A evoluccedilatildeo da cidadania portanto consiste na lenta construccedilatildeo da
democracia que sintetiza os esforccedilos para a obtenccedilatildeo das prerrogativas ideoloacutegicas
e culturais que tecircm levado os membros da sociedade a decidirem acerca da
realidade que os cercam
14 Cidadania no Brasil breves consideraccedilotildees
Discorrer sobre a construccedilatildeo da cidadania no Brasil eacute tocar num ponto
crucial da nossa histoacuteria Passados mais de 500 anos da chegada dos portugueses
20
por estas paragens percebe-se que a consolidaccedilatildeo da cidadania ainda eacute um desafio
para todos os brasileiros
O tema cidadania muito se tem discutido na academia e fora dela o jargatildeo
da cidadania estaacute na moda nas instituiccedilotildees poliacuteticas e juriacutedicas como tambeacutem na
opiniatildeo puacuteblica mas concretamente eacute um conceito ainda a ser construiacutedo
No contexto histoacuterico-cultural e poliacutetico dos gregos especificamente por
volta do ano 380 aC (periacuteodo do apogeu daquela civilizaccedilatildeo) embora a cidadania
fosse limitada a uma parcela social minoritaacuteria pode-se afirmar que tanto a
democracia quanto a cidadania grega natildeo deixam de ser conquistas ineacuteditas e
avanccedilos significativos para a histoacuteria ocidental Jaacute a evoluccedilatildeo e a real consolidaccedilatildeo
da cidadania na modernidade nascem a partir dos direitos naturais (vida
propriedade liberdade) do homem liberal burguecircs garantido pelas consecutivas
ldquoDeclaraccedilotildees de Direitosrdquo elaboradas a partir das revoluccedilotildees liberais na Inglaterra
(Revoluccedilatildeo Gloriosa 1688-89) Estados Unidos (Emancipaccedilatildeo poliacutetica 1776) Franccedila
(Revoluccedilatildeo Francesa)
No entanto pode-se dizer que o nosso paiacutes apesar da influecircncia dos paiacuteses
europeus vivenciou como ainda vivencia uma difiacutecil construccedilatildeo da cidadania
A longa histoacuteria do Brasil vem elencando razotildees profundas para a nossa
natildeo-cidadania atual a exemplo da conquista (ou invasatildeo) do nosso territoacuterio o
grande latifuacutendio a escravidatildeo a monocultura de exportaccedilatildeo o analfabetismo a
perpetuaccedilatildeo das elites poliacuteticas no poder fatores que refletem nos viacutecios da vida
social cultural poliacutetica e econocircmica do paiacutes
Fundamentalmente eacute preciso afirmar que no Brasil a construccedilatildeo da
cidadania natildeo seguiu a loacutegica da trajetoacuteria inglesa Houve no Brasil segundo
Carvalho (2002) pelo menos duas diferenccedilas importantes
A primeira refere-se agrave maior ecircnfase em um dos direitos o social em relaccedilatildeo aos outros a segunda refere-se agrave alteraccedilatildeo na sequecircncia em que os direitos foram adquiridos entre noacutes o social precedeu os outros
Uma das razotildees fundamentais das dificuldades da construccedilatildeo da cidadania
estaacute ligada como nos diz Carvalho ao ldquopeso do passadordquo mais especificamente ao
periacuteodo colonial (1500-1822) quando
21
Os portugueses tinham construiacutedo um enorme paiacutes dotado de unidade territorial linguiacutestica cultural e religiosa Mas tinham deixado uma populaccedilatildeo analfabeta uma sociedade escravocrata uma economia monocultora e latifundiaacuteria um Estado Absolutista (CARVALHO 2002)
Em suma foram 322 anos sem poder puacuteblico sem Estado sem naccedilatildeo e
cidadania Diante de tatildeo obscuro cenaacuterio de dominaccedilatildeo opressatildeo dentre outras
formas de natildeo efetivaccedilatildeo da cidadania no Brasil podemos elencar dentre outros
tantos fatores quais foram os principais obstaacuteculos para a construccedilatildeo da cidadania
brasileira O latifuacutendio agro-exportador do periacuteodo colonial bem como o escravismo
o analfabetismo marcaram negativamente nossas origens e ateacute hoje dificultam
avanccedilos no acircmbito poliacutetico-social e econocircmico Aleacutem dessas outras razotildees foram e
continuam sendo entraves para a consolidaccedilatildeo das instituiccedilotildees poliacutetica que
impedem os avanccedilos necessaacuterios para uma cidadania plena Na ordem poliacutetica
permanecem ainda algumas mazelas histoacutericas como o patrimonialismo
(promiscuidade entre o puacuteblico e o privado) o coronelismo com sua nova roupagem
o clientelismo aleacutem da corrupccedilatildeo entre outros
Mesmo diante de tatildeo vergonhoso cenaacuterio natildeo podemos nos dispensar que
tambeacutem alcanccedilamos mesmo que de forma tiacutemida significativas conquistas de
direitos no Brasil comparadas com outros paiacuteses que vivenciaram um processo de
colonizaccedilatildeo semelhante ao nosso A conquista desses direitos deu-se de maneira
tardia e inversa haja vista que somente em 1824 mais de 320 anos apoacutes a chegada
dos portugueses foi que surgiram os primeiros direitos civis e poliacuteticos (antes disso
estaacutevamos submetidos agrave lei da coroa portuguesa) Aos poucos surgiram os direitos
sociais mas exatamente no momento em que os direitos civis e poliacuteticos estavam
sendo negados no periacuteodo da ditadura de Vargas (1937-45) e na ditadura militar
(1964-1985) Parece um paradoxo mas foi exatamente nesse periacuteodo de
conturbaccedilotildees poliacuteticas que marchamos em direccedilatildeo agrave conquista de significativos
direitos que iriam projetar uma ideia de lutas e vitoacuterias que se projetariam no campo
da cidadania de modo bastante concreto
Por fim haveremos de concordar com Benevides (1994) ao afirmar que no
intuito de reverter agrave realidade poliacutetico-social excludente ou de uma cidadania
passiva ou sem ldquopovordquo eacute necessaacuterio recorrer agrave defesa de mecanismos institucionais
22
como o referendo o plebiscito e a iniciativa popular para a construccedilatildeo do que ela
chama de uma cidadania ativa ou democracia semidireta Alguns autores veem
dificuldades na implementaccedilatildeo desse sistema em paiacuteses que estatildeo em processo de
democratizaccedilatildeo no entanto logo em seguida apontam para a educaccedilatildeo poliacutetica ndash
entendida como educaccedilatildeo para a cidadania ativa
Desse modo pode-se proferir que todos esses anos de desenvolvimento
acabaram por afirmar que a cidadania de fato soacute pode se constituir por meio de
acirrada luta cotidiana por direitos e pela garantia daqueles que jaacute existem pois
apesar da existecircncia de profundas desigualdades sociais a ideia de cidadania
evoluiu com o passar dos anos Ampliou-se a abrangecircncia de sua concepccedilatildeo
abraccedilando todas as classes sociais e minorias Deixou de restringir-se apenas agrave
participaccedilatildeo poliacutetica para relacionar uma seacuterie de deveres da sociedade para com o
cidadatildeo Na praacutetica ainda haacute muito que se fazer para que direitos e deveres sejam
os mesmos para todos No entanto a busca pela realizaccedilatildeo da maacutexima ldquocada
homem um votordquo continua a ser perseguida
A luta pela conquista plena da cidadania eacute parte integrante da democracia
uma vez que assegura a continuidade das transformaccedilotildees juriacutedicas poliacuteticas entre
outras Natildeo resta duacutevida acerca do papel estruturante que essa luta desempenha no
quadro das democracias contemporacircneas fato que a converte em uma irresistiacutevel
conquista da modernidade O caraacuteter estruturante que a cidadania projeta nos
quadros da democracia atual estaacute ligado a permanente busca de um Estado
compatiacutevel com a realidade de cada tempo histoacuterico
23
CAPIacuteTULO 2 - CIDADANIA Agrave LUZ DA CONSTITUICcedilAtildeO FEDERAL DE
1988
A Constituiccedilatildeo eacute a ordem juriacutedica fundamental da comunidade nas palavras
de Konrad Hesse (apud PALU 2001) eacute um documento juriacutedico e poliacutetico dirigido aos
cidadatildeos e estes satildeo os seus primeiros destinataacuterios A Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica eacute
a Lei fundamental composta por um conjunto de normas baacutesicas que compotildeem a
estrutura juriacutedica poliacutetica social e econocircmica de um paiacutes Essa eacute razatildeo pela qual
ela eacute chamada de Carta Magna pois a ela nada se sobrepotildee Para Dallari (1985) a
Constituiccedilatildeo
[] eacute a declaraccedilatildeo da vontade poliacutetica de um povo feita de modo solene por meio de uma lei que eacute superior a todas as outras que visando agrave proteccedilatildeo da dignidade humana estabelece os direitos e as responsabilidades fundamentais dos indiviacuteduos dos grupos sociais do povo e do governo
Desta forma uma Constituiccedilatildeo natildeo surge do nada ela eacute resultado de
observaccedilotildees e experiecircncias e sua finalidade eacute de afirmar e garantir os direitos
elementares das pessoas humanas disciplinar o uso ao mesmo tempo em que
evita o abuso de poder organizando de forma racional a sociedade e o governo
Satildeo inegaacuteveis as inovaccedilotildees teacutecnicas trazidas pela Constituiccedilatildeo Brasileira de
1988 no campo da instituiccedilatildeo garantia e proteccedilatildeo dos direitos fundamentais A
dignidade da pessoa humana e o exerciacutecio da cidadania satildeo considerados princiacutepios
fundamentais da Carta Magna Brasileira de 1988
Cidadania direito a ter direitos na acepccedilatildeo de Haberle ( apud VALADEacuteS
2009) refere-se a todos os direitos previstos na Constituiccedilatildeo de 1988 e ainda
aqueles natildeo expressos mas decorrentes do regime e dos princiacutepios por ela
adotados na dicccedilatildeo do sect 2deg art 5deg
O princiacutepio fundamental da cidadania conforme jaacute exposto impregna todo o
texto constitucional vigente a partir do art 1deg II em que figura de forma
24
exponencial relativamente ao Estado brasileiro e tudo que lhe corresponda no
exerciacutecio de um poder que adquire significaccedilatildeo renovada e amplificada na
sociedade contemporacircnea Segundo Arendt
A cidadania eacute o direito a ter direitos pois a igualdade em dignidade e direitos dos seres humanos natildeo eacute um dado Eacute um construiacutedo da convivecircncia coletiva que requer o acesso ao espaccedilo puacuteblico Eacute este acesso ao espaccedilo puacuteblico que permite a construccedilatildeo de um mundo comum atraveacutes do processo de asserccedilatildeo dos direitos humanos
Nesse diapasatildeo o direito a ter direitos compreende o pleno acesso ao
espaccedilo puacuteblico o efetivo exerciacutecio do poder poliacutetico das prerrogativas inerentes agrave
cidadania conforme explicita a Constituiccedilatildeo no art 5deg LXXI a propoacutesito do
mandado de injunccedilatildeo no dizer todo direito atribuiacutedo com o caraacuteter de exclusividade
agrave pessoa
21 Estado Democraacutetico de Direito espaccedilo de cidadania
Apoacutes a eacutepoca de grandes restriccedilotildees militares o ato de promulgaccedilatildeo da
Constituiccedilatildeo Federal em 05 de outubro de 1988 vem marcar uma nova fase de
esperanccedila para os brasileiros Ao batizaacute-la de Constituiccedilatildeo cidadatilde a Assembleia
Nacional Constituinte atraveacutes de seu presidente o Deputado Ulisses Guimaratildees
resumiu o espiacuterito do texto constitucional assegurar aos brasileiros direitos sociais
essenciais ao exerciacutecio da cidadania e estabelecer mecanismos para garantir o
cumprimento de tais direitos
O que se viu a partir de entatildeo foi uma lenta poreacutem significativa mudanccedila na
sociedade brasileira A Constituiccedilatildeo Federal que eacute sem duacutevidas um marco na
histoacuteria do paiacutes traccedila a prioridade dada pelos constituintes aos direitos dos
brasileiros que pode ser observada em todas as questotildees
A Carta faz uma ampliaccedilatildeo dos direitos individuais sociais e poliacuteticos e como
se observa a inserccedilatildeo dos direitos sociais como segundo tiacutetulo revela a primazia
que o constituinte quis daacute a estes direitos em detrimento de todos os outros
incluindo os referentes agrave organizaccedilatildeo do Estado e dos Poderes que vecircm depois
25
Ao contraacuterio do que ocorreu com as Constituiccedilotildees anteriores esse
ordenamento dos capiacutetulos parece revelar que a Carta eacute o prenuacutencio de um paiacutes em
que os direitos dos cidadatildeos formam a base do ordenamento do Estado Essa ideia
foi expressa pelo presidente da Assembleacuteia Constituinte deputado Ulysses
Guimaratildees que voltamos a citar quando anunciou
Diferentemente das sete constituiccedilotildees anteriores esta comeccedila com o homem De modo gratificante testemunha a primazia do homem que foi escrita para o homem que o homem eacute seu fim e sua esperanccedila Eacute a Constituiccedilatildeo cidadatilde
A Constituiccedilatildeo nasceu da constataccedilatildeo de que o figurino juriacutedico formulado
para o Brasil desde os primoacuterdios do Estado nacional natildeo se compatibilizava com as
necessidades dos brasileiros Houve avanccedilos na formalizaccedilatildeo da Lei Magna
especialmente no tocante aos direitos de cidadania mas estamos longe do ideal
preconizado pela carta cidadatilde O que nos leva a crer que a cidadania eacute um processo
diaacuterio e permanente de construccedilatildeo Pois natildeo basta garantir o direito eacute preciso
exercecirc-lo
A cidadania abraccedilada pela atual Constituiccedilatildeo Federal Brasileira teve seu
conteuacutedo ampliado e natildeo se restringe ao simples fato de possuir um tiacutetulo de eleitor
para votar e ser votado ela estabelece cidadania como princiacutepio fundamental da
Repuacuteblica do Brasil desta forma o conceito decorrente pode ser entendido
conforme preleciona Silva (2005) ldquocidadania estaacute aqui num sentido mais amplo do
que o de titular de direitos poliacuteticos Qualifica os participantes da vida do Estado
reconhecimento do indiviacuteduo como pessoa integrada a sociedade estatalrdquo
Tal conceito nos leva a relacionar cidadania com democracia uma vez que
optou-se pelo Estado Democraacutetico de Direito o qual assenta seus alicerces na
participaccedilatildeo popular em questotildees que envolvem a coisa puacuteblica Para Moraes
(2005) esse Estado de Direito ldquosignifica a exigecircncia de reger-se por normas
democraacuteticas com eleiccedilotildees livres perioacutedicas e pelo povo bem como o respeito das
autoridades puacuteblicas aos direitos e garantias fundamentaisrdquo
O propoacutesito da opccedilatildeo pelo Estado Democraacutetico de Direito eacute que a cidadania e
os demais direitos fundamentais fluam com plenitude talvez seja o que justifique a
denominaccedilatildeo da Carta Magna de cidadatilde pois o povo passa a atuar de forma mais
ativa na vida poliacutetica do Estado uma vez que a ele foi concedido esse poder
26
A cidadania portanto soacute adquire pleno significado no mundo contemporacircneo
num Estado Democraacutetico de Direito para tanto exige um ambiente de vida e de
conviacutevio entre os homens tiacutepico e proacuteprio de um Estado Democraacutetico pois a
cidadania constitui fundamento primordial daquele Estado qual seja possibilitar aos
indiviacuteduos habitantes de um paiacutes o seu pleno desenvolvimento atraveacutes do alcance
de igual dignidade social e econocircmica
Segundo Rozicki (2005) O ambiente de vida social do Estado Democraacutetico
cujos pilares se encontram na efetividade dos direitos fundamentais da pessoa
humana em uma sociedade solidaacuteria soacute eacute possiacutevel atraveacutes da observaccedilatildeo de alguns
postulados que lhe satildeo essenciais os quais a autora denomina de pressupostos do
Estado democraacutetico de Direito
1)a valorizaccedilatildeo e atualidade da dignidade do homem e o reconhecimento da importacircncia de dispensar a todos tratamento fraternal igualitaacuterio e natildeo discriminativo 2) a confianccedila nos talentos e possibilidades latentes dos homens 3) a seguranccedila e o creacutedito nos valores institucionalizados pelas massas como fundamentos para o progresso do bem comum e o alcance da justiccedila 4) a aceitaccedilatildeo da legitimidade das decisotildees tomadas por meio de processos racionais e participativos de deliberaccedilatildeo com o consenso da maioria que constitui o reflexo o resultado de debates livres entre todos 5) o respeito aos grupos minoritaacuterios 6) e a compreensatildeo de que todo o interesse geral eacute a siacutentese dos diversos interesses e ideacuteias dos indiviacuteduos e dos grupos diferentes centros de poder que integram a sociedade pluralista
Percebe-se que o conceito amplo de cidadania encontra seus princiacutepios
baacutesicos e estruturantes nesses pressupostos intimamente ligado aos conceitos de
democracia e de igualdade No tocante ao conceito de igualdade elucidativa eacute a
liccedilatildeo de Rozicki (2005) quando afirma que
O princiacutepio de igualdade disciplina todas as atividades puacuteblicas e tem aplicaccedilatildeo direta nas relaccedilotildees privadas que ocorrem entre os particulares impondo para tornaacute-lo real a proibiccedilatildeo de discriminaccedilotildees e a eliminaccedilatildeo das desigualdades faacuteticas nos planos social e econocircmico proporcionando a todos os cidadatildeos igual condiccedilatildeo de vida e mesma posiccedilatildeo perante o Estado Democraacutetico
E complementa que tambeacutem para a realizaccedilatildeo da cidadania o princiacutepio
democraacutetico torna indispensaacutevel agrave participaccedilatildeo popular nas tomadas de decisatildeo No
seu entender
27
A cidadania no Estado democraacutetico de direito efetivada oferece aos cidadatildeos como iguais condiccedilotildees de existecircncia o gozo atual de direitos e a obrigaccedilatildeo do cumprimento de deveres que resumidamente podem ser assim apresentados exerciacutecio de direitos fundamentais e participaccedilatildeo e os deveres de colaboraccedilatildeo e solidariedade (Rozicki 2005)
Natildeo obstante eacute vaacutelido ressaltar um princiacutepio igualmente importante e deveras
esquecido a fraternidade Este princiacutepio que eacute um dos trecircs pilares da Revoluccedilatildeo
Francesa eacute pouco discutido apesar de assumir um papel decisivo na consolidaccedilatildeo
da democracia da politica e do poder
A fraternidade eacute necessaacuteria para o estabelecimento de uma comunidade
politicamente solidaacuteria com indiviacuteduos iguais e livres
Para finalmente concebermos um Estado Democraacutetico de Direito que trate os
iguais na medida de suas desigualdades
22 Os direitos fundamentais como pressupostos de identidade da cidadania
Os direitos fundamentais vistos como um dos traccedilos mais marcante do
constitucionalismo moderno consistem no resultado da luta dos homens por um
direito ideal justo e humano representam situaccedilotildees reconhecidas juridicamente
sem as quais o homem eacute incapaz de alcanccedilar sua proacutepria realizaccedilatildeo e
desenvolvimento plenamente daiacute dizer-se que o princiacutepio preponderante que
condensa os direitos fundamentais eacute o da dignidade da pessoa humana
Os direitos fundamentais satildeo o conjunto de normas de um ordenamento juriacutedico que formam um subsistema deste fundado na liberdade na igualdade na seguridade na solidariedade expressotildees da dignidade do homem que formam parte da norma baacutesica material de identificaccedilatildeo do ordenamento juriacutedico e constitui um setor de moralidade procedimental positivada que legitima o Estado Social de Direito (MARTINEZ apud AGRA 2002)
Tais direitos foram e vatildeo sendo aperfeiccediloados e estendidos ao longo do
tempo resta dizer que os mesmos estabelecem faculdades da pessoa humana que
permitem sua breve classificaccedilatildeo do seguinte modo 1) os direitos civis e poliacuteticos
de liberdade como por exemplo a liberdade de expressatildeo de propriedade de
28
manifestaccedilatildeo do pensamento de associaccedilatildeo de imprensa de reuniatildeo de igualdade
formal perante a lei de participaccedilatildeo poliacutetica o devido processo legal o habeas
corpus o direito de peticcedilatildeo etc 2) os direitos sociais econocircmicos e culturais de
participaccedilatildeo poliacutetica tais como a igualdade de sufraacutegio o direito de voto e de
elegibilidade o direito de peticcedilatildeo e os direitos de participaccedilatildeo poliacutetica 3) os direitos
da titularidade coletiva que satildeo aqueles ligados a solidariedade e a fraternidade
como por exemplo o direito agrave preservaccedilatildeo do meio ambiente e agrave qualidade de vida
etc 4) os direitos chamados de quarta geraccedilatildeo por exemplo direito a democracia a
informaccedilatildeo ao comeacutercio eletrocircnico entre os estados etc
Natildeo existe qualquer relaccedilatildeo hieraacuterquica entre estes direitos mesmo porque
todos interagem entre si de nada servindo um sem a existecircncia dos outros Esta
divisatildeo acontece devido agrave eterna e constante busca do homem por mais proteccedilatildeo
mais garantia com o objetivo de alcanccedilar uma sociedade mais justa igualitaacuteria e
fraterna
Na evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais Agra (2002) chama a atenccedilatildeo do
relevo que adquirem a democratizaccedilatildeo da informaccedilatildeo e os mecanismos de
democracia participativa E justifica que a democratizaccedilatildeo da informaccedilatildeo natildeo se
caracteriza apenas pela existecircncia de uma miacutedia plural sem nenhum tipo de
monopoacutelio mas deve ser concebida como a obrigaccedilatildeo que todos os cidadatildeos tecircm
de tomar consciecircncia dos graves problemas que afligem a humanidade e que os
mecanismos da democracia participativa concebem a cidadania em extensatildeo muito
superior ao voto abrangendo a interferecircncia direta do cidadatildeo nas decisotildees
governamentais mediante vaacuterios mecanismos juriacutedicos como o plebiscito o recall o
orccedilamento participativo etc
De acordo com Silva (2005) os Direitos Fundamentais na Constituiccedilatildeo de
1988 abrangem os ldquodireitos individuais sociais poliacuteticos e tambeacutem os direitos
econocircmicos Para o autor a ampliaccedilatildeo e transformaccedilatildeo dos direitos fundamentais
do homem na histoacuteria dificultam uma definiccedilatildeo sinteacutetica do conceitordquo
Essa dificuldade aumenta diante do emprego de vaacuterias expressotildees para
designaacute-los tais como direitos naturais direitos humanos direitos do homem
direitos individuais direitos puacuteblicos subjetivos liberdades fundamentais liberdades
puacuteblicas e direitos fundamentais do homem No entanto direitos fundamentais do
homem constitui a expressatildeo mais adequada porque na palavra fundamentais
acha-se a indicaccedilatildeo de que se trata de situaccedilotildees sem as quais o indiviacuteduo natildeo tem
29
uma vida digna natildeo convive e agraves vezes nem mesmo sobrevive A expressatildeo
direitos fundamentais eacute a mais precisa no sentido de que a todos por igual devem
ser natildeo apenas formalmente reconhecidos mas concreta e materialmente
efetivados
Por sua vez a atual Corte em julgamento do habeas corpus (HC ndeg
82424RS) marca seu posicionamento no tocante ao sistema de direitos
fundamentais insculpido na Constituiccedilatildeo de 1988 atraveacutes dos profundos e bem
fundamentados votos dos Ministros que aleacutem de delimitarem a extensatildeo e os limites
da liberdade de expressatildeo (art 5o IV e IX) acabaram indicando as bases filosoacuteficas
e juriacutedicas para a interpretaccedilatildeo do cataacutelogo de direitos fundamentais da Constituiccedilatildeo
de 1988
Nesse sentido o voto do Ministro Marco Aureacutelio tratou de definir o sistema de
direitos fundamentais como a ldquoproacutepria essecircncia da Constituiccedilatildeordquo qualificando-os
como ldquovalores objetivos que servem como norte da atuaccedilatildeo estatalrdquo Assim estaacute
consignado nos fundamentos do referido voto
A Constituiccedilatildeo de 1988 representou um divisor de aacuteguas entre o antigo regime totalitaacuterio e um periacuteodo de redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes marcando dessa forma uma eacutepoca que tem como modelo de atuaccedilatildeo do Estado o respeito incondicional aos direitos fundamentais Por isso mesmo o sistema constitucional dos direitos fundamentais previsto no artigo 5o da Carta com os eventuais acreacutescimos do sect 2o reflete em rigor e em larga medida a proacutepria essecircncia da Constituiccedilatildeo e a retomada do processo de democratizaccedilatildeo e da garantia do cidadatildeo contra abusos e arbitrariedades no exerciacutecio do Poder Puacuteblico Os direitos fundamentais satildeo hoje verdadeiros princiacutepios estruturantes da organizaccedilatildeo e do funcionamento do Estado valores objetivos que servem como norte da atuaccedilatildeo estatal em seus mais diferentes niacuteveis no Legislativo formam um cataacutelogo de princiacutepios e garantias que informam e direcionam toda a atividade de criaccedilatildeo das normas de nosso ordenamento juriacutedico e de concretizaccedilatildeo dos preceitos constitucionais no Executivo mostram-se como verdadeiros limites ao exerciacutecio do poder administrativo servindo como trincheiras de proteccedilatildeo da liberdade do cidadatildeo e no judiciaacuterio refletem a base e o fundamento necessaacuterio da compreensatildeo e interpretaccedilatildeo de nossas normas ndash efeito interpretativo - evitando que a atividade jurisdicional se transforme em medidas discricionaacuterias ou providecircncias ilegiacutetimas de opccedilotildees poliacuteticas pautadas em escolhas pessoais dos juiacutezes
Tudo indica que se trata do iniacutecio de uma soacutelida construccedilatildeo jurisprudencial a
respeito do sentido axioloacutegico do sistema de direitos fundamentais da Constituiccedilatildeo
de 1988
30
Os Direitos Individuais satildeo de exerciacutecio exclusivo do indiviacuteduo e devem ser
formalmente reconhecidos e concretizados no cotidiano do cidadatildeo O indiviacuteduo aqui
eacute considerado um sujeito de direitos e natildeo apenas como integrante de um corpo
social Esses direitos natildeo podem sofrer nenhum tipo de restriccedilatildeo natildeo se
discriminando quem os pode exercer uma vez que satildeo titulares todas as pessoas
capazes incapazes brasileiras estrangeiras alfabetizadas e iletradas
A Constituiccedilatildeo Cidadatilde foi a primeira a estabelecer direitos natildeo soacute de
indiviacuteduos mas tambeacutem de grupos sociais os denominados direitos coletivos Com
isso as pessoas passaram a ser coletivamente consideradas Os direitos individuais
e coletivos estatildeo anunciados no art 5ordm em setenta e sete incisos e em dois
paraacutegrafos
Verifica-se que os Direitos Individuais tecircm como ponto marcante a liberdade
seja ela tomada de maneira global ou especiacutefica como liberdade de associaccedilatildeo de
reuniatildeo A liberdade de reuniatildeo (art 5ordm XVI) constitui-se na primeira e mais simples
liberdade corporativa estando logo apoacutes a liberdade de locomoccedilatildeo
Os Direitos Sociais tecircm como titular uma coletividade e satildeo caracterizados
pela prestaccedilatildeo de serviccedilos ou oferecimento de melhorias para a sociedade como um
todo por parte do Poder Puacuteblico Assim os Direitos Sociais tornam possiacutevel a fruiccedilatildeo
e o exerciacutecio dos Direitos Individuais pela coletividade mesmo pelos carentes
materialmente
O art 6deg define os Direitos Sociais da seguinte maneira ldquoSatildeo Direitos Sociais
a educaccedilatildeo a sauacutede o trabalho a moradia o lazer a seguranccedila a previdecircncia
social a proteccedilatildeo agrave maternidade e agrave infacircncia a assistecircncia aos desamparados na
forma desta Constituiccedilatildeordquo
Portanto eacute obrigatoacuteria ao Estado a proteccedilatildeo dos interesses da coletividade
com o atendimento dos direitos acima citados
Satildeo direitos poliacuteticos os que conferem o acesso da populaccedilatildeo agrave participaccedilatildeo
no Poder do Estado tais como os direitos de votar e ser votado do referendo
plebiscito e iniciativa popular das leis O direito democraacutetico de participaccedilatildeo dos
cidadatildeos no governo por meio de seus representantes exigiu a formaccedilatildeo de um
conjunto de normas legais permanentes que recebeu a denominaccedilatildeo de direitos
poliacuteticos Os Direitos Poliacuteticos amparam os Direitos Individuais Sociais e
Econocircmicos pois quando desaparece a democracia desaparecem imediatamente
as liberdades fundamentais
31
Com o advento da Constituiccedilatildeo de 1988 foram criadas instituiccedilotildees para
fiscalizar e controlar a atuaccedilatildeo da administraccedilatildeo puacuteblica entre as quais o Ministeacuterio
Puacuteblico que funciona como um canal de expressatildeo dos direitos da populaccedilatildeo
O Ministeacuterio Puacuteblico foi a instituiccedilatildeo que mais ganhou importacircncia no cenaacuterio
puacuteblico por ter passado a defender os interesses coletivos ou seja os interesses de
um grupo categoria ou classe e natildeo de um indiviacuteduo isolado No artigo 127 o
Ministeacuterio Puacutebico (MP) eacute definido como ldquouma instituiccedilatildeo permanente essencial agrave
funccedilatildeo jurisdicional do Estado incumbindo-lhe a defesa da ordem juriacutedica do regime
democraacutetico e dos interesses sociais e individuais indispensaacuteveisrdquo
Cabe ao Ministeacuterio Puacuteblico exigir dos poderes puacuteblicos e dos serviccedilos de
relevacircncia puacuteblica respeito aos direitos elencados na Constituiccedilatildeo promovendo as
medidas necessaacuterias agrave garantia desses direitos Portanto eacute responsaacutevel pela
garantia da ordem juriacutedica do regime democraacutetico da moralidade puacuteblica e dos
direitos sociais e individuais
23 A consagraccedilatildeo dos direitos do cidadatildeo
A Constituiccedilatildeo de 1988 eacute o coroamento da histoacuteria constitucional do Brasil por
ter sido um marco da redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes opondo-se a qualquer forma de
autoritarismo Nela a cidadania foi consagrada como um dos fundamentos da
Repuacuteblica Federativa do Brasil (art 1ordm inc II) Observe-se que o termo cidadania
encontra-se na Constituiccedilatildeo em sentido mais amplo do que o de titular de direitos
poliacuteticos pois qualifica os participantes da vida do Estado e reconhece o indiviacuteduo
como pessoa integrada na sociedade estatal
Essa nova concepccedilatildeo de cidadania introduzida pela Constituiccedilatildeo Federal de
1988 eacute fruto da internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos e como marco principal da
institucionalizaccedilatildeo erigiu em seu artigo primeiro a dignidade da pessoa humana (inc
III) e a cidadania (incII) a princiacutepio fundamental
Institui com o princiacutepio da cidadania uma nova compreensatildeo acerca dos
direitos de deveres da pessoa elevado-o a status maacuteximo a regra-matriz que natildeo
pode ser desrespeitada pois os fundamentos constituem a essecircncia da Repuacuteblica
32
Federativa e servem como regra-matriz para a elaboraccedilatildeo interpretaccedilatildeo e
integraccedilatildeo do sistema juriacutedico nacional
Violar um princiacutepio eacute muito grave que transgredir uma norma qualquer A desatenccedilatildeo ao principio implica ofensa natildeo apenas a um especifico mandamento obrigatoacuterio mas a todo o sistema de comandos Eacute a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade representa insurgecircncia contra todo o sistema subversatildeo de valores fundamentais (MELLO apud CHIMENTI 2005 P 33)
Para Silva (2004) cidadania eacute discriminada como princiacutepio relativo ao regime
poliacutetico Dessa forma compreendida cidadania como princiacutepio fundamental eacute o
direito de participar dos destinos do Estado e mais usufruir dos direitos civis
fundamentais previstos na Constituiccedilatildeo
Muitos doutrinadores utilizam cidadania no mesmo sentido de nacionalidade
(Art 12 da Constituiccedilatildeo Federal) e de direitos poliacuteticos (Art 14) Em alguns outros
dispositivos a palavra cidadania (ou cidadatildeo) poderia ainda ter a significaccedilatildeo de
direitos poliacuteticos mas mesmo assim de forma impliacutecita a exemplo dos arts 22 XIII
e 5ordm LXXIII No primeiro se lecirc que compete agrave Uniatildeo legislar sobre nacionalidade
cidadania e naturalizaccedilatildeo e no segundo que qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima
para propor accedilatildeo popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de
entidade de que o Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e
ao patrimocircnio histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de
custas judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia No entanto conforme Mazzuoli (2002)
Observe-se que a Carta de 1988 ao tratar no seu art 14 dos direitos poliacuteticos natildeo se refere sequer em um momento agrave expressatildeo cidadania dizendo apenas que a soberania popular seraacute exercida pelo sufraacutegio universal e pelo voto direito e secreto com valor igual para todos (hellip) Pelo contraacuterio a Constituiccedilatildeo faz uma separaccedilatildeo entre cidadania e direitos poliacuteticos quando no seu art 68 sect 1ordm II ao tratar das leis delegadas exclui do acircmbito da delegaccedilatildeo legislativa a nacionalidade cidadania direitos individuais poliacuteticos e eleitorais
A Constituiccedilatildeo brasileira de 1988 com a transiccedilatildeo para o regime democraacutetico
consagrou expressamente esta nova concepccedilatildeo de cidadania como se depreende
da leitura de vaacuterios dos seus dispositivos
Foi nesse sentido que pioneiramente estatuiu a Carta de 1988 em seu art
1ordm que a Repuacuteblica Federativa do Brasil formada pela uniatildeo indissoluacutevel dos
33
Estados e Municiacutepios e do Distrito Federal constitui-se em Estado Democraacutetico de
Direito e tem como fundamentos dentre outros a cidadania (inc II) Como jaacute
mencionado
Na mesma esteira o disposto no art 5ordm incisos LXXI (conceder-se-aacute
mandado de injunccedilatildeo sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviaacutevel o
exerciacutecio dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes agrave
nacionalidade agrave soberania e agrave cidadania) e LXXVII (satildeo gratuitas as accedilotildees de
habeas-corpus e habeas-data e na forma da lei os atos necessaacuterios ao exerciacutecio
da cidadania) No seu Tiacutetulo VIII Capiacutetulo II Seccedilatildeo I a Carta Magna de 1988
dispotildee ainda que a
Educaccedilatildeo direito de todos e dever do Estado e da famiacutelia seraacute promovida e incentivada com a colaboraccedilatildeo da sociedade visando ao pleno desenvolvimento da pessoa seu preparo para o exerciacutecio da cidadania e sua qualificaccedilatildeo para o trabalho (art 205)
Outro dispositivo em que fica bastante marcada esta nova concepccedilatildeo de
cidadania eacute o art 64 do Ato das Disposiccedilotildees Constitucionais Transitoacuterias que
dispotildee
A Imprensa Nacional e demais graacuteficas da Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios da administraccedilatildeo direta ou indireta inclusive fundaccedilotildees instituiacutedas e mantidas pelo Poder Puacuteblico promoveratildeo ediccedilatildeo popular do texto integral da Constituiccedilatildeo que seraacute posta agrave disposiccedilatildeo das escolas e dos cartoacuterios dos sindicatos dos quarteacuteis das igrejas e de outras instituiccedilotildees representativas da comunidade gratuitamente de modo que cada cidadatildeo brasileiro possa receber do Estado um exemplar da Constituiccedilatildeo do Brasil
Enfim a Constituiccedilatildeo de 1988 enriqueceu e ampliou os conceitos de cidadatildeo
e cidadania Seu entendimento agora como leciona Silva (2005)
Decorre da ideia de Constituiccedilatildeo dirigente que natildeo eacute apenas um repositoacuterio de programas vagos a serem cumpridos mas constitui um sistema de previsatildeo de direitos sociais mais ou menos eficazes em torno dos quais eacute que se vem construindo a nova ideacuteia de cidadania
De forma que natildeo mais se trata de considerar a cidadania como simples
qualidade de gozar direitos poliacuteticos mas sim de aferir-lhe um nuacutecleo miacutenimo e
irredutiacutevel de direitos (fundamentais) que devem se impor obrigatoriamente agrave accedilatildeo
dos poderes puacuteblicos
34
O ordenamento juriacutedico brasileiro consagrou aleacutem dos institutos jaacute
mencionados alguns outros mecanismos de defesa dos direitos e garantias
constitucionais da cidadania como a accedilatildeo civil puacuteblica regulada pela Lei nordm
734785 e accedilatildeo direta de inconstitucionalidade prevista no incIV do art 129 da
Constituiccedilatildeo Federal O Coacutedigo de Defesa do Consumidor o Estatuto da Crianccedila e
do Adolescente e ateacute mesmo o princiacutepio do devido processo legal que resguarda ao
cidadatildeo o acesso agrave justiccedila e direito de ser acionado judicialmente por meio de
procedimentos legais satildeo mecanismos de defesa dos direitos de cidadania
previstos constitucionalmente e garantidos na esfera poliacutetica civil e social
Pode-se observar que a cidadania comeccedilou a ser construiacuteda como resultado
de um processo de luta a partir da conscientizaccedilatildeo dos direitos e deveres do
homem Como vimos a cidadania jaacute em praacutetica em muitos paiacuteses adquire no
Brasil com a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 um novo sentido qual seja o
pressuposto do exerciacutecio pleno de um sistema de direitos e garantias
35
CAPIacuteTULO 3 - CIDADANIA COMO MECANISMO DE
TRANSFORMACcedilAtildeO SOCIAL
No momento em que a cidadania alccedila voos constitucionais e insere-se na
Carta Poliacutetica da Repuacuteblica Federativa do Brasil inicia-se o processo de
redemocratizaccedilatildeo e ganha relevo o cidadatildeo agente deste processo que tem em
suas matildeos a tarefa da construccedilatildeo de um novo tempo
Historicamente a ideia de cidadatildeo conotava o habitante da cidade ndash o
citadino ndash firma-se entatildeo tal conotaccedilatildeo na Antiguumlidade claacutessica para depois
significar aquele indiviacuteduo a quem se atribuem os direitos poliacuteticos Superada essa
acepccedilatildeo que tambeacutem vigorou nas constituiccedilotildees anteriores da Repuacuteblica do Brasil
na concepccedilatildeo moderna estaacute clara a noccedilatildeo de cidadatildeo como aquele que a quem
consiste a titularidade de direitos individuais poliacuteticos e sociais Noccedilatildeo esta
edificada com a internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos que amplia a acepccedilatildeo do
termo declarando que satildeo cidadatildeos todo aquele que habita o acircmbito da soberania
de um Estado e deste Estado recebem uma carga de direitos e tambeacutem deveres dos
mais variados
Desta forma a noccedilatildeo contemporacircnea de cidadania funda-se na dicotomia
direitos (exerciacutecios de direitos fundamentais - participaccedilatildeo) e deveres (colaboraccedilatildeo -
solidariedade) Ao lado dos direitos foram estabelecidos deveres fundamentais e
portanto tanto agentes puacuteblicos como os indiviacuteduos tecircm obrigaccedilotildees especiacuteficas
inclusive a de respeitar os direitos das demais pessoas que vivem na ordem social
sendo e promovendo mecanismos de transformaccedilatildeo social que visam uma nova
sociedade baseada na igualdade e na justiccedila
36
31 O ser cidadatildeo
Os termos indiviacuteduo ser humano pessoa e cidadatildeo satildeo geralmente tomados
como sinocircnimo o que certamente influi na proliferaccedilatildeo de incontaacuteveis significados e
ampliaccedilatildeo do termo cidadatildeo Poreacutem estas palavras apesar de se assemelharem
possuem carga semacircntica proacutepria e da compreensatildeo exata de cada uma decorre a
conceituaccedilatildeo mais acentuada da acepccedilatildeo do termo cidadatildeo como titular de direitos
e deveres resguardados pela constituiccedilatildeo paacutetria
Desta forma indiviacuteduo eacute um representante da espeacutecie aquele que eacute uacutenico
Enquanto ser humano eacute um termo mais geneacuterico ou indeterminado que diz respeito
agrave espeacutecie agrave classificaccedilatildeo ao mundo zooloacutegico Pessoa por sua vez eacute um termo
mais especiacutefico que tem a ver com o mundo civilizado ou se preferirmos com a
constelaccedilatildeo dos valores morais eacuteticos e juriacutedicos proacuteprios da civilizaccedilatildeo
A etimologia da palavra pessoa demonstra que eacute um conceito sobreposto ao conceito de Ser Humano Um refratildeo de origem juriacutedica tambeacutem nos lembra do homo plures pessoa polimorfa o ser humano capaz de desempenhar muitos papeacuteis um mesmo ser humano eacute empresaacuterio e delinquumlente eacute pai e metaluacutergico etc Persona (personagem) era a maacutescara que usavam os atores da trageacutedia grega para desempenhar seu papel Cabe portanto entender o conceito de Ser Humano ao lado do conceito de Pessoa No direito romano antigo os escravos eram seres humanos (homens) mas natildeo eram consideradas pessoas (patriacutecios) Os juristas romanos que usavam o conceito de Ser Humano o dissociavam do conceito de pessoas (CUNHA 2007)
O Ser Humano recebe uma distinccedilatildeo importante quando o consideramos
como Pessoa assim como a Pessoa recebe uma distinccedilatildeo redundante natildeo menos
importante quando a consideramos por forccedila de expressatildeo como uma pessoa
humana Subentendendo o adjetivo humano como relativo agrave eacutetica Portanto Ser
Humano natildeo eacute a mesma coisa que Pessoa como tampouco Ser Humano eacute o
mesmo que cidadatildeo este muito eacute mais proacuteximo do termo Pessoa Vejamos o quadro
ilustrativo que esquematiza e distinguem os referidos conceitos
37
QUADRO 1 ndash EVOLUCcedilAtildeO DO SER HUMANO ATEacute O CIDADAtildeO
O Ser Humano O Ser Indiviacuteduo O Ser Pessoa O Ser Cidadatildeo
A Dimensatildeo do conviacutevio social
A dimensatildeo do mercado de trabalho e
Consumo
A Dimensatildeo de encontrar-se no mundo
A dimensatildeo de intervir na realidade
O homem tornar-se Ser Humano nas relaccedilotildees
de conviacutevio social
O Ser Humano tornar-se indiviacuteduo quando
descobre seu papel e funccedilatildeo social
O Indiviacuteduo torna-se pessoa quanto toma
consciecircncia de si mesmo do outro e do
mundo
A pessoa torna-se cidadatildeo quando
interveacutem na realidade em que vive
Quem estuda o comportamento do Ser
Humano Seria a antropologia a histoacuteria
ou a sociologia
Quem estuda o comportamento do indiviacuteduo Seria a
Filosofia a sociologia ou a Psicologia
Quem estuda o comportamento da pessoa Seria a
Filosofia a sociologia ou a Psicologia
Quem estuda o comportamento do cidadatildeo Seria a
Sociologia a Filosofia ou As ciecircncias
poliacuteticas
Quem garante os direitos do Ser
Humano A Declaraccedilatildeo Universal
dos Direitos Humanos
Quem garante os Direitos do
Consumidor O Coacutedigo do Consumidor
Quem garante os Direitos da pessoa A proacutepria pessoa (amor proacuteprio ou autoestima)
Quem garante os Direitos do cidadatildeo (A Constituiccedilatildeo e suas leis
regulamentares)
Existe realmente uma natureza humana Teologicamente
afirmamos que existe a uma natureza humana
Seguindo a corrente existencialista (JP Sartre) negamos tal
natureza
Que diferenccedila existe entre o direito do
consumidor e o direito do cidadatildeo Ao
Consumidor deve ser dado o direito de
propriedade enquanto ao cidadatildeo deve ser
dado o direito de acesso
O que significa tornar-se pessoa no niacutevel
psicoloacutegico e social A pessoa eacute o indiviacuteduo que toma consciecircncia de si mesmo (ldquoTornar-
se Pessoardquo de Karl Roger)
Como podemos intervir na realidade
modificando as estruturas corruptas e injustas Quando os
direitos do cidadatildeo lhe satildeo oferecidos e o
mesmo passa a exercecirc-lo haacute
modificaccedilatildeo de comportamento
(ROSAS 2009)
O cidadatildeo eacute portanto aquele indiviacuteduo a quem a Constituiccedilatildeo confere direitos
e garantias e lhe daacute o poder do seu efetivo exerciacutecio aleacutem de meios processuais
eficientes contra a violaccedilatildeo de seu gozo ou fruiccedilatildeo por parte do poder puacuteblico
Sendo assim
A passagem do indiviacuteduo a cidadatildeo caracteriza-se pelo reconhecimento pela lei de direitos considerados fundamentais agrave realizaccedilatildeo da vida do homem como indiviacuteduo e ser social membro de uma comunidade poliacutetica e a garantia desses direitos pela forccedila comum de todos (CUNHA 2007)
38
Nas uacuteltimas deacutecadas em alguns paiacuteses inclusive no Brasil desenvolveu-se o
conceito de cidadania calcado principalmente na questatildeo do cidadatildeo-consumidor
As pessoas passam a ser vistas como cidadatildes desde que tenham dinheiro para
adquirir mercadorias e utilizar serviccedilos Eacute certo pois que serviccedilos e mercadorias
atendem a necessidades materiais e simboacutelicas das pessoas e consumi-los eacute um
dos modos de participar da vida social criar identidade e partilhar dos bens
produzidos pela humanidade e representar-se culturalmente Contudo a cidadania
enfatizada apenas como uma relaccedilatildeo de compra e venda de mercadorias e serviccedilos
assume um conteuacutedo restrito individual conformista e voltado apenas para a
aquisiccedilatildeo de bens o que se relaciona com a ideacuteia de indiviacuteduo ou seja o consumo
atende as necessidades do indiviacuteduo
Outra forma de confusatildeo acerca do conceito de cidadatildeocidadania refere-se a
equiparaccedilatildeo feita com o assistencialismo o que configura uma acentuada inversatildeo
do termo uma vez que a praacutetica do assistencialismo natildeo propicia meios de
superaccedilatildeo das desigualdades sociais Enquanto a cidadania estaacute relacionada agrave
superaccedilatildeo das desigualdades sociais e a extensatildeo da garantia dos direitos de todos
O cidadatildeo eacute sem duacutevida uma expressatildeo que precisa ser adequadamente
utilizada e vivenciada pela coletividade compreendido na dimensatildeo do ser pessoa
de ter direitos e deveres do assumir as suas liberdades e responsabilidades no seio
de uma comunidade democraacutetica equitativa solidaacuteria e intercultural
Dessa forma ser cidadatildeo implica saber viver em sociedade estando ciente
dos anseios comuns A participaccedilatildeo ativa nas decisotildees de sua comunidade
influencia modos de vida de maneira positiva ao seu redor assim torna-se
imprescindiacutevel o exerciacutecio dos direitos constitucionais adquiridos e lutar pelos que
viratildeo eacute sobretudo estar consciente de todas as atitudes tomadas em prol da
sociedade
Eacute possiacutevel nesse espaccedilo de discussatildeo falar em ldquoestar cidadatildeordquo que eacute natildeo
praticar o exerciacutecio da cidadania em nenhuma de suas formas Implica apenas em
se deixar levar pelos acontecimentos e ainda reclamar das situaccedilotildees vividas sem
nada fazer para mudar sem nenhuma perspectiva de futuro Do que concluiacutemos que
a dinacircmica de intervir na realidade eacute pressuposto de cidadania
Ser cidadatildeo eacute tarefa que requer muito do ser humano do individuo da
pessoa Requer uma alta - estima elevada uma consciecircncia solidaacuteria uma
39
identidade que se reconheccedila na dinacircmica social interagindo com o outro ampliando
debates incitando justiccedila eacute sem duvida uma tomada de posiccedilatildeo que natildeo se
acomoda pelo contraacuterio se incomoda quando natildeo haacute comprometimento para o bem
comum
Natildeo eacute uma tarefa cocircmoda senatildeo muito complicada as pessoas natildeo nascem cidadatildeos mas fazem-se no tempo e no espaccedilo Na verdade natildeo eacute faacutecil exercer a liberdade e a cidadania ndash ser pessoa e ser cidadatildeo ndash por isso exige-se uma luta sem treacuteguas para erradicar assimetrias e exclusotildees socioculturais e criar cenaacuterios de esperanccedila realizaacuteveis fundamentados em valores e princiacutepios eacuteticos que requalifiquem a democracia com cidadatildeos participativos e
comprometidos ( SAEZ 1995)
Tem portanto como pressuposto uma mudanccedila de comportamento uma
tomada de posiccedilatildeo frente agrave dinacircmica social na qual estaacute inserido participando de
forma ativa e produtiva do processo de construccedilatildeo da cidadania por meio de seus
diversos canais
32 Emancipaccedilatildeo social atraveacutes da cidadania
Um Estado Democraacutetico eacute aquele que estaacute enraizado na legitimidade do
poder do povo e dele decorre seu exerciacutecio Assim o poder do povo eacute a expressatildeo
a aptidatildeo de homens e mulheres constituir autonomamente seu viver sem sucumbir
diante das instacircncias de poder Haacute nesse modus vivendi uma tutela das diferenccedilas e
pluralidades de formas de vida
Desta forma a cidadania eacute enfocada como o processo de participaccedilatildeo do
individuo ou de um grupo organizado nas mais variadas aacutereas de atuaccedilatildeo na
sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos sociais com a consciecircncia
da responsabilidade por sua proacutepria histoacuteria
Sendo a democracia o regime em que o povo governa sua caracteriacutestica
inarredaacutevel eacute a de ter o povo agrave frente do poder uma forma de autogoverno Em
assim sendo a cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia por meio de resultados
palpaacuteveis e medidas concretas tais como mudanccedilas na realidade de cada um com
melhoria de vida e conscientizaccedilatildeo da importacircncia na sociedade para o exerciacutecio
40
direto ou indireto desse poder pois se contentar com fato do direito estaacute prescrito
em lei natildeo eacute o bastante
Eacute certo poreacutem que o Estado democraacutetico somente se aperfeiccediloa na
proporccedilatildeo em que o povo age ativamente na medida em que os representantes
reflitam em seus atos os verdadeiros anseios populares Partindo dessa visatildeo a
cidadania eacute o grande fator de legitimaccedilatildeo do povo permitindo que ele aja em defesa
das instituiccedilotildees democraacuteticas
Sobre a participaccedilatildeo cumpre asseverar que este direito significa a
capacidade de ser consultado para as tomadas de decisatildeo que dizem respeito agrave
direccedilatildeo da sociedade em que vive o cidadatildeo este direito eacute acompanhado do
respeito aos deveres de contribuir para o progresso social e de acatar e respeitar o
resultado obtido em consulta coletiva
No elenco de mecanismo de exerciacutecio da cidadania estaacute o acesso ao direito e
a justiccedila que eacute fator preponderante para efetivar as garantias constitucionais
Assim passaremos a discorrer sobre a importacircncia de instrumentalizar o
cidadatildeo para um pleno exerciacutecio de seus direitos
Eacute Sabido que no Estado Democraacutetico Contemporacircneo os direitos
fundamentais constitucionalmente assegurados tecircm eficaacutecia imediata cumprindo ao
Estado garantir a todos os cidadatildeos o respeito a esses Direitos de modo concreto e
efetivo natildeo obstante as inuacutemeras desigualdades e condiccedilotildees adversas que
dificultam na praacutetica o seu exerciacutecio
Para o acesso ao direito o Estado deve desenvolver com eficiecircncia uma seacuterie
de atividades essenciais e dar efetividade a uma seacuterie de pressupostos Dentre eles
o principal eacute o conhecimento do Direito como fator preponderante pois o
desconhecimento da lei implica na praacutetica natildeo acionar a jurisdiccedilatildeo Um fato que
contribui para essa assertiva eacute baixa escolaridade da populaccedilatildeo e o analfabetismo
Muito pouco adianta a existecircncia de uma Constituiccedilatildeo apenas formal ou no
papel se ilegiacutetima ou desrespeitada Para que ocorra a eficaacutecia das normas
dispostas numa Constituiccedilatildeo ou melhor para que passe da teoria agrave praacutetica eacute
essencial que comandados e comandantes tenham conhecimento dos seus direitos
e responsabilidades assim como dos instrumentos juriacutedicos para efetivaacute-los (leis
regulamentadoras) O exerciacutecio da cidadania natildeo eacute somente um direito mas eacute
tambeacutem um dever de todos pois a omissatildeo de cada um contribui com as injusticcedilas e
as impunidades tatildeo presentes nos dias atuais
41
A Constituiccedilatildeo quando eacute justa e legiacutetima e principalmente quando eacute
respeitada eacute um poderoso instrumento de promoccedilatildeo e desenvolvimento social e
humano
Outro fator que deve ser considerado eacute a miserabilidade que coloca inuacutemeros
brasileiros a margem da sociedade em situaccedilatildeo precaacuteria os quais para Pinsky
(2004) ldquodesprovidos de esperanccedila de projeto de qualquer perspectiva de inclusatildeo
[] recorrer agrave Justiccedila humana parece algo irrealizaacutevel sofisticado e inteiramente
ficcionalrdquo
Desta forma o primeiro passo para concretizar os direitos previstos
constitucionalmente eacute a formaccedilatildeo do cidadatildeo atraveacutes da Educaccedilatildeo Baacutesica
infundindo-lhe a consciecircncia dos seus direitos e tambeacutem dos seus deveres sociais
bem como dos valores humanos fundamentais que devem ser por todos respeitados
na vida em sociedade A universalizaccedilatildeo do ensino fundamental a oferta obrigatoacuteria
de educaccedilatildeo infantil pelo Estado e o crescimento da oferta do ensino meacutedio satildeo
alguns dos aspectos que merecem destaques e foi devido agrave determinaccedilatildeo
constitucional de estabelecer o caraacuteter obrigatoacuterio do ensino fundamental e de
responsabilizar o Estado por sua implementaccedilatildeo que tem iniacutecio o processo de
avanccedilo desse segmento
A Constituiccedilatildeo estabeleceu de forma mais clara o papel dos entes federados
na educaccedilatildeo Tambeacutem aumentou a participaccedilatildeo orccedilamentaacuteria destinada ao setor
Com as novas regras para distribuiccedilatildeo de recursos adotadas apoacutes a promulgaccedilatildeo
da Carta os municiacutepios voltam a interessar-se pela educaccedilatildeo fundamental e o paiacutes
atinge a universalizaccedilatildeo do setor o que se busca agora satildeo mecanismos para
garantir a qualidade no ensino
O segundo passo nessa dinacircmica eacute o oferecimento a todos os cidadatildeos de
condiccedilotildees miacutenimas de sobrevivecircncia e de existecircncia condignas atraveacutes do acesso
ao trabalho produtivo livremente escolhido e do pagamento de remuneraccedilatildeo capaz
de prover ao sustento do trabalhador e de sua famiacutelia
Para milhotildees de cidadatildeos que vivem na ignoracircncia e na miseacuteria nenhuma
utilidade ou eficaacutecia tecircm os inuacutemeros direitos constitucionalmente assegurados Para
aqueles que se habituaram a retirar proventos da mendicacircncia da prostituiccedilatildeo de
atividades iliacutecitas ou aqueles que se sentiram forccedilados a sujeitar-se agrave exploraccedilatildeo de
outrem para sobreviver natildeo haacute nenhuma crenccedila na dignidade da pessoa humana e
no valor social do trabalho
42
A pobreza engendra inuacutemeras relaccedilotildees de dominaccedilatildeo entre pessoas e entre grupos sociais As habitaccedilotildees subumanas da periferia das grandes cidades no Brasil constituem verdadeiros quistos sociais terras sem lei controladas por xerifes ou por quadrilhas de malfeitores O Estado que natildeo for capaz de dotar essas comunidades do acesso efetivo agrave Educaccedilatildeo agrave Sauacutede agrave Seguranccedila e agrave Paz Puacuteblicas e ao trabalho liacutecito certamente natildeo lhes estaraacute assegurando o acesso ao Direito porque a populaccedilatildeo abrutalhada pela miseacuteria e coagida pelo medo natildeo desfruta da miacutenima eficaacutecia concreta dos
seus direitos fundamentais (GRECO 2009)
Evidencia que acesso ao Direito nas sociedades modernas mesmo nas
economicamente desenvolvidas exige o fortalecimento dos grupos intermediaacuterios e
do associativismo O cidadatildeo natildeo estaacute mais em condiccedilotildees de defender-se
individualmente das ameaccedilas e lesotildees aos seus direitos perpetradas por pessoas ou
grupos que se encontram em posiccedilatildeo de vantagem nas relaccedilotildees econocircmicas e
sociais
O sindicato veio exercer este importante papel em relaccedilatildeo ao trabalhador
empregado Mas hoje as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo natildeo satildeo apenas as que existem no
mundo do trabalho mas as que se revelam em todos os tipos de relaccedilotildees humanas
relaccedilotildees de consumo relaccedilotildees de vizinhanccedila relaccedilotildees locatiacutecias relaccedilotildees
comerciais internas e internacionais e natildeo com menor relevacircncia relaccedilotildees entre os
particulares e o Estado entre outras
Eacute preciso assegurar esse equiliacutebrio na praacutetica o que somente tornar-se-aacute
possiacutevel atraveacutes da articulaccedilatildeo dos sujeitos que se encontram em posiccedilatildeo de
desvantagem em organizaccedilotildees e associaccedilotildees que pela uniatildeo de esforccedilos
consigam compensar o desequiliacutebrio existente e dar aos indiviacuteduos e grupos a forccedila
e a capa de proteccedilatildeo necessaacuterias para ombrearem-se aos seus adversaacuterios e
lutarem pelos seus direitos ou interesses em igualdade de condiccedilotildees
Para Greco (2009) o pressuposto indispensaacutevel do acesso ao Direito eacute a
transparecircncia do Estado no trato de questotildees que possam afetar a esfera de
interesses dos cidadatildeos e complementa que aos cidadatildeos eacute indispensaacutevel
assegurar o direito de influir eficazmente nas decisotildees do poder puacuteblico atraveacutes dos
mais diversos instrumentos de participaccedilatildeo democraacutetica Ele afirma que
A relaccedilatildeo Estado-cidadatildeo natildeo eacute mais a relaccedilatildeo soberano-suacutedito O cidadatildeo tem o direito de exigir do Estado o pleno respeito ao seu
43
patrimocircnio juriacutedico Lamentavelmente a crise do Estado tem levado o Brasil a aceitar-se como normal que as pessoas juriacutedicas de Direito Puacuteblico natildeo cumpram devidamente as prestaccedilotildees positivas de que satildeo devedoras perante os particulares cabendo a estes demandar na Justiccedila para obtecirc-las (GRECO 2009)
Essa visatildeo deformada da responsabilidade do Estado ocorre o
desvirtuamento da justiccedila Por outro lado agrave violaccedilatildeo da garantia constitucional da
tutela jurisdicional efetiva (Constituiccedilatildeo artigo 5 inciso XXXV) disciplina a lei natildeo
excluiraacute da apreciaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio lesatildeo ou ameaccedila ao direito Assim o
acesso ao Direito natildeo estaraacute concretamente assegurado se o Estado natildeo oferecer a
todo cidadatildeo a possibilidade de receber aconselhamento juriacutedico a respeito dos seus
direitos
Constituiccedilatildeo de 1988 no artigo 5deg inciso LXXIV assegurou a todos
ldquoassistecircncia juriacutedicardquo a englobar assistecircncia judiciaacuteria e assessoramento juriacutedico
extrajudicial Conforme Greco (2009) ldquoeacute preciso que esse direito seja assegurado
na praacutetica Uma vez que na vida moderna o Direito tornou-se excessivamente
complexordquo Ainda no dizer do autor a consciecircncia juriacutedica do homem comum que
deve ser adquirida na famiacutelia e na escola natildeo eacute mais suficiente para a tomada de
decisotildees na vida diaacuteria das pessoas Todas as pessoas mantecircm complexas relaccedilotildees
juriacutedicas com instituiccedilotildees financeiras com fornecedores de bens e de serviccedilos etc
Nessas relaccedilotildees juriacutedicas com frequecircncia os cidadatildeos tecircm de tomar decisotildees
raacutepidas O cidadatildeo que tem meios procura um advogado particular para assessoraacute-
lo Ao pobre o Estado deve assegurar o mesmo direito em plenitude
Sem duacutevida o uacuteltimo pressuposto do acesso ao Direito eacute o acesso agrave Justiccedila
no sentido de acesso a um tribunal estatal imparcial previamente instituiacutedo como
competente para a soluccedilatildeo de qualquer litiacutegio a respeito de interesse que se afirme
juridicamente protegido ou para a praacutetica de qualquer ato que a lei subordine agrave
aprovaccedilatildeo autorizaccedilatildeo ou homologaccedilatildeo judicial
Se o cidadatildeo tem consciecircncia dos seus direitos se o Estado lhe fornece
todas as condiccedilotildees para livremente exercecirc-los mas algum outro cidadatildeo ou algum
oacutergatildeo do proacuteprio Estado impede ou dificulta esse exerciacutecio cabe ao poder puacuteblico
pocircr agrave disposiccedilatildeo do cidadatildeo lesionado ou ameaccedilado a jurisdiccedilatildeo necessaacuteria para
assegurar o pleno acesso a tal direito
Atingimos eacute certo um estaacutegio de desenvolvimento do Direito Humanitaacuterio que
natildeo mais nos permite conformar-nos com uma realidade distante do padratildeo de
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convivecircncia humana que outras naccedilotildees jaacute alcanccedilaram O exerciacutecio pleno de
cidadania seraacute obra de mais de uma geraccedilatildeo Mas se trabalharmos com firmeza
certamente os jovens de hoje poderatildeo legar aos seus descendentes a emancipaccedilatildeo
cidadatilde um paiacutes melhor e uma sociedade mais justa e democraacutetica
33 O municiacutepio como acircmbito de exerciacutecio de cidadania
Historicamente o Municiacutepio enquanto unidade poliacutetico-administrativa surgiu
conforme descreve Berardi (2004) com a Repuacuteblica Romana interessada em
manter a dominaccedilatildeo paciacutefica das cidades conquistadas pela forccedila dos exeacutercitos
Sua origem mais de natureza socioloacutegica do que poliacutetica adveacutem do espiacuterito
associativo do homem e de suas relaccedilotildees de vizinhanccedila
Eacute pois a menor unidade territorial de Federaccedilatildeo cuja criaccedilatildeo reflete a base
da organizaccedilatildeo poliacutetica administrativa da Naccedilatildeo Portanto sua funccedilatildeo administrativa
historicamente vem assentada no princiacutepio do direito natural
O artigo primeiro da Constituiccedilatildeo Federal de 1998 estabelece que o
Municiacutepio ao lado dos Estados e do Distrito Federal formam a Republica Federativa
do Brasil que se constitui em Estado Democraacutetico de Direito O municiacutepio tem assim
um poder relevante para a aplicaccedilatildeo da democracia direta iniciada e fortalecida em
niacutevel local Diversos pensadores chegaram a afirmar que a descentralizaccedilatildeo de
poder resultante da constituiccedilatildeo Cidadatilde era antes de tudo uma conquista dos
Municiacutepios sendo eles os berccedilos da perpetuaccedilatildeo da Repuacuteblica e da Democracia
efetivamente por serem o uacutenico niacutevel de governo possuidores de respaldo e
localizaccedilatildeo fiacutesica ou seja solo municipal
Eacute certo que a Carta Magna de 1988 consolidou significativas inovaccedilotildees para a
vida municipal de forma que o Municiacutepio passou a constituir um dos entes da
federaccedilatildeo tratando-o como unidade dotada de autonomia poliacutetica expressa na
capacidade de poder elaborar a sua Lei Orgacircnica fugindo assim da tutela dos
estados que ateacute entatildeo eram considerados como uacutenicos componentes da federaccedilatildeo
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A Lei Orgacircnica Municipal traz em seu bojo aleacutem da organizaccedilatildeo
administrativa do Municiacutepio a restauraccedilatildeo do Poder Legislativo municipal definindo
a diversificaccedilatildeo normativa que natildeo existia nas leis organizacionais outorgadas pelo
Estado reflexo do poder constituinte outorgados aos Municiacutepios pela Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 como consequecircncia do efetivo exerciacutecio do conceito de Estado
Democraacutetico de Direito
O Municiacutepio enquanto ente federativo tem atualmente a responsabilidade de
ordenar o seu desenvolvimento social e a garantia do bem estar de seus habitantes
executando poliacuteticas puacuteblicas de accedilotildees a serem empreendidas na consolidaccedilatildeo
democraacutetica do Estado
Fundada no elemento participaccedilatildeo o exerciacutecio de cidadania amplamente
citado encontra sua efetividade no municiacutepio Pois eacute nesse acircmbito de localizaccedilatildeo
que as pessoas mantecircm um contato direto com os poderes instituiacutedos suas
necessidades imediatas e mediatas satildeo objetos da disciplina da Lei que visa o bem
comum base do Estado democraacutetico de Direito
Baseado na maacutexima do municipalista e defensor da descentralizaccedilatildeo poliacutetica
Franco Motoro sabiamente proferiu que ldquoningueacutem vive na Uniatildeo ou no Estado As
pessoas vivem no Municiacutepiordquo Assim a cidadania encontra seu melhor espaccedilo de
realizaccedilatildeo na comunidade onde convive A vida em comunidade gera anseios
comuns sentimentos comuns uma vez que a convivecircncia propicia que as pessoas
se conheccedilam e se reconheccedilam como membros de uma mesma realidade
De acordo com Harvey (1992) ldquoa globalizaccedilatildeo provoca anonimato enquanto
comunidade cultiva solidariedaderdquo o que implica participaccedilatildeo para o exerciacutecio de
cidadania
Tudo o que acontece no mundo seja no meu paiacutes na minha cidade ou no meu bairro acontece comigo Entatildeo eu preciso participar das decisotildees que interferem na minha vida Um cidadatildeo com um sentimento eacutetico forte e consciecircncia da cidadania natildeo deixa passar nada natildeo abre matildeo desse poder de participaccedilatildeo (Herbert de Souza Betinho)
Com esse embasamento natildeo se pode perder de vista que eacute nas relaccedilotildees
diaacuterias de oposiccedilatildeo ou solidariedade que as pessoas exercem cidadania Na relaccedilatildeo
do com o outro com os poderes ao estabelecer com a vida social e puacuteblica uma
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convivecircncia posto que cidadania eacute tarefa que natildeo termina natildeo eacute um conceito
pronto tatildeo pouco acabado enquanto seres inacabados que somos estaremos
buscando descobrindo criando e tomando consciecircncia mais ampla dos direitos
O desafio eacute construir um novo discurso sobre cidadania atraveacutes de uma
praacutetica poliacutetica sustentada isto eacute realizada em dois niacuteveis
O primeiro niacutevel na base atraveacutes de construccedilatildeo das capacidades e do poder
proacuteprio da populaccedilatildeo o que envolve inevitavelmente uma mudanccedila de atitude na
busca para garantir seus direitos utilizando-se do grau de autonomia local
Essa atitude conceberia agrave democracia participativa como uma poliacutetica paralela
de intervenccedilatildeo social criando e mantendo novos espaccedilos para a tomada de
decisotildees ou seja para o auto-governo pela populaccedilatildeo nas mateacuterias que afetam
diretamente suas vidas
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade
O segundo niacutevel um governo com o povo e natildeo apenas para o povo fundado
nos ditames constitucionais valorizando o sentimento da sociedade no exerciacutecio da
governabilidade de modo que o balizamento das accedilotildees de governo deixaria de estar
no proacuteprio governo e passaria a estabelecer-se a partir do pensar da sociedade Um
governo que se pergunta o que se deve fazer para ouvir com a maior fidelidade
possiacutevel a sociedade suas instituiccedilotildees representativas e o cidadatildeo Pois as
prioridades da gestatildeo deveriam ser definidas pela sociedade e natildeo mais pelo
governo
Portanto nesses termos eacute preciso considerar que as praacuteticas da
administraccedilatildeo puacuteblica sejam democratizadoras e inclusivas inspiradas nos
princiacutepios da legalidade impessoalidade moralidade publicidade e eficiecircncia Esta
uacuteltima buscou estabelecer uma Administraccedilatildeo Puacuteblica mais eficiente no sentido de
que o cidadatildeo como destinataacuterio dos serviccedilos puacuteblicos que o Estado deve prestar
receba-os com maior qualidade e menor custo para o eraacuterio puacuteblico
Para a consecuccedilatildeo desse governar com o povo alguns pontos devem ser
revistos A mudanccedila implica na necessidade de adequaccedilatildeo reorganizaccedilatildeo
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reformulaccedilatildeo Para isso se faz premente em face dos novos e modernos conceitos
de gestatildeo puacuteblica a superaccedilatildeo do tradicional vezo burocraacutetico que vem convertendo
a Administraccedilatildeo nas palavras Dromi (1995) numa cara ldquomaacutequina de impedirrdquo fiel
ldquocoacutedigo do fracassordquo que dispotildee ldquoartigo primeiro natildeo pode artigo segundo em
caso de duacutevida abstenha-se artigo terceiro se eacute urgente espere artigo quarto
sempre eacute mais prudente natildeo fazer nadardquo numa posiccedilatildeo natildeo burocraacutetica e sim
democraacutetica de considerar que organizaccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica inclui a
praacutetica de ver os cidadatildeos como membros plenos da comunidade poliacutetica tendo
acesso e exercitando direitos as que promovem a organizaccedilatildeo da populaccedilatildeo em
torno de temas de interesse comum as que incluem o controle social sobre a
gestatildeo o debate amplo e informado sobre questotildees de governo e que abrem agrave
populaccedilatildeo as decisotildees sobre estas questotildees Como leciona e Barrientos (2000)
Tratam-se de praacuteticas que natildeo buscam somente melhorar a eficiecircncia administrativa das diferentes organizaccedilotildees puacuteblicas mas que incorporam no seu processo de gestatildeo a dimensatildeo ativa da cidadania isto eacute ldquoque facilitam as iniciativas e responsabilidades de todos os envolvidos[] estabelecendo pontes entre Estado e sociedade civil
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade Acreditamos
que o ponto de partida eacute a atitude aliada agrave solidariedade e ao espiacuterito coletivo Pois
governo e cidadatildeos juntos haveratildeo de cumprir um novo papel no processo de
desenvolvimento como agentes de uma nova cultura
Como afirma Peter Drucke
A parceria comunitaacuteria seraacute um dos verdadeiros setores em crescimento das economias desenvolvidas Surge da necessidade de uma participaccedilatildeo mais direta e efetiva da comunidade nas grandes questotildees da vida social pois natildeo existe ningueacutem melhor que o cidadatildeo para saber o que ele quer para si para sua famiacutelia e para sua comunidade (apud RAMOS 1990)
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O envolvimento efetivo da sociedade nas questotildees sociais natildeo eacute apenas uma
postura moderna Significa antes de tudo uma atitude digna de todos aqueles que
desejam exercer sua cidadania contribuindo para um paiacutes melhor e em especial
para uma sociedade mais justa fraterna e solidaacuteria
Na histoacuteria observa-se a grande coragem das pessoas em construir o
reconhecimento delas proacuteprias e de seus direitos sempre buscando a participaccedilatildeo e
defendendo os Direitos Humanos Sem duacutevida a maior ecircnfase que deve ocorrer
para a construccedilatildeo real da cidadania eacute uma mudanccedila na sociedade O melhor a ser
feito eacute reforccedilar a organizaccedilatildeo democraacutetica buscando novas formas de participaccedilatildeo
social pois cidadania natildeo se resume ao poder de votar ou ser votado mas eacute sempre
na efetiva participaccedilatildeo popular pois somente com isso haacute a verdadeira
conscientizaccedilatildeo e o comprometimento daquele que passa a se sentir cidadatildeo
abandonando-se velhos viacutecios da poliacutetica representativa
Desse modo a participaccedilatildeo do povo no momento das reivindicaccedilotildees das
discussotildees e apreciaccedilotildees de projetos que visem agrave melhoria da comunidade local a
exigecircncia de transparecircncia na administraccedilatildeo da coisa puacuteblica dentre outras eacute quem
daraacute embasamento para as verdadeiras conquistas sociais no Municiacutepio que geram
saudaacuteveis formas de pressatildeo por efetivas poliacuteticas puacuteblicas de inclusatildeo social
gerando o fim do clientelismo poliacutetico tatildeo pejorativo e comum em nossa realidade e
cultura poliacutetica
Somente a participaccedilatildeo social eacute que iraacute causar uma real democratizaccedilatildeo do
poder A afirmaccedilatildeo da cidadania eacute pressuposto para a realizaccedilatildeo dos Direitos
Humanos pois os homens natildeo nascem naturalmente iguais Inclusive para que
ocorra a realizaccedilatildeo dos referidos direitos eacute necessaacuterio tambeacutem que exista um
espaccedilo puacuteblico que seja realmente democraacutetico e acessiacutevel possibilitando a
participaccedilatildeo de todos e esse espaccedilo eacute certamente o municiacutepio
Na praacutetica um forte instrumento de cidadania para atender as necessidades
coletivas eacute o orccedilamento participativo previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal que
determina expressamente a realizaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas e a participaccedilatildeo
popular nos processos de elaboraccedilatildeo e conduccedilatildeo dos orccedilamentos como forma de
incentivo agrave preparaccedilatildeo e execuccedilatildeo de planejamentos que envolvam diretamente o
povo A Lei veio incentivar a sua propagaccedilatildeo para todos os entes federativos tendo
em conta que se trata de uma tendecircncia mundial por legitimar as escolhas e
fortalecer o princiacutepio da transparecircncia
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Os meios de acesso do cidadatildeo junto aos Poderes Puacuteblicos eacute uma realidade
no Estado Democraacutetico de Direito brasileiro a exemplo das sessotildees do Poder
Legislativo que satildeo puacuteblicas ficando abertas a todos que delas quiserem participar
Emite-se uma pauta antes do comeccedilo da sessatildeo com a preacutevia dos debates Em
niacutevel municipal verifica-se um acompanhamento mais incisivo sobre as sessotildees das
Cacircmaras de Vereadores como forma de pressatildeo para aprovaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees
da comunidade avaliaccedilatildeo do desempenho e aceitaccedilatildeo de propostas orccedilamentaacuterias
e atuaccedilatildeo dos poliacuteticos bem como entendimento das funccedilotildees do Poder Legislativo
A Constituiccedilatildeo Federal assegura desde 1988 a possibilidade de se oferecer
peticcedilatildeo agraves Mesas Legislativas como forma de pedir informaccedilotildees sobre andamento
de projetos ou relatoacuterios encaminhados aos chefes do Poder Executivo Em niacutevel
municipal pode ser utilizada a Tribuna Livre como instrumento para denuacutencias de
problemas ou discussatildeo de um tema ou mesmo para apresentar sugestotildees sendo
regulado pela Lei Orgacircnica Municipal e pelo Regimento Interno da Cacircmara
A convocaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas tambeacutem possui previsatildeo constitucional
no art 58 sect 20 inciso II em niacutevel federal As comissotildees podem em razatildeo da
mateacuteria de sua competecircncia realizar audiecircncias puacuteblicas com entidades da
sociedade civil E nada obsta que estejam previstas formas de articulaccedilatildeo da
sociedade civil com os Presidentes das Comissotildees da Cacircmara no seu Regimento
Interno em acircmbito municipal
Os dispositivos da Constituiccedilatildeo Federal que dispotildeem sobre a forma de
participaccedilatildeo direta do cidadatildeo e da sociedade civil no processo democraacutetico natildeo se
pode negar que trouxe novas perspectivas De modo geral podemos citar
Art 29 A lei orgacircnica dos Municiacutepios tem que observar entre os seus
preceitos ldquocooperaccedilatildeo das associaccedilotildees representativas no planejamento municipalrdquo
Art 31 As contas dos municiacutepios ficaratildeo durante 60 (sessenta) dias
anualmente a disposiccedilatildeo de qualquer contribuinte para exame e apreciaccedilatildeo o qual
poderaacute questionar-lhes a legitimidade nos termos da lei
Art37 sect 3ordm (EC-1998) A lei disciplinaraacute as formas de participaccedilatildeo do usuaacuterio
na administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta regulando especialmente
I- as reclamaccedilotildees relativas a prestaccedilatildeo dos serviccedilos puacuteblicos em geral asseguradas
a manutenccedilatildeo de serviccedilo de atendimento ao usuaacuterio e a avaliaccedilatildeo perioacutedica externa
e interna da qualidade dos serviccedilos
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II- o acesso dos usuaacuterios a registros administrativos e a informaccedilatildeo sobre atos de
governo observado o disposto no art 5ordm X e XXXIII
III- a disciplina da representaccedilatildeo conta o exerciacutecio negligente ou abusivo de cargo
emprego ou funccedilatildeo na administraccedilatildeo puacuteblica
Art 74 sect 2ordm Qualquer cidadatildeo partido poliacutetico associaccedilatildeo ou sindicato eacute
parte legiacutetima para na forma de lei denunciar irregularidades ou ilegalidades perante
o Tribunal de Contas da Uniatildeo
Art194 paraacutegrafo uacutenico Compete ao Poder Puacuteblico nos termos da lei
organizar a seguridade social com base nos seguintes objetivos ()
VII ndash caraacuteter democraacutetivo descentralizado na administraccedilatildeo mediante gestatildeo
quadripartite com participaccedilatildeo dos trabalhadores dos empregados e dos
aposentados e do Governo nos oacutergatildeos colegiados nos oacutergatildeos colegiados
Art 198 As accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede integram uma rede
regionalizada e hierarquizada o constituem um sistema uacutenico organizado de acordo
com as seguintes diretrizes
III ndash participaccedilatildeo da comunidade
Art 202 sect 6ordm A lei complementa a que se refere o sect 4ordm deste artigo
estabeleceraacute os requisitos para a designaccedilatildeo dos membros das diretorias das
entidades fechadas de previdecircncia privada e disciplinaraacute a inserccedilatildeo dos
participantes nos colegiados e instacircncias de decisatildeo em que seus interesses sejam
objeto de discussatildeo e deliberaccedilatildeo
Art 204 As accedilotildees governamentais na aacuterea de assistecircncia social seratildeo
organizadas com base nas seguintes diretrizes
II ndash Participaccedilatildeo da populaccedilatildeo por meio de organizaccedilotildees representativas na
formulaccedilatildeo das poliacuteticas e no controle das accedilotildees em todos os niacuteveis
O protagonista na concretizaccedilatildeo dos direitos humanos e na ampliaccedilatildeo da cidadania eacute um sujeito coletivo de um trabalho sempre inacabado eis que se tratam de tarefas e conquistas cotidianas e gradativas obras que soacute podem ser realizada a muitas matildeos no partilhar e compartilhar da vida (COSTA NETO 2010)
A ampliaccedilatildeo da cidadania requer a consciecircncia de que os direitos pressupotildeem
deveres de maneira que os direitos de um indiviacuteduo satildeo garantidos a partir do
cumprimento dos deveres dos demais componentes da sociedade
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34 A necessaacuteria superaccedilatildeo de velhos paradigmas
Como se sabe em 1988 foi aprovada a Constituiccedilatildeo mais liberal e
democraacutetica do Brasil chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo Assim ampliou-se de
forma significativa o campo dos direitos e garantias fundamentais No que diz
respeito a tal mateacuteria eacute considerada como uma das mais avanccediladas do mundo No
seu preacircmbulo adota o modelo de um Estado democraacutetico de Direito destinado a
garantir o exerciacutecio dos direitos sociais e individuais a liberdade a seguranccedila o
bem-estar o desenvolvimento a igualdade e a justiccedila eleitos como valores
supremos de uma sociedade fraterna pluralista e sem preconceitos
Para a construccedilatildeo democraacutetica da cidadania no Brasil contemporacircneo
salienta-se de ela deve passar de uma democracia representativa para uma
cidadania que efetivamente molde a democracia ou seja uma cidadania instituinte
da democracia
No acircmbito constitucional positivo cidadania pressupotildee o exerciacutecio de todos
os direitos fundamentais e garantias que caracterizam o Estado democraacutetico de
Direito Quando se fala em cidadania eacute no sentido de reafirmar o direito pela plena
realizaccedilatildeo do indiviacuteduo do cidadatildeo dos entes coletivos e de sua emancipaccedilatildeo nos
espaccedilos da sociedade Estatildeo sempre intimamente ligados os conceitos de
cidadania democracia e direitos humanos sendo que um remete ao outro e seus
conteuacutedos se interligam ou seja a cidadania natildeo iraacute ocorrer sem que ocorra a
realizaccedilatildeo dos Direitos Humanos da mesma forma que os direitos humanos natildeo
seratildeo concretizados se natildeo houver o exerciacutecio da cidadania
Na evoluccedilatildeo histoacuterica tais categorias se desenvolveram de forma conjunta
com o Estado Representam noccedilotildees desejaacuteveis de relaccedilotildees humanas que se espera
sejam instituiacutedas Satildeo os elementos basilares na nova ordem social e que a
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 pretendeu edificar Poreacutem a democracia poliacutetica natildeo
resolveu os problemas econocircmicos mais seacuterios como a desigualdade e o
desemprego Continuam muito seacuterios os problemas da aacuterea social principalmente
na educaccedilatildeo nos serviccedilos de sauacutede e saneamento como tambeacutem e
principalmente quanto agrave seguranccedila puacuteblica
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A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 em seu artigo 6ordm e em outros artigos no texto
constitucional ampliou e muito os Direitos Sociais proibiu discriminaccedilotildees Assim
indicadores baacutesicos de qualidade de vida apontam que houve uma melhoria A
mortalidade infantil por exemplo caiu de maneira significativa nos uacuteltimos anos A
esperanccedila de vida ao nascer passou de 60 anos em 1980 para 70 em 2000 Poreacutem
o maior progresso foi na aacuterea da educaccedilatildeo fundamental que eacute considerado fator
decisivo para a cidadania pois a taxa de analfabetismo caiu consideravelmente
entretanto existem muitos problemas no campo educacional como a repetecircncia e
com relaccedilatildeo a desigualdade social entre as regiotildees
A grande concentraccedilatildeo da riqueza nacional nas matildeos de poucos reflete a
desigualdade e causa a pobreza e a miseacuteria ao passo que dificulta o acesso do
cidadatildeo agrave justiccedila e consequentemente ao seu estado de cidadania pleno
Dentre os fundamentos no qual se baseiam o Estado democraacutetico de Direito
no Brasil destaca-se justamente a cidadania e a dignidade humana conforme artigo
1ordm incisos II e III da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Entatildeo construir uma sociedade
livre justa e solidaacuteria garantir o desenvolvimento nacional erradicar a pobreza e a
marginalizaccedilatildeo reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de
todos sem preconceitos de origem raccedila sexo cor idade ou quaisquer outras
formas de discriminaccedilatildeo satildeo os objetivos fundamentais do Estado Brasileiro
conforme art 3ordm da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
O cenaacuterio de globalizaccedilatildeo econocircmica mundial tambeacutem traacutes seacuterios obstaacuteculos
para a construccedilatildeo da cidadania A globalizaccedilatildeo da economia em ritmo acelerado
provoca grandes mudanccedilas nas relaccedilotildees entre Estado sociedade e naccedilatildeo que
eram sempre o centro da noccedilatildeo e da praacutetica da cidadania ocidental O foco das
mudanccedilas e das preocupaccedilotildees estaacute em dois focos especiacuteficos a reduccedilatildeo do papel
central do Estado como fonte de direitos e local para a participaccedilatildeo e o
deslocamento da naccedilatildeo como principal fonte de identidade coletiva
Para que ocorra efetiva mudanccedila a melhor proposta eacute no sentido de
mudanccedila na organizaccedilatildeo da sociedade pois a inversatildeo da sequecircncia dos direitos
fez com que ocorra o reforccedilo da supremacia do Estado Para que ocorra a
consolidaccedilatildeo democraacutetica e cidadatilde eacute necessaacuterio reforccedilar a organizaccedilatildeo da
sociedade para assim dar embasamento social ao poder poliacutetico ou seja
finalmente democratizar o poder e estabelecer de forma plena a Cidadania
53
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A Constituiccedilatildeo que nasce com ldquocheiro de amanhatilde e natildeo de mofordquo nas
palavras do Deputado Ulisses Guimaratildees tem em seu relevo a esperanccedila de um
povo que sonhava com a erradicaccedilatildeo da repressatildeo militar e natildeo soacute isso um povo
que sonhava com a liberdade em suas diversas manifestaccedilotildees em suas mais
significativas formas de representaccedilatildeo e sobretudo com um paiacutes voltado para a
democracia e justiccedila social
Ao povo brasileiro foi concedido o poder de governar e nesse contexto de
mudanccedila a ldquodemocracia eacute o governo do povo pelo povo e para o povordquo na
conceituaccedilatildeo ceacutelebre de Abraham Lincoln E consoante estabelece o paraacutegrafo
uacutenico do art 1ordm da Carta cidadatilde de 1988 ldquotodo poder emana do povo que o exerce
por meio de representantes eleitos ou diretamenterdquo
No entanto natildeo basta que a fonte de poder seja o povo a democracia vem
significar a efetiva participaccedilatildeo do povo nas decisotildees e destino do Estado e sua
consolidaccedilatildeo eacute a proacutepria cidadania pois eacute o cidadatildeo que pensa e se auto define
diante da condiccedilatildeo soacutecio-histoacuterica O cidadatildeo tem portanto o poder de transformar
a realidade social segundo seu pensamento e accedilatildeo
Natildeo se pode negar que a Carta de 1988 foi a que apresentou maior
legitimidade popular que abriu caminhos apontando um novo tempo
Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita Se fosse perfeita seria irreformaacutevel Ela proacutepria com humildade e realismo admite ser emendada ateacute por maioria mais acessiacutevel dentro de cinco anos Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita mas seraacute uacutetil e pioneira e desbravadora Seraacute luz ainda que de lamparina na noite dos desgraccedilados Eacute caminhando que se abrem os caminhos Ela vai caminhar e abri-los Seraacute redentor o que penetrar nos bolsotildees sujos escuros e ignorados da miseacuteria (Ulysses Guimaratildees)
Mesmo natildeo sendo a constituiccedilatildeo perfeita sem duacutevida foi a que trouxe
esperanccedila ao povo brasileiro com a sua promulgaccedilatildeo surgiram o ldquohaacutebeas datardquo o
mandado de injunccedilatildeo e o mandado de seguranccedila coletivo - todos remeacutedios judiciais
de iacutendoles constitucionais serviacuteveis para prevenir e combater diversas tentativas de
abuso contra a pessoa humana Outrossim o objeto da accedilatildeo popular foi ampliado
Atualmente qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima para propor a mencionada accedilatildeo
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popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de entidade de que o
Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e ao patrimocircnio
histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de custas
judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia Nesse rol de forma decisiva houve a
ampliaccedilatildeo tambeacutem dos direitos sociais
Assim a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconhece e assegura uma seacuterie de
escudos protetivos aos cidadatildeos Em sua essecircncia os direitos fundamentais
ganham forma De modo que podemos assegurar que hoje o nosso Estado eacute uma
organizaccedilatildeo centrada no ser humano visto que tem a dignidade da pessoa humana
como um fundamento da Repuacuteblica Federativa do Brasil
Apesar das inuacutemeras dificuldades o Estado Democraacutetico de Direito fundado
na cidadania constituiu para o povo uma nova identidade ndash o que em outras eacutepocas
natildeo existia
A Constituiccedilatildeo circunscreve toda a organizaccedilatildeo poliacutetica estatal no intuito
maior de criar no consciente coletivo a vontade livre e determinada de desenvolver
padrotildees de condutas destinados a elevar e promover a auto-estima de toda a
comunidade paacutetria
Foi nesse sentido que estatui em seu artigo 1ordm a cidadania como fundamento
do Estado Democraacutetico de Direito ampliando e enriquecendo o tal conceito Cada
eacutepoca produziu praacuteticas e reflexotildees muito distintas sobre o tema cidadania A
definiccedilatildeo de cidadania que vem sofrendo alteraccedilotildees ao longo do tempo obedecendo
a um processo histoacuterico de conquistas sociais eacute compreendida atualmente como
um processo de participaccedilatildeo do indiviacuteduo ou de um grupo organizado nas mais
variadas aacutereas de atuaccedilatildeo da sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos
e sociais
A cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia disso natildeo haacute duvidas e se
efetiva como mudanccedilas na realidade de cada um com melhoria de vida e
conscientizaccedilatildeo da importacircncia do cidadatildeo dado que eacute um processo em
permanente construccedilatildeo Natildeo haacute como defender uma qualidade de vida sem a
preservaccedilatildeo da cidadania em todos os seus acircmbitos Nesse sentido a efetiva
proteccedilatildeo desse aspecto basilar torna-se essencial no que tange uma assistecircncia
juriacutedica completa
No contraponto do direito estatildeo os deveres que encontramos sua realizaccedilatildeo
tambeacutem na participaccedilatildeo observando que o cidadatildeo eacute responsaacutevel pelo advir de
55
suas accedilotildees A participaccedilatildeo reflete um caraacuteter de natildeo comodismo de atenccedilatildeo agravequilo
que eacute particular e coletivo tendo como finalidade preciacutepua o bem comum
Construir cidadania hoje eacute imperativo para a sociedade pois dessa
construccedilatildeo depende o amanhatilde Estamos diante da Constituiccedilatildeo que se propotildee a
resguardar o amanhatilde sem perder de vista que ele comeccedila hoje agora e nisso a
Carta Poliacutetica traacutes consigo a certeza do despertar dessa consciecircncia a consciecircncia
cidadatilde Ela eacute a semente plantada em terra feacutertil que gera frutos diariamente e se
renova a cada estaccedilatildeo na dinacircmica da vida Talvez tenha sido esse o cheiro de
frutas alcanccedilado pelo constituinte ao anunciar que a carta tem ldquocheiro do amanhatilderdquo
A responsabilidade pelo exerciacutecio desses direitos belissimamente elencados
depende de todos e de cada um pois somos o terreno feacutertil que produziraacute o fruto de
uma sociedade fraterna
Eacute comum na praacutetica apenas responsabilizarmos o Estado em sentido lato pelo
natildeo exerciacutecio dos direitos do cidadatildeo Vale lembrar nesse contexto das palavras de
J Kennedy o qual disse ldquonatildeo pergunte o que o Estado pode fazer por vocecirc mas o
que vocecirc pode fazer pelo Estadordquo haacute nessa frase um forte traccedilo de cidadania pois
quando o cidadatildeo reivindica critica opina o que ele daacute em contrapartida ao paiacutes eacute
solidificado visto que eacute nas relaccedilotildees familiares em comunidade que se estabelece e
se fortalece os viacutenculos de solidariedade de uma sociedade que perpetua valores
condutas que as leis reguladoras natildeo conseguem por si soacute estabelecer
A concretizaccedilatildeo do ideal de uma qualidade de vida merecida a todos os seres
humanos sem restriccedilotildees requer entretanto um esforccedilo coletivo Dessa forma haacute
necessidade de suprir as muitas carecircncias advindas das desigualdades sociais e de
condiccedilotildees do descaso do poder puacuteblico e da proacutepria conceituaccedilatildeo antiga de
cidadania que ainda eacute concebida por muitos no presente
Em suma nosso trabalho procurou traccedilar a evoluccedilatildeo da cidadania e ao
mesmo tempo buscou traccedilar uma melhor caracterizaccedilatildeo do cidadatildeo agrave luz da nossa
Constituiccedilatildeo que eacute por fim a essecircncia da Magna Carta O alcance da cidadania
enquanto mecanismo de acesso a direitos foi colocado no acircmbito da pessoa
enquanto titular de direitos e num paralelo defendemos que o municiacutepio eacute o espaccedilo
de atuaccedilatildeo e exerciacutecio de cidadania dada a proximidade do cidadatildeo com as
instituiccedilotildees oacutergatildeos entidades e tudo o mais que o cerca na esfera de vivecircncia Eacute na
praccedila que discute a poliacutetica local e nacional que se indigna com as dificuldades e as
56
barreiras de acesso aos seus direitos Eacute no municiacutepio que se inicia todo um vieacutes de
desdobramento para garantir direitos
Por fim natildeo obstante resta dizer sobre o tema que os caminhos e
paradigmas que se intentou percorrer sobre cidadania como mecanismo
transformador da sociedade tem ingrediente ainda a se descortinar para o
propoacutesito valioso do bem comum Pois bem a ideia de bem comum tem como
fundamento o amor maacutexima que se estabelece por meio da democracia visto que
ldquoa demofilia o demoiacutesmo o amor do povo acima de tudo como princiacutepio ativo de
toda a sua vida poliacutetica inspirador duma sempre crescente autonomia imanente eacute
que constitui a verdadeira essecircncia da democraciardquo nas palavras de Melgareacute
(2005)
Dessa forma eacute no nuacutecleo da democracia que estaacute inscrito como pedra
angular o respeito e o amor pela pessoa humana Eacute pois um tema de larga
abrangecircncia poreacutem sem querer abreviar o caminho sua efetiva possibilidade de
realizaccedilatildeo se encontra no exerciacutecio da cidadania sem repuacutedios parciais ou exclusatildeo
de qualquer ordem na plenitude de uma cidadania para todos
57
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
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16
(em 1949) o ensaio de Marshall continua a ser a referecircncia teoacuterica fundamental
para quem comeccedila a refletir sobre a cidadania na sociedade contemporacircnea eacute o
que se pode constatar de resto atraveacutes da consulta a mais recente bibliografia
dedicada a esse tema
Os Direitos Civis dentro da tradiccedilatildeo apresentada por Marshall estatildeo
ligados aos direitos fundamentais do homem como o direito agrave vida agrave liberdade agrave
propriedade e agrave igualdade perante a lei Jaacute os Direitos Poliacuteticos se referem agrave
participaccedilatildeo do cidadatildeo no governo da sociedade Seu exerciacutecio eacute limitado a uma
reduzida parcela da populaccedilatildeo e consiste na capacidade de fazer demonstraccedilotildees
poliacuteticas formar e participar de agremiaccedilotildees poliacuteticas organizar partidos votar e ser
votado Em geral quando se fala de direitos poliacuteticos
Eacute do direito do voto que se estaacute falando Por fim aparecem os Direitos Sociais que garantem a participaccedilatildeo no governo da sociedade e na riqueza coletiva Eles incluem o direito agrave educaccedilatildeo ao trabalho ao salaacuterio justo agrave sauacutede e agrave aposentadoria (CARVALHO 2002)
Eacute a soma desses direitos (civis poliacuteticos e sociais) que garantem a
emancipaccedilatildeo humana e a justiccedila social Certamente Marshall descreveu a evoluccedilatildeo
da cidadania em seu paiacutes de origem ou seja a Inglaterra Foi nesse paiacutes que
surgiram inicialmente os direitos civis no seacuteculo XVIII depois vieram os direitos
poliacuteticos (XIX) e por fim os direitos sociais (XX) Trata-se portanto de verdadeiras
conquistas da contemporaneidade E como tal fazem parte de um cotidiano em que
homens e mulheres lutam por dias melhores pelo Direito justo por uma cidadania
plena e eficaz por uma convivecircncia equilibrada pela existecircncia plena daqueles que
acreditam e defendem os valores por traacutes da dignidade da pessoa humana
12 A construccedilatildeo da cidadania
A Cidadania natildeo pode ser vista como um conceito estaacutetico pois ela natildeo se
resume somente em participaccedilatildeo atraveacutes de eleiccedilotildees mas sim como uma
construccedilatildeo da democracia politizada e participativa da construccedilatildeo do poder
17
Nas uacuteltimas deacutecadas o Brasil passou por significativas mudanccedilas de
paradigmas dentre os quais podemos citar a reconstruccedilatildeo do conceito proposto de
cidadania Pode-se dizer que apesar das inuacutemeras desigualdades socioeconocircmicas
o termo ldquocidadaniardquo evoluiu ampliando-se a abrangecircncia de sua concepccedilatildeo
abarcando todas as categorias sociais Para tanto para que possamos compreender
como vem se dando essa evoluccedilatildeo eacute preciso que conheccedilamos como tem se dado a
construccedilatildeo histoacuterica da representaccedilatildeo simboacutelica da cidadania
Durante toda a sua evoluccedilatildeo histoacuterica a palavra cidadania e as vaacuterias facetas
que ela assumiu nas uacuteltimas deacutecadas vecircm convivendo de perto com dissensotildees
sociais interesses e conflitos ideoloacutegicos culturais e poliacuteticos que se dedicam a
defender ou construir um modelo de cidadania compatiacutevel com as conjunturas de
cada tempo e de cada lugar
A marcha da cidadania sempre esteve ligada a avanccedilos retrocessos crises e
vitoacuterias enfim a iniciativas voltadas para a implantaccedilatildeo de uma estrateacutegia de luta
pelos direitos humanos pois ela esteve e estaacute em permanente construccedilatildeo eacute como
dizem os grandes teoacutericos um referencial de conquista da humanidade atraveacutes
daqueles que sempre lutaram e lutam por mais direitos mais liberdade melhores
garantias sejam elas individuais ou coletivas e natildeo se conformam frente agraves
dominaccedilotildees arrogantes de um pequeno grupo dominador e opressor contra uma
maioria desassistida e que natildeo se consegue fazer ouvir exatamente porque se lhe
nega a cidadania plena cuja conquista ainda que tardia natildeo seraacute obstada
Os caminhos trilhados pelos que defendem a cidadania podem vir a
apresentar em termos de sentimento constitucional a luta por um Estado
Democraacutetico de Direito que ajude na construccedilatildeo de uma adequada compreensatildeo
das situaccedilotildees de conjuntura e dos problemas estruturais que a sociedade enfrenta
dia apoacutes dia situaccedilotildees essas que se congregam para gerar a falta de efetividade
normativa da nossa Constituiccedilatildeo Aleacutem disso oferecem um amplo panorama acerca
dos esforccedilos que os povos empreenderam para fundar os alicerces das democracias
constitucionais do mundo moderno
A histoacuteria da construccedilatildeo da cidadania eacute uma histoacuteria de resistecircncias de povos
contra as opressotildees dos governos do desespero e das necessidades das massas eacute
a histoacuteria da esperanccedila e do empenho das naccedilotildees a histoacuteria da convivecircncia das
paixotildees humanas do futuro das geraccedilotildees eacute a histoacuteria do sofrimento e da dor eacute a
histoacuteria das vicissitudes e dramas do proacuteprio fenocircmeno humano
18
13 Cidadania um fenocircmeno cultural
A cidadania eacute um fenocircmeno cultural relacionada com a conquista de direitos
com as construccedilotildees das instituiccedilotildees com a proteccedilatildeo dos direitos fundamentais e
dos valores juriacutedicos e humanos Trata-se de uma realidade cultural cuja finalidade eacute
determinar o modo como agraves pessoas devem vincular-se agraves mudanccedilas nas estruturas
sociais determinando o modo como agraves pessoas devem atuar e (com) viver em
sociedade
De certo modo a cidadania como o Direito e todos os direitos representa uma
conquista da cultura frente agrave conflitiva natureza humana Tal conclusatildeo ajuda a
compreender o Estado Democraacutetico de Direito e tudo aquilo que ele simboliza em
termos de emancipaccedilatildeo da pessoa humana Nessa linha a necessidade de
compreender o conceito atual de cidadania agrave luz das questotildees culturais e sociais
postas pela sociedade poacutes-moderna veio-nos como heranccedila do processo cultural de
formaccedilatildeo das democracias modernas
Essa representaccedilatildeo cultural da cidadania vem sendo tratada pelos
pensadores modernos sob vaacuterios enfoques Num primeiro momento surge assim
por exemplo a cidadania civil que marcou a superaccedilatildeo da situaccedilatildeo observada na
Idade Meacutedia garantindo os direitos quanto agrave liberdade e agrave justiccedila e vinculando-se
diretamente agrave burguesia Jaacute a cidadania poliacutetica surgiu com a universalizaccedilatildeo de seu
proacuteprio conceito e com a ampliaccedilatildeo dos direitos civis Esta nova consciecircncia sobre
as diferenccedilas no interior do status de cidadatildeo acentua os debates sobre a exclusatildeo
social os direitos humanos e mesmo sobre a atuaccedilatildeo poliacutetica da sociedade civil Por
outro lado no atual estaacutegio do capitalismo falar em cidadania significar considerar
igualmente as proacuteprias mudanccedilas ocorridas na sociedade nos valores e na
educaccedilatildeo proporcionados pelas inovaccedilotildees da realidade tecnocientifica
Temos desse modo associado ao atual conceito de cidadania um repertoacuterio
teoacuterico e mesmo praacutetico cuja amplitude acompanha o proacuteprio desenvolvimento das
sociedades poacutes-modernas dando a impressatildeo crescente como afirma Harvey
19
De uma poderosa configuraccedilatildeo de novos sentimentos e pensamentos Que parecia a caminho de desenvolvimento social e poliacutetico apenas em virtude da maneira como definia padrotildees de criacutetica social e de praacutetica poliacutetica Em anos recentes ele vem determinando os padrotildees de debate definindo o modo do lsquodiscursorsquo e estabelecendo paracircmetros para a criacutetica cultural poliacutetica e cultural (1992)
Contudo a extensatildeo desses direitos agrave totalidade da populaccedilatildeo natildeo
possibilitou a garantia da liberdade e da igualdade idealizadas por Rousseau em sua
obra ldquoO Contrato Socialrdquo Por outro lado pode-se dizer que todos esses anos de
desenvolvimento acabaram por afirmar que a cidadania de fato soacute pode se constituir
por meio de acirrada luta cotidiana por direitos e pela garantia daqueles que jaacute
existem
Mais do que isso nota-se maior preocupaccedilatildeo com a difusatildeo desses direitos
seja por meio de educaccedilatildeo formal seja pelos meios de comunicaccedilatildeo Livros
didaacuteticos e paradidaacuteticos tecircm fomentado a discussatildeo sobre o status de cidadatildeo e os
direitos humanos outros associam ao desenvolvimento da cidadania uma
discussatildeo sobre os meios de comunicaccedilatildeo e o proacuteprio capitalismo como afirma o
professor Dalmo de Abreu Dallari em Cidadania e Direitos Humanos (1998)
Nessa perspectiva problemas recorrentes como as violaccedilotildees dos direitos
humanos as ineficiecircncias no campo social e o processo de pauperizaccedilatildeo
manifestado na periferia do capitalismo mostram que a cidadania exige mais do que
o simples ato de votar ou de pertencer a uma sociedade poliacutetica Cabe portanto agrave
sociedade civil caraacuteter representativo que substitua as pressotildees ou mesmo a
atuaccedilatildeo legiacutetima dos cidadatildeos
A evoluccedilatildeo da cidadania portanto consiste na lenta construccedilatildeo da
democracia que sintetiza os esforccedilos para a obtenccedilatildeo das prerrogativas ideoloacutegicas
e culturais que tecircm levado os membros da sociedade a decidirem acerca da
realidade que os cercam
14 Cidadania no Brasil breves consideraccedilotildees
Discorrer sobre a construccedilatildeo da cidadania no Brasil eacute tocar num ponto
crucial da nossa histoacuteria Passados mais de 500 anos da chegada dos portugueses
20
por estas paragens percebe-se que a consolidaccedilatildeo da cidadania ainda eacute um desafio
para todos os brasileiros
O tema cidadania muito se tem discutido na academia e fora dela o jargatildeo
da cidadania estaacute na moda nas instituiccedilotildees poliacuteticas e juriacutedicas como tambeacutem na
opiniatildeo puacuteblica mas concretamente eacute um conceito ainda a ser construiacutedo
No contexto histoacuterico-cultural e poliacutetico dos gregos especificamente por
volta do ano 380 aC (periacuteodo do apogeu daquela civilizaccedilatildeo) embora a cidadania
fosse limitada a uma parcela social minoritaacuteria pode-se afirmar que tanto a
democracia quanto a cidadania grega natildeo deixam de ser conquistas ineacuteditas e
avanccedilos significativos para a histoacuteria ocidental Jaacute a evoluccedilatildeo e a real consolidaccedilatildeo
da cidadania na modernidade nascem a partir dos direitos naturais (vida
propriedade liberdade) do homem liberal burguecircs garantido pelas consecutivas
ldquoDeclaraccedilotildees de Direitosrdquo elaboradas a partir das revoluccedilotildees liberais na Inglaterra
(Revoluccedilatildeo Gloriosa 1688-89) Estados Unidos (Emancipaccedilatildeo poliacutetica 1776) Franccedila
(Revoluccedilatildeo Francesa)
No entanto pode-se dizer que o nosso paiacutes apesar da influecircncia dos paiacuteses
europeus vivenciou como ainda vivencia uma difiacutecil construccedilatildeo da cidadania
A longa histoacuteria do Brasil vem elencando razotildees profundas para a nossa
natildeo-cidadania atual a exemplo da conquista (ou invasatildeo) do nosso territoacuterio o
grande latifuacutendio a escravidatildeo a monocultura de exportaccedilatildeo o analfabetismo a
perpetuaccedilatildeo das elites poliacuteticas no poder fatores que refletem nos viacutecios da vida
social cultural poliacutetica e econocircmica do paiacutes
Fundamentalmente eacute preciso afirmar que no Brasil a construccedilatildeo da
cidadania natildeo seguiu a loacutegica da trajetoacuteria inglesa Houve no Brasil segundo
Carvalho (2002) pelo menos duas diferenccedilas importantes
A primeira refere-se agrave maior ecircnfase em um dos direitos o social em relaccedilatildeo aos outros a segunda refere-se agrave alteraccedilatildeo na sequecircncia em que os direitos foram adquiridos entre noacutes o social precedeu os outros
Uma das razotildees fundamentais das dificuldades da construccedilatildeo da cidadania
estaacute ligada como nos diz Carvalho ao ldquopeso do passadordquo mais especificamente ao
periacuteodo colonial (1500-1822) quando
21
Os portugueses tinham construiacutedo um enorme paiacutes dotado de unidade territorial linguiacutestica cultural e religiosa Mas tinham deixado uma populaccedilatildeo analfabeta uma sociedade escravocrata uma economia monocultora e latifundiaacuteria um Estado Absolutista (CARVALHO 2002)
Em suma foram 322 anos sem poder puacuteblico sem Estado sem naccedilatildeo e
cidadania Diante de tatildeo obscuro cenaacuterio de dominaccedilatildeo opressatildeo dentre outras
formas de natildeo efetivaccedilatildeo da cidadania no Brasil podemos elencar dentre outros
tantos fatores quais foram os principais obstaacuteculos para a construccedilatildeo da cidadania
brasileira O latifuacutendio agro-exportador do periacuteodo colonial bem como o escravismo
o analfabetismo marcaram negativamente nossas origens e ateacute hoje dificultam
avanccedilos no acircmbito poliacutetico-social e econocircmico Aleacutem dessas outras razotildees foram e
continuam sendo entraves para a consolidaccedilatildeo das instituiccedilotildees poliacutetica que
impedem os avanccedilos necessaacuterios para uma cidadania plena Na ordem poliacutetica
permanecem ainda algumas mazelas histoacutericas como o patrimonialismo
(promiscuidade entre o puacuteblico e o privado) o coronelismo com sua nova roupagem
o clientelismo aleacutem da corrupccedilatildeo entre outros
Mesmo diante de tatildeo vergonhoso cenaacuterio natildeo podemos nos dispensar que
tambeacutem alcanccedilamos mesmo que de forma tiacutemida significativas conquistas de
direitos no Brasil comparadas com outros paiacuteses que vivenciaram um processo de
colonizaccedilatildeo semelhante ao nosso A conquista desses direitos deu-se de maneira
tardia e inversa haja vista que somente em 1824 mais de 320 anos apoacutes a chegada
dos portugueses foi que surgiram os primeiros direitos civis e poliacuteticos (antes disso
estaacutevamos submetidos agrave lei da coroa portuguesa) Aos poucos surgiram os direitos
sociais mas exatamente no momento em que os direitos civis e poliacuteticos estavam
sendo negados no periacuteodo da ditadura de Vargas (1937-45) e na ditadura militar
(1964-1985) Parece um paradoxo mas foi exatamente nesse periacuteodo de
conturbaccedilotildees poliacuteticas que marchamos em direccedilatildeo agrave conquista de significativos
direitos que iriam projetar uma ideia de lutas e vitoacuterias que se projetariam no campo
da cidadania de modo bastante concreto
Por fim haveremos de concordar com Benevides (1994) ao afirmar que no
intuito de reverter agrave realidade poliacutetico-social excludente ou de uma cidadania
passiva ou sem ldquopovordquo eacute necessaacuterio recorrer agrave defesa de mecanismos institucionais
22
como o referendo o plebiscito e a iniciativa popular para a construccedilatildeo do que ela
chama de uma cidadania ativa ou democracia semidireta Alguns autores veem
dificuldades na implementaccedilatildeo desse sistema em paiacuteses que estatildeo em processo de
democratizaccedilatildeo no entanto logo em seguida apontam para a educaccedilatildeo poliacutetica ndash
entendida como educaccedilatildeo para a cidadania ativa
Desse modo pode-se proferir que todos esses anos de desenvolvimento
acabaram por afirmar que a cidadania de fato soacute pode se constituir por meio de
acirrada luta cotidiana por direitos e pela garantia daqueles que jaacute existem pois
apesar da existecircncia de profundas desigualdades sociais a ideia de cidadania
evoluiu com o passar dos anos Ampliou-se a abrangecircncia de sua concepccedilatildeo
abraccedilando todas as classes sociais e minorias Deixou de restringir-se apenas agrave
participaccedilatildeo poliacutetica para relacionar uma seacuterie de deveres da sociedade para com o
cidadatildeo Na praacutetica ainda haacute muito que se fazer para que direitos e deveres sejam
os mesmos para todos No entanto a busca pela realizaccedilatildeo da maacutexima ldquocada
homem um votordquo continua a ser perseguida
A luta pela conquista plena da cidadania eacute parte integrante da democracia
uma vez que assegura a continuidade das transformaccedilotildees juriacutedicas poliacuteticas entre
outras Natildeo resta duacutevida acerca do papel estruturante que essa luta desempenha no
quadro das democracias contemporacircneas fato que a converte em uma irresistiacutevel
conquista da modernidade O caraacuteter estruturante que a cidadania projeta nos
quadros da democracia atual estaacute ligado a permanente busca de um Estado
compatiacutevel com a realidade de cada tempo histoacuterico
23
CAPIacuteTULO 2 - CIDADANIA Agrave LUZ DA CONSTITUICcedilAtildeO FEDERAL DE
1988
A Constituiccedilatildeo eacute a ordem juriacutedica fundamental da comunidade nas palavras
de Konrad Hesse (apud PALU 2001) eacute um documento juriacutedico e poliacutetico dirigido aos
cidadatildeos e estes satildeo os seus primeiros destinataacuterios A Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica eacute
a Lei fundamental composta por um conjunto de normas baacutesicas que compotildeem a
estrutura juriacutedica poliacutetica social e econocircmica de um paiacutes Essa eacute razatildeo pela qual
ela eacute chamada de Carta Magna pois a ela nada se sobrepotildee Para Dallari (1985) a
Constituiccedilatildeo
[] eacute a declaraccedilatildeo da vontade poliacutetica de um povo feita de modo solene por meio de uma lei que eacute superior a todas as outras que visando agrave proteccedilatildeo da dignidade humana estabelece os direitos e as responsabilidades fundamentais dos indiviacuteduos dos grupos sociais do povo e do governo
Desta forma uma Constituiccedilatildeo natildeo surge do nada ela eacute resultado de
observaccedilotildees e experiecircncias e sua finalidade eacute de afirmar e garantir os direitos
elementares das pessoas humanas disciplinar o uso ao mesmo tempo em que
evita o abuso de poder organizando de forma racional a sociedade e o governo
Satildeo inegaacuteveis as inovaccedilotildees teacutecnicas trazidas pela Constituiccedilatildeo Brasileira de
1988 no campo da instituiccedilatildeo garantia e proteccedilatildeo dos direitos fundamentais A
dignidade da pessoa humana e o exerciacutecio da cidadania satildeo considerados princiacutepios
fundamentais da Carta Magna Brasileira de 1988
Cidadania direito a ter direitos na acepccedilatildeo de Haberle ( apud VALADEacuteS
2009) refere-se a todos os direitos previstos na Constituiccedilatildeo de 1988 e ainda
aqueles natildeo expressos mas decorrentes do regime e dos princiacutepios por ela
adotados na dicccedilatildeo do sect 2deg art 5deg
O princiacutepio fundamental da cidadania conforme jaacute exposto impregna todo o
texto constitucional vigente a partir do art 1deg II em que figura de forma
24
exponencial relativamente ao Estado brasileiro e tudo que lhe corresponda no
exerciacutecio de um poder que adquire significaccedilatildeo renovada e amplificada na
sociedade contemporacircnea Segundo Arendt
A cidadania eacute o direito a ter direitos pois a igualdade em dignidade e direitos dos seres humanos natildeo eacute um dado Eacute um construiacutedo da convivecircncia coletiva que requer o acesso ao espaccedilo puacuteblico Eacute este acesso ao espaccedilo puacuteblico que permite a construccedilatildeo de um mundo comum atraveacutes do processo de asserccedilatildeo dos direitos humanos
Nesse diapasatildeo o direito a ter direitos compreende o pleno acesso ao
espaccedilo puacuteblico o efetivo exerciacutecio do poder poliacutetico das prerrogativas inerentes agrave
cidadania conforme explicita a Constituiccedilatildeo no art 5deg LXXI a propoacutesito do
mandado de injunccedilatildeo no dizer todo direito atribuiacutedo com o caraacuteter de exclusividade
agrave pessoa
21 Estado Democraacutetico de Direito espaccedilo de cidadania
Apoacutes a eacutepoca de grandes restriccedilotildees militares o ato de promulgaccedilatildeo da
Constituiccedilatildeo Federal em 05 de outubro de 1988 vem marcar uma nova fase de
esperanccedila para os brasileiros Ao batizaacute-la de Constituiccedilatildeo cidadatilde a Assembleia
Nacional Constituinte atraveacutes de seu presidente o Deputado Ulisses Guimaratildees
resumiu o espiacuterito do texto constitucional assegurar aos brasileiros direitos sociais
essenciais ao exerciacutecio da cidadania e estabelecer mecanismos para garantir o
cumprimento de tais direitos
O que se viu a partir de entatildeo foi uma lenta poreacutem significativa mudanccedila na
sociedade brasileira A Constituiccedilatildeo Federal que eacute sem duacutevidas um marco na
histoacuteria do paiacutes traccedila a prioridade dada pelos constituintes aos direitos dos
brasileiros que pode ser observada em todas as questotildees
A Carta faz uma ampliaccedilatildeo dos direitos individuais sociais e poliacuteticos e como
se observa a inserccedilatildeo dos direitos sociais como segundo tiacutetulo revela a primazia
que o constituinte quis daacute a estes direitos em detrimento de todos os outros
incluindo os referentes agrave organizaccedilatildeo do Estado e dos Poderes que vecircm depois
25
Ao contraacuterio do que ocorreu com as Constituiccedilotildees anteriores esse
ordenamento dos capiacutetulos parece revelar que a Carta eacute o prenuacutencio de um paiacutes em
que os direitos dos cidadatildeos formam a base do ordenamento do Estado Essa ideia
foi expressa pelo presidente da Assembleacuteia Constituinte deputado Ulysses
Guimaratildees que voltamos a citar quando anunciou
Diferentemente das sete constituiccedilotildees anteriores esta comeccedila com o homem De modo gratificante testemunha a primazia do homem que foi escrita para o homem que o homem eacute seu fim e sua esperanccedila Eacute a Constituiccedilatildeo cidadatilde
A Constituiccedilatildeo nasceu da constataccedilatildeo de que o figurino juriacutedico formulado
para o Brasil desde os primoacuterdios do Estado nacional natildeo se compatibilizava com as
necessidades dos brasileiros Houve avanccedilos na formalizaccedilatildeo da Lei Magna
especialmente no tocante aos direitos de cidadania mas estamos longe do ideal
preconizado pela carta cidadatilde O que nos leva a crer que a cidadania eacute um processo
diaacuterio e permanente de construccedilatildeo Pois natildeo basta garantir o direito eacute preciso
exercecirc-lo
A cidadania abraccedilada pela atual Constituiccedilatildeo Federal Brasileira teve seu
conteuacutedo ampliado e natildeo se restringe ao simples fato de possuir um tiacutetulo de eleitor
para votar e ser votado ela estabelece cidadania como princiacutepio fundamental da
Repuacuteblica do Brasil desta forma o conceito decorrente pode ser entendido
conforme preleciona Silva (2005) ldquocidadania estaacute aqui num sentido mais amplo do
que o de titular de direitos poliacuteticos Qualifica os participantes da vida do Estado
reconhecimento do indiviacuteduo como pessoa integrada a sociedade estatalrdquo
Tal conceito nos leva a relacionar cidadania com democracia uma vez que
optou-se pelo Estado Democraacutetico de Direito o qual assenta seus alicerces na
participaccedilatildeo popular em questotildees que envolvem a coisa puacuteblica Para Moraes
(2005) esse Estado de Direito ldquosignifica a exigecircncia de reger-se por normas
democraacuteticas com eleiccedilotildees livres perioacutedicas e pelo povo bem como o respeito das
autoridades puacuteblicas aos direitos e garantias fundamentaisrdquo
O propoacutesito da opccedilatildeo pelo Estado Democraacutetico de Direito eacute que a cidadania e
os demais direitos fundamentais fluam com plenitude talvez seja o que justifique a
denominaccedilatildeo da Carta Magna de cidadatilde pois o povo passa a atuar de forma mais
ativa na vida poliacutetica do Estado uma vez que a ele foi concedido esse poder
26
A cidadania portanto soacute adquire pleno significado no mundo contemporacircneo
num Estado Democraacutetico de Direito para tanto exige um ambiente de vida e de
conviacutevio entre os homens tiacutepico e proacuteprio de um Estado Democraacutetico pois a
cidadania constitui fundamento primordial daquele Estado qual seja possibilitar aos
indiviacuteduos habitantes de um paiacutes o seu pleno desenvolvimento atraveacutes do alcance
de igual dignidade social e econocircmica
Segundo Rozicki (2005) O ambiente de vida social do Estado Democraacutetico
cujos pilares se encontram na efetividade dos direitos fundamentais da pessoa
humana em uma sociedade solidaacuteria soacute eacute possiacutevel atraveacutes da observaccedilatildeo de alguns
postulados que lhe satildeo essenciais os quais a autora denomina de pressupostos do
Estado democraacutetico de Direito
1)a valorizaccedilatildeo e atualidade da dignidade do homem e o reconhecimento da importacircncia de dispensar a todos tratamento fraternal igualitaacuterio e natildeo discriminativo 2) a confianccedila nos talentos e possibilidades latentes dos homens 3) a seguranccedila e o creacutedito nos valores institucionalizados pelas massas como fundamentos para o progresso do bem comum e o alcance da justiccedila 4) a aceitaccedilatildeo da legitimidade das decisotildees tomadas por meio de processos racionais e participativos de deliberaccedilatildeo com o consenso da maioria que constitui o reflexo o resultado de debates livres entre todos 5) o respeito aos grupos minoritaacuterios 6) e a compreensatildeo de que todo o interesse geral eacute a siacutentese dos diversos interesses e ideacuteias dos indiviacuteduos e dos grupos diferentes centros de poder que integram a sociedade pluralista
Percebe-se que o conceito amplo de cidadania encontra seus princiacutepios
baacutesicos e estruturantes nesses pressupostos intimamente ligado aos conceitos de
democracia e de igualdade No tocante ao conceito de igualdade elucidativa eacute a
liccedilatildeo de Rozicki (2005) quando afirma que
O princiacutepio de igualdade disciplina todas as atividades puacuteblicas e tem aplicaccedilatildeo direta nas relaccedilotildees privadas que ocorrem entre os particulares impondo para tornaacute-lo real a proibiccedilatildeo de discriminaccedilotildees e a eliminaccedilatildeo das desigualdades faacuteticas nos planos social e econocircmico proporcionando a todos os cidadatildeos igual condiccedilatildeo de vida e mesma posiccedilatildeo perante o Estado Democraacutetico
E complementa que tambeacutem para a realizaccedilatildeo da cidadania o princiacutepio
democraacutetico torna indispensaacutevel agrave participaccedilatildeo popular nas tomadas de decisatildeo No
seu entender
27
A cidadania no Estado democraacutetico de direito efetivada oferece aos cidadatildeos como iguais condiccedilotildees de existecircncia o gozo atual de direitos e a obrigaccedilatildeo do cumprimento de deveres que resumidamente podem ser assim apresentados exerciacutecio de direitos fundamentais e participaccedilatildeo e os deveres de colaboraccedilatildeo e solidariedade (Rozicki 2005)
Natildeo obstante eacute vaacutelido ressaltar um princiacutepio igualmente importante e deveras
esquecido a fraternidade Este princiacutepio que eacute um dos trecircs pilares da Revoluccedilatildeo
Francesa eacute pouco discutido apesar de assumir um papel decisivo na consolidaccedilatildeo
da democracia da politica e do poder
A fraternidade eacute necessaacuteria para o estabelecimento de uma comunidade
politicamente solidaacuteria com indiviacuteduos iguais e livres
Para finalmente concebermos um Estado Democraacutetico de Direito que trate os
iguais na medida de suas desigualdades
22 Os direitos fundamentais como pressupostos de identidade da cidadania
Os direitos fundamentais vistos como um dos traccedilos mais marcante do
constitucionalismo moderno consistem no resultado da luta dos homens por um
direito ideal justo e humano representam situaccedilotildees reconhecidas juridicamente
sem as quais o homem eacute incapaz de alcanccedilar sua proacutepria realizaccedilatildeo e
desenvolvimento plenamente daiacute dizer-se que o princiacutepio preponderante que
condensa os direitos fundamentais eacute o da dignidade da pessoa humana
Os direitos fundamentais satildeo o conjunto de normas de um ordenamento juriacutedico que formam um subsistema deste fundado na liberdade na igualdade na seguridade na solidariedade expressotildees da dignidade do homem que formam parte da norma baacutesica material de identificaccedilatildeo do ordenamento juriacutedico e constitui um setor de moralidade procedimental positivada que legitima o Estado Social de Direito (MARTINEZ apud AGRA 2002)
Tais direitos foram e vatildeo sendo aperfeiccediloados e estendidos ao longo do
tempo resta dizer que os mesmos estabelecem faculdades da pessoa humana que
permitem sua breve classificaccedilatildeo do seguinte modo 1) os direitos civis e poliacuteticos
de liberdade como por exemplo a liberdade de expressatildeo de propriedade de
28
manifestaccedilatildeo do pensamento de associaccedilatildeo de imprensa de reuniatildeo de igualdade
formal perante a lei de participaccedilatildeo poliacutetica o devido processo legal o habeas
corpus o direito de peticcedilatildeo etc 2) os direitos sociais econocircmicos e culturais de
participaccedilatildeo poliacutetica tais como a igualdade de sufraacutegio o direito de voto e de
elegibilidade o direito de peticcedilatildeo e os direitos de participaccedilatildeo poliacutetica 3) os direitos
da titularidade coletiva que satildeo aqueles ligados a solidariedade e a fraternidade
como por exemplo o direito agrave preservaccedilatildeo do meio ambiente e agrave qualidade de vida
etc 4) os direitos chamados de quarta geraccedilatildeo por exemplo direito a democracia a
informaccedilatildeo ao comeacutercio eletrocircnico entre os estados etc
Natildeo existe qualquer relaccedilatildeo hieraacuterquica entre estes direitos mesmo porque
todos interagem entre si de nada servindo um sem a existecircncia dos outros Esta
divisatildeo acontece devido agrave eterna e constante busca do homem por mais proteccedilatildeo
mais garantia com o objetivo de alcanccedilar uma sociedade mais justa igualitaacuteria e
fraterna
Na evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais Agra (2002) chama a atenccedilatildeo do
relevo que adquirem a democratizaccedilatildeo da informaccedilatildeo e os mecanismos de
democracia participativa E justifica que a democratizaccedilatildeo da informaccedilatildeo natildeo se
caracteriza apenas pela existecircncia de uma miacutedia plural sem nenhum tipo de
monopoacutelio mas deve ser concebida como a obrigaccedilatildeo que todos os cidadatildeos tecircm
de tomar consciecircncia dos graves problemas que afligem a humanidade e que os
mecanismos da democracia participativa concebem a cidadania em extensatildeo muito
superior ao voto abrangendo a interferecircncia direta do cidadatildeo nas decisotildees
governamentais mediante vaacuterios mecanismos juriacutedicos como o plebiscito o recall o
orccedilamento participativo etc
De acordo com Silva (2005) os Direitos Fundamentais na Constituiccedilatildeo de
1988 abrangem os ldquodireitos individuais sociais poliacuteticos e tambeacutem os direitos
econocircmicos Para o autor a ampliaccedilatildeo e transformaccedilatildeo dos direitos fundamentais
do homem na histoacuteria dificultam uma definiccedilatildeo sinteacutetica do conceitordquo
Essa dificuldade aumenta diante do emprego de vaacuterias expressotildees para
designaacute-los tais como direitos naturais direitos humanos direitos do homem
direitos individuais direitos puacuteblicos subjetivos liberdades fundamentais liberdades
puacuteblicas e direitos fundamentais do homem No entanto direitos fundamentais do
homem constitui a expressatildeo mais adequada porque na palavra fundamentais
acha-se a indicaccedilatildeo de que se trata de situaccedilotildees sem as quais o indiviacuteduo natildeo tem
29
uma vida digna natildeo convive e agraves vezes nem mesmo sobrevive A expressatildeo
direitos fundamentais eacute a mais precisa no sentido de que a todos por igual devem
ser natildeo apenas formalmente reconhecidos mas concreta e materialmente
efetivados
Por sua vez a atual Corte em julgamento do habeas corpus (HC ndeg
82424RS) marca seu posicionamento no tocante ao sistema de direitos
fundamentais insculpido na Constituiccedilatildeo de 1988 atraveacutes dos profundos e bem
fundamentados votos dos Ministros que aleacutem de delimitarem a extensatildeo e os limites
da liberdade de expressatildeo (art 5o IV e IX) acabaram indicando as bases filosoacuteficas
e juriacutedicas para a interpretaccedilatildeo do cataacutelogo de direitos fundamentais da Constituiccedilatildeo
de 1988
Nesse sentido o voto do Ministro Marco Aureacutelio tratou de definir o sistema de
direitos fundamentais como a ldquoproacutepria essecircncia da Constituiccedilatildeordquo qualificando-os
como ldquovalores objetivos que servem como norte da atuaccedilatildeo estatalrdquo Assim estaacute
consignado nos fundamentos do referido voto
A Constituiccedilatildeo de 1988 representou um divisor de aacuteguas entre o antigo regime totalitaacuterio e um periacuteodo de redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes marcando dessa forma uma eacutepoca que tem como modelo de atuaccedilatildeo do Estado o respeito incondicional aos direitos fundamentais Por isso mesmo o sistema constitucional dos direitos fundamentais previsto no artigo 5o da Carta com os eventuais acreacutescimos do sect 2o reflete em rigor e em larga medida a proacutepria essecircncia da Constituiccedilatildeo e a retomada do processo de democratizaccedilatildeo e da garantia do cidadatildeo contra abusos e arbitrariedades no exerciacutecio do Poder Puacuteblico Os direitos fundamentais satildeo hoje verdadeiros princiacutepios estruturantes da organizaccedilatildeo e do funcionamento do Estado valores objetivos que servem como norte da atuaccedilatildeo estatal em seus mais diferentes niacuteveis no Legislativo formam um cataacutelogo de princiacutepios e garantias que informam e direcionam toda a atividade de criaccedilatildeo das normas de nosso ordenamento juriacutedico e de concretizaccedilatildeo dos preceitos constitucionais no Executivo mostram-se como verdadeiros limites ao exerciacutecio do poder administrativo servindo como trincheiras de proteccedilatildeo da liberdade do cidadatildeo e no judiciaacuterio refletem a base e o fundamento necessaacuterio da compreensatildeo e interpretaccedilatildeo de nossas normas ndash efeito interpretativo - evitando que a atividade jurisdicional se transforme em medidas discricionaacuterias ou providecircncias ilegiacutetimas de opccedilotildees poliacuteticas pautadas em escolhas pessoais dos juiacutezes
Tudo indica que se trata do iniacutecio de uma soacutelida construccedilatildeo jurisprudencial a
respeito do sentido axioloacutegico do sistema de direitos fundamentais da Constituiccedilatildeo
de 1988
30
Os Direitos Individuais satildeo de exerciacutecio exclusivo do indiviacuteduo e devem ser
formalmente reconhecidos e concretizados no cotidiano do cidadatildeo O indiviacuteduo aqui
eacute considerado um sujeito de direitos e natildeo apenas como integrante de um corpo
social Esses direitos natildeo podem sofrer nenhum tipo de restriccedilatildeo natildeo se
discriminando quem os pode exercer uma vez que satildeo titulares todas as pessoas
capazes incapazes brasileiras estrangeiras alfabetizadas e iletradas
A Constituiccedilatildeo Cidadatilde foi a primeira a estabelecer direitos natildeo soacute de
indiviacuteduos mas tambeacutem de grupos sociais os denominados direitos coletivos Com
isso as pessoas passaram a ser coletivamente consideradas Os direitos individuais
e coletivos estatildeo anunciados no art 5ordm em setenta e sete incisos e em dois
paraacutegrafos
Verifica-se que os Direitos Individuais tecircm como ponto marcante a liberdade
seja ela tomada de maneira global ou especiacutefica como liberdade de associaccedilatildeo de
reuniatildeo A liberdade de reuniatildeo (art 5ordm XVI) constitui-se na primeira e mais simples
liberdade corporativa estando logo apoacutes a liberdade de locomoccedilatildeo
Os Direitos Sociais tecircm como titular uma coletividade e satildeo caracterizados
pela prestaccedilatildeo de serviccedilos ou oferecimento de melhorias para a sociedade como um
todo por parte do Poder Puacuteblico Assim os Direitos Sociais tornam possiacutevel a fruiccedilatildeo
e o exerciacutecio dos Direitos Individuais pela coletividade mesmo pelos carentes
materialmente
O art 6deg define os Direitos Sociais da seguinte maneira ldquoSatildeo Direitos Sociais
a educaccedilatildeo a sauacutede o trabalho a moradia o lazer a seguranccedila a previdecircncia
social a proteccedilatildeo agrave maternidade e agrave infacircncia a assistecircncia aos desamparados na
forma desta Constituiccedilatildeordquo
Portanto eacute obrigatoacuteria ao Estado a proteccedilatildeo dos interesses da coletividade
com o atendimento dos direitos acima citados
Satildeo direitos poliacuteticos os que conferem o acesso da populaccedilatildeo agrave participaccedilatildeo
no Poder do Estado tais como os direitos de votar e ser votado do referendo
plebiscito e iniciativa popular das leis O direito democraacutetico de participaccedilatildeo dos
cidadatildeos no governo por meio de seus representantes exigiu a formaccedilatildeo de um
conjunto de normas legais permanentes que recebeu a denominaccedilatildeo de direitos
poliacuteticos Os Direitos Poliacuteticos amparam os Direitos Individuais Sociais e
Econocircmicos pois quando desaparece a democracia desaparecem imediatamente
as liberdades fundamentais
31
Com o advento da Constituiccedilatildeo de 1988 foram criadas instituiccedilotildees para
fiscalizar e controlar a atuaccedilatildeo da administraccedilatildeo puacuteblica entre as quais o Ministeacuterio
Puacuteblico que funciona como um canal de expressatildeo dos direitos da populaccedilatildeo
O Ministeacuterio Puacuteblico foi a instituiccedilatildeo que mais ganhou importacircncia no cenaacuterio
puacuteblico por ter passado a defender os interesses coletivos ou seja os interesses de
um grupo categoria ou classe e natildeo de um indiviacuteduo isolado No artigo 127 o
Ministeacuterio Puacutebico (MP) eacute definido como ldquouma instituiccedilatildeo permanente essencial agrave
funccedilatildeo jurisdicional do Estado incumbindo-lhe a defesa da ordem juriacutedica do regime
democraacutetico e dos interesses sociais e individuais indispensaacuteveisrdquo
Cabe ao Ministeacuterio Puacuteblico exigir dos poderes puacuteblicos e dos serviccedilos de
relevacircncia puacuteblica respeito aos direitos elencados na Constituiccedilatildeo promovendo as
medidas necessaacuterias agrave garantia desses direitos Portanto eacute responsaacutevel pela
garantia da ordem juriacutedica do regime democraacutetico da moralidade puacuteblica e dos
direitos sociais e individuais
23 A consagraccedilatildeo dos direitos do cidadatildeo
A Constituiccedilatildeo de 1988 eacute o coroamento da histoacuteria constitucional do Brasil por
ter sido um marco da redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes opondo-se a qualquer forma de
autoritarismo Nela a cidadania foi consagrada como um dos fundamentos da
Repuacuteblica Federativa do Brasil (art 1ordm inc II) Observe-se que o termo cidadania
encontra-se na Constituiccedilatildeo em sentido mais amplo do que o de titular de direitos
poliacuteticos pois qualifica os participantes da vida do Estado e reconhece o indiviacuteduo
como pessoa integrada na sociedade estatal
Essa nova concepccedilatildeo de cidadania introduzida pela Constituiccedilatildeo Federal de
1988 eacute fruto da internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos e como marco principal da
institucionalizaccedilatildeo erigiu em seu artigo primeiro a dignidade da pessoa humana (inc
III) e a cidadania (incII) a princiacutepio fundamental
Institui com o princiacutepio da cidadania uma nova compreensatildeo acerca dos
direitos de deveres da pessoa elevado-o a status maacuteximo a regra-matriz que natildeo
pode ser desrespeitada pois os fundamentos constituem a essecircncia da Repuacuteblica
32
Federativa e servem como regra-matriz para a elaboraccedilatildeo interpretaccedilatildeo e
integraccedilatildeo do sistema juriacutedico nacional
Violar um princiacutepio eacute muito grave que transgredir uma norma qualquer A desatenccedilatildeo ao principio implica ofensa natildeo apenas a um especifico mandamento obrigatoacuterio mas a todo o sistema de comandos Eacute a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade representa insurgecircncia contra todo o sistema subversatildeo de valores fundamentais (MELLO apud CHIMENTI 2005 P 33)
Para Silva (2004) cidadania eacute discriminada como princiacutepio relativo ao regime
poliacutetico Dessa forma compreendida cidadania como princiacutepio fundamental eacute o
direito de participar dos destinos do Estado e mais usufruir dos direitos civis
fundamentais previstos na Constituiccedilatildeo
Muitos doutrinadores utilizam cidadania no mesmo sentido de nacionalidade
(Art 12 da Constituiccedilatildeo Federal) e de direitos poliacuteticos (Art 14) Em alguns outros
dispositivos a palavra cidadania (ou cidadatildeo) poderia ainda ter a significaccedilatildeo de
direitos poliacuteticos mas mesmo assim de forma impliacutecita a exemplo dos arts 22 XIII
e 5ordm LXXIII No primeiro se lecirc que compete agrave Uniatildeo legislar sobre nacionalidade
cidadania e naturalizaccedilatildeo e no segundo que qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima
para propor accedilatildeo popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de
entidade de que o Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e
ao patrimocircnio histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de
custas judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia No entanto conforme Mazzuoli (2002)
Observe-se que a Carta de 1988 ao tratar no seu art 14 dos direitos poliacuteticos natildeo se refere sequer em um momento agrave expressatildeo cidadania dizendo apenas que a soberania popular seraacute exercida pelo sufraacutegio universal e pelo voto direito e secreto com valor igual para todos (hellip) Pelo contraacuterio a Constituiccedilatildeo faz uma separaccedilatildeo entre cidadania e direitos poliacuteticos quando no seu art 68 sect 1ordm II ao tratar das leis delegadas exclui do acircmbito da delegaccedilatildeo legislativa a nacionalidade cidadania direitos individuais poliacuteticos e eleitorais
A Constituiccedilatildeo brasileira de 1988 com a transiccedilatildeo para o regime democraacutetico
consagrou expressamente esta nova concepccedilatildeo de cidadania como se depreende
da leitura de vaacuterios dos seus dispositivos
Foi nesse sentido que pioneiramente estatuiu a Carta de 1988 em seu art
1ordm que a Repuacuteblica Federativa do Brasil formada pela uniatildeo indissoluacutevel dos
33
Estados e Municiacutepios e do Distrito Federal constitui-se em Estado Democraacutetico de
Direito e tem como fundamentos dentre outros a cidadania (inc II) Como jaacute
mencionado
Na mesma esteira o disposto no art 5ordm incisos LXXI (conceder-se-aacute
mandado de injunccedilatildeo sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviaacutevel o
exerciacutecio dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes agrave
nacionalidade agrave soberania e agrave cidadania) e LXXVII (satildeo gratuitas as accedilotildees de
habeas-corpus e habeas-data e na forma da lei os atos necessaacuterios ao exerciacutecio
da cidadania) No seu Tiacutetulo VIII Capiacutetulo II Seccedilatildeo I a Carta Magna de 1988
dispotildee ainda que a
Educaccedilatildeo direito de todos e dever do Estado e da famiacutelia seraacute promovida e incentivada com a colaboraccedilatildeo da sociedade visando ao pleno desenvolvimento da pessoa seu preparo para o exerciacutecio da cidadania e sua qualificaccedilatildeo para o trabalho (art 205)
Outro dispositivo em que fica bastante marcada esta nova concepccedilatildeo de
cidadania eacute o art 64 do Ato das Disposiccedilotildees Constitucionais Transitoacuterias que
dispotildee
A Imprensa Nacional e demais graacuteficas da Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios da administraccedilatildeo direta ou indireta inclusive fundaccedilotildees instituiacutedas e mantidas pelo Poder Puacuteblico promoveratildeo ediccedilatildeo popular do texto integral da Constituiccedilatildeo que seraacute posta agrave disposiccedilatildeo das escolas e dos cartoacuterios dos sindicatos dos quarteacuteis das igrejas e de outras instituiccedilotildees representativas da comunidade gratuitamente de modo que cada cidadatildeo brasileiro possa receber do Estado um exemplar da Constituiccedilatildeo do Brasil
Enfim a Constituiccedilatildeo de 1988 enriqueceu e ampliou os conceitos de cidadatildeo
e cidadania Seu entendimento agora como leciona Silva (2005)
Decorre da ideia de Constituiccedilatildeo dirigente que natildeo eacute apenas um repositoacuterio de programas vagos a serem cumpridos mas constitui um sistema de previsatildeo de direitos sociais mais ou menos eficazes em torno dos quais eacute que se vem construindo a nova ideacuteia de cidadania
De forma que natildeo mais se trata de considerar a cidadania como simples
qualidade de gozar direitos poliacuteticos mas sim de aferir-lhe um nuacutecleo miacutenimo e
irredutiacutevel de direitos (fundamentais) que devem se impor obrigatoriamente agrave accedilatildeo
dos poderes puacuteblicos
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O ordenamento juriacutedico brasileiro consagrou aleacutem dos institutos jaacute
mencionados alguns outros mecanismos de defesa dos direitos e garantias
constitucionais da cidadania como a accedilatildeo civil puacuteblica regulada pela Lei nordm
734785 e accedilatildeo direta de inconstitucionalidade prevista no incIV do art 129 da
Constituiccedilatildeo Federal O Coacutedigo de Defesa do Consumidor o Estatuto da Crianccedila e
do Adolescente e ateacute mesmo o princiacutepio do devido processo legal que resguarda ao
cidadatildeo o acesso agrave justiccedila e direito de ser acionado judicialmente por meio de
procedimentos legais satildeo mecanismos de defesa dos direitos de cidadania
previstos constitucionalmente e garantidos na esfera poliacutetica civil e social
Pode-se observar que a cidadania comeccedilou a ser construiacuteda como resultado
de um processo de luta a partir da conscientizaccedilatildeo dos direitos e deveres do
homem Como vimos a cidadania jaacute em praacutetica em muitos paiacuteses adquire no
Brasil com a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 um novo sentido qual seja o
pressuposto do exerciacutecio pleno de um sistema de direitos e garantias
35
CAPIacuteTULO 3 - CIDADANIA COMO MECANISMO DE
TRANSFORMACcedilAtildeO SOCIAL
No momento em que a cidadania alccedila voos constitucionais e insere-se na
Carta Poliacutetica da Repuacuteblica Federativa do Brasil inicia-se o processo de
redemocratizaccedilatildeo e ganha relevo o cidadatildeo agente deste processo que tem em
suas matildeos a tarefa da construccedilatildeo de um novo tempo
Historicamente a ideia de cidadatildeo conotava o habitante da cidade ndash o
citadino ndash firma-se entatildeo tal conotaccedilatildeo na Antiguumlidade claacutessica para depois
significar aquele indiviacuteduo a quem se atribuem os direitos poliacuteticos Superada essa
acepccedilatildeo que tambeacutem vigorou nas constituiccedilotildees anteriores da Repuacuteblica do Brasil
na concepccedilatildeo moderna estaacute clara a noccedilatildeo de cidadatildeo como aquele que a quem
consiste a titularidade de direitos individuais poliacuteticos e sociais Noccedilatildeo esta
edificada com a internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos que amplia a acepccedilatildeo do
termo declarando que satildeo cidadatildeos todo aquele que habita o acircmbito da soberania
de um Estado e deste Estado recebem uma carga de direitos e tambeacutem deveres dos
mais variados
Desta forma a noccedilatildeo contemporacircnea de cidadania funda-se na dicotomia
direitos (exerciacutecios de direitos fundamentais - participaccedilatildeo) e deveres (colaboraccedilatildeo -
solidariedade) Ao lado dos direitos foram estabelecidos deveres fundamentais e
portanto tanto agentes puacuteblicos como os indiviacuteduos tecircm obrigaccedilotildees especiacuteficas
inclusive a de respeitar os direitos das demais pessoas que vivem na ordem social
sendo e promovendo mecanismos de transformaccedilatildeo social que visam uma nova
sociedade baseada na igualdade e na justiccedila
36
31 O ser cidadatildeo
Os termos indiviacuteduo ser humano pessoa e cidadatildeo satildeo geralmente tomados
como sinocircnimo o que certamente influi na proliferaccedilatildeo de incontaacuteveis significados e
ampliaccedilatildeo do termo cidadatildeo Poreacutem estas palavras apesar de se assemelharem
possuem carga semacircntica proacutepria e da compreensatildeo exata de cada uma decorre a
conceituaccedilatildeo mais acentuada da acepccedilatildeo do termo cidadatildeo como titular de direitos
e deveres resguardados pela constituiccedilatildeo paacutetria
Desta forma indiviacuteduo eacute um representante da espeacutecie aquele que eacute uacutenico
Enquanto ser humano eacute um termo mais geneacuterico ou indeterminado que diz respeito
agrave espeacutecie agrave classificaccedilatildeo ao mundo zooloacutegico Pessoa por sua vez eacute um termo
mais especiacutefico que tem a ver com o mundo civilizado ou se preferirmos com a
constelaccedilatildeo dos valores morais eacuteticos e juriacutedicos proacuteprios da civilizaccedilatildeo
A etimologia da palavra pessoa demonstra que eacute um conceito sobreposto ao conceito de Ser Humano Um refratildeo de origem juriacutedica tambeacutem nos lembra do homo plures pessoa polimorfa o ser humano capaz de desempenhar muitos papeacuteis um mesmo ser humano eacute empresaacuterio e delinquumlente eacute pai e metaluacutergico etc Persona (personagem) era a maacutescara que usavam os atores da trageacutedia grega para desempenhar seu papel Cabe portanto entender o conceito de Ser Humano ao lado do conceito de Pessoa No direito romano antigo os escravos eram seres humanos (homens) mas natildeo eram consideradas pessoas (patriacutecios) Os juristas romanos que usavam o conceito de Ser Humano o dissociavam do conceito de pessoas (CUNHA 2007)
O Ser Humano recebe uma distinccedilatildeo importante quando o consideramos
como Pessoa assim como a Pessoa recebe uma distinccedilatildeo redundante natildeo menos
importante quando a consideramos por forccedila de expressatildeo como uma pessoa
humana Subentendendo o adjetivo humano como relativo agrave eacutetica Portanto Ser
Humano natildeo eacute a mesma coisa que Pessoa como tampouco Ser Humano eacute o
mesmo que cidadatildeo este muito eacute mais proacuteximo do termo Pessoa Vejamos o quadro
ilustrativo que esquematiza e distinguem os referidos conceitos
37
QUADRO 1 ndash EVOLUCcedilAtildeO DO SER HUMANO ATEacute O CIDADAtildeO
O Ser Humano O Ser Indiviacuteduo O Ser Pessoa O Ser Cidadatildeo
A Dimensatildeo do conviacutevio social
A dimensatildeo do mercado de trabalho e
Consumo
A Dimensatildeo de encontrar-se no mundo
A dimensatildeo de intervir na realidade
O homem tornar-se Ser Humano nas relaccedilotildees
de conviacutevio social
O Ser Humano tornar-se indiviacuteduo quando
descobre seu papel e funccedilatildeo social
O Indiviacuteduo torna-se pessoa quanto toma
consciecircncia de si mesmo do outro e do
mundo
A pessoa torna-se cidadatildeo quando
interveacutem na realidade em que vive
Quem estuda o comportamento do Ser
Humano Seria a antropologia a histoacuteria
ou a sociologia
Quem estuda o comportamento do indiviacuteduo Seria a
Filosofia a sociologia ou a Psicologia
Quem estuda o comportamento da pessoa Seria a
Filosofia a sociologia ou a Psicologia
Quem estuda o comportamento do cidadatildeo Seria a
Sociologia a Filosofia ou As ciecircncias
poliacuteticas
Quem garante os direitos do Ser
Humano A Declaraccedilatildeo Universal
dos Direitos Humanos
Quem garante os Direitos do
Consumidor O Coacutedigo do Consumidor
Quem garante os Direitos da pessoa A proacutepria pessoa (amor proacuteprio ou autoestima)
Quem garante os Direitos do cidadatildeo (A Constituiccedilatildeo e suas leis
regulamentares)
Existe realmente uma natureza humana Teologicamente
afirmamos que existe a uma natureza humana
Seguindo a corrente existencialista (JP Sartre) negamos tal
natureza
Que diferenccedila existe entre o direito do
consumidor e o direito do cidadatildeo Ao
Consumidor deve ser dado o direito de
propriedade enquanto ao cidadatildeo deve ser
dado o direito de acesso
O que significa tornar-se pessoa no niacutevel
psicoloacutegico e social A pessoa eacute o indiviacuteduo que toma consciecircncia de si mesmo (ldquoTornar-
se Pessoardquo de Karl Roger)
Como podemos intervir na realidade
modificando as estruturas corruptas e injustas Quando os
direitos do cidadatildeo lhe satildeo oferecidos e o
mesmo passa a exercecirc-lo haacute
modificaccedilatildeo de comportamento
(ROSAS 2009)
O cidadatildeo eacute portanto aquele indiviacuteduo a quem a Constituiccedilatildeo confere direitos
e garantias e lhe daacute o poder do seu efetivo exerciacutecio aleacutem de meios processuais
eficientes contra a violaccedilatildeo de seu gozo ou fruiccedilatildeo por parte do poder puacuteblico
Sendo assim
A passagem do indiviacuteduo a cidadatildeo caracteriza-se pelo reconhecimento pela lei de direitos considerados fundamentais agrave realizaccedilatildeo da vida do homem como indiviacuteduo e ser social membro de uma comunidade poliacutetica e a garantia desses direitos pela forccedila comum de todos (CUNHA 2007)
38
Nas uacuteltimas deacutecadas em alguns paiacuteses inclusive no Brasil desenvolveu-se o
conceito de cidadania calcado principalmente na questatildeo do cidadatildeo-consumidor
As pessoas passam a ser vistas como cidadatildes desde que tenham dinheiro para
adquirir mercadorias e utilizar serviccedilos Eacute certo pois que serviccedilos e mercadorias
atendem a necessidades materiais e simboacutelicas das pessoas e consumi-los eacute um
dos modos de participar da vida social criar identidade e partilhar dos bens
produzidos pela humanidade e representar-se culturalmente Contudo a cidadania
enfatizada apenas como uma relaccedilatildeo de compra e venda de mercadorias e serviccedilos
assume um conteuacutedo restrito individual conformista e voltado apenas para a
aquisiccedilatildeo de bens o que se relaciona com a ideacuteia de indiviacuteduo ou seja o consumo
atende as necessidades do indiviacuteduo
Outra forma de confusatildeo acerca do conceito de cidadatildeocidadania refere-se a
equiparaccedilatildeo feita com o assistencialismo o que configura uma acentuada inversatildeo
do termo uma vez que a praacutetica do assistencialismo natildeo propicia meios de
superaccedilatildeo das desigualdades sociais Enquanto a cidadania estaacute relacionada agrave
superaccedilatildeo das desigualdades sociais e a extensatildeo da garantia dos direitos de todos
O cidadatildeo eacute sem duacutevida uma expressatildeo que precisa ser adequadamente
utilizada e vivenciada pela coletividade compreendido na dimensatildeo do ser pessoa
de ter direitos e deveres do assumir as suas liberdades e responsabilidades no seio
de uma comunidade democraacutetica equitativa solidaacuteria e intercultural
Dessa forma ser cidadatildeo implica saber viver em sociedade estando ciente
dos anseios comuns A participaccedilatildeo ativa nas decisotildees de sua comunidade
influencia modos de vida de maneira positiva ao seu redor assim torna-se
imprescindiacutevel o exerciacutecio dos direitos constitucionais adquiridos e lutar pelos que
viratildeo eacute sobretudo estar consciente de todas as atitudes tomadas em prol da
sociedade
Eacute possiacutevel nesse espaccedilo de discussatildeo falar em ldquoestar cidadatildeordquo que eacute natildeo
praticar o exerciacutecio da cidadania em nenhuma de suas formas Implica apenas em
se deixar levar pelos acontecimentos e ainda reclamar das situaccedilotildees vividas sem
nada fazer para mudar sem nenhuma perspectiva de futuro Do que concluiacutemos que
a dinacircmica de intervir na realidade eacute pressuposto de cidadania
Ser cidadatildeo eacute tarefa que requer muito do ser humano do individuo da
pessoa Requer uma alta - estima elevada uma consciecircncia solidaacuteria uma
39
identidade que se reconheccedila na dinacircmica social interagindo com o outro ampliando
debates incitando justiccedila eacute sem duvida uma tomada de posiccedilatildeo que natildeo se
acomoda pelo contraacuterio se incomoda quando natildeo haacute comprometimento para o bem
comum
Natildeo eacute uma tarefa cocircmoda senatildeo muito complicada as pessoas natildeo nascem cidadatildeos mas fazem-se no tempo e no espaccedilo Na verdade natildeo eacute faacutecil exercer a liberdade e a cidadania ndash ser pessoa e ser cidadatildeo ndash por isso exige-se uma luta sem treacuteguas para erradicar assimetrias e exclusotildees socioculturais e criar cenaacuterios de esperanccedila realizaacuteveis fundamentados em valores e princiacutepios eacuteticos que requalifiquem a democracia com cidadatildeos participativos e
comprometidos ( SAEZ 1995)
Tem portanto como pressuposto uma mudanccedila de comportamento uma
tomada de posiccedilatildeo frente agrave dinacircmica social na qual estaacute inserido participando de
forma ativa e produtiva do processo de construccedilatildeo da cidadania por meio de seus
diversos canais
32 Emancipaccedilatildeo social atraveacutes da cidadania
Um Estado Democraacutetico eacute aquele que estaacute enraizado na legitimidade do
poder do povo e dele decorre seu exerciacutecio Assim o poder do povo eacute a expressatildeo
a aptidatildeo de homens e mulheres constituir autonomamente seu viver sem sucumbir
diante das instacircncias de poder Haacute nesse modus vivendi uma tutela das diferenccedilas e
pluralidades de formas de vida
Desta forma a cidadania eacute enfocada como o processo de participaccedilatildeo do
individuo ou de um grupo organizado nas mais variadas aacutereas de atuaccedilatildeo na
sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos sociais com a consciecircncia
da responsabilidade por sua proacutepria histoacuteria
Sendo a democracia o regime em que o povo governa sua caracteriacutestica
inarredaacutevel eacute a de ter o povo agrave frente do poder uma forma de autogoverno Em
assim sendo a cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia por meio de resultados
palpaacuteveis e medidas concretas tais como mudanccedilas na realidade de cada um com
melhoria de vida e conscientizaccedilatildeo da importacircncia na sociedade para o exerciacutecio
40
direto ou indireto desse poder pois se contentar com fato do direito estaacute prescrito
em lei natildeo eacute o bastante
Eacute certo poreacutem que o Estado democraacutetico somente se aperfeiccediloa na
proporccedilatildeo em que o povo age ativamente na medida em que os representantes
reflitam em seus atos os verdadeiros anseios populares Partindo dessa visatildeo a
cidadania eacute o grande fator de legitimaccedilatildeo do povo permitindo que ele aja em defesa
das instituiccedilotildees democraacuteticas
Sobre a participaccedilatildeo cumpre asseverar que este direito significa a
capacidade de ser consultado para as tomadas de decisatildeo que dizem respeito agrave
direccedilatildeo da sociedade em que vive o cidadatildeo este direito eacute acompanhado do
respeito aos deveres de contribuir para o progresso social e de acatar e respeitar o
resultado obtido em consulta coletiva
No elenco de mecanismo de exerciacutecio da cidadania estaacute o acesso ao direito e
a justiccedila que eacute fator preponderante para efetivar as garantias constitucionais
Assim passaremos a discorrer sobre a importacircncia de instrumentalizar o
cidadatildeo para um pleno exerciacutecio de seus direitos
Eacute Sabido que no Estado Democraacutetico Contemporacircneo os direitos
fundamentais constitucionalmente assegurados tecircm eficaacutecia imediata cumprindo ao
Estado garantir a todos os cidadatildeos o respeito a esses Direitos de modo concreto e
efetivo natildeo obstante as inuacutemeras desigualdades e condiccedilotildees adversas que
dificultam na praacutetica o seu exerciacutecio
Para o acesso ao direito o Estado deve desenvolver com eficiecircncia uma seacuterie
de atividades essenciais e dar efetividade a uma seacuterie de pressupostos Dentre eles
o principal eacute o conhecimento do Direito como fator preponderante pois o
desconhecimento da lei implica na praacutetica natildeo acionar a jurisdiccedilatildeo Um fato que
contribui para essa assertiva eacute baixa escolaridade da populaccedilatildeo e o analfabetismo
Muito pouco adianta a existecircncia de uma Constituiccedilatildeo apenas formal ou no
papel se ilegiacutetima ou desrespeitada Para que ocorra a eficaacutecia das normas
dispostas numa Constituiccedilatildeo ou melhor para que passe da teoria agrave praacutetica eacute
essencial que comandados e comandantes tenham conhecimento dos seus direitos
e responsabilidades assim como dos instrumentos juriacutedicos para efetivaacute-los (leis
regulamentadoras) O exerciacutecio da cidadania natildeo eacute somente um direito mas eacute
tambeacutem um dever de todos pois a omissatildeo de cada um contribui com as injusticcedilas e
as impunidades tatildeo presentes nos dias atuais
41
A Constituiccedilatildeo quando eacute justa e legiacutetima e principalmente quando eacute
respeitada eacute um poderoso instrumento de promoccedilatildeo e desenvolvimento social e
humano
Outro fator que deve ser considerado eacute a miserabilidade que coloca inuacutemeros
brasileiros a margem da sociedade em situaccedilatildeo precaacuteria os quais para Pinsky
(2004) ldquodesprovidos de esperanccedila de projeto de qualquer perspectiva de inclusatildeo
[] recorrer agrave Justiccedila humana parece algo irrealizaacutevel sofisticado e inteiramente
ficcionalrdquo
Desta forma o primeiro passo para concretizar os direitos previstos
constitucionalmente eacute a formaccedilatildeo do cidadatildeo atraveacutes da Educaccedilatildeo Baacutesica
infundindo-lhe a consciecircncia dos seus direitos e tambeacutem dos seus deveres sociais
bem como dos valores humanos fundamentais que devem ser por todos respeitados
na vida em sociedade A universalizaccedilatildeo do ensino fundamental a oferta obrigatoacuteria
de educaccedilatildeo infantil pelo Estado e o crescimento da oferta do ensino meacutedio satildeo
alguns dos aspectos que merecem destaques e foi devido agrave determinaccedilatildeo
constitucional de estabelecer o caraacuteter obrigatoacuterio do ensino fundamental e de
responsabilizar o Estado por sua implementaccedilatildeo que tem iniacutecio o processo de
avanccedilo desse segmento
A Constituiccedilatildeo estabeleceu de forma mais clara o papel dos entes federados
na educaccedilatildeo Tambeacutem aumentou a participaccedilatildeo orccedilamentaacuteria destinada ao setor
Com as novas regras para distribuiccedilatildeo de recursos adotadas apoacutes a promulgaccedilatildeo
da Carta os municiacutepios voltam a interessar-se pela educaccedilatildeo fundamental e o paiacutes
atinge a universalizaccedilatildeo do setor o que se busca agora satildeo mecanismos para
garantir a qualidade no ensino
O segundo passo nessa dinacircmica eacute o oferecimento a todos os cidadatildeos de
condiccedilotildees miacutenimas de sobrevivecircncia e de existecircncia condignas atraveacutes do acesso
ao trabalho produtivo livremente escolhido e do pagamento de remuneraccedilatildeo capaz
de prover ao sustento do trabalhador e de sua famiacutelia
Para milhotildees de cidadatildeos que vivem na ignoracircncia e na miseacuteria nenhuma
utilidade ou eficaacutecia tecircm os inuacutemeros direitos constitucionalmente assegurados Para
aqueles que se habituaram a retirar proventos da mendicacircncia da prostituiccedilatildeo de
atividades iliacutecitas ou aqueles que se sentiram forccedilados a sujeitar-se agrave exploraccedilatildeo de
outrem para sobreviver natildeo haacute nenhuma crenccedila na dignidade da pessoa humana e
no valor social do trabalho
42
A pobreza engendra inuacutemeras relaccedilotildees de dominaccedilatildeo entre pessoas e entre grupos sociais As habitaccedilotildees subumanas da periferia das grandes cidades no Brasil constituem verdadeiros quistos sociais terras sem lei controladas por xerifes ou por quadrilhas de malfeitores O Estado que natildeo for capaz de dotar essas comunidades do acesso efetivo agrave Educaccedilatildeo agrave Sauacutede agrave Seguranccedila e agrave Paz Puacuteblicas e ao trabalho liacutecito certamente natildeo lhes estaraacute assegurando o acesso ao Direito porque a populaccedilatildeo abrutalhada pela miseacuteria e coagida pelo medo natildeo desfruta da miacutenima eficaacutecia concreta dos
seus direitos fundamentais (GRECO 2009)
Evidencia que acesso ao Direito nas sociedades modernas mesmo nas
economicamente desenvolvidas exige o fortalecimento dos grupos intermediaacuterios e
do associativismo O cidadatildeo natildeo estaacute mais em condiccedilotildees de defender-se
individualmente das ameaccedilas e lesotildees aos seus direitos perpetradas por pessoas ou
grupos que se encontram em posiccedilatildeo de vantagem nas relaccedilotildees econocircmicas e
sociais
O sindicato veio exercer este importante papel em relaccedilatildeo ao trabalhador
empregado Mas hoje as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo natildeo satildeo apenas as que existem no
mundo do trabalho mas as que se revelam em todos os tipos de relaccedilotildees humanas
relaccedilotildees de consumo relaccedilotildees de vizinhanccedila relaccedilotildees locatiacutecias relaccedilotildees
comerciais internas e internacionais e natildeo com menor relevacircncia relaccedilotildees entre os
particulares e o Estado entre outras
Eacute preciso assegurar esse equiliacutebrio na praacutetica o que somente tornar-se-aacute
possiacutevel atraveacutes da articulaccedilatildeo dos sujeitos que se encontram em posiccedilatildeo de
desvantagem em organizaccedilotildees e associaccedilotildees que pela uniatildeo de esforccedilos
consigam compensar o desequiliacutebrio existente e dar aos indiviacuteduos e grupos a forccedila
e a capa de proteccedilatildeo necessaacuterias para ombrearem-se aos seus adversaacuterios e
lutarem pelos seus direitos ou interesses em igualdade de condiccedilotildees
Para Greco (2009) o pressuposto indispensaacutevel do acesso ao Direito eacute a
transparecircncia do Estado no trato de questotildees que possam afetar a esfera de
interesses dos cidadatildeos e complementa que aos cidadatildeos eacute indispensaacutevel
assegurar o direito de influir eficazmente nas decisotildees do poder puacuteblico atraveacutes dos
mais diversos instrumentos de participaccedilatildeo democraacutetica Ele afirma que
A relaccedilatildeo Estado-cidadatildeo natildeo eacute mais a relaccedilatildeo soberano-suacutedito O cidadatildeo tem o direito de exigir do Estado o pleno respeito ao seu
43
patrimocircnio juriacutedico Lamentavelmente a crise do Estado tem levado o Brasil a aceitar-se como normal que as pessoas juriacutedicas de Direito Puacuteblico natildeo cumpram devidamente as prestaccedilotildees positivas de que satildeo devedoras perante os particulares cabendo a estes demandar na Justiccedila para obtecirc-las (GRECO 2009)
Essa visatildeo deformada da responsabilidade do Estado ocorre o
desvirtuamento da justiccedila Por outro lado agrave violaccedilatildeo da garantia constitucional da
tutela jurisdicional efetiva (Constituiccedilatildeo artigo 5 inciso XXXV) disciplina a lei natildeo
excluiraacute da apreciaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio lesatildeo ou ameaccedila ao direito Assim o
acesso ao Direito natildeo estaraacute concretamente assegurado se o Estado natildeo oferecer a
todo cidadatildeo a possibilidade de receber aconselhamento juriacutedico a respeito dos seus
direitos
Constituiccedilatildeo de 1988 no artigo 5deg inciso LXXIV assegurou a todos
ldquoassistecircncia juriacutedicardquo a englobar assistecircncia judiciaacuteria e assessoramento juriacutedico
extrajudicial Conforme Greco (2009) ldquoeacute preciso que esse direito seja assegurado
na praacutetica Uma vez que na vida moderna o Direito tornou-se excessivamente
complexordquo Ainda no dizer do autor a consciecircncia juriacutedica do homem comum que
deve ser adquirida na famiacutelia e na escola natildeo eacute mais suficiente para a tomada de
decisotildees na vida diaacuteria das pessoas Todas as pessoas mantecircm complexas relaccedilotildees
juriacutedicas com instituiccedilotildees financeiras com fornecedores de bens e de serviccedilos etc
Nessas relaccedilotildees juriacutedicas com frequecircncia os cidadatildeos tecircm de tomar decisotildees
raacutepidas O cidadatildeo que tem meios procura um advogado particular para assessoraacute-
lo Ao pobre o Estado deve assegurar o mesmo direito em plenitude
Sem duacutevida o uacuteltimo pressuposto do acesso ao Direito eacute o acesso agrave Justiccedila
no sentido de acesso a um tribunal estatal imparcial previamente instituiacutedo como
competente para a soluccedilatildeo de qualquer litiacutegio a respeito de interesse que se afirme
juridicamente protegido ou para a praacutetica de qualquer ato que a lei subordine agrave
aprovaccedilatildeo autorizaccedilatildeo ou homologaccedilatildeo judicial
Se o cidadatildeo tem consciecircncia dos seus direitos se o Estado lhe fornece
todas as condiccedilotildees para livremente exercecirc-los mas algum outro cidadatildeo ou algum
oacutergatildeo do proacuteprio Estado impede ou dificulta esse exerciacutecio cabe ao poder puacuteblico
pocircr agrave disposiccedilatildeo do cidadatildeo lesionado ou ameaccedilado a jurisdiccedilatildeo necessaacuteria para
assegurar o pleno acesso a tal direito
Atingimos eacute certo um estaacutegio de desenvolvimento do Direito Humanitaacuterio que
natildeo mais nos permite conformar-nos com uma realidade distante do padratildeo de
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convivecircncia humana que outras naccedilotildees jaacute alcanccedilaram O exerciacutecio pleno de
cidadania seraacute obra de mais de uma geraccedilatildeo Mas se trabalharmos com firmeza
certamente os jovens de hoje poderatildeo legar aos seus descendentes a emancipaccedilatildeo
cidadatilde um paiacutes melhor e uma sociedade mais justa e democraacutetica
33 O municiacutepio como acircmbito de exerciacutecio de cidadania
Historicamente o Municiacutepio enquanto unidade poliacutetico-administrativa surgiu
conforme descreve Berardi (2004) com a Repuacuteblica Romana interessada em
manter a dominaccedilatildeo paciacutefica das cidades conquistadas pela forccedila dos exeacutercitos
Sua origem mais de natureza socioloacutegica do que poliacutetica adveacutem do espiacuterito
associativo do homem e de suas relaccedilotildees de vizinhanccedila
Eacute pois a menor unidade territorial de Federaccedilatildeo cuja criaccedilatildeo reflete a base
da organizaccedilatildeo poliacutetica administrativa da Naccedilatildeo Portanto sua funccedilatildeo administrativa
historicamente vem assentada no princiacutepio do direito natural
O artigo primeiro da Constituiccedilatildeo Federal de 1998 estabelece que o
Municiacutepio ao lado dos Estados e do Distrito Federal formam a Republica Federativa
do Brasil que se constitui em Estado Democraacutetico de Direito O municiacutepio tem assim
um poder relevante para a aplicaccedilatildeo da democracia direta iniciada e fortalecida em
niacutevel local Diversos pensadores chegaram a afirmar que a descentralizaccedilatildeo de
poder resultante da constituiccedilatildeo Cidadatilde era antes de tudo uma conquista dos
Municiacutepios sendo eles os berccedilos da perpetuaccedilatildeo da Repuacuteblica e da Democracia
efetivamente por serem o uacutenico niacutevel de governo possuidores de respaldo e
localizaccedilatildeo fiacutesica ou seja solo municipal
Eacute certo que a Carta Magna de 1988 consolidou significativas inovaccedilotildees para a
vida municipal de forma que o Municiacutepio passou a constituir um dos entes da
federaccedilatildeo tratando-o como unidade dotada de autonomia poliacutetica expressa na
capacidade de poder elaborar a sua Lei Orgacircnica fugindo assim da tutela dos
estados que ateacute entatildeo eram considerados como uacutenicos componentes da federaccedilatildeo
45
A Lei Orgacircnica Municipal traz em seu bojo aleacutem da organizaccedilatildeo
administrativa do Municiacutepio a restauraccedilatildeo do Poder Legislativo municipal definindo
a diversificaccedilatildeo normativa que natildeo existia nas leis organizacionais outorgadas pelo
Estado reflexo do poder constituinte outorgados aos Municiacutepios pela Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 como consequecircncia do efetivo exerciacutecio do conceito de Estado
Democraacutetico de Direito
O Municiacutepio enquanto ente federativo tem atualmente a responsabilidade de
ordenar o seu desenvolvimento social e a garantia do bem estar de seus habitantes
executando poliacuteticas puacuteblicas de accedilotildees a serem empreendidas na consolidaccedilatildeo
democraacutetica do Estado
Fundada no elemento participaccedilatildeo o exerciacutecio de cidadania amplamente
citado encontra sua efetividade no municiacutepio Pois eacute nesse acircmbito de localizaccedilatildeo
que as pessoas mantecircm um contato direto com os poderes instituiacutedos suas
necessidades imediatas e mediatas satildeo objetos da disciplina da Lei que visa o bem
comum base do Estado democraacutetico de Direito
Baseado na maacutexima do municipalista e defensor da descentralizaccedilatildeo poliacutetica
Franco Motoro sabiamente proferiu que ldquoningueacutem vive na Uniatildeo ou no Estado As
pessoas vivem no Municiacutepiordquo Assim a cidadania encontra seu melhor espaccedilo de
realizaccedilatildeo na comunidade onde convive A vida em comunidade gera anseios
comuns sentimentos comuns uma vez que a convivecircncia propicia que as pessoas
se conheccedilam e se reconheccedilam como membros de uma mesma realidade
De acordo com Harvey (1992) ldquoa globalizaccedilatildeo provoca anonimato enquanto
comunidade cultiva solidariedaderdquo o que implica participaccedilatildeo para o exerciacutecio de
cidadania
Tudo o que acontece no mundo seja no meu paiacutes na minha cidade ou no meu bairro acontece comigo Entatildeo eu preciso participar das decisotildees que interferem na minha vida Um cidadatildeo com um sentimento eacutetico forte e consciecircncia da cidadania natildeo deixa passar nada natildeo abre matildeo desse poder de participaccedilatildeo (Herbert de Souza Betinho)
Com esse embasamento natildeo se pode perder de vista que eacute nas relaccedilotildees
diaacuterias de oposiccedilatildeo ou solidariedade que as pessoas exercem cidadania Na relaccedilatildeo
do com o outro com os poderes ao estabelecer com a vida social e puacuteblica uma
46
convivecircncia posto que cidadania eacute tarefa que natildeo termina natildeo eacute um conceito
pronto tatildeo pouco acabado enquanto seres inacabados que somos estaremos
buscando descobrindo criando e tomando consciecircncia mais ampla dos direitos
O desafio eacute construir um novo discurso sobre cidadania atraveacutes de uma
praacutetica poliacutetica sustentada isto eacute realizada em dois niacuteveis
O primeiro niacutevel na base atraveacutes de construccedilatildeo das capacidades e do poder
proacuteprio da populaccedilatildeo o que envolve inevitavelmente uma mudanccedila de atitude na
busca para garantir seus direitos utilizando-se do grau de autonomia local
Essa atitude conceberia agrave democracia participativa como uma poliacutetica paralela
de intervenccedilatildeo social criando e mantendo novos espaccedilos para a tomada de
decisotildees ou seja para o auto-governo pela populaccedilatildeo nas mateacuterias que afetam
diretamente suas vidas
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade
O segundo niacutevel um governo com o povo e natildeo apenas para o povo fundado
nos ditames constitucionais valorizando o sentimento da sociedade no exerciacutecio da
governabilidade de modo que o balizamento das accedilotildees de governo deixaria de estar
no proacuteprio governo e passaria a estabelecer-se a partir do pensar da sociedade Um
governo que se pergunta o que se deve fazer para ouvir com a maior fidelidade
possiacutevel a sociedade suas instituiccedilotildees representativas e o cidadatildeo Pois as
prioridades da gestatildeo deveriam ser definidas pela sociedade e natildeo mais pelo
governo
Portanto nesses termos eacute preciso considerar que as praacuteticas da
administraccedilatildeo puacuteblica sejam democratizadoras e inclusivas inspiradas nos
princiacutepios da legalidade impessoalidade moralidade publicidade e eficiecircncia Esta
uacuteltima buscou estabelecer uma Administraccedilatildeo Puacuteblica mais eficiente no sentido de
que o cidadatildeo como destinataacuterio dos serviccedilos puacuteblicos que o Estado deve prestar
receba-os com maior qualidade e menor custo para o eraacuterio puacuteblico
Para a consecuccedilatildeo desse governar com o povo alguns pontos devem ser
revistos A mudanccedila implica na necessidade de adequaccedilatildeo reorganizaccedilatildeo
47
reformulaccedilatildeo Para isso se faz premente em face dos novos e modernos conceitos
de gestatildeo puacuteblica a superaccedilatildeo do tradicional vezo burocraacutetico que vem convertendo
a Administraccedilatildeo nas palavras Dromi (1995) numa cara ldquomaacutequina de impedirrdquo fiel
ldquocoacutedigo do fracassordquo que dispotildee ldquoartigo primeiro natildeo pode artigo segundo em
caso de duacutevida abstenha-se artigo terceiro se eacute urgente espere artigo quarto
sempre eacute mais prudente natildeo fazer nadardquo numa posiccedilatildeo natildeo burocraacutetica e sim
democraacutetica de considerar que organizaccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica inclui a
praacutetica de ver os cidadatildeos como membros plenos da comunidade poliacutetica tendo
acesso e exercitando direitos as que promovem a organizaccedilatildeo da populaccedilatildeo em
torno de temas de interesse comum as que incluem o controle social sobre a
gestatildeo o debate amplo e informado sobre questotildees de governo e que abrem agrave
populaccedilatildeo as decisotildees sobre estas questotildees Como leciona e Barrientos (2000)
Tratam-se de praacuteticas que natildeo buscam somente melhorar a eficiecircncia administrativa das diferentes organizaccedilotildees puacuteblicas mas que incorporam no seu processo de gestatildeo a dimensatildeo ativa da cidadania isto eacute ldquoque facilitam as iniciativas e responsabilidades de todos os envolvidos[] estabelecendo pontes entre Estado e sociedade civil
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade Acreditamos
que o ponto de partida eacute a atitude aliada agrave solidariedade e ao espiacuterito coletivo Pois
governo e cidadatildeos juntos haveratildeo de cumprir um novo papel no processo de
desenvolvimento como agentes de uma nova cultura
Como afirma Peter Drucke
A parceria comunitaacuteria seraacute um dos verdadeiros setores em crescimento das economias desenvolvidas Surge da necessidade de uma participaccedilatildeo mais direta e efetiva da comunidade nas grandes questotildees da vida social pois natildeo existe ningueacutem melhor que o cidadatildeo para saber o que ele quer para si para sua famiacutelia e para sua comunidade (apud RAMOS 1990)
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O envolvimento efetivo da sociedade nas questotildees sociais natildeo eacute apenas uma
postura moderna Significa antes de tudo uma atitude digna de todos aqueles que
desejam exercer sua cidadania contribuindo para um paiacutes melhor e em especial
para uma sociedade mais justa fraterna e solidaacuteria
Na histoacuteria observa-se a grande coragem das pessoas em construir o
reconhecimento delas proacuteprias e de seus direitos sempre buscando a participaccedilatildeo e
defendendo os Direitos Humanos Sem duacutevida a maior ecircnfase que deve ocorrer
para a construccedilatildeo real da cidadania eacute uma mudanccedila na sociedade O melhor a ser
feito eacute reforccedilar a organizaccedilatildeo democraacutetica buscando novas formas de participaccedilatildeo
social pois cidadania natildeo se resume ao poder de votar ou ser votado mas eacute sempre
na efetiva participaccedilatildeo popular pois somente com isso haacute a verdadeira
conscientizaccedilatildeo e o comprometimento daquele que passa a se sentir cidadatildeo
abandonando-se velhos viacutecios da poliacutetica representativa
Desse modo a participaccedilatildeo do povo no momento das reivindicaccedilotildees das
discussotildees e apreciaccedilotildees de projetos que visem agrave melhoria da comunidade local a
exigecircncia de transparecircncia na administraccedilatildeo da coisa puacuteblica dentre outras eacute quem
daraacute embasamento para as verdadeiras conquistas sociais no Municiacutepio que geram
saudaacuteveis formas de pressatildeo por efetivas poliacuteticas puacuteblicas de inclusatildeo social
gerando o fim do clientelismo poliacutetico tatildeo pejorativo e comum em nossa realidade e
cultura poliacutetica
Somente a participaccedilatildeo social eacute que iraacute causar uma real democratizaccedilatildeo do
poder A afirmaccedilatildeo da cidadania eacute pressuposto para a realizaccedilatildeo dos Direitos
Humanos pois os homens natildeo nascem naturalmente iguais Inclusive para que
ocorra a realizaccedilatildeo dos referidos direitos eacute necessaacuterio tambeacutem que exista um
espaccedilo puacuteblico que seja realmente democraacutetico e acessiacutevel possibilitando a
participaccedilatildeo de todos e esse espaccedilo eacute certamente o municiacutepio
Na praacutetica um forte instrumento de cidadania para atender as necessidades
coletivas eacute o orccedilamento participativo previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal que
determina expressamente a realizaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas e a participaccedilatildeo
popular nos processos de elaboraccedilatildeo e conduccedilatildeo dos orccedilamentos como forma de
incentivo agrave preparaccedilatildeo e execuccedilatildeo de planejamentos que envolvam diretamente o
povo A Lei veio incentivar a sua propagaccedilatildeo para todos os entes federativos tendo
em conta que se trata de uma tendecircncia mundial por legitimar as escolhas e
fortalecer o princiacutepio da transparecircncia
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Os meios de acesso do cidadatildeo junto aos Poderes Puacuteblicos eacute uma realidade
no Estado Democraacutetico de Direito brasileiro a exemplo das sessotildees do Poder
Legislativo que satildeo puacuteblicas ficando abertas a todos que delas quiserem participar
Emite-se uma pauta antes do comeccedilo da sessatildeo com a preacutevia dos debates Em
niacutevel municipal verifica-se um acompanhamento mais incisivo sobre as sessotildees das
Cacircmaras de Vereadores como forma de pressatildeo para aprovaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees
da comunidade avaliaccedilatildeo do desempenho e aceitaccedilatildeo de propostas orccedilamentaacuterias
e atuaccedilatildeo dos poliacuteticos bem como entendimento das funccedilotildees do Poder Legislativo
A Constituiccedilatildeo Federal assegura desde 1988 a possibilidade de se oferecer
peticcedilatildeo agraves Mesas Legislativas como forma de pedir informaccedilotildees sobre andamento
de projetos ou relatoacuterios encaminhados aos chefes do Poder Executivo Em niacutevel
municipal pode ser utilizada a Tribuna Livre como instrumento para denuacutencias de
problemas ou discussatildeo de um tema ou mesmo para apresentar sugestotildees sendo
regulado pela Lei Orgacircnica Municipal e pelo Regimento Interno da Cacircmara
A convocaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas tambeacutem possui previsatildeo constitucional
no art 58 sect 20 inciso II em niacutevel federal As comissotildees podem em razatildeo da
mateacuteria de sua competecircncia realizar audiecircncias puacuteblicas com entidades da
sociedade civil E nada obsta que estejam previstas formas de articulaccedilatildeo da
sociedade civil com os Presidentes das Comissotildees da Cacircmara no seu Regimento
Interno em acircmbito municipal
Os dispositivos da Constituiccedilatildeo Federal que dispotildeem sobre a forma de
participaccedilatildeo direta do cidadatildeo e da sociedade civil no processo democraacutetico natildeo se
pode negar que trouxe novas perspectivas De modo geral podemos citar
Art 29 A lei orgacircnica dos Municiacutepios tem que observar entre os seus
preceitos ldquocooperaccedilatildeo das associaccedilotildees representativas no planejamento municipalrdquo
Art 31 As contas dos municiacutepios ficaratildeo durante 60 (sessenta) dias
anualmente a disposiccedilatildeo de qualquer contribuinte para exame e apreciaccedilatildeo o qual
poderaacute questionar-lhes a legitimidade nos termos da lei
Art37 sect 3ordm (EC-1998) A lei disciplinaraacute as formas de participaccedilatildeo do usuaacuterio
na administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta regulando especialmente
I- as reclamaccedilotildees relativas a prestaccedilatildeo dos serviccedilos puacuteblicos em geral asseguradas
a manutenccedilatildeo de serviccedilo de atendimento ao usuaacuterio e a avaliaccedilatildeo perioacutedica externa
e interna da qualidade dos serviccedilos
50
II- o acesso dos usuaacuterios a registros administrativos e a informaccedilatildeo sobre atos de
governo observado o disposto no art 5ordm X e XXXIII
III- a disciplina da representaccedilatildeo conta o exerciacutecio negligente ou abusivo de cargo
emprego ou funccedilatildeo na administraccedilatildeo puacuteblica
Art 74 sect 2ordm Qualquer cidadatildeo partido poliacutetico associaccedilatildeo ou sindicato eacute
parte legiacutetima para na forma de lei denunciar irregularidades ou ilegalidades perante
o Tribunal de Contas da Uniatildeo
Art194 paraacutegrafo uacutenico Compete ao Poder Puacuteblico nos termos da lei
organizar a seguridade social com base nos seguintes objetivos ()
VII ndash caraacuteter democraacutetivo descentralizado na administraccedilatildeo mediante gestatildeo
quadripartite com participaccedilatildeo dos trabalhadores dos empregados e dos
aposentados e do Governo nos oacutergatildeos colegiados nos oacutergatildeos colegiados
Art 198 As accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede integram uma rede
regionalizada e hierarquizada o constituem um sistema uacutenico organizado de acordo
com as seguintes diretrizes
III ndash participaccedilatildeo da comunidade
Art 202 sect 6ordm A lei complementa a que se refere o sect 4ordm deste artigo
estabeleceraacute os requisitos para a designaccedilatildeo dos membros das diretorias das
entidades fechadas de previdecircncia privada e disciplinaraacute a inserccedilatildeo dos
participantes nos colegiados e instacircncias de decisatildeo em que seus interesses sejam
objeto de discussatildeo e deliberaccedilatildeo
Art 204 As accedilotildees governamentais na aacuterea de assistecircncia social seratildeo
organizadas com base nas seguintes diretrizes
II ndash Participaccedilatildeo da populaccedilatildeo por meio de organizaccedilotildees representativas na
formulaccedilatildeo das poliacuteticas e no controle das accedilotildees em todos os niacuteveis
O protagonista na concretizaccedilatildeo dos direitos humanos e na ampliaccedilatildeo da cidadania eacute um sujeito coletivo de um trabalho sempre inacabado eis que se tratam de tarefas e conquistas cotidianas e gradativas obras que soacute podem ser realizada a muitas matildeos no partilhar e compartilhar da vida (COSTA NETO 2010)
A ampliaccedilatildeo da cidadania requer a consciecircncia de que os direitos pressupotildeem
deveres de maneira que os direitos de um indiviacuteduo satildeo garantidos a partir do
cumprimento dos deveres dos demais componentes da sociedade
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34 A necessaacuteria superaccedilatildeo de velhos paradigmas
Como se sabe em 1988 foi aprovada a Constituiccedilatildeo mais liberal e
democraacutetica do Brasil chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo Assim ampliou-se de
forma significativa o campo dos direitos e garantias fundamentais No que diz
respeito a tal mateacuteria eacute considerada como uma das mais avanccediladas do mundo No
seu preacircmbulo adota o modelo de um Estado democraacutetico de Direito destinado a
garantir o exerciacutecio dos direitos sociais e individuais a liberdade a seguranccedila o
bem-estar o desenvolvimento a igualdade e a justiccedila eleitos como valores
supremos de uma sociedade fraterna pluralista e sem preconceitos
Para a construccedilatildeo democraacutetica da cidadania no Brasil contemporacircneo
salienta-se de ela deve passar de uma democracia representativa para uma
cidadania que efetivamente molde a democracia ou seja uma cidadania instituinte
da democracia
No acircmbito constitucional positivo cidadania pressupotildee o exerciacutecio de todos
os direitos fundamentais e garantias que caracterizam o Estado democraacutetico de
Direito Quando se fala em cidadania eacute no sentido de reafirmar o direito pela plena
realizaccedilatildeo do indiviacuteduo do cidadatildeo dos entes coletivos e de sua emancipaccedilatildeo nos
espaccedilos da sociedade Estatildeo sempre intimamente ligados os conceitos de
cidadania democracia e direitos humanos sendo que um remete ao outro e seus
conteuacutedos se interligam ou seja a cidadania natildeo iraacute ocorrer sem que ocorra a
realizaccedilatildeo dos Direitos Humanos da mesma forma que os direitos humanos natildeo
seratildeo concretizados se natildeo houver o exerciacutecio da cidadania
Na evoluccedilatildeo histoacuterica tais categorias se desenvolveram de forma conjunta
com o Estado Representam noccedilotildees desejaacuteveis de relaccedilotildees humanas que se espera
sejam instituiacutedas Satildeo os elementos basilares na nova ordem social e que a
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 pretendeu edificar Poreacutem a democracia poliacutetica natildeo
resolveu os problemas econocircmicos mais seacuterios como a desigualdade e o
desemprego Continuam muito seacuterios os problemas da aacuterea social principalmente
na educaccedilatildeo nos serviccedilos de sauacutede e saneamento como tambeacutem e
principalmente quanto agrave seguranccedila puacuteblica
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A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 em seu artigo 6ordm e em outros artigos no texto
constitucional ampliou e muito os Direitos Sociais proibiu discriminaccedilotildees Assim
indicadores baacutesicos de qualidade de vida apontam que houve uma melhoria A
mortalidade infantil por exemplo caiu de maneira significativa nos uacuteltimos anos A
esperanccedila de vida ao nascer passou de 60 anos em 1980 para 70 em 2000 Poreacutem
o maior progresso foi na aacuterea da educaccedilatildeo fundamental que eacute considerado fator
decisivo para a cidadania pois a taxa de analfabetismo caiu consideravelmente
entretanto existem muitos problemas no campo educacional como a repetecircncia e
com relaccedilatildeo a desigualdade social entre as regiotildees
A grande concentraccedilatildeo da riqueza nacional nas matildeos de poucos reflete a
desigualdade e causa a pobreza e a miseacuteria ao passo que dificulta o acesso do
cidadatildeo agrave justiccedila e consequentemente ao seu estado de cidadania pleno
Dentre os fundamentos no qual se baseiam o Estado democraacutetico de Direito
no Brasil destaca-se justamente a cidadania e a dignidade humana conforme artigo
1ordm incisos II e III da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Entatildeo construir uma sociedade
livre justa e solidaacuteria garantir o desenvolvimento nacional erradicar a pobreza e a
marginalizaccedilatildeo reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de
todos sem preconceitos de origem raccedila sexo cor idade ou quaisquer outras
formas de discriminaccedilatildeo satildeo os objetivos fundamentais do Estado Brasileiro
conforme art 3ordm da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
O cenaacuterio de globalizaccedilatildeo econocircmica mundial tambeacutem traacutes seacuterios obstaacuteculos
para a construccedilatildeo da cidadania A globalizaccedilatildeo da economia em ritmo acelerado
provoca grandes mudanccedilas nas relaccedilotildees entre Estado sociedade e naccedilatildeo que
eram sempre o centro da noccedilatildeo e da praacutetica da cidadania ocidental O foco das
mudanccedilas e das preocupaccedilotildees estaacute em dois focos especiacuteficos a reduccedilatildeo do papel
central do Estado como fonte de direitos e local para a participaccedilatildeo e o
deslocamento da naccedilatildeo como principal fonte de identidade coletiva
Para que ocorra efetiva mudanccedila a melhor proposta eacute no sentido de
mudanccedila na organizaccedilatildeo da sociedade pois a inversatildeo da sequecircncia dos direitos
fez com que ocorra o reforccedilo da supremacia do Estado Para que ocorra a
consolidaccedilatildeo democraacutetica e cidadatilde eacute necessaacuterio reforccedilar a organizaccedilatildeo da
sociedade para assim dar embasamento social ao poder poliacutetico ou seja
finalmente democratizar o poder e estabelecer de forma plena a Cidadania
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CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A Constituiccedilatildeo que nasce com ldquocheiro de amanhatilde e natildeo de mofordquo nas
palavras do Deputado Ulisses Guimaratildees tem em seu relevo a esperanccedila de um
povo que sonhava com a erradicaccedilatildeo da repressatildeo militar e natildeo soacute isso um povo
que sonhava com a liberdade em suas diversas manifestaccedilotildees em suas mais
significativas formas de representaccedilatildeo e sobretudo com um paiacutes voltado para a
democracia e justiccedila social
Ao povo brasileiro foi concedido o poder de governar e nesse contexto de
mudanccedila a ldquodemocracia eacute o governo do povo pelo povo e para o povordquo na
conceituaccedilatildeo ceacutelebre de Abraham Lincoln E consoante estabelece o paraacutegrafo
uacutenico do art 1ordm da Carta cidadatilde de 1988 ldquotodo poder emana do povo que o exerce
por meio de representantes eleitos ou diretamenterdquo
No entanto natildeo basta que a fonte de poder seja o povo a democracia vem
significar a efetiva participaccedilatildeo do povo nas decisotildees e destino do Estado e sua
consolidaccedilatildeo eacute a proacutepria cidadania pois eacute o cidadatildeo que pensa e se auto define
diante da condiccedilatildeo soacutecio-histoacuterica O cidadatildeo tem portanto o poder de transformar
a realidade social segundo seu pensamento e accedilatildeo
Natildeo se pode negar que a Carta de 1988 foi a que apresentou maior
legitimidade popular que abriu caminhos apontando um novo tempo
Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita Se fosse perfeita seria irreformaacutevel Ela proacutepria com humildade e realismo admite ser emendada ateacute por maioria mais acessiacutevel dentro de cinco anos Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita mas seraacute uacutetil e pioneira e desbravadora Seraacute luz ainda que de lamparina na noite dos desgraccedilados Eacute caminhando que se abrem os caminhos Ela vai caminhar e abri-los Seraacute redentor o que penetrar nos bolsotildees sujos escuros e ignorados da miseacuteria (Ulysses Guimaratildees)
Mesmo natildeo sendo a constituiccedilatildeo perfeita sem duacutevida foi a que trouxe
esperanccedila ao povo brasileiro com a sua promulgaccedilatildeo surgiram o ldquohaacutebeas datardquo o
mandado de injunccedilatildeo e o mandado de seguranccedila coletivo - todos remeacutedios judiciais
de iacutendoles constitucionais serviacuteveis para prevenir e combater diversas tentativas de
abuso contra a pessoa humana Outrossim o objeto da accedilatildeo popular foi ampliado
Atualmente qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima para propor a mencionada accedilatildeo
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popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de entidade de que o
Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e ao patrimocircnio
histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de custas
judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia Nesse rol de forma decisiva houve a
ampliaccedilatildeo tambeacutem dos direitos sociais
Assim a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconhece e assegura uma seacuterie de
escudos protetivos aos cidadatildeos Em sua essecircncia os direitos fundamentais
ganham forma De modo que podemos assegurar que hoje o nosso Estado eacute uma
organizaccedilatildeo centrada no ser humano visto que tem a dignidade da pessoa humana
como um fundamento da Repuacuteblica Federativa do Brasil
Apesar das inuacutemeras dificuldades o Estado Democraacutetico de Direito fundado
na cidadania constituiu para o povo uma nova identidade ndash o que em outras eacutepocas
natildeo existia
A Constituiccedilatildeo circunscreve toda a organizaccedilatildeo poliacutetica estatal no intuito
maior de criar no consciente coletivo a vontade livre e determinada de desenvolver
padrotildees de condutas destinados a elevar e promover a auto-estima de toda a
comunidade paacutetria
Foi nesse sentido que estatui em seu artigo 1ordm a cidadania como fundamento
do Estado Democraacutetico de Direito ampliando e enriquecendo o tal conceito Cada
eacutepoca produziu praacuteticas e reflexotildees muito distintas sobre o tema cidadania A
definiccedilatildeo de cidadania que vem sofrendo alteraccedilotildees ao longo do tempo obedecendo
a um processo histoacuterico de conquistas sociais eacute compreendida atualmente como
um processo de participaccedilatildeo do indiviacuteduo ou de um grupo organizado nas mais
variadas aacutereas de atuaccedilatildeo da sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos
e sociais
A cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia disso natildeo haacute duvidas e se
efetiva como mudanccedilas na realidade de cada um com melhoria de vida e
conscientizaccedilatildeo da importacircncia do cidadatildeo dado que eacute um processo em
permanente construccedilatildeo Natildeo haacute como defender uma qualidade de vida sem a
preservaccedilatildeo da cidadania em todos os seus acircmbitos Nesse sentido a efetiva
proteccedilatildeo desse aspecto basilar torna-se essencial no que tange uma assistecircncia
juriacutedica completa
No contraponto do direito estatildeo os deveres que encontramos sua realizaccedilatildeo
tambeacutem na participaccedilatildeo observando que o cidadatildeo eacute responsaacutevel pelo advir de
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suas accedilotildees A participaccedilatildeo reflete um caraacuteter de natildeo comodismo de atenccedilatildeo agravequilo
que eacute particular e coletivo tendo como finalidade preciacutepua o bem comum
Construir cidadania hoje eacute imperativo para a sociedade pois dessa
construccedilatildeo depende o amanhatilde Estamos diante da Constituiccedilatildeo que se propotildee a
resguardar o amanhatilde sem perder de vista que ele comeccedila hoje agora e nisso a
Carta Poliacutetica traacutes consigo a certeza do despertar dessa consciecircncia a consciecircncia
cidadatilde Ela eacute a semente plantada em terra feacutertil que gera frutos diariamente e se
renova a cada estaccedilatildeo na dinacircmica da vida Talvez tenha sido esse o cheiro de
frutas alcanccedilado pelo constituinte ao anunciar que a carta tem ldquocheiro do amanhatilderdquo
A responsabilidade pelo exerciacutecio desses direitos belissimamente elencados
depende de todos e de cada um pois somos o terreno feacutertil que produziraacute o fruto de
uma sociedade fraterna
Eacute comum na praacutetica apenas responsabilizarmos o Estado em sentido lato pelo
natildeo exerciacutecio dos direitos do cidadatildeo Vale lembrar nesse contexto das palavras de
J Kennedy o qual disse ldquonatildeo pergunte o que o Estado pode fazer por vocecirc mas o
que vocecirc pode fazer pelo Estadordquo haacute nessa frase um forte traccedilo de cidadania pois
quando o cidadatildeo reivindica critica opina o que ele daacute em contrapartida ao paiacutes eacute
solidificado visto que eacute nas relaccedilotildees familiares em comunidade que se estabelece e
se fortalece os viacutenculos de solidariedade de uma sociedade que perpetua valores
condutas que as leis reguladoras natildeo conseguem por si soacute estabelecer
A concretizaccedilatildeo do ideal de uma qualidade de vida merecida a todos os seres
humanos sem restriccedilotildees requer entretanto um esforccedilo coletivo Dessa forma haacute
necessidade de suprir as muitas carecircncias advindas das desigualdades sociais e de
condiccedilotildees do descaso do poder puacuteblico e da proacutepria conceituaccedilatildeo antiga de
cidadania que ainda eacute concebida por muitos no presente
Em suma nosso trabalho procurou traccedilar a evoluccedilatildeo da cidadania e ao
mesmo tempo buscou traccedilar uma melhor caracterizaccedilatildeo do cidadatildeo agrave luz da nossa
Constituiccedilatildeo que eacute por fim a essecircncia da Magna Carta O alcance da cidadania
enquanto mecanismo de acesso a direitos foi colocado no acircmbito da pessoa
enquanto titular de direitos e num paralelo defendemos que o municiacutepio eacute o espaccedilo
de atuaccedilatildeo e exerciacutecio de cidadania dada a proximidade do cidadatildeo com as
instituiccedilotildees oacutergatildeos entidades e tudo o mais que o cerca na esfera de vivecircncia Eacute na
praccedila que discute a poliacutetica local e nacional que se indigna com as dificuldades e as
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barreiras de acesso aos seus direitos Eacute no municiacutepio que se inicia todo um vieacutes de
desdobramento para garantir direitos
Por fim natildeo obstante resta dizer sobre o tema que os caminhos e
paradigmas que se intentou percorrer sobre cidadania como mecanismo
transformador da sociedade tem ingrediente ainda a se descortinar para o
propoacutesito valioso do bem comum Pois bem a ideia de bem comum tem como
fundamento o amor maacutexima que se estabelece por meio da democracia visto que
ldquoa demofilia o demoiacutesmo o amor do povo acima de tudo como princiacutepio ativo de
toda a sua vida poliacutetica inspirador duma sempre crescente autonomia imanente eacute
que constitui a verdadeira essecircncia da democraciardquo nas palavras de Melgareacute
(2005)
Dessa forma eacute no nuacutecleo da democracia que estaacute inscrito como pedra
angular o respeito e o amor pela pessoa humana Eacute pois um tema de larga
abrangecircncia poreacutem sem querer abreviar o caminho sua efetiva possibilidade de
realizaccedilatildeo se encontra no exerciacutecio da cidadania sem repuacutedios parciais ou exclusatildeo
de qualquer ordem na plenitude de uma cidadania para todos
57
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Nas uacuteltimas deacutecadas o Brasil passou por significativas mudanccedilas de
paradigmas dentre os quais podemos citar a reconstruccedilatildeo do conceito proposto de
cidadania Pode-se dizer que apesar das inuacutemeras desigualdades socioeconocircmicas
o termo ldquocidadaniardquo evoluiu ampliando-se a abrangecircncia de sua concepccedilatildeo
abarcando todas as categorias sociais Para tanto para que possamos compreender
como vem se dando essa evoluccedilatildeo eacute preciso que conheccedilamos como tem se dado a
construccedilatildeo histoacuterica da representaccedilatildeo simboacutelica da cidadania
Durante toda a sua evoluccedilatildeo histoacuterica a palavra cidadania e as vaacuterias facetas
que ela assumiu nas uacuteltimas deacutecadas vecircm convivendo de perto com dissensotildees
sociais interesses e conflitos ideoloacutegicos culturais e poliacuteticos que se dedicam a
defender ou construir um modelo de cidadania compatiacutevel com as conjunturas de
cada tempo e de cada lugar
A marcha da cidadania sempre esteve ligada a avanccedilos retrocessos crises e
vitoacuterias enfim a iniciativas voltadas para a implantaccedilatildeo de uma estrateacutegia de luta
pelos direitos humanos pois ela esteve e estaacute em permanente construccedilatildeo eacute como
dizem os grandes teoacutericos um referencial de conquista da humanidade atraveacutes
daqueles que sempre lutaram e lutam por mais direitos mais liberdade melhores
garantias sejam elas individuais ou coletivas e natildeo se conformam frente agraves
dominaccedilotildees arrogantes de um pequeno grupo dominador e opressor contra uma
maioria desassistida e que natildeo se consegue fazer ouvir exatamente porque se lhe
nega a cidadania plena cuja conquista ainda que tardia natildeo seraacute obstada
Os caminhos trilhados pelos que defendem a cidadania podem vir a
apresentar em termos de sentimento constitucional a luta por um Estado
Democraacutetico de Direito que ajude na construccedilatildeo de uma adequada compreensatildeo
das situaccedilotildees de conjuntura e dos problemas estruturais que a sociedade enfrenta
dia apoacutes dia situaccedilotildees essas que se congregam para gerar a falta de efetividade
normativa da nossa Constituiccedilatildeo Aleacutem disso oferecem um amplo panorama acerca
dos esforccedilos que os povos empreenderam para fundar os alicerces das democracias
constitucionais do mundo moderno
A histoacuteria da construccedilatildeo da cidadania eacute uma histoacuteria de resistecircncias de povos
contra as opressotildees dos governos do desespero e das necessidades das massas eacute
a histoacuteria da esperanccedila e do empenho das naccedilotildees a histoacuteria da convivecircncia das
paixotildees humanas do futuro das geraccedilotildees eacute a histoacuteria do sofrimento e da dor eacute a
histoacuteria das vicissitudes e dramas do proacuteprio fenocircmeno humano
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13 Cidadania um fenocircmeno cultural
A cidadania eacute um fenocircmeno cultural relacionada com a conquista de direitos
com as construccedilotildees das instituiccedilotildees com a proteccedilatildeo dos direitos fundamentais e
dos valores juriacutedicos e humanos Trata-se de uma realidade cultural cuja finalidade eacute
determinar o modo como agraves pessoas devem vincular-se agraves mudanccedilas nas estruturas
sociais determinando o modo como agraves pessoas devem atuar e (com) viver em
sociedade
De certo modo a cidadania como o Direito e todos os direitos representa uma
conquista da cultura frente agrave conflitiva natureza humana Tal conclusatildeo ajuda a
compreender o Estado Democraacutetico de Direito e tudo aquilo que ele simboliza em
termos de emancipaccedilatildeo da pessoa humana Nessa linha a necessidade de
compreender o conceito atual de cidadania agrave luz das questotildees culturais e sociais
postas pela sociedade poacutes-moderna veio-nos como heranccedila do processo cultural de
formaccedilatildeo das democracias modernas
Essa representaccedilatildeo cultural da cidadania vem sendo tratada pelos
pensadores modernos sob vaacuterios enfoques Num primeiro momento surge assim
por exemplo a cidadania civil que marcou a superaccedilatildeo da situaccedilatildeo observada na
Idade Meacutedia garantindo os direitos quanto agrave liberdade e agrave justiccedila e vinculando-se
diretamente agrave burguesia Jaacute a cidadania poliacutetica surgiu com a universalizaccedilatildeo de seu
proacuteprio conceito e com a ampliaccedilatildeo dos direitos civis Esta nova consciecircncia sobre
as diferenccedilas no interior do status de cidadatildeo acentua os debates sobre a exclusatildeo
social os direitos humanos e mesmo sobre a atuaccedilatildeo poliacutetica da sociedade civil Por
outro lado no atual estaacutegio do capitalismo falar em cidadania significar considerar
igualmente as proacuteprias mudanccedilas ocorridas na sociedade nos valores e na
educaccedilatildeo proporcionados pelas inovaccedilotildees da realidade tecnocientifica
Temos desse modo associado ao atual conceito de cidadania um repertoacuterio
teoacuterico e mesmo praacutetico cuja amplitude acompanha o proacuteprio desenvolvimento das
sociedades poacutes-modernas dando a impressatildeo crescente como afirma Harvey
19
De uma poderosa configuraccedilatildeo de novos sentimentos e pensamentos Que parecia a caminho de desenvolvimento social e poliacutetico apenas em virtude da maneira como definia padrotildees de criacutetica social e de praacutetica poliacutetica Em anos recentes ele vem determinando os padrotildees de debate definindo o modo do lsquodiscursorsquo e estabelecendo paracircmetros para a criacutetica cultural poliacutetica e cultural (1992)
Contudo a extensatildeo desses direitos agrave totalidade da populaccedilatildeo natildeo
possibilitou a garantia da liberdade e da igualdade idealizadas por Rousseau em sua
obra ldquoO Contrato Socialrdquo Por outro lado pode-se dizer que todos esses anos de
desenvolvimento acabaram por afirmar que a cidadania de fato soacute pode se constituir
por meio de acirrada luta cotidiana por direitos e pela garantia daqueles que jaacute
existem
Mais do que isso nota-se maior preocupaccedilatildeo com a difusatildeo desses direitos
seja por meio de educaccedilatildeo formal seja pelos meios de comunicaccedilatildeo Livros
didaacuteticos e paradidaacuteticos tecircm fomentado a discussatildeo sobre o status de cidadatildeo e os
direitos humanos outros associam ao desenvolvimento da cidadania uma
discussatildeo sobre os meios de comunicaccedilatildeo e o proacuteprio capitalismo como afirma o
professor Dalmo de Abreu Dallari em Cidadania e Direitos Humanos (1998)
Nessa perspectiva problemas recorrentes como as violaccedilotildees dos direitos
humanos as ineficiecircncias no campo social e o processo de pauperizaccedilatildeo
manifestado na periferia do capitalismo mostram que a cidadania exige mais do que
o simples ato de votar ou de pertencer a uma sociedade poliacutetica Cabe portanto agrave
sociedade civil caraacuteter representativo que substitua as pressotildees ou mesmo a
atuaccedilatildeo legiacutetima dos cidadatildeos
A evoluccedilatildeo da cidadania portanto consiste na lenta construccedilatildeo da
democracia que sintetiza os esforccedilos para a obtenccedilatildeo das prerrogativas ideoloacutegicas
e culturais que tecircm levado os membros da sociedade a decidirem acerca da
realidade que os cercam
14 Cidadania no Brasil breves consideraccedilotildees
Discorrer sobre a construccedilatildeo da cidadania no Brasil eacute tocar num ponto
crucial da nossa histoacuteria Passados mais de 500 anos da chegada dos portugueses
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por estas paragens percebe-se que a consolidaccedilatildeo da cidadania ainda eacute um desafio
para todos os brasileiros
O tema cidadania muito se tem discutido na academia e fora dela o jargatildeo
da cidadania estaacute na moda nas instituiccedilotildees poliacuteticas e juriacutedicas como tambeacutem na
opiniatildeo puacuteblica mas concretamente eacute um conceito ainda a ser construiacutedo
No contexto histoacuterico-cultural e poliacutetico dos gregos especificamente por
volta do ano 380 aC (periacuteodo do apogeu daquela civilizaccedilatildeo) embora a cidadania
fosse limitada a uma parcela social minoritaacuteria pode-se afirmar que tanto a
democracia quanto a cidadania grega natildeo deixam de ser conquistas ineacuteditas e
avanccedilos significativos para a histoacuteria ocidental Jaacute a evoluccedilatildeo e a real consolidaccedilatildeo
da cidadania na modernidade nascem a partir dos direitos naturais (vida
propriedade liberdade) do homem liberal burguecircs garantido pelas consecutivas
ldquoDeclaraccedilotildees de Direitosrdquo elaboradas a partir das revoluccedilotildees liberais na Inglaterra
(Revoluccedilatildeo Gloriosa 1688-89) Estados Unidos (Emancipaccedilatildeo poliacutetica 1776) Franccedila
(Revoluccedilatildeo Francesa)
No entanto pode-se dizer que o nosso paiacutes apesar da influecircncia dos paiacuteses
europeus vivenciou como ainda vivencia uma difiacutecil construccedilatildeo da cidadania
A longa histoacuteria do Brasil vem elencando razotildees profundas para a nossa
natildeo-cidadania atual a exemplo da conquista (ou invasatildeo) do nosso territoacuterio o
grande latifuacutendio a escravidatildeo a monocultura de exportaccedilatildeo o analfabetismo a
perpetuaccedilatildeo das elites poliacuteticas no poder fatores que refletem nos viacutecios da vida
social cultural poliacutetica e econocircmica do paiacutes
Fundamentalmente eacute preciso afirmar que no Brasil a construccedilatildeo da
cidadania natildeo seguiu a loacutegica da trajetoacuteria inglesa Houve no Brasil segundo
Carvalho (2002) pelo menos duas diferenccedilas importantes
A primeira refere-se agrave maior ecircnfase em um dos direitos o social em relaccedilatildeo aos outros a segunda refere-se agrave alteraccedilatildeo na sequecircncia em que os direitos foram adquiridos entre noacutes o social precedeu os outros
Uma das razotildees fundamentais das dificuldades da construccedilatildeo da cidadania
estaacute ligada como nos diz Carvalho ao ldquopeso do passadordquo mais especificamente ao
periacuteodo colonial (1500-1822) quando
21
Os portugueses tinham construiacutedo um enorme paiacutes dotado de unidade territorial linguiacutestica cultural e religiosa Mas tinham deixado uma populaccedilatildeo analfabeta uma sociedade escravocrata uma economia monocultora e latifundiaacuteria um Estado Absolutista (CARVALHO 2002)
Em suma foram 322 anos sem poder puacuteblico sem Estado sem naccedilatildeo e
cidadania Diante de tatildeo obscuro cenaacuterio de dominaccedilatildeo opressatildeo dentre outras
formas de natildeo efetivaccedilatildeo da cidadania no Brasil podemos elencar dentre outros
tantos fatores quais foram os principais obstaacuteculos para a construccedilatildeo da cidadania
brasileira O latifuacutendio agro-exportador do periacuteodo colonial bem como o escravismo
o analfabetismo marcaram negativamente nossas origens e ateacute hoje dificultam
avanccedilos no acircmbito poliacutetico-social e econocircmico Aleacutem dessas outras razotildees foram e
continuam sendo entraves para a consolidaccedilatildeo das instituiccedilotildees poliacutetica que
impedem os avanccedilos necessaacuterios para uma cidadania plena Na ordem poliacutetica
permanecem ainda algumas mazelas histoacutericas como o patrimonialismo
(promiscuidade entre o puacuteblico e o privado) o coronelismo com sua nova roupagem
o clientelismo aleacutem da corrupccedilatildeo entre outros
Mesmo diante de tatildeo vergonhoso cenaacuterio natildeo podemos nos dispensar que
tambeacutem alcanccedilamos mesmo que de forma tiacutemida significativas conquistas de
direitos no Brasil comparadas com outros paiacuteses que vivenciaram um processo de
colonizaccedilatildeo semelhante ao nosso A conquista desses direitos deu-se de maneira
tardia e inversa haja vista que somente em 1824 mais de 320 anos apoacutes a chegada
dos portugueses foi que surgiram os primeiros direitos civis e poliacuteticos (antes disso
estaacutevamos submetidos agrave lei da coroa portuguesa) Aos poucos surgiram os direitos
sociais mas exatamente no momento em que os direitos civis e poliacuteticos estavam
sendo negados no periacuteodo da ditadura de Vargas (1937-45) e na ditadura militar
(1964-1985) Parece um paradoxo mas foi exatamente nesse periacuteodo de
conturbaccedilotildees poliacuteticas que marchamos em direccedilatildeo agrave conquista de significativos
direitos que iriam projetar uma ideia de lutas e vitoacuterias que se projetariam no campo
da cidadania de modo bastante concreto
Por fim haveremos de concordar com Benevides (1994) ao afirmar que no
intuito de reverter agrave realidade poliacutetico-social excludente ou de uma cidadania
passiva ou sem ldquopovordquo eacute necessaacuterio recorrer agrave defesa de mecanismos institucionais
22
como o referendo o plebiscito e a iniciativa popular para a construccedilatildeo do que ela
chama de uma cidadania ativa ou democracia semidireta Alguns autores veem
dificuldades na implementaccedilatildeo desse sistema em paiacuteses que estatildeo em processo de
democratizaccedilatildeo no entanto logo em seguida apontam para a educaccedilatildeo poliacutetica ndash
entendida como educaccedilatildeo para a cidadania ativa
Desse modo pode-se proferir que todos esses anos de desenvolvimento
acabaram por afirmar que a cidadania de fato soacute pode se constituir por meio de
acirrada luta cotidiana por direitos e pela garantia daqueles que jaacute existem pois
apesar da existecircncia de profundas desigualdades sociais a ideia de cidadania
evoluiu com o passar dos anos Ampliou-se a abrangecircncia de sua concepccedilatildeo
abraccedilando todas as classes sociais e minorias Deixou de restringir-se apenas agrave
participaccedilatildeo poliacutetica para relacionar uma seacuterie de deveres da sociedade para com o
cidadatildeo Na praacutetica ainda haacute muito que se fazer para que direitos e deveres sejam
os mesmos para todos No entanto a busca pela realizaccedilatildeo da maacutexima ldquocada
homem um votordquo continua a ser perseguida
A luta pela conquista plena da cidadania eacute parte integrante da democracia
uma vez que assegura a continuidade das transformaccedilotildees juriacutedicas poliacuteticas entre
outras Natildeo resta duacutevida acerca do papel estruturante que essa luta desempenha no
quadro das democracias contemporacircneas fato que a converte em uma irresistiacutevel
conquista da modernidade O caraacuteter estruturante que a cidadania projeta nos
quadros da democracia atual estaacute ligado a permanente busca de um Estado
compatiacutevel com a realidade de cada tempo histoacuterico
23
CAPIacuteTULO 2 - CIDADANIA Agrave LUZ DA CONSTITUICcedilAtildeO FEDERAL DE
1988
A Constituiccedilatildeo eacute a ordem juriacutedica fundamental da comunidade nas palavras
de Konrad Hesse (apud PALU 2001) eacute um documento juriacutedico e poliacutetico dirigido aos
cidadatildeos e estes satildeo os seus primeiros destinataacuterios A Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica eacute
a Lei fundamental composta por um conjunto de normas baacutesicas que compotildeem a
estrutura juriacutedica poliacutetica social e econocircmica de um paiacutes Essa eacute razatildeo pela qual
ela eacute chamada de Carta Magna pois a ela nada se sobrepotildee Para Dallari (1985) a
Constituiccedilatildeo
[] eacute a declaraccedilatildeo da vontade poliacutetica de um povo feita de modo solene por meio de uma lei que eacute superior a todas as outras que visando agrave proteccedilatildeo da dignidade humana estabelece os direitos e as responsabilidades fundamentais dos indiviacuteduos dos grupos sociais do povo e do governo
Desta forma uma Constituiccedilatildeo natildeo surge do nada ela eacute resultado de
observaccedilotildees e experiecircncias e sua finalidade eacute de afirmar e garantir os direitos
elementares das pessoas humanas disciplinar o uso ao mesmo tempo em que
evita o abuso de poder organizando de forma racional a sociedade e o governo
Satildeo inegaacuteveis as inovaccedilotildees teacutecnicas trazidas pela Constituiccedilatildeo Brasileira de
1988 no campo da instituiccedilatildeo garantia e proteccedilatildeo dos direitos fundamentais A
dignidade da pessoa humana e o exerciacutecio da cidadania satildeo considerados princiacutepios
fundamentais da Carta Magna Brasileira de 1988
Cidadania direito a ter direitos na acepccedilatildeo de Haberle ( apud VALADEacuteS
2009) refere-se a todos os direitos previstos na Constituiccedilatildeo de 1988 e ainda
aqueles natildeo expressos mas decorrentes do regime e dos princiacutepios por ela
adotados na dicccedilatildeo do sect 2deg art 5deg
O princiacutepio fundamental da cidadania conforme jaacute exposto impregna todo o
texto constitucional vigente a partir do art 1deg II em que figura de forma
24
exponencial relativamente ao Estado brasileiro e tudo que lhe corresponda no
exerciacutecio de um poder que adquire significaccedilatildeo renovada e amplificada na
sociedade contemporacircnea Segundo Arendt
A cidadania eacute o direito a ter direitos pois a igualdade em dignidade e direitos dos seres humanos natildeo eacute um dado Eacute um construiacutedo da convivecircncia coletiva que requer o acesso ao espaccedilo puacuteblico Eacute este acesso ao espaccedilo puacuteblico que permite a construccedilatildeo de um mundo comum atraveacutes do processo de asserccedilatildeo dos direitos humanos
Nesse diapasatildeo o direito a ter direitos compreende o pleno acesso ao
espaccedilo puacuteblico o efetivo exerciacutecio do poder poliacutetico das prerrogativas inerentes agrave
cidadania conforme explicita a Constituiccedilatildeo no art 5deg LXXI a propoacutesito do
mandado de injunccedilatildeo no dizer todo direito atribuiacutedo com o caraacuteter de exclusividade
agrave pessoa
21 Estado Democraacutetico de Direito espaccedilo de cidadania
Apoacutes a eacutepoca de grandes restriccedilotildees militares o ato de promulgaccedilatildeo da
Constituiccedilatildeo Federal em 05 de outubro de 1988 vem marcar uma nova fase de
esperanccedila para os brasileiros Ao batizaacute-la de Constituiccedilatildeo cidadatilde a Assembleia
Nacional Constituinte atraveacutes de seu presidente o Deputado Ulisses Guimaratildees
resumiu o espiacuterito do texto constitucional assegurar aos brasileiros direitos sociais
essenciais ao exerciacutecio da cidadania e estabelecer mecanismos para garantir o
cumprimento de tais direitos
O que se viu a partir de entatildeo foi uma lenta poreacutem significativa mudanccedila na
sociedade brasileira A Constituiccedilatildeo Federal que eacute sem duacutevidas um marco na
histoacuteria do paiacutes traccedila a prioridade dada pelos constituintes aos direitos dos
brasileiros que pode ser observada em todas as questotildees
A Carta faz uma ampliaccedilatildeo dos direitos individuais sociais e poliacuteticos e como
se observa a inserccedilatildeo dos direitos sociais como segundo tiacutetulo revela a primazia
que o constituinte quis daacute a estes direitos em detrimento de todos os outros
incluindo os referentes agrave organizaccedilatildeo do Estado e dos Poderes que vecircm depois
25
Ao contraacuterio do que ocorreu com as Constituiccedilotildees anteriores esse
ordenamento dos capiacutetulos parece revelar que a Carta eacute o prenuacutencio de um paiacutes em
que os direitos dos cidadatildeos formam a base do ordenamento do Estado Essa ideia
foi expressa pelo presidente da Assembleacuteia Constituinte deputado Ulysses
Guimaratildees que voltamos a citar quando anunciou
Diferentemente das sete constituiccedilotildees anteriores esta comeccedila com o homem De modo gratificante testemunha a primazia do homem que foi escrita para o homem que o homem eacute seu fim e sua esperanccedila Eacute a Constituiccedilatildeo cidadatilde
A Constituiccedilatildeo nasceu da constataccedilatildeo de que o figurino juriacutedico formulado
para o Brasil desde os primoacuterdios do Estado nacional natildeo se compatibilizava com as
necessidades dos brasileiros Houve avanccedilos na formalizaccedilatildeo da Lei Magna
especialmente no tocante aos direitos de cidadania mas estamos longe do ideal
preconizado pela carta cidadatilde O que nos leva a crer que a cidadania eacute um processo
diaacuterio e permanente de construccedilatildeo Pois natildeo basta garantir o direito eacute preciso
exercecirc-lo
A cidadania abraccedilada pela atual Constituiccedilatildeo Federal Brasileira teve seu
conteuacutedo ampliado e natildeo se restringe ao simples fato de possuir um tiacutetulo de eleitor
para votar e ser votado ela estabelece cidadania como princiacutepio fundamental da
Repuacuteblica do Brasil desta forma o conceito decorrente pode ser entendido
conforme preleciona Silva (2005) ldquocidadania estaacute aqui num sentido mais amplo do
que o de titular de direitos poliacuteticos Qualifica os participantes da vida do Estado
reconhecimento do indiviacuteduo como pessoa integrada a sociedade estatalrdquo
Tal conceito nos leva a relacionar cidadania com democracia uma vez que
optou-se pelo Estado Democraacutetico de Direito o qual assenta seus alicerces na
participaccedilatildeo popular em questotildees que envolvem a coisa puacuteblica Para Moraes
(2005) esse Estado de Direito ldquosignifica a exigecircncia de reger-se por normas
democraacuteticas com eleiccedilotildees livres perioacutedicas e pelo povo bem como o respeito das
autoridades puacuteblicas aos direitos e garantias fundamentaisrdquo
O propoacutesito da opccedilatildeo pelo Estado Democraacutetico de Direito eacute que a cidadania e
os demais direitos fundamentais fluam com plenitude talvez seja o que justifique a
denominaccedilatildeo da Carta Magna de cidadatilde pois o povo passa a atuar de forma mais
ativa na vida poliacutetica do Estado uma vez que a ele foi concedido esse poder
26
A cidadania portanto soacute adquire pleno significado no mundo contemporacircneo
num Estado Democraacutetico de Direito para tanto exige um ambiente de vida e de
conviacutevio entre os homens tiacutepico e proacuteprio de um Estado Democraacutetico pois a
cidadania constitui fundamento primordial daquele Estado qual seja possibilitar aos
indiviacuteduos habitantes de um paiacutes o seu pleno desenvolvimento atraveacutes do alcance
de igual dignidade social e econocircmica
Segundo Rozicki (2005) O ambiente de vida social do Estado Democraacutetico
cujos pilares se encontram na efetividade dos direitos fundamentais da pessoa
humana em uma sociedade solidaacuteria soacute eacute possiacutevel atraveacutes da observaccedilatildeo de alguns
postulados que lhe satildeo essenciais os quais a autora denomina de pressupostos do
Estado democraacutetico de Direito
1)a valorizaccedilatildeo e atualidade da dignidade do homem e o reconhecimento da importacircncia de dispensar a todos tratamento fraternal igualitaacuterio e natildeo discriminativo 2) a confianccedila nos talentos e possibilidades latentes dos homens 3) a seguranccedila e o creacutedito nos valores institucionalizados pelas massas como fundamentos para o progresso do bem comum e o alcance da justiccedila 4) a aceitaccedilatildeo da legitimidade das decisotildees tomadas por meio de processos racionais e participativos de deliberaccedilatildeo com o consenso da maioria que constitui o reflexo o resultado de debates livres entre todos 5) o respeito aos grupos minoritaacuterios 6) e a compreensatildeo de que todo o interesse geral eacute a siacutentese dos diversos interesses e ideacuteias dos indiviacuteduos e dos grupos diferentes centros de poder que integram a sociedade pluralista
Percebe-se que o conceito amplo de cidadania encontra seus princiacutepios
baacutesicos e estruturantes nesses pressupostos intimamente ligado aos conceitos de
democracia e de igualdade No tocante ao conceito de igualdade elucidativa eacute a
liccedilatildeo de Rozicki (2005) quando afirma que
O princiacutepio de igualdade disciplina todas as atividades puacuteblicas e tem aplicaccedilatildeo direta nas relaccedilotildees privadas que ocorrem entre os particulares impondo para tornaacute-lo real a proibiccedilatildeo de discriminaccedilotildees e a eliminaccedilatildeo das desigualdades faacuteticas nos planos social e econocircmico proporcionando a todos os cidadatildeos igual condiccedilatildeo de vida e mesma posiccedilatildeo perante o Estado Democraacutetico
E complementa que tambeacutem para a realizaccedilatildeo da cidadania o princiacutepio
democraacutetico torna indispensaacutevel agrave participaccedilatildeo popular nas tomadas de decisatildeo No
seu entender
27
A cidadania no Estado democraacutetico de direito efetivada oferece aos cidadatildeos como iguais condiccedilotildees de existecircncia o gozo atual de direitos e a obrigaccedilatildeo do cumprimento de deveres que resumidamente podem ser assim apresentados exerciacutecio de direitos fundamentais e participaccedilatildeo e os deveres de colaboraccedilatildeo e solidariedade (Rozicki 2005)
Natildeo obstante eacute vaacutelido ressaltar um princiacutepio igualmente importante e deveras
esquecido a fraternidade Este princiacutepio que eacute um dos trecircs pilares da Revoluccedilatildeo
Francesa eacute pouco discutido apesar de assumir um papel decisivo na consolidaccedilatildeo
da democracia da politica e do poder
A fraternidade eacute necessaacuteria para o estabelecimento de uma comunidade
politicamente solidaacuteria com indiviacuteduos iguais e livres
Para finalmente concebermos um Estado Democraacutetico de Direito que trate os
iguais na medida de suas desigualdades
22 Os direitos fundamentais como pressupostos de identidade da cidadania
Os direitos fundamentais vistos como um dos traccedilos mais marcante do
constitucionalismo moderno consistem no resultado da luta dos homens por um
direito ideal justo e humano representam situaccedilotildees reconhecidas juridicamente
sem as quais o homem eacute incapaz de alcanccedilar sua proacutepria realizaccedilatildeo e
desenvolvimento plenamente daiacute dizer-se que o princiacutepio preponderante que
condensa os direitos fundamentais eacute o da dignidade da pessoa humana
Os direitos fundamentais satildeo o conjunto de normas de um ordenamento juriacutedico que formam um subsistema deste fundado na liberdade na igualdade na seguridade na solidariedade expressotildees da dignidade do homem que formam parte da norma baacutesica material de identificaccedilatildeo do ordenamento juriacutedico e constitui um setor de moralidade procedimental positivada que legitima o Estado Social de Direito (MARTINEZ apud AGRA 2002)
Tais direitos foram e vatildeo sendo aperfeiccediloados e estendidos ao longo do
tempo resta dizer que os mesmos estabelecem faculdades da pessoa humana que
permitem sua breve classificaccedilatildeo do seguinte modo 1) os direitos civis e poliacuteticos
de liberdade como por exemplo a liberdade de expressatildeo de propriedade de
28
manifestaccedilatildeo do pensamento de associaccedilatildeo de imprensa de reuniatildeo de igualdade
formal perante a lei de participaccedilatildeo poliacutetica o devido processo legal o habeas
corpus o direito de peticcedilatildeo etc 2) os direitos sociais econocircmicos e culturais de
participaccedilatildeo poliacutetica tais como a igualdade de sufraacutegio o direito de voto e de
elegibilidade o direito de peticcedilatildeo e os direitos de participaccedilatildeo poliacutetica 3) os direitos
da titularidade coletiva que satildeo aqueles ligados a solidariedade e a fraternidade
como por exemplo o direito agrave preservaccedilatildeo do meio ambiente e agrave qualidade de vida
etc 4) os direitos chamados de quarta geraccedilatildeo por exemplo direito a democracia a
informaccedilatildeo ao comeacutercio eletrocircnico entre os estados etc
Natildeo existe qualquer relaccedilatildeo hieraacuterquica entre estes direitos mesmo porque
todos interagem entre si de nada servindo um sem a existecircncia dos outros Esta
divisatildeo acontece devido agrave eterna e constante busca do homem por mais proteccedilatildeo
mais garantia com o objetivo de alcanccedilar uma sociedade mais justa igualitaacuteria e
fraterna
Na evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais Agra (2002) chama a atenccedilatildeo do
relevo que adquirem a democratizaccedilatildeo da informaccedilatildeo e os mecanismos de
democracia participativa E justifica que a democratizaccedilatildeo da informaccedilatildeo natildeo se
caracteriza apenas pela existecircncia de uma miacutedia plural sem nenhum tipo de
monopoacutelio mas deve ser concebida como a obrigaccedilatildeo que todos os cidadatildeos tecircm
de tomar consciecircncia dos graves problemas que afligem a humanidade e que os
mecanismos da democracia participativa concebem a cidadania em extensatildeo muito
superior ao voto abrangendo a interferecircncia direta do cidadatildeo nas decisotildees
governamentais mediante vaacuterios mecanismos juriacutedicos como o plebiscito o recall o
orccedilamento participativo etc
De acordo com Silva (2005) os Direitos Fundamentais na Constituiccedilatildeo de
1988 abrangem os ldquodireitos individuais sociais poliacuteticos e tambeacutem os direitos
econocircmicos Para o autor a ampliaccedilatildeo e transformaccedilatildeo dos direitos fundamentais
do homem na histoacuteria dificultam uma definiccedilatildeo sinteacutetica do conceitordquo
Essa dificuldade aumenta diante do emprego de vaacuterias expressotildees para
designaacute-los tais como direitos naturais direitos humanos direitos do homem
direitos individuais direitos puacuteblicos subjetivos liberdades fundamentais liberdades
puacuteblicas e direitos fundamentais do homem No entanto direitos fundamentais do
homem constitui a expressatildeo mais adequada porque na palavra fundamentais
acha-se a indicaccedilatildeo de que se trata de situaccedilotildees sem as quais o indiviacuteduo natildeo tem
29
uma vida digna natildeo convive e agraves vezes nem mesmo sobrevive A expressatildeo
direitos fundamentais eacute a mais precisa no sentido de que a todos por igual devem
ser natildeo apenas formalmente reconhecidos mas concreta e materialmente
efetivados
Por sua vez a atual Corte em julgamento do habeas corpus (HC ndeg
82424RS) marca seu posicionamento no tocante ao sistema de direitos
fundamentais insculpido na Constituiccedilatildeo de 1988 atraveacutes dos profundos e bem
fundamentados votos dos Ministros que aleacutem de delimitarem a extensatildeo e os limites
da liberdade de expressatildeo (art 5o IV e IX) acabaram indicando as bases filosoacuteficas
e juriacutedicas para a interpretaccedilatildeo do cataacutelogo de direitos fundamentais da Constituiccedilatildeo
de 1988
Nesse sentido o voto do Ministro Marco Aureacutelio tratou de definir o sistema de
direitos fundamentais como a ldquoproacutepria essecircncia da Constituiccedilatildeordquo qualificando-os
como ldquovalores objetivos que servem como norte da atuaccedilatildeo estatalrdquo Assim estaacute
consignado nos fundamentos do referido voto
A Constituiccedilatildeo de 1988 representou um divisor de aacuteguas entre o antigo regime totalitaacuterio e um periacuteodo de redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes marcando dessa forma uma eacutepoca que tem como modelo de atuaccedilatildeo do Estado o respeito incondicional aos direitos fundamentais Por isso mesmo o sistema constitucional dos direitos fundamentais previsto no artigo 5o da Carta com os eventuais acreacutescimos do sect 2o reflete em rigor e em larga medida a proacutepria essecircncia da Constituiccedilatildeo e a retomada do processo de democratizaccedilatildeo e da garantia do cidadatildeo contra abusos e arbitrariedades no exerciacutecio do Poder Puacuteblico Os direitos fundamentais satildeo hoje verdadeiros princiacutepios estruturantes da organizaccedilatildeo e do funcionamento do Estado valores objetivos que servem como norte da atuaccedilatildeo estatal em seus mais diferentes niacuteveis no Legislativo formam um cataacutelogo de princiacutepios e garantias que informam e direcionam toda a atividade de criaccedilatildeo das normas de nosso ordenamento juriacutedico e de concretizaccedilatildeo dos preceitos constitucionais no Executivo mostram-se como verdadeiros limites ao exerciacutecio do poder administrativo servindo como trincheiras de proteccedilatildeo da liberdade do cidadatildeo e no judiciaacuterio refletem a base e o fundamento necessaacuterio da compreensatildeo e interpretaccedilatildeo de nossas normas ndash efeito interpretativo - evitando que a atividade jurisdicional se transforme em medidas discricionaacuterias ou providecircncias ilegiacutetimas de opccedilotildees poliacuteticas pautadas em escolhas pessoais dos juiacutezes
Tudo indica que se trata do iniacutecio de uma soacutelida construccedilatildeo jurisprudencial a
respeito do sentido axioloacutegico do sistema de direitos fundamentais da Constituiccedilatildeo
de 1988
30
Os Direitos Individuais satildeo de exerciacutecio exclusivo do indiviacuteduo e devem ser
formalmente reconhecidos e concretizados no cotidiano do cidadatildeo O indiviacuteduo aqui
eacute considerado um sujeito de direitos e natildeo apenas como integrante de um corpo
social Esses direitos natildeo podem sofrer nenhum tipo de restriccedilatildeo natildeo se
discriminando quem os pode exercer uma vez que satildeo titulares todas as pessoas
capazes incapazes brasileiras estrangeiras alfabetizadas e iletradas
A Constituiccedilatildeo Cidadatilde foi a primeira a estabelecer direitos natildeo soacute de
indiviacuteduos mas tambeacutem de grupos sociais os denominados direitos coletivos Com
isso as pessoas passaram a ser coletivamente consideradas Os direitos individuais
e coletivos estatildeo anunciados no art 5ordm em setenta e sete incisos e em dois
paraacutegrafos
Verifica-se que os Direitos Individuais tecircm como ponto marcante a liberdade
seja ela tomada de maneira global ou especiacutefica como liberdade de associaccedilatildeo de
reuniatildeo A liberdade de reuniatildeo (art 5ordm XVI) constitui-se na primeira e mais simples
liberdade corporativa estando logo apoacutes a liberdade de locomoccedilatildeo
Os Direitos Sociais tecircm como titular uma coletividade e satildeo caracterizados
pela prestaccedilatildeo de serviccedilos ou oferecimento de melhorias para a sociedade como um
todo por parte do Poder Puacuteblico Assim os Direitos Sociais tornam possiacutevel a fruiccedilatildeo
e o exerciacutecio dos Direitos Individuais pela coletividade mesmo pelos carentes
materialmente
O art 6deg define os Direitos Sociais da seguinte maneira ldquoSatildeo Direitos Sociais
a educaccedilatildeo a sauacutede o trabalho a moradia o lazer a seguranccedila a previdecircncia
social a proteccedilatildeo agrave maternidade e agrave infacircncia a assistecircncia aos desamparados na
forma desta Constituiccedilatildeordquo
Portanto eacute obrigatoacuteria ao Estado a proteccedilatildeo dos interesses da coletividade
com o atendimento dos direitos acima citados
Satildeo direitos poliacuteticos os que conferem o acesso da populaccedilatildeo agrave participaccedilatildeo
no Poder do Estado tais como os direitos de votar e ser votado do referendo
plebiscito e iniciativa popular das leis O direito democraacutetico de participaccedilatildeo dos
cidadatildeos no governo por meio de seus representantes exigiu a formaccedilatildeo de um
conjunto de normas legais permanentes que recebeu a denominaccedilatildeo de direitos
poliacuteticos Os Direitos Poliacuteticos amparam os Direitos Individuais Sociais e
Econocircmicos pois quando desaparece a democracia desaparecem imediatamente
as liberdades fundamentais
31
Com o advento da Constituiccedilatildeo de 1988 foram criadas instituiccedilotildees para
fiscalizar e controlar a atuaccedilatildeo da administraccedilatildeo puacuteblica entre as quais o Ministeacuterio
Puacuteblico que funciona como um canal de expressatildeo dos direitos da populaccedilatildeo
O Ministeacuterio Puacuteblico foi a instituiccedilatildeo que mais ganhou importacircncia no cenaacuterio
puacuteblico por ter passado a defender os interesses coletivos ou seja os interesses de
um grupo categoria ou classe e natildeo de um indiviacuteduo isolado No artigo 127 o
Ministeacuterio Puacutebico (MP) eacute definido como ldquouma instituiccedilatildeo permanente essencial agrave
funccedilatildeo jurisdicional do Estado incumbindo-lhe a defesa da ordem juriacutedica do regime
democraacutetico e dos interesses sociais e individuais indispensaacuteveisrdquo
Cabe ao Ministeacuterio Puacuteblico exigir dos poderes puacuteblicos e dos serviccedilos de
relevacircncia puacuteblica respeito aos direitos elencados na Constituiccedilatildeo promovendo as
medidas necessaacuterias agrave garantia desses direitos Portanto eacute responsaacutevel pela
garantia da ordem juriacutedica do regime democraacutetico da moralidade puacuteblica e dos
direitos sociais e individuais
23 A consagraccedilatildeo dos direitos do cidadatildeo
A Constituiccedilatildeo de 1988 eacute o coroamento da histoacuteria constitucional do Brasil por
ter sido um marco da redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes opondo-se a qualquer forma de
autoritarismo Nela a cidadania foi consagrada como um dos fundamentos da
Repuacuteblica Federativa do Brasil (art 1ordm inc II) Observe-se que o termo cidadania
encontra-se na Constituiccedilatildeo em sentido mais amplo do que o de titular de direitos
poliacuteticos pois qualifica os participantes da vida do Estado e reconhece o indiviacuteduo
como pessoa integrada na sociedade estatal
Essa nova concepccedilatildeo de cidadania introduzida pela Constituiccedilatildeo Federal de
1988 eacute fruto da internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos e como marco principal da
institucionalizaccedilatildeo erigiu em seu artigo primeiro a dignidade da pessoa humana (inc
III) e a cidadania (incII) a princiacutepio fundamental
Institui com o princiacutepio da cidadania uma nova compreensatildeo acerca dos
direitos de deveres da pessoa elevado-o a status maacuteximo a regra-matriz que natildeo
pode ser desrespeitada pois os fundamentos constituem a essecircncia da Repuacuteblica
32
Federativa e servem como regra-matriz para a elaboraccedilatildeo interpretaccedilatildeo e
integraccedilatildeo do sistema juriacutedico nacional
Violar um princiacutepio eacute muito grave que transgredir uma norma qualquer A desatenccedilatildeo ao principio implica ofensa natildeo apenas a um especifico mandamento obrigatoacuterio mas a todo o sistema de comandos Eacute a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade representa insurgecircncia contra todo o sistema subversatildeo de valores fundamentais (MELLO apud CHIMENTI 2005 P 33)
Para Silva (2004) cidadania eacute discriminada como princiacutepio relativo ao regime
poliacutetico Dessa forma compreendida cidadania como princiacutepio fundamental eacute o
direito de participar dos destinos do Estado e mais usufruir dos direitos civis
fundamentais previstos na Constituiccedilatildeo
Muitos doutrinadores utilizam cidadania no mesmo sentido de nacionalidade
(Art 12 da Constituiccedilatildeo Federal) e de direitos poliacuteticos (Art 14) Em alguns outros
dispositivos a palavra cidadania (ou cidadatildeo) poderia ainda ter a significaccedilatildeo de
direitos poliacuteticos mas mesmo assim de forma impliacutecita a exemplo dos arts 22 XIII
e 5ordm LXXIII No primeiro se lecirc que compete agrave Uniatildeo legislar sobre nacionalidade
cidadania e naturalizaccedilatildeo e no segundo que qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima
para propor accedilatildeo popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de
entidade de que o Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e
ao patrimocircnio histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de
custas judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia No entanto conforme Mazzuoli (2002)
Observe-se que a Carta de 1988 ao tratar no seu art 14 dos direitos poliacuteticos natildeo se refere sequer em um momento agrave expressatildeo cidadania dizendo apenas que a soberania popular seraacute exercida pelo sufraacutegio universal e pelo voto direito e secreto com valor igual para todos (hellip) Pelo contraacuterio a Constituiccedilatildeo faz uma separaccedilatildeo entre cidadania e direitos poliacuteticos quando no seu art 68 sect 1ordm II ao tratar das leis delegadas exclui do acircmbito da delegaccedilatildeo legislativa a nacionalidade cidadania direitos individuais poliacuteticos e eleitorais
A Constituiccedilatildeo brasileira de 1988 com a transiccedilatildeo para o regime democraacutetico
consagrou expressamente esta nova concepccedilatildeo de cidadania como se depreende
da leitura de vaacuterios dos seus dispositivos
Foi nesse sentido que pioneiramente estatuiu a Carta de 1988 em seu art
1ordm que a Repuacuteblica Federativa do Brasil formada pela uniatildeo indissoluacutevel dos
33
Estados e Municiacutepios e do Distrito Federal constitui-se em Estado Democraacutetico de
Direito e tem como fundamentos dentre outros a cidadania (inc II) Como jaacute
mencionado
Na mesma esteira o disposto no art 5ordm incisos LXXI (conceder-se-aacute
mandado de injunccedilatildeo sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviaacutevel o
exerciacutecio dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes agrave
nacionalidade agrave soberania e agrave cidadania) e LXXVII (satildeo gratuitas as accedilotildees de
habeas-corpus e habeas-data e na forma da lei os atos necessaacuterios ao exerciacutecio
da cidadania) No seu Tiacutetulo VIII Capiacutetulo II Seccedilatildeo I a Carta Magna de 1988
dispotildee ainda que a
Educaccedilatildeo direito de todos e dever do Estado e da famiacutelia seraacute promovida e incentivada com a colaboraccedilatildeo da sociedade visando ao pleno desenvolvimento da pessoa seu preparo para o exerciacutecio da cidadania e sua qualificaccedilatildeo para o trabalho (art 205)
Outro dispositivo em que fica bastante marcada esta nova concepccedilatildeo de
cidadania eacute o art 64 do Ato das Disposiccedilotildees Constitucionais Transitoacuterias que
dispotildee
A Imprensa Nacional e demais graacuteficas da Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios da administraccedilatildeo direta ou indireta inclusive fundaccedilotildees instituiacutedas e mantidas pelo Poder Puacuteblico promoveratildeo ediccedilatildeo popular do texto integral da Constituiccedilatildeo que seraacute posta agrave disposiccedilatildeo das escolas e dos cartoacuterios dos sindicatos dos quarteacuteis das igrejas e de outras instituiccedilotildees representativas da comunidade gratuitamente de modo que cada cidadatildeo brasileiro possa receber do Estado um exemplar da Constituiccedilatildeo do Brasil
Enfim a Constituiccedilatildeo de 1988 enriqueceu e ampliou os conceitos de cidadatildeo
e cidadania Seu entendimento agora como leciona Silva (2005)
Decorre da ideia de Constituiccedilatildeo dirigente que natildeo eacute apenas um repositoacuterio de programas vagos a serem cumpridos mas constitui um sistema de previsatildeo de direitos sociais mais ou menos eficazes em torno dos quais eacute que se vem construindo a nova ideacuteia de cidadania
De forma que natildeo mais se trata de considerar a cidadania como simples
qualidade de gozar direitos poliacuteticos mas sim de aferir-lhe um nuacutecleo miacutenimo e
irredutiacutevel de direitos (fundamentais) que devem se impor obrigatoriamente agrave accedilatildeo
dos poderes puacuteblicos
34
O ordenamento juriacutedico brasileiro consagrou aleacutem dos institutos jaacute
mencionados alguns outros mecanismos de defesa dos direitos e garantias
constitucionais da cidadania como a accedilatildeo civil puacuteblica regulada pela Lei nordm
734785 e accedilatildeo direta de inconstitucionalidade prevista no incIV do art 129 da
Constituiccedilatildeo Federal O Coacutedigo de Defesa do Consumidor o Estatuto da Crianccedila e
do Adolescente e ateacute mesmo o princiacutepio do devido processo legal que resguarda ao
cidadatildeo o acesso agrave justiccedila e direito de ser acionado judicialmente por meio de
procedimentos legais satildeo mecanismos de defesa dos direitos de cidadania
previstos constitucionalmente e garantidos na esfera poliacutetica civil e social
Pode-se observar que a cidadania comeccedilou a ser construiacuteda como resultado
de um processo de luta a partir da conscientizaccedilatildeo dos direitos e deveres do
homem Como vimos a cidadania jaacute em praacutetica em muitos paiacuteses adquire no
Brasil com a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 um novo sentido qual seja o
pressuposto do exerciacutecio pleno de um sistema de direitos e garantias
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CAPIacuteTULO 3 - CIDADANIA COMO MECANISMO DE
TRANSFORMACcedilAtildeO SOCIAL
No momento em que a cidadania alccedila voos constitucionais e insere-se na
Carta Poliacutetica da Repuacuteblica Federativa do Brasil inicia-se o processo de
redemocratizaccedilatildeo e ganha relevo o cidadatildeo agente deste processo que tem em
suas matildeos a tarefa da construccedilatildeo de um novo tempo
Historicamente a ideia de cidadatildeo conotava o habitante da cidade ndash o
citadino ndash firma-se entatildeo tal conotaccedilatildeo na Antiguumlidade claacutessica para depois
significar aquele indiviacuteduo a quem se atribuem os direitos poliacuteticos Superada essa
acepccedilatildeo que tambeacutem vigorou nas constituiccedilotildees anteriores da Repuacuteblica do Brasil
na concepccedilatildeo moderna estaacute clara a noccedilatildeo de cidadatildeo como aquele que a quem
consiste a titularidade de direitos individuais poliacuteticos e sociais Noccedilatildeo esta
edificada com a internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos que amplia a acepccedilatildeo do
termo declarando que satildeo cidadatildeos todo aquele que habita o acircmbito da soberania
de um Estado e deste Estado recebem uma carga de direitos e tambeacutem deveres dos
mais variados
Desta forma a noccedilatildeo contemporacircnea de cidadania funda-se na dicotomia
direitos (exerciacutecios de direitos fundamentais - participaccedilatildeo) e deveres (colaboraccedilatildeo -
solidariedade) Ao lado dos direitos foram estabelecidos deveres fundamentais e
portanto tanto agentes puacuteblicos como os indiviacuteduos tecircm obrigaccedilotildees especiacuteficas
inclusive a de respeitar os direitos das demais pessoas que vivem na ordem social
sendo e promovendo mecanismos de transformaccedilatildeo social que visam uma nova
sociedade baseada na igualdade e na justiccedila
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31 O ser cidadatildeo
Os termos indiviacuteduo ser humano pessoa e cidadatildeo satildeo geralmente tomados
como sinocircnimo o que certamente influi na proliferaccedilatildeo de incontaacuteveis significados e
ampliaccedilatildeo do termo cidadatildeo Poreacutem estas palavras apesar de se assemelharem
possuem carga semacircntica proacutepria e da compreensatildeo exata de cada uma decorre a
conceituaccedilatildeo mais acentuada da acepccedilatildeo do termo cidadatildeo como titular de direitos
e deveres resguardados pela constituiccedilatildeo paacutetria
Desta forma indiviacuteduo eacute um representante da espeacutecie aquele que eacute uacutenico
Enquanto ser humano eacute um termo mais geneacuterico ou indeterminado que diz respeito
agrave espeacutecie agrave classificaccedilatildeo ao mundo zooloacutegico Pessoa por sua vez eacute um termo
mais especiacutefico que tem a ver com o mundo civilizado ou se preferirmos com a
constelaccedilatildeo dos valores morais eacuteticos e juriacutedicos proacuteprios da civilizaccedilatildeo
A etimologia da palavra pessoa demonstra que eacute um conceito sobreposto ao conceito de Ser Humano Um refratildeo de origem juriacutedica tambeacutem nos lembra do homo plures pessoa polimorfa o ser humano capaz de desempenhar muitos papeacuteis um mesmo ser humano eacute empresaacuterio e delinquumlente eacute pai e metaluacutergico etc Persona (personagem) era a maacutescara que usavam os atores da trageacutedia grega para desempenhar seu papel Cabe portanto entender o conceito de Ser Humano ao lado do conceito de Pessoa No direito romano antigo os escravos eram seres humanos (homens) mas natildeo eram consideradas pessoas (patriacutecios) Os juristas romanos que usavam o conceito de Ser Humano o dissociavam do conceito de pessoas (CUNHA 2007)
O Ser Humano recebe uma distinccedilatildeo importante quando o consideramos
como Pessoa assim como a Pessoa recebe uma distinccedilatildeo redundante natildeo menos
importante quando a consideramos por forccedila de expressatildeo como uma pessoa
humana Subentendendo o adjetivo humano como relativo agrave eacutetica Portanto Ser
Humano natildeo eacute a mesma coisa que Pessoa como tampouco Ser Humano eacute o
mesmo que cidadatildeo este muito eacute mais proacuteximo do termo Pessoa Vejamos o quadro
ilustrativo que esquematiza e distinguem os referidos conceitos
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QUADRO 1 ndash EVOLUCcedilAtildeO DO SER HUMANO ATEacute O CIDADAtildeO
O Ser Humano O Ser Indiviacuteduo O Ser Pessoa O Ser Cidadatildeo
A Dimensatildeo do conviacutevio social
A dimensatildeo do mercado de trabalho e
Consumo
A Dimensatildeo de encontrar-se no mundo
A dimensatildeo de intervir na realidade
O homem tornar-se Ser Humano nas relaccedilotildees
de conviacutevio social
O Ser Humano tornar-se indiviacuteduo quando
descobre seu papel e funccedilatildeo social
O Indiviacuteduo torna-se pessoa quanto toma
consciecircncia de si mesmo do outro e do
mundo
A pessoa torna-se cidadatildeo quando
interveacutem na realidade em que vive
Quem estuda o comportamento do Ser
Humano Seria a antropologia a histoacuteria
ou a sociologia
Quem estuda o comportamento do indiviacuteduo Seria a
Filosofia a sociologia ou a Psicologia
Quem estuda o comportamento da pessoa Seria a
Filosofia a sociologia ou a Psicologia
Quem estuda o comportamento do cidadatildeo Seria a
Sociologia a Filosofia ou As ciecircncias
poliacuteticas
Quem garante os direitos do Ser
Humano A Declaraccedilatildeo Universal
dos Direitos Humanos
Quem garante os Direitos do
Consumidor O Coacutedigo do Consumidor
Quem garante os Direitos da pessoa A proacutepria pessoa (amor proacuteprio ou autoestima)
Quem garante os Direitos do cidadatildeo (A Constituiccedilatildeo e suas leis
regulamentares)
Existe realmente uma natureza humana Teologicamente
afirmamos que existe a uma natureza humana
Seguindo a corrente existencialista (JP Sartre) negamos tal
natureza
Que diferenccedila existe entre o direito do
consumidor e o direito do cidadatildeo Ao
Consumidor deve ser dado o direito de
propriedade enquanto ao cidadatildeo deve ser
dado o direito de acesso
O que significa tornar-se pessoa no niacutevel
psicoloacutegico e social A pessoa eacute o indiviacuteduo que toma consciecircncia de si mesmo (ldquoTornar-
se Pessoardquo de Karl Roger)
Como podemos intervir na realidade
modificando as estruturas corruptas e injustas Quando os
direitos do cidadatildeo lhe satildeo oferecidos e o
mesmo passa a exercecirc-lo haacute
modificaccedilatildeo de comportamento
(ROSAS 2009)
O cidadatildeo eacute portanto aquele indiviacuteduo a quem a Constituiccedilatildeo confere direitos
e garantias e lhe daacute o poder do seu efetivo exerciacutecio aleacutem de meios processuais
eficientes contra a violaccedilatildeo de seu gozo ou fruiccedilatildeo por parte do poder puacuteblico
Sendo assim
A passagem do indiviacuteduo a cidadatildeo caracteriza-se pelo reconhecimento pela lei de direitos considerados fundamentais agrave realizaccedilatildeo da vida do homem como indiviacuteduo e ser social membro de uma comunidade poliacutetica e a garantia desses direitos pela forccedila comum de todos (CUNHA 2007)
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Nas uacuteltimas deacutecadas em alguns paiacuteses inclusive no Brasil desenvolveu-se o
conceito de cidadania calcado principalmente na questatildeo do cidadatildeo-consumidor
As pessoas passam a ser vistas como cidadatildes desde que tenham dinheiro para
adquirir mercadorias e utilizar serviccedilos Eacute certo pois que serviccedilos e mercadorias
atendem a necessidades materiais e simboacutelicas das pessoas e consumi-los eacute um
dos modos de participar da vida social criar identidade e partilhar dos bens
produzidos pela humanidade e representar-se culturalmente Contudo a cidadania
enfatizada apenas como uma relaccedilatildeo de compra e venda de mercadorias e serviccedilos
assume um conteuacutedo restrito individual conformista e voltado apenas para a
aquisiccedilatildeo de bens o que se relaciona com a ideacuteia de indiviacuteduo ou seja o consumo
atende as necessidades do indiviacuteduo
Outra forma de confusatildeo acerca do conceito de cidadatildeocidadania refere-se a
equiparaccedilatildeo feita com o assistencialismo o que configura uma acentuada inversatildeo
do termo uma vez que a praacutetica do assistencialismo natildeo propicia meios de
superaccedilatildeo das desigualdades sociais Enquanto a cidadania estaacute relacionada agrave
superaccedilatildeo das desigualdades sociais e a extensatildeo da garantia dos direitos de todos
O cidadatildeo eacute sem duacutevida uma expressatildeo que precisa ser adequadamente
utilizada e vivenciada pela coletividade compreendido na dimensatildeo do ser pessoa
de ter direitos e deveres do assumir as suas liberdades e responsabilidades no seio
de uma comunidade democraacutetica equitativa solidaacuteria e intercultural
Dessa forma ser cidadatildeo implica saber viver em sociedade estando ciente
dos anseios comuns A participaccedilatildeo ativa nas decisotildees de sua comunidade
influencia modos de vida de maneira positiva ao seu redor assim torna-se
imprescindiacutevel o exerciacutecio dos direitos constitucionais adquiridos e lutar pelos que
viratildeo eacute sobretudo estar consciente de todas as atitudes tomadas em prol da
sociedade
Eacute possiacutevel nesse espaccedilo de discussatildeo falar em ldquoestar cidadatildeordquo que eacute natildeo
praticar o exerciacutecio da cidadania em nenhuma de suas formas Implica apenas em
se deixar levar pelos acontecimentos e ainda reclamar das situaccedilotildees vividas sem
nada fazer para mudar sem nenhuma perspectiva de futuro Do que concluiacutemos que
a dinacircmica de intervir na realidade eacute pressuposto de cidadania
Ser cidadatildeo eacute tarefa que requer muito do ser humano do individuo da
pessoa Requer uma alta - estima elevada uma consciecircncia solidaacuteria uma
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identidade que se reconheccedila na dinacircmica social interagindo com o outro ampliando
debates incitando justiccedila eacute sem duvida uma tomada de posiccedilatildeo que natildeo se
acomoda pelo contraacuterio se incomoda quando natildeo haacute comprometimento para o bem
comum
Natildeo eacute uma tarefa cocircmoda senatildeo muito complicada as pessoas natildeo nascem cidadatildeos mas fazem-se no tempo e no espaccedilo Na verdade natildeo eacute faacutecil exercer a liberdade e a cidadania ndash ser pessoa e ser cidadatildeo ndash por isso exige-se uma luta sem treacuteguas para erradicar assimetrias e exclusotildees socioculturais e criar cenaacuterios de esperanccedila realizaacuteveis fundamentados em valores e princiacutepios eacuteticos que requalifiquem a democracia com cidadatildeos participativos e
comprometidos ( SAEZ 1995)
Tem portanto como pressuposto uma mudanccedila de comportamento uma
tomada de posiccedilatildeo frente agrave dinacircmica social na qual estaacute inserido participando de
forma ativa e produtiva do processo de construccedilatildeo da cidadania por meio de seus
diversos canais
32 Emancipaccedilatildeo social atraveacutes da cidadania
Um Estado Democraacutetico eacute aquele que estaacute enraizado na legitimidade do
poder do povo e dele decorre seu exerciacutecio Assim o poder do povo eacute a expressatildeo
a aptidatildeo de homens e mulheres constituir autonomamente seu viver sem sucumbir
diante das instacircncias de poder Haacute nesse modus vivendi uma tutela das diferenccedilas e
pluralidades de formas de vida
Desta forma a cidadania eacute enfocada como o processo de participaccedilatildeo do
individuo ou de um grupo organizado nas mais variadas aacutereas de atuaccedilatildeo na
sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos sociais com a consciecircncia
da responsabilidade por sua proacutepria histoacuteria
Sendo a democracia o regime em que o povo governa sua caracteriacutestica
inarredaacutevel eacute a de ter o povo agrave frente do poder uma forma de autogoverno Em
assim sendo a cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia por meio de resultados
palpaacuteveis e medidas concretas tais como mudanccedilas na realidade de cada um com
melhoria de vida e conscientizaccedilatildeo da importacircncia na sociedade para o exerciacutecio
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direto ou indireto desse poder pois se contentar com fato do direito estaacute prescrito
em lei natildeo eacute o bastante
Eacute certo poreacutem que o Estado democraacutetico somente se aperfeiccediloa na
proporccedilatildeo em que o povo age ativamente na medida em que os representantes
reflitam em seus atos os verdadeiros anseios populares Partindo dessa visatildeo a
cidadania eacute o grande fator de legitimaccedilatildeo do povo permitindo que ele aja em defesa
das instituiccedilotildees democraacuteticas
Sobre a participaccedilatildeo cumpre asseverar que este direito significa a
capacidade de ser consultado para as tomadas de decisatildeo que dizem respeito agrave
direccedilatildeo da sociedade em que vive o cidadatildeo este direito eacute acompanhado do
respeito aos deveres de contribuir para o progresso social e de acatar e respeitar o
resultado obtido em consulta coletiva
No elenco de mecanismo de exerciacutecio da cidadania estaacute o acesso ao direito e
a justiccedila que eacute fator preponderante para efetivar as garantias constitucionais
Assim passaremos a discorrer sobre a importacircncia de instrumentalizar o
cidadatildeo para um pleno exerciacutecio de seus direitos
Eacute Sabido que no Estado Democraacutetico Contemporacircneo os direitos
fundamentais constitucionalmente assegurados tecircm eficaacutecia imediata cumprindo ao
Estado garantir a todos os cidadatildeos o respeito a esses Direitos de modo concreto e
efetivo natildeo obstante as inuacutemeras desigualdades e condiccedilotildees adversas que
dificultam na praacutetica o seu exerciacutecio
Para o acesso ao direito o Estado deve desenvolver com eficiecircncia uma seacuterie
de atividades essenciais e dar efetividade a uma seacuterie de pressupostos Dentre eles
o principal eacute o conhecimento do Direito como fator preponderante pois o
desconhecimento da lei implica na praacutetica natildeo acionar a jurisdiccedilatildeo Um fato que
contribui para essa assertiva eacute baixa escolaridade da populaccedilatildeo e o analfabetismo
Muito pouco adianta a existecircncia de uma Constituiccedilatildeo apenas formal ou no
papel se ilegiacutetima ou desrespeitada Para que ocorra a eficaacutecia das normas
dispostas numa Constituiccedilatildeo ou melhor para que passe da teoria agrave praacutetica eacute
essencial que comandados e comandantes tenham conhecimento dos seus direitos
e responsabilidades assim como dos instrumentos juriacutedicos para efetivaacute-los (leis
regulamentadoras) O exerciacutecio da cidadania natildeo eacute somente um direito mas eacute
tambeacutem um dever de todos pois a omissatildeo de cada um contribui com as injusticcedilas e
as impunidades tatildeo presentes nos dias atuais
41
A Constituiccedilatildeo quando eacute justa e legiacutetima e principalmente quando eacute
respeitada eacute um poderoso instrumento de promoccedilatildeo e desenvolvimento social e
humano
Outro fator que deve ser considerado eacute a miserabilidade que coloca inuacutemeros
brasileiros a margem da sociedade em situaccedilatildeo precaacuteria os quais para Pinsky
(2004) ldquodesprovidos de esperanccedila de projeto de qualquer perspectiva de inclusatildeo
[] recorrer agrave Justiccedila humana parece algo irrealizaacutevel sofisticado e inteiramente
ficcionalrdquo
Desta forma o primeiro passo para concretizar os direitos previstos
constitucionalmente eacute a formaccedilatildeo do cidadatildeo atraveacutes da Educaccedilatildeo Baacutesica
infundindo-lhe a consciecircncia dos seus direitos e tambeacutem dos seus deveres sociais
bem como dos valores humanos fundamentais que devem ser por todos respeitados
na vida em sociedade A universalizaccedilatildeo do ensino fundamental a oferta obrigatoacuteria
de educaccedilatildeo infantil pelo Estado e o crescimento da oferta do ensino meacutedio satildeo
alguns dos aspectos que merecem destaques e foi devido agrave determinaccedilatildeo
constitucional de estabelecer o caraacuteter obrigatoacuterio do ensino fundamental e de
responsabilizar o Estado por sua implementaccedilatildeo que tem iniacutecio o processo de
avanccedilo desse segmento
A Constituiccedilatildeo estabeleceu de forma mais clara o papel dos entes federados
na educaccedilatildeo Tambeacutem aumentou a participaccedilatildeo orccedilamentaacuteria destinada ao setor
Com as novas regras para distribuiccedilatildeo de recursos adotadas apoacutes a promulgaccedilatildeo
da Carta os municiacutepios voltam a interessar-se pela educaccedilatildeo fundamental e o paiacutes
atinge a universalizaccedilatildeo do setor o que se busca agora satildeo mecanismos para
garantir a qualidade no ensino
O segundo passo nessa dinacircmica eacute o oferecimento a todos os cidadatildeos de
condiccedilotildees miacutenimas de sobrevivecircncia e de existecircncia condignas atraveacutes do acesso
ao trabalho produtivo livremente escolhido e do pagamento de remuneraccedilatildeo capaz
de prover ao sustento do trabalhador e de sua famiacutelia
Para milhotildees de cidadatildeos que vivem na ignoracircncia e na miseacuteria nenhuma
utilidade ou eficaacutecia tecircm os inuacutemeros direitos constitucionalmente assegurados Para
aqueles que se habituaram a retirar proventos da mendicacircncia da prostituiccedilatildeo de
atividades iliacutecitas ou aqueles que se sentiram forccedilados a sujeitar-se agrave exploraccedilatildeo de
outrem para sobreviver natildeo haacute nenhuma crenccedila na dignidade da pessoa humana e
no valor social do trabalho
42
A pobreza engendra inuacutemeras relaccedilotildees de dominaccedilatildeo entre pessoas e entre grupos sociais As habitaccedilotildees subumanas da periferia das grandes cidades no Brasil constituem verdadeiros quistos sociais terras sem lei controladas por xerifes ou por quadrilhas de malfeitores O Estado que natildeo for capaz de dotar essas comunidades do acesso efetivo agrave Educaccedilatildeo agrave Sauacutede agrave Seguranccedila e agrave Paz Puacuteblicas e ao trabalho liacutecito certamente natildeo lhes estaraacute assegurando o acesso ao Direito porque a populaccedilatildeo abrutalhada pela miseacuteria e coagida pelo medo natildeo desfruta da miacutenima eficaacutecia concreta dos
seus direitos fundamentais (GRECO 2009)
Evidencia que acesso ao Direito nas sociedades modernas mesmo nas
economicamente desenvolvidas exige o fortalecimento dos grupos intermediaacuterios e
do associativismo O cidadatildeo natildeo estaacute mais em condiccedilotildees de defender-se
individualmente das ameaccedilas e lesotildees aos seus direitos perpetradas por pessoas ou
grupos que se encontram em posiccedilatildeo de vantagem nas relaccedilotildees econocircmicas e
sociais
O sindicato veio exercer este importante papel em relaccedilatildeo ao trabalhador
empregado Mas hoje as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo natildeo satildeo apenas as que existem no
mundo do trabalho mas as que se revelam em todos os tipos de relaccedilotildees humanas
relaccedilotildees de consumo relaccedilotildees de vizinhanccedila relaccedilotildees locatiacutecias relaccedilotildees
comerciais internas e internacionais e natildeo com menor relevacircncia relaccedilotildees entre os
particulares e o Estado entre outras
Eacute preciso assegurar esse equiliacutebrio na praacutetica o que somente tornar-se-aacute
possiacutevel atraveacutes da articulaccedilatildeo dos sujeitos que se encontram em posiccedilatildeo de
desvantagem em organizaccedilotildees e associaccedilotildees que pela uniatildeo de esforccedilos
consigam compensar o desequiliacutebrio existente e dar aos indiviacuteduos e grupos a forccedila
e a capa de proteccedilatildeo necessaacuterias para ombrearem-se aos seus adversaacuterios e
lutarem pelos seus direitos ou interesses em igualdade de condiccedilotildees
Para Greco (2009) o pressuposto indispensaacutevel do acesso ao Direito eacute a
transparecircncia do Estado no trato de questotildees que possam afetar a esfera de
interesses dos cidadatildeos e complementa que aos cidadatildeos eacute indispensaacutevel
assegurar o direito de influir eficazmente nas decisotildees do poder puacuteblico atraveacutes dos
mais diversos instrumentos de participaccedilatildeo democraacutetica Ele afirma que
A relaccedilatildeo Estado-cidadatildeo natildeo eacute mais a relaccedilatildeo soberano-suacutedito O cidadatildeo tem o direito de exigir do Estado o pleno respeito ao seu
43
patrimocircnio juriacutedico Lamentavelmente a crise do Estado tem levado o Brasil a aceitar-se como normal que as pessoas juriacutedicas de Direito Puacuteblico natildeo cumpram devidamente as prestaccedilotildees positivas de que satildeo devedoras perante os particulares cabendo a estes demandar na Justiccedila para obtecirc-las (GRECO 2009)
Essa visatildeo deformada da responsabilidade do Estado ocorre o
desvirtuamento da justiccedila Por outro lado agrave violaccedilatildeo da garantia constitucional da
tutela jurisdicional efetiva (Constituiccedilatildeo artigo 5 inciso XXXV) disciplina a lei natildeo
excluiraacute da apreciaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio lesatildeo ou ameaccedila ao direito Assim o
acesso ao Direito natildeo estaraacute concretamente assegurado se o Estado natildeo oferecer a
todo cidadatildeo a possibilidade de receber aconselhamento juriacutedico a respeito dos seus
direitos
Constituiccedilatildeo de 1988 no artigo 5deg inciso LXXIV assegurou a todos
ldquoassistecircncia juriacutedicardquo a englobar assistecircncia judiciaacuteria e assessoramento juriacutedico
extrajudicial Conforme Greco (2009) ldquoeacute preciso que esse direito seja assegurado
na praacutetica Uma vez que na vida moderna o Direito tornou-se excessivamente
complexordquo Ainda no dizer do autor a consciecircncia juriacutedica do homem comum que
deve ser adquirida na famiacutelia e na escola natildeo eacute mais suficiente para a tomada de
decisotildees na vida diaacuteria das pessoas Todas as pessoas mantecircm complexas relaccedilotildees
juriacutedicas com instituiccedilotildees financeiras com fornecedores de bens e de serviccedilos etc
Nessas relaccedilotildees juriacutedicas com frequecircncia os cidadatildeos tecircm de tomar decisotildees
raacutepidas O cidadatildeo que tem meios procura um advogado particular para assessoraacute-
lo Ao pobre o Estado deve assegurar o mesmo direito em plenitude
Sem duacutevida o uacuteltimo pressuposto do acesso ao Direito eacute o acesso agrave Justiccedila
no sentido de acesso a um tribunal estatal imparcial previamente instituiacutedo como
competente para a soluccedilatildeo de qualquer litiacutegio a respeito de interesse que se afirme
juridicamente protegido ou para a praacutetica de qualquer ato que a lei subordine agrave
aprovaccedilatildeo autorizaccedilatildeo ou homologaccedilatildeo judicial
Se o cidadatildeo tem consciecircncia dos seus direitos se o Estado lhe fornece
todas as condiccedilotildees para livremente exercecirc-los mas algum outro cidadatildeo ou algum
oacutergatildeo do proacuteprio Estado impede ou dificulta esse exerciacutecio cabe ao poder puacuteblico
pocircr agrave disposiccedilatildeo do cidadatildeo lesionado ou ameaccedilado a jurisdiccedilatildeo necessaacuteria para
assegurar o pleno acesso a tal direito
Atingimos eacute certo um estaacutegio de desenvolvimento do Direito Humanitaacuterio que
natildeo mais nos permite conformar-nos com uma realidade distante do padratildeo de
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convivecircncia humana que outras naccedilotildees jaacute alcanccedilaram O exerciacutecio pleno de
cidadania seraacute obra de mais de uma geraccedilatildeo Mas se trabalharmos com firmeza
certamente os jovens de hoje poderatildeo legar aos seus descendentes a emancipaccedilatildeo
cidadatilde um paiacutes melhor e uma sociedade mais justa e democraacutetica
33 O municiacutepio como acircmbito de exerciacutecio de cidadania
Historicamente o Municiacutepio enquanto unidade poliacutetico-administrativa surgiu
conforme descreve Berardi (2004) com a Repuacuteblica Romana interessada em
manter a dominaccedilatildeo paciacutefica das cidades conquistadas pela forccedila dos exeacutercitos
Sua origem mais de natureza socioloacutegica do que poliacutetica adveacutem do espiacuterito
associativo do homem e de suas relaccedilotildees de vizinhanccedila
Eacute pois a menor unidade territorial de Federaccedilatildeo cuja criaccedilatildeo reflete a base
da organizaccedilatildeo poliacutetica administrativa da Naccedilatildeo Portanto sua funccedilatildeo administrativa
historicamente vem assentada no princiacutepio do direito natural
O artigo primeiro da Constituiccedilatildeo Federal de 1998 estabelece que o
Municiacutepio ao lado dos Estados e do Distrito Federal formam a Republica Federativa
do Brasil que se constitui em Estado Democraacutetico de Direito O municiacutepio tem assim
um poder relevante para a aplicaccedilatildeo da democracia direta iniciada e fortalecida em
niacutevel local Diversos pensadores chegaram a afirmar que a descentralizaccedilatildeo de
poder resultante da constituiccedilatildeo Cidadatilde era antes de tudo uma conquista dos
Municiacutepios sendo eles os berccedilos da perpetuaccedilatildeo da Repuacuteblica e da Democracia
efetivamente por serem o uacutenico niacutevel de governo possuidores de respaldo e
localizaccedilatildeo fiacutesica ou seja solo municipal
Eacute certo que a Carta Magna de 1988 consolidou significativas inovaccedilotildees para a
vida municipal de forma que o Municiacutepio passou a constituir um dos entes da
federaccedilatildeo tratando-o como unidade dotada de autonomia poliacutetica expressa na
capacidade de poder elaborar a sua Lei Orgacircnica fugindo assim da tutela dos
estados que ateacute entatildeo eram considerados como uacutenicos componentes da federaccedilatildeo
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A Lei Orgacircnica Municipal traz em seu bojo aleacutem da organizaccedilatildeo
administrativa do Municiacutepio a restauraccedilatildeo do Poder Legislativo municipal definindo
a diversificaccedilatildeo normativa que natildeo existia nas leis organizacionais outorgadas pelo
Estado reflexo do poder constituinte outorgados aos Municiacutepios pela Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 como consequecircncia do efetivo exerciacutecio do conceito de Estado
Democraacutetico de Direito
O Municiacutepio enquanto ente federativo tem atualmente a responsabilidade de
ordenar o seu desenvolvimento social e a garantia do bem estar de seus habitantes
executando poliacuteticas puacuteblicas de accedilotildees a serem empreendidas na consolidaccedilatildeo
democraacutetica do Estado
Fundada no elemento participaccedilatildeo o exerciacutecio de cidadania amplamente
citado encontra sua efetividade no municiacutepio Pois eacute nesse acircmbito de localizaccedilatildeo
que as pessoas mantecircm um contato direto com os poderes instituiacutedos suas
necessidades imediatas e mediatas satildeo objetos da disciplina da Lei que visa o bem
comum base do Estado democraacutetico de Direito
Baseado na maacutexima do municipalista e defensor da descentralizaccedilatildeo poliacutetica
Franco Motoro sabiamente proferiu que ldquoningueacutem vive na Uniatildeo ou no Estado As
pessoas vivem no Municiacutepiordquo Assim a cidadania encontra seu melhor espaccedilo de
realizaccedilatildeo na comunidade onde convive A vida em comunidade gera anseios
comuns sentimentos comuns uma vez que a convivecircncia propicia que as pessoas
se conheccedilam e se reconheccedilam como membros de uma mesma realidade
De acordo com Harvey (1992) ldquoa globalizaccedilatildeo provoca anonimato enquanto
comunidade cultiva solidariedaderdquo o que implica participaccedilatildeo para o exerciacutecio de
cidadania
Tudo o que acontece no mundo seja no meu paiacutes na minha cidade ou no meu bairro acontece comigo Entatildeo eu preciso participar das decisotildees que interferem na minha vida Um cidadatildeo com um sentimento eacutetico forte e consciecircncia da cidadania natildeo deixa passar nada natildeo abre matildeo desse poder de participaccedilatildeo (Herbert de Souza Betinho)
Com esse embasamento natildeo se pode perder de vista que eacute nas relaccedilotildees
diaacuterias de oposiccedilatildeo ou solidariedade que as pessoas exercem cidadania Na relaccedilatildeo
do com o outro com os poderes ao estabelecer com a vida social e puacuteblica uma
46
convivecircncia posto que cidadania eacute tarefa que natildeo termina natildeo eacute um conceito
pronto tatildeo pouco acabado enquanto seres inacabados que somos estaremos
buscando descobrindo criando e tomando consciecircncia mais ampla dos direitos
O desafio eacute construir um novo discurso sobre cidadania atraveacutes de uma
praacutetica poliacutetica sustentada isto eacute realizada em dois niacuteveis
O primeiro niacutevel na base atraveacutes de construccedilatildeo das capacidades e do poder
proacuteprio da populaccedilatildeo o que envolve inevitavelmente uma mudanccedila de atitude na
busca para garantir seus direitos utilizando-se do grau de autonomia local
Essa atitude conceberia agrave democracia participativa como uma poliacutetica paralela
de intervenccedilatildeo social criando e mantendo novos espaccedilos para a tomada de
decisotildees ou seja para o auto-governo pela populaccedilatildeo nas mateacuterias que afetam
diretamente suas vidas
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade
O segundo niacutevel um governo com o povo e natildeo apenas para o povo fundado
nos ditames constitucionais valorizando o sentimento da sociedade no exerciacutecio da
governabilidade de modo que o balizamento das accedilotildees de governo deixaria de estar
no proacuteprio governo e passaria a estabelecer-se a partir do pensar da sociedade Um
governo que se pergunta o que se deve fazer para ouvir com a maior fidelidade
possiacutevel a sociedade suas instituiccedilotildees representativas e o cidadatildeo Pois as
prioridades da gestatildeo deveriam ser definidas pela sociedade e natildeo mais pelo
governo
Portanto nesses termos eacute preciso considerar que as praacuteticas da
administraccedilatildeo puacuteblica sejam democratizadoras e inclusivas inspiradas nos
princiacutepios da legalidade impessoalidade moralidade publicidade e eficiecircncia Esta
uacuteltima buscou estabelecer uma Administraccedilatildeo Puacuteblica mais eficiente no sentido de
que o cidadatildeo como destinataacuterio dos serviccedilos puacuteblicos que o Estado deve prestar
receba-os com maior qualidade e menor custo para o eraacuterio puacuteblico
Para a consecuccedilatildeo desse governar com o povo alguns pontos devem ser
revistos A mudanccedila implica na necessidade de adequaccedilatildeo reorganizaccedilatildeo
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reformulaccedilatildeo Para isso se faz premente em face dos novos e modernos conceitos
de gestatildeo puacuteblica a superaccedilatildeo do tradicional vezo burocraacutetico que vem convertendo
a Administraccedilatildeo nas palavras Dromi (1995) numa cara ldquomaacutequina de impedirrdquo fiel
ldquocoacutedigo do fracassordquo que dispotildee ldquoartigo primeiro natildeo pode artigo segundo em
caso de duacutevida abstenha-se artigo terceiro se eacute urgente espere artigo quarto
sempre eacute mais prudente natildeo fazer nadardquo numa posiccedilatildeo natildeo burocraacutetica e sim
democraacutetica de considerar que organizaccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica inclui a
praacutetica de ver os cidadatildeos como membros plenos da comunidade poliacutetica tendo
acesso e exercitando direitos as que promovem a organizaccedilatildeo da populaccedilatildeo em
torno de temas de interesse comum as que incluem o controle social sobre a
gestatildeo o debate amplo e informado sobre questotildees de governo e que abrem agrave
populaccedilatildeo as decisotildees sobre estas questotildees Como leciona e Barrientos (2000)
Tratam-se de praacuteticas que natildeo buscam somente melhorar a eficiecircncia administrativa das diferentes organizaccedilotildees puacuteblicas mas que incorporam no seu processo de gestatildeo a dimensatildeo ativa da cidadania isto eacute ldquoque facilitam as iniciativas e responsabilidades de todos os envolvidos[] estabelecendo pontes entre Estado e sociedade civil
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade Acreditamos
que o ponto de partida eacute a atitude aliada agrave solidariedade e ao espiacuterito coletivo Pois
governo e cidadatildeos juntos haveratildeo de cumprir um novo papel no processo de
desenvolvimento como agentes de uma nova cultura
Como afirma Peter Drucke
A parceria comunitaacuteria seraacute um dos verdadeiros setores em crescimento das economias desenvolvidas Surge da necessidade de uma participaccedilatildeo mais direta e efetiva da comunidade nas grandes questotildees da vida social pois natildeo existe ningueacutem melhor que o cidadatildeo para saber o que ele quer para si para sua famiacutelia e para sua comunidade (apud RAMOS 1990)
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O envolvimento efetivo da sociedade nas questotildees sociais natildeo eacute apenas uma
postura moderna Significa antes de tudo uma atitude digna de todos aqueles que
desejam exercer sua cidadania contribuindo para um paiacutes melhor e em especial
para uma sociedade mais justa fraterna e solidaacuteria
Na histoacuteria observa-se a grande coragem das pessoas em construir o
reconhecimento delas proacuteprias e de seus direitos sempre buscando a participaccedilatildeo e
defendendo os Direitos Humanos Sem duacutevida a maior ecircnfase que deve ocorrer
para a construccedilatildeo real da cidadania eacute uma mudanccedila na sociedade O melhor a ser
feito eacute reforccedilar a organizaccedilatildeo democraacutetica buscando novas formas de participaccedilatildeo
social pois cidadania natildeo se resume ao poder de votar ou ser votado mas eacute sempre
na efetiva participaccedilatildeo popular pois somente com isso haacute a verdadeira
conscientizaccedilatildeo e o comprometimento daquele que passa a se sentir cidadatildeo
abandonando-se velhos viacutecios da poliacutetica representativa
Desse modo a participaccedilatildeo do povo no momento das reivindicaccedilotildees das
discussotildees e apreciaccedilotildees de projetos que visem agrave melhoria da comunidade local a
exigecircncia de transparecircncia na administraccedilatildeo da coisa puacuteblica dentre outras eacute quem
daraacute embasamento para as verdadeiras conquistas sociais no Municiacutepio que geram
saudaacuteveis formas de pressatildeo por efetivas poliacuteticas puacuteblicas de inclusatildeo social
gerando o fim do clientelismo poliacutetico tatildeo pejorativo e comum em nossa realidade e
cultura poliacutetica
Somente a participaccedilatildeo social eacute que iraacute causar uma real democratizaccedilatildeo do
poder A afirmaccedilatildeo da cidadania eacute pressuposto para a realizaccedilatildeo dos Direitos
Humanos pois os homens natildeo nascem naturalmente iguais Inclusive para que
ocorra a realizaccedilatildeo dos referidos direitos eacute necessaacuterio tambeacutem que exista um
espaccedilo puacuteblico que seja realmente democraacutetico e acessiacutevel possibilitando a
participaccedilatildeo de todos e esse espaccedilo eacute certamente o municiacutepio
Na praacutetica um forte instrumento de cidadania para atender as necessidades
coletivas eacute o orccedilamento participativo previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal que
determina expressamente a realizaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas e a participaccedilatildeo
popular nos processos de elaboraccedilatildeo e conduccedilatildeo dos orccedilamentos como forma de
incentivo agrave preparaccedilatildeo e execuccedilatildeo de planejamentos que envolvam diretamente o
povo A Lei veio incentivar a sua propagaccedilatildeo para todos os entes federativos tendo
em conta que se trata de uma tendecircncia mundial por legitimar as escolhas e
fortalecer o princiacutepio da transparecircncia
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Os meios de acesso do cidadatildeo junto aos Poderes Puacuteblicos eacute uma realidade
no Estado Democraacutetico de Direito brasileiro a exemplo das sessotildees do Poder
Legislativo que satildeo puacuteblicas ficando abertas a todos que delas quiserem participar
Emite-se uma pauta antes do comeccedilo da sessatildeo com a preacutevia dos debates Em
niacutevel municipal verifica-se um acompanhamento mais incisivo sobre as sessotildees das
Cacircmaras de Vereadores como forma de pressatildeo para aprovaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees
da comunidade avaliaccedilatildeo do desempenho e aceitaccedilatildeo de propostas orccedilamentaacuterias
e atuaccedilatildeo dos poliacuteticos bem como entendimento das funccedilotildees do Poder Legislativo
A Constituiccedilatildeo Federal assegura desde 1988 a possibilidade de se oferecer
peticcedilatildeo agraves Mesas Legislativas como forma de pedir informaccedilotildees sobre andamento
de projetos ou relatoacuterios encaminhados aos chefes do Poder Executivo Em niacutevel
municipal pode ser utilizada a Tribuna Livre como instrumento para denuacutencias de
problemas ou discussatildeo de um tema ou mesmo para apresentar sugestotildees sendo
regulado pela Lei Orgacircnica Municipal e pelo Regimento Interno da Cacircmara
A convocaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas tambeacutem possui previsatildeo constitucional
no art 58 sect 20 inciso II em niacutevel federal As comissotildees podem em razatildeo da
mateacuteria de sua competecircncia realizar audiecircncias puacuteblicas com entidades da
sociedade civil E nada obsta que estejam previstas formas de articulaccedilatildeo da
sociedade civil com os Presidentes das Comissotildees da Cacircmara no seu Regimento
Interno em acircmbito municipal
Os dispositivos da Constituiccedilatildeo Federal que dispotildeem sobre a forma de
participaccedilatildeo direta do cidadatildeo e da sociedade civil no processo democraacutetico natildeo se
pode negar que trouxe novas perspectivas De modo geral podemos citar
Art 29 A lei orgacircnica dos Municiacutepios tem que observar entre os seus
preceitos ldquocooperaccedilatildeo das associaccedilotildees representativas no planejamento municipalrdquo
Art 31 As contas dos municiacutepios ficaratildeo durante 60 (sessenta) dias
anualmente a disposiccedilatildeo de qualquer contribuinte para exame e apreciaccedilatildeo o qual
poderaacute questionar-lhes a legitimidade nos termos da lei
Art37 sect 3ordm (EC-1998) A lei disciplinaraacute as formas de participaccedilatildeo do usuaacuterio
na administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta regulando especialmente
I- as reclamaccedilotildees relativas a prestaccedilatildeo dos serviccedilos puacuteblicos em geral asseguradas
a manutenccedilatildeo de serviccedilo de atendimento ao usuaacuterio e a avaliaccedilatildeo perioacutedica externa
e interna da qualidade dos serviccedilos
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II- o acesso dos usuaacuterios a registros administrativos e a informaccedilatildeo sobre atos de
governo observado o disposto no art 5ordm X e XXXIII
III- a disciplina da representaccedilatildeo conta o exerciacutecio negligente ou abusivo de cargo
emprego ou funccedilatildeo na administraccedilatildeo puacuteblica
Art 74 sect 2ordm Qualquer cidadatildeo partido poliacutetico associaccedilatildeo ou sindicato eacute
parte legiacutetima para na forma de lei denunciar irregularidades ou ilegalidades perante
o Tribunal de Contas da Uniatildeo
Art194 paraacutegrafo uacutenico Compete ao Poder Puacuteblico nos termos da lei
organizar a seguridade social com base nos seguintes objetivos ()
VII ndash caraacuteter democraacutetivo descentralizado na administraccedilatildeo mediante gestatildeo
quadripartite com participaccedilatildeo dos trabalhadores dos empregados e dos
aposentados e do Governo nos oacutergatildeos colegiados nos oacutergatildeos colegiados
Art 198 As accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede integram uma rede
regionalizada e hierarquizada o constituem um sistema uacutenico organizado de acordo
com as seguintes diretrizes
III ndash participaccedilatildeo da comunidade
Art 202 sect 6ordm A lei complementa a que se refere o sect 4ordm deste artigo
estabeleceraacute os requisitos para a designaccedilatildeo dos membros das diretorias das
entidades fechadas de previdecircncia privada e disciplinaraacute a inserccedilatildeo dos
participantes nos colegiados e instacircncias de decisatildeo em que seus interesses sejam
objeto de discussatildeo e deliberaccedilatildeo
Art 204 As accedilotildees governamentais na aacuterea de assistecircncia social seratildeo
organizadas com base nas seguintes diretrizes
II ndash Participaccedilatildeo da populaccedilatildeo por meio de organizaccedilotildees representativas na
formulaccedilatildeo das poliacuteticas e no controle das accedilotildees em todos os niacuteveis
O protagonista na concretizaccedilatildeo dos direitos humanos e na ampliaccedilatildeo da cidadania eacute um sujeito coletivo de um trabalho sempre inacabado eis que se tratam de tarefas e conquistas cotidianas e gradativas obras que soacute podem ser realizada a muitas matildeos no partilhar e compartilhar da vida (COSTA NETO 2010)
A ampliaccedilatildeo da cidadania requer a consciecircncia de que os direitos pressupotildeem
deveres de maneira que os direitos de um indiviacuteduo satildeo garantidos a partir do
cumprimento dos deveres dos demais componentes da sociedade
51
34 A necessaacuteria superaccedilatildeo de velhos paradigmas
Como se sabe em 1988 foi aprovada a Constituiccedilatildeo mais liberal e
democraacutetica do Brasil chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo Assim ampliou-se de
forma significativa o campo dos direitos e garantias fundamentais No que diz
respeito a tal mateacuteria eacute considerada como uma das mais avanccediladas do mundo No
seu preacircmbulo adota o modelo de um Estado democraacutetico de Direito destinado a
garantir o exerciacutecio dos direitos sociais e individuais a liberdade a seguranccedila o
bem-estar o desenvolvimento a igualdade e a justiccedila eleitos como valores
supremos de uma sociedade fraterna pluralista e sem preconceitos
Para a construccedilatildeo democraacutetica da cidadania no Brasil contemporacircneo
salienta-se de ela deve passar de uma democracia representativa para uma
cidadania que efetivamente molde a democracia ou seja uma cidadania instituinte
da democracia
No acircmbito constitucional positivo cidadania pressupotildee o exerciacutecio de todos
os direitos fundamentais e garantias que caracterizam o Estado democraacutetico de
Direito Quando se fala em cidadania eacute no sentido de reafirmar o direito pela plena
realizaccedilatildeo do indiviacuteduo do cidadatildeo dos entes coletivos e de sua emancipaccedilatildeo nos
espaccedilos da sociedade Estatildeo sempre intimamente ligados os conceitos de
cidadania democracia e direitos humanos sendo que um remete ao outro e seus
conteuacutedos se interligam ou seja a cidadania natildeo iraacute ocorrer sem que ocorra a
realizaccedilatildeo dos Direitos Humanos da mesma forma que os direitos humanos natildeo
seratildeo concretizados se natildeo houver o exerciacutecio da cidadania
Na evoluccedilatildeo histoacuterica tais categorias se desenvolveram de forma conjunta
com o Estado Representam noccedilotildees desejaacuteveis de relaccedilotildees humanas que se espera
sejam instituiacutedas Satildeo os elementos basilares na nova ordem social e que a
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 pretendeu edificar Poreacutem a democracia poliacutetica natildeo
resolveu os problemas econocircmicos mais seacuterios como a desigualdade e o
desemprego Continuam muito seacuterios os problemas da aacuterea social principalmente
na educaccedilatildeo nos serviccedilos de sauacutede e saneamento como tambeacutem e
principalmente quanto agrave seguranccedila puacuteblica
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A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 em seu artigo 6ordm e em outros artigos no texto
constitucional ampliou e muito os Direitos Sociais proibiu discriminaccedilotildees Assim
indicadores baacutesicos de qualidade de vida apontam que houve uma melhoria A
mortalidade infantil por exemplo caiu de maneira significativa nos uacuteltimos anos A
esperanccedila de vida ao nascer passou de 60 anos em 1980 para 70 em 2000 Poreacutem
o maior progresso foi na aacuterea da educaccedilatildeo fundamental que eacute considerado fator
decisivo para a cidadania pois a taxa de analfabetismo caiu consideravelmente
entretanto existem muitos problemas no campo educacional como a repetecircncia e
com relaccedilatildeo a desigualdade social entre as regiotildees
A grande concentraccedilatildeo da riqueza nacional nas matildeos de poucos reflete a
desigualdade e causa a pobreza e a miseacuteria ao passo que dificulta o acesso do
cidadatildeo agrave justiccedila e consequentemente ao seu estado de cidadania pleno
Dentre os fundamentos no qual se baseiam o Estado democraacutetico de Direito
no Brasil destaca-se justamente a cidadania e a dignidade humana conforme artigo
1ordm incisos II e III da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Entatildeo construir uma sociedade
livre justa e solidaacuteria garantir o desenvolvimento nacional erradicar a pobreza e a
marginalizaccedilatildeo reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de
todos sem preconceitos de origem raccedila sexo cor idade ou quaisquer outras
formas de discriminaccedilatildeo satildeo os objetivos fundamentais do Estado Brasileiro
conforme art 3ordm da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
O cenaacuterio de globalizaccedilatildeo econocircmica mundial tambeacutem traacutes seacuterios obstaacuteculos
para a construccedilatildeo da cidadania A globalizaccedilatildeo da economia em ritmo acelerado
provoca grandes mudanccedilas nas relaccedilotildees entre Estado sociedade e naccedilatildeo que
eram sempre o centro da noccedilatildeo e da praacutetica da cidadania ocidental O foco das
mudanccedilas e das preocupaccedilotildees estaacute em dois focos especiacuteficos a reduccedilatildeo do papel
central do Estado como fonte de direitos e local para a participaccedilatildeo e o
deslocamento da naccedilatildeo como principal fonte de identidade coletiva
Para que ocorra efetiva mudanccedila a melhor proposta eacute no sentido de
mudanccedila na organizaccedilatildeo da sociedade pois a inversatildeo da sequecircncia dos direitos
fez com que ocorra o reforccedilo da supremacia do Estado Para que ocorra a
consolidaccedilatildeo democraacutetica e cidadatilde eacute necessaacuterio reforccedilar a organizaccedilatildeo da
sociedade para assim dar embasamento social ao poder poliacutetico ou seja
finalmente democratizar o poder e estabelecer de forma plena a Cidadania
53
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A Constituiccedilatildeo que nasce com ldquocheiro de amanhatilde e natildeo de mofordquo nas
palavras do Deputado Ulisses Guimaratildees tem em seu relevo a esperanccedila de um
povo que sonhava com a erradicaccedilatildeo da repressatildeo militar e natildeo soacute isso um povo
que sonhava com a liberdade em suas diversas manifestaccedilotildees em suas mais
significativas formas de representaccedilatildeo e sobretudo com um paiacutes voltado para a
democracia e justiccedila social
Ao povo brasileiro foi concedido o poder de governar e nesse contexto de
mudanccedila a ldquodemocracia eacute o governo do povo pelo povo e para o povordquo na
conceituaccedilatildeo ceacutelebre de Abraham Lincoln E consoante estabelece o paraacutegrafo
uacutenico do art 1ordm da Carta cidadatilde de 1988 ldquotodo poder emana do povo que o exerce
por meio de representantes eleitos ou diretamenterdquo
No entanto natildeo basta que a fonte de poder seja o povo a democracia vem
significar a efetiva participaccedilatildeo do povo nas decisotildees e destino do Estado e sua
consolidaccedilatildeo eacute a proacutepria cidadania pois eacute o cidadatildeo que pensa e se auto define
diante da condiccedilatildeo soacutecio-histoacuterica O cidadatildeo tem portanto o poder de transformar
a realidade social segundo seu pensamento e accedilatildeo
Natildeo se pode negar que a Carta de 1988 foi a que apresentou maior
legitimidade popular que abriu caminhos apontando um novo tempo
Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita Se fosse perfeita seria irreformaacutevel Ela proacutepria com humildade e realismo admite ser emendada ateacute por maioria mais acessiacutevel dentro de cinco anos Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita mas seraacute uacutetil e pioneira e desbravadora Seraacute luz ainda que de lamparina na noite dos desgraccedilados Eacute caminhando que se abrem os caminhos Ela vai caminhar e abri-los Seraacute redentor o que penetrar nos bolsotildees sujos escuros e ignorados da miseacuteria (Ulysses Guimaratildees)
Mesmo natildeo sendo a constituiccedilatildeo perfeita sem duacutevida foi a que trouxe
esperanccedila ao povo brasileiro com a sua promulgaccedilatildeo surgiram o ldquohaacutebeas datardquo o
mandado de injunccedilatildeo e o mandado de seguranccedila coletivo - todos remeacutedios judiciais
de iacutendoles constitucionais serviacuteveis para prevenir e combater diversas tentativas de
abuso contra a pessoa humana Outrossim o objeto da accedilatildeo popular foi ampliado
Atualmente qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima para propor a mencionada accedilatildeo
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popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de entidade de que o
Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e ao patrimocircnio
histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de custas
judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia Nesse rol de forma decisiva houve a
ampliaccedilatildeo tambeacutem dos direitos sociais
Assim a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconhece e assegura uma seacuterie de
escudos protetivos aos cidadatildeos Em sua essecircncia os direitos fundamentais
ganham forma De modo que podemos assegurar que hoje o nosso Estado eacute uma
organizaccedilatildeo centrada no ser humano visto que tem a dignidade da pessoa humana
como um fundamento da Repuacuteblica Federativa do Brasil
Apesar das inuacutemeras dificuldades o Estado Democraacutetico de Direito fundado
na cidadania constituiu para o povo uma nova identidade ndash o que em outras eacutepocas
natildeo existia
A Constituiccedilatildeo circunscreve toda a organizaccedilatildeo poliacutetica estatal no intuito
maior de criar no consciente coletivo a vontade livre e determinada de desenvolver
padrotildees de condutas destinados a elevar e promover a auto-estima de toda a
comunidade paacutetria
Foi nesse sentido que estatui em seu artigo 1ordm a cidadania como fundamento
do Estado Democraacutetico de Direito ampliando e enriquecendo o tal conceito Cada
eacutepoca produziu praacuteticas e reflexotildees muito distintas sobre o tema cidadania A
definiccedilatildeo de cidadania que vem sofrendo alteraccedilotildees ao longo do tempo obedecendo
a um processo histoacuterico de conquistas sociais eacute compreendida atualmente como
um processo de participaccedilatildeo do indiviacuteduo ou de um grupo organizado nas mais
variadas aacutereas de atuaccedilatildeo da sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos
e sociais
A cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia disso natildeo haacute duvidas e se
efetiva como mudanccedilas na realidade de cada um com melhoria de vida e
conscientizaccedilatildeo da importacircncia do cidadatildeo dado que eacute um processo em
permanente construccedilatildeo Natildeo haacute como defender uma qualidade de vida sem a
preservaccedilatildeo da cidadania em todos os seus acircmbitos Nesse sentido a efetiva
proteccedilatildeo desse aspecto basilar torna-se essencial no que tange uma assistecircncia
juriacutedica completa
No contraponto do direito estatildeo os deveres que encontramos sua realizaccedilatildeo
tambeacutem na participaccedilatildeo observando que o cidadatildeo eacute responsaacutevel pelo advir de
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suas accedilotildees A participaccedilatildeo reflete um caraacuteter de natildeo comodismo de atenccedilatildeo agravequilo
que eacute particular e coletivo tendo como finalidade preciacutepua o bem comum
Construir cidadania hoje eacute imperativo para a sociedade pois dessa
construccedilatildeo depende o amanhatilde Estamos diante da Constituiccedilatildeo que se propotildee a
resguardar o amanhatilde sem perder de vista que ele comeccedila hoje agora e nisso a
Carta Poliacutetica traacutes consigo a certeza do despertar dessa consciecircncia a consciecircncia
cidadatilde Ela eacute a semente plantada em terra feacutertil que gera frutos diariamente e se
renova a cada estaccedilatildeo na dinacircmica da vida Talvez tenha sido esse o cheiro de
frutas alcanccedilado pelo constituinte ao anunciar que a carta tem ldquocheiro do amanhatilderdquo
A responsabilidade pelo exerciacutecio desses direitos belissimamente elencados
depende de todos e de cada um pois somos o terreno feacutertil que produziraacute o fruto de
uma sociedade fraterna
Eacute comum na praacutetica apenas responsabilizarmos o Estado em sentido lato pelo
natildeo exerciacutecio dos direitos do cidadatildeo Vale lembrar nesse contexto das palavras de
J Kennedy o qual disse ldquonatildeo pergunte o que o Estado pode fazer por vocecirc mas o
que vocecirc pode fazer pelo Estadordquo haacute nessa frase um forte traccedilo de cidadania pois
quando o cidadatildeo reivindica critica opina o que ele daacute em contrapartida ao paiacutes eacute
solidificado visto que eacute nas relaccedilotildees familiares em comunidade que se estabelece e
se fortalece os viacutenculos de solidariedade de uma sociedade que perpetua valores
condutas que as leis reguladoras natildeo conseguem por si soacute estabelecer
A concretizaccedilatildeo do ideal de uma qualidade de vida merecida a todos os seres
humanos sem restriccedilotildees requer entretanto um esforccedilo coletivo Dessa forma haacute
necessidade de suprir as muitas carecircncias advindas das desigualdades sociais e de
condiccedilotildees do descaso do poder puacuteblico e da proacutepria conceituaccedilatildeo antiga de
cidadania que ainda eacute concebida por muitos no presente
Em suma nosso trabalho procurou traccedilar a evoluccedilatildeo da cidadania e ao
mesmo tempo buscou traccedilar uma melhor caracterizaccedilatildeo do cidadatildeo agrave luz da nossa
Constituiccedilatildeo que eacute por fim a essecircncia da Magna Carta O alcance da cidadania
enquanto mecanismo de acesso a direitos foi colocado no acircmbito da pessoa
enquanto titular de direitos e num paralelo defendemos que o municiacutepio eacute o espaccedilo
de atuaccedilatildeo e exerciacutecio de cidadania dada a proximidade do cidadatildeo com as
instituiccedilotildees oacutergatildeos entidades e tudo o mais que o cerca na esfera de vivecircncia Eacute na
praccedila que discute a poliacutetica local e nacional que se indigna com as dificuldades e as
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barreiras de acesso aos seus direitos Eacute no municiacutepio que se inicia todo um vieacutes de
desdobramento para garantir direitos
Por fim natildeo obstante resta dizer sobre o tema que os caminhos e
paradigmas que se intentou percorrer sobre cidadania como mecanismo
transformador da sociedade tem ingrediente ainda a se descortinar para o
propoacutesito valioso do bem comum Pois bem a ideia de bem comum tem como
fundamento o amor maacutexima que se estabelece por meio da democracia visto que
ldquoa demofilia o demoiacutesmo o amor do povo acima de tudo como princiacutepio ativo de
toda a sua vida poliacutetica inspirador duma sempre crescente autonomia imanente eacute
que constitui a verdadeira essecircncia da democraciardquo nas palavras de Melgareacute
(2005)
Dessa forma eacute no nuacutecleo da democracia que estaacute inscrito como pedra
angular o respeito e o amor pela pessoa humana Eacute pois um tema de larga
abrangecircncia poreacutem sem querer abreviar o caminho sua efetiva possibilidade de
realizaccedilatildeo se encontra no exerciacutecio da cidadania sem repuacutedios parciais ou exclusatildeo
de qualquer ordem na plenitude de uma cidadania para todos
57
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18
13 Cidadania um fenocircmeno cultural
A cidadania eacute um fenocircmeno cultural relacionada com a conquista de direitos
com as construccedilotildees das instituiccedilotildees com a proteccedilatildeo dos direitos fundamentais e
dos valores juriacutedicos e humanos Trata-se de uma realidade cultural cuja finalidade eacute
determinar o modo como agraves pessoas devem vincular-se agraves mudanccedilas nas estruturas
sociais determinando o modo como agraves pessoas devem atuar e (com) viver em
sociedade
De certo modo a cidadania como o Direito e todos os direitos representa uma
conquista da cultura frente agrave conflitiva natureza humana Tal conclusatildeo ajuda a
compreender o Estado Democraacutetico de Direito e tudo aquilo que ele simboliza em
termos de emancipaccedilatildeo da pessoa humana Nessa linha a necessidade de
compreender o conceito atual de cidadania agrave luz das questotildees culturais e sociais
postas pela sociedade poacutes-moderna veio-nos como heranccedila do processo cultural de
formaccedilatildeo das democracias modernas
Essa representaccedilatildeo cultural da cidadania vem sendo tratada pelos
pensadores modernos sob vaacuterios enfoques Num primeiro momento surge assim
por exemplo a cidadania civil que marcou a superaccedilatildeo da situaccedilatildeo observada na
Idade Meacutedia garantindo os direitos quanto agrave liberdade e agrave justiccedila e vinculando-se
diretamente agrave burguesia Jaacute a cidadania poliacutetica surgiu com a universalizaccedilatildeo de seu
proacuteprio conceito e com a ampliaccedilatildeo dos direitos civis Esta nova consciecircncia sobre
as diferenccedilas no interior do status de cidadatildeo acentua os debates sobre a exclusatildeo
social os direitos humanos e mesmo sobre a atuaccedilatildeo poliacutetica da sociedade civil Por
outro lado no atual estaacutegio do capitalismo falar em cidadania significar considerar
igualmente as proacuteprias mudanccedilas ocorridas na sociedade nos valores e na
educaccedilatildeo proporcionados pelas inovaccedilotildees da realidade tecnocientifica
Temos desse modo associado ao atual conceito de cidadania um repertoacuterio
teoacuterico e mesmo praacutetico cuja amplitude acompanha o proacuteprio desenvolvimento das
sociedades poacutes-modernas dando a impressatildeo crescente como afirma Harvey
19
De uma poderosa configuraccedilatildeo de novos sentimentos e pensamentos Que parecia a caminho de desenvolvimento social e poliacutetico apenas em virtude da maneira como definia padrotildees de criacutetica social e de praacutetica poliacutetica Em anos recentes ele vem determinando os padrotildees de debate definindo o modo do lsquodiscursorsquo e estabelecendo paracircmetros para a criacutetica cultural poliacutetica e cultural (1992)
Contudo a extensatildeo desses direitos agrave totalidade da populaccedilatildeo natildeo
possibilitou a garantia da liberdade e da igualdade idealizadas por Rousseau em sua
obra ldquoO Contrato Socialrdquo Por outro lado pode-se dizer que todos esses anos de
desenvolvimento acabaram por afirmar que a cidadania de fato soacute pode se constituir
por meio de acirrada luta cotidiana por direitos e pela garantia daqueles que jaacute
existem
Mais do que isso nota-se maior preocupaccedilatildeo com a difusatildeo desses direitos
seja por meio de educaccedilatildeo formal seja pelos meios de comunicaccedilatildeo Livros
didaacuteticos e paradidaacuteticos tecircm fomentado a discussatildeo sobre o status de cidadatildeo e os
direitos humanos outros associam ao desenvolvimento da cidadania uma
discussatildeo sobre os meios de comunicaccedilatildeo e o proacuteprio capitalismo como afirma o
professor Dalmo de Abreu Dallari em Cidadania e Direitos Humanos (1998)
Nessa perspectiva problemas recorrentes como as violaccedilotildees dos direitos
humanos as ineficiecircncias no campo social e o processo de pauperizaccedilatildeo
manifestado na periferia do capitalismo mostram que a cidadania exige mais do que
o simples ato de votar ou de pertencer a uma sociedade poliacutetica Cabe portanto agrave
sociedade civil caraacuteter representativo que substitua as pressotildees ou mesmo a
atuaccedilatildeo legiacutetima dos cidadatildeos
A evoluccedilatildeo da cidadania portanto consiste na lenta construccedilatildeo da
democracia que sintetiza os esforccedilos para a obtenccedilatildeo das prerrogativas ideoloacutegicas
e culturais que tecircm levado os membros da sociedade a decidirem acerca da
realidade que os cercam
14 Cidadania no Brasil breves consideraccedilotildees
Discorrer sobre a construccedilatildeo da cidadania no Brasil eacute tocar num ponto
crucial da nossa histoacuteria Passados mais de 500 anos da chegada dos portugueses
20
por estas paragens percebe-se que a consolidaccedilatildeo da cidadania ainda eacute um desafio
para todos os brasileiros
O tema cidadania muito se tem discutido na academia e fora dela o jargatildeo
da cidadania estaacute na moda nas instituiccedilotildees poliacuteticas e juriacutedicas como tambeacutem na
opiniatildeo puacuteblica mas concretamente eacute um conceito ainda a ser construiacutedo
No contexto histoacuterico-cultural e poliacutetico dos gregos especificamente por
volta do ano 380 aC (periacuteodo do apogeu daquela civilizaccedilatildeo) embora a cidadania
fosse limitada a uma parcela social minoritaacuteria pode-se afirmar que tanto a
democracia quanto a cidadania grega natildeo deixam de ser conquistas ineacuteditas e
avanccedilos significativos para a histoacuteria ocidental Jaacute a evoluccedilatildeo e a real consolidaccedilatildeo
da cidadania na modernidade nascem a partir dos direitos naturais (vida
propriedade liberdade) do homem liberal burguecircs garantido pelas consecutivas
ldquoDeclaraccedilotildees de Direitosrdquo elaboradas a partir das revoluccedilotildees liberais na Inglaterra
(Revoluccedilatildeo Gloriosa 1688-89) Estados Unidos (Emancipaccedilatildeo poliacutetica 1776) Franccedila
(Revoluccedilatildeo Francesa)
No entanto pode-se dizer que o nosso paiacutes apesar da influecircncia dos paiacuteses
europeus vivenciou como ainda vivencia uma difiacutecil construccedilatildeo da cidadania
A longa histoacuteria do Brasil vem elencando razotildees profundas para a nossa
natildeo-cidadania atual a exemplo da conquista (ou invasatildeo) do nosso territoacuterio o
grande latifuacutendio a escravidatildeo a monocultura de exportaccedilatildeo o analfabetismo a
perpetuaccedilatildeo das elites poliacuteticas no poder fatores que refletem nos viacutecios da vida
social cultural poliacutetica e econocircmica do paiacutes
Fundamentalmente eacute preciso afirmar que no Brasil a construccedilatildeo da
cidadania natildeo seguiu a loacutegica da trajetoacuteria inglesa Houve no Brasil segundo
Carvalho (2002) pelo menos duas diferenccedilas importantes
A primeira refere-se agrave maior ecircnfase em um dos direitos o social em relaccedilatildeo aos outros a segunda refere-se agrave alteraccedilatildeo na sequecircncia em que os direitos foram adquiridos entre noacutes o social precedeu os outros
Uma das razotildees fundamentais das dificuldades da construccedilatildeo da cidadania
estaacute ligada como nos diz Carvalho ao ldquopeso do passadordquo mais especificamente ao
periacuteodo colonial (1500-1822) quando
21
Os portugueses tinham construiacutedo um enorme paiacutes dotado de unidade territorial linguiacutestica cultural e religiosa Mas tinham deixado uma populaccedilatildeo analfabeta uma sociedade escravocrata uma economia monocultora e latifundiaacuteria um Estado Absolutista (CARVALHO 2002)
Em suma foram 322 anos sem poder puacuteblico sem Estado sem naccedilatildeo e
cidadania Diante de tatildeo obscuro cenaacuterio de dominaccedilatildeo opressatildeo dentre outras
formas de natildeo efetivaccedilatildeo da cidadania no Brasil podemos elencar dentre outros
tantos fatores quais foram os principais obstaacuteculos para a construccedilatildeo da cidadania
brasileira O latifuacutendio agro-exportador do periacuteodo colonial bem como o escravismo
o analfabetismo marcaram negativamente nossas origens e ateacute hoje dificultam
avanccedilos no acircmbito poliacutetico-social e econocircmico Aleacutem dessas outras razotildees foram e
continuam sendo entraves para a consolidaccedilatildeo das instituiccedilotildees poliacutetica que
impedem os avanccedilos necessaacuterios para uma cidadania plena Na ordem poliacutetica
permanecem ainda algumas mazelas histoacutericas como o patrimonialismo
(promiscuidade entre o puacuteblico e o privado) o coronelismo com sua nova roupagem
o clientelismo aleacutem da corrupccedilatildeo entre outros
Mesmo diante de tatildeo vergonhoso cenaacuterio natildeo podemos nos dispensar que
tambeacutem alcanccedilamos mesmo que de forma tiacutemida significativas conquistas de
direitos no Brasil comparadas com outros paiacuteses que vivenciaram um processo de
colonizaccedilatildeo semelhante ao nosso A conquista desses direitos deu-se de maneira
tardia e inversa haja vista que somente em 1824 mais de 320 anos apoacutes a chegada
dos portugueses foi que surgiram os primeiros direitos civis e poliacuteticos (antes disso
estaacutevamos submetidos agrave lei da coroa portuguesa) Aos poucos surgiram os direitos
sociais mas exatamente no momento em que os direitos civis e poliacuteticos estavam
sendo negados no periacuteodo da ditadura de Vargas (1937-45) e na ditadura militar
(1964-1985) Parece um paradoxo mas foi exatamente nesse periacuteodo de
conturbaccedilotildees poliacuteticas que marchamos em direccedilatildeo agrave conquista de significativos
direitos que iriam projetar uma ideia de lutas e vitoacuterias que se projetariam no campo
da cidadania de modo bastante concreto
Por fim haveremos de concordar com Benevides (1994) ao afirmar que no
intuito de reverter agrave realidade poliacutetico-social excludente ou de uma cidadania
passiva ou sem ldquopovordquo eacute necessaacuterio recorrer agrave defesa de mecanismos institucionais
22
como o referendo o plebiscito e a iniciativa popular para a construccedilatildeo do que ela
chama de uma cidadania ativa ou democracia semidireta Alguns autores veem
dificuldades na implementaccedilatildeo desse sistema em paiacuteses que estatildeo em processo de
democratizaccedilatildeo no entanto logo em seguida apontam para a educaccedilatildeo poliacutetica ndash
entendida como educaccedilatildeo para a cidadania ativa
Desse modo pode-se proferir que todos esses anos de desenvolvimento
acabaram por afirmar que a cidadania de fato soacute pode se constituir por meio de
acirrada luta cotidiana por direitos e pela garantia daqueles que jaacute existem pois
apesar da existecircncia de profundas desigualdades sociais a ideia de cidadania
evoluiu com o passar dos anos Ampliou-se a abrangecircncia de sua concepccedilatildeo
abraccedilando todas as classes sociais e minorias Deixou de restringir-se apenas agrave
participaccedilatildeo poliacutetica para relacionar uma seacuterie de deveres da sociedade para com o
cidadatildeo Na praacutetica ainda haacute muito que se fazer para que direitos e deveres sejam
os mesmos para todos No entanto a busca pela realizaccedilatildeo da maacutexima ldquocada
homem um votordquo continua a ser perseguida
A luta pela conquista plena da cidadania eacute parte integrante da democracia
uma vez que assegura a continuidade das transformaccedilotildees juriacutedicas poliacuteticas entre
outras Natildeo resta duacutevida acerca do papel estruturante que essa luta desempenha no
quadro das democracias contemporacircneas fato que a converte em uma irresistiacutevel
conquista da modernidade O caraacuteter estruturante que a cidadania projeta nos
quadros da democracia atual estaacute ligado a permanente busca de um Estado
compatiacutevel com a realidade de cada tempo histoacuterico
23
CAPIacuteTULO 2 - CIDADANIA Agrave LUZ DA CONSTITUICcedilAtildeO FEDERAL DE
1988
A Constituiccedilatildeo eacute a ordem juriacutedica fundamental da comunidade nas palavras
de Konrad Hesse (apud PALU 2001) eacute um documento juriacutedico e poliacutetico dirigido aos
cidadatildeos e estes satildeo os seus primeiros destinataacuterios A Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica eacute
a Lei fundamental composta por um conjunto de normas baacutesicas que compotildeem a
estrutura juriacutedica poliacutetica social e econocircmica de um paiacutes Essa eacute razatildeo pela qual
ela eacute chamada de Carta Magna pois a ela nada se sobrepotildee Para Dallari (1985) a
Constituiccedilatildeo
[] eacute a declaraccedilatildeo da vontade poliacutetica de um povo feita de modo solene por meio de uma lei que eacute superior a todas as outras que visando agrave proteccedilatildeo da dignidade humana estabelece os direitos e as responsabilidades fundamentais dos indiviacuteduos dos grupos sociais do povo e do governo
Desta forma uma Constituiccedilatildeo natildeo surge do nada ela eacute resultado de
observaccedilotildees e experiecircncias e sua finalidade eacute de afirmar e garantir os direitos
elementares das pessoas humanas disciplinar o uso ao mesmo tempo em que
evita o abuso de poder organizando de forma racional a sociedade e o governo
Satildeo inegaacuteveis as inovaccedilotildees teacutecnicas trazidas pela Constituiccedilatildeo Brasileira de
1988 no campo da instituiccedilatildeo garantia e proteccedilatildeo dos direitos fundamentais A
dignidade da pessoa humana e o exerciacutecio da cidadania satildeo considerados princiacutepios
fundamentais da Carta Magna Brasileira de 1988
Cidadania direito a ter direitos na acepccedilatildeo de Haberle ( apud VALADEacuteS
2009) refere-se a todos os direitos previstos na Constituiccedilatildeo de 1988 e ainda
aqueles natildeo expressos mas decorrentes do regime e dos princiacutepios por ela
adotados na dicccedilatildeo do sect 2deg art 5deg
O princiacutepio fundamental da cidadania conforme jaacute exposto impregna todo o
texto constitucional vigente a partir do art 1deg II em que figura de forma
24
exponencial relativamente ao Estado brasileiro e tudo que lhe corresponda no
exerciacutecio de um poder que adquire significaccedilatildeo renovada e amplificada na
sociedade contemporacircnea Segundo Arendt
A cidadania eacute o direito a ter direitos pois a igualdade em dignidade e direitos dos seres humanos natildeo eacute um dado Eacute um construiacutedo da convivecircncia coletiva que requer o acesso ao espaccedilo puacuteblico Eacute este acesso ao espaccedilo puacuteblico que permite a construccedilatildeo de um mundo comum atraveacutes do processo de asserccedilatildeo dos direitos humanos
Nesse diapasatildeo o direito a ter direitos compreende o pleno acesso ao
espaccedilo puacuteblico o efetivo exerciacutecio do poder poliacutetico das prerrogativas inerentes agrave
cidadania conforme explicita a Constituiccedilatildeo no art 5deg LXXI a propoacutesito do
mandado de injunccedilatildeo no dizer todo direito atribuiacutedo com o caraacuteter de exclusividade
agrave pessoa
21 Estado Democraacutetico de Direito espaccedilo de cidadania
Apoacutes a eacutepoca de grandes restriccedilotildees militares o ato de promulgaccedilatildeo da
Constituiccedilatildeo Federal em 05 de outubro de 1988 vem marcar uma nova fase de
esperanccedila para os brasileiros Ao batizaacute-la de Constituiccedilatildeo cidadatilde a Assembleia
Nacional Constituinte atraveacutes de seu presidente o Deputado Ulisses Guimaratildees
resumiu o espiacuterito do texto constitucional assegurar aos brasileiros direitos sociais
essenciais ao exerciacutecio da cidadania e estabelecer mecanismos para garantir o
cumprimento de tais direitos
O que se viu a partir de entatildeo foi uma lenta poreacutem significativa mudanccedila na
sociedade brasileira A Constituiccedilatildeo Federal que eacute sem duacutevidas um marco na
histoacuteria do paiacutes traccedila a prioridade dada pelos constituintes aos direitos dos
brasileiros que pode ser observada em todas as questotildees
A Carta faz uma ampliaccedilatildeo dos direitos individuais sociais e poliacuteticos e como
se observa a inserccedilatildeo dos direitos sociais como segundo tiacutetulo revela a primazia
que o constituinte quis daacute a estes direitos em detrimento de todos os outros
incluindo os referentes agrave organizaccedilatildeo do Estado e dos Poderes que vecircm depois
25
Ao contraacuterio do que ocorreu com as Constituiccedilotildees anteriores esse
ordenamento dos capiacutetulos parece revelar que a Carta eacute o prenuacutencio de um paiacutes em
que os direitos dos cidadatildeos formam a base do ordenamento do Estado Essa ideia
foi expressa pelo presidente da Assembleacuteia Constituinte deputado Ulysses
Guimaratildees que voltamos a citar quando anunciou
Diferentemente das sete constituiccedilotildees anteriores esta comeccedila com o homem De modo gratificante testemunha a primazia do homem que foi escrita para o homem que o homem eacute seu fim e sua esperanccedila Eacute a Constituiccedilatildeo cidadatilde
A Constituiccedilatildeo nasceu da constataccedilatildeo de que o figurino juriacutedico formulado
para o Brasil desde os primoacuterdios do Estado nacional natildeo se compatibilizava com as
necessidades dos brasileiros Houve avanccedilos na formalizaccedilatildeo da Lei Magna
especialmente no tocante aos direitos de cidadania mas estamos longe do ideal
preconizado pela carta cidadatilde O que nos leva a crer que a cidadania eacute um processo
diaacuterio e permanente de construccedilatildeo Pois natildeo basta garantir o direito eacute preciso
exercecirc-lo
A cidadania abraccedilada pela atual Constituiccedilatildeo Federal Brasileira teve seu
conteuacutedo ampliado e natildeo se restringe ao simples fato de possuir um tiacutetulo de eleitor
para votar e ser votado ela estabelece cidadania como princiacutepio fundamental da
Repuacuteblica do Brasil desta forma o conceito decorrente pode ser entendido
conforme preleciona Silva (2005) ldquocidadania estaacute aqui num sentido mais amplo do
que o de titular de direitos poliacuteticos Qualifica os participantes da vida do Estado
reconhecimento do indiviacuteduo como pessoa integrada a sociedade estatalrdquo
Tal conceito nos leva a relacionar cidadania com democracia uma vez que
optou-se pelo Estado Democraacutetico de Direito o qual assenta seus alicerces na
participaccedilatildeo popular em questotildees que envolvem a coisa puacuteblica Para Moraes
(2005) esse Estado de Direito ldquosignifica a exigecircncia de reger-se por normas
democraacuteticas com eleiccedilotildees livres perioacutedicas e pelo povo bem como o respeito das
autoridades puacuteblicas aos direitos e garantias fundamentaisrdquo
O propoacutesito da opccedilatildeo pelo Estado Democraacutetico de Direito eacute que a cidadania e
os demais direitos fundamentais fluam com plenitude talvez seja o que justifique a
denominaccedilatildeo da Carta Magna de cidadatilde pois o povo passa a atuar de forma mais
ativa na vida poliacutetica do Estado uma vez que a ele foi concedido esse poder
26
A cidadania portanto soacute adquire pleno significado no mundo contemporacircneo
num Estado Democraacutetico de Direito para tanto exige um ambiente de vida e de
conviacutevio entre os homens tiacutepico e proacuteprio de um Estado Democraacutetico pois a
cidadania constitui fundamento primordial daquele Estado qual seja possibilitar aos
indiviacuteduos habitantes de um paiacutes o seu pleno desenvolvimento atraveacutes do alcance
de igual dignidade social e econocircmica
Segundo Rozicki (2005) O ambiente de vida social do Estado Democraacutetico
cujos pilares se encontram na efetividade dos direitos fundamentais da pessoa
humana em uma sociedade solidaacuteria soacute eacute possiacutevel atraveacutes da observaccedilatildeo de alguns
postulados que lhe satildeo essenciais os quais a autora denomina de pressupostos do
Estado democraacutetico de Direito
1)a valorizaccedilatildeo e atualidade da dignidade do homem e o reconhecimento da importacircncia de dispensar a todos tratamento fraternal igualitaacuterio e natildeo discriminativo 2) a confianccedila nos talentos e possibilidades latentes dos homens 3) a seguranccedila e o creacutedito nos valores institucionalizados pelas massas como fundamentos para o progresso do bem comum e o alcance da justiccedila 4) a aceitaccedilatildeo da legitimidade das decisotildees tomadas por meio de processos racionais e participativos de deliberaccedilatildeo com o consenso da maioria que constitui o reflexo o resultado de debates livres entre todos 5) o respeito aos grupos minoritaacuterios 6) e a compreensatildeo de que todo o interesse geral eacute a siacutentese dos diversos interesses e ideacuteias dos indiviacuteduos e dos grupos diferentes centros de poder que integram a sociedade pluralista
Percebe-se que o conceito amplo de cidadania encontra seus princiacutepios
baacutesicos e estruturantes nesses pressupostos intimamente ligado aos conceitos de
democracia e de igualdade No tocante ao conceito de igualdade elucidativa eacute a
liccedilatildeo de Rozicki (2005) quando afirma que
O princiacutepio de igualdade disciplina todas as atividades puacuteblicas e tem aplicaccedilatildeo direta nas relaccedilotildees privadas que ocorrem entre os particulares impondo para tornaacute-lo real a proibiccedilatildeo de discriminaccedilotildees e a eliminaccedilatildeo das desigualdades faacuteticas nos planos social e econocircmico proporcionando a todos os cidadatildeos igual condiccedilatildeo de vida e mesma posiccedilatildeo perante o Estado Democraacutetico
E complementa que tambeacutem para a realizaccedilatildeo da cidadania o princiacutepio
democraacutetico torna indispensaacutevel agrave participaccedilatildeo popular nas tomadas de decisatildeo No
seu entender
27
A cidadania no Estado democraacutetico de direito efetivada oferece aos cidadatildeos como iguais condiccedilotildees de existecircncia o gozo atual de direitos e a obrigaccedilatildeo do cumprimento de deveres que resumidamente podem ser assim apresentados exerciacutecio de direitos fundamentais e participaccedilatildeo e os deveres de colaboraccedilatildeo e solidariedade (Rozicki 2005)
Natildeo obstante eacute vaacutelido ressaltar um princiacutepio igualmente importante e deveras
esquecido a fraternidade Este princiacutepio que eacute um dos trecircs pilares da Revoluccedilatildeo
Francesa eacute pouco discutido apesar de assumir um papel decisivo na consolidaccedilatildeo
da democracia da politica e do poder
A fraternidade eacute necessaacuteria para o estabelecimento de uma comunidade
politicamente solidaacuteria com indiviacuteduos iguais e livres
Para finalmente concebermos um Estado Democraacutetico de Direito que trate os
iguais na medida de suas desigualdades
22 Os direitos fundamentais como pressupostos de identidade da cidadania
Os direitos fundamentais vistos como um dos traccedilos mais marcante do
constitucionalismo moderno consistem no resultado da luta dos homens por um
direito ideal justo e humano representam situaccedilotildees reconhecidas juridicamente
sem as quais o homem eacute incapaz de alcanccedilar sua proacutepria realizaccedilatildeo e
desenvolvimento plenamente daiacute dizer-se que o princiacutepio preponderante que
condensa os direitos fundamentais eacute o da dignidade da pessoa humana
Os direitos fundamentais satildeo o conjunto de normas de um ordenamento juriacutedico que formam um subsistema deste fundado na liberdade na igualdade na seguridade na solidariedade expressotildees da dignidade do homem que formam parte da norma baacutesica material de identificaccedilatildeo do ordenamento juriacutedico e constitui um setor de moralidade procedimental positivada que legitima o Estado Social de Direito (MARTINEZ apud AGRA 2002)
Tais direitos foram e vatildeo sendo aperfeiccediloados e estendidos ao longo do
tempo resta dizer que os mesmos estabelecem faculdades da pessoa humana que
permitem sua breve classificaccedilatildeo do seguinte modo 1) os direitos civis e poliacuteticos
de liberdade como por exemplo a liberdade de expressatildeo de propriedade de
28
manifestaccedilatildeo do pensamento de associaccedilatildeo de imprensa de reuniatildeo de igualdade
formal perante a lei de participaccedilatildeo poliacutetica o devido processo legal o habeas
corpus o direito de peticcedilatildeo etc 2) os direitos sociais econocircmicos e culturais de
participaccedilatildeo poliacutetica tais como a igualdade de sufraacutegio o direito de voto e de
elegibilidade o direito de peticcedilatildeo e os direitos de participaccedilatildeo poliacutetica 3) os direitos
da titularidade coletiva que satildeo aqueles ligados a solidariedade e a fraternidade
como por exemplo o direito agrave preservaccedilatildeo do meio ambiente e agrave qualidade de vida
etc 4) os direitos chamados de quarta geraccedilatildeo por exemplo direito a democracia a
informaccedilatildeo ao comeacutercio eletrocircnico entre os estados etc
Natildeo existe qualquer relaccedilatildeo hieraacuterquica entre estes direitos mesmo porque
todos interagem entre si de nada servindo um sem a existecircncia dos outros Esta
divisatildeo acontece devido agrave eterna e constante busca do homem por mais proteccedilatildeo
mais garantia com o objetivo de alcanccedilar uma sociedade mais justa igualitaacuteria e
fraterna
Na evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais Agra (2002) chama a atenccedilatildeo do
relevo que adquirem a democratizaccedilatildeo da informaccedilatildeo e os mecanismos de
democracia participativa E justifica que a democratizaccedilatildeo da informaccedilatildeo natildeo se
caracteriza apenas pela existecircncia de uma miacutedia plural sem nenhum tipo de
monopoacutelio mas deve ser concebida como a obrigaccedilatildeo que todos os cidadatildeos tecircm
de tomar consciecircncia dos graves problemas que afligem a humanidade e que os
mecanismos da democracia participativa concebem a cidadania em extensatildeo muito
superior ao voto abrangendo a interferecircncia direta do cidadatildeo nas decisotildees
governamentais mediante vaacuterios mecanismos juriacutedicos como o plebiscito o recall o
orccedilamento participativo etc
De acordo com Silva (2005) os Direitos Fundamentais na Constituiccedilatildeo de
1988 abrangem os ldquodireitos individuais sociais poliacuteticos e tambeacutem os direitos
econocircmicos Para o autor a ampliaccedilatildeo e transformaccedilatildeo dos direitos fundamentais
do homem na histoacuteria dificultam uma definiccedilatildeo sinteacutetica do conceitordquo
Essa dificuldade aumenta diante do emprego de vaacuterias expressotildees para
designaacute-los tais como direitos naturais direitos humanos direitos do homem
direitos individuais direitos puacuteblicos subjetivos liberdades fundamentais liberdades
puacuteblicas e direitos fundamentais do homem No entanto direitos fundamentais do
homem constitui a expressatildeo mais adequada porque na palavra fundamentais
acha-se a indicaccedilatildeo de que se trata de situaccedilotildees sem as quais o indiviacuteduo natildeo tem
29
uma vida digna natildeo convive e agraves vezes nem mesmo sobrevive A expressatildeo
direitos fundamentais eacute a mais precisa no sentido de que a todos por igual devem
ser natildeo apenas formalmente reconhecidos mas concreta e materialmente
efetivados
Por sua vez a atual Corte em julgamento do habeas corpus (HC ndeg
82424RS) marca seu posicionamento no tocante ao sistema de direitos
fundamentais insculpido na Constituiccedilatildeo de 1988 atraveacutes dos profundos e bem
fundamentados votos dos Ministros que aleacutem de delimitarem a extensatildeo e os limites
da liberdade de expressatildeo (art 5o IV e IX) acabaram indicando as bases filosoacuteficas
e juriacutedicas para a interpretaccedilatildeo do cataacutelogo de direitos fundamentais da Constituiccedilatildeo
de 1988
Nesse sentido o voto do Ministro Marco Aureacutelio tratou de definir o sistema de
direitos fundamentais como a ldquoproacutepria essecircncia da Constituiccedilatildeordquo qualificando-os
como ldquovalores objetivos que servem como norte da atuaccedilatildeo estatalrdquo Assim estaacute
consignado nos fundamentos do referido voto
A Constituiccedilatildeo de 1988 representou um divisor de aacuteguas entre o antigo regime totalitaacuterio e um periacuteodo de redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes marcando dessa forma uma eacutepoca que tem como modelo de atuaccedilatildeo do Estado o respeito incondicional aos direitos fundamentais Por isso mesmo o sistema constitucional dos direitos fundamentais previsto no artigo 5o da Carta com os eventuais acreacutescimos do sect 2o reflete em rigor e em larga medida a proacutepria essecircncia da Constituiccedilatildeo e a retomada do processo de democratizaccedilatildeo e da garantia do cidadatildeo contra abusos e arbitrariedades no exerciacutecio do Poder Puacuteblico Os direitos fundamentais satildeo hoje verdadeiros princiacutepios estruturantes da organizaccedilatildeo e do funcionamento do Estado valores objetivos que servem como norte da atuaccedilatildeo estatal em seus mais diferentes niacuteveis no Legislativo formam um cataacutelogo de princiacutepios e garantias que informam e direcionam toda a atividade de criaccedilatildeo das normas de nosso ordenamento juriacutedico e de concretizaccedilatildeo dos preceitos constitucionais no Executivo mostram-se como verdadeiros limites ao exerciacutecio do poder administrativo servindo como trincheiras de proteccedilatildeo da liberdade do cidadatildeo e no judiciaacuterio refletem a base e o fundamento necessaacuterio da compreensatildeo e interpretaccedilatildeo de nossas normas ndash efeito interpretativo - evitando que a atividade jurisdicional se transforme em medidas discricionaacuterias ou providecircncias ilegiacutetimas de opccedilotildees poliacuteticas pautadas em escolhas pessoais dos juiacutezes
Tudo indica que se trata do iniacutecio de uma soacutelida construccedilatildeo jurisprudencial a
respeito do sentido axioloacutegico do sistema de direitos fundamentais da Constituiccedilatildeo
de 1988
30
Os Direitos Individuais satildeo de exerciacutecio exclusivo do indiviacuteduo e devem ser
formalmente reconhecidos e concretizados no cotidiano do cidadatildeo O indiviacuteduo aqui
eacute considerado um sujeito de direitos e natildeo apenas como integrante de um corpo
social Esses direitos natildeo podem sofrer nenhum tipo de restriccedilatildeo natildeo se
discriminando quem os pode exercer uma vez que satildeo titulares todas as pessoas
capazes incapazes brasileiras estrangeiras alfabetizadas e iletradas
A Constituiccedilatildeo Cidadatilde foi a primeira a estabelecer direitos natildeo soacute de
indiviacuteduos mas tambeacutem de grupos sociais os denominados direitos coletivos Com
isso as pessoas passaram a ser coletivamente consideradas Os direitos individuais
e coletivos estatildeo anunciados no art 5ordm em setenta e sete incisos e em dois
paraacutegrafos
Verifica-se que os Direitos Individuais tecircm como ponto marcante a liberdade
seja ela tomada de maneira global ou especiacutefica como liberdade de associaccedilatildeo de
reuniatildeo A liberdade de reuniatildeo (art 5ordm XVI) constitui-se na primeira e mais simples
liberdade corporativa estando logo apoacutes a liberdade de locomoccedilatildeo
Os Direitos Sociais tecircm como titular uma coletividade e satildeo caracterizados
pela prestaccedilatildeo de serviccedilos ou oferecimento de melhorias para a sociedade como um
todo por parte do Poder Puacuteblico Assim os Direitos Sociais tornam possiacutevel a fruiccedilatildeo
e o exerciacutecio dos Direitos Individuais pela coletividade mesmo pelos carentes
materialmente
O art 6deg define os Direitos Sociais da seguinte maneira ldquoSatildeo Direitos Sociais
a educaccedilatildeo a sauacutede o trabalho a moradia o lazer a seguranccedila a previdecircncia
social a proteccedilatildeo agrave maternidade e agrave infacircncia a assistecircncia aos desamparados na
forma desta Constituiccedilatildeordquo
Portanto eacute obrigatoacuteria ao Estado a proteccedilatildeo dos interesses da coletividade
com o atendimento dos direitos acima citados
Satildeo direitos poliacuteticos os que conferem o acesso da populaccedilatildeo agrave participaccedilatildeo
no Poder do Estado tais como os direitos de votar e ser votado do referendo
plebiscito e iniciativa popular das leis O direito democraacutetico de participaccedilatildeo dos
cidadatildeos no governo por meio de seus representantes exigiu a formaccedilatildeo de um
conjunto de normas legais permanentes que recebeu a denominaccedilatildeo de direitos
poliacuteticos Os Direitos Poliacuteticos amparam os Direitos Individuais Sociais e
Econocircmicos pois quando desaparece a democracia desaparecem imediatamente
as liberdades fundamentais
31
Com o advento da Constituiccedilatildeo de 1988 foram criadas instituiccedilotildees para
fiscalizar e controlar a atuaccedilatildeo da administraccedilatildeo puacuteblica entre as quais o Ministeacuterio
Puacuteblico que funciona como um canal de expressatildeo dos direitos da populaccedilatildeo
O Ministeacuterio Puacuteblico foi a instituiccedilatildeo que mais ganhou importacircncia no cenaacuterio
puacuteblico por ter passado a defender os interesses coletivos ou seja os interesses de
um grupo categoria ou classe e natildeo de um indiviacuteduo isolado No artigo 127 o
Ministeacuterio Puacutebico (MP) eacute definido como ldquouma instituiccedilatildeo permanente essencial agrave
funccedilatildeo jurisdicional do Estado incumbindo-lhe a defesa da ordem juriacutedica do regime
democraacutetico e dos interesses sociais e individuais indispensaacuteveisrdquo
Cabe ao Ministeacuterio Puacuteblico exigir dos poderes puacuteblicos e dos serviccedilos de
relevacircncia puacuteblica respeito aos direitos elencados na Constituiccedilatildeo promovendo as
medidas necessaacuterias agrave garantia desses direitos Portanto eacute responsaacutevel pela
garantia da ordem juriacutedica do regime democraacutetico da moralidade puacuteblica e dos
direitos sociais e individuais
23 A consagraccedilatildeo dos direitos do cidadatildeo
A Constituiccedilatildeo de 1988 eacute o coroamento da histoacuteria constitucional do Brasil por
ter sido um marco da redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes opondo-se a qualquer forma de
autoritarismo Nela a cidadania foi consagrada como um dos fundamentos da
Repuacuteblica Federativa do Brasil (art 1ordm inc II) Observe-se que o termo cidadania
encontra-se na Constituiccedilatildeo em sentido mais amplo do que o de titular de direitos
poliacuteticos pois qualifica os participantes da vida do Estado e reconhece o indiviacuteduo
como pessoa integrada na sociedade estatal
Essa nova concepccedilatildeo de cidadania introduzida pela Constituiccedilatildeo Federal de
1988 eacute fruto da internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos e como marco principal da
institucionalizaccedilatildeo erigiu em seu artigo primeiro a dignidade da pessoa humana (inc
III) e a cidadania (incII) a princiacutepio fundamental
Institui com o princiacutepio da cidadania uma nova compreensatildeo acerca dos
direitos de deveres da pessoa elevado-o a status maacuteximo a regra-matriz que natildeo
pode ser desrespeitada pois os fundamentos constituem a essecircncia da Repuacuteblica
32
Federativa e servem como regra-matriz para a elaboraccedilatildeo interpretaccedilatildeo e
integraccedilatildeo do sistema juriacutedico nacional
Violar um princiacutepio eacute muito grave que transgredir uma norma qualquer A desatenccedilatildeo ao principio implica ofensa natildeo apenas a um especifico mandamento obrigatoacuterio mas a todo o sistema de comandos Eacute a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade representa insurgecircncia contra todo o sistema subversatildeo de valores fundamentais (MELLO apud CHIMENTI 2005 P 33)
Para Silva (2004) cidadania eacute discriminada como princiacutepio relativo ao regime
poliacutetico Dessa forma compreendida cidadania como princiacutepio fundamental eacute o
direito de participar dos destinos do Estado e mais usufruir dos direitos civis
fundamentais previstos na Constituiccedilatildeo
Muitos doutrinadores utilizam cidadania no mesmo sentido de nacionalidade
(Art 12 da Constituiccedilatildeo Federal) e de direitos poliacuteticos (Art 14) Em alguns outros
dispositivos a palavra cidadania (ou cidadatildeo) poderia ainda ter a significaccedilatildeo de
direitos poliacuteticos mas mesmo assim de forma impliacutecita a exemplo dos arts 22 XIII
e 5ordm LXXIII No primeiro se lecirc que compete agrave Uniatildeo legislar sobre nacionalidade
cidadania e naturalizaccedilatildeo e no segundo que qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima
para propor accedilatildeo popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de
entidade de que o Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e
ao patrimocircnio histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de
custas judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia No entanto conforme Mazzuoli (2002)
Observe-se que a Carta de 1988 ao tratar no seu art 14 dos direitos poliacuteticos natildeo se refere sequer em um momento agrave expressatildeo cidadania dizendo apenas que a soberania popular seraacute exercida pelo sufraacutegio universal e pelo voto direito e secreto com valor igual para todos (hellip) Pelo contraacuterio a Constituiccedilatildeo faz uma separaccedilatildeo entre cidadania e direitos poliacuteticos quando no seu art 68 sect 1ordm II ao tratar das leis delegadas exclui do acircmbito da delegaccedilatildeo legislativa a nacionalidade cidadania direitos individuais poliacuteticos e eleitorais
A Constituiccedilatildeo brasileira de 1988 com a transiccedilatildeo para o regime democraacutetico
consagrou expressamente esta nova concepccedilatildeo de cidadania como se depreende
da leitura de vaacuterios dos seus dispositivos
Foi nesse sentido que pioneiramente estatuiu a Carta de 1988 em seu art
1ordm que a Repuacuteblica Federativa do Brasil formada pela uniatildeo indissoluacutevel dos
33
Estados e Municiacutepios e do Distrito Federal constitui-se em Estado Democraacutetico de
Direito e tem como fundamentos dentre outros a cidadania (inc II) Como jaacute
mencionado
Na mesma esteira o disposto no art 5ordm incisos LXXI (conceder-se-aacute
mandado de injunccedilatildeo sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviaacutevel o
exerciacutecio dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes agrave
nacionalidade agrave soberania e agrave cidadania) e LXXVII (satildeo gratuitas as accedilotildees de
habeas-corpus e habeas-data e na forma da lei os atos necessaacuterios ao exerciacutecio
da cidadania) No seu Tiacutetulo VIII Capiacutetulo II Seccedilatildeo I a Carta Magna de 1988
dispotildee ainda que a
Educaccedilatildeo direito de todos e dever do Estado e da famiacutelia seraacute promovida e incentivada com a colaboraccedilatildeo da sociedade visando ao pleno desenvolvimento da pessoa seu preparo para o exerciacutecio da cidadania e sua qualificaccedilatildeo para o trabalho (art 205)
Outro dispositivo em que fica bastante marcada esta nova concepccedilatildeo de
cidadania eacute o art 64 do Ato das Disposiccedilotildees Constitucionais Transitoacuterias que
dispotildee
A Imprensa Nacional e demais graacuteficas da Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios da administraccedilatildeo direta ou indireta inclusive fundaccedilotildees instituiacutedas e mantidas pelo Poder Puacuteblico promoveratildeo ediccedilatildeo popular do texto integral da Constituiccedilatildeo que seraacute posta agrave disposiccedilatildeo das escolas e dos cartoacuterios dos sindicatos dos quarteacuteis das igrejas e de outras instituiccedilotildees representativas da comunidade gratuitamente de modo que cada cidadatildeo brasileiro possa receber do Estado um exemplar da Constituiccedilatildeo do Brasil
Enfim a Constituiccedilatildeo de 1988 enriqueceu e ampliou os conceitos de cidadatildeo
e cidadania Seu entendimento agora como leciona Silva (2005)
Decorre da ideia de Constituiccedilatildeo dirigente que natildeo eacute apenas um repositoacuterio de programas vagos a serem cumpridos mas constitui um sistema de previsatildeo de direitos sociais mais ou menos eficazes em torno dos quais eacute que se vem construindo a nova ideacuteia de cidadania
De forma que natildeo mais se trata de considerar a cidadania como simples
qualidade de gozar direitos poliacuteticos mas sim de aferir-lhe um nuacutecleo miacutenimo e
irredutiacutevel de direitos (fundamentais) que devem se impor obrigatoriamente agrave accedilatildeo
dos poderes puacuteblicos
34
O ordenamento juriacutedico brasileiro consagrou aleacutem dos institutos jaacute
mencionados alguns outros mecanismos de defesa dos direitos e garantias
constitucionais da cidadania como a accedilatildeo civil puacuteblica regulada pela Lei nordm
734785 e accedilatildeo direta de inconstitucionalidade prevista no incIV do art 129 da
Constituiccedilatildeo Federal O Coacutedigo de Defesa do Consumidor o Estatuto da Crianccedila e
do Adolescente e ateacute mesmo o princiacutepio do devido processo legal que resguarda ao
cidadatildeo o acesso agrave justiccedila e direito de ser acionado judicialmente por meio de
procedimentos legais satildeo mecanismos de defesa dos direitos de cidadania
previstos constitucionalmente e garantidos na esfera poliacutetica civil e social
Pode-se observar que a cidadania comeccedilou a ser construiacuteda como resultado
de um processo de luta a partir da conscientizaccedilatildeo dos direitos e deveres do
homem Como vimos a cidadania jaacute em praacutetica em muitos paiacuteses adquire no
Brasil com a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 um novo sentido qual seja o
pressuposto do exerciacutecio pleno de um sistema de direitos e garantias
35
CAPIacuteTULO 3 - CIDADANIA COMO MECANISMO DE
TRANSFORMACcedilAtildeO SOCIAL
No momento em que a cidadania alccedila voos constitucionais e insere-se na
Carta Poliacutetica da Repuacuteblica Federativa do Brasil inicia-se o processo de
redemocratizaccedilatildeo e ganha relevo o cidadatildeo agente deste processo que tem em
suas matildeos a tarefa da construccedilatildeo de um novo tempo
Historicamente a ideia de cidadatildeo conotava o habitante da cidade ndash o
citadino ndash firma-se entatildeo tal conotaccedilatildeo na Antiguumlidade claacutessica para depois
significar aquele indiviacuteduo a quem se atribuem os direitos poliacuteticos Superada essa
acepccedilatildeo que tambeacutem vigorou nas constituiccedilotildees anteriores da Repuacuteblica do Brasil
na concepccedilatildeo moderna estaacute clara a noccedilatildeo de cidadatildeo como aquele que a quem
consiste a titularidade de direitos individuais poliacuteticos e sociais Noccedilatildeo esta
edificada com a internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos que amplia a acepccedilatildeo do
termo declarando que satildeo cidadatildeos todo aquele que habita o acircmbito da soberania
de um Estado e deste Estado recebem uma carga de direitos e tambeacutem deveres dos
mais variados
Desta forma a noccedilatildeo contemporacircnea de cidadania funda-se na dicotomia
direitos (exerciacutecios de direitos fundamentais - participaccedilatildeo) e deveres (colaboraccedilatildeo -
solidariedade) Ao lado dos direitos foram estabelecidos deveres fundamentais e
portanto tanto agentes puacuteblicos como os indiviacuteduos tecircm obrigaccedilotildees especiacuteficas
inclusive a de respeitar os direitos das demais pessoas que vivem na ordem social
sendo e promovendo mecanismos de transformaccedilatildeo social que visam uma nova
sociedade baseada na igualdade e na justiccedila
36
31 O ser cidadatildeo
Os termos indiviacuteduo ser humano pessoa e cidadatildeo satildeo geralmente tomados
como sinocircnimo o que certamente influi na proliferaccedilatildeo de incontaacuteveis significados e
ampliaccedilatildeo do termo cidadatildeo Poreacutem estas palavras apesar de se assemelharem
possuem carga semacircntica proacutepria e da compreensatildeo exata de cada uma decorre a
conceituaccedilatildeo mais acentuada da acepccedilatildeo do termo cidadatildeo como titular de direitos
e deveres resguardados pela constituiccedilatildeo paacutetria
Desta forma indiviacuteduo eacute um representante da espeacutecie aquele que eacute uacutenico
Enquanto ser humano eacute um termo mais geneacuterico ou indeterminado que diz respeito
agrave espeacutecie agrave classificaccedilatildeo ao mundo zooloacutegico Pessoa por sua vez eacute um termo
mais especiacutefico que tem a ver com o mundo civilizado ou se preferirmos com a
constelaccedilatildeo dos valores morais eacuteticos e juriacutedicos proacuteprios da civilizaccedilatildeo
A etimologia da palavra pessoa demonstra que eacute um conceito sobreposto ao conceito de Ser Humano Um refratildeo de origem juriacutedica tambeacutem nos lembra do homo plures pessoa polimorfa o ser humano capaz de desempenhar muitos papeacuteis um mesmo ser humano eacute empresaacuterio e delinquumlente eacute pai e metaluacutergico etc Persona (personagem) era a maacutescara que usavam os atores da trageacutedia grega para desempenhar seu papel Cabe portanto entender o conceito de Ser Humano ao lado do conceito de Pessoa No direito romano antigo os escravos eram seres humanos (homens) mas natildeo eram consideradas pessoas (patriacutecios) Os juristas romanos que usavam o conceito de Ser Humano o dissociavam do conceito de pessoas (CUNHA 2007)
O Ser Humano recebe uma distinccedilatildeo importante quando o consideramos
como Pessoa assim como a Pessoa recebe uma distinccedilatildeo redundante natildeo menos
importante quando a consideramos por forccedila de expressatildeo como uma pessoa
humana Subentendendo o adjetivo humano como relativo agrave eacutetica Portanto Ser
Humano natildeo eacute a mesma coisa que Pessoa como tampouco Ser Humano eacute o
mesmo que cidadatildeo este muito eacute mais proacuteximo do termo Pessoa Vejamos o quadro
ilustrativo que esquematiza e distinguem os referidos conceitos
37
QUADRO 1 ndash EVOLUCcedilAtildeO DO SER HUMANO ATEacute O CIDADAtildeO
O Ser Humano O Ser Indiviacuteduo O Ser Pessoa O Ser Cidadatildeo
A Dimensatildeo do conviacutevio social
A dimensatildeo do mercado de trabalho e
Consumo
A Dimensatildeo de encontrar-se no mundo
A dimensatildeo de intervir na realidade
O homem tornar-se Ser Humano nas relaccedilotildees
de conviacutevio social
O Ser Humano tornar-se indiviacuteduo quando
descobre seu papel e funccedilatildeo social
O Indiviacuteduo torna-se pessoa quanto toma
consciecircncia de si mesmo do outro e do
mundo
A pessoa torna-se cidadatildeo quando
interveacutem na realidade em que vive
Quem estuda o comportamento do Ser
Humano Seria a antropologia a histoacuteria
ou a sociologia
Quem estuda o comportamento do indiviacuteduo Seria a
Filosofia a sociologia ou a Psicologia
Quem estuda o comportamento da pessoa Seria a
Filosofia a sociologia ou a Psicologia
Quem estuda o comportamento do cidadatildeo Seria a
Sociologia a Filosofia ou As ciecircncias
poliacuteticas
Quem garante os direitos do Ser
Humano A Declaraccedilatildeo Universal
dos Direitos Humanos
Quem garante os Direitos do
Consumidor O Coacutedigo do Consumidor
Quem garante os Direitos da pessoa A proacutepria pessoa (amor proacuteprio ou autoestima)
Quem garante os Direitos do cidadatildeo (A Constituiccedilatildeo e suas leis
regulamentares)
Existe realmente uma natureza humana Teologicamente
afirmamos que existe a uma natureza humana
Seguindo a corrente existencialista (JP Sartre) negamos tal
natureza
Que diferenccedila existe entre o direito do
consumidor e o direito do cidadatildeo Ao
Consumidor deve ser dado o direito de
propriedade enquanto ao cidadatildeo deve ser
dado o direito de acesso
O que significa tornar-se pessoa no niacutevel
psicoloacutegico e social A pessoa eacute o indiviacuteduo que toma consciecircncia de si mesmo (ldquoTornar-
se Pessoardquo de Karl Roger)
Como podemos intervir na realidade
modificando as estruturas corruptas e injustas Quando os
direitos do cidadatildeo lhe satildeo oferecidos e o
mesmo passa a exercecirc-lo haacute
modificaccedilatildeo de comportamento
(ROSAS 2009)
O cidadatildeo eacute portanto aquele indiviacuteduo a quem a Constituiccedilatildeo confere direitos
e garantias e lhe daacute o poder do seu efetivo exerciacutecio aleacutem de meios processuais
eficientes contra a violaccedilatildeo de seu gozo ou fruiccedilatildeo por parte do poder puacuteblico
Sendo assim
A passagem do indiviacuteduo a cidadatildeo caracteriza-se pelo reconhecimento pela lei de direitos considerados fundamentais agrave realizaccedilatildeo da vida do homem como indiviacuteduo e ser social membro de uma comunidade poliacutetica e a garantia desses direitos pela forccedila comum de todos (CUNHA 2007)
38
Nas uacuteltimas deacutecadas em alguns paiacuteses inclusive no Brasil desenvolveu-se o
conceito de cidadania calcado principalmente na questatildeo do cidadatildeo-consumidor
As pessoas passam a ser vistas como cidadatildes desde que tenham dinheiro para
adquirir mercadorias e utilizar serviccedilos Eacute certo pois que serviccedilos e mercadorias
atendem a necessidades materiais e simboacutelicas das pessoas e consumi-los eacute um
dos modos de participar da vida social criar identidade e partilhar dos bens
produzidos pela humanidade e representar-se culturalmente Contudo a cidadania
enfatizada apenas como uma relaccedilatildeo de compra e venda de mercadorias e serviccedilos
assume um conteuacutedo restrito individual conformista e voltado apenas para a
aquisiccedilatildeo de bens o que se relaciona com a ideacuteia de indiviacuteduo ou seja o consumo
atende as necessidades do indiviacuteduo
Outra forma de confusatildeo acerca do conceito de cidadatildeocidadania refere-se a
equiparaccedilatildeo feita com o assistencialismo o que configura uma acentuada inversatildeo
do termo uma vez que a praacutetica do assistencialismo natildeo propicia meios de
superaccedilatildeo das desigualdades sociais Enquanto a cidadania estaacute relacionada agrave
superaccedilatildeo das desigualdades sociais e a extensatildeo da garantia dos direitos de todos
O cidadatildeo eacute sem duacutevida uma expressatildeo que precisa ser adequadamente
utilizada e vivenciada pela coletividade compreendido na dimensatildeo do ser pessoa
de ter direitos e deveres do assumir as suas liberdades e responsabilidades no seio
de uma comunidade democraacutetica equitativa solidaacuteria e intercultural
Dessa forma ser cidadatildeo implica saber viver em sociedade estando ciente
dos anseios comuns A participaccedilatildeo ativa nas decisotildees de sua comunidade
influencia modos de vida de maneira positiva ao seu redor assim torna-se
imprescindiacutevel o exerciacutecio dos direitos constitucionais adquiridos e lutar pelos que
viratildeo eacute sobretudo estar consciente de todas as atitudes tomadas em prol da
sociedade
Eacute possiacutevel nesse espaccedilo de discussatildeo falar em ldquoestar cidadatildeordquo que eacute natildeo
praticar o exerciacutecio da cidadania em nenhuma de suas formas Implica apenas em
se deixar levar pelos acontecimentos e ainda reclamar das situaccedilotildees vividas sem
nada fazer para mudar sem nenhuma perspectiva de futuro Do que concluiacutemos que
a dinacircmica de intervir na realidade eacute pressuposto de cidadania
Ser cidadatildeo eacute tarefa que requer muito do ser humano do individuo da
pessoa Requer uma alta - estima elevada uma consciecircncia solidaacuteria uma
39
identidade que se reconheccedila na dinacircmica social interagindo com o outro ampliando
debates incitando justiccedila eacute sem duvida uma tomada de posiccedilatildeo que natildeo se
acomoda pelo contraacuterio se incomoda quando natildeo haacute comprometimento para o bem
comum
Natildeo eacute uma tarefa cocircmoda senatildeo muito complicada as pessoas natildeo nascem cidadatildeos mas fazem-se no tempo e no espaccedilo Na verdade natildeo eacute faacutecil exercer a liberdade e a cidadania ndash ser pessoa e ser cidadatildeo ndash por isso exige-se uma luta sem treacuteguas para erradicar assimetrias e exclusotildees socioculturais e criar cenaacuterios de esperanccedila realizaacuteveis fundamentados em valores e princiacutepios eacuteticos que requalifiquem a democracia com cidadatildeos participativos e
comprometidos ( SAEZ 1995)
Tem portanto como pressuposto uma mudanccedila de comportamento uma
tomada de posiccedilatildeo frente agrave dinacircmica social na qual estaacute inserido participando de
forma ativa e produtiva do processo de construccedilatildeo da cidadania por meio de seus
diversos canais
32 Emancipaccedilatildeo social atraveacutes da cidadania
Um Estado Democraacutetico eacute aquele que estaacute enraizado na legitimidade do
poder do povo e dele decorre seu exerciacutecio Assim o poder do povo eacute a expressatildeo
a aptidatildeo de homens e mulheres constituir autonomamente seu viver sem sucumbir
diante das instacircncias de poder Haacute nesse modus vivendi uma tutela das diferenccedilas e
pluralidades de formas de vida
Desta forma a cidadania eacute enfocada como o processo de participaccedilatildeo do
individuo ou de um grupo organizado nas mais variadas aacutereas de atuaccedilatildeo na
sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos sociais com a consciecircncia
da responsabilidade por sua proacutepria histoacuteria
Sendo a democracia o regime em que o povo governa sua caracteriacutestica
inarredaacutevel eacute a de ter o povo agrave frente do poder uma forma de autogoverno Em
assim sendo a cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia por meio de resultados
palpaacuteveis e medidas concretas tais como mudanccedilas na realidade de cada um com
melhoria de vida e conscientizaccedilatildeo da importacircncia na sociedade para o exerciacutecio
40
direto ou indireto desse poder pois se contentar com fato do direito estaacute prescrito
em lei natildeo eacute o bastante
Eacute certo poreacutem que o Estado democraacutetico somente se aperfeiccediloa na
proporccedilatildeo em que o povo age ativamente na medida em que os representantes
reflitam em seus atos os verdadeiros anseios populares Partindo dessa visatildeo a
cidadania eacute o grande fator de legitimaccedilatildeo do povo permitindo que ele aja em defesa
das instituiccedilotildees democraacuteticas
Sobre a participaccedilatildeo cumpre asseverar que este direito significa a
capacidade de ser consultado para as tomadas de decisatildeo que dizem respeito agrave
direccedilatildeo da sociedade em que vive o cidadatildeo este direito eacute acompanhado do
respeito aos deveres de contribuir para o progresso social e de acatar e respeitar o
resultado obtido em consulta coletiva
No elenco de mecanismo de exerciacutecio da cidadania estaacute o acesso ao direito e
a justiccedila que eacute fator preponderante para efetivar as garantias constitucionais
Assim passaremos a discorrer sobre a importacircncia de instrumentalizar o
cidadatildeo para um pleno exerciacutecio de seus direitos
Eacute Sabido que no Estado Democraacutetico Contemporacircneo os direitos
fundamentais constitucionalmente assegurados tecircm eficaacutecia imediata cumprindo ao
Estado garantir a todos os cidadatildeos o respeito a esses Direitos de modo concreto e
efetivo natildeo obstante as inuacutemeras desigualdades e condiccedilotildees adversas que
dificultam na praacutetica o seu exerciacutecio
Para o acesso ao direito o Estado deve desenvolver com eficiecircncia uma seacuterie
de atividades essenciais e dar efetividade a uma seacuterie de pressupostos Dentre eles
o principal eacute o conhecimento do Direito como fator preponderante pois o
desconhecimento da lei implica na praacutetica natildeo acionar a jurisdiccedilatildeo Um fato que
contribui para essa assertiva eacute baixa escolaridade da populaccedilatildeo e o analfabetismo
Muito pouco adianta a existecircncia de uma Constituiccedilatildeo apenas formal ou no
papel se ilegiacutetima ou desrespeitada Para que ocorra a eficaacutecia das normas
dispostas numa Constituiccedilatildeo ou melhor para que passe da teoria agrave praacutetica eacute
essencial que comandados e comandantes tenham conhecimento dos seus direitos
e responsabilidades assim como dos instrumentos juriacutedicos para efetivaacute-los (leis
regulamentadoras) O exerciacutecio da cidadania natildeo eacute somente um direito mas eacute
tambeacutem um dever de todos pois a omissatildeo de cada um contribui com as injusticcedilas e
as impunidades tatildeo presentes nos dias atuais
41
A Constituiccedilatildeo quando eacute justa e legiacutetima e principalmente quando eacute
respeitada eacute um poderoso instrumento de promoccedilatildeo e desenvolvimento social e
humano
Outro fator que deve ser considerado eacute a miserabilidade que coloca inuacutemeros
brasileiros a margem da sociedade em situaccedilatildeo precaacuteria os quais para Pinsky
(2004) ldquodesprovidos de esperanccedila de projeto de qualquer perspectiva de inclusatildeo
[] recorrer agrave Justiccedila humana parece algo irrealizaacutevel sofisticado e inteiramente
ficcionalrdquo
Desta forma o primeiro passo para concretizar os direitos previstos
constitucionalmente eacute a formaccedilatildeo do cidadatildeo atraveacutes da Educaccedilatildeo Baacutesica
infundindo-lhe a consciecircncia dos seus direitos e tambeacutem dos seus deveres sociais
bem como dos valores humanos fundamentais que devem ser por todos respeitados
na vida em sociedade A universalizaccedilatildeo do ensino fundamental a oferta obrigatoacuteria
de educaccedilatildeo infantil pelo Estado e o crescimento da oferta do ensino meacutedio satildeo
alguns dos aspectos que merecem destaques e foi devido agrave determinaccedilatildeo
constitucional de estabelecer o caraacuteter obrigatoacuterio do ensino fundamental e de
responsabilizar o Estado por sua implementaccedilatildeo que tem iniacutecio o processo de
avanccedilo desse segmento
A Constituiccedilatildeo estabeleceu de forma mais clara o papel dos entes federados
na educaccedilatildeo Tambeacutem aumentou a participaccedilatildeo orccedilamentaacuteria destinada ao setor
Com as novas regras para distribuiccedilatildeo de recursos adotadas apoacutes a promulgaccedilatildeo
da Carta os municiacutepios voltam a interessar-se pela educaccedilatildeo fundamental e o paiacutes
atinge a universalizaccedilatildeo do setor o que se busca agora satildeo mecanismos para
garantir a qualidade no ensino
O segundo passo nessa dinacircmica eacute o oferecimento a todos os cidadatildeos de
condiccedilotildees miacutenimas de sobrevivecircncia e de existecircncia condignas atraveacutes do acesso
ao trabalho produtivo livremente escolhido e do pagamento de remuneraccedilatildeo capaz
de prover ao sustento do trabalhador e de sua famiacutelia
Para milhotildees de cidadatildeos que vivem na ignoracircncia e na miseacuteria nenhuma
utilidade ou eficaacutecia tecircm os inuacutemeros direitos constitucionalmente assegurados Para
aqueles que se habituaram a retirar proventos da mendicacircncia da prostituiccedilatildeo de
atividades iliacutecitas ou aqueles que se sentiram forccedilados a sujeitar-se agrave exploraccedilatildeo de
outrem para sobreviver natildeo haacute nenhuma crenccedila na dignidade da pessoa humana e
no valor social do trabalho
42
A pobreza engendra inuacutemeras relaccedilotildees de dominaccedilatildeo entre pessoas e entre grupos sociais As habitaccedilotildees subumanas da periferia das grandes cidades no Brasil constituem verdadeiros quistos sociais terras sem lei controladas por xerifes ou por quadrilhas de malfeitores O Estado que natildeo for capaz de dotar essas comunidades do acesso efetivo agrave Educaccedilatildeo agrave Sauacutede agrave Seguranccedila e agrave Paz Puacuteblicas e ao trabalho liacutecito certamente natildeo lhes estaraacute assegurando o acesso ao Direito porque a populaccedilatildeo abrutalhada pela miseacuteria e coagida pelo medo natildeo desfruta da miacutenima eficaacutecia concreta dos
seus direitos fundamentais (GRECO 2009)
Evidencia que acesso ao Direito nas sociedades modernas mesmo nas
economicamente desenvolvidas exige o fortalecimento dos grupos intermediaacuterios e
do associativismo O cidadatildeo natildeo estaacute mais em condiccedilotildees de defender-se
individualmente das ameaccedilas e lesotildees aos seus direitos perpetradas por pessoas ou
grupos que se encontram em posiccedilatildeo de vantagem nas relaccedilotildees econocircmicas e
sociais
O sindicato veio exercer este importante papel em relaccedilatildeo ao trabalhador
empregado Mas hoje as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo natildeo satildeo apenas as que existem no
mundo do trabalho mas as que se revelam em todos os tipos de relaccedilotildees humanas
relaccedilotildees de consumo relaccedilotildees de vizinhanccedila relaccedilotildees locatiacutecias relaccedilotildees
comerciais internas e internacionais e natildeo com menor relevacircncia relaccedilotildees entre os
particulares e o Estado entre outras
Eacute preciso assegurar esse equiliacutebrio na praacutetica o que somente tornar-se-aacute
possiacutevel atraveacutes da articulaccedilatildeo dos sujeitos que se encontram em posiccedilatildeo de
desvantagem em organizaccedilotildees e associaccedilotildees que pela uniatildeo de esforccedilos
consigam compensar o desequiliacutebrio existente e dar aos indiviacuteduos e grupos a forccedila
e a capa de proteccedilatildeo necessaacuterias para ombrearem-se aos seus adversaacuterios e
lutarem pelos seus direitos ou interesses em igualdade de condiccedilotildees
Para Greco (2009) o pressuposto indispensaacutevel do acesso ao Direito eacute a
transparecircncia do Estado no trato de questotildees que possam afetar a esfera de
interesses dos cidadatildeos e complementa que aos cidadatildeos eacute indispensaacutevel
assegurar o direito de influir eficazmente nas decisotildees do poder puacuteblico atraveacutes dos
mais diversos instrumentos de participaccedilatildeo democraacutetica Ele afirma que
A relaccedilatildeo Estado-cidadatildeo natildeo eacute mais a relaccedilatildeo soberano-suacutedito O cidadatildeo tem o direito de exigir do Estado o pleno respeito ao seu
43
patrimocircnio juriacutedico Lamentavelmente a crise do Estado tem levado o Brasil a aceitar-se como normal que as pessoas juriacutedicas de Direito Puacuteblico natildeo cumpram devidamente as prestaccedilotildees positivas de que satildeo devedoras perante os particulares cabendo a estes demandar na Justiccedila para obtecirc-las (GRECO 2009)
Essa visatildeo deformada da responsabilidade do Estado ocorre o
desvirtuamento da justiccedila Por outro lado agrave violaccedilatildeo da garantia constitucional da
tutela jurisdicional efetiva (Constituiccedilatildeo artigo 5 inciso XXXV) disciplina a lei natildeo
excluiraacute da apreciaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio lesatildeo ou ameaccedila ao direito Assim o
acesso ao Direito natildeo estaraacute concretamente assegurado se o Estado natildeo oferecer a
todo cidadatildeo a possibilidade de receber aconselhamento juriacutedico a respeito dos seus
direitos
Constituiccedilatildeo de 1988 no artigo 5deg inciso LXXIV assegurou a todos
ldquoassistecircncia juriacutedicardquo a englobar assistecircncia judiciaacuteria e assessoramento juriacutedico
extrajudicial Conforme Greco (2009) ldquoeacute preciso que esse direito seja assegurado
na praacutetica Uma vez que na vida moderna o Direito tornou-se excessivamente
complexordquo Ainda no dizer do autor a consciecircncia juriacutedica do homem comum que
deve ser adquirida na famiacutelia e na escola natildeo eacute mais suficiente para a tomada de
decisotildees na vida diaacuteria das pessoas Todas as pessoas mantecircm complexas relaccedilotildees
juriacutedicas com instituiccedilotildees financeiras com fornecedores de bens e de serviccedilos etc
Nessas relaccedilotildees juriacutedicas com frequecircncia os cidadatildeos tecircm de tomar decisotildees
raacutepidas O cidadatildeo que tem meios procura um advogado particular para assessoraacute-
lo Ao pobre o Estado deve assegurar o mesmo direito em plenitude
Sem duacutevida o uacuteltimo pressuposto do acesso ao Direito eacute o acesso agrave Justiccedila
no sentido de acesso a um tribunal estatal imparcial previamente instituiacutedo como
competente para a soluccedilatildeo de qualquer litiacutegio a respeito de interesse que se afirme
juridicamente protegido ou para a praacutetica de qualquer ato que a lei subordine agrave
aprovaccedilatildeo autorizaccedilatildeo ou homologaccedilatildeo judicial
Se o cidadatildeo tem consciecircncia dos seus direitos se o Estado lhe fornece
todas as condiccedilotildees para livremente exercecirc-los mas algum outro cidadatildeo ou algum
oacutergatildeo do proacuteprio Estado impede ou dificulta esse exerciacutecio cabe ao poder puacuteblico
pocircr agrave disposiccedilatildeo do cidadatildeo lesionado ou ameaccedilado a jurisdiccedilatildeo necessaacuteria para
assegurar o pleno acesso a tal direito
Atingimos eacute certo um estaacutegio de desenvolvimento do Direito Humanitaacuterio que
natildeo mais nos permite conformar-nos com uma realidade distante do padratildeo de
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convivecircncia humana que outras naccedilotildees jaacute alcanccedilaram O exerciacutecio pleno de
cidadania seraacute obra de mais de uma geraccedilatildeo Mas se trabalharmos com firmeza
certamente os jovens de hoje poderatildeo legar aos seus descendentes a emancipaccedilatildeo
cidadatilde um paiacutes melhor e uma sociedade mais justa e democraacutetica
33 O municiacutepio como acircmbito de exerciacutecio de cidadania
Historicamente o Municiacutepio enquanto unidade poliacutetico-administrativa surgiu
conforme descreve Berardi (2004) com a Repuacuteblica Romana interessada em
manter a dominaccedilatildeo paciacutefica das cidades conquistadas pela forccedila dos exeacutercitos
Sua origem mais de natureza socioloacutegica do que poliacutetica adveacutem do espiacuterito
associativo do homem e de suas relaccedilotildees de vizinhanccedila
Eacute pois a menor unidade territorial de Federaccedilatildeo cuja criaccedilatildeo reflete a base
da organizaccedilatildeo poliacutetica administrativa da Naccedilatildeo Portanto sua funccedilatildeo administrativa
historicamente vem assentada no princiacutepio do direito natural
O artigo primeiro da Constituiccedilatildeo Federal de 1998 estabelece que o
Municiacutepio ao lado dos Estados e do Distrito Federal formam a Republica Federativa
do Brasil que se constitui em Estado Democraacutetico de Direito O municiacutepio tem assim
um poder relevante para a aplicaccedilatildeo da democracia direta iniciada e fortalecida em
niacutevel local Diversos pensadores chegaram a afirmar que a descentralizaccedilatildeo de
poder resultante da constituiccedilatildeo Cidadatilde era antes de tudo uma conquista dos
Municiacutepios sendo eles os berccedilos da perpetuaccedilatildeo da Repuacuteblica e da Democracia
efetivamente por serem o uacutenico niacutevel de governo possuidores de respaldo e
localizaccedilatildeo fiacutesica ou seja solo municipal
Eacute certo que a Carta Magna de 1988 consolidou significativas inovaccedilotildees para a
vida municipal de forma que o Municiacutepio passou a constituir um dos entes da
federaccedilatildeo tratando-o como unidade dotada de autonomia poliacutetica expressa na
capacidade de poder elaborar a sua Lei Orgacircnica fugindo assim da tutela dos
estados que ateacute entatildeo eram considerados como uacutenicos componentes da federaccedilatildeo
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A Lei Orgacircnica Municipal traz em seu bojo aleacutem da organizaccedilatildeo
administrativa do Municiacutepio a restauraccedilatildeo do Poder Legislativo municipal definindo
a diversificaccedilatildeo normativa que natildeo existia nas leis organizacionais outorgadas pelo
Estado reflexo do poder constituinte outorgados aos Municiacutepios pela Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 como consequecircncia do efetivo exerciacutecio do conceito de Estado
Democraacutetico de Direito
O Municiacutepio enquanto ente federativo tem atualmente a responsabilidade de
ordenar o seu desenvolvimento social e a garantia do bem estar de seus habitantes
executando poliacuteticas puacuteblicas de accedilotildees a serem empreendidas na consolidaccedilatildeo
democraacutetica do Estado
Fundada no elemento participaccedilatildeo o exerciacutecio de cidadania amplamente
citado encontra sua efetividade no municiacutepio Pois eacute nesse acircmbito de localizaccedilatildeo
que as pessoas mantecircm um contato direto com os poderes instituiacutedos suas
necessidades imediatas e mediatas satildeo objetos da disciplina da Lei que visa o bem
comum base do Estado democraacutetico de Direito
Baseado na maacutexima do municipalista e defensor da descentralizaccedilatildeo poliacutetica
Franco Motoro sabiamente proferiu que ldquoningueacutem vive na Uniatildeo ou no Estado As
pessoas vivem no Municiacutepiordquo Assim a cidadania encontra seu melhor espaccedilo de
realizaccedilatildeo na comunidade onde convive A vida em comunidade gera anseios
comuns sentimentos comuns uma vez que a convivecircncia propicia que as pessoas
se conheccedilam e se reconheccedilam como membros de uma mesma realidade
De acordo com Harvey (1992) ldquoa globalizaccedilatildeo provoca anonimato enquanto
comunidade cultiva solidariedaderdquo o que implica participaccedilatildeo para o exerciacutecio de
cidadania
Tudo o que acontece no mundo seja no meu paiacutes na minha cidade ou no meu bairro acontece comigo Entatildeo eu preciso participar das decisotildees que interferem na minha vida Um cidadatildeo com um sentimento eacutetico forte e consciecircncia da cidadania natildeo deixa passar nada natildeo abre matildeo desse poder de participaccedilatildeo (Herbert de Souza Betinho)
Com esse embasamento natildeo se pode perder de vista que eacute nas relaccedilotildees
diaacuterias de oposiccedilatildeo ou solidariedade que as pessoas exercem cidadania Na relaccedilatildeo
do com o outro com os poderes ao estabelecer com a vida social e puacuteblica uma
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convivecircncia posto que cidadania eacute tarefa que natildeo termina natildeo eacute um conceito
pronto tatildeo pouco acabado enquanto seres inacabados que somos estaremos
buscando descobrindo criando e tomando consciecircncia mais ampla dos direitos
O desafio eacute construir um novo discurso sobre cidadania atraveacutes de uma
praacutetica poliacutetica sustentada isto eacute realizada em dois niacuteveis
O primeiro niacutevel na base atraveacutes de construccedilatildeo das capacidades e do poder
proacuteprio da populaccedilatildeo o que envolve inevitavelmente uma mudanccedila de atitude na
busca para garantir seus direitos utilizando-se do grau de autonomia local
Essa atitude conceberia agrave democracia participativa como uma poliacutetica paralela
de intervenccedilatildeo social criando e mantendo novos espaccedilos para a tomada de
decisotildees ou seja para o auto-governo pela populaccedilatildeo nas mateacuterias que afetam
diretamente suas vidas
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade
O segundo niacutevel um governo com o povo e natildeo apenas para o povo fundado
nos ditames constitucionais valorizando o sentimento da sociedade no exerciacutecio da
governabilidade de modo que o balizamento das accedilotildees de governo deixaria de estar
no proacuteprio governo e passaria a estabelecer-se a partir do pensar da sociedade Um
governo que se pergunta o que se deve fazer para ouvir com a maior fidelidade
possiacutevel a sociedade suas instituiccedilotildees representativas e o cidadatildeo Pois as
prioridades da gestatildeo deveriam ser definidas pela sociedade e natildeo mais pelo
governo
Portanto nesses termos eacute preciso considerar que as praacuteticas da
administraccedilatildeo puacuteblica sejam democratizadoras e inclusivas inspiradas nos
princiacutepios da legalidade impessoalidade moralidade publicidade e eficiecircncia Esta
uacuteltima buscou estabelecer uma Administraccedilatildeo Puacuteblica mais eficiente no sentido de
que o cidadatildeo como destinataacuterio dos serviccedilos puacuteblicos que o Estado deve prestar
receba-os com maior qualidade e menor custo para o eraacuterio puacuteblico
Para a consecuccedilatildeo desse governar com o povo alguns pontos devem ser
revistos A mudanccedila implica na necessidade de adequaccedilatildeo reorganizaccedilatildeo
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reformulaccedilatildeo Para isso se faz premente em face dos novos e modernos conceitos
de gestatildeo puacuteblica a superaccedilatildeo do tradicional vezo burocraacutetico que vem convertendo
a Administraccedilatildeo nas palavras Dromi (1995) numa cara ldquomaacutequina de impedirrdquo fiel
ldquocoacutedigo do fracassordquo que dispotildee ldquoartigo primeiro natildeo pode artigo segundo em
caso de duacutevida abstenha-se artigo terceiro se eacute urgente espere artigo quarto
sempre eacute mais prudente natildeo fazer nadardquo numa posiccedilatildeo natildeo burocraacutetica e sim
democraacutetica de considerar que organizaccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica inclui a
praacutetica de ver os cidadatildeos como membros plenos da comunidade poliacutetica tendo
acesso e exercitando direitos as que promovem a organizaccedilatildeo da populaccedilatildeo em
torno de temas de interesse comum as que incluem o controle social sobre a
gestatildeo o debate amplo e informado sobre questotildees de governo e que abrem agrave
populaccedilatildeo as decisotildees sobre estas questotildees Como leciona e Barrientos (2000)
Tratam-se de praacuteticas que natildeo buscam somente melhorar a eficiecircncia administrativa das diferentes organizaccedilotildees puacuteblicas mas que incorporam no seu processo de gestatildeo a dimensatildeo ativa da cidadania isto eacute ldquoque facilitam as iniciativas e responsabilidades de todos os envolvidos[] estabelecendo pontes entre Estado e sociedade civil
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade Acreditamos
que o ponto de partida eacute a atitude aliada agrave solidariedade e ao espiacuterito coletivo Pois
governo e cidadatildeos juntos haveratildeo de cumprir um novo papel no processo de
desenvolvimento como agentes de uma nova cultura
Como afirma Peter Drucke
A parceria comunitaacuteria seraacute um dos verdadeiros setores em crescimento das economias desenvolvidas Surge da necessidade de uma participaccedilatildeo mais direta e efetiva da comunidade nas grandes questotildees da vida social pois natildeo existe ningueacutem melhor que o cidadatildeo para saber o que ele quer para si para sua famiacutelia e para sua comunidade (apud RAMOS 1990)
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O envolvimento efetivo da sociedade nas questotildees sociais natildeo eacute apenas uma
postura moderna Significa antes de tudo uma atitude digna de todos aqueles que
desejam exercer sua cidadania contribuindo para um paiacutes melhor e em especial
para uma sociedade mais justa fraterna e solidaacuteria
Na histoacuteria observa-se a grande coragem das pessoas em construir o
reconhecimento delas proacuteprias e de seus direitos sempre buscando a participaccedilatildeo e
defendendo os Direitos Humanos Sem duacutevida a maior ecircnfase que deve ocorrer
para a construccedilatildeo real da cidadania eacute uma mudanccedila na sociedade O melhor a ser
feito eacute reforccedilar a organizaccedilatildeo democraacutetica buscando novas formas de participaccedilatildeo
social pois cidadania natildeo se resume ao poder de votar ou ser votado mas eacute sempre
na efetiva participaccedilatildeo popular pois somente com isso haacute a verdadeira
conscientizaccedilatildeo e o comprometimento daquele que passa a se sentir cidadatildeo
abandonando-se velhos viacutecios da poliacutetica representativa
Desse modo a participaccedilatildeo do povo no momento das reivindicaccedilotildees das
discussotildees e apreciaccedilotildees de projetos que visem agrave melhoria da comunidade local a
exigecircncia de transparecircncia na administraccedilatildeo da coisa puacuteblica dentre outras eacute quem
daraacute embasamento para as verdadeiras conquistas sociais no Municiacutepio que geram
saudaacuteveis formas de pressatildeo por efetivas poliacuteticas puacuteblicas de inclusatildeo social
gerando o fim do clientelismo poliacutetico tatildeo pejorativo e comum em nossa realidade e
cultura poliacutetica
Somente a participaccedilatildeo social eacute que iraacute causar uma real democratizaccedilatildeo do
poder A afirmaccedilatildeo da cidadania eacute pressuposto para a realizaccedilatildeo dos Direitos
Humanos pois os homens natildeo nascem naturalmente iguais Inclusive para que
ocorra a realizaccedilatildeo dos referidos direitos eacute necessaacuterio tambeacutem que exista um
espaccedilo puacuteblico que seja realmente democraacutetico e acessiacutevel possibilitando a
participaccedilatildeo de todos e esse espaccedilo eacute certamente o municiacutepio
Na praacutetica um forte instrumento de cidadania para atender as necessidades
coletivas eacute o orccedilamento participativo previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal que
determina expressamente a realizaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas e a participaccedilatildeo
popular nos processos de elaboraccedilatildeo e conduccedilatildeo dos orccedilamentos como forma de
incentivo agrave preparaccedilatildeo e execuccedilatildeo de planejamentos que envolvam diretamente o
povo A Lei veio incentivar a sua propagaccedilatildeo para todos os entes federativos tendo
em conta que se trata de uma tendecircncia mundial por legitimar as escolhas e
fortalecer o princiacutepio da transparecircncia
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Os meios de acesso do cidadatildeo junto aos Poderes Puacuteblicos eacute uma realidade
no Estado Democraacutetico de Direito brasileiro a exemplo das sessotildees do Poder
Legislativo que satildeo puacuteblicas ficando abertas a todos que delas quiserem participar
Emite-se uma pauta antes do comeccedilo da sessatildeo com a preacutevia dos debates Em
niacutevel municipal verifica-se um acompanhamento mais incisivo sobre as sessotildees das
Cacircmaras de Vereadores como forma de pressatildeo para aprovaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees
da comunidade avaliaccedilatildeo do desempenho e aceitaccedilatildeo de propostas orccedilamentaacuterias
e atuaccedilatildeo dos poliacuteticos bem como entendimento das funccedilotildees do Poder Legislativo
A Constituiccedilatildeo Federal assegura desde 1988 a possibilidade de se oferecer
peticcedilatildeo agraves Mesas Legislativas como forma de pedir informaccedilotildees sobre andamento
de projetos ou relatoacuterios encaminhados aos chefes do Poder Executivo Em niacutevel
municipal pode ser utilizada a Tribuna Livre como instrumento para denuacutencias de
problemas ou discussatildeo de um tema ou mesmo para apresentar sugestotildees sendo
regulado pela Lei Orgacircnica Municipal e pelo Regimento Interno da Cacircmara
A convocaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas tambeacutem possui previsatildeo constitucional
no art 58 sect 20 inciso II em niacutevel federal As comissotildees podem em razatildeo da
mateacuteria de sua competecircncia realizar audiecircncias puacuteblicas com entidades da
sociedade civil E nada obsta que estejam previstas formas de articulaccedilatildeo da
sociedade civil com os Presidentes das Comissotildees da Cacircmara no seu Regimento
Interno em acircmbito municipal
Os dispositivos da Constituiccedilatildeo Federal que dispotildeem sobre a forma de
participaccedilatildeo direta do cidadatildeo e da sociedade civil no processo democraacutetico natildeo se
pode negar que trouxe novas perspectivas De modo geral podemos citar
Art 29 A lei orgacircnica dos Municiacutepios tem que observar entre os seus
preceitos ldquocooperaccedilatildeo das associaccedilotildees representativas no planejamento municipalrdquo
Art 31 As contas dos municiacutepios ficaratildeo durante 60 (sessenta) dias
anualmente a disposiccedilatildeo de qualquer contribuinte para exame e apreciaccedilatildeo o qual
poderaacute questionar-lhes a legitimidade nos termos da lei
Art37 sect 3ordm (EC-1998) A lei disciplinaraacute as formas de participaccedilatildeo do usuaacuterio
na administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta regulando especialmente
I- as reclamaccedilotildees relativas a prestaccedilatildeo dos serviccedilos puacuteblicos em geral asseguradas
a manutenccedilatildeo de serviccedilo de atendimento ao usuaacuterio e a avaliaccedilatildeo perioacutedica externa
e interna da qualidade dos serviccedilos
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II- o acesso dos usuaacuterios a registros administrativos e a informaccedilatildeo sobre atos de
governo observado o disposto no art 5ordm X e XXXIII
III- a disciplina da representaccedilatildeo conta o exerciacutecio negligente ou abusivo de cargo
emprego ou funccedilatildeo na administraccedilatildeo puacuteblica
Art 74 sect 2ordm Qualquer cidadatildeo partido poliacutetico associaccedilatildeo ou sindicato eacute
parte legiacutetima para na forma de lei denunciar irregularidades ou ilegalidades perante
o Tribunal de Contas da Uniatildeo
Art194 paraacutegrafo uacutenico Compete ao Poder Puacuteblico nos termos da lei
organizar a seguridade social com base nos seguintes objetivos ()
VII ndash caraacuteter democraacutetivo descentralizado na administraccedilatildeo mediante gestatildeo
quadripartite com participaccedilatildeo dos trabalhadores dos empregados e dos
aposentados e do Governo nos oacutergatildeos colegiados nos oacutergatildeos colegiados
Art 198 As accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede integram uma rede
regionalizada e hierarquizada o constituem um sistema uacutenico organizado de acordo
com as seguintes diretrizes
III ndash participaccedilatildeo da comunidade
Art 202 sect 6ordm A lei complementa a que se refere o sect 4ordm deste artigo
estabeleceraacute os requisitos para a designaccedilatildeo dos membros das diretorias das
entidades fechadas de previdecircncia privada e disciplinaraacute a inserccedilatildeo dos
participantes nos colegiados e instacircncias de decisatildeo em que seus interesses sejam
objeto de discussatildeo e deliberaccedilatildeo
Art 204 As accedilotildees governamentais na aacuterea de assistecircncia social seratildeo
organizadas com base nas seguintes diretrizes
II ndash Participaccedilatildeo da populaccedilatildeo por meio de organizaccedilotildees representativas na
formulaccedilatildeo das poliacuteticas e no controle das accedilotildees em todos os niacuteveis
O protagonista na concretizaccedilatildeo dos direitos humanos e na ampliaccedilatildeo da cidadania eacute um sujeito coletivo de um trabalho sempre inacabado eis que se tratam de tarefas e conquistas cotidianas e gradativas obras que soacute podem ser realizada a muitas matildeos no partilhar e compartilhar da vida (COSTA NETO 2010)
A ampliaccedilatildeo da cidadania requer a consciecircncia de que os direitos pressupotildeem
deveres de maneira que os direitos de um indiviacuteduo satildeo garantidos a partir do
cumprimento dos deveres dos demais componentes da sociedade
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34 A necessaacuteria superaccedilatildeo de velhos paradigmas
Como se sabe em 1988 foi aprovada a Constituiccedilatildeo mais liberal e
democraacutetica do Brasil chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo Assim ampliou-se de
forma significativa o campo dos direitos e garantias fundamentais No que diz
respeito a tal mateacuteria eacute considerada como uma das mais avanccediladas do mundo No
seu preacircmbulo adota o modelo de um Estado democraacutetico de Direito destinado a
garantir o exerciacutecio dos direitos sociais e individuais a liberdade a seguranccedila o
bem-estar o desenvolvimento a igualdade e a justiccedila eleitos como valores
supremos de uma sociedade fraterna pluralista e sem preconceitos
Para a construccedilatildeo democraacutetica da cidadania no Brasil contemporacircneo
salienta-se de ela deve passar de uma democracia representativa para uma
cidadania que efetivamente molde a democracia ou seja uma cidadania instituinte
da democracia
No acircmbito constitucional positivo cidadania pressupotildee o exerciacutecio de todos
os direitos fundamentais e garantias que caracterizam o Estado democraacutetico de
Direito Quando se fala em cidadania eacute no sentido de reafirmar o direito pela plena
realizaccedilatildeo do indiviacuteduo do cidadatildeo dos entes coletivos e de sua emancipaccedilatildeo nos
espaccedilos da sociedade Estatildeo sempre intimamente ligados os conceitos de
cidadania democracia e direitos humanos sendo que um remete ao outro e seus
conteuacutedos se interligam ou seja a cidadania natildeo iraacute ocorrer sem que ocorra a
realizaccedilatildeo dos Direitos Humanos da mesma forma que os direitos humanos natildeo
seratildeo concretizados se natildeo houver o exerciacutecio da cidadania
Na evoluccedilatildeo histoacuterica tais categorias se desenvolveram de forma conjunta
com o Estado Representam noccedilotildees desejaacuteveis de relaccedilotildees humanas que se espera
sejam instituiacutedas Satildeo os elementos basilares na nova ordem social e que a
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 pretendeu edificar Poreacutem a democracia poliacutetica natildeo
resolveu os problemas econocircmicos mais seacuterios como a desigualdade e o
desemprego Continuam muito seacuterios os problemas da aacuterea social principalmente
na educaccedilatildeo nos serviccedilos de sauacutede e saneamento como tambeacutem e
principalmente quanto agrave seguranccedila puacuteblica
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A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 em seu artigo 6ordm e em outros artigos no texto
constitucional ampliou e muito os Direitos Sociais proibiu discriminaccedilotildees Assim
indicadores baacutesicos de qualidade de vida apontam que houve uma melhoria A
mortalidade infantil por exemplo caiu de maneira significativa nos uacuteltimos anos A
esperanccedila de vida ao nascer passou de 60 anos em 1980 para 70 em 2000 Poreacutem
o maior progresso foi na aacuterea da educaccedilatildeo fundamental que eacute considerado fator
decisivo para a cidadania pois a taxa de analfabetismo caiu consideravelmente
entretanto existem muitos problemas no campo educacional como a repetecircncia e
com relaccedilatildeo a desigualdade social entre as regiotildees
A grande concentraccedilatildeo da riqueza nacional nas matildeos de poucos reflete a
desigualdade e causa a pobreza e a miseacuteria ao passo que dificulta o acesso do
cidadatildeo agrave justiccedila e consequentemente ao seu estado de cidadania pleno
Dentre os fundamentos no qual se baseiam o Estado democraacutetico de Direito
no Brasil destaca-se justamente a cidadania e a dignidade humana conforme artigo
1ordm incisos II e III da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Entatildeo construir uma sociedade
livre justa e solidaacuteria garantir o desenvolvimento nacional erradicar a pobreza e a
marginalizaccedilatildeo reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de
todos sem preconceitos de origem raccedila sexo cor idade ou quaisquer outras
formas de discriminaccedilatildeo satildeo os objetivos fundamentais do Estado Brasileiro
conforme art 3ordm da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
O cenaacuterio de globalizaccedilatildeo econocircmica mundial tambeacutem traacutes seacuterios obstaacuteculos
para a construccedilatildeo da cidadania A globalizaccedilatildeo da economia em ritmo acelerado
provoca grandes mudanccedilas nas relaccedilotildees entre Estado sociedade e naccedilatildeo que
eram sempre o centro da noccedilatildeo e da praacutetica da cidadania ocidental O foco das
mudanccedilas e das preocupaccedilotildees estaacute em dois focos especiacuteficos a reduccedilatildeo do papel
central do Estado como fonte de direitos e local para a participaccedilatildeo e o
deslocamento da naccedilatildeo como principal fonte de identidade coletiva
Para que ocorra efetiva mudanccedila a melhor proposta eacute no sentido de
mudanccedila na organizaccedilatildeo da sociedade pois a inversatildeo da sequecircncia dos direitos
fez com que ocorra o reforccedilo da supremacia do Estado Para que ocorra a
consolidaccedilatildeo democraacutetica e cidadatilde eacute necessaacuterio reforccedilar a organizaccedilatildeo da
sociedade para assim dar embasamento social ao poder poliacutetico ou seja
finalmente democratizar o poder e estabelecer de forma plena a Cidadania
53
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A Constituiccedilatildeo que nasce com ldquocheiro de amanhatilde e natildeo de mofordquo nas
palavras do Deputado Ulisses Guimaratildees tem em seu relevo a esperanccedila de um
povo que sonhava com a erradicaccedilatildeo da repressatildeo militar e natildeo soacute isso um povo
que sonhava com a liberdade em suas diversas manifestaccedilotildees em suas mais
significativas formas de representaccedilatildeo e sobretudo com um paiacutes voltado para a
democracia e justiccedila social
Ao povo brasileiro foi concedido o poder de governar e nesse contexto de
mudanccedila a ldquodemocracia eacute o governo do povo pelo povo e para o povordquo na
conceituaccedilatildeo ceacutelebre de Abraham Lincoln E consoante estabelece o paraacutegrafo
uacutenico do art 1ordm da Carta cidadatilde de 1988 ldquotodo poder emana do povo que o exerce
por meio de representantes eleitos ou diretamenterdquo
No entanto natildeo basta que a fonte de poder seja o povo a democracia vem
significar a efetiva participaccedilatildeo do povo nas decisotildees e destino do Estado e sua
consolidaccedilatildeo eacute a proacutepria cidadania pois eacute o cidadatildeo que pensa e se auto define
diante da condiccedilatildeo soacutecio-histoacuterica O cidadatildeo tem portanto o poder de transformar
a realidade social segundo seu pensamento e accedilatildeo
Natildeo se pode negar que a Carta de 1988 foi a que apresentou maior
legitimidade popular que abriu caminhos apontando um novo tempo
Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita Se fosse perfeita seria irreformaacutevel Ela proacutepria com humildade e realismo admite ser emendada ateacute por maioria mais acessiacutevel dentro de cinco anos Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita mas seraacute uacutetil e pioneira e desbravadora Seraacute luz ainda que de lamparina na noite dos desgraccedilados Eacute caminhando que se abrem os caminhos Ela vai caminhar e abri-los Seraacute redentor o que penetrar nos bolsotildees sujos escuros e ignorados da miseacuteria (Ulysses Guimaratildees)
Mesmo natildeo sendo a constituiccedilatildeo perfeita sem duacutevida foi a que trouxe
esperanccedila ao povo brasileiro com a sua promulgaccedilatildeo surgiram o ldquohaacutebeas datardquo o
mandado de injunccedilatildeo e o mandado de seguranccedila coletivo - todos remeacutedios judiciais
de iacutendoles constitucionais serviacuteveis para prevenir e combater diversas tentativas de
abuso contra a pessoa humana Outrossim o objeto da accedilatildeo popular foi ampliado
Atualmente qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima para propor a mencionada accedilatildeo
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popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de entidade de que o
Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e ao patrimocircnio
histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de custas
judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia Nesse rol de forma decisiva houve a
ampliaccedilatildeo tambeacutem dos direitos sociais
Assim a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconhece e assegura uma seacuterie de
escudos protetivos aos cidadatildeos Em sua essecircncia os direitos fundamentais
ganham forma De modo que podemos assegurar que hoje o nosso Estado eacute uma
organizaccedilatildeo centrada no ser humano visto que tem a dignidade da pessoa humana
como um fundamento da Repuacuteblica Federativa do Brasil
Apesar das inuacutemeras dificuldades o Estado Democraacutetico de Direito fundado
na cidadania constituiu para o povo uma nova identidade ndash o que em outras eacutepocas
natildeo existia
A Constituiccedilatildeo circunscreve toda a organizaccedilatildeo poliacutetica estatal no intuito
maior de criar no consciente coletivo a vontade livre e determinada de desenvolver
padrotildees de condutas destinados a elevar e promover a auto-estima de toda a
comunidade paacutetria
Foi nesse sentido que estatui em seu artigo 1ordm a cidadania como fundamento
do Estado Democraacutetico de Direito ampliando e enriquecendo o tal conceito Cada
eacutepoca produziu praacuteticas e reflexotildees muito distintas sobre o tema cidadania A
definiccedilatildeo de cidadania que vem sofrendo alteraccedilotildees ao longo do tempo obedecendo
a um processo histoacuterico de conquistas sociais eacute compreendida atualmente como
um processo de participaccedilatildeo do indiviacuteduo ou de um grupo organizado nas mais
variadas aacutereas de atuaccedilatildeo da sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos
e sociais
A cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia disso natildeo haacute duvidas e se
efetiva como mudanccedilas na realidade de cada um com melhoria de vida e
conscientizaccedilatildeo da importacircncia do cidadatildeo dado que eacute um processo em
permanente construccedilatildeo Natildeo haacute como defender uma qualidade de vida sem a
preservaccedilatildeo da cidadania em todos os seus acircmbitos Nesse sentido a efetiva
proteccedilatildeo desse aspecto basilar torna-se essencial no que tange uma assistecircncia
juriacutedica completa
No contraponto do direito estatildeo os deveres que encontramos sua realizaccedilatildeo
tambeacutem na participaccedilatildeo observando que o cidadatildeo eacute responsaacutevel pelo advir de
55
suas accedilotildees A participaccedilatildeo reflete um caraacuteter de natildeo comodismo de atenccedilatildeo agravequilo
que eacute particular e coletivo tendo como finalidade preciacutepua o bem comum
Construir cidadania hoje eacute imperativo para a sociedade pois dessa
construccedilatildeo depende o amanhatilde Estamos diante da Constituiccedilatildeo que se propotildee a
resguardar o amanhatilde sem perder de vista que ele comeccedila hoje agora e nisso a
Carta Poliacutetica traacutes consigo a certeza do despertar dessa consciecircncia a consciecircncia
cidadatilde Ela eacute a semente plantada em terra feacutertil que gera frutos diariamente e se
renova a cada estaccedilatildeo na dinacircmica da vida Talvez tenha sido esse o cheiro de
frutas alcanccedilado pelo constituinte ao anunciar que a carta tem ldquocheiro do amanhatilderdquo
A responsabilidade pelo exerciacutecio desses direitos belissimamente elencados
depende de todos e de cada um pois somos o terreno feacutertil que produziraacute o fruto de
uma sociedade fraterna
Eacute comum na praacutetica apenas responsabilizarmos o Estado em sentido lato pelo
natildeo exerciacutecio dos direitos do cidadatildeo Vale lembrar nesse contexto das palavras de
J Kennedy o qual disse ldquonatildeo pergunte o que o Estado pode fazer por vocecirc mas o
que vocecirc pode fazer pelo Estadordquo haacute nessa frase um forte traccedilo de cidadania pois
quando o cidadatildeo reivindica critica opina o que ele daacute em contrapartida ao paiacutes eacute
solidificado visto que eacute nas relaccedilotildees familiares em comunidade que se estabelece e
se fortalece os viacutenculos de solidariedade de uma sociedade que perpetua valores
condutas que as leis reguladoras natildeo conseguem por si soacute estabelecer
A concretizaccedilatildeo do ideal de uma qualidade de vida merecida a todos os seres
humanos sem restriccedilotildees requer entretanto um esforccedilo coletivo Dessa forma haacute
necessidade de suprir as muitas carecircncias advindas das desigualdades sociais e de
condiccedilotildees do descaso do poder puacuteblico e da proacutepria conceituaccedilatildeo antiga de
cidadania que ainda eacute concebida por muitos no presente
Em suma nosso trabalho procurou traccedilar a evoluccedilatildeo da cidadania e ao
mesmo tempo buscou traccedilar uma melhor caracterizaccedilatildeo do cidadatildeo agrave luz da nossa
Constituiccedilatildeo que eacute por fim a essecircncia da Magna Carta O alcance da cidadania
enquanto mecanismo de acesso a direitos foi colocado no acircmbito da pessoa
enquanto titular de direitos e num paralelo defendemos que o municiacutepio eacute o espaccedilo
de atuaccedilatildeo e exerciacutecio de cidadania dada a proximidade do cidadatildeo com as
instituiccedilotildees oacutergatildeos entidades e tudo o mais que o cerca na esfera de vivecircncia Eacute na
praccedila que discute a poliacutetica local e nacional que se indigna com as dificuldades e as
56
barreiras de acesso aos seus direitos Eacute no municiacutepio que se inicia todo um vieacutes de
desdobramento para garantir direitos
Por fim natildeo obstante resta dizer sobre o tema que os caminhos e
paradigmas que se intentou percorrer sobre cidadania como mecanismo
transformador da sociedade tem ingrediente ainda a se descortinar para o
propoacutesito valioso do bem comum Pois bem a ideia de bem comum tem como
fundamento o amor maacutexima que se estabelece por meio da democracia visto que
ldquoa demofilia o demoiacutesmo o amor do povo acima de tudo como princiacutepio ativo de
toda a sua vida poliacutetica inspirador duma sempre crescente autonomia imanente eacute
que constitui a verdadeira essecircncia da democraciardquo nas palavras de Melgareacute
(2005)
Dessa forma eacute no nuacutecleo da democracia que estaacute inscrito como pedra
angular o respeito e o amor pela pessoa humana Eacute pois um tema de larga
abrangecircncia poreacutem sem querer abreviar o caminho sua efetiva possibilidade de
realizaccedilatildeo se encontra no exerciacutecio da cidadania sem repuacutedios parciais ou exclusatildeo
de qualquer ordem na plenitude de uma cidadania para todos
57
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
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19
De uma poderosa configuraccedilatildeo de novos sentimentos e pensamentos Que parecia a caminho de desenvolvimento social e poliacutetico apenas em virtude da maneira como definia padrotildees de criacutetica social e de praacutetica poliacutetica Em anos recentes ele vem determinando os padrotildees de debate definindo o modo do lsquodiscursorsquo e estabelecendo paracircmetros para a criacutetica cultural poliacutetica e cultural (1992)
Contudo a extensatildeo desses direitos agrave totalidade da populaccedilatildeo natildeo
possibilitou a garantia da liberdade e da igualdade idealizadas por Rousseau em sua
obra ldquoO Contrato Socialrdquo Por outro lado pode-se dizer que todos esses anos de
desenvolvimento acabaram por afirmar que a cidadania de fato soacute pode se constituir
por meio de acirrada luta cotidiana por direitos e pela garantia daqueles que jaacute
existem
Mais do que isso nota-se maior preocupaccedilatildeo com a difusatildeo desses direitos
seja por meio de educaccedilatildeo formal seja pelos meios de comunicaccedilatildeo Livros
didaacuteticos e paradidaacuteticos tecircm fomentado a discussatildeo sobre o status de cidadatildeo e os
direitos humanos outros associam ao desenvolvimento da cidadania uma
discussatildeo sobre os meios de comunicaccedilatildeo e o proacuteprio capitalismo como afirma o
professor Dalmo de Abreu Dallari em Cidadania e Direitos Humanos (1998)
Nessa perspectiva problemas recorrentes como as violaccedilotildees dos direitos
humanos as ineficiecircncias no campo social e o processo de pauperizaccedilatildeo
manifestado na periferia do capitalismo mostram que a cidadania exige mais do que
o simples ato de votar ou de pertencer a uma sociedade poliacutetica Cabe portanto agrave
sociedade civil caraacuteter representativo que substitua as pressotildees ou mesmo a
atuaccedilatildeo legiacutetima dos cidadatildeos
A evoluccedilatildeo da cidadania portanto consiste na lenta construccedilatildeo da
democracia que sintetiza os esforccedilos para a obtenccedilatildeo das prerrogativas ideoloacutegicas
e culturais que tecircm levado os membros da sociedade a decidirem acerca da
realidade que os cercam
14 Cidadania no Brasil breves consideraccedilotildees
Discorrer sobre a construccedilatildeo da cidadania no Brasil eacute tocar num ponto
crucial da nossa histoacuteria Passados mais de 500 anos da chegada dos portugueses
20
por estas paragens percebe-se que a consolidaccedilatildeo da cidadania ainda eacute um desafio
para todos os brasileiros
O tema cidadania muito se tem discutido na academia e fora dela o jargatildeo
da cidadania estaacute na moda nas instituiccedilotildees poliacuteticas e juriacutedicas como tambeacutem na
opiniatildeo puacuteblica mas concretamente eacute um conceito ainda a ser construiacutedo
No contexto histoacuterico-cultural e poliacutetico dos gregos especificamente por
volta do ano 380 aC (periacuteodo do apogeu daquela civilizaccedilatildeo) embora a cidadania
fosse limitada a uma parcela social minoritaacuteria pode-se afirmar que tanto a
democracia quanto a cidadania grega natildeo deixam de ser conquistas ineacuteditas e
avanccedilos significativos para a histoacuteria ocidental Jaacute a evoluccedilatildeo e a real consolidaccedilatildeo
da cidadania na modernidade nascem a partir dos direitos naturais (vida
propriedade liberdade) do homem liberal burguecircs garantido pelas consecutivas
ldquoDeclaraccedilotildees de Direitosrdquo elaboradas a partir das revoluccedilotildees liberais na Inglaterra
(Revoluccedilatildeo Gloriosa 1688-89) Estados Unidos (Emancipaccedilatildeo poliacutetica 1776) Franccedila
(Revoluccedilatildeo Francesa)
No entanto pode-se dizer que o nosso paiacutes apesar da influecircncia dos paiacuteses
europeus vivenciou como ainda vivencia uma difiacutecil construccedilatildeo da cidadania
A longa histoacuteria do Brasil vem elencando razotildees profundas para a nossa
natildeo-cidadania atual a exemplo da conquista (ou invasatildeo) do nosso territoacuterio o
grande latifuacutendio a escravidatildeo a monocultura de exportaccedilatildeo o analfabetismo a
perpetuaccedilatildeo das elites poliacuteticas no poder fatores que refletem nos viacutecios da vida
social cultural poliacutetica e econocircmica do paiacutes
Fundamentalmente eacute preciso afirmar que no Brasil a construccedilatildeo da
cidadania natildeo seguiu a loacutegica da trajetoacuteria inglesa Houve no Brasil segundo
Carvalho (2002) pelo menos duas diferenccedilas importantes
A primeira refere-se agrave maior ecircnfase em um dos direitos o social em relaccedilatildeo aos outros a segunda refere-se agrave alteraccedilatildeo na sequecircncia em que os direitos foram adquiridos entre noacutes o social precedeu os outros
Uma das razotildees fundamentais das dificuldades da construccedilatildeo da cidadania
estaacute ligada como nos diz Carvalho ao ldquopeso do passadordquo mais especificamente ao
periacuteodo colonial (1500-1822) quando
21
Os portugueses tinham construiacutedo um enorme paiacutes dotado de unidade territorial linguiacutestica cultural e religiosa Mas tinham deixado uma populaccedilatildeo analfabeta uma sociedade escravocrata uma economia monocultora e latifundiaacuteria um Estado Absolutista (CARVALHO 2002)
Em suma foram 322 anos sem poder puacuteblico sem Estado sem naccedilatildeo e
cidadania Diante de tatildeo obscuro cenaacuterio de dominaccedilatildeo opressatildeo dentre outras
formas de natildeo efetivaccedilatildeo da cidadania no Brasil podemos elencar dentre outros
tantos fatores quais foram os principais obstaacuteculos para a construccedilatildeo da cidadania
brasileira O latifuacutendio agro-exportador do periacuteodo colonial bem como o escravismo
o analfabetismo marcaram negativamente nossas origens e ateacute hoje dificultam
avanccedilos no acircmbito poliacutetico-social e econocircmico Aleacutem dessas outras razotildees foram e
continuam sendo entraves para a consolidaccedilatildeo das instituiccedilotildees poliacutetica que
impedem os avanccedilos necessaacuterios para uma cidadania plena Na ordem poliacutetica
permanecem ainda algumas mazelas histoacutericas como o patrimonialismo
(promiscuidade entre o puacuteblico e o privado) o coronelismo com sua nova roupagem
o clientelismo aleacutem da corrupccedilatildeo entre outros
Mesmo diante de tatildeo vergonhoso cenaacuterio natildeo podemos nos dispensar que
tambeacutem alcanccedilamos mesmo que de forma tiacutemida significativas conquistas de
direitos no Brasil comparadas com outros paiacuteses que vivenciaram um processo de
colonizaccedilatildeo semelhante ao nosso A conquista desses direitos deu-se de maneira
tardia e inversa haja vista que somente em 1824 mais de 320 anos apoacutes a chegada
dos portugueses foi que surgiram os primeiros direitos civis e poliacuteticos (antes disso
estaacutevamos submetidos agrave lei da coroa portuguesa) Aos poucos surgiram os direitos
sociais mas exatamente no momento em que os direitos civis e poliacuteticos estavam
sendo negados no periacuteodo da ditadura de Vargas (1937-45) e na ditadura militar
(1964-1985) Parece um paradoxo mas foi exatamente nesse periacuteodo de
conturbaccedilotildees poliacuteticas que marchamos em direccedilatildeo agrave conquista de significativos
direitos que iriam projetar uma ideia de lutas e vitoacuterias que se projetariam no campo
da cidadania de modo bastante concreto
Por fim haveremos de concordar com Benevides (1994) ao afirmar que no
intuito de reverter agrave realidade poliacutetico-social excludente ou de uma cidadania
passiva ou sem ldquopovordquo eacute necessaacuterio recorrer agrave defesa de mecanismos institucionais
22
como o referendo o plebiscito e a iniciativa popular para a construccedilatildeo do que ela
chama de uma cidadania ativa ou democracia semidireta Alguns autores veem
dificuldades na implementaccedilatildeo desse sistema em paiacuteses que estatildeo em processo de
democratizaccedilatildeo no entanto logo em seguida apontam para a educaccedilatildeo poliacutetica ndash
entendida como educaccedilatildeo para a cidadania ativa
Desse modo pode-se proferir que todos esses anos de desenvolvimento
acabaram por afirmar que a cidadania de fato soacute pode se constituir por meio de
acirrada luta cotidiana por direitos e pela garantia daqueles que jaacute existem pois
apesar da existecircncia de profundas desigualdades sociais a ideia de cidadania
evoluiu com o passar dos anos Ampliou-se a abrangecircncia de sua concepccedilatildeo
abraccedilando todas as classes sociais e minorias Deixou de restringir-se apenas agrave
participaccedilatildeo poliacutetica para relacionar uma seacuterie de deveres da sociedade para com o
cidadatildeo Na praacutetica ainda haacute muito que se fazer para que direitos e deveres sejam
os mesmos para todos No entanto a busca pela realizaccedilatildeo da maacutexima ldquocada
homem um votordquo continua a ser perseguida
A luta pela conquista plena da cidadania eacute parte integrante da democracia
uma vez que assegura a continuidade das transformaccedilotildees juriacutedicas poliacuteticas entre
outras Natildeo resta duacutevida acerca do papel estruturante que essa luta desempenha no
quadro das democracias contemporacircneas fato que a converte em uma irresistiacutevel
conquista da modernidade O caraacuteter estruturante que a cidadania projeta nos
quadros da democracia atual estaacute ligado a permanente busca de um Estado
compatiacutevel com a realidade de cada tempo histoacuterico
23
CAPIacuteTULO 2 - CIDADANIA Agrave LUZ DA CONSTITUICcedilAtildeO FEDERAL DE
1988
A Constituiccedilatildeo eacute a ordem juriacutedica fundamental da comunidade nas palavras
de Konrad Hesse (apud PALU 2001) eacute um documento juriacutedico e poliacutetico dirigido aos
cidadatildeos e estes satildeo os seus primeiros destinataacuterios A Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica eacute
a Lei fundamental composta por um conjunto de normas baacutesicas que compotildeem a
estrutura juriacutedica poliacutetica social e econocircmica de um paiacutes Essa eacute razatildeo pela qual
ela eacute chamada de Carta Magna pois a ela nada se sobrepotildee Para Dallari (1985) a
Constituiccedilatildeo
[] eacute a declaraccedilatildeo da vontade poliacutetica de um povo feita de modo solene por meio de uma lei que eacute superior a todas as outras que visando agrave proteccedilatildeo da dignidade humana estabelece os direitos e as responsabilidades fundamentais dos indiviacuteduos dos grupos sociais do povo e do governo
Desta forma uma Constituiccedilatildeo natildeo surge do nada ela eacute resultado de
observaccedilotildees e experiecircncias e sua finalidade eacute de afirmar e garantir os direitos
elementares das pessoas humanas disciplinar o uso ao mesmo tempo em que
evita o abuso de poder organizando de forma racional a sociedade e o governo
Satildeo inegaacuteveis as inovaccedilotildees teacutecnicas trazidas pela Constituiccedilatildeo Brasileira de
1988 no campo da instituiccedilatildeo garantia e proteccedilatildeo dos direitos fundamentais A
dignidade da pessoa humana e o exerciacutecio da cidadania satildeo considerados princiacutepios
fundamentais da Carta Magna Brasileira de 1988
Cidadania direito a ter direitos na acepccedilatildeo de Haberle ( apud VALADEacuteS
2009) refere-se a todos os direitos previstos na Constituiccedilatildeo de 1988 e ainda
aqueles natildeo expressos mas decorrentes do regime e dos princiacutepios por ela
adotados na dicccedilatildeo do sect 2deg art 5deg
O princiacutepio fundamental da cidadania conforme jaacute exposto impregna todo o
texto constitucional vigente a partir do art 1deg II em que figura de forma
24
exponencial relativamente ao Estado brasileiro e tudo que lhe corresponda no
exerciacutecio de um poder que adquire significaccedilatildeo renovada e amplificada na
sociedade contemporacircnea Segundo Arendt
A cidadania eacute o direito a ter direitos pois a igualdade em dignidade e direitos dos seres humanos natildeo eacute um dado Eacute um construiacutedo da convivecircncia coletiva que requer o acesso ao espaccedilo puacuteblico Eacute este acesso ao espaccedilo puacuteblico que permite a construccedilatildeo de um mundo comum atraveacutes do processo de asserccedilatildeo dos direitos humanos
Nesse diapasatildeo o direito a ter direitos compreende o pleno acesso ao
espaccedilo puacuteblico o efetivo exerciacutecio do poder poliacutetico das prerrogativas inerentes agrave
cidadania conforme explicita a Constituiccedilatildeo no art 5deg LXXI a propoacutesito do
mandado de injunccedilatildeo no dizer todo direito atribuiacutedo com o caraacuteter de exclusividade
agrave pessoa
21 Estado Democraacutetico de Direito espaccedilo de cidadania
Apoacutes a eacutepoca de grandes restriccedilotildees militares o ato de promulgaccedilatildeo da
Constituiccedilatildeo Federal em 05 de outubro de 1988 vem marcar uma nova fase de
esperanccedila para os brasileiros Ao batizaacute-la de Constituiccedilatildeo cidadatilde a Assembleia
Nacional Constituinte atraveacutes de seu presidente o Deputado Ulisses Guimaratildees
resumiu o espiacuterito do texto constitucional assegurar aos brasileiros direitos sociais
essenciais ao exerciacutecio da cidadania e estabelecer mecanismos para garantir o
cumprimento de tais direitos
O que se viu a partir de entatildeo foi uma lenta poreacutem significativa mudanccedila na
sociedade brasileira A Constituiccedilatildeo Federal que eacute sem duacutevidas um marco na
histoacuteria do paiacutes traccedila a prioridade dada pelos constituintes aos direitos dos
brasileiros que pode ser observada em todas as questotildees
A Carta faz uma ampliaccedilatildeo dos direitos individuais sociais e poliacuteticos e como
se observa a inserccedilatildeo dos direitos sociais como segundo tiacutetulo revela a primazia
que o constituinte quis daacute a estes direitos em detrimento de todos os outros
incluindo os referentes agrave organizaccedilatildeo do Estado e dos Poderes que vecircm depois
25
Ao contraacuterio do que ocorreu com as Constituiccedilotildees anteriores esse
ordenamento dos capiacutetulos parece revelar que a Carta eacute o prenuacutencio de um paiacutes em
que os direitos dos cidadatildeos formam a base do ordenamento do Estado Essa ideia
foi expressa pelo presidente da Assembleacuteia Constituinte deputado Ulysses
Guimaratildees que voltamos a citar quando anunciou
Diferentemente das sete constituiccedilotildees anteriores esta comeccedila com o homem De modo gratificante testemunha a primazia do homem que foi escrita para o homem que o homem eacute seu fim e sua esperanccedila Eacute a Constituiccedilatildeo cidadatilde
A Constituiccedilatildeo nasceu da constataccedilatildeo de que o figurino juriacutedico formulado
para o Brasil desde os primoacuterdios do Estado nacional natildeo se compatibilizava com as
necessidades dos brasileiros Houve avanccedilos na formalizaccedilatildeo da Lei Magna
especialmente no tocante aos direitos de cidadania mas estamos longe do ideal
preconizado pela carta cidadatilde O que nos leva a crer que a cidadania eacute um processo
diaacuterio e permanente de construccedilatildeo Pois natildeo basta garantir o direito eacute preciso
exercecirc-lo
A cidadania abraccedilada pela atual Constituiccedilatildeo Federal Brasileira teve seu
conteuacutedo ampliado e natildeo se restringe ao simples fato de possuir um tiacutetulo de eleitor
para votar e ser votado ela estabelece cidadania como princiacutepio fundamental da
Repuacuteblica do Brasil desta forma o conceito decorrente pode ser entendido
conforme preleciona Silva (2005) ldquocidadania estaacute aqui num sentido mais amplo do
que o de titular de direitos poliacuteticos Qualifica os participantes da vida do Estado
reconhecimento do indiviacuteduo como pessoa integrada a sociedade estatalrdquo
Tal conceito nos leva a relacionar cidadania com democracia uma vez que
optou-se pelo Estado Democraacutetico de Direito o qual assenta seus alicerces na
participaccedilatildeo popular em questotildees que envolvem a coisa puacuteblica Para Moraes
(2005) esse Estado de Direito ldquosignifica a exigecircncia de reger-se por normas
democraacuteticas com eleiccedilotildees livres perioacutedicas e pelo povo bem como o respeito das
autoridades puacuteblicas aos direitos e garantias fundamentaisrdquo
O propoacutesito da opccedilatildeo pelo Estado Democraacutetico de Direito eacute que a cidadania e
os demais direitos fundamentais fluam com plenitude talvez seja o que justifique a
denominaccedilatildeo da Carta Magna de cidadatilde pois o povo passa a atuar de forma mais
ativa na vida poliacutetica do Estado uma vez que a ele foi concedido esse poder
26
A cidadania portanto soacute adquire pleno significado no mundo contemporacircneo
num Estado Democraacutetico de Direito para tanto exige um ambiente de vida e de
conviacutevio entre os homens tiacutepico e proacuteprio de um Estado Democraacutetico pois a
cidadania constitui fundamento primordial daquele Estado qual seja possibilitar aos
indiviacuteduos habitantes de um paiacutes o seu pleno desenvolvimento atraveacutes do alcance
de igual dignidade social e econocircmica
Segundo Rozicki (2005) O ambiente de vida social do Estado Democraacutetico
cujos pilares se encontram na efetividade dos direitos fundamentais da pessoa
humana em uma sociedade solidaacuteria soacute eacute possiacutevel atraveacutes da observaccedilatildeo de alguns
postulados que lhe satildeo essenciais os quais a autora denomina de pressupostos do
Estado democraacutetico de Direito
1)a valorizaccedilatildeo e atualidade da dignidade do homem e o reconhecimento da importacircncia de dispensar a todos tratamento fraternal igualitaacuterio e natildeo discriminativo 2) a confianccedila nos talentos e possibilidades latentes dos homens 3) a seguranccedila e o creacutedito nos valores institucionalizados pelas massas como fundamentos para o progresso do bem comum e o alcance da justiccedila 4) a aceitaccedilatildeo da legitimidade das decisotildees tomadas por meio de processos racionais e participativos de deliberaccedilatildeo com o consenso da maioria que constitui o reflexo o resultado de debates livres entre todos 5) o respeito aos grupos minoritaacuterios 6) e a compreensatildeo de que todo o interesse geral eacute a siacutentese dos diversos interesses e ideacuteias dos indiviacuteduos e dos grupos diferentes centros de poder que integram a sociedade pluralista
Percebe-se que o conceito amplo de cidadania encontra seus princiacutepios
baacutesicos e estruturantes nesses pressupostos intimamente ligado aos conceitos de
democracia e de igualdade No tocante ao conceito de igualdade elucidativa eacute a
liccedilatildeo de Rozicki (2005) quando afirma que
O princiacutepio de igualdade disciplina todas as atividades puacuteblicas e tem aplicaccedilatildeo direta nas relaccedilotildees privadas que ocorrem entre os particulares impondo para tornaacute-lo real a proibiccedilatildeo de discriminaccedilotildees e a eliminaccedilatildeo das desigualdades faacuteticas nos planos social e econocircmico proporcionando a todos os cidadatildeos igual condiccedilatildeo de vida e mesma posiccedilatildeo perante o Estado Democraacutetico
E complementa que tambeacutem para a realizaccedilatildeo da cidadania o princiacutepio
democraacutetico torna indispensaacutevel agrave participaccedilatildeo popular nas tomadas de decisatildeo No
seu entender
27
A cidadania no Estado democraacutetico de direito efetivada oferece aos cidadatildeos como iguais condiccedilotildees de existecircncia o gozo atual de direitos e a obrigaccedilatildeo do cumprimento de deveres que resumidamente podem ser assim apresentados exerciacutecio de direitos fundamentais e participaccedilatildeo e os deveres de colaboraccedilatildeo e solidariedade (Rozicki 2005)
Natildeo obstante eacute vaacutelido ressaltar um princiacutepio igualmente importante e deveras
esquecido a fraternidade Este princiacutepio que eacute um dos trecircs pilares da Revoluccedilatildeo
Francesa eacute pouco discutido apesar de assumir um papel decisivo na consolidaccedilatildeo
da democracia da politica e do poder
A fraternidade eacute necessaacuteria para o estabelecimento de uma comunidade
politicamente solidaacuteria com indiviacuteduos iguais e livres
Para finalmente concebermos um Estado Democraacutetico de Direito que trate os
iguais na medida de suas desigualdades
22 Os direitos fundamentais como pressupostos de identidade da cidadania
Os direitos fundamentais vistos como um dos traccedilos mais marcante do
constitucionalismo moderno consistem no resultado da luta dos homens por um
direito ideal justo e humano representam situaccedilotildees reconhecidas juridicamente
sem as quais o homem eacute incapaz de alcanccedilar sua proacutepria realizaccedilatildeo e
desenvolvimento plenamente daiacute dizer-se que o princiacutepio preponderante que
condensa os direitos fundamentais eacute o da dignidade da pessoa humana
Os direitos fundamentais satildeo o conjunto de normas de um ordenamento juriacutedico que formam um subsistema deste fundado na liberdade na igualdade na seguridade na solidariedade expressotildees da dignidade do homem que formam parte da norma baacutesica material de identificaccedilatildeo do ordenamento juriacutedico e constitui um setor de moralidade procedimental positivada que legitima o Estado Social de Direito (MARTINEZ apud AGRA 2002)
Tais direitos foram e vatildeo sendo aperfeiccediloados e estendidos ao longo do
tempo resta dizer que os mesmos estabelecem faculdades da pessoa humana que
permitem sua breve classificaccedilatildeo do seguinte modo 1) os direitos civis e poliacuteticos
de liberdade como por exemplo a liberdade de expressatildeo de propriedade de
28
manifestaccedilatildeo do pensamento de associaccedilatildeo de imprensa de reuniatildeo de igualdade
formal perante a lei de participaccedilatildeo poliacutetica o devido processo legal o habeas
corpus o direito de peticcedilatildeo etc 2) os direitos sociais econocircmicos e culturais de
participaccedilatildeo poliacutetica tais como a igualdade de sufraacutegio o direito de voto e de
elegibilidade o direito de peticcedilatildeo e os direitos de participaccedilatildeo poliacutetica 3) os direitos
da titularidade coletiva que satildeo aqueles ligados a solidariedade e a fraternidade
como por exemplo o direito agrave preservaccedilatildeo do meio ambiente e agrave qualidade de vida
etc 4) os direitos chamados de quarta geraccedilatildeo por exemplo direito a democracia a
informaccedilatildeo ao comeacutercio eletrocircnico entre os estados etc
Natildeo existe qualquer relaccedilatildeo hieraacuterquica entre estes direitos mesmo porque
todos interagem entre si de nada servindo um sem a existecircncia dos outros Esta
divisatildeo acontece devido agrave eterna e constante busca do homem por mais proteccedilatildeo
mais garantia com o objetivo de alcanccedilar uma sociedade mais justa igualitaacuteria e
fraterna
Na evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais Agra (2002) chama a atenccedilatildeo do
relevo que adquirem a democratizaccedilatildeo da informaccedilatildeo e os mecanismos de
democracia participativa E justifica que a democratizaccedilatildeo da informaccedilatildeo natildeo se
caracteriza apenas pela existecircncia de uma miacutedia plural sem nenhum tipo de
monopoacutelio mas deve ser concebida como a obrigaccedilatildeo que todos os cidadatildeos tecircm
de tomar consciecircncia dos graves problemas que afligem a humanidade e que os
mecanismos da democracia participativa concebem a cidadania em extensatildeo muito
superior ao voto abrangendo a interferecircncia direta do cidadatildeo nas decisotildees
governamentais mediante vaacuterios mecanismos juriacutedicos como o plebiscito o recall o
orccedilamento participativo etc
De acordo com Silva (2005) os Direitos Fundamentais na Constituiccedilatildeo de
1988 abrangem os ldquodireitos individuais sociais poliacuteticos e tambeacutem os direitos
econocircmicos Para o autor a ampliaccedilatildeo e transformaccedilatildeo dos direitos fundamentais
do homem na histoacuteria dificultam uma definiccedilatildeo sinteacutetica do conceitordquo
Essa dificuldade aumenta diante do emprego de vaacuterias expressotildees para
designaacute-los tais como direitos naturais direitos humanos direitos do homem
direitos individuais direitos puacuteblicos subjetivos liberdades fundamentais liberdades
puacuteblicas e direitos fundamentais do homem No entanto direitos fundamentais do
homem constitui a expressatildeo mais adequada porque na palavra fundamentais
acha-se a indicaccedilatildeo de que se trata de situaccedilotildees sem as quais o indiviacuteduo natildeo tem
29
uma vida digna natildeo convive e agraves vezes nem mesmo sobrevive A expressatildeo
direitos fundamentais eacute a mais precisa no sentido de que a todos por igual devem
ser natildeo apenas formalmente reconhecidos mas concreta e materialmente
efetivados
Por sua vez a atual Corte em julgamento do habeas corpus (HC ndeg
82424RS) marca seu posicionamento no tocante ao sistema de direitos
fundamentais insculpido na Constituiccedilatildeo de 1988 atraveacutes dos profundos e bem
fundamentados votos dos Ministros que aleacutem de delimitarem a extensatildeo e os limites
da liberdade de expressatildeo (art 5o IV e IX) acabaram indicando as bases filosoacuteficas
e juriacutedicas para a interpretaccedilatildeo do cataacutelogo de direitos fundamentais da Constituiccedilatildeo
de 1988
Nesse sentido o voto do Ministro Marco Aureacutelio tratou de definir o sistema de
direitos fundamentais como a ldquoproacutepria essecircncia da Constituiccedilatildeordquo qualificando-os
como ldquovalores objetivos que servem como norte da atuaccedilatildeo estatalrdquo Assim estaacute
consignado nos fundamentos do referido voto
A Constituiccedilatildeo de 1988 representou um divisor de aacuteguas entre o antigo regime totalitaacuterio e um periacuteodo de redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes marcando dessa forma uma eacutepoca que tem como modelo de atuaccedilatildeo do Estado o respeito incondicional aos direitos fundamentais Por isso mesmo o sistema constitucional dos direitos fundamentais previsto no artigo 5o da Carta com os eventuais acreacutescimos do sect 2o reflete em rigor e em larga medida a proacutepria essecircncia da Constituiccedilatildeo e a retomada do processo de democratizaccedilatildeo e da garantia do cidadatildeo contra abusos e arbitrariedades no exerciacutecio do Poder Puacuteblico Os direitos fundamentais satildeo hoje verdadeiros princiacutepios estruturantes da organizaccedilatildeo e do funcionamento do Estado valores objetivos que servem como norte da atuaccedilatildeo estatal em seus mais diferentes niacuteveis no Legislativo formam um cataacutelogo de princiacutepios e garantias que informam e direcionam toda a atividade de criaccedilatildeo das normas de nosso ordenamento juriacutedico e de concretizaccedilatildeo dos preceitos constitucionais no Executivo mostram-se como verdadeiros limites ao exerciacutecio do poder administrativo servindo como trincheiras de proteccedilatildeo da liberdade do cidadatildeo e no judiciaacuterio refletem a base e o fundamento necessaacuterio da compreensatildeo e interpretaccedilatildeo de nossas normas ndash efeito interpretativo - evitando que a atividade jurisdicional se transforme em medidas discricionaacuterias ou providecircncias ilegiacutetimas de opccedilotildees poliacuteticas pautadas em escolhas pessoais dos juiacutezes
Tudo indica que se trata do iniacutecio de uma soacutelida construccedilatildeo jurisprudencial a
respeito do sentido axioloacutegico do sistema de direitos fundamentais da Constituiccedilatildeo
de 1988
30
Os Direitos Individuais satildeo de exerciacutecio exclusivo do indiviacuteduo e devem ser
formalmente reconhecidos e concretizados no cotidiano do cidadatildeo O indiviacuteduo aqui
eacute considerado um sujeito de direitos e natildeo apenas como integrante de um corpo
social Esses direitos natildeo podem sofrer nenhum tipo de restriccedilatildeo natildeo se
discriminando quem os pode exercer uma vez que satildeo titulares todas as pessoas
capazes incapazes brasileiras estrangeiras alfabetizadas e iletradas
A Constituiccedilatildeo Cidadatilde foi a primeira a estabelecer direitos natildeo soacute de
indiviacuteduos mas tambeacutem de grupos sociais os denominados direitos coletivos Com
isso as pessoas passaram a ser coletivamente consideradas Os direitos individuais
e coletivos estatildeo anunciados no art 5ordm em setenta e sete incisos e em dois
paraacutegrafos
Verifica-se que os Direitos Individuais tecircm como ponto marcante a liberdade
seja ela tomada de maneira global ou especiacutefica como liberdade de associaccedilatildeo de
reuniatildeo A liberdade de reuniatildeo (art 5ordm XVI) constitui-se na primeira e mais simples
liberdade corporativa estando logo apoacutes a liberdade de locomoccedilatildeo
Os Direitos Sociais tecircm como titular uma coletividade e satildeo caracterizados
pela prestaccedilatildeo de serviccedilos ou oferecimento de melhorias para a sociedade como um
todo por parte do Poder Puacuteblico Assim os Direitos Sociais tornam possiacutevel a fruiccedilatildeo
e o exerciacutecio dos Direitos Individuais pela coletividade mesmo pelos carentes
materialmente
O art 6deg define os Direitos Sociais da seguinte maneira ldquoSatildeo Direitos Sociais
a educaccedilatildeo a sauacutede o trabalho a moradia o lazer a seguranccedila a previdecircncia
social a proteccedilatildeo agrave maternidade e agrave infacircncia a assistecircncia aos desamparados na
forma desta Constituiccedilatildeordquo
Portanto eacute obrigatoacuteria ao Estado a proteccedilatildeo dos interesses da coletividade
com o atendimento dos direitos acima citados
Satildeo direitos poliacuteticos os que conferem o acesso da populaccedilatildeo agrave participaccedilatildeo
no Poder do Estado tais como os direitos de votar e ser votado do referendo
plebiscito e iniciativa popular das leis O direito democraacutetico de participaccedilatildeo dos
cidadatildeos no governo por meio de seus representantes exigiu a formaccedilatildeo de um
conjunto de normas legais permanentes que recebeu a denominaccedilatildeo de direitos
poliacuteticos Os Direitos Poliacuteticos amparam os Direitos Individuais Sociais e
Econocircmicos pois quando desaparece a democracia desaparecem imediatamente
as liberdades fundamentais
31
Com o advento da Constituiccedilatildeo de 1988 foram criadas instituiccedilotildees para
fiscalizar e controlar a atuaccedilatildeo da administraccedilatildeo puacuteblica entre as quais o Ministeacuterio
Puacuteblico que funciona como um canal de expressatildeo dos direitos da populaccedilatildeo
O Ministeacuterio Puacuteblico foi a instituiccedilatildeo que mais ganhou importacircncia no cenaacuterio
puacuteblico por ter passado a defender os interesses coletivos ou seja os interesses de
um grupo categoria ou classe e natildeo de um indiviacuteduo isolado No artigo 127 o
Ministeacuterio Puacutebico (MP) eacute definido como ldquouma instituiccedilatildeo permanente essencial agrave
funccedilatildeo jurisdicional do Estado incumbindo-lhe a defesa da ordem juriacutedica do regime
democraacutetico e dos interesses sociais e individuais indispensaacuteveisrdquo
Cabe ao Ministeacuterio Puacuteblico exigir dos poderes puacuteblicos e dos serviccedilos de
relevacircncia puacuteblica respeito aos direitos elencados na Constituiccedilatildeo promovendo as
medidas necessaacuterias agrave garantia desses direitos Portanto eacute responsaacutevel pela
garantia da ordem juriacutedica do regime democraacutetico da moralidade puacuteblica e dos
direitos sociais e individuais
23 A consagraccedilatildeo dos direitos do cidadatildeo
A Constituiccedilatildeo de 1988 eacute o coroamento da histoacuteria constitucional do Brasil por
ter sido um marco da redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes opondo-se a qualquer forma de
autoritarismo Nela a cidadania foi consagrada como um dos fundamentos da
Repuacuteblica Federativa do Brasil (art 1ordm inc II) Observe-se que o termo cidadania
encontra-se na Constituiccedilatildeo em sentido mais amplo do que o de titular de direitos
poliacuteticos pois qualifica os participantes da vida do Estado e reconhece o indiviacuteduo
como pessoa integrada na sociedade estatal
Essa nova concepccedilatildeo de cidadania introduzida pela Constituiccedilatildeo Federal de
1988 eacute fruto da internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos e como marco principal da
institucionalizaccedilatildeo erigiu em seu artigo primeiro a dignidade da pessoa humana (inc
III) e a cidadania (incII) a princiacutepio fundamental
Institui com o princiacutepio da cidadania uma nova compreensatildeo acerca dos
direitos de deveres da pessoa elevado-o a status maacuteximo a regra-matriz que natildeo
pode ser desrespeitada pois os fundamentos constituem a essecircncia da Repuacuteblica
32
Federativa e servem como regra-matriz para a elaboraccedilatildeo interpretaccedilatildeo e
integraccedilatildeo do sistema juriacutedico nacional
Violar um princiacutepio eacute muito grave que transgredir uma norma qualquer A desatenccedilatildeo ao principio implica ofensa natildeo apenas a um especifico mandamento obrigatoacuterio mas a todo o sistema de comandos Eacute a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade representa insurgecircncia contra todo o sistema subversatildeo de valores fundamentais (MELLO apud CHIMENTI 2005 P 33)
Para Silva (2004) cidadania eacute discriminada como princiacutepio relativo ao regime
poliacutetico Dessa forma compreendida cidadania como princiacutepio fundamental eacute o
direito de participar dos destinos do Estado e mais usufruir dos direitos civis
fundamentais previstos na Constituiccedilatildeo
Muitos doutrinadores utilizam cidadania no mesmo sentido de nacionalidade
(Art 12 da Constituiccedilatildeo Federal) e de direitos poliacuteticos (Art 14) Em alguns outros
dispositivos a palavra cidadania (ou cidadatildeo) poderia ainda ter a significaccedilatildeo de
direitos poliacuteticos mas mesmo assim de forma impliacutecita a exemplo dos arts 22 XIII
e 5ordm LXXIII No primeiro se lecirc que compete agrave Uniatildeo legislar sobre nacionalidade
cidadania e naturalizaccedilatildeo e no segundo que qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima
para propor accedilatildeo popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de
entidade de que o Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e
ao patrimocircnio histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de
custas judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia No entanto conforme Mazzuoli (2002)
Observe-se que a Carta de 1988 ao tratar no seu art 14 dos direitos poliacuteticos natildeo se refere sequer em um momento agrave expressatildeo cidadania dizendo apenas que a soberania popular seraacute exercida pelo sufraacutegio universal e pelo voto direito e secreto com valor igual para todos (hellip) Pelo contraacuterio a Constituiccedilatildeo faz uma separaccedilatildeo entre cidadania e direitos poliacuteticos quando no seu art 68 sect 1ordm II ao tratar das leis delegadas exclui do acircmbito da delegaccedilatildeo legislativa a nacionalidade cidadania direitos individuais poliacuteticos e eleitorais
A Constituiccedilatildeo brasileira de 1988 com a transiccedilatildeo para o regime democraacutetico
consagrou expressamente esta nova concepccedilatildeo de cidadania como se depreende
da leitura de vaacuterios dos seus dispositivos
Foi nesse sentido que pioneiramente estatuiu a Carta de 1988 em seu art
1ordm que a Repuacuteblica Federativa do Brasil formada pela uniatildeo indissoluacutevel dos
33
Estados e Municiacutepios e do Distrito Federal constitui-se em Estado Democraacutetico de
Direito e tem como fundamentos dentre outros a cidadania (inc II) Como jaacute
mencionado
Na mesma esteira o disposto no art 5ordm incisos LXXI (conceder-se-aacute
mandado de injunccedilatildeo sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviaacutevel o
exerciacutecio dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes agrave
nacionalidade agrave soberania e agrave cidadania) e LXXVII (satildeo gratuitas as accedilotildees de
habeas-corpus e habeas-data e na forma da lei os atos necessaacuterios ao exerciacutecio
da cidadania) No seu Tiacutetulo VIII Capiacutetulo II Seccedilatildeo I a Carta Magna de 1988
dispotildee ainda que a
Educaccedilatildeo direito de todos e dever do Estado e da famiacutelia seraacute promovida e incentivada com a colaboraccedilatildeo da sociedade visando ao pleno desenvolvimento da pessoa seu preparo para o exerciacutecio da cidadania e sua qualificaccedilatildeo para o trabalho (art 205)
Outro dispositivo em que fica bastante marcada esta nova concepccedilatildeo de
cidadania eacute o art 64 do Ato das Disposiccedilotildees Constitucionais Transitoacuterias que
dispotildee
A Imprensa Nacional e demais graacuteficas da Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios da administraccedilatildeo direta ou indireta inclusive fundaccedilotildees instituiacutedas e mantidas pelo Poder Puacuteblico promoveratildeo ediccedilatildeo popular do texto integral da Constituiccedilatildeo que seraacute posta agrave disposiccedilatildeo das escolas e dos cartoacuterios dos sindicatos dos quarteacuteis das igrejas e de outras instituiccedilotildees representativas da comunidade gratuitamente de modo que cada cidadatildeo brasileiro possa receber do Estado um exemplar da Constituiccedilatildeo do Brasil
Enfim a Constituiccedilatildeo de 1988 enriqueceu e ampliou os conceitos de cidadatildeo
e cidadania Seu entendimento agora como leciona Silva (2005)
Decorre da ideia de Constituiccedilatildeo dirigente que natildeo eacute apenas um repositoacuterio de programas vagos a serem cumpridos mas constitui um sistema de previsatildeo de direitos sociais mais ou menos eficazes em torno dos quais eacute que se vem construindo a nova ideacuteia de cidadania
De forma que natildeo mais se trata de considerar a cidadania como simples
qualidade de gozar direitos poliacuteticos mas sim de aferir-lhe um nuacutecleo miacutenimo e
irredutiacutevel de direitos (fundamentais) que devem se impor obrigatoriamente agrave accedilatildeo
dos poderes puacuteblicos
34
O ordenamento juriacutedico brasileiro consagrou aleacutem dos institutos jaacute
mencionados alguns outros mecanismos de defesa dos direitos e garantias
constitucionais da cidadania como a accedilatildeo civil puacuteblica regulada pela Lei nordm
734785 e accedilatildeo direta de inconstitucionalidade prevista no incIV do art 129 da
Constituiccedilatildeo Federal O Coacutedigo de Defesa do Consumidor o Estatuto da Crianccedila e
do Adolescente e ateacute mesmo o princiacutepio do devido processo legal que resguarda ao
cidadatildeo o acesso agrave justiccedila e direito de ser acionado judicialmente por meio de
procedimentos legais satildeo mecanismos de defesa dos direitos de cidadania
previstos constitucionalmente e garantidos na esfera poliacutetica civil e social
Pode-se observar que a cidadania comeccedilou a ser construiacuteda como resultado
de um processo de luta a partir da conscientizaccedilatildeo dos direitos e deveres do
homem Como vimos a cidadania jaacute em praacutetica em muitos paiacuteses adquire no
Brasil com a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 um novo sentido qual seja o
pressuposto do exerciacutecio pleno de um sistema de direitos e garantias
35
CAPIacuteTULO 3 - CIDADANIA COMO MECANISMO DE
TRANSFORMACcedilAtildeO SOCIAL
No momento em que a cidadania alccedila voos constitucionais e insere-se na
Carta Poliacutetica da Repuacuteblica Federativa do Brasil inicia-se o processo de
redemocratizaccedilatildeo e ganha relevo o cidadatildeo agente deste processo que tem em
suas matildeos a tarefa da construccedilatildeo de um novo tempo
Historicamente a ideia de cidadatildeo conotava o habitante da cidade ndash o
citadino ndash firma-se entatildeo tal conotaccedilatildeo na Antiguumlidade claacutessica para depois
significar aquele indiviacuteduo a quem se atribuem os direitos poliacuteticos Superada essa
acepccedilatildeo que tambeacutem vigorou nas constituiccedilotildees anteriores da Repuacuteblica do Brasil
na concepccedilatildeo moderna estaacute clara a noccedilatildeo de cidadatildeo como aquele que a quem
consiste a titularidade de direitos individuais poliacuteticos e sociais Noccedilatildeo esta
edificada com a internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos que amplia a acepccedilatildeo do
termo declarando que satildeo cidadatildeos todo aquele que habita o acircmbito da soberania
de um Estado e deste Estado recebem uma carga de direitos e tambeacutem deveres dos
mais variados
Desta forma a noccedilatildeo contemporacircnea de cidadania funda-se na dicotomia
direitos (exerciacutecios de direitos fundamentais - participaccedilatildeo) e deveres (colaboraccedilatildeo -
solidariedade) Ao lado dos direitos foram estabelecidos deveres fundamentais e
portanto tanto agentes puacuteblicos como os indiviacuteduos tecircm obrigaccedilotildees especiacuteficas
inclusive a de respeitar os direitos das demais pessoas que vivem na ordem social
sendo e promovendo mecanismos de transformaccedilatildeo social que visam uma nova
sociedade baseada na igualdade e na justiccedila
36
31 O ser cidadatildeo
Os termos indiviacuteduo ser humano pessoa e cidadatildeo satildeo geralmente tomados
como sinocircnimo o que certamente influi na proliferaccedilatildeo de incontaacuteveis significados e
ampliaccedilatildeo do termo cidadatildeo Poreacutem estas palavras apesar de se assemelharem
possuem carga semacircntica proacutepria e da compreensatildeo exata de cada uma decorre a
conceituaccedilatildeo mais acentuada da acepccedilatildeo do termo cidadatildeo como titular de direitos
e deveres resguardados pela constituiccedilatildeo paacutetria
Desta forma indiviacuteduo eacute um representante da espeacutecie aquele que eacute uacutenico
Enquanto ser humano eacute um termo mais geneacuterico ou indeterminado que diz respeito
agrave espeacutecie agrave classificaccedilatildeo ao mundo zooloacutegico Pessoa por sua vez eacute um termo
mais especiacutefico que tem a ver com o mundo civilizado ou se preferirmos com a
constelaccedilatildeo dos valores morais eacuteticos e juriacutedicos proacuteprios da civilizaccedilatildeo
A etimologia da palavra pessoa demonstra que eacute um conceito sobreposto ao conceito de Ser Humano Um refratildeo de origem juriacutedica tambeacutem nos lembra do homo plures pessoa polimorfa o ser humano capaz de desempenhar muitos papeacuteis um mesmo ser humano eacute empresaacuterio e delinquumlente eacute pai e metaluacutergico etc Persona (personagem) era a maacutescara que usavam os atores da trageacutedia grega para desempenhar seu papel Cabe portanto entender o conceito de Ser Humano ao lado do conceito de Pessoa No direito romano antigo os escravos eram seres humanos (homens) mas natildeo eram consideradas pessoas (patriacutecios) Os juristas romanos que usavam o conceito de Ser Humano o dissociavam do conceito de pessoas (CUNHA 2007)
O Ser Humano recebe uma distinccedilatildeo importante quando o consideramos
como Pessoa assim como a Pessoa recebe uma distinccedilatildeo redundante natildeo menos
importante quando a consideramos por forccedila de expressatildeo como uma pessoa
humana Subentendendo o adjetivo humano como relativo agrave eacutetica Portanto Ser
Humano natildeo eacute a mesma coisa que Pessoa como tampouco Ser Humano eacute o
mesmo que cidadatildeo este muito eacute mais proacuteximo do termo Pessoa Vejamos o quadro
ilustrativo que esquematiza e distinguem os referidos conceitos
37
QUADRO 1 ndash EVOLUCcedilAtildeO DO SER HUMANO ATEacute O CIDADAtildeO
O Ser Humano O Ser Indiviacuteduo O Ser Pessoa O Ser Cidadatildeo
A Dimensatildeo do conviacutevio social
A dimensatildeo do mercado de trabalho e
Consumo
A Dimensatildeo de encontrar-se no mundo
A dimensatildeo de intervir na realidade
O homem tornar-se Ser Humano nas relaccedilotildees
de conviacutevio social
O Ser Humano tornar-se indiviacuteduo quando
descobre seu papel e funccedilatildeo social
O Indiviacuteduo torna-se pessoa quanto toma
consciecircncia de si mesmo do outro e do
mundo
A pessoa torna-se cidadatildeo quando
interveacutem na realidade em que vive
Quem estuda o comportamento do Ser
Humano Seria a antropologia a histoacuteria
ou a sociologia
Quem estuda o comportamento do indiviacuteduo Seria a
Filosofia a sociologia ou a Psicologia
Quem estuda o comportamento da pessoa Seria a
Filosofia a sociologia ou a Psicologia
Quem estuda o comportamento do cidadatildeo Seria a
Sociologia a Filosofia ou As ciecircncias
poliacuteticas
Quem garante os direitos do Ser
Humano A Declaraccedilatildeo Universal
dos Direitos Humanos
Quem garante os Direitos do
Consumidor O Coacutedigo do Consumidor
Quem garante os Direitos da pessoa A proacutepria pessoa (amor proacuteprio ou autoestima)
Quem garante os Direitos do cidadatildeo (A Constituiccedilatildeo e suas leis
regulamentares)
Existe realmente uma natureza humana Teologicamente
afirmamos que existe a uma natureza humana
Seguindo a corrente existencialista (JP Sartre) negamos tal
natureza
Que diferenccedila existe entre o direito do
consumidor e o direito do cidadatildeo Ao
Consumidor deve ser dado o direito de
propriedade enquanto ao cidadatildeo deve ser
dado o direito de acesso
O que significa tornar-se pessoa no niacutevel
psicoloacutegico e social A pessoa eacute o indiviacuteduo que toma consciecircncia de si mesmo (ldquoTornar-
se Pessoardquo de Karl Roger)
Como podemos intervir na realidade
modificando as estruturas corruptas e injustas Quando os
direitos do cidadatildeo lhe satildeo oferecidos e o
mesmo passa a exercecirc-lo haacute
modificaccedilatildeo de comportamento
(ROSAS 2009)
O cidadatildeo eacute portanto aquele indiviacuteduo a quem a Constituiccedilatildeo confere direitos
e garantias e lhe daacute o poder do seu efetivo exerciacutecio aleacutem de meios processuais
eficientes contra a violaccedilatildeo de seu gozo ou fruiccedilatildeo por parte do poder puacuteblico
Sendo assim
A passagem do indiviacuteduo a cidadatildeo caracteriza-se pelo reconhecimento pela lei de direitos considerados fundamentais agrave realizaccedilatildeo da vida do homem como indiviacuteduo e ser social membro de uma comunidade poliacutetica e a garantia desses direitos pela forccedila comum de todos (CUNHA 2007)
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Nas uacuteltimas deacutecadas em alguns paiacuteses inclusive no Brasil desenvolveu-se o
conceito de cidadania calcado principalmente na questatildeo do cidadatildeo-consumidor
As pessoas passam a ser vistas como cidadatildes desde que tenham dinheiro para
adquirir mercadorias e utilizar serviccedilos Eacute certo pois que serviccedilos e mercadorias
atendem a necessidades materiais e simboacutelicas das pessoas e consumi-los eacute um
dos modos de participar da vida social criar identidade e partilhar dos bens
produzidos pela humanidade e representar-se culturalmente Contudo a cidadania
enfatizada apenas como uma relaccedilatildeo de compra e venda de mercadorias e serviccedilos
assume um conteuacutedo restrito individual conformista e voltado apenas para a
aquisiccedilatildeo de bens o que se relaciona com a ideacuteia de indiviacuteduo ou seja o consumo
atende as necessidades do indiviacuteduo
Outra forma de confusatildeo acerca do conceito de cidadatildeocidadania refere-se a
equiparaccedilatildeo feita com o assistencialismo o que configura uma acentuada inversatildeo
do termo uma vez que a praacutetica do assistencialismo natildeo propicia meios de
superaccedilatildeo das desigualdades sociais Enquanto a cidadania estaacute relacionada agrave
superaccedilatildeo das desigualdades sociais e a extensatildeo da garantia dos direitos de todos
O cidadatildeo eacute sem duacutevida uma expressatildeo que precisa ser adequadamente
utilizada e vivenciada pela coletividade compreendido na dimensatildeo do ser pessoa
de ter direitos e deveres do assumir as suas liberdades e responsabilidades no seio
de uma comunidade democraacutetica equitativa solidaacuteria e intercultural
Dessa forma ser cidadatildeo implica saber viver em sociedade estando ciente
dos anseios comuns A participaccedilatildeo ativa nas decisotildees de sua comunidade
influencia modos de vida de maneira positiva ao seu redor assim torna-se
imprescindiacutevel o exerciacutecio dos direitos constitucionais adquiridos e lutar pelos que
viratildeo eacute sobretudo estar consciente de todas as atitudes tomadas em prol da
sociedade
Eacute possiacutevel nesse espaccedilo de discussatildeo falar em ldquoestar cidadatildeordquo que eacute natildeo
praticar o exerciacutecio da cidadania em nenhuma de suas formas Implica apenas em
se deixar levar pelos acontecimentos e ainda reclamar das situaccedilotildees vividas sem
nada fazer para mudar sem nenhuma perspectiva de futuro Do que concluiacutemos que
a dinacircmica de intervir na realidade eacute pressuposto de cidadania
Ser cidadatildeo eacute tarefa que requer muito do ser humano do individuo da
pessoa Requer uma alta - estima elevada uma consciecircncia solidaacuteria uma
39
identidade que se reconheccedila na dinacircmica social interagindo com o outro ampliando
debates incitando justiccedila eacute sem duvida uma tomada de posiccedilatildeo que natildeo se
acomoda pelo contraacuterio se incomoda quando natildeo haacute comprometimento para o bem
comum
Natildeo eacute uma tarefa cocircmoda senatildeo muito complicada as pessoas natildeo nascem cidadatildeos mas fazem-se no tempo e no espaccedilo Na verdade natildeo eacute faacutecil exercer a liberdade e a cidadania ndash ser pessoa e ser cidadatildeo ndash por isso exige-se uma luta sem treacuteguas para erradicar assimetrias e exclusotildees socioculturais e criar cenaacuterios de esperanccedila realizaacuteveis fundamentados em valores e princiacutepios eacuteticos que requalifiquem a democracia com cidadatildeos participativos e
comprometidos ( SAEZ 1995)
Tem portanto como pressuposto uma mudanccedila de comportamento uma
tomada de posiccedilatildeo frente agrave dinacircmica social na qual estaacute inserido participando de
forma ativa e produtiva do processo de construccedilatildeo da cidadania por meio de seus
diversos canais
32 Emancipaccedilatildeo social atraveacutes da cidadania
Um Estado Democraacutetico eacute aquele que estaacute enraizado na legitimidade do
poder do povo e dele decorre seu exerciacutecio Assim o poder do povo eacute a expressatildeo
a aptidatildeo de homens e mulheres constituir autonomamente seu viver sem sucumbir
diante das instacircncias de poder Haacute nesse modus vivendi uma tutela das diferenccedilas e
pluralidades de formas de vida
Desta forma a cidadania eacute enfocada como o processo de participaccedilatildeo do
individuo ou de um grupo organizado nas mais variadas aacutereas de atuaccedilatildeo na
sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos sociais com a consciecircncia
da responsabilidade por sua proacutepria histoacuteria
Sendo a democracia o regime em que o povo governa sua caracteriacutestica
inarredaacutevel eacute a de ter o povo agrave frente do poder uma forma de autogoverno Em
assim sendo a cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia por meio de resultados
palpaacuteveis e medidas concretas tais como mudanccedilas na realidade de cada um com
melhoria de vida e conscientizaccedilatildeo da importacircncia na sociedade para o exerciacutecio
40
direto ou indireto desse poder pois se contentar com fato do direito estaacute prescrito
em lei natildeo eacute o bastante
Eacute certo poreacutem que o Estado democraacutetico somente se aperfeiccediloa na
proporccedilatildeo em que o povo age ativamente na medida em que os representantes
reflitam em seus atos os verdadeiros anseios populares Partindo dessa visatildeo a
cidadania eacute o grande fator de legitimaccedilatildeo do povo permitindo que ele aja em defesa
das instituiccedilotildees democraacuteticas
Sobre a participaccedilatildeo cumpre asseverar que este direito significa a
capacidade de ser consultado para as tomadas de decisatildeo que dizem respeito agrave
direccedilatildeo da sociedade em que vive o cidadatildeo este direito eacute acompanhado do
respeito aos deveres de contribuir para o progresso social e de acatar e respeitar o
resultado obtido em consulta coletiva
No elenco de mecanismo de exerciacutecio da cidadania estaacute o acesso ao direito e
a justiccedila que eacute fator preponderante para efetivar as garantias constitucionais
Assim passaremos a discorrer sobre a importacircncia de instrumentalizar o
cidadatildeo para um pleno exerciacutecio de seus direitos
Eacute Sabido que no Estado Democraacutetico Contemporacircneo os direitos
fundamentais constitucionalmente assegurados tecircm eficaacutecia imediata cumprindo ao
Estado garantir a todos os cidadatildeos o respeito a esses Direitos de modo concreto e
efetivo natildeo obstante as inuacutemeras desigualdades e condiccedilotildees adversas que
dificultam na praacutetica o seu exerciacutecio
Para o acesso ao direito o Estado deve desenvolver com eficiecircncia uma seacuterie
de atividades essenciais e dar efetividade a uma seacuterie de pressupostos Dentre eles
o principal eacute o conhecimento do Direito como fator preponderante pois o
desconhecimento da lei implica na praacutetica natildeo acionar a jurisdiccedilatildeo Um fato que
contribui para essa assertiva eacute baixa escolaridade da populaccedilatildeo e o analfabetismo
Muito pouco adianta a existecircncia de uma Constituiccedilatildeo apenas formal ou no
papel se ilegiacutetima ou desrespeitada Para que ocorra a eficaacutecia das normas
dispostas numa Constituiccedilatildeo ou melhor para que passe da teoria agrave praacutetica eacute
essencial que comandados e comandantes tenham conhecimento dos seus direitos
e responsabilidades assim como dos instrumentos juriacutedicos para efetivaacute-los (leis
regulamentadoras) O exerciacutecio da cidadania natildeo eacute somente um direito mas eacute
tambeacutem um dever de todos pois a omissatildeo de cada um contribui com as injusticcedilas e
as impunidades tatildeo presentes nos dias atuais
41
A Constituiccedilatildeo quando eacute justa e legiacutetima e principalmente quando eacute
respeitada eacute um poderoso instrumento de promoccedilatildeo e desenvolvimento social e
humano
Outro fator que deve ser considerado eacute a miserabilidade que coloca inuacutemeros
brasileiros a margem da sociedade em situaccedilatildeo precaacuteria os quais para Pinsky
(2004) ldquodesprovidos de esperanccedila de projeto de qualquer perspectiva de inclusatildeo
[] recorrer agrave Justiccedila humana parece algo irrealizaacutevel sofisticado e inteiramente
ficcionalrdquo
Desta forma o primeiro passo para concretizar os direitos previstos
constitucionalmente eacute a formaccedilatildeo do cidadatildeo atraveacutes da Educaccedilatildeo Baacutesica
infundindo-lhe a consciecircncia dos seus direitos e tambeacutem dos seus deveres sociais
bem como dos valores humanos fundamentais que devem ser por todos respeitados
na vida em sociedade A universalizaccedilatildeo do ensino fundamental a oferta obrigatoacuteria
de educaccedilatildeo infantil pelo Estado e o crescimento da oferta do ensino meacutedio satildeo
alguns dos aspectos que merecem destaques e foi devido agrave determinaccedilatildeo
constitucional de estabelecer o caraacuteter obrigatoacuterio do ensino fundamental e de
responsabilizar o Estado por sua implementaccedilatildeo que tem iniacutecio o processo de
avanccedilo desse segmento
A Constituiccedilatildeo estabeleceu de forma mais clara o papel dos entes federados
na educaccedilatildeo Tambeacutem aumentou a participaccedilatildeo orccedilamentaacuteria destinada ao setor
Com as novas regras para distribuiccedilatildeo de recursos adotadas apoacutes a promulgaccedilatildeo
da Carta os municiacutepios voltam a interessar-se pela educaccedilatildeo fundamental e o paiacutes
atinge a universalizaccedilatildeo do setor o que se busca agora satildeo mecanismos para
garantir a qualidade no ensino
O segundo passo nessa dinacircmica eacute o oferecimento a todos os cidadatildeos de
condiccedilotildees miacutenimas de sobrevivecircncia e de existecircncia condignas atraveacutes do acesso
ao trabalho produtivo livremente escolhido e do pagamento de remuneraccedilatildeo capaz
de prover ao sustento do trabalhador e de sua famiacutelia
Para milhotildees de cidadatildeos que vivem na ignoracircncia e na miseacuteria nenhuma
utilidade ou eficaacutecia tecircm os inuacutemeros direitos constitucionalmente assegurados Para
aqueles que se habituaram a retirar proventos da mendicacircncia da prostituiccedilatildeo de
atividades iliacutecitas ou aqueles que se sentiram forccedilados a sujeitar-se agrave exploraccedilatildeo de
outrem para sobreviver natildeo haacute nenhuma crenccedila na dignidade da pessoa humana e
no valor social do trabalho
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A pobreza engendra inuacutemeras relaccedilotildees de dominaccedilatildeo entre pessoas e entre grupos sociais As habitaccedilotildees subumanas da periferia das grandes cidades no Brasil constituem verdadeiros quistos sociais terras sem lei controladas por xerifes ou por quadrilhas de malfeitores O Estado que natildeo for capaz de dotar essas comunidades do acesso efetivo agrave Educaccedilatildeo agrave Sauacutede agrave Seguranccedila e agrave Paz Puacuteblicas e ao trabalho liacutecito certamente natildeo lhes estaraacute assegurando o acesso ao Direito porque a populaccedilatildeo abrutalhada pela miseacuteria e coagida pelo medo natildeo desfruta da miacutenima eficaacutecia concreta dos
seus direitos fundamentais (GRECO 2009)
Evidencia que acesso ao Direito nas sociedades modernas mesmo nas
economicamente desenvolvidas exige o fortalecimento dos grupos intermediaacuterios e
do associativismo O cidadatildeo natildeo estaacute mais em condiccedilotildees de defender-se
individualmente das ameaccedilas e lesotildees aos seus direitos perpetradas por pessoas ou
grupos que se encontram em posiccedilatildeo de vantagem nas relaccedilotildees econocircmicas e
sociais
O sindicato veio exercer este importante papel em relaccedilatildeo ao trabalhador
empregado Mas hoje as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo natildeo satildeo apenas as que existem no
mundo do trabalho mas as que se revelam em todos os tipos de relaccedilotildees humanas
relaccedilotildees de consumo relaccedilotildees de vizinhanccedila relaccedilotildees locatiacutecias relaccedilotildees
comerciais internas e internacionais e natildeo com menor relevacircncia relaccedilotildees entre os
particulares e o Estado entre outras
Eacute preciso assegurar esse equiliacutebrio na praacutetica o que somente tornar-se-aacute
possiacutevel atraveacutes da articulaccedilatildeo dos sujeitos que se encontram em posiccedilatildeo de
desvantagem em organizaccedilotildees e associaccedilotildees que pela uniatildeo de esforccedilos
consigam compensar o desequiliacutebrio existente e dar aos indiviacuteduos e grupos a forccedila
e a capa de proteccedilatildeo necessaacuterias para ombrearem-se aos seus adversaacuterios e
lutarem pelos seus direitos ou interesses em igualdade de condiccedilotildees
Para Greco (2009) o pressuposto indispensaacutevel do acesso ao Direito eacute a
transparecircncia do Estado no trato de questotildees que possam afetar a esfera de
interesses dos cidadatildeos e complementa que aos cidadatildeos eacute indispensaacutevel
assegurar o direito de influir eficazmente nas decisotildees do poder puacuteblico atraveacutes dos
mais diversos instrumentos de participaccedilatildeo democraacutetica Ele afirma que
A relaccedilatildeo Estado-cidadatildeo natildeo eacute mais a relaccedilatildeo soberano-suacutedito O cidadatildeo tem o direito de exigir do Estado o pleno respeito ao seu
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patrimocircnio juriacutedico Lamentavelmente a crise do Estado tem levado o Brasil a aceitar-se como normal que as pessoas juriacutedicas de Direito Puacuteblico natildeo cumpram devidamente as prestaccedilotildees positivas de que satildeo devedoras perante os particulares cabendo a estes demandar na Justiccedila para obtecirc-las (GRECO 2009)
Essa visatildeo deformada da responsabilidade do Estado ocorre o
desvirtuamento da justiccedila Por outro lado agrave violaccedilatildeo da garantia constitucional da
tutela jurisdicional efetiva (Constituiccedilatildeo artigo 5 inciso XXXV) disciplina a lei natildeo
excluiraacute da apreciaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio lesatildeo ou ameaccedila ao direito Assim o
acesso ao Direito natildeo estaraacute concretamente assegurado se o Estado natildeo oferecer a
todo cidadatildeo a possibilidade de receber aconselhamento juriacutedico a respeito dos seus
direitos
Constituiccedilatildeo de 1988 no artigo 5deg inciso LXXIV assegurou a todos
ldquoassistecircncia juriacutedicardquo a englobar assistecircncia judiciaacuteria e assessoramento juriacutedico
extrajudicial Conforme Greco (2009) ldquoeacute preciso que esse direito seja assegurado
na praacutetica Uma vez que na vida moderna o Direito tornou-se excessivamente
complexordquo Ainda no dizer do autor a consciecircncia juriacutedica do homem comum que
deve ser adquirida na famiacutelia e na escola natildeo eacute mais suficiente para a tomada de
decisotildees na vida diaacuteria das pessoas Todas as pessoas mantecircm complexas relaccedilotildees
juriacutedicas com instituiccedilotildees financeiras com fornecedores de bens e de serviccedilos etc
Nessas relaccedilotildees juriacutedicas com frequecircncia os cidadatildeos tecircm de tomar decisotildees
raacutepidas O cidadatildeo que tem meios procura um advogado particular para assessoraacute-
lo Ao pobre o Estado deve assegurar o mesmo direito em plenitude
Sem duacutevida o uacuteltimo pressuposto do acesso ao Direito eacute o acesso agrave Justiccedila
no sentido de acesso a um tribunal estatal imparcial previamente instituiacutedo como
competente para a soluccedilatildeo de qualquer litiacutegio a respeito de interesse que se afirme
juridicamente protegido ou para a praacutetica de qualquer ato que a lei subordine agrave
aprovaccedilatildeo autorizaccedilatildeo ou homologaccedilatildeo judicial
Se o cidadatildeo tem consciecircncia dos seus direitos se o Estado lhe fornece
todas as condiccedilotildees para livremente exercecirc-los mas algum outro cidadatildeo ou algum
oacutergatildeo do proacuteprio Estado impede ou dificulta esse exerciacutecio cabe ao poder puacuteblico
pocircr agrave disposiccedilatildeo do cidadatildeo lesionado ou ameaccedilado a jurisdiccedilatildeo necessaacuteria para
assegurar o pleno acesso a tal direito
Atingimos eacute certo um estaacutegio de desenvolvimento do Direito Humanitaacuterio que
natildeo mais nos permite conformar-nos com uma realidade distante do padratildeo de
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convivecircncia humana que outras naccedilotildees jaacute alcanccedilaram O exerciacutecio pleno de
cidadania seraacute obra de mais de uma geraccedilatildeo Mas se trabalharmos com firmeza
certamente os jovens de hoje poderatildeo legar aos seus descendentes a emancipaccedilatildeo
cidadatilde um paiacutes melhor e uma sociedade mais justa e democraacutetica
33 O municiacutepio como acircmbito de exerciacutecio de cidadania
Historicamente o Municiacutepio enquanto unidade poliacutetico-administrativa surgiu
conforme descreve Berardi (2004) com a Repuacuteblica Romana interessada em
manter a dominaccedilatildeo paciacutefica das cidades conquistadas pela forccedila dos exeacutercitos
Sua origem mais de natureza socioloacutegica do que poliacutetica adveacutem do espiacuterito
associativo do homem e de suas relaccedilotildees de vizinhanccedila
Eacute pois a menor unidade territorial de Federaccedilatildeo cuja criaccedilatildeo reflete a base
da organizaccedilatildeo poliacutetica administrativa da Naccedilatildeo Portanto sua funccedilatildeo administrativa
historicamente vem assentada no princiacutepio do direito natural
O artigo primeiro da Constituiccedilatildeo Federal de 1998 estabelece que o
Municiacutepio ao lado dos Estados e do Distrito Federal formam a Republica Federativa
do Brasil que se constitui em Estado Democraacutetico de Direito O municiacutepio tem assim
um poder relevante para a aplicaccedilatildeo da democracia direta iniciada e fortalecida em
niacutevel local Diversos pensadores chegaram a afirmar que a descentralizaccedilatildeo de
poder resultante da constituiccedilatildeo Cidadatilde era antes de tudo uma conquista dos
Municiacutepios sendo eles os berccedilos da perpetuaccedilatildeo da Repuacuteblica e da Democracia
efetivamente por serem o uacutenico niacutevel de governo possuidores de respaldo e
localizaccedilatildeo fiacutesica ou seja solo municipal
Eacute certo que a Carta Magna de 1988 consolidou significativas inovaccedilotildees para a
vida municipal de forma que o Municiacutepio passou a constituir um dos entes da
federaccedilatildeo tratando-o como unidade dotada de autonomia poliacutetica expressa na
capacidade de poder elaborar a sua Lei Orgacircnica fugindo assim da tutela dos
estados que ateacute entatildeo eram considerados como uacutenicos componentes da federaccedilatildeo
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A Lei Orgacircnica Municipal traz em seu bojo aleacutem da organizaccedilatildeo
administrativa do Municiacutepio a restauraccedilatildeo do Poder Legislativo municipal definindo
a diversificaccedilatildeo normativa que natildeo existia nas leis organizacionais outorgadas pelo
Estado reflexo do poder constituinte outorgados aos Municiacutepios pela Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 como consequecircncia do efetivo exerciacutecio do conceito de Estado
Democraacutetico de Direito
O Municiacutepio enquanto ente federativo tem atualmente a responsabilidade de
ordenar o seu desenvolvimento social e a garantia do bem estar de seus habitantes
executando poliacuteticas puacuteblicas de accedilotildees a serem empreendidas na consolidaccedilatildeo
democraacutetica do Estado
Fundada no elemento participaccedilatildeo o exerciacutecio de cidadania amplamente
citado encontra sua efetividade no municiacutepio Pois eacute nesse acircmbito de localizaccedilatildeo
que as pessoas mantecircm um contato direto com os poderes instituiacutedos suas
necessidades imediatas e mediatas satildeo objetos da disciplina da Lei que visa o bem
comum base do Estado democraacutetico de Direito
Baseado na maacutexima do municipalista e defensor da descentralizaccedilatildeo poliacutetica
Franco Motoro sabiamente proferiu que ldquoningueacutem vive na Uniatildeo ou no Estado As
pessoas vivem no Municiacutepiordquo Assim a cidadania encontra seu melhor espaccedilo de
realizaccedilatildeo na comunidade onde convive A vida em comunidade gera anseios
comuns sentimentos comuns uma vez que a convivecircncia propicia que as pessoas
se conheccedilam e se reconheccedilam como membros de uma mesma realidade
De acordo com Harvey (1992) ldquoa globalizaccedilatildeo provoca anonimato enquanto
comunidade cultiva solidariedaderdquo o que implica participaccedilatildeo para o exerciacutecio de
cidadania
Tudo o que acontece no mundo seja no meu paiacutes na minha cidade ou no meu bairro acontece comigo Entatildeo eu preciso participar das decisotildees que interferem na minha vida Um cidadatildeo com um sentimento eacutetico forte e consciecircncia da cidadania natildeo deixa passar nada natildeo abre matildeo desse poder de participaccedilatildeo (Herbert de Souza Betinho)
Com esse embasamento natildeo se pode perder de vista que eacute nas relaccedilotildees
diaacuterias de oposiccedilatildeo ou solidariedade que as pessoas exercem cidadania Na relaccedilatildeo
do com o outro com os poderes ao estabelecer com a vida social e puacuteblica uma
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convivecircncia posto que cidadania eacute tarefa que natildeo termina natildeo eacute um conceito
pronto tatildeo pouco acabado enquanto seres inacabados que somos estaremos
buscando descobrindo criando e tomando consciecircncia mais ampla dos direitos
O desafio eacute construir um novo discurso sobre cidadania atraveacutes de uma
praacutetica poliacutetica sustentada isto eacute realizada em dois niacuteveis
O primeiro niacutevel na base atraveacutes de construccedilatildeo das capacidades e do poder
proacuteprio da populaccedilatildeo o que envolve inevitavelmente uma mudanccedila de atitude na
busca para garantir seus direitos utilizando-se do grau de autonomia local
Essa atitude conceberia agrave democracia participativa como uma poliacutetica paralela
de intervenccedilatildeo social criando e mantendo novos espaccedilos para a tomada de
decisotildees ou seja para o auto-governo pela populaccedilatildeo nas mateacuterias que afetam
diretamente suas vidas
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade
O segundo niacutevel um governo com o povo e natildeo apenas para o povo fundado
nos ditames constitucionais valorizando o sentimento da sociedade no exerciacutecio da
governabilidade de modo que o balizamento das accedilotildees de governo deixaria de estar
no proacuteprio governo e passaria a estabelecer-se a partir do pensar da sociedade Um
governo que se pergunta o que se deve fazer para ouvir com a maior fidelidade
possiacutevel a sociedade suas instituiccedilotildees representativas e o cidadatildeo Pois as
prioridades da gestatildeo deveriam ser definidas pela sociedade e natildeo mais pelo
governo
Portanto nesses termos eacute preciso considerar que as praacuteticas da
administraccedilatildeo puacuteblica sejam democratizadoras e inclusivas inspiradas nos
princiacutepios da legalidade impessoalidade moralidade publicidade e eficiecircncia Esta
uacuteltima buscou estabelecer uma Administraccedilatildeo Puacuteblica mais eficiente no sentido de
que o cidadatildeo como destinataacuterio dos serviccedilos puacuteblicos que o Estado deve prestar
receba-os com maior qualidade e menor custo para o eraacuterio puacuteblico
Para a consecuccedilatildeo desse governar com o povo alguns pontos devem ser
revistos A mudanccedila implica na necessidade de adequaccedilatildeo reorganizaccedilatildeo
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reformulaccedilatildeo Para isso se faz premente em face dos novos e modernos conceitos
de gestatildeo puacuteblica a superaccedilatildeo do tradicional vezo burocraacutetico que vem convertendo
a Administraccedilatildeo nas palavras Dromi (1995) numa cara ldquomaacutequina de impedirrdquo fiel
ldquocoacutedigo do fracassordquo que dispotildee ldquoartigo primeiro natildeo pode artigo segundo em
caso de duacutevida abstenha-se artigo terceiro se eacute urgente espere artigo quarto
sempre eacute mais prudente natildeo fazer nadardquo numa posiccedilatildeo natildeo burocraacutetica e sim
democraacutetica de considerar que organizaccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica inclui a
praacutetica de ver os cidadatildeos como membros plenos da comunidade poliacutetica tendo
acesso e exercitando direitos as que promovem a organizaccedilatildeo da populaccedilatildeo em
torno de temas de interesse comum as que incluem o controle social sobre a
gestatildeo o debate amplo e informado sobre questotildees de governo e que abrem agrave
populaccedilatildeo as decisotildees sobre estas questotildees Como leciona e Barrientos (2000)
Tratam-se de praacuteticas que natildeo buscam somente melhorar a eficiecircncia administrativa das diferentes organizaccedilotildees puacuteblicas mas que incorporam no seu processo de gestatildeo a dimensatildeo ativa da cidadania isto eacute ldquoque facilitam as iniciativas e responsabilidades de todos os envolvidos[] estabelecendo pontes entre Estado e sociedade civil
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade Acreditamos
que o ponto de partida eacute a atitude aliada agrave solidariedade e ao espiacuterito coletivo Pois
governo e cidadatildeos juntos haveratildeo de cumprir um novo papel no processo de
desenvolvimento como agentes de uma nova cultura
Como afirma Peter Drucke
A parceria comunitaacuteria seraacute um dos verdadeiros setores em crescimento das economias desenvolvidas Surge da necessidade de uma participaccedilatildeo mais direta e efetiva da comunidade nas grandes questotildees da vida social pois natildeo existe ningueacutem melhor que o cidadatildeo para saber o que ele quer para si para sua famiacutelia e para sua comunidade (apud RAMOS 1990)
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O envolvimento efetivo da sociedade nas questotildees sociais natildeo eacute apenas uma
postura moderna Significa antes de tudo uma atitude digna de todos aqueles que
desejam exercer sua cidadania contribuindo para um paiacutes melhor e em especial
para uma sociedade mais justa fraterna e solidaacuteria
Na histoacuteria observa-se a grande coragem das pessoas em construir o
reconhecimento delas proacuteprias e de seus direitos sempre buscando a participaccedilatildeo e
defendendo os Direitos Humanos Sem duacutevida a maior ecircnfase que deve ocorrer
para a construccedilatildeo real da cidadania eacute uma mudanccedila na sociedade O melhor a ser
feito eacute reforccedilar a organizaccedilatildeo democraacutetica buscando novas formas de participaccedilatildeo
social pois cidadania natildeo se resume ao poder de votar ou ser votado mas eacute sempre
na efetiva participaccedilatildeo popular pois somente com isso haacute a verdadeira
conscientizaccedilatildeo e o comprometimento daquele que passa a se sentir cidadatildeo
abandonando-se velhos viacutecios da poliacutetica representativa
Desse modo a participaccedilatildeo do povo no momento das reivindicaccedilotildees das
discussotildees e apreciaccedilotildees de projetos que visem agrave melhoria da comunidade local a
exigecircncia de transparecircncia na administraccedilatildeo da coisa puacuteblica dentre outras eacute quem
daraacute embasamento para as verdadeiras conquistas sociais no Municiacutepio que geram
saudaacuteveis formas de pressatildeo por efetivas poliacuteticas puacuteblicas de inclusatildeo social
gerando o fim do clientelismo poliacutetico tatildeo pejorativo e comum em nossa realidade e
cultura poliacutetica
Somente a participaccedilatildeo social eacute que iraacute causar uma real democratizaccedilatildeo do
poder A afirmaccedilatildeo da cidadania eacute pressuposto para a realizaccedilatildeo dos Direitos
Humanos pois os homens natildeo nascem naturalmente iguais Inclusive para que
ocorra a realizaccedilatildeo dos referidos direitos eacute necessaacuterio tambeacutem que exista um
espaccedilo puacuteblico que seja realmente democraacutetico e acessiacutevel possibilitando a
participaccedilatildeo de todos e esse espaccedilo eacute certamente o municiacutepio
Na praacutetica um forte instrumento de cidadania para atender as necessidades
coletivas eacute o orccedilamento participativo previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal que
determina expressamente a realizaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas e a participaccedilatildeo
popular nos processos de elaboraccedilatildeo e conduccedilatildeo dos orccedilamentos como forma de
incentivo agrave preparaccedilatildeo e execuccedilatildeo de planejamentos que envolvam diretamente o
povo A Lei veio incentivar a sua propagaccedilatildeo para todos os entes federativos tendo
em conta que se trata de uma tendecircncia mundial por legitimar as escolhas e
fortalecer o princiacutepio da transparecircncia
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Os meios de acesso do cidadatildeo junto aos Poderes Puacuteblicos eacute uma realidade
no Estado Democraacutetico de Direito brasileiro a exemplo das sessotildees do Poder
Legislativo que satildeo puacuteblicas ficando abertas a todos que delas quiserem participar
Emite-se uma pauta antes do comeccedilo da sessatildeo com a preacutevia dos debates Em
niacutevel municipal verifica-se um acompanhamento mais incisivo sobre as sessotildees das
Cacircmaras de Vereadores como forma de pressatildeo para aprovaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees
da comunidade avaliaccedilatildeo do desempenho e aceitaccedilatildeo de propostas orccedilamentaacuterias
e atuaccedilatildeo dos poliacuteticos bem como entendimento das funccedilotildees do Poder Legislativo
A Constituiccedilatildeo Federal assegura desde 1988 a possibilidade de se oferecer
peticcedilatildeo agraves Mesas Legislativas como forma de pedir informaccedilotildees sobre andamento
de projetos ou relatoacuterios encaminhados aos chefes do Poder Executivo Em niacutevel
municipal pode ser utilizada a Tribuna Livre como instrumento para denuacutencias de
problemas ou discussatildeo de um tema ou mesmo para apresentar sugestotildees sendo
regulado pela Lei Orgacircnica Municipal e pelo Regimento Interno da Cacircmara
A convocaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas tambeacutem possui previsatildeo constitucional
no art 58 sect 20 inciso II em niacutevel federal As comissotildees podem em razatildeo da
mateacuteria de sua competecircncia realizar audiecircncias puacuteblicas com entidades da
sociedade civil E nada obsta que estejam previstas formas de articulaccedilatildeo da
sociedade civil com os Presidentes das Comissotildees da Cacircmara no seu Regimento
Interno em acircmbito municipal
Os dispositivos da Constituiccedilatildeo Federal que dispotildeem sobre a forma de
participaccedilatildeo direta do cidadatildeo e da sociedade civil no processo democraacutetico natildeo se
pode negar que trouxe novas perspectivas De modo geral podemos citar
Art 29 A lei orgacircnica dos Municiacutepios tem que observar entre os seus
preceitos ldquocooperaccedilatildeo das associaccedilotildees representativas no planejamento municipalrdquo
Art 31 As contas dos municiacutepios ficaratildeo durante 60 (sessenta) dias
anualmente a disposiccedilatildeo de qualquer contribuinte para exame e apreciaccedilatildeo o qual
poderaacute questionar-lhes a legitimidade nos termos da lei
Art37 sect 3ordm (EC-1998) A lei disciplinaraacute as formas de participaccedilatildeo do usuaacuterio
na administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta regulando especialmente
I- as reclamaccedilotildees relativas a prestaccedilatildeo dos serviccedilos puacuteblicos em geral asseguradas
a manutenccedilatildeo de serviccedilo de atendimento ao usuaacuterio e a avaliaccedilatildeo perioacutedica externa
e interna da qualidade dos serviccedilos
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II- o acesso dos usuaacuterios a registros administrativos e a informaccedilatildeo sobre atos de
governo observado o disposto no art 5ordm X e XXXIII
III- a disciplina da representaccedilatildeo conta o exerciacutecio negligente ou abusivo de cargo
emprego ou funccedilatildeo na administraccedilatildeo puacuteblica
Art 74 sect 2ordm Qualquer cidadatildeo partido poliacutetico associaccedilatildeo ou sindicato eacute
parte legiacutetima para na forma de lei denunciar irregularidades ou ilegalidades perante
o Tribunal de Contas da Uniatildeo
Art194 paraacutegrafo uacutenico Compete ao Poder Puacuteblico nos termos da lei
organizar a seguridade social com base nos seguintes objetivos ()
VII ndash caraacuteter democraacutetivo descentralizado na administraccedilatildeo mediante gestatildeo
quadripartite com participaccedilatildeo dos trabalhadores dos empregados e dos
aposentados e do Governo nos oacutergatildeos colegiados nos oacutergatildeos colegiados
Art 198 As accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede integram uma rede
regionalizada e hierarquizada o constituem um sistema uacutenico organizado de acordo
com as seguintes diretrizes
III ndash participaccedilatildeo da comunidade
Art 202 sect 6ordm A lei complementa a que se refere o sect 4ordm deste artigo
estabeleceraacute os requisitos para a designaccedilatildeo dos membros das diretorias das
entidades fechadas de previdecircncia privada e disciplinaraacute a inserccedilatildeo dos
participantes nos colegiados e instacircncias de decisatildeo em que seus interesses sejam
objeto de discussatildeo e deliberaccedilatildeo
Art 204 As accedilotildees governamentais na aacuterea de assistecircncia social seratildeo
organizadas com base nas seguintes diretrizes
II ndash Participaccedilatildeo da populaccedilatildeo por meio de organizaccedilotildees representativas na
formulaccedilatildeo das poliacuteticas e no controle das accedilotildees em todos os niacuteveis
O protagonista na concretizaccedilatildeo dos direitos humanos e na ampliaccedilatildeo da cidadania eacute um sujeito coletivo de um trabalho sempre inacabado eis que se tratam de tarefas e conquistas cotidianas e gradativas obras que soacute podem ser realizada a muitas matildeos no partilhar e compartilhar da vida (COSTA NETO 2010)
A ampliaccedilatildeo da cidadania requer a consciecircncia de que os direitos pressupotildeem
deveres de maneira que os direitos de um indiviacuteduo satildeo garantidos a partir do
cumprimento dos deveres dos demais componentes da sociedade
51
34 A necessaacuteria superaccedilatildeo de velhos paradigmas
Como se sabe em 1988 foi aprovada a Constituiccedilatildeo mais liberal e
democraacutetica do Brasil chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo Assim ampliou-se de
forma significativa o campo dos direitos e garantias fundamentais No que diz
respeito a tal mateacuteria eacute considerada como uma das mais avanccediladas do mundo No
seu preacircmbulo adota o modelo de um Estado democraacutetico de Direito destinado a
garantir o exerciacutecio dos direitos sociais e individuais a liberdade a seguranccedila o
bem-estar o desenvolvimento a igualdade e a justiccedila eleitos como valores
supremos de uma sociedade fraterna pluralista e sem preconceitos
Para a construccedilatildeo democraacutetica da cidadania no Brasil contemporacircneo
salienta-se de ela deve passar de uma democracia representativa para uma
cidadania que efetivamente molde a democracia ou seja uma cidadania instituinte
da democracia
No acircmbito constitucional positivo cidadania pressupotildee o exerciacutecio de todos
os direitos fundamentais e garantias que caracterizam o Estado democraacutetico de
Direito Quando se fala em cidadania eacute no sentido de reafirmar o direito pela plena
realizaccedilatildeo do indiviacuteduo do cidadatildeo dos entes coletivos e de sua emancipaccedilatildeo nos
espaccedilos da sociedade Estatildeo sempre intimamente ligados os conceitos de
cidadania democracia e direitos humanos sendo que um remete ao outro e seus
conteuacutedos se interligam ou seja a cidadania natildeo iraacute ocorrer sem que ocorra a
realizaccedilatildeo dos Direitos Humanos da mesma forma que os direitos humanos natildeo
seratildeo concretizados se natildeo houver o exerciacutecio da cidadania
Na evoluccedilatildeo histoacuterica tais categorias se desenvolveram de forma conjunta
com o Estado Representam noccedilotildees desejaacuteveis de relaccedilotildees humanas que se espera
sejam instituiacutedas Satildeo os elementos basilares na nova ordem social e que a
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 pretendeu edificar Poreacutem a democracia poliacutetica natildeo
resolveu os problemas econocircmicos mais seacuterios como a desigualdade e o
desemprego Continuam muito seacuterios os problemas da aacuterea social principalmente
na educaccedilatildeo nos serviccedilos de sauacutede e saneamento como tambeacutem e
principalmente quanto agrave seguranccedila puacuteblica
52
A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 em seu artigo 6ordm e em outros artigos no texto
constitucional ampliou e muito os Direitos Sociais proibiu discriminaccedilotildees Assim
indicadores baacutesicos de qualidade de vida apontam que houve uma melhoria A
mortalidade infantil por exemplo caiu de maneira significativa nos uacuteltimos anos A
esperanccedila de vida ao nascer passou de 60 anos em 1980 para 70 em 2000 Poreacutem
o maior progresso foi na aacuterea da educaccedilatildeo fundamental que eacute considerado fator
decisivo para a cidadania pois a taxa de analfabetismo caiu consideravelmente
entretanto existem muitos problemas no campo educacional como a repetecircncia e
com relaccedilatildeo a desigualdade social entre as regiotildees
A grande concentraccedilatildeo da riqueza nacional nas matildeos de poucos reflete a
desigualdade e causa a pobreza e a miseacuteria ao passo que dificulta o acesso do
cidadatildeo agrave justiccedila e consequentemente ao seu estado de cidadania pleno
Dentre os fundamentos no qual se baseiam o Estado democraacutetico de Direito
no Brasil destaca-se justamente a cidadania e a dignidade humana conforme artigo
1ordm incisos II e III da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Entatildeo construir uma sociedade
livre justa e solidaacuteria garantir o desenvolvimento nacional erradicar a pobreza e a
marginalizaccedilatildeo reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de
todos sem preconceitos de origem raccedila sexo cor idade ou quaisquer outras
formas de discriminaccedilatildeo satildeo os objetivos fundamentais do Estado Brasileiro
conforme art 3ordm da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
O cenaacuterio de globalizaccedilatildeo econocircmica mundial tambeacutem traacutes seacuterios obstaacuteculos
para a construccedilatildeo da cidadania A globalizaccedilatildeo da economia em ritmo acelerado
provoca grandes mudanccedilas nas relaccedilotildees entre Estado sociedade e naccedilatildeo que
eram sempre o centro da noccedilatildeo e da praacutetica da cidadania ocidental O foco das
mudanccedilas e das preocupaccedilotildees estaacute em dois focos especiacuteficos a reduccedilatildeo do papel
central do Estado como fonte de direitos e local para a participaccedilatildeo e o
deslocamento da naccedilatildeo como principal fonte de identidade coletiva
Para que ocorra efetiva mudanccedila a melhor proposta eacute no sentido de
mudanccedila na organizaccedilatildeo da sociedade pois a inversatildeo da sequecircncia dos direitos
fez com que ocorra o reforccedilo da supremacia do Estado Para que ocorra a
consolidaccedilatildeo democraacutetica e cidadatilde eacute necessaacuterio reforccedilar a organizaccedilatildeo da
sociedade para assim dar embasamento social ao poder poliacutetico ou seja
finalmente democratizar o poder e estabelecer de forma plena a Cidadania
53
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A Constituiccedilatildeo que nasce com ldquocheiro de amanhatilde e natildeo de mofordquo nas
palavras do Deputado Ulisses Guimaratildees tem em seu relevo a esperanccedila de um
povo que sonhava com a erradicaccedilatildeo da repressatildeo militar e natildeo soacute isso um povo
que sonhava com a liberdade em suas diversas manifestaccedilotildees em suas mais
significativas formas de representaccedilatildeo e sobretudo com um paiacutes voltado para a
democracia e justiccedila social
Ao povo brasileiro foi concedido o poder de governar e nesse contexto de
mudanccedila a ldquodemocracia eacute o governo do povo pelo povo e para o povordquo na
conceituaccedilatildeo ceacutelebre de Abraham Lincoln E consoante estabelece o paraacutegrafo
uacutenico do art 1ordm da Carta cidadatilde de 1988 ldquotodo poder emana do povo que o exerce
por meio de representantes eleitos ou diretamenterdquo
No entanto natildeo basta que a fonte de poder seja o povo a democracia vem
significar a efetiva participaccedilatildeo do povo nas decisotildees e destino do Estado e sua
consolidaccedilatildeo eacute a proacutepria cidadania pois eacute o cidadatildeo que pensa e se auto define
diante da condiccedilatildeo soacutecio-histoacuterica O cidadatildeo tem portanto o poder de transformar
a realidade social segundo seu pensamento e accedilatildeo
Natildeo se pode negar que a Carta de 1988 foi a que apresentou maior
legitimidade popular que abriu caminhos apontando um novo tempo
Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita Se fosse perfeita seria irreformaacutevel Ela proacutepria com humildade e realismo admite ser emendada ateacute por maioria mais acessiacutevel dentro de cinco anos Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita mas seraacute uacutetil e pioneira e desbravadora Seraacute luz ainda que de lamparina na noite dos desgraccedilados Eacute caminhando que se abrem os caminhos Ela vai caminhar e abri-los Seraacute redentor o que penetrar nos bolsotildees sujos escuros e ignorados da miseacuteria (Ulysses Guimaratildees)
Mesmo natildeo sendo a constituiccedilatildeo perfeita sem duacutevida foi a que trouxe
esperanccedila ao povo brasileiro com a sua promulgaccedilatildeo surgiram o ldquohaacutebeas datardquo o
mandado de injunccedilatildeo e o mandado de seguranccedila coletivo - todos remeacutedios judiciais
de iacutendoles constitucionais serviacuteveis para prevenir e combater diversas tentativas de
abuso contra a pessoa humana Outrossim o objeto da accedilatildeo popular foi ampliado
Atualmente qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima para propor a mencionada accedilatildeo
54
popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de entidade de que o
Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e ao patrimocircnio
histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de custas
judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia Nesse rol de forma decisiva houve a
ampliaccedilatildeo tambeacutem dos direitos sociais
Assim a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconhece e assegura uma seacuterie de
escudos protetivos aos cidadatildeos Em sua essecircncia os direitos fundamentais
ganham forma De modo que podemos assegurar que hoje o nosso Estado eacute uma
organizaccedilatildeo centrada no ser humano visto que tem a dignidade da pessoa humana
como um fundamento da Repuacuteblica Federativa do Brasil
Apesar das inuacutemeras dificuldades o Estado Democraacutetico de Direito fundado
na cidadania constituiu para o povo uma nova identidade ndash o que em outras eacutepocas
natildeo existia
A Constituiccedilatildeo circunscreve toda a organizaccedilatildeo poliacutetica estatal no intuito
maior de criar no consciente coletivo a vontade livre e determinada de desenvolver
padrotildees de condutas destinados a elevar e promover a auto-estima de toda a
comunidade paacutetria
Foi nesse sentido que estatui em seu artigo 1ordm a cidadania como fundamento
do Estado Democraacutetico de Direito ampliando e enriquecendo o tal conceito Cada
eacutepoca produziu praacuteticas e reflexotildees muito distintas sobre o tema cidadania A
definiccedilatildeo de cidadania que vem sofrendo alteraccedilotildees ao longo do tempo obedecendo
a um processo histoacuterico de conquistas sociais eacute compreendida atualmente como
um processo de participaccedilatildeo do indiviacuteduo ou de um grupo organizado nas mais
variadas aacutereas de atuaccedilatildeo da sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos
e sociais
A cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia disso natildeo haacute duvidas e se
efetiva como mudanccedilas na realidade de cada um com melhoria de vida e
conscientizaccedilatildeo da importacircncia do cidadatildeo dado que eacute um processo em
permanente construccedilatildeo Natildeo haacute como defender uma qualidade de vida sem a
preservaccedilatildeo da cidadania em todos os seus acircmbitos Nesse sentido a efetiva
proteccedilatildeo desse aspecto basilar torna-se essencial no que tange uma assistecircncia
juriacutedica completa
No contraponto do direito estatildeo os deveres que encontramos sua realizaccedilatildeo
tambeacutem na participaccedilatildeo observando que o cidadatildeo eacute responsaacutevel pelo advir de
55
suas accedilotildees A participaccedilatildeo reflete um caraacuteter de natildeo comodismo de atenccedilatildeo agravequilo
que eacute particular e coletivo tendo como finalidade preciacutepua o bem comum
Construir cidadania hoje eacute imperativo para a sociedade pois dessa
construccedilatildeo depende o amanhatilde Estamos diante da Constituiccedilatildeo que se propotildee a
resguardar o amanhatilde sem perder de vista que ele comeccedila hoje agora e nisso a
Carta Poliacutetica traacutes consigo a certeza do despertar dessa consciecircncia a consciecircncia
cidadatilde Ela eacute a semente plantada em terra feacutertil que gera frutos diariamente e se
renova a cada estaccedilatildeo na dinacircmica da vida Talvez tenha sido esse o cheiro de
frutas alcanccedilado pelo constituinte ao anunciar que a carta tem ldquocheiro do amanhatilderdquo
A responsabilidade pelo exerciacutecio desses direitos belissimamente elencados
depende de todos e de cada um pois somos o terreno feacutertil que produziraacute o fruto de
uma sociedade fraterna
Eacute comum na praacutetica apenas responsabilizarmos o Estado em sentido lato pelo
natildeo exerciacutecio dos direitos do cidadatildeo Vale lembrar nesse contexto das palavras de
J Kennedy o qual disse ldquonatildeo pergunte o que o Estado pode fazer por vocecirc mas o
que vocecirc pode fazer pelo Estadordquo haacute nessa frase um forte traccedilo de cidadania pois
quando o cidadatildeo reivindica critica opina o que ele daacute em contrapartida ao paiacutes eacute
solidificado visto que eacute nas relaccedilotildees familiares em comunidade que se estabelece e
se fortalece os viacutenculos de solidariedade de uma sociedade que perpetua valores
condutas que as leis reguladoras natildeo conseguem por si soacute estabelecer
A concretizaccedilatildeo do ideal de uma qualidade de vida merecida a todos os seres
humanos sem restriccedilotildees requer entretanto um esforccedilo coletivo Dessa forma haacute
necessidade de suprir as muitas carecircncias advindas das desigualdades sociais e de
condiccedilotildees do descaso do poder puacuteblico e da proacutepria conceituaccedilatildeo antiga de
cidadania que ainda eacute concebida por muitos no presente
Em suma nosso trabalho procurou traccedilar a evoluccedilatildeo da cidadania e ao
mesmo tempo buscou traccedilar uma melhor caracterizaccedilatildeo do cidadatildeo agrave luz da nossa
Constituiccedilatildeo que eacute por fim a essecircncia da Magna Carta O alcance da cidadania
enquanto mecanismo de acesso a direitos foi colocado no acircmbito da pessoa
enquanto titular de direitos e num paralelo defendemos que o municiacutepio eacute o espaccedilo
de atuaccedilatildeo e exerciacutecio de cidadania dada a proximidade do cidadatildeo com as
instituiccedilotildees oacutergatildeos entidades e tudo o mais que o cerca na esfera de vivecircncia Eacute na
praccedila que discute a poliacutetica local e nacional que se indigna com as dificuldades e as
56
barreiras de acesso aos seus direitos Eacute no municiacutepio que se inicia todo um vieacutes de
desdobramento para garantir direitos
Por fim natildeo obstante resta dizer sobre o tema que os caminhos e
paradigmas que se intentou percorrer sobre cidadania como mecanismo
transformador da sociedade tem ingrediente ainda a se descortinar para o
propoacutesito valioso do bem comum Pois bem a ideia de bem comum tem como
fundamento o amor maacutexima que se estabelece por meio da democracia visto que
ldquoa demofilia o demoiacutesmo o amor do povo acima de tudo como princiacutepio ativo de
toda a sua vida poliacutetica inspirador duma sempre crescente autonomia imanente eacute
que constitui a verdadeira essecircncia da democraciardquo nas palavras de Melgareacute
(2005)
Dessa forma eacute no nuacutecleo da democracia que estaacute inscrito como pedra
angular o respeito e o amor pela pessoa humana Eacute pois um tema de larga
abrangecircncia poreacutem sem querer abreviar o caminho sua efetiva possibilidade de
realizaccedilatildeo se encontra no exerciacutecio da cidadania sem repuacutedios parciais ou exclusatildeo
de qualquer ordem na plenitude de uma cidadania para todos
57
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
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por estas paragens percebe-se que a consolidaccedilatildeo da cidadania ainda eacute um desafio
para todos os brasileiros
O tema cidadania muito se tem discutido na academia e fora dela o jargatildeo
da cidadania estaacute na moda nas instituiccedilotildees poliacuteticas e juriacutedicas como tambeacutem na
opiniatildeo puacuteblica mas concretamente eacute um conceito ainda a ser construiacutedo
No contexto histoacuterico-cultural e poliacutetico dos gregos especificamente por
volta do ano 380 aC (periacuteodo do apogeu daquela civilizaccedilatildeo) embora a cidadania
fosse limitada a uma parcela social minoritaacuteria pode-se afirmar que tanto a
democracia quanto a cidadania grega natildeo deixam de ser conquistas ineacuteditas e
avanccedilos significativos para a histoacuteria ocidental Jaacute a evoluccedilatildeo e a real consolidaccedilatildeo
da cidadania na modernidade nascem a partir dos direitos naturais (vida
propriedade liberdade) do homem liberal burguecircs garantido pelas consecutivas
ldquoDeclaraccedilotildees de Direitosrdquo elaboradas a partir das revoluccedilotildees liberais na Inglaterra
(Revoluccedilatildeo Gloriosa 1688-89) Estados Unidos (Emancipaccedilatildeo poliacutetica 1776) Franccedila
(Revoluccedilatildeo Francesa)
No entanto pode-se dizer que o nosso paiacutes apesar da influecircncia dos paiacuteses
europeus vivenciou como ainda vivencia uma difiacutecil construccedilatildeo da cidadania
A longa histoacuteria do Brasil vem elencando razotildees profundas para a nossa
natildeo-cidadania atual a exemplo da conquista (ou invasatildeo) do nosso territoacuterio o
grande latifuacutendio a escravidatildeo a monocultura de exportaccedilatildeo o analfabetismo a
perpetuaccedilatildeo das elites poliacuteticas no poder fatores que refletem nos viacutecios da vida
social cultural poliacutetica e econocircmica do paiacutes
Fundamentalmente eacute preciso afirmar que no Brasil a construccedilatildeo da
cidadania natildeo seguiu a loacutegica da trajetoacuteria inglesa Houve no Brasil segundo
Carvalho (2002) pelo menos duas diferenccedilas importantes
A primeira refere-se agrave maior ecircnfase em um dos direitos o social em relaccedilatildeo aos outros a segunda refere-se agrave alteraccedilatildeo na sequecircncia em que os direitos foram adquiridos entre noacutes o social precedeu os outros
Uma das razotildees fundamentais das dificuldades da construccedilatildeo da cidadania
estaacute ligada como nos diz Carvalho ao ldquopeso do passadordquo mais especificamente ao
periacuteodo colonial (1500-1822) quando
21
Os portugueses tinham construiacutedo um enorme paiacutes dotado de unidade territorial linguiacutestica cultural e religiosa Mas tinham deixado uma populaccedilatildeo analfabeta uma sociedade escravocrata uma economia monocultora e latifundiaacuteria um Estado Absolutista (CARVALHO 2002)
Em suma foram 322 anos sem poder puacuteblico sem Estado sem naccedilatildeo e
cidadania Diante de tatildeo obscuro cenaacuterio de dominaccedilatildeo opressatildeo dentre outras
formas de natildeo efetivaccedilatildeo da cidadania no Brasil podemos elencar dentre outros
tantos fatores quais foram os principais obstaacuteculos para a construccedilatildeo da cidadania
brasileira O latifuacutendio agro-exportador do periacuteodo colonial bem como o escravismo
o analfabetismo marcaram negativamente nossas origens e ateacute hoje dificultam
avanccedilos no acircmbito poliacutetico-social e econocircmico Aleacutem dessas outras razotildees foram e
continuam sendo entraves para a consolidaccedilatildeo das instituiccedilotildees poliacutetica que
impedem os avanccedilos necessaacuterios para uma cidadania plena Na ordem poliacutetica
permanecem ainda algumas mazelas histoacutericas como o patrimonialismo
(promiscuidade entre o puacuteblico e o privado) o coronelismo com sua nova roupagem
o clientelismo aleacutem da corrupccedilatildeo entre outros
Mesmo diante de tatildeo vergonhoso cenaacuterio natildeo podemos nos dispensar que
tambeacutem alcanccedilamos mesmo que de forma tiacutemida significativas conquistas de
direitos no Brasil comparadas com outros paiacuteses que vivenciaram um processo de
colonizaccedilatildeo semelhante ao nosso A conquista desses direitos deu-se de maneira
tardia e inversa haja vista que somente em 1824 mais de 320 anos apoacutes a chegada
dos portugueses foi que surgiram os primeiros direitos civis e poliacuteticos (antes disso
estaacutevamos submetidos agrave lei da coroa portuguesa) Aos poucos surgiram os direitos
sociais mas exatamente no momento em que os direitos civis e poliacuteticos estavam
sendo negados no periacuteodo da ditadura de Vargas (1937-45) e na ditadura militar
(1964-1985) Parece um paradoxo mas foi exatamente nesse periacuteodo de
conturbaccedilotildees poliacuteticas que marchamos em direccedilatildeo agrave conquista de significativos
direitos que iriam projetar uma ideia de lutas e vitoacuterias que se projetariam no campo
da cidadania de modo bastante concreto
Por fim haveremos de concordar com Benevides (1994) ao afirmar que no
intuito de reverter agrave realidade poliacutetico-social excludente ou de uma cidadania
passiva ou sem ldquopovordquo eacute necessaacuterio recorrer agrave defesa de mecanismos institucionais
22
como o referendo o plebiscito e a iniciativa popular para a construccedilatildeo do que ela
chama de uma cidadania ativa ou democracia semidireta Alguns autores veem
dificuldades na implementaccedilatildeo desse sistema em paiacuteses que estatildeo em processo de
democratizaccedilatildeo no entanto logo em seguida apontam para a educaccedilatildeo poliacutetica ndash
entendida como educaccedilatildeo para a cidadania ativa
Desse modo pode-se proferir que todos esses anos de desenvolvimento
acabaram por afirmar que a cidadania de fato soacute pode se constituir por meio de
acirrada luta cotidiana por direitos e pela garantia daqueles que jaacute existem pois
apesar da existecircncia de profundas desigualdades sociais a ideia de cidadania
evoluiu com o passar dos anos Ampliou-se a abrangecircncia de sua concepccedilatildeo
abraccedilando todas as classes sociais e minorias Deixou de restringir-se apenas agrave
participaccedilatildeo poliacutetica para relacionar uma seacuterie de deveres da sociedade para com o
cidadatildeo Na praacutetica ainda haacute muito que se fazer para que direitos e deveres sejam
os mesmos para todos No entanto a busca pela realizaccedilatildeo da maacutexima ldquocada
homem um votordquo continua a ser perseguida
A luta pela conquista plena da cidadania eacute parte integrante da democracia
uma vez que assegura a continuidade das transformaccedilotildees juriacutedicas poliacuteticas entre
outras Natildeo resta duacutevida acerca do papel estruturante que essa luta desempenha no
quadro das democracias contemporacircneas fato que a converte em uma irresistiacutevel
conquista da modernidade O caraacuteter estruturante que a cidadania projeta nos
quadros da democracia atual estaacute ligado a permanente busca de um Estado
compatiacutevel com a realidade de cada tempo histoacuterico
23
CAPIacuteTULO 2 - CIDADANIA Agrave LUZ DA CONSTITUICcedilAtildeO FEDERAL DE
1988
A Constituiccedilatildeo eacute a ordem juriacutedica fundamental da comunidade nas palavras
de Konrad Hesse (apud PALU 2001) eacute um documento juriacutedico e poliacutetico dirigido aos
cidadatildeos e estes satildeo os seus primeiros destinataacuterios A Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica eacute
a Lei fundamental composta por um conjunto de normas baacutesicas que compotildeem a
estrutura juriacutedica poliacutetica social e econocircmica de um paiacutes Essa eacute razatildeo pela qual
ela eacute chamada de Carta Magna pois a ela nada se sobrepotildee Para Dallari (1985) a
Constituiccedilatildeo
[] eacute a declaraccedilatildeo da vontade poliacutetica de um povo feita de modo solene por meio de uma lei que eacute superior a todas as outras que visando agrave proteccedilatildeo da dignidade humana estabelece os direitos e as responsabilidades fundamentais dos indiviacuteduos dos grupos sociais do povo e do governo
Desta forma uma Constituiccedilatildeo natildeo surge do nada ela eacute resultado de
observaccedilotildees e experiecircncias e sua finalidade eacute de afirmar e garantir os direitos
elementares das pessoas humanas disciplinar o uso ao mesmo tempo em que
evita o abuso de poder organizando de forma racional a sociedade e o governo
Satildeo inegaacuteveis as inovaccedilotildees teacutecnicas trazidas pela Constituiccedilatildeo Brasileira de
1988 no campo da instituiccedilatildeo garantia e proteccedilatildeo dos direitos fundamentais A
dignidade da pessoa humana e o exerciacutecio da cidadania satildeo considerados princiacutepios
fundamentais da Carta Magna Brasileira de 1988
Cidadania direito a ter direitos na acepccedilatildeo de Haberle ( apud VALADEacuteS
2009) refere-se a todos os direitos previstos na Constituiccedilatildeo de 1988 e ainda
aqueles natildeo expressos mas decorrentes do regime e dos princiacutepios por ela
adotados na dicccedilatildeo do sect 2deg art 5deg
O princiacutepio fundamental da cidadania conforme jaacute exposto impregna todo o
texto constitucional vigente a partir do art 1deg II em que figura de forma
24
exponencial relativamente ao Estado brasileiro e tudo que lhe corresponda no
exerciacutecio de um poder que adquire significaccedilatildeo renovada e amplificada na
sociedade contemporacircnea Segundo Arendt
A cidadania eacute o direito a ter direitos pois a igualdade em dignidade e direitos dos seres humanos natildeo eacute um dado Eacute um construiacutedo da convivecircncia coletiva que requer o acesso ao espaccedilo puacuteblico Eacute este acesso ao espaccedilo puacuteblico que permite a construccedilatildeo de um mundo comum atraveacutes do processo de asserccedilatildeo dos direitos humanos
Nesse diapasatildeo o direito a ter direitos compreende o pleno acesso ao
espaccedilo puacuteblico o efetivo exerciacutecio do poder poliacutetico das prerrogativas inerentes agrave
cidadania conforme explicita a Constituiccedilatildeo no art 5deg LXXI a propoacutesito do
mandado de injunccedilatildeo no dizer todo direito atribuiacutedo com o caraacuteter de exclusividade
agrave pessoa
21 Estado Democraacutetico de Direito espaccedilo de cidadania
Apoacutes a eacutepoca de grandes restriccedilotildees militares o ato de promulgaccedilatildeo da
Constituiccedilatildeo Federal em 05 de outubro de 1988 vem marcar uma nova fase de
esperanccedila para os brasileiros Ao batizaacute-la de Constituiccedilatildeo cidadatilde a Assembleia
Nacional Constituinte atraveacutes de seu presidente o Deputado Ulisses Guimaratildees
resumiu o espiacuterito do texto constitucional assegurar aos brasileiros direitos sociais
essenciais ao exerciacutecio da cidadania e estabelecer mecanismos para garantir o
cumprimento de tais direitos
O que se viu a partir de entatildeo foi uma lenta poreacutem significativa mudanccedila na
sociedade brasileira A Constituiccedilatildeo Federal que eacute sem duacutevidas um marco na
histoacuteria do paiacutes traccedila a prioridade dada pelos constituintes aos direitos dos
brasileiros que pode ser observada em todas as questotildees
A Carta faz uma ampliaccedilatildeo dos direitos individuais sociais e poliacuteticos e como
se observa a inserccedilatildeo dos direitos sociais como segundo tiacutetulo revela a primazia
que o constituinte quis daacute a estes direitos em detrimento de todos os outros
incluindo os referentes agrave organizaccedilatildeo do Estado e dos Poderes que vecircm depois
25
Ao contraacuterio do que ocorreu com as Constituiccedilotildees anteriores esse
ordenamento dos capiacutetulos parece revelar que a Carta eacute o prenuacutencio de um paiacutes em
que os direitos dos cidadatildeos formam a base do ordenamento do Estado Essa ideia
foi expressa pelo presidente da Assembleacuteia Constituinte deputado Ulysses
Guimaratildees que voltamos a citar quando anunciou
Diferentemente das sete constituiccedilotildees anteriores esta comeccedila com o homem De modo gratificante testemunha a primazia do homem que foi escrita para o homem que o homem eacute seu fim e sua esperanccedila Eacute a Constituiccedilatildeo cidadatilde
A Constituiccedilatildeo nasceu da constataccedilatildeo de que o figurino juriacutedico formulado
para o Brasil desde os primoacuterdios do Estado nacional natildeo se compatibilizava com as
necessidades dos brasileiros Houve avanccedilos na formalizaccedilatildeo da Lei Magna
especialmente no tocante aos direitos de cidadania mas estamos longe do ideal
preconizado pela carta cidadatilde O que nos leva a crer que a cidadania eacute um processo
diaacuterio e permanente de construccedilatildeo Pois natildeo basta garantir o direito eacute preciso
exercecirc-lo
A cidadania abraccedilada pela atual Constituiccedilatildeo Federal Brasileira teve seu
conteuacutedo ampliado e natildeo se restringe ao simples fato de possuir um tiacutetulo de eleitor
para votar e ser votado ela estabelece cidadania como princiacutepio fundamental da
Repuacuteblica do Brasil desta forma o conceito decorrente pode ser entendido
conforme preleciona Silva (2005) ldquocidadania estaacute aqui num sentido mais amplo do
que o de titular de direitos poliacuteticos Qualifica os participantes da vida do Estado
reconhecimento do indiviacuteduo como pessoa integrada a sociedade estatalrdquo
Tal conceito nos leva a relacionar cidadania com democracia uma vez que
optou-se pelo Estado Democraacutetico de Direito o qual assenta seus alicerces na
participaccedilatildeo popular em questotildees que envolvem a coisa puacuteblica Para Moraes
(2005) esse Estado de Direito ldquosignifica a exigecircncia de reger-se por normas
democraacuteticas com eleiccedilotildees livres perioacutedicas e pelo povo bem como o respeito das
autoridades puacuteblicas aos direitos e garantias fundamentaisrdquo
O propoacutesito da opccedilatildeo pelo Estado Democraacutetico de Direito eacute que a cidadania e
os demais direitos fundamentais fluam com plenitude talvez seja o que justifique a
denominaccedilatildeo da Carta Magna de cidadatilde pois o povo passa a atuar de forma mais
ativa na vida poliacutetica do Estado uma vez que a ele foi concedido esse poder
26
A cidadania portanto soacute adquire pleno significado no mundo contemporacircneo
num Estado Democraacutetico de Direito para tanto exige um ambiente de vida e de
conviacutevio entre os homens tiacutepico e proacuteprio de um Estado Democraacutetico pois a
cidadania constitui fundamento primordial daquele Estado qual seja possibilitar aos
indiviacuteduos habitantes de um paiacutes o seu pleno desenvolvimento atraveacutes do alcance
de igual dignidade social e econocircmica
Segundo Rozicki (2005) O ambiente de vida social do Estado Democraacutetico
cujos pilares se encontram na efetividade dos direitos fundamentais da pessoa
humana em uma sociedade solidaacuteria soacute eacute possiacutevel atraveacutes da observaccedilatildeo de alguns
postulados que lhe satildeo essenciais os quais a autora denomina de pressupostos do
Estado democraacutetico de Direito
1)a valorizaccedilatildeo e atualidade da dignidade do homem e o reconhecimento da importacircncia de dispensar a todos tratamento fraternal igualitaacuterio e natildeo discriminativo 2) a confianccedila nos talentos e possibilidades latentes dos homens 3) a seguranccedila e o creacutedito nos valores institucionalizados pelas massas como fundamentos para o progresso do bem comum e o alcance da justiccedila 4) a aceitaccedilatildeo da legitimidade das decisotildees tomadas por meio de processos racionais e participativos de deliberaccedilatildeo com o consenso da maioria que constitui o reflexo o resultado de debates livres entre todos 5) o respeito aos grupos minoritaacuterios 6) e a compreensatildeo de que todo o interesse geral eacute a siacutentese dos diversos interesses e ideacuteias dos indiviacuteduos e dos grupos diferentes centros de poder que integram a sociedade pluralista
Percebe-se que o conceito amplo de cidadania encontra seus princiacutepios
baacutesicos e estruturantes nesses pressupostos intimamente ligado aos conceitos de
democracia e de igualdade No tocante ao conceito de igualdade elucidativa eacute a
liccedilatildeo de Rozicki (2005) quando afirma que
O princiacutepio de igualdade disciplina todas as atividades puacuteblicas e tem aplicaccedilatildeo direta nas relaccedilotildees privadas que ocorrem entre os particulares impondo para tornaacute-lo real a proibiccedilatildeo de discriminaccedilotildees e a eliminaccedilatildeo das desigualdades faacuteticas nos planos social e econocircmico proporcionando a todos os cidadatildeos igual condiccedilatildeo de vida e mesma posiccedilatildeo perante o Estado Democraacutetico
E complementa que tambeacutem para a realizaccedilatildeo da cidadania o princiacutepio
democraacutetico torna indispensaacutevel agrave participaccedilatildeo popular nas tomadas de decisatildeo No
seu entender
27
A cidadania no Estado democraacutetico de direito efetivada oferece aos cidadatildeos como iguais condiccedilotildees de existecircncia o gozo atual de direitos e a obrigaccedilatildeo do cumprimento de deveres que resumidamente podem ser assim apresentados exerciacutecio de direitos fundamentais e participaccedilatildeo e os deveres de colaboraccedilatildeo e solidariedade (Rozicki 2005)
Natildeo obstante eacute vaacutelido ressaltar um princiacutepio igualmente importante e deveras
esquecido a fraternidade Este princiacutepio que eacute um dos trecircs pilares da Revoluccedilatildeo
Francesa eacute pouco discutido apesar de assumir um papel decisivo na consolidaccedilatildeo
da democracia da politica e do poder
A fraternidade eacute necessaacuteria para o estabelecimento de uma comunidade
politicamente solidaacuteria com indiviacuteduos iguais e livres
Para finalmente concebermos um Estado Democraacutetico de Direito que trate os
iguais na medida de suas desigualdades
22 Os direitos fundamentais como pressupostos de identidade da cidadania
Os direitos fundamentais vistos como um dos traccedilos mais marcante do
constitucionalismo moderno consistem no resultado da luta dos homens por um
direito ideal justo e humano representam situaccedilotildees reconhecidas juridicamente
sem as quais o homem eacute incapaz de alcanccedilar sua proacutepria realizaccedilatildeo e
desenvolvimento plenamente daiacute dizer-se que o princiacutepio preponderante que
condensa os direitos fundamentais eacute o da dignidade da pessoa humana
Os direitos fundamentais satildeo o conjunto de normas de um ordenamento juriacutedico que formam um subsistema deste fundado na liberdade na igualdade na seguridade na solidariedade expressotildees da dignidade do homem que formam parte da norma baacutesica material de identificaccedilatildeo do ordenamento juriacutedico e constitui um setor de moralidade procedimental positivada que legitima o Estado Social de Direito (MARTINEZ apud AGRA 2002)
Tais direitos foram e vatildeo sendo aperfeiccediloados e estendidos ao longo do
tempo resta dizer que os mesmos estabelecem faculdades da pessoa humana que
permitem sua breve classificaccedilatildeo do seguinte modo 1) os direitos civis e poliacuteticos
de liberdade como por exemplo a liberdade de expressatildeo de propriedade de
28
manifestaccedilatildeo do pensamento de associaccedilatildeo de imprensa de reuniatildeo de igualdade
formal perante a lei de participaccedilatildeo poliacutetica o devido processo legal o habeas
corpus o direito de peticcedilatildeo etc 2) os direitos sociais econocircmicos e culturais de
participaccedilatildeo poliacutetica tais como a igualdade de sufraacutegio o direito de voto e de
elegibilidade o direito de peticcedilatildeo e os direitos de participaccedilatildeo poliacutetica 3) os direitos
da titularidade coletiva que satildeo aqueles ligados a solidariedade e a fraternidade
como por exemplo o direito agrave preservaccedilatildeo do meio ambiente e agrave qualidade de vida
etc 4) os direitos chamados de quarta geraccedilatildeo por exemplo direito a democracia a
informaccedilatildeo ao comeacutercio eletrocircnico entre os estados etc
Natildeo existe qualquer relaccedilatildeo hieraacuterquica entre estes direitos mesmo porque
todos interagem entre si de nada servindo um sem a existecircncia dos outros Esta
divisatildeo acontece devido agrave eterna e constante busca do homem por mais proteccedilatildeo
mais garantia com o objetivo de alcanccedilar uma sociedade mais justa igualitaacuteria e
fraterna
Na evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais Agra (2002) chama a atenccedilatildeo do
relevo que adquirem a democratizaccedilatildeo da informaccedilatildeo e os mecanismos de
democracia participativa E justifica que a democratizaccedilatildeo da informaccedilatildeo natildeo se
caracteriza apenas pela existecircncia de uma miacutedia plural sem nenhum tipo de
monopoacutelio mas deve ser concebida como a obrigaccedilatildeo que todos os cidadatildeos tecircm
de tomar consciecircncia dos graves problemas que afligem a humanidade e que os
mecanismos da democracia participativa concebem a cidadania em extensatildeo muito
superior ao voto abrangendo a interferecircncia direta do cidadatildeo nas decisotildees
governamentais mediante vaacuterios mecanismos juriacutedicos como o plebiscito o recall o
orccedilamento participativo etc
De acordo com Silva (2005) os Direitos Fundamentais na Constituiccedilatildeo de
1988 abrangem os ldquodireitos individuais sociais poliacuteticos e tambeacutem os direitos
econocircmicos Para o autor a ampliaccedilatildeo e transformaccedilatildeo dos direitos fundamentais
do homem na histoacuteria dificultam uma definiccedilatildeo sinteacutetica do conceitordquo
Essa dificuldade aumenta diante do emprego de vaacuterias expressotildees para
designaacute-los tais como direitos naturais direitos humanos direitos do homem
direitos individuais direitos puacuteblicos subjetivos liberdades fundamentais liberdades
puacuteblicas e direitos fundamentais do homem No entanto direitos fundamentais do
homem constitui a expressatildeo mais adequada porque na palavra fundamentais
acha-se a indicaccedilatildeo de que se trata de situaccedilotildees sem as quais o indiviacuteduo natildeo tem
29
uma vida digna natildeo convive e agraves vezes nem mesmo sobrevive A expressatildeo
direitos fundamentais eacute a mais precisa no sentido de que a todos por igual devem
ser natildeo apenas formalmente reconhecidos mas concreta e materialmente
efetivados
Por sua vez a atual Corte em julgamento do habeas corpus (HC ndeg
82424RS) marca seu posicionamento no tocante ao sistema de direitos
fundamentais insculpido na Constituiccedilatildeo de 1988 atraveacutes dos profundos e bem
fundamentados votos dos Ministros que aleacutem de delimitarem a extensatildeo e os limites
da liberdade de expressatildeo (art 5o IV e IX) acabaram indicando as bases filosoacuteficas
e juriacutedicas para a interpretaccedilatildeo do cataacutelogo de direitos fundamentais da Constituiccedilatildeo
de 1988
Nesse sentido o voto do Ministro Marco Aureacutelio tratou de definir o sistema de
direitos fundamentais como a ldquoproacutepria essecircncia da Constituiccedilatildeordquo qualificando-os
como ldquovalores objetivos que servem como norte da atuaccedilatildeo estatalrdquo Assim estaacute
consignado nos fundamentos do referido voto
A Constituiccedilatildeo de 1988 representou um divisor de aacuteguas entre o antigo regime totalitaacuterio e um periacuteodo de redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes marcando dessa forma uma eacutepoca que tem como modelo de atuaccedilatildeo do Estado o respeito incondicional aos direitos fundamentais Por isso mesmo o sistema constitucional dos direitos fundamentais previsto no artigo 5o da Carta com os eventuais acreacutescimos do sect 2o reflete em rigor e em larga medida a proacutepria essecircncia da Constituiccedilatildeo e a retomada do processo de democratizaccedilatildeo e da garantia do cidadatildeo contra abusos e arbitrariedades no exerciacutecio do Poder Puacuteblico Os direitos fundamentais satildeo hoje verdadeiros princiacutepios estruturantes da organizaccedilatildeo e do funcionamento do Estado valores objetivos que servem como norte da atuaccedilatildeo estatal em seus mais diferentes niacuteveis no Legislativo formam um cataacutelogo de princiacutepios e garantias que informam e direcionam toda a atividade de criaccedilatildeo das normas de nosso ordenamento juriacutedico e de concretizaccedilatildeo dos preceitos constitucionais no Executivo mostram-se como verdadeiros limites ao exerciacutecio do poder administrativo servindo como trincheiras de proteccedilatildeo da liberdade do cidadatildeo e no judiciaacuterio refletem a base e o fundamento necessaacuterio da compreensatildeo e interpretaccedilatildeo de nossas normas ndash efeito interpretativo - evitando que a atividade jurisdicional se transforme em medidas discricionaacuterias ou providecircncias ilegiacutetimas de opccedilotildees poliacuteticas pautadas em escolhas pessoais dos juiacutezes
Tudo indica que se trata do iniacutecio de uma soacutelida construccedilatildeo jurisprudencial a
respeito do sentido axioloacutegico do sistema de direitos fundamentais da Constituiccedilatildeo
de 1988
30
Os Direitos Individuais satildeo de exerciacutecio exclusivo do indiviacuteduo e devem ser
formalmente reconhecidos e concretizados no cotidiano do cidadatildeo O indiviacuteduo aqui
eacute considerado um sujeito de direitos e natildeo apenas como integrante de um corpo
social Esses direitos natildeo podem sofrer nenhum tipo de restriccedilatildeo natildeo se
discriminando quem os pode exercer uma vez que satildeo titulares todas as pessoas
capazes incapazes brasileiras estrangeiras alfabetizadas e iletradas
A Constituiccedilatildeo Cidadatilde foi a primeira a estabelecer direitos natildeo soacute de
indiviacuteduos mas tambeacutem de grupos sociais os denominados direitos coletivos Com
isso as pessoas passaram a ser coletivamente consideradas Os direitos individuais
e coletivos estatildeo anunciados no art 5ordm em setenta e sete incisos e em dois
paraacutegrafos
Verifica-se que os Direitos Individuais tecircm como ponto marcante a liberdade
seja ela tomada de maneira global ou especiacutefica como liberdade de associaccedilatildeo de
reuniatildeo A liberdade de reuniatildeo (art 5ordm XVI) constitui-se na primeira e mais simples
liberdade corporativa estando logo apoacutes a liberdade de locomoccedilatildeo
Os Direitos Sociais tecircm como titular uma coletividade e satildeo caracterizados
pela prestaccedilatildeo de serviccedilos ou oferecimento de melhorias para a sociedade como um
todo por parte do Poder Puacuteblico Assim os Direitos Sociais tornam possiacutevel a fruiccedilatildeo
e o exerciacutecio dos Direitos Individuais pela coletividade mesmo pelos carentes
materialmente
O art 6deg define os Direitos Sociais da seguinte maneira ldquoSatildeo Direitos Sociais
a educaccedilatildeo a sauacutede o trabalho a moradia o lazer a seguranccedila a previdecircncia
social a proteccedilatildeo agrave maternidade e agrave infacircncia a assistecircncia aos desamparados na
forma desta Constituiccedilatildeordquo
Portanto eacute obrigatoacuteria ao Estado a proteccedilatildeo dos interesses da coletividade
com o atendimento dos direitos acima citados
Satildeo direitos poliacuteticos os que conferem o acesso da populaccedilatildeo agrave participaccedilatildeo
no Poder do Estado tais como os direitos de votar e ser votado do referendo
plebiscito e iniciativa popular das leis O direito democraacutetico de participaccedilatildeo dos
cidadatildeos no governo por meio de seus representantes exigiu a formaccedilatildeo de um
conjunto de normas legais permanentes que recebeu a denominaccedilatildeo de direitos
poliacuteticos Os Direitos Poliacuteticos amparam os Direitos Individuais Sociais e
Econocircmicos pois quando desaparece a democracia desaparecem imediatamente
as liberdades fundamentais
31
Com o advento da Constituiccedilatildeo de 1988 foram criadas instituiccedilotildees para
fiscalizar e controlar a atuaccedilatildeo da administraccedilatildeo puacuteblica entre as quais o Ministeacuterio
Puacuteblico que funciona como um canal de expressatildeo dos direitos da populaccedilatildeo
O Ministeacuterio Puacuteblico foi a instituiccedilatildeo que mais ganhou importacircncia no cenaacuterio
puacuteblico por ter passado a defender os interesses coletivos ou seja os interesses de
um grupo categoria ou classe e natildeo de um indiviacuteduo isolado No artigo 127 o
Ministeacuterio Puacutebico (MP) eacute definido como ldquouma instituiccedilatildeo permanente essencial agrave
funccedilatildeo jurisdicional do Estado incumbindo-lhe a defesa da ordem juriacutedica do regime
democraacutetico e dos interesses sociais e individuais indispensaacuteveisrdquo
Cabe ao Ministeacuterio Puacuteblico exigir dos poderes puacuteblicos e dos serviccedilos de
relevacircncia puacuteblica respeito aos direitos elencados na Constituiccedilatildeo promovendo as
medidas necessaacuterias agrave garantia desses direitos Portanto eacute responsaacutevel pela
garantia da ordem juriacutedica do regime democraacutetico da moralidade puacuteblica e dos
direitos sociais e individuais
23 A consagraccedilatildeo dos direitos do cidadatildeo
A Constituiccedilatildeo de 1988 eacute o coroamento da histoacuteria constitucional do Brasil por
ter sido um marco da redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes opondo-se a qualquer forma de
autoritarismo Nela a cidadania foi consagrada como um dos fundamentos da
Repuacuteblica Federativa do Brasil (art 1ordm inc II) Observe-se que o termo cidadania
encontra-se na Constituiccedilatildeo em sentido mais amplo do que o de titular de direitos
poliacuteticos pois qualifica os participantes da vida do Estado e reconhece o indiviacuteduo
como pessoa integrada na sociedade estatal
Essa nova concepccedilatildeo de cidadania introduzida pela Constituiccedilatildeo Federal de
1988 eacute fruto da internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos e como marco principal da
institucionalizaccedilatildeo erigiu em seu artigo primeiro a dignidade da pessoa humana (inc
III) e a cidadania (incII) a princiacutepio fundamental
Institui com o princiacutepio da cidadania uma nova compreensatildeo acerca dos
direitos de deveres da pessoa elevado-o a status maacuteximo a regra-matriz que natildeo
pode ser desrespeitada pois os fundamentos constituem a essecircncia da Repuacuteblica
32
Federativa e servem como regra-matriz para a elaboraccedilatildeo interpretaccedilatildeo e
integraccedilatildeo do sistema juriacutedico nacional
Violar um princiacutepio eacute muito grave que transgredir uma norma qualquer A desatenccedilatildeo ao principio implica ofensa natildeo apenas a um especifico mandamento obrigatoacuterio mas a todo o sistema de comandos Eacute a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade representa insurgecircncia contra todo o sistema subversatildeo de valores fundamentais (MELLO apud CHIMENTI 2005 P 33)
Para Silva (2004) cidadania eacute discriminada como princiacutepio relativo ao regime
poliacutetico Dessa forma compreendida cidadania como princiacutepio fundamental eacute o
direito de participar dos destinos do Estado e mais usufruir dos direitos civis
fundamentais previstos na Constituiccedilatildeo
Muitos doutrinadores utilizam cidadania no mesmo sentido de nacionalidade
(Art 12 da Constituiccedilatildeo Federal) e de direitos poliacuteticos (Art 14) Em alguns outros
dispositivos a palavra cidadania (ou cidadatildeo) poderia ainda ter a significaccedilatildeo de
direitos poliacuteticos mas mesmo assim de forma impliacutecita a exemplo dos arts 22 XIII
e 5ordm LXXIII No primeiro se lecirc que compete agrave Uniatildeo legislar sobre nacionalidade
cidadania e naturalizaccedilatildeo e no segundo que qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima
para propor accedilatildeo popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de
entidade de que o Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e
ao patrimocircnio histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de
custas judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia No entanto conforme Mazzuoli (2002)
Observe-se que a Carta de 1988 ao tratar no seu art 14 dos direitos poliacuteticos natildeo se refere sequer em um momento agrave expressatildeo cidadania dizendo apenas que a soberania popular seraacute exercida pelo sufraacutegio universal e pelo voto direito e secreto com valor igual para todos (hellip) Pelo contraacuterio a Constituiccedilatildeo faz uma separaccedilatildeo entre cidadania e direitos poliacuteticos quando no seu art 68 sect 1ordm II ao tratar das leis delegadas exclui do acircmbito da delegaccedilatildeo legislativa a nacionalidade cidadania direitos individuais poliacuteticos e eleitorais
A Constituiccedilatildeo brasileira de 1988 com a transiccedilatildeo para o regime democraacutetico
consagrou expressamente esta nova concepccedilatildeo de cidadania como se depreende
da leitura de vaacuterios dos seus dispositivos
Foi nesse sentido que pioneiramente estatuiu a Carta de 1988 em seu art
1ordm que a Repuacuteblica Federativa do Brasil formada pela uniatildeo indissoluacutevel dos
33
Estados e Municiacutepios e do Distrito Federal constitui-se em Estado Democraacutetico de
Direito e tem como fundamentos dentre outros a cidadania (inc II) Como jaacute
mencionado
Na mesma esteira o disposto no art 5ordm incisos LXXI (conceder-se-aacute
mandado de injunccedilatildeo sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviaacutevel o
exerciacutecio dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes agrave
nacionalidade agrave soberania e agrave cidadania) e LXXVII (satildeo gratuitas as accedilotildees de
habeas-corpus e habeas-data e na forma da lei os atos necessaacuterios ao exerciacutecio
da cidadania) No seu Tiacutetulo VIII Capiacutetulo II Seccedilatildeo I a Carta Magna de 1988
dispotildee ainda que a
Educaccedilatildeo direito de todos e dever do Estado e da famiacutelia seraacute promovida e incentivada com a colaboraccedilatildeo da sociedade visando ao pleno desenvolvimento da pessoa seu preparo para o exerciacutecio da cidadania e sua qualificaccedilatildeo para o trabalho (art 205)
Outro dispositivo em que fica bastante marcada esta nova concepccedilatildeo de
cidadania eacute o art 64 do Ato das Disposiccedilotildees Constitucionais Transitoacuterias que
dispotildee
A Imprensa Nacional e demais graacuteficas da Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios da administraccedilatildeo direta ou indireta inclusive fundaccedilotildees instituiacutedas e mantidas pelo Poder Puacuteblico promoveratildeo ediccedilatildeo popular do texto integral da Constituiccedilatildeo que seraacute posta agrave disposiccedilatildeo das escolas e dos cartoacuterios dos sindicatos dos quarteacuteis das igrejas e de outras instituiccedilotildees representativas da comunidade gratuitamente de modo que cada cidadatildeo brasileiro possa receber do Estado um exemplar da Constituiccedilatildeo do Brasil
Enfim a Constituiccedilatildeo de 1988 enriqueceu e ampliou os conceitos de cidadatildeo
e cidadania Seu entendimento agora como leciona Silva (2005)
Decorre da ideia de Constituiccedilatildeo dirigente que natildeo eacute apenas um repositoacuterio de programas vagos a serem cumpridos mas constitui um sistema de previsatildeo de direitos sociais mais ou menos eficazes em torno dos quais eacute que se vem construindo a nova ideacuteia de cidadania
De forma que natildeo mais se trata de considerar a cidadania como simples
qualidade de gozar direitos poliacuteticos mas sim de aferir-lhe um nuacutecleo miacutenimo e
irredutiacutevel de direitos (fundamentais) que devem se impor obrigatoriamente agrave accedilatildeo
dos poderes puacuteblicos
34
O ordenamento juriacutedico brasileiro consagrou aleacutem dos institutos jaacute
mencionados alguns outros mecanismos de defesa dos direitos e garantias
constitucionais da cidadania como a accedilatildeo civil puacuteblica regulada pela Lei nordm
734785 e accedilatildeo direta de inconstitucionalidade prevista no incIV do art 129 da
Constituiccedilatildeo Federal O Coacutedigo de Defesa do Consumidor o Estatuto da Crianccedila e
do Adolescente e ateacute mesmo o princiacutepio do devido processo legal que resguarda ao
cidadatildeo o acesso agrave justiccedila e direito de ser acionado judicialmente por meio de
procedimentos legais satildeo mecanismos de defesa dos direitos de cidadania
previstos constitucionalmente e garantidos na esfera poliacutetica civil e social
Pode-se observar que a cidadania comeccedilou a ser construiacuteda como resultado
de um processo de luta a partir da conscientizaccedilatildeo dos direitos e deveres do
homem Como vimos a cidadania jaacute em praacutetica em muitos paiacuteses adquire no
Brasil com a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 um novo sentido qual seja o
pressuposto do exerciacutecio pleno de um sistema de direitos e garantias
35
CAPIacuteTULO 3 - CIDADANIA COMO MECANISMO DE
TRANSFORMACcedilAtildeO SOCIAL
No momento em que a cidadania alccedila voos constitucionais e insere-se na
Carta Poliacutetica da Repuacuteblica Federativa do Brasil inicia-se o processo de
redemocratizaccedilatildeo e ganha relevo o cidadatildeo agente deste processo que tem em
suas matildeos a tarefa da construccedilatildeo de um novo tempo
Historicamente a ideia de cidadatildeo conotava o habitante da cidade ndash o
citadino ndash firma-se entatildeo tal conotaccedilatildeo na Antiguumlidade claacutessica para depois
significar aquele indiviacuteduo a quem se atribuem os direitos poliacuteticos Superada essa
acepccedilatildeo que tambeacutem vigorou nas constituiccedilotildees anteriores da Repuacuteblica do Brasil
na concepccedilatildeo moderna estaacute clara a noccedilatildeo de cidadatildeo como aquele que a quem
consiste a titularidade de direitos individuais poliacuteticos e sociais Noccedilatildeo esta
edificada com a internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos que amplia a acepccedilatildeo do
termo declarando que satildeo cidadatildeos todo aquele que habita o acircmbito da soberania
de um Estado e deste Estado recebem uma carga de direitos e tambeacutem deveres dos
mais variados
Desta forma a noccedilatildeo contemporacircnea de cidadania funda-se na dicotomia
direitos (exerciacutecios de direitos fundamentais - participaccedilatildeo) e deveres (colaboraccedilatildeo -
solidariedade) Ao lado dos direitos foram estabelecidos deveres fundamentais e
portanto tanto agentes puacuteblicos como os indiviacuteduos tecircm obrigaccedilotildees especiacuteficas
inclusive a de respeitar os direitos das demais pessoas que vivem na ordem social
sendo e promovendo mecanismos de transformaccedilatildeo social que visam uma nova
sociedade baseada na igualdade e na justiccedila
36
31 O ser cidadatildeo
Os termos indiviacuteduo ser humano pessoa e cidadatildeo satildeo geralmente tomados
como sinocircnimo o que certamente influi na proliferaccedilatildeo de incontaacuteveis significados e
ampliaccedilatildeo do termo cidadatildeo Poreacutem estas palavras apesar de se assemelharem
possuem carga semacircntica proacutepria e da compreensatildeo exata de cada uma decorre a
conceituaccedilatildeo mais acentuada da acepccedilatildeo do termo cidadatildeo como titular de direitos
e deveres resguardados pela constituiccedilatildeo paacutetria
Desta forma indiviacuteduo eacute um representante da espeacutecie aquele que eacute uacutenico
Enquanto ser humano eacute um termo mais geneacuterico ou indeterminado que diz respeito
agrave espeacutecie agrave classificaccedilatildeo ao mundo zooloacutegico Pessoa por sua vez eacute um termo
mais especiacutefico que tem a ver com o mundo civilizado ou se preferirmos com a
constelaccedilatildeo dos valores morais eacuteticos e juriacutedicos proacuteprios da civilizaccedilatildeo
A etimologia da palavra pessoa demonstra que eacute um conceito sobreposto ao conceito de Ser Humano Um refratildeo de origem juriacutedica tambeacutem nos lembra do homo plures pessoa polimorfa o ser humano capaz de desempenhar muitos papeacuteis um mesmo ser humano eacute empresaacuterio e delinquumlente eacute pai e metaluacutergico etc Persona (personagem) era a maacutescara que usavam os atores da trageacutedia grega para desempenhar seu papel Cabe portanto entender o conceito de Ser Humano ao lado do conceito de Pessoa No direito romano antigo os escravos eram seres humanos (homens) mas natildeo eram consideradas pessoas (patriacutecios) Os juristas romanos que usavam o conceito de Ser Humano o dissociavam do conceito de pessoas (CUNHA 2007)
O Ser Humano recebe uma distinccedilatildeo importante quando o consideramos
como Pessoa assim como a Pessoa recebe uma distinccedilatildeo redundante natildeo menos
importante quando a consideramos por forccedila de expressatildeo como uma pessoa
humana Subentendendo o adjetivo humano como relativo agrave eacutetica Portanto Ser
Humano natildeo eacute a mesma coisa que Pessoa como tampouco Ser Humano eacute o
mesmo que cidadatildeo este muito eacute mais proacuteximo do termo Pessoa Vejamos o quadro
ilustrativo que esquematiza e distinguem os referidos conceitos
37
QUADRO 1 ndash EVOLUCcedilAtildeO DO SER HUMANO ATEacute O CIDADAtildeO
O Ser Humano O Ser Indiviacuteduo O Ser Pessoa O Ser Cidadatildeo
A Dimensatildeo do conviacutevio social
A dimensatildeo do mercado de trabalho e
Consumo
A Dimensatildeo de encontrar-se no mundo
A dimensatildeo de intervir na realidade
O homem tornar-se Ser Humano nas relaccedilotildees
de conviacutevio social
O Ser Humano tornar-se indiviacuteduo quando
descobre seu papel e funccedilatildeo social
O Indiviacuteduo torna-se pessoa quanto toma
consciecircncia de si mesmo do outro e do
mundo
A pessoa torna-se cidadatildeo quando
interveacutem na realidade em que vive
Quem estuda o comportamento do Ser
Humano Seria a antropologia a histoacuteria
ou a sociologia
Quem estuda o comportamento do indiviacuteduo Seria a
Filosofia a sociologia ou a Psicologia
Quem estuda o comportamento da pessoa Seria a
Filosofia a sociologia ou a Psicologia
Quem estuda o comportamento do cidadatildeo Seria a
Sociologia a Filosofia ou As ciecircncias
poliacuteticas
Quem garante os direitos do Ser
Humano A Declaraccedilatildeo Universal
dos Direitos Humanos
Quem garante os Direitos do
Consumidor O Coacutedigo do Consumidor
Quem garante os Direitos da pessoa A proacutepria pessoa (amor proacuteprio ou autoestima)
Quem garante os Direitos do cidadatildeo (A Constituiccedilatildeo e suas leis
regulamentares)
Existe realmente uma natureza humana Teologicamente
afirmamos que existe a uma natureza humana
Seguindo a corrente existencialista (JP Sartre) negamos tal
natureza
Que diferenccedila existe entre o direito do
consumidor e o direito do cidadatildeo Ao
Consumidor deve ser dado o direito de
propriedade enquanto ao cidadatildeo deve ser
dado o direito de acesso
O que significa tornar-se pessoa no niacutevel
psicoloacutegico e social A pessoa eacute o indiviacuteduo que toma consciecircncia de si mesmo (ldquoTornar-
se Pessoardquo de Karl Roger)
Como podemos intervir na realidade
modificando as estruturas corruptas e injustas Quando os
direitos do cidadatildeo lhe satildeo oferecidos e o
mesmo passa a exercecirc-lo haacute
modificaccedilatildeo de comportamento
(ROSAS 2009)
O cidadatildeo eacute portanto aquele indiviacuteduo a quem a Constituiccedilatildeo confere direitos
e garantias e lhe daacute o poder do seu efetivo exerciacutecio aleacutem de meios processuais
eficientes contra a violaccedilatildeo de seu gozo ou fruiccedilatildeo por parte do poder puacuteblico
Sendo assim
A passagem do indiviacuteduo a cidadatildeo caracteriza-se pelo reconhecimento pela lei de direitos considerados fundamentais agrave realizaccedilatildeo da vida do homem como indiviacuteduo e ser social membro de uma comunidade poliacutetica e a garantia desses direitos pela forccedila comum de todos (CUNHA 2007)
38
Nas uacuteltimas deacutecadas em alguns paiacuteses inclusive no Brasil desenvolveu-se o
conceito de cidadania calcado principalmente na questatildeo do cidadatildeo-consumidor
As pessoas passam a ser vistas como cidadatildes desde que tenham dinheiro para
adquirir mercadorias e utilizar serviccedilos Eacute certo pois que serviccedilos e mercadorias
atendem a necessidades materiais e simboacutelicas das pessoas e consumi-los eacute um
dos modos de participar da vida social criar identidade e partilhar dos bens
produzidos pela humanidade e representar-se culturalmente Contudo a cidadania
enfatizada apenas como uma relaccedilatildeo de compra e venda de mercadorias e serviccedilos
assume um conteuacutedo restrito individual conformista e voltado apenas para a
aquisiccedilatildeo de bens o que se relaciona com a ideacuteia de indiviacuteduo ou seja o consumo
atende as necessidades do indiviacuteduo
Outra forma de confusatildeo acerca do conceito de cidadatildeocidadania refere-se a
equiparaccedilatildeo feita com o assistencialismo o que configura uma acentuada inversatildeo
do termo uma vez que a praacutetica do assistencialismo natildeo propicia meios de
superaccedilatildeo das desigualdades sociais Enquanto a cidadania estaacute relacionada agrave
superaccedilatildeo das desigualdades sociais e a extensatildeo da garantia dos direitos de todos
O cidadatildeo eacute sem duacutevida uma expressatildeo que precisa ser adequadamente
utilizada e vivenciada pela coletividade compreendido na dimensatildeo do ser pessoa
de ter direitos e deveres do assumir as suas liberdades e responsabilidades no seio
de uma comunidade democraacutetica equitativa solidaacuteria e intercultural
Dessa forma ser cidadatildeo implica saber viver em sociedade estando ciente
dos anseios comuns A participaccedilatildeo ativa nas decisotildees de sua comunidade
influencia modos de vida de maneira positiva ao seu redor assim torna-se
imprescindiacutevel o exerciacutecio dos direitos constitucionais adquiridos e lutar pelos que
viratildeo eacute sobretudo estar consciente de todas as atitudes tomadas em prol da
sociedade
Eacute possiacutevel nesse espaccedilo de discussatildeo falar em ldquoestar cidadatildeordquo que eacute natildeo
praticar o exerciacutecio da cidadania em nenhuma de suas formas Implica apenas em
se deixar levar pelos acontecimentos e ainda reclamar das situaccedilotildees vividas sem
nada fazer para mudar sem nenhuma perspectiva de futuro Do que concluiacutemos que
a dinacircmica de intervir na realidade eacute pressuposto de cidadania
Ser cidadatildeo eacute tarefa que requer muito do ser humano do individuo da
pessoa Requer uma alta - estima elevada uma consciecircncia solidaacuteria uma
39
identidade que se reconheccedila na dinacircmica social interagindo com o outro ampliando
debates incitando justiccedila eacute sem duvida uma tomada de posiccedilatildeo que natildeo se
acomoda pelo contraacuterio se incomoda quando natildeo haacute comprometimento para o bem
comum
Natildeo eacute uma tarefa cocircmoda senatildeo muito complicada as pessoas natildeo nascem cidadatildeos mas fazem-se no tempo e no espaccedilo Na verdade natildeo eacute faacutecil exercer a liberdade e a cidadania ndash ser pessoa e ser cidadatildeo ndash por isso exige-se uma luta sem treacuteguas para erradicar assimetrias e exclusotildees socioculturais e criar cenaacuterios de esperanccedila realizaacuteveis fundamentados em valores e princiacutepios eacuteticos que requalifiquem a democracia com cidadatildeos participativos e
comprometidos ( SAEZ 1995)
Tem portanto como pressuposto uma mudanccedila de comportamento uma
tomada de posiccedilatildeo frente agrave dinacircmica social na qual estaacute inserido participando de
forma ativa e produtiva do processo de construccedilatildeo da cidadania por meio de seus
diversos canais
32 Emancipaccedilatildeo social atraveacutes da cidadania
Um Estado Democraacutetico eacute aquele que estaacute enraizado na legitimidade do
poder do povo e dele decorre seu exerciacutecio Assim o poder do povo eacute a expressatildeo
a aptidatildeo de homens e mulheres constituir autonomamente seu viver sem sucumbir
diante das instacircncias de poder Haacute nesse modus vivendi uma tutela das diferenccedilas e
pluralidades de formas de vida
Desta forma a cidadania eacute enfocada como o processo de participaccedilatildeo do
individuo ou de um grupo organizado nas mais variadas aacutereas de atuaccedilatildeo na
sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos sociais com a consciecircncia
da responsabilidade por sua proacutepria histoacuteria
Sendo a democracia o regime em que o povo governa sua caracteriacutestica
inarredaacutevel eacute a de ter o povo agrave frente do poder uma forma de autogoverno Em
assim sendo a cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia por meio de resultados
palpaacuteveis e medidas concretas tais como mudanccedilas na realidade de cada um com
melhoria de vida e conscientizaccedilatildeo da importacircncia na sociedade para o exerciacutecio
40
direto ou indireto desse poder pois se contentar com fato do direito estaacute prescrito
em lei natildeo eacute o bastante
Eacute certo poreacutem que o Estado democraacutetico somente se aperfeiccediloa na
proporccedilatildeo em que o povo age ativamente na medida em que os representantes
reflitam em seus atos os verdadeiros anseios populares Partindo dessa visatildeo a
cidadania eacute o grande fator de legitimaccedilatildeo do povo permitindo que ele aja em defesa
das instituiccedilotildees democraacuteticas
Sobre a participaccedilatildeo cumpre asseverar que este direito significa a
capacidade de ser consultado para as tomadas de decisatildeo que dizem respeito agrave
direccedilatildeo da sociedade em que vive o cidadatildeo este direito eacute acompanhado do
respeito aos deveres de contribuir para o progresso social e de acatar e respeitar o
resultado obtido em consulta coletiva
No elenco de mecanismo de exerciacutecio da cidadania estaacute o acesso ao direito e
a justiccedila que eacute fator preponderante para efetivar as garantias constitucionais
Assim passaremos a discorrer sobre a importacircncia de instrumentalizar o
cidadatildeo para um pleno exerciacutecio de seus direitos
Eacute Sabido que no Estado Democraacutetico Contemporacircneo os direitos
fundamentais constitucionalmente assegurados tecircm eficaacutecia imediata cumprindo ao
Estado garantir a todos os cidadatildeos o respeito a esses Direitos de modo concreto e
efetivo natildeo obstante as inuacutemeras desigualdades e condiccedilotildees adversas que
dificultam na praacutetica o seu exerciacutecio
Para o acesso ao direito o Estado deve desenvolver com eficiecircncia uma seacuterie
de atividades essenciais e dar efetividade a uma seacuterie de pressupostos Dentre eles
o principal eacute o conhecimento do Direito como fator preponderante pois o
desconhecimento da lei implica na praacutetica natildeo acionar a jurisdiccedilatildeo Um fato que
contribui para essa assertiva eacute baixa escolaridade da populaccedilatildeo e o analfabetismo
Muito pouco adianta a existecircncia de uma Constituiccedilatildeo apenas formal ou no
papel se ilegiacutetima ou desrespeitada Para que ocorra a eficaacutecia das normas
dispostas numa Constituiccedilatildeo ou melhor para que passe da teoria agrave praacutetica eacute
essencial que comandados e comandantes tenham conhecimento dos seus direitos
e responsabilidades assim como dos instrumentos juriacutedicos para efetivaacute-los (leis
regulamentadoras) O exerciacutecio da cidadania natildeo eacute somente um direito mas eacute
tambeacutem um dever de todos pois a omissatildeo de cada um contribui com as injusticcedilas e
as impunidades tatildeo presentes nos dias atuais
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A Constituiccedilatildeo quando eacute justa e legiacutetima e principalmente quando eacute
respeitada eacute um poderoso instrumento de promoccedilatildeo e desenvolvimento social e
humano
Outro fator que deve ser considerado eacute a miserabilidade que coloca inuacutemeros
brasileiros a margem da sociedade em situaccedilatildeo precaacuteria os quais para Pinsky
(2004) ldquodesprovidos de esperanccedila de projeto de qualquer perspectiva de inclusatildeo
[] recorrer agrave Justiccedila humana parece algo irrealizaacutevel sofisticado e inteiramente
ficcionalrdquo
Desta forma o primeiro passo para concretizar os direitos previstos
constitucionalmente eacute a formaccedilatildeo do cidadatildeo atraveacutes da Educaccedilatildeo Baacutesica
infundindo-lhe a consciecircncia dos seus direitos e tambeacutem dos seus deveres sociais
bem como dos valores humanos fundamentais que devem ser por todos respeitados
na vida em sociedade A universalizaccedilatildeo do ensino fundamental a oferta obrigatoacuteria
de educaccedilatildeo infantil pelo Estado e o crescimento da oferta do ensino meacutedio satildeo
alguns dos aspectos que merecem destaques e foi devido agrave determinaccedilatildeo
constitucional de estabelecer o caraacuteter obrigatoacuterio do ensino fundamental e de
responsabilizar o Estado por sua implementaccedilatildeo que tem iniacutecio o processo de
avanccedilo desse segmento
A Constituiccedilatildeo estabeleceu de forma mais clara o papel dos entes federados
na educaccedilatildeo Tambeacutem aumentou a participaccedilatildeo orccedilamentaacuteria destinada ao setor
Com as novas regras para distribuiccedilatildeo de recursos adotadas apoacutes a promulgaccedilatildeo
da Carta os municiacutepios voltam a interessar-se pela educaccedilatildeo fundamental e o paiacutes
atinge a universalizaccedilatildeo do setor o que se busca agora satildeo mecanismos para
garantir a qualidade no ensino
O segundo passo nessa dinacircmica eacute o oferecimento a todos os cidadatildeos de
condiccedilotildees miacutenimas de sobrevivecircncia e de existecircncia condignas atraveacutes do acesso
ao trabalho produtivo livremente escolhido e do pagamento de remuneraccedilatildeo capaz
de prover ao sustento do trabalhador e de sua famiacutelia
Para milhotildees de cidadatildeos que vivem na ignoracircncia e na miseacuteria nenhuma
utilidade ou eficaacutecia tecircm os inuacutemeros direitos constitucionalmente assegurados Para
aqueles que se habituaram a retirar proventos da mendicacircncia da prostituiccedilatildeo de
atividades iliacutecitas ou aqueles que se sentiram forccedilados a sujeitar-se agrave exploraccedilatildeo de
outrem para sobreviver natildeo haacute nenhuma crenccedila na dignidade da pessoa humana e
no valor social do trabalho
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A pobreza engendra inuacutemeras relaccedilotildees de dominaccedilatildeo entre pessoas e entre grupos sociais As habitaccedilotildees subumanas da periferia das grandes cidades no Brasil constituem verdadeiros quistos sociais terras sem lei controladas por xerifes ou por quadrilhas de malfeitores O Estado que natildeo for capaz de dotar essas comunidades do acesso efetivo agrave Educaccedilatildeo agrave Sauacutede agrave Seguranccedila e agrave Paz Puacuteblicas e ao trabalho liacutecito certamente natildeo lhes estaraacute assegurando o acesso ao Direito porque a populaccedilatildeo abrutalhada pela miseacuteria e coagida pelo medo natildeo desfruta da miacutenima eficaacutecia concreta dos
seus direitos fundamentais (GRECO 2009)
Evidencia que acesso ao Direito nas sociedades modernas mesmo nas
economicamente desenvolvidas exige o fortalecimento dos grupos intermediaacuterios e
do associativismo O cidadatildeo natildeo estaacute mais em condiccedilotildees de defender-se
individualmente das ameaccedilas e lesotildees aos seus direitos perpetradas por pessoas ou
grupos que se encontram em posiccedilatildeo de vantagem nas relaccedilotildees econocircmicas e
sociais
O sindicato veio exercer este importante papel em relaccedilatildeo ao trabalhador
empregado Mas hoje as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo natildeo satildeo apenas as que existem no
mundo do trabalho mas as que se revelam em todos os tipos de relaccedilotildees humanas
relaccedilotildees de consumo relaccedilotildees de vizinhanccedila relaccedilotildees locatiacutecias relaccedilotildees
comerciais internas e internacionais e natildeo com menor relevacircncia relaccedilotildees entre os
particulares e o Estado entre outras
Eacute preciso assegurar esse equiliacutebrio na praacutetica o que somente tornar-se-aacute
possiacutevel atraveacutes da articulaccedilatildeo dos sujeitos que se encontram em posiccedilatildeo de
desvantagem em organizaccedilotildees e associaccedilotildees que pela uniatildeo de esforccedilos
consigam compensar o desequiliacutebrio existente e dar aos indiviacuteduos e grupos a forccedila
e a capa de proteccedilatildeo necessaacuterias para ombrearem-se aos seus adversaacuterios e
lutarem pelos seus direitos ou interesses em igualdade de condiccedilotildees
Para Greco (2009) o pressuposto indispensaacutevel do acesso ao Direito eacute a
transparecircncia do Estado no trato de questotildees que possam afetar a esfera de
interesses dos cidadatildeos e complementa que aos cidadatildeos eacute indispensaacutevel
assegurar o direito de influir eficazmente nas decisotildees do poder puacuteblico atraveacutes dos
mais diversos instrumentos de participaccedilatildeo democraacutetica Ele afirma que
A relaccedilatildeo Estado-cidadatildeo natildeo eacute mais a relaccedilatildeo soberano-suacutedito O cidadatildeo tem o direito de exigir do Estado o pleno respeito ao seu
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patrimocircnio juriacutedico Lamentavelmente a crise do Estado tem levado o Brasil a aceitar-se como normal que as pessoas juriacutedicas de Direito Puacuteblico natildeo cumpram devidamente as prestaccedilotildees positivas de que satildeo devedoras perante os particulares cabendo a estes demandar na Justiccedila para obtecirc-las (GRECO 2009)
Essa visatildeo deformada da responsabilidade do Estado ocorre o
desvirtuamento da justiccedila Por outro lado agrave violaccedilatildeo da garantia constitucional da
tutela jurisdicional efetiva (Constituiccedilatildeo artigo 5 inciso XXXV) disciplina a lei natildeo
excluiraacute da apreciaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio lesatildeo ou ameaccedila ao direito Assim o
acesso ao Direito natildeo estaraacute concretamente assegurado se o Estado natildeo oferecer a
todo cidadatildeo a possibilidade de receber aconselhamento juriacutedico a respeito dos seus
direitos
Constituiccedilatildeo de 1988 no artigo 5deg inciso LXXIV assegurou a todos
ldquoassistecircncia juriacutedicardquo a englobar assistecircncia judiciaacuteria e assessoramento juriacutedico
extrajudicial Conforme Greco (2009) ldquoeacute preciso que esse direito seja assegurado
na praacutetica Uma vez que na vida moderna o Direito tornou-se excessivamente
complexordquo Ainda no dizer do autor a consciecircncia juriacutedica do homem comum que
deve ser adquirida na famiacutelia e na escola natildeo eacute mais suficiente para a tomada de
decisotildees na vida diaacuteria das pessoas Todas as pessoas mantecircm complexas relaccedilotildees
juriacutedicas com instituiccedilotildees financeiras com fornecedores de bens e de serviccedilos etc
Nessas relaccedilotildees juriacutedicas com frequecircncia os cidadatildeos tecircm de tomar decisotildees
raacutepidas O cidadatildeo que tem meios procura um advogado particular para assessoraacute-
lo Ao pobre o Estado deve assegurar o mesmo direito em plenitude
Sem duacutevida o uacuteltimo pressuposto do acesso ao Direito eacute o acesso agrave Justiccedila
no sentido de acesso a um tribunal estatal imparcial previamente instituiacutedo como
competente para a soluccedilatildeo de qualquer litiacutegio a respeito de interesse que se afirme
juridicamente protegido ou para a praacutetica de qualquer ato que a lei subordine agrave
aprovaccedilatildeo autorizaccedilatildeo ou homologaccedilatildeo judicial
Se o cidadatildeo tem consciecircncia dos seus direitos se o Estado lhe fornece
todas as condiccedilotildees para livremente exercecirc-los mas algum outro cidadatildeo ou algum
oacutergatildeo do proacuteprio Estado impede ou dificulta esse exerciacutecio cabe ao poder puacuteblico
pocircr agrave disposiccedilatildeo do cidadatildeo lesionado ou ameaccedilado a jurisdiccedilatildeo necessaacuteria para
assegurar o pleno acesso a tal direito
Atingimos eacute certo um estaacutegio de desenvolvimento do Direito Humanitaacuterio que
natildeo mais nos permite conformar-nos com uma realidade distante do padratildeo de
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convivecircncia humana que outras naccedilotildees jaacute alcanccedilaram O exerciacutecio pleno de
cidadania seraacute obra de mais de uma geraccedilatildeo Mas se trabalharmos com firmeza
certamente os jovens de hoje poderatildeo legar aos seus descendentes a emancipaccedilatildeo
cidadatilde um paiacutes melhor e uma sociedade mais justa e democraacutetica
33 O municiacutepio como acircmbito de exerciacutecio de cidadania
Historicamente o Municiacutepio enquanto unidade poliacutetico-administrativa surgiu
conforme descreve Berardi (2004) com a Repuacuteblica Romana interessada em
manter a dominaccedilatildeo paciacutefica das cidades conquistadas pela forccedila dos exeacutercitos
Sua origem mais de natureza socioloacutegica do que poliacutetica adveacutem do espiacuterito
associativo do homem e de suas relaccedilotildees de vizinhanccedila
Eacute pois a menor unidade territorial de Federaccedilatildeo cuja criaccedilatildeo reflete a base
da organizaccedilatildeo poliacutetica administrativa da Naccedilatildeo Portanto sua funccedilatildeo administrativa
historicamente vem assentada no princiacutepio do direito natural
O artigo primeiro da Constituiccedilatildeo Federal de 1998 estabelece que o
Municiacutepio ao lado dos Estados e do Distrito Federal formam a Republica Federativa
do Brasil que se constitui em Estado Democraacutetico de Direito O municiacutepio tem assim
um poder relevante para a aplicaccedilatildeo da democracia direta iniciada e fortalecida em
niacutevel local Diversos pensadores chegaram a afirmar que a descentralizaccedilatildeo de
poder resultante da constituiccedilatildeo Cidadatilde era antes de tudo uma conquista dos
Municiacutepios sendo eles os berccedilos da perpetuaccedilatildeo da Repuacuteblica e da Democracia
efetivamente por serem o uacutenico niacutevel de governo possuidores de respaldo e
localizaccedilatildeo fiacutesica ou seja solo municipal
Eacute certo que a Carta Magna de 1988 consolidou significativas inovaccedilotildees para a
vida municipal de forma que o Municiacutepio passou a constituir um dos entes da
federaccedilatildeo tratando-o como unidade dotada de autonomia poliacutetica expressa na
capacidade de poder elaborar a sua Lei Orgacircnica fugindo assim da tutela dos
estados que ateacute entatildeo eram considerados como uacutenicos componentes da federaccedilatildeo
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A Lei Orgacircnica Municipal traz em seu bojo aleacutem da organizaccedilatildeo
administrativa do Municiacutepio a restauraccedilatildeo do Poder Legislativo municipal definindo
a diversificaccedilatildeo normativa que natildeo existia nas leis organizacionais outorgadas pelo
Estado reflexo do poder constituinte outorgados aos Municiacutepios pela Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 como consequecircncia do efetivo exerciacutecio do conceito de Estado
Democraacutetico de Direito
O Municiacutepio enquanto ente federativo tem atualmente a responsabilidade de
ordenar o seu desenvolvimento social e a garantia do bem estar de seus habitantes
executando poliacuteticas puacuteblicas de accedilotildees a serem empreendidas na consolidaccedilatildeo
democraacutetica do Estado
Fundada no elemento participaccedilatildeo o exerciacutecio de cidadania amplamente
citado encontra sua efetividade no municiacutepio Pois eacute nesse acircmbito de localizaccedilatildeo
que as pessoas mantecircm um contato direto com os poderes instituiacutedos suas
necessidades imediatas e mediatas satildeo objetos da disciplina da Lei que visa o bem
comum base do Estado democraacutetico de Direito
Baseado na maacutexima do municipalista e defensor da descentralizaccedilatildeo poliacutetica
Franco Motoro sabiamente proferiu que ldquoningueacutem vive na Uniatildeo ou no Estado As
pessoas vivem no Municiacutepiordquo Assim a cidadania encontra seu melhor espaccedilo de
realizaccedilatildeo na comunidade onde convive A vida em comunidade gera anseios
comuns sentimentos comuns uma vez que a convivecircncia propicia que as pessoas
se conheccedilam e se reconheccedilam como membros de uma mesma realidade
De acordo com Harvey (1992) ldquoa globalizaccedilatildeo provoca anonimato enquanto
comunidade cultiva solidariedaderdquo o que implica participaccedilatildeo para o exerciacutecio de
cidadania
Tudo o que acontece no mundo seja no meu paiacutes na minha cidade ou no meu bairro acontece comigo Entatildeo eu preciso participar das decisotildees que interferem na minha vida Um cidadatildeo com um sentimento eacutetico forte e consciecircncia da cidadania natildeo deixa passar nada natildeo abre matildeo desse poder de participaccedilatildeo (Herbert de Souza Betinho)
Com esse embasamento natildeo se pode perder de vista que eacute nas relaccedilotildees
diaacuterias de oposiccedilatildeo ou solidariedade que as pessoas exercem cidadania Na relaccedilatildeo
do com o outro com os poderes ao estabelecer com a vida social e puacuteblica uma
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convivecircncia posto que cidadania eacute tarefa que natildeo termina natildeo eacute um conceito
pronto tatildeo pouco acabado enquanto seres inacabados que somos estaremos
buscando descobrindo criando e tomando consciecircncia mais ampla dos direitos
O desafio eacute construir um novo discurso sobre cidadania atraveacutes de uma
praacutetica poliacutetica sustentada isto eacute realizada em dois niacuteveis
O primeiro niacutevel na base atraveacutes de construccedilatildeo das capacidades e do poder
proacuteprio da populaccedilatildeo o que envolve inevitavelmente uma mudanccedila de atitude na
busca para garantir seus direitos utilizando-se do grau de autonomia local
Essa atitude conceberia agrave democracia participativa como uma poliacutetica paralela
de intervenccedilatildeo social criando e mantendo novos espaccedilos para a tomada de
decisotildees ou seja para o auto-governo pela populaccedilatildeo nas mateacuterias que afetam
diretamente suas vidas
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade
O segundo niacutevel um governo com o povo e natildeo apenas para o povo fundado
nos ditames constitucionais valorizando o sentimento da sociedade no exerciacutecio da
governabilidade de modo que o balizamento das accedilotildees de governo deixaria de estar
no proacuteprio governo e passaria a estabelecer-se a partir do pensar da sociedade Um
governo que se pergunta o que se deve fazer para ouvir com a maior fidelidade
possiacutevel a sociedade suas instituiccedilotildees representativas e o cidadatildeo Pois as
prioridades da gestatildeo deveriam ser definidas pela sociedade e natildeo mais pelo
governo
Portanto nesses termos eacute preciso considerar que as praacuteticas da
administraccedilatildeo puacuteblica sejam democratizadoras e inclusivas inspiradas nos
princiacutepios da legalidade impessoalidade moralidade publicidade e eficiecircncia Esta
uacuteltima buscou estabelecer uma Administraccedilatildeo Puacuteblica mais eficiente no sentido de
que o cidadatildeo como destinataacuterio dos serviccedilos puacuteblicos que o Estado deve prestar
receba-os com maior qualidade e menor custo para o eraacuterio puacuteblico
Para a consecuccedilatildeo desse governar com o povo alguns pontos devem ser
revistos A mudanccedila implica na necessidade de adequaccedilatildeo reorganizaccedilatildeo
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reformulaccedilatildeo Para isso se faz premente em face dos novos e modernos conceitos
de gestatildeo puacuteblica a superaccedilatildeo do tradicional vezo burocraacutetico que vem convertendo
a Administraccedilatildeo nas palavras Dromi (1995) numa cara ldquomaacutequina de impedirrdquo fiel
ldquocoacutedigo do fracassordquo que dispotildee ldquoartigo primeiro natildeo pode artigo segundo em
caso de duacutevida abstenha-se artigo terceiro se eacute urgente espere artigo quarto
sempre eacute mais prudente natildeo fazer nadardquo numa posiccedilatildeo natildeo burocraacutetica e sim
democraacutetica de considerar que organizaccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica inclui a
praacutetica de ver os cidadatildeos como membros plenos da comunidade poliacutetica tendo
acesso e exercitando direitos as que promovem a organizaccedilatildeo da populaccedilatildeo em
torno de temas de interesse comum as que incluem o controle social sobre a
gestatildeo o debate amplo e informado sobre questotildees de governo e que abrem agrave
populaccedilatildeo as decisotildees sobre estas questotildees Como leciona e Barrientos (2000)
Tratam-se de praacuteticas que natildeo buscam somente melhorar a eficiecircncia administrativa das diferentes organizaccedilotildees puacuteblicas mas que incorporam no seu processo de gestatildeo a dimensatildeo ativa da cidadania isto eacute ldquoque facilitam as iniciativas e responsabilidades de todos os envolvidos[] estabelecendo pontes entre Estado e sociedade civil
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade Acreditamos
que o ponto de partida eacute a atitude aliada agrave solidariedade e ao espiacuterito coletivo Pois
governo e cidadatildeos juntos haveratildeo de cumprir um novo papel no processo de
desenvolvimento como agentes de uma nova cultura
Como afirma Peter Drucke
A parceria comunitaacuteria seraacute um dos verdadeiros setores em crescimento das economias desenvolvidas Surge da necessidade de uma participaccedilatildeo mais direta e efetiva da comunidade nas grandes questotildees da vida social pois natildeo existe ningueacutem melhor que o cidadatildeo para saber o que ele quer para si para sua famiacutelia e para sua comunidade (apud RAMOS 1990)
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O envolvimento efetivo da sociedade nas questotildees sociais natildeo eacute apenas uma
postura moderna Significa antes de tudo uma atitude digna de todos aqueles que
desejam exercer sua cidadania contribuindo para um paiacutes melhor e em especial
para uma sociedade mais justa fraterna e solidaacuteria
Na histoacuteria observa-se a grande coragem das pessoas em construir o
reconhecimento delas proacuteprias e de seus direitos sempre buscando a participaccedilatildeo e
defendendo os Direitos Humanos Sem duacutevida a maior ecircnfase que deve ocorrer
para a construccedilatildeo real da cidadania eacute uma mudanccedila na sociedade O melhor a ser
feito eacute reforccedilar a organizaccedilatildeo democraacutetica buscando novas formas de participaccedilatildeo
social pois cidadania natildeo se resume ao poder de votar ou ser votado mas eacute sempre
na efetiva participaccedilatildeo popular pois somente com isso haacute a verdadeira
conscientizaccedilatildeo e o comprometimento daquele que passa a se sentir cidadatildeo
abandonando-se velhos viacutecios da poliacutetica representativa
Desse modo a participaccedilatildeo do povo no momento das reivindicaccedilotildees das
discussotildees e apreciaccedilotildees de projetos que visem agrave melhoria da comunidade local a
exigecircncia de transparecircncia na administraccedilatildeo da coisa puacuteblica dentre outras eacute quem
daraacute embasamento para as verdadeiras conquistas sociais no Municiacutepio que geram
saudaacuteveis formas de pressatildeo por efetivas poliacuteticas puacuteblicas de inclusatildeo social
gerando o fim do clientelismo poliacutetico tatildeo pejorativo e comum em nossa realidade e
cultura poliacutetica
Somente a participaccedilatildeo social eacute que iraacute causar uma real democratizaccedilatildeo do
poder A afirmaccedilatildeo da cidadania eacute pressuposto para a realizaccedilatildeo dos Direitos
Humanos pois os homens natildeo nascem naturalmente iguais Inclusive para que
ocorra a realizaccedilatildeo dos referidos direitos eacute necessaacuterio tambeacutem que exista um
espaccedilo puacuteblico que seja realmente democraacutetico e acessiacutevel possibilitando a
participaccedilatildeo de todos e esse espaccedilo eacute certamente o municiacutepio
Na praacutetica um forte instrumento de cidadania para atender as necessidades
coletivas eacute o orccedilamento participativo previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal que
determina expressamente a realizaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas e a participaccedilatildeo
popular nos processos de elaboraccedilatildeo e conduccedilatildeo dos orccedilamentos como forma de
incentivo agrave preparaccedilatildeo e execuccedilatildeo de planejamentos que envolvam diretamente o
povo A Lei veio incentivar a sua propagaccedilatildeo para todos os entes federativos tendo
em conta que se trata de uma tendecircncia mundial por legitimar as escolhas e
fortalecer o princiacutepio da transparecircncia
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Os meios de acesso do cidadatildeo junto aos Poderes Puacuteblicos eacute uma realidade
no Estado Democraacutetico de Direito brasileiro a exemplo das sessotildees do Poder
Legislativo que satildeo puacuteblicas ficando abertas a todos que delas quiserem participar
Emite-se uma pauta antes do comeccedilo da sessatildeo com a preacutevia dos debates Em
niacutevel municipal verifica-se um acompanhamento mais incisivo sobre as sessotildees das
Cacircmaras de Vereadores como forma de pressatildeo para aprovaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees
da comunidade avaliaccedilatildeo do desempenho e aceitaccedilatildeo de propostas orccedilamentaacuterias
e atuaccedilatildeo dos poliacuteticos bem como entendimento das funccedilotildees do Poder Legislativo
A Constituiccedilatildeo Federal assegura desde 1988 a possibilidade de se oferecer
peticcedilatildeo agraves Mesas Legislativas como forma de pedir informaccedilotildees sobre andamento
de projetos ou relatoacuterios encaminhados aos chefes do Poder Executivo Em niacutevel
municipal pode ser utilizada a Tribuna Livre como instrumento para denuacutencias de
problemas ou discussatildeo de um tema ou mesmo para apresentar sugestotildees sendo
regulado pela Lei Orgacircnica Municipal e pelo Regimento Interno da Cacircmara
A convocaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas tambeacutem possui previsatildeo constitucional
no art 58 sect 20 inciso II em niacutevel federal As comissotildees podem em razatildeo da
mateacuteria de sua competecircncia realizar audiecircncias puacuteblicas com entidades da
sociedade civil E nada obsta que estejam previstas formas de articulaccedilatildeo da
sociedade civil com os Presidentes das Comissotildees da Cacircmara no seu Regimento
Interno em acircmbito municipal
Os dispositivos da Constituiccedilatildeo Federal que dispotildeem sobre a forma de
participaccedilatildeo direta do cidadatildeo e da sociedade civil no processo democraacutetico natildeo se
pode negar que trouxe novas perspectivas De modo geral podemos citar
Art 29 A lei orgacircnica dos Municiacutepios tem que observar entre os seus
preceitos ldquocooperaccedilatildeo das associaccedilotildees representativas no planejamento municipalrdquo
Art 31 As contas dos municiacutepios ficaratildeo durante 60 (sessenta) dias
anualmente a disposiccedilatildeo de qualquer contribuinte para exame e apreciaccedilatildeo o qual
poderaacute questionar-lhes a legitimidade nos termos da lei
Art37 sect 3ordm (EC-1998) A lei disciplinaraacute as formas de participaccedilatildeo do usuaacuterio
na administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta regulando especialmente
I- as reclamaccedilotildees relativas a prestaccedilatildeo dos serviccedilos puacuteblicos em geral asseguradas
a manutenccedilatildeo de serviccedilo de atendimento ao usuaacuterio e a avaliaccedilatildeo perioacutedica externa
e interna da qualidade dos serviccedilos
50
II- o acesso dos usuaacuterios a registros administrativos e a informaccedilatildeo sobre atos de
governo observado o disposto no art 5ordm X e XXXIII
III- a disciplina da representaccedilatildeo conta o exerciacutecio negligente ou abusivo de cargo
emprego ou funccedilatildeo na administraccedilatildeo puacuteblica
Art 74 sect 2ordm Qualquer cidadatildeo partido poliacutetico associaccedilatildeo ou sindicato eacute
parte legiacutetima para na forma de lei denunciar irregularidades ou ilegalidades perante
o Tribunal de Contas da Uniatildeo
Art194 paraacutegrafo uacutenico Compete ao Poder Puacuteblico nos termos da lei
organizar a seguridade social com base nos seguintes objetivos ()
VII ndash caraacuteter democraacutetivo descentralizado na administraccedilatildeo mediante gestatildeo
quadripartite com participaccedilatildeo dos trabalhadores dos empregados e dos
aposentados e do Governo nos oacutergatildeos colegiados nos oacutergatildeos colegiados
Art 198 As accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede integram uma rede
regionalizada e hierarquizada o constituem um sistema uacutenico organizado de acordo
com as seguintes diretrizes
III ndash participaccedilatildeo da comunidade
Art 202 sect 6ordm A lei complementa a que se refere o sect 4ordm deste artigo
estabeleceraacute os requisitos para a designaccedilatildeo dos membros das diretorias das
entidades fechadas de previdecircncia privada e disciplinaraacute a inserccedilatildeo dos
participantes nos colegiados e instacircncias de decisatildeo em que seus interesses sejam
objeto de discussatildeo e deliberaccedilatildeo
Art 204 As accedilotildees governamentais na aacuterea de assistecircncia social seratildeo
organizadas com base nas seguintes diretrizes
II ndash Participaccedilatildeo da populaccedilatildeo por meio de organizaccedilotildees representativas na
formulaccedilatildeo das poliacuteticas e no controle das accedilotildees em todos os niacuteveis
O protagonista na concretizaccedilatildeo dos direitos humanos e na ampliaccedilatildeo da cidadania eacute um sujeito coletivo de um trabalho sempre inacabado eis que se tratam de tarefas e conquistas cotidianas e gradativas obras que soacute podem ser realizada a muitas matildeos no partilhar e compartilhar da vida (COSTA NETO 2010)
A ampliaccedilatildeo da cidadania requer a consciecircncia de que os direitos pressupotildeem
deveres de maneira que os direitos de um indiviacuteduo satildeo garantidos a partir do
cumprimento dos deveres dos demais componentes da sociedade
51
34 A necessaacuteria superaccedilatildeo de velhos paradigmas
Como se sabe em 1988 foi aprovada a Constituiccedilatildeo mais liberal e
democraacutetica do Brasil chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo Assim ampliou-se de
forma significativa o campo dos direitos e garantias fundamentais No que diz
respeito a tal mateacuteria eacute considerada como uma das mais avanccediladas do mundo No
seu preacircmbulo adota o modelo de um Estado democraacutetico de Direito destinado a
garantir o exerciacutecio dos direitos sociais e individuais a liberdade a seguranccedila o
bem-estar o desenvolvimento a igualdade e a justiccedila eleitos como valores
supremos de uma sociedade fraterna pluralista e sem preconceitos
Para a construccedilatildeo democraacutetica da cidadania no Brasil contemporacircneo
salienta-se de ela deve passar de uma democracia representativa para uma
cidadania que efetivamente molde a democracia ou seja uma cidadania instituinte
da democracia
No acircmbito constitucional positivo cidadania pressupotildee o exerciacutecio de todos
os direitos fundamentais e garantias que caracterizam o Estado democraacutetico de
Direito Quando se fala em cidadania eacute no sentido de reafirmar o direito pela plena
realizaccedilatildeo do indiviacuteduo do cidadatildeo dos entes coletivos e de sua emancipaccedilatildeo nos
espaccedilos da sociedade Estatildeo sempre intimamente ligados os conceitos de
cidadania democracia e direitos humanos sendo que um remete ao outro e seus
conteuacutedos se interligam ou seja a cidadania natildeo iraacute ocorrer sem que ocorra a
realizaccedilatildeo dos Direitos Humanos da mesma forma que os direitos humanos natildeo
seratildeo concretizados se natildeo houver o exerciacutecio da cidadania
Na evoluccedilatildeo histoacuterica tais categorias se desenvolveram de forma conjunta
com o Estado Representam noccedilotildees desejaacuteveis de relaccedilotildees humanas que se espera
sejam instituiacutedas Satildeo os elementos basilares na nova ordem social e que a
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 pretendeu edificar Poreacutem a democracia poliacutetica natildeo
resolveu os problemas econocircmicos mais seacuterios como a desigualdade e o
desemprego Continuam muito seacuterios os problemas da aacuterea social principalmente
na educaccedilatildeo nos serviccedilos de sauacutede e saneamento como tambeacutem e
principalmente quanto agrave seguranccedila puacuteblica
52
A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 em seu artigo 6ordm e em outros artigos no texto
constitucional ampliou e muito os Direitos Sociais proibiu discriminaccedilotildees Assim
indicadores baacutesicos de qualidade de vida apontam que houve uma melhoria A
mortalidade infantil por exemplo caiu de maneira significativa nos uacuteltimos anos A
esperanccedila de vida ao nascer passou de 60 anos em 1980 para 70 em 2000 Poreacutem
o maior progresso foi na aacuterea da educaccedilatildeo fundamental que eacute considerado fator
decisivo para a cidadania pois a taxa de analfabetismo caiu consideravelmente
entretanto existem muitos problemas no campo educacional como a repetecircncia e
com relaccedilatildeo a desigualdade social entre as regiotildees
A grande concentraccedilatildeo da riqueza nacional nas matildeos de poucos reflete a
desigualdade e causa a pobreza e a miseacuteria ao passo que dificulta o acesso do
cidadatildeo agrave justiccedila e consequentemente ao seu estado de cidadania pleno
Dentre os fundamentos no qual se baseiam o Estado democraacutetico de Direito
no Brasil destaca-se justamente a cidadania e a dignidade humana conforme artigo
1ordm incisos II e III da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Entatildeo construir uma sociedade
livre justa e solidaacuteria garantir o desenvolvimento nacional erradicar a pobreza e a
marginalizaccedilatildeo reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de
todos sem preconceitos de origem raccedila sexo cor idade ou quaisquer outras
formas de discriminaccedilatildeo satildeo os objetivos fundamentais do Estado Brasileiro
conforme art 3ordm da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
O cenaacuterio de globalizaccedilatildeo econocircmica mundial tambeacutem traacutes seacuterios obstaacuteculos
para a construccedilatildeo da cidadania A globalizaccedilatildeo da economia em ritmo acelerado
provoca grandes mudanccedilas nas relaccedilotildees entre Estado sociedade e naccedilatildeo que
eram sempre o centro da noccedilatildeo e da praacutetica da cidadania ocidental O foco das
mudanccedilas e das preocupaccedilotildees estaacute em dois focos especiacuteficos a reduccedilatildeo do papel
central do Estado como fonte de direitos e local para a participaccedilatildeo e o
deslocamento da naccedilatildeo como principal fonte de identidade coletiva
Para que ocorra efetiva mudanccedila a melhor proposta eacute no sentido de
mudanccedila na organizaccedilatildeo da sociedade pois a inversatildeo da sequecircncia dos direitos
fez com que ocorra o reforccedilo da supremacia do Estado Para que ocorra a
consolidaccedilatildeo democraacutetica e cidadatilde eacute necessaacuterio reforccedilar a organizaccedilatildeo da
sociedade para assim dar embasamento social ao poder poliacutetico ou seja
finalmente democratizar o poder e estabelecer de forma plena a Cidadania
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CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A Constituiccedilatildeo que nasce com ldquocheiro de amanhatilde e natildeo de mofordquo nas
palavras do Deputado Ulisses Guimaratildees tem em seu relevo a esperanccedila de um
povo que sonhava com a erradicaccedilatildeo da repressatildeo militar e natildeo soacute isso um povo
que sonhava com a liberdade em suas diversas manifestaccedilotildees em suas mais
significativas formas de representaccedilatildeo e sobretudo com um paiacutes voltado para a
democracia e justiccedila social
Ao povo brasileiro foi concedido o poder de governar e nesse contexto de
mudanccedila a ldquodemocracia eacute o governo do povo pelo povo e para o povordquo na
conceituaccedilatildeo ceacutelebre de Abraham Lincoln E consoante estabelece o paraacutegrafo
uacutenico do art 1ordm da Carta cidadatilde de 1988 ldquotodo poder emana do povo que o exerce
por meio de representantes eleitos ou diretamenterdquo
No entanto natildeo basta que a fonte de poder seja o povo a democracia vem
significar a efetiva participaccedilatildeo do povo nas decisotildees e destino do Estado e sua
consolidaccedilatildeo eacute a proacutepria cidadania pois eacute o cidadatildeo que pensa e se auto define
diante da condiccedilatildeo soacutecio-histoacuterica O cidadatildeo tem portanto o poder de transformar
a realidade social segundo seu pensamento e accedilatildeo
Natildeo se pode negar que a Carta de 1988 foi a que apresentou maior
legitimidade popular que abriu caminhos apontando um novo tempo
Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita Se fosse perfeita seria irreformaacutevel Ela proacutepria com humildade e realismo admite ser emendada ateacute por maioria mais acessiacutevel dentro de cinco anos Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita mas seraacute uacutetil e pioneira e desbravadora Seraacute luz ainda que de lamparina na noite dos desgraccedilados Eacute caminhando que se abrem os caminhos Ela vai caminhar e abri-los Seraacute redentor o que penetrar nos bolsotildees sujos escuros e ignorados da miseacuteria (Ulysses Guimaratildees)
Mesmo natildeo sendo a constituiccedilatildeo perfeita sem duacutevida foi a que trouxe
esperanccedila ao povo brasileiro com a sua promulgaccedilatildeo surgiram o ldquohaacutebeas datardquo o
mandado de injunccedilatildeo e o mandado de seguranccedila coletivo - todos remeacutedios judiciais
de iacutendoles constitucionais serviacuteveis para prevenir e combater diversas tentativas de
abuso contra a pessoa humana Outrossim o objeto da accedilatildeo popular foi ampliado
Atualmente qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima para propor a mencionada accedilatildeo
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popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de entidade de que o
Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e ao patrimocircnio
histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de custas
judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia Nesse rol de forma decisiva houve a
ampliaccedilatildeo tambeacutem dos direitos sociais
Assim a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconhece e assegura uma seacuterie de
escudos protetivos aos cidadatildeos Em sua essecircncia os direitos fundamentais
ganham forma De modo que podemos assegurar que hoje o nosso Estado eacute uma
organizaccedilatildeo centrada no ser humano visto que tem a dignidade da pessoa humana
como um fundamento da Repuacuteblica Federativa do Brasil
Apesar das inuacutemeras dificuldades o Estado Democraacutetico de Direito fundado
na cidadania constituiu para o povo uma nova identidade ndash o que em outras eacutepocas
natildeo existia
A Constituiccedilatildeo circunscreve toda a organizaccedilatildeo poliacutetica estatal no intuito
maior de criar no consciente coletivo a vontade livre e determinada de desenvolver
padrotildees de condutas destinados a elevar e promover a auto-estima de toda a
comunidade paacutetria
Foi nesse sentido que estatui em seu artigo 1ordm a cidadania como fundamento
do Estado Democraacutetico de Direito ampliando e enriquecendo o tal conceito Cada
eacutepoca produziu praacuteticas e reflexotildees muito distintas sobre o tema cidadania A
definiccedilatildeo de cidadania que vem sofrendo alteraccedilotildees ao longo do tempo obedecendo
a um processo histoacuterico de conquistas sociais eacute compreendida atualmente como
um processo de participaccedilatildeo do indiviacuteduo ou de um grupo organizado nas mais
variadas aacutereas de atuaccedilatildeo da sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos
e sociais
A cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia disso natildeo haacute duvidas e se
efetiva como mudanccedilas na realidade de cada um com melhoria de vida e
conscientizaccedilatildeo da importacircncia do cidadatildeo dado que eacute um processo em
permanente construccedilatildeo Natildeo haacute como defender uma qualidade de vida sem a
preservaccedilatildeo da cidadania em todos os seus acircmbitos Nesse sentido a efetiva
proteccedilatildeo desse aspecto basilar torna-se essencial no que tange uma assistecircncia
juriacutedica completa
No contraponto do direito estatildeo os deveres que encontramos sua realizaccedilatildeo
tambeacutem na participaccedilatildeo observando que o cidadatildeo eacute responsaacutevel pelo advir de
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suas accedilotildees A participaccedilatildeo reflete um caraacuteter de natildeo comodismo de atenccedilatildeo agravequilo
que eacute particular e coletivo tendo como finalidade preciacutepua o bem comum
Construir cidadania hoje eacute imperativo para a sociedade pois dessa
construccedilatildeo depende o amanhatilde Estamos diante da Constituiccedilatildeo que se propotildee a
resguardar o amanhatilde sem perder de vista que ele comeccedila hoje agora e nisso a
Carta Poliacutetica traacutes consigo a certeza do despertar dessa consciecircncia a consciecircncia
cidadatilde Ela eacute a semente plantada em terra feacutertil que gera frutos diariamente e se
renova a cada estaccedilatildeo na dinacircmica da vida Talvez tenha sido esse o cheiro de
frutas alcanccedilado pelo constituinte ao anunciar que a carta tem ldquocheiro do amanhatilderdquo
A responsabilidade pelo exerciacutecio desses direitos belissimamente elencados
depende de todos e de cada um pois somos o terreno feacutertil que produziraacute o fruto de
uma sociedade fraterna
Eacute comum na praacutetica apenas responsabilizarmos o Estado em sentido lato pelo
natildeo exerciacutecio dos direitos do cidadatildeo Vale lembrar nesse contexto das palavras de
J Kennedy o qual disse ldquonatildeo pergunte o que o Estado pode fazer por vocecirc mas o
que vocecirc pode fazer pelo Estadordquo haacute nessa frase um forte traccedilo de cidadania pois
quando o cidadatildeo reivindica critica opina o que ele daacute em contrapartida ao paiacutes eacute
solidificado visto que eacute nas relaccedilotildees familiares em comunidade que se estabelece e
se fortalece os viacutenculos de solidariedade de uma sociedade que perpetua valores
condutas que as leis reguladoras natildeo conseguem por si soacute estabelecer
A concretizaccedilatildeo do ideal de uma qualidade de vida merecida a todos os seres
humanos sem restriccedilotildees requer entretanto um esforccedilo coletivo Dessa forma haacute
necessidade de suprir as muitas carecircncias advindas das desigualdades sociais e de
condiccedilotildees do descaso do poder puacuteblico e da proacutepria conceituaccedilatildeo antiga de
cidadania que ainda eacute concebida por muitos no presente
Em suma nosso trabalho procurou traccedilar a evoluccedilatildeo da cidadania e ao
mesmo tempo buscou traccedilar uma melhor caracterizaccedilatildeo do cidadatildeo agrave luz da nossa
Constituiccedilatildeo que eacute por fim a essecircncia da Magna Carta O alcance da cidadania
enquanto mecanismo de acesso a direitos foi colocado no acircmbito da pessoa
enquanto titular de direitos e num paralelo defendemos que o municiacutepio eacute o espaccedilo
de atuaccedilatildeo e exerciacutecio de cidadania dada a proximidade do cidadatildeo com as
instituiccedilotildees oacutergatildeos entidades e tudo o mais que o cerca na esfera de vivecircncia Eacute na
praccedila que discute a poliacutetica local e nacional que se indigna com as dificuldades e as
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barreiras de acesso aos seus direitos Eacute no municiacutepio que se inicia todo um vieacutes de
desdobramento para garantir direitos
Por fim natildeo obstante resta dizer sobre o tema que os caminhos e
paradigmas que se intentou percorrer sobre cidadania como mecanismo
transformador da sociedade tem ingrediente ainda a se descortinar para o
propoacutesito valioso do bem comum Pois bem a ideia de bem comum tem como
fundamento o amor maacutexima que se estabelece por meio da democracia visto que
ldquoa demofilia o demoiacutesmo o amor do povo acima de tudo como princiacutepio ativo de
toda a sua vida poliacutetica inspirador duma sempre crescente autonomia imanente eacute
que constitui a verdadeira essecircncia da democraciardquo nas palavras de Melgareacute
(2005)
Dessa forma eacute no nuacutecleo da democracia que estaacute inscrito como pedra
angular o respeito e o amor pela pessoa humana Eacute pois um tema de larga
abrangecircncia poreacutem sem querer abreviar o caminho sua efetiva possibilidade de
realizaccedilatildeo se encontra no exerciacutecio da cidadania sem repuacutedios parciais ou exclusatildeo
de qualquer ordem na plenitude de uma cidadania para todos
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Os portugueses tinham construiacutedo um enorme paiacutes dotado de unidade territorial linguiacutestica cultural e religiosa Mas tinham deixado uma populaccedilatildeo analfabeta uma sociedade escravocrata uma economia monocultora e latifundiaacuteria um Estado Absolutista (CARVALHO 2002)
Em suma foram 322 anos sem poder puacuteblico sem Estado sem naccedilatildeo e
cidadania Diante de tatildeo obscuro cenaacuterio de dominaccedilatildeo opressatildeo dentre outras
formas de natildeo efetivaccedilatildeo da cidadania no Brasil podemos elencar dentre outros
tantos fatores quais foram os principais obstaacuteculos para a construccedilatildeo da cidadania
brasileira O latifuacutendio agro-exportador do periacuteodo colonial bem como o escravismo
o analfabetismo marcaram negativamente nossas origens e ateacute hoje dificultam
avanccedilos no acircmbito poliacutetico-social e econocircmico Aleacutem dessas outras razotildees foram e
continuam sendo entraves para a consolidaccedilatildeo das instituiccedilotildees poliacutetica que
impedem os avanccedilos necessaacuterios para uma cidadania plena Na ordem poliacutetica
permanecem ainda algumas mazelas histoacutericas como o patrimonialismo
(promiscuidade entre o puacuteblico e o privado) o coronelismo com sua nova roupagem
o clientelismo aleacutem da corrupccedilatildeo entre outros
Mesmo diante de tatildeo vergonhoso cenaacuterio natildeo podemos nos dispensar que
tambeacutem alcanccedilamos mesmo que de forma tiacutemida significativas conquistas de
direitos no Brasil comparadas com outros paiacuteses que vivenciaram um processo de
colonizaccedilatildeo semelhante ao nosso A conquista desses direitos deu-se de maneira
tardia e inversa haja vista que somente em 1824 mais de 320 anos apoacutes a chegada
dos portugueses foi que surgiram os primeiros direitos civis e poliacuteticos (antes disso
estaacutevamos submetidos agrave lei da coroa portuguesa) Aos poucos surgiram os direitos
sociais mas exatamente no momento em que os direitos civis e poliacuteticos estavam
sendo negados no periacuteodo da ditadura de Vargas (1937-45) e na ditadura militar
(1964-1985) Parece um paradoxo mas foi exatamente nesse periacuteodo de
conturbaccedilotildees poliacuteticas que marchamos em direccedilatildeo agrave conquista de significativos
direitos que iriam projetar uma ideia de lutas e vitoacuterias que se projetariam no campo
da cidadania de modo bastante concreto
Por fim haveremos de concordar com Benevides (1994) ao afirmar que no
intuito de reverter agrave realidade poliacutetico-social excludente ou de uma cidadania
passiva ou sem ldquopovordquo eacute necessaacuterio recorrer agrave defesa de mecanismos institucionais
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como o referendo o plebiscito e a iniciativa popular para a construccedilatildeo do que ela
chama de uma cidadania ativa ou democracia semidireta Alguns autores veem
dificuldades na implementaccedilatildeo desse sistema em paiacuteses que estatildeo em processo de
democratizaccedilatildeo no entanto logo em seguida apontam para a educaccedilatildeo poliacutetica ndash
entendida como educaccedilatildeo para a cidadania ativa
Desse modo pode-se proferir que todos esses anos de desenvolvimento
acabaram por afirmar que a cidadania de fato soacute pode se constituir por meio de
acirrada luta cotidiana por direitos e pela garantia daqueles que jaacute existem pois
apesar da existecircncia de profundas desigualdades sociais a ideia de cidadania
evoluiu com o passar dos anos Ampliou-se a abrangecircncia de sua concepccedilatildeo
abraccedilando todas as classes sociais e minorias Deixou de restringir-se apenas agrave
participaccedilatildeo poliacutetica para relacionar uma seacuterie de deveres da sociedade para com o
cidadatildeo Na praacutetica ainda haacute muito que se fazer para que direitos e deveres sejam
os mesmos para todos No entanto a busca pela realizaccedilatildeo da maacutexima ldquocada
homem um votordquo continua a ser perseguida
A luta pela conquista plena da cidadania eacute parte integrante da democracia
uma vez que assegura a continuidade das transformaccedilotildees juriacutedicas poliacuteticas entre
outras Natildeo resta duacutevida acerca do papel estruturante que essa luta desempenha no
quadro das democracias contemporacircneas fato que a converte em uma irresistiacutevel
conquista da modernidade O caraacuteter estruturante que a cidadania projeta nos
quadros da democracia atual estaacute ligado a permanente busca de um Estado
compatiacutevel com a realidade de cada tempo histoacuterico
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CAPIacuteTULO 2 - CIDADANIA Agrave LUZ DA CONSTITUICcedilAtildeO FEDERAL DE
1988
A Constituiccedilatildeo eacute a ordem juriacutedica fundamental da comunidade nas palavras
de Konrad Hesse (apud PALU 2001) eacute um documento juriacutedico e poliacutetico dirigido aos
cidadatildeos e estes satildeo os seus primeiros destinataacuterios A Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica eacute
a Lei fundamental composta por um conjunto de normas baacutesicas que compotildeem a
estrutura juriacutedica poliacutetica social e econocircmica de um paiacutes Essa eacute razatildeo pela qual
ela eacute chamada de Carta Magna pois a ela nada se sobrepotildee Para Dallari (1985) a
Constituiccedilatildeo
[] eacute a declaraccedilatildeo da vontade poliacutetica de um povo feita de modo solene por meio de uma lei que eacute superior a todas as outras que visando agrave proteccedilatildeo da dignidade humana estabelece os direitos e as responsabilidades fundamentais dos indiviacuteduos dos grupos sociais do povo e do governo
Desta forma uma Constituiccedilatildeo natildeo surge do nada ela eacute resultado de
observaccedilotildees e experiecircncias e sua finalidade eacute de afirmar e garantir os direitos
elementares das pessoas humanas disciplinar o uso ao mesmo tempo em que
evita o abuso de poder organizando de forma racional a sociedade e o governo
Satildeo inegaacuteveis as inovaccedilotildees teacutecnicas trazidas pela Constituiccedilatildeo Brasileira de
1988 no campo da instituiccedilatildeo garantia e proteccedilatildeo dos direitos fundamentais A
dignidade da pessoa humana e o exerciacutecio da cidadania satildeo considerados princiacutepios
fundamentais da Carta Magna Brasileira de 1988
Cidadania direito a ter direitos na acepccedilatildeo de Haberle ( apud VALADEacuteS
2009) refere-se a todos os direitos previstos na Constituiccedilatildeo de 1988 e ainda
aqueles natildeo expressos mas decorrentes do regime e dos princiacutepios por ela
adotados na dicccedilatildeo do sect 2deg art 5deg
O princiacutepio fundamental da cidadania conforme jaacute exposto impregna todo o
texto constitucional vigente a partir do art 1deg II em que figura de forma
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exponencial relativamente ao Estado brasileiro e tudo que lhe corresponda no
exerciacutecio de um poder que adquire significaccedilatildeo renovada e amplificada na
sociedade contemporacircnea Segundo Arendt
A cidadania eacute o direito a ter direitos pois a igualdade em dignidade e direitos dos seres humanos natildeo eacute um dado Eacute um construiacutedo da convivecircncia coletiva que requer o acesso ao espaccedilo puacuteblico Eacute este acesso ao espaccedilo puacuteblico que permite a construccedilatildeo de um mundo comum atraveacutes do processo de asserccedilatildeo dos direitos humanos
Nesse diapasatildeo o direito a ter direitos compreende o pleno acesso ao
espaccedilo puacuteblico o efetivo exerciacutecio do poder poliacutetico das prerrogativas inerentes agrave
cidadania conforme explicita a Constituiccedilatildeo no art 5deg LXXI a propoacutesito do
mandado de injunccedilatildeo no dizer todo direito atribuiacutedo com o caraacuteter de exclusividade
agrave pessoa
21 Estado Democraacutetico de Direito espaccedilo de cidadania
Apoacutes a eacutepoca de grandes restriccedilotildees militares o ato de promulgaccedilatildeo da
Constituiccedilatildeo Federal em 05 de outubro de 1988 vem marcar uma nova fase de
esperanccedila para os brasileiros Ao batizaacute-la de Constituiccedilatildeo cidadatilde a Assembleia
Nacional Constituinte atraveacutes de seu presidente o Deputado Ulisses Guimaratildees
resumiu o espiacuterito do texto constitucional assegurar aos brasileiros direitos sociais
essenciais ao exerciacutecio da cidadania e estabelecer mecanismos para garantir o
cumprimento de tais direitos
O que se viu a partir de entatildeo foi uma lenta poreacutem significativa mudanccedila na
sociedade brasileira A Constituiccedilatildeo Federal que eacute sem duacutevidas um marco na
histoacuteria do paiacutes traccedila a prioridade dada pelos constituintes aos direitos dos
brasileiros que pode ser observada em todas as questotildees
A Carta faz uma ampliaccedilatildeo dos direitos individuais sociais e poliacuteticos e como
se observa a inserccedilatildeo dos direitos sociais como segundo tiacutetulo revela a primazia
que o constituinte quis daacute a estes direitos em detrimento de todos os outros
incluindo os referentes agrave organizaccedilatildeo do Estado e dos Poderes que vecircm depois
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Ao contraacuterio do que ocorreu com as Constituiccedilotildees anteriores esse
ordenamento dos capiacutetulos parece revelar que a Carta eacute o prenuacutencio de um paiacutes em
que os direitos dos cidadatildeos formam a base do ordenamento do Estado Essa ideia
foi expressa pelo presidente da Assembleacuteia Constituinte deputado Ulysses
Guimaratildees que voltamos a citar quando anunciou
Diferentemente das sete constituiccedilotildees anteriores esta comeccedila com o homem De modo gratificante testemunha a primazia do homem que foi escrita para o homem que o homem eacute seu fim e sua esperanccedila Eacute a Constituiccedilatildeo cidadatilde
A Constituiccedilatildeo nasceu da constataccedilatildeo de que o figurino juriacutedico formulado
para o Brasil desde os primoacuterdios do Estado nacional natildeo se compatibilizava com as
necessidades dos brasileiros Houve avanccedilos na formalizaccedilatildeo da Lei Magna
especialmente no tocante aos direitos de cidadania mas estamos longe do ideal
preconizado pela carta cidadatilde O que nos leva a crer que a cidadania eacute um processo
diaacuterio e permanente de construccedilatildeo Pois natildeo basta garantir o direito eacute preciso
exercecirc-lo
A cidadania abraccedilada pela atual Constituiccedilatildeo Federal Brasileira teve seu
conteuacutedo ampliado e natildeo se restringe ao simples fato de possuir um tiacutetulo de eleitor
para votar e ser votado ela estabelece cidadania como princiacutepio fundamental da
Repuacuteblica do Brasil desta forma o conceito decorrente pode ser entendido
conforme preleciona Silva (2005) ldquocidadania estaacute aqui num sentido mais amplo do
que o de titular de direitos poliacuteticos Qualifica os participantes da vida do Estado
reconhecimento do indiviacuteduo como pessoa integrada a sociedade estatalrdquo
Tal conceito nos leva a relacionar cidadania com democracia uma vez que
optou-se pelo Estado Democraacutetico de Direito o qual assenta seus alicerces na
participaccedilatildeo popular em questotildees que envolvem a coisa puacuteblica Para Moraes
(2005) esse Estado de Direito ldquosignifica a exigecircncia de reger-se por normas
democraacuteticas com eleiccedilotildees livres perioacutedicas e pelo povo bem como o respeito das
autoridades puacuteblicas aos direitos e garantias fundamentaisrdquo
O propoacutesito da opccedilatildeo pelo Estado Democraacutetico de Direito eacute que a cidadania e
os demais direitos fundamentais fluam com plenitude talvez seja o que justifique a
denominaccedilatildeo da Carta Magna de cidadatilde pois o povo passa a atuar de forma mais
ativa na vida poliacutetica do Estado uma vez que a ele foi concedido esse poder
26
A cidadania portanto soacute adquire pleno significado no mundo contemporacircneo
num Estado Democraacutetico de Direito para tanto exige um ambiente de vida e de
conviacutevio entre os homens tiacutepico e proacuteprio de um Estado Democraacutetico pois a
cidadania constitui fundamento primordial daquele Estado qual seja possibilitar aos
indiviacuteduos habitantes de um paiacutes o seu pleno desenvolvimento atraveacutes do alcance
de igual dignidade social e econocircmica
Segundo Rozicki (2005) O ambiente de vida social do Estado Democraacutetico
cujos pilares se encontram na efetividade dos direitos fundamentais da pessoa
humana em uma sociedade solidaacuteria soacute eacute possiacutevel atraveacutes da observaccedilatildeo de alguns
postulados que lhe satildeo essenciais os quais a autora denomina de pressupostos do
Estado democraacutetico de Direito
1)a valorizaccedilatildeo e atualidade da dignidade do homem e o reconhecimento da importacircncia de dispensar a todos tratamento fraternal igualitaacuterio e natildeo discriminativo 2) a confianccedila nos talentos e possibilidades latentes dos homens 3) a seguranccedila e o creacutedito nos valores institucionalizados pelas massas como fundamentos para o progresso do bem comum e o alcance da justiccedila 4) a aceitaccedilatildeo da legitimidade das decisotildees tomadas por meio de processos racionais e participativos de deliberaccedilatildeo com o consenso da maioria que constitui o reflexo o resultado de debates livres entre todos 5) o respeito aos grupos minoritaacuterios 6) e a compreensatildeo de que todo o interesse geral eacute a siacutentese dos diversos interesses e ideacuteias dos indiviacuteduos e dos grupos diferentes centros de poder que integram a sociedade pluralista
Percebe-se que o conceito amplo de cidadania encontra seus princiacutepios
baacutesicos e estruturantes nesses pressupostos intimamente ligado aos conceitos de
democracia e de igualdade No tocante ao conceito de igualdade elucidativa eacute a
liccedilatildeo de Rozicki (2005) quando afirma que
O princiacutepio de igualdade disciplina todas as atividades puacuteblicas e tem aplicaccedilatildeo direta nas relaccedilotildees privadas que ocorrem entre os particulares impondo para tornaacute-lo real a proibiccedilatildeo de discriminaccedilotildees e a eliminaccedilatildeo das desigualdades faacuteticas nos planos social e econocircmico proporcionando a todos os cidadatildeos igual condiccedilatildeo de vida e mesma posiccedilatildeo perante o Estado Democraacutetico
E complementa que tambeacutem para a realizaccedilatildeo da cidadania o princiacutepio
democraacutetico torna indispensaacutevel agrave participaccedilatildeo popular nas tomadas de decisatildeo No
seu entender
27
A cidadania no Estado democraacutetico de direito efetivada oferece aos cidadatildeos como iguais condiccedilotildees de existecircncia o gozo atual de direitos e a obrigaccedilatildeo do cumprimento de deveres que resumidamente podem ser assim apresentados exerciacutecio de direitos fundamentais e participaccedilatildeo e os deveres de colaboraccedilatildeo e solidariedade (Rozicki 2005)
Natildeo obstante eacute vaacutelido ressaltar um princiacutepio igualmente importante e deveras
esquecido a fraternidade Este princiacutepio que eacute um dos trecircs pilares da Revoluccedilatildeo
Francesa eacute pouco discutido apesar de assumir um papel decisivo na consolidaccedilatildeo
da democracia da politica e do poder
A fraternidade eacute necessaacuteria para o estabelecimento de uma comunidade
politicamente solidaacuteria com indiviacuteduos iguais e livres
Para finalmente concebermos um Estado Democraacutetico de Direito que trate os
iguais na medida de suas desigualdades
22 Os direitos fundamentais como pressupostos de identidade da cidadania
Os direitos fundamentais vistos como um dos traccedilos mais marcante do
constitucionalismo moderno consistem no resultado da luta dos homens por um
direito ideal justo e humano representam situaccedilotildees reconhecidas juridicamente
sem as quais o homem eacute incapaz de alcanccedilar sua proacutepria realizaccedilatildeo e
desenvolvimento plenamente daiacute dizer-se que o princiacutepio preponderante que
condensa os direitos fundamentais eacute o da dignidade da pessoa humana
Os direitos fundamentais satildeo o conjunto de normas de um ordenamento juriacutedico que formam um subsistema deste fundado na liberdade na igualdade na seguridade na solidariedade expressotildees da dignidade do homem que formam parte da norma baacutesica material de identificaccedilatildeo do ordenamento juriacutedico e constitui um setor de moralidade procedimental positivada que legitima o Estado Social de Direito (MARTINEZ apud AGRA 2002)
Tais direitos foram e vatildeo sendo aperfeiccediloados e estendidos ao longo do
tempo resta dizer que os mesmos estabelecem faculdades da pessoa humana que
permitem sua breve classificaccedilatildeo do seguinte modo 1) os direitos civis e poliacuteticos
de liberdade como por exemplo a liberdade de expressatildeo de propriedade de
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manifestaccedilatildeo do pensamento de associaccedilatildeo de imprensa de reuniatildeo de igualdade
formal perante a lei de participaccedilatildeo poliacutetica o devido processo legal o habeas
corpus o direito de peticcedilatildeo etc 2) os direitos sociais econocircmicos e culturais de
participaccedilatildeo poliacutetica tais como a igualdade de sufraacutegio o direito de voto e de
elegibilidade o direito de peticcedilatildeo e os direitos de participaccedilatildeo poliacutetica 3) os direitos
da titularidade coletiva que satildeo aqueles ligados a solidariedade e a fraternidade
como por exemplo o direito agrave preservaccedilatildeo do meio ambiente e agrave qualidade de vida
etc 4) os direitos chamados de quarta geraccedilatildeo por exemplo direito a democracia a
informaccedilatildeo ao comeacutercio eletrocircnico entre os estados etc
Natildeo existe qualquer relaccedilatildeo hieraacuterquica entre estes direitos mesmo porque
todos interagem entre si de nada servindo um sem a existecircncia dos outros Esta
divisatildeo acontece devido agrave eterna e constante busca do homem por mais proteccedilatildeo
mais garantia com o objetivo de alcanccedilar uma sociedade mais justa igualitaacuteria e
fraterna
Na evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais Agra (2002) chama a atenccedilatildeo do
relevo que adquirem a democratizaccedilatildeo da informaccedilatildeo e os mecanismos de
democracia participativa E justifica que a democratizaccedilatildeo da informaccedilatildeo natildeo se
caracteriza apenas pela existecircncia de uma miacutedia plural sem nenhum tipo de
monopoacutelio mas deve ser concebida como a obrigaccedilatildeo que todos os cidadatildeos tecircm
de tomar consciecircncia dos graves problemas que afligem a humanidade e que os
mecanismos da democracia participativa concebem a cidadania em extensatildeo muito
superior ao voto abrangendo a interferecircncia direta do cidadatildeo nas decisotildees
governamentais mediante vaacuterios mecanismos juriacutedicos como o plebiscito o recall o
orccedilamento participativo etc
De acordo com Silva (2005) os Direitos Fundamentais na Constituiccedilatildeo de
1988 abrangem os ldquodireitos individuais sociais poliacuteticos e tambeacutem os direitos
econocircmicos Para o autor a ampliaccedilatildeo e transformaccedilatildeo dos direitos fundamentais
do homem na histoacuteria dificultam uma definiccedilatildeo sinteacutetica do conceitordquo
Essa dificuldade aumenta diante do emprego de vaacuterias expressotildees para
designaacute-los tais como direitos naturais direitos humanos direitos do homem
direitos individuais direitos puacuteblicos subjetivos liberdades fundamentais liberdades
puacuteblicas e direitos fundamentais do homem No entanto direitos fundamentais do
homem constitui a expressatildeo mais adequada porque na palavra fundamentais
acha-se a indicaccedilatildeo de que se trata de situaccedilotildees sem as quais o indiviacuteduo natildeo tem
29
uma vida digna natildeo convive e agraves vezes nem mesmo sobrevive A expressatildeo
direitos fundamentais eacute a mais precisa no sentido de que a todos por igual devem
ser natildeo apenas formalmente reconhecidos mas concreta e materialmente
efetivados
Por sua vez a atual Corte em julgamento do habeas corpus (HC ndeg
82424RS) marca seu posicionamento no tocante ao sistema de direitos
fundamentais insculpido na Constituiccedilatildeo de 1988 atraveacutes dos profundos e bem
fundamentados votos dos Ministros que aleacutem de delimitarem a extensatildeo e os limites
da liberdade de expressatildeo (art 5o IV e IX) acabaram indicando as bases filosoacuteficas
e juriacutedicas para a interpretaccedilatildeo do cataacutelogo de direitos fundamentais da Constituiccedilatildeo
de 1988
Nesse sentido o voto do Ministro Marco Aureacutelio tratou de definir o sistema de
direitos fundamentais como a ldquoproacutepria essecircncia da Constituiccedilatildeordquo qualificando-os
como ldquovalores objetivos que servem como norte da atuaccedilatildeo estatalrdquo Assim estaacute
consignado nos fundamentos do referido voto
A Constituiccedilatildeo de 1988 representou um divisor de aacuteguas entre o antigo regime totalitaacuterio e um periacuteodo de redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes marcando dessa forma uma eacutepoca que tem como modelo de atuaccedilatildeo do Estado o respeito incondicional aos direitos fundamentais Por isso mesmo o sistema constitucional dos direitos fundamentais previsto no artigo 5o da Carta com os eventuais acreacutescimos do sect 2o reflete em rigor e em larga medida a proacutepria essecircncia da Constituiccedilatildeo e a retomada do processo de democratizaccedilatildeo e da garantia do cidadatildeo contra abusos e arbitrariedades no exerciacutecio do Poder Puacuteblico Os direitos fundamentais satildeo hoje verdadeiros princiacutepios estruturantes da organizaccedilatildeo e do funcionamento do Estado valores objetivos que servem como norte da atuaccedilatildeo estatal em seus mais diferentes niacuteveis no Legislativo formam um cataacutelogo de princiacutepios e garantias que informam e direcionam toda a atividade de criaccedilatildeo das normas de nosso ordenamento juriacutedico e de concretizaccedilatildeo dos preceitos constitucionais no Executivo mostram-se como verdadeiros limites ao exerciacutecio do poder administrativo servindo como trincheiras de proteccedilatildeo da liberdade do cidadatildeo e no judiciaacuterio refletem a base e o fundamento necessaacuterio da compreensatildeo e interpretaccedilatildeo de nossas normas ndash efeito interpretativo - evitando que a atividade jurisdicional se transforme em medidas discricionaacuterias ou providecircncias ilegiacutetimas de opccedilotildees poliacuteticas pautadas em escolhas pessoais dos juiacutezes
Tudo indica que se trata do iniacutecio de uma soacutelida construccedilatildeo jurisprudencial a
respeito do sentido axioloacutegico do sistema de direitos fundamentais da Constituiccedilatildeo
de 1988
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Os Direitos Individuais satildeo de exerciacutecio exclusivo do indiviacuteduo e devem ser
formalmente reconhecidos e concretizados no cotidiano do cidadatildeo O indiviacuteduo aqui
eacute considerado um sujeito de direitos e natildeo apenas como integrante de um corpo
social Esses direitos natildeo podem sofrer nenhum tipo de restriccedilatildeo natildeo se
discriminando quem os pode exercer uma vez que satildeo titulares todas as pessoas
capazes incapazes brasileiras estrangeiras alfabetizadas e iletradas
A Constituiccedilatildeo Cidadatilde foi a primeira a estabelecer direitos natildeo soacute de
indiviacuteduos mas tambeacutem de grupos sociais os denominados direitos coletivos Com
isso as pessoas passaram a ser coletivamente consideradas Os direitos individuais
e coletivos estatildeo anunciados no art 5ordm em setenta e sete incisos e em dois
paraacutegrafos
Verifica-se que os Direitos Individuais tecircm como ponto marcante a liberdade
seja ela tomada de maneira global ou especiacutefica como liberdade de associaccedilatildeo de
reuniatildeo A liberdade de reuniatildeo (art 5ordm XVI) constitui-se na primeira e mais simples
liberdade corporativa estando logo apoacutes a liberdade de locomoccedilatildeo
Os Direitos Sociais tecircm como titular uma coletividade e satildeo caracterizados
pela prestaccedilatildeo de serviccedilos ou oferecimento de melhorias para a sociedade como um
todo por parte do Poder Puacuteblico Assim os Direitos Sociais tornam possiacutevel a fruiccedilatildeo
e o exerciacutecio dos Direitos Individuais pela coletividade mesmo pelos carentes
materialmente
O art 6deg define os Direitos Sociais da seguinte maneira ldquoSatildeo Direitos Sociais
a educaccedilatildeo a sauacutede o trabalho a moradia o lazer a seguranccedila a previdecircncia
social a proteccedilatildeo agrave maternidade e agrave infacircncia a assistecircncia aos desamparados na
forma desta Constituiccedilatildeordquo
Portanto eacute obrigatoacuteria ao Estado a proteccedilatildeo dos interesses da coletividade
com o atendimento dos direitos acima citados
Satildeo direitos poliacuteticos os que conferem o acesso da populaccedilatildeo agrave participaccedilatildeo
no Poder do Estado tais como os direitos de votar e ser votado do referendo
plebiscito e iniciativa popular das leis O direito democraacutetico de participaccedilatildeo dos
cidadatildeos no governo por meio de seus representantes exigiu a formaccedilatildeo de um
conjunto de normas legais permanentes que recebeu a denominaccedilatildeo de direitos
poliacuteticos Os Direitos Poliacuteticos amparam os Direitos Individuais Sociais e
Econocircmicos pois quando desaparece a democracia desaparecem imediatamente
as liberdades fundamentais
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Com o advento da Constituiccedilatildeo de 1988 foram criadas instituiccedilotildees para
fiscalizar e controlar a atuaccedilatildeo da administraccedilatildeo puacuteblica entre as quais o Ministeacuterio
Puacuteblico que funciona como um canal de expressatildeo dos direitos da populaccedilatildeo
O Ministeacuterio Puacuteblico foi a instituiccedilatildeo que mais ganhou importacircncia no cenaacuterio
puacuteblico por ter passado a defender os interesses coletivos ou seja os interesses de
um grupo categoria ou classe e natildeo de um indiviacuteduo isolado No artigo 127 o
Ministeacuterio Puacutebico (MP) eacute definido como ldquouma instituiccedilatildeo permanente essencial agrave
funccedilatildeo jurisdicional do Estado incumbindo-lhe a defesa da ordem juriacutedica do regime
democraacutetico e dos interesses sociais e individuais indispensaacuteveisrdquo
Cabe ao Ministeacuterio Puacuteblico exigir dos poderes puacuteblicos e dos serviccedilos de
relevacircncia puacuteblica respeito aos direitos elencados na Constituiccedilatildeo promovendo as
medidas necessaacuterias agrave garantia desses direitos Portanto eacute responsaacutevel pela
garantia da ordem juriacutedica do regime democraacutetico da moralidade puacuteblica e dos
direitos sociais e individuais
23 A consagraccedilatildeo dos direitos do cidadatildeo
A Constituiccedilatildeo de 1988 eacute o coroamento da histoacuteria constitucional do Brasil por
ter sido um marco da redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes opondo-se a qualquer forma de
autoritarismo Nela a cidadania foi consagrada como um dos fundamentos da
Repuacuteblica Federativa do Brasil (art 1ordm inc II) Observe-se que o termo cidadania
encontra-se na Constituiccedilatildeo em sentido mais amplo do que o de titular de direitos
poliacuteticos pois qualifica os participantes da vida do Estado e reconhece o indiviacuteduo
como pessoa integrada na sociedade estatal
Essa nova concepccedilatildeo de cidadania introduzida pela Constituiccedilatildeo Federal de
1988 eacute fruto da internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos e como marco principal da
institucionalizaccedilatildeo erigiu em seu artigo primeiro a dignidade da pessoa humana (inc
III) e a cidadania (incII) a princiacutepio fundamental
Institui com o princiacutepio da cidadania uma nova compreensatildeo acerca dos
direitos de deveres da pessoa elevado-o a status maacuteximo a regra-matriz que natildeo
pode ser desrespeitada pois os fundamentos constituem a essecircncia da Repuacuteblica
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Federativa e servem como regra-matriz para a elaboraccedilatildeo interpretaccedilatildeo e
integraccedilatildeo do sistema juriacutedico nacional
Violar um princiacutepio eacute muito grave que transgredir uma norma qualquer A desatenccedilatildeo ao principio implica ofensa natildeo apenas a um especifico mandamento obrigatoacuterio mas a todo o sistema de comandos Eacute a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade representa insurgecircncia contra todo o sistema subversatildeo de valores fundamentais (MELLO apud CHIMENTI 2005 P 33)
Para Silva (2004) cidadania eacute discriminada como princiacutepio relativo ao regime
poliacutetico Dessa forma compreendida cidadania como princiacutepio fundamental eacute o
direito de participar dos destinos do Estado e mais usufruir dos direitos civis
fundamentais previstos na Constituiccedilatildeo
Muitos doutrinadores utilizam cidadania no mesmo sentido de nacionalidade
(Art 12 da Constituiccedilatildeo Federal) e de direitos poliacuteticos (Art 14) Em alguns outros
dispositivos a palavra cidadania (ou cidadatildeo) poderia ainda ter a significaccedilatildeo de
direitos poliacuteticos mas mesmo assim de forma impliacutecita a exemplo dos arts 22 XIII
e 5ordm LXXIII No primeiro se lecirc que compete agrave Uniatildeo legislar sobre nacionalidade
cidadania e naturalizaccedilatildeo e no segundo que qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima
para propor accedilatildeo popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de
entidade de que o Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e
ao patrimocircnio histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de
custas judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia No entanto conforme Mazzuoli (2002)
Observe-se que a Carta de 1988 ao tratar no seu art 14 dos direitos poliacuteticos natildeo se refere sequer em um momento agrave expressatildeo cidadania dizendo apenas que a soberania popular seraacute exercida pelo sufraacutegio universal e pelo voto direito e secreto com valor igual para todos (hellip) Pelo contraacuterio a Constituiccedilatildeo faz uma separaccedilatildeo entre cidadania e direitos poliacuteticos quando no seu art 68 sect 1ordm II ao tratar das leis delegadas exclui do acircmbito da delegaccedilatildeo legislativa a nacionalidade cidadania direitos individuais poliacuteticos e eleitorais
A Constituiccedilatildeo brasileira de 1988 com a transiccedilatildeo para o regime democraacutetico
consagrou expressamente esta nova concepccedilatildeo de cidadania como se depreende
da leitura de vaacuterios dos seus dispositivos
Foi nesse sentido que pioneiramente estatuiu a Carta de 1988 em seu art
1ordm que a Repuacuteblica Federativa do Brasil formada pela uniatildeo indissoluacutevel dos
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Estados e Municiacutepios e do Distrito Federal constitui-se em Estado Democraacutetico de
Direito e tem como fundamentos dentre outros a cidadania (inc II) Como jaacute
mencionado
Na mesma esteira o disposto no art 5ordm incisos LXXI (conceder-se-aacute
mandado de injunccedilatildeo sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviaacutevel o
exerciacutecio dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes agrave
nacionalidade agrave soberania e agrave cidadania) e LXXVII (satildeo gratuitas as accedilotildees de
habeas-corpus e habeas-data e na forma da lei os atos necessaacuterios ao exerciacutecio
da cidadania) No seu Tiacutetulo VIII Capiacutetulo II Seccedilatildeo I a Carta Magna de 1988
dispotildee ainda que a
Educaccedilatildeo direito de todos e dever do Estado e da famiacutelia seraacute promovida e incentivada com a colaboraccedilatildeo da sociedade visando ao pleno desenvolvimento da pessoa seu preparo para o exerciacutecio da cidadania e sua qualificaccedilatildeo para o trabalho (art 205)
Outro dispositivo em que fica bastante marcada esta nova concepccedilatildeo de
cidadania eacute o art 64 do Ato das Disposiccedilotildees Constitucionais Transitoacuterias que
dispotildee
A Imprensa Nacional e demais graacuteficas da Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios da administraccedilatildeo direta ou indireta inclusive fundaccedilotildees instituiacutedas e mantidas pelo Poder Puacuteblico promoveratildeo ediccedilatildeo popular do texto integral da Constituiccedilatildeo que seraacute posta agrave disposiccedilatildeo das escolas e dos cartoacuterios dos sindicatos dos quarteacuteis das igrejas e de outras instituiccedilotildees representativas da comunidade gratuitamente de modo que cada cidadatildeo brasileiro possa receber do Estado um exemplar da Constituiccedilatildeo do Brasil
Enfim a Constituiccedilatildeo de 1988 enriqueceu e ampliou os conceitos de cidadatildeo
e cidadania Seu entendimento agora como leciona Silva (2005)
Decorre da ideia de Constituiccedilatildeo dirigente que natildeo eacute apenas um repositoacuterio de programas vagos a serem cumpridos mas constitui um sistema de previsatildeo de direitos sociais mais ou menos eficazes em torno dos quais eacute que se vem construindo a nova ideacuteia de cidadania
De forma que natildeo mais se trata de considerar a cidadania como simples
qualidade de gozar direitos poliacuteticos mas sim de aferir-lhe um nuacutecleo miacutenimo e
irredutiacutevel de direitos (fundamentais) que devem se impor obrigatoriamente agrave accedilatildeo
dos poderes puacuteblicos
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O ordenamento juriacutedico brasileiro consagrou aleacutem dos institutos jaacute
mencionados alguns outros mecanismos de defesa dos direitos e garantias
constitucionais da cidadania como a accedilatildeo civil puacuteblica regulada pela Lei nordm
734785 e accedilatildeo direta de inconstitucionalidade prevista no incIV do art 129 da
Constituiccedilatildeo Federal O Coacutedigo de Defesa do Consumidor o Estatuto da Crianccedila e
do Adolescente e ateacute mesmo o princiacutepio do devido processo legal que resguarda ao
cidadatildeo o acesso agrave justiccedila e direito de ser acionado judicialmente por meio de
procedimentos legais satildeo mecanismos de defesa dos direitos de cidadania
previstos constitucionalmente e garantidos na esfera poliacutetica civil e social
Pode-se observar que a cidadania comeccedilou a ser construiacuteda como resultado
de um processo de luta a partir da conscientizaccedilatildeo dos direitos e deveres do
homem Como vimos a cidadania jaacute em praacutetica em muitos paiacuteses adquire no
Brasil com a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 um novo sentido qual seja o
pressuposto do exerciacutecio pleno de um sistema de direitos e garantias
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CAPIacuteTULO 3 - CIDADANIA COMO MECANISMO DE
TRANSFORMACcedilAtildeO SOCIAL
No momento em que a cidadania alccedila voos constitucionais e insere-se na
Carta Poliacutetica da Repuacuteblica Federativa do Brasil inicia-se o processo de
redemocratizaccedilatildeo e ganha relevo o cidadatildeo agente deste processo que tem em
suas matildeos a tarefa da construccedilatildeo de um novo tempo
Historicamente a ideia de cidadatildeo conotava o habitante da cidade ndash o
citadino ndash firma-se entatildeo tal conotaccedilatildeo na Antiguumlidade claacutessica para depois
significar aquele indiviacuteduo a quem se atribuem os direitos poliacuteticos Superada essa
acepccedilatildeo que tambeacutem vigorou nas constituiccedilotildees anteriores da Repuacuteblica do Brasil
na concepccedilatildeo moderna estaacute clara a noccedilatildeo de cidadatildeo como aquele que a quem
consiste a titularidade de direitos individuais poliacuteticos e sociais Noccedilatildeo esta
edificada com a internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos que amplia a acepccedilatildeo do
termo declarando que satildeo cidadatildeos todo aquele que habita o acircmbito da soberania
de um Estado e deste Estado recebem uma carga de direitos e tambeacutem deveres dos
mais variados
Desta forma a noccedilatildeo contemporacircnea de cidadania funda-se na dicotomia
direitos (exerciacutecios de direitos fundamentais - participaccedilatildeo) e deveres (colaboraccedilatildeo -
solidariedade) Ao lado dos direitos foram estabelecidos deveres fundamentais e
portanto tanto agentes puacuteblicos como os indiviacuteduos tecircm obrigaccedilotildees especiacuteficas
inclusive a de respeitar os direitos das demais pessoas que vivem na ordem social
sendo e promovendo mecanismos de transformaccedilatildeo social que visam uma nova
sociedade baseada na igualdade e na justiccedila
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31 O ser cidadatildeo
Os termos indiviacuteduo ser humano pessoa e cidadatildeo satildeo geralmente tomados
como sinocircnimo o que certamente influi na proliferaccedilatildeo de incontaacuteveis significados e
ampliaccedilatildeo do termo cidadatildeo Poreacutem estas palavras apesar de se assemelharem
possuem carga semacircntica proacutepria e da compreensatildeo exata de cada uma decorre a
conceituaccedilatildeo mais acentuada da acepccedilatildeo do termo cidadatildeo como titular de direitos
e deveres resguardados pela constituiccedilatildeo paacutetria
Desta forma indiviacuteduo eacute um representante da espeacutecie aquele que eacute uacutenico
Enquanto ser humano eacute um termo mais geneacuterico ou indeterminado que diz respeito
agrave espeacutecie agrave classificaccedilatildeo ao mundo zooloacutegico Pessoa por sua vez eacute um termo
mais especiacutefico que tem a ver com o mundo civilizado ou se preferirmos com a
constelaccedilatildeo dos valores morais eacuteticos e juriacutedicos proacuteprios da civilizaccedilatildeo
A etimologia da palavra pessoa demonstra que eacute um conceito sobreposto ao conceito de Ser Humano Um refratildeo de origem juriacutedica tambeacutem nos lembra do homo plures pessoa polimorfa o ser humano capaz de desempenhar muitos papeacuteis um mesmo ser humano eacute empresaacuterio e delinquumlente eacute pai e metaluacutergico etc Persona (personagem) era a maacutescara que usavam os atores da trageacutedia grega para desempenhar seu papel Cabe portanto entender o conceito de Ser Humano ao lado do conceito de Pessoa No direito romano antigo os escravos eram seres humanos (homens) mas natildeo eram consideradas pessoas (patriacutecios) Os juristas romanos que usavam o conceito de Ser Humano o dissociavam do conceito de pessoas (CUNHA 2007)
O Ser Humano recebe uma distinccedilatildeo importante quando o consideramos
como Pessoa assim como a Pessoa recebe uma distinccedilatildeo redundante natildeo menos
importante quando a consideramos por forccedila de expressatildeo como uma pessoa
humana Subentendendo o adjetivo humano como relativo agrave eacutetica Portanto Ser
Humano natildeo eacute a mesma coisa que Pessoa como tampouco Ser Humano eacute o
mesmo que cidadatildeo este muito eacute mais proacuteximo do termo Pessoa Vejamos o quadro
ilustrativo que esquematiza e distinguem os referidos conceitos
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QUADRO 1 ndash EVOLUCcedilAtildeO DO SER HUMANO ATEacute O CIDADAtildeO
O Ser Humano O Ser Indiviacuteduo O Ser Pessoa O Ser Cidadatildeo
A Dimensatildeo do conviacutevio social
A dimensatildeo do mercado de trabalho e
Consumo
A Dimensatildeo de encontrar-se no mundo
A dimensatildeo de intervir na realidade
O homem tornar-se Ser Humano nas relaccedilotildees
de conviacutevio social
O Ser Humano tornar-se indiviacuteduo quando
descobre seu papel e funccedilatildeo social
O Indiviacuteduo torna-se pessoa quanto toma
consciecircncia de si mesmo do outro e do
mundo
A pessoa torna-se cidadatildeo quando
interveacutem na realidade em que vive
Quem estuda o comportamento do Ser
Humano Seria a antropologia a histoacuteria
ou a sociologia
Quem estuda o comportamento do indiviacuteduo Seria a
Filosofia a sociologia ou a Psicologia
Quem estuda o comportamento da pessoa Seria a
Filosofia a sociologia ou a Psicologia
Quem estuda o comportamento do cidadatildeo Seria a
Sociologia a Filosofia ou As ciecircncias
poliacuteticas
Quem garante os direitos do Ser
Humano A Declaraccedilatildeo Universal
dos Direitos Humanos
Quem garante os Direitos do
Consumidor O Coacutedigo do Consumidor
Quem garante os Direitos da pessoa A proacutepria pessoa (amor proacuteprio ou autoestima)
Quem garante os Direitos do cidadatildeo (A Constituiccedilatildeo e suas leis
regulamentares)
Existe realmente uma natureza humana Teologicamente
afirmamos que existe a uma natureza humana
Seguindo a corrente existencialista (JP Sartre) negamos tal
natureza
Que diferenccedila existe entre o direito do
consumidor e o direito do cidadatildeo Ao
Consumidor deve ser dado o direito de
propriedade enquanto ao cidadatildeo deve ser
dado o direito de acesso
O que significa tornar-se pessoa no niacutevel
psicoloacutegico e social A pessoa eacute o indiviacuteduo que toma consciecircncia de si mesmo (ldquoTornar-
se Pessoardquo de Karl Roger)
Como podemos intervir na realidade
modificando as estruturas corruptas e injustas Quando os
direitos do cidadatildeo lhe satildeo oferecidos e o
mesmo passa a exercecirc-lo haacute
modificaccedilatildeo de comportamento
(ROSAS 2009)
O cidadatildeo eacute portanto aquele indiviacuteduo a quem a Constituiccedilatildeo confere direitos
e garantias e lhe daacute o poder do seu efetivo exerciacutecio aleacutem de meios processuais
eficientes contra a violaccedilatildeo de seu gozo ou fruiccedilatildeo por parte do poder puacuteblico
Sendo assim
A passagem do indiviacuteduo a cidadatildeo caracteriza-se pelo reconhecimento pela lei de direitos considerados fundamentais agrave realizaccedilatildeo da vida do homem como indiviacuteduo e ser social membro de uma comunidade poliacutetica e a garantia desses direitos pela forccedila comum de todos (CUNHA 2007)
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Nas uacuteltimas deacutecadas em alguns paiacuteses inclusive no Brasil desenvolveu-se o
conceito de cidadania calcado principalmente na questatildeo do cidadatildeo-consumidor
As pessoas passam a ser vistas como cidadatildes desde que tenham dinheiro para
adquirir mercadorias e utilizar serviccedilos Eacute certo pois que serviccedilos e mercadorias
atendem a necessidades materiais e simboacutelicas das pessoas e consumi-los eacute um
dos modos de participar da vida social criar identidade e partilhar dos bens
produzidos pela humanidade e representar-se culturalmente Contudo a cidadania
enfatizada apenas como uma relaccedilatildeo de compra e venda de mercadorias e serviccedilos
assume um conteuacutedo restrito individual conformista e voltado apenas para a
aquisiccedilatildeo de bens o que se relaciona com a ideacuteia de indiviacuteduo ou seja o consumo
atende as necessidades do indiviacuteduo
Outra forma de confusatildeo acerca do conceito de cidadatildeocidadania refere-se a
equiparaccedilatildeo feita com o assistencialismo o que configura uma acentuada inversatildeo
do termo uma vez que a praacutetica do assistencialismo natildeo propicia meios de
superaccedilatildeo das desigualdades sociais Enquanto a cidadania estaacute relacionada agrave
superaccedilatildeo das desigualdades sociais e a extensatildeo da garantia dos direitos de todos
O cidadatildeo eacute sem duacutevida uma expressatildeo que precisa ser adequadamente
utilizada e vivenciada pela coletividade compreendido na dimensatildeo do ser pessoa
de ter direitos e deveres do assumir as suas liberdades e responsabilidades no seio
de uma comunidade democraacutetica equitativa solidaacuteria e intercultural
Dessa forma ser cidadatildeo implica saber viver em sociedade estando ciente
dos anseios comuns A participaccedilatildeo ativa nas decisotildees de sua comunidade
influencia modos de vida de maneira positiva ao seu redor assim torna-se
imprescindiacutevel o exerciacutecio dos direitos constitucionais adquiridos e lutar pelos que
viratildeo eacute sobretudo estar consciente de todas as atitudes tomadas em prol da
sociedade
Eacute possiacutevel nesse espaccedilo de discussatildeo falar em ldquoestar cidadatildeordquo que eacute natildeo
praticar o exerciacutecio da cidadania em nenhuma de suas formas Implica apenas em
se deixar levar pelos acontecimentos e ainda reclamar das situaccedilotildees vividas sem
nada fazer para mudar sem nenhuma perspectiva de futuro Do que concluiacutemos que
a dinacircmica de intervir na realidade eacute pressuposto de cidadania
Ser cidadatildeo eacute tarefa que requer muito do ser humano do individuo da
pessoa Requer uma alta - estima elevada uma consciecircncia solidaacuteria uma
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identidade que se reconheccedila na dinacircmica social interagindo com o outro ampliando
debates incitando justiccedila eacute sem duvida uma tomada de posiccedilatildeo que natildeo se
acomoda pelo contraacuterio se incomoda quando natildeo haacute comprometimento para o bem
comum
Natildeo eacute uma tarefa cocircmoda senatildeo muito complicada as pessoas natildeo nascem cidadatildeos mas fazem-se no tempo e no espaccedilo Na verdade natildeo eacute faacutecil exercer a liberdade e a cidadania ndash ser pessoa e ser cidadatildeo ndash por isso exige-se uma luta sem treacuteguas para erradicar assimetrias e exclusotildees socioculturais e criar cenaacuterios de esperanccedila realizaacuteveis fundamentados em valores e princiacutepios eacuteticos que requalifiquem a democracia com cidadatildeos participativos e
comprometidos ( SAEZ 1995)
Tem portanto como pressuposto uma mudanccedila de comportamento uma
tomada de posiccedilatildeo frente agrave dinacircmica social na qual estaacute inserido participando de
forma ativa e produtiva do processo de construccedilatildeo da cidadania por meio de seus
diversos canais
32 Emancipaccedilatildeo social atraveacutes da cidadania
Um Estado Democraacutetico eacute aquele que estaacute enraizado na legitimidade do
poder do povo e dele decorre seu exerciacutecio Assim o poder do povo eacute a expressatildeo
a aptidatildeo de homens e mulheres constituir autonomamente seu viver sem sucumbir
diante das instacircncias de poder Haacute nesse modus vivendi uma tutela das diferenccedilas e
pluralidades de formas de vida
Desta forma a cidadania eacute enfocada como o processo de participaccedilatildeo do
individuo ou de um grupo organizado nas mais variadas aacutereas de atuaccedilatildeo na
sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos sociais com a consciecircncia
da responsabilidade por sua proacutepria histoacuteria
Sendo a democracia o regime em que o povo governa sua caracteriacutestica
inarredaacutevel eacute a de ter o povo agrave frente do poder uma forma de autogoverno Em
assim sendo a cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia por meio de resultados
palpaacuteveis e medidas concretas tais como mudanccedilas na realidade de cada um com
melhoria de vida e conscientizaccedilatildeo da importacircncia na sociedade para o exerciacutecio
40
direto ou indireto desse poder pois se contentar com fato do direito estaacute prescrito
em lei natildeo eacute o bastante
Eacute certo poreacutem que o Estado democraacutetico somente se aperfeiccediloa na
proporccedilatildeo em que o povo age ativamente na medida em que os representantes
reflitam em seus atos os verdadeiros anseios populares Partindo dessa visatildeo a
cidadania eacute o grande fator de legitimaccedilatildeo do povo permitindo que ele aja em defesa
das instituiccedilotildees democraacuteticas
Sobre a participaccedilatildeo cumpre asseverar que este direito significa a
capacidade de ser consultado para as tomadas de decisatildeo que dizem respeito agrave
direccedilatildeo da sociedade em que vive o cidadatildeo este direito eacute acompanhado do
respeito aos deveres de contribuir para o progresso social e de acatar e respeitar o
resultado obtido em consulta coletiva
No elenco de mecanismo de exerciacutecio da cidadania estaacute o acesso ao direito e
a justiccedila que eacute fator preponderante para efetivar as garantias constitucionais
Assim passaremos a discorrer sobre a importacircncia de instrumentalizar o
cidadatildeo para um pleno exerciacutecio de seus direitos
Eacute Sabido que no Estado Democraacutetico Contemporacircneo os direitos
fundamentais constitucionalmente assegurados tecircm eficaacutecia imediata cumprindo ao
Estado garantir a todos os cidadatildeos o respeito a esses Direitos de modo concreto e
efetivo natildeo obstante as inuacutemeras desigualdades e condiccedilotildees adversas que
dificultam na praacutetica o seu exerciacutecio
Para o acesso ao direito o Estado deve desenvolver com eficiecircncia uma seacuterie
de atividades essenciais e dar efetividade a uma seacuterie de pressupostos Dentre eles
o principal eacute o conhecimento do Direito como fator preponderante pois o
desconhecimento da lei implica na praacutetica natildeo acionar a jurisdiccedilatildeo Um fato que
contribui para essa assertiva eacute baixa escolaridade da populaccedilatildeo e o analfabetismo
Muito pouco adianta a existecircncia de uma Constituiccedilatildeo apenas formal ou no
papel se ilegiacutetima ou desrespeitada Para que ocorra a eficaacutecia das normas
dispostas numa Constituiccedilatildeo ou melhor para que passe da teoria agrave praacutetica eacute
essencial que comandados e comandantes tenham conhecimento dos seus direitos
e responsabilidades assim como dos instrumentos juriacutedicos para efetivaacute-los (leis
regulamentadoras) O exerciacutecio da cidadania natildeo eacute somente um direito mas eacute
tambeacutem um dever de todos pois a omissatildeo de cada um contribui com as injusticcedilas e
as impunidades tatildeo presentes nos dias atuais
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A Constituiccedilatildeo quando eacute justa e legiacutetima e principalmente quando eacute
respeitada eacute um poderoso instrumento de promoccedilatildeo e desenvolvimento social e
humano
Outro fator que deve ser considerado eacute a miserabilidade que coloca inuacutemeros
brasileiros a margem da sociedade em situaccedilatildeo precaacuteria os quais para Pinsky
(2004) ldquodesprovidos de esperanccedila de projeto de qualquer perspectiva de inclusatildeo
[] recorrer agrave Justiccedila humana parece algo irrealizaacutevel sofisticado e inteiramente
ficcionalrdquo
Desta forma o primeiro passo para concretizar os direitos previstos
constitucionalmente eacute a formaccedilatildeo do cidadatildeo atraveacutes da Educaccedilatildeo Baacutesica
infundindo-lhe a consciecircncia dos seus direitos e tambeacutem dos seus deveres sociais
bem como dos valores humanos fundamentais que devem ser por todos respeitados
na vida em sociedade A universalizaccedilatildeo do ensino fundamental a oferta obrigatoacuteria
de educaccedilatildeo infantil pelo Estado e o crescimento da oferta do ensino meacutedio satildeo
alguns dos aspectos que merecem destaques e foi devido agrave determinaccedilatildeo
constitucional de estabelecer o caraacuteter obrigatoacuterio do ensino fundamental e de
responsabilizar o Estado por sua implementaccedilatildeo que tem iniacutecio o processo de
avanccedilo desse segmento
A Constituiccedilatildeo estabeleceu de forma mais clara o papel dos entes federados
na educaccedilatildeo Tambeacutem aumentou a participaccedilatildeo orccedilamentaacuteria destinada ao setor
Com as novas regras para distribuiccedilatildeo de recursos adotadas apoacutes a promulgaccedilatildeo
da Carta os municiacutepios voltam a interessar-se pela educaccedilatildeo fundamental e o paiacutes
atinge a universalizaccedilatildeo do setor o que se busca agora satildeo mecanismos para
garantir a qualidade no ensino
O segundo passo nessa dinacircmica eacute o oferecimento a todos os cidadatildeos de
condiccedilotildees miacutenimas de sobrevivecircncia e de existecircncia condignas atraveacutes do acesso
ao trabalho produtivo livremente escolhido e do pagamento de remuneraccedilatildeo capaz
de prover ao sustento do trabalhador e de sua famiacutelia
Para milhotildees de cidadatildeos que vivem na ignoracircncia e na miseacuteria nenhuma
utilidade ou eficaacutecia tecircm os inuacutemeros direitos constitucionalmente assegurados Para
aqueles que se habituaram a retirar proventos da mendicacircncia da prostituiccedilatildeo de
atividades iliacutecitas ou aqueles que se sentiram forccedilados a sujeitar-se agrave exploraccedilatildeo de
outrem para sobreviver natildeo haacute nenhuma crenccedila na dignidade da pessoa humana e
no valor social do trabalho
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A pobreza engendra inuacutemeras relaccedilotildees de dominaccedilatildeo entre pessoas e entre grupos sociais As habitaccedilotildees subumanas da periferia das grandes cidades no Brasil constituem verdadeiros quistos sociais terras sem lei controladas por xerifes ou por quadrilhas de malfeitores O Estado que natildeo for capaz de dotar essas comunidades do acesso efetivo agrave Educaccedilatildeo agrave Sauacutede agrave Seguranccedila e agrave Paz Puacuteblicas e ao trabalho liacutecito certamente natildeo lhes estaraacute assegurando o acesso ao Direito porque a populaccedilatildeo abrutalhada pela miseacuteria e coagida pelo medo natildeo desfruta da miacutenima eficaacutecia concreta dos
seus direitos fundamentais (GRECO 2009)
Evidencia que acesso ao Direito nas sociedades modernas mesmo nas
economicamente desenvolvidas exige o fortalecimento dos grupos intermediaacuterios e
do associativismo O cidadatildeo natildeo estaacute mais em condiccedilotildees de defender-se
individualmente das ameaccedilas e lesotildees aos seus direitos perpetradas por pessoas ou
grupos que se encontram em posiccedilatildeo de vantagem nas relaccedilotildees econocircmicas e
sociais
O sindicato veio exercer este importante papel em relaccedilatildeo ao trabalhador
empregado Mas hoje as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo natildeo satildeo apenas as que existem no
mundo do trabalho mas as que se revelam em todos os tipos de relaccedilotildees humanas
relaccedilotildees de consumo relaccedilotildees de vizinhanccedila relaccedilotildees locatiacutecias relaccedilotildees
comerciais internas e internacionais e natildeo com menor relevacircncia relaccedilotildees entre os
particulares e o Estado entre outras
Eacute preciso assegurar esse equiliacutebrio na praacutetica o que somente tornar-se-aacute
possiacutevel atraveacutes da articulaccedilatildeo dos sujeitos que se encontram em posiccedilatildeo de
desvantagem em organizaccedilotildees e associaccedilotildees que pela uniatildeo de esforccedilos
consigam compensar o desequiliacutebrio existente e dar aos indiviacuteduos e grupos a forccedila
e a capa de proteccedilatildeo necessaacuterias para ombrearem-se aos seus adversaacuterios e
lutarem pelos seus direitos ou interesses em igualdade de condiccedilotildees
Para Greco (2009) o pressuposto indispensaacutevel do acesso ao Direito eacute a
transparecircncia do Estado no trato de questotildees que possam afetar a esfera de
interesses dos cidadatildeos e complementa que aos cidadatildeos eacute indispensaacutevel
assegurar o direito de influir eficazmente nas decisotildees do poder puacuteblico atraveacutes dos
mais diversos instrumentos de participaccedilatildeo democraacutetica Ele afirma que
A relaccedilatildeo Estado-cidadatildeo natildeo eacute mais a relaccedilatildeo soberano-suacutedito O cidadatildeo tem o direito de exigir do Estado o pleno respeito ao seu
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patrimocircnio juriacutedico Lamentavelmente a crise do Estado tem levado o Brasil a aceitar-se como normal que as pessoas juriacutedicas de Direito Puacuteblico natildeo cumpram devidamente as prestaccedilotildees positivas de que satildeo devedoras perante os particulares cabendo a estes demandar na Justiccedila para obtecirc-las (GRECO 2009)
Essa visatildeo deformada da responsabilidade do Estado ocorre o
desvirtuamento da justiccedila Por outro lado agrave violaccedilatildeo da garantia constitucional da
tutela jurisdicional efetiva (Constituiccedilatildeo artigo 5 inciso XXXV) disciplina a lei natildeo
excluiraacute da apreciaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio lesatildeo ou ameaccedila ao direito Assim o
acesso ao Direito natildeo estaraacute concretamente assegurado se o Estado natildeo oferecer a
todo cidadatildeo a possibilidade de receber aconselhamento juriacutedico a respeito dos seus
direitos
Constituiccedilatildeo de 1988 no artigo 5deg inciso LXXIV assegurou a todos
ldquoassistecircncia juriacutedicardquo a englobar assistecircncia judiciaacuteria e assessoramento juriacutedico
extrajudicial Conforme Greco (2009) ldquoeacute preciso que esse direito seja assegurado
na praacutetica Uma vez que na vida moderna o Direito tornou-se excessivamente
complexordquo Ainda no dizer do autor a consciecircncia juriacutedica do homem comum que
deve ser adquirida na famiacutelia e na escola natildeo eacute mais suficiente para a tomada de
decisotildees na vida diaacuteria das pessoas Todas as pessoas mantecircm complexas relaccedilotildees
juriacutedicas com instituiccedilotildees financeiras com fornecedores de bens e de serviccedilos etc
Nessas relaccedilotildees juriacutedicas com frequecircncia os cidadatildeos tecircm de tomar decisotildees
raacutepidas O cidadatildeo que tem meios procura um advogado particular para assessoraacute-
lo Ao pobre o Estado deve assegurar o mesmo direito em plenitude
Sem duacutevida o uacuteltimo pressuposto do acesso ao Direito eacute o acesso agrave Justiccedila
no sentido de acesso a um tribunal estatal imparcial previamente instituiacutedo como
competente para a soluccedilatildeo de qualquer litiacutegio a respeito de interesse que se afirme
juridicamente protegido ou para a praacutetica de qualquer ato que a lei subordine agrave
aprovaccedilatildeo autorizaccedilatildeo ou homologaccedilatildeo judicial
Se o cidadatildeo tem consciecircncia dos seus direitos se o Estado lhe fornece
todas as condiccedilotildees para livremente exercecirc-los mas algum outro cidadatildeo ou algum
oacutergatildeo do proacuteprio Estado impede ou dificulta esse exerciacutecio cabe ao poder puacuteblico
pocircr agrave disposiccedilatildeo do cidadatildeo lesionado ou ameaccedilado a jurisdiccedilatildeo necessaacuteria para
assegurar o pleno acesso a tal direito
Atingimos eacute certo um estaacutegio de desenvolvimento do Direito Humanitaacuterio que
natildeo mais nos permite conformar-nos com uma realidade distante do padratildeo de
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convivecircncia humana que outras naccedilotildees jaacute alcanccedilaram O exerciacutecio pleno de
cidadania seraacute obra de mais de uma geraccedilatildeo Mas se trabalharmos com firmeza
certamente os jovens de hoje poderatildeo legar aos seus descendentes a emancipaccedilatildeo
cidadatilde um paiacutes melhor e uma sociedade mais justa e democraacutetica
33 O municiacutepio como acircmbito de exerciacutecio de cidadania
Historicamente o Municiacutepio enquanto unidade poliacutetico-administrativa surgiu
conforme descreve Berardi (2004) com a Repuacuteblica Romana interessada em
manter a dominaccedilatildeo paciacutefica das cidades conquistadas pela forccedila dos exeacutercitos
Sua origem mais de natureza socioloacutegica do que poliacutetica adveacutem do espiacuterito
associativo do homem e de suas relaccedilotildees de vizinhanccedila
Eacute pois a menor unidade territorial de Federaccedilatildeo cuja criaccedilatildeo reflete a base
da organizaccedilatildeo poliacutetica administrativa da Naccedilatildeo Portanto sua funccedilatildeo administrativa
historicamente vem assentada no princiacutepio do direito natural
O artigo primeiro da Constituiccedilatildeo Federal de 1998 estabelece que o
Municiacutepio ao lado dos Estados e do Distrito Federal formam a Republica Federativa
do Brasil que se constitui em Estado Democraacutetico de Direito O municiacutepio tem assim
um poder relevante para a aplicaccedilatildeo da democracia direta iniciada e fortalecida em
niacutevel local Diversos pensadores chegaram a afirmar que a descentralizaccedilatildeo de
poder resultante da constituiccedilatildeo Cidadatilde era antes de tudo uma conquista dos
Municiacutepios sendo eles os berccedilos da perpetuaccedilatildeo da Repuacuteblica e da Democracia
efetivamente por serem o uacutenico niacutevel de governo possuidores de respaldo e
localizaccedilatildeo fiacutesica ou seja solo municipal
Eacute certo que a Carta Magna de 1988 consolidou significativas inovaccedilotildees para a
vida municipal de forma que o Municiacutepio passou a constituir um dos entes da
federaccedilatildeo tratando-o como unidade dotada de autonomia poliacutetica expressa na
capacidade de poder elaborar a sua Lei Orgacircnica fugindo assim da tutela dos
estados que ateacute entatildeo eram considerados como uacutenicos componentes da federaccedilatildeo
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A Lei Orgacircnica Municipal traz em seu bojo aleacutem da organizaccedilatildeo
administrativa do Municiacutepio a restauraccedilatildeo do Poder Legislativo municipal definindo
a diversificaccedilatildeo normativa que natildeo existia nas leis organizacionais outorgadas pelo
Estado reflexo do poder constituinte outorgados aos Municiacutepios pela Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 como consequecircncia do efetivo exerciacutecio do conceito de Estado
Democraacutetico de Direito
O Municiacutepio enquanto ente federativo tem atualmente a responsabilidade de
ordenar o seu desenvolvimento social e a garantia do bem estar de seus habitantes
executando poliacuteticas puacuteblicas de accedilotildees a serem empreendidas na consolidaccedilatildeo
democraacutetica do Estado
Fundada no elemento participaccedilatildeo o exerciacutecio de cidadania amplamente
citado encontra sua efetividade no municiacutepio Pois eacute nesse acircmbito de localizaccedilatildeo
que as pessoas mantecircm um contato direto com os poderes instituiacutedos suas
necessidades imediatas e mediatas satildeo objetos da disciplina da Lei que visa o bem
comum base do Estado democraacutetico de Direito
Baseado na maacutexima do municipalista e defensor da descentralizaccedilatildeo poliacutetica
Franco Motoro sabiamente proferiu que ldquoningueacutem vive na Uniatildeo ou no Estado As
pessoas vivem no Municiacutepiordquo Assim a cidadania encontra seu melhor espaccedilo de
realizaccedilatildeo na comunidade onde convive A vida em comunidade gera anseios
comuns sentimentos comuns uma vez que a convivecircncia propicia que as pessoas
se conheccedilam e se reconheccedilam como membros de uma mesma realidade
De acordo com Harvey (1992) ldquoa globalizaccedilatildeo provoca anonimato enquanto
comunidade cultiva solidariedaderdquo o que implica participaccedilatildeo para o exerciacutecio de
cidadania
Tudo o que acontece no mundo seja no meu paiacutes na minha cidade ou no meu bairro acontece comigo Entatildeo eu preciso participar das decisotildees que interferem na minha vida Um cidadatildeo com um sentimento eacutetico forte e consciecircncia da cidadania natildeo deixa passar nada natildeo abre matildeo desse poder de participaccedilatildeo (Herbert de Souza Betinho)
Com esse embasamento natildeo se pode perder de vista que eacute nas relaccedilotildees
diaacuterias de oposiccedilatildeo ou solidariedade que as pessoas exercem cidadania Na relaccedilatildeo
do com o outro com os poderes ao estabelecer com a vida social e puacuteblica uma
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convivecircncia posto que cidadania eacute tarefa que natildeo termina natildeo eacute um conceito
pronto tatildeo pouco acabado enquanto seres inacabados que somos estaremos
buscando descobrindo criando e tomando consciecircncia mais ampla dos direitos
O desafio eacute construir um novo discurso sobre cidadania atraveacutes de uma
praacutetica poliacutetica sustentada isto eacute realizada em dois niacuteveis
O primeiro niacutevel na base atraveacutes de construccedilatildeo das capacidades e do poder
proacuteprio da populaccedilatildeo o que envolve inevitavelmente uma mudanccedila de atitude na
busca para garantir seus direitos utilizando-se do grau de autonomia local
Essa atitude conceberia agrave democracia participativa como uma poliacutetica paralela
de intervenccedilatildeo social criando e mantendo novos espaccedilos para a tomada de
decisotildees ou seja para o auto-governo pela populaccedilatildeo nas mateacuterias que afetam
diretamente suas vidas
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade
O segundo niacutevel um governo com o povo e natildeo apenas para o povo fundado
nos ditames constitucionais valorizando o sentimento da sociedade no exerciacutecio da
governabilidade de modo que o balizamento das accedilotildees de governo deixaria de estar
no proacuteprio governo e passaria a estabelecer-se a partir do pensar da sociedade Um
governo que se pergunta o que se deve fazer para ouvir com a maior fidelidade
possiacutevel a sociedade suas instituiccedilotildees representativas e o cidadatildeo Pois as
prioridades da gestatildeo deveriam ser definidas pela sociedade e natildeo mais pelo
governo
Portanto nesses termos eacute preciso considerar que as praacuteticas da
administraccedilatildeo puacuteblica sejam democratizadoras e inclusivas inspiradas nos
princiacutepios da legalidade impessoalidade moralidade publicidade e eficiecircncia Esta
uacuteltima buscou estabelecer uma Administraccedilatildeo Puacuteblica mais eficiente no sentido de
que o cidadatildeo como destinataacuterio dos serviccedilos puacuteblicos que o Estado deve prestar
receba-os com maior qualidade e menor custo para o eraacuterio puacuteblico
Para a consecuccedilatildeo desse governar com o povo alguns pontos devem ser
revistos A mudanccedila implica na necessidade de adequaccedilatildeo reorganizaccedilatildeo
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reformulaccedilatildeo Para isso se faz premente em face dos novos e modernos conceitos
de gestatildeo puacuteblica a superaccedilatildeo do tradicional vezo burocraacutetico que vem convertendo
a Administraccedilatildeo nas palavras Dromi (1995) numa cara ldquomaacutequina de impedirrdquo fiel
ldquocoacutedigo do fracassordquo que dispotildee ldquoartigo primeiro natildeo pode artigo segundo em
caso de duacutevida abstenha-se artigo terceiro se eacute urgente espere artigo quarto
sempre eacute mais prudente natildeo fazer nadardquo numa posiccedilatildeo natildeo burocraacutetica e sim
democraacutetica de considerar que organizaccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica inclui a
praacutetica de ver os cidadatildeos como membros plenos da comunidade poliacutetica tendo
acesso e exercitando direitos as que promovem a organizaccedilatildeo da populaccedilatildeo em
torno de temas de interesse comum as que incluem o controle social sobre a
gestatildeo o debate amplo e informado sobre questotildees de governo e que abrem agrave
populaccedilatildeo as decisotildees sobre estas questotildees Como leciona e Barrientos (2000)
Tratam-se de praacuteticas que natildeo buscam somente melhorar a eficiecircncia administrativa das diferentes organizaccedilotildees puacuteblicas mas que incorporam no seu processo de gestatildeo a dimensatildeo ativa da cidadania isto eacute ldquoque facilitam as iniciativas e responsabilidades de todos os envolvidos[] estabelecendo pontes entre Estado e sociedade civil
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade Acreditamos
que o ponto de partida eacute a atitude aliada agrave solidariedade e ao espiacuterito coletivo Pois
governo e cidadatildeos juntos haveratildeo de cumprir um novo papel no processo de
desenvolvimento como agentes de uma nova cultura
Como afirma Peter Drucke
A parceria comunitaacuteria seraacute um dos verdadeiros setores em crescimento das economias desenvolvidas Surge da necessidade de uma participaccedilatildeo mais direta e efetiva da comunidade nas grandes questotildees da vida social pois natildeo existe ningueacutem melhor que o cidadatildeo para saber o que ele quer para si para sua famiacutelia e para sua comunidade (apud RAMOS 1990)
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O envolvimento efetivo da sociedade nas questotildees sociais natildeo eacute apenas uma
postura moderna Significa antes de tudo uma atitude digna de todos aqueles que
desejam exercer sua cidadania contribuindo para um paiacutes melhor e em especial
para uma sociedade mais justa fraterna e solidaacuteria
Na histoacuteria observa-se a grande coragem das pessoas em construir o
reconhecimento delas proacuteprias e de seus direitos sempre buscando a participaccedilatildeo e
defendendo os Direitos Humanos Sem duacutevida a maior ecircnfase que deve ocorrer
para a construccedilatildeo real da cidadania eacute uma mudanccedila na sociedade O melhor a ser
feito eacute reforccedilar a organizaccedilatildeo democraacutetica buscando novas formas de participaccedilatildeo
social pois cidadania natildeo se resume ao poder de votar ou ser votado mas eacute sempre
na efetiva participaccedilatildeo popular pois somente com isso haacute a verdadeira
conscientizaccedilatildeo e o comprometimento daquele que passa a se sentir cidadatildeo
abandonando-se velhos viacutecios da poliacutetica representativa
Desse modo a participaccedilatildeo do povo no momento das reivindicaccedilotildees das
discussotildees e apreciaccedilotildees de projetos que visem agrave melhoria da comunidade local a
exigecircncia de transparecircncia na administraccedilatildeo da coisa puacuteblica dentre outras eacute quem
daraacute embasamento para as verdadeiras conquistas sociais no Municiacutepio que geram
saudaacuteveis formas de pressatildeo por efetivas poliacuteticas puacuteblicas de inclusatildeo social
gerando o fim do clientelismo poliacutetico tatildeo pejorativo e comum em nossa realidade e
cultura poliacutetica
Somente a participaccedilatildeo social eacute que iraacute causar uma real democratizaccedilatildeo do
poder A afirmaccedilatildeo da cidadania eacute pressuposto para a realizaccedilatildeo dos Direitos
Humanos pois os homens natildeo nascem naturalmente iguais Inclusive para que
ocorra a realizaccedilatildeo dos referidos direitos eacute necessaacuterio tambeacutem que exista um
espaccedilo puacuteblico que seja realmente democraacutetico e acessiacutevel possibilitando a
participaccedilatildeo de todos e esse espaccedilo eacute certamente o municiacutepio
Na praacutetica um forte instrumento de cidadania para atender as necessidades
coletivas eacute o orccedilamento participativo previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal que
determina expressamente a realizaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas e a participaccedilatildeo
popular nos processos de elaboraccedilatildeo e conduccedilatildeo dos orccedilamentos como forma de
incentivo agrave preparaccedilatildeo e execuccedilatildeo de planejamentos que envolvam diretamente o
povo A Lei veio incentivar a sua propagaccedilatildeo para todos os entes federativos tendo
em conta que se trata de uma tendecircncia mundial por legitimar as escolhas e
fortalecer o princiacutepio da transparecircncia
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Os meios de acesso do cidadatildeo junto aos Poderes Puacuteblicos eacute uma realidade
no Estado Democraacutetico de Direito brasileiro a exemplo das sessotildees do Poder
Legislativo que satildeo puacuteblicas ficando abertas a todos que delas quiserem participar
Emite-se uma pauta antes do comeccedilo da sessatildeo com a preacutevia dos debates Em
niacutevel municipal verifica-se um acompanhamento mais incisivo sobre as sessotildees das
Cacircmaras de Vereadores como forma de pressatildeo para aprovaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees
da comunidade avaliaccedilatildeo do desempenho e aceitaccedilatildeo de propostas orccedilamentaacuterias
e atuaccedilatildeo dos poliacuteticos bem como entendimento das funccedilotildees do Poder Legislativo
A Constituiccedilatildeo Federal assegura desde 1988 a possibilidade de se oferecer
peticcedilatildeo agraves Mesas Legislativas como forma de pedir informaccedilotildees sobre andamento
de projetos ou relatoacuterios encaminhados aos chefes do Poder Executivo Em niacutevel
municipal pode ser utilizada a Tribuna Livre como instrumento para denuacutencias de
problemas ou discussatildeo de um tema ou mesmo para apresentar sugestotildees sendo
regulado pela Lei Orgacircnica Municipal e pelo Regimento Interno da Cacircmara
A convocaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas tambeacutem possui previsatildeo constitucional
no art 58 sect 20 inciso II em niacutevel federal As comissotildees podem em razatildeo da
mateacuteria de sua competecircncia realizar audiecircncias puacuteblicas com entidades da
sociedade civil E nada obsta que estejam previstas formas de articulaccedilatildeo da
sociedade civil com os Presidentes das Comissotildees da Cacircmara no seu Regimento
Interno em acircmbito municipal
Os dispositivos da Constituiccedilatildeo Federal que dispotildeem sobre a forma de
participaccedilatildeo direta do cidadatildeo e da sociedade civil no processo democraacutetico natildeo se
pode negar que trouxe novas perspectivas De modo geral podemos citar
Art 29 A lei orgacircnica dos Municiacutepios tem que observar entre os seus
preceitos ldquocooperaccedilatildeo das associaccedilotildees representativas no planejamento municipalrdquo
Art 31 As contas dos municiacutepios ficaratildeo durante 60 (sessenta) dias
anualmente a disposiccedilatildeo de qualquer contribuinte para exame e apreciaccedilatildeo o qual
poderaacute questionar-lhes a legitimidade nos termos da lei
Art37 sect 3ordm (EC-1998) A lei disciplinaraacute as formas de participaccedilatildeo do usuaacuterio
na administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta regulando especialmente
I- as reclamaccedilotildees relativas a prestaccedilatildeo dos serviccedilos puacuteblicos em geral asseguradas
a manutenccedilatildeo de serviccedilo de atendimento ao usuaacuterio e a avaliaccedilatildeo perioacutedica externa
e interna da qualidade dos serviccedilos
50
II- o acesso dos usuaacuterios a registros administrativos e a informaccedilatildeo sobre atos de
governo observado o disposto no art 5ordm X e XXXIII
III- a disciplina da representaccedilatildeo conta o exerciacutecio negligente ou abusivo de cargo
emprego ou funccedilatildeo na administraccedilatildeo puacuteblica
Art 74 sect 2ordm Qualquer cidadatildeo partido poliacutetico associaccedilatildeo ou sindicato eacute
parte legiacutetima para na forma de lei denunciar irregularidades ou ilegalidades perante
o Tribunal de Contas da Uniatildeo
Art194 paraacutegrafo uacutenico Compete ao Poder Puacuteblico nos termos da lei
organizar a seguridade social com base nos seguintes objetivos ()
VII ndash caraacuteter democraacutetivo descentralizado na administraccedilatildeo mediante gestatildeo
quadripartite com participaccedilatildeo dos trabalhadores dos empregados e dos
aposentados e do Governo nos oacutergatildeos colegiados nos oacutergatildeos colegiados
Art 198 As accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede integram uma rede
regionalizada e hierarquizada o constituem um sistema uacutenico organizado de acordo
com as seguintes diretrizes
III ndash participaccedilatildeo da comunidade
Art 202 sect 6ordm A lei complementa a que se refere o sect 4ordm deste artigo
estabeleceraacute os requisitos para a designaccedilatildeo dos membros das diretorias das
entidades fechadas de previdecircncia privada e disciplinaraacute a inserccedilatildeo dos
participantes nos colegiados e instacircncias de decisatildeo em que seus interesses sejam
objeto de discussatildeo e deliberaccedilatildeo
Art 204 As accedilotildees governamentais na aacuterea de assistecircncia social seratildeo
organizadas com base nas seguintes diretrizes
II ndash Participaccedilatildeo da populaccedilatildeo por meio de organizaccedilotildees representativas na
formulaccedilatildeo das poliacuteticas e no controle das accedilotildees em todos os niacuteveis
O protagonista na concretizaccedilatildeo dos direitos humanos e na ampliaccedilatildeo da cidadania eacute um sujeito coletivo de um trabalho sempre inacabado eis que se tratam de tarefas e conquistas cotidianas e gradativas obras que soacute podem ser realizada a muitas matildeos no partilhar e compartilhar da vida (COSTA NETO 2010)
A ampliaccedilatildeo da cidadania requer a consciecircncia de que os direitos pressupotildeem
deveres de maneira que os direitos de um indiviacuteduo satildeo garantidos a partir do
cumprimento dos deveres dos demais componentes da sociedade
51
34 A necessaacuteria superaccedilatildeo de velhos paradigmas
Como se sabe em 1988 foi aprovada a Constituiccedilatildeo mais liberal e
democraacutetica do Brasil chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo Assim ampliou-se de
forma significativa o campo dos direitos e garantias fundamentais No que diz
respeito a tal mateacuteria eacute considerada como uma das mais avanccediladas do mundo No
seu preacircmbulo adota o modelo de um Estado democraacutetico de Direito destinado a
garantir o exerciacutecio dos direitos sociais e individuais a liberdade a seguranccedila o
bem-estar o desenvolvimento a igualdade e a justiccedila eleitos como valores
supremos de uma sociedade fraterna pluralista e sem preconceitos
Para a construccedilatildeo democraacutetica da cidadania no Brasil contemporacircneo
salienta-se de ela deve passar de uma democracia representativa para uma
cidadania que efetivamente molde a democracia ou seja uma cidadania instituinte
da democracia
No acircmbito constitucional positivo cidadania pressupotildee o exerciacutecio de todos
os direitos fundamentais e garantias que caracterizam o Estado democraacutetico de
Direito Quando se fala em cidadania eacute no sentido de reafirmar o direito pela plena
realizaccedilatildeo do indiviacuteduo do cidadatildeo dos entes coletivos e de sua emancipaccedilatildeo nos
espaccedilos da sociedade Estatildeo sempre intimamente ligados os conceitos de
cidadania democracia e direitos humanos sendo que um remete ao outro e seus
conteuacutedos se interligam ou seja a cidadania natildeo iraacute ocorrer sem que ocorra a
realizaccedilatildeo dos Direitos Humanos da mesma forma que os direitos humanos natildeo
seratildeo concretizados se natildeo houver o exerciacutecio da cidadania
Na evoluccedilatildeo histoacuterica tais categorias se desenvolveram de forma conjunta
com o Estado Representam noccedilotildees desejaacuteveis de relaccedilotildees humanas que se espera
sejam instituiacutedas Satildeo os elementos basilares na nova ordem social e que a
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 pretendeu edificar Poreacutem a democracia poliacutetica natildeo
resolveu os problemas econocircmicos mais seacuterios como a desigualdade e o
desemprego Continuam muito seacuterios os problemas da aacuterea social principalmente
na educaccedilatildeo nos serviccedilos de sauacutede e saneamento como tambeacutem e
principalmente quanto agrave seguranccedila puacuteblica
52
A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 em seu artigo 6ordm e em outros artigos no texto
constitucional ampliou e muito os Direitos Sociais proibiu discriminaccedilotildees Assim
indicadores baacutesicos de qualidade de vida apontam que houve uma melhoria A
mortalidade infantil por exemplo caiu de maneira significativa nos uacuteltimos anos A
esperanccedila de vida ao nascer passou de 60 anos em 1980 para 70 em 2000 Poreacutem
o maior progresso foi na aacuterea da educaccedilatildeo fundamental que eacute considerado fator
decisivo para a cidadania pois a taxa de analfabetismo caiu consideravelmente
entretanto existem muitos problemas no campo educacional como a repetecircncia e
com relaccedilatildeo a desigualdade social entre as regiotildees
A grande concentraccedilatildeo da riqueza nacional nas matildeos de poucos reflete a
desigualdade e causa a pobreza e a miseacuteria ao passo que dificulta o acesso do
cidadatildeo agrave justiccedila e consequentemente ao seu estado de cidadania pleno
Dentre os fundamentos no qual se baseiam o Estado democraacutetico de Direito
no Brasil destaca-se justamente a cidadania e a dignidade humana conforme artigo
1ordm incisos II e III da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Entatildeo construir uma sociedade
livre justa e solidaacuteria garantir o desenvolvimento nacional erradicar a pobreza e a
marginalizaccedilatildeo reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de
todos sem preconceitos de origem raccedila sexo cor idade ou quaisquer outras
formas de discriminaccedilatildeo satildeo os objetivos fundamentais do Estado Brasileiro
conforme art 3ordm da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
O cenaacuterio de globalizaccedilatildeo econocircmica mundial tambeacutem traacutes seacuterios obstaacuteculos
para a construccedilatildeo da cidadania A globalizaccedilatildeo da economia em ritmo acelerado
provoca grandes mudanccedilas nas relaccedilotildees entre Estado sociedade e naccedilatildeo que
eram sempre o centro da noccedilatildeo e da praacutetica da cidadania ocidental O foco das
mudanccedilas e das preocupaccedilotildees estaacute em dois focos especiacuteficos a reduccedilatildeo do papel
central do Estado como fonte de direitos e local para a participaccedilatildeo e o
deslocamento da naccedilatildeo como principal fonte de identidade coletiva
Para que ocorra efetiva mudanccedila a melhor proposta eacute no sentido de
mudanccedila na organizaccedilatildeo da sociedade pois a inversatildeo da sequecircncia dos direitos
fez com que ocorra o reforccedilo da supremacia do Estado Para que ocorra a
consolidaccedilatildeo democraacutetica e cidadatilde eacute necessaacuterio reforccedilar a organizaccedilatildeo da
sociedade para assim dar embasamento social ao poder poliacutetico ou seja
finalmente democratizar o poder e estabelecer de forma plena a Cidadania
53
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A Constituiccedilatildeo que nasce com ldquocheiro de amanhatilde e natildeo de mofordquo nas
palavras do Deputado Ulisses Guimaratildees tem em seu relevo a esperanccedila de um
povo que sonhava com a erradicaccedilatildeo da repressatildeo militar e natildeo soacute isso um povo
que sonhava com a liberdade em suas diversas manifestaccedilotildees em suas mais
significativas formas de representaccedilatildeo e sobretudo com um paiacutes voltado para a
democracia e justiccedila social
Ao povo brasileiro foi concedido o poder de governar e nesse contexto de
mudanccedila a ldquodemocracia eacute o governo do povo pelo povo e para o povordquo na
conceituaccedilatildeo ceacutelebre de Abraham Lincoln E consoante estabelece o paraacutegrafo
uacutenico do art 1ordm da Carta cidadatilde de 1988 ldquotodo poder emana do povo que o exerce
por meio de representantes eleitos ou diretamenterdquo
No entanto natildeo basta que a fonte de poder seja o povo a democracia vem
significar a efetiva participaccedilatildeo do povo nas decisotildees e destino do Estado e sua
consolidaccedilatildeo eacute a proacutepria cidadania pois eacute o cidadatildeo que pensa e se auto define
diante da condiccedilatildeo soacutecio-histoacuterica O cidadatildeo tem portanto o poder de transformar
a realidade social segundo seu pensamento e accedilatildeo
Natildeo se pode negar que a Carta de 1988 foi a que apresentou maior
legitimidade popular que abriu caminhos apontando um novo tempo
Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita Se fosse perfeita seria irreformaacutevel Ela proacutepria com humildade e realismo admite ser emendada ateacute por maioria mais acessiacutevel dentro de cinco anos Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita mas seraacute uacutetil e pioneira e desbravadora Seraacute luz ainda que de lamparina na noite dos desgraccedilados Eacute caminhando que se abrem os caminhos Ela vai caminhar e abri-los Seraacute redentor o que penetrar nos bolsotildees sujos escuros e ignorados da miseacuteria (Ulysses Guimaratildees)
Mesmo natildeo sendo a constituiccedilatildeo perfeita sem duacutevida foi a que trouxe
esperanccedila ao povo brasileiro com a sua promulgaccedilatildeo surgiram o ldquohaacutebeas datardquo o
mandado de injunccedilatildeo e o mandado de seguranccedila coletivo - todos remeacutedios judiciais
de iacutendoles constitucionais serviacuteveis para prevenir e combater diversas tentativas de
abuso contra a pessoa humana Outrossim o objeto da accedilatildeo popular foi ampliado
Atualmente qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima para propor a mencionada accedilatildeo
54
popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de entidade de que o
Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e ao patrimocircnio
histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de custas
judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia Nesse rol de forma decisiva houve a
ampliaccedilatildeo tambeacutem dos direitos sociais
Assim a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconhece e assegura uma seacuterie de
escudos protetivos aos cidadatildeos Em sua essecircncia os direitos fundamentais
ganham forma De modo que podemos assegurar que hoje o nosso Estado eacute uma
organizaccedilatildeo centrada no ser humano visto que tem a dignidade da pessoa humana
como um fundamento da Repuacuteblica Federativa do Brasil
Apesar das inuacutemeras dificuldades o Estado Democraacutetico de Direito fundado
na cidadania constituiu para o povo uma nova identidade ndash o que em outras eacutepocas
natildeo existia
A Constituiccedilatildeo circunscreve toda a organizaccedilatildeo poliacutetica estatal no intuito
maior de criar no consciente coletivo a vontade livre e determinada de desenvolver
padrotildees de condutas destinados a elevar e promover a auto-estima de toda a
comunidade paacutetria
Foi nesse sentido que estatui em seu artigo 1ordm a cidadania como fundamento
do Estado Democraacutetico de Direito ampliando e enriquecendo o tal conceito Cada
eacutepoca produziu praacuteticas e reflexotildees muito distintas sobre o tema cidadania A
definiccedilatildeo de cidadania que vem sofrendo alteraccedilotildees ao longo do tempo obedecendo
a um processo histoacuterico de conquistas sociais eacute compreendida atualmente como
um processo de participaccedilatildeo do indiviacuteduo ou de um grupo organizado nas mais
variadas aacutereas de atuaccedilatildeo da sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos
e sociais
A cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia disso natildeo haacute duvidas e se
efetiva como mudanccedilas na realidade de cada um com melhoria de vida e
conscientizaccedilatildeo da importacircncia do cidadatildeo dado que eacute um processo em
permanente construccedilatildeo Natildeo haacute como defender uma qualidade de vida sem a
preservaccedilatildeo da cidadania em todos os seus acircmbitos Nesse sentido a efetiva
proteccedilatildeo desse aspecto basilar torna-se essencial no que tange uma assistecircncia
juriacutedica completa
No contraponto do direito estatildeo os deveres que encontramos sua realizaccedilatildeo
tambeacutem na participaccedilatildeo observando que o cidadatildeo eacute responsaacutevel pelo advir de
55
suas accedilotildees A participaccedilatildeo reflete um caraacuteter de natildeo comodismo de atenccedilatildeo agravequilo
que eacute particular e coletivo tendo como finalidade preciacutepua o bem comum
Construir cidadania hoje eacute imperativo para a sociedade pois dessa
construccedilatildeo depende o amanhatilde Estamos diante da Constituiccedilatildeo que se propotildee a
resguardar o amanhatilde sem perder de vista que ele comeccedila hoje agora e nisso a
Carta Poliacutetica traacutes consigo a certeza do despertar dessa consciecircncia a consciecircncia
cidadatilde Ela eacute a semente plantada em terra feacutertil que gera frutos diariamente e se
renova a cada estaccedilatildeo na dinacircmica da vida Talvez tenha sido esse o cheiro de
frutas alcanccedilado pelo constituinte ao anunciar que a carta tem ldquocheiro do amanhatilderdquo
A responsabilidade pelo exerciacutecio desses direitos belissimamente elencados
depende de todos e de cada um pois somos o terreno feacutertil que produziraacute o fruto de
uma sociedade fraterna
Eacute comum na praacutetica apenas responsabilizarmos o Estado em sentido lato pelo
natildeo exerciacutecio dos direitos do cidadatildeo Vale lembrar nesse contexto das palavras de
J Kennedy o qual disse ldquonatildeo pergunte o que o Estado pode fazer por vocecirc mas o
que vocecirc pode fazer pelo Estadordquo haacute nessa frase um forte traccedilo de cidadania pois
quando o cidadatildeo reivindica critica opina o que ele daacute em contrapartida ao paiacutes eacute
solidificado visto que eacute nas relaccedilotildees familiares em comunidade que se estabelece e
se fortalece os viacutenculos de solidariedade de uma sociedade que perpetua valores
condutas que as leis reguladoras natildeo conseguem por si soacute estabelecer
A concretizaccedilatildeo do ideal de uma qualidade de vida merecida a todos os seres
humanos sem restriccedilotildees requer entretanto um esforccedilo coletivo Dessa forma haacute
necessidade de suprir as muitas carecircncias advindas das desigualdades sociais e de
condiccedilotildees do descaso do poder puacuteblico e da proacutepria conceituaccedilatildeo antiga de
cidadania que ainda eacute concebida por muitos no presente
Em suma nosso trabalho procurou traccedilar a evoluccedilatildeo da cidadania e ao
mesmo tempo buscou traccedilar uma melhor caracterizaccedilatildeo do cidadatildeo agrave luz da nossa
Constituiccedilatildeo que eacute por fim a essecircncia da Magna Carta O alcance da cidadania
enquanto mecanismo de acesso a direitos foi colocado no acircmbito da pessoa
enquanto titular de direitos e num paralelo defendemos que o municiacutepio eacute o espaccedilo
de atuaccedilatildeo e exerciacutecio de cidadania dada a proximidade do cidadatildeo com as
instituiccedilotildees oacutergatildeos entidades e tudo o mais que o cerca na esfera de vivecircncia Eacute na
praccedila que discute a poliacutetica local e nacional que se indigna com as dificuldades e as
56
barreiras de acesso aos seus direitos Eacute no municiacutepio que se inicia todo um vieacutes de
desdobramento para garantir direitos
Por fim natildeo obstante resta dizer sobre o tema que os caminhos e
paradigmas que se intentou percorrer sobre cidadania como mecanismo
transformador da sociedade tem ingrediente ainda a se descortinar para o
propoacutesito valioso do bem comum Pois bem a ideia de bem comum tem como
fundamento o amor maacutexima que se estabelece por meio da democracia visto que
ldquoa demofilia o demoiacutesmo o amor do povo acima de tudo como princiacutepio ativo de
toda a sua vida poliacutetica inspirador duma sempre crescente autonomia imanente eacute
que constitui a verdadeira essecircncia da democraciardquo nas palavras de Melgareacute
(2005)
Dessa forma eacute no nuacutecleo da democracia que estaacute inscrito como pedra
angular o respeito e o amor pela pessoa humana Eacute pois um tema de larga
abrangecircncia poreacutem sem querer abreviar o caminho sua efetiva possibilidade de
realizaccedilatildeo se encontra no exerciacutecio da cidadania sem repuacutedios parciais ou exclusatildeo
de qualquer ordem na plenitude de uma cidadania para todos
57
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22
como o referendo o plebiscito e a iniciativa popular para a construccedilatildeo do que ela
chama de uma cidadania ativa ou democracia semidireta Alguns autores veem
dificuldades na implementaccedilatildeo desse sistema em paiacuteses que estatildeo em processo de
democratizaccedilatildeo no entanto logo em seguida apontam para a educaccedilatildeo poliacutetica ndash
entendida como educaccedilatildeo para a cidadania ativa
Desse modo pode-se proferir que todos esses anos de desenvolvimento
acabaram por afirmar que a cidadania de fato soacute pode se constituir por meio de
acirrada luta cotidiana por direitos e pela garantia daqueles que jaacute existem pois
apesar da existecircncia de profundas desigualdades sociais a ideia de cidadania
evoluiu com o passar dos anos Ampliou-se a abrangecircncia de sua concepccedilatildeo
abraccedilando todas as classes sociais e minorias Deixou de restringir-se apenas agrave
participaccedilatildeo poliacutetica para relacionar uma seacuterie de deveres da sociedade para com o
cidadatildeo Na praacutetica ainda haacute muito que se fazer para que direitos e deveres sejam
os mesmos para todos No entanto a busca pela realizaccedilatildeo da maacutexima ldquocada
homem um votordquo continua a ser perseguida
A luta pela conquista plena da cidadania eacute parte integrante da democracia
uma vez que assegura a continuidade das transformaccedilotildees juriacutedicas poliacuteticas entre
outras Natildeo resta duacutevida acerca do papel estruturante que essa luta desempenha no
quadro das democracias contemporacircneas fato que a converte em uma irresistiacutevel
conquista da modernidade O caraacuteter estruturante que a cidadania projeta nos
quadros da democracia atual estaacute ligado a permanente busca de um Estado
compatiacutevel com a realidade de cada tempo histoacuterico
23
CAPIacuteTULO 2 - CIDADANIA Agrave LUZ DA CONSTITUICcedilAtildeO FEDERAL DE
1988
A Constituiccedilatildeo eacute a ordem juriacutedica fundamental da comunidade nas palavras
de Konrad Hesse (apud PALU 2001) eacute um documento juriacutedico e poliacutetico dirigido aos
cidadatildeos e estes satildeo os seus primeiros destinataacuterios A Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica eacute
a Lei fundamental composta por um conjunto de normas baacutesicas que compotildeem a
estrutura juriacutedica poliacutetica social e econocircmica de um paiacutes Essa eacute razatildeo pela qual
ela eacute chamada de Carta Magna pois a ela nada se sobrepotildee Para Dallari (1985) a
Constituiccedilatildeo
[] eacute a declaraccedilatildeo da vontade poliacutetica de um povo feita de modo solene por meio de uma lei que eacute superior a todas as outras que visando agrave proteccedilatildeo da dignidade humana estabelece os direitos e as responsabilidades fundamentais dos indiviacuteduos dos grupos sociais do povo e do governo
Desta forma uma Constituiccedilatildeo natildeo surge do nada ela eacute resultado de
observaccedilotildees e experiecircncias e sua finalidade eacute de afirmar e garantir os direitos
elementares das pessoas humanas disciplinar o uso ao mesmo tempo em que
evita o abuso de poder organizando de forma racional a sociedade e o governo
Satildeo inegaacuteveis as inovaccedilotildees teacutecnicas trazidas pela Constituiccedilatildeo Brasileira de
1988 no campo da instituiccedilatildeo garantia e proteccedilatildeo dos direitos fundamentais A
dignidade da pessoa humana e o exerciacutecio da cidadania satildeo considerados princiacutepios
fundamentais da Carta Magna Brasileira de 1988
Cidadania direito a ter direitos na acepccedilatildeo de Haberle ( apud VALADEacuteS
2009) refere-se a todos os direitos previstos na Constituiccedilatildeo de 1988 e ainda
aqueles natildeo expressos mas decorrentes do regime e dos princiacutepios por ela
adotados na dicccedilatildeo do sect 2deg art 5deg
O princiacutepio fundamental da cidadania conforme jaacute exposto impregna todo o
texto constitucional vigente a partir do art 1deg II em que figura de forma
24
exponencial relativamente ao Estado brasileiro e tudo que lhe corresponda no
exerciacutecio de um poder que adquire significaccedilatildeo renovada e amplificada na
sociedade contemporacircnea Segundo Arendt
A cidadania eacute o direito a ter direitos pois a igualdade em dignidade e direitos dos seres humanos natildeo eacute um dado Eacute um construiacutedo da convivecircncia coletiva que requer o acesso ao espaccedilo puacuteblico Eacute este acesso ao espaccedilo puacuteblico que permite a construccedilatildeo de um mundo comum atraveacutes do processo de asserccedilatildeo dos direitos humanos
Nesse diapasatildeo o direito a ter direitos compreende o pleno acesso ao
espaccedilo puacuteblico o efetivo exerciacutecio do poder poliacutetico das prerrogativas inerentes agrave
cidadania conforme explicita a Constituiccedilatildeo no art 5deg LXXI a propoacutesito do
mandado de injunccedilatildeo no dizer todo direito atribuiacutedo com o caraacuteter de exclusividade
agrave pessoa
21 Estado Democraacutetico de Direito espaccedilo de cidadania
Apoacutes a eacutepoca de grandes restriccedilotildees militares o ato de promulgaccedilatildeo da
Constituiccedilatildeo Federal em 05 de outubro de 1988 vem marcar uma nova fase de
esperanccedila para os brasileiros Ao batizaacute-la de Constituiccedilatildeo cidadatilde a Assembleia
Nacional Constituinte atraveacutes de seu presidente o Deputado Ulisses Guimaratildees
resumiu o espiacuterito do texto constitucional assegurar aos brasileiros direitos sociais
essenciais ao exerciacutecio da cidadania e estabelecer mecanismos para garantir o
cumprimento de tais direitos
O que se viu a partir de entatildeo foi uma lenta poreacutem significativa mudanccedila na
sociedade brasileira A Constituiccedilatildeo Federal que eacute sem duacutevidas um marco na
histoacuteria do paiacutes traccedila a prioridade dada pelos constituintes aos direitos dos
brasileiros que pode ser observada em todas as questotildees
A Carta faz uma ampliaccedilatildeo dos direitos individuais sociais e poliacuteticos e como
se observa a inserccedilatildeo dos direitos sociais como segundo tiacutetulo revela a primazia
que o constituinte quis daacute a estes direitos em detrimento de todos os outros
incluindo os referentes agrave organizaccedilatildeo do Estado e dos Poderes que vecircm depois
25
Ao contraacuterio do que ocorreu com as Constituiccedilotildees anteriores esse
ordenamento dos capiacutetulos parece revelar que a Carta eacute o prenuacutencio de um paiacutes em
que os direitos dos cidadatildeos formam a base do ordenamento do Estado Essa ideia
foi expressa pelo presidente da Assembleacuteia Constituinte deputado Ulysses
Guimaratildees que voltamos a citar quando anunciou
Diferentemente das sete constituiccedilotildees anteriores esta comeccedila com o homem De modo gratificante testemunha a primazia do homem que foi escrita para o homem que o homem eacute seu fim e sua esperanccedila Eacute a Constituiccedilatildeo cidadatilde
A Constituiccedilatildeo nasceu da constataccedilatildeo de que o figurino juriacutedico formulado
para o Brasil desde os primoacuterdios do Estado nacional natildeo se compatibilizava com as
necessidades dos brasileiros Houve avanccedilos na formalizaccedilatildeo da Lei Magna
especialmente no tocante aos direitos de cidadania mas estamos longe do ideal
preconizado pela carta cidadatilde O que nos leva a crer que a cidadania eacute um processo
diaacuterio e permanente de construccedilatildeo Pois natildeo basta garantir o direito eacute preciso
exercecirc-lo
A cidadania abraccedilada pela atual Constituiccedilatildeo Federal Brasileira teve seu
conteuacutedo ampliado e natildeo se restringe ao simples fato de possuir um tiacutetulo de eleitor
para votar e ser votado ela estabelece cidadania como princiacutepio fundamental da
Repuacuteblica do Brasil desta forma o conceito decorrente pode ser entendido
conforme preleciona Silva (2005) ldquocidadania estaacute aqui num sentido mais amplo do
que o de titular de direitos poliacuteticos Qualifica os participantes da vida do Estado
reconhecimento do indiviacuteduo como pessoa integrada a sociedade estatalrdquo
Tal conceito nos leva a relacionar cidadania com democracia uma vez que
optou-se pelo Estado Democraacutetico de Direito o qual assenta seus alicerces na
participaccedilatildeo popular em questotildees que envolvem a coisa puacuteblica Para Moraes
(2005) esse Estado de Direito ldquosignifica a exigecircncia de reger-se por normas
democraacuteticas com eleiccedilotildees livres perioacutedicas e pelo povo bem como o respeito das
autoridades puacuteblicas aos direitos e garantias fundamentaisrdquo
O propoacutesito da opccedilatildeo pelo Estado Democraacutetico de Direito eacute que a cidadania e
os demais direitos fundamentais fluam com plenitude talvez seja o que justifique a
denominaccedilatildeo da Carta Magna de cidadatilde pois o povo passa a atuar de forma mais
ativa na vida poliacutetica do Estado uma vez que a ele foi concedido esse poder
26
A cidadania portanto soacute adquire pleno significado no mundo contemporacircneo
num Estado Democraacutetico de Direito para tanto exige um ambiente de vida e de
conviacutevio entre os homens tiacutepico e proacuteprio de um Estado Democraacutetico pois a
cidadania constitui fundamento primordial daquele Estado qual seja possibilitar aos
indiviacuteduos habitantes de um paiacutes o seu pleno desenvolvimento atraveacutes do alcance
de igual dignidade social e econocircmica
Segundo Rozicki (2005) O ambiente de vida social do Estado Democraacutetico
cujos pilares se encontram na efetividade dos direitos fundamentais da pessoa
humana em uma sociedade solidaacuteria soacute eacute possiacutevel atraveacutes da observaccedilatildeo de alguns
postulados que lhe satildeo essenciais os quais a autora denomina de pressupostos do
Estado democraacutetico de Direito
1)a valorizaccedilatildeo e atualidade da dignidade do homem e o reconhecimento da importacircncia de dispensar a todos tratamento fraternal igualitaacuterio e natildeo discriminativo 2) a confianccedila nos talentos e possibilidades latentes dos homens 3) a seguranccedila e o creacutedito nos valores institucionalizados pelas massas como fundamentos para o progresso do bem comum e o alcance da justiccedila 4) a aceitaccedilatildeo da legitimidade das decisotildees tomadas por meio de processos racionais e participativos de deliberaccedilatildeo com o consenso da maioria que constitui o reflexo o resultado de debates livres entre todos 5) o respeito aos grupos minoritaacuterios 6) e a compreensatildeo de que todo o interesse geral eacute a siacutentese dos diversos interesses e ideacuteias dos indiviacuteduos e dos grupos diferentes centros de poder que integram a sociedade pluralista
Percebe-se que o conceito amplo de cidadania encontra seus princiacutepios
baacutesicos e estruturantes nesses pressupostos intimamente ligado aos conceitos de
democracia e de igualdade No tocante ao conceito de igualdade elucidativa eacute a
liccedilatildeo de Rozicki (2005) quando afirma que
O princiacutepio de igualdade disciplina todas as atividades puacuteblicas e tem aplicaccedilatildeo direta nas relaccedilotildees privadas que ocorrem entre os particulares impondo para tornaacute-lo real a proibiccedilatildeo de discriminaccedilotildees e a eliminaccedilatildeo das desigualdades faacuteticas nos planos social e econocircmico proporcionando a todos os cidadatildeos igual condiccedilatildeo de vida e mesma posiccedilatildeo perante o Estado Democraacutetico
E complementa que tambeacutem para a realizaccedilatildeo da cidadania o princiacutepio
democraacutetico torna indispensaacutevel agrave participaccedilatildeo popular nas tomadas de decisatildeo No
seu entender
27
A cidadania no Estado democraacutetico de direito efetivada oferece aos cidadatildeos como iguais condiccedilotildees de existecircncia o gozo atual de direitos e a obrigaccedilatildeo do cumprimento de deveres que resumidamente podem ser assim apresentados exerciacutecio de direitos fundamentais e participaccedilatildeo e os deveres de colaboraccedilatildeo e solidariedade (Rozicki 2005)
Natildeo obstante eacute vaacutelido ressaltar um princiacutepio igualmente importante e deveras
esquecido a fraternidade Este princiacutepio que eacute um dos trecircs pilares da Revoluccedilatildeo
Francesa eacute pouco discutido apesar de assumir um papel decisivo na consolidaccedilatildeo
da democracia da politica e do poder
A fraternidade eacute necessaacuteria para o estabelecimento de uma comunidade
politicamente solidaacuteria com indiviacuteduos iguais e livres
Para finalmente concebermos um Estado Democraacutetico de Direito que trate os
iguais na medida de suas desigualdades
22 Os direitos fundamentais como pressupostos de identidade da cidadania
Os direitos fundamentais vistos como um dos traccedilos mais marcante do
constitucionalismo moderno consistem no resultado da luta dos homens por um
direito ideal justo e humano representam situaccedilotildees reconhecidas juridicamente
sem as quais o homem eacute incapaz de alcanccedilar sua proacutepria realizaccedilatildeo e
desenvolvimento plenamente daiacute dizer-se que o princiacutepio preponderante que
condensa os direitos fundamentais eacute o da dignidade da pessoa humana
Os direitos fundamentais satildeo o conjunto de normas de um ordenamento juriacutedico que formam um subsistema deste fundado na liberdade na igualdade na seguridade na solidariedade expressotildees da dignidade do homem que formam parte da norma baacutesica material de identificaccedilatildeo do ordenamento juriacutedico e constitui um setor de moralidade procedimental positivada que legitima o Estado Social de Direito (MARTINEZ apud AGRA 2002)
Tais direitos foram e vatildeo sendo aperfeiccediloados e estendidos ao longo do
tempo resta dizer que os mesmos estabelecem faculdades da pessoa humana que
permitem sua breve classificaccedilatildeo do seguinte modo 1) os direitos civis e poliacuteticos
de liberdade como por exemplo a liberdade de expressatildeo de propriedade de
28
manifestaccedilatildeo do pensamento de associaccedilatildeo de imprensa de reuniatildeo de igualdade
formal perante a lei de participaccedilatildeo poliacutetica o devido processo legal o habeas
corpus o direito de peticcedilatildeo etc 2) os direitos sociais econocircmicos e culturais de
participaccedilatildeo poliacutetica tais como a igualdade de sufraacutegio o direito de voto e de
elegibilidade o direito de peticcedilatildeo e os direitos de participaccedilatildeo poliacutetica 3) os direitos
da titularidade coletiva que satildeo aqueles ligados a solidariedade e a fraternidade
como por exemplo o direito agrave preservaccedilatildeo do meio ambiente e agrave qualidade de vida
etc 4) os direitos chamados de quarta geraccedilatildeo por exemplo direito a democracia a
informaccedilatildeo ao comeacutercio eletrocircnico entre os estados etc
Natildeo existe qualquer relaccedilatildeo hieraacuterquica entre estes direitos mesmo porque
todos interagem entre si de nada servindo um sem a existecircncia dos outros Esta
divisatildeo acontece devido agrave eterna e constante busca do homem por mais proteccedilatildeo
mais garantia com o objetivo de alcanccedilar uma sociedade mais justa igualitaacuteria e
fraterna
Na evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais Agra (2002) chama a atenccedilatildeo do
relevo que adquirem a democratizaccedilatildeo da informaccedilatildeo e os mecanismos de
democracia participativa E justifica que a democratizaccedilatildeo da informaccedilatildeo natildeo se
caracteriza apenas pela existecircncia de uma miacutedia plural sem nenhum tipo de
monopoacutelio mas deve ser concebida como a obrigaccedilatildeo que todos os cidadatildeos tecircm
de tomar consciecircncia dos graves problemas que afligem a humanidade e que os
mecanismos da democracia participativa concebem a cidadania em extensatildeo muito
superior ao voto abrangendo a interferecircncia direta do cidadatildeo nas decisotildees
governamentais mediante vaacuterios mecanismos juriacutedicos como o plebiscito o recall o
orccedilamento participativo etc
De acordo com Silva (2005) os Direitos Fundamentais na Constituiccedilatildeo de
1988 abrangem os ldquodireitos individuais sociais poliacuteticos e tambeacutem os direitos
econocircmicos Para o autor a ampliaccedilatildeo e transformaccedilatildeo dos direitos fundamentais
do homem na histoacuteria dificultam uma definiccedilatildeo sinteacutetica do conceitordquo
Essa dificuldade aumenta diante do emprego de vaacuterias expressotildees para
designaacute-los tais como direitos naturais direitos humanos direitos do homem
direitos individuais direitos puacuteblicos subjetivos liberdades fundamentais liberdades
puacuteblicas e direitos fundamentais do homem No entanto direitos fundamentais do
homem constitui a expressatildeo mais adequada porque na palavra fundamentais
acha-se a indicaccedilatildeo de que se trata de situaccedilotildees sem as quais o indiviacuteduo natildeo tem
29
uma vida digna natildeo convive e agraves vezes nem mesmo sobrevive A expressatildeo
direitos fundamentais eacute a mais precisa no sentido de que a todos por igual devem
ser natildeo apenas formalmente reconhecidos mas concreta e materialmente
efetivados
Por sua vez a atual Corte em julgamento do habeas corpus (HC ndeg
82424RS) marca seu posicionamento no tocante ao sistema de direitos
fundamentais insculpido na Constituiccedilatildeo de 1988 atraveacutes dos profundos e bem
fundamentados votos dos Ministros que aleacutem de delimitarem a extensatildeo e os limites
da liberdade de expressatildeo (art 5o IV e IX) acabaram indicando as bases filosoacuteficas
e juriacutedicas para a interpretaccedilatildeo do cataacutelogo de direitos fundamentais da Constituiccedilatildeo
de 1988
Nesse sentido o voto do Ministro Marco Aureacutelio tratou de definir o sistema de
direitos fundamentais como a ldquoproacutepria essecircncia da Constituiccedilatildeordquo qualificando-os
como ldquovalores objetivos que servem como norte da atuaccedilatildeo estatalrdquo Assim estaacute
consignado nos fundamentos do referido voto
A Constituiccedilatildeo de 1988 representou um divisor de aacuteguas entre o antigo regime totalitaacuterio e um periacuteodo de redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes marcando dessa forma uma eacutepoca que tem como modelo de atuaccedilatildeo do Estado o respeito incondicional aos direitos fundamentais Por isso mesmo o sistema constitucional dos direitos fundamentais previsto no artigo 5o da Carta com os eventuais acreacutescimos do sect 2o reflete em rigor e em larga medida a proacutepria essecircncia da Constituiccedilatildeo e a retomada do processo de democratizaccedilatildeo e da garantia do cidadatildeo contra abusos e arbitrariedades no exerciacutecio do Poder Puacuteblico Os direitos fundamentais satildeo hoje verdadeiros princiacutepios estruturantes da organizaccedilatildeo e do funcionamento do Estado valores objetivos que servem como norte da atuaccedilatildeo estatal em seus mais diferentes niacuteveis no Legislativo formam um cataacutelogo de princiacutepios e garantias que informam e direcionam toda a atividade de criaccedilatildeo das normas de nosso ordenamento juriacutedico e de concretizaccedilatildeo dos preceitos constitucionais no Executivo mostram-se como verdadeiros limites ao exerciacutecio do poder administrativo servindo como trincheiras de proteccedilatildeo da liberdade do cidadatildeo e no judiciaacuterio refletem a base e o fundamento necessaacuterio da compreensatildeo e interpretaccedilatildeo de nossas normas ndash efeito interpretativo - evitando que a atividade jurisdicional se transforme em medidas discricionaacuterias ou providecircncias ilegiacutetimas de opccedilotildees poliacuteticas pautadas em escolhas pessoais dos juiacutezes
Tudo indica que se trata do iniacutecio de uma soacutelida construccedilatildeo jurisprudencial a
respeito do sentido axioloacutegico do sistema de direitos fundamentais da Constituiccedilatildeo
de 1988
30
Os Direitos Individuais satildeo de exerciacutecio exclusivo do indiviacuteduo e devem ser
formalmente reconhecidos e concretizados no cotidiano do cidadatildeo O indiviacuteduo aqui
eacute considerado um sujeito de direitos e natildeo apenas como integrante de um corpo
social Esses direitos natildeo podem sofrer nenhum tipo de restriccedilatildeo natildeo se
discriminando quem os pode exercer uma vez que satildeo titulares todas as pessoas
capazes incapazes brasileiras estrangeiras alfabetizadas e iletradas
A Constituiccedilatildeo Cidadatilde foi a primeira a estabelecer direitos natildeo soacute de
indiviacuteduos mas tambeacutem de grupos sociais os denominados direitos coletivos Com
isso as pessoas passaram a ser coletivamente consideradas Os direitos individuais
e coletivos estatildeo anunciados no art 5ordm em setenta e sete incisos e em dois
paraacutegrafos
Verifica-se que os Direitos Individuais tecircm como ponto marcante a liberdade
seja ela tomada de maneira global ou especiacutefica como liberdade de associaccedilatildeo de
reuniatildeo A liberdade de reuniatildeo (art 5ordm XVI) constitui-se na primeira e mais simples
liberdade corporativa estando logo apoacutes a liberdade de locomoccedilatildeo
Os Direitos Sociais tecircm como titular uma coletividade e satildeo caracterizados
pela prestaccedilatildeo de serviccedilos ou oferecimento de melhorias para a sociedade como um
todo por parte do Poder Puacuteblico Assim os Direitos Sociais tornam possiacutevel a fruiccedilatildeo
e o exerciacutecio dos Direitos Individuais pela coletividade mesmo pelos carentes
materialmente
O art 6deg define os Direitos Sociais da seguinte maneira ldquoSatildeo Direitos Sociais
a educaccedilatildeo a sauacutede o trabalho a moradia o lazer a seguranccedila a previdecircncia
social a proteccedilatildeo agrave maternidade e agrave infacircncia a assistecircncia aos desamparados na
forma desta Constituiccedilatildeordquo
Portanto eacute obrigatoacuteria ao Estado a proteccedilatildeo dos interesses da coletividade
com o atendimento dos direitos acima citados
Satildeo direitos poliacuteticos os que conferem o acesso da populaccedilatildeo agrave participaccedilatildeo
no Poder do Estado tais como os direitos de votar e ser votado do referendo
plebiscito e iniciativa popular das leis O direito democraacutetico de participaccedilatildeo dos
cidadatildeos no governo por meio de seus representantes exigiu a formaccedilatildeo de um
conjunto de normas legais permanentes que recebeu a denominaccedilatildeo de direitos
poliacuteticos Os Direitos Poliacuteticos amparam os Direitos Individuais Sociais e
Econocircmicos pois quando desaparece a democracia desaparecem imediatamente
as liberdades fundamentais
31
Com o advento da Constituiccedilatildeo de 1988 foram criadas instituiccedilotildees para
fiscalizar e controlar a atuaccedilatildeo da administraccedilatildeo puacuteblica entre as quais o Ministeacuterio
Puacuteblico que funciona como um canal de expressatildeo dos direitos da populaccedilatildeo
O Ministeacuterio Puacuteblico foi a instituiccedilatildeo que mais ganhou importacircncia no cenaacuterio
puacuteblico por ter passado a defender os interesses coletivos ou seja os interesses de
um grupo categoria ou classe e natildeo de um indiviacuteduo isolado No artigo 127 o
Ministeacuterio Puacutebico (MP) eacute definido como ldquouma instituiccedilatildeo permanente essencial agrave
funccedilatildeo jurisdicional do Estado incumbindo-lhe a defesa da ordem juriacutedica do regime
democraacutetico e dos interesses sociais e individuais indispensaacuteveisrdquo
Cabe ao Ministeacuterio Puacuteblico exigir dos poderes puacuteblicos e dos serviccedilos de
relevacircncia puacuteblica respeito aos direitos elencados na Constituiccedilatildeo promovendo as
medidas necessaacuterias agrave garantia desses direitos Portanto eacute responsaacutevel pela
garantia da ordem juriacutedica do regime democraacutetico da moralidade puacuteblica e dos
direitos sociais e individuais
23 A consagraccedilatildeo dos direitos do cidadatildeo
A Constituiccedilatildeo de 1988 eacute o coroamento da histoacuteria constitucional do Brasil por
ter sido um marco da redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes opondo-se a qualquer forma de
autoritarismo Nela a cidadania foi consagrada como um dos fundamentos da
Repuacuteblica Federativa do Brasil (art 1ordm inc II) Observe-se que o termo cidadania
encontra-se na Constituiccedilatildeo em sentido mais amplo do que o de titular de direitos
poliacuteticos pois qualifica os participantes da vida do Estado e reconhece o indiviacuteduo
como pessoa integrada na sociedade estatal
Essa nova concepccedilatildeo de cidadania introduzida pela Constituiccedilatildeo Federal de
1988 eacute fruto da internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos e como marco principal da
institucionalizaccedilatildeo erigiu em seu artigo primeiro a dignidade da pessoa humana (inc
III) e a cidadania (incII) a princiacutepio fundamental
Institui com o princiacutepio da cidadania uma nova compreensatildeo acerca dos
direitos de deveres da pessoa elevado-o a status maacuteximo a regra-matriz que natildeo
pode ser desrespeitada pois os fundamentos constituem a essecircncia da Repuacuteblica
32
Federativa e servem como regra-matriz para a elaboraccedilatildeo interpretaccedilatildeo e
integraccedilatildeo do sistema juriacutedico nacional
Violar um princiacutepio eacute muito grave que transgredir uma norma qualquer A desatenccedilatildeo ao principio implica ofensa natildeo apenas a um especifico mandamento obrigatoacuterio mas a todo o sistema de comandos Eacute a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade representa insurgecircncia contra todo o sistema subversatildeo de valores fundamentais (MELLO apud CHIMENTI 2005 P 33)
Para Silva (2004) cidadania eacute discriminada como princiacutepio relativo ao regime
poliacutetico Dessa forma compreendida cidadania como princiacutepio fundamental eacute o
direito de participar dos destinos do Estado e mais usufruir dos direitos civis
fundamentais previstos na Constituiccedilatildeo
Muitos doutrinadores utilizam cidadania no mesmo sentido de nacionalidade
(Art 12 da Constituiccedilatildeo Federal) e de direitos poliacuteticos (Art 14) Em alguns outros
dispositivos a palavra cidadania (ou cidadatildeo) poderia ainda ter a significaccedilatildeo de
direitos poliacuteticos mas mesmo assim de forma impliacutecita a exemplo dos arts 22 XIII
e 5ordm LXXIII No primeiro se lecirc que compete agrave Uniatildeo legislar sobre nacionalidade
cidadania e naturalizaccedilatildeo e no segundo que qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima
para propor accedilatildeo popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de
entidade de que o Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e
ao patrimocircnio histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de
custas judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia No entanto conforme Mazzuoli (2002)
Observe-se que a Carta de 1988 ao tratar no seu art 14 dos direitos poliacuteticos natildeo se refere sequer em um momento agrave expressatildeo cidadania dizendo apenas que a soberania popular seraacute exercida pelo sufraacutegio universal e pelo voto direito e secreto com valor igual para todos (hellip) Pelo contraacuterio a Constituiccedilatildeo faz uma separaccedilatildeo entre cidadania e direitos poliacuteticos quando no seu art 68 sect 1ordm II ao tratar das leis delegadas exclui do acircmbito da delegaccedilatildeo legislativa a nacionalidade cidadania direitos individuais poliacuteticos e eleitorais
A Constituiccedilatildeo brasileira de 1988 com a transiccedilatildeo para o regime democraacutetico
consagrou expressamente esta nova concepccedilatildeo de cidadania como se depreende
da leitura de vaacuterios dos seus dispositivos
Foi nesse sentido que pioneiramente estatuiu a Carta de 1988 em seu art
1ordm que a Repuacuteblica Federativa do Brasil formada pela uniatildeo indissoluacutevel dos
33
Estados e Municiacutepios e do Distrito Federal constitui-se em Estado Democraacutetico de
Direito e tem como fundamentos dentre outros a cidadania (inc II) Como jaacute
mencionado
Na mesma esteira o disposto no art 5ordm incisos LXXI (conceder-se-aacute
mandado de injunccedilatildeo sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviaacutevel o
exerciacutecio dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes agrave
nacionalidade agrave soberania e agrave cidadania) e LXXVII (satildeo gratuitas as accedilotildees de
habeas-corpus e habeas-data e na forma da lei os atos necessaacuterios ao exerciacutecio
da cidadania) No seu Tiacutetulo VIII Capiacutetulo II Seccedilatildeo I a Carta Magna de 1988
dispotildee ainda que a
Educaccedilatildeo direito de todos e dever do Estado e da famiacutelia seraacute promovida e incentivada com a colaboraccedilatildeo da sociedade visando ao pleno desenvolvimento da pessoa seu preparo para o exerciacutecio da cidadania e sua qualificaccedilatildeo para o trabalho (art 205)
Outro dispositivo em que fica bastante marcada esta nova concepccedilatildeo de
cidadania eacute o art 64 do Ato das Disposiccedilotildees Constitucionais Transitoacuterias que
dispotildee
A Imprensa Nacional e demais graacuteficas da Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios da administraccedilatildeo direta ou indireta inclusive fundaccedilotildees instituiacutedas e mantidas pelo Poder Puacuteblico promoveratildeo ediccedilatildeo popular do texto integral da Constituiccedilatildeo que seraacute posta agrave disposiccedilatildeo das escolas e dos cartoacuterios dos sindicatos dos quarteacuteis das igrejas e de outras instituiccedilotildees representativas da comunidade gratuitamente de modo que cada cidadatildeo brasileiro possa receber do Estado um exemplar da Constituiccedilatildeo do Brasil
Enfim a Constituiccedilatildeo de 1988 enriqueceu e ampliou os conceitos de cidadatildeo
e cidadania Seu entendimento agora como leciona Silva (2005)
Decorre da ideia de Constituiccedilatildeo dirigente que natildeo eacute apenas um repositoacuterio de programas vagos a serem cumpridos mas constitui um sistema de previsatildeo de direitos sociais mais ou menos eficazes em torno dos quais eacute que se vem construindo a nova ideacuteia de cidadania
De forma que natildeo mais se trata de considerar a cidadania como simples
qualidade de gozar direitos poliacuteticos mas sim de aferir-lhe um nuacutecleo miacutenimo e
irredutiacutevel de direitos (fundamentais) que devem se impor obrigatoriamente agrave accedilatildeo
dos poderes puacuteblicos
34
O ordenamento juriacutedico brasileiro consagrou aleacutem dos institutos jaacute
mencionados alguns outros mecanismos de defesa dos direitos e garantias
constitucionais da cidadania como a accedilatildeo civil puacuteblica regulada pela Lei nordm
734785 e accedilatildeo direta de inconstitucionalidade prevista no incIV do art 129 da
Constituiccedilatildeo Federal O Coacutedigo de Defesa do Consumidor o Estatuto da Crianccedila e
do Adolescente e ateacute mesmo o princiacutepio do devido processo legal que resguarda ao
cidadatildeo o acesso agrave justiccedila e direito de ser acionado judicialmente por meio de
procedimentos legais satildeo mecanismos de defesa dos direitos de cidadania
previstos constitucionalmente e garantidos na esfera poliacutetica civil e social
Pode-se observar que a cidadania comeccedilou a ser construiacuteda como resultado
de um processo de luta a partir da conscientizaccedilatildeo dos direitos e deveres do
homem Como vimos a cidadania jaacute em praacutetica em muitos paiacuteses adquire no
Brasil com a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 um novo sentido qual seja o
pressuposto do exerciacutecio pleno de um sistema de direitos e garantias
35
CAPIacuteTULO 3 - CIDADANIA COMO MECANISMO DE
TRANSFORMACcedilAtildeO SOCIAL
No momento em que a cidadania alccedila voos constitucionais e insere-se na
Carta Poliacutetica da Repuacuteblica Federativa do Brasil inicia-se o processo de
redemocratizaccedilatildeo e ganha relevo o cidadatildeo agente deste processo que tem em
suas matildeos a tarefa da construccedilatildeo de um novo tempo
Historicamente a ideia de cidadatildeo conotava o habitante da cidade ndash o
citadino ndash firma-se entatildeo tal conotaccedilatildeo na Antiguumlidade claacutessica para depois
significar aquele indiviacuteduo a quem se atribuem os direitos poliacuteticos Superada essa
acepccedilatildeo que tambeacutem vigorou nas constituiccedilotildees anteriores da Repuacuteblica do Brasil
na concepccedilatildeo moderna estaacute clara a noccedilatildeo de cidadatildeo como aquele que a quem
consiste a titularidade de direitos individuais poliacuteticos e sociais Noccedilatildeo esta
edificada com a internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos que amplia a acepccedilatildeo do
termo declarando que satildeo cidadatildeos todo aquele que habita o acircmbito da soberania
de um Estado e deste Estado recebem uma carga de direitos e tambeacutem deveres dos
mais variados
Desta forma a noccedilatildeo contemporacircnea de cidadania funda-se na dicotomia
direitos (exerciacutecios de direitos fundamentais - participaccedilatildeo) e deveres (colaboraccedilatildeo -
solidariedade) Ao lado dos direitos foram estabelecidos deveres fundamentais e
portanto tanto agentes puacuteblicos como os indiviacuteduos tecircm obrigaccedilotildees especiacuteficas
inclusive a de respeitar os direitos das demais pessoas que vivem na ordem social
sendo e promovendo mecanismos de transformaccedilatildeo social que visam uma nova
sociedade baseada na igualdade e na justiccedila
36
31 O ser cidadatildeo
Os termos indiviacuteduo ser humano pessoa e cidadatildeo satildeo geralmente tomados
como sinocircnimo o que certamente influi na proliferaccedilatildeo de incontaacuteveis significados e
ampliaccedilatildeo do termo cidadatildeo Poreacutem estas palavras apesar de se assemelharem
possuem carga semacircntica proacutepria e da compreensatildeo exata de cada uma decorre a
conceituaccedilatildeo mais acentuada da acepccedilatildeo do termo cidadatildeo como titular de direitos
e deveres resguardados pela constituiccedilatildeo paacutetria
Desta forma indiviacuteduo eacute um representante da espeacutecie aquele que eacute uacutenico
Enquanto ser humano eacute um termo mais geneacuterico ou indeterminado que diz respeito
agrave espeacutecie agrave classificaccedilatildeo ao mundo zooloacutegico Pessoa por sua vez eacute um termo
mais especiacutefico que tem a ver com o mundo civilizado ou se preferirmos com a
constelaccedilatildeo dos valores morais eacuteticos e juriacutedicos proacuteprios da civilizaccedilatildeo
A etimologia da palavra pessoa demonstra que eacute um conceito sobreposto ao conceito de Ser Humano Um refratildeo de origem juriacutedica tambeacutem nos lembra do homo plures pessoa polimorfa o ser humano capaz de desempenhar muitos papeacuteis um mesmo ser humano eacute empresaacuterio e delinquumlente eacute pai e metaluacutergico etc Persona (personagem) era a maacutescara que usavam os atores da trageacutedia grega para desempenhar seu papel Cabe portanto entender o conceito de Ser Humano ao lado do conceito de Pessoa No direito romano antigo os escravos eram seres humanos (homens) mas natildeo eram consideradas pessoas (patriacutecios) Os juristas romanos que usavam o conceito de Ser Humano o dissociavam do conceito de pessoas (CUNHA 2007)
O Ser Humano recebe uma distinccedilatildeo importante quando o consideramos
como Pessoa assim como a Pessoa recebe uma distinccedilatildeo redundante natildeo menos
importante quando a consideramos por forccedila de expressatildeo como uma pessoa
humana Subentendendo o adjetivo humano como relativo agrave eacutetica Portanto Ser
Humano natildeo eacute a mesma coisa que Pessoa como tampouco Ser Humano eacute o
mesmo que cidadatildeo este muito eacute mais proacuteximo do termo Pessoa Vejamos o quadro
ilustrativo que esquematiza e distinguem os referidos conceitos
37
QUADRO 1 ndash EVOLUCcedilAtildeO DO SER HUMANO ATEacute O CIDADAtildeO
O Ser Humano O Ser Indiviacuteduo O Ser Pessoa O Ser Cidadatildeo
A Dimensatildeo do conviacutevio social
A dimensatildeo do mercado de trabalho e
Consumo
A Dimensatildeo de encontrar-se no mundo
A dimensatildeo de intervir na realidade
O homem tornar-se Ser Humano nas relaccedilotildees
de conviacutevio social
O Ser Humano tornar-se indiviacuteduo quando
descobre seu papel e funccedilatildeo social
O Indiviacuteduo torna-se pessoa quanto toma
consciecircncia de si mesmo do outro e do
mundo
A pessoa torna-se cidadatildeo quando
interveacutem na realidade em que vive
Quem estuda o comportamento do Ser
Humano Seria a antropologia a histoacuteria
ou a sociologia
Quem estuda o comportamento do indiviacuteduo Seria a
Filosofia a sociologia ou a Psicologia
Quem estuda o comportamento da pessoa Seria a
Filosofia a sociologia ou a Psicologia
Quem estuda o comportamento do cidadatildeo Seria a
Sociologia a Filosofia ou As ciecircncias
poliacuteticas
Quem garante os direitos do Ser
Humano A Declaraccedilatildeo Universal
dos Direitos Humanos
Quem garante os Direitos do
Consumidor O Coacutedigo do Consumidor
Quem garante os Direitos da pessoa A proacutepria pessoa (amor proacuteprio ou autoestima)
Quem garante os Direitos do cidadatildeo (A Constituiccedilatildeo e suas leis
regulamentares)
Existe realmente uma natureza humana Teologicamente
afirmamos que existe a uma natureza humana
Seguindo a corrente existencialista (JP Sartre) negamos tal
natureza
Que diferenccedila existe entre o direito do
consumidor e o direito do cidadatildeo Ao
Consumidor deve ser dado o direito de
propriedade enquanto ao cidadatildeo deve ser
dado o direito de acesso
O que significa tornar-se pessoa no niacutevel
psicoloacutegico e social A pessoa eacute o indiviacuteduo que toma consciecircncia de si mesmo (ldquoTornar-
se Pessoardquo de Karl Roger)
Como podemos intervir na realidade
modificando as estruturas corruptas e injustas Quando os
direitos do cidadatildeo lhe satildeo oferecidos e o
mesmo passa a exercecirc-lo haacute
modificaccedilatildeo de comportamento
(ROSAS 2009)
O cidadatildeo eacute portanto aquele indiviacuteduo a quem a Constituiccedilatildeo confere direitos
e garantias e lhe daacute o poder do seu efetivo exerciacutecio aleacutem de meios processuais
eficientes contra a violaccedilatildeo de seu gozo ou fruiccedilatildeo por parte do poder puacuteblico
Sendo assim
A passagem do indiviacuteduo a cidadatildeo caracteriza-se pelo reconhecimento pela lei de direitos considerados fundamentais agrave realizaccedilatildeo da vida do homem como indiviacuteduo e ser social membro de uma comunidade poliacutetica e a garantia desses direitos pela forccedila comum de todos (CUNHA 2007)
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Nas uacuteltimas deacutecadas em alguns paiacuteses inclusive no Brasil desenvolveu-se o
conceito de cidadania calcado principalmente na questatildeo do cidadatildeo-consumidor
As pessoas passam a ser vistas como cidadatildes desde que tenham dinheiro para
adquirir mercadorias e utilizar serviccedilos Eacute certo pois que serviccedilos e mercadorias
atendem a necessidades materiais e simboacutelicas das pessoas e consumi-los eacute um
dos modos de participar da vida social criar identidade e partilhar dos bens
produzidos pela humanidade e representar-se culturalmente Contudo a cidadania
enfatizada apenas como uma relaccedilatildeo de compra e venda de mercadorias e serviccedilos
assume um conteuacutedo restrito individual conformista e voltado apenas para a
aquisiccedilatildeo de bens o que se relaciona com a ideacuteia de indiviacuteduo ou seja o consumo
atende as necessidades do indiviacuteduo
Outra forma de confusatildeo acerca do conceito de cidadatildeocidadania refere-se a
equiparaccedilatildeo feita com o assistencialismo o que configura uma acentuada inversatildeo
do termo uma vez que a praacutetica do assistencialismo natildeo propicia meios de
superaccedilatildeo das desigualdades sociais Enquanto a cidadania estaacute relacionada agrave
superaccedilatildeo das desigualdades sociais e a extensatildeo da garantia dos direitos de todos
O cidadatildeo eacute sem duacutevida uma expressatildeo que precisa ser adequadamente
utilizada e vivenciada pela coletividade compreendido na dimensatildeo do ser pessoa
de ter direitos e deveres do assumir as suas liberdades e responsabilidades no seio
de uma comunidade democraacutetica equitativa solidaacuteria e intercultural
Dessa forma ser cidadatildeo implica saber viver em sociedade estando ciente
dos anseios comuns A participaccedilatildeo ativa nas decisotildees de sua comunidade
influencia modos de vida de maneira positiva ao seu redor assim torna-se
imprescindiacutevel o exerciacutecio dos direitos constitucionais adquiridos e lutar pelos que
viratildeo eacute sobretudo estar consciente de todas as atitudes tomadas em prol da
sociedade
Eacute possiacutevel nesse espaccedilo de discussatildeo falar em ldquoestar cidadatildeordquo que eacute natildeo
praticar o exerciacutecio da cidadania em nenhuma de suas formas Implica apenas em
se deixar levar pelos acontecimentos e ainda reclamar das situaccedilotildees vividas sem
nada fazer para mudar sem nenhuma perspectiva de futuro Do que concluiacutemos que
a dinacircmica de intervir na realidade eacute pressuposto de cidadania
Ser cidadatildeo eacute tarefa que requer muito do ser humano do individuo da
pessoa Requer uma alta - estima elevada uma consciecircncia solidaacuteria uma
39
identidade que se reconheccedila na dinacircmica social interagindo com o outro ampliando
debates incitando justiccedila eacute sem duvida uma tomada de posiccedilatildeo que natildeo se
acomoda pelo contraacuterio se incomoda quando natildeo haacute comprometimento para o bem
comum
Natildeo eacute uma tarefa cocircmoda senatildeo muito complicada as pessoas natildeo nascem cidadatildeos mas fazem-se no tempo e no espaccedilo Na verdade natildeo eacute faacutecil exercer a liberdade e a cidadania ndash ser pessoa e ser cidadatildeo ndash por isso exige-se uma luta sem treacuteguas para erradicar assimetrias e exclusotildees socioculturais e criar cenaacuterios de esperanccedila realizaacuteveis fundamentados em valores e princiacutepios eacuteticos que requalifiquem a democracia com cidadatildeos participativos e
comprometidos ( SAEZ 1995)
Tem portanto como pressuposto uma mudanccedila de comportamento uma
tomada de posiccedilatildeo frente agrave dinacircmica social na qual estaacute inserido participando de
forma ativa e produtiva do processo de construccedilatildeo da cidadania por meio de seus
diversos canais
32 Emancipaccedilatildeo social atraveacutes da cidadania
Um Estado Democraacutetico eacute aquele que estaacute enraizado na legitimidade do
poder do povo e dele decorre seu exerciacutecio Assim o poder do povo eacute a expressatildeo
a aptidatildeo de homens e mulheres constituir autonomamente seu viver sem sucumbir
diante das instacircncias de poder Haacute nesse modus vivendi uma tutela das diferenccedilas e
pluralidades de formas de vida
Desta forma a cidadania eacute enfocada como o processo de participaccedilatildeo do
individuo ou de um grupo organizado nas mais variadas aacutereas de atuaccedilatildeo na
sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos sociais com a consciecircncia
da responsabilidade por sua proacutepria histoacuteria
Sendo a democracia o regime em que o povo governa sua caracteriacutestica
inarredaacutevel eacute a de ter o povo agrave frente do poder uma forma de autogoverno Em
assim sendo a cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia por meio de resultados
palpaacuteveis e medidas concretas tais como mudanccedilas na realidade de cada um com
melhoria de vida e conscientizaccedilatildeo da importacircncia na sociedade para o exerciacutecio
40
direto ou indireto desse poder pois se contentar com fato do direito estaacute prescrito
em lei natildeo eacute o bastante
Eacute certo poreacutem que o Estado democraacutetico somente se aperfeiccediloa na
proporccedilatildeo em que o povo age ativamente na medida em que os representantes
reflitam em seus atos os verdadeiros anseios populares Partindo dessa visatildeo a
cidadania eacute o grande fator de legitimaccedilatildeo do povo permitindo que ele aja em defesa
das instituiccedilotildees democraacuteticas
Sobre a participaccedilatildeo cumpre asseverar que este direito significa a
capacidade de ser consultado para as tomadas de decisatildeo que dizem respeito agrave
direccedilatildeo da sociedade em que vive o cidadatildeo este direito eacute acompanhado do
respeito aos deveres de contribuir para o progresso social e de acatar e respeitar o
resultado obtido em consulta coletiva
No elenco de mecanismo de exerciacutecio da cidadania estaacute o acesso ao direito e
a justiccedila que eacute fator preponderante para efetivar as garantias constitucionais
Assim passaremos a discorrer sobre a importacircncia de instrumentalizar o
cidadatildeo para um pleno exerciacutecio de seus direitos
Eacute Sabido que no Estado Democraacutetico Contemporacircneo os direitos
fundamentais constitucionalmente assegurados tecircm eficaacutecia imediata cumprindo ao
Estado garantir a todos os cidadatildeos o respeito a esses Direitos de modo concreto e
efetivo natildeo obstante as inuacutemeras desigualdades e condiccedilotildees adversas que
dificultam na praacutetica o seu exerciacutecio
Para o acesso ao direito o Estado deve desenvolver com eficiecircncia uma seacuterie
de atividades essenciais e dar efetividade a uma seacuterie de pressupostos Dentre eles
o principal eacute o conhecimento do Direito como fator preponderante pois o
desconhecimento da lei implica na praacutetica natildeo acionar a jurisdiccedilatildeo Um fato que
contribui para essa assertiva eacute baixa escolaridade da populaccedilatildeo e o analfabetismo
Muito pouco adianta a existecircncia de uma Constituiccedilatildeo apenas formal ou no
papel se ilegiacutetima ou desrespeitada Para que ocorra a eficaacutecia das normas
dispostas numa Constituiccedilatildeo ou melhor para que passe da teoria agrave praacutetica eacute
essencial que comandados e comandantes tenham conhecimento dos seus direitos
e responsabilidades assim como dos instrumentos juriacutedicos para efetivaacute-los (leis
regulamentadoras) O exerciacutecio da cidadania natildeo eacute somente um direito mas eacute
tambeacutem um dever de todos pois a omissatildeo de cada um contribui com as injusticcedilas e
as impunidades tatildeo presentes nos dias atuais
41
A Constituiccedilatildeo quando eacute justa e legiacutetima e principalmente quando eacute
respeitada eacute um poderoso instrumento de promoccedilatildeo e desenvolvimento social e
humano
Outro fator que deve ser considerado eacute a miserabilidade que coloca inuacutemeros
brasileiros a margem da sociedade em situaccedilatildeo precaacuteria os quais para Pinsky
(2004) ldquodesprovidos de esperanccedila de projeto de qualquer perspectiva de inclusatildeo
[] recorrer agrave Justiccedila humana parece algo irrealizaacutevel sofisticado e inteiramente
ficcionalrdquo
Desta forma o primeiro passo para concretizar os direitos previstos
constitucionalmente eacute a formaccedilatildeo do cidadatildeo atraveacutes da Educaccedilatildeo Baacutesica
infundindo-lhe a consciecircncia dos seus direitos e tambeacutem dos seus deveres sociais
bem como dos valores humanos fundamentais que devem ser por todos respeitados
na vida em sociedade A universalizaccedilatildeo do ensino fundamental a oferta obrigatoacuteria
de educaccedilatildeo infantil pelo Estado e o crescimento da oferta do ensino meacutedio satildeo
alguns dos aspectos que merecem destaques e foi devido agrave determinaccedilatildeo
constitucional de estabelecer o caraacuteter obrigatoacuterio do ensino fundamental e de
responsabilizar o Estado por sua implementaccedilatildeo que tem iniacutecio o processo de
avanccedilo desse segmento
A Constituiccedilatildeo estabeleceu de forma mais clara o papel dos entes federados
na educaccedilatildeo Tambeacutem aumentou a participaccedilatildeo orccedilamentaacuteria destinada ao setor
Com as novas regras para distribuiccedilatildeo de recursos adotadas apoacutes a promulgaccedilatildeo
da Carta os municiacutepios voltam a interessar-se pela educaccedilatildeo fundamental e o paiacutes
atinge a universalizaccedilatildeo do setor o que se busca agora satildeo mecanismos para
garantir a qualidade no ensino
O segundo passo nessa dinacircmica eacute o oferecimento a todos os cidadatildeos de
condiccedilotildees miacutenimas de sobrevivecircncia e de existecircncia condignas atraveacutes do acesso
ao trabalho produtivo livremente escolhido e do pagamento de remuneraccedilatildeo capaz
de prover ao sustento do trabalhador e de sua famiacutelia
Para milhotildees de cidadatildeos que vivem na ignoracircncia e na miseacuteria nenhuma
utilidade ou eficaacutecia tecircm os inuacutemeros direitos constitucionalmente assegurados Para
aqueles que se habituaram a retirar proventos da mendicacircncia da prostituiccedilatildeo de
atividades iliacutecitas ou aqueles que se sentiram forccedilados a sujeitar-se agrave exploraccedilatildeo de
outrem para sobreviver natildeo haacute nenhuma crenccedila na dignidade da pessoa humana e
no valor social do trabalho
42
A pobreza engendra inuacutemeras relaccedilotildees de dominaccedilatildeo entre pessoas e entre grupos sociais As habitaccedilotildees subumanas da periferia das grandes cidades no Brasil constituem verdadeiros quistos sociais terras sem lei controladas por xerifes ou por quadrilhas de malfeitores O Estado que natildeo for capaz de dotar essas comunidades do acesso efetivo agrave Educaccedilatildeo agrave Sauacutede agrave Seguranccedila e agrave Paz Puacuteblicas e ao trabalho liacutecito certamente natildeo lhes estaraacute assegurando o acesso ao Direito porque a populaccedilatildeo abrutalhada pela miseacuteria e coagida pelo medo natildeo desfruta da miacutenima eficaacutecia concreta dos
seus direitos fundamentais (GRECO 2009)
Evidencia que acesso ao Direito nas sociedades modernas mesmo nas
economicamente desenvolvidas exige o fortalecimento dos grupos intermediaacuterios e
do associativismo O cidadatildeo natildeo estaacute mais em condiccedilotildees de defender-se
individualmente das ameaccedilas e lesotildees aos seus direitos perpetradas por pessoas ou
grupos que se encontram em posiccedilatildeo de vantagem nas relaccedilotildees econocircmicas e
sociais
O sindicato veio exercer este importante papel em relaccedilatildeo ao trabalhador
empregado Mas hoje as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo natildeo satildeo apenas as que existem no
mundo do trabalho mas as que se revelam em todos os tipos de relaccedilotildees humanas
relaccedilotildees de consumo relaccedilotildees de vizinhanccedila relaccedilotildees locatiacutecias relaccedilotildees
comerciais internas e internacionais e natildeo com menor relevacircncia relaccedilotildees entre os
particulares e o Estado entre outras
Eacute preciso assegurar esse equiliacutebrio na praacutetica o que somente tornar-se-aacute
possiacutevel atraveacutes da articulaccedilatildeo dos sujeitos que se encontram em posiccedilatildeo de
desvantagem em organizaccedilotildees e associaccedilotildees que pela uniatildeo de esforccedilos
consigam compensar o desequiliacutebrio existente e dar aos indiviacuteduos e grupos a forccedila
e a capa de proteccedilatildeo necessaacuterias para ombrearem-se aos seus adversaacuterios e
lutarem pelos seus direitos ou interesses em igualdade de condiccedilotildees
Para Greco (2009) o pressuposto indispensaacutevel do acesso ao Direito eacute a
transparecircncia do Estado no trato de questotildees que possam afetar a esfera de
interesses dos cidadatildeos e complementa que aos cidadatildeos eacute indispensaacutevel
assegurar o direito de influir eficazmente nas decisotildees do poder puacuteblico atraveacutes dos
mais diversos instrumentos de participaccedilatildeo democraacutetica Ele afirma que
A relaccedilatildeo Estado-cidadatildeo natildeo eacute mais a relaccedilatildeo soberano-suacutedito O cidadatildeo tem o direito de exigir do Estado o pleno respeito ao seu
43
patrimocircnio juriacutedico Lamentavelmente a crise do Estado tem levado o Brasil a aceitar-se como normal que as pessoas juriacutedicas de Direito Puacuteblico natildeo cumpram devidamente as prestaccedilotildees positivas de que satildeo devedoras perante os particulares cabendo a estes demandar na Justiccedila para obtecirc-las (GRECO 2009)
Essa visatildeo deformada da responsabilidade do Estado ocorre o
desvirtuamento da justiccedila Por outro lado agrave violaccedilatildeo da garantia constitucional da
tutela jurisdicional efetiva (Constituiccedilatildeo artigo 5 inciso XXXV) disciplina a lei natildeo
excluiraacute da apreciaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio lesatildeo ou ameaccedila ao direito Assim o
acesso ao Direito natildeo estaraacute concretamente assegurado se o Estado natildeo oferecer a
todo cidadatildeo a possibilidade de receber aconselhamento juriacutedico a respeito dos seus
direitos
Constituiccedilatildeo de 1988 no artigo 5deg inciso LXXIV assegurou a todos
ldquoassistecircncia juriacutedicardquo a englobar assistecircncia judiciaacuteria e assessoramento juriacutedico
extrajudicial Conforme Greco (2009) ldquoeacute preciso que esse direito seja assegurado
na praacutetica Uma vez que na vida moderna o Direito tornou-se excessivamente
complexordquo Ainda no dizer do autor a consciecircncia juriacutedica do homem comum que
deve ser adquirida na famiacutelia e na escola natildeo eacute mais suficiente para a tomada de
decisotildees na vida diaacuteria das pessoas Todas as pessoas mantecircm complexas relaccedilotildees
juriacutedicas com instituiccedilotildees financeiras com fornecedores de bens e de serviccedilos etc
Nessas relaccedilotildees juriacutedicas com frequecircncia os cidadatildeos tecircm de tomar decisotildees
raacutepidas O cidadatildeo que tem meios procura um advogado particular para assessoraacute-
lo Ao pobre o Estado deve assegurar o mesmo direito em plenitude
Sem duacutevida o uacuteltimo pressuposto do acesso ao Direito eacute o acesso agrave Justiccedila
no sentido de acesso a um tribunal estatal imparcial previamente instituiacutedo como
competente para a soluccedilatildeo de qualquer litiacutegio a respeito de interesse que se afirme
juridicamente protegido ou para a praacutetica de qualquer ato que a lei subordine agrave
aprovaccedilatildeo autorizaccedilatildeo ou homologaccedilatildeo judicial
Se o cidadatildeo tem consciecircncia dos seus direitos se o Estado lhe fornece
todas as condiccedilotildees para livremente exercecirc-los mas algum outro cidadatildeo ou algum
oacutergatildeo do proacuteprio Estado impede ou dificulta esse exerciacutecio cabe ao poder puacuteblico
pocircr agrave disposiccedilatildeo do cidadatildeo lesionado ou ameaccedilado a jurisdiccedilatildeo necessaacuteria para
assegurar o pleno acesso a tal direito
Atingimos eacute certo um estaacutegio de desenvolvimento do Direito Humanitaacuterio que
natildeo mais nos permite conformar-nos com uma realidade distante do padratildeo de
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convivecircncia humana que outras naccedilotildees jaacute alcanccedilaram O exerciacutecio pleno de
cidadania seraacute obra de mais de uma geraccedilatildeo Mas se trabalharmos com firmeza
certamente os jovens de hoje poderatildeo legar aos seus descendentes a emancipaccedilatildeo
cidadatilde um paiacutes melhor e uma sociedade mais justa e democraacutetica
33 O municiacutepio como acircmbito de exerciacutecio de cidadania
Historicamente o Municiacutepio enquanto unidade poliacutetico-administrativa surgiu
conforme descreve Berardi (2004) com a Repuacuteblica Romana interessada em
manter a dominaccedilatildeo paciacutefica das cidades conquistadas pela forccedila dos exeacutercitos
Sua origem mais de natureza socioloacutegica do que poliacutetica adveacutem do espiacuterito
associativo do homem e de suas relaccedilotildees de vizinhanccedila
Eacute pois a menor unidade territorial de Federaccedilatildeo cuja criaccedilatildeo reflete a base
da organizaccedilatildeo poliacutetica administrativa da Naccedilatildeo Portanto sua funccedilatildeo administrativa
historicamente vem assentada no princiacutepio do direito natural
O artigo primeiro da Constituiccedilatildeo Federal de 1998 estabelece que o
Municiacutepio ao lado dos Estados e do Distrito Federal formam a Republica Federativa
do Brasil que se constitui em Estado Democraacutetico de Direito O municiacutepio tem assim
um poder relevante para a aplicaccedilatildeo da democracia direta iniciada e fortalecida em
niacutevel local Diversos pensadores chegaram a afirmar que a descentralizaccedilatildeo de
poder resultante da constituiccedilatildeo Cidadatilde era antes de tudo uma conquista dos
Municiacutepios sendo eles os berccedilos da perpetuaccedilatildeo da Repuacuteblica e da Democracia
efetivamente por serem o uacutenico niacutevel de governo possuidores de respaldo e
localizaccedilatildeo fiacutesica ou seja solo municipal
Eacute certo que a Carta Magna de 1988 consolidou significativas inovaccedilotildees para a
vida municipal de forma que o Municiacutepio passou a constituir um dos entes da
federaccedilatildeo tratando-o como unidade dotada de autonomia poliacutetica expressa na
capacidade de poder elaborar a sua Lei Orgacircnica fugindo assim da tutela dos
estados que ateacute entatildeo eram considerados como uacutenicos componentes da federaccedilatildeo
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A Lei Orgacircnica Municipal traz em seu bojo aleacutem da organizaccedilatildeo
administrativa do Municiacutepio a restauraccedilatildeo do Poder Legislativo municipal definindo
a diversificaccedilatildeo normativa que natildeo existia nas leis organizacionais outorgadas pelo
Estado reflexo do poder constituinte outorgados aos Municiacutepios pela Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 como consequecircncia do efetivo exerciacutecio do conceito de Estado
Democraacutetico de Direito
O Municiacutepio enquanto ente federativo tem atualmente a responsabilidade de
ordenar o seu desenvolvimento social e a garantia do bem estar de seus habitantes
executando poliacuteticas puacuteblicas de accedilotildees a serem empreendidas na consolidaccedilatildeo
democraacutetica do Estado
Fundada no elemento participaccedilatildeo o exerciacutecio de cidadania amplamente
citado encontra sua efetividade no municiacutepio Pois eacute nesse acircmbito de localizaccedilatildeo
que as pessoas mantecircm um contato direto com os poderes instituiacutedos suas
necessidades imediatas e mediatas satildeo objetos da disciplina da Lei que visa o bem
comum base do Estado democraacutetico de Direito
Baseado na maacutexima do municipalista e defensor da descentralizaccedilatildeo poliacutetica
Franco Motoro sabiamente proferiu que ldquoningueacutem vive na Uniatildeo ou no Estado As
pessoas vivem no Municiacutepiordquo Assim a cidadania encontra seu melhor espaccedilo de
realizaccedilatildeo na comunidade onde convive A vida em comunidade gera anseios
comuns sentimentos comuns uma vez que a convivecircncia propicia que as pessoas
se conheccedilam e se reconheccedilam como membros de uma mesma realidade
De acordo com Harvey (1992) ldquoa globalizaccedilatildeo provoca anonimato enquanto
comunidade cultiva solidariedaderdquo o que implica participaccedilatildeo para o exerciacutecio de
cidadania
Tudo o que acontece no mundo seja no meu paiacutes na minha cidade ou no meu bairro acontece comigo Entatildeo eu preciso participar das decisotildees que interferem na minha vida Um cidadatildeo com um sentimento eacutetico forte e consciecircncia da cidadania natildeo deixa passar nada natildeo abre matildeo desse poder de participaccedilatildeo (Herbert de Souza Betinho)
Com esse embasamento natildeo se pode perder de vista que eacute nas relaccedilotildees
diaacuterias de oposiccedilatildeo ou solidariedade que as pessoas exercem cidadania Na relaccedilatildeo
do com o outro com os poderes ao estabelecer com a vida social e puacuteblica uma
46
convivecircncia posto que cidadania eacute tarefa que natildeo termina natildeo eacute um conceito
pronto tatildeo pouco acabado enquanto seres inacabados que somos estaremos
buscando descobrindo criando e tomando consciecircncia mais ampla dos direitos
O desafio eacute construir um novo discurso sobre cidadania atraveacutes de uma
praacutetica poliacutetica sustentada isto eacute realizada em dois niacuteveis
O primeiro niacutevel na base atraveacutes de construccedilatildeo das capacidades e do poder
proacuteprio da populaccedilatildeo o que envolve inevitavelmente uma mudanccedila de atitude na
busca para garantir seus direitos utilizando-se do grau de autonomia local
Essa atitude conceberia agrave democracia participativa como uma poliacutetica paralela
de intervenccedilatildeo social criando e mantendo novos espaccedilos para a tomada de
decisotildees ou seja para o auto-governo pela populaccedilatildeo nas mateacuterias que afetam
diretamente suas vidas
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade
O segundo niacutevel um governo com o povo e natildeo apenas para o povo fundado
nos ditames constitucionais valorizando o sentimento da sociedade no exerciacutecio da
governabilidade de modo que o balizamento das accedilotildees de governo deixaria de estar
no proacuteprio governo e passaria a estabelecer-se a partir do pensar da sociedade Um
governo que se pergunta o que se deve fazer para ouvir com a maior fidelidade
possiacutevel a sociedade suas instituiccedilotildees representativas e o cidadatildeo Pois as
prioridades da gestatildeo deveriam ser definidas pela sociedade e natildeo mais pelo
governo
Portanto nesses termos eacute preciso considerar que as praacuteticas da
administraccedilatildeo puacuteblica sejam democratizadoras e inclusivas inspiradas nos
princiacutepios da legalidade impessoalidade moralidade publicidade e eficiecircncia Esta
uacuteltima buscou estabelecer uma Administraccedilatildeo Puacuteblica mais eficiente no sentido de
que o cidadatildeo como destinataacuterio dos serviccedilos puacuteblicos que o Estado deve prestar
receba-os com maior qualidade e menor custo para o eraacuterio puacuteblico
Para a consecuccedilatildeo desse governar com o povo alguns pontos devem ser
revistos A mudanccedila implica na necessidade de adequaccedilatildeo reorganizaccedilatildeo
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reformulaccedilatildeo Para isso se faz premente em face dos novos e modernos conceitos
de gestatildeo puacuteblica a superaccedilatildeo do tradicional vezo burocraacutetico que vem convertendo
a Administraccedilatildeo nas palavras Dromi (1995) numa cara ldquomaacutequina de impedirrdquo fiel
ldquocoacutedigo do fracassordquo que dispotildee ldquoartigo primeiro natildeo pode artigo segundo em
caso de duacutevida abstenha-se artigo terceiro se eacute urgente espere artigo quarto
sempre eacute mais prudente natildeo fazer nadardquo numa posiccedilatildeo natildeo burocraacutetica e sim
democraacutetica de considerar que organizaccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica inclui a
praacutetica de ver os cidadatildeos como membros plenos da comunidade poliacutetica tendo
acesso e exercitando direitos as que promovem a organizaccedilatildeo da populaccedilatildeo em
torno de temas de interesse comum as que incluem o controle social sobre a
gestatildeo o debate amplo e informado sobre questotildees de governo e que abrem agrave
populaccedilatildeo as decisotildees sobre estas questotildees Como leciona e Barrientos (2000)
Tratam-se de praacuteticas que natildeo buscam somente melhorar a eficiecircncia administrativa das diferentes organizaccedilotildees puacuteblicas mas que incorporam no seu processo de gestatildeo a dimensatildeo ativa da cidadania isto eacute ldquoque facilitam as iniciativas e responsabilidades de todos os envolvidos[] estabelecendo pontes entre Estado e sociedade civil
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade Acreditamos
que o ponto de partida eacute a atitude aliada agrave solidariedade e ao espiacuterito coletivo Pois
governo e cidadatildeos juntos haveratildeo de cumprir um novo papel no processo de
desenvolvimento como agentes de uma nova cultura
Como afirma Peter Drucke
A parceria comunitaacuteria seraacute um dos verdadeiros setores em crescimento das economias desenvolvidas Surge da necessidade de uma participaccedilatildeo mais direta e efetiva da comunidade nas grandes questotildees da vida social pois natildeo existe ningueacutem melhor que o cidadatildeo para saber o que ele quer para si para sua famiacutelia e para sua comunidade (apud RAMOS 1990)
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O envolvimento efetivo da sociedade nas questotildees sociais natildeo eacute apenas uma
postura moderna Significa antes de tudo uma atitude digna de todos aqueles que
desejam exercer sua cidadania contribuindo para um paiacutes melhor e em especial
para uma sociedade mais justa fraterna e solidaacuteria
Na histoacuteria observa-se a grande coragem das pessoas em construir o
reconhecimento delas proacuteprias e de seus direitos sempre buscando a participaccedilatildeo e
defendendo os Direitos Humanos Sem duacutevida a maior ecircnfase que deve ocorrer
para a construccedilatildeo real da cidadania eacute uma mudanccedila na sociedade O melhor a ser
feito eacute reforccedilar a organizaccedilatildeo democraacutetica buscando novas formas de participaccedilatildeo
social pois cidadania natildeo se resume ao poder de votar ou ser votado mas eacute sempre
na efetiva participaccedilatildeo popular pois somente com isso haacute a verdadeira
conscientizaccedilatildeo e o comprometimento daquele que passa a se sentir cidadatildeo
abandonando-se velhos viacutecios da poliacutetica representativa
Desse modo a participaccedilatildeo do povo no momento das reivindicaccedilotildees das
discussotildees e apreciaccedilotildees de projetos que visem agrave melhoria da comunidade local a
exigecircncia de transparecircncia na administraccedilatildeo da coisa puacuteblica dentre outras eacute quem
daraacute embasamento para as verdadeiras conquistas sociais no Municiacutepio que geram
saudaacuteveis formas de pressatildeo por efetivas poliacuteticas puacuteblicas de inclusatildeo social
gerando o fim do clientelismo poliacutetico tatildeo pejorativo e comum em nossa realidade e
cultura poliacutetica
Somente a participaccedilatildeo social eacute que iraacute causar uma real democratizaccedilatildeo do
poder A afirmaccedilatildeo da cidadania eacute pressuposto para a realizaccedilatildeo dos Direitos
Humanos pois os homens natildeo nascem naturalmente iguais Inclusive para que
ocorra a realizaccedilatildeo dos referidos direitos eacute necessaacuterio tambeacutem que exista um
espaccedilo puacuteblico que seja realmente democraacutetico e acessiacutevel possibilitando a
participaccedilatildeo de todos e esse espaccedilo eacute certamente o municiacutepio
Na praacutetica um forte instrumento de cidadania para atender as necessidades
coletivas eacute o orccedilamento participativo previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal que
determina expressamente a realizaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas e a participaccedilatildeo
popular nos processos de elaboraccedilatildeo e conduccedilatildeo dos orccedilamentos como forma de
incentivo agrave preparaccedilatildeo e execuccedilatildeo de planejamentos que envolvam diretamente o
povo A Lei veio incentivar a sua propagaccedilatildeo para todos os entes federativos tendo
em conta que se trata de uma tendecircncia mundial por legitimar as escolhas e
fortalecer o princiacutepio da transparecircncia
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Os meios de acesso do cidadatildeo junto aos Poderes Puacuteblicos eacute uma realidade
no Estado Democraacutetico de Direito brasileiro a exemplo das sessotildees do Poder
Legislativo que satildeo puacuteblicas ficando abertas a todos que delas quiserem participar
Emite-se uma pauta antes do comeccedilo da sessatildeo com a preacutevia dos debates Em
niacutevel municipal verifica-se um acompanhamento mais incisivo sobre as sessotildees das
Cacircmaras de Vereadores como forma de pressatildeo para aprovaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees
da comunidade avaliaccedilatildeo do desempenho e aceitaccedilatildeo de propostas orccedilamentaacuterias
e atuaccedilatildeo dos poliacuteticos bem como entendimento das funccedilotildees do Poder Legislativo
A Constituiccedilatildeo Federal assegura desde 1988 a possibilidade de se oferecer
peticcedilatildeo agraves Mesas Legislativas como forma de pedir informaccedilotildees sobre andamento
de projetos ou relatoacuterios encaminhados aos chefes do Poder Executivo Em niacutevel
municipal pode ser utilizada a Tribuna Livre como instrumento para denuacutencias de
problemas ou discussatildeo de um tema ou mesmo para apresentar sugestotildees sendo
regulado pela Lei Orgacircnica Municipal e pelo Regimento Interno da Cacircmara
A convocaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas tambeacutem possui previsatildeo constitucional
no art 58 sect 20 inciso II em niacutevel federal As comissotildees podem em razatildeo da
mateacuteria de sua competecircncia realizar audiecircncias puacuteblicas com entidades da
sociedade civil E nada obsta que estejam previstas formas de articulaccedilatildeo da
sociedade civil com os Presidentes das Comissotildees da Cacircmara no seu Regimento
Interno em acircmbito municipal
Os dispositivos da Constituiccedilatildeo Federal que dispotildeem sobre a forma de
participaccedilatildeo direta do cidadatildeo e da sociedade civil no processo democraacutetico natildeo se
pode negar que trouxe novas perspectivas De modo geral podemos citar
Art 29 A lei orgacircnica dos Municiacutepios tem que observar entre os seus
preceitos ldquocooperaccedilatildeo das associaccedilotildees representativas no planejamento municipalrdquo
Art 31 As contas dos municiacutepios ficaratildeo durante 60 (sessenta) dias
anualmente a disposiccedilatildeo de qualquer contribuinte para exame e apreciaccedilatildeo o qual
poderaacute questionar-lhes a legitimidade nos termos da lei
Art37 sect 3ordm (EC-1998) A lei disciplinaraacute as formas de participaccedilatildeo do usuaacuterio
na administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta regulando especialmente
I- as reclamaccedilotildees relativas a prestaccedilatildeo dos serviccedilos puacuteblicos em geral asseguradas
a manutenccedilatildeo de serviccedilo de atendimento ao usuaacuterio e a avaliaccedilatildeo perioacutedica externa
e interna da qualidade dos serviccedilos
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II- o acesso dos usuaacuterios a registros administrativos e a informaccedilatildeo sobre atos de
governo observado o disposto no art 5ordm X e XXXIII
III- a disciplina da representaccedilatildeo conta o exerciacutecio negligente ou abusivo de cargo
emprego ou funccedilatildeo na administraccedilatildeo puacuteblica
Art 74 sect 2ordm Qualquer cidadatildeo partido poliacutetico associaccedilatildeo ou sindicato eacute
parte legiacutetima para na forma de lei denunciar irregularidades ou ilegalidades perante
o Tribunal de Contas da Uniatildeo
Art194 paraacutegrafo uacutenico Compete ao Poder Puacuteblico nos termos da lei
organizar a seguridade social com base nos seguintes objetivos ()
VII ndash caraacuteter democraacutetivo descentralizado na administraccedilatildeo mediante gestatildeo
quadripartite com participaccedilatildeo dos trabalhadores dos empregados e dos
aposentados e do Governo nos oacutergatildeos colegiados nos oacutergatildeos colegiados
Art 198 As accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede integram uma rede
regionalizada e hierarquizada o constituem um sistema uacutenico organizado de acordo
com as seguintes diretrizes
III ndash participaccedilatildeo da comunidade
Art 202 sect 6ordm A lei complementa a que se refere o sect 4ordm deste artigo
estabeleceraacute os requisitos para a designaccedilatildeo dos membros das diretorias das
entidades fechadas de previdecircncia privada e disciplinaraacute a inserccedilatildeo dos
participantes nos colegiados e instacircncias de decisatildeo em que seus interesses sejam
objeto de discussatildeo e deliberaccedilatildeo
Art 204 As accedilotildees governamentais na aacuterea de assistecircncia social seratildeo
organizadas com base nas seguintes diretrizes
II ndash Participaccedilatildeo da populaccedilatildeo por meio de organizaccedilotildees representativas na
formulaccedilatildeo das poliacuteticas e no controle das accedilotildees em todos os niacuteveis
O protagonista na concretizaccedilatildeo dos direitos humanos e na ampliaccedilatildeo da cidadania eacute um sujeito coletivo de um trabalho sempre inacabado eis que se tratam de tarefas e conquistas cotidianas e gradativas obras que soacute podem ser realizada a muitas matildeos no partilhar e compartilhar da vida (COSTA NETO 2010)
A ampliaccedilatildeo da cidadania requer a consciecircncia de que os direitos pressupotildeem
deveres de maneira que os direitos de um indiviacuteduo satildeo garantidos a partir do
cumprimento dos deveres dos demais componentes da sociedade
51
34 A necessaacuteria superaccedilatildeo de velhos paradigmas
Como se sabe em 1988 foi aprovada a Constituiccedilatildeo mais liberal e
democraacutetica do Brasil chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo Assim ampliou-se de
forma significativa o campo dos direitos e garantias fundamentais No que diz
respeito a tal mateacuteria eacute considerada como uma das mais avanccediladas do mundo No
seu preacircmbulo adota o modelo de um Estado democraacutetico de Direito destinado a
garantir o exerciacutecio dos direitos sociais e individuais a liberdade a seguranccedila o
bem-estar o desenvolvimento a igualdade e a justiccedila eleitos como valores
supremos de uma sociedade fraterna pluralista e sem preconceitos
Para a construccedilatildeo democraacutetica da cidadania no Brasil contemporacircneo
salienta-se de ela deve passar de uma democracia representativa para uma
cidadania que efetivamente molde a democracia ou seja uma cidadania instituinte
da democracia
No acircmbito constitucional positivo cidadania pressupotildee o exerciacutecio de todos
os direitos fundamentais e garantias que caracterizam o Estado democraacutetico de
Direito Quando se fala em cidadania eacute no sentido de reafirmar o direito pela plena
realizaccedilatildeo do indiviacuteduo do cidadatildeo dos entes coletivos e de sua emancipaccedilatildeo nos
espaccedilos da sociedade Estatildeo sempre intimamente ligados os conceitos de
cidadania democracia e direitos humanos sendo que um remete ao outro e seus
conteuacutedos se interligam ou seja a cidadania natildeo iraacute ocorrer sem que ocorra a
realizaccedilatildeo dos Direitos Humanos da mesma forma que os direitos humanos natildeo
seratildeo concretizados se natildeo houver o exerciacutecio da cidadania
Na evoluccedilatildeo histoacuterica tais categorias se desenvolveram de forma conjunta
com o Estado Representam noccedilotildees desejaacuteveis de relaccedilotildees humanas que se espera
sejam instituiacutedas Satildeo os elementos basilares na nova ordem social e que a
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 pretendeu edificar Poreacutem a democracia poliacutetica natildeo
resolveu os problemas econocircmicos mais seacuterios como a desigualdade e o
desemprego Continuam muito seacuterios os problemas da aacuterea social principalmente
na educaccedilatildeo nos serviccedilos de sauacutede e saneamento como tambeacutem e
principalmente quanto agrave seguranccedila puacuteblica
52
A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 em seu artigo 6ordm e em outros artigos no texto
constitucional ampliou e muito os Direitos Sociais proibiu discriminaccedilotildees Assim
indicadores baacutesicos de qualidade de vida apontam que houve uma melhoria A
mortalidade infantil por exemplo caiu de maneira significativa nos uacuteltimos anos A
esperanccedila de vida ao nascer passou de 60 anos em 1980 para 70 em 2000 Poreacutem
o maior progresso foi na aacuterea da educaccedilatildeo fundamental que eacute considerado fator
decisivo para a cidadania pois a taxa de analfabetismo caiu consideravelmente
entretanto existem muitos problemas no campo educacional como a repetecircncia e
com relaccedilatildeo a desigualdade social entre as regiotildees
A grande concentraccedilatildeo da riqueza nacional nas matildeos de poucos reflete a
desigualdade e causa a pobreza e a miseacuteria ao passo que dificulta o acesso do
cidadatildeo agrave justiccedila e consequentemente ao seu estado de cidadania pleno
Dentre os fundamentos no qual se baseiam o Estado democraacutetico de Direito
no Brasil destaca-se justamente a cidadania e a dignidade humana conforme artigo
1ordm incisos II e III da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Entatildeo construir uma sociedade
livre justa e solidaacuteria garantir o desenvolvimento nacional erradicar a pobreza e a
marginalizaccedilatildeo reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de
todos sem preconceitos de origem raccedila sexo cor idade ou quaisquer outras
formas de discriminaccedilatildeo satildeo os objetivos fundamentais do Estado Brasileiro
conforme art 3ordm da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
O cenaacuterio de globalizaccedilatildeo econocircmica mundial tambeacutem traacutes seacuterios obstaacuteculos
para a construccedilatildeo da cidadania A globalizaccedilatildeo da economia em ritmo acelerado
provoca grandes mudanccedilas nas relaccedilotildees entre Estado sociedade e naccedilatildeo que
eram sempre o centro da noccedilatildeo e da praacutetica da cidadania ocidental O foco das
mudanccedilas e das preocupaccedilotildees estaacute em dois focos especiacuteficos a reduccedilatildeo do papel
central do Estado como fonte de direitos e local para a participaccedilatildeo e o
deslocamento da naccedilatildeo como principal fonte de identidade coletiva
Para que ocorra efetiva mudanccedila a melhor proposta eacute no sentido de
mudanccedila na organizaccedilatildeo da sociedade pois a inversatildeo da sequecircncia dos direitos
fez com que ocorra o reforccedilo da supremacia do Estado Para que ocorra a
consolidaccedilatildeo democraacutetica e cidadatilde eacute necessaacuterio reforccedilar a organizaccedilatildeo da
sociedade para assim dar embasamento social ao poder poliacutetico ou seja
finalmente democratizar o poder e estabelecer de forma plena a Cidadania
53
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A Constituiccedilatildeo que nasce com ldquocheiro de amanhatilde e natildeo de mofordquo nas
palavras do Deputado Ulisses Guimaratildees tem em seu relevo a esperanccedila de um
povo que sonhava com a erradicaccedilatildeo da repressatildeo militar e natildeo soacute isso um povo
que sonhava com a liberdade em suas diversas manifestaccedilotildees em suas mais
significativas formas de representaccedilatildeo e sobretudo com um paiacutes voltado para a
democracia e justiccedila social
Ao povo brasileiro foi concedido o poder de governar e nesse contexto de
mudanccedila a ldquodemocracia eacute o governo do povo pelo povo e para o povordquo na
conceituaccedilatildeo ceacutelebre de Abraham Lincoln E consoante estabelece o paraacutegrafo
uacutenico do art 1ordm da Carta cidadatilde de 1988 ldquotodo poder emana do povo que o exerce
por meio de representantes eleitos ou diretamenterdquo
No entanto natildeo basta que a fonte de poder seja o povo a democracia vem
significar a efetiva participaccedilatildeo do povo nas decisotildees e destino do Estado e sua
consolidaccedilatildeo eacute a proacutepria cidadania pois eacute o cidadatildeo que pensa e se auto define
diante da condiccedilatildeo soacutecio-histoacuterica O cidadatildeo tem portanto o poder de transformar
a realidade social segundo seu pensamento e accedilatildeo
Natildeo se pode negar que a Carta de 1988 foi a que apresentou maior
legitimidade popular que abriu caminhos apontando um novo tempo
Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita Se fosse perfeita seria irreformaacutevel Ela proacutepria com humildade e realismo admite ser emendada ateacute por maioria mais acessiacutevel dentro de cinco anos Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita mas seraacute uacutetil e pioneira e desbravadora Seraacute luz ainda que de lamparina na noite dos desgraccedilados Eacute caminhando que se abrem os caminhos Ela vai caminhar e abri-los Seraacute redentor o que penetrar nos bolsotildees sujos escuros e ignorados da miseacuteria (Ulysses Guimaratildees)
Mesmo natildeo sendo a constituiccedilatildeo perfeita sem duacutevida foi a que trouxe
esperanccedila ao povo brasileiro com a sua promulgaccedilatildeo surgiram o ldquohaacutebeas datardquo o
mandado de injunccedilatildeo e o mandado de seguranccedila coletivo - todos remeacutedios judiciais
de iacutendoles constitucionais serviacuteveis para prevenir e combater diversas tentativas de
abuso contra a pessoa humana Outrossim o objeto da accedilatildeo popular foi ampliado
Atualmente qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima para propor a mencionada accedilatildeo
54
popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de entidade de que o
Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e ao patrimocircnio
histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de custas
judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia Nesse rol de forma decisiva houve a
ampliaccedilatildeo tambeacutem dos direitos sociais
Assim a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconhece e assegura uma seacuterie de
escudos protetivos aos cidadatildeos Em sua essecircncia os direitos fundamentais
ganham forma De modo que podemos assegurar que hoje o nosso Estado eacute uma
organizaccedilatildeo centrada no ser humano visto que tem a dignidade da pessoa humana
como um fundamento da Repuacuteblica Federativa do Brasil
Apesar das inuacutemeras dificuldades o Estado Democraacutetico de Direito fundado
na cidadania constituiu para o povo uma nova identidade ndash o que em outras eacutepocas
natildeo existia
A Constituiccedilatildeo circunscreve toda a organizaccedilatildeo poliacutetica estatal no intuito
maior de criar no consciente coletivo a vontade livre e determinada de desenvolver
padrotildees de condutas destinados a elevar e promover a auto-estima de toda a
comunidade paacutetria
Foi nesse sentido que estatui em seu artigo 1ordm a cidadania como fundamento
do Estado Democraacutetico de Direito ampliando e enriquecendo o tal conceito Cada
eacutepoca produziu praacuteticas e reflexotildees muito distintas sobre o tema cidadania A
definiccedilatildeo de cidadania que vem sofrendo alteraccedilotildees ao longo do tempo obedecendo
a um processo histoacuterico de conquistas sociais eacute compreendida atualmente como
um processo de participaccedilatildeo do indiviacuteduo ou de um grupo organizado nas mais
variadas aacutereas de atuaccedilatildeo da sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos
e sociais
A cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia disso natildeo haacute duvidas e se
efetiva como mudanccedilas na realidade de cada um com melhoria de vida e
conscientizaccedilatildeo da importacircncia do cidadatildeo dado que eacute um processo em
permanente construccedilatildeo Natildeo haacute como defender uma qualidade de vida sem a
preservaccedilatildeo da cidadania em todos os seus acircmbitos Nesse sentido a efetiva
proteccedilatildeo desse aspecto basilar torna-se essencial no que tange uma assistecircncia
juriacutedica completa
No contraponto do direito estatildeo os deveres que encontramos sua realizaccedilatildeo
tambeacutem na participaccedilatildeo observando que o cidadatildeo eacute responsaacutevel pelo advir de
55
suas accedilotildees A participaccedilatildeo reflete um caraacuteter de natildeo comodismo de atenccedilatildeo agravequilo
que eacute particular e coletivo tendo como finalidade preciacutepua o bem comum
Construir cidadania hoje eacute imperativo para a sociedade pois dessa
construccedilatildeo depende o amanhatilde Estamos diante da Constituiccedilatildeo que se propotildee a
resguardar o amanhatilde sem perder de vista que ele comeccedila hoje agora e nisso a
Carta Poliacutetica traacutes consigo a certeza do despertar dessa consciecircncia a consciecircncia
cidadatilde Ela eacute a semente plantada em terra feacutertil que gera frutos diariamente e se
renova a cada estaccedilatildeo na dinacircmica da vida Talvez tenha sido esse o cheiro de
frutas alcanccedilado pelo constituinte ao anunciar que a carta tem ldquocheiro do amanhatilderdquo
A responsabilidade pelo exerciacutecio desses direitos belissimamente elencados
depende de todos e de cada um pois somos o terreno feacutertil que produziraacute o fruto de
uma sociedade fraterna
Eacute comum na praacutetica apenas responsabilizarmos o Estado em sentido lato pelo
natildeo exerciacutecio dos direitos do cidadatildeo Vale lembrar nesse contexto das palavras de
J Kennedy o qual disse ldquonatildeo pergunte o que o Estado pode fazer por vocecirc mas o
que vocecirc pode fazer pelo Estadordquo haacute nessa frase um forte traccedilo de cidadania pois
quando o cidadatildeo reivindica critica opina o que ele daacute em contrapartida ao paiacutes eacute
solidificado visto que eacute nas relaccedilotildees familiares em comunidade que se estabelece e
se fortalece os viacutenculos de solidariedade de uma sociedade que perpetua valores
condutas que as leis reguladoras natildeo conseguem por si soacute estabelecer
A concretizaccedilatildeo do ideal de uma qualidade de vida merecida a todos os seres
humanos sem restriccedilotildees requer entretanto um esforccedilo coletivo Dessa forma haacute
necessidade de suprir as muitas carecircncias advindas das desigualdades sociais e de
condiccedilotildees do descaso do poder puacuteblico e da proacutepria conceituaccedilatildeo antiga de
cidadania que ainda eacute concebida por muitos no presente
Em suma nosso trabalho procurou traccedilar a evoluccedilatildeo da cidadania e ao
mesmo tempo buscou traccedilar uma melhor caracterizaccedilatildeo do cidadatildeo agrave luz da nossa
Constituiccedilatildeo que eacute por fim a essecircncia da Magna Carta O alcance da cidadania
enquanto mecanismo de acesso a direitos foi colocado no acircmbito da pessoa
enquanto titular de direitos e num paralelo defendemos que o municiacutepio eacute o espaccedilo
de atuaccedilatildeo e exerciacutecio de cidadania dada a proximidade do cidadatildeo com as
instituiccedilotildees oacutergatildeos entidades e tudo o mais que o cerca na esfera de vivecircncia Eacute na
praccedila que discute a poliacutetica local e nacional que se indigna com as dificuldades e as
56
barreiras de acesso aos seus direitos Eacute no municiacutepio que se inicia todo um vieacutes de
desdobramento para garantir direitos
Por fim natildeo obstante resta dizer sobre o tema que os caminhos e
paradigmas que se intentou percorrer sobre cidadania como mecanismo
transformador da sociedade tem ingrediente ainda a se descortinar para o
propoacutesito valioso do bem comum Pois bem a ideia de bem comum tem como
fundamento o amor maacutexima que se estabelece por meio da democracia visto que
ldquoa demofilia o demoiacutesmo o amor do povo acima de tudo como princiacutepio ativo de
toda a sua vida poliacutetica inspirador duma sempre crescente autonomia imanente eacute
que constitui a verdadeira essecircncia da democraciardquo nas palavras de Melgareacute
(2005)
Dessa forma eacute no nuacutecleo da democracia que estaacute inscrito como pedra
angular o respeito e o amor pela pessoa humana Eacute pois um tema de larga
abrangecircncia poreacutem sem querer abreviar o caminho sua efetiva possibilidade de
realizaccedilatildeo se encontra no exerciacutecio da cidadania sem repuacutedios parciais ou exclusatildeo
de qualquer ordem na plenitude de uma cidadania para todos
57
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23
CAPIacuteTULO 2 - CIDADANIA Agrave LUZ DA CONSTITUICcedilAtildeO FEDERAL DE
1988
A Constituiccedilatildeo eacute a ordem juriacutedica fundamental da comunidade nas palavras
de Konrad Hesse (apud PALU 2001) eacute um documento juriacutedico e poliacutetico dirigido aos
cidadatildeos e estes satildeo os seus primeiros destinataacuterios A Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica eacute
a Lei fundamental composta por um conjunto de normas baacutesicas que compotildeem a
estrutura juriacutedica poliacutetica social e econocircmica de um paiacutes Essa eacute razatildeo pela qual
ela eacute chamada de Carta Magna pois a ela nada se sobrepotildee Para Dallari (1985) a
Constituiccedilatildeo
[] eacute a declaraccedilatildeo da vontade poliacutetica de um povo feita de modo solene por meio de uma lei que eacute superior a todas as outras que visando agrave proteccedilatildeo da dignidade humana estabelece os direitos e as responsabilidades fundamentais dos indiviacuteduos dos grupos sociais do povo e do governo
Desta forma uma Constituiccedilatildeo natildeo surge do nada ela eacute resultado de
observaccedilotildees e experiecircncias e sua finalidade eacute de afirmar e garantir os direitos
elementares das pessoas humanas disciplinar o uso ao mesmo tempo em que
evita o abuso de poder organizando de forma racional a sociedade e o governo
Satildeo inegaacuteveis as inovaccedilotildees teacutecnicas trazidas pela Constituiccedilatildeo Brasileira de
1988 no campo da instituiccedilatildeo garantia e proteccedilatildeo dos direitos fundamentais A
dignidade da pessoa humana e o exerciacutecio da cidadania satildeo considerados princiacutepios
fundamentais da Carta Magna Brasileira de 1988
Cidadania direito a ter direitos na acepccedilatildeo de Haberle ( apud VALADEacuteS
2009) refere-se a todos os direitos previstos na Constituiccedilatildeo de 1988 e ainda
aqueles natildeo expressos mas decorrentes do regime e dos princiacutepios por ela
adotados na dicccedilatildeo do sect 2deg art 5deg
O princiacutepio fundamental da cidadania conforme jaacute exposto impregna todo o
texto constitucional vigente a partir do art 1deg II em que figura de forma
24
exponencial relativamente ao Estado brasileiro e tudo que lhe corresponda no
exerciacutecio de um poder que adquire significaccedilatildeo renovada e amplificada na
sociedade contemporacircnea Segundo Arendt
A cidadania eacute o direito a ter direitos pois a igualdade em dignidade e direitos dos seres humanos natildeo eacute um dado Eacute um construiacutedo da convivecircncia coletiva que requer o acesso ao espaccedilo puacuteblico Eacute este acesso ao espaccedilo puacuteblico que permite a construccedilatildeo de um mundo comum atraveacutes do processo de asserccedilatildeo dos direitos humanos
Nesse diapasatildeo o direito a ter direitos compreende o pleno acesso ao
espaccedilo puacuteblico o efetivo exerciacutecio do poder poliacutetico das prerrogativas inerentes agrave
cidadania conforme explicita a Constituiccedilatildeo no art 5deg LXXI a propoacutesito do
mandado de injunccedilatildeo no dizer todo direito atribuiacutedo com o caraacuteter de exclusividade
agrave pessoa
21 Estado Democraacutetico de Direito espaccedilo de cidadania
Apoacutes a eacutepoca de grandes restriccedilotildees militares o ato de promulgaccedilatildeo da
Constituiccedilatildeo Federal em 05 de outubro de 1988 vem marcar uma nova fase de
esperanccedila para os brasileiros Ao batizaacute-la de Constituiccedilatildeo cidadatilde a Assembleia
Nacional Constituinte atraveacutes de seu presidente o Deputado Ulisses Guimaratildees
resumiu o espiacuterito do texto constitucional assegurar aos brasileiros direitos sociais
essenciais ao exerciacutecio da cidadania e estabelecer mecanismos para garantir o
cumprimento de tais direitos
O que se viu a partir de entatildeo foi uma lenta poreacutem significativa mudanccedila na
sociedade brasileira A Constituiccedilatildeo Federal que eacute sem duacutevidas um marco na
histoacuteria do paiacutes traccedila a prioridade dada pelos constituintes aos direitos dos
brasileiros que pode ser observada em todas as questotildees
A Carta faz uma ampliaccedilatildeo dos direitos individuais sociais e poliacuteticos e como
se observa a inserccedilatildeo dos direitos sociais como segundo tiacutetulo revela a primazia
que o constituinte quis daacute a estes direitos em detrimento de todos os outros
incluindo os referentes agrave organizaccedilatildeo do Estado e dos Poderes que vecircm depois
25
Ao contraacuterio do que ocorreu com as Constituiccedilotildees anteriores esse
ordenamento dos capiacutetulos parece revelar que a Carta eacute o prenuacutencio de um paiacutes em
que os direitos dos cidadatildeos formam a base do ordenamento do Estado Essa ideia
foi expressa pelo presidente da Assembleacuteia Constituinte deputado Ulysses
Guimaratildees que voltamos a citar quando anunciou
Diferentemente das sete constituiccedilotildees anteriores esta comeccedila com o homem De modo gratificante testemunha a primazia do homem que foi escrita para o homem que o homem eacute seu fim e sua esperanccedila Eacute a Constituiccedilatildeo cidadatilde
A Constituiccedilatildeo nasceu da constataccedilatildeo de que o figurino juriacutedico formulado
para o Brasil desde os primoacuterdios do Estado nacional natildeo se compatibilizava com as
necessidades dos brasileiros Houve avanccedilos na formalizaccedilatildeo da Lei Magna
especialmente no tocante aos direitos de cidadania mas estamos longe do ideal
preconizado pela carta cidadatilde O que nos leva a crer que a cidadania eacute um processo
diaacuterio e permanente de construccedilatildeo Pois natildeo basta garantir o direito eacute preciso
exercecirc-lo
A cidadania abraccedilada pela atual Constituiccedilatildeo Federal Brasileira teve seu
conteuacutedo ampliado e natildeo se restringe ao simples fato de possuir um tiacutetulo de eleitor
para votar e ser votado ela estabelece cidadania como princiacutepio fundamental da
Repuacuteblica do Brasil desta forma o conceito decorrente pode ser entendido
conforme preleciona Silva (2005) ldquocidadania estaacute aqui num sentido mais amplo do
que o de titular de direitos poliacuteticos Qualifica os participantes da vida do Estado
reconhecimento do indiviacuteduo como pessoa integrada a sociedade estatalrdquo
Tal conceito nos leva a relacionar cidadania com democracia uma vez que
optou-se pelo Estado Democraacutetico de Direito o qual assenta seus alicerces na
participaccedilatildeo popular em questotildees que envolvem a coisa puacuteblica Para Moraes
(2005) esse Estado de Direito ldquosignifica a exigecircncia de reger-se por normas
democraacuteticas com eleiccedilotildees livres perioacutedicas e pelo povo bem como o respeito das
autoridades puacuteblicas aos direitos e garantias fundamentaisrdquo
O propoacutesito da opccedilatildeo pelo Estado Democraacutetico de Direito eacute que a cidadania e
os demais direitos fundamentais fluam com plenitude talvez seja o que justifique a
denominaccedilatildeo da Carta Magna de cidadatilde pois o povo passa a atuar de forma mais
ativa na vida poliacutetica do Estado uma vez que a ele foi concedido esse poder
26
A cidadania portanto soacute adquire pleno significado no mundo contemporacircneo
num Estado Democraacutetico de Direito para tanto exige um ambiente de vida e de
conviacutevio entre os homens tiacutepico e proacuteprio de um Estado Democraacutetico pois a
cidadania constitui fundamento primordial daquele Estado qual seja possibilitar aos
indiviacuteduos habitantes de um paiacutes o seu pleno desenvolvimento atraveacutes do alcance
de igual dignidade social e econocircmica
Segundo Rozicki (2005) O ambiente de vida social do Estado Democraacutetico
cujos pilares se encontram na efetividade dos direitos fundamentais da pessoa
humana em uma sociedade solidaacuteria soacute eacute possiacutevel atraveacutes da observaccedilatildeo de alguns
postulados que lhe satildeo essenciais os quais a autora denomina de pressupostos do
Estado democraacutetico de Direito
1)a valorizaccedilatildeo e atualidade da dignidade do homem e o reconhecimento da importacircncia de dispensar a todos tratamento fraternal igualitaacuterio e natildeo discriminativo 2) a confianccedila nos talentos e possibilidades latentes dos homens 3) a seguranccedila e o creacutedito nos valores institucionalizados pelas massas como fundamentos para o progresso do bem comum e o alcance da justiccedila 4) a aceitaccedilatildeo da legitimidade das decisotildees tomadas por meio de processos racionais e participativos de deliberaccedilatildeo com o consenso da maioria que constitui o reflexo o resultado de debates livres entre todos 5) o respeito aos grupos minoritaacuterios 6) e a compreensatildeo de que todo o interesse geral eacute a siacutentese dos diversos interesses e ideacuteias dos indiviacuteduos e dos grupos diferentes centros de poder que integram a sociedade pluralista
Percebe-se que o conceito amplo de cidadania encontra seus princiacutepios
baacutesicos e estruturantes nesses pressupostos intimamente ligado aos conceitos de
democracia e de igualdade No tocante ao conceito de igualdade elucidativa eacute a
liccedilatildeo de Rozicki (2005) quando afirma que
O princiacutepio de igualdade disciplina todas as atividades puacuteblicas e tem aplicaccedilatildeo direta nas relaccedilotildees privadas que ocorrem entre os particulares impondo para tornaacute-lo real a proibiccedilatildeo de discriminaccedilotildees e a eliminaccedilatildeo das desigualdades faacuteticas nos planos social e econocircmico proporcionando a todos os cidadatildeos igual condiccedilatildeo de vida e mesma posiccedilatildeo perante o Estado Democraacutetico
E complementa que tambeacutem para a realizaccedilatildeo da cidadania o princiacutepio
democraacutetico torna indispensaacutevel agrave participaccedilatildeo popular nas tomadas de decisatildeo No
seu entender
27
A cidadania no Estado democraacutetico de direito efetivada oferece aos cidadatildeos como iguais condiccedilotildees de existecircncia o gozo atual de direitos e a obrigaccedilatildeo do cumprimento de deveres que resumidamente podem ser assim apresentados exerciacutecio de direitos fundamentais e participaccedilatildeo e os deveres de colaboraccedilatildeo e solidariedade (Rozicki 2005)
Natildeo obstante eacute vaacutelido ressaltar um princiacutepio igualmente importante e deveras
esquecido a fraternidade Este princiacutepio que eacute um dos trecircs pilares da Revoluccedilatildeo
Francesa eacute pouco discutido apesar de assumir um papel decisivo na consolidaccedilatildeo
da democracia da politica e do poder
A fraternidade eacute necessaacuteria para o estabelecimento de uma comunidade
politicamente solidaacuteria com indiviacuteduos iguais e livres
Para finalmente concebermos um Estado Democraacutetico de Direito que trate os
iguais na medida de suas desigualdades
22 Os direitos fundamentais como pressupostos de identidade da cidadania
Os direitos fundamentais vistos como um dos traccedilos mais marcante do
constitucionalismo moderno consistem no resultado da luta dos homens por um
direito ideal justo e humano representam situaccedilotildees reconhecidas juridicamente
sem as quais o homem eacute incapaz de alcanccedilar sua proacutepria realizaccedilatildeo e
desenvolvimento plenamente daiacute dizer-se que o princiacutepio preponderante que
condensa os direitos fundamentais eacute o da dignidade da pessoa humana
Os direitos fundamentais satildeo o conjunto de normas de um ordenamento juriacutedico que formam um subsistema deste fundado na liberdade na igualdade na seguridade na solidariedade expressotildees da dignidade do homem que formam parte da norma baacutesica material de identificaccedilatildeo do ordenamento juriacutedico e constitui um setor de moralidade procedimental positivada que legitima o Estado Social de Direito (MARTINEZ apud AGRA 2002)
Tais direitos foram e vatildeo sendo aperfeiccediloados e estendidos ao longo do
tempo resta dizer que os mesmos estabelecem faculdades da pessoa humana que
permitem sua breve classificaccedilatildeo do seguinte modo 1) os direitos civis e poliacuteticos
de liberdade como por exemplo a liberdade de expressatildeo de propriedade de
28
manifestaccedilatildeo do pensamento de associaccedilatildeo de imprensa de reuniatildeo de igualdade
formal perante a lei de participaccedilatildeo poliacutetica o devido processo legal o habeas
corpus o direito de peticcedilatildeo etc 2) os direitos sociais econocircmicos e culturais de
participaccedilatildeo poliacutetica tais como a igualdade de sufraacutegio o direito de voto e de
elegibilidade o direito de peticcedilatildeo e os direitos de participaccedilatildeo poliacutetica 3) os direitos
da titularidade coletiva que satildeo aqueles ligados a solidariedade e a fraternidade
como por exemplo o direito agrave preservaccedilatildeo do meio ambiente e agrave qualidade de vida
etc 4) os direitos chamados de quarta geraccedilatildeo por exemplo direito a democracia a
informaccedilatildeo ao comeacutercio eletrocircnico entre os estados etc
Natildeo existe qualquer relaccedilatildeo hieraacuterquica entre estes direitos mesmo porque
todos interagem entre si de nada servindo um sem a existecircncia dos outros Esta
divisatildeo acontece devido agrave eterna e constante busca do homem por mais proteccedilatildeo
mais garantia com o objetivo de alcanccedilar uma sociedade mais justa igualitaacuteria e
fraterna
Na evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais Agra (2002) chama a atenccedilatildeo do
relevo que adquirem a democratizaccedilatildeo da informaccedilatildeo e os mecanismos de
democracia participativa E justifica que a democratizaccedilatildeo da informaccedilatildeo natildeo se
caracteriza apenas pela existecircncia de uma miacutedia plural sem nenhum tipo de
monopoacutelio mas deve ser concebida como a obrigaccedilatildeo que todos os cidadatildeos tecircm
de tomar consciecircncia dos graves problemas que afligem a humanidade e que os
mecanismos da democracia participativa concebem a cidadania em extensatildeo muito
superior ao voto abrangendo a interferecircncia direta do cidadatildeo nas decisotildees
governamentais mediante vaacuterios mecanismos juriacutedicos como o plebiscito o recall o
orccedilamento participativo etc
De acordo com Silva (2005) os Direitos Fundamentais na Constituiccedilatildeo de
1988 abrangem os ldquodireitos individuais sociais poliacuteticos e tambeacutem os direitos
econocircmicos Para o autor a ampliaccedilatildeo e transformaccedilatildeo dos direitos fundamentais
do homem na histoacuteria dificultam uma definiccedilatildeo sinteacutetica do conceitordquo
Essa dificuldade aumenta diante do emprego de vaacuterias expressotildees para
designaacute-los tais como direitos naturais direitos humanos direitos do homem
direitos individuais direitos puacuteblicos subjetivos liberdades fundamentais liberdades
puacuteblicas e direitos fundamentais do homem No entanto direitos fundamentais do
homem constitui a expressatildeo mais adequada porque na palavra fundamentais
acha-se a indicaccedilatildeo de que se trata de situaccedilotildees sem as quais o indiviacuteduo natildeo tem
29
uma vida digna natildeo convive e agraves vezes nem mesmo sobrevive A expressatildeo
direitos fundamentais eacute a mais precisa no sentido de que a todos por igual devem
ser natildeo apenas formalmente reconhecidos mas concreta e materialmente
efetivados
Por sua vez a atual Corte em julgamento do habeas corpus (HC ndeg
82424RS) marca seu posicionamento no tocante ao sistema de direitos
fundamentais insculpido na Constituiccedilatildeo de 1988 atraveacutes dos profundos e bem
fundamentados votos dos Ministros que aleacutem de delimitarem a extensatildeo e os limites
da liberdade de expressatildeo (art 5o IV e IX) acabaram indicando as bases filosoacuteficas
e juriacutedicas para a interpretaccedilatildeo do cataacutelogo de direitos fundamentais da Constituiccedilatildeo
de 1988
Nesse sentido o voto do Ministro Marco Aureacutelio tratou de definir o sistema de
direitos fundamentais como a ldquoproacutepria essecircncia da Constituiccedilatildeordquo qualificando-os
como ldquovalores objetivos que servem como norte da atuaccedilatildeo estatalrdquo Assim estaacute
consignado nos fundamentos do referido voto
A Constituiccedilatildeo de 1988 representou um divisor de aacuteguas entre o antigo regime totalitaacuterio e um periacuteodo de redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes marcando dessa forma uma eacutepoca que tem como modelo de atuaccedilatildeo do Estado o respeito incondicional aos direitos fundamentais Por isso mesmo o sistema constitucional dos direitos fundamentais previsto no artigo 5o da Carta com os eventuais acreacutescimos do sect 2o reflete em rigor e em larga medida a proacutepria essecircncia da Constituiccedilatildeo e a retomada do processo de democratizaccedilatildeo e da garantia do cidadatildeo contra abusos e arbitrariedades no exerciacutecio do Poder Puacuteblico Os direitos fundamentais satildeo hoje verdadeiros princiacutepios estruturantes da organizaccedilatildeo e do funcionamento do Estado valores objetivos que servem como norte da atuaccedilatildeo estatal em seus mais diferentes niacuteveis no Legislativo formam um cataacutelogo de princiacutepios e garantias que informam e direcionam toda a atividade de criaccedilatildeo das normas de nosso ordenamento juriacutedico e de concretizaccedilatildeo dos preceitos constitucionais no Executivo mostram-se como verdadeiros limites ao exerciacutecio do poder administrativo servindo como trincheiras de proteccedilatildeo da liberdade do cidadatildeo e no judiciaacuterio refletem a base e o fundamento necessaacuterio da compreensatildeo e interpretaccedilatildeo de nossas normas ndash efeito interpretativo - evitando que a atividade jurisdicional se transforme em medidas discricionaacuterias ou providecircncias ilegiacutetimas de opccedilotildees poliacuteticas pautadas em escolhas pessoais dos juiacutezes
Tudo indica que se trata do iniacutecio de uma soacutelida construccedilatildeo jurisprudencial a
respeito do sentido axioloacutegico do sistema de direitos fundamentais da Constituiccedilatildeo
de 1988
30
Os Direitos Individuais satildeo de exerciacutecio exclusivo do indiviacuteduo e devem ser
formalmente reconhecidos e concretizados no cotidiano do cidadatildeo O indiviacuteduo aqui
eacute considerado um sujeito de direitos e natildeo apenas como integrante de um corpo
social Esses direitos natildeo podem sofrer nenhum tipo de restriccedilatildeo natildeo se
discriminando quem os pode exercer uma vez que satildeo titulares todas as pessoas
capazes incapazes brasileiras estrangeiras alfabetizadas e iletradas
A Constituiccedilatildeo Cidadatilde foi a primeira a estabelecer direitos natildeo soacute de
indiviacuteduos mas tambeacutem de grupos sociais os denominados direitos coletivos Com
isso as pessoas passaram a ser coletivamente consideradas Os direitos individuais
e coletivos estatildeo anunciados no art 5ordm em setenta e sete incisos e em dois
paraacutegrafos
Verifica-se que os Direitos Individuais tecircm como ponto marcante a liberdade
seja ela tomada de maneira global ou especiacutefica como liberdade de associaccedilatildeo de
reuniatildeo A liberdade de reuniatildeo (art 5ordm XVI) constitui-se na primeira e mais simples
liberdade corporativa estando logo apoacutes a liberdade de locomoccedilatildeo
Os Direitos Sociais tecircm como titular uma coletividade e satildeo caracterizados
pela prestaccedilatildeo de serviccedilos ou oferecimento de melhorias para a sociedade como um
todo por parte do Poder Puacuteblico Assim os Direitos Sociais tornam possiacutevel a fruiccedilatildeo
e o exerciacutecio dos Direitos Individuais pela coletividade mesmo pelos carentes
materialmente
O art 6deg define os Direitos Sociais da seguinte maneira ldquoSatildeo Direitos Sociais
a educaccedilatildeo a sauacutede o trabalho a moradia o lazer a seguranccedila a previdecircncia
social a proteccedilatildeo agrave maternidade e agrave infacircncia a assistecircncia aos desamparados na
forma desta Constituiccedilatildeordquo
Portanto eacute obrigatoacuteria ao Estado a proteccedilatildeo dos interesses da coletividade
com o atendimento dos direitos acima citados
Satildeo direitos poliacuteticos os que conferem o acesso da populaccedilatildeo agrave participaccedilatildeo
no Poder do Estado tais como os direitos de votar e ser votado do referendo
plebiscito e iniciativa popular das leis O direito democraacutetico de participaccedilatildeo dos
cidadatildeos no governo por meio de seus representantes exigiu a formaccedilatildeo de um
conjunto de normas legais permanentes que recebeu a denominaccedilatildeo de direitos
poliacuteticos Os Direitos Poliacuteticos amparam os Direitos Individuais Sociais e
Econocircmicos pois quando desaparece a democracia desaparecem imediatamente
as liberdades fundamentais
31
Com o advento da Constituiccedilatildeo de 1988 foram criadas instituiccedilotildees para
fiscalizar e controlar a atuaccedilatildeo da administraccedilatildeo puacuteblica entre as quais o Ministeacuterio
Puacuteblico que funciona como um canal de expressatildeo dos direitos da populaccedilatildeo
O Ministeacuterio Puacuteblico foi a instituiccedilatildeo que mais ganhou importacircncia no cenaacuterio
puacuteblico por ter passado a defender os interesses coletivos ou seja os interesses de
um grupo categoria ou classe e natildeo de um indiviacuteduo isolado No artigo 127 o
Ministeacuterio Puacutebico (MP) eacute definido como ldquouma instituiccedilatildeo permanente essencial agrave
funccedilatildeo jurisdicional do Estado incumbindo-lhe a defesa da ordem juriacutedica do regime
democraacutetico e dos interesses sociais e individuais indispensaacuteveisrdquo
Cabe ao Ministeacuterio Puacuteblico exigir dos poderes puacuteblicos e dos serviccedilos de
relevacircncia puacuteblica respeito aos direitos elencados na Constituiccedilatildeo promovendo as
medidas necessaacuterias agrave garantia desses direitos Portanto eacute responsaacutevel pela
garantia da ordem juriacutedica do regime democraacutetico da moralidade puacuteblica e dos
direitos sociais e individuais
23 A consagraccedilatildeo dos direitos do cidadatildeo
A Constituiccedilatildeo de 1988 eacute o coroamento da histoacuteria constitucional do Brasil por
ter sido um marco da redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes opondo-se a qualquer forma de
autoritarismo Nela a cidadania foi consagrada como um dos fundamentos da
Repuacuteblica Federativa do Brasil (art 1ordm inc II) Observe-se que o termo cidadania
encontra-se na Constituiccedilatildeo em sentido mais amplo do que o de titular de direitos
poliacuteticos pois qualifica os participantes da vida do Estado e reconhece o indiviacuteduo
como pessoa integrada na sociedade estatal
Essa nova concepccedilatildeo de cidadania introduzida pela Constituiccedilatildeo Federal de
1988 eacute fruto da internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos e como marco principal da
institucionalizaccedilatildeo erigiu em seu artigo primeiro a dignidade da pessoa humana (inc
III) e a cidadania (incII) a princiacutepio fundamental
Institui com o princiacutepio da cidadania uma nova compreensatildeo acerca dos
direitos de deveres da pessoa elevado-o a status maacuteximo a regra-matriz que natildeo
pode ser desrespeitada pois os fundamentos constituem a essecircncia da Repuacuteblica
32
Federativa e servem como regra-matriz para a elaboraccedilatildeo interpretaccedilatildeo e
integraccedilatildeo do sistema juriacutedico nacional
Violar um princiacutepio eacute muito grave que transgredir uma norma qualquer A desatenccedilatildeo ao principio implica ofensa natildeo apenas a um especifico mandamento obrigatoacuterio mas a todo o sistema de comandos Eacute a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade representa insurgecircncia contra todo o sistema subversatildeo de valores fundamentais (MELLO apud CHIMENTI 2005 P 33)
Para Silva (2004) cidadania eacute discriminada como princiacutepio relativo ao regime
poliacutetico Dessa forma compreendida cidadania como princiacutepio fundamental eacute o
direito de participar dos destinos do Estado e mais usufruir dos direitos civis
fundamentais previstos na Constituiccedilatildeo
Muitos doutrinadores utilizam cidadania no mesmo sentido de nacionalidade
(Art 12 da Constituiccedilatildeo Federal) e de direitos poliacuteticos (Art 14) Em alguns outros
dispositivos a palavra cidadania (ou cidadatildeo) poderia ainda ter a significaccedilatildeo de
direitos poliacuteticos mas mesmo assim de forma impliacutecita a exemplo dos arts 22 XIII
e 5ordm LXXIII No primeiro se lecirc que compete agrave Uniatildeo legislar sobre nacionalidade
cidadania e naturalizaccedilatildeo e no segundo que qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima
para propor accedilatildeo popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de
entidade de que o Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e
ao patrimocircnio histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de
custas judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia No entanto conforme Mazzuoli (2002)
Observe-se que a Carta de 1988 ao tratar no seu art 14 dos direitos poliacuteticos natildeo se refere sequer em um momento agrave expressatildeo cidadania dizendo apenas que a soberania popular seraacute exercida pelo sufraacutegio universal e pelo voto direito e secreto com valor igual para todos (hellip) Pelo contraacuterio a Constituiccedilatildeo faz uma separaccedilatildeo entre cidadania e direitos poliacuteticos quando no seu art 68 sect 1ordm II ao tratar das leis delegadas exclui do acircmbito da delegaccedilatildeo legislativa a nacionalidade cidadania direitos individuais poliacuteticos e eleitorais
A Constituiccedilatildeo brasileira de 1988 com a transiccedilatildeo para o regime democraacutetico
consagrou expressamente esta nova concepccedilatildeo de cidadania como se depreende
da leitura de vaacuterios dos seus dispositivos
Foi nesse sentido que pioneiramente estatuiu a Carta de 1988 em seu art
1ordm que a Repuacuteblica Federativa do Brasil formada pela uniatildeo indissoluacutevel dos
33
Estados e Municiacutepios e do Distrito Federal constitui-se em Estado Democraacutetico de
Direito e tem como fundamentos dentre outros a cidadania (inc II) Como jaacute
mencionado
Na mesma esteira o disposto no art 5ordm incisos LXXI (conceder-se-aacute
mandado de injunccedilatildeo sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviaacutevel o
exerciacutecio dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes agrave
nacionalidade agrave soberania e agrave cidadania) e LXXVII (satildeo gratuitas as accedilotildees de
habeas-corpus e habeas-data e na forma da lei os atos necessaacuterios ao exerciacutecio
da cidadania) No seu Tiacutetulo VIII Capiacutetulo II Seccedilatildeo I a Carta Magna de 1988
dispotildee ainda que a
Educaccedilatildeo direito de todos e dever do Estado e da famiacutelia seraacute promovida e incentivada com a colaboraccedilatildeo da sociedade visando ao pleno desenvolvimento da pessoa seu preparo para o exerciacutecio da cidadania e sua qualificaccedilatildeo para o trabalho (art 205)
Outro dispositivo em que fica bastante marcada esta nova concepccedilatildeo de
cidadania eacute o art 64 do Ato das Disposiccedilotildees Constitucionais Transitoacuterias que
dispotildee
A Imprensa Nacional e demais graacuteficas da Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios da administraccedilatildeo direta ou indireta inclusive fundaccedilotildees instituiacutedas e mantidas pelo Poder Puacuteblico promoveratildeo ediccedilatildeo popular do texto integral da Constituiccedilatildeo que seraacute posta agrave disposiccedilatildeo das escolas e dos cartoacuterios dos sindicatos dos quarteacuteis das igrejas e de outras instituiccedilotildees representativas da comunidade gratuitamente de modo que cada cidadatildeo brasileiro possa receber do Estado um exemplar da Constituiccedilatildeo do Brasil
Enfim a Constituiccedilatildeo de 1988 enriqueceu e ampliou os conceitos de cidadatildeo
e cidadania Seu entendimento agora como leciona Silva (2005)
Decorre da ideia de Constituiccedilatildeo dirigente que natildeo eacute apenas um repositoacuterio de programas vagos a serem cumpridos mas constitui um sistema de previsatildeo de direitos sociais mais ou menos eficazes em torno dos quais eacute que se vem construindo a nova ideacuteia de cidadania
De forma que natildeo mais se trata de considerar a cidadania como simples
qualidade de gozar direitos poliacuteticos mas sim de aferir-lhe um nuacutecleo miacutenimo e
irredutiacutevel de direitos (fundamentais) que devem se impor obrigatoriamente agrave accedilatildeo
dos poderes puacuteblicos
34
O ordenamento juriacutedico brasileiro consagrou aleacutem dos institutos jaacute
mencionados alguns outros mecanismos de defesa dos direitos e garantias
constitucionais da cidadania como a accedilatildeo civil puacuteblica regulada pela Lei nordm
734785 e accedilatildeo direta de inconstitucionalidade prevista no incIV do art 129 da
Constituiccedilatildeo Federal O Coacutedigo de Defesa do Consumidor o Estatuto da Crianccedila e
do Adolescente e ateacute mesmo o princiacutepio do devido processo legal que resguarda ao
cidadatildeo o acesso agrave justiccedila e direito de ser acionado judicialmente por meio de
procedimentos legais satildeo mecanismos de defesa dos direitos de cidadania
previstos constitucionalmente e garantidos na esfera poliacutetica civil e social
Pode-se observar que a cidadania comeccedilou a ser construiacuteda como resultado
de um processo de luta a partir da conscientizaccedilatildeo dos direitos e deveres do
homem Como vimos a cidadania jaacute em praacutetica em muitos paiacuteses adquire no
Brasil com a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 um novo sentido qual seja o
pressuposto do exerciacutecio pleno de um sistema de direitos e garantias
35
CAPIacuteTULO 3 - CIDADANIA COMO MECANISMO DE
TRANSFORMACcedilAtildeO SOCIAL
No momento em que a cidadania alccedila voos constitucionais e insere-se na
Carta Poliacutetica da Repuacuteblica Federativa do Brasil inicia-se o processo de
redemocratizaccedilatildeo e ganha relevo o cidadatildeo agente deste processo que tem em
suas matildeos a tarefa da construccedilatildeo de um novo tempo
Historicamente a ideia de cidadatildeo conotava o habitante da cidade ndash o
citadino ndash firma-se entatildeo tal conotaccedilatildeo na Antiguumlidade claacutessica para depois
significar aquele indiviacuteduo a quem se atribuem os direitos poliacuteticos Superada essa
acepccedilatildeo que tambeacutem vigorou nas constituiccedilotildees anteriores da Repuacuteblica do Brasil
na concepccedilatildeo moderna estaacute clara a noccedilatildeo de cidadatildeo como aquele que a quem
consiste a titularidade de direitos individuais poliacuteticos e sociais Noccedilatildeo esta
edificada com a internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos que amplia a acepccedilatildeo do
termo declarando que satildeo cidadatildeos todo aquele que habita o acircmbito da soberania
de um Estado e deste Estado recebem uma carga de direitos e tambeacutem deveres dos
mais variados
Desta forma a noccedilatildeo contemporacircnea de cidadania funda-se na dicotomia
direitos (exerciacutecios de direitos fundamentais - participaccedilatildeo) e deveres (colaboraccedilatildeo -
solidariedade) Ao lado dos direitos foram estabelecidos deveres fundamentais e
portanto tanto agentes puacuteblicos como os indiviacuteduos tecircm obrigaccedilotildees especiacuteficas
inclusive a de respeitar os direitos das demais pessoas que vivem na ordem social
sendo e promovendo mecanismos de transformaccedilatildeo social que visam uma nova
sociedade baseada na igualdade e na justiccedila
36
31 O ser cidadatildeo
Os termos indiviacuteduo ser humano pessoa e cidadatildeo satildeo geralmente tomados
como sinocircnimo o que certamente influi na proliferaccedilatildeo de incontaacuteveis significados e
ampliaccedilatildeo do termo cidadatildeo Poreacutem estas palavras apesar de se assemelharem
possuem carga semacircntica proacutepria e da compreensatildeo exata de cada uma decorre a
conceituaccedilatildeo mais acentuada da acepccedilatildeo do termo cidadatildeo como titular de direitos
e deveres resguardados pela constituiccedilatildeo paacutetria
Desta forma indiviacuteduo eacute um representante da espeacutecie aquele que eacute uacutenico
Enquanto ser humano eacute um termo mais geneacuterico ou indeterminado que diz respeito
agrave espeacutecie agrave classificaccedilatildeo ao mundo zooloacutegico Pessoa por sua vez eacute um termo
mais especiacutefico que tem a ver com o mundo civilizado ou se preferirmos com a
constelaccedilatildeo dos valores morais eacuteticos e juriacutedicos proacuteprios da civilizaccedilatildeo
A etimologia da palavra pessoa demonstra que eacute um conceito sobreposto ao conceito de Ser Humano Um refratildeo de origem juriacutedica tambeacutem nos lembra do homo plures pessoa polimorfa o ser humano capaz de desempenhar muitos papeacuteis um mesmo ser humano eacute empresaacuterio e delinquumlente eacute pai e metaluacutergico etc Persona (personagem) era a maacutescara que usavam os atores da trageacutedia grega para desempenhar seu papel Cabe portanto entender o conceito de Ser Humano ao lado do conceito de Pessoa No direito romano antigo os escravos eram seres humanos (homens) mas natildeo eram consideradas pessoas (patriacutecios) Os juristas romanos que usavam o conceito de Ser Humano o dissociavam do conceito de pessoas (CUNHA 2007)
O Ser Humano recebe uma distinccedilatildeo importante quando o consideramos
como Pessoa assim como a Pessoa recebe uma distinccedilatildeo redundante natildeo menos
importante quando a consideramos por forccedila de expressatildeo como uma pessoa
humana Subentendendo o adjetivo humano como relativo agrave eacutetica Portanto Ser
Humano natildeo eacute a mesma coisa que Pessoa como tampouco Ser Humano eacute o
mesmo que cidadatildeo este muito eacute mais proacuteximo do termo Pessoa Vejamos o quadro
ilustrativo que esquematiza e distinguem os referidos conceitos
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QUADRO 1 ndash EVOLUCcedilAtildeO DO SER HUMANO ATEacute O CIDADAtildeO
O Ser Humano O Ser Indiviacuteduo O Ser Pessoa O Ser Cidadatildeo
A Dimensatildeo do conviacutevio social
A dimensatildeo do mercado de trabalho e
Consumo
A Dimensatildeo de encontrar-se no mundo
A dimensatildeo de intervir na realidade
O homem tornar-se Ser Humano nas relaccedilotildees
de conviacutevio social
O Ser Humano tornar-se indiviacuteduo quando
descobre seu papel e funccedilatildeo social
O Indiviacuteduo torna-se pessoa quanto toma
consciecircncia de si mesmo do outro e do
mundo
A pessoa torna-se cidadatildeo quando
interveacutem na realidade em que vive
Quem estuda o comportamento do Ser
Humano Seria a antropologia a histoacuteria
ou a sociologia
Quem estuda o comportamento do indiviacuteduo Seria a
Filosofia a sociologia ou a Psicologia
Quem estuda o comportamento da pessoa Seria a
Filosofia a sociologia ou a Psicologia
Quem estuda o comportamento do cidadatildeo Seria a
Sociologia a Filosofia ou As ciecircncias
poliacuteticas
Quem garante os direitos do Ser
Humano A Declaraccedilatildeo Universal
dos Direitos Humanos
Quem garante os Direitos do
Consumidor O Coacutedigo do Consumidor
Quem garante os Direitos da pessoa A proacutepria pessoa (amor proacuteprio ou autoestima)
Quem garante os Direitos do cidadatildeo (A Constituiccedilatildeo e suas leis
regulamentares)
Existe realmente uma natureza humana Teologicamente
afirmamos que existe a uma natureza humana
Seguindo a corrente existencialista (JP Sartre) negamos tal
natureza
Que diferenccedila existe entre o direito do
consumidor e o direito do cidadatildeo Ao
Consumidor deve ser dado o direito de
propriedade enquanto ao cidadatildeo deve ser
dado o direito de acesso
O que significa tornar-se pessoa no niacutevel
psicoloacutegico e social A pessoa eacute o indiviacuteduo que toma consciecircncia de si mesmo (ldquoTornar-
se Pessoardquo de Karl Roger)
Como podemos intervir na realidade
modificando as estruturas corruptas e injustas Quando os
direitos do cidadatildeo lhe satildeo oferecidos e o
mesmo passa a exercecirc-lo haacute
modificaccedilatildeo de comportamento
(ROSAS 2009)
O cidadatildeo eacute portanto aquele indiviacuteduo a quem a Constituiccedilatildeo confere direitos
e garantias e lhe daacute o poder do seu efetivo exerciacutecio aleacutem de meios processuais
eficientes contra a violaccedilatildeo de seu gozo ou fruiccedilatildeo por parte do poder puacuteblico
Sendo assim
A passagem do indiviacuteduo a cidadatildeo caracteriza-se pelo reconhecimento pela lei de direitos considerados fundamentais agrave realizaccedilatildeo da vida do homem como indiviacuteduo e ser social membro de uma comunidade poliacutetica e a garantia desses direitos pela forccedila comum de todos (CUNHA 2007)
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Nas uacuteltimas deacutecadas em alguns paiacuteses inclusive no Brasil desenvolveu-se o
conceito de cidadania calcado principalmente na questatildeo do cidadatildeo-consumidor
As pessoas passam a ser vistas como cidadatildes desde que tenham dinheiro para
adquirir mercadorias e utilizar serviccedilos Eacute certo pois que serviccedilos e mercadorias
atendem a necessidades materiais e simboacutelicas das pessoas e consumi-los eacute um
dos modos de participar da vida social criar identidade e partilhar dos bens
produzidos pela humanidade e representar-se culturalmente Contudo a cidadania
enfatizada apenas como uma relaccedilatildeo de compra e venda de mercadorias e serviccedilos
assume um conteuacutedo restrito individual conformista e voltado apenas para a
aquisiccedilatildeo de bens o que se relaciona com a ideacuteia de indiviacuteduo ou seja o consumo
atende as necessidades do indiviacuteduo
Outra forma de confusatildeo acerca do conceito de cidadatildeocidadania refere-se a
equiparaccedilatildeo feita com o assistencialismo o que configura uma acentuada inversatildeo
do termo uma vez que a praacutetica do assistencialismo natildeo propicia meios de
superaccedilatildeo das desigualdades sociais Enquanto a cidadania estaacute relacionada agrave
superaccedilatildeo das desigualdades sociais e a extensatildeo da garantia dos direitos de todos
O cidadatildeo eacute sem duacutevida uma expressatildeo que precisa ser adequadamente
utilizada e vivenciada pela coletividade compreendido na dimensatildeo do ser pessoa
de ter direitos e deveres do assumir as suas liberdades e responsabilidades no seio
de uma comunidade democraacutetica equitativa solidaacuteria e intercultural
Dessa forma ser cidadatildeo implica saber viver em sociedade estando ciente
dos anseios comuns A participaccedilatildeo ativa nas decisotildees de sua comunidade
influencia modos de vida de maneira positiva ao seu redor assim torna-se
imprescindiacutevel o exerciacutecio dos direitos constitucionais adquiridos e lutar pelos que
viratildeo eacute sobretudo estar consciente de todas as atitudes tomadas em prol da
sociedade
Eacute possiacutevel nesse espaccedilo de discussatildeo falar em ldquoestar cidadatildeordquo que eacute natildeo
praticar o exerciacutecio da cidadania em nenhuma de suas formas Implica apenas em
se deixar levar pelos acontecimentos e ainda reclamar das situaccedilotildees vividas sem
nada fazer para mudar sem nenhuma perspectiva de futuro Do que concluiacutemos que
a dinacircmica de intervir na realidade eacute pressuposto de cidadania
Ser cidadatildeo eacute tarefa que requer muito do ser humano do individuo da
pessoa Requer uma alta - estima elevada uma consciecircncia solidaacuteria uma
39
identidade que se reconheccedila na dinacircmica social interagindo com o outro ampliando
debates incitando justiccedila eacute sem duvida uma tomada de posiccedilatildeo que natildeo se
acomoda pelo contraacuterio se incomoda quando natildeo haacute comprometimento para o bem
comum
Natildeo eacute uma tarefa cocircmoda senatildeo muito complicada as pessoas natildeo nascem cidadatildeos mas fazem-se no tempo e no espaccedilo Na verdade natildeo eacute faacutecil exercer a liberdade e a cidadania ndash ser pessoa e ser cidadatildeo ndash por isso exige-se uma luta sem treacuteguas para erradicar assimetrias e exclusotildees socioculturais e criar cenaacuterios de esperanccedila realizaacuteveis fundamentados em valores e princiacutepios eacuteticos que requalifiquem a democracia com cidadatildeos participativos e
comprometidos ( SAEZ 1995)
Tem portanto como pressuposto uma mudanccedila de comportamento uma
tomada de posiccedilatildeo frente agrave dinacircmica social na qual estaacute inserido participando de
forma ativa e produtiva do processo de construccedilatildeo da cidadania por meio de seus
diversos canais
32 Emancipaccedilatildeo social atraveacutes da cidadania
Um Estado Democraacutetico eacute aquele que estaacute enraizado na legitimidade do
poder do povo e dele decorre seu exerciacutecio Assim o poder do povo eacute a expressatildeo
a aptidatildeo de homens e mulheres constituir autonomamente seu viver sem sucumbir
diante das instacircncias de poder Haacute nesse modus vivendi uma tutela das diferenccedilas e
pluralidades de formas de vida
Desta forma a cidadania eacute enfocada como o processo de participaccedilatildeo do
individuo ou de um grupo organizado nas mais variadas aacutereas de atuaccedilatildeo na
sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos sociais com a consciecircncia
da responsabilidade por sua proacutepria histoacuteria
Sendo a democracia o regime em que o povo governa sua caracteriacutestica
inarredaacutevel eacute a de ter o povo agrave frente do poder uma forma de autogoverno Em
assim sendo a cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia por meio de resultados
palpaacuteveis e medidas concretas tais como mudanccedilas na realidade de cada um com
melhoria de vida e conscientizaccedilatildeo da importacircncia na sociedade para o exerciacutecio
40
direto ou indireto desse poder pois se contentar com fato do direito estaacute prescrito
em lei natildeo eacute o bastante
Eacute certo poreacutem que o Estado democraacutetico somente se aperfeiccediloa na
proporccedilatildeo em que o povo age ativamente na medida em que os representantes
reflitam em seus atos os verdadeiros anseios populares Partindo dessa visatildeo a
cidadania eacute o grande fator de legitimaccedilatildeo do povo permitindo que ele aja em defesa
das instituiccedilotildees democraacuteticas
Sobre a participaccedilatildeo cumpre asseverar que este direito significa a
capacidade de ser consultado para as tomadas de decisatildeo que dizem respeito agrave
direccedilatildeo da sociedade em que vive o cidadatildeo este direito eacute acompanhado do
respeito aos deveres de contribuir para o progresso social e de acatar e respeitar o
resultado obtido em consulta coletiva
No elenco de mecanismo de exerciacutecio da cidadania estaacute o acesso ao direito e
a justiccedila que eacute fator preponderante para efetivar as garantias constitucionais
Assim passaremos a discorrer sobre a importacircncia de instrumentalizar o
cidadatildeo para um pleno exerciacutecio de seus direitos
Eacute Sabido que no Estado Democraacutetico Contemporacircneo os direitos
fundamentais constitucionalmente assegurados tecircm eficaacutecia imediata cumprindo ao
Estado garantir a todos os cidadatildeos o respeito a esses Direitos de modo concreto e
efetivo natildeo obstante as inuacutemeras desigualdades e condiccedilotildees adversas que
dificultam na praacutetica o seu exerciacutecio
Para o acesso ao direito o Estado deve desenvolver com eficiecircncia uma seacuterie
de atividades essenciais e dar efetividade a uma seacuterie de pressupostos Dentre eles
o principal eacute o conhecimento do Direito como fator preponderante pois o
desconhecimento da lei implica na praacutetica natildeo acionar a jurisdiccedilatildeo Um fato que
contribui para essa assertiva eacute baixa escolaridade da populaccedilatildeo e o analfabetismo
Muito pouco adianta a existecircncia de uma Constituiccedilatildeo apenas formal ou no
papel se ilegiacutetima ou desrespeitada Para que ocorra a eficaacutecia das normas
dispostas numa Constituiccedilatildeo ou melhor para que passe da teoria agrave praacutetica eacute
essencial que comandados e comandantes tenham conhecimento dos seus direitos
e responsabilidades assim como dos instrumentos juriacutedicos para efetivaacute-los (leis
regulamentadoras) O exerciacutecio da cidadania natildeo eacute somente um direito mas eacute
tambeacutem um dever de todos pois a omissatildeo de cada um contribui com as injusticcedilas e
as impunidades tatildeo presentes nos dias atuais
41
A Constituiccedilatildeo quando eacute justa e legiacutetima e principalmente quando eacute
respeitada eacute um poderoso instrumento de promoccedilatildeo e desenvolvimento social e
humano
Outro fator que deve ser considerado eacute a miserabilidade que coloca inuacutemeros
brasileiros a margem da sociedade em situaccedilatildeo precaacuteria os quais para Pinsky
(2004) ldquodesprovidos de esperanccedila de projeto de qualquer perspectiva de inclusatildeo
[] recorrer agrave Justiccedila humana parece algo irrealizaacutevel sofisticado e inteiramente
ficcionalrdquo
Desta forma o primeiro passo para concretizar os direitos previstos
constitucionalmente eacute a formaccedilatildeo do cidadatildeo atraveacutes da Educaccedilatildeo Baacutesica
infundindo-lhe a consciecircncia dos seus direitos e tambeacutem dos seus deveres sociais
bem como dos valores humanos fundamentais que devem ser por todos respeitados
na vida em sociedade A universalizaccedilatildeo do ensino fundamental a oferta obrigatoacuteria
de educaccedilatildeo infantil pelo Estado e o crescimento da oferta do ensino meacutedio satildeo
alguns dos aspectos que merecem destaques e foi devido agrave determinaccedilatildeo
constitucional de estabelecer o caraacuteter obrigatoacuterio do ensino fundamental e de
responsabilizar o Estado por sua implementaccedilatildeo que tem iniacutecio o processo de
avanccedilo desse segmento
A Constituiccedilatildeo estabeleceu de forma mais clara o papel dos entes federados
na educaccedilatildeo Tambeacutem aumentou a participaccedilatildeo orccedilamentaacuteria destinada ao setor
Com as novas regras para distribuiccedilatildeo de recursos adotadas apoacutes a promulgaccedilatildeo
da Carta os municiacutepios voltam a interessar-se pela educaccedilatildeo fundamental e o paiacutes
atinge a universalizaccedilatildeo do setor o que se busca agora satildeo mecanismos para
garantir a qualidade no ensino
O segundo passo nessa dinacircmica eacute o oferecimento a todos os cidadatildeos de
condiccedilotildees miacutenimas de sobrevivecircncia e de existecircncia condignas atraveacutes do acesso
ao trabalho produtivo livremente escolhido e do pagamento de remuneraccedilatildeo capaz
de prover ao sustento do trabalhador e de sua famiacutelia
Para milhotildees de cidadatildeos que vivem na ignoracircncia e na miseacuteria nenhuma
utilidade ou eficaacutecia tecircm os inuacutemeros direitos constitucionalmente assegurados Para
aqueles que se habituaram a retirar proventos da mendicacircncia da prostituiccedilatildeo de
atividades iliacutecitas ou aqueles que se sentiram forccedilados a sujeitar-se agrave exploraccedilatildeo de
outrem para sobreviver natildeo haacute nenhuma crenccedila na dignidade da pessoa humana e
no valor social do trabalho
42
A pobreza engendra inuacutemeras relaccedilotildees de dominaccedilatildeo entre pessoas e entre grupos sociais As habitaccedilotildees subumanas da periferia das grandes cidades no Brasil constituem verdadeiros quistos sociais terras sem lei controladas por xerifes ou por quadrilhas de malfeitores O Estado que natildeo for capaz de dotar essas comunidades do acesso efetivo agrave Educaccedilatildeo agrave Sauacutede agrave Seguranccedila e agrave Paz Puacuteblicas e ao trabalho liacutecito certamente natildeo lhes estaraacute assegurando o acesso ao Direito porque a populaccedilatildeo abrutalhada pela miseacuteria e coagida pelo medo natildeo desfruta da miacutenima eficaacutecia concreta dos
seus direitos fundamentais (GRECO 2009)
Evidencia que acesso ao Direito nas sociedades modernas mesmo nas
economicamente desenvolvidas exige o fortalecimento dos grupos intermediaacuterios e
do associativismo O cidadatildeo natildeo estaacute mais em condiccedilotildees de defender-se
individualmente das ameaccedilas e lesotildees aos seus direitos perpetradas por pessoas ou
grupos que se encontram em posiccedilatildeo de vantagem nas relaccedilotildees econocircmicas e
sociais
O sindicato veio exercer este importante papel em relaccedilatildeo ao trabalhador
empregado Mas hoje as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo natildeo satildeo apenas as que existem no
mundo do trabalho mas as que se revelam em todos os tipos de relaccedilotildees humanas
relaccedilotildees de consumo relaccedilotildees de vizinhanccedila relaccedilotildees locatiacutecias relaccedilotildees
comerciais internas e internacionais e natildeo com menor relevacircncia relaccedilotildees entre os
particulares e o Estado entre outras
Eacute preciso assegurar esse equiliacutebrio na praacutetica o que somente tornar-se-aacute
possiacutevel atraveacutes da articulaccedilatildeo dos sujeitos que se encontram em posiccedilatildeo de
desvantagem em organizaccedilotildees e associaccedilotildees que pela uniatildeo de esforccedilos
consigam compensar o desequiliacutebrio existente e dar aos indiviacuteduos e grupos a forccedila
e a capa de proteccedilatildeo necessaacuterias para ombrearem-se aos seus adversaacuterios e
lutarem pelos seus direitos ou interesses em igualdade de condiccedilotildees
Para Greco (2009) o pressuposto indispensaacutevel do acesso ao Direito eacute a
transparecircncia do Estado no trato de questotildees que possam afetar a esfera de
interesses dos cidadatildeos e complementa que aos cidadatildeos eacute indispensaacutevel
assegurar o direito de influir eficazmente nas decisotildees do poder puacuteblico atraveacutes dos
mais diversos instrumentos de participaccedilatildeo democraacutetica Ele afirma que
A relaccedilatildeo Estado-cidadatildeo natildeo eacute mais a relaccedilatildeo soberano-suacutedito O cidadatildeo tem o direito de exigir do Estado o pleno respeito ao seu
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patrimocircnio juriacutedico Lamentavelmente a crise do Estado tem levado o Brasil a aceitar-se como normal que as pessoas juriacutedicas de Direito Puacuteblico natildeo cumpram devidamente as prestaccedilotildees positivas de que satildeo devedoras perante os particulares cabendo a estes demandar na Justiccedila para obtecirc-las (GRECO 2009)
Essa visatildeo deformada da responsabilidade do Estado ocorre o
desvirtuamento da justiccedila Por outro lado agrave violaccedilatildeo da garantia constitucional da
tutela jurisdicional efetiva (Constituiccedilatildeo artigo 5 inciso XXXV) disciplina a lei natildeo
excluiraacute da apreciaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio lesatildeo ou ameaccedila ao direito Assim o
acesso ao Direito natildeo estaraacute concretamente assegurado se o Estado natildeo oferecer a
todo cidadatildeo a possibilidade de receber aconselhamento juriacutedico a respeito dos seus
direitos
Constituiccedilatildeo de 1988 no artigo 5deg inciso LXXIV assegurou a todos
ldquoassistecircncia juriacutedicardquo a englobar assistecircncia judiciaacuteria e assessoramento juriacutedico
extrajudicial Conforme Greco (2009) ldquoeacute preciso que esse direito seja assegurado
na praacutetica Uma vez que na vida moderna o Direito tornou-se excessivamente
complexordquo Ainda no dizer do autor a consciecircncia juriacutedica do homem comum que
deve ser adquirida na famiacutelia e na escola natildeo eacute mais suficiente para a tomada de
decisotildees na vida diaacuteria das pessoas Todas as pessoas mantecircm complexas relaccedilotildees
juriacutedicas com instituiccedilotildees financeiras com fornecedores de bens e de serviccedilos etc
Nessas relaccedilotildees juriacutedicas com frequecircncia os cidadatildeos tecircm de tomar decisotildees
raacutepidas O cidadatildeo que tem meios procura um advogado particular para assessoraacute-
lo Ao pobre o Estado deve assegurar o mesmo direito em plenitude
Sem duacutevida o uacuteltimo pressuposto do acesso ao Direito eacute o acesso agrave Justiccedila
no sentido de acesso a um tribunal estatal imparcial previamente instituiacutedo como
competente para a soluccedilatildeo de qualquer litiacutegio a respeito de interesse que se afirme
juridicamente protegido ou para a praacutetica de qualquer ato que a lei subordine agrave
aprovaccedilatildeo autorizaccedilatildeo ou homologaccedilatildeo judicial
Se o cidadatildeo tem consciecircncia dos seus direitos se o Estado lhe fornece
todas as condiccedilotildees para livremente exercecirc-los mas algum outro cidadatildeo ou algum
oacutergatildeo do proacuteprio Estado impede ou dificulta esse exerciacutecio cabe ao poder puacuteblico
pocircr agrave disposiccedilatildeo do cidadatildeo lesionado ou ameaccedilado a jurisdiccedilatildeo necessaacuteria para
assegurar o pleno acesso a tal direito
Atingimos eacute certo um estaacutegio de desenvolvimento do Direito Humanitaacuterio que
natildeo mais nos permite conformar-nos com uma realidade distante do padratildeo de
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convivecircncia humana que outras naccedilotildees jaacute alcanccedilaram O exerciacutecio pleno de
cidadania seraacute obra de mais de uma geraccedilatildeo Mas se trabalharmos com firmeza
certamente os jovens de hoje poderatildeo legar aos seus descendentes a emancipaccedilatildeo
cidadatilde um paiacutes melhor e uma sociedade mais justa e democraacutetica
33 O municiacutepio como acircmbito de exerciacutecio de cidadania
Historicamente o Municiacutepio enquanto unidade poliacutetico-administrativa surgiu
conforme descreve Berardi (2004) com a Repuacuteblica Romana interessada em
manter a dominaccedilatildeo paciacutefica das cidades conquistadas pela forccedila dos exeacutercitos
Sua origem mais de natureza socioloacutegica do que poliacutetica adveacutem do espiacuterito
associativo do homem e de suas relaccedilotildees de vizinhanccedila
Eacute pois a menor unidade territorial de Federaccedilatildeo cuja criaccedilatildeo reflete a base
da organizaccedilatildeo poliacutetica administrativa da Naccedilatildeo Portanto sua funccedilatildeo administrativa
historicamente vem assentada no princiacutepio do direito natural
O artigo primeiro da Constituiccedilatildeo Federal de 1998 estabelece que o
Municiacutepio ao lado dos Estados e do Distrito Federal formam a Republica Federativa
do Brasil que se constitui em Estado Democraacutetico de Direito O municiacutepio tem assim
um poder relevante para a aplicaccedilatildeo da democracia direta iniciada e fortalecida em
niacutevel local Diversos pensadores chegaram a afirmar que a descentralizaccedilatildeo de
poder resultante da constituiccedilatildeo Cidadatilde era antes de tudo uma conquista dos
Municiacutepios sendo eles os berccedilos da perpetuaccedilatildeo da Repuacuteblica e da Democracia
efetivamente por serem o uacutenico niacutevel de governo possuidores de respaldo e
localizaccedilatildeo fiacutesica ou seja solo municipal
Eacute certo que a Carta Magna de 1988 consolidou significativas inovaccedilotildees para a
vida municipal de forma que o Municiacutepio passou a constituir um dos entes da
federaccedilatildeo tratando-o como unidade dotada de autonomia poliacutetica expressa na
capacidade de poder elaborar a sua Lei Orgacircnica fugindo assim da tutela dos
estados que ateacute entatildeo eram considerados como uacutenicos componentes da federaccedilatildeo
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A Lei Orgacircnica Municipal traz em seu bojo aleacutem da organizaccedilatildeo
administrativa do Municiacutepio a restauraccedilatildeo do Poder Legislativo municipal definindo
a diversificaccedilatildeo normativa que natildeo existia nas leis organizacionais outorgadas pelo
Estado reflexo do poder constituinte outorgados aos Municiacutepios pela Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 como consequecircncia do efetivo exerciacutecio do conceito de Estado
Democraacutetico de Direito
O Municiacutepio enquanto ente federativo tem atualmente a responsabilidade de
ordenar o seu desenvolvimento social e a garantia do bem estar de seus habitantes
executando poliacuteticas puacuteblicas de accedilotildees a serem empreendidas na consolidaccedilatildeo
democraacutetica do Estado
Fundada no elemento participaccedilatildeo o exerciacutecio de cidadania amplamente
citado encontra sua efetividade no municiacutepio Pois eacute nesse acircmbito de localizaccedilatildeo
que as pessoas mantecircm um contato direto com os poderes instituiacutedos suas
necessidades imediatas e mediatas satildeo objetos da disciplina da Lei que visa o bem
comum base do Estado democraacutetico de Direito
Baseado na maacutexima do municipalista e defensor da descentralizaccedilatildeo poliacutetica
Franco Motoro sabiamente proferiu que ldquoningueacutem vive na Uniatildeo ou no Estado As
pessoas vivem no Municiacutepiordquo Assim a cidadania encontra seu melhor espaccedilo de
realizaccedilatildeo na comunidade onde convive A vida em comunidade gera anseios
comuns sentimentos comuns uma vez que a convivecircncia propicia que as pessoas
se conheccedilam e se reconheccedilam como membros de uma mesma realidade
De acordo com Harvey (1992) ldquoa globalizaccedilatildeo provoca anonimato enquanto
comunidade cultiva solidariedaderdquo o que implica participaccedilatildeo para o exerciacutecio de
cidadania
Tudo o que acontece no mundo seja no meu paiacutes na minha cidade ou no meu bairro acontece comigo Entatildeo eu preciso participar das decisotildees que interferem na minha vida Um cidadatildeo com um sentimento eacutetico forte e consciecircncia da cidadania natildeo deixa passar nada natildeo abre matildeo desse poder de participaccedilatildeo (Herbert de Souza Betinho)
Com esse embasamento natildeo se pode perder de vista que eacute nas relaccedilotildees
diaacuterias de oposiccedilatildeo ou solidariedade que as pessoas exercem cidadania Na relaccedilatildeo
do com o outro com os poderes ao estabelecer com a vida social e puacuteblica uma
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convivecircncia posto que cidadania eacute tarefa que natildeo termina natildeo eacute um conceito
pronto tatildeo pouco acabado enquanto seres inacabados que somos estaremos
buscando descobrindo criando e tomando consciecircncia mais ampla dos direitos
O desafio eacute construir um novo discurso sobre cidadania atraveacutes de uma
praacutetica poliacutetica sustentada isto eacute realizada em dois niacuteveis
O primeiro niacutevel na base atraveacutes de construccedilatildeo das capacidades e do poder
proacuteprio da populaccedilatildeo o que envolve inevitavelmente uma mudanccedila de atitude na
busca para garantir seus direitos utilizando-se do grau de autonomia local
Essa atitude conceberia agrave democracia participativa como uma poliacutetica paralela
de intervenccedilatildeo social criando e mantendo novos espaccedilos para a tomada de
decisotildees ou seja para o auto-governo pela populaccedilatildeo nas mateacuterias que afetam
diretamente suas vidas
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade
O segundo niacutevel um governo com o povo e natildeo apenas para o povo fundado
nos ditames constitucionais valorizando o sentimento da sociedade no exerciacutecio da
governabilidade de modo que o balizamento das accedilotildees de governo deixaria de estar
no proacuteprio governo e passaria a estabelecer-se a partir do pensar da sociedade Um
governo que se pergunta o que se deve fazer para ouvir com a maior fidelidade
possiacutevel a sociedade suas instituiccedilotildees representativas e o cidadatildeo Pois as
prioridades da gestatildeo deveriam ser definidas pela sociedade e natildeo mais pelo
governo
Portanto nesses termos eacute preciso considerar que as praacuteticas da
administraccedilatildeo puacuteblica sejam democratizadoras e inclusivas inspiradas nos
princiacutepios da legalidade impessoalidade moralidade publicidade e eficiecircncia Esta
uacuteltima buscou estabelecer uma Administraccedilatildeo Puacuteblica mais eficiente no sentido de
que o cidadatildeo como destinataacuterio dos serviccedilos puacuteblicos que o Estado deve prestar
receba-os com maior qualidade e menor custo para o eraacuterio puacuteblico
Para a consecuccedilatildeo desse governar com o povo alguns pontos devem ser
revistos A mudanccedila implica na necessidade de adequaccedilatildeo reorganizaccedilatildeo
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reformulaccedilatildeo Para isso se faz premente em face dos novos e modernos conceitos
de gestatildeo puacuteblica a superaccedilatildeo do tradicional vezo burocraacutetico que vem convertendo
a Administraccedilatildeo nas palavras Dromi (1995) numa cara ldquomaacutequina de impedirrdquo fiel
ldquocoacutedigo do fracassordquo que dispotildee ldquoartigo primeiro natildeo pode artigo segundo em
caso de duacutevida abstenha-se artigo terceiro se eacute urgente espere artigo quarto
sempre eacute mais prudente natildeo fazer nadardquo numa posiccedilatildeo natildeo burocraacutetica e sim
democraacutetica de considerar que organizaccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica inclui a
praacutetica de ver os cidadatildeos como membros plenos da comunidade poliacutetica tendo
acesso e exercitando direitos as que promovem a organizaccedilatildeo da populaccedilatildeo em
torno de temas de interesse comum as que incluem o controle social sobre a
gestatildeo o debate amplo e informado sobre questotildees de governo e que abrem agrave
populaccedilatildeo as decisotildees sobre estas questotildees Como leciona e Barrientos (2000)
Tratam-se de praacuteticas que natildeo buscam somente melhorar a eficiecircncia administrativa das diferentes organizaccedilotildees puacuteblicas mas que incorporam no seu processo de gestatildeo a dimensatildeo ativa da cidadania isto eacute ldquoque facilitam as iniciativas e responsabilidades de todos os envolvidos[] estabelecendo pontes entre Estado e sociedade civil
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade Acreditamos
que o ponto de partida eacute a atitude aliada agrave solidariedade e ao espiacuterito coletivo Pois
governo e cidadatildeos juntos haveratildeo de cumprir um novo papel no processo de
desenvolvimento como agentes de uma nova cultura
Como afirma Peter Drucke
A parceria comunitaacuteria seraacute um dos verdadeiros setores em crescimento das economias desenvolvidas Surge da necessidade de uma participaccedilatildeo mais direta e efetiva da comunidade nas grandes questotildees da vida social pois natildeo existe ningueacutem melhor que o cidadatildeo para saber o que ele quer para si para sua famiacutelia e para sua comunidade (apud RAMOS 1990)
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O envolvimento efetivo da sociedade nas questotildees sociais natildeo eacute apenas uma
postura moderna Significa antes de tudo uma atitude digna de todos aqueles que
desejam exercer sua cidadania contribuindo para um paiacutes melhor e em especial
para uma sociedade mais justa fraterna e solidaacuteria
Na histoacuteria observa-se a grande coragem das pessoas em construir o
reconhecimento delas proacuteprias e de seus direitos sempre buscando a participaccedilatildeo e
defendendo os Direitos Humanos Sem duacutevida a maior ecircnfase que deve ocorrer
para a construccedilatildeo real da cidadania eacute uma mudanccedila na sociedade O melhor a ser
feito eacute reforccedilar a organizaccedilatildeo democraacutetica buscando novas formas de participaccedilatildeo
social pois cidadania natildeo se resume ao poder de votar ou ser votado mas eacute sempre
na efetiva participaccedilatildeo popular pois somente com isso haacute a verdadeira
conscientizaccedilatildeo e o comprometimento daquele que passa a se sentir cidadatildeo
abandonando-se velhos viacutecios da poliacutetica representativa
Desse modo a participaccedilatildeo do povo no momento das reivindicaccedilotildees das
discussotildees e apreciaccedilotildees de projetos que visem agrave melhoria da comunidade local a
exigecircncia de transparecircncia na administraccedilatildeo da coisa puacuteblica dentre outras eacute quem
daraacute embasamento para as verdadeiras conquistas sociais no Municiacutepio que geram
saudaacuteveis formas de pressatildeo por efetivas poliacuteticas puacuteblicas de inclusatildeo social
gerando o fim do clientelismo poliacutetico tatildeo pejorativo e comum em nossa realidade e
cultura poliacutetica
Somente a participaccedilatildeo social eacute que iraacute causar uma real democratizaccedilatildeo do
poder A afirmaccedilatildeo da cidadania eacute pressuposto para a realizaccedilatildeo dos Direitos
Humanos pois os homens natildeo nascem naturalmente iguais Inclusive para que
ocorra a realizaccedilatildeo dos referidos direitos eacute necessaacuterio tambeacutem que exista um
espaccedilo puacuteblico que seja realmente democraacutetico e acessiacutevel possibilitando a
participaccedilatildeo de todos e esse espaccedilo eacute certamente o municiacutepio
Na praacutetica um forte instrumento de cidadania para atender as necessidades
coletivas eacute o orccedilamento participativo previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal que
determina expressamente a realizaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas e a participaccedilatildeo
popular nos processos de elaboraccedilatildeo e conduccedilatildeo dos orccedilamentos como forma de
incentivo agrave preparaccedilatildeo e execuccedilatildeo de planejamentos que envolvam diretamente o
povo A Lei veio incentivar a sua propagaccedilatildeo para todos os entes federativos tendo
em conta que se trata de uma tendecircncia mundial por legitimar as escolhas e
fortalecer o princiacutepio da transparecircncia
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Os meios de acesso do cidadatildeo junto aos Poderes Puacuteblicos eacute uma realidade
no Estado Democraacutetico de Direito brasileiro a exemplo das sessotildees do Poder
Legislativo que satildeo puacuteblicas ficando abertas a todos que delas quiserem participar
Emite-se uma pauta antes do comeccedilo da sessatildeo com a preacutevia dos debates Em
niacutevel municipal verifica-se um acompanhamento mais incisivo sobre as sessotildees das
Cacircmaras de Vereadores como forma de pressatildeo para aprovaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees
da comunidade avaliaccedilatildeo do desempenho e aceitaccedilatildeo de propostas orccedilamentaacuterias
e atuaccedilatildeo dos poliacuteticos bem como entendimento das funccedilotildees do Poder Legislativo
A Constituiccedilatildeo Federal assegura desde 1988 a possibilidade de se oferecer
peticcedilatildeo agraves Mesas Legislativas como forma de pedir informaccedilotildees sobre andamento
de projetos ou relatoacuterios encaminhados aos chefes do Poder Executivo Em niacutevel
municipal pode ser utilizada a Tribuna Livre como instrumento para denuacutencias de
problemas ou discussatildeo de um tema ou mesmo para apresentar sugestotildees sendo
regulado pela Lei Orgacircnica Municipal e pelo Regimento Interno da Cacircmara
A convocaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas tambeacutem possui previsatildeo constitucional
no art 58 sect 20 inciso II em niacutevel federal As comissotildees podem em razatildeo da
mateacuteria de sua competecircncia realizar audiecircncias puacuteblicas com entidades da
sociedade civil E nada obsta que estejam previstas formas de articulaccedilatildeo da
sociedade civil com os Presidentes das Comissotildees da Cacircmara no seu Regimento
Interno em acircmbito municipal
Os dispositivos da Constituiccedilatildeo Federal que dispotildeem sobre a forma de
participaccedilatildeo direta do cidadatildeo e da sociedade civil no processo democraacutetico natildeo se
pode negar que trouxe novas perspectivas De modo geral podemos citar
Art 29 A lei orgacircnica dos Municiacutepios tem que observar entre os seus
preceitos ldquocooperaccedilatildeo das associaccedilotildees representativas no planejamento municipalrdquo
Art 31 As contas dos municiacutepios ficaratildeo durante 60 (sessenta) dias
anualmente a disposiccedilatildeo de qualquer contribuinte para exame e apreciaccedilatildeo o qual
poderaacute questionar-lhes a legitimidade nos termos da lei
Art37 sect 3ordm (EC-1998) A lei disciplinaraacute as formas de participaccedilatildeo do usuaacuterio
na administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta regulando especialmente
I- as reclamaccedilotildees relativas a prestaccedilatildeo dos serviccedilos puacuteblicos em geral asseguradas
a manutenccedilatildeo de serviccedilo de atendimento ao usuaacuterio e a avaliaccedilatildeo perioacutedica externa
e interna da qualidade dos serviccedilos
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II- o acesso dos usuaacuterios a registros administrativos e a informaccedilatildeo sobre atos de
governo observado o disposto no art 5ordm X e XXXIII
III- a disciplina da representaccedilatildeo conta o exerciacutecio negligente ou abusivo de cargo
emprego ou funccedilatildeo na administraccedilatildeo puacuteblica
Art 74 sect 2ordm Qualquer cidadatildeo partido poliacutetico associaccedilatildeo ou sindicato eacute
parte legiacutetima para na forma de lei denunciar irregularidades ou ilegalidades perante
o Tribunal de Contas da Uniatildeo
Art194 paraacutegrafo uacutenico Compete ao Poder Puacuteblico nos termos da lei
organizar a seguridade social com base nos seguintes objetivos ()
VII ndash caraacuteter democraacutetivo descentralizado na administraccedilatildeo mediante gestatildeo
quadripartite com participaccedilatildeo dos trabalhadores dos empregados e dos
aposentados e do Governo nos oacutergatildeos colegiados nos oacutergatildeos colegiados
Art 198 As accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede integram uma rede
regionalizada e hierarquizada o constituem um sistema uacutenico organizado de acordo
com as seguintes diretrizes
III ndash participaccedilatildeo da comunidade
Art 202 sect 6ordm A lei complementa a que se refere o sect 4ordm deste artigo
estabeleceraacute os requisitos para a designaccedilatildeo dos membros das diretorias das
entidades fechadas de previdecircncia privada e disciplinaraacute a inserccedilatildeo dos
participantes nos colegiados e instacircncias de decisatildeo em que seus interesses sejam
objeto de discussatildeo e deliberaccedilatildeo
Art 204 As accedilotildees governamentais na aacuterea de assistecircncia social seratildeo
organizadas com base nas seguintes diretrizes
II ndash Participaccedilatildeo da populaccedilatildeo por meio de organizaccedilotildees representativas na
formulaccedilatildeo das poliacuteticas e no controle das accedilotildees em todos os niacuteveis
O protagonista na concretizaccedilatildeo dos direitos humanos e na ampliaccedilatildeo da cidadania eacute um sujeito coletivo de um trabalho sempre inacabado eis que se tratam de tarefas e conquistas cotidianas e gradativas obras que soacute podem ser realizada a muitas matildeos no partilhar e compartilhar da vida (COSTA NETO 2010)
A ampliaccedilatildeo da cidadania requer a consciecircncia de que os direitos pressupotildeem
deveres de maneira que os direitos de um indiviacuteduo satildeo garantidos a partir do
cumprimento dos deveres dos demais componentes da sociedade
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34 A necessaacuteria superaccedilatildeo de velhos paradigmas
Como se sabe em 1988 foi aprovada a Constituiccedilatildeo mais liberal e
democraacutetica do Brasil chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo Assim ampliou-se de
forma significativa o campo dos direitos e garantias fundamentais No que diz
respeito a tal mateacuteria eacute considerada como uma das mais avanccediladas do mundo No
seu preacircmbulo adota o modelo de um Estado democraacutetico de Direito destinado a
garantir o exerciacutecio dos direitos sociais e individuais a liberdade a seguranccedila o
bem-estar o desenvolvimento a igualdade e a justiccedila eleitos como valores
supremos de uma sociedade fraterna pluralista e sem preconceitos
Para a construccedilatildeo democraacutetica da cidadania no Brasil contemporacircneo
salienta-se de ela deve passar de uma democracia representativa para uma
cidadania que efetivamente molde a democracia ou seja uma cidadania instituinte
da democracia
No acircmbito constitucional positivo cidadania pressupotildee o exerciacutecio de todos
os direitos fundamentais e garantias que caracterizam o Estado democraacutetico de
Direito Quando se fala em cidadania eacute no sentido de reafirmar o direito pela plena
realizaccedilatildeo do indiviacuteduo do cidadatildeo dos entes coletivos e de sua emancipaccedilatildeo nos
espaccedilos da sociedade Estatildeo sempre intimamente ligados os conceitos de
cidadania democracia e direitos humanos sendo que um remete ao outro e seus
conteuacutedos se interligam ou seja a cidadania natildeo iraacute ocorrer sem que ocorra a
realizaccedilatildeo dos Direitos Humanos da mesma forma que os direitos humanos natildeo
seratildeo concretizados se natildeo houver o exerciacutecio da cidadania
Na evoluccedilatildeo histoacuterica tais categorias se desenvolveram de forma conjunta
com o Estado Representam noccedilotildees desejaacuteveis de relaccedilotildees humanas que se espera
sejam instituiacutedas Satildeo os elementos basilares na nova ordem social e que a
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 pretendeu edificar Poreacutem a democracia poliacutetica natildeo
resolveu os problemas econocircmicos mais seacuterios como a desigualdade e o
desemprego Continuam muito seacuterios os problemas da aacuterea social principalmente
na educaccedilatildeo nos serviccedilos de sauacutede e saneamento como tambeacutem e
principalmente quanto agrave seguranccedila puacuteblica
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A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 em seu artigo 6ordm e em outros artigos no texto
constitucional ampliou e muito os Direitos Sociais proibiu discriminaccedilotildees Assim
indicadores baacutesicos de qualidade de vida apontam que houve uma melhoria A
mortalidade infantil por exemplo caiu de maneira significativa nos uacuteltimos anos A
esperanccedila de vida ao nascer passou de 60 anos em 1980 para 70 em 2000 Poreacutem
o maior progresso foi na aacuterea da educaccedilatildeo fundamental que eacute considerado fator
decisivo para a cidadania pois a taxa de analfabetismo caiu consideravelmente
entretanto existem muitos problemas no campo educacional como a repetecircncia e
com relaccedilatildeo a desigualdade social entre as regiotildees
A grande concentraccedilatildeo da riqueza nacional nas matildeos de poucos reflete a
desigualdade e causa a pobreza e a miseacuteria ao passo que dificulta o acesso do
cidadatildeo agrave justiccedila e consequentemente ao seu estado de cidadania pleno
Dentre os fundamentos no qual se baseiam o Estado democraacutetico de Direito
no Brasil destaca-se justamente a cidadania e a dignidade humana conforme artigo
1ordm incisos II e III da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Entatildeo construir uma sociedade
livre justa e solidaacuteria garantir o desenvolvimento nacional erradicar a pobreza e a
marginalizaccedilatildeo reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de
todos sem preconceitos de origem raccedila sexo cor idade ou quaisquer outras
formas de discriminaccedilatildeo satildeo os objetivos fundamentais do Estado Brasileiro
conforme art 3ordm da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
O cenaacuterio de globalizaccedilatildeo econocircmica mundial tambeacutem traacutes seacuterios obstaacuteculos
para a construccedilatildeo da cidadania A globalizaccedilatildeo da economia em ritmo acelerado
provoca grandes mudanccedilas nas relaccedilotildees entre Estado sociedade e naccedilatildeo que
eram sempre o centro da noccedilatildeo e da praacutetica da cidadania ocidental O foco das
mudanccedilas e das preocupaccedilotildees estaacute em dois focos especiacuteficos a reduccedilatildeo do papel
central do Estado como fonte de direitos e local para a participaccedilatildeo e o
deslocamento da naccedilatildeo como principal fonte de identidade coletiva
Para que ocorra efetiva mudanccedila a melhor proposta eacute no sentido de
mudanccedila na organizaccedilatildeo da sociedade pois a inversatildeo da sequecircncia dos direitos
fez com que ocorra o reforccedilo da supremacia do Estado Para que ocorra a
consolidaccedilatildeo democraacutetica e cidadatilde eacute necessaacuterio reforccedilar a organizaccedilatildeo da
sociedade para assim dar embasamento social ao poder poliacutetico ou seja
finalmente democratizar o poder e estabelecer de forma plena a Cidadania
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CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A Constituiccedilatildeo que nasce com ldquocheiro de amanhatilde e natildeo de mofordquo nas
palavras do Deputado Ulisses Guimaratildees tem em seu relevo a esperanccedila de um
povo que sonhava com a erradicaccedilatildeo da repressatildeo militar e natildeo soacute isso um povo
que sonhava com a liberdade em suas diversas manifestaccedilotildees em suas mais
significativas formas de representaccedilatildeo e sobretudo com um paiacutes voltado para a
democracia e justiccedila social
Ao povo brasileiro foi concedido o poder de governar e nesse contexto de
mudanccedila a ldquodemocracia eacute o governo do povo pelo povo e para o povordquo na
conceituaccedilatildeo ceacutelebre de Abraham Lincoln E consoante estabelece o paraacutegrafo
uacutenico do art 1ordm da Carta cidadatilde de 1988 ldquotodo poder emana do povo que o exerce
por meio de representantes eleitos ou diretamenterdquo
No entanto natildeo basta que a fonte de poder seja o povo a democracia vem
significar a efetiva participaccedilatildeo do povo nas decisotildees e destino do Estado e sua
consolidaccedilatildeo eacute a proacutepria cidadania pois eacute o cidadatildeo que pensa e se auto define
diante da condiccedilatildeo soacutecio-histoacuterica O cidadatildeo tem portanto o poder de transformar
a realidade social segundo seu pensamento e accedilatildeo
Natildeo se pode negar que a Carta de 1988 foi a que apresentou maior
legitimidade popular que abriu caminhos apontando um novo tempo
Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita Se fosse perfeita seria irreformaacutevel Ela proacutepria com humildade e realismo admite ser emendada ateacute por maioria mais acessiacutevel dentro de cinco anos Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita mas seraacute uacutetil e pioneira e desbravadora Seraacute luz ainda que de lamparina na noite dos desgraccedilados Eacute caminhando que se abrem os caminhos Ela vai caminhar e abri-los Seraacute redentor o que penetrar nos bolsotildees sujos escuros e ignorados da miseacuteria (Ulysses Guimaratildees)
Mesmo natildeo sendo a constituiccedilatildeo perfeita sem duacutevida foi a que trouxe
esperanccedila ao povo brasileiro com a sua promulgaccedilatildeo surgiram o ldquohaacutebeas datardquo o
mandado de injunccedilatildeo e o mandado de seguranccedila coletivo - todos remeacutedios judiciais
de iacutendoles constitucionais serviacuteveis para prevenir e combater diversas tentativas de
abuso contra a pessoa humana Outrossim o objeto da accedilatildeo popular foi ampliado
Atualmente qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima para propor a mencionada accedilatildeo
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popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de entidade de que o
Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e ao patrimocircnio
histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de custas
judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia Nesse rol de forma decisiva houve a
ampliaccedilatildeo tambeacutem dos direitos sociais
Assim a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconhece e assegura uma seacuterie de
escudos protetivos aos cidadatildeos Em sua essecircncia os direitos fundamentais
ganham forma De modo que podemos assegurar que hoje o nosso Estado eacute uma
organizaccedilatildeo centrada no ser humano visto que tem a dignidade da pessoa humana
como um fundamento da Repuacuteblica Federativa do Brasil
Apesar das inuacutemeras dificuldades o Estado Democraacutetico de Direito fundado
na cidadania constituiu para o povo uma nova identidade ndash o que em outras eacutepocas
natildeo existia
A Constituiccedilatildeo circunscreve toda a organizaccedilatildeo poliacutetica estatal no intuito
maior de criar no consciente coletivo a vontade livre e determinada de desenvolver
padrotildees de condutas destinados a elevar e promover a auto-estima de toda a
comunidade paacutetria
Foi nesse sentido que estatui em seu artigo 1ordm a cidadania como fundamento
do Estado Democraacutetico de Direito ampliando e enriquecendo o tal conceito Cada
eacutepoca produziu praacuteticas e reflexotildees muito distintas sobre o tema cidadania A
definiccedilatildeo de cidadania que vem sofrendo alteraccedilotildees ao longo do tempo obedecendo
a um processo histoacuterico de conquistas sociais eacute compreendida atualmente como
um processo de participaccedilatildeo do indiviacuteduo ou de um grupo organizado nas mais
variadas aacutereas de atuaccedilatildeo da sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos
e sociais
A cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia disso natildeo haacute duvidas e se
efetiva como mudanccedilas na realidade de cada um com melhoria de vida e
conscientizaccedilatildeo da importacircncia do cidadatildeo dado que eacute um processo em
permanente construccedilatildeo Natildeo haacute como defender uma qualidade de vida sem a
preservaccedilatildeo da cidadania em todos os seus acircmbitos Nesse sentido a efetiva
proteccedilatildeo desse aspecto basilar torna-se essencial no que tange uma assistecircncia
juriacutedica completa
No contraponto do direito estatildeo os deveres que encontramos sua realizaccedilatildeo
tambeacutem na participaccedilatildeo observando que o cidadatildeo eacute responsaacutevel pelo advir de
55
suas accedilotildees A participaccedilatildeo reflete um caraacuteter de natildeo comodismo de atenccedilatildeo agravequilo
que eacute particular e coletivo tendo como finalidade preciacutepua o bem comum
Construir cidadania hoje eacute imperativo para a sociedade pois dessa
construccedilatildeo depende o amanhatilde Estamos diante da Constituiccedilatildeo que se propotildee a
resguardar o amanhatilde sem perder de vista que ele comeccedila hoje agora e nisso a
Carta Poliacutetica traacutes consigo a certeza do despertar dessa consciecircncia a consciecircncia
cidadatilde Ela eacute a semente plantada em terra feacutertil que gera frutos diariamente e se
renova a cada estaccedilatildeo na dinacircmica da vida Talvez tenha sido esse o cheiro de
frutas alcanccedilado pelo constituinte ao anunciar que a carta tem ldquocheiro do amanhatilderdquo
A responsabilidade pelo exerciacutecio desses direitos belissimamente elencados
depende de todos e de cada um pois somos o terreno feacutertil que produziraacute o fruto de
uma sociedade fraterna
Eacute comum na praacutetica apenas responsabilizarmos o Estado em sentido lato pelo
natildeo exerciacutecio dos direitos do cidadatildeo Vale lembrar nesse contexto das palavras de
J Kennedy o qual disse ldquonatildeo pergunte o que o Estado pode fazer por vocecirc mas o
que vocecirc pode fazer pelo Estadordquo haacute nessa frase um forte traccedilo de cidadania pois
quando o cidadatildeo reivindica critica opina o que ele daacute em contrapartida ao paiacutes eacute
solidificado visto que eacute nas relaccedilotildees familiares em comunidade que se estabelece e
se fortalece os viacutenculos de solidariedade de uma sociedade que perpetua valores
condutas que as leis reguladoras natildeo conseguem por si soacute estabelecer
A concretizaccedilatildeo do ideal de uma qualidade de vida merecida a todos os seres
humanos sem restriccedilotildees requer entretanto um esforccedilo coletivo Dessa forma haacute
necessidade de suprir as muitas carecircncias advindas das desigualdades sociais e de
condiccedilotildees do descaso do poder puacuteblico e da proacutepria conceituaccedilatildeo antiga de
cidadania que ainda eacute concebida por muitos no presente
Em suma nosso trabalho procurou traccedilar a evoluccedilatildeo da cidadania e ao
mesmo tempo buscou traccedilar uma melhor caracterizaccedilatildeo do cidadatildeo agrave luz da nossa
Constituiccedilatildeo que eacute por fim a essecircncia da Magna Carta O alcance da cidadania
enquanto mecanismo de acesso a direitos foi colocado no acircmbito da pessoa
enquanto titular de direitos e num paralelo defendemos que o municiacutepio eacute o espaccedilo
de atuaccedilatildeo e exerciacutecio de cidadania dada a proximidade do cidadatildeo com as
instituiccedilotildees oacutergatildeos entidades e tudo o mais que o cerca na esfera de vivecircncia Eacute na
praccedila que discute a poliacutetica local e nacional que se indigna com as dificuldades e as
56
barreiras de acesso aos seus direitos Eacute no municiacutepio que se inicia todo um vieacutes de
desdobramento para garantir direitos
Por fim natildeo obstante resta dizer sobre o tema que os caminhos e
paradigmas que se intentou percorrer sobre cidadania como mecanismo
transformador da sociedade tem ingrediente ainda a se descortinar para o
propoacutesito valioso do bem comum Pois bem a ideia de bem comum tem como
fundamento o amor maacutexima que se estabelece por meio da democracia visto que
ldquoa demofilia o demoiacutesmo o amor do povo acima de tudo como princiacutepio ativo de
toda a sua vida poliacutetica inspirador duma sempre crescente autonomia imanente eacute
que constitui a verdadeira essecircncia da democraciardquo nas palavras de Melgareacute
(2005)
Dessa forma eacute no nuacutecleo da democracia que estaacute inscrito como pedra
angular o respeito e o amor pela pessoa humana Eacute pois um tema de larga
abrangecircncia poreacutem sem querer abreviar o caminho sua efetiva possibilidade de
realizaccedilatildeo se encontra no exerciacutecio da cidadania sem repuacutedios parciais ou exclusatildeo
de qualquer ordem na plenitude de uma cidadania para todos
57
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
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exponencial relativamente ao Estado brasileiro e tudo que lhe corresponda no
exerciacutecio de um poder que adquire significaccedilatildeo renovada e amplificada na
sociedade contemporacircnea Segundo Arendt
A cidadania eacute o direito a ter direitos pois a igualdade em dignidade e direitos dos seres humanos natildeo eacute um dado Eacute um construiacutedo da convivecircncia coletiva que requer o acesso ao espaccedilo puacuteblico Eacute este acesso ao espaccedilo puacuteblico que permite a construccedilatildeo de um mundo comum atraveacutes do processo de asserccedilatildeo dos direitos humanos
Nesse diapasatildeo o direito a ter direitos compreende o pleno acesso ao
espaccedilo puacuteblico o efetivo exerciacutecio do poder poliacutetico das prerrogativas inerentes agrave
cidadania conforme explicita a Constituiccedilatildeo no art 5deg LXXI a propoacutesito do
mandado de injunccedilatildeo no dizer todo direito atribuiacutedo com o caraacuteter de exclusividade
agrave pessoa
21 Estado Democraacutetico de Direito espaccedilo de cidadania
Apoacutes a eacutepoca de grandes restriccedilotildees militares o ato de promulgaccedilatildeo da
Constituiccedilatildeo Federal em 05 de outubro de 1988 vem marcar uma nova fase de
esperanccedila para os brasileiros Ao batizaacute-la de Constituiccedilatildeo cidadatilde a Assembleia
Nacional Constituinte atraveacutes de seu presidente o Deputado Ulisses Guimaratildees
resumiu o espiacuterito do texto constitucional assegurar aos brasileiros direitos sociais
essenciais ao exerciacutecio da cidadania e estabelecer mecanismos para garantir o
cumprimento de tais direitos
O que se viu a partir de entatildeo foi uma lenta poreacutem significativa mudanccedila na
sociedade brasileira A Constituiccedilatildeo Federal que eacute sem duacutevidas um marco na
histoacuteria do paiacutes traccedila a prioridade dada pelos constituintes aos direitos dos
brasileiros que pode ser observada em todas as questotildees
A Carta faz uma ampliaccedilatildeo dos direitos individuais sociais e poliacuteticos e como
se observa a inserccedilatildeo dos direitos sociais como segundo tiacutetulo revela a primazia
que o constituinte quis daacute a estes direitos em detrimento de todos os outros
incluindo os referentes agrave organizaccedilatildeo do Estado e dos Poderes que vecircm depois
25
Ao contraacuterio do que ocorreu com as Constituiccedilotildees anteriores esse
ordenamento dos capiacutetulos parece revelar que a Carta eacute o prenuacutencio de um paiacutes em
que os direitos dos cidadatildeos formam a base do ordenamento do Estado Essa ideia
foi expressa pelo presidente da Assembleacuteia Constituinte deputado Ulysses
Guimaratildees que voltamos a citar quando anunciou
Diferentemente das sete constituiccedilotildees anteriores esta comeccedila com o homem De modo gratificante testemunha a primazia do homem que foi escrita para o homem que o homem eacute seu fim e sua esperanccedila Eacute a Constituiccedilatildeo cidadatilde
A Constituiccedilatildeo nasceu da constataccedilatildeo de que o figurino juriacutedico formulado
para o Brasil desde os primoacuterdios do Estado nacional natildeo se compatibilizava com as
necessidades dos brasileiros Houve avanccedilos na formalizaccedilatildeo da Lei Magna
especialmente no tocante aos direitos de cidadania mas estamos longe do ideal
preconizado pela carta cidadatilde O que nos leva a crer que a cidadania eacute um processo
diaacuterio e permanente de construccedilatildeo Pois natildeo basta garantir o direito eacute preciso
exercecirc-lo
A cidadania abraccedilada pela atual Constituiccedilatildeo Federal Brasileira teve seu
conteuacutedo ampliado e natildeo se restringe ao simples fato de possuir um tiacutetulo de eleitor
para votar e ser votado ela estabelece cidadania como princiacutepio fundamental da
Repuacuteblica do Brasil desta forma o conceito decorrente pode ser entendido
conforme preleciona Silva (2005) ldquocidadania estaacute aqui num sentido mais amplo do
que o de titular de direitos poliacuteticos Qualifica os participantes da vida do Estado
reconhecimento do indiviacuteduo como pessoa integrada a sociedade estatalrdquo
Tal conceito nos leva a relacionar cidadania com democracia uma vez que
optou-se pelo Estado Democraacutetico de Direito o qual assenta seus alicerces na
participaccedilatildeo popular em questotildees que envolvem a coisa puacuteblica Para Moraes
(2005) esse Estado de Direito ldquosignifica a exigecircncia de reger-se por normas
democraacuteticas com eleiccedilotildees livres perioacutedicas e pelo povo bem como o respeito das
autoridades puacuteblicas aos direitos e garantias fundamentaisrdquo
O propoacutesito da opccedilatildeo pelo Estado Democraacutetico de Direito eacute que a cidadania e
os demais direitos fundamentais fluam com plenitude talvez seja o que justifique a
denominaccedilatildeo da Carta Magna de cidadatilde pois o povo passa a atuar de forma mais
ativa na vida poliacutetica do Estado uma vez que a ele foi concedido esse poder
26
A cidadania portanto soacute adquire pleno significado no mundo contemporacircneo
num Estado Democraacutetico de Direito para tanto exige um ambiente de vida e de
conviacutevio entre os homens tiacutepico e proacuteprio de um Estado Democraacutetico pois a
cidadania constitui fundamento primordial daquele Estado qual seja possibilitar aos
indiviacuteduos habitantes de um paiacutes o seu pleno desenvolvimento atraveacutes do alcance
de igual dignidade social e econocircmica
Segundo Rozicki (2005) O ambiente de vida social do Estado Democraacutetico
cujos pilares se encontram na efetividade dos direitos fundamentais da pessoa
humana em uma sociedade solidaacuteria soacute eacute possiacutevel atraveacutes da observaccedilatildeo de alguns
postulados que lhe satildeo essenciais os quais a autora denomina de pressupostos do
Estado democraacutetico de Direito
1)a valorizaccedilatildeo e atualidade da dignidade do homem e o reconhecimento da importacircncia de dispensar a todos tratamento fraternal igualitaacuterio e natildeo discriminativo 2) a confianccedila nos talentos e possibilidades latentes dos homens 3) a seguranccedila e o creacutedito nos valores institucionalizados pelas massas como fundamentos para o progresso do bem comum e o alcance da justiccedila 4) a aceitaccedilatildeo da legitimidade das decisotildees tomadas por meio de processos racionais e participativos de deliberaccedilatildeo com o consenso da maioria que constitui o reflexo o resultado de debates livres entre todos 5) o respeito aos grupos minoritaacuterios 6) e a compreensatildeo de que todo o interesse geral eacute a siacutentese dos diversos interesses e ideacuteias dos indiviacuteduos e dos grupos diferentes centros de poder que integram a sociedade pluralista
Percebe-se que o conceito amplo de cidadania encontra seus princiacutepios
baacutesicos e estruturantes nesses pressupostos intimamente ligado aos conceitos de
democracia e de igualdade No tocante ao conceito de igualdade elucidativa eacute a
liccedilatildeo de Rozicki (2005) quando afirma que
O princiacutepio de igualdade disciplina todas as atividades puacuteblicas e tem aplicaccedilatildeo direta nas relaccedilotildees privadas que ocorrem entre os particulares impondo para tornaacute-lo real a proibiccedilatildeo de discriminaccedilotildees e a eliminaccedilatildeo das desigualdades faacuteticas nos planos social e econocircmico proporcionando a todos os cidadatildeos igual condiccedilatildeo de vida e mesma posiccedilatildeo perante o Estado Democraacutetico
E complementa que tambeacutem para a realizaccedilatildeo da cidadania o princiacutepio
democraacutetico torna indispensaacutevel agrave participaccedilatildeo popular nas tomadas de decisatildeo No
seu entender
27
A cidadania no Estado democraacutetico de direito efetivada oferece aos cidadatildeos como iguais condiccedilotildees de existecircncia o gozo atual de direitos e a obrigaccedilatildeo do cumprimento de deveres que resumidamente podem ser assim apresentados exerciacutecio de direitos fundamentais e participaccedilatildeo e os deveres de colaboraccedilatildeo e solidariedade (Rozicki 2005)
Natildeo obstante eacute vaacutelido ressaltar um princiacutepio igualmente importante e deveras
esquecido a fraternidade Este princiacutepio que eacute um dos trecircs pilares da Revoluccedilatildeo
Francesa eacute pouco discutido apesar de assumir um papel decisivo na consolidaccedilatildeo
da democracia da politica e do poder
A fraternidade eacute necessaacuteria para o estabelecimento de uma comunidade
politicamente solidaacuteria com indiviacuteduos iguais e livres
Para finalmente concebermos um Estado Democraacutetico de Direito que trate os
iguais na medida de suas desigualdades
22 Os direitos fundamentais como pressupostos de identidade da cidadania
Os direitos fundamentais vistos como um dos traccedilos mais marcante do
constitucionalismo moderno consistem no resultado da luta dos homens por um
direito ideal justo e humano representam situaccedilotildees reconhecidas juridicamente
sem as quais o homem eacute incapaz de alcanccedilar sua proacutepria realizaccedilatildeo e
desenvolvimento plenamente daiacute dizer-se que o princiacutepio preponderante que
condensa os direitos fundamentais eacute o da dignidade da pessoa humana
Os direitos fundamentais satildeo o conjunto de normas de um ordenamento juriacutedico que formam um subsistema deste fundado na liberdade na igualdade na seguridade na solidariedade expressotildees da dignidade do homem que formam parte da norma baacutesica material de identificaccedilatildeo do ordenamento juriacutedico e constitui um setor de moralidade procedimental positivada que legitima o Estado Social de Direito (MARTINEZ apud AGRA 2002)
Tais direitos foram e vatildeo sendo aperfeiccediloados e estendidos ao longo do
tempo resta dizer que os mesmos estabelecem faculdades da pessoa humana que
permitem sua breve classificaccedilatildeo do seguinte modo 1) os direitos civis e poliacuteticos
de liberdade como por exemplo a liberdade de expressatildeo de propriedade de
28
manifestaccedilatildeo do pensamento de associaccedilatildeo de imprensa de reuniatildeo de igualdade
formal perante a lei de participaccedilatildeo poliacutetica o devido processo legal o habeas
corpus o direito de peticcedilatildeo etc 2) os direitos sociais econocircmicos e culturais de
participaccedilatildeo poliacutetica tais como a igualdade de sufraacutegio o direito de voto e de
elegibilidade o direito de peticcedilatildeo e os direitos de participaccedilatildeo poliacutetica 3) os direitos
da titularidade coletiva que satildeo aqueles ligados a solidariedade e a fraternidade
como por exemplo o direito agrave preservaccedilatildeo do meio ambiente e agrave qualidade de vida
etc 4) os direitos chamados de quarta geraccedilatildeo por exemplo direito a democracia a
informaccedilatildeo ao comeacutercio eletrocircnico entre os estados etc
Natildeo existe qualquer relaccedilatildeo hieraacuterquica entre estes direitos mesmo porque
todos interagem entre si de nada servindo um sem a existecircncia dos outros Esta
divisatildeo acontece devido agrave eterna e constante busca do homem por mais proteccedilatildeo
mais garantia com o objetivo de alcanccedilar uma sociedade mais justa igualitaacuteria e
fraterna
Na evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais Agra (2002) chama a atenccedilatildeo do
relevo que adquirem a democratizaccedilatildeo da informaccedilatildeo e os mecanismos de
democracia participativa E justifica que a democratizaccedilatildeo da informaccedilatildeo natildeo se
caracteriza apenas pela existecircncia de uma miacutedia plural sem nenhum tipo de
monopoacutelio mas deve ser concebida como a obrigaccedilatildeo que todos os cidadatildeos tecircm
de tomar consciecircncia dos graves problemas que afligem a humanidade e que os
mecanismos da democracia participativa concebem a cidadania em extensatildeo muito
superior ao voto abrangendo a interferecircncia direta do cidadatildeo nas decisotildees
governamentais mediante vaacuterios mecanismos juriacutedicos como o plebiscito o recall o
orccedilamento participativo etc
De acordo com Silva (2005) os Direitos Fundamentais na Constituiccedilatildeo de
1988 abrangem os ldquodireitos individuais sociais poliacuteticos e tambeacutem os direitos
econocircmicos Para o autor a ampliaccedilatildeo e transformaccedilatildeo dos direitos fundamentais
do homem na histoacuteria dificultam uma definiccedilatildeo sinteacutetica do conceitordquo
Essa dificuldade aumenta diante do emprego de vaacuterias expressotildees para
designaacute-los tais como direitos naturais direitos humanos direitos do homem
direitos individuais direitos puacuteblicos subjetivos liberdades fundamentais liberdades
puacuteblicas e direitos fundamentais do homem No entanto direitos fundamentais do
homem constitui a expressatildeo mais adequada porque na palavra fundamentais
acha-se a indicaccedilatildeo de que se trata de situaccedilotildees sem as quais o indiviacuteduo natildeo tem
29
uma vida digna natildeo convive e agraves vezes nem mesmo sobrevive A expressatildeo
direitos fundamentais eacute a mais precisa no sentido de que a todos por igual devem
ser natildeo apenas formalmente reconhecidos mas concreta e materialmente
efetivados
Por sua vez a atual Corte em julgamento do habeas corpus (HC ndeg
82424RS) marca seu posicionamento no tocante ao sistema de direitos
fundamentais insculpido na Constituiccedilatildeo de 1988 atraveacutes dos profundos e bem
fundamentados votos dos Ministros que aleacutem de delimitarem a extensatildeo e os limites
da liberdade de expressatildeo (art 5o IV e IX) acabaram indicando as bases filosoacuteficas
e juriacutedicas para a interpretaccedilatildeo do cataacutelogo de direitos fundamentais da Constituiccedilatildeo
de 1988
Nesse sentido o voto do Ministro Marco Aureacutelio tratou de definir o sistema de
direitos fundamentais como a ldquoproacutepria essecircncia da Constituiccedilatildeordquo qualificando-os
como ldquovalores objetivos que servem como norte da atuaccedilatildeo estatalrdquo Assim estaacute
consignado nos fundamentos do referido voto
A Constituiccedilatildeo de 1988 representou um divisor de aacuteguas entre o antigo regime totalitaacuterio e um periacuteodo de redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes marcando dessa forma uma eacutepoca que tem como modelo de atuaccedilatildeo do Estado o respeito incondicional aos direitos fundamentais Por isso mesmo o sistema constitucional dos direitos fundamentais previsto no artigo 5o da Carta com os eventuais acreacutescimos do sect 2o reflete em rigor e em larga medida a proacutepria essecircncia da Constituiccedilatildeo e a retomada do processo de democratizaccedilatildeo e da garantia do cidadatildeo contra abusos e arbitrariedades no exerciacutecio do Poder Puacuteblico Os direitos fundamentais satildeo hoje verdadeiros princiacutepios estruturantes da organizaccedilatildeo e do funcionamento do Estado valores objetivos que servem como norte da atuaccedilatildeo estatal em seus mais diferentes niacuteveis no Legislativo formam um cataacutelogo de princiacutepios e garantias que informam e direcionam toda a atividade de criaccedilatildeo das normas de nosso ordenamento juriacutedico e de concretizaccedilatildeo dos preceitos constitucionais no Executivo mostram-se como verdadeiros limites ao exerciacutecio do poder administrativo servindo como trincheiras de proteccedilatildeo da liberdade do cidadatildeo e no judiciaacuterio refletem a base e o fundamento necessaacuterio da compreensatildeo e interpretaccedilatildeo de nossas normas ndash efeito interpretativo - evitando que a atividade jurisdicional se transforme em medidas discricionaacuterias ou providecircncias ilegiacutetimas de opccedilotildees poliacuteticas pautadas em escolhas pessoais dos juiacutezes
Tudo indica que se trata do iniacutecio de uma soacutelida construccedilatildeo jurisprudencial a
respeito do sentido axioloacutegico do sistema de direitos fundamentais da Constituiccedilatildeo
de 1988
30
Os Direitos Individuais satildeo de exerciacutecio exclusivo do indiviacuteduo e devem ser
formalmente reconhecidos e concretizados no cotidiano do cidadatildeo O indiviacuteduo aqui
eacute considerado um sujeito de direitos e natildeo apenas como integrante de um corpo
social Esses direitos natildeo podem sofrer nenhum tipo de restriccedilatildeo natildeo se
discriminando quem os pode exercer uma vez que satildeo titulares todas as pessoas
capazes incapazes brasileiras estrangeiras alfabetizadas e iletradas
A Constituiccedilatildeo Cidadatilde foi a primeira a estabelecer direitos natildeo soacute de
indiviacuteduos mas tambeacutem de grupos sociais os denominados direitos coletivos Com
isso as pessoas passaram a ser coletivamente consideradas Os direitos individuais
e coletivos estatildeo anunciados no art 5ordm em setenta e sete incisos e em dois
paraacutegrafos
Verifica-se que os Direitos Individuais tecircm como ponto marcante a liberdade
seja ela tomada de maneira global ou especiacutefica como liberdade de associaccedilatildeo de
reuniatildeo A liberdade de reuniatildeo (art 5ordm XVI) constitui-se na primeira e mais simples
liberdade corporativa estando logo apoacutes a liberdade de locomoccedilatildeo
Os Direitos Sociais tecircm como titular uma coletividade e satildeo caracterizados
pela prestaccedilatildeo de serviccedilos ou oferecimento de melhorias para a sociedade como um
todo por parte do Poder Puacuteblico Assim os Direitos Sociais tornam possiacutevel a fruiccedilatildeo
e o exerciacutecio dos Direitos Individuais pela coletividade mesmo pelos carentes
materialmente
O art 6deg define os Direitos Sociais da seguinte maneira ldquoSatildeo Direitos Sociais
a educaccedilatildeo a sauacutede o trabalho a moradia o lazer a seguranccedila a previdecircncia
social a proteccedilatildeo agrave maternidade e agrave infacircncia a assistecircncia aos desamparados na
forma desta Constituiccedilatildeordquo
Portanto eacute obrigatoacuteria ao Estado a proteccedilatildeo dos interesses da coletividade
com o atendimento dos direitos acima citados
Satildeo direitos poliacuteticos os que conferem o acesso da populaccedilatildeo agrave participaccedilatildeo
no Poder do Estado tais como os direitos de votar e ser votado do referendo
plebiscito e iniciativa popular das leis O direito democraacutetico de participaccedilatildeo dos
cidadatildeos no governo por meio de seus representantes exigiu a formaccedilatildeo de um
conjunto de normas legais permanentes que recebeu a denominaccedilatildeo de direitos
poliacuteticos Os Direitos Poliacuteticos amparam os Direitos Individuais Sociais e
Econocircmicos pois quando desaparece a democracia desaparecem imediatamente
as liberdades fundamentais
31
Com o advento da Constituiccedilatildeo de 1988 foram criadas instituiccedilotildees para
fiscalizar e controlar a atuaccedilatildeo da administraccedilatildeo puacuteblica entre as quais o Ministeacuterio
Puacuteblico que funciona como um canal de expressatildeo dos direitos da populaccedilatildeo
O Ministeacuterio Puacuteblico foi a instituiccedilatildeo que mais ganhou importacircncia no cenaacuterio
puacuteblico por ter passado a defender os interesses coletivos ou seja os interesses de
um grupo categoria ou classe e natildeo de um indiviacuteduo isolado No artigo 127 o
Ministeacuterio Puacutebico (MP) eacute definido como ldquouma instituiccedilatildeo permanente essencial agrave
funccedilatildeo jurisdicional do Estado incumbindo-lhe a defesa da ordem juriacutedica do regime
democraacutetico e dos interesses sociais e individuais indispensaacuteveisrdquo
Cabe ao Ministeacuterio Puacuteblico exigir dos poderes puacuteblicos e dos serviccedilos de
relevacircncia puacuteblica respeito aos direitos elencados na Constituiccedilatildeo promovendo as
medidas necessaacuterias agrave garantia desses direitos Portanto eacute responsaacutevel pela
garantia da ordem juriacutedica do regime democraacutetico da moralidade puacuteblica e dos
direitos sociais e individuais
23 A consagraccedilatildeo dos direitos do cidadatildeo
A Constituiccedilatildeo de 1988 eacute o coroamento da histoacuteria constitucional do Brasil por
ter sido um marco da redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes opondo-se a qualquer forma de
autoritarismo Nela a cidadania foi consagrada como um dos fundamentos da
Repuacuteblica Federativa do Brasil (art 1ordm inc II) Observe-se que o termo cidadania
encontra-se na Constituiccedilatildeo em sentido mais amplo do que o de titular de direitos
poliacuteticos pois qualifica os participantes da vida do Estado e reconhece o indiviacuteduo
como pessoa integrada na sociedade estatal
Essa nova concepccedilatildeo de cidadania introduzida pela Constituiccedilatildeo Federal de
1988 eacute fruto da internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos e como marco principal da
institucionalizaccedilatildeo erigiu em seu artigo primeiro a dignidade da pessoa humana (inc
III) e a cidadania (incII) a princiacutepio fundamental
Institui com o princiacutepio da cidadania uma nova compreensatildeo acerca dos
direitos de deveres da pessoa elevado-o a status maacuteximo a regra-matriz que natildeo
pode ser desrespeitada pois os fundamentos constituem a essecircncia da Repuacuteblica
32
Federativa e servem como regra-matriz para a elaboraccedilatildeo interpretaccedilatildeo e
integraccedilatildeo do sistema juriacutedico nacional
Violar um princiacutepio eacute muito grave que transgredir uma norma qualquer A desatenccedilatildeo ao principio implica ofensa natildeo apenas a um especifico mandamento obrigatoacuterio mas a todo o sistema de comandos Eacute a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade representa insurgecircncia contra todo o sistema subversatildeo de valores fundamentais (MELLO apud CHIMENTI 2005 P 33)
Para Silva (2004) cidadania eacute discriminada como princiacutepio relativo ao regime
poliacutetico Dessa forma compreendida cidadania como princiacutepio fundamental eacute o
direito de participar dos destinos do Estado e mais usufruir dos direitos civis
fundamentais previstos na Constituiccedilatildeo
Muitos doutrinadores utilizam cidadania no mesmo sentido de nacionalidade
(Art 12 da Constituiccedilatildeo Federal) e de direitos poliacuteticos (Art 14) Em alguns outros
dispositivos a palavra cidadania (ou cidadatildeo) poderia ainda ter a significaccedilatildeo de
direitos poliacuteticos mas mesmo assim de forma impliacutecita a exemplo dos arts 22 XIII
e 5ordm LXXIII No primeiro se lecirc que compete agrave Uniatildeo legislar sobre nacionalidade
cidadania e naturalizaccedilatildeo e no segundo que qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima
para propor accedilatildeo popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de
entidade de que o Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e
ao patrimocircnio histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de
custas judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia No entanto conforme Mazzuoli (2002)
Observe-se que a Carta de 1988 ao tratar no seu art 14 dos direitos poliacuteticos natildeo se refere sequer em um momento agrave expressatildeo cidadania dizendo apenas que a soberania popular seraacute exercida pelo sufraacutegio universal e pelo voto direito e secreto com valor igual para todos (hellip) Pelo contraacuterio a Constituiccedilatildeo faz uma separaccedilatildeo entre cidadania e direitos poliacuteticos quando no seu art 68 sect 1ordm II ao tratar das leis delegadas exclui do acircmbito da delegaccedilatildeo legislativa a nacionalidade cidadania direitos individuais poliacuteticos e eleitorais
A Constituiccedilatildeo brasileira de 1988 com a transiccedilatildeo para o regime democraacutetico
consagrou expressamente esta nova concepccedilatildeo de cidadania como se depreende
da leitura de vaacuterios dos seus dispositivos
Foi nesse sentido que pioneiramente estatuiu a Carta de 1988 em seu art
1ordm que a Repuacuteblica Federativa do Brasil formada pela uniatildeo indissoluacutevel dos
33
Estados e Municiacutepios e do Distrito Federal constitui-se em Estado Democraacutetico de
Direito e tem como fundamentos dentre outros a cidadania (inc II) Como jaacute
mencionado
Na mesma esteira o disposto no art 5ordm incisos LXXI (conceder-se-aacute
mandado de injunccedilatildeo sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviaacutevel o
exerciacutecio dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes agrave
nacionalidade agrave soberania e agrave cidadania) e LXXVII (satildeo gratuitas as accedilotildees de
habeas-corpus e habeas-data e na forma da lei os atos necessaacuterios ao exerciacutecio
da cidadania) No seu Tiacutetulo VIII Capiacutetulo II Seccedilatildeo I a Carta Magna de 1988
dispotildee ainda que a
Educaccedilatildeo direito de todos e dever do Estado e da famiacutelia seraacute promovida e incentivada com a colaboraccedilatildeo da sociedade visando ao pleno desenvolvimento da pessoa seu preparo para o exerciacutecio da cidadania e sua qualificaccedilatildeo para o trabalho (art 205)
Outro dispositivo em que fica bastante marcada esta nova concepccedilatildeo de
cidadania eacute o art 64 do Ato das Disposiccedilotildees Constitucionais Transitoacuterias que
dispotildee
A Imprensa Nacional e demais graacuteficas da Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios da administraccedilatildeo direta ou indireta inclusive fundaccedilotildees instituiacutedas e mantidas pelo Poder Puacuteblico promoveratildeo ediccedilatildeo popular do texto integral da Constituiccedilatildeo que seraacute posta agrave disposiccedilatildeo das escolas e dos cartoacuterios dos sindicatos dos quarteacuteis das igrejas e de outras instituiccedilotildees representativas da comunidade gratuitamente de modo que cada cidadatildeo brasileiro possa receber do Estado um exemplar da Constituiccedilatildeo do Brasil
Enfim a Constituiccedilatildeo de 1988 enriqueceu e ampliou os conceitos de cidadatildeo
e cidadania Seu entendimento agora como leciona Silva (2005)
Decorre da ideia de Constituiccedilatildeo dirigente que natildeo eacute apenas um repositoacuterio de programas vagos a serem cumpridos mas constitui um sistema de previsatildeo de direitos sociais mais ou menos eficazes em torno dos quais eacute que se vem construindo a nova ideacuteia de cidadania
De forma que natildeo mais se trata de considerar a cidadania como simples
qualidade de gozar direitos poliacuteticos mas sim de aferir-lhe um nuacutecleo miacutenimo e
irredutiacutevel de direitos (fundamentais) que devem se impor obrigatoriamente agrave accedilatildeo
dos poderes puacuteblicos
34
O ordenamento juriacutedico brasileiro consagrou aleacutem dos institutos jaacute
mencionados alguns outros mecanismos de defesa dos direitos e garantias
constitucionais da cidadania como a accedilatildeo civil puacuteblica regulada pela Lei nordm
734785 e accedilatildeo direta de inconstitucionalidade prevista no incIV do art 129 da
Constituiccedilatildeo Federal O Coacutedigo de Defesa do Consumidor o Estatuto da Crianccedila e
do Adolescente e ateacute mesmo o princiacutepio do devido processo legal que resguarda ao
cidadatildeo o acesso agrave justiccedila e direito de ser acionado judicialmente por meio de
procedimentos legais satildeo mecanismos de defesa dos direitos de cidadania
previstos constitucionalmente e garantidos na esfera poliacutetica civil e social
Pode-se observar que a cidadania comeccedilou a ser construiacuteda como resultado
de um processo de luta a partir da conscientizaccedilatildeo dos direitos e deveres do
homem Como vimos a cidadania jaacute em praacutetica em muitos paiacuteses adquire no
Brasil com a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 um novo sentido qual seja o
pressuposto do exerciacutecio pleno de um sistema de direitos e garantias
35
CAPIacuteTULO 3 - CIDADANIA COMO MECANISMO DE
TRANSFORMACcedilAtildeO SOCIAL
No momento em que a cidadania alccedila voos constitucionais e insere-se na
Carta Poliacutetica da Repuacuteblica Federativa do Brasil inicia-se o processo de
redemocratizaccedilatildeo e ganha relevo o cidadatildeo agente deste processo que tem em
suas matildeos a tarefa da construccedilatildeo de um novo tempo
Historicamente a ideia de cidadatildeo conotava o habitante da cidade ndash o
citadino ndash firma-se entatildeo tal conotaccedilatildeo na Antiguumlidade claacutessica para depois
significar aquele indiviacuteduo a quem se atribuem os direitos poliacuteticos Superada essa
acepccedilatildeo que tambeacutem vigorou nas constituiccedilotildees anteriores da Repuacuteblica do Brasil
na concepccedilatildeo moderna estaacute clara a noccedilatildeo de cidadatildeo como aquele que a quem
consiste a titularidade de direitos individuais poliacuteticos e sociais Noccedilatildeo esta
edificada com a internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos que amplia a acepccedilatildeo do
termo declarando que satildeo cidadatildeos todo aquele que habita o acircmbito da soberania
de um Estado e deste Estado recebem uma carga de direitos e tambeacutem deveres dos
mais variados
Desta forma a noccedilatildeo contemporacircnea de cidadania funda-se na dicotomia
direitos (exerciacutecios de direitos fundamentais - participaccedilatildeo) e deveres (colaboraccedilatildeo -
solidariedade) Ao lado dos direitos foram estabelecidos deveres fundamentais e
portanto tanto agentes puacuteblicos como os indiviacuteduos tecircm obrigaccedilotildees especiacuteficas
inclusive a de respeitar os direitos das demais pessoas que vivem na ordem social
sendo e promovendo mecanismos de transformaccedilatildeo social que visam uma nova
sociedade baseada na igualdade e na justiccedila
36
31 O ser cidadatildeo
Os termos indiviacuteduo ser humano pessoa e cidadatildeo satildeo geralmente tomados
como sinocircnimo o que certamente influi na proliferaccedilatildeo de incontaacuteveis significados e
ampliaccedilatildeo do termo cidadatildeo Poreacutem estas palavras apesar de se assemelharem
possuem carga semacircntica proacutepria e da compreensatildeo exata de cada uma decorre a
conceituaccedilatildeo mais acentuada da acepccedilatildeo do termo cidadatildeo como titular de direitos
e deveres resguardados pela constituiccedilatildeo paacutetria
Desta forma indiviacuteduo eacute um representante da espeacutecie aquele que eacute uacutenico
Enquanto ser humano eacute um termo mais geneacuterico ou indeterminado que diz respeito
agrave espeacutecie agrave classificaccedilatildeo ao mundo zooloacutegico Pessoa por sua vez eacute um termo
mais especiacutefico que tem a ver com o mundo civilizado ou se preferirmos com a
constelaccedilatildeo dos valores morais eacuteticos e juriacutedicos proacuteprios da civilizaccedilatildeo
A etimologia da palavra pessoa demonstra que eacute um conceito sobreposto ao conceito de Ser Humano Um refratildeo de origem juriacutedica tambeacutem nos lembra do homo plures pessoa polimorfa o ser humano capaz de desempenhar muitos papeacuteis um mesmo ser humano eacute empresaacuterio e delinquumlente eacute pai e metaluacutergico etc Persona (personagem) era a maacutescara que usavam os atores da trageacutedia grega para desempenhar seu papel Cabe portanto entender o conceito de Ser Humano ao lado do conceito de Pessoa No direito romano antigo os escravos eram seres humanos (homens) mas natildeo eram consideradas pessoas (patriacutecios) Os juristas romanos que usavam o conceito de Ser Humano o dissociavam do conceito de pessoas (CUNHA 2007)
O Ser Humano recebe uma distinccedilatildeo importante quando o consideramos
como Pessoa assim como a Pessoa recebe uma distinccedilatildeo redundante natildeo menos
importante quando a consideramos por forccedila de expressatildeo como uma pessoa
humana Subentendendo o adjetivo humano como relativo agrave eacutetica Portanto Ser
Humano natildeo eacute a mesma coisa que Pessoa como tampouco Ser Humano eacute o
mesmo que cidadatildeo este muito eacute mais proacuteximo do termo Pessoa Vejamos o quadro
ilustrativo que esquematiza e distinguem os referidos conceitos
37
QUADRO 1 ndash EVOLUCcedilAtildeO DO SER HUMANO ATEacute O CIDADAtildeO
O Ser Humano O Ser Indiviacuteduo O Ser Pessoa O Ser Cidadatildeo
A Dimensatildeo do conviacutevio social
A dimensatildeo do mercado de trabalho e
Consumo
A Dimensatildeo de encontrar-se no mundo
A dimensatildeo de intervir na realidade
O homem tornar-se Ser Humano nas relaccedilotildees
de conviacutevio social
O Ser Humano tornar-se indiviacuteduo quando
descobre seu papel e funccedilatildeo social
O Indiviacuteduo torna-se pessoa quanto toma
consciecircncia de si mesmo do outro e do
mundo
A pessoa torna-se cidadatildeo quando
interveacutem na realidade em que vive
Quem estuda o comportamento do Ser
Humano Seria a antropologia a histoacuteria
ou a sociologia
Quem estuda o comportamento do indiviacuteduo Seria a
Filosofia a sociologia ou a Psicologia
Quem estuda o comportamento da pessoa Seria a
Filosofia a sociologia ou a Psicologia
Quem estuda o comportamento do cidadatildeo Seria a
Sociologia a Filosofia ou As ciecircncias
poliacuteticas
Quem garante os direitos do Ser
Humano A Declaraccedilatildeo Universal
dos Direitos Humanos
Quem garante os Direitos do
Consumidor O Coacutedigo do Consumidor
Quem garante os Direitos da pessoa A proacutepria pessoa (amor proacuteprio ou autoestima)
Quem garante os Direitos do cidadatildeo (A Constituiccedilatildeo e suas leis
regulamentares)
Existe realmente uma natureza humana Teologicamente
afirmamos que existe a uma natureza humana
Seguindo a corrente existencialista (JP Sartre) negamos tal
natureza
Que diferenccedila existe entre o direito do
consumidor e o direito do cidadatildeo Ao
Consumidor deve ser dado o direito de
propriedade enquanto ao cidadatildeo deve ser
dado o direito de acesso
O que significa tornar-se pessoa no niacutevel
psicoloacutegico e social A pessoa eacute o indiviacuteduo que toma consciecircncia de si mesmo (ldquoTornar-
se Pessoardquo de Karl Roger)
Como podemos intervir na realidade
modificando as estruturas corruptas e injustas Quando os
direitos do cidadatildeo lhe satildeo oferecidos e o
mesmo passa a exercecirc-lo haacute
modificaccedilatildeo de comportamento
(ROSAS 2009)
O cidadatildeo eacute portanto aquele indiviacuteduo a quem a Constituiccedilatildeo confere direitos
e garantias e lhe daacute o poder do seu efetivo exerciacutecio aleacutem de meios processuais
eficientes contra a violaccedilatildeo de seu gozo ou fruiccedilatildeo por parte do poder puacuteblico
Sendo assim
A passagem do indiviacuteduo a cidadatildeo caracteriza-se pelo reconhecimento pela lei de direitos considerados fundamentais agrave realizaccedilatildeo da vida do homem como indiviacuteduo e ser social membro de uma comunidade poliacutetica e a garantia desses direitos pela forccedila comum de todos (CUNHA 2007)
38
Nas uacuteltimas deacutecadas em alguns paiacuteses inclusive no Brasil desenvolveu-se o
conceito de cidadania calcado principalmente na questatildeo do cidadatildeo-consumidor
As pessoas passam a ser vistas como cidadatildes desde que tenham dinheiro para
adquirir mercadorias e utilizar serviccedilos Eacute certo pois que serviccedilos e mercadorias
atendem a necessidades materiais e simboacutelicas das pessoas e consumi-los eacute um
dos modos de participar da vida social criar identidade e partilhar dos bens
produzidos pela humanidade e representar-se culturalmente Contudo a cidadania
enfatizada apenas como uma relaccedilatildeo de compra e venda de mercadorias e serviccedilos
assume um conteuacutedo restrito individual conformista e voltado apenas para a
aquisiccedilatildeo de bens o que se relaciona com a ideacuteia de indiviacuteduo ou seja o consumo
atende as necessidades do indiviacuteduo
Outra forma de confusatildeo acerca do conceito de cidadatildeocidadania refere-se a
equiparaccedilatildeo feita com o assistencialismo o que configura uma acentuada inversatildeo
do termo uma vez que a praacutetica do assistencialismo natildeo propicia meios de
superaccedilatildeo das desigualdades sociais Enquanto a cidadania estaacute relacionada agrave
superaccedilatildeo das desigualdades sociais e a extensatildeo da garantia dos direitos de todos
O cidadatildeo eacute sem duacutevida uma expressatildeo que precisa ser adequadamente
utilizada e vivenciada pela coletividade compreendido na dimensatildeo do ser pessoa
de ter direitos e deveres do assumir as suas liberdades e responsabilidades no seio
de uma comunidade democraacutetica equitativa solidaacuteria e intercultural
Dessa forma ser cidadatildeo implica saber viver em sociedade estando ciente
dos anseios comuns A participaccedilatildeo ativa nas decisotildees de sua comunidade
influencia modos de vida de maneira positiva ao seu redor assim torna-se
imprescindiacutevel o exerciacutecio dos direitos constitucionais adquiridos e lutar pelos que
viratildeo eacute sobretudo estar consciente de todas as atitudes tomadas em prol da
sociedade
Eacute possiacutevel nesse espaccedilo de discussatildeo falar em ldquoestar cidadatildeordquo que eacute natildeo
praticar o exerciacutecio da cidadania em nenhuma de suas formas Implica apenas em
se deixar levar pelos acontecimentos e ainda reclamar das situaccedilotildees vividas sem
nada fazer para mudar sem nenhuma perspectiva de futuro Do que concluiacutemos que
a dinacircmica de intervir na realidade eacute pressuposto de cidadania
Ser cidadatildeo eacute tarefa que requer muito do ser humano do individuo da
pessoa Requer uma alta - estima elevada uma consciecircncia solidaacuteria uma
39
identidade que se reconheccedila na dinacircmica social interagindo com o outro ampliando
debates incitando justiccedila eacute sem duvida uma tomada de posiccedilatildeo que natildeo se
acomoda pelo contraacuterio se incomoda quando natildeo haacute comprometimento para o bem
comum
Natildeo eacute uma tarefa cocircmoda senatildeo muito complicada as pessoas natildeo nascem cidadatildeos mas fazem-se no tempo e no espaccedilo Na verdade natildeo eacute faacutecil exercer a liberdade e a cidadania ndash ser pessoa e ser cidadatildeo ndash por isso exige-se uma luta sem treacuteguas para erradicar assimetrias e exclusotildees socioculturais e criar cenaacuterios de esperanccedila realizaacuteveis fundamentados em valores e princiacutepios eacuteticos que requalifiquem a democracia com cidadatildeos participativos e
comprometidos ( SAEZ 1995)
Tem portanto como pressuposto uma mudanccedila de comportamento uma
tomada de posiccedilatildeo frente agrave dinacircmica social na qual estaacute inserido participando de
forma ativa e produtiva do processo de construccedilatildeo da cidadania por meio de seus
diversos canais
32 Emancipaccedilatildeo social atraveacutes da cidadania
Um Estado Democraacutetico eacute aquele que estaacute enraizado na legitimidade do
poder do povo e dele decorre seu exerciacutecio Assim o poder do povo eacute a expressatildeo
a aptidatildeo de homens e mulheres constituir autonomamente seu viver sem sucumbir
diante das instacircncias de poder Haacute nesse modus vivendi uma tutela das diferenccedilas e
pluralidades de formas de vida
Desta forma a cidadania eacute enfocada como o processo de participaccedilatildeo do
individuo ou de um grupo organizado nas mais variadas aacutereas de atuaccedilatildeo na
sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos sociais com a consciecircncia
da responsabilidade por sua proacutepria histoacuteria
Sendo a democracia o regime em que o povo governa sua caracteriacutestica
inarredaacutevel eacute a de ter o povo agrave frente do poder uma forma de autogoverno Em
assim sendo a cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia por meio de resultados
palpaacuteveis e medidas concretas tais como mudanccedilas na realidade de cada um com
melhoria de vida e conscientizaccedilatildeo da importacircncia na sociedade para o exerciacutecio
40
direto ou indireto desse poder pois se contentar com fato do direito estaacute prescrito
em lei natildeo eacute o bastante
Eacute certo poreacutem que o Estado democraacutetico somente se aperfeiccediloa na
proporccedilatildeo em que o povo age ativamente na medida em que os representantes
reflitam em seus atos os verdadeiros anseios populares Partindo dessa visatildeo a
cidadania eacute o grande fator de legitimaccedilatildeo do povo permitindo que ele aja em defesa
das instituiccedilotildees democraacuteticas
Sobre a participaccedilatildeo cumpre asseverar que este direito significa a
capacidade de ser consultado para as tomadas de decisatildeo que dizem respeito agrave
direccedilatildeo da sociedade em que vive o cidadatildeo este direito eacute acompanhado do
respeito aos deveres de contribuir para o progresso social e de acatar e respeitar o
resultado obtido em consulta coletiva
No elenco de mecanismo de exerciacutecio da cidadania estaacute o acesso ao direito e
a justiccedila que eacute fator preponderante para efetivar as garantias constitucionais
Assim passaremos a discorrer sobre a importacircncia de instrumentalizar o
cidadatildeo para um pleno exerciacutecio de seus direitos
Eacute Sabido que no Estado Democraacutetico Contemporacircneo os direitos
fundamentais constitucionalmente assegurados tecircm eficaacutecia imediata cumprindo ao
Estado garantir a todos os cidadatildeos o respeito a esses Direitos de modo concreto e
efetivo natildeo obstante as inuacutemeras desigualdades e condiccedilotildees adversas que
dificultam na praacutetica o seu exerciacutecio
Para o acesso ao direito o Estado deve desenvolver com eficiecircncia uma seacuterie
de atividades essenciais e dar efetividade a uma seacuterie de pressupostos Dentre eles
o principal eacute o conhecimento do Direito como fator preponderante pois o
desconhecimento da lei implica na praacutetica natildeo acionar a jurisdiccedilatildeo Um fato que
contribui para essa assertiva eacute baixa escolaridade da populaccedilatildeo e o analfabetismo
Muito pouco adianta a existecircncia de uma Constituiccedilatildeo apenas formal ou no
papel se ilegiacutetima ou desrespeitada Para que ocorra a eficaacutecia das normas
dispostas numa Constituiccedilatildeo ou melhor para que passe da teoria agrave praacutetica eacute
essencial que comandados e comandantes tenham conhecimento dos seus direitos
e responsabilidades assim como dos instrumentos juriacutedicos para efetivaacute-los (leis
regulamentadoras) O exerciacutecio da cidadania natildeo eacute somente um direito mas eacute
tambeacutem um dever de todos pois a omissatildeo de cada um contribui com as injusticcedilas e
as impunidades tatildeo presentes nos dias atuais
41
A Constituiccedilatildeo quando eacute justa e legiacutetima e principalmente quando eacute
respeitada eacute um poderoso instrumento de promoccedilatildeo e desenvolvimento social e
humano
Outro fator que deve ser considerado eacute a miserabilidade que coloca inuacutemeros
brasileiros a margem da sociedade em situaccedilatildeo precaacuteria os quais para Pinsky
(2004) ldquodesprovidos de esperanccedila de projeto de qualquer perspectiva de inclusatildeo
[] recorrer agrave Justiccedila humana parece algo irrealizaacutevel sofisticado e inteiramente
ficcionalrdquo
Desta forma o primeiro passo para concretizar os direitos previstos
constitucionalmente eacute a formaccedilatildeo do cidadatildeo atraveacutes da Educaccedilatildeo Baacutesica
infundindo-lhe a consciecircncia dos seus direitos e tambeacutem dos seus deveres sociais
bem como dos valores humanos fundamentais que devem ser por todos respeitados
na vida em sociedade A universalizaccedilatildeo do ensino fundamental a oferta obrigatoacuteria
de educaccedilatildeo infantil pelo Estado e o crescimento da oferta do ensino meacutedio satildeo
alguns dos aspectos que merecem destaques e foi devido agrave determinaccedilatildeo
constitucional de estabelecer o caraacuteter obrigatoacuterio do ensino fundamental e de
responsabilizar o Estado por sua implementaccedilatildeo que tem iniacutecio o processo de
avanccedilo desse segmento
A Constituiccedilatildeo estabeleceu de forma mais clara o papel dos entes federados
na educaccedilatildeo Tambeacutem aumentou a participaccedilatildeo orccedilamentaacuteria destinada ao setor
Com as novas regras para distribuiccedilatildeo de recursos adotadas apoacutes a promulgaccedilatildeo
da Carta os municiacutepios voltam a interessar-se pela educaccedilatildeo fundamental e o paiacutes
atinge a universalizaccedilatildeo do setor o que se busca agora satildeo mecanismos para
garantir a qualidade no ensino
O segundo passo nessa dinacircmica eacute o oferecimento a todos os cidadatildeos de
condiccedilotildees miacutenimas de sobrevivecircncia e de existecircncia condignas atraveacutes do acesso
ao trabalho produtivo livremente escolhido e do pagamento de remuneraccedilatildeo capaz
de prover ao sustento do trabalhador e de sua famiacutelia
Para milhotildees de cidadatildeos que vivem na ignoracircncia e na miseacuteria nenhuma
utilidade ou eficaacutecia tecircm os inuacutemeros direitos constitucionalmente assegurados Para
aqueles que se habituaram a retirar proventos da mendicacircncia da prostituiccedilatildeo de
atividades iliacutecitas ou aqueles que se sentiram forccedilados a sujeitar-se agrave exploraccedilatildeo de
outrem para sobreviver natildeo haacute nenhuma crenccedila na dignidade da pessoa humana e
no valor social do trabalho
42
A pobreza engendra inuacutemeras relaccedilotildees de dominaccedilatildeo entre pessoas e entre grupos sociais As habitaccedilotildees subumanas da periferia das grandes cidades no Brasil constituem verdadeiros quistos sociais terras sem lei controladas por xerifes ou por quadrilhas de malfeitores O Estado que natildeo for capaz de dotar essas comunidades do acesso efetivo agrave Educaccedilatildeo agrave Sauacutede agrave Seguranccedila e agrave Paz Puacuteblicas e ao trabalho liacutecito certamente natildeo lhes estaraacute assegurando o acesso ao Direito porque a populaccedilatildeo abrutalhada pela miseacuteria e coagida pelo medo natildeo desfruta da miacutenima eficaacutecia concreta dos
seus direitos fundamentais (GRECO 2009)
Evidencia que acesso ao Direito nas sociedades modernas mesmo nas
economicamente desenvolvidas exige o fortalecimento dos grupos intermediaacuterios e
do associativismo O cidadatildeo natildeo estaacute mais em condiccedilotildees de defender-se
individualmente das ameaccedilas e lesotildees aos seus direitos perpetradas por pessoas ou
grupos que se encontram em posiccedilatildeo de vantagem nas relaccedilotildees econocircmicas e
sociais
O sindicato veio exercer este importante papel em relaccedilatildeo ao trabalhador
empregado Mas hoje as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo natildeo satildeo apenas as que existem no
mundo do trabalho mas as que se revelam em todos os tipos de relaccedilotildees humanas
relaccedilotildees de consumo relaccedilotildees de vizinhanccedila relaccedilotildees locatiacutecias relaccedilotildees
comerciais internas e internacionais e natildeo com menor relevacircncia relaccedilotildees entre os
particulares e o Estado entre outras
Eacute preciso assegurar esse equiliacutebrio na praacutetica o que somente tornar-se-aacute
possiacutevel atraveacutes da articulaccedilatildeo dos sujeitos que se encontram em posiccedilatildeo de
desvantagem em organizaccedilotildees e associaccedilotildees que pela uniatildeo de esforccedilos
consigam compensar o desequiliacutebrio existente e dar aos indiviacuteduos e grupos a forccedila
e a capa de proteccedilatildeo necessaacuterias para ombrearem-se aos seus adversaacuterios e
lutarem pelos seus direitos ou interesses em igualdade de condiccedilotildees
Para Greco (2009) o pressuposto indispensaacutevel do acesso ao Direito eacute a
transparecircncia do Estado no trato de questotildees que possam afetar a esfera de
interesses dos cidadatildeos e complementa que aos cidadatildeos eacute indispensaacutevel
assegurar o direito de influir eficazmente nas decisotildees do poder puacuteblico atraveacutes dos
mais diversos instrumentos de participaccedilatildeo democraacutetica Ele afirma que
A relaccedilatildeo Estado-cidadatildeo natildeo eacute mais a relaccedilatildeo soberano-suacutedito O cidadatildeo tem o direito de exigir do Estado o pleno respeito ao seu
43
patrimocircnio juriacutedico Lamentavelmente a crise do Estado tem levado o Brasil a aceitar-se como normal que as pessoas juriacutedicas de Direito Puacuteblico natildeo cumpram devidamente as prestaccedilotildees positivas de que satildeo devedoras perante os particulares cabendo a estes demandar na Justiccedila para obtecirc-las (GRECO 2009)
Essa visatildeo deformada da responsabilidade do Estado ocorre o
desvirtuamento da justiccedila Por outro lado agrave violaccedilatildeo da garantia constitucional da
tutela jurisdicional efetiva (Constituiccedilatildeo artigo 5 inciso XXXV) disciplina a lei natildeo
excluiraacute da apreciaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio lesatildeo ou ameaccedila ao direito Assim o
acesso ao Direito natildeo estaraacute concretamente assegurado se o Estado natildeo oferecer a
todo cidadatildeo a possibilidade de receber aconselhamento juriacutedico a respeito dos seus
direitos
Constituiccedilatildeo de 1988 no artigo 5deg inciso LXXIV assegurou a todos
ldquoassistecircncia juriacutedicardquo a englobar assistecircncia judiciaacuteria e assessoramento juriacutedico
extrajudicial Conforme Greco (2009) ldquoeacute preciso que esse direito seja assegurado
na praacutetica Uma vez que na vida moderna o Direito tornou-se excessivamente
complexordquo Ainda no dizer do autor a consciecircncia juriacutedica do homem comum que
deve ser adquirida na famiacutelia e na escola natildeo eacute mais suficiente para a tomada de
decisotildees na vida diaacuteria das pessoas Todas as pessoas mantecircm complexas relaccedilotildees
juriacutedicas com instituiccedilotildees financeiras com fornecedores de bens e de serviccedilos etc
Nessas relaccedilotildees juriacutedicas com frequecircncia os cidadatildeos tecircm de tomar decisotildees
raacutepidas O cidadatildeo que tem meios procura um advogado particular para assessoraacute-
lo Ao pobre o Estado deve assegurar o mesmo direito em plenitude
Sem duacutevida o uacuteltimo pressuposto do acesso ao Direito eacute o acesso agrave Justiccedila
no sentido de acesso a um tribunal estatal imparcial previamente instituiacutedo como
competente para a soluccedilatildeo de qualquer litiacutegio a respeito de interesse que se afirme
juridicamente protegido ou para a praacutetica de qualquer ato que a lei subordine agrave
aprovaccedilatildeo autorizaccedilatildeo ou homologaccedilatildeo judicial
Se o cidadatildeo tem consciecircncia dos seus direitos se o Estado lhe fornece
todas as condiccedilotildees para livremente exercecirc-los mas algum outro cidadatildeo ou algum
oacutergatildeo do proacuteprio Estado impede ou dificulta esse exerciacutecio cabe ao poder puacuteblico
pocircr agrave disposiccedilatildeo do cidadatildeo lesionado ou ameaccedilado a jurisdiccedilatildeo necessaacuteria para
assegurar o pleno acesso a tal direito
Atingimos eacute certo um estaacutegio de desenvolvimento do Direito Humanitaacuterio que
natildeo mais nos permite conformar-nos com uma realidade distante do padratildeo de
44
convivecircncia humana que outras naccedilotildees jaacute alcanccedilaram O exerciacutecio pleno de
cidadania seraacute obra de mais de uma geraccedilatildeo Mas se trabalharmos com firmeza
certamente os jovens de hoje poderatildeo legar aos seus descendentes a emancipaccedilatildeo
cidadatilde um paiacutes melhor e uma sociedade mais justa e democraacutetica
33 O municiacutepio como acircmbito de exerciacutecio de cidadania
Historicamente o Municiacutepio enquanto unidade poliacutetico-administrativa surgiu
conforme descreve Berardi (2004) com a Repuacuteblica Romana interessada em
manter a dominaccedilatildeo paciacutefica das cidades conquistadas pela forccedila dos exeacutercitos
Sua origem mais de natureza socioloacutegica do que poliacutetica adveacutem do espiacuterito
associativo do homem e de suas relaccedilotildees de vizinhanccedila
Eacute pois a menor unidade territorial de Federaccedilatildeo cuja criaccedilatildeo reflete a base
da organizaccedilatildeo poliacutetica administrativa da Naccedilatildeo Portanto sua funccedilatildeo administrativa
historicamente vem assentada no princiacutepio do direito natural
O artigo primeiro da Constituiccedilatildeo Federal de 1998 estabelece que o
Municiacutepio ao lado dos Estados e do Distrito Federal formam a Republica Federativa
do Brasil que se constitui em Estado Democraacutetico de Direito O municiacutepio tem assim
um poder relevante para a aplicaccedilatildeo da democracia direta iniciada e fortalecida em
niacutevel local Diversos pensadores chegaram a afirmar que a descentralizaccedilatildeo de
poder resultante da constituiccedilatildeo Cidadatilde era antes de tudo uma conquista dos
Municiacutepios sendo eles os berccedilos da perpetuaccedilatildeo da Repuacuteblica e da Democracia
efetivamente por serem o uacutenico niacutevel de governo possuidores de respaldo e
localizaccedilatildeo fiacutesica ou seja solo municipal
Eacute certo que a Carta Magna de 1988 consolidou significativas inovaccedilotildees para a
vida municipal de forma que o Municiacutepio passou a constituir um dos entes da
federaccedilatildeo tratando-o como unidade dotada de autonomia poliacutetica expressa na
capacidade de poder elaborar a sua Lei Orgacircnica fugindo assim da tutela dos
estados que ateacute entatildeo eram considerados como uacutenicos componentes da federaccedilatildeo
45
A Lei Orgacircnica Municipal traz em seu bojo aleacutem da organizaccedilatildeo
administrativa do Municiacutepio a restauraccedilatildeo do Poder Legislativo municipal definindo
a diversificaccedilatildeo normativa que natildeo existia nas leis organizacionais outorgadas pelo
Estado reflexo do poder constituinte outorgados aos Municiacutepios pela Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 como consequecircncia do efetivo exerciacutecio do conceito de Estado
Democraacutetico de Direito
O Municiacutepio enquanto ente federativo tem atualmente a responsabilidade de
ordenar o seu desenvolvimento social e a garantia do bem estar de seus habitantes
executando poliacuteticas puacuteblicas de accedilotildees a serem empreendidas na consolidaccedilatildeo
democraacutetica do Estado
Fundada no elemento participaccedilatildeo o exerciacutecio de cidadania amplamente
citado encontra sua efetividade no municiacutepio Pois eacute nesse acircmbito de localizaccedilatildeo
que as pessoas mantecircm um contato direto com os poderes instituiacutedos suas
necessidades imediatas e mediatas satildeo objetos da disciplina da Lei que visa o bem
comum base do Estado democraacutetico de Direito
Baseado na maacutexima do municipalista e defensor da descentralizaccedilatildeo poliacutetica
Franco Motoro sabiamente proferiu que ldquoningueacutem vive na Uniatildeo ou no Estado As
pessoas vivem no Municiacutepiordquo Assim a cidadania encontra seu melhor espaccedilo de
realizaccedilatildeo na comunidade onde convive A vida em comunidade gera anseios
comuns sentimentos comuns uma vez que a convivecircncia propicia que as pessoas
se conheccedilam e se reconheccedilam como membros de uma mesma realidade
De acordo com Harvey (1992) ldquoa globalizaccedilatildeo provoca anonimato enquanto
comunidade cultiva solidariedaderdquo o que implica participaccedilatildeo para o exerciacutecio de
cidadania
Tudo o que acontece no mundo seja no meu paiacutes na minha cidade ou no meu bairro acontece comigo Entatildeo eu preciso participar das decisotildees que interferem na minha vida Um cidadatildeo com um sentimento eacutetico forte e consciecircncia da cidadania natildeo deixa passar nada natildeo abre matildeo desse poder de participaccedilatildeo (Herbert de Souza Betinho)
Com esse embasamento natildeo se pode perder de vista que eacute nas relaccedilotildees
diaacuterias de oposiccedilatildeo ou solidariedade que as pessoas exercem cidadania Na relaccedilatildeo
do com o outro com os poderes ao estabelecer com a vida social e puacuteblica uma
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convivecircncia posto que cidadania eacute tarefa que natildeo termina natildeo eacute um conceito
pronto tatildeo pouco acabado enquanto seres inacabados que somos estaremos
buscando descobrindo criando e tomando consciecircncia mais ampla dos direitos
O desafio eacute construir um novo discurso sobre cidadania atraveacutes de uma
praacutetica poliacutetica sustentada isto eacute realizada em dois niacuteveis
O primeiro niacutevel na base atraveacutes de construccedilatildeo das capacidades e do poder
proacuteprio da populaccedilatildeo o que envolve inevitavelmente uma mudanccedila de atitude na
busca para garantir seus direitos utilizando-se do grau de autonomia local
Essa atitude conceberia agrave democracia participativa como uma poliacutetica paralela
de intervenccedilatildeo social criando e mantendo novos espaccedilos para a tomada de
decisotildees ou seja para o auto-governo pela populaccedilatildeo nas mateacuterias que afetam
diretamente suas vidas
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade
O segundo niacutevel um governo com o povo e natildeo apenas para o povo fundado
nos ditames constitucionais valorizando o sentimento da sociedade no exerciacutecio da
governabilidade de modo que o balizamento das accedilotildees de governo deixaria de estar
no proacuteprio governo e passaria a estabelecer-se a partir do pensar da sociedade Um
governo que se pergunta o que se deve fazer para ouvir com a maior fidelidade
possiacutevel a sociedade suas instituiccedilotildees representativas e o cidadatildeo Pois as
prioridades da gestatildeo deveriam ser definidas pela sociedade e natildeo mais pelo
governo
Portanto nesses termos eacute preciso considerar que as praacuteticas da
administraccedilatildeo puacuteblica sejam democratizadoras e inclusivas inspiradas nos
princiacutepios da legalidade impessoalidade moralidade publicidade e eficiecircncia Esta
uacuteltima buscou estabelecer uma Administraccedilatildeo Puacuteblica mais eficiente no sentido de
que o cidadatildeo como destinataacuterio dos serviccedilos puacuteblicos que o Estado deve prestar
receba-os com maior qualidade e menor custo para o eraacuterio puacuteblico
Para a consecuccedilatildeo desse governar com o povo alguns pontos devem ser
revistos A mudanccedila implica na necessidade de adequaccedilatildeo reorganizaccedilatildeo
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reformulaccedilatildeo Para isso se faz premente em face dos novos e modernos conceitos
de gestatildeo puacuteblica a superaccedilatildeo do tradicional vezo burocraacutetico que vem convertendo
a Administraccedilatildeo nas palavras Dromi (1995) numa cara ldquomaacutequina de impedirrdquo fiel
ldquocoacutedigo do fracassordquo que dispotildee ldquoartigo primeiro natildeo pode artigo segundo em
caso de duacutevida abstenha-se artigo terceiro se eacute urgente espere artigo quarto
sempre eacute mais prudente natildeo fazer nadardquo numa posiccedilatildeo natildeo burocraacutetica e sim
democraacutetica de considerar que organizaccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica inclui a
praacutetica de ver os cidadatildeos como membros plenos da comunidade poliacutetica tendo
acesso e exercitando direitos as que promovem a organizaccedilatildeo da populaccedilatildeo em
torno de temas de interesse comum as que incluem o controle social sobre a
gestatildeo o debate amplo e informado sobre questotildees de governo e que abrem agrave
populaccedilatildeo as decisotildees sobre estas questotildees Como leciona e Barrientos (2000)
Tratam-se de praacuteticas que natildeo buscam somente melhorar a eficiecircncia administrativa das diferentes organizaccedilotildees puacuteblicas mas que incorporam no seu processo de gestatildeo a dimensatildeo ativa da cidadania isto eacute ldquoque facilitam as iniciativas e responsabilidades de todos os envolvidos[] estabelecendo pontes entre Estado e sociedade civil
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade Acreditamos
que o ponto de partida eacute a atitude aliada agrave solidariedade e ao espiacuterito coletivo Pois
governo e cidadatildeos juntos haveratildeo de cumprir um novo papel no processo de
desenvolvimento como agentes de uma nova cultura
Como afirma Peter Drucke
A parceria comunitaacuteria seraacute um dos verdadeiros setores em crescimento das economias desenvolvidas Surge da necessidade de uma participaccedilatildeo mais direta e efetiva da comunidade nas grandes questotildees da vida social pois natildeo existe ningueacutem melhor que o cidadatildeo para saber o que ele quer para si para sua famiacutelia e para sua comunidade (apud RAMOS 1990)
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O envolvimento efetivo da sociedade nas questotildees sociais natildeo eacute apenas uma
postura moderna Significa antes de tudo uma atitude digna de todos aqueles que
desejam exercer sua cidadania contribuindo para um paiacutes melhor e em especial
para uma sociedade mais justa fraterna e solidaacuteria
Na histoacuteria observa-se a grande coragem das pessoas em construir o
reconhecimento delas proacuteprias e de seus direitos sempre buscando a participaccedilatildeo e
defendendo os Direitos Humanos Sem duacutevida a maior ecircnfase que deve ocorrer
para a construccedilatildeo real da cidadania eacute uma mudanccedila na sociedade O melhor a ser
feito eacute reforccedilar a organizaccedilatildeo democraacutetica buscando novas formas de participaccedilatildeo
social pois cidadania natildeo se resume ao poder de votar ou ser votado mas eacute sempre
na efetiva participaccedilatildeo popular pois somente com isso haacute a verdadeira
conscientizaccedilatildeo e o comprometimento daquele que passa a se sentir cidadatildeo
abandonando-se velhos viacutecios da poliacutetica representativa
Desse modo a participaccedilatildeo do povo no momento das reivindicaccedilotildees das
discussotildees e apreciaccedilotildees de projetos que visem agrave melhoria da comunidade local a
exigecircncia de transparecircncia na administraccedilatildeo da coisa puacuteblica dentre outras eacute quem
daraacute embasamento para as verdadeiras conquistas sociais no Municiacutepio que geram
saudaacuteveis formas de pressatildeo por efetivas poliacuteticas puacuteblicas de inclusatildeo social
gerando o fim do clientelismo poliacutetico tatildeo pejorativo e comum em nossa realidade e
cultura poliacutetica
Somente a participaccedilatildeo social eacute que iraacute causar uma real democratizaccedilatildeo do
poder A afirmaccedilatildeo da cidadania eacute pressuposto para a realizaccedilatildeo dos Direitos
Humanos pois os homens natildeo nascem naturalmente iguais Inclusive para que
ocorra a realizaccedilatildeo dos referidos direitos eacute necessaacuterio tambeacutem que exista um
espaccedilo puacuteblico que seja realmente democraacutetico e acessiacutevel possibilitando a
participaccedilatildeo de todos e esse espaccedilo eacute certamente o municiacutepio
Na praacutetica um forte instrumento de cidadania para atender as necessidades
coletivas eacute o orccedilamento participativo previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal que
determina expressamente a realizaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas e a participaccedilatildeo
popular nos processos de elaboraccedilatildeo e conduccedilatildeo dos orccedilamentos como forma de
incentivo agrave preparaccedilatildeo e execuccedilatildeo de planejamentos que envolvam diretamente o
povo A Lei veio incentivar a sua propagaccedilatildeo para todos os entes federativos tendo
em conta que se trata de uma tendecircncia mundial por legitimar as escolhas e
fortalecer o princiacutepio da transparecircncia
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Os meios de acesso do cidadatildeo junto aos Poderes Puacuteblicos eacute uma realidade
no Estado Democraacutetico de Direito brasileiro a exemplo das sessotildees do Poder
Legislativo que satildeo puacuteblicas ficando abertas a todos que delas quiserem participar
Emite-se uma pauta antes do comeccedilo da sessatildeo com a preacutevia dos debates Em
niacutevel municipal verifica-se um acompanhamento mais incisivo sobre as sessotildees das
Cacircmaras de Vereadores como forma de pressatildeo para aprovaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees
da comunidade avaliaccedilatildeo do desempenho e aceitaccedilatildeo de propostas orccedilamentaacuterias
e atuaccedilatildeo dos poliacuteticos bem como entendimento das funccedilotildees do Poder Legislativo
A Constituiccedilatildeo Federal assegura desde 1988 a possibilidade de se oferecer
peticcedilatildeo agraves Mesas Legislativas como forma de pedir informaccedilotildees sobre andamento
de projetos ou relatoacuterios encaminhados aos chefes do Poder Executivo Em niacutevel
municipal pode ser utilizada a Tribuna Livre como instrumento para denuacutencias de
problemas ou discussatildeo de um tema ou mesmo para apresentar sugestotildees sendo
regulado pela Lei Orgacircnica Municipal e pelo Regimento Interno da Cacircmara
A convocaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas tambeacutem possui previsatildeo constitucional
no art 58 sect 20 inciso II em niacutevel federal As comissotildees podem em razatildeo da
mateacuteria de sua competecircncia realizar audiecircncias puacuteblicas com entidades da
sociedade civil E nada obsta que estejam previstas formas de articulaccedilatildeo da
sociedade civil com os Presidentes das Comissotildees da Cacircmara no seu Regimento
Interno em acircmbito municipal
Os dispositivos da Constituiccedilatildeo Federal que dispotildeem sobre a forma de
participaccedilatildeo direta do cidadatildeo e da sociedade civil no processo democraacutetico natildeo se
pode negar que trouxe novas perspectivas De modo geral podemos citar
Art 29 A lei orgacircnica dos Municiacutepios tem que observar entre os seus
preceitos ldquocooperaccedilatildeo das associaccedilotildees representativas no planejamento municipalrdquo
Art 31 As contas dos municiacutepios ficaratildeo durante 60 (sessenta) dias
anualmente a disposiccedilatildeo de qualquer contribuinte para exame e apreciaccedilatildeo o qual
poderaacute questionar-lhes a legitimidade nos termos da lei
Art37 sect 3ordm (EC-1998) A lei disciplinaraacute as formas de participaccedilatildeo do usuaacuterio
na administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta regulando especialmente
I- as reclamaccedilotildees relativas a prestaccedilatildeo dos serviccedilos puacuteblicos em geral asseguradas
a manutenccedilatildeo de serviccedilo de atendimento ao usuaacuterio e a avaliaccedilatildeo perioacutedica externa
e interna da qualidade dos serviccedilos
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II- o acesso dos usuaacuterios a registros administrativos e a informaccedilatildeo sobre atos de
governo observado o disposto no art 5ordm X e XXXIII
III- a disciplina da representaccedilatildeo conta o exerciacutecio negligente ou abusivo de cargo
emprego ou funccedilatildeo na administraccedilatildeo puacuteblica
Art 74 sect 2ordm Qualquer cidadatildeo partido poliacutetico associaccedilatildeo ou sindicato eacute
parte legiacutetima para na forma de lei denunciar irregularidades ou ilegalidades perante
o Tribunal de Contas da Uniatildeo
Art194 paraacutegrafo uacutenico Compete ao Poder Puacuteblico nos termos da lei
organizar a seguridade social com base nos seguintes objetivos ()
VII ndash caraacuteter democraacutetivo descentralizado na administraccedilatildeo mediante gestatildeo
quadripartite com participaccedilatildeo dos trabalhadores dos empregados e dos
aposentados e do Governo nos oacutergatildeos colegiados nos oacutergatildeos colegiados
Art 198 As accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede integram uma rede
regionalizada e hierarquizada o constituem um sistema uacutenico organizado de acordo
com as seguintes diretrizes
III ndash participaccedilatildeo da comunidade
Art 202 sect 6ordm A lei complementa a que se refere o sect 4ordm deste artigo
estabeleceraacute os requisitos para a designaccedilatildeo dos membros das diretorias das
entidades fechadas de previdecircncia privada e disciplinaraacute a inserccedilatildeo dos
participantes nos colegiados e instacircncias de decisatildeo em que seus interesses sejam
objeto de discussatildeo e deliberaccedilatildeo
Art 204 As accedilotildees governamentais na aacuterea de assistecircncia social seratildeo
organizadas com base nas seguintes diretrizes
II ndash Participaccedilatildeo da populaccedilatildeo por meio de organizaccedilotildees representativas na
formulaccedilatildeo das poliacuteticas e no controle das accedilotildees em todos os niacuteveis
O protagonista na concretizaccedilatildeo dos direitos humanos e na ampliaccedilatildeo da cidadania eacute um sujeito coletivo de um trabalho sempre inacabado eis que se tratam de tarefas e conquistas cotidianas e gradativas obras que soacute podem ser realizada a muitas matildeos no partilhar e compartilhar da vida (COSTA NETO 2010)
A ampliaccedilatildeo da cidadania requer a consciecircncia de que os direitos pressupotildeem
deveres de maneira que os direitos de um indiviacuteduo satildeo garantidos a partir do
cumprimento dos deveres dos demais componentes da sociedade
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34 A necessaacuteria superaccedilatildeo de velhos paradigmas
Como se sabe em 1988 foi aprovada a Constituiccedilatildeo mais liberal e
democraacutetica do Brasil chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo Assim ampliou-se de
forma significativa o campo dos direitos e garantias fundamentais No que diz
respeito a tal mateacuteria eacute considerada como uma das mais avanccediladas do mundo No
seu preacircmbulo adota o modelo de um Estado democraacutetico de Direito destinado a
garantir o exerciacutecio dos direitos sociais e individuais a liberdade a seguranccedila o
bem-estar o desenvolvimento a igualdade e a justiccedila eleitos como valores
supremos de uma sociedade fraterna pluralista e sem preconceitos
Para a construccedilatildeo democraacutetica da cidadania no Brasil contemporacircneo
salienta-se de ela deve passar de uma democracia representativa para uma
cidadania que efetivamente molde a democracia ou seja uma cidadania instituinte
da democracia
No acircmbito constitucional positivo cidadania pressupotildee o exerciacutecio de todos
os direitos fundamentais e garantias que caracterizam o Estado democraacutetico de
Direito Quando se fala em cidadania eacute no sentido de reafirmar o direito pela plena
realizaccedilatildeo do indiviacuteduo do cidadatildeo dos entes coletivos e de sua emancipaccedilatildeo nos
espaccedilos da sociedade Estatildeo sempre intimamente ligados os conceitos de
cidadania democracia e direitos humanos sendo que um remete ao outro e seus
conteuacutedos se interligam ou seja a cidadania natildeo iraacute ocorrer sem que ocorra a
realizaccedilatildeo dos Direitos Humanos da mesma forma que os direitos humanos natildeo
seratildeo concretizados se natildeo houver o exerciacutecio da cidadania
Na evoluccedilatildeo histoacuterica tais categorias se desenvolveram de forma conjunta
com o Estado Representam noccedilotildees desejaacuteveis de relaccedilotildees humanas que se espera
sejam instituiacutedas Satildeo os elementos basilares na nova ordem social e que a
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 pretendeu edificar Poreacutem a democracia poliacutetica natildeo
resolveu os problemas econocircmicos mais seacuterios como a desigualdade e o
desemprego Continuam muito seacuterios os problemas da aacuterea social principalmente
na educaccedilatildeo nos serviccedilos de sauacutede e saneamento como tambeacutem e
principalmente quanto agrave seguranccedila puacuteblica
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A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 em seu artigo 6ordm e em outros artigos no texto
constitucional ampliou e muito os Direitos Sociais proibiu discriminaccedilotildees Assim
indicadores baacutesicos de qualidade de vida apontam que houve uma melhoria A
mortalidade infantil por exemplo caiu de maneira significativa nos uacuteltimos anos A
esperanccedila de vida ao nascer passou de 60 anos em 1980 para 70 em 2000 Poreacutem
o maior progresso foi na aacuterea da educaccedilatildeo fundamental que eacute considerado fator
decisivo para a cidadania pois a taxa de analfabetismo caiu consideravelmente
entretanto existem muitos problemas no campo educacional como a repetecircncia e
com relaccedilatildeo a desigualdade social entre as regiotildees
A grande concentraccedilatildeo da riqueza nacional nas matildeos de poucos reflete a
desigualdade e causa a pobreza e a miseacuteria ao passo que dificulta o acesso do
cidadatildeo agrave justiccedila e consequentemente ao seu estado de cidadania pleno
Dentre os fundamentos no qual se baseiam o Estado democraacutetico de Direito
no Brasil destaca-se justamente a cidadania e a dignidade humana conforme artigo
1ordm incisos II e III da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Entatildeo construir uma sociedade
livre justa e solidaacuteria garantir o desenvolvimento nacional erradicar a pobreza e a
marginalizaccedilatildeo reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de
todos sem preconceitos de origem raccedila sexo cor idade ou quaisquer outras
formas de discriminaccedilatildeo satildeo os objetivos fundamentais do Estado Brasileiro
conforme art 3ordm da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
O cenaacuterio de globalizaccedilatildeo econocircmica mundial tambeacutem traacutes seacuterios obstaacuteculos
para a construccedilatildeo da cidadania A globalizaccedilatildeo da economia em ritmo acelerado
provoca grandes mudanccedilas nas relaccedilotildees entre Estado sociedade e naccedilatildeo que
eram sempre o centro da noccedilatildeo e da praacutetica da cidadania ocidental O foco das
mudanccedilas e das preocupaccedilotildees estaacute em dois focos especiacuteficos a reduccedilatildeo do papel
central do Estado como fonte de direitos e local para a participaccedilatildeo e o
deslocamento da naccedilatildeo como principal fonte de identidade coletiva
Para que ocorra efetiva mudanccedila a melhor proposta eacute no sentido de
mudanccedila na organizaccedilatildeo da sociedade pois a inversatildeo da sequecircncia dos direitos
fez com que ocorra o reforccedilo da supremacia do Estado Para que ocorra a
consolidaccedilatildeo democraacutetica e cidadatilde eacute necessaacuterio reforccedilar a organizaccedilatildeo da
sociedade para assim dar embasamento social ao poder poliacutetico ou seja
finalmente democratizar o poder e estabelecer de forma plena a Cidadania
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CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A Constituiccedilatildeo que nasce com ldquocheiro de amanhatilde e natildeo de mofordquo nas
palavras do Deputado Ulisses Guimaratildees tem em seu relevo a esperanccedila de um
povo que sonhava com a erradicaccedilatildeo da repressatildeo militar e natildeo soacute isso um povo
que sonhava com a liberdade em suas diversas manifestaccedilotildees em suas mais
significativas formas de representaccedilatildeo e sobretudo com um paiacutes voltado para a
democracia e justiccedila social
Ao povo brasileiro foi concedido o poder de governar e nesse contexto de
mudanccedila a ldquodemocracia eacute o governo do povo pelo povo e para o povordquo na
conceituaccedilatildeo ceacutelebre de Abraham Lincoln E consoante estabelece o paraacutegrafo
uacutenico do art 1ordm da Carta cidadatilde de 1988 ldquotodo poder emana do povo que o exerce
por meio de representantes eleitos ou diretamenterdquo
No entanto natildeo basta que a fonte de poder seja o povo a democracia vem
significar a efetiva participaccedilatildeo do povo nas decisotildees e destino do Estado e sua
consolidaccedilatildeo eacute a proacutepria cidadania pois eacute o cidadatildeo que pensa e se auto define
diante da condiccedilatildeo soacutecio-histoacuterica O cidadatildeo tem portanto o poder de transformar
a realidade social segundo seu pensamento e accedilatildeo
Natildeo se pode negar que a Carta de 1988 foi a que apresentou maior
legitimidade popular que abriu caminhos apontando um novo tempo
Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita Se fosse perfeita seria irreformaacutevel Ela proacutepria com humildade e realismo admite ser emendada ateacute por maioria mais acessiacutevel dentro de cinco anos Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita mas seraacute uacutetil e pioneira e desbravadora Seraacute luz ainda que de lamparina na noite dos desgraccedilados Eacute caminhando que se abrem os caminhos Ela vai caminhar e abri-los Seraacute redentor o que penetrar nos bolsotildees sujos escuros e ignorados da miseacuteria (Ulysses Guimaratildees)
Mesmo natildeo sendo a constituiccedilatildeo perfeita sem duacutevida foi a que trouxe
esperanccedila ao povo brasileiro com a sua promulgaccedilatildeo surgiram o ldquohaacutebeas datardquo o
mandado de injunccedilatildeo e o mandado de seguranccedila coletivo - todos remeacutedios judiciais
de iacutendoles constitucionais serviacuteveis para prevenir e combater diversas tentativas de
abuso contra a pessoa humana Outrossim o objeto da accedilatildeo popular foi ampliado
Atualmente qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima para propor a mencionada accedilatildeo
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popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de entidade de que o
Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e ao patrimocircnio
histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de custas
judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia Nesse rol de forma decisiva houve a
ampliaccedilatildeo tambeacutem dos direitos sociais
Assim a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconhece e assegura uma seacuterie de
escudos protetivos aos cidadatildeos Em sua essecircncia os direitos fundamentais
ganham forma De modo que podemos assegurar que hoje o nosso Estado eacute uma
organizaccedilatildeo centrada no ser humano visto que tem a dignidade da pessoa humana
como um fundamento da Repuacuteblica Federativa do Brasil
Apesar das inuacutemeras dificuldades o Estado Democraacutetico de Direito fundado
na cidadania constituiu para o povo uma nova identidade ndash o que em outras eacutepocas
natildeo existia
A Constituiccedilatildeo circunscreve toda a organizaccedilatildeo poliacutetica estatal no intuito
maior de criar no consciente coletivo a vontade livre e determinada de desenvolver
padrotildees de condutas destinados a elevar e promover a auto-estima de toda a
comunidade paacutetria
Foi nesse sentido que estatui em seu artigo 1ordm a cidadania como fundamento
do Estado Democraacutetico de Direito ampliando e enriquecendo o tal conceito Cada
eacutepoca produziu praacuteticas e reflexotildees muito distintas sobre o tema cidadania A
definiccedilatildeo de cidadania que vem sofrendo alteraccedilotildees ao longo do tempo obedecendo
a um processo histoacuterico de conquistas sociais eacute compreendida atualmente como
um processo de participaccedilatildeo do indiviacuteduo ou de um grupo organizado nas mais
variadas aacutereas de atuaccedilatildeo da sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos
e sociais
A cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia disso natildeo haacute duvidas e se
efetiva como mudanccedilas na realidade de cada um com melhoria de vida e
conscientizaccedilatildeo da importacircncia do cidadatildeo dado que eacute um processo em
permanente construccedilatildeo Natildeo haacute como defender uma qualidade de vida sem a
preservaccedilatildeo da cidadania em todos os seus acircmbitos Nesse sentido a efetiva
proteccedilatildeo desse aspecto basilar torna-se essencial no que tange uma assistecircncia
juriacutedica completa
No contraponto do direito estatildeo os deveres que encontramos sua realizaccedilatildeo
tambeacutem na participaccedilatildeo observando que o cidadatildeo eacute responsaacutevel pelo advir de
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suas accedilotildees A participaccedilatildeo reflete um caraacuteter de natildeo comodismo de atenccedilatildeo agravequilo
que eacute particular e coletivo tendo como finalidade preciacutepua o bem comum
Construir cidadania hoje eacute imperativo para a sociedade pois dessa
construccedilatildeo depende o amanhatilde Estamos diante da Constituiccedilatildeo que se propotildee a
resguardar o amanhatilde sem perder de vista que ele comeccedila hoje agora e nisso a
Carta Poliacutetica traacutes consigo a certeza do despertar dessa consciecircncia a consciecircncia
cidadatilde Ela eacute a semente plantada em terra feacutertil que gera frutos diariamente e se
renova a cada estaccedilatildeo na dinacircmica da vida Talvez tenha sido esse o cheiro de
frutas alcanccedilado pelo constituinte ao anunciar que a carta tem ldquocheiro do amanhatilderdquo
A responsabilidade pelo exerciacutecio desses direitos belissimamente elencados
depende de todos e de cada um pois somos o terreno feacutertil que produziraacute o fruto de
uma sociedade fraterna
Eacute comum na praacutetica apenas responsabilizarmos o Estado em sentido lato pelo
natildeo exerciacutecio dos direitos do cidadatildeo Vale lembrar nesse contexto das palavras de
J Kennedy o qual disse ldquonatildeo pergunte o que o Estado pode fazer por vocecirc mas o
que vocecirc pode fazer pelo Estadordquo haacute nessa frase um forte traccedilo de cidadania pois
quando o cidadatildeo reivindica critica opina o que ele daacute em contrapartida ao paiacutes eacute
solidificado visto que eacute nas relaccedilotildees familiares em comunidade que se estabelece e
se fortalece os viacutenculos de solidariedade de uma sociedade que perpetua valores
condutas que as leis reguladoras natildeo conseguem por si soacute estabelecer
A concretizaccedilatildeo do ideal de uma qualidade de vida merecida a todos os seres
humanos sem restriccedilotildees requer entretanto um esforccedilo coletivo Dessa forma haacute
necessidade de suprir as muitas carecircncias advindas das desigualdades sociais e de
condiccedilotildees do descaso do poder puacuteblico e da proacutepria conceituaccedilatildeo antiga de
cidadania que ainda eacute concebida por muitos no presente
Em suma nosso trabalho procurou traccedilar a evoluccedilatildeo da cidadania e ao
mesmo tempo buscou traccedilar uma melhor caracterizaccedilatildeo do cidadatildeo agrave luz da nossa
Constituiccedilatildeo que eacute por fim a essecircncia da Magna Carta O alcance da cidadania
enquanto mecanismo de acesso a direitos foi colocado no acircmbito da pessoa
enquanto titular de direitos e num paralelo defendemos que o municiacutepio eacute o espaccedilo
de atuaccedilatildeo e exerciacutecio de cidadania dada a proximidade do cidadatildeo com as
instituiccedilotildees oacutergatildeos entidades e tudo o mais que o cerca na esfera de vivecircncia Eacute na
praccedila que discute a poliacutetica local e nacional que se indigna com as dificuldades e as
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barreiras de acesso aos seus direitos Eacute no municiacutepio que se inicia todo um vieacutes de
desdobramento para garantir direitos
Por fim natildeo obstante resta dizer sobre o tema que os caminhos e
paradigmas que se intentou percorrer sobre cidadania como mecanismo
transformador da sociedade tem ingrediente ainda a se descortinar para o
propoacutesito valioso do bem comum Pois bem a ideia de bem comum tem como
fundamento o amor maacutexima que se estabelece por meio da democracia visto que
ldquoa demofilia o demoiacutesmo o amor do povo acima de tudo como princiacutepio ativo de
toda a sua vida poliacutetica inspirador duma sempre crescente autonomia imanente eacute
que constitui a verdadeira essecircncia da democraciardquo nas palavras de Melgareacute
(2005)
Dessa forma eacute no nuacutecleo da democracia que estaacute inscrito como pedra
angular o respeito e o amor pela pessoa humana Eacute pois um tema de larga
abrangecircncia poreacutem sem querer abreviar o caminho sua efetiva possibilidade de
realizaccedilatildeo se encontra no exerciacutecio da cidadania sem repuacutedios parciais ou exclusatildeo
de qualquer ordem na plenitude de uma cidadania para todos
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REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
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Ao contraacuterio do que ocorreu com as Constituiccedilotildees anteriores esse
ordenamento dos capiacutetulos parece revelar que a Carta eacute o prenuacutencio de um paiacutes em
que os direitos dos cidadatildeos formam a base do ordenamento do Estado Essa ideia
foi expressa pelo presidente da Assembleacuteia Constituinte deputado Ulysses
Guimaratildees que voltamos a citar quando anunciou
Diferentemente das sete constituiccedilotildees anteriores esta comeccedila com o homem De modo gratificante testemunha a primazia do homem que foi escrita para o homem que o homem eacute seu fim e sua esperanccedila Eacute a Constituiccedilatildeo cidadatilde
A Constituiccedilatildeo nasceu da constataccedilatildeo de que o figurino juriacutedico formulado
para o Brasil desde os primoacuterdios do Estado nacional natildeo se compatibilizava com as
necessidades dos brasileiros Houve avanccedilos na formalizaccedilatildeo da Lei Magna
especialmente no tocante aos direitos de cidadania mas estamos longe do ideal
preconizado pela carta cidadatilde O que nos leva a crer que a cidadania eacute um processo
diaacuterio e permanente de construccedilatildeo Pois natildeo basta garantir o direito eacute preciso
exercecirc-lo
A cidadania abraccedilada pela atual Constituiccedilatildeo Federal Brasileira teve seu
conteuacutedo ampliado e natildeo se restringe ao simples fato de possuir um tiacutetulo de eleitor
para votar e ser votado ela estabelece cidadania como princiacutepio fundamental da
Repuacuteblica do Brasil desta forma o conceito decorrente pode ser entendido
conforme preleciona Silva (2005) ldquocidadania estaacute aqui num sentido mais amplo do
que o de titular de direitos poliacuteticos Qualifica os participantes da vida do Estado
reconhecimento do indiviacuteduo como pessoa integrada a sociedade estatalrdquo
Tal conceito nos leva a relacionar cidadania com democracia uma vez que
optou-se pelo Estado Democraacutetico de Direito o qual assenta seus alicerces na
participaccedilatildeo popular em questotildees que envolvem a coisa puacuteblica Para Moraes
(2005) esse Estado de Direito ldquosignifica a exigecircncia de reger-se por normas
democraacuteticas com eleiccedilotildees livres perioacutedicas e pelo povo bem como o respeito das
autoridades puacuteblicas aos direitos e garantias fundamentaisrdquo
O propoacutesito da opccedilatildeo pelo Estado Democraacutetico de Direito eacute que a cidadania e
os demais direitos fundamentais fluam com plenitude talvez seja o que justifique a
denominaccedilatildeo da Carta Magna de cidadatilde pois o povo passa a atuar de forma mais
ativa na vida poliacutetica do Estado uma vez que a ele foi concedido esse poder
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A cidadania portanto soacute adquire pleno significado no mundo contemporacircneo
num Estado Democraacutetico de Direito para tanto exige um ambiente de vida e de
conviacutevio entre os homens tiacutepico e proacuteprio de um Estado Democraacutetico pois a
cidadania constitui fundamento primordial daquele Estado qual seja possibilitar aos
indiviacuteduos habitantes de um paiacutes o seu pleno desenvolvimento atraveacutes do alcance
de igual dignidade social e econocircmica
Segundo Rozicki (2005) O ambiente de vida social do Estado Democraacutetico
cujos pilares se encontram na efetividade dos direitos fundamentais da pessoa
humana em uma sociedade solidaacuteria soacute eacute possiacutevel atraveacutes da observaccedilatildeo de alguns
postulados que lhe satildeo essenciais os quais a autora denomina de pressupostos do
Estado democraacutetico de Direito
1)a valorizaccedilatildeo e atualidade da dignidade do homem e o reconhecimento da importacircncia de dispensar a todos tratamento fraternal igualitaacuterio e natildeo discriminativo 2) a confianccedila nos talentos e possibilidades latentes dos homens 3) a seguranccedila e o creacutedito nos valores institucionalizados pelas massas como fundamentos para o progresso do bem comum e o alcance da justiccedila 4) a aceitaccedilatildeo da legitimidade das decisotildees tomadas por meio de processos racionais e participativos de deliberaccedilatildeo com o consenso da maioria que constitui o reflexo o resultado de debates livres entre todos 5) o respeito aos grupos minoritaacuterios 6) e a compreensatildeo de que todo o interesse geral eacute a siacutentese dos diversos interesses e ideacuteias dos indiviacuteduos e dos grupos diferentes centros de poder que integram a sociedade pluralista
Percebe-se que o conceito amplo de cidadania encontra seus princiacutepios
baacutesicos e estruturantes nesses pressupostos intimamente ligado aos conceitos de
democracia e de igualdade No tocante ao conceito de igualdade elucidativa eacute a
liccedilatildeo de Rozicki (2005) quando afirma que
O princiacutepio de igualdade disciplina todas as atividades puacuteblicas e tem aplicaccedilatildeo direta nas relaccedilotildees privadas que ocorrem entre os particulares impondo para tornaacute-lo real a proibiccedilatildeo de discriminaccedilotildees e a eliminaccedilatildeo das desigualdades faacuteticas nos planos social e econocircmico proporcionando a todos os cidadatildeos igual condiccedilatildeo de vida e mesma posiccedilatildeo perante o Estado Democraacutetico
E complementa que tambeacutem para a realizaccedilatildeo da cidadania o princiacutepio
democraacutetico torna indispensaacutevel agrave participaccedilatildeo popular nas tomadas de decisatildeo No
seu entender
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A cidadania no Estado democraacutetico de direito efetivada oferece aos cidadatildeos como iguais condiccedilotildees de existecircncia o gozo atual de direitos e a obrigaccedilatildeo do cumprimento de deveres que resumidamente podem ser assim apresentados exerciacutecio de direitos fundamentais e participaccedilatildeo e os deveres de colaboraccedilatildeo e solidariedade (Rozicki 2005)
Natildeo obstante eacute vaacutelido ressaltar um princiacutepio igualmente importante e deveras
esquecido a fraternidade Este princiacutepio que eacute um dos trecircs pilares da Revoluccedilatildeo
Francesa eacute pouco discutido apesar de assumir um papel decisivo na consolidaccedilatildeo
da democracia da politica e do poder
A fraternidade eacute necessaacuteria para o estabelecimento de uma comunidade
politicamente solidaacuteria com indiviacuteduos iguais e livres
Para finalmente concebermos um Estado Democraacutetico de Direito que trate os
iguais na medida de suas desigualdades
22 Os direitos fundamentais como pressupostos de identidade da cidadania
Os direitos fundamentais vistos como um dos traccedilos mais marcante do
constitucionalismo moderno consistem no resultado da luta dos homens por um
direito ideal justo e humano representam situaccedilotildees reconhecidas juridicamente
sem as quais o homem eacute incapaz de alcanccedilar sua proacutepria realizaccedilatildeo e
desenvolvimento plenamente daiacute dizer-se que o princiacutepio preponderante que
condensa os direitos fundamentais eacute o da dignidade da pessoa humana
Os direitos fundamentais satildeo o conjunto de normas de um ordenamento juriacutedico que formam um subsistema deste fundado na liberdade na igualdade na seguridade na solidariedade expressotildees da dignidade do homem que formam parte da norma baacutesica material de identificaccedilatildeo do ordenamento juriacutedico e constitui um setor de moralidade procedimental positivada que legitima o Estado Social de Direito (MARTINEZ apud AGRA 2002)
Tais direitos foram e vatildeo sendo aperfeiccediloados e estendidos ao longo do
tempo resta dizer que os mesmos estabelecem faculdades da pessoa humana que
permitem sua breve classificaccedilatildeo do seguinte modo 1) os direitos civis e poliacuteticos
de liberdade como por exemplo a liberdade de expressatildeo de propriedade de
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manifestaccedilatildeo do pensamento de associaccedilatildeo de imprensa de reuniatildeo de igualdade
formal perante a lei de participaccedilatildeo poliacutetica o devido processo legal o habeas
corpus o direito de peticcedilatildeo etc 2) os direitos sociais econocircmicos e culturais de
participaccedilatildeo poliacutetica tais como a igualdade de sufraacutegio o direito de voto e de
elegibilidade o direito de peticcedilatildeo e os direitos de participaccedilatildeo poliacutetica 3) os direitos
da titularidade coletiva que satildeo aqueles ligados a solidariedade e a fraternidade
como por exemplo o direito agrave preservaccedilatildeo do meio ambiente e agrave qualidade de vida
etc 4) os direitos chamados de quarta geraccedilatildeo por exemplo direito a democracia a
informaccedilatildeo ao comeacutercio eletrocircnico entre os estados etc
Natildeo existe qualquer relaccedilatildeo hieraacuterquica entre estes direitos mesmo porque
todos interagem entre si de nada servindo um sem a existecircncia dos outros Esta
divisatildeo acontece devido agrave eterna e constante busca do homem por mais proteccedilatildeo
mais garantia com o objetivo de alcanccedilar uma sociedade mais justa igualitaacuteria e
fraterna
Na evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais Agra (2002) chama a atenccedilatildeo do
relevo que adquirem a democratizaccedilatildeo da informaccedilatildeo e os mecanismos de
democracia participativa E justifica que a democratizaccedilatildeo da informaccedilatildeo natildeo se
caracteriza apenas pela existecircncia de uma miacutedia plural sem nenhum tipo de
monopoacutelio mas deve ser concebida como a obrigaccedilatildeo que todos os cidadatildeos tecircm
de tomar consciecircncia dos graves problemas que afligem a humanidade e que os
mecanismos da democracia participativa concebem a cidadania em extensatildeo muito
superior ao voto abrangendo a interferecircncia direta do cidadatildeo nas decisotildees
governamentais mediante vaacuterios mecanismos juriacutedicos como o plebiscito o recall o
orccedilamento participativo etc
De acordo com Silva (2005) os Direitos Fundamentais na Constituiccedilatildeo de
1988 abrangem os ldquodireitos individuais sociais poliacuteticos e tambeacutem os direitos
econocircmicos Para o autor a ampliaccedilatildeo e transformaccedilatildeo dos direitos fundamentais
do homem na histoacuteria dificultam uma definiccedilatildeo sinteacutetica do conceitordquo
Essa dificuldade aumenta diante do emprego de vaacuterias expressotildees para
designaacute-los tais como direitos naturais direitos humanos direitos do homem
direitos individuais direitos puacuteblicos subjetivos liberdades fundamentais liberdades
puacuteblicas e direitos fundamentais do homem No entanto direitos fundamentais do
homem constitui a expressatildeo mais adequada porque na palavra fundamentais
acha-se a indicaccedilatildeo de que se trata de situaccedilotildees sem as quais o indiviacuteduo natildeo tem
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uma vida digna natildeo convive e agraves vezes nem mesmo sobrevive A expressatildeo
direitos fundamentais eacute a mais precisa no sentido de que a todos por igual devem
ser natildeo apenas formalmente reconhecidos mas concreta e materialmente
efetivados
Por sua vez a atual Corte em julgamento do habeas corpus (HC ndeg
82424RS) marca seu posicionamento no tocante ao sistema de direitos
fundamentais insculpido na Constituiccedilatildeo de 1988 atraveacutes dos profundos e bem
fundamentados votos dos Ministros que aleacutem de delimitarem a extensatildeo e os limites
da liberdade de expressatildeo (art 5o IV e IX) acabaram indicando as bases filosoacuteficas
e juriacutedicas para a interpretaccedilatildeo do cataacutelogo de direitos fundamentais da Constituiccedilatildeo
de 1988
Nesse sentido o voto do Ministro Marco Aureacutelio tratou de definir o sistema de
direitos fundamentais como a ldquoproacutepria essecircncia da Constituiccedilatildeordquo qualificando-os
como ldquovalores objetivos que servem como norte da atuaccedilatildeo estatalrdquo Assim estaacute
consignado nos fundamentos do referido voto
A Constituiccedilatildeo de 1988 representou um divisor de aacuteguas entre o antigo regime totalitaacuterio e um periacuteodo de redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes marcando dessa forma uma eacutepoca que tem como modelo de atuaccedilatildeo do Estado o respeito incondicional aos direitos fundamentais Por isso mesmo o sistema constitucional dos direitos fundamentais previsto no artigo 5o da Carta com os eventuais acreacutescimos do sect 2o reflete em rigor e em larga medida a proacutepria essecircncia da Constituiccedilatildeo e a retomada do processo de democratizaccedilatildeo e da garantia do cidadatildeo contra abusos e arbitrariedades no exerciacutecio do Poder Puacuteblico Os direitos fundamentais satildeo hoje verdadeiros princiacutepios estruturantes da organizaccedilatildeo e do funcionamento do Estado valores objetivos que servem como norte da atuaccedilatildeo estatal em seus mais diferentes niacuteveis no Legislativo formam um cataacutelogo de princiacutepios e garantias que informam e direcionam toda a atividade de criaccedilatildeo das normas de nosso ordenamento juriacutedico e de concretizaccedilatildeo dos preceitos constitucionais no Executivo mostram-se como verdadeiros limites ao exerciacutecio do poder administrativo servindo como trincheiras de proteccedilatildeo da liberdade do cidadatildeo e no judiciaacuterio refletem a base e o fundamento necessaacuterio da compreensatildeo e interpretaccedilatildeo de nossas normas ndash efeito interpretativo - evitando que a atividade jurisdicional se transforme em medidas discricionaacuterias ou providecircncias ilegiacutetimas de opccedilotildees poliacuteticas pautadas em escolhas pessoais dos juiacutezes
Tudo indica que se trata do iniacutecio de uma soacutelida construccedilatildeo jurisprudencial a
respeito do sentido axioloacutegico do sistema de direitos fundamentais da Constituiccedilatildeo
de 1988
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Os Direitos Individuais satildeo de exerciacutecio exclusivo do indiviacuteduo e devem ser
formalmente reconhecidos e concretizados no cotidiano do cidadatildeo O indiviacuteduo aqui
eacute considerado um sujeito de direitos e natildeo apenas como integrante de um corpo
social Esses direitos natildeo podem sofrer nenhum tipo de restriccedilatildeo natildeo se
discriminando quem os pode exercer uma vez que satildeo titulares todas as pessoas
capazes incapazes brasileiras estrangeiras alfabetizadas e iletradas
A Constituiccedilatildeo Cidadatilde foi a primeira a estabelecer direitos natildeo soacute de
indiviacuteduos mas tambeacutem de grupos sociais os denominados direitos coletivos Com
isso as pessoas passaram a ser coletivamente consideradas Os direitos individuais
e coletivos estatildeo anunciados no art 5ordm em setenta e sete incisos e em dois
paraacutegrafos
Verifica-se que os Direitos Individuais tecircm como ponto marcante a liberdade
seja ela tomada de maneira global ou especiacutefica como liberdade de associaccedilatildeo de
reuniatildeo A liberdade de reuniatildeo (art 5ordm XVI) constitui-se na primeira e mais simples
liberdade corporativa estando logo apoacutes a liberdade de locomoccedilatildeo
Os Direitos Sociais tecircm como titular uma coletividade e satildeo caracterizados
pela prestaccedilatildeo de serviccedilos ou oferecimento de melhorias para a sociedade como um
todo por parte do Poder Puacuteblico Assim os Direitos Sociais tornam possiacutevel a fruiccedilatildeo
e o exerciacutecio dos Direitos Individuais pela coletividade mesmo pelos carentes
materialmente
O art 6deg define os Direitos Sociais da seguinte maneira ldquoSatildeo Direitos Sociais
a educaccedilatildeo a sauacutede o trabalho a moradia o lazer a seguranccedila a previdecircncia
social a proteccedilatildeo agrave maternidade e agrave infacircncia a assistecircncia aos desamparados na
forma desta Constituiccedilatildeordquo
Portanto eacute obrigatoacuteria ao Estado a proteccedilatildeo dos interesses da coletividade
com o atendimento dos direitos acima citados
Satildeo direitos poliacuteticos os que conferem o acesso da populaccedilatildeo agrave participaccedilatildeo
no Poder do Estado tais como os direitos de votar e ser votado do referendo
plebiscito e iniciativa popular das leis O direito democraacutetico de participaccedilatildeo dos
cidadatildeos no governo por meio de seus representantes exigiu a formaccedilatildeo de um
conjunto de normas legais permanentes que recebeu a denominaccedilatildeo de direitos
poliacuteticos Os Direitos Poliacuteticos amparam os Direitos Individuais Sociais e
Econocircmicos pois quando desaparece a democracia desaparecem imediatamente
as liberdades fundamentais
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Com o advento da Constituiccedilatildeo de 1988 foram criadas instituiccedilotildees para
fiscalizar e controlar a atuaccedilatildeo da administraccedilatildeo puacuteblica entre as quais o Ministeacuterio
Puacuteblico que funciona como um canal de expressatildeo dos direitos da populaccedilatildeo
O Ministeacuterio Puacuteblico foi a instituiccedilatildeo que mais ganhou importacircncia no cenaacuterio
puacuteblico por ter passado a defender os interesses coletivos ou seja os interesses de
um grupo categoria ou classe e natildeo de um indiviacuteduo isolado No artigo 127 o
Ministeacuterio Puacutebico (MP) eacute definido como ldquouma instituiccedilatildeo permanente essencial agrave
funccedilatildeo jurisdicional do Estado incumbindo-lhe a defesa da ordem juriacutedica do regime
democraacutetico e dos interesses sociais e individuais indispensaacuteveisrdquo
Cabe ao Ministeacuterio Puacuteblico exigir dos poderes puacuteblicos e dos serviccedilos de
relevacircncia puacuteblica respeito aos direitos elencados na Constituiccedilatildeo promovendo as
medidas necessaacuterias agrave garantia desses direitos Portanto eacute responsaacutevel pela
garantia da ordem juriacutedica do regime democraacutetico da moralidade puacuteblica e dos
direitos sociais e individuais
23 A consagraccedilatildeo dos direitos do cidadatildeo
A Constituiccedilatildeo de 1988 eacute o coroamento da histoacuteria constitucional do Brasil por
ter sido um marco da redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes opondo-se a qualquer forma de
autoritarismo Nela a cidadania foi consagrada como um dos fundamentos da
Repuacuteblica Federativa do Brasil (art 1ordm inc II) Observe-se que o termo cidadania
encontra-se na Constituiccedilatildeo em sentido mais amplo do que o de titular de direitos
poliacuteticos pois qualifica os participantes da vida do Estado e reconhece o indiviacuteduo
como pessoa integrada na sociedade estatal
Essa nova concepccedilatildeo de cidadania introduzida pela Constituiccedilatildeo Federal de
1988 eacute fruto da internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos e como marco principal da
institucionalizaccedilatildeo erigiu em seu artigo primeiro a dignidade da pessoa humana (inc
III) e a cidadania (incII) a princiacutepio fundamental
Institui com o princiacutepio da cidadania uma nova compreensatildeo acerca dos
direitos de deveres da pessoa elevado-o a status maacuteximo a regra-matriz que natildeo
pode ser desrespeitada pois os fundamentos constituem a essecircncia da Repuacuteblica
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Federativa e servem como regra-matriz para a elaboraccedilatildeo interpretaccedilatildeo e
integraccedilatildeo do sistema juriacutedico nacional
Violar um princiacutepio eacute muito grave que transgredir uma norma qualquer A desatenccedilatildeo ao principio implica ofensa natildeo apenas a um especifico mandamento obrigatoacuterio mas a todo o sistema de comandos Eacute a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade representa insurgecircncia contra todo o sistema subversatildeo de valores fundamentais (MELLO apud CHIMENTI 2005 P 33)
Para Silva (2004) cidadania eacute discriminada como princiacutepio relativo ao regime
poliacutetico Dessa forma compreendida cidadania como princiacutepio fundamental eacute o
direito de participar dos destinos do Estado e mais usufruir dos direitos civis
fundamentais previstos na Constituiccedilatildeo
Muitos doutrinadores utilizam cidadania no mesmo sentido de nacionalidade
(Art 12 da Constituiccedilatildeo Federal) e de direitos poliacuteticos (Art 14) Em alguns outros
dispositivos a palavra cidadania (ou cidadatildeo) poderia ainda ter a significaccedilatildeo de
direitos poliacuteticos mas mesmo assim de forma impliacutecita a exemplo dos arts 22 XIII
e 5ordm LXXIII No primeiro se lecirc que compete agrave Uniatildeo legislar sobre nacionalidade
cidadania e naturalizaccedilatildeo e no segundo que qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima
para propor accedilatildeo popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de
entidade de que o Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e
ao patrimocircnio histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de
custas judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia No entanto conforme Mazzuoli (2002)
Observe-se que a Carta de 1988 ao tratar no seu art 14 dos direitos poliacuteticos natildeo se refere sequer em um momento agrave expressatildeo cidadania dizendo apenas que a soberania popular seraacute exercida pelo sufraacutegio universal e pelo voto direito e secreto com valor igual para todos (hellip) Pelo contraacuterio a Constituiccedilatildeo faz uma separaccedilatildeo entre cidadania e direitos poliacuteticos quando no seu art 68 sect 1ordm II ao tratar das leis delegadas exclui do acircmbito da delegaccedilatildeo legislativa a nacionalidade cidadania direitos individuais poliacuteticos e eleitorais
A Constituiccedilatildeo brasileira de 1988 com a transiccedilatildeo para o regime democraacutetico
consagrou expressamente esta nova concepccedilatildeo de cidadania como se depreende
da leitura de vaacuterios dos seus dispositivos
Foi nesse sentido que pioneiramente estatuiu a Carta de 1988 em seu art
1ordm que a Repuacuteblica Federativa do Brasil formada pela uniatildeo indissoluacutevel dos
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Estados e Municiacutepios e do Distrito Federal constitui-se em Estado Democraacutetico de
Direito e tem como fundamentos dentre outros a cidadania (inc II) Como jaacute
mencionado
Na mesma esteira o disposto no art 5ordm incisos LXXI (conceder-se-aacute
mandado de injunccedilatildeo sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviaacutevel o
exerciacutecio dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes agrave
nacionalidade agrave soberania e agrave cidadania) e LXXVII (satildeo gratuitas as accedilotildees de
habeas-corpus e habeas-data e na forma da lei os atos necessaacuterios ao exerciacutecio
da cidadania) No seu Tiacutetulo VIII Capiacutetulo II Seccedilatildeo I a Carta Magna de 1988
dispotildee ainda que a
Educaccedilatildeo direito de todos e dever do Estado e da famiacutelia seraacute promovida e incentivada com a colaboraccedilatildeo da sociedade visando ao pleno desenvolvimento da pessoa seu preparo para o exerciacutecio da cidadania e sua qualificaccedilatildeo para o trabalho (art 205)
Outro dispositivo em que fica bastante marcada esta nova concepccedilatildeo de
cidadania eacute o art 64 do Ato das Disposiccedilotildees Constitucionais Transitoacuterias que
dispotildee
A Imprensa Nacional e demais graacuteficas da Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios da administraccedilatildeo direta ou indireta inclusive fundaccedilotildees instituiacutedas e mantidas pelo Poder Puacuteblico promoveratildeo ediccedilatildeo popular do texto integral da Constituiccedilatildeo que seraacute posta agrave disposiccedilatildeo das escolas e dos cartoacuterios dos sindicatos dos quarteacuteis das igrejas e de outras instituiccedilotildees representativas da comunidade gratuitamente de modo que cada cidadatildeo brasileiro possa receber do Estado um exemplar da Constituiccedilatildeo do Brasil
Enfim a Constituiccedilatildeo de 1988 enriqueceu e ampliou os conceitos de cidadatildeo
e cidadania Seu entendimento agora como leciona Silva (2005)
Decorre da ideia de Constituiccedilatildeo dirigente que natildeo eacute apenas um repositoacuterio de programas vagos a serem cumpridos mas constitui um sistema de previsatildeo de direitos sociais mais ou menos eficazes em torno dos quais eacute que se vem construindo a nova ideacuteia de cidadania
De forma que natildeo mais se trata de considerar a cidadania como simples
qualidade de gozar direitos poliacuteticos mas sim de aferir-lhe um nuacutecleo miacutenimo e
irredutiacutevel de direitos (fundamentais) que devem se impor obrigatoriamente agrave accedilatildeo
dos poderes puacuteblicos
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O ordenamento juriacutedico brasileiro consagrou aleacutem dos institutos jaacute
mencionados alguns outros mecanismos de defesa dos direitos e garantias
constitucionais da cidadania como a accedilatildeo civil puacuteblica regulada pela Lei nordm
734785 e accedilatildeo direta de inconstitucionalidade prevista no incIV do art 129 da
Constituiccedilatildeo Federal O Coacutedigo de Defesa do Consumidor o Estatuto da Crianccedila e
do Adolescente e ateacute mesmo o princiacutepio do devido processo legal que resguarda ao
cidadatildeo o acesso agrave justiccedila e direito de ser acionado judicialmente por meio de
procedimentos legais satildeo mecanismos de defesa dos direitos de cidadania
previstos constitucionalmente e garantidos na esfera poliacutetica civil e social
Pode-se observar que a cidadania comeccedilou a ser construiacuteda como resultado
de um processo de luta a partir da conscientizaccedilatildeo dos direitos e deveres do
homem Como vimos a cidadania jaacute em praacutetica em muitos paiacuteses adquire no
Brasil com a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 um novo sentido qual seja o
pressuposto do exerciacutecio pleno de um sistema de direitos e garantias
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CAPIacuteTULO 3 - CIDADANIA COMO MECANISMO DE
TRANSFORMACcedilAtildeO SOCIAL
No momento em que a cidadania alccedila voos constitucionais e insere-se na
Carta Poliacutetica da Repuacuteblica Federativa do Brasil inicia-se o processo de
redemocratizaccedilatildeo e ganha relevo o cidadatildeo agente deste processo que tem em
suas matildeos a tarefa da construccedilatildeo de um novo tempo
Historicamente a ideia de cidadatildeo conotava o habitante da cidade ndash o
citadino ndash firma-se entatildeo tal conotaccedilatildeo na Antiguumlidade claacutessica para depois
significar aquele indiviacuteduo a quem se atribuem os direitos poliacuteticos Superada essa
acepccedilatildeo que tambeacutem vigorou nas constituiccedilotildees anteriores da Repuacuteblica do Brasil
na concepccedilatildeo moderna estaacute clara a noccedilatildeo de cidadatildeo como aquele que a quem
consiste a titularidade de direitos individuais poliacuteticos e sociais Noccedilatildeo esta
edificada com a internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos que amplia a acepccedilatildeo do
termo declarando que satildeo cidadatildeos todo aquele que habita o acircmbito da soberania
de um Estado e deste Estado recebem uma carga de direitos e tambeacutem deveres dos
mais variados
Desta forma a noccedilatildeo contemporacircnea de cidadania funda-se na dicotomia
direitos (exerciacutecios de direitos fundamentais - participaccedilatildeo) e deveres (colaboraccedilatildeo -
solidariedade) Ao lado dos direitos foram estabelecidos deveres fundamentais e
portanto tanto agentes puacuteblicos como os indiviacuteduos tecircm obrigaccedilotildees especiacuteficas
inclusive a de respeitar os direitos das demais pessoas que vivem na ordem social
sendo e promovendo mecanismos de transformaccedilatildeo social que visam uma nova
sociedade baseada na igualdade e na justiccedila
36
31 O ser cidadatildeo
Os termos indiviacuteduo ser humano pessoa e cidadatildeo satildeo geralmente tomados
como sinocircnimo o que certamente influi na proliferaccedilatildeo de incontaacuteveis significados e
ampliaccedilatildeo do termo cidadatildeo Poreacutem estas palavras apesar de se assemelharem
possuem carga semacircntica proacutepria e da compreensatildeo exata de cada uma decorre a
conceituaccedilatildeo mais acentuada da acepccedilatildeo do termo cidadatildeo como titular de direitos
e deveres resguardados pela constituiccedilatildeo paacutetria
Desta forma indiviacuteduo eacute um representante da espeacutecie aquele que eacute uacutenico
Enquanto ser humano eacute um termo mais geneacuterico ou indeterminado que diz respeito
agrave espeacutecie agrave classificaccedilatildeo ao mundo zooloacutegico Pessoa por sua vez eacute um termo
mais especiacutefico que tem a ver com o mundo civilizado ou se preferirmos com a
constelaccedilatildeo dos valores morais eacuteticos e juriacutedicos proacuteprios da civilizaccedilatildeo
A etimologia da palavra pessoa demonstra que eacute um conceito sobreposto ao conceito de Ser Humano Um refratildeo de origem juriacutedica tambeacutem nos lembra do homo plures pessoa polimorfa o ser humano capaz de desempenhar muitos papeacuteis um mesmo ser humano eacute empresaacuterio e delinquumlente eacute pai e metaluacutergico etc Persona (personagem) era a maacutescara que usavam os atores da trageacutedia grega para desempenhar seu papel Cabe portanto entender o conceito de Ser Humano ao lado do conceito de Pessoa No direito romano antigo os escravos eram seres humanos (homens) mas natildeo eram consideradas pessoas (patriacutecios) Os juristas romanos que usavam o conceito de Ser Humano o dissociavam do conceito de pessoas (CUNHA 2007)
O Ser Humano recebe uma distinccedilatildeo importante quando o consideramos
como Pessoa assim como a Pessoa recebe uma distinccedilatildeo redundante natildeo menos
importante quando a consideramos por forccedila de expressatildeo como uma pessoa
humana Subentendendo o adjetivo humano como relativo agrave eacutetica Portanto Ser
Humano natildeo eacute a mesma coisa que Pessoa como tampouco Ser Humano eacute o
mesmo que cidadatildeo este muito eacute mais proacuteximo do termo Pessoa Vejamos o quadro
ilustrativo que esquematiza e distinguem os referidos conceitos
37
QUADRO 1 ndash EVOLUCcedilAtildeO DO SER HUMANO ATEacute O CIDADAtildeO
O Ser Humano O Ser Indiviacuteduo O Ser Pessoa O Ser Cidadatildeo
A Dimensatildeo do conviacutevio social
A dimensatildeo do mercado de trabalho e
Consumo
A Dimensatildeo de encontrar-se no mundo
A dimensatildeo de intervir na realidade
O homem tornar-se Ser Humano nas relaccedilotildees
de conviacutevio social
O Ser Humano tornar-se indiviacuteduo quando
descobre seu papel e funccedilatildeo social
O Indiviacuteduo torna-se pessoa quanto toma
consciecircncia de si mesmo do outro e do
mundo
A pessoa torna-se cidadatildeo quando
interveacutem na realidade em que vive
Quem estuda o comportamento do Ser
Humano Seria a antropologia a histoacuteria
ou a sociologia
Quem estuda o comportamento do indiviacuteduo Seria a
Filosofia a sociologia ou a Psicologia
Quem estuda o comportamento da pessoa Seria a
Filosofia a sociologia ou a Psicologia
Quem estuda o comportamento do cidadatildeo Seria a
Sociologia a Filosofia ou As ciecircncias
poliacuteticas
Quem garante os direitos do Ser
Humano A Declaraccedilatildeo Universal
dos Direitos Humanos
Quem garante os Direitos do
Consumidor O Coacutedigo do Consumidor
Quem garante os Direitos da pessoa A proacutepria pessoa (amor proacuteprio ou autoestima)
Quem garante os Direitos do cidadatildeo (A Constituiccedilatildeo e suas leis
regulamentares)
Existe realmente uma natureza humana Teologicamente
afirmamos que existe a uma natureza humana
Seguindo a corrente existencialista (JP Sartre) negamos tal
natureza
Que diferenccedila existe entre o direito do
consumidor e o direito do cidadatildeo Ao
Consumidor deve ser dado o direito de
propriedade enquanto ao cidadatildeo deve ser
dado o direito de acesso
O que significa tornar-se pessoa no niacutevel
psicoloacutegico e social A pessoa eacute o indiviacuteduo que toma consciecircncia de si mesmo (ldquoTornar-
se Pessoardquo de Karl Roger)
Como podemos intervir na realidade
modificando as estruturas corruptas e injustas Quando os
direitos do cidadatildeo lhe satildeo oferecidos e o
mesmo passa a exercecirc-lo haacute
modificaccedilatildeo de comportamento
(ROSAS 2009)
O cidadatildeo eacute portanto aquele indiviacuteduo a quem a Constituiccedilatildeo confere direitos
e garantias e lhe daacute o poder do seu efetivo exerciacutecio aleacutem de meios processuais
eficientes contra a violaccedilatildeo de seu gozo ou fruiccedilatildeo por parte do poder puacuteblico
Sendo assim
A passagem do indiviacuteduo a cidadatildeo caracteriza-se pelo reconhecimento pela lei de direitos considerados fundamentais agrave realizaccedilatildeo da vida do homem como indiviacuteduo e ser social membro de uma comunidade poliacutetica e a garantia desses direitos pela forccedila comum de todos (CUNHA 2007)
38
Nas uacuteltimas deacutecadas em alguns paiacuteses inclusive no Brasil desenvolveu-se o
conceito de cidadania calcado principalmente na questatildeo do cidadatildeo-consumidor
As pessoas passam a ser vistas como cidadatildes desde que tenham dinheiro para
adquirir mercadorias e utilizar serviccedilos Eacute certo pois que serviccedilos e mercadorias
atendem a necessidades materiais e simboacutelicas das pessoas e consumi-los eacute um
dos modos de participar da vida social criar identidade e partilhar dos bens
produzidos pela humanidade e representar-se culturalmente Contudo a cidadania
enfatizada apenas como uma relaccedilatildeo de compra e venda de mercadorias e serviccedilos
assume um conteuacutedo restrito individual conformista e voltado apenas para a
aquisiccedilatildeo de bens o que se relaciona com a ideacuteia de indiviacuteduo ou seja o consumo
atende as necessidades do indiviacuteduo
Outra forma de confusatildeo acerca do conceito de cidadatildeocidadania refere-se a
equiparaccedilatildeo feita com o assistencialismo o que configura uma acentuada inversatildeo
do termo uma vez que a praacutetica do assistencialismo natildeo propicia meios de
superaccedilatildeo das desigualdades sociais Enquanto a cidadania estaacute relacionada agrave
superaccedilatildeo das desigualdades sociais e a extensatildeo da garantia dos direitos de todos
O cidadatildeo eacute sem duacutevida uma expressatildeo que precisa ser adequadamente
utilizada e vivenciada pela coletividade compreendido na dimensatildeo do ser pessoa
de ter direitos e deveres do assumir as suas liberdades e responsabilidades no seio
de uma comunidade democraacutetica equitativa solidaacuteria e intercultural
Dessa forma ser cidadatildeo implica saber viver em sociedade estando ciente
dos anseios comuns A participaccedilatildeo ativa nas decisotildees de sua comunidade
influencia modos de vida de maneira positiva ao seu redor assim torna-se
imprescindiacutevel o exerciacutecio dos direitos constitucionais adquiridos e lutar pelos que
viratildeo eacute sobretudo estar consciente de todas as atitudes tomadas em prol da
sociedade
Eacute possiacutevel nesse espaccedilo de discussatildeo falar em ldquoestar cidadatildeordquo que eacute natildeo
praticar o exerciacutecio da cidadania em nenhuma de suas formas Implica apenas em
se deixar levar pelos acontecimentos e ainda reclamar das situaccedilotildees vividas sem
nada fazer para mudar sem nenhuma perspectiva de futuro Do que concluiacutemos que
a dinacircmica de intervir na realidade eacute pressuposto de cidadania
Ser cidadatildeo eacute tarefa que requer muito do ser humano do individuo da
pessoa Requer uma alta - estima elevada uma consciecircncia solidaacuteria uma
39
identidade que se reconheccedila na dinacircmica social interagindo com o outro ampliando
debates incitando justiccedila eacute sem duvida uma tomada de posiccedilatildeo que natildeo se
acomoda pelo contraacuterio se incomoda quando natildeo haacute comprometimento para o bem
comum
Natildeo eacute uma tarefa cocircmoda senatildeo muito complicada as pessoas natildeo nascem cidadatildeos mas fazem-se no tempo e no espaccedilo Na verdade natildeo eacute faacutecil exercer a liberdade e a cidadania ndash ser pessoa e ser cidadatildeo ndash por isso exige-se uma luta sem treacuteguas para erradicar assimetrias e exclusotildees socioculturais e criar cenaacuterios de esperanccedila realizaacuteveis fundamentados em valores e princiacutepios eacuteticos que requalifiquem a democracia com cidadatildeos participativos e
comprometidos ( SAEZ 1995)
Tem portanto como pressuposto uma mudanccedila de comportamento uma
tomada de posiccedilatildeo frente agrave dinacircmica social na qual estaacute inserido participando de
forma ativa e produtiva do processo de construccedilatildeo da cidadania por meio de seus
diversos canais
32 Emancipaccedilatildeo social atraveacutes da cidadania
Um Estado Democraacutetico eacute aquele que estaacute enraizado na legitimidade do
poder do povo e dele decorre seu exerciacutecio Assim o poder do povo eacute a expressatildeo
a aptidatildeo de homens e mulheres constituir autonomamente seu viver sem sucumbir
diante das instacircncias de poder Haacute nesse modus vivendi uma tutela das diferenccedilas e
pluralidades de formas de vida
Desta forma a cidadania eacute enfocada como o processo de participaccedilatildeo do
individuo ou de um grupo organizado nas mais variadas aacutereas de atuaccedilatildeo na
sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos sociais com a consciecircncia
da responsabilidade por sua proacutepria histoacuteria
Sendo a democracia o regime em que o povo governa sua caracteriacutestica
inarredaacutevel eacute a de ter o povo agrave frente do poder uma forma de autogoverno Em
assim sendo a cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia por meio de resultados
palpaacuteveis e medidas concretas tais como mudanccedilas na realidade de cada um com
melhoria de vida e conscientizaccedilatildeo da importacircncia na sociedade para o exerciacutecio
40
direto ou indireto desse poder pois se contentar com fato do direito estaacute prescrito
em lei natildeo eacute o bastante
Eacute certo poreacutem que o Estado democraacutetico somente se aperfeiccediloa na
proporccedilatildeo em que o povo age ativamente na medida em que os representantes
reflitam em seus atos os verdadeiros anseios populares Partindo dessa visatildeo a
cidadania eacute o grande fator de legitimaccedilatildeo do povo permitindo que ele aja em defesa
das instituiccedilotildees democraacuteticas
Sobre a participaccedilatildeo cumpre asseverar que este direito significa a
capacidade de ser consultado para as tomadas de decisatildeo que dizem respeito agrave
direccedilatildeo da sociedade em que vive o cidadatildeo este direito eacute acompanhado do
respeito aos deveres de contribuir para o progresso social e de acatar e respeitar o
resultado obtido em consulta coletiva
No elenco de mecanismo de exerciacutecio da cidadania estaacute o acesso ao direito e
a justiccedila que eacute fator preponderante para efetivar as garantias constitucionais
Assim passaremos a discorrer sobre a importacircncia de instrumentalizar o
cidadatildeo para um pleno exerciacutecio de seus direitos
Eacute Sabido que no Estado Democraacutetico Contemporacircneo os direitos
fundamentais constitucionalmente assegurados tecircm eficaacutecia imediata cumprindo ao
Estado garantir a todos os cidadatildeos o respeito a esses Direitos de modo concreto e
efetivo natildeo obstante as inuacutemeras desigualdades e condiccedilotildees adversas que
dificultam na praacutetica o seu exerciacutecio
Para o acesso ao direito o Estado deve desenvolver com eficiecircncia uma seacuterie
de atividades essenciais e dar efetividade a uma seacuterie de pressupostos Dentre eles
o principal eacute o conhecimento do Direito como fator preponderante pois o
desconhecimento da lei implica na praacutetica natildeo acionar a jurisdiccedilatildeo Um fato que
contribui para essa assertiva eacute baixa escolaridade da populaccedilatildeo e o analfabetismo
Muito pouco adianta a existecircncia de uma Constituiccedilatildeo apenas formal ou no
papel se ilegiacutetima ou desrespeitada Para que ocorra a eficaacutecia das normas
dispostas numa Constituiccedilatildeo ou melhor para que passe da teoria agrave praacutetica eacute
essencial que comandados e comandantes tenham conhecimento dos seus direitos
e responsabilidades assim como dos instrumentos juriacutedicos para efetivaacute-los (leis
regulamentadoras) O exerciacutecio da cidadania natildeo eacute somente um direito mas eacute
tambeacutem um dever de todos pois a omissatildeo de cada um contribui com as injusticcedilas e
as impunidades tatildeo presentes nos dias atuais
41
A Constituiccedilatildeo quando eacute justa e legiacutetima e principalmente quando eacute
respeitada eacute um poderoso instrumento de promoccedilatildeo e desenvolvimento social e
humano
Outro fator que deve ser considerado eacute a miserabilidade que coloca inuacutemeros
brasileiros a margem da sociedade em situaccedilatildeo precaacuteria os quais para Pinsky
(2004) ldquodesprovidos de esperanccedila de projeto de qualquer perspectiva de inclusatildeo
[] recorrer agrave Justiccedila humana parece algo irrealizaacutevel sofisticado e inteiramente
ficcionalrdquo
Desta forma o primeiro passo para concretizar os direitos previstos
constitucionalmente eacute a formaccedilatildeo do cidadatildeo atraveacutes da Educaccedilatildeo Baacutesica
infundindo-lhe a consciecircncia dos seus direitos e tambeacutem dos seus deveres sociais
bem como dos valores humanos fundamentais que devem ser por todos respeitados
na vida em sociedade A universalizaccedilatildeo do ensino fundamental a oferta obrigatoacuteria
de educaccedilatildeo infantil pelo Estado e o crescimento da oferta do ensino meacutedio satildeo
alguns dos aspectos que merecem destaques e foi devido agrave determinaccedilatildeo
constitucional de estabelecer o caraacuteter obrigatoacuterio do ensino fundamental e de
responsabilizar o Estado por sua implementaccedilatildeo que tem iniacutecio o processo de
avanccedilo desse segmento
A Constituiccedilatildeo estabeleceu de forma mais clara o papel dos entes federados
na educaccedilatildeo Tambeacutem aumentou a participaccedilatildeo orccedilamentaacuteria destinada ao setor
Com as novas regras para distribuiccedilatildeo de recursos adotadas apoacutes a promulgaccedilatildeo
da Carta os municiacutepios voltam a interessar-se pela educaccedilatildeo fundamental e o paiacutes
atinge a universalizaccedilatildeo do setor o que se busca agora satildeo mecanismos para
garantir a qualidade no ensino
O segundo passo nessa dinacircmica eacute o oferecimento a todos os cidadatildeos de
condiccedilotildees miacutenimas de sobrevivecircncia e de existecircncia condignas atraveacutes do acesso
ao trabalho produtivo livremente escolhido e do pagamento de remuneraccedilatildeo capaz
de prover ao sustento do trabalhador e de sua famiacutelia
Para milhotildees de cidadatildeos que vivem na ignoracircncia e na miseacuteria nenhuma
utilidade ou eficaacutecia tecircm os inuacutemeros direitos constitucionalmente assegurados Para
aqueles que se habituaram a retirar proventos da mendicacircncia da prostituiccedilatildeo de
atividades iliacutecitas ou aqueles que se sentiram forccedilados a sujeitar-se agrave exploraccedilatildeo de
outrem para sobreviver natildeo haacute nenhuma crenccedila na dignidade da pessoa humana e
no valor social do trabalho
42
A pobreza engendra inuacutemeras relaccedilotildees de dominaccedilatildeo entre pessoas e entre grupos sociais As habitaccedilotildees subumanas da periferia das grandes cidades no Brasil constituem verdadeiros quistos sociais terras sem lei controladas por xerifes ou por quadrilhas de malfeitores O Estado que natildeo for capaz de dotar essas comunidades do acesso efetivo agrave Educaccedilatildeo agrave Sauacutede agrave Seguranccedila e agrave Paz Puacuteblicas e ao trabalho liacutecito certamente natildeo lhes estaraacute assegurando o acesso ao Direito porque a populaccedilatildeo abrutalhada pela miseacuteria e coagida pelo medo natildeo desfruta da miacutenima eficaacutecia concreta dos
seus direitos fundamentais (GRECO 2009)
Evidencia que acesso ao Direito nas sociedades modernas mesmo nas
economicamente desenvolvidas exige o fortalecimento dos grupos intermediaacuterios e
do associativismo O cidadatildeo natildeo estaacute mais em condiccedilotildees de defender-se
individualmente das ameaccedilas e lesotildees aos seus direitos perpetradas por pessoas ou
grupos que se encontram em posiccedilatildeo de vantagem nas relaccedilotildees econocircmicas e
sociais
O sindicato veio exercer este importante papel em relaccedilatildeo ao trabalhador
empregado Mas hoje as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo natildeo satildeo apenas as que existem no
mundo do trabalho mas as que se revelam em todos os tipos de relaccedilotildees humanas
relaccedilotildees de consumo relaccedilotildees de vizinhanccedila relaccedilotildees locatiacutecias relaccedilotildees
comerciais internas e internacionais e natildeo com menor relevacircncia relaccedilotildees entre os
particulares e o Estado entre outras
Eacute preciso assegurar esse equiliacutebrio na praacutetica o que somente tornar-se-aacute
possiacutevel atraveacutes da articulaccedilatildeo dos sujeitos que se encontram em posiccedilatildeo de
desvantagem em organizaccedilotildees e associaccedilotildees que pela uniatildeo de esforccedilos
consigam compensar o desequiliacutebrio existente e dar aos indiviacuteduos e grupos a forccedila
e a capa de proteccedilatildeo necessaacuterias para ombrearem-se aos seus adversaacuterios e
lutarem pelos seus direitos ou interesses em igualdade de condiccedilotildees
Para Greco (2009) o pressuposto indispensaacutevel do acesso ao Direito eacute a
transparecircncia do Estado no trato de questotildees que possam afetar a esfera de
interesses dos cidadatildeos e complementa que aos cidadatildeos eacute indispensaacutevel
assegurar o direito de influir eficazmente nas decisotildees do poder puacuteblico atraveacutes dos
mais diversos instrumentos de participaccedilatildeo democraacutetica Ele afirma que
A relaccedilatildeo Estado-cidadatildeo natildeo eacute mais a relaccedilatildeo soberano-suacutedito O cidadatildeo tem o direito de exigir do Estado o pleno respeito ao seu
43
patrimocircnio juriacutedico Lamentavelmente a crise do Estado tem levado o Brasil a aceitar-se como normal que as pessoas juriacutedicas de Direito Puacuteblico natildeo cumpram devidamente as prestaccedilotildees positivas de que satildeo devedoras perante os particulares cabendo a estes demandar na Justiccedila para obtecirc-las (GRECO 2009)
Essa visatildeo deformada da responsabilidade do Estado ocorre o
desvirtuamento da justiccedila Por outro lado agrave violaccedilatildeo da garantia constitucional da
tutela jurisdicional efetiva (Constituiccedilatildeo artigo 5 inciso XXXV) disciplina a lei natildeo
excluiraacute da apreciaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio lesatildeo ou ameaccedila ao direito Assim o
acesso ao Direito natildeo estaraacute concretamente assegurado se o Estado natildeo oferecer a
todo cidadatildeo a possibilidade de receber aconselhamento juriacutedico a respeito dos seus
direitos
Constituiccedilatildeo de 1988 no artigo 5deg inciso LXXIV assegurou a todos
ldquoassistecircncia juriacutedicardquo a englobar assistecircncia judiciaacuteria e assessoramento juriacutedico
extrajudicial Conforme Greco (2009) ldquoeacute preciso que esse direito seja assegurado
na praacutetica Uma vez que na vida moderna o Direito tornou-se excessivamente
complexordquo Ainda no dizer do autor a consciecircncia juriacutedica do homem comum que
deve ser adquirida na famiacutelia e na escola natildeo eacute mais suficiente para a tomada de
decisotildees na vida diaacuteria das pessoas Todas as pessoas mantecircm complexas relaccedilotildees
juriacutedicas com instituiccedilotildees financeiras com fornecedores de bens e de serviccedilos etc
Nessas relaccedilotildees juriacutedicas com frequecircncia os cidadatildeos tecircm de tomar decisotildees
raacutepidas O cidadatildeo que tem meios procura um advogado particular para assessoraacute-
lo Ao pobre o Estado deve assegurar o mesmo direito em plenitude
Sem duacutevida o uacuteltimo pressuposto do acesso ao Direito eacute o acesso agrave Justiccedila
no sentido de acesso a um tribunal estatal imparcial previamente instituiacutedo como
competente para a soluccedilatildeo de qualquer litiacutegio a respeito de interesse que se afirme
juridicamente protegido ou para a praacutetica de qualquer ato que a lei subordine agrave
aprovaccedilatildeo autorizaccedilatildeo ou homologaccedilatildeo judicial
Se o cidadatildeo tem consciecircncia dos seus direitos se o Estado lhe fornece
todas as condiccedilotildees para livremente exercecirc-los mas algum outro cidadatildeo ou algum
oacutergatildeo do proacuteprio Estado impede ou dificulta esse exerciacutecio cabe ao poder puacuteblico
pocircr agrave disposiccedilatildeo do cidadatildeo lesionado ou ameaccedilado a jurisdiccedilatildeo necessaacuteria para
assegurar o pleno acesso a tal direito
Atingimos eacute certo um estaacutegio de desenvolvimento do Direito Humanitaacuterio que
natildeo mais nos permite conformar-nos com uma realidade distante do padratildeo de
44
convivecircncia humana que outras naccedilotildees jaacute alcanccedilaram O exerciacutecio pleno de
cidadania seraacute obra de mais de uma geraccedilatildeo Mas se trabalharmos com firmeza
certamente os jovens de hoje poderatildeo legar aos seus descendentes a emancipaccedilatildeo
cidadatilde um paiacutes melhor e uma sociedade mais justa e democraacutetica
33 O municiacutepio como acircmbito de exerciacutecio de cidadania
Historicamente o Municiacutepio enquanto unidade poliacutetico-administrativa surgiu
conforme descreve Berardi (2004) com a Repuacuteblica Romana interessada em
manter a dominaccedilatildeo paciacutefica das cidades conquistadas pela forccedila dos exeacutercitos
Sua origem mais de natureza socioloacutegica do que poliacutetica adveacutem do espiacuterito
associativo do homem e de suas relaccedilotildees de vizinhanccedila
Eacute pois a menor unidade territorial de Federaccedilatildeo cuja criaccedilatildeo reflete a base
da organizaccedilatildeo poliacutetica administrativa da Naccedilatildeo Portanto sua funccedilatildeo administrativa
historicamente vem assentada no princiacutepio do direito natural
O artigo primeiro da Constituiccedilatildeo Federal de 1998 estabelece que o
Municiacutepio ao lado dos Estados e do Distrito Federal formam a Republica Federativa
do Brasil que se constitui em Estado Democraacutetico de Direito O municiacutepio tem assim
um poder relevante para a aplicaccedilatildeo da democracia direta iniciada e fortalecida em
niacutevel local Diversos pensadores chegaram a afirmar que a descentralizaccedilatildeo de
poder resultante da constituiccedilatildeo Cidadatilde era antes de tudo uma conquista dos
Municiacutepios sendo eles os berccedilos da perpetuaccedilatildeo da Repuacuteblica e da Democracia
efetivamente por serem o uacutenico niacutevel de governo possuidores de respaldo e
localizaccedilatildeo fiacutesica ou seja solo municipal
Eacute certo que a Carta Magna de 1988 consolidou significativas inovaccedilotildees para a
vida municipal de forma que o Municiacutepio passou a constituir um dos entes da
federaccedilatildeo tratando-o como unidade dotada de autonomia poliacutetica expressa na
capacidade de poder elaborar a sua Lei Orgacircnica fugindo assim da tutela dos
estados que ateacute entatildeo eram considerados como uacutenicos componentes da federaccedilatildeo
45
A Lei Orgacircnica Municipal traz em seu bojo aleacutem da organizaccedilatildeo
administrativa do Municiacutepio a restauraccedilatildeo do Poder Legislativo municipal definindo
a diversificaccedilatildeo normativa que natildeo existia nas leis organizacionais outorgadas pelo
Estado reflexo do poder constituinte outorgados aos Municiacutepios pela Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 como consequecircncia do efetivo exerciacutecio do conceito de Estado
Democraacutetico de Direito
O Municiacutepio enquanto ente federativo tem atualmente a responsabilidade de
ordenar o seu desenvolvimento social e a garantia do bem estar de seus habitantes
executando poliacuteticas puacuteblicas de accedilotildees a serem empreendidas na consolidaccedilatildeo
democraacutetica do Estado
Fundada no elemento participaccedilatildeo o exerciacutecio de cidadania amplamente
citado encontra sua efetividade no municiacutepio Pois eacute nesse acircmbito de localizaccedilatildeo
que as pessoas mantecircm um contato direto com os poderes instituiacutedos suas
necessidades imediatas e mediatas satildeo objetos da disciplina da Lei que visa o bem
comum base do Estado democraacutetico de Direito
Baseado na maacutexima do municipalista e defensor da descentralizaccedilatildeo poliacutetica
Franco Motoro sabiamente proferiu que ldquoningueacutem vive na Uniatildeo ou no Estado As
pessoas vivem no Municiacutepiordquo Assim a cidadania encontra seu melhor espaccedilo de
realizaccedilatildeo na comunidade onde convive A vida em comunidade gera anseios
comuns sentimentos comuns uma vez que a convivecircncia propicia que as pessoas
se conheccedilam e se reconheccedilam como membros de uma mesma realidade
De acordo com Harvey (1992) ldquoa globalizaccedilatildeo provoca anonimato enquanto
comunidade cultiva solidariedaderdquo o que implica participaccedilatildeo para o exerciacutecio de
cidadania
Tudo o que acontece no mundo seja no meu paiacutes na minha cidade ou no meu bairro acontece comigo Entatildeo eu preciso participar das decisotildees que interferem na minha vida Um cidadatildeo com um sentimento eacutetico forte e consciecircncia da cidadania natildeo deixa passar nada natildeo abre matildeo desse poder de participaccedilatildeo (Herbert de Souza Betinho)
Com esse embasamento natildeo se pode perder de vista que eacute nas relaccedilotildees
diaacuterias de oposiccedilatildeo ou solidariedade que as pessoas exercem cidadania Na relaccedilatildeo
do com o outro com os poderes ao estabelecer com a vida social e puacuteblica uma
46
convivecircncia posto que cidadania eacute tarefa que natildeo termina natildeo eacute um conceito
pronto tatildeo pouco acabado enquanto seres inacabados que somos estaremos
buscando descobrindo criando e tomando consciecircncia mais ampla dos direitos
O desafio eacute construir um novo discurso sobre cidadania atraveacutes de uma
praacutetica poliacutetica sustentada isto eacute realizada em dois niacuteveis
O primeiro niacutevel na base atraveacutes de construccedilatildeo das capacidades e do poder
proacuteprio da populaccedilatildeo o que envolve inevitavelmente uma mudanccedila de atitude na
busca para garantir seus direitos utilizando-se do grau de autonomia local
Essa atitude conceberia agrave democracia participativa como uma poliacutetica paralela
de intervenccedilatildeo social criando e mantendo novos espaccedilos para a tomada de
decisotildees ou seja para o auto-governo pela populaccedilatildeo nas mateacuterias que afetam
diretamente suas vidas
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade
O segundo niacutevel um governo com o povo e natildeo apenas para o povo fundado
nos ditames constitucionais valorizando o sentimento da sociedade no exerciacutecio da
governabilidade de modo que o balizamento das accedilotildees de governo deixaria de estar
no proacuteprio governo e passaria a estabelecer-se a partir do pensar da sociedade Um
governo que se pergunta o que se deve fazer para ouvir com a maior fidelidade
possiacutevel a sociedade suas instituiccedilotildees representativas e o cidadatildeo Pois as
prioridades da gestatildeo deveriam ser definidas pela sociedade e natildeo mais pelo
governo
Portanto nesses termos eacute preciso considerar que as praacuteticas da
administraccedilatildeo puacuteblica sejam democratizadoras e inclusivas inspiradas nos
princiacutepios da legalidade impessoalidade moralidade publicidade e eficiecircncia Esta
uacuteltima buscou estabelecer uma Administraccedilatildeo Puacuteblica mais eficiente no sentido de
que o cidadatildeo como destinataacuterio dos serviccedilos puacuteblicos que o Estado deve prestar
receba-os com maior qualidade e menor custo para o eraacuterio puacuteblico
Para a consecuccedilatildeo desse governar com o povo alguns pontos devem ser
revistos A mudanccedila implica na necessidade de adequaccedilatildeo reorganizaccedilatildeo
47
reformulaccedilatildeo Para isso se faz premente em face dos novos e modernos conceitos
de gestatildeo puacuteblica a superaccedilatildeo do tradicional vezo burocraacutetico que vem convertendo
a Administraccedilatildeo nas palavras Dromi (1995) numa cara ldquomaacutequina de impedirrdquo fiel
ldquocoacutedigo do fracassordquo que dispotildee ldquoartigo primeiro natildeo pode artigo segundo em
caso de duacutevida abstenha-se artigo terceiro se eacute urgente espere artigo quarto
sempre eacute mais prudente natildeo fazer nadardquo numa posiccedilatildeo natildeo burocraacutetica e sim
democraacutetica de considerar que organizaccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica inclui a
praacutetica de ver os cidadatildeos como membros plenos da comunidade poliacutetica tendo
acesso e exercitando direitos as que promovem a organizaccedilatildeo da populaccedilatildeo em
torno de temas de interesse comum as que incluem o controle social sobre a
gestatildeo o debate amplo e informado sobre questotildees de governo e que abrem agrave
populaccedilatildeo as decisotildees sobre estas questotildees Como leciona e Barrientos (2000)
Tratam-se de praacuteticas que natildeo buscam somente melhorar a eficiecircncia administrativa das diferentes organizaccedilotildees puacuteblicas mas que incorporam no seu processo de gestatildeo a dimensatildeo ativa da cidadania isto eacute ldquoque facilitam as iniciativas e responsabilidades de todos os envolvidos[] estabelecendo pontes entre Estado e sociedade civil
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade Acreditamos
que o ponto de partida eacute a atitude aliada agrave solidariedade e ao espiacuterito coletivo Pois
governo e cidadatildeos juntos haveratildeo de cumprir um novo papel no processo de
desenvolvimento como agentes de uma nova cultura
Como afirma Peter Drucke
A parceria comunitaacuteria seraacute um dos verdadeiros setores em crescimento das economias desenvolvidas Surge da necessidade de uma participaccedilatildeo mais direta e efetiva da comunidade nas grandes questotildees da vida social pois natildeo existe ningueacutem melhor que o cidadatildeo para saber o que ele quer para si para sua famiacutelia e para sua comunidade (apud RAMOS 1990)
48
O envolvimento efetivo da sociedade nas questotildees sociais natildeo eacute apenas uma
postura moderna Significa antes de tudo uma atitude digna de todos aqueles que
desejam exercer sua cidadania contribuindo para um paiacutes melhor e em especial
para uma sociedade mais justa fraterna e solidaacuteria
Na histoacuteria observa-se a grande coragem das pessoas em construir o
reconhecimento delas proacuteprias e de seus direitos sempre buscando a participaccedilatildeo e
defendendo os Direitos Humanos Sem duacutevida a maior ecircnfase que deve ocorrer
para a construccedilatildeo real da cidadania eacute uma mudanccedila na sociedade O melhor a ser
feito eacute reforccedilar a organizaccedilatildeo democraacutetica buscando novas formas de participaccedilatildeo
social pois cidadania natildeo se resume ao poder de votar ou ser votado mas eacute sempre
na efetiva participaccedilatildeo popular pois somente com isso haacute a verdadeira
conscientizaccedilatildeo e o comprometimento daquele que passa a se sentir cidadatildeo
abandonando-se velhos viacutecios da poliacutetica representativa
Desse modo a participaccedilatildeo do povo no momento das reivindicaccedilotildees das
discussotildees e apreciaccedilotildees de projetos que visem agrave melhoria da comunidade local a
exigecircncia de transparecircncia na administraccedilatildeo da coisa puacuteblica dentre outras eacute quem
daraacute embasamento para as verdadeiras conquistas sociais no Municiacutepio que geram
saudaacuteveis formas de pressatildeo por efetivas poliacuteticas puacuteblicas de inclusatildeo social
gerando o fim do clientelismo poliacutetico tatildeo pejorativo e comum em nossa realidade e
cultura poliacutetica
Somente a participaccedilatildeo social eacute que iraacute causar uma real democratizaccedilatildeo do
poder A afirmaccedilatildeo da cidadania eacute pressuposto para a realizaccedilatildeo dos Direitos
Humanos pois os homens natildeo nascem naturalmente iguais Inclusive para que
ocorra a realizaccedilatildeo dos referidos direitos eacute necessaacuterio tambeacutem que exista um
espaccedilo puacuteblico que seja realmente democraacutetico e acessiacutevel possibilitando a
participaccedilatildeo de todos e esse espaccedilo eacute certamente o municiacutepio
Na praacutetica um forte instrumento de cidadania para atender as necessidades
coletivas eacute o orccedilamento participativo previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal que
determina expressamente a realizaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas e a participaccedilatildeo
popular nos processos de elaboraccedilatildeo e conduccedilatildeo dos orccedilamentos como forma de
incentivo agrave preparaccedilatildeo e execuccedilatildeo de planejamentos que envolvam diretamente o
povo A Lei veio incentivar a sua propagaccedilatildeo para todos os entes federativos tendo
em conta que se trata de uma tendecircncia mundial por legitimar as escolhas e
fortalecer o princiacutepio da transparecircncia
49
Os meios de acesso do cidadatildeo junto aos Poderes Puacuteblicos eacute uma realidade
no Estado Democraacutetico de Direito brasileiro a exemplo das sessotildees do Poder
Legislativo que satildeo puacuteblicas ficando abertas a todos que delas quiserem participar
Emite-se uma pauta antes do comeccedilo da sessatildeo com a preacutevia dos debates Em
niacutevel municipal verifica-se um acompanhamento mais incisivo sobre as sessotildees das
Cacircmaras de Vereadores como forma de pressatildeo para aprovaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees
da comunidade avaliaccedilatildeo do desempenho e aceitaccedilatildeo de propostas orccedilamentaacuterias
e atuaccedilatildeo dos poliacuteticos bem como entendimento das funccedilotildees do Poder Legislativo
A Constituiccedilatildeo Federal assegura desde 1988 a possibilidade de se oferecer
peticcedilatildeo agraves Mesas Legislativas como forma de pedir informaccedilotildees sobre andamento
de projetos ou relatoacuterios encaminhados aos chefes do Poder Executivo Em niacutevel
municipal pode ser utilizada a Tribuna Livre como instrumento para denuacutencias de
problemas ou discussatildeo de um tema ou mesmo para apresentar sugestotildees sendo
regulado pela Lei Orgacircnica Municipal e pelo Regimento Interno da Cacircmara
A convocaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas tambeacutem possui previsatildeo constitucional
no art 58 sect 20 inciso II em niacutevel federal As comissotildees podem em razatildeo da
mateacuteria de sua competecircncia realizar audiecircncias puacuteblicas com entidades da
sociedade civil E nada obsta que estejam previstas formas de articulaccedilatildeo da
sociedade civil com os Presidentes das Comissotildees da Cacircmara no seu Regimento
Interno em acircmbito municipal
Os dispositivos da Constituiccedilatildeo Federal que dispotildeem sobre a forma de
participaccedilatildeo direta do cidadatildeo e da sociedade civil no processo democraacutetico natildeo se
pode negar que trouxe novas perspectivas De modo geral podemos citar
Art 29 A lei orgacircnica dos Municiacutepios tem que observar entre os seus
preceitos ldquocooperaccedilatildeo das associaccedilotildees representativas no planejamento municipalrdquo
Art 31 As contas dos municiacutepios ficaratildeo durante 60 (sessenta) dias
anualmente a disposiccedilatildeo de qualquer contribuinte para exame e apreciaccedilatildeo o qual
poderaacute questionar-lhes a legitimidade nos termos da lei
Art37 sect 3ordm (EC-1998) A lei disciplinaraacute as formas de participaccedilatildeo do usuaacuterio
na administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta regulando especialmente
I- as reclamaccedilotildees relativas a prestaccedilatildeo dos serviccedilos puacuteblicos em geral asseguradas
a manutenccedilatildeo de serviccedilo de atendimento ao usuaacuterio e a avaliaccedilatildeo perioacutedica externa
e interna da qualidade dos serviccedilos
50
II- o acesso dos usuaacuterios a registros administrativos e a informaccedilatildeo sobre atos de
governo observado o disposto no art 5ordm X e XXXIII
III- a disciplina da representaccedilatildeo conta o exerciacutecio negligente ou abusivo de cargo
emprego ou funccedilatildeo na administraccedilatildeo puacuteblica
Art 74 sect 2ordm Qualquer cidadatildeo partido poliacutetico associaccedilatildeo ou sindicato eacute
parte legiacutetima para na forma de lei denunciar irregularidades ou ilegalidades perante
o Tribunal de Contas da Uniatildeo
Art194 paraacutegrafo uacutenico Compete ao Poder Puacuteblico nos termos da lei
organizar a seguridade social com base nos seguintes objetivos ()
VII ndash caraacuteter democraacutetivo descentralizado na administraccedilatildeo mediante gestatildeo
quadripartite com participaccedilatildeo dos trabalhadores dos empregados e dos
aposentados e do Governo nos oacutergatildeos colegiados nos oacutergatildeos colegiados
Art 198 As accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede integram uma rede
regionalizada e hierarquizada o constituem um sistema uacutenico organizado de acordo
com as seguintes diretrizes
III ndash participaccedilatildeo da comunidade
Art 202 sect 6ordm A lei complementa a que se refere o sect 4ordm deste artigo
estabeleceraacute os requisitos para a designaccedilatildeo dos membros das diretorias das
entidades fechadas de previdecircncia privada e disciplinaraacute a inserccedilatildeo dos
participantes nos colegiados e instacircncias de decisatildeo em que seus interesses sejam
objeto de discussatildeo e deliberaccedilatildeo
Art 204 As accedilotildees governamentais na aacuterea de assistecircncia social seratildeo
organizadas com base nas seguintes diretrizes
II ndash Participaccedilatildeo da populaccedilatildeo por meio de organizaccedilotildees representativas na
formulaccedilatildeo das poliacuteticas e no controle das accedilotildees em todos os niacuteveis
O protagonista na concretizaccedilatildeo dos direitos humanos e na ampliaccedilatildeo da cidadania eacute um sujeito coletivo de um trabalho sempre inacabado eis que se tratam de tarefas e conquistas cotidianas e gradativas obras que soacute podem ser realizada a muitas matildeos no partilhar e compartilhar da vida (COSTA NETO 2010)
A ampliaccedilatildeo da cidadania requer a consciecircncia de que os direitos pressupotildeem
deveres de maneira que os direitos de um indiviacuteduo satildeo garantidos a partir do
cumprimento dos deveres dos demais componentes da sociedade
51
34 A necessaacuteria superaccedilatildeo de velhos paradigmas
Como se sabe em 1988 foi aprovada a Constituiccedilatildeo mais liberal e
democraacutetica do Brasil chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo Assim ampliou-se de
forma significativa o campo dos direitos e garantias fundamentais No que diz
respeito a tal mateacuteria eacute considerada como uma das mais avanccediladas do mundo No
seu preacircmbulo adota o modelo de um Estado democraacutetico de Direito destinado a
garantir o exerciacutecio dos direitos sociais e individuais a liberdade a seguranccedila o
bem-estar o desenvolvimento a igualdade e a justiccedila eleitos como valores
supremos de uma sociedade fraterna pluralista e sem preconceitos
Para a construccedilatildeo democraacutetica da cidadania no Brasil contemporacircneo
salienta-se de ela deve passar de uma democracia representativa para uma
cidadania que efetivamente molde a democracia ou seja uma cidadania instituinte
da democracia
No acircmbito constitucional positivo cidadania pressupotildee o exerciacutecio de todos
os direitos fundamentais e garantias que caracterizam o Estado democraacutetico de
Direito Quando se fala em cidadania eacute no sentido de reafirmar o direito pela plena
realizaccedilatildeo do indiviacuteduo do cidadatildeo dos entes coletivos e de sua emancipaccedilatildeo nos
espaccedilos da sociedade Estatildeo sempre intimamente ligados os conceitos de
cidadania democracia e direitos humanos sendo que um remete ao outro e seus
conteuacutedos se interligam ou seja a cidadania natildeo iraacute ocorrer sem que ocorra a
realizaccedilatildeo dos Direitos Humanos da mesma forma que os direitos humanos natildeo
seratildeo concretizados se natildeo houver o exerciacutecio da cidadania
Na evoluccedilatildeo histoacuterica tais categorias se desenvolveram de forma conjunta
com o Estado Representam noccedilotildees desejaacuteveis de relaccedilotildees humanas que se espera
sejam instituiacutedas Satildeo os elementos basilares na nova ordem social e que a
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 pretendeu edificar Poreacutem a democracia poliacutetica natildeo
resolveu os problemas econocircmicos mais seacuterios como a desigualdade e o
desemprego Continuam muito seacuterios os problemas da aacuterea social principalmente
na educaccedilatildeo nos serviccedilos de sauacutede e saneamento como tambeacutem e
principalmente quanto agrave seguranccedila puacuteblica
52
A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 em seu artigo 6ordm e em outros artigos no texto
constitucional ampliou e muito os Direitos Sociais proibiu discriminaccedilotildees Assim
indicadores baacutesicos de qualidade de vida apontam que houve uma melhoria A
mortalidade infantil por exemplo caiu de maneira significativa nos uacuteltimos anos A
esperanccedila de vida ao nascer passou de 60 anos em 1980 para 70 em 2000 Poreacutem
o maior progresso foi na aacuterea da educaccedilatildeo fundamental que eacute considerado fator
decisivo para a cidadania pois a taxa de analfabetismo caiu consideravelmente
entretanto existem muitos problemas no campo educacional como a repetecircncia e
com relaccedilatildeo a desigualdade social entre as regiotildees
A grande concentraccedilatildeo da riqueza nacional nas matildeos de poucos reflete a
desigualdade e causa a pobreza e a miseacuteria ao passo que dificulta o acesso do
cidadatildeo agrave justiccedila e consequentemente ao seu estado de cidadania pleno
Dentre os fundamentos no qual se baseiam o Estado democraacutetico de Direito
no Brasil destaca-se justamente a cidadania e a dignidade humana conforme artigo
1ordm incisos II e III da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Entatildeo construir uma sociedade
livre justa e solidaacuteria garantir o desenvolvimento nacional erradicar a pobreza e a
marginalizaccedilatildeo reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de
todos sem preconceitos de origem raccedila sexo cor idade ou quaisquer outras
formas de discriminaccedilatildeo satildeo os objetivos fundamentais do Estado Brasileiro
conforme art 3ordm da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
O cenaacuterio de globalizaccedilatildeo econocircmica mundial tambeacutem traacutes seacuterios obstaacuteculos
para a construccedilatildeo da cidadania A globalizaccedilatildeo da economia em ritmo acelerado
provoca grandes mudanccedilas nas relaccedilotildees entre Estado sociedade e naccedilatildeo que
eram sempre o centro da noccedilatildeo e da praacutetica da cidadania ocidental O foco das
mudanccedilas e das preocupaccedilotildees estaacute em dois focos especiacuteficos a reduccedilatildeo do papel
central do Estado como fonte de direitos e local para a participaccedilatildeo e o
deslocamento da naccedilatildeo como principal fonte de identidade coletiva
Para que ocorra efetiva mudanccedila a melhor proposta eacute no sentido de
mudanccedila na organizaccedilatildeo da sociedade pois a inversatildeo da sequecircncia dos direitos
fez com que ocorra o reforccedilo da supremacia do Estado Para que ocorra a
consolidaccedilatildeo democraacutetica e cidadatilde eacute necessaacuterio reforccedilar a organizaccedilatildeo da
sociedade para assim dar embasamento social ao poder poliacutetico ou seja
finalmente democratizar o poder e estabelecer de forma plena a Cidadania
53
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A Constituiccedilatildeo que nasce com ldquocheiro de amanhatilde e natildeo de mofordquo nas
palavras do Deputado Ulisses Guimaratildees tem em seu relevo a esperanccedila de um
povo que sonhava com a erradicaccedilatildeo da repressatildeo militar e natildeo soacute isso um povo
que sonhava com a liberdade em suas diversas manifestaccedilotildees em suas mais
significativas formas de representaccedilatildeo e sobretudo com um paiacutes voltado para a
democracia e justiccedila social
Ao povo brasileiro foi concedido o poder de governar e nesse contexto de
mudanccedila a ldquodemocracia eacute o governo do povo pelo povo e para o povordquo na
conceituaccedilatildeo ceacutelebre de Abraham Lincoln E consoante estabelece o paraacutegrafo
uacutenico do art 1ordm da Carta cidadatilde de 1988 ldquotodo poder emana do povo que o exerce
por meio de representantes eleitos ou diretamenterdquo
No entanto natildeo basta que a fonte de poder seja o povo a democracia vem
significar a efetiva participaccedilatildeo do povo nas decisotildees e destino do Estado e sua
consolidaccedilatildeo eacute a proacutepria cidadania pois eacute o cidadatildeo que pensa e se auto define
diante da condiccedilatildeo soacutecio-histoacuterica O cidadatildeo tem portanto o poder de transformar
a realidade social segundo seu pensamento e accedilatildeo
Natildeo se pode negar que a Carta de 1988 foi a que apresentou maior
legitimidade popular que abriu caminhos apontando um novo tempo
Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita Se fosse perfeita seria irreformaacutevel Ela proacutepria com humildade e realismo admite ser emendada ateacute por maioria mais acessiacutevel dentro de cinco anos Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita mas seraacute uacutetil e pioneira e desbravadora Seraacute luz ainda que de lamparina na noite dos desgraccedilados Eacute caminhando que se abrem os caminhos Ela vai caminhar e abri-los Seraacute redentor o que penetrar nos bolsotildees sujos escuros e ignorados da miseacuteria (Ulysses Guimaratildees)
Mesmo natildeo sendo a constituiccedilatildeo perfeita sem duacutevida foi a que trouxe
esperanccedila ao povo brasileiro com a sua promulgaccedilatildeo surgiram o ldquohaacutebeas datardquo o
mandado de injunccedilatildeo e o mandado de seguranccedila coletivo - todos remeacutedios judiciais
de iacutendoles constitucionais serviacuteveis para prevenir e combater diversas tentativas de
abuso contra a pessoa humana Outrossim o objeto da accedilatildeo popular foi ampliado
Atualmente qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima para propor a mencionada accedilatildeo
54
popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de entidade de que o
Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e ao patrimocircnio
histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de custas
judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia Nesse rol de forma decisiva houve a
ampliaccedilatildeo tambeacutem dos direitos sociais
Assim a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconhece e assegura uma seacuterie de
escudos protetivos aos cidadatildeos Em sua essecircncia os direitos fundamentais
ganham forma De modo que podemos assegurar que hoje o nosso Estado eacute uma
organizaccedilatildeo centrada no ser humano visto que tem a dignidade da pessoa humana
como um fundamento da Repuacuteblica Federativa do Brasil
Apesar das inuacutemeras dificuldades o Estado Democraacutetico de Direito fundado
na cidadania constituiu para o povo uma nova identidade ndash o que em outras eacutepocas
natildeo existia
A Constituiccedilatildeo circunscreve toda a organizaccedilatildeo poliacutetica estatal no intuito
maior de criar no consciente coletivo a vontade livre e determinada de desenvolver
padrotildees de condutas destinados a elevar e promover a auto-estima de toda a
comunidade paacutetria
Foi nesse sentido que estatui em seu artigo 1ordm a cidadania como fundamento
do Estado Democraacutetico de Direito ampliando e enriquecendo o tal conceito Cada
eacutepoca produziu praacuteticas e reflexotildees muito distintas sobre o tema cidadania A
definiccedilatildeo de cidadania que vem sofrendo alteraccedilotildees ao longo do tempo obedecendo
a um processo histoacuterico de conquistas sociais eacute compreendida atualmente como
um processo de participaccedilatildeo do indiviacuteduo ou de um grupo organizado nas mais
variadas aacutereas de atuaccedilatildeo da sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos
e sociais
A cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia disso natildeo haacute duvidas e se
efetiva como mudanccedilas na realidade de cada um com melhoria de vida e
conscientizaccedilatildeo da importacircncia do cidadatildeo dado que eacute um processo em
permanente construccedilatildeo Natildeo haacute como defender uma qualidade de vida sem a
preservaccedilatildeo da cidadania em todos os seus acircmbitos Nesse sentido a efetiva
proteccedilatildeo desse aspecto basilar torna-se essencial no que tange uma assistecircncia
juriacutedica completa
No contraponto do direito estatildeo os deveres que encontramos sua realizaccedilatildeo
tambeacutem na participaccedilatildeo observando que o cidadatildeo eacute responsaacutevel pelo advir de
55
suas accedilotildees A participaccedilatildeo reflete um caraacuteter de natildeo comodismo de atenccedilatildeo agravequilo
que eacute particular e coletivo tendo como finalidade preciacutepua o bem comum
Construir cidadania hoje eacute imperativo para a sociedade pois dessa
construccedilatildeo depende o amanhatilde Estamos diante da Constituiccedilatildeo que se propotildee a
resguardar o amanhatilde sem perder de vista que ele comeccedila hoje agora e nisso a
Carta Poliacutetica traacutes consigo a certeza do despertar dessa consciecircncia a consciecircncia
cidadatilde Ela eacute a semente plantada em terra feacutertil que gera frutos diariamente e se
renova a cada estaccedilatildeo na dinacircmica da vida Talvez tenha sido esse o cheiro de
frutas alcanccedilado pelo constituinte ao anunciar que a carta tem ldquocheiro do amanhatilderdquo
A responsabilidade pelo exerciacutecio desses direitos belissimamente elencados
depende de todos e de cada um pois somos o terreno feacutertil que produziraacute o fruto de
uma sociedade fraterna
Eacute comum na praacutetica apenas responsabilizarmos o Estado em sentido lato pelo
natildeo exerciacutecio dos direitos do cidadatildeo Vale lembrar nesse contexto das palavras de
J Kennedy o qual disse ldquonatildeo pergunte o que o Estado pode fazer por vocecirc mas o
que vocecirc pode fazer pelo Estadordquo haacute nessa frase um forte traccedilo de cidadania pois
quando o cidadatildeo reivindica critica opina o que ele daacute em contrapartida ao paiacutes eacute
solidificado visto que eacute nas relaccedilotildees familiares em comunidade que se estabelece e
se fortalece os viacutenculos de solidariedade de uma sociedade que perpetua valores
condutas que as leis reguladoras natildeo conseguem por si soacute estabelecer
A concretizaccedilatildeo do ideal de uma qualidade de vida merecida a todos os seres
humanos sem restriccedilotildees requer entretanto um esforccedilo coletivo Dessa forma haacute
necessidade de suprir as muitas carecircncias advindas das desigualdades sociais e de
condiccedilotildees do descaso do poder puacuteblico e da proacutepria conceituaccedilatildeo antiga de
cidadania que ainda eacute concebida por muitos no presente
Em suma nosso trabalho procurou traccedilar a evoluccedilatildeo da cidadania e ao
mesmo tempo buscou traccedilar uma melhor caracterizaccedilatildeo do cidadatildeo agrave luz da nossa
Constituiccedilatildeo que eacute por fim a essecircncia da Magna Carta O alcance da cidadania
enquanto mecanismo de acesso a direitos foi colocado no acircmbito da pessoa
enquanto titular de direitos e num paralelo defendemos que o municiacutepio eacute o espaccedilo
de atuaccedilatildeo e exerciacutecio de cidadania dada a proximidade do cidadatildeo com as
instituiccedilotildees oacutergatildeos entidades e tudo o mais que o cerca na esfera de vivecircncia Eacute na
praccedila que discute a poliacutetica local e nacional que se indigna com as dificuldades e as
56
barreiras de acesso aos seus direitos Eacute no municiacutepio que se inicia todo um vieacutes de
desdobramento para garantir direitos
Por fim natildeo obstante resta dizer sobre o tema que os caminhos e
paradigmas que se intentou percorrer sobre cidadania como mecanismo
transformador da sociedade tem ingrediente ainda a se descortinar para o
propoacutesito valioso do bem comum Pois bem a ideia de bem comum tem como
fundamento o amor maacutexima que se estabelece por meio da democracia visto que
ldquoa demofilia o demoiacutesmo o amor do povo acima de tudo como princiacutepio ativo de
toda a sua vida poliacutetica inspirador duma sempre crescente autonomia imanente eacute
que constitui a verdadeira essecircncia da democraciardquo nas palavras de Melgareacute
(2005)
Dessa forma eacute no nuacutecleo da democracia que estaacute inscrito como pedra
angular o respeito e o amor pela pessoa humana Eacute pois um tema de larga
abrangecircncia poreacutem sem querer abreviar o caminho sua efetiva possibilidade de
realizaccedilatildeo se encontra no exerciacutecio da cidadania sem repuacutedios parciais ou exclusatildeo
de qualquer ordem na plenitude de uma cidadania para todos
57
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26
A cidadania portanto soacute adquire pleno significado no mundo contemporacircneo
num Estado Democraacutetico de Direito para tanto exige um ambiente de vida e de
conviacutevio entre os homens tiacutepico e proacuteprio de um Estado Democraacutetico pois a
cidadania constitui fundamento primordial daquele Estado qual seja possibilitar aos
indiviacuteduos habitantes de um paiacutes o seu pleno desenvolvimento atraveacutes do alcance
de igual dignidade social e econocircmica
Segundo Rozicki (2005) O ambiente de vida social do Estado Democraacutetico
cujos pilares se encontram na efetividade dos direitos fundamentais da pessoa
humana em uma sociedade solidaacuteria soacute eacute possiacutevel atraveacutes da observaccedilatildeo de alguns
postulados que lhe satildeo essenciais os quais a autora denomina de pressupostos do
Estado democraacutetico de Direito
1)a valorizaccedilatildeo e atualidade da dignidade do homem e o reconhecimento da importacircncia de dispensar a todos tratamento fraternal igualitaacuterio e natildeo discriminativo 2) a confianccedila nos talentos e possibilidades latentes dos homens 3) a seguranccedila e o creacutedito nos valores institucionalizados pelas massas como fundamentos para o progresso do bem comum e o alcance da justiccedila 4) a aceitaccedilatildeo da legitimidade das decisotildees tomadas por meio de processos racionais e participativos de deliberaccedilatildeo com o consenso da maioria que constitui o reflexo o resultado de debates livres entre todos 5) o respeito aos grupos minoritaacuterios 6) e a compreensatildeo de que todo o interesse geral eacute a siacutentese dos diversos interesses e ideacuteias dos indiviacuteduos e dos grupos diferentes centros de poder que integram a sociedade pluralista
Percebe-se que o conceito amplo de cidadania encontra seus princiacutepios
baacutesicos e estruturantes nesses pressupostos intimamente ligado aos conceitos de
democracia e de igualdade No tocante ao conceito de igualdade elucidativa eacute a
liccedilatildeo de Rozicki (2005) quando afirma que
O princiacutepio de igualdade disciplina todas as atividades puacuteblicas e tem aplicaccedilatildeo direta nas relaccedilotildees privadas que ocorrem entre os particulares impondo para tornaacute-lo real a proibiccedilatildeo de discriminaccedilotildees e a eliminaccedilatildeo das desigualdades faacuteticas nos planos social e econocircmico proporcionando a todos os cidadatildeos igual condiccedilatildeo de vida e mesma posiccedilatildeo perante o Estado Democraacutetico
E complementa que tambeacutem para a realizaccedilatildeo da cidadania o princiacutepio
democraacutetico torna indispensaacutevel agrave participaccedilatildeo popular nas tomadas de decisatildeo No
seu entender
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A cidadania no Estado democraacutetico de direito efetivada oferece aos cidadatildeos como iguais condiccedilotildees de existecircncia o gozo atual de direitos e a obrigaccedilatildeo do cumprimento de deveres que resumidamente podem ser assim apresentados exerciacutecio de direitos fundamentais e participaccedilatildeo e os deveres de colaboraccedilatildeo e solidariedade (Rozicki 2005)
Natildeo obstante eacute vaacutelido ressaltar um princiacutepio igualmente importante e deveras
esquecido a fraternidade Este princiacutepio que eacute um dos trecircs pilares da Revoluccedilatildeo
Francesa eacute pouco discutido apesar de assumir um papel decisivo na consolidaccedilatildeo
da democracia da politica e do poder
A fraternidade eacute necessaacuteria para o estabelecimento de uma comunidade
politicamente solidaacuteria com indiviacuteduos iguais e livres
Para finalmente concebermos um Estado Democraacutetico de Direito que trate os
iguais na medida de suas desigualdades
22 Os direitos fundamentais como pressupostos de identidade da cidadania
Os direitos fundamentais vistos como um dos traccedilos mais marcante do
constitucionalismo moderno consistem no resultado da luta dos homens por um
direito ideal justo e humano representam situaccedilotildees reconhecidas juridicamente
sem as quais o homem eacute incapaz de alcanccedilar sua proacutepria realizaccedilatildeo e
desenvolvimento plenamente daiacute dizer-se que o princiacutepio preponderante que
condensa os direitos fundamentais eacute o da dignidade da pessoa humana
Os direitos fundamentais satildeo o conjunto de normas de um ordenamento juriacutedico que formam um subsistema deste fundado na liberdade na igualdade na seguridade na solidariedade expressotildees da dignidade do homem que formam parte da norma baacutesica material de identificaccedilatildeo do ordenamento juriacutedico e constitui um setor de moralidade procedimental positivada que legitima o Estado Social de Direito (MARTINEZ apud AGRA 2002)
Tais direitos foram e vatildeo sendo aperfeiccediloados e estendidos ao longo do
tempo resta dizer que os mesmos estabelecem faculdades da pessoa humana que
permitem sua breve classificaccedilatildeo do seguinte modo 1) os direitos civis e poliacuteticos
de liberdade como por exemplo a liberdade de expressatildeo de propriedade de
28
manifestaccedilatildeo do pensamento de associaccedilatildeo de imprensa de reuniatildeo de igualdade
formal perante a lei de participaccedilatildeo poliacutetica o devido processo legal o habeas
corpus o direito de peticcedilatildeo etc 2) os direitos sociais econocircmicos e culturais de
participaccedilatildeo poliacutetica tais como a igualdade de sufraacutegio o direito de voto e de
elegibilidade o direito de peticcedilatildeo e os direitos de participaccedilatildeo poliacutetica 3) os direitos
da titularidade coletiva que satildeo aqueles ligados a solidariedade e a fraternidade
como por exemplo o direito agrave preservaccedilatildeo do meio ambiente e agrave qualidade de vida
etc 4) os direitos chamados de quarta geraccedilatildeo por exemplo direito a democracia a
informaccedilatildeo ao comeacutercio eletrocircnico entre os estados etc
Natildeo existe qualquer relaccedilatildeo hieraacuterquica entre estes direitos mesmo porque
todos interagem entre si de nada servindo um sem a existecircncia dos outros Esta
divisatildeo acontece devido agrave eterna e constante busca do homem por mais proteccedilatildeo
mais garantia com o objetivo de alcanccedilar uma sociedade mais justa igualitaacuteria e
fraterna
Na evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais Agra (2002) chama a atenccedilatildeo do
relevo que adquirem a democratizaccedilatildeo da informaccedilatildeo e os mecanismos de
democracia participativa E justifica que a democratizaccedilatildeo da informaccedilatildeo natildeo se
caracteriza apenas pela existecircncia de uma miacutedia plural sem nenhum tipo de
monopoacutelio mas deve ser concebida como a obrigaccedilatildeo que todos os cidadatildeos tecircm
de tomar consciecircncia dos graves problemas que afligem a humanidade e que os
mecanismos da democracia participativa concebem a cidadania em extensatildeo muito
superior ao voto abrangendo a interferecircncia direta do cidadatildeo nas decisotildees
governamentais mediante vaacuterios mecanismos juriacutedicos como o plebiscito o recall o
orccedilamento participativo etc
De acordo com Silva (2005) os Direitos Fundamentais na Constituiccedilatildeo de
1988 abrangem os ldquodireitos individuais sociais poliacuteticos e tambeacutem os direitos
econocircmicos Para o autor a ampliaccedilatildeo e transformaccedilatildeo dos direitos fundamentais
do homem na histoacuteria dificultam uma definiccedilatildeo sinteacutetica do conceitordquo
Essa dificuldade aumenta diante do emprego de vaacuterias expressotildees para
designaacute-los tais como direitos naturais direitos humanos direitos do homem
direitos individuais direitos puacuteblicos subjetivos liberdades fundamentais liberdades
puacuteblicas e direitos fundamentais do homem No entanto direitos fundamentais do
homem constitui a expressatildeo mais adequada porque na palavra fundamentais
acha-se a indicaccedilatildeo de que se trata de situaccedilotildees sem as quais o indiviacuteduo natildeo tem
29
uma vida digna natildeo convive e agraves vezes nem mesmo sobrevive A expressatildeo
direitos fundamentais eacute a mais precisa no sentido de que a todos por igual devem
ser natildeo apenas formalmente reconhecidos mas concreta e materialmente
efetivados
Por sua vez a atual Corte em julgamento do habeas corpus (HC ndeg
82424RS) marca seu posicionamento no tocante ao sistema de direitos
fundamentais insculpido na Constituiccedilatildeo de 1988 atraveacutes dos profundos e bem
fundamentados votos dos Ministros que aleacutem de delimitarem a extensatildeo e os limites
da liberdade de expressatildeo (art 5o IV e IX) acabaram indicando as bases filosoacuteficas
e juriacutedicas para a interpretaccedilatildeo do cataacutelogo de direitos fundamentais da Constituiccedilatildeo
de 1988
Nesse sentido o voto do Ministro Marco Aureacutelio tratou de definir o sistema de
direitos fundamentais como a ldquoproacutepria essecircncia da Constituiccedilatildeordquo qualificando-os
como ldquovalores objetivos que servem como norte da atuaccedilatildeo estatalrdquo Assim estaacute
consignado nos fundamentos do referido voto
A Constituiccedilatildeo de 1988 representou um divisor de aacuteguas entre o antigo regime totalitaacuterio e um periacuteodo de redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes marcando dessa forma uma eacutepoca que tem como modelo de atuaccedilatildeo do Estado o respeito incondicional aos direitos fundamentais Por isso mesmo o sistema constitucional dos direitos fundamentais previsto no artigo 5o da Carta com os eventuais acreacutescimos do sect 2o reflete em rigor e em larga medida a proacutepria essecircncia da Constituiccedilatildeo e a retomada do processo de democratizaccedilatildeo e da garantia do cidadatildeo contra abusos e arbitrariedades no exerciacutecio do Poder Puacuteblico Os direitos fundamentais satildeo hoje verdadeiros princiacutepios estruturantes da organizaccedilatildeo e do funcionamento do Estado valores objetivos que servem como norte da atuaccedilatildeo estatal em seus mais diferentes niacuteveis no Legislativo formam um cataacutelogo de princiacutepios e garantias que informam e direcionam toda a atividade de criaccedilatildeo das normas de nosso ordenamento juriacutedico e de concretizaccedilatildeo dos preceitos constitucionais no Executivo mostram-se como verdadeiros limites ao exerciacutecio do poder administrativo servindo como trincheiras de proteccedilatildeo da liberdade do cidadatildeo e no judiciaacuterio refletem a base e o fundamento necessaacuterio da compreensatildeo e interpretaccedilatildeo de nossas normas ndash efeito interpretativo - evitando que a atividade jurisdicional se transforme em medidas discricionaacuterias ou providecircncias ilegiacutetimas de opccedilotildees poliacuteticas pautadas em escolhas pessoais dos juiacutezes
Tudo indica que se trata do iniacutecio de uma soacutelida construccedilatildeo jurisprudencial a
respeito do sentido axioloacutegico do sistema de direitos fundamentais da Constituiccedilatildeo
de 1988
30
Os Direitos Individuais satildeo de exerciacutecio exclusivo do indiviacuteduo e devem ser
formalmente reconhecidos e concretizados no cotidiano do cidadatildeo O indiviacuteduo aqui
eacute considerado um sujeito de direitos e natildeo apenas como integrante de um corpo
social Esses direitos natildeo podem sofrer nenhum tipo de restriccedilatildeo natildeo se
discriminando quem os pode exercer uma vez que satildeo titulares todas as pessoas
capazes incapazes brasileiras estrangeiras alfabetizadas e iletradas
A Constituiccedilatildeo Cidadatilde foi a primeira a estabelecer direitos natildeo soacute de
indiviacuteduos mas tambeacutem de grupos sociais os denominados direitos coletivos Com
isso as pessoas passaram a ser coletivamente consideradas Os direitos individuais
e coletivos estatildeo anunciados no art 5ordm em setenta e sete incisos e em dois
paraacutegrafos
Verifica-se que os Direitos Individuais tecircm como ponto marcante a liberdade
seja ela tomada de maneira global ou especiacutefica como liberdade de associaccedilatildeo de
reuniatildeo A liberdade de reuniatildeo (art 5ordm XVI) constitui-se na primeira e mais simples
liberdade corporativa estando logo apoacutes a liberdade de locomoccedilatildeo
Os Direitos Sociais tecircm como titular uma coletividade e satildeo caracterizados
pela prestaccedilatildeo de serviccedilos ou oferecimento de melhorias para a sociedade como um
todo por parte do Poder Puacuteblico Assim os Direitos Sociais tornam possiacutevel a fruiccedilatildeo
e o exerciacutecio dos Direitos Individuais pela coletividade mesmo pelos carentes
materialmente
O art 6deg define os Direitos Sociais da seguinte maneira ldquoSatildeo Direitos Sociais
a educaccedilatildeo a sauacutede o trabalho a moradia o lazer a seguranccedila a previdecircncia
social a proteccedilatildeo agrave maternidade e agrave infacircncia a assistecircncia aos desamparados na
forma desta Constituiccedilatildeordquo
Portanto eacute obrigatoacuteria ao Estado a proteccedilatildeo dos interesses da coletividade
com o atendimento dos direitos acima citados
Satildeo direitos poliacuteticos os que conferem o acesso da populaccedilatildeo agrave participaccedilatildeo
no Poder do Estado tais como os direitos de votar e ser votado do referendo
plebiscito e iniciativa popular das leis O direito democraacutetico de participaccedilatildeo dos
cidadatildeos no governo por meio de seus representantes exigiu a formaccedilatildeo de um
conjunto de normas legais permanentes que recebeu a denominaccedilatildeo de direitos
poliacuteticos Os Direitos Poliacuteticos amparam os Direitos Individuais Sociais e
Econocircmicos pois quando desaparece a democracia desaparecem imediatamente
as liberdades fundamentais
31
Com o advento da Constituiccedilatildeo de 1988 foram criadas instituiccedilotildees para
fiscalizar e controlar a atuaccedilatildeo da administraccedilatildeo puacuteblica entre as quais o Ministeacuterio
Puacuteblico que funciona como um canal de expressatildeo dos direitos da populaccedilatildeo
O Ministeacuterio Puacuteblico foi a instituiccedilatildeo que mais ganhou importacircncia no cenaacuterio
puacuteblico por ter passado a defender os interesses coletivos ou seja os interesses de
um grupo categoria ou classe e natildeo de um indiviacuteduo isolado No artigo 127 o
Ministeacuterio Puacutebico (MP) eacute definido como ldquouma instituiccedilatildeo permanente essencial agrave
funccedilatildeo jurisdicional do Estado incumbindo-lhe a defesa da ordem juriacutedica do regime
democraacutetico e dos interesses sociais e individuais indispensaacuteveisrdquo
Cabe ao Ministeacuterio Puacuteblico exigir dos poderes puacuteblicos e dos serviccedilos de
relevacircncia puacuteblica respeito aos direitos elencados na Constituiccedilatildeo promovendo as
medidas necessaacuterias agrave garantia desses direitos Portanto eacute responsaacutevel pela
garantia da ordem juriacutedica do regime democraacutetico da moralidade puacuteblica e dos
direitos sociais e individuais
23 A consagraccedilatildeo dos direitos do cidadatildeo
A Constituiccedilatildeo de 1988 eacute o coroamento da histoacuteria constitucional do Brasil por
ter sido um marco da redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes opondo-se a qualquer forma de
autoritarismo Nela a cidadania foi consagrada como um dos fundamentos da
Repuacuteblica Federativa do Brasil (art 1ordm inc II) Observe-se que o termo cidadania
encontra-se na Constituiccedilatildeo em sentido mais amplo do que o de titular de direitos
poliacuteticos pois qualifica os participantes da vida do Estado e reconhece o indiviacuteduo
como pessoa integrada na sociedade estatal
Essa nova concepccedilatildeo de cidadania introduzida pela Constituiccedilatildeo Federal de
1988 eacute fruto da internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos e como marco principal da
institucionalizaccedilatildeo erigiu em seu artigo primeiro a dignidade da pessoa humana (inc
III) e a cidadania (incII) a princiacutepio fundamental
Institui com o princiacutepio da cidadania uma nova compreensatildeo acerca dos
direitos de deveres da pessoa elevado-o a status maacuteximo a regra-matriz que natildeo
pode ser desrespeitada pois os fundamentos constituem a essecircncia da Repuacuteblica
32
Federativa e servem como regra-matriz para a elaboraccedilatildeo interpretaccedilatildeo e
integraccedilatildeo do sistema juriacutedico nacional
Violar um princiacutepio eacute muito grave que transgredir uma norma qualquer A desatenccedilatildeo ao principio implica ofensa natildeo apenas a um especifico mandamento obrigatoacuterio mas a todo o sistema de comandos Eacute a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade representa insurgecircncia contra todo o sistema subversatildeo de valores fundamentais (MELLO apud CHIMENTI 2005 P 33)
Para Silva (2004) cidadania eacute discriminada como princiacutepio relativo ao regime
poliacutetico Dessa forma compreendida cidadania como princiacutepio fundamental eacute o
direito de participar dos destinos do Estado e mais usufruir dos direitos civis
fundamentais previstos na Constituiccedilatildeo
Muitos doutrinadores utilizam cidadania no mesmo sentido de nacionalidade
(Art 12 da Constituiccedilatildeo Federal) e de direitos poliacuteticos (Art 14) Em alguns outros
dispositivos a palavra cidadania (ou cidadatildeo) poderia ainda ter a significaccedilatildeo de
direitos poliacuteticos mas mesmo assim de forma impliacutecita a exemplo dos arts 22 XIII
e 5ordm LXXIII No primeiro se lecirc que compete agrave Uniatildeo legislar sobre nacionalidade
cidadania e naturalizaccedilatildeo e no segundo que qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima
para propor accedilatildeo popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de
entidade de que o Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e
ao patrimocircnio histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de
custas judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia No entanto conforme Mazzuoli (2002)
Observe-se que a Carta de 1988 ao tratar no seu art 14 dos direitos poliacuteticos natildeo se refere sequer em um momento agrave expressatildeo cidadania dizendo apenas que a soberania popular seraacute exercida pelo sufraacutegio universal e pelo voto direito e secreto com valor igual para todos (hellip) Pelo contraacuterio a Constituiccedilatildeo faz uma separaccedilatildeo entre cidadania e direitos poliacuteticos quando no seu art 68 sect 1ordm II ao tratar das leis delegadas exclui do acircmbito da delegaccedilatildeo legislativa a nacionalidade cidadania direitos individuais poliacuteticos e eleitorais
A Constituiccedilatildeo brasileira de 1988 com a transiccedilatildeo para o regime democraacutetico
consagrou expressamente esta nova concepccedilatildeo de cidadania como se depreende
da leitura de vaacuterios dos seus dispositivos
Foi nesse sentido que pioneiramente estatuiu a Carta de 1988 em seu art
1ordm que a Repuacuteblica Federativa do Brasil formada pela uniatildeo indissoluacutevel dos
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Estados e Municiacutepios e do Distrito Federal constitui-se em Estado Democraacutetico de
Direito e tem como fundamentos dentre outros a cidadania (inc II) Como jaacute
mencionado
Na mesma esteira o disposto no art 5ordm incisos LXXI (conceder-se-aacute
mandado de injunccedilatildeo sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviaacutevel o
exerciacutecio dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes agrave
nacionalidade agrave soberania e agrave cidadania) e LXXVII (satildeo gratuitas as accedilotildees de
habeas-corpus e habeas-data e na forma da lei os atos necessaacuterios ao exerciacutecio
da cidadania) No seu Tiacutetulo VIII Capiacutetulo II Seccedilatildeo I a Carta Magna de 1988
dispotildee ainda que a
Educaccedilatildeo direito de todos e dever do Estado e da famiacutelia seraacute promovida e incentivada com a colaboraccedilatildeo da sociedade visando ao pleno desenvolvimento da pessoa seu preparo para o exerciacutecio da cidadania e sua qualificaccedilatildeo para o trabalho (art 205)
Outro dispositivo em que fica bastante marcada esta nova concepccedilatildeo de
cidadania eacute o art 64 do Ato das Disposiccedilotildees Constitucionais Transitoacuterias que
dispotildee
A Imprensa Nacional e demais graacuteficas da Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios da administraccedilatildeo direta ou indireta inclusive fundaccedilotildees instituiacutedas e mantidas pelo Poder Puacuteblico promoveratildeo ediccedilatildeo popular do texto integral da Constituiccedilatildeo que seraacute posta agrave disposiccedilatildeo das escolas e dos cartoacuterios dos sindicatos dos quarteacuteis das igrejas e de outras instituiccedilotildees representativas da comunidade gratuitamente de modo que cada cidadatildeo brasileiro possa receber do Estado um exemplar da Constituiccedilatildeo do Brasil
Enfim a Constituiccedilatildeo de 1988 enriqueceu e ampliou os conceitos de cidadatildeo
e cidadania Seu entendimento agora como leciona Silva (2005)
Decorre da ideia de Constituiccedilatildeo dirigente que natildeo eacute apenas um repositoacuterio de programas vagos a serem cumpridos mas constitui um sistema de previsatildeo de direitos sociais mais ou menos eficazes em torno dos quais eacute que se vem construindo a nova ideacuteia de cidadania
De forma que natildeo mais se trata de considerar a cidadania como simples
qualidade de gozar direitos poliacuteticos mas sim de aferir-lhe um nuacutecleo miacutenimo e
irredutiacutevel de direitos (fundamentais) que devem se impor obrigatoriamente agrave accedilatildeo
dos poderes puacuteblicos
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O ordenamento juriacutedico brasileiro consagrou aleacutem dos institutos jaacute
mencionados alguns outros mecanismos de defesa dos direitos e garantias
constitucionais da cidadania como a accedilatildeo civil puacuteblica regulada pela Lei nordm
734785 e accedilatildeo direta de inconstitucionalidade prevista no incIV do art 129 da
Constituiccedilatildeo Federal O Coacutedigo de Defesa do Consumidor o Estatuto da Crianccedila e
do Adolescente e ateacute mesmo o princiacutepio do devido processo legal que resguarda ao
cidadatildeo o acesso agrave justiccedila e direito de ser acionado judicialmente por meio de
procedimentos legais satildeo mecanismos de defesa dos direitos de cidadania
previstos constitucionalmente e garantidos na esfera poliacutetica civil e social
Pode-se observar que a cidadania comeccedilou a ser construiacuteda como resultado
de um processo de luta a partir da conscientizaccedilatildeo dos direitos e deveres do
homem Como vimos a cidadania jaacute em praacutetica em muitos paiacuteses adquire no
Brasil com a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 um novo sentido qual seja o
pressuposto do exerciacutecio pleno de um sistema de direitos e garantias
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CAPIacuteTULO 3 - CIDADANIA COMO MECANISMO DE
TRANSFORMACcedilAtildeO SOCIAL
No momento em que a cidadania alccedila voos constitucionais e insere-se na
Carta Poliacutetica da Repuacuteblica Federativa do Brasil inicia-se o processo de
redemocratizaccedilatildeo e ganha relevo o cidadatildeo agente deste processo que tem em
suas matildeos a tarefa da construccedilatildeo de um novo tempo
Historicamente a ideia de cidadatildeo conotava o habitante da cidade ndash o
citadino ndash firma-se entatildeo tal conotaccedilatildeo na Antiguumlidade claacutessica para depois
significar aquele indiviacuteduo a quem se atribuem os direitos poliacuteticos Superada essa
acepccedilatildeo que tambeacutem vigorou nas constituiccedilotildees anteriores da Repuacuteblica do Brasil
na concepccedilatildeo moderna estaacute clara a noccedilatildeo de cidadatildeo como aquele que a quem
consiste a titularidade de direitos individuais poliacuteticos e sociais Noccedilatildeo esta
edificada com a internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos que amplia a acepccedilatildeo do
termo declarando que satildeo cidadatildeos todo aquele que habita o acircmbito da soberania
de um Estado e deste Estado recebem uma carga de direitos e tambeacutem deveres dos
mais variados
Desta forma a noccedilatildeo contemporacircnea de cidadania funda-se na dicotomia
direitos (exerciacutecios de direitos fundamentais - participaccedilatildeo) e deveres (colaboraccedilatildeo -
solidariedade) Ao lado dos direitos foram estabelecidos deveres fundamentais e
portanto tanto agentes puacuteblicos como os indiviacuteduos tecircm obrigaccedilotildees especiacuteficas
inclusive a de respeitar os direitos das demais pessoas que vivem na ordem social
sendo e promovendo mecanismos de transformaccedilatildeo social que visam uma nova
sociedade baseada na igualdade e na justiccedila
36
31 O ser cidadatildeo
Os termos indiviacuteduo ser humano pessoa e cidadatildeo satildeo geralmente tomados
como sinocircnimo o que certamente influi na proliferaccedilatildeo de incontaacuteveis significados e
ampliaccedilatildeo do termo cidadatildeo Poreacutem estas palavras apesar de se assemelharem
possuem carga semacircntica proacutepria e da compreensatildeo exata de cada uma decorre a
conceituaccedilatildeo mais acentuada da acepccedilatildeo do termo cidadatildeo como titular de direitos
e deveres resguardados pela constituiccedilatildeo paacutetria
Desta forma indiviacuteduo eacute um representante da espeacutecie aquele que eacute uacutenico
Enquanto ser humano eacute um termo mais geneacuterico ou indeterminado que diz respeito
agrave espeacutecie agrave classificaccedilatildeo ao mundo zooloacutegico Pessoa por sua vez eacute um termo
mais especiacutefico que tem a ver com o mundo civilizado ou se preferirmos com a
constelaccedilatildeo dos valores morais eacuteticos e juriacutedicos proacuteprios da civilizaccedilatildeo
A etimologia da palavra pessoa demonstra que eacute um conceito sobreposto ao conceito de Ser Humano Um refratildeo de origem juriacutedica tambeacutem nos lembra do homo plures pessoa polimorfa o ser humano capaz de desempenhar muitos papeacuteis um mesmo ser humano eacute empresaacuterio e delinquumlente eacute pai e metaluacutergico etc Persona (personagem) era a maacutescara que usavam os atores da trageacutedia grega para desempenhar seu papel Cabe portanto entender o conceito de Ser Humano ao lado do conceito de Pessoa No direito romano antigo os escravos eram seres humanos (homens) mas natildeo eram consideradas pessoas (patriacutecios) Os juristas romanos que usavam o conceito de Ser Humano o dissociavam do conceito de pessoas (CUNHA 2007)
O Ser Humano recebe uma distinccedilatildeo importante quando o consideramos
como Pessoa assim como a Pessoa recebe uma distinccedilatildeo redundante natildeo menos
importante quando a consideramos por forccedila de expressatildeo como uma pessoa
humana Subentendendo o adjetivo humano como relativo agrave eacutetica Portanto Ser
Humano natildeo eacute a mesma coisa que Pessoa como tampouco Ser Humano eacute o
mesmo que cidadatildeo este muito eacute mais proacuteximo do termo Pessoa Vejamos o quadro
ilustrativo que esquematiza e distinguem os referidos conceitos
37
QUADRO 1 ndash EVOLUCcedilAtildeO DO SER HUMANO ATEacute O CIDADAtildeO
O Ser Humano O Ser Indiviacuteduo O Ser Pessoa O Ser Cidadatildeo
A Dimensatildeo do conviacutevio social
A dimensatildeo do mercado de trabalho e
Consumo
A Dimensatildeo de encontrar-se no mundo
A dimensatildeo de intervir na realidade
O homem tornar-se Ser Humano nas relaccedilotildees
de conviacutevio social
O Ser Humano tornar-se indiviacuteduo quando
descobre seu papel e funccedilatildeo social
O Indiviacuteduo torna-se pessoa quanto toma
consciecircncia de si mesmo do outro e do
mundo
A pessoa torna-se cidadatildeo quando
interveacutem na realidade em que vive
Quem estuda o comportamento do Ser
Humano Seria a antropologia a histoacuteria
ou a sociologia
Quem estuda o comportamento do indiviacuteduo Seria a
Filosofia a sociologia ou a Psicologia
Quem estuda o comportamento da pessoa Seria a
Filosofia a sociologia ou a Psicologia
Quem estuda o comportamento do cidadatildeo Seria a
Sociologia a Filosofia ou As ciecircncias
poliacuteticas
Quem garante os direitos do Ser
Humano A Declaraccedilatildeo Universal
dos Direitos Humanos
Quem garante os Direitos do
Consumidor O Coacutedigo do Consumidor
Quem garante os Direitos da pessoa A proacutepria pessoa (amor proacuteprio ou autoestima)
Quem garante os Direitos do cidadatildeo (A Constituiccedilatildeo e suas leis
regulamentares)
Existe realmente uma natureza humana Teologicamente
afirmamos que existe a uma natureza humana
Seguindo a corrente existencialista (JP Sartre) negamos tal
natureza
Que diferenccedila existe entre o direito do
consumidor e o direito do cidadatildeo Ao
Consumidor deve ser dado o direito de
propriedade enquanto ao cidadatildeo deve ser
dado o direito de acesso
O que significa tornar-se pessoa no niacutevel
psicoloacutegico e social A pessoa eacute o indiviacuteduo que toma consciecircncia de si mesmo (ldquoTornar-
se Pessoardquo de Karl Roger)
Como podemos intervir na realidade
modificando as estruturas corruptas e injustas Quando os
direitos do cidadatildeo lhe satildeo oferecidos e o
mesmo passa a exercecirc-lo haacute
modificaccedilatildeo de comportamento
(ROSAS 2009)
O cidadatildeo eacute portanto aquele indiviacuteduo a quem a Constituiccedilatildeo confere direitos
e garantias e lhe daacute o poder do seu efetivo exerciacutecio aleacutem de meios processuais
eficientes contra a violaccedilatildeo de seu gozo ou fruiccedilatildeo por parte do poder puacuteblico
Sendo assim
A passagem do indiviacuteduo a cidadatildeo caracteriza-se pelo reconhecimento pela lei de direitos considerados fundamentais agrave realizaccedilatildeo da vida do homem como indiviacuteduo e ser social membro de uma comunidade poliacutetica e a garantia desses direitos pela forccedila comum de todos (CUNHA 2007)
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Nas uacuteltimas deacutecadas em alguns paiacuteses inclusive no Brasil desenvolveu-se o
conceito de cidadania calcado principalmente na questatildeo do cidadatildeo-consumidor
As pessoas passam a ser vistas como cidadatildes desde que tenham dinheiro para
adquirir mercadorias e utilizar serviccedilos Eacute certo pois que serviccedilos e mercadorias
atendem a necessidades materiais e simboacutelicas das pessoas e consumi-los eacute um
dos modos de participar da vida social criar identidade e partilhar dos bens
produzidos pela humanidade e representar-se culturalmente Contudo a cidadania
enfatizada apenas como uma relaccedilatildeo de compra e venda de mercadorias e serviccedilos
assume um conteuacutedo restrito individual conformista e voltado apenas para a
aquisiccedilatildeo de bens o que se relaciona com a ideacuteia de indiviacuteduo ou seja o consumo
atende as necessidades do indiviacuteduo
Outra forma de confusatildeo acerca do conceito de cidadatildeocidadania refere-se a
equiparaccedilatildeo feita com o assistencialismo o que configura uma acentuada inversatildeo
do termo uma vez que a praacutetica do assistencialismo natildeo propicia meios de
superaccedilatildeo das desigualdades sociais Enquanto a cidadania estaacute relacionada agrave
superaccedilatildeo das desigualdades sociais e a extensatildeo da garantia dos direitos de todos
O cidadatildeo eacute sem duacutevida uma expressatildeo que precisa ser adequadamente
utilizada e vivenciada pela coletividade compreendido na dimensatildeo do ser pessoa
de ter direitos e deveres do assumir as suas liberdades e responsabilidades no seio
de uma comunidade democraacutetica equitativa solidaacuteria e intercultural
Dessa forma ser cidadatildeo implica saber viver em sociedade estando ciente
dos anseios comuns A participaccedilatildeo ativa nas decisotildees de sua comunidade
influencia modos de vida de maneira positiva ao seu redor assim torna-se
imprescindiacutevel o exerciacutecio dos direitos constitucionais adquiridos e lutar pelos que
viratildeo eacute sobretudo estar consciente de todas as atitudes tomadas em prol da
sociedade
Eacute possiacutevel nesse espaccedilo de discussatildeo falar em ldquoestar cidadatildeordquo que eacute natildeo
praticar o exerciacutecio da cidadania em nenhuma de suas formas Implica apenas em
se deixar levar pelos acontecimentos e ainda reclamar das situaccedilotildees vividas sem
nada fazer para mudar sem nenhuma perspectiva de futuro Do que concluiacutemos que
a dinacircmica de intervir na realidade eacute pressuposto de cidadania
Ser cidadatildeo eacute tarefa que requer muito do ser humano do individuo da
pessoa Requer uma alta - estima elevada uma consciecircncia solidaacuteria uma
39
identidade que se reconheccedila na dinacircmica social interagindo com o outro ampliando
debates incitando justiccedila eacute sem duvida uma tomada de posiccedilatildeo que natildeo se
acomoda pelo contraacuterio se incomoda quando natildeo haacute comprometimento para o bem
comum
Natildeo eacute uma tarefa cocircmoda senatildeo muito complicada as pessoas natildeo nascem cidadatildeos mas fazem-se no tempo e no espaccedilo Na verdade natildeo eacute faacutecil exercer a liberdade e a cidadania ndash ser pessoa e ser cidadatildeo ndash por isso exige-se uma luta sem treacuteguas para erradicar assimetrias e exclusotildees socioculturais e criar cenaacuterios de esperanccedila realizaacuteveis fundamentados em valores e princiacutepios eacuteticos que requalifiquem a democracia com cidadatildeos participativos e
comprometidos ( SAEZ 1995)
Tem portanto como pressuposto uma mudanccedila de comportamento uma
tomada de posiccedilatildeo frente agrave dinacircmica social na qual estaacute inserido participando de
forma ativa e produtiva do processo de construccedilatildeo da cidadania por meio de seus
diversos canais
32 Emancipaccedilatildeo social atraveacutes da cidadania
Um Estado Democraacutetico eacute aquele que estaacute enraizado na legitimidade do
poder do povo e dele decorre seu exerciacutecio Assim o poder do povo eacute a expressatildeo
a aptidatildeo de homens e mulheres constituir autonomamente seu viver sem sucumbir
diante das instacircncias de poder Haacute nesse modus vivendi uma tutela das diferenccedilas e
pluralidades de formas de vida
Desta forma a cidadania eacute enfocada como o processo de participaccedilatildeo do
individuo ou de um grupo organizado nas mais variadas aacutereas de atuaccedilatildeo na
sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos sociais com a consciecircncia
da responsabilidade por sua proacutepria histoacuteria
Sendo a democracia o regime em que o povo governa sua caracteriacutestica
inarredaacutevel eacute a de ter o povo agrave frente do poder uma forma de autogoverno Em
assim sendo a cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia por meio de resultados
palpaacuteveis e medidas concretas tais como mudanccedilas na realidade de cada um com
melhoria de vida e conscientizaccedilatildeo da importacircncia na sociedade para o exerciacutecio
40
direto ou indireto desse poder pois se contentar com fato do direito estaacute prescrito
em lei natildeo eacute o bastante
Eacute certo poreacutem que o Estado democraacutetico somente se aperfeiccediloa na
proporccedilatildeo em que o povo age ativamente na medida em que os representantes
reflitam em seus atos os verdadeiros anseios populares Partindo dessa visatildeo a
cidadania eacute o grande fator de legitimaccedilatildeo do povo permitindo que ele aja em defesa
das instituiccedilotildees democraacuteticas
Sobre a participaccedilatildeo cumpre asseverar que este direito significa a
capacidade de ser consultado para as tomadas de decisatildeo que dizem respeito agrave
direccedilatildeo da sociedade em que vive o cidadatildeo este direito eacute acompanhado do
respeito aos deveres de contribuir para o progresso social e de acatar e respeitar o
resultado obtido em consulta coletiva
No elenco de mecanismo de exerciacutecio da cidadania estaacute o acesso ao direito e
a justiccedila que eacute fator preponderante para efetivar as garantias constitucionais
Assim passaremos a discorrer sobre a importacircncia de instrumentalizar o
cidadatildeo para um pleno exerciacutecio de seus direitos
Eacute Sabido que no Estado Democraacutetico Contemporacircneo os direitos
fundamentais constitucionalmente assegurados tecircm eficaacutecia imediata cumprindo ao
Estado garantir a todos os cidadatildeos o respeito a esses Direitos de modo concreto e
efetivo natildeo obstante as inuacutemeras desigualdades e condiccedilotildees adversas que
dificultam na praacutetica o seu exerciacutecio
Para o acesso ao direito o Estado deve desenvolver com eficiecircncia uma seacuterie
de atividades essenciais e dar efetividade a uma seacuterie de pressupostos Dentre eles
o principal eacute o conhecimento do Direito como fator preponderante pois o
desconhecimento da lei implica na praacutetica natildeo acionar a jurisdiccedilatildeo Um fato que
contribui para essa assertiva eacute baixa escolaridade da populaccedilatildeo e o analfabetismo
Muito pouco adianta a existecircncia de uma Constituiccedilatildeo apenas formal ou no
papel se ilegiacutetima ou desrespeitada Para que ocorra a eficaacutecia das normas
dispostas numa Constituiccedilatildeo ou melhor para que passe da teoria agrave praacutetica eacute
essencial que comandados e comandantes tenham conhecimento dos seus direitos
e responsabilidades assim como dos instrumentos juriacutedicos para efetivaacute-los (leis
regulamentadoras) O exerciacutecio da cidadania natildeo eacute somente um direito mas eacute
tambeacutem um dever de todos pois a omissatildeo de cada um contribui com as injusticcedilas e
as impunidades tatildeo presentes nos dias atuais
41
A Constituiccedilatildeo quando eacute justa e legiacutetima e principalmente quando eacute
respeitada eacute um poderoso instrumento de promoccedilatildeo e desenvolvimento social e
humano
Outro fator que deve ser considerado eacute a miserabilidade que coloca inuacutemeros
brasileiros a margem da sociedade em situaccedilatildeo precaacuteria os quais para Pinsky
(2004) ldquodesprovidos de esperanccedila de projeto de qualquer perspectiva de inclusatildeo
[] recorrer agrave Justiccedila humana parece algo irrealizaacutevel sofisticado e inteiramente
ficcionalrdquo
Desta forma o primeiro passo para concretizar os direitos previstos
constitucionalmente eacute a formaccedilatildeo do cidadatildeo atraveacutes da Educaccedilatildeo Baacutesica
infundindo-lhe a consciecircncia dos seus direitos e tambeacutem dos seus deveres sociais
bem como dos valores humanos fundamentais que devem ser por todos respeitados
na vida em sociedade A universalizaccedilatildeo do ensino fundamental a oferta obrigatoacuteria
de educaccedilatildeo infantil pelo Estado e o crescimento da oferta do ensino meacutedio satildeo
alguns dos aspectos que merecem destaques e foi devido agrave determinaccedilatildeo
constitucional de estabelecer o caraacuteter obrigatoacuterio do ensino fundamental e de
responsabilizar o Estado por sua implementaccedilatildeo que tem iniacutecio o processo de
avanccedilo desse segmento
A Constituiccedilatildeo estabeleceu de forma mais clara o papel dos entes federados
na educaccedilatildeo Tambeacutem aumentou a participaccedilatildeo orccedilamentaacuteria destinada ao setor
Com as novas regras para distribuiccedilatildeo de recursos adotadas apoacutes a promulgaccedilatildeo
da Carta os municiacutepios voltam a interessar-se pela educaccedilatildeo fundamental e o paiacutes
atinge a universalizaccedilatildeo do setor o que se busca agora satildeo mecanismos para
garantir a qualidade no ensino
O segundo passo nessa dinacircmica eacute o oferecimento a todos os cidadatildeos de
condiccedilotildees miacutenimas de sobrevivecircncia e de existecircncia condignas atraveacutes do acesso
ao trabalho produtivo livremente escolhido e do pagamento de remuneraccedilatildeo capaz
de prover ao sustento do trabalhador e de sua famiacutelia
Para milhotildees de cidadatildeos que vivem na ignoracircncia e na miseacuteria nenhuma
utilidade ou eficaacutecia tecircm os inuacutemeros direitos constitucionalmente assegurados Para
aqueles que se habituaram a retirar proventos da mendicacircncia da prostituiccedilatildeo de
atividades iliacutecitas ou aqueles que se sentiram forccedilados a sujeitar-se agrave exploraccedilatildeo de
outrem para sobreviver natildeo haacute nenhuma crenccedila na dignidade da pessoa humana e
no valor social do trabalho
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A pobreza engendra inuacutemeras relaccedilotildees de dominaccedilatildeo entre pessoas e entre grupos sociais As habitaccedilotildees subumanas da periferia das grandes cidades no Brasil constituem verdadeiros quistos sociais terras sem lei controladas por xerifes ou por quadrilhas de malfeitores O Estado que natildeo for capaz de dotar essas comunidades do acesso efetivo agrave Educaccedilatildeo agrave Sauacutede agrave Seguranccedila e agrave Paz Puacuteblicas e ao trabalho liacutecito certamente natildeo lhes estaraacute assegurando o acesso ao Direito porque a populaccedilatildeo abrutalhada pela miseacuteria e coagida pelo medo natildeo desfruta da miacutenima eficaacutecia concreta dos
seus direitos fundamentais (GRECO 2009)
Evidencia que acesso ao Direito nas sociedades modernas mesmo nas
economicamente desenvolvidas exige o fortalecimento dos grupos intermediaacuterios e
do associativismo O cidadatildeo natildeo estaacute mais em condiccedilotildees de defender-se
individualmente das ameaccedilas e lesotildees aos seus direitos perpetradas por pessoas ou
grupos que se encontram em posiccedilatildeo de vantagem nas relaccedilotildees econocircmicas e
sociais
O sindicato veio exercer este importante papel em relaccedilatildeo ao trabalhador
empregado Mas hoje as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo natildeo satildeo apenas as que existem no
mundo do trabalho mas as que se revelam em todos os tipos de relaccedilotildees humanas
relaccedilotildees de consumo relaccedilotildees de vizinhanccedila relaccedilotildees locatiacutecias relaccedilotildees
comerciais internas e internacionais e natildeo com menor relevacircncia relaccedilotildees entre os
particulares e o Estado entre outras
Eacute preciso assegurar esse equiliacutebrio na praacutetica o que somente tornar-se-aacute
possiacutevel atraveacutes da articulaccedilatildeo dos sujeitos que se encontram em posiccedilatildeo de
desvantagem em organizaccedilotildees e associaccedilotildees que pela uniatildeo de esforccedilos
consigam compensar o desequiliacutebrio existente e dar aos indiviacuteduos e grupos a forccedila
e a capa de proteccedilatildeo necessaacuterias para ombrearem-se aos seus adversaacuterios e
lutarem pelos seus direitos ou interesses em igualdade de condiccedilotildees
Para Greco (2009) o pressuposto indispensaacutevel do acesso ao Direito eacute a
transparecircncia do Estado no trato de questotildees que possam afetar a esfera de
interesses dos cidadatildeos e complementa que aos cidadatildeos eacute indispensaacutevel
assegurar o direito de influir eficazmente nas decisotildees do poder puacuteblico atraveacutes dos
mais diversos instrumentos de participaccedilatildeo democraacutetica Ele afirma que
A relaccedilatildeo Estado-cidadatildeo natildeo eacute mais a relaccedilatildeo soberano-suacutedito O cidadatildeo tem o direito de exigir do Estado o pleno respeito ao seu
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patrimocircnio juriacutedico Lamentavelmente a crise do Estado tem levado o Brasil a aceitar-se como normal que as pessoas juriacutedicas de Direito Puacuteblico natildeo cumpram devidamente as prestaccedilotildees positivas de que satildeo devedoras perante os particulares cabendo a estes demandar na Justiccedila para obtecirc-las (GRECO 2009)
Essa visatildeo deformada da responsabilidade do Estado ocorre o
desvirtuamento da justiccedila Por outro lado agrave violaccedilatildeo da garantia constitucional da
tutela jurisdicional efetiva (Constituiccedilatildeo artigo 5 inciso XXXV) disciplina a lei natildeo
excluiraacute da apreciaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio lesatildeo ou ameaccedila ao direito Assim o
acesso ao Direito natildeo estaraacute concretamente assegurado se o Estado natildeo oferecer a
todo cidadatildeo a possibilidade de receber aconselhamento juriacutedico a respeito dos seus
direitos
Constituiccedilatildeo de 1988 no artigo 5deg inciso LXXIV assegurou a todos
ldquoassistecircncia juriacutedicardquo a englobar assistecircncia judiciaacuteria e assessoramento juriacutedico
extrajudicial Conforme Greco (2009) ldquoeacute preciso que esse direito seja assegurado
na praacutetica Uma vez que na vida moderna o Direito tornou-se excessivamente
complexordquo Ainda no dizer do autor a consciecircncia juriacutedica do homem comum que
deve ser adquirida na famiacutelia e na escola natildeo eacute mais suficiente para a tomada de
decisotildees na vida diaacuteria das pessoas Todas as pessoas mantecircm complexas relaccedilotildees
juriacutedicas com instituiccedilotildees financeiras com fornecedores de bens e de serviccedilos etc
Nessas relaccedilotildees juriacutedicas com frequecircncia os cidadatildeos tecircm de tomar decisotildees
raacutepidas O cidadatildeo que tem meios procura um advogado particular para assessoraacute-
lo Ao pobre o Estado deve assegurar o mesmo direito em plenitude
Sem duacutevida o uacuteltimo pressuposto do acesso ao Direito eacute o acesso agrave Justiccedila
no sentido de acesso a um tribunal estatal imparcial previamente instituiacutedo como
competente para a soluccedilatildeo de qualquer litiacutegio a respeito de interesse que se afirme
juridicamente protegido ou para a praacutetica de qualquer ato que a lei subordine agrave
aprovaccedilatildeo autorizaccedilatildeo ou homologaccedilatildeo judicial
Se o cidadatildeo tem consciecircncia dos seus direitos se o Estado lhe fornece
todas as condiccedilotildees para livremente exercecirc-los mas algum outro cidadatildeo ou algum
oacutergatildeo do proacuteprio Estado impede ou dificulta esse exerciacutecio cabe ao poder puacuteblico
pocircr agrave disposiccedilatildeo do cidadatildeo lesionado ou ameaccedilado a jurisdiccedilatildeo necessaacuteria para
assegurar o pleno acesso a tal direito
Atingimos eacute certo um estaacutegio de desenvolvimento do Direito Humanitaacuterio que
natildeo mais nos permite conformar-nos com uma realidade distante do padratildeo de
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convivecircncia humana que outras naccedilotildees jaacute alcanccedilaram O exerciacutecio pleno de
cidadania seraacute obra de mais de uma geraccedilatildeo Mas se trabalharmos com firmeza
certamente os jovens de hoje poderatildeo legar aos seus descendentes a emancipaccedilatildeo
cidadatilde um paiacutes melhor e uma sociedade mais justa e democraacutetica
33 O municiacutepio como acircmbito de exerciacutecio de cidadania
Historicamente o Municiacutepio enquanto unidade poliacutetico-administrativa surgiu
conforme descreve Berardi (2004) com a Repuacuteblica Romana interessada em
manter a dominaccedilatildeo paciacutefica das cidades conquistadas pela forccedila dos exeacutercitos
Sua origem mais de natureza socioloacutegica do que poliacutetica adveacutem do espiacuterito
associativo do homem e de suas relaccedilotildees de vizinhanccedila
Eacute pois a menor unidade territorial de Federaccedilatildeo cuja criaccedilatildeo reflete a base
da organizaccedilatildeo poliacutetica administrativa da Naccedilatildeo Portanto sua funccedilatildeo administrativa
historicamente vem assentada no princiacutepio do direito natural
O artigo primeiro da Constituiccedilatildeo Federal de 1998 estabelece que o
Municiacutepio ao lado dos Estados e do Distrito Federal formam a Republica Federativa
do Brasil que se constitui em Estado Democraacutetico de Direito O municiacutepio tem assim
um poder relevante para a aplicaccedilatildeo da democracia direta iniciada e fortalecida em
niacutevel local Diversos pensadores chegaram a afirmar que a descentralizaccedilatildeo de
poder resultante da constituiccedilatildeo Cidadatilde era antes de tudo uma conquista dos
Municiacutepios sendo eles os berccedilos da perpetuaccedilatildeo da Repuacuteblica e da Democracia
efetivamente por serem o uacutenico niacutevel de governo possuidores de respaldo e
localizaccedilatildeo fiacutesica ou seja solo municipal
Eacute certo que a Carta Magna de 1988 consolidou significativas inovaccedilotildees para a
vida municipal de forma que o Municiacutepio passou a constituir um dos entes da
federaccedilatildeo tratando-o como unidade dotada de autonomia poliacutetica expressa na
capacidade de poder elaborar a sua Lei Orgacircnica fugindo assim da tutela dos
estados que ateacute entatildeo eram considerados como uacutenicos componentes da federaccedilatildeo
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A Lei Orgacircnica Municipal traz em seu bojo aleacutem da organizaccedilatildeo
administrativa do Municiacutepio a restauraccedilatildeo do Poder Legislativo municipal definindo
a diversificaccedilatildeo normativa que natildeo existia nas leis organizacionais outorgadas pelo
Estado reflexo do poder constituinte outorgados aos Municiacutepios pela Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 como consequecircncia do efetivo exerciacutecio do conceito de Estado
Democraacutetico de Direito
O Municiacutepio enquanto ente federativo tem atualmente a responsabilidade de
ordenar o seu desenvolvimento social e a garantia do bem estar de seus habitantes
executando poliacuteticas puacuteblicas de accedilotildees a serem empreendidas na consolidaccedilatildeo
democraacutetica do Estado
Fundada no elemento participaccedilatildeo o exerciacutecio de cidadania amplamente
citado encontra sua efetividade no municiacutepio Pois eacute nesse acircmbito de localizaccedilatildeo
que as pessoas mantecircm um contato direto com os poderes instituiacutedos suas
necessidades imediatas e mediatas satildeo objetos da disciplina da Lei que visa o bem
comum base do Estado democraacutetico de Direito
Baseado na maacutexima do municipalista e defensor da descentralizaccedilatildeo poliacutetica
Franco Motoro sabiamente proferiu que ldquoningueacutem vive na Uniatildeo ou no Estado As
pessoas vivem no Municiacutepiordquo Assim a cidadania encontra seu melhor espaccedilo de
realizaccedilatildeo na comunidade onde convive A vida em comunidade gera anseios
comuns sentimentos comuns uma vez que a convivecircncia propicia que as pessoas
se conheccedilam e se reconheccedilam como membros de uma mesma realidade
De acordo com Harvey (1992) ldquoa globalizaccedilatildeo provoca anonimato enquanto
comunidade cultiva solidariedaderdquo o que implica participaccedilatildeo para o exerciacutecio de
cidadania
Tudo o que acontece no mundo seja no meu paiacutes na minha cidade ou no meu bairro acontece comigo Entatildeo eu preciso participar das decisotildees que interferem na minha vida Um cidadatildeo com um sentimento eacutetico forte e consciecircncia da cidadania natildeo deixa passar nada natildeo abre matildeo desse poder de participaccedilatildeo (Herbert de Souza Betinho)
Com esse embasamento natildeo se pode perder de vista que eacute nas relaccedilotildees
diaacuterias de oposiccedilatildeo ou solidariedade que as pessoas exercem cidadania Na relaccedilatildeo
do com o outro com os poderes ao estabelecer com a vida social e puacuteblica uma
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convivecircncia posto que cidadania eacute tarefa que natildeo termina natildeo eacute um conceito
pronto tatildeo pouco acabado enquanto seres inacabados que somos estaremos
buscando descobrindo criando e tomando consciecircncia mais ampla dos direitos
O desafio eacute construir um novo discurso sobre cidadania atraveacutes de uma
praacutetica poliacutetica sustentada isto eacute realizada em dois niacuteveis
O primeiro niacutevel na base atraveacutes de construccedilatildeo das capacidades e do poder
proacuteprio da populaccedilatildeo o que envolve inevitavelmente uma mudanccedila de atitude na
busca para garantir seus direitos utilizando-se do grau de autonomia local
Essa atitude conceberia agrave democracia participativa como uma poliacutetica paralela
de intervenccedilatildeo social criando e mantendo novos espaccedilos para a tomada de
decisotildees ou seja para o auto-governo pela populaccedilatildeo nas mateacuterias que afetam
diretamente suas vidas
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade
O segundo niacutevel um governo com o povo e natildeo apenas para o povo fundado
nos ditames constitucionais valorizando o sentimento da sociedade no exerciacutecio da
governabilidade de modo que o balizamento das accedilotildees de governo deixaria de estar
no proacuteprio governo e passaria a estabelecer-se a partir do pensar da sociedade Um
governo que se pergunta o que se deve fazer para ouvir com a maior fidelidade
possiacutevel a sociedade suas instituiccedilotildees representativas e o cidadatildeo Pois as
prioridades da gestatildeo deveriam ser definidas pela sociedade e natildeo mais pelo
governo
Portanto nesses termos eacute preciso considerar que as praacuteticas da
administraccedilatildeo puacuteblica sejam democratizadoras e inclusivas inspiradas nos
princiacutepios da legalidade impessoalidade moralidade publicidade e eficiecircncia Esta
uacuteltima buscou estabelecer uma Administraccedilatildeo Puacuteblica mais eficiente no sentido de
que o cidadatildeo como destinataacuterio dos serviccedilos puacuteblicos que o Estado deve prestar
receba-os com maior qualidade e menor custo para o eraacuterio puacuteblico
Para a consecuccedilatildeo desse governar com o povo alguns pontos devem ser
revistos A mudanccedila implica na necessidade de adequaccedilatildeo reorganizaccedilatildeo
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reformulaccedilatildeo Para isso se faz premente em face dos novos e modernos conceitos
de gestatildeo puacuteblica a superaccedilatildeo do tradicional vezo burocraacutetico que vem convertendo
a Administraccedilatildeo nas palavras Dromi (1995) numa cara ldquomaacutequina de impedirrdquo fiel
ldquocoacutedigo do fracassordquo que dispotildee ldquoartigo primeiro natildeo pode artigo segundo em
caso de duacutevida abstenha-se artigo terceiro se eacute urgente espere artigo quarto
sempre eacute mais prudente natildeo fazer nadardquo numa posiccedilatildeo natildeo burocraacutetica e sim
democraacutetica de considerar que organizaccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica inclui a
praacutetica de ver os cidadatildeos como membros plenos da comunidade poliacutetica tendo
acesso e exercitando direitos as que promovem a organizaccedilatildeo da populaccedilatildeo em
torno de temas de interesse comum as que incluem o controle social sobre a
gestatildeo o debate amplo e informado sobre questotildees de governo e que abrem agrave
populaccedilatildeo as decisotildees sobre estas questotildees Como leciona e Barrientos (2000)
Tratam-se de praacuteticas que natildeo buscam somente melhorar a eficiecircncia administrativa das diferentes organizaccedilotildees puacuteblicas mas que incorporam no seu processo de gestatildeo a dimensatildeo ativa da cidadania isto eacute ldquoque facilitam as iniciativas e responsabilidades de todos os envolvidos[] estabelecendo pontes entre Estado e sociedade civil
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade Acreditamos
que o ponto de partida eacute a atitude aliada agrave solidariedade e ao espiacuterito coletivo Pois
governo e cidadatildeos juntos haveratildeo de cumprir um novo papel no processo de
desenvolvimento como agentes de uma nova cultura
Como afirma Peter Drucke
A parceria comunitaacuteria seraacute um dos verdadeiros setores em crescimento das economias desenvolvidas Surge da necessidade de uma participaccedilatildeo mais direta e efetiva da comunidade nas grandes questotildees da vida social pois natildeo existe ningueacutem melhor que o cidadatildeo para saber o que ele quer para si para sua famiacutelia e para sua comunidade (apud RAMOS 1990)
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O envolvimento efetivo da sociedade nas questotildees sociais natildeo eacute apenas uma
postura moderna Significa antes de tudo uma atitude digna de todos aqueles que
desejam exercer sua cidadania contribuindo para um paiacutes melhor e em especial
para uma sociedade mais justa fraterna e solidaacuteria
Na histoacuteria observa-se a grande coragem das pessoas em construir o
reconhecimento delas proacuteprias e de seus direitos sempre buscando a participaccedilatildeo e
defendendo os Direitos Humanos Sem duacutevida a maior ecircnfase que deve ocorrer
para a construccedilatildeo real da cidadania eacute uma mudanccedila na sociedade O melhor a ser
feito eacute reforccedilar a organizaccedilatildeo democraacutetica buscando novas formas de participaccedilatildeo
social pois cidadania natildeo se resume ao poder de votar ou ser votado mas eacute sempre
na efetiva participaccedilatildeo popular pois somente com isso haacute a verdadeira
conscientizaccedilatildeo e o comprometimento daquele que passa a se sentir cidadatildeo
abandonando-se velhos viacutecios da poliacutetica representativa
Desse modo a participaccedilatildeo do povo no momento das reivindicaccedilotildees das
discussotildees e apreciaccedilotildees de projetos que visem agrave melhoria da comunidade local a
exigecircncia de transparecircncia na administraccedilatildeo da coisa puacuteblica dentre outras eacute quem
daraacute embasamento para as verdadeiras conquistas sociais no Municiacutepio que geram
saudaacuteveis formas de pressatildeo por efetivas poliacuteticas puacuteblicas de inclusatildeo social
gerando o fim do clientelismo poliacutetico tatildeo pejorativo e comum em nossa realidade e
cultura poliacutetica
Somente a participaccedilatildeo social eacute que iraacute causar uma real democratizaccedilatildeo do
poder A afirmaccedilatildeo da cidadania eacute pressuposto para a realizaccedilatildeo dos Direitos
Humanos pois os homens natildeo nascem naturalmente iguais Inclusive para que
ocorra a realizaccedilatildeo dos referidos direitos eacute necessaacuterio tambeacutem que exista um
espaccedilo puacuteblico que seja realmente democraacutetico e acessiacutevel possibilitando a
participaccedilatildeo de todos e esse espaccedilo eacute certamente o municiacutepio
Na praacutetica um forte instrumento de cidadania para atender as necessidades
coletivas eacute o orccedilamento participativo previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal que
determina expressamente a realizaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas e a participaccedilatildeo
popular nos processos de elaboraccedilatildeo e conduccedilatildeo dos orccedilamentos como forma de
incentivo agrave preparaccedilatildeo e execuccedilatildeo de planejamentos que envolvam diretamente o
povo A Lei veio incentivar a sua propagaccedilatildeo para todos os entes federativos tendo
em conta que se trata de uma tendecircncia mundial por legitimar as escolhas e
fortalecer o princiacutepio da transparecircncia
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Os meios de acesso do cidadatildeo junto aos Poderes Puacuteblicos eacute uma realidade
no Estado Democraacutetico de Direito brasileiro a exemplo das sessotildees do Poder
Legislativo que satildeo puacuteblicas ficando abertas a todos que delas quiserem participar
Emite-se uma pauta antes do comeccedilo da sessatildeo com a preacutevia dos debates Em
niacutevel municipal verifica-se um acompanhamento mais incisivo sobre as sessotildees das
Cacircmaras de Vereadores como forma de pressatildeo para aprovaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees
da comunidade avaliaccedilatildeo do desempenho e aceitaccedilatildeo de propostas orccedilamentaacuterias
e atuaccedilatildeo dos poliacuteticos bem como entendimento das funccedilotildees do Poder Legislativo
A Constituiccedilatildeo Federal assegura desde 1988 a possibilidade de se oferecer
peticcedilatildeo agraves Mesas Legislativas como forma de pedir informaccedilotildees sobre andamento
de projetos ou relatoacuterios encaminhados aos chefes do Poder Executivo Em niacutevel
municipal pode ser utilizada a Tribuna Livre como instrumento para denuacutencias de
problemas ou discussatildeo de um tema ou mesmo para apresentar sugestotildees sendo
regulado pela Lei Orgacircnica Municipal e pelo Regimento Interno da Cacircmara
A convocaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas tambeacutem possui previsatildeo constitucional
no art 58 sect 20 inciso II em niacutevel federal As comissotildees podem em razatildeo da
mateacuteria de sua competecircncia realizar audiecircncias puacuteblicas com entidades da
sociedade civil E nada obsta que estejam previstas formas de articulaccedilatildeo da
sociedade civil com os Presidentes das Comissotildees da Cacircmara no seu Regimento
Interno em acircmbito municipal
Os dispositivos da Constituiccedilatildeo Federal que dispotildeem sobre a forma de
participaccedilatildeo direta do cidadatildeo e da sociedade civil no processo democraacutetico natildeo se
pode negar que trouxe novas perspectivas De modo geral podemos citar
Art 29 A lei orgacircnica dos Municiacutepios tem que observar entre os seus
preceitos ldquocooperaccedilatildeo das associaccedilotildees representativas no planejamento municipalrdquo
Art 31 As contas dos municiacutepios ficaratildeo durante 60 (sessenta) dias
anualmente a disposiccedilatildeo de qualquer contribuinte para exame e apreciaccedilatildeo o qual
poderaacute questionar-lhes a legitimidade nos termos da lei
Art37 sect 3ordm (EC-1998) A lei disciplinaraacute as formas de participaccedilatildeo do usuaacuterio
na administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta regulando especialmente
I- as reclamaccedilotildees relativas a prestaccedilatildeo dos serviccedilos puacuteblicos em geral asseguradas
a manutenccedilatildeo de serviccedilo de atendimento ao usuaacuterio e a avaliaccedilatildeo perioacutedica externa
e interna da qualidade dos serviccedilos
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II- o acesso dos usuaacuterios a registros administrativos e a informaccedilatildeo sobre atos de
governo observado o disposto no art 5ordm X e XXXIII
III- a disciplina da representaccedilatildeo conta o exerciacutecio negligente ou abusivo de cargo
emprego ou funccedilatildeo na administraccedilatildeo puacuteblica
Art 74 sect 2ordm Qualquer cidadatildeo partido poliacutetico associaccedilatildeo ou sindicato eacute
parte legiacutetima para na forma de lei denunciar irregularidades ou ilegalidades perante
o Tribunal de Contas da Uniatildeo
Art194 paraacutegrafo uacutenico Compete ao Poder Puacuteblico nos termos da lei
organizar a seguridade social com base nos seguintes objetivos ()
VII ndash caraacuteter democraacutetivo descentralizado na administraccedilatildeo mediante gestatildeo
quadripartite com participaccedilatildeo dos trabalhadores dos empregados e dos
aposentados e do Governo nos oacutergatildeos colegiados nos oacutergatildeos colegiados
Art 198 As accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede integram uma rede
regionalizada e hierarquizada o constituem um sistema uacutenico organizado de acordo
com as seguintes diretrizes
III ndash participaccedilatildeo da comunidade
Art 202 sect 6ordm A lei complementa a que se refere o sect 4ordm deste artigo
estabeleceraacute os requisitos para a designaccedilatildeo dos membros das diretorias das
entidades fechadas de previdecircncia privada e disciplinaraacute a inserccedilatildeo dos
participantes nos colegiados e instacircncias de decisatildeo em que seus interesses sejam
objeto de discussatildeo e deliberaccedilatildeo
Art 204 As accedilotildees governamentais na aacuterea de assistecircncia social seratildeo
organizadas com base nas seguintes diretrizes
II ndash Participaccedilatildeo da populaccedilatildeo por meio de organizaccedilotildees representativas na
formulaccedilatildeo das poliacuteticas e no controle das accedilotildees em todos os niacuteveis
O protagonista na concretizaccedilatildeo dos direitos humanos e na ampliaccedilatildeo da cidadania eacute um sujeito coletivo de um trabalho sempre inacabado eis que se tratam de tarefas e conquistas cotidianas e gradativas obras que soacute podem ser realizada a muitas matildeos no partilhar e compartilhar da vida (COSTA NETO 2010)
A ampliaccedilatildeo da cidadania requer a consciecircncia de que os direitos pressupotildeem
deveres de maneira que os direitos de um indiviacuteduo satildeo garantidos a partir do
cumprimento dos deveres dos demais componentes da sociedade
51
34 A necessaacuteria superaccedilatildeo de velhos paradigmas
Como se sabe em 1988 foi aprovada a Constituiccedilatildeo mais liberal e
democraacutetica do Brasil chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo Assim ampliou-se de
forma significativa o campo dos direitos e garantias fundamentais No que diz
respeito a tal mateacuteria eacute considerada como uma das mais avanccediladas do mundo No
seu preacircmbulo adota o modelo de um Estado democraacutetico de Direito destinado a
garantir o exerciacutecio dos direitos sociais e individuais a liberdade a seguranccedila o
bem-estar o desenvolvimento a igualdade e a justiccedila eleitos como valores
supremos de uma sociedade fraterna pluralista e sem preconceitos
Para a construccedilatildeo democraacutetica da cidadania no Brasil contemporacircneo
salienta-se de ela deve passar de uma democracia representativa para uma
cidadania que efetivamente molde a democracia ou seja uma cidadania instituinte
da democracia
No acircmbito constitucional positivo cidadania pressupotildee o exerciacutecio de todos
os direitos fundamentais e garantias que caracterizam o Estado democraacutetico de
Direito Quando se fala em cidadania eacute no sentido de reafirmar o direito pela plena
realizaccedilatildeo do indiviacuteduo do cidadatildeo dos entes coletivos e de sua emancipaccedilatildeo nos
espaccedilos da sociedade Estatildeo sempre intimamente ligados os conceitos de
cidadania democracia e direitos humanos sendo que um remete ao outro e seus
conteuacutedos se interligam ou seja a cidadania natildeo iraacute ocorrer sem que ocorra a
realizaccedilatildeo dos Direitos Humanos da mesma forma que os direitos humanos natildeo
seratildeo concretizados se natildeo houver o exerciacutecio da cidadania
Na evoluccedilatildeo histoacuterica tais categorias se desenvolveram de forma conjunta
com o Estado Representam noccedilotildees desejaacuteveis de relaccedilotildees humanas que se espera
sejam instituiacutedas Satildeo os elementos basilares na nova ordem social e que a
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 pretendeu edificar Poreacutem a democracia poliacutetica natildeo
resolveu os problemas econocircmicos mais seacuterios como a desigualdade e o
desemprego Continuam muito seacuterios os problemas da aacuterea social principalmente
na educaccedilatildeo nos serviccedilos de sauacutede e saneamento como tambeacutem e
principalmente quanto agrave seguranccedila puacuteblica
52
A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 em seu artigo 6ordm e em outros artigos no texto
constitucional ampliou e muito os Direitos Sociais proibiu discriminaccedilotildees Assim
indicadores baacutesicos de qualidade de vida apontam que houve uma melhoria A
mortalidade infantil por exemplo caiu de maneira significativa nos uacuteltimos anos A
esperanccedila de vida ao nascer passou de 60 anos em 1980 para 70 em 2000 Poreacutem
o maior progresso foi na aacuterea da educaccedilatildeo fundamental que eacute considerado fator
decisivo para a cidadania pois a taxa de analfabetismo caiu consideravelmente
entretanto existem muitos problemas no campo educacional como a repetecircncia e
com relaccedilatildeo a desigualdade social entre as regiotildees
A grande concentraccedilatildeo da riqueza nacional nas matildeos de poucos reflete a
desigualdade e causa a pobreza e a miseacuteria ao passo que dificulta o acesso do
cidadatildeo agrave justiccedila e consequentemente ao seu estado de cidadania pleno
Dentre os fundamentos no qual se baseiam o Estado democraacutetico de Direito
no Brasil destaca-se justamente a cidadania e a dignidade humana conforme artigo
1ordm incisos II e III da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Entatildeo construir uma sociedade
livre justa e solidaacuteria garantir o desenvolvimento nacional erradicar a pobreza e a
marginalizaccedilatildeo reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de
todos sem preconceitos de origem raccedila sexo cor idade ou quaisquer outras
formas de discriminaccedilatildeo satildeo os objetivos fundamentais do Estado Brasileiro
conforme art 3ordm da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
O cenaacuterio de globalizaccedilatildeo econocircmica mundial tambeacutem traacutes seacuterios obstaacuteculos
para a construccedilatildeo da cidadania A globalizaccedilatildeo da economia em ritmo acelerado
provoca grandes mudanccedilas nas relaccedilotildees entre Estado sociedade e naccedilatildeo que
eram sempre o centro da noccedilatildeo e da praacutetica da cidadania ocidental O foco das
mudanccedilas e das preocupaccedilotildees estaacute em dois focos especiacuteficos a reduccedilatildeo do papel
central do Estado como fonte de direitos e local para a participaccedilatildeo e o
deslocamento da naccedilatildeo como principal fonte de identidade coletiva
Para que ocorra efetiva mudanccedila a melhor proposta eacute no sentido de
mudanccedila na organizaccedilatildeo da sociedade pois a inversatildeo da sequecircncia dos direitos
fez com que ocorra o reforccedilo da supremacia do Estado Para que ocorra a
consolidaccedilatildeo democraacutetica e cidadatilde eacute necessaacuterio reforccedilar a organizaccedilatildeo da
sociedade para assim dar embasamento social ao poder poliacutetico ou seja
finalmente democratizar o poder e estabelecer de forma plena a Cidadania
53
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A Constituiccedilatildeo que nasce com ldquocheiro de amanhatilde e natildeo de mofordquo nas
palavras do Deputado Ulisses Guimaratildees tem em seu relevo a esperanccedila de um
povo que sonhava com a erradicaccedilatildeo da repressatildeo militar e natildeo soacute isso um povo
que sonhava com a liberdade em suas diversas manifestaccedilotildees em suas mais
significativas formas de representaccedilatildeo e sobretudo com um paiacutes voltado para a
democracia e justiccedila social
Ao povo brasileiro foi concedido o poder de governar e nesse contexto de
mudanccedila a ldquodemocracia eacute o governo do povo pelo povo e para o povordquo na
conceituaccedilatildeo ceacutelebre de Abraham Lincoln E consoante estabelece o paraacutegrafo
uacutenico do art 1ordm da Carta cidadatilde de 1988 ldquotodo poder emana do povo que o exerce
por meio de representantes eleitos ou diretamenterdquo
No entanto natildeo basta que a fonte de poder seja o povo a democracia vem
significar a efetiva participaccedilatildeo do povo nas decisotildees e destino do Estado e sua
consolidaccedilatildeo eacute a proacutepria cidadania pois eacute o cidadatildeo que pensa e se auto define
diante da condiccedilatildeo soacutecio-histoacuterica O cidadatildeo tem portanto o poder de transformar
a realidade social segundo seu pensamento e accedilatildeo
Natildeo se pode negar que a Carta de 1988 foi a que apresentou maior
legitimidade popular que abriu caminhos apontando um novo tempo
Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita Se fosse perfeita seria irreformaacutevel Ela proacutepria com humildade e realismo admite ser emendada ateacute por maioria mais acessiacutevel dentro de cinco anos Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita mas seraacute uacutetil e pioneira e desbravadora Seraacute luz ainda que de lamparina na noite dos desgraccedilados Eacute caminhando que se abrem os caminhos Ela vai caminhar e abri-los Seraacute redentor o que penetrar nos bolsotildees sujos escuros e ignorados da miseacuteria (Ulysses Guimaratildees)
Mesmo natildeo sendo a constituiccedilatildeo perfeita sem duacutevida foi a que trouxe
esperanccedila ao povo brasileiro com a sua promulgaccedilatildeo surgiram o ldquohaacutebeas datardquo o
mandado de injunccedilatildeo e o mandado de seguranccedila coletivo - todos remeacutedios judiciais
de iacutendoles constitucionais serviacuteveis para prevenir e combater diversas tentativas de
abuso contra a pessoa humana Outrossim o objeto da accedilatildeo popular foi ampliado
Atualmente qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima para propor a mencionada accedilatildeo
54
popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de entidade de que o
Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e ao patrimocircnio
histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de custas
judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia Nesse rol de forma decisiva houve a
ampliaccedilatildeo tambeacutem dos direitos sociais
Assim a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconhece e assegura uma seacuterie de
escudos protetivos aos cidadatildeos Em sua essecircncia os direitos fundamentais
ganham forma De modo que podemos assegurar que hoje o nosso Estado eacute uma
organizaccedilatildeo centrada no ser humano visto que tem a dignidade da pessoa humana
como um fundamento da Repuacuteblica Federativa do Brasil
Apesar das inuacutemeras dificuldades o Estado Democraacutetico de Direito fundado
na cidadania constituiu para o povo uma nova identidade ndash o que em outras eacutepocas
natildeo existia
A Constituiccedilatildeo circunscreve toda a organizaccedilatildeo poliacutetica estatal no intuito
maior de criar no consciente coletivo a vontade livre e determinada de desenvolver
padrotildees de condutas destinados a elevar e promover a auto-estima de toda a
comunidade paacutetria
Foi nesse sentido que estatui em seu artigo 1ordm a cidadania como fundamento
do Estado Democraacutetico de Direito ampliando e enriquecendo o tal conceito Cada
eacutepoca produziu praacuteticas e reflexotildees muito distintas sobre o tema cidadania A
definiccedilatildeo de cidadania que vem sofrendo alteraccedilotildees ao longo do tempo obedecendo
a um processo histoacuterico de conquistas sociais eacute compreendida atualmente como
um processo de participaccedilatildeo do indiviacuteduo ou de um grupo organizado nas mais
variadas aacutereas de atuaccedilatildeo da sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos
e sociais
A cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia disso natildeo haacute duvidas e se
efetiva como mudanccedilas na realidade de cada um com melhoria de vida e
conscientizaccedilatildeo da importacircncia do cidadatildeo dado que eacute um processo em
permanente construccedilatildeo Natildeo haacute como defender uma qualidade de vida sem a
preservaccedilatildeo da cidadania em todos os seus acircmbitos Nesse sentido a efetiva
proteccedilatildeo desse aspecto basilar torna-se essencial no que tange uma assistecircncia
juriacutedica completa
No contraponto do direito estatildeo os deveres que encontramos sua realizaccedilatildeo
tambeacutem na participaccedilatildeo observando que o cidadatildeo eacute responsaacutevel pelo advir de
55
suas accedilotildees A participaccedilatildeo reflete um caraacuteter de natildeo comodismo de atenccedilatildeo agravequilo
que eacute particular e coletivo tendo como finalidade preciacutepua o bem comum
Construir cidadania hoje eacute imperativo para a sociedade pois dessa
construccedilatildeo depende o amanhatilde Estamos diante da Constituiccedilatildeo que se propotildee a
resguardar o amanhatilde sem perder de vista que ele comeccedila hoje agora e nisso a
Carta Poliacutetica traacutes consigo a certeza do despertar dessa consciecircncia a consciecircncia
cidadatilde Ela eacute a semente plantada em terra feacutertil que gera frutos diariamente e se
renova a cada estaccedilatildeo na dinacircmica da vida Talvez tenha sido esse o cheiro de
frutas alcanccedilado pelo constituinte ao anunciar que a carta tem ldquocheiro do amanhatilderdquo
A responsabilidade pelo exerciacutecio desses direitos belissimamente elencados
depende de todos e de cada um pois somos o terreno feacutertil que produziraacute o fruto de
uma sociedade fraterna
Eacute comum na praacutetica apenas responsabilizarmos o Estado em sentido lato pelo
natildeo exerciacutecio dos direitos do cidadatildeo Vale lembrar nesse contexto das palavras de
J Kennedy o qual disse ldquonatildeo pergunte o que o Estado pode fazer por vocecirc mas o
que vocecirc pode fazer pelo Estadordquo haacute nessa frase um forte traccedilo de cidadania pois
quando o cidadatildeo reivindica critica opina o que ele daacute em contrapartida ao paiacutes eacute
solidificado visto que eacute nas relaccedilotildees familiares em comunidade que se estabelece e
se fortalece os viacutenculos de solidariedade de uma sociedade que perpetua valores
condutas que as leis reguladoras natildeo conseguem por si soacute estabelecer
A concretizaccedilatildeo do ideal de uma qualidade de vida merecida a todos os seres
humanos sem restriccedilotildees requer entretanto um esforccedilo coletivo Dessa forma haacute
necessidade de suprir as muitas carecircncias advindas das desigualdades sociais e de
condiccedilotildees do descaso do poder puacuteblico e da proacutepria conceituaccedilatildeo antiga de
cidadania que ainda eacute concebida por muitos no presente
Em suma nosso trabalho procurou traccedilar a evoluccedilatildeo da cidadania e ao
mesmo tempo buscou traccedilar uma melhor caracterizaccedilatildeo do cidadatildeo agrave luz da nossa
Constituiccedilatildeo que eacute por fim a essecircncia da Magna Carta O alcance da cidadania
enquanto mecanismo de acesso a direitos foi colocado no acircmbito da pessoa
enquanto titular de direitos e num paralelo defendemos que o municiacutepio eacute o espaccedilo
de atuaccedilatildeo e exerciacutecio de cidadania dada a proximidade do cidadatildeo com as
instituiccedilotildees oacutergatildeos entidades e tudo o mais que o cerca na esfera de vivecircncia Eacute na
praccedila que discute a poliacutetica local e nacional que se indigna com as dificuldades e as
56
barreiras de acesso aos seus direitos Eacute no municiacutepio que se inicia todo um vieacutes de
desdobramento para garantir direitos
Por fim natildeo obstante resta dizer sobre o tema que os caminhos e
paradigmas que se intentou percorrer sobre cidadania como mecanismo
transformador da sociedade tem ingrediente ainda a se descortinar para o
propoacutesito valioso do bem comum Pois bem a ideia de bem comum tem como
fundamento o amor maacutexima que se estabelece por meio da democracia visto que
ldquoa demofilia o demoiacutesmo o amor do povo acima de tudo como princiacutepio ativo de
toda a sua vida poliacutetica inspirador duma sempre crescente autonomia imanente eacute
que constitui a verdadeira essecircncia da democraciardquo nas palavras de Melgareacute
(2005)
Dessa forma eacute no nuacutecleo da democracia que estaacute inscrito como pedra
angular o respeito e o amor pela pessoa humana Eacute pois um tema de larga
abrangecircncia poreacutem sem querer abreviar o caminho sua efetiva possibilidade de
realizaccedilatildeo se encontra no exerciacutecio da cidadania sem repuacutedios parciais ou exclusatildeo
de qualquer ordem na plenitude de uma cidadania para todos
57
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27
A cidadania no Estado democraacutetico de direito efetivada oferece aos cidadatildeos como iguais condiccedilotildees de existecircncia o gozo atual de direitos e a obrigaccedilatildeo do cumprimento de deveres que resumidamente podem ser assim apresentados exerciacutecio de direitos fundamentais e participaccedilatildeo e os deveres de colaboraccedilatildeo e solidariedade (Rozicki 2005)
Natildeo obstante eacute vaacutelido ressaltar um princiacutepio igualmente importante e deveras
esquecido a fraternidade Este princiacutepio que eacute um dos trecircs pilares da Revoluccedilatildeo
Francesa eacute pouco discutido apesar de assumir um papel decisivo na consolidaccedilatildeo
da democracia da politica e do poder
A fraternidade eacute necessaacuteria para o estabelecimento de uma comunidade
politicamente solidaacuteria com indiviacuteduos iguais e livres
Para finalmente concebermos um Estado Democraacutetico de Direito que trate os
iguais na medida de suas desigualdades
22 Os direitos fundamentais como pressupostos de identidade da cidadania
Os direitos fundamentais vistos como um dos traccedilos mais marcante do
constitucionalismo moderno consistem no resultado da luta dos homens por um
direito ideal justo e humano representam situaccedilotildees reconhecidas juridicamente
sem as quais o homem eacute incapaz de alcanccedilar sua proacutepria realizaccedilatildeo e
desenvolvimento plenamente daiacute dizer-se que o princiacutepio preponderante que
condensa os direitos fundamentais eacute o da dignidade da pessoa humana
Os direitos fundamentais satildeo o conjunto de normas de um ordenamento juriacutedico que formam um subsistema deste fundado na liberdade na igualdade na seguridade na solidariedade expressotildees da dignidade do homem que formam parte da norma baacutesica material de identificaccedilatildeo do ordenamento juriacutedico e constitui um setor de moralidade procedimental positivada que legitima o Estado Social de Direito (MARTINEZ apud AGRA 2002)
Tais direitos foram e vatildeo sendo aperfeiccediloados e estendidos ao longo do
tempo resta dizer que os mesmos estabelecem faculdades da pessoa humana que
permitem sua breve classificaccedilatildeo do seguinte modo 1) os direitos civis e poliacuteticos
de liberdade como por exemplo a liberdade de expressatildeo de propriedade de
28
manifestaccedilatildeo do pensamento de associaccedilatildeo de imprensa de reuniatildeo de igualdade
formal perante a lei de participaccedilatildeo poliacutetica o devido processo legal o habeas
corpus o direito de peticcedilatildeo etc 2) os direitos sociais econocircmicos e culturais de
participaccedilatildeo poliacutetica tais como a igualdade de sufraacutegio o direito de voto e de
elegibilidade o direito de peticcedilatildeo e os direitos de participaccedilatildeo poliacutetica 3) os direitos
da titularidade coletiva que satildeo aqueles ligados a solidariedade e a fraternidade
como por exemplo o direito agrave preservaccedilatildeo do meio ambiente e agrave qualidade de vida
etc 4) os direitos chamados de quarta geraccedilatildeo por exemplo direito a democracia a
informaccedilatildeo ao comeacutercio eletrocircnico entre os estados etc
Natildeo existe qualquer relaccedilatildeo hieraacuterquica entre estes direitos mesmo porque
todos interagem entre si de nada servindo um sem a existecircncia dos outros Esta
divisatildeo acontece devido agrave eterna e constante busca do homem por mais proteccedilatildeo
mais garantia com o objetivo de alcanccedilar uma sociedade mais justa igualitaacuteria e
fraterna
Na evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais Agra (2002) chama a atenccedilatildeo do
relevo que adquirem a democratizaccedilatildeo da informaccedilatildeo e os mecanismos de
democracia participativa E justifica que a democratizaccedilatildeo da informaccedilatildeo natildeo se
caracteriza apenas pela existecircncia de uma miacutedia plural sem nenhum tipo de
monopoacutelio mas deve ser concebida como a obrigaccedilatildeo que todos os cidadatildeos tecircm
de tomar consciecircncia dos graves problemas que afligem a humanidade e que os
mecanismos da democracia participativa concebem a cidadania em extensatildeo muito
superior ao voto abrangendo a interferecircncia direta do cidadatildeo nas decisotildees
governamentais mediante vaacuterios mecanismos juriacutedicos como o plebiscito o recall o
orccedilamento participativo etc
De acordo com Silva (2005) os Direitos Fundamentais na Constituiccedilatildeo de
1988 abrangem os ldquodireitos individuais sociais poliacuteticos e tambeacutem os direitos
econocircmicos Para o autor a ampliaccedilatildeo e transformaccedilatildeo dos direitos fundamentais
do homem na histoacuteria dificultam uma definiccedilatildeo sinteacutetica do conceitordquo
Essa dificuldade aumenta diante do emprego de vaacuterias expressotildees para
designaacute-los tais como direitos naturais direitos humanos direitos do homem
direitos individuais direitos puacuteblicos subjetivos liberdades fundamentais liberdades
puacuteblicas e direitos fundamentais do homem No entanto direitos fundamentais do
homem constitui a expressatildeo mais adequada porque na palavra fundamentais
acha-se a indicaccedilatildeo de que se trata de situaccedilotildees sem as quais o indiviacuteduo natildeo tem
29
uma vida digna natildeo convive e agraves vezes nem mesmo sobrevive A expressatildeo
direitos fundamentais eacute a mais precisa no sentido de que a todos por igual devem
ser natildeo apenas formalmente reconhecidos mas concreta e materialmente
efetivados
Por sua vez a atual Corte em julgamento do habeas corpus (HC ndeg
82424RS) marca seu posicionamento no tocante ao sistema de direitos
fundamentais insculpido na Constituiccedilatildeo de 1988 atraveacutes dos profundos e bem
fundamentados votos dos Ministros que aleacutem de delimitarem a extensatildeo e os limites
da liberdade de expressatildeo (art 5o IV e IX) acabaram indicando as bases filosoacuteficas
e juriacutedicas para a interpretaccedilatildeo do cataacutelogo de direitos fundamentais da Constituiccedilatildeo
de 1988
Nesse sentido o voto do Ministro Marco Aureacutelio tratou de definir o sistema de
direitos fundamentais como a ldquoproacutepria essecircncia da Constituiccedilatildeordquo qualificando-os
como ldquovalores objetivos que servem como norte da atuaccedilatildeo estatalrdquo Assim estaacute
consignado nos fundamentos do referido voto
A Constituiccedilatildeo de 1988 representou um divisor de aacuteguas entre o antigo regime totalitaacuterio e um periacuteodo de redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes marcando dessa forma uma eacutepoca que tem como modelo de atuaccedilatildeo do Estado o respeito incondicional aos direitos fundamentais Por isso mesmo o sistema constitucional dos direitos fundamentais previsto no artigo 5o da Carta com os eventuais acreacutescimos do sect 2o reflete em rigor e em larga medida a proacutepria essecircncia da Constituiccedilatildeo e a retomada do processo de democratizaccedilatildeo e da garantia do cidadatildeo contra abusos e arbitrariedades no exerciacutecio do Poder Puacuteblico Os direitos fundamentais satildeo hoje verdadeiros princiacutepios estruturantes da organizaccedilatildeo e do funcionamento do Estado valores objetivos que servem como norte da atuaccedilatildeo estatal em seus mais diferentes niacuteveis no Legislativo formam um cataacutelogo de princiacutepios e garantias que informam e direcionam toda a atividade de criaccedilatildeo das normas de nosso ordenamento juriacutedico e de concretizaccedilatildeo dos preceitos constitucionais no Executivo mostram-se como verdadeiros limites ao exerciacutecio do poder administrativo servindo como trincheiras de proteccedilatildeo da liberdade do cidadatildeo e no judiciaacuterio refletem a base e o fundamento necessaacuterio da compreensatildeo e interpretaccedilatildeo de nossas normas ndash efeito interpretativo - evitando que a atividade jurisdicional se transforme em medidas discricionaacuterias ou providecircncias ilegiacutetimas de opccedilotildees poliacuteticas pautadas em escolhas pessoais dos juiacutezes
Tudo indica que se trata do iniacutecio de uma soacutelida construccedilatildeo jurisprudencial a
respeito do sentido axioloacutegico do sistema de direitos fundamentais da Constituiccedilatildeo
de 1988
30
Os Direitos Individuais satildeo de exerciacutecio exclusivo do indiviacuteduo e devem ser
formalmente reconhecidos e concretizados no cotidiano do cidadatildeo O indiviacuteduo aqui
eacute considerado um sujeito de direitos e natildeo apenas como integrante de um corpo
social Esses direitos natildeo podem sofrer nenhum tipo de restriccedilatildeo natildeo se
discriminando quem os pode exercer uma vez que satildeo titulares todas as pessoas
capazes incapazes brasileiras estrangeiras alfabetizadas e iletradas
A Constituiccedilatildeo Cidadatilde foi a primeira a estabelecer direitos natildeo soacute de
indiviacuteduos mas tambeacutem de grupos sociais os denominados direitos coletivos Com
isso as pessoas passaram a ser coletivamente consideradas Os direitos individuais
e coletivos estatildeo anunciados no art 5ordm em setenta e sete incisos e em dois
paraacutegrafos
Verifica-se que os Direitos Individuais tecircm como ponto marcante a liberdade
seja ela tomada de maneira global ou especiacutefica como liberdade de associaccedilatildeo de
reuniatildeo A liberdade de reuniatildeo (art 5ordm XVI) constitui-se na primeira e mais simples
liberdade corporativa estando logo apoacutes a liberdade de locomoccedilatildeo
Os Direitos Sociais tecircm como titular uma coletividade e satildeo caracterizados
pela prestaccedilatildeo de serviccedilos ou oferecimento de melhorias para a sociedade como um
todo por parte do Poder Puacuteblico Assim os Direitos Sociais tornam possiacutevel a fruiccedilatildeo
e o exerciacutecio dos Direitos Individuais pela coletividade mesmo pelos carentes
materialmente
O art 6deg define os Direitos Sociais da seguinte maneira ldquoSatildeo Direitos Sociais
a educaccedilatildeo a sauacutede o trabalho a moradia o lazer a seguranccedila a previdecircncia
social a proteccedilatildeo agrave maternidade e agrave infacircncia a assistecircncia aos desamparados na
forma desta Constituiccedilatildeordquo
Portanto eacute obrigatoacuteria ao Estado a proteccedilatildeo dos interesses da coletividade
com o atendimento dos direitos acima citados
Satildeo direitos poliacuteticos os que conferem o acesso da populaccedilatildeo agrave participaccedilatildeo
no Poder do Estado tais como os direitos de votar e ser votado do referendo
plebiscito e iniciativa popular das leis O direito democraacutetico de participaccedilatildeo dos
cidadatildeos no governo por meio de seus representantes exigiu a formaccedilatildeo de um
conjunto de normas legais permanentes que recebeu a denominaccedilatildeo de direitos
poliacuteticos Os Direitos Poliacuteticos amparam os Direitos Individuais Sociais e
Econocircmicos pois quando desaparece a democracia desaparecem imediatamente
as liberdades fundamentais
31
Com o advento da Constituiccedilatildeo de 1988 foram criadas instituiccedilotildees para
fiscalizar e controlar a atuaccedilatildeo da administraccedilatildeo puacuteblica entre as quais o Ministeacuterio
Puacuteblico que funciona como um canal de expressatildeo dos direitos da populaccedilatildeo
O Ministeacuterio Puacuteblico foi a instituiccedilatildeo que mais ganhou importacircncia no cenaacuterio
puacuteblico por ter passado a defender os interesses coletivos ou seja os interesses de
um grupo categoria ou classe e natildeo de um indiviacuteduo isolado No artigo 127 o
Ministeacuterio Puacutebico (MP) eacute definido como ldquouma instituiccedilatildeo permanente essencial agrave
funccedilatildeo jurisdicional do Estado incumbindo-lhe a defesa da ordem juriacutedica do regime
democraacutetico e dos interesses sociais e individuais indispensaacuteveisrdquo
Cabe ao Ministeacuterio Puacuteblico exigir dos poderes puacuteblicos e dos serviccedilos de
relevacircncia puacuteblica respeito aos direitos elencados na Constituiccedilatildeo promovendo as
medidas necessaacuterias agrave garantia desses direitos Portanto eacute responsaacutevel pela
garantia da ordem juriacutedica do regime democraacutetico da moralidade puacuteblica e dos
direitos sociais e individuais
23 A consagraccedilatildeo dos direitos do cidadatildeo
A Constituiccedilatildeo de 1988 eacute o coroamento da histoacuteria constitucional do Brasil por
ter sido um marco da redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes opondo-se a qualquer forma de
autoritarismo Nela a cidadania foi consagrada como um dos fundamentos da
Repuacuteblica Federativa do Brasil (art 1ordm inc II) Observe-se que o termo cidadania
encontra-se na Constituiccedilatildeo em sentido mais amplo do que o de titular de direitos
poliacuteticos pois qualifica os participantes da vida do Estado e reconhece o indiviacuteduo
como pessoa integrada na sociedade estatal
Essa nova concepccedilatildeo de cidadania introduzida pela Constituiccedilatildeo Federal de
1988 eacute fruto da internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos e como marco principal da
institucionalizaccedilatildeo erigiu em seu artigo primeiro a dignidade da pessoa humana (inc
III) e a cidadania (incII) a princiacutepio fundamental
Institui com o princiacutepio da cidadania uma nova compreensatildeo acerca dos
direitos de deveres da pessoa elevado-o a status maacuteximo a regra-matriz que natildeo
pode ser desrespeitada pois os fundamentos constituem a essecircncia da Repuacuteblica
32
Federativa e servem como regra-matriz para a elaboraccedilatildeo interpretaccedilatildeo e
integraccedilatildeo do sistema juriacutedico nacional
Violar um princiacutepio eacute muito grave que transgredir uma norma qualquer A desatenccedilatildeo ao principio implica ofensa natildeo apenas a um especifico mandamento obrigatoacuterio mas a todo o sistema de comandos Eacute a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade representa insurgecircncia contra todo o sistema subversatildeo de valores fundamentais (MELLO apud CHIMENTI 2005 P 33)
Para Silva (2004) cidadania eacute discriminada como princiacutepio relativo ao regime
poliacutetico Dessa forma compreendida cidadania como princiacutepio fundamental eacute o
direito de participar dos destinos do Estado e mais usufruir dos direitos civis
fundamentais previstos na Constituiccedilatildeo
Muitos doutrinadores utilizam cidadania no mesmo sentido de nacionalidade
(Art 12 da Constituiccedilatildeo Federal) e de direitos poliacuteticos (Art 14) Em alguns outros
dispositivos a palavra cidadania (ou cidadatildeo) poderia ainda ter a significaccedilatildeo de
direitos poliacuteticos mas mesmo assim de forma impliacutecita a exemplo dos arts 22 XIII
e 5ordm LXXIII No primeiro se lecirc que compete agrave Uniatildeo legislar sobre nacionalidade
cidadania e naturalizaccedilatildeo e no segundo que qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima
para propor accedilatildeo popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de
entidade de que o Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e
ao patrimocircnio histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de
custas judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia No entanto conforme Mazzuoli (2002)
Observe-se que a Carta de 1988 ao tratar no seu art 14 dos direitos poliacuteticos natildeo se refere sequer em um momento agrave expressatildeo cidadania dizendo apenas que a soberania popular seraacute exercida pelo sufraacutegio universal e pelo voto direito e secreto com valor igual para todos (hellip) Pelo contraacuterio a Constituiccedilatildeo faz uma separaccedilatildeo entre cidadania e direitos poliacuteticos quando no seu art 68 sect 1ordm II ao tratar das leis delegadas exclui do acircmbito da delegaccedilatildeo legislativa a nacionalidade cidadania direitos individuais poliacuteticos e eleitorais
A Constituiccedilatildeo brasileira de 1988 com a transiccedilatildeo para o regime democraacutetico
consagrou expressamente esta nova concepccedilatildeo de cidadania como se depreende
da leitura de vaacuterios dos seus dispositivos
Foi nesse sentido que pioneiramente estatuiu a Carta de 1988 em seu art
1ordm que a Repuacuteblica Federativa do Brasil formada pela uniatildeo indissoluacutevel dos
33
Estados e Municiacutepios e do Distrito Federal constitui-se em Estado Democraacutetico de
Direito e tem como fundamentos dentre outros a cidadania (inc II) Como jaacute
mencionado
Na mesma esteira o disposto no art 5ordm incisos LXXI (conceder-se-aacute
mandado de injunccedilatildeo sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviaacutevel o
exerciacutecio dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes agrave
nacionalidade agrave soberania e agrave cidadania) e LXXVII (satildeo gratuitas as accedilotildees de
habeas-corpus e habeas-data e na forma da lei os atos necessaacuterios ao exerciacutecio
da cidadania) No seu Tiacutetulo VIII Capiacutetulo II Seccedilatildeo I a Carta Magna de 1988
dispotildee ainda que a
Educaccedilatildeo direito de todos e dever do Estado e da famiacutelia seraacute promovida e incentivada com a colaboraccedilatildeo da sociedade visando ao pleno desenvolvimento da pessoa seu preparo para o exerciacutecio da cidadania e sua qualificaccedilatildeo para o trabalho (art 205)
Outro dispositivo em que fica bastante marcada esta nova concepccedilatildeo de
cidadania eacute o art 64 do Ato das Disposiccedilotildees Constitucionais Transitoacuterias que
dispotildee
A Imprensa Nacional e demais graacuteficas da Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios da administraccedilatildeo direta ou indireta inclusive fundaccedilotildees instituiacutedas e mantidas pelo Poder Puacuteblico promoveratildeo ediccedilatildeo popular do texto integral da Constituiccedilatildeo que seraacute posta agrave disposiccedilatildeo das escolas e dos cartoacuterios dos sindicatos dos quarteacuteis das igrejas e de outras instituiccedilotildees representativas da comunidade gratuitamente de modo que cada cidadatildeo brasileiro possa receber do Estado um exemplar da Constituiccedilatildeo do Brasil
Enfim a Constituiccedilatildeo de 1988 enriqueceu e ampliou os conceitos de cidadatildeo
e cidadania Seu entendimento agora como leciona Silva (2005)
Decorre da ideia de Constituiccedilatildeo dirigente que natildeo eacute apenas um repositoacuterio de programas vagos a serem cumpridos mas constitui um sistema de previsatildeo de direitos sociais mais ou menos eficazes em torno dos quais eacute que se vem construindo a nova ideacuteia de cidadania
De forma que natildeo mais se trata de considerar a cidadania como simples
qualidade de gozar direitos poliacuteticos mas sim de aferir-lhe um nuacutecleo miacutenimo e
irredutiacutevel de direitos (fundamentais) que devem se impor obrigatoriamente agrave accedilatildeo
dos poderes puacuteblicos
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O ordenamento juriacutedico brasileiro consagrou aleacutem dos institutos jaacute
mencionados alguns outros mecanismos de defesa dos direitos e garantias
constitucionais da cidadania como a accedilatildeo civil puacuteblica regulada pela Lei nordm
734785 e accedilatildeo direta de inconstitucionalidade prevista no incIV do art 129 da
Constituiccedilatildeo Federal O Coacutedigo de Defesa do Consumidor o Estatuto da Crianccedila e
do Adolescente e ateacute mesmo o princiacutepio do devido processo legal que resguarda ao
cidadatildeo o acesso agrave justiccedila e direito de ser acionado judicialmente por meio de
procedimentos legais satildeo mecanismos de defesa dos direitos de cidadania
previstos constitucionalmente e garantidos na esfera poliacutetica civil e social
Pode-se observar que a cidadania comeccedilou a ser construiacuteda como resultado
de um processo de luta a partir da conscientizaccedilatildeo dos direitos e deveres do
homem Como vimos a cidadania jaacute em praacutetica em muitos paiacuteses adquire no
Brasil com a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 um novo sentido qual seja o
pressuposto do exerciacutecio pleno de um sistema de direitos e garantias
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CAPIacuteTULO 3 - CIDADANIA COMO MECANISMO DE
TRANSFORMACcedilAtildeO SOCIAL
No momento em que a cidadania alccedila voos constitucionais e insere-se na
Carta Poliacutetica da Repuacuteblica Federativa do Brasil inicia-se o processo de
redemocratizaccedilatildeo e ganha relevo o cidadatildeo agente deste processo que tem em
suas matildeos a tarefa da construccedilatildeo de um novo tempo
Historicamente a ideia de cidadatildeo conotava o habitante da cidade ndash o
citadino ndash firma-se entatildeo tal conotaccedilatildeo na Antiguumlidade claacutessica para depois
significar aquele indiviacuteduo a quem se atribuem os direitos poliacuteticos Superada essa
acepccedilatildeo que tambeacutem vigorou nas constituiccedilotildees anteriores da Repuacuteblica do Brasil
na concepccedilatildeo moderna estaacute clara a noccedilatildeo de cidadatildeo como aquele que a quem
consiste a titularidade de direitos individuais poliacuteticos e sociais Noccedilatildeo esta
edificada com a internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos que amplia a acepccedilatildeo do
termo declarando que satildeo cidadatildeos todo aquele que habita o acircmbito da soberania
de um Estado e deste Estado recebem uma carga de direitos e tambeacutem deveres dos
mais variados
Desta forma a noccedilatildeo contemporacircnea de cidadania funda-se na dicotomia
direitos (exerciacutecios de direitos fundamentais - participaccedilatildeo) e deveres (colaboraccedilatildeo -
solidariedade) Ao lado dos direitos foram estabelecidos deveres fundamentais e
portanto tanto agentes puacuteblicos como os indiviacuteduos tecircm obrigaccedilotildees especiacuteficas
inclusive a de respeitar os direitos das demais pessoas que vivem na ordem social
sendo e promovendo mecanismos de transformaccedilatildeo social que visam uma nova
sociedade baseada na igualdade e na justiccedila
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31 O ser cidadatildeo
Os termos indiviacuteduo ser humano pessoa e cidadatildeo satildeo geralmente tomados
como sinocircnimo o que certamente influi na proliferaccedilatildeo de incontaacuteveis significados e
ampliaccedilatildeo do termo cidadatildeo Poreacutem estas palavras apesar de se assemelharem
possuem carga semacircntica proacutepria e da compreensatildeo exata de cada uma decorre a
conceituaccedilatildeo mais acentuada da acepccedilatildeo do termo cidadatildeo como titular de direitos
e deveres resguardados pela constituiccedilatildeo paacutetria
Desta forma indiviacuteduo eacute um representante da espeacutecie aquele que eacute uacutenico
Enquanto ser humano eacute um termo mais geneacuterico ou indeterminado que diz respeito
agrave espeacutecie agrave classificaccedilatildeo ao mundo zooloacutegico Pessoa por sua vez eacute um termo
mais especiacutefico que tem a ver com o mundo civilizado ou se preferirmos com a
constelaccedilatildeo dos valores morais eacuteticos e juriacutedicos proacuteprios da civilizaccedilatildeo
A etimologia da palavra pessoa demonstra que eacute um conceito sobreposto ao conceito de Ser Humano Um refratildeo de origem juriacutedica tambeacutem nos lembra do homo plures pessoa polimorfa o ser humano capaz de desempenhar muitos papeacuteis um mesmo ser humano eacute empresaacuterio e delinquumlente eacute pai e metaluacutergico etc Persona (personagem) era a maacutescara que usavam os atores da trageacutedia grega para desempenhar seu papel Cabe portanto entender o conceito de Ser Humano ao lado do conceito de Pessoa No direito romano antigo os escravos eram seres humanos (homens) mas natildeo eram consideradas pessoas (patriacutecios) Os juristas romanos que usavam o conceito de Ser Humano o dissociavam do conceito de pessoas (CUNHA 2007)
O Ser Humano recebe uma distinccedilatildeo importante quando o consideramos
como Pessoa assim como a Pessoa recebe uma distinccedilatildeo redundante natildeo menos
importante quando a consideramos por forccedila de expressatildeo como uma pessoa
humana Subentendendo o adjetivo humano como relativo agrave eacutetica Portanto Ser
Humano natildeo eacute a mesma coisa que Pessoa como tampouco Ser Humano eacute o
mesmo que cidadatildeo este muito eacute mais proacuteximo do termo Pessoa Vejamos o quadro
ilustrativo que esquematiza e distinguem os referidos conceitos
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QUADRO 1 ndash EVOLUCcedilAtildeO DO SER HUMANO ATEacute O CIDADAtildeO
O Ser Humano O Ser Indiviacuteduo O Ser Pessoa O Ser Cidadatildeo
A Dimensatildeo do conviacutevio social
A dimensatildeo do mercado de trabalho e
Consumo
A Dimensatildeo de encontrar-se no mundo
A dimensatildeo de intervir na realidade
O homem tornar-se Ser Humano nas relaccedilotildees
de conviacutevio social
O Ser Humano tornar-se indiviacuteduo quando
descobre seu papel e funccedilatildeo social
O Indiviacuteduo torna-se pessoa quanto toma
consciecircncia de si mesmo do outro e do
mundo
A pessoa torna-se cidadatildeo quando
interveacutem na realidade em que vive
Quem estuda o comportamento do Ser
Humano Seria a antropologia a histoacuteria
ou a sociologia
Quem estuda o comportamento do indiviacuteduo Seria a
Filosofia a sociologia ou a Psicologia
Quem estuda o comportamento da pessoa Seria a
Filosofia a sociologia ou a Psicologia
Quem estuda o comportamento do cidadatildeo Seria a
Sociologia a Filosofia ou As ciecircncias
poliacuteticas
Quem garante os direitos do Ser
Humano A Declaraccedilatildeo Universal
dos Direitos Humanos
Quem garante os Direitos do
Consumidor O Coacutedigo do Consumidor
Quem garante os Direitos da pessoa A proacutepria pessoa (amor proacuteprio ou autoestima)
Quem garante os Direitos do cidadatildeo (A Constituiccedilatildeo e suas leis
regulamentares)
Existe realmente uma natureza humana Teologicamente
afirmamos que existe a uma natureza humana
Seguindo a corrente existencialista (JP Sartre) negamos tal
natureza
Que diferenccedila existe entre o direito do
consumidor e o direito do cidadatildeo Ao
Consumidor deve ser dado o direito de
propriedade enquanto ao cidadatildeo deve ser
dado o direito de acesso
O que significa tornar-se pessoa no niacutevel
psicoloacutegico e social A pessoa eacute o indiviacuteduo que toma consciecircncia de si mesmo (ldquoTornar-
se Pessoardquo de Karl Roger)
Como podemos intervir na realidade
modificando as estruturas corruptas e injustas Quando os
direitos do cidadatildeo lhe satildeo oferecidos e o
mesmo passa a exercecirc-lo haacute
modificaccedilatildeo de comportamento
(ROSAS 2009)
O cidadatildeo eacute portanto aquele indiviacuteduo a quem a Constituiccedilatildeo confere direitos
e garantias e lhe daacute o poder do seu efetivo exerciacutecio aleacutem de meios processuais
eficientes contra a violaccedilatildeo de seu gozo ou fruiccedilatildeo por parte do poder puacuteblico
Sendo assim
A passagem do indiviacuteduo a cidadatildeo caracteriza-se pelo reconhecimento pela lei de direitos considerados fundamentais agrave realizaccedilatildeo da vida do homem como indiviacuteduo e ser social membro de uma comunidade poliacutetica e a garantia desses direitos pela forccedila comum de todos (CUNHA 2007)
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Nas uacuteltimas deacutecadas em alguns paiacuteses inclusive no Brasil desenvolveu-se o
conceito de cidadania calcado principalmente na questatildeo do cidadatildeo-consumidor
As pessoas passam a ser vistas como cidadatildes desde que tenham dinheiro para
adquirir mercadorias e utilizar serviccedilos Eacute certo pois que serviccedilos e mercadorias
atendem a necessidades materiais e simboacutelicas das pessoas e consumi-los eacute um
dos modos de participar da vida social criar identidade e partilhar dos bens
produzidos pela humanidade e representar-se culturalmente Contudo a cidadania
enfatizada apenas como uma relaccedilatildeo de compra e venda de mercadorias e serviccedilos
assume um conteuacutedo restrito individual conformista e voltado apenas para a
aquisiccedilatildeo de bens o que se relaciona com a ideacuteia de indiviacuteduo ou seja o consumo
atende as necessidades do indiviacuteduo
Outra forma de confusatildeo acerca do conceito de cidadatildeocidadania refere-se a
equiparaccedilatildeo feita com o assistencialismo o que configura uma acentuada inversatildeo
do termo uma vez que a praacutetica do assistencialismo natildeo propicia meios de
superaccedilatildeo das desigualdades sociais Enquanto a cidadania estaacute relacionada agrave
superaccedilatildeo das desigualdades sociais e a extensatildeo da garantia dos direitos de todos
O cidadatildeo eacute sem duacutevida uma expressatildeo que precisa ser adequadamente
utilizada e vivenciada pela coletividade compreendido na dimensatildeo do ser pessoa
de ter direitos e deveres do assumir as suas liberdades e responsabilidades no seio
de uma comunidade democraacutetica equitativa solidaacuteria e intercultural
Dessa forma ser cidadatildeo implica saber viver em sociedade estando ciente
dos anseios comuns A participaccedilatildeo ativa nas decisotildees de sua comunidade
influencia modos de vida de maneira positiva ao seu redor assim torna-se
imprescindiacutevel o exerciacutecio dos direitos constitucionais adquiridos e lutar pelos que
viratildeo eacute sobretudo estar consciente de todas as atitudes tomadas em prol da
sociedade
Eacute possiacutevel nesse espaccedilo de discussatildeo falar em ldquoestar cidadatildeordquo que eacute natildeo
praticar o exerciacutecio da cidadania em nenhuma de suas formas Implica apenas em
se deixar levar pelos acontecimentos e ainda reclamar das situaccedilotildees vividas sem
nada fazer para mudar sem nenhuma perspectiva de futuro Do que concluiacutemos que
a dinacircmica de intervir na realidade eacute pressuposto de cidadania
Ser cidadatildeo eacute tarefa que requer muito do ser humano do individuo da
pessoa Requer uma alta - estima elevada uma consciecircncia solidaacuteria uma
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identidade que se reconheccedila na dinacircmica social interagindo com o outro ampliando
debates incitando justiccedila eacute sem duvida uma tomada de posiccedilatildeo que natildeo se
acomoda pelo contraacuterio se incomoda quando natildeo haacute comprometimento para o bem
comum
Natildeo eacute uma tarefa cocircmoda senatildeo muito complicada as pessoas natildeo nascem cidadatildeos mas fazem-se no tempo e no espaccedilo Na verdade natildeo eacute faacutecil exercer a liberdade e a cidadania ndash ser pessoa e ser cidadatildeo ndash por isso exige-se uma luta sem treacuteguas para erradicar assimetrias e exclusotildees socioculturais e criar cenaacuterios de esperanccedila realizaacuteveis fundamentados em valores e princiacutepios eacuteticos que requalifiquem a democracia com cidadatildeos participativos e
comprometidos ( SAEZ 1995)
Tem portanto como pressuposto uma mudanccedila de comportamento uma
tomada de posiccedilatildeo frente agrave dinacircmica social na qual estaacute inserido participando de
forma ativa e produtiva do processo de construccedilatildeo da cidadania por meio de seus
diversos canais
32 Emancipaccedilatildeo social atraveacutes da cidadania
Um Estado Democraacutetico eacute aquele que estaacute enraizado na legitimidade do
poder do povo e dele decorre seu exerciacutecio Assim o poder do povo eacute a expressatildeo
a aptidatildeo de homens e mulheres constituir autonomamente seu viver sem sucumbir
diante das instacircncias de poder Haacute nesse modus vivendi uma tutela das diferenccedilas e
pluralidades de formas de vida
Desta forma a cidadania eacute enfocada como o processo de participaccedilatildeo do
individuo ou de um grupo organizado nas mais variadas aacutereas de atuaccedilatildeo na
sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos sociais com a consciecircncia
da responsabilidade por sua proacutepria histoacuteria
Sendo a democracia o regime em que o povo governa sua caracteriacutestica
inarredaacutevel eacute a de ter o povo agrave frente do poder uma forma de autogoverno Em
assim sendo a cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia por meio de resultados
palpaacuteveis e medidas concretas tais como mudanccedilas na realidade de cada um com
melhoria de vida e conscientizaccedilatildeo da importacircncia na sociedade para o exerciacutecio
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direto ou indireto desse poder pois se contentar com fato do direito estaacute prescrito
em lei natildeo eacute o bastante
Eacute certo poreacutem que o Estado democraacutetico somente se aperfeiccediloa na
proporccedilatildeo em que o povo age ativamente na medida em que os representantes
reflitam em seus atos os verdadeiros anseios populares Partindo dessa visatildeo a
cidadania eacute o grande fator de legitimaccedilatildeo do povo permitindo que ele aja em defesa
das instituiccedilotildees democraacuteticas
Sobre a participaccedilatildeo cumpre asseverar que este direito significa a
capacidade de ser consultado para as tomadas de decisatildeo que dizem respeito agrave
direccedilatildeo da sociedade em que vive o cidadatildeo este direito eacute acompanhado do
respeito aos deveres de contribuir para o progresso social e de acatar e respeitar o
resultado obtido em consulta coletiva
No elenco de mecanismo de exerciacutecio da cidadania estaacute o acesso ao direito e
a justiccedila que eacute fator preponderante para efetivar as garantias constitucionais
Assim passaremos a discorrer sobre a importacircncia de instrumentalizar o
cidadatildeo para um pleno exerciacutecio de seus direitos
Eacute Sabido que no Estado Democraacutetico Contemporacircneo os direitos
fundamentais constitucionalmente assegurados tecircm eficaacutecia imediata cumprindo ao
Estado garantir a todos os cidadatildeos o respeito a esses Direitos de modo concreto e
efetivo natildeo obstante as inuacutemeras desigualdades e condiccedilotildees adversas que
dificultam na praacutetica o seu exerciacutecio
Para o acesso ao direito o Estado deve desenvolver com eficiecircncia uma seacuterie
de atividades essenciais e dar efetividade a uma seacuterie de pressupostos Dentre eles
o principal eacute o conhecimento do Direito como fator preponderante pois o
desconhecimento da lei implica na praacutetica natildeo acionar a jurisdiccedilatildeo Um fato que
contribui para essa assertiva eacute baixa escolaridade da populaccedilatildeo e o analfabetismo
Muito pouco adianta a existecircncia de uma Constituiccedilatildeo apenas formal ou no
papel se ilegiacutetima ou desrespeitada Para que ocorra a eficaacutecia das normas
dispostas numa Constituiccedilatildeo ou melhor para que passe da teoria agrave praacutetica eacute
essencial que comandados e comandantes tenham conhecimento dos seus direitos
e responsabilidades assim como dos instrumentos juriacutedicos para efetivaacute-los (leis
regulamentadoras) O exerciacutecio da cidadania natildeo eacute somente um direito mas eacute
tambeacutem um dever de todos pois a omissatildeo de cada um contribui com as injusticcedilas e
as impunidades tatildeo presentes nos dias atuais
41
A Constituiccedilatildeo quando eacute justa e legiacutetima e principalmente quando eacute
respeitada eacute um poderoso instrumento de promoccedilatildeo e desenvolvimento social e
humano
Outro fator que deve ser considerado eacute a miserabilidade que coloca inuacutemeros
brasileiros a margem da sociedade em situaccedilatildeo precaacuteria os quais para Pinsky
(2004) ldquodesprovidos de esperanccedila de projeto de qualquer perspectiva de inclusatildeo
[] recorrer agrave Justiccedila humana parece algo irrealizaacutevel sofisticado e inteiramente
ficcionalrdquo
Desta forma o primeiro passo para concretizar os direitos previstos
constitucionalmente eacute a formaccedilatildeo do cidadatildeo atraveacutes da Educaccedilatildeo Baacutesica
infundindo-lhe a consciecircncia dos seus direitos e tambeacutem dos seus deveres sociais
bem como dos valores humanos fundamentais que devem ser por todos respeitados
na vida em sociedade A universalizaccedilatildeo do ensino fundamental a oferta obrigatoacuteria
de educaccedilatildeo infantil pelo Estado e o crescimento da oferta do ensino meacutedio satildeo
alguns dos aspectos que merecem destaques e foi devido agrave determinaccedilatildeo
constitucional de estabelecer o caraacuteter obrigatoacuterio do ensino fundamental e de
responsabilizar o Estado por sua implementaccedilatildeo que tem iniacutecio o processo de
avanccedilo desse segmento
A Constituiccedilatildeo estabeleceu de forma mais clara o papel dos entes federados
na educaccedilatildeo Tambeacutem aumentou a participaccedilatildeo orccedilamentaacuteria destinada ao setor
Com as novas regras para distribuiccedilatildeo de recursos adotadas apoacutes a promulgaccedilatildeo
da Carta os municiacutepios voltam a interessar-se pela educaccedilatildeo fundamental e o paiacutes
atinge a universalizaccedilatildeo do setor o que se busca agora satildeo mecanismos para
garantir a qualidade no ensino
O segundo passo nessa dinacircmica eacute o oferecimento a todos os cidadatildeos de
condiccedilotildees miacutenimas de sobrevivecircncia e de existecircncia condignas atraveacutes do acesso
ao trabalho produtivo livremente escolhido e do pagamento de remuneraccedilatildeo capaz
de prover ao sustento do trabalhador e de sua famiacutelia
Para milhotildees de cidadatildeos que vivem na ignoracircncia e na miseacuteria nenhuma
utilidade ou eficaacutecia tecircm os inuacutemeros direitos constitucionalmente assegurados Para
aqueles que se habituaram a retirar proventos da mendicacircncia da prostituiccedilatildeo de
atividades iliacutecitas ou aqueles que se sentiram forccedilados a sujeitar-se agrave exploraccedilatildeo de
outrem para sobreviver natildeo haacute nenhuma crenccedila na dignidade da pessoa humana e
no valor social do trabalho
42
A pobreza engendra inuacutemeras relaccedilotildees de dominaccedilatildeo entre pessoas e entre grupos sociais As habitaccedilotildees subumanas da periferia das grandes cidades no Brasil constituem verdadeiros quistos sociais terras sem lei controladas por xerifes ou por quadrilhas de malfeitores O Estado que natildeo for capaz de dotar essas comunidades do acesso efetivo agrave Educaccedilatildeo agrave Sauacutede agrave Seguranccedila e agrave Paz Puacuteblicas e ao trabalho liacutecito certamente natildeo lhes estaraacute assegurando o acesso ao Direito porque a populaccedilatildeo abrutalhada pela miseacuteria e coagida pelo medo natildeo desfruta da miacutenima eficaacutecia concreta dos
seus direitos fundamentais (GRECO 2009)
Evidencia que acesso ao Direito nas sociedades modernas mesmo nas
economicamente desenvolvidas exige o fortalecimento dos grupos intermediaacuterios e
do associativismo O cidadatildeo natildeo estaacute mais em condiccedilotildees de defender-se
individualmente das ameaccedilas e lesotildees aos seus direitos perpetradas por pessoas ou
grupos que se encontram em posiccedilatildeo de vantagem nas relaccedilotildees econocircmicas e
sociais
O sindicato veio exercer este importante papel em relaccedilatildeo ao trabalhador
empregado Mas hoje as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo natildeo satildeo apenas as que existem no
mundo do trabalho mas as que se revelam em todos os tipos de relaccedilotildees humanas
relaccedilotildees de consumo relaccedilotildees de vizinhanccedila relaccedilotildees locatiacutecias relaccedilotildees
comerciais internas e internacionais e natildeo com menor relevacircncia relaccedilotildees entre os
particulares e o Estado entre outras
Eacute preciso assegurar esse equiliacutebrio na praacutetica o que somente tornar-se-aacute
possiacutevel atraveacutes da articulaccedilatildeo dos sujeitos que se encontram em posiccedilatildeo de
desvantagem em organizaccedilotildees e associaccedilotildees que pela uniatildeo de esforccedilos
consigam compensar o desequiliacutebrio existente e dar aos indiviacuteduos e grupos a forccedila
e a capa de proteccedilatildeo necessaacuterias para ombrearem-se aos seus adversaacuterios e
lutarem pelos seus direitos ou interesses em igualdade de condiccedilotildees
Para Greco (2009) o pressuposto indispensaacutevel do acesso ao Direito eacute a
transparecircncia do Estado no trato de questotildees que possam afetar a esfera de
interesses dos cidadatildeos e complementa que aos cidadatildeos eacute indispensaacutevel
assegurar o direito de influir eficazmente nas decisotildees do poder puacuteblico atraveacutes dos
mais diversos instrumentos de participaccedilatildeo democraacutetica Ele afirma que
A relaccedilatildeo Estado-cidadatildeo natildeo eacute mais a relaccedilatildeo soberano-suacutedito O cidadatildeo tem o direito de exigir do Estado o pleno respeito ao seu
43
patrimocircnio juriacutedico Lamentavelmente a crise do Estado tem levado o Brasil a aceitar-se como normal que as pessoas juriacutedicas de Direito Puacuteblico natildeo cumpram devidamente as prestaccedilotildees positivas de que satildeo devedoras perante os particulares cabendo a estes demandar na Justiccedila para obtecirc-las (GRECO 2009)
Essa visatildeo deformada da responsabilidade do Estado ocorre o
desvirtuamento da justiccedila Por outro lado agrave violaccedilatildeo da garantia constitucional da
tutela jurisdicional efetiva (Constituiccedilatildeo artigo 5 inciso XXXV) disciplina a lei natildeo
excluiraacute da apreciaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio lesatildeo ou ameaccedila ao direito Assim o
acesso ao Direito natildeo estaraacute concretamente assegurado se o Estado natildeo oferecer a
todo cidadatildeo a possibilidade de receber aconselhamento juriacutedico a respeito dos seus
direitos
Constituiccedilatildeo de 1988 no artigo 5deg inciso LXXIV assegurou a todos
ldquoassistecircncia juriacutedicardquo a englobar assistecircncia judiciaacuteria e assessoramento juriacutedico
extrajudicial Conforme Greco (2009) ldquoeacute preciso que esse direito seja assegurado
na praacutetica Uma vez que na vida moderna o Direito tornou-se excessivamente
complexordquo Ainda no dizer do autor a consciecircncia juriacutedica do homem comum que
deve ser adquirida na famiacutelia e na escola natildeo eacute mais suficiente para a tomada de
decisotildees na vida diaacuteria das pessoas Todas as pessoas mantecircm complexas relaccedilotildees
juriacutedicas com instituiccedilotildees financeiras com fornecedores de bens e de serviccedilos etc
Nessas relaccedilotildees juriacutedicas com frequecircncia os cidadatildeos tecircm de tomar decisotildees
raacutepidas O cidadatildeo que tem meios procura um advogado particular para assessoraacute-
lo Ao pobre o Estado deve assegurar o mesmo direito em plenitude
Sem duacutevida o uacuteltimo pressuposto do acesso ao Direito eacute o acesso agrave Justiccedila
no sentido de acesso a um tribunal estatal imparcial previamente instituiacutedo como
competente para a soluccedilatildeo de qualquer litiacutegio a respeito de interesse que se afirme
juridicamente protegido ou para a praacutetica de qualquer ato que a lei subordine agrave
aprovaccedilatildeo autorizaccedilatildeo ou homologaccedilatildeo judicial
Se o cidadatildeo tem consciecircncia dos seus direitos se o Estado lhe fornece
todas as condiccedilotildees para livremente exercecirc-los mas algum outro cidadatildeo ou algum
oacutergatildeo do proacuteprio Estado impede ou dificulta esse exerciacutecio cabe ao poder puacuteblico
pocircr agrave disposiccedilatildeo do cidadatildeo lesionado ou ameaccedilado a jurisdiccedilatildeo necessaacuteria para
assegurar o pleno acesso a tal direito
Atingimos eacute certo um estaacutegio de desenvolvimento do Direito Humanitaacuterio que
natildeo mais nos permite conformar-nos com uma realidade distante do padratildeo de
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convivecircncia humana que outras naccedilotildees jaacute alcanccedilaram O exerciacutecio pleno de
cidadania seraacute obra de mais de uma geraccedilatildeo Mas se trabalharmos com firmeza
certamente os jovens de hoje poderatildeo legar aos seus descendentes a emancipaccedilatildeo
cidadatilde um paiacutes melhor e uma sociedade mais justa e democraacutetica
33 O municiacutepio como acircmbito de exerciacutecio de cidadania
Historicamente o Municiacutepio enquanto unidade poliacutetico-administrativa surgiu
conforme descreve Berardi (2004) com a Repuacuteblica Romana interessada em
manter a dominaccedilatildeo paciacutefica das cidades conquistadas pela forccedila dos exeacutercitos
Sua origem mais de natureza socioloacutegica do que poliacutetica adveacutem do espiacuterito
associativo do homem e de suas relaccedilotildees de vizinhanccedila
Eacute pois a menor unidade territorial de Federaccedilatildeo cuja criaccedilatildeo reflete a base
da organizaccedilatildeo poliacutetica administrativa da Naccedilatildeo Portanto sua funccedilatildeo administrativa
historicamente vem assentada no princiacutepio do direito natural
O artigo primeiro da Constituiccedilatildeo Federal de 1998 estabelece que o
Municiacutepio ao lado dos Estados e do Distrito Federal formam a Republica Federativa
do Brasil que se constitui em Estado Democraacutetico de Direito O municiacutepio tem assim
um poder relevante para a aplicaccedilatildeo da democracia direta iniciada e fortalecida em
niacutevel local Diversos pensadores chegaram a afirmar que a descentralizaccedilatildeo de
poder resultante da constituiccedilatildeo Cidadatilde era antes de tudo uma conquista dos
Municiacutepios sendo eles os berccedilos da perpetuaccedilatildeo da Repuacuteblica e da Democracia
efetivamente por serem o uacutenico niacutevel de governo possuidores de respaldo e
localizaccedilatildeo fiacutesica ou seja solo municipal
Eacute certo que a Carta Magna de 1988 consolidou significativas inovaccedilotildees para a
vida municipal de forma que o Municiacutepio passou a constituir um dos entes da
federaccedilatildeo tratando-o como unidade dotada de autonomia poliacutetica expressa na
capacidade de poder elaborar a sua Lei Orgacircnica fugindo assim da tutela dos
estados que ateacute entatildeo eram considerados como uacutenicos componentes da federaccedilatildeo
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A Lei Orgacircnica Municipal traz em seu bojo aleacutem da organizaccedilatildeo
administrativa do Municiacutepio a restauraccedilatildeo do Poder Legislativo municipal definindo
a diversificaccedilatildeo normativa que natildeo existia nas leis organizacionais outorgadas pelo
Estado reflexo do poder constituinte outorgados aos Municiacutepios pela Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 como consequecircncia do efetivo exerciacutecio do conceito de Estado
Democraacutetico de Direito
O Municiacutepio enquanto ente federativo tem atualmente a responsabilidade de
ordenar o seu desenvolvimento social e a garantia do bem estar de seus habitantes
executando poliacuteticas puacuteblicas de accedilotildees a serem empreendidas na consolidaccedilatildeo
democraacutetica do Estado
Fundada no elemento participaccedilatildeo o exerciacutecio de cidadania amplamente
citado encontra sua efetividade no municiacutepio Pois eacute nesse acircmbito de localizaccedilatildeo
que as pessoas mantecircm um contato direto com os poderes instituiacutedos suas
necessidades imediatas e mediatas satildeo objetos da disciplina da Lei que visa o bem
comum base do Estado democraacutetico de Direito
Baseado na maacutexima do municipalista e defensor da descentralizaccedilatildeo poliacutetica
Franco Motoro sabiamente proferiu que ldquoningueacutem vive na Uniatildeo ou no Estado As
pessoas vivem no Municiacutepiordquo Assim a cidadania encontra seu melhor espaccedilo de
realizaccedilatildeo na comunidade onde convive A vida em comunidade gera anseios
comuns sentimentos comuns uma vez que a convivecircncia propicia que as pessoas
se conheccedilam e se reconheccedilam como membros de uma mesma realidade
De acordo com Harvey (1992) ldquoa globalizaccedilatildeo provoca anonimato enquanto
comunidade cultiva solidariedaderdquo o que implica participaccedilatildeo para o exerciacutecio de
cidadania
Tudo o que acontece no mundo seja no meu paiacutes na minha cidade ou no meu bairro acontece comigo Entatildeo eu preciso participar das decisotildees que interferem na minha vida Um cidadatildeo com um sentimento eacutetico forte e consciecircncia da cidadania natildeo deixa passar nada natildeo abre matildeo desse poder de participaccedilatildeo (Herbert de Souza Betinho)
Com esse embasamento natildeo se pode perder de vista que eacute nas relaccedilotildees
diaacuterias de oposiccedilatildeo ou solidariedade que as pessoas exercem cidadania Na relaccedilatildeo
do com o outro com os poderes ao estabelecer com a vida social e puacuteblica uma
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convivecircncia posto que cidadania eacute tarefa que natildeo termina natildeo eacute um conceito
pronto tatildeo pouco acabado enquanto seres inacabados que somos estaremos
buscando descobrindo criando e tomando consciecircncia mais ampla dos direitos
O desafio eacute construir um novo discurso sobre cidadania atraveacutes de uma
praacutetica poliacutetica sustentada isto eacute realizada em dois niacuteveis
O primeiro niacutevel na base atraveacutes de construccedilatildeo das capacidades e do poder
proacuteprio da populaccedilatildeo o que envolve inevitavelmente uma mudanccedila de atitude na
busca para garantir seus direitos utilizando-se do grau de autonomia local
Essa atitude conceberia agrave democracia participativa como uma poliacutetica paralela
de intervenccedilatildeo social criando e mantendo novos espaccedilos para a tomada de
decisotildees ou seja para o auto-governo pela populaccedilatildeo nas mateacuterias que afetam
diretamente suas vidas
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade
O segundo niacutevel um governo com o povo e natildeo apenas para o povo fundado
nos ditames constitucionais valorizando o sentimento da sociedade no exerciacutecio da
governabilidade de modo que o balizamento das accedilotildees de governo deixaria de estar
no proacuteprio governo e passaria a estabelecer-se a partir do pensar da sociedade Um
governo que se pergunta o que se deve fazer para ouvir com a maior fidelidade
possiacutevel a sociedade suas instituiccedilotildees representativas e o cidadatildeo Pois as
prioridades da gestatildeo deveriam ser definidas pela sociedade e natildeo mais pelo
governo
Portanto nesses termos eacute preciso considerar que as praacuteticas da
administraccedilatildeo puacuteblica sejam democratizadoras e inclusivas inspiradas nos
princiacutepios da legalidade impessoalidade moralidade publicidade e eficiecircncia Esta
uacuteltima buscou estabelecer uma Administraccedilatildeo Puacuteblica mais eficiente no sentido de
que o cidadatildeo como destinataacuterio dos serviccedilos puacuteblicos que o Estado deve prestar
receba-os com maior qualidade e menor custo para o eraacuterio puacuteblico
Para a consecuccedilatildeo desse governar com o povo alguns pontos devem ser
revistos A mudanccedila implica na necessidade de adequaccedilatildeo reorganizaccedilatildeo
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reformulaccedilatildeo Para isso se faz premente em face dos novos e modernos conceitos
de gestatildeo puacuteblica a superaccedilatildeo do tradicional vezo burocraacutetico que vem convertendo
a Administraccedilatildeo nas palavras Dromi (1995) numa cara ldquomaacutequina de impedirrdquo fiel
ldquocoacutedigo do fracassordquo que dispotildee ldquoartigo primeiro natildeo pode artigo segundo em
caso de duacutevida abstenha-se artigo terceiro se eacute urgente espere artigo quarto
sempre eacute mais prudente natildeo fazer nadardquo numa posiccedilatildeo natildeo burocraacutetica e sim
democraacutetica de considerar que organizaccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica inclui a
praacutetica de ver os cidadatildeos como membros plenos da comunidade poliacutetica tendo
acesso e exercitando direitos as que promovem a organizaccedilatildeo da populaccedilatildeo em
torno de temas de interesse comum as que incluem o controle social sobre a
gestatildeo o debate amplo e informado sobre questotildees de governo e que abrem agrave
populaccedilatildeo as decisotildees sobre estas questotildees Como leciona e Barrientos (2000)
Tratam-se de praacuteticas que natildeo buscam somente melhorar a eficiecircncia administrativa das diferentes organizaccedilotildees puacuteblicas mas que incorporam no seu processo de gestatildeo a dimensatildeo ativa da cidadania isto eacute ldquoque facilitam as iniciativas e responsabilidades de todos os envolvidos[] estabelecendo pontes entre Estado e sociedade civil
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade Acreditamos
que o ponto de partida eacute a atitude aliada agrave solidariedade e ao espiacuterito coletivo Pois
governo e cidadatildeos juntos haveratildeo de cumprir um novo papel no processo de
desenvolvimento como agentes de uma nova cultura
Como afirma Peter Drucke
A parceria comunitaacuteria seraacute um dos verdadeiros setores em crescimento das economias desenvolvidas Surge da necessidade de uma participaccedilatildeo mais direta e efetiva da comunidade nas grandes questotildees da vida social pois natildeo existe ningueacutem melhor que o cidadatildeo para saber o que ele quer para si para sua famiacutelia e para sua comunidade (apud RAMOS 1990)
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O envolvimento efetivo da sociedade nas questotildees sociais natildeo eacute apenas uma
postura moderna Significa antes de tudo uma atitude digna de todos aqueles que
desejam exercer sua cidadania contribuindo para um paiacutes melhor e em especial
para uma sociedade mais justa fraterna e solidaacuteria
Na histoacuteria observa-se a grande coragem das pessoas em construir o
reconhecimento delas proacuteprias e de seus direitos sempre buscando a participaccedilatildeo e
defendendo os Direitos Humanos Sem duacutevida a maior ecircnfase que deve ocorrer
para a construccedilatildeo real da cidadania eacute uma mudanccedila na sociedade O melhor a ser
feito eacute reforccedilar a organizaccedilatildeo democraacutetica buscando novas formas de participaccedilatildeo
social pois cidadania natildeo se resume ao poder de votar ou ser votado mas eacute sempre
na efetiva participaccedilatildeo popular pois somente com isso haacute a verdadeira
conscientizaccedilatildeo e o comprometimento daquele que passa a se sentir cidadatildeo
abandonando-se velhos viacutecios da poliacutetica representativa
Desse modo a participaccedilatildeo do povo no momento das reivindicaccedilotildees das
discussotildees e apreciaccedilotildees de projetos que visem agrave melhoria da comunidade local a
exigecircncia de transparecircncia na administraccedilatildeo da coisa puacuteblica dentre outras eacute quem
daraacute embasamento para as verdadeiras conquistas sociais no Municiacutepio que geram
saudaacuteveis formas de pressatildeo por efetivas poliacuteticas puacuteblicas de inclusatildeo social
gerando o fim do clientelismo poliacutetico tatildeo pejorativo e comum em nossa realidade e
cultura poliacutetica
Somente a participaccedilatildeo social eacute que iraacute causar uma real democratizaccedilatildeo do
poder A afirmaccedilatildeo da cidadania eacute pressuposto para a realizaccedilatildeo dos Direitos
Humanos pois os homens natildeo nascem naturalmente iguais Inclusive para que
ocorra a realizaccedilatildeo dos referidos direitos eacute necessaacuterio tambeacutem que exista um
espaccedilo puacuteblico que seja realmente democraacutetico e acessiacutevel possibilitando a
participaccedilatildeo de todos e esse espaccedilo eacute certamente o municiacutepio
Na praacutetica um forte instrumento de cidadania para atender as necessidades
coletivas eacute o orccedilamento participativo previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal que
determina expressamente a realizaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas e a participaccedilatildeo
popular nos processos de elaboraccedilatildeo e conduccedilatildeo dos orccedilamentos como forma de
incentivo agrave preparaccedilatildeo e execuccedilatildeo de planejamentos que envolvam diretamente o
povo A Lei veio incentivar a sua propagaccedilatildeo para todos os entes federativos tendo
em conta que se trata de uma tendecircncia mundial por legitimar as escolhas e
fortalecer o princiacutepio da transparecircncia
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Os meios de acesso do cidadatildeo junto aos Poderes Puacuteblicos eacute uma realidade
no Estado Democraacutetico de Direito brasileiro a exemplo das sessotildees do Poder
Legislativo que satildeo puacuteblicas ficando abertas a todos que delas quiserem participar
Emite-se uma pauta antes do comeccedilo da sessatildeo com a preacutevia dos debates Em
niacutevel municipal verifica-se um acompanhamento mais incisivo sobre as sessotildees das
Cacircmaras de Vereadores como forma de pressatildeo para aprovaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees
da comunidade avaliaccedilatildeo do desempenho e aceitaccedilatildeo de propostas orccedilamentaacuterias
e atuaccedilatildeo dos poliacuteticos bem como entendimento das funccedilotildees do Poder Legislativo
A Constituiccedilatildeo Federal assegura desde 1988 a possibilidade de se oferecer
peticcedilatildeo agraves Mesas Legislativas como forma de pedir informaccedilotildees sobre andamento
de projetos ou relatoacuterios encaminhados aos chefes do Poder Executivo Em niacutevel
municipal pode ser utilizada a Tribuna Livre como instrumento para denuacutencias de
problemas ou discussatildeo de um tema ou mesmo para apresentar sugestotildees sendo
regulado pela Lei Orgacircnica Municipal e pelo Regimento Interno da Cacircmara
A convocaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas tambeacutem possui previsatildeo constitucional
no art 58 sect 20 inciso II em niacutevel federal As comissotildees podem em razatildeo da
mateacuteria de sua competecircncia realizar audiecircncias puacuteblicas com entidades da
sociedade civil E nada obsta que estejam previstas formas de articulaccedilatildeo da
sociedade civil com os Presidentes das Comissotildees da Cacircmara no seu Regimento
Interno em acircmbito municipal
Os dispositivos da Constituiccedilatildeo Federal que dispotildeem sobre a forma de
participaccedilatildeo direta do cidadatildeo e da sociedade civil no processo democraacutetico natildeo se
pode negar que trouxe novas perspectivas De modo geral podemos citar
Art 29 A lei orgacircnica dos Municiacutepios tem que observar entre os seus
preceitos ldquocooperaccedilatildeo das associaccedilotildees representativas no planejamento municipalrdquo
Art 31 As contas dos municiacutepios ficaratildeo durante 60 (sessenta) dias
anualmente a disposiccedilatildeo de qualquer contribuinte para exame e apreciaccedilatildeo o qual
poderaacute questionar-lhes a legitimidade nos termos da lei
Art37 sect 3ordm (EC-1998) A lei disciplinaraacute as formas de participaccedilatildeo do usuaacuterio
na administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta regulando especialmente
I- as reclamaccedilotildees relativas a prestaccedilatildeo dos serviccedilos puacuteblicos em geral asseguradas
a manutenccedilatildeo de serviccedilo de atendimento ao usuaacuterio e a avaliaccedilatildeo perioacutedica externa
e interna da qualidade dos serviccedilos
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II- o acesso dos usuaacuterios a registros administrativos e a informaccedilatildeo sobre atos de
governo observado o disposto no art 5ordm X e XXXIII
III- a disciplina da representaccedilatildeo conta o exerciacutecio negligente ou abusivo de cargo
emprego ou funccedilatildeo na administraccedilatildeo puacuteblica
Art 74 sect 2ordm Qualquer cidadatildeo partido poliacutetico associaccedilatildeo ou sindicato eacute
parte legiacutetima para na forma de lei denunciar irregularidades ou ilegalidades perante
o Tribunal de Contas da Uniatildeo
Art194 paraacutegrafo uacutenico Compete ao Poder Puacuteblico nos termos da lei
organizar a seguridade social com base nos seguintes objetivos ()
VII ndash caraacuteter democraacutetivo descentralizado na administraccedilatildeo mediante gestatildeo
quadripartite com participaccedilatildeo dos trabalhadores dos empregados e dos
aposentados e do Governo nos oacutergatildeos colegiados nos oacutergatildeos colegiados
Art 198 As accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede integram uma rede
regionalizada e hierarquizada o constituem um sistema uacutenico organizado de acordo
com as seguintes diretrizes
III ndash participaccedilatildeo da comunidade
Art 202 sect 6ordm A lei complementa a que se refere o sect 4ordm deste artigo
estabeleceraacute os requisitos para a designaccedilatildeo dos membros das diretorias das
entidades fechadas de previdecircncia privada e disciplinaraacute a inserccedilatildeo dos
participantes nos colegiados e instacircncias de decisatildeo em que seus interesses sejam
objeto de discussatildeo e deliberaccedilatildeo
Art 204 As accedilotildees governamentais na aacuterea de assistecircncia social seratildeo
organizadas com base nas seguintes diretrizes
II ndash Participaccedilatildeo da populaccedilatildeo por meio de organizaccedilotildees representativas na
formulaccedilatildeo das poliacuteticas e no controle das accedilotildees em todos os niacuteveis
O protagonista na concretizaccedilatildeo dos direitos humanos e na ampliaccedilatildeo da cidadania eacute um sujeito coletivo de um trabalho sempre inacabado eis que se tratam de tarefas e conquistas cotidianas e gradativas obras que soacute podem ser realizada a muitas matildeos no partilhar e compartilhar da vida (COSTA NETO 2010)
A ampliaccedilatildeo da cidadania requer a consciecircncia de que os direitos pressupotildeem
deveres de maneira que os direitos de um indiviacuteduo satildeo garantidos a partir do
cumprimento dos deveres dos demais componentes da sociedade
51
34 A necessaacuteria superaccedilatildeo de velhos paradigmas
Como se sabe em 1988 foi aprovada a Constituiccedilatildeo mais liberal e
democraacutetica do Brasil chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo Assim ampliou-se de
forma significativa o campo dos direitos e garantias fundamentais No que diz
respeito a tal mateacuteria eacute considerada como uma das mais avanccediladas do mundo No
seu preacircmbulo adota o modelo de um Estado democraacutetico de Direito destinado a
garantir o exerciacutecio dos direitos sociais e individuais a liberdade a seguranccedila o
bem-estar o desenvolvimento a igualdade e a justiccedila eleitos como valores
supremos de uma sociedade fraterna pluralista e sem preconceitos
Para a construccedilatildeo democraacutetica da cidadania no Brasil contemporacircneo
salienta-se de ela deve passar de uma democracia representativa para uma
cidadania que efetivamente molde a democracia ou seja uma cidadania instituinte
da democracia
No acircmbito constitucional positivo cidadania pressupotildee o exerciacutecio de todos
os direitos fundamentais e garantias que caracterizam o Estado democraacutetico de
Direito Quando se fala em cidadania eacute no sentido de reafirmar o direito pela plena
realizaccedilatildeo do indiviacuteduo do cidadatildeo dos entes coletivos e de sua emancipaccedilatildeo nos
espaccedilos da sociedade Estatildeo sempre intimamente ligados os conceitos de
cidadania democracia e direitos humanos sendo que um remete ao outro e seus
conteuacutedos se interligam ou seja a cidadania natildeo iraacute ocorrer sem que ocorra a
realizaccedilatildeo dos Direitos Humanos da mesma forma que os direitos humanos natildeo
seratildeo concretizados se natildeo houver o exerciacutecio da cidadania
Na evoluccedilatildeo histoacuterica tais categorias se desenvolveram de forma conjunta
com o Estado Representam noccedilotildees desejaacuteveis de relaccedilotildees humanas que se espera
sejam instituiacutedas Satildeo os elementos basilares na nova ordem social e que a
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 pretendeu edificar Poreacutem a democracia poliacutetica natildeo
resolveu os problemas econocircmicos mais seacuterios como a desigualdade e o
desemprego Continuam muito seacuterios os problemas da aacuterea social principalmente
na educaccedilatildeo nos serviccedilos de sauacutede e saneamento como tambeacutem e
principalmente quanto agrave seguranccedila puacuteblica
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A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 em seu artigo 6ordm e em outros artigos no texto
constitucional ampliou e muito os Direitos Sociais proibiu discriminaccedilotildees Assim
indicadores baacutesicos de qualidade de vida apontam que houve uma melhoria A
mortalidade infantil por exemplo caiu de maneira significativa nos uacuteltimos anos A
esperanccedila de vida ao nascer passou de 60 anos em 1980 para 70 em 2000 Poreacutem
o maior progresso foi na aacuterea da educaccedilatildeo fundamental que eacute considerado fator
decisivo para a cidadania pois a taxa de analfabetismo caiu consideravelmente
entretanto existem muitos problemas no campo educacional como a repetecircncia e
com relaccedilatildeo a desigualdade social entre as regiotildees
A grande concentraccedilatildeo da riqueza nacional nas matildeos de poucos reflete a
desigualdade e causa a pobreza e a miseacuteria ao passo que dificulta o acesso do
cidadatildeo agrave justiccedila e consequentemente ao seu estado de cidadania pleno
Dentre os fundamentos no qual se baseiam o Estado democraacutetico de Direito
no Brasil destaca-se justamente a cidadania e a dignidade humana conforme artigo
1ordm incisos II e III da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Entatildeo construir uma sociedade
livre justa e solidaacuteria garantir o desenvolvimento nacional erradicar a pobreza e a
marginalizaccedilatildeo reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de
todos sem preconceitos de origem raccedila sexo cor idade ou quaisquer outras
formas de discriminaccedilatildeo satildeo os objetivos fundamentais do Estado Brasileiro
conforme art 3ordm da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
O cenaacuterio de globalizaccedilatildeo econocircmica mundial tambeacutem traacutes seacuterios obstaacuteculos
para a construccedilatildeo da cidadania A globalizaccedilatildeo da economia em ritmo acelerado
provoca grandes mudanccedilas nas relaccedilotildees entre Estado sociedade e naccedilatildeo que
eram sempre o centro da noccedilatildeo e da praacutetica da cidadania ocidental O foco das
mudanccedilas e das preocupaccedilotildees estaacute em dois focos especiacuteficos a reduccedilatildeo do papel
central do Estado como fonte de direitos e local para a participaccedilatildeo e o
deslocamento da naccedilatildeo como principal fonte de identidade coletiva
Para que ocorra efetiva mudanccedila a melhor proposta eacute no sentido de
mudanccedila na organizaccedilatildeo da sociedade pois a inversatildeo da sequecircncia dos direitos
fez com que ocorra o reforccedilo da supremacia do Estado Para que ocorra a
consolidaccedilatildeo democraacutetica e cidadatilde eacute necessaacuterio reforccedilar a organizaccedilatildeo da
sociedade para assim dar embasamento social ao poder poliacutetico ou seja
finalmente democratizar o poder e estabelecer de forma plena a Cidadania
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CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A Constituiccedilatildeo que nasce com ldquocheiro de amanhatilde e natildeo de mofordquo nas
palavras do Deputado Ulisses Guimaratildees tem em seu relevo a esperanccedila de um
povo que sonhava com a erradicaccedilatildeo da repressatildeo militar e natildeo soacute isso um povo
que sonhava com a liberdade em suas diversas manifestaccedilotildees em suas mais
significativas formas de representaccedilatildeo e sobretudo com um paiacutes voltado para a
democracia e justiccedila social
Ao povo brasileiro foi concedido o poder de governar e nesse contexto de
mudanccedila a ldquodemocracia eacute o governo do povo pelo povo e para o povordquo na
conceituaccedilatildeo ceacutelebre de Abraham Lincoln E consoante estabelece o paraacutegrafo
uacutenico do art 1ordm da Carta cidadatilde de 1988 ldquotodo poder emana do povo que o exerce
por meio de representantes eleitos ou diretamenterdquo
No entanto natildeo basta que a fonte de poder seja o povo a democracia vem
significar a efetiva participaccedilatildeo do povo nas decisotildees e destino do Estado e sua
consolidaccedilatildeo eacute a proacutepria cidadania pois eacute o cidadatildeo que pensa e se auto define
diante da condiccedilatildeo soacutecio-histoacuterica O cidadatildeo tem portanto o poder de transformar
a realidade social segundo seu pensamento e accedilatildeo
Natildeo se pode negar que a Carta de 1988 foi a que apresentou maior
legitimidade popular que abriu caminhos apontando um novo tempo
Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita Se fosse perfeita seria irreformaacutevel Ela proacutepria com humildade e realismo admite ser emendada ateacute por maioria mais acessiacutevel dentro de cinco anos Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita mas seraacute uacutetil e pioneira e desbravadora Seraacute luz ainda que de lamparina na noite dos desgraccedilados Eacute caminhando que se abrem os caminhos Ela vai caminhar e abri-los Seraacute redentor o que penetrar nos bolsotildees sujos escuros e ignorados da miseacuteria (Ulysses Guimaratildees)
Mesmo natildeo sendo a constituiccedilatildeo perfeita sem duacutevida foi a que trouxe
esperanccedila ao povo brasileiro com a sua promulgaccedilatildeo surgiram o ldquohaacutebeas datardquo o
mandado de injunccedilatildeo e o mandado de seguranccedila coletivo - todos remeacutedios judiciais
de iacutendoles constitucionais serviacuteveis para prevenir e combater diversas tentativas de
abuso contra a pessoa humana Outrossim o objeto da accedilatildeo popular foi ampliado
Atualmente qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima para propor a mencionada accedilatildeo
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popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de entidade de que o
Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e ao patrimocircnio
histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de custas
judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia Nesse rol de forma decisiva houve a
ampliaccedilatildeo tambeacutem dos direitos sociais
Assim a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconhece e assegura uma seacuterie de
escudos protetivos aos cidadatildeos Em sua essecircncia os direitos fundamentais
ganham forma De modo que podemos assegurar que hoje o nosso Estado eacute uma
organizaccedilatildeo centrada no ser humano visto que tem a dignidade da pessoa humana
como um fundamento da Repuacuteblica Federativa do Brasil
Apesar das inuacutemeras dificuldades o Estado Democraacutetico de Direito fundado
na cidadania constituiu para o povo uma nova identidade ndash o que em outras eacutepocas
natildeo existia
A Constituiccedilatildeo circunscreve toda a organizaccedilatildeo poliacutetica estatal no intuito
maior de criar no consciente coletivo a vontade livre e determinada de desenvolver
padrotildees de condutas destinados a elevar e promover a auto-estima de toda a
comunidade paacutetria
Foi nesse sentido que estatui em seu artigo 1ordm a cidadania como fundamento
do Estado Democraacutetico de Direito ampliando e enriquecendo o tal conceito Cada
eacutepoca produziu praacuteticas e reflexotildees muito distintas sobre o tema cidadania A
definiccedilatildeo de cidadania que vem sofrendo alteraccedilotildees ao longo do tempo obedecendo
a um processo histoacuterico de conquistas sociais eacute compreendida atualmente como
um processo de participaccedilatildeo do indiviacuteduo ou de um grupo organizado nas mais
variadas aacutereas de atuaccedilatildeo da sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos
e sociais
A cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia disso natildeo haacute duvidas e se
efetiva como mudanccedilas na realidade de cada um com melhoria de vida e
conscientizaccedilatildeo da importacircncia do cidadatildeo dado que eacute um processo em
permanente construccedilatildeo Natildeo haacute como defender uma qualidade de vida sem a
preservaccedilatildeo da cidadania em todos os seus acircmbitos Nesse sentido a efetiva
proteccedilatildeo desse aspecto basilar torna-se essencial no que tange uma assistecircncia
juriacutedica completa
No contraponto do direito estatildeo os deveres que encontramos sua realizaccedilatildeo
tambeacutem na participaccedilatildeo observando que o cidadatildeo eacute responsaacutevel pelo advir de
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suas accedilotildees A participaccedilatildeo reflete um caraacuteter de natildeo comodismo de atenccedilatildeo agravequilo
que eacute particular e coletivo tendo como finalidade preciacutepua o bem comum
Construir cidadania hoje eacute imperativo para a sociedade pois dessa
construccedilatildeo depende o amanhatilde Estamos diante da Constituiccedilatildeo que se propotildee a
resguardar o amanhatilde sem perder de vista que ele comeccedila hoje agora e nisso a
Carta Poliacutetica traacutes consigo a certeza do despertar dessa consciecircncia a consciecircncia
cidadatilde Ela eacute a semente plantada em terra feacutertil que gera frutos diariamente e se
renova a cada estaccedilatildeo na dinacircmica da vida Talvez tenha sido esse o cheiro de
frutas alcanccedilado pelo constituinte ao anunciar que a carta tem ldquocheiro do amanhatilderdquo
A responsabilidade pelo exerciacutecio desses direitos belissimamente elencados
depende de todos e de cada um pois somos o terreno feacutertil que produziraacute o fruto de
uma sociedade fraterna
Eacute comum na praacutetica apenas responsabilizarmos o Estado em sentido lato pelo
natildeo exerciacutecio dos direitos do cidadatildeo Vale lembrar nesse contexto das palavras de
J Kennedy o qual disse ldquonatildeo pergunte o que o Estado pode fazer por vocecirc mas o
que vocecirc pode fazer pelo Estadordquo haacute nessa frase um forte traccedilo de cidadania pois
quando o cidadatildeo reivindica critica opina o que ele daacute em contrapartida ao paiacutes eacute
solidificado visto que eacute nas relaccedilotildees familiares em comunidade que se estabelece e
se fortalece os viacutenculos de solidariedade de uma sociedade que perpetua valores
condutas que as leis reguladoras natildeo conseguem por si soacute estabelecer
A concretizaccedilatildeo do ideal de uma qualidade de vida merecida a todos os seres
humanos sem restriccedilotildees requer entretanto um esforccedilo coletivo Dessa forma haacute
necessidade de suprir as muitas carecircncias advindas das desigualdades sociais e de
condiccedilotildees do descaso do poder puacuteblico e da proacutepria conceituaccedilatildeo antiga de
cidadania que ainda eacute concebida por muitos no presente
Em suma nosso trabalho procurou traccedilar a evoluccedilatildeo da cidadania e ao
mesmo tempo buscou traccedilar uma melhor caracterizaccedilatildeo do cidadatildeo agrave luz da nossa
Constituiccedilatildeo que eacute por fim a essecircncia da Magna Carta O alcance da cidadania
enquanto mecanismo de acesso a direitos foi colocado no acircmbito da pessoa
enquanto titular de direitos e num paralelo defendemos que o municiacutepio eacute o espaccedilo
de atuaccedilatildeo e exerciacutecio de cidadania dada a proximidade do cidadatildeo com as
instituiccedilotildees oacutergatildeos entidades e tudo o mais que o cerca na esfera de vivecircncia Eacute na
praccedila que discute a poliacutetica local e nacional que se indigna com as dificuldades e as
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barreiras de acesso aos seus direitos Eacute no municiacutepio que se inicia todo um vieacutes de
desdobramento para garantir direitos
Por fim natildeo obstante resta dizer sobre o tema que os caminhos e
paradigmas que se intentou percorrer sobre cidadania como mecanismo
transformador da sociedade tem ingrediente ainda a se descortinar para o
propoacutesito valioso do bem comum Pois bem a ideia de bem comum tem como
fundamento o amor maacutexima que se estabelece por meio da democracia visto que
ldquoa demofilia o demoiacutesmo o amor do povo acima de tudo como princiacutepio ativo de
toda a sua vida poliacutetica inspirador duma sempre crescente autonomia imanente eacute
que constitui a verdadeira essecircncia da democraciardquo nas palavras de Melgareacute
(2005)
Dessa forma eacute no nuacutecleo da democracia que estaacute inscrito como pedra
angular o respeito e o amor pela pessoa humana Eacute pois um tema de larga
abrangecircncia poreacutem sem querer abreviar o caminho sua efetiva possibilidade de
realizaccedilatildeo se encontra no exerciacutecio da cidadania sem repuacutedios parciais ou exclusatildeo
de qualquer ordem na plenitude de uma cidadania para todos
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manifestaccedilatildeo do pensamento de associaccedilatildeo de imprensa de reuniatildeo de igualdade
formal perante a lei de participaccedilatildeo poliacutetica o devido processo legal o habeas
corpus o direito de peticcedilatildeo etc 2) os direitos sociais econocircmicos e culturais de
participaccedilatildeo poliacutetica tais como a igualdade de sufraacutegio o direito de voto e de
elegibilidade o direito de peticcedilatildeo e os direitos de participaccedilatildeo poliacutetica 3) os direitos
da titularidade coletiva que satildeo aqueles ligados a solidariedade e a fraternidade
como por exemplo o direito agrave preservaccedilatildeo do meio ambiente e agrave qualidade de vida
etc 4) os direitos chamados de quarta geraccedilatildeo por exemplo direito a democracia a
informaccedilatildeo ao comeacutercio eletrocircnico entre os estados etc
Natildeo existe qualquer relaccedilatildeo hieraacuterquica entre estes direitos mesmo porque
todos interagem entre si de nada servindo um sem a existecircncia dos outros Esta
divisatildeo acontece devido agrave eterna e constante busca do homem por mais proteccedilatildeo
mais garantia com o objetivo de alcanccedilar uma sociedade mais justa igualitaacuteria e
fraterna
Na evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais Agra (2002) chama a atenccedilatildeo do
relevo que adquirem a democratizaccedilatildeo da informaccedilatildeo e os mecanismos de
democracia participativa E justifica que a democratizaccedilatildeo da informaccedilatildeo natildeo se
caracteriza apenas pela existecircncia de uma miacutedia plural sem nenhum tipo de
monopoacutelio mas deve ser concebida como a obrigaccedilatildeo que todos os cidadatildeos tecircm
de tomar consciecircncia dos graves problemas que afligem a humanidade e que os
mecanismos da democracia participativa concebem a cidadania em extensatildeo muito
superior ao voto abrangendo a interferecircncia direta do cidadatildeo nas decisotildees
governamentais mediante vaacuterios mecanismos juriacutedicos como o plebiscito o recall o
orccedilamento participativo etc
De acordo com Silva (2005) os Direitos Fundamentais na Constituiccedilatildeo de
1988 abrangem os ldquodireitos individuais sociais poliacuteticos e tambeacutem os direitos
econocircmicos Para o autor a ampliaccedilatildeo e transformaccedilatildeo dos direitos fundamentais
do homem na histoacuteria dificultam uma definiccedilatildeo sinteacutetica do conceitordquo
Essa dificuldade aumenta diante do emprego de vaacuterias expressotildees para
designaacute-los tais como direitos naturais direitos humanos direitos do homem
direitos individuais direitos puacuteblicos subjetivos liberdades fundamentais liberdades
puacuteblicas e direitos fundamentais do homem No entanto direitos fundamentais do
homem constitui a expressatildeo mais adequada porque na palavra fundamentais
acha-se a indicaccedilatildeo de que se trata de situaccedilotildees sem as quais o indiviacuteduo natildeo tem
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uma vida digna natildeo convive e agraves vezes nem mesmo sobrevive A expressatildeo
direitos fundamentais eacute a mais precisa no sentido de que a todos por igual devem
ser natildeo apenas formalmente reconhecidos mas concreta e materialmente
efetivados
Por sua vez a atual Corte em julgamento do habeas corpus (HC ndeg
82424RS) marca seu posicionamento no tocante ao sistema de direitos
fundamentais insculpido na Constituiccedilatildeo de 1988 atraveacutes dos profundos e bem
fundamentados votos dos Ministros que aleacutem de delimitarem a extensatildeo e os limites
da liberdade de expressatildeo (art 5o IV e IX) acabaram indicando as bases filosoacuteficas
e juriacutedicas para a interpretaccedilatildeo do cataacutelogo de direitos fundamentais da Constituiccedilatildeo
de 1988
Nesse sentido o voto do Ministro Marco Aureacutelio tratou de definir o sistema de
direitos fundamentais como a ldquoproacutepria essecircncia da Constituiccedilatildeordquo qualificando-os
como ldquovalores objetivos que servem como norte da atuaccedilatildeo estatalrdquo Assim estaacute
consignado nos fundamentos do referido voto
A Constituiccedilatildeo de 1988 representou um divisor de aacuteguas entre o antigo regime totalitaacuterio e um periacuteodo de redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes marcando dessa forma uma eacutepoca que tem como modelo de atuaccedilatildeo do Estado o respeito incondicional aos direitos fundamentais Por isso mesmo o sistema constitucional dos direitos fundamentais previsto no artigo 5o da Carta com os eventuais acreacutescimos do sect 2o reflete em rigor e em larga medida a proacutepria essecircncia da Constituiccedilatildeo e a retomada do processo de democratizaccedilatildeo e da garantia do cidadatildeo contra abusos e arbitrariedades no exerciacutecio do Poder Puacuteblico Os direitos fundamentais satildeo hoje verdadeiros princiacutepios estruturantes da organizaccedilatildeo e do funcionamento do Estado valores objetivos que servem como norte da atuaccedilatildeo estatal em seus mais diferentes niacuteveis no Legislativo formam um cataacutelogo de princiacutepios e garantias que informam e direcionam toda a atividade de criaccedilatildeo das normas de nosso ordenamento juriacutedico e de concretizaccedilatildeo dos preceitos constitucionais no Executivo mostram-se como verdadeiros limites ao exerciacutecio do poder administrativo servindo como trincheiras de proteccedilatildeo da liberdade do cidadatildeo e no judiciaacuterio refletem a base e o fundamento necessaacuterio da compreensatildeo e interpretaccedilatildeo de nossas normas ndash efeito interpretativo - evitando que a atividade jurisdicional se transforme em medidas discricionaacuterias ou providecircncias ilegiacutetimas de opccedilotildees poliacuteticas pautadas em escolhas pessoais dos juiacutezes
Tudo indica que se trata do iniacutecio de uma soacutelida construccedilatildeo jurisprudencial a
respeito do sentido axioloacutegico do sistema de direitos fundamentais da Constituiccedilatildeo
de 1988
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Os Direitos Individuais satildeo de exerciacutecio exclusivo do indiviacuteduo e devem ser
formalmente reconhecidos e concretizados no cotidiano do cidadatildeo O indiviacuteduo aqui
eacute considerado um sujeito de direitos e natildeo apenas como integrante de um corpo
social Esses direitos natildeo podem sofrer nenhum tipo de restriccedilatildeo natildeo se
discriminando quem os pode exercer uma vez que satildeo titulares todas as pessoas
capazes incapazes brasileiras estrangeiras alfabetizadas e iletradas
A Constituiccedilatildeo Cidadatilde foi a primeira a estabelecer direitos natildeo soacute de
indiviacuteduos mas tambeacutem de grupos sociais os denominados direitos coletivos Com
isso as pessoas passaram a ser coletivamente consideradas Os direitos individuais
e coletivos estatildeo anunciados no art 5ordm em setenta e sete incisos e em dois
paraacutegrafos
Verifica-se que os Direitos Individuais tecircm como ponto marcante a liberdade
seja ela tomada de maneira global ou especiacutefica como liberdade de associaccedilatildeo de
reuniatildeo A liberdade de reuniatildeo (art 5ordm XVI) constitui-se na primeira e mais simples
liberdade corporativa estando logo apoacutes a liberdade de locomoccedilatildeo
Os Direitos Sociais tecircm como titular uma coletividade e satildeo caracterizados
pela prestaccedilatildeo de serviccedilos ou oferecimento de melhorias para a sociedade como um
todo por parte do Poder Puacuteblico Assim os Direitos Sociais tornam possiacutevel a fruiccedilatildeo
e o exerciacutecio dos Direitos Individuais pela coletividade mesmo pelos carentes
materialmente
O art 6deg define os Direitos Sociais da seguinte maneira ldquoSatildeo Direitos Sociais
a educaccedilatildeo a sauacutede o trabalho a moradia o lazer a seguranccedila a previdecircncia
social a proteccedilatildeo agrave maternidade e agrave infacircncia a assistecircncia aos desamparados na
forma desta Constituiccedilatildeordquo
Portanto eacute obrigatoacuteria ao Estado a proteccedilatildeo dos interesses da coletividade
com o atendimento dos direitos acima citados
Satildeo direitos poliacuteticos os que conferem o acesso da populaccedilatildeo agrave participaccedilatildeo
no Poder do Estado tais como os direitos de votar e ser votado do referendo
plebiscito e iniciativa popular das leis O direito democraacutetico de participaccedilatildeo dos
cidadatildeos no governo por meio de seus representantes exigiu a formaccedilatildeo de um
conjunto de normas legais permanentes que recebeu a denominaccedilatildeo de direitos
poliacuteticos Os Direitos Poliacuteticos amparam os Direitos Individuais Sociais e
Econocircmicos pois quando desaparece a democracia desaparecem imediatamente
as liberdades fundamentais
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Com o advento da Constituiccedilatildeo de 1988 foram criadas instituiccedilotildees para
fiscalizar e controlar a atuaccedilatildeo da administraccedilatildeo puacuteblica entre as quais o Ministeacuterio
Puacuteblico que funciona como um canal de expressatildeo dos direitos da populaccedilatildeo
O Ministeacuterio Puacuteblico foi a instituiccedilatildeo que mais ganhou importacircncia no cenaacuterio
puacuteblico por ter passado a defender os interesses coletivos ou seja os interesses de
um grupo categoria ou classe e natildeo de um indiviacuteduo isolado No artigo 127 o
Ministeacuterio Puacutebico (MP) eacute definido como ldquouma instituiccedilatildeo permanente essencial agrave
funccedilatildeo jurisdicional do Estado incumbindo-lhe a defesa da ordem juriacutedica do regime
democraacutetico e dos interesses sociais e individuais indispensaacuteveisrdquo
Cabe ao Ministeacuterio Puacuteblico exigir dos poderes puacuteblicos e dos serviccedilos de
relevacircncia puacuteblica respeito aos direitos elencados na Constituiccedilatildeo promovendo as
medidas necessaacuterias agrave garantia desses direitos Portanto eacute responsaacutevel pela
garantia da ordem juriacutedica do regime democraacutetico da moralidade puacuteblica e dos
direitos sociais e individuais
23 A consagraccedilatildeo dos direitos do cidadatildeo
A Constituiccedilatildeo de 1988 eacute o coroamento da histoacuteria constitucional do Brasil por
ter sido um marco da redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes opondo-se a qualquer forma de
autoritarismo Nela a cidadania foi consagrada como um dos fundamentos da
Repuacuteblica Federativa do Brasil (art 1ordm inc II) Observe-se que o termo cidadania
encontra-se na Constituiccedilatildeo em sentido mais amplo do que o de titular de direitos
poliacuteticos pois qualifica os participantes da vida do Estado e reconhece o indiviacuteduo
como pessoa integrada na sociedade estatal
Essa nova concepccedilatildeo de cidadania introduzida pela Constituiccedilatildeo Federal de
1988 eacute fruto da internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos e como marco principal da
institucionalizaccedilatildeo erigiu em seu artigo primeiro a dignidade da pessoa humana (inc
III) e a cidadania (incII) a princiacutepio fundamental
Institui com o princiacutepio da cidadania uma nova compreensatildeo acerca dos
direitos de deveres da pessoa elevado-o a status maacuteximo a regra-matriz que natildeo
pode ser desrespeitada pois os fundamentos constituem a essecircncia da Repuacuteblica
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Federativa e servem como regra-matriz para a elaboraccedilatildeo interpretaccedilatildeo e
integraccedilatildeo do sistema juriacutedico nacional
Violar um princiacutepio eacute muito grave que transgredir uma norma qualquer A desatenccedilatildeo ao principio implica ofensa natildeo apenas a um especifico mandamento obrigatoacuterio mas a todo o sistema de comandos Eacute a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade representa insurgecircncia contra todo o sistema subversatildeo de valores fundamentais (MELLO apud CHIMENTI 2005 P 33)
Para Silva (2004) cidadania eacute discriminada como princiacutepio relativo ao regime
poliacutetico Dessa forma compreendida cidadania como princiacutepio fundamental eacute o
direito de participar dos destinos do Estado e mais usufruir dos direitos civis
fundamentais previstos na Constituiccedilatildeo
Muitos doutrinadores utilizam cidadania no mesmo sentido de nacionalidade
(Art 12 da Constituiccedilatildeo Federal) e de direitos poliacuteticos (Art 14) Em alguns outros
dispositivos a palavra cidadania (ou cidadatildeo) poderia ainda ter a significaccedilatildeo de
direitos poliacuteticos mas mesmo assim de forma impliacutecita a exemplo dos arts 22 XIII
e 5ordm LXXIII No primeiro se lecirc que compete agrave Uniatildeo legislar sobre nacionalidade
cidadania e naturalizaccedilatildeo e no segundo que qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima
para propor accedilatildeo popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de
entidade de que o Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e
ao patrimocircnio histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de
custas judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia No entanto conforme Mazzuoli (2002)
Observe-se que a Carta de 1988 ao tratar no seu art 14 dos direitos poliacuteticos natildeo se refere sequer em um momento agrave expressatildeo cidadania dizendo apenas que a soberania popular seraacute exercida pelo sufraacutegio universal e pelo voto direito e secreto com valor igual para todos (hellip) Pelo contraacuterio a Constituiccedilatildeo faz uma separaccedilatildeo entre cidadania e direitos poliacuteticos quando no seu art 68 sect 1ordm II ao tratar das leis delegadas exclui do acircmbito da delegaccedilatildeo legislativa a nacionalidade cidadania direitos individuais poliacuteticos e eleitorais
A Constituiccedilatildeo brasileira de 1988 com a transiccedilatildeo para o regime democraacutetico
consagrou expressamente esta nova concepccedilatildeo de cidadania como se depreende
da leitura de vaacuterios dos seus dispositivos
Foi nesse sentido que pioneiramente estatuiu a Carta de 1988 em seu art
1ordm que a Repuacuteblica Federativa do Brasil formada pela uniatildeo indissoluacutevel dos
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Estados e Municiacutepios e do Distrito Federal constitui-se em Estado Democraacutetico de
Direito e tem como fundamentos dentre outros a cidadania (inc II) Como jaacute
mencionado
Na mesma esteira o disposto no art 5ordm incisos LXXI (conceder-se-aacute
mandado de injunccedilatildeo sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviaacutevel o
exerciacutecio dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes agrave
nacionalidade agrave soberania e agrave cidadania) e LXXVII (satildeo gratuitas as accedilotildees de
habeas-corpus e habeas-data e na forma da lei os atos necessaacuterios ao exerciacutecio
da cidadania) No seu Tiacutetulo VIII Capiacutetulo II Seccedilatildeo I a Carta Magna de 1988
dispotildee ainda que a
Educaccedilatildeo direito de todos e dever do Estado e da famiacutelia seraacute promovida e incentivada com a colaboraccedilatildeo da sociedade visando ao pleno desenvolvimento da pessoa seu preparo para o exerciacutecio da cidadania e sua qualificaccedilatildeo para o trabalho (art 205)
Outro dispositivo em que fica bastante marcada esta nova concepccedilatildeo de
cidadania eacute o art 64 do Ato das Disposiccedilotildees Constitucionais Transitoacuterias que
dispotildee
A Imprensa Nacional e demais graacuteficas da Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios da administraccedilatildeo direta ou indireta inclusive fundaccedilotildees instituiacutedas e mantidas pelo Poder Puacuteblico promoveratildeo ediccedilatildeo popular do texto integral da Constituiccedilatildeo que seraacute posta agrave disposiccedilatildeo das escolas e dos cartoacuterios dos sindicatos dos quarteacuteis das igrejas e de outras instituiccedilotildees representativas da comunidade gratuitamente de modo que cada cidadatildeo brasileiro possa receber do Estado um exemplar da Constituiccedilatildeo do Brasil
Enfim a Constituiccedilatildeo de 1988 enriqueceu e ampliou os conceitos de cidadatildeo
e cidadania Seu entendimento agora como leciona Silva (2005)
Decorre da ideia de Constituiccedilatildeo dirigente que natildeo eacute apenas um repositoacuterio de programas vagos a serem cumpridos mas constitui um sistema de previsatildeo de direitos sociais mais ou menos eficazes em torno dos quais eacute que se vem construindo a nova ideacuteia de cidadania
De forma que natildeo mais se trata de considerar a cidadania como simples
qualidade de gozar direitos poliacuteticos mas sim de aferir-lhe um nuacutecleo miacutenimo e
irredutiacutevel de direitos (fundamentais) que devem se impor obrigatoriamente agrave accedilatildeo
dos poderes puacuteblicos
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O ordenamento juriacutedico brasileiro consagrou aleacutem dos institutos jaacute
mencionados alguns outros mecanismos de defesa dos direitos e garantias
constitucionais da cidadania como a accedilatildeo civil puacuteblica regulada pela Lei nordm
734785 e accedilatildeo direta de inconstitucionalidade prevista no incIV do art 129 da
Constituiccedilatildeo Federal O Coacutedigo de Defesa do Consumidor o Estatuto da Crianccedila e
do Adolescente e ateacute mesmo o princiacutepio do devido processo legal que resguarda ao
cidadatildeo o acesso agrave justiccedila e direito de ser acionado judicialmente por meio de
procedimentos legais satildeo mecanismos de defesa dos direitos de cidadania
previstos constitucionalmente e garantidos na esfera poliacutetica civil e social
Pode-se observar que a cidadania comeccedilou a ser construiacuteda como resultado
de um processo de luta a partir da conscientizaccedilatildeo dos direitos e deveres do
homem Como vimos a cidadania jaacute em praacutetica em muitos paiacuteses adquire no
Brasil com a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 um novo sentido qual seja o
pressuposto do exerciacutecio pleno de um sistema de direitos e garantias
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CAPIacuteTULO 3 - CIDADANIA COMO MECANISMO DE
TRANSFORMACcedilAtildeO SOCIAL
No momento em que a cidadania alccedila voos constitucionais e insere-se na
Carta Poliacutetica da Repuacuteblica Federativa do Brasil inicia-se o processo de
redemocratizaccedilatildeo e ganha relevo o cidadatildeo agente deste processo que tem em
suas matildeos a tarefa da construccedilatildeo de um novo tempo
Historicamente a ideia de cidadatildeo conotava o habitante da cidade ndash o
citadino ndash firma-se entatildeo tal conotaccedilatildeo na Antiguumlidade claacutessica para depois
significar aquele indiviacuteduo a quem se atribuem os direitos poliacuteticos Superada essa
acepccedilatildeo que tambeacutem vigorou nas constituiccedilotildees anteriores da Repuacuteblica do Brasil
na concepccedilatildeo moderna estaacute clara a noccedilatildeo de cidadatildeo como aquele que a quem
consiste a titularidade de direitos individuais poliacuteticos e sociais Noccedilatildeo esta
edificada com a internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos que amplia a acepccedilatildeo do
termo declarando que satildeo cidadatildeos todo aquele que habita o acircmbito da soberania
de um Estado e deste Estado recebem uma carga de direitos e tambeacutem deveres dos
mais variados
Desta forma a noccedilatildeo contemporacircnea de cidadania funda-se na dicotomia
direitos (exerciacutecios de direitos fundamentais - participaccedilatildeo) e deveres (colaboraccedilatildeo -
solidariedade) Ao lado dos direitos foram estabelecidos deveres fundamentais e
portanto tanto agentes puacuteblicos como os indiviacuteduos tecircm obrigaccedilotildees especiacuteficas
inclusive a de respeitar os direitos das demais pessoas que vivem na ordem social
sendo e promovendo mecanismos de transformaccedilatildeo social que visam uma nova
sociedade baseada na igualdade e na justiccedila
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31 O ser cidadatildeo
Os termos indiviacuteduo ser humano pessoa e cidadatildeo satildeo geralmente tomados
como sinocircnimo o que certamente influi na proliferaccedilatildeo de incontaacuteveis significados e
ampliaccedilatildeo do termo cidadatildeo Poreacutem estas palavras apesar de se assemelharem
possuem carga semacircntica proacutepria e da compreensatildeo exata de cada uma decorre a
conceituaccedilatildeo mais acentuada da acepccedilatildeo do termo cidadatildeo como titular de direitos
e deveres resguardados pela constituiccedilatildeo paacutetria
Desta forma indiviacuteduo eacute um representante da espeacutecie aquele que eacute uacutenico
Enquanto ser humano eacute um termo mais geneacuterico ou indeterminado que diz respeito
agrave espeacutecie agrave classificaccedilatildeo ao mundo zooloacutegico Pessoa por sua vez eacute um termo
mais especiacutefico que tem a ver com o mundo civilizado ou se preferirmos com a
constelaccedilatildeo dos valores morais eacuteticos e juriacutedicos proacuteprios da civilizaccedilatildeo
A etimologia da palavra pessoa demonstra que eacute um conceito sobreposto ao conceito de Ser Humano Um refratildeo de origem juriacutedica tambeacutem nos lembra do homo plures pessoa polimorfa o ser humano capaz de desempenhar muitos papeacuteis um mesmo ser humano eacute empresaacuterio e delinquumlente eacute pai e metaluacutergico etc Persona (personagem) era a maacutescara que usavam os atores da trageacutedia grega para desempenhar seu papel Cabe portanto entender o conceito de Ser Humano ao lado do conceito de Pessoa No direito romano antigo os escravos eram seres humanos (homens) mas natildeo eram consideradas pessoas (patriacutecios) Os juristas romanos que usavam o conceito de Ser Humano o dissociavam do conceito de pessoas (CUNHA 2007)
O Ser Humano recebe uma distinccedilatildeo importante quando o consideramos
como Pessoa assim como a Pessoa recebe uma distinccedilatildeo redundante natildeo menos
importante quando a consideramos por forccedila de expressatildeo como uma pessoa
humana Subentendendo o adjetivo humano como relativo agrave eacutetica Portanto Ser
Humano natildeo eacute a mesma coisa que Pessoa como tampouco Ser Humano eacute o
mesmo que cidadatildeo este muito eacute mais proacuteximo do termo Pessoa Vejamos o quadro
ilustrativo que esquematiza e distinguem os referidos conceitos
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QUADRO 1 ndash EVOLUCcedilAtildeO DO SER HUMANO ATEacute O CIDADAtildeO
O Ser Humano O Ser Indiviacuteduo O Ser Pessoa O Ser Cidadatildeo
A Dimensatildeo do conviacutevio social
A dimensatildeo do mercado de trabalho e
Consumo
A Dimensatildeo de encontrar-se no mundo
A dimensatildeo de intervir na realidade
O homem tornar-se Ser Humano nas relaccedilotildees
de conviacutevio social
O Ser Humano tornar-se indiviacuteduo quando
descobre seu papel e funccedilatildeo social
O Indiviacuteduo torna-se pessoa quanto toma
consciecircncia de si mesmo do outro e do
mundo
A pessoa torna-se cidadatildeo quando
interveacutem na realidade em que vive
Quem estuda o comportamento do Ser
Humano Seria a antropologia a histoacuteria
ou a sociologia
Quem estuda o comportamento do indiviacuteduo Seria a
Filosofia a sociologia ou a Psicologia
Quem estuda o comportamento da pessoa Seria a
Filosofia a sociologia ou a Psicologia
Quem estuda o comportamento do cidadatildeo Seria a
Sociologia a Filosofia ou As ciecircncias
poliacuteticas
Quem garante os direitos do Ser
Humano A Declaraccedilatildeo Universal
dos Direitos Humanos
Quem garante os Direitos do
Consumidor O Coacutedigo do Consumidor
Quem garante os Direitos da pessoa A proacutepria pessoa (amor proacuteprio ou autoestima)
Quem garante os Direitos do cidadatildeo (A Constituiccedilatildeo e suas leis
regulamentares)
Existe realmente uma natureza humana Teologicamente
afirmamos que existe a uma natureza humana
Seguindo a corrente existencialista (JP Sartre) negamos tal
natureza
Que diferenccedila existe entre o direito do
consumidor e o direito do cidadatildeo Ao
Consumidor deve ser dado o direito de
propriedade enquanto ao cidadatildeo deve ser
dado o direito de acesso
O que significa tornar-se pessoa no niacutevel
psicoloacutegico e social A pessoa eacute o indiviacuteduo que toma consciecircncia de si mesmo (ldquoTornar-
se Pessoardquo de Karl Roger)
Como podemos intervir na realidade
modificando as estruturas corruptas e injustas Quando os
direitos do cidadatildeo lhe satildeo oferecidos e o
mesmo passa a exercecirc-lo haacute
modificaccedilatildeo de comportamento
(ROSAS 2009)
O cidadatildeo eacute portanto aquele indiviacuteduo a quem a Constituiccedilatildeo confere direitos
e garantias e lhe daacute o poder do seu efetivo exerciacutecio aleacutem de meios processuais
eficientes contra a violaccedilatildeo de seu gozo ou fruiccedilatildeo por parte do poder puacuteblico
Sendo assim
A passagem do indiviacuteduo a cidadatildeo caracteriza-se pelo reconhecimento pela lei de direitos considerados fundamentais agrave realizaccedilatildeo da vida do homem como indiviacuteduo e ser social membro de uma comunidade poliacutetica e a garantia desses direitos pela forccedila comum de todos (CUNHA 2007)
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Nas uacuteltimas deacutecadas em alguns paiacuteses inclusive no Brasil desenvolveu-se o
conceito de cidadania calcado principalmente na questatildeo do cidadatildeo-consumidor
As pessoas passam a ser vistas como cidadatildes desde que tenham dinheiro para
adquirir mercadorias e utilizar serviccedilos Eacute certo pois que serviccedilos e mercadorias
atendem a necessidades materiais e simboacutelicas das pessoas e consumi-los eacute um
dos modos de participar da vida social criar identidade e partilhar dos bens
produzidos pela humanidade e representar-se culturalmente Contudo a cidadania
enfatizada apenas como uma relaccedilatildeo de compra e venda de mercadorias e serviccedilos
assume um conteuacutedo restrito individual conformista e voltado apenas para a
aquisiccedilatildeo de bens o que se relaciona com a ideacuteia de indiviacuteduo ou seja o consumo
atende as necessidades do indiviacuteduo
Outra forma de confusatildeo acerca do conceito de cidadatildeocidadania refere-se a
equiparaccedilatildeo feita com o assistencialismo o que configura uma acentuada inversatildeo
do termo uma vez que a praacutetica do assistencialismo natildeo propicia meios de
superaccedilatildeo das desigualdades sociais Enquanto a cidadania estaacute relacionada agrave
superaccedilatildeo das desigualdades sociais e a extensatildeo da garantia dos direitos de todos
O cidadatildeo eacute sem duacutevida uma expressatildeo que precisa ser adequadamente
utilizada e vivenciada pela coletividade compreendido na dimensatildeo do ser pessoa
de ter direitos e deveres do assumir as suas liberdades e responsabilidades no seio
de uma comunidade democraacutetica equitativa solidaacuteria e intercultural
Dessa forma ser cidadatildeo implica saber viver em sociedade estando ciente
dos anseios comuns A participaccedilatildeo ativa nas decisotildees de sua comunidade
influencia modos de vida de maneira positiva ao seu redor assim torna-se
imprescindiacutevel o exerciacutecio dos direitos constitucionais adquiridos e lutar pelos que
viratildeo eacute sobretudo estar consciente de todas as atitudes tomadas em prol da
sociedade
Eacute possiacutevel nesse espaccedilo de discussatildeo falar em ldquoestar cidadatildeordquo que eacute natildeo
praticar o exerciacutecio da cidadania em nenhuma de suas formas Implica apenas em
se deixar levar pelos acontecimentos e ainda reclamar das situaccedilotildees vividas sem
nada fazer para mudar sem nenhuma perspectiva de futuro Do que concluiacutemos que
a dinacircmica de intervir na realidade eacute pressuposto de cidadania
Ser cidadatildeo eacute tarefa que requer muito do ser humano do individuo da
pessoa Requer uma alta - estima elevada uma consciecircncia solidaacuteria uma
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identidade que se reconheccedila na dinacircmica social interagindo com o outro ampliando
debates incitando justiccedila eacute sem duvida uma tomada de posiccedilatildeo que natildeo se
acomoda pelo contraacuterio se incomoda quando natildeo haacute comprometimento para o bem
comum
Natildeo eacute uma tarefa cocircmoda senatildeo muito complicada as pessoas natildeo nascem cidadatildeos mas fazem-se no tempo e no espaccedilo Na verdade natildeo eacute faacutecil exercer a liberdade e a cidadania ndash ser pessoa e ser cidadatildeo ndash por isso exige-se uma luta sem treacuteguas para erradicar assimetrias e exclusotildees socioculturais e criar cenaacuterios de esperanccedila realizaacuteveis fundamentados em valores e princiacutepios eacuteticos que requalifiquem a democracia com cidadatildeos participativos e
comprometidos ( SAEZ 1995)
Tem portanto como pressuposto uma mudanccedila de comportamento uma
tomada de posiccedilatildeo frente agrave dinacircmica social na qual estaacute inserido participando de
forma ativa e produtiva do processo de construccedilatildeo da cidadania por meio de seus
diversos canais
32 Emancipaccedilatildeo social atraveacutes da cidadania
Um Estado Democraacutetico eacute aquele que estaacute enraizado na legitimidade do
poder do povo e dele decorre seu exerciacutecio Assim o poder do povo eacute a expressatildeo
a aptidatildeo de homens e mulheres constituir autonomamente seu viver sem sucumbir
diante das instacircncias de poder Haacute nesse modus vivendi uma tutela das diferenccedilas e
pluralidades de formas de vida
Desta forma a cidadania eacute enfocada como o processo de participaccedilatildeo do
individuo ou de um grupo organizado nas mais variadas aacutereas de atuaccedilatildeo na
sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos sociais com a consciecircncia
da responsabilidade por sua proacutepria histoacuteria
Sendo a democracia o regime em que o povo governa sua caracteriacutestica
inarredaacutevel eacute a de ter o povo agrave frente do poder uma forma de autogoverno Em
assim sendo a cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia por meio de resultados
palpaacuteveis e medidas concretas tais como mudanccedilas na realidade de cada um com
melhoria de vida e conscientizaccedilatildeo da importacircncia na sociedade para o exerciacutecio
40
direto ou indireto desse poder pois se contentar com fato do direito estaacute prescrito
em lei natildeo eacute o bastante
Eacute certo poreacutem que o Estado democraacutetico somente se aperfeiccediloa na
proporccedilatildeo em que o povo age ativamente na medida em que os representantes
reflitam em seus atos os verdadeiros anseios populares Partindo dessa visatildeo a
cidadania eacute o grande fator de legitimaccedilatildeo do povo permitindo que ele aja em defesa
das instituiccedilotildees democraacuteticas
Sobre a participaccedilatildeo cumpre asseverar que este direito significa a
capacidade de ser consultado para as tomadas de decisatildeo que dizem respeito agrave
direccedilatildeo da sociedade em que vive o cidadatildeo este direito eacute acompanhado do
respeito aos deveres de contribuir para o progresso social e de acatar e respeitar o
resultado obtido em consulta coletiva
No elenco de mecanismo de exerciacutecio da cidadania estaacute o acesso ao direito e
a justiccedila que eacute fator preponderante para efetivar as garantias constitucionais
Assim passaremos a discorrer sobre a importacircncia de instrumentalizar o
cidadatildeo para um pleno exerciacutecio de seus direitos
Eacute Sabido que no Estado Democraacutetico Contemporacircneo os direitos
fundamentais constitucionalmente assegurados tecircm eficaacutecia imediata cumprindo ao
Estado garantir a todos os cidadatildeos o respeito a esses Direitos de modo concreto e
efetivo natildeo obstante as inuacutemeras desigualdades e condiccedilotildees adversas que
dificultam na praacutetica o seu exerciacutecio
Para o acesso ao direito o Estado deve desenvolver com eficiecircncia uma seacuterie
de atividades essenciais e dar efetividade a uma seacuterie de pressupostos Dentre eles
o principal eacute o conhecimento do Direito como fator preponderante pois o
desconhecimento da lei implica na praacutetica natildeo acionar a jurisdiccedilatildeo Um fato que
contribui para essa assertiva eacute baixa escolaridade da populaccedilatildeo e o analfabetismo
Muito pouco adianta a existecircncia de uma Constituiccedilatildeo apenas formal ou no
papel se ilegiacutetima ou desrespeitada Para que ocorra a eficaacutecia das normas
dispostas numa Constituiccedilatildeo ou melhor para que passe da teoria agrave praacutetica eacute
essencial que comandados e comandantes tenham conhecimento dos seus direitos
e responsabilidades assim como dos instrumentos juriacutedicos para efetivaacute-los (leis
regulamentadoras) O exerciacutecio da cidadania natildeo eacute somente um direito mas eacute
tambeacutem um dever de todos pois a omissatildeo de cada um contribui com as injusticcedilas e
as impunidades tatildeo presentes nos dias atuais
41
A Constituiccedilatildeo quando eacute justa e legiacutetima e principalmente quando eacute
respeitada eacute um poderoso instrumento de promoccedilatildeo e desenvolvimento social e
humano
Outro fator que deve ser considerado eacute a miserabilidade que coloca inuacutemeros
brasileiros a margem da sociedade em situaccedilatildeo precaacuteria os quais para Pinsky
(2004) ldquodesprovidos de esperanccedila de projeto de qualquer perspectiva de inclusatildeo
[] recorrer agrave Justiccedila humana parece algo irrealizaacutevel sofisticado e inteiramente
ficcionalrdquo
Desta forma o primeiro passo para concretizar os direitos previstos
constitucionalmente eacute a formaccedilatildeo do cidadatildeo atraveacutes da Educaccedilatildeo Baacutesica
infundindo-lhe a consciecircncia dos seus direitos e tambeacutem dos seus deveres sociais
bem como dos valores humanos fundamentais que devem ser por todos respeitados
na vida em sociedade A universalizaccedilatildeo do ensino fundamental a oferta obrigatoacuteria
de educaccedilatildeo infantil pelo Estado e o crescimento da oferta do ensino meacutedio satildeo
alguns dos aspectos que merecem destaques e foi devido agrave determinaccedilatildeo
constitucional de estabelecer o caraacuteter obrigatoacuterio do ensino fundamental e de
responsabilizar o Estado por sua implementaccedilatildeo que tem iniacutecio o processo de
avanccedilo desse segmento
A Constituiccedilatildeo estabeleceu de forma mais clara o papel dos entes federados
na educaccedilatildeo Tambeacutem aumentou a participaccedilatildeo orccedilamentaacuteria destinada ao setor
Com as novas regras para distribuiccedilatildeo de recursos adotadas apoacutes a promulgaccedilatildeo
da Carta os municiacutepios voltam a interessar-se pela educaccedilatildeo fundamental e o paiacutes
atinge a universalizaccedilatildeo do setor o que se busca agora satildeo mecanismos para
garantir a qualidade no ensino
O segundo passo nessa dinacircmica eacute o oferecimento a todos os cidadatildeos de
condiccedilotildees miacutenimas de sobrevivecircncia e de existecircncia condignas atraveacutes do acesso
ao trabalho produtivo livremente escolhido e do pagamento de remuneraccedilatildeo capaz
de prover ao sustento do trabalhador e de sua famiacutelia
Para milhotildees de cidadatildeos que vivem na ignoracircncia e na miseacuteria nenhuma
utilidade ou eficaacutecia tecircm os inuacutemeros direitos constitucionalmente assegurados Para
aqueles que se habituaram a retirar proventos da mendicacircncia da prostituiccedilatildeo de
atividades iliacutecitas ou aqueles que se sentiram forccedilados a sujeitar-se agrave exploraccedilatildeo de
outrem para sobreviver natildeo haacute nenhuma crenccedila na dignidade da pessoa humana e
no valor social do trabalho
42
A pobreza engendra inuacutemeras relaccedilotildees de dominaccedilatildeo entre pessoas e entre grupos sociais As habitaccedilotildees subumanas da periferia das grandes cidades no Brasil constituem verdadeiros quistos sociais terras sem lei controladas por xerifes ou por quadrilhas de malfeitores O Estado que natildeo for capaz de dotar essas comunidades do acesso efetivo agrave Educaccedilatildeo agrave Sauacutede agrave Seguranccedila e agrave Paz Puacuteblicas e ao trabalho liacutecito certamente natildeo lhes estaraacute assegurando o acesso ao Direito porque a populaccedilatildeo abrutalhada pela miseacuteria e coagida pelo medo natildeo desfruta da miacutenima eficaacutecia concreta dos
seus direitos fundamentais (GRECO 2009)
Evidencia que acesso ao Direito nas sociedades modernas mesmo nas
economicamente desenvolvidas exige o fortalecimento dos grupos intermediaacuterios e
do associativismo O cidadatildeo natildeo estaacute mais em condiccedilotildees de defender-se
individualmente das ameaccedilas e lesotildees aos seus direitos perpetradas por pessoas ou
grupos que se encontram em posiccedilatildeo de vantagem nas relaccedilotildees econocircmicas e
sociais
O sindicato veio exercer este importante papel em relaccedilatildeo ao trabalhador
empregado Mas hoje as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo natildeo satildeo apenas as que existem no
mundo do trabalho mas as que se revelam em todos os tipos de relaccedilotildees humanas
relaccedilotildees de consumo relaccedilotildees de vizinhanccedila relaccedilotildees locatiacutecias relaccedilotildees
comerciais internas e internacionais e natildeo com menor relevacircncia relaccedilotildees entre os
particulares e o Estado entre outras
Eacute preciso assegurar esse equiliacutebrio na praacutetica o que somente tornar-se-aacute
possiacutevel atraveacutes da articulaccedilatildeo dos sujeitos que se encontram em posiccedilatildeo de
desvantagem em organizaccedilotildees e associaccedilotildees que pela uniatildeo de esforccedilos
consigam compensar o desequiliacutebrio existente e dar aos indiviacuteduos e grupos a forccedila
e a capa de proteccedilatildeo necessaacuterias para ombrearem-se aos seus adversaacuterios e
lutarem pelos seus direitos ou interesses em igualdade de condiccedilotildees
Para Greco (2009) o pressuposto indispensaacutevel do acesso ao Direito eacute a
transparecircncia do Estado no trato de questotildees que possam afetar a esfera de
interesses dos cidadatildeos e complementa que aos cidadatildeos eacute indispensaacutevel
assegurar o direito de influir eficazmente nas decisotildees do poder puacuteblico atraveacutes dos
mais diversos instrumentos de participaccedilatildeo democraacutetica Ele afirma que
A relaccedilatildeo Estado-cidadatildeo natildeo eacute mais a relaccedilatildeo soberano-suacutedito O cidadatildeo tem o direito de exigir do Estado o pleno respeito ao seu
43
patrimocircnio juriacutedico Lamentavelmente a crise do Estado tem levado o Brasil a aceitar-se como normal que as pessoas juriacutedicas de Direito Puacuteblico natildeo cumpram devidamente as prestaccedilotildees positivas de que satildeo devedoras perante os particulares cabendo a estes demandar na Justiccedila para obtecirc-las (GRECO 2009)
Essa visatildeo deformada da responsabilidade do Estado ocorre o
desvirtuamento da justiccedila Por outro lado agrave violaccedilatildeo da garantia constitucional da
tutela jurisdicional efetiva (Constituiccedilatildeo artigo 5 inciso XXXV) disciplina a lei natildeo
excluiraacute da apreciaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio lesatildeo ou ameaccedila ao direito Assim o
acesso ao Direito natildeo estaraacute concretamente assegurado se o Estado natildeo oferecer a
todo cidadatildeo a possibilidade de receber aconselhamento juriacutedico a respeito dos seus
direitos
Constituiccedilatildeo de 1988 no artigo 5deg inciso LXXIV assegurou a todos
ldquoassistecircncia juriacutedicardquo a englobar assistecircncia judiciaacuteria e assessoramento juriacutedico
extrajudicial Conforme Greco (2009) ldquoeacute preciso que esse direito seja assegurado
na praacutetica Uma vez que na vida moderna o Direito tornou-se excessivamente
complexordquo Ainda no dizer do autor a consciecircncia juriacutedica do homem comum que
deve ser adquirida na famiacutelia e na escola natildeo eacute mais suficiente para a tomada de
decisotildees na vida diaacuteria das pessoas Todas as pessoas mantecircm complexas relaccedilotildees
juriacutedicas com instituiccedilotildees financeiras com fornecedores de bens e de serviccedilos etc
Nessas relaccedilotildees juriacutedicas com frequecircncia os cidadatildeos tecircm de tomar decisotildees
raacutepidas O cidadatildeo que tem meios procura um advogado particular para assessoraacute-
lo Ao pobre o Estado deve assegurar o mesmo direito em plenitude
Sem duacutevida o uacuteltimo pressuposto do acesso ao Direito eacute o acesso agrave Justiccedila
no sentido de acesso a um tribunal estatal imparcial previamente instituiacutedo como
competente para a soluccedilatildeo de qualquer litiacutegio a respeito de interesse que se afirme
juridicamente protegido ou para a praacutetica de qualquer ato que a lei subordine agrave
aprovaccedilatildeo autorizaccedilatildeo ou homologaccedilatildeo judicial
Se o cidadatildeo tem consciecircncia dos seus direitos se o Estado lhe fornece
todas as condiccedilotildees para livremente exercecirc-los mas algum outro cidadatildeo ou algum
oacutergatildeo do proacuteprio Estado impede ou dificulta esse exerciacutecio cabe ao poder puacuteblico
pocircr agrave disposiccedilatildeo do cidadatildeo lesionado ou ameaccedilado a jurisdiccedilatildeo necessaacuteria para
assegurar o pleno acesso a tal direito
Atingimos eacute certo um estaacutegio de desenvolvimento do Direito Humanitaacuterio que
natildeo mais nos permite conformar-nos com uma realidade distante do padratildeo de
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convivecircncia humana que outras naccedilotildees jaacute alcanccedilaram O exerciacutecio pleno de
cidadania seraacute obra de mais de uma geraccedilatildeo Mas se trabalharmos com firmeza
certamente os jovens de hoje poderatildeo legar aos seus descendentes a emancipaccedilatildeo
cidadatilde um paiacutes melhor e uma sociedade mais justa e democraacutetica
33 O municiacutepio como acircmbito de exerciacutecio de cidadania
Historicamente o Municiacutepio enquanto unidade poliacutetico-administrativa surgiu
conforme descreve Berardi (2004) com a Repuacuteblica Romana interessada em
manter a dominaccedilatildeo paciacutefica das cidades conquistadas pela forccedila dos exeacutercitos
Sua origem mais de natureza socioloacutegica do que poliacutetica adveacutem do espiacuterito
associativo do homem e de suas relaccedilotildees de vizinhanccedila
Eacute pois a menor unidade territorial de Federaccedilatildeo cuja criaccedilatildeo reflete a base
da organizaccedilatildeo poliacutetica administrativa da Naccedilatildeo Portanto sua funccedilatildeo administrativa
historicamente vem assentada no princiacutepio do direito natural
O artigo primeiro da Constituiccedilatildeo Federal de 1998 estabelece que o
Municiacutepio ao lado dos Estados e do Distrito Federal formam a Republica Federativa
do Brasil que se constitui em Estado Democraacutetico de Direito O municiacutepio tem assim
um poder relevante para a aplicaccedilatildeo da democracia direta iniciada e fortalecida em
niacutevel local Diversos pensadores chegaram a afirmar que a descentralizaccedilatildeo de
poder resultante da constituiccedilatildeo Cidadatilde era antes de tudo uma conquista dos
Municiacutepios sendo eles os berccedilos da perpetuaccedilatildeo da Repuacuteblica e da Democracia
efetivamente por serem o uacutenico niacutevel de governo possuidores de respaldo e
localizaccedilatildeo fiacutesica ou seja solo municipal
Eacute certo que a Carta Magna de 1988 consolidou significativas inovaccedilotildees para a
vida municipal de forma que o Municiacutepio passou a constituir um dos entes da
federaccedilatildeo tratando-o como unidade dotada de autonomia poliacutetica expressa na
capacidade de poder elaborar a sua Lei Orgacircnica fugindo assim da tutela dos
estados que ateacute entatildeo eram considerados como uacutenicos componentes da federaccedilatildeo
45
A Lei Orgacircnica Municipal traz em seu bojo aleacutem da organizaccedilatildeo
administrativa do Municiacutepio a restauraccedilatildeo do Poder Legislativo municipal definindo
a diversificaccedilatildeo normativa que natildeo existia nas leis organizacionais outorgadas pelo
Estado reflexo do poder constituinte outorgados aos Municiacutepios pela Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 como consequecircncia do efetivo exerciacutecio do conceito de Estado
Democraacutetico de Direito
O Municiacutepio enquanto ente federativo tem atualmente a responsabilidade de
ordenar o seu desenvolvimento social e a garantia do bem estar de seus habitantes
executando poliacuteticas puacuteblicas de accedilotildees a serem empreendidas na consolidaccedilatildeo
democraacutetica do Estado
Fundada no elemento participaccedilatildeo o exerciacutecio de cidadania amplamente
citado encontra sua efetividade no municiacutepio Pois eacute nesse acircmbito de localizaccedilatildeo
que as pessoas mantecircm um contato direto com os poderes instituiacutedos suas
necessidades imediatas e mediatas satildeo objetos da disciplina da Lei que visa o bem
comum base do Estado democraacutetico de Direito
Baseado na maacutexima do municipalista e defensor da descentralizaccedilatildeo poliacutetica
Franco Motoro sabiamente proferiu que ldquoningueacutem vive na Uniatildeo ou no Estado As
pessoas vivem no Municiacutepiordquo Assim a cidadania encontra seu melhor espaccedilo de
realizaccedilatildeo na comunidade onde convive A vida em comunidade gera anseios
comuns sentimentos comuns uma vez que a convivecircncia propicia que as pessoas
se conheccedilam e se reconheccedilam como membros de uma mesma realidade
De acordo com Harvey (1992) ldquoa globalizaccedilatildeo provoca anonimato enquanto
comunidade cultiva solidariedaderdquo o que implica participaccedilatildeo para o exerciacutecio de
cidadania
Tudo o que acontece no mundo seja no meu paiacutes na minha cidade ou no meu bairro acontece comigo Entatildeo eu preciso participar das decisotildees que interferem na minha vida Um cidadatildeo com um sentimento eacutetico forte e consciecircncia da cidadania natildeo deixa passar nada natildeo abre matildeo desse poder de participaccedilatildeo (Herbert de Souza Betinho)
Com esse embasamento natildeo se pode perder de vista que eacute nas relaccedilotildees
diaacuterias de oposiccedilatildeo ou solidariedade que as pessoas exercem cidadania Na relaccedilatildeo
do com o outro com os poderes ao estabelecer com a vida social e puacuteblica uma
46
convivecircncia posto que cidadania eacute tarefa que natildeo termina natildeo eacute um conceito
pronto tatildeo pouco acabado enquanto seres inacabados que somos estaremos
buscando descobrindo criando e tomando consciecircncia mais ampla dos direitos
O desafio eacute construir um novo discurso sobre cidadania atraveacutes de uma
praacutetica poliacutetica sustentada isto eacute realizada em dois niacuteveis
O primeiro niacutevel na base atraveacutes de construccedilatildeo das capacidades e do poder
proacuteprio da populaccedilatildeo o que envolve inevitavelmente uma mudanccedila de atitude na
busca para garantir seus direitos utilizando-se do grau de autonomia local
Essa atitude conceberia agrave democracia participativa como uma poliacutetica paralela
de intervenccedilatildeo social criando e mantendo novos espaccedilos para a tomada de
decisotildees ou seja para o auto-governo pela populaccedilatildeo nas mateacuterias que afetam
diretamente suas vidas
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade
O segundo niacutevel um governo com o povo e natildeo apenas para o povo fundado
nos ditames constitucionais valorizando o sentimento da sociedade no exerciacutecio da
governabilidade de modo que o balizamento das accedilotildees de governo deixaria de estar
no proacuteprio governo e passaria a estabelecer-se a partir do pensar da sociedade Um
governo que se pergunta o que se deve fazer para ouvir com a maior fidelidade
possiacutevel a sociedade suas instituiccedilotildees representativas e o cidadatildeo Pois as
prioridades da gestatildeo deveriam ser definidas pela sociedade e natildeo mais pelo
governo
Portanto nesses termos eacute preciso considerar que as praacuteticas da
administraccedilatildeo puacuteblica sejam democratizadoras e inclusivas inspiradas nos
princiacutepios da legalidade impessoalidade moralidade publicidade e eficiecircncia Esta
uacuteltima buscou estabelecer uma Administraccedilatildeo Puacuteblica mais eficiente no sentido de
que o cidadatildeo como destinataacuterio dos serviccedilos puacuteblicos que o Estado deve prestar
receba-os com maior qualidade e menor custo para o eraacuterio puacuteblico
Para a consecuccedilatildeo desse governar com o povo alguns pontos devem ser
revistos A mudanccedila implica na necessidade de adequaccedilatildeo reorganizaccedilatildeo
47
reformulaccedilatildeo Para isso se faz premente em face dos novos e modernos conceitos
de gestatildeo puacuteblica a superaccedilatildeo do tradicional vezo burocraacutetico que vem convertendo
a Administraccedilatildeo nas palavras Dromi (1995) numa cara ldquomaacutequina de impedirrdquo fiel
ldquocoacutedigo do fracassordquo que dispotildee ldquoartigo primeiro natildeo pode artigo segundo em
caso de duacutevida abstenha-se artigo terceiro se eacute urgente espere artigo quarto
sempre eacute mais prudente natildeo fazer nadardquo numa posiccedilatildeo natildeo burocraacutetica e sim
democraacutetica de considerar que organizaccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica inclui a
praacutetica de ver os cidadatildeos como membros plenos da comunidade poliacutetica tendo
acesso e exercitando direitos as que promovem a organizaccedilatildeo da populaccedilatildeo em
torno de temas de interesse comum as que incluem o controle social sobre a
gestatildeo o debate amplo e informado sobre questotildees de governo e que abrem agrave
populaccedilatildeo as decisotildees sobre estas questotildees Como leciona e Barrientos (2000)
Tratam-se de praacuteticas que natildeo buscam somente melhorar a eficiecircncia administrativa das diferentes organizaccedilotildees puacuteblicas mas que incorporam no seu processo de gestatildeo a dimensatildeo ativa da cidadania isto eacute ldquoque facilitam as iniciativas e responsabilidades de todos os envolvidos[] estabelecendo pontes entre Estado e sociedade civil
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade Acreditamos
que o ponto de partida eacute a atitude aliada agrave solidariedade e ao espiacuterito coletivo Pois
governo e cidadatildeos juntos haveratildeo de cumprir um novo papel no processo de
desenvolvimento como agentes de uma nova cultura
Como afirma Peter Drucke
A parceria comunitaacuteria seraacute um dos verdadeiros setores em crescimento das economias desenvolvidas Surge da necessidade de uma participaccedilatildeo mais direta e efetiva da comunidade nas grandes questotildees da vida social pois natildeo existe ningueacutem melhor que o cidadatildeo para saber o que ele quer para si para sua famiacutelia e para sua comunidade (apud RAMOS 1990)
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O envolvimento efetivo da sociedade nas questotildees sociais natildeo eacute apenas uma
postura moderna Significa antes de tudo uma atitude digna de todos aqueles que
desejam exercer sua cidadania contribuindo para um paiacutes melhor e em especial
para uma sociedade mais justa fraterna e solidaacuteria
Na histoacuteria observa-se a grande coragem das pessoas em construir o
reconhecimento delas proacuteprias e de seus direitos sempre buscando a participaccedilatildeo e
defendendo os Direitos Humanos Sem duacutevida a maior ecircnfase que deve ocorrer
para a construccedilatildeo real da cidadania eacute uma mudanccedila na sociedade O melhor a ser
feito eacute reforccedilar a organizaccedilatildeo democraacutetica buscando novas formas de participaccedilatildeo
social pois cidadania natildeo se resume ao poder de votar ou ser votado mas eacute sempre
na efetiva participaccedilatildeo popular pois somente com isso haacute a verdadeira
conscientizaccedilatildeo e o comprometimento daquele que passa a se sentir cidadatildeo
abandonando-se velhos viacutecios da poliacutetica representativa
Desse modo a participaccedilatildeo do povo no momento das reivindicaccedilotildees das
discussotildees e apreciaccedilotildees de projetos que visem agrave melhoria da comunidade local a
exigecircncia de transparecircncia na administraccedilatildeo da coisa puacuteblica dentre outras eacute quem
daraacute embasamento para as verdadeiras conquistas sociais no Municiacutepio que geram
saudaacuteveis formas de pressatildeo por efetivas poliacuteticas puacuteblicas de inclusatildeo social
gerando o fim do clientelismo poliacutetico tatildeo pejorativo e comum em nossa realidade e
cultura poliacutetica
Somente a participaccedilatildeo social eacute que iraacute causar uma real democratizaccedilatildeo do
poder A afirmaccedilatildeo da cidadania eacute pressuposto para a realizaccedilatildeo dos Direitos
Humanos pois os homens natildeo nascem naturalmente iguais Inclusive para que
ocorra a realizaccedilatildeo dos referidos direitos eacute necessaacuterio tambeacutem que exista um
espaccedilo puacuteblico que seja realmente democraacutetico e acessiacutevel possibilitando a
participaccedilatildeo de todos e esse espaccedilo eacute certamente o municiacutepio
Na praacutetica um forte instrumento de cidadania para atender as necessidades
coletivas eacute o orccedilamento participativo previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal que
determina expressamente a realizaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas e a participaccedilatildeo
popular nos processos de elaboraccedilatildeo e conduccedilatildeo dos orccedilamentos como forma de
incentivo agrave preparaccedilatildeo e execuccedilatildeo de planejamentos que envolvam diretamente o
povo A Lei veio incentivar a sua propagaccedilatildeo para todos os entes federativos tendo
em conta que se trata de uma tendecircncia mundial por legitimar as escolhas e
fortalecer o princiacutepio da transparecircncia
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Os meios de acesso do cidadatildeo junto aos Poderes Puacuteblicos eacute uma realidade
no Estado Democraacutetico de Direito brasileiro a exemplo das sessotildees do Poder
Legislativo que satildeo puacuteblicas ficando abertas a todos que delas quiserem participar
Emite-se uma pauta antes do comeccedilo da sessatildeo com a preacutevia dos debates Em
niacutevel municipal verifica-se um acompanhamento mais incisivo sobre as sessotildees das
Cacircmaras de Vereadores como forma de pressatildeo para aprovaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees
da comunidade avaliaccedilatildeo do desempenho e aceitaccedilatildeo de propostas orccedilamentaacuterias
e atuaccedilatildeo dos poliacuteticos bem como entendimento das funccedilotildees do Poder Legislativo
A Constituiccedilatildeo Federal assegura desde 1988 a possibilidade de se oferecer
peticcedilatildeo agraves Mesas Legislativas como forma de pedir informaccedilotildees sobre andamento
de projetos ou relatoacuterios encaminhados aos chefes do Poder Executivo Em niacutevel
municipal pode ser utilizada a Tribuna Livre como instrumento para denuacutencias de
problemas ou discussatildeo de um tema ou mesmo para apresentar sugestotildees sendo
regulado pela Lei Orgacircnica Municipal e pelo Regimento Interno da Cacircmara
A convocaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas tambeacutem possui previsatildeo constitucional
no art 58 sect 20 inciso II em niacutevel federal As comissotildees podem em razatildeo da
mateacuteria de sua competecircncia realizar audiecircncias puacuteblicas com entidades da
sociedade civil E nada obsta que estejam previstas formas de articulaccedilatildeo da
sociedade civil com os Presidentes das Comissotildees da Cacircmara no seu Regimento
Interno em acircmbito municipal
Os dispositivos da Constituiccedilatildeo Federal que dispotildeem sobre a forma de
participaccedilatildeo direta do cidadatildeo e da sociedade civil no processo democraacutetico natildeo se
pode negar que trouxe novas perspectivas De modo geral podemos citar
Art 29 A lei orgacircnica dos Municiacutepios tem que observar entre os seus
preceitos ldquocooperaccedilatildeo das associaccedilotildees representativas no planejamento municipalrdquo
Art 31 As contas dos municiacutepios ficaratildeo durante 60 (sessenta) dias
anualmente a disposiccedilatildeo de qualquer contribuinte para exame e apreciaccedilatildeo o qual
poderaacute questionar-lhes a legitimidade nos termos da lei
Art37 sect 3ordm (EC-1998) A lei disciplinaraacute as formas de participaccedilatildeo do usuaacuterio
na administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta regulando especialmente
I- as reclamaccedilotildees relativas a prestaccedilatildeo dos serviccedilos puacuteblicos em geral asseguradas
a manutenccedilatildeo de serviccedilo de atendimento ao usuaacuterio e a avaliaccedilatildeo perioacutedica externa
e interna da qualidade dos serviccedilos
50
II- o acesso dos usuaacuterios a registros administrativos e a informaccedilatildeo sobre atos de
governo observado o disposto no art 5ordm X e XXXIII
III- a disciplina da representaccedilatildeo conta o exerciacutecio negligente ou abusivo de cargo
emprego ou funccedilatildeo na administraccedilatildeo puacuteblica
Art 74 sect 2ordm Qualquer cidadatildeo partido poliacutetico associaccedilatildeo ou sindicato eacute
parte legiacutetima para na forma de lei denunciar irregularidades ou ilegalidades perante
o Tribunal de Contas da Uniatildeo
Art194 paraacutegrafo uacutenico Compete ao Poder Puacuteblico nos termos da lei
organizar a seguridade social com base nos seguintes objetivos ()
VII ndash caraacuteter democraacutetivo descentralizado na administraccedilatildeo mediante gestatildeo
quadripartite com participaccedilatildeo dos trabalhadores dos empregados e dos
aposentados e do Governo nos oacutergatildeos colegiados nos oacutergatildeos colegiados
Art 198 As accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede integram uma rede
regionalizada e hierarquizada o constituem um sistema uacutenico organizado de acordo
com as seguintes diretrizes
III ndash participaccedilatildeo da comunidade
Art 202 sect 6ordm A lei complementa a que se refere o sect 4ordm deste artigo
estabeleceraacute os requisitos para a designaccedilatildeo dos membros das diretorias das
entidades fechadas de previdecircncia privada e disciplinaraacute a inserccedilatildeo dos
participantes nos colegiados e instacircncias de decisatildeo em que seus interesses sejam
objeto de discussatildeo e deliberaccedilatildeo
Art 204 As accedilotildees governamentais na aacuterea de assistecircncia social seratildeo
organizadas com base nas seguintes diretrizes
II ndash Participaccedilatildeo da populaccedilatildeo por meio de organizaccedilotildees representativas na
formulaccedilatildeo das poliacuteticas e no controle das accedilotildees em todos os niacuteveis
O protagonista na concretizaccedilatildeo dos direitos humanos e na ampliaccedilatildeo da cidadania eacute um sujeito coletivo de um trabalho sempre inacabado eis que se tratam de tarefas e conquistas cotidianas e gradativas obras que soacute podem ser realizada a muitas matildeos no partilhar e compartilhar da vida (COSTA NETO 2010)
A ampliaccedilatildeo da cidadania requer a consciecircncia de que os direitos pressupotildeem
deveres de maneira que os direitos de um indiviacuteduo satildeo garantidos a partir do
cumprimento dos deveres dos demais componentes da sociedade
51
34 A necessaacuteria superaccedilatildeo de velhos paradigmas
Como se sabe em 1988 foi aprovada a Constituiccedilatildeo mais liberal e
democraacutetica do Brasil chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo Assim ampliou-se de
forma significativa o campo dos direitos e garantias fundamentais No que diz
respeito a tal mateacuteria eacute considerada como uma das mais avanccediladas do mundo No
seu preacircmbulo adota o modelo de um Estado democraacutetico de Direito destinado a
garantir o exerciacutecio dos direitos sociais e individuais a liberdade a seguranccedila o
bem-estar o desenvolvimento a igualdade e a justiccedila eleitos como valores
supremos de uma sociedade fraterna pluralista e sem preconceitos
Para a construccedilatildeo democraacutetica da cidadania no Brasil contemporacircneo
salienta-se de ela deve passar de uma democracia representativa para uma
cidadania que efetivamente molde a democracia ou seja uma cidadania instituinte
da democracia
No acircmbito constitucional positivo cidadania pressupotildee o exerciacutecio de todos
os direitos fundamentais e garantias que caracterizam o Estado democraacutetico de
Direito Quando se fala em cidadania eacute no sentido de reafirmar o direito pela plena
realizaccedilatildeo do indiviacuteduo do cidadatildeo dos entes coletivos e de sua emancipaccedilatildeo nos
espaccedilos da sociedade Estatildeo sempre intimamente ligados os conceitos de
cidadania democracia e direitos humanos sendo que um remete ao outro e seus
conteuacutedos se interligam ou seja a cidadania natildeo iraacute ocorrer sem que ocorra a
realizaccedilatildeo dos Direitos Humanos da mesma forma que os direitos humanos natildeo
seratildeo concretizados se natildeo houver o exerciacutecio da cidadania
Na evoluccedilatildeo histoacuterica tais categorias se desenvolveram de forma conjunta
com o Estado Representam noccedilotildees desejaacuteveis de relaccedilotildees humanas que se espera
sejam instituiacutedas Satildeo os elementos basilares na nova ordem social e que a
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 pretendeu edificar Poreacutem a democracia poliacutetica natildeo
resolveu os problemas econocircmicos mais seacuterios como a desigualdade e o
desemprego Continuam muito seacuterios os problemas da aacuterea social principalmente
na educaccedilatildeo nos serviccedilos de sauacutede e saneamento como tambeacutem e
principalmente quanto agrave seguranccedila puacuteblica
52
A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 em seu artigo 6ordm e em outros artigos no texto
constitucional ampliou e muito os Direitos Sociais proibiu discriminaccedilotildees Assim
indicadores baacutesicos de qualidade de vida apontam que houve uma melhoria A
mortalidade infantil por exemplo caiu de maneira significativa nos uacuteltimos anos A
esperanccedila de vida ao nascer passou de 60 anos em 1980 para 70 em 2000 Poreacutem
o maior progresso foi na aacuterea da educaccedilatildeo fundamental que eacute considerado fator
decisivo para a cidadania pois a taxa de analfabetismo caiu consideravelmente
entretanto existem muitos problemas no campo educacional como a repetecircncia e
com relaccedilatildeo a desigualdade social entre as regiotildees
A grande concentraccedilatildeo da riqueza nacional nas matildeos de poucos reflete a
desigualdade e causa a pobreza e a miseacuteria ao passo que dificulta o acesso do
cidadatildeo agrave justiccedila e consequentemente ao seu estado de cidadania pleno
Dentre os fundamentos no qual se baseiam o Estado democraacutetico de Direito
no Brasil destaca-se justamente a cidadania e a dignidade humana conforme artigo
1ordm incisos II e III da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Entatildeo construir uma sociedade
livre justa e solidaacuteria garantir o desenvolvimento nacional erradicar a pobreza e a
marginalizaccedilatildeo reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de
todos sem preconceitos de origem raccedila sexo cor idade ou quaisquer outras
formas de discriminaccedilatildeo satildeo os objetivos fundamentais do Estado Brasileiro
conforme art 3ordm da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
O cenaacuterio de globalizaccedilatildeo econocircmica mundial tambeacutem traacutes seacuterios obstaacuteculos
para a construccedilatildeo da cidadania A globalizaccedilatildeo da economia em ritmo acelerado
provoca grandes mudanccedilas nas relaccedilotildees entre Estado sociedade e naccedilatildeo que
eram sempre o centro da noccedilatildeo e da praacutetica da cidadania ocidental O foco das
mudanccedilas e das preocupaccedilotildees estaacute em dois focos especiacuteficos a reduccedilatildeo do papel
central do Estado como fonte de direitos e local para a participaccedilatildeo e o
deslocamento da naccedilatildeo como principal fonte de identidade coletiva
Para que ocorra efetiva mudanccedila a melhor proposta eacute no sentido de
mudanccedila na organizaccedilatildeo da sociedade pois a inversatildeo da sequecircncia dos direitos
fez com que ocorra o reforccedilo da supremacia do Estado Para que ocorra a
consolidaccedilatildeo democraacutetica e cidadatilde eacute necessaacuterio reforccedilar a organizaccedilatildeo da
sociedade para assim dar embasamento social ao poder poliacutetico ou seja
finalmente democratizar o poder e estabelecer de forma plena a Cidadania
53
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A Constituiccedilatildeo que nasce com ldquocheiro de amanhatilde e natildeo de mofordquo nas
palavras do Deputado Ulisses Guimaratildees tem em seu relevo a esperanccedila de um
povo que sonhava com a erradicaccedilatildeo da repressatildeo militar e natildeo soacute isso um povo
que sonhava com a liberdade em suas diversas manifestaccedilotildees em suas mais
significativas formas de representaccedilatildeo e sobretudo com um paiacutes voltado para a
democracia e justiccedila social
Ao povo brasileiro foi concedido o poder de governar e nesse contexto de
mudanccedila a ldquodemocracia eacute o governo do povo pelo povo e para o povordquo na
conceituaccedilatildeo ceacutelebre de Abraham Lincoln E consoante estabelece o paraacutegrafo
uacutenico do art 1ordm da Carta cidadatilde de 1988 ldquotodo poder emana do povo que o exerce
por meio de representantes eleitos ou diretamenterdquo
No entanto natildeo basta que a fonte de poder seja o povo a democracia vem
significar a efetiva participaccedilatildeo do povo nas decisotildees e destino do Estado e sua
consolidaccedilatildeo eacute a proacutepria cidadania pois eacute o cidadatildeo que pensa e se auto define
diante da condiccedilatildeo soacutecio-histoacuterica O cidadatildeo tem portanto o poder de transformar
a realidade social segundo seu pensamento e accedilatildeo
Natildeo se pode negar que a Carta de 1988 foi a que apresentou maior
legitimidade popular que abriu caminhos apontando um novo tempo
Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita Se fosse perfeita seria irreformaacutevel Ela proacutepria com humildade e realismo admite ser emendada ateacute por maioria mais acessiacutevel dentro de cinco anos Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita mas seraacute uacutetil e pioneira e desbravadora Seraacute luz ainda que de lamparina na noite dos desgraccedilados Eacute caminhando que se abrem os caminhos Ela vai caminhar e abri-los Seraacute redentor o que penetrar nos bolsotildees sujos escuros e ignorados da miseacuteria (Ulysses Guimaratildees)
Mesmo natildeo sendo a constituiccedilatildeo perfeita sem duacutevida foi a que trouxe
esperanccedila ao povo brasileiro com a sua promulgaccedilatildeo surgiram o ldquohaacutebeas datardquo o
mandado de injunccedilatildeo e o mandado de seguranccedila coletivo - todos remeacutedios judiciais
de iacutendoles constitucionais serviacuteveis para prevenir e combater diversas tentativas de
abuso contra a pessoa humana Outrossim o objeto da accedilatildeo popular foi ampliado
Atualmente qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima para propor a mencionada accedilatildeo
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popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de entidade de que o
Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e ao patrimocircnio
histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de custas
judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia Nesse rol de forma decisiva houve a
ampliaccedilatildeo tambeacutem dos direitos sociais
Assim a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconhece e assegura uma seacuterie de
escudos protetivos aos cidadatildeos Em sua essecircncia os direitos fundamentais
ganham forma De modo que podemos assegurar que hoje o nosso Estado eacute uma
organizaccedilatildeo centrada no ser humano visto que tem a dignidade da pessoa humana
como um fundamento da Repuacuteblica Federativa do Brasil
Apesar das inuacutemeras dificuldades o Estado Democraacutetico de Direito fundado
na cidadania constituiu para o povo uma nova identidade ndash o que em outras eacutepocas
natildeo existia
A Constituiccedilatildeo circunscreve toda a organizaccedilatildeo poliacutetica estatal no intuito
maior de criar no consciente coletivo a vontade livre e determinada de desenvolver
padrotildees de condutas destinados a elevar e promover a auto-estima de toda a
comunidade paacutetria
Foi nesse sentido que estatui em seu artigo 1ordm a cidadania como fundamento
do Estado Democraacutetico de Direito ampliando e enriquecendo o tal conceito Cada
eacutepoca produziu praacuteticas e reflexotildees muito distintas sobre o tema cidadania A
definiccedilatildeo de cidadania que vem sofrendo alteraccedilotildees ao longo do tempo obedecendo
a um processo histoacuterico de conquistas sociais eacute compreendida atualmente como
um processo de participaccedilatildeo do indiviacuteduo ou de um grupo organizado nas mais
variadas aacutereas de atuaccedilatildeo da sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos
e sociais
A cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia disso natildeo haacute duvidas e se
efetiva como mudanccedilas na realidade de cada um com melhoria de vida e
conscientizaccedilatildeo da importacircncia do cidadatildeo dado que eacute um processo em
permanente construccedilatildeo Natildeo haacute como defender uma qualidade de vida sem a
preservaccedilatildeo da cidadania em todos os seus acircmbitos Nesse sentido a efetiva
proteccedilatildeo desse aspecto basilar torna-se essencial no que tange uma assistecircncia
juriacutedica completa
No contraponto do direito estatildeo os deveres que encontramos sua realizaccedilatildeo
tambeacutem na participaccedilatildeo observando que o cidadatildeo eacute responsaacutevel pelo advir de
55
suas accedilotildees A participaccedilatildeo reflete um caraacuteter de natildeo comodismo de atenccedilatildeo agravequilo
que eacute particular e coletivo tendo como finalidade preciacutepua o bem comum
Construir cidadania hoje eacute imperativo para a sociedade pois dessa
construccedilatildeo depende o amanhatilde Estamos diante da Constituiccedilatildeo que se propotildee a
resguardar o amanhatilde sem perder de vista que ele comeccedila hoje agora e nisso a
Carta Poliacutetica traacutes consigo a certeza do despertar dessa consciecircncia a consciecircncia
cidadatilde Ela eacute a semente plantada em terra feacutertil que gera frutos diariamente e se
renova a cada estaccedilatildeo na dinacircmica da vida Talvez tenha sido esse o cheiro de
frutas alcanccedilado pelo constituinte ao anunciar que a carta tem ldquocheiro do amanhatilderdquo
A responsabilidade pelo exerciacutecio desses direitos belissimamente elencados
depende de todos e de cada um pois somos o terreno feacutertil que produziraacute o fruto de
uma sociedade fraterna
Eacute comum na praacutetica apenas responsabilizarmos o Estado em sentido lato pelo
natildeo exerciacutecio dos direitos do cidadatildeo Vale lembrar nesse contexto das palavras de
J Kennedy o qual disse ldquonatildeo pergunte o que o Estado pode fazer por vocecirc mas o
que vocecirc pode fazer pelo Estadordquo haacute nessa frase um forte traccedilo de cidadania pois
quando o cidadatildeo reivindica critica opina o que ele daacute em contrapartida ao paiacutes eacute
solidificado visto que eacute nas relaccedilotildees familiares em comunidade que se estabelece e
se fortalece os viacutenculos de solidariedade de uma sociedade que perpetua valores
condutas que as leis reguladoras natildeo conseguem por si soacute estabelecer
A concretizaccedilatildeo do ideal de uma qualidade de vida merecida a todos os seres
humanos sem restriccedilotildees requer entretanto um esforccedilo coletivo Dessa forma haacute
necessidade de suprir as muitas carecircncias advindas das desigualdades sociais e de
condiccedilotildees do descaso do poder puacuteblico e da proacutepria conceituaccedilatildeo antiga de
cidadania que ainda eacute concebida por muitos no presente
Em suma nosso trabalho procurou traccedilar a evoluccedilatildeo da cidadania e ao
mesmo tempo buscou traccedilar uma melhor caracterizaccedilatildeo do cidadatildeo agrave luz da nossa
Constituiccedilatildeo que eacute por fim a essecircncia da Magna Carta O alcance da cidadania
enquanto mecanismo de acesso a direitos foi colocado no acircmbito da pessoa
enquanto titular de direitos e num paralelo defendemos que o municiacutepio eacute o espaccedilo
de atuaccedilatildeo e exerciacutecio de cidadania dada a proximidade do cidadatildeo com as
instituiccedilotildees oacutergatildeos entidades e tudo o mais que o cerca na esfera de vivecircncia Eacute na
praccedila que discute a poliacutetica local e nacional que se indigna com as dificuldades e as
56
barreiras de acesso aos seus direitos Eacute no municiacutepio que se inicia todo um vieacutes de
desdobramento para garantir direitos
Por fim natildeo obstante resta dizer sobre o tema que os caminhos e
paradigmas que se intentou percorrer sobre cidadania como mecanismo
transformador da sociedade tem ingrediente ainda a se descortinar para o
propoacutesito valioso do bem comum Pois bem a ideia de bem comum tem como
fundamento o amor maacutexima que se estabelece por meio da democracia visto que
ldquoa demofilia o demoiacutesmo o amor do povo acima de tudo como princiacutepio ativo de
toda a sua vida poliacutetica inspirador duma sempre crescente autonomia imanente eacute
que constitui a verdadeira essecircncia da democraciardquo nas palavras de Melgareacute
(2005)
Dessa forma eacute no nuacutecleo da democracia que estaacute inscrito como pedra
angular o respeito e o amor pela pessoa humana Eacute pois um tema de larga
abrangecircncia poreacutem sem querer abreviar o caminho sua efetiva possibilidade de
realizaccedilatildeo se encontra no exerciacutecio da cidadania sem repuacutedios parciais ou exclusatildeo
de qualquer ordem na plenitude de uma cidadania para todos
57
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29
uma vida digna natildeo convive e agraves vezes nem mesmo sobrevive A expressatildeo
direitos fundamentais eacute a mais precisa no sentido de que a todos por igual devem
ser natildeo apenas formalmente reconhecidos mas concreta e materialmente
efetivados
Por sua vez a atual Corte em julgamento do habeas corpus (HC ndeg
82424RS) marca seu posicionamento no tocante ao sistema de direitos
fundamentais insculpido na Constituiccedilatildeo de 1988 atraveacutes dos profundos e bem
fundamentados votos dos Ministros que aleacutem de delimitarem a extensatildeo e os limites
da liberdade de expressatildeo (art 5o IV e IX) acabaram indicando as bases filosoacuteficas
e juriacutedicas para a interpretaccedilatildeo do cataacutelogo de direitos fundamentais da Constituiccedilatildeo
de 1988
Nesse sentido o voto do Ministro Marco Aureacutelio tratou de definir o sistema de
direitos fundamentais como a ldquoproacutepria essecircncia da Constituiccedilatildeordquo qualificando-os
como ldquovalores objetivos que servem como norte da atuaccedilatildeo estatalrdquo Assim estaacute
consignado nos fundamentos do referido voto
A Constituiccedilatildeo de 1988 representou um divisor de aacuteguas entre o antigo regime totalitaacuterio e um periacuteodo de redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes marcando dessa forma uma eacutepoca que tem como modelo de atuaccedilatildeo do Estado o respeito incondicional aos direitos fundamentais Por isso mesmo o sistema constitucional dos direitos fundamentais previsto no artigo 5o da Carta com os eventuais acreacutescimos do sect 2o reflete em rigor e em larga medida a proacutepria essecircncia da Constituiccedilatildeo e a retomada do processo de democratizaccedilatildeo e da garantia do cidadatildeo contra abusos e arbitrariedades no exerciacutecio do Poder Puacuteblico Os direitos fundamentais satildeo hoje verdadeiros princiacutepios estruturantes da organizaccedilatildeo e do funcionamento do Estado valores objetivos que servem como norte da atuaccedilatildeo estatal em seus mais diferentes niacuteveis no Legislativo formam um cataacutelogo de princiacutepios e garantias que informam e direcionam toda a atividade de criaccedilatildeo das normas de nosso ordenamento juriacutedico e de concretizaccedilatildeo dos preceitos constitucionais no Executivo mostram-se como verdadeiros limites ao exerciacutecio do poder administrativo servindo como trincheiras de proteccedilatildeo da liberdade do cidadatildeo e no judiciaacuterio refletem a base e o fundamento necessaacuterio da compreensatildeo e interpretaccedilatildeo de nossas normas ndash efeito interpretativo - evitando que a atividade jurisdicional se transforme em medidas discricionaacuterias ou providecircncias ilegiacutetimas de opccedilotildees poliacuteticas pautadas em escolhas pessoais dos juiacutezes
Tudo indica que se trata do iniacutecio de uma soacutelida construccedilatildeo jurisprudencial a
respeito do sentido axioloacutegico do sistema de direitos fundamentais da Constituiccedilatildeo
de 1988
30
Os Direitos Individuais satildeo de exerciacutecio exclusivo do indiviacuteduo e devem ser
formalmente reconhecidos e concretizados no cotidiano do cidadatildeo O indiviacuteduo aqui
eacute considerado um sujeito de direitos e natildeo apenas como integrante de um corpo
social Esses direitos natildeo podem sofrer nenhum tipo de restriccedilatildeo natildeo se
discriminando quem os pode exercer uma vez que satildeo titulares todas as pessoas
capazes incapazes brasileiras estrangeiras alfabetizadas e iletradas
A Constituiccedilatildeo Cidadatilde foi a primeira a estabelecer direitos natildeo soacute de
indiviacuteduos mas tambeacutem de grupos sociais os denominados direitos coletivos Com
isso as pessoas passaram a ser coletivamente consideradas Os direitos individuais
e coletivos estatildeo anunciados no art 5ordm em setenta e sete incisos e em dois
paraacutegrafos
Verifica-se que os Direitos Individuais tecircm como ponto marcante a liberdade
seja ela tomada de maneira global ou especiacutefica como liberdade de associaccedilatildeo de
reuniatildeo A liberdade de reuniatildeo (art 5ordm XVI) constitui-se na primeira e mais simples
liberdade corporativa estando logo apoacutes a liberdade de locomoccedilatildeo
Os Direitos Sociais tecircm como titular uma coletividade e satildeo caracterizados
pela prestaccedilatildeo de serviccedilos ou oferecimento de melhorias para a sociedade como um
todo por parte do Poder Puacuteblico Assim os Direitos Sociais tornam possiacutevel a fruiccedilatildeo
e o exerciacutecio dos Direitos Individuais pela coletividade mesmo pelos carentes
materialmente
O art 6deg define os Direitos Sociais da seguinte maneira ldquoSatildeo Direitos Sociais
a educaccedilatildeo a sauacutede o trabalho a moradia o lazer a seguranccedila a previdecircncia
social a proteccedilatildeo agrave maternidade e agrave infacircncia a assistecircncia aos desamparados na
forma desta Constituiccedilatildeordquo
Portanto eacute obrigatoacuteria ao Estado a proteccedilatildeo dos interesses da coletividade
com o atendimento dos direitos acima citados
Satildeo direitos poliacuteticos os que conferem o acesso da populaccedilatildeo agrave participaccedilatildeo
no Poder do Estado tais como os direitos de votar e ser votado do referendo
plebiscito e iniciativa popular das leis O direito democraacutetico de participaccedilatildeo dos
cidadatildeos no governo por meio de seus representantes exigiu a formaccedilatildeo de um
conjunto de normas legais permanentes que recebeu a denominaccedilatildeo de direitos
poliacuteticos Os Direitos Poliacuteticos amparam os Direitos Individuais Sociais e
Econocircmicos pois quando desaparece a democracia desaparecem imediatamente
as liberdades fundamentais
31
Com o advento da Constituiccedilatildeo de 1988 foram criadas instituiccedilotildees para
fiscalizar e controlar a atuaccedilatildeo da administraccedilatildeo puacuteblica entre as quais o Ministeacuterio
Puacuteblico que funciona como um canal de expressatildeo dos direitos da populaccedilatildeo
O Ministeacuterio Puacuteblico foi a instituiccedilatildeo que mais ganhou importacircncia no cenaacuterio
puacuteblico por ter passado a defender os interesses coletivos ou seja os interesses de
um grupo categoria ou classe e natildeo de um indiviacuteduo isolado No artigo 127 o
Ministeacuterio Puacutebico (MP) eacute definido como ldquouma instituiccedilatildeo permanente essencial agrave
funccedilatildeo jurisdicional do Estado incumbindo-lhe a defesa da ordem juriacutedica do regime
democraacutetico e dos interesses sociais e individuais indispensaacuteveisrdquo
Cabe ao Ministeacuterio Puacuteblico exigir dos poderes puacuteblicos e dos serviccedilos de
relevacircncia puacuteblica respeito aos direitos elencados na Constituiccedilatildeo promovendo as
medidas necessaacuterias agrave garantia desses direitos Portanto eacute responsaacutevel pela
garantia da ordem juriacutedica do regime democraacutetico da moralidade puacuteblica e dos
direitos sociais e individuais
23 A consagraccedilatildeo dos direitos do cidadatildeo
A Constituiccedilatildeo de 1988 eacute o coroamento da histoacuteria constitucional do Brasil por
ter sido um marco da redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes opondo-se a qualquer forma de
autoritarismo Nela a cidadania foi consagrada como um dos fundamentos da
Repuacuteblica Federativa do Brasil (art 1ordm inc II) Observe-se que o termo cidadania
encontra-se na Constituiccedilatildeo em sentido mais amplo do que o de titular de direitos
poliacuteticos pois qualifica os participantes da vida do Estado e reconhece o indiviacuteduo
como pessoa integrada na sociedade estatal
Essa nova concepccedilatildeo de cidadania introduzida pela Constituiccedilatildeo Federal de
1988 eacute fruto da internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos e como marco principal da
institucionalizaccedilatildeo erigiu em seu artigo primeiro a dignidade da pessoa humana (inc
III) e a cidadania (incII) a princiacutepio fundamental
Institui com o princiacutepio da cidadania uma nova compreensatildeo acerca dos
direitos de deveres da pessoa elevado-o a status maacuteximo a regra-matriz que natildeo
pode ser desrespeitada pois os fundamentos constituem a essecircncia da Repuacuteblica
32
Federativa e servem como regra-matriz para a elaboraccedilatildeo interpretaccedilatildeo e
integraccedilatildeo do sistema juriacutedico nacional
Violar um princiacutepio eacute muito grave que transgredir uma norma qualquer A desatenccedilatildeo ao principio implica ofensa natildeo apenas a um especifico mandamento obrigatoacuterio mas a todo o sistema de comandos Eacute a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade representa insurgecircncia contra todo o sistema subversatildeo de valores fundamentais (MELLO apud CHIMENTI 2005 P 33)
Para Silva (2004) cidadania eacute discriminada como princiacutepio relativo ao regime
poliacutetico Dessa forma compreendida cidadania como princiacutepio fundamental eacute o
direito de participar dos destinos do Estado e mais usufruir dos direitos civis
fundamentais previstos na Constituiccedilatildeo
Muitos doutrinadores utilizam cidadania no mesmo sentido de nacionalidade
(Art 12 da Constituiccedilatildeo Federal) e de direitos poliacuteticos (Art 14) Em alguns outros
dispositivos a palavra cidadania (ou cidadatildeo) poderia ainda ter a significaccedilatildeo de
direitos poliacuteticos mas mesmo assim de forma impliacutecita a exemplo dos arts 22 XIII
e 5ordm LXXIII No primeiro se lecirc que compete agrave Uniatildeo legislar sobre nacionalidade
cidadania e naturalizaccedilatildeo e no segundo que qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima
para propor accedilatildeo popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de
entidade de que o Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e
ao patrimocircnio histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de
custas judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia No entanto conforme Mazzuoli (2002)
Observe-se que a Carta de 1988 ao tratar no seu art 14 dos direitos poliacuteticos natildeo se refere sequer em um momento agrave expressatildeo cidadania dizendo apenas que a soberania popular seraacute exercida pelo sufraacutegio universal e pelo voto direito e secreto com valor igual para todos (hellip) Pelo contraacuterio a Constituiccedilatildeo faz uma separaccedilatildeo entre cidadania e direitos poliacuteticos quando no seu art 68 sect 1ordm II ao tratar das leis delegadas exclui do acircmbito da delegaccedilatildeo legislativa a nacionalidade cidadania direitos individuais poliacuteticos e eleitorais
A Constituiccedilatildeo brasileira de 1988 com a transiccedilatildeo para o regime democraacutetico
consagrou expressamente esta nova concepccedilatildeo de cidadania como se depreende
da leitura de vaacuterios dos seus dispositivos
Foi nesse sentido que pioneiramente estatuiu a Carta de 1988 em seu art
1ordm que a Repuacuteblica Federativa do Brasil formada pela uniatildeo indissoluacutevel dos
33
Estados e Municiacutepios e do Distrito Federal constitui-se em Estado Democraacutetico de
Direito e tem como fundamentos dentre outros a cidadania (inc II) Como jaacute
mencionado
Na mesma esteira o disposto no art 5ordm incisos LXXI (conceder-se-aacute
mandado de injunccedilatildeo sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviaacutevel o
exerciacutecio dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes agrave
nacionalidade agrave soberania e agrave cidadania) e LXXVII (satildeo gratuitas as accedilotildees de
habeas-corpus e habeas-data e na forma da lei os atos necessaacuterios ao exerciacutecio
da cidadania) No seu Tiacutetulo VIII Capiacutetulo II Seccedilatildeo I a Carta Magna de 1988
dispotildee ainda que a
Educaccedilatildeo direito de todos e dever do Estado e da famiacutelia seraacute promovida e incentivada com a colaboraccedilatildeo da sociedade visando ao pleno desenvolvimento da pessoa seu preparo para o exerciacutecio da cidadania e sua qualificaccedilatildeo para o trabalho (art 205)
Outro dispositivo em que fica bastante marcada esta nova concepccedilatildeo de
cidadania eacute o art 64 do Ato das Disposiccedilotildees Constitucionais Transitoacuterias que
dispotildee
A Imprensa Nacional e demais graacuteficas da Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios da administraccedilatildeo direta ou indireta inclusive fundaccedilotildees instituiacutedas e mantidas pelo Poder Puacuteblico promoveratildeo ediccedilatildeo popular do texto integral da Constituiccedilatildeo que seraacute posta agrave disposiccedilatildeo das escolas e dos cartoacuterios dos sindicatos dos quarteacuteis das igrejas e de outras instituiccedilotildees representativas da comunidade gratuitamente de modo que cada cidadatildeo brasileiro possa receber do Estado um exemplar da Constituiccedilatildeo do Brasil
Enfim a Constituiccedilatildeo de 1988 enriqueceu e ampliou os conceitos de cidadatildeo
e cidadania Seu entendimento agora como leciona Silva (2005)
Decorre da ideia de Constituiccedilatildeo dirigente que natildeo eacute apenas um repositoacuterio de programas vagos a serem cumpridos mas constitui um sistema de previsatildeo de direitos sociais mais ou menos eficazes em torno dos quais eacute que se vem construindo a nova ideacuteia de cidadania
De forma que natildeo mais se trata de considerar a cidadania como simples
qualidade de gozar direitos poliacuteticos mas sim de aferir-lhe um nuacutecleo miacutenimo e
irredutiacutevel de direitos (fundamentais) que devem se impor obrigatoriamente agrave accedilatildeo
dos poderes puacuteblicos
34
O ordenamento juriacutedico brasileiro consagrou aleacutem dos institutos jaacute
mencionados alguns outros mecanismos de defesa dos direitos e garantias
constitucionais da cidadania como a accedilatildeo civil puacuteblica regulada pela Lei nordm
734785 e accedilatildeo direta de inconstitucionalidade prevista no incIV do art 129 da
Constituiccedilatildeo Federal O Coacutedigo de Defesa do Consumidor o Estatuto da Crianccedila e
do Adolescente e ateacute mesmo o princiacutepio do devido processo legal que resguarda ao
cidadatildeo o acesso agrave justiccedila e direito de ser acionado judicialmente por meio de
procedimentos legais satildeo mecanismos de defesa dos direitos de cidadania
previstos constitucionalmente e garantidos na esfera poliacutetica civil e social
Pode-se observar que a cidadania comeccedilou a ser construiacuteda como resultado
de um processo de luta a partir da conscientizaccedilatildeo dos direitos e deveres do
homem Como vimos a cidadania jaacute em praacutetica em muitos paiacuteses adquire no
Brasil com a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 um novo sentido qual seja o
pressuposto do exerciacutecio pleno de um sistema de direitos e garantias
35
CAPIacuteTULO 3 - CIDADANIA COMO MECANISMO DE
TRANSFORMACcedilAtildeO SOCIAL
No momento em que a cidadania alccedila voos constitucionais e insere-se na
Carta Poliacutetica da Repuacuteblica Federativa do Brasil inicia-se o processo de
redemocratizaccedilatildeo e ganha relevo o cidadatildeo agente deste processo que tem em
suas matildeos a tarefa da construccedilatildeo de um novo tempo
Historicamente a ideia de cidadatildeo conotava o habitante da cidade ndash o
citadino ndash firma-se entatildeo tal conotaccedilatildeo na Antiguumlidade claacutessica para depois
significar aquele indiviacuteduo a quem se atribuem os direitos poliacuteticos Superada essa
acepccedilatildeo que tambeacutem vigorou nas constituiccedilotildees anteriores da Repuacuteblica do Brasil
na concepccedilatildeo moderna estaacute clara a noccedilatildeo de cidadatildeo como aquele que a quem
consiste a titularidade de direitos individuais poliacuteticos e sociais Noccedilatildeo esta
edificada com a internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos que amplia a acepccedilatildeo do
termo declarando que satildeo cidadatildeos todo aquele que habita o acircmbito da soberania
de um Estado e deste Estado recebem uma carga de direitos e tambeacutem deveres dos
mais variados
Desta forma a noccedilatildeo contemporacircnea de cidadania funda-se na dicotomia
direitos (exerciacutecios de direitos fundamentais - participaccedilatildeo) e deveres (colaboraccedilatildeo -
solidariedade) Ao lado dos direitos foram estabelecidos deveres fundamentais e
portanto tanto agentes puacuteblicos como os indiviacuteduos tecircm obrigaccedilotildees especiacuteficas
inclusive a de respeitar os direitos das demais pessoas que vivem na ordem social
sendo e promovendo mecanismos de transformaccedilatildeo social que visam uma nova
sociedade baseada na igualdade e na justiccedila
36
31 O ser cidadatildeo
Os termos indiviacuteduo ser humano pessoa e cidadatildeo satildeo geralmente tomados
como sinocircnimo o que certamente influi na proliferaccedilatildeo de incontaacuteveis significados e
ampliaccedilatildeo do termo cidadatildeo Poreacutem estas palavras apesar de se assemelharem
possuem carga semacircntica proacutepria e da compreensatildeo exata de cada uma decorre a
conceituaccedilatildeo mais acentuada da acepccedilatildeo do termo cidadatildeo como titular de direitos
e deveres resguardados pela constituiccedilatildeo paacutetria
Desta forma indiviacuteduo eacute um representante da espeacutecie aquele que eacute uacutenico
Enquanto ser humano eacute um termo mais geneacuterico ou indeterminado que diz respeito
agrave espeacutecie agrave classificaccedilatildeo ao mundo zooloacutegico Pessoa por sua vez eacute um termo
mais especiacutefico que tem a ver com o mundo civilizado ou se preferirmos com a
constelaccedilatildeo dos valores morais eacuteticos e juriacutedicos proacuteprios da civilizaccedilatildeo
A etimologia da palavra pessoa demonstra que eacute um conceito sobreposto ao conceito de Ser Humano Um refratildeo de origem juriacutedica tambeacutem nos lembra do homo plures pessoa polimorfa o ser humano capaz de desempenhar muitos papeacuteis um mesmo ser humano eacute empresaacuterio e delinquumlente eacute pai e metaluacutergico etc Persona (personagem) era a maacutescara que usavam os atores da trageacutedia grega para desempenhar seu papel Cabe portanto entender o conceito de Ser Humano ao lado do conceito de Pessoa No direito romano antigo os escravos eram seres humanos (homens) mas natildeo eram consideradas pessoas (patriacutecios) Os juristas romanos que usavam o conceito de Ser Humano o dissociavam do conceito de pessoas (CUNHA 2007)
O Ser Humano recebe uma distinccedilatildeo importante quando o consideramos
como Pessoa assim como a Pessoa recebe uma distinccedilatildeo redundante natildeo menos
importante quando a consideramos por forccedila de expressatildeo como uma pessoa
humana Subentendendo o adjetivo humano como relativo agrave eacutetica Portanto Ser
Humano natildeo eacute a mesma coisa que Pessoa como tampouco Ser Humano eacute o
mesmo que cidadatildeo este muito eacute mais proacuteximo do termo Pessoa Vejamos o quadro
ilustrativo que esquematiza e distinguem os referidos conceitos
37
QUADRO 1 ndash EVOLUCcedilAtildeO DO SER HUMANO ATEacute O CIDADAtildeO
O Ser Humano O Ser Indiviacuteduo O Ser Pessoa O Ser Cidadatildeo
A Dimensatildeo do conviacutevio social
A dimensatildeo do mercado de trabalho e
Consumo
A Dimensatildeo de encontrar-se no mundo
A dimensatildeo de intervir na realidade
O homem tornar-se Ser Humano nas relaccedilotildees
de conviacutevio social
O Ser Humano tornar-se indiviacuteduo quando
descobre seu papel e funccedilatildeo social
O Indiviacuteduo torna-se pessoa quanto toma
consciecircncia de si mesmo do outro e do
mundo
A pessoa torna-se cidadatildeo quando
interveacutem na realidade em que vive
Quem estuda o comportamento do Ser
Humano Seria a antropologia a histoacuteria
ou a sociologia
Quem estuda o comportamento do indiviacuteduo Seria a
Filosofia a sociologia ou a Psicologia
Quem estuda o comportamento da pessoa Seria a
Filosofia a sociologia ou a Psicologia
Quem estuda o comportamento do cidadatildeo Seria a
Sociologia a Filosofia ou As ciecircncias
poliacuteticas
Quem garante os direitos do Ser
Humano A Declaraccedilatildeo Universal
dos Direitos Humanos
Quem garante os Direitos do
Consumidor O Coacutedigo do Consumidor
Quem garante os Direitos da pessoa A proacutepria pessoa (amor proacuteprio ou autoestima)
Quem garante os Direitos do cidadatildeo (A Constituiccedilatildeo e suas leis
regulamentares)
Existe realmente uma natureza humana Teologicamente
afirmamos que existe a uma natureza humana
Seguindo a corrente existencialista (JP Sartre) negamos tal
natureza
Que diferenccedila existe entre o direito do
consumidor e o direito do cidadatildeo Ao
Consumidor deve ser dado o direito de
propriedade enquanto ao cidadatildeo deve ser
dado o direito de acesso
O que significa tornar-se pessoa no niacutevel
psicoloacutegico e social A pessoa eacute o indiviacuteduo que toma consciecircncia de si mesmo (ldquoTornar-
se Pessoardquo de Karl Roger)
Como podemos intervir na realidade
modificando as estruturas corruptas e injustas Quando os
direitos do cidadatildeo lhe satildeo oferecidos e o
mesmo passa a exercecirc-lo haacute
modificaccedilatildeo de comportamento
(ROSAS 2009)
O cidadatildeo eacute portanto aquele indiviacuteduo a quem a Constituiccedilatildeo confere direitos
e garantias e lhe daacute o poder do seu efetivo exerciacutecio aleacutem de meios processuais
eficientes contra a violaccedilatildeo de seu gozo ou fruiccedilatildeo por parte do poder puacuteblico
Sendo assim
A passagem do indiviacuteduo a cidadatildeo caracteriza-se pelo reconhecimento pela lei de direitos considerados fundamentais agrave realizaccedilatildeo da vida do homem como indiviacuteduo e ser social membro de uma comunidade poliacutetica e a garantia desses direitos pela forccedila comum de todos (CUNHA 2007)
38
Nas uacuteltimas deacutecadas em alguns paiacuteses inclusive no Brasil desenvolveu-se o
conceito de cidadania calcado principalmente na questatildeo do cidadatildeo-consumidor
As pessoas passam a ser vistas como cidadatildes desde que tenham dinheiro para
adquirir mercadorias e utilizar serviccedilos Eacute certo pois que serviccedilos e mercadorias
atendem a necessidades materiais e simboacutelicas das pessoas e consumi-los eacute um
dos modos de participar da vida social criar identidade e partilhar dos bens
produzidos pela humanidade e representar-se culturalmente Contudo a cidadania
enfatizada apenas como uma relaccedilatildeo de compra e venda de mercadorias e serviccedilos
assume um conteuacutedo restrito individual conformista e voltado apenas para a
aquisiccedilatildeo de bens o que se relaciona com a ideacuteia de indiviacuteduo ou seja o consumo
atende as necessidades do indiviacuteduo
Outra forma de confusatildeo acerca do conceito de cidadatildeocidadania refere-se a
equiparaccedilatildeo feita com o assistencialismo o que configura uma acentuada inversatildeo
do termo uma vez que a praacutetica do assistencialismo natildeo propicia meios de
superaccedilatildeo das desigualdades sociais Enquanto a cidadania estaacute relacionada agrave
superaccedilatildeo das desigualdades sociais e a extensatildeo da garantia dos direitos de todos
O cidadatildeo eacute sem duacutevida uma expressatildeo que precisa ser adequadamente
utilizada e vivenciada pela coletividade compreendido na dimensatildeo do ser pessoa
de ter direitos e deveres do assumir as suas liberdades e responsabilidades no seio
de uma comunidade democraacutetica equitativa solidaacuteria e intercultural
Dessa forma ser cidadatildeo implica saber viver em sociedade estando ciente
dos anseios comuns A participaccedilatildeo ativa nas decisotildees de sua comunidade
influencia modos de vida de maneira positiva ao seu redor assim torna-se
imprescindiacutevel o exerciacutecio dos direitos constitucionais adquiridos e lutar pelos que
viratildeo eacute sobretudo estar consciente de todas as atitudes tomadas em prol da
sociedade
Eacute possiacutevel nesse espaccedilo de discussatildeo falar em ldquoestar cidadatildeordquo que eacute natildeo
praticar o exerciacutecio da cidadania em nenhuma de suas formas Implica apenas em
se deixar levar pelos acontecimentos e ainda reclamar das situaccedilotildees vividas sem
nada fazer para mudar sem nenhuma perspectiva de futuro Do que concluiacutemos que
a dinacircmica de intervir na realidade eacute pressuposto de cidadania
Ser cidadatildeo eacute tarefa que requer muito do ser humano do individuo da
pessoa Requer uma alta - estima elevada uma consciecircncia solidaacuteria uma
39
identidade que se reconheccedila na dinacircmica social interagindo com o outro ampliando
debates incitando justiccedila eacute sem duvida uma tomada de posiccedilatildeo que natildeo se
acomoda pelo contraacuterio se incomoda quando natildeo haacute comprometimento para o bem
comum
Natildeo eacute uma tarefa cocircmoda senatildeo muito complicada as pessoas natildeo nascem cidadatildeos mas fazem-se no tempo e no espaccedilo Na verdade natildeo eacute faacutecil exercer a liberdade e a cidadania ndash ser pessoa e ser cidadatildeo ndash por isso exige-se uma luta sem treacuteguas para erradicar assimetrias e exclusotildees socioculturais e criar cenaacuterios de esperanccedila realizaacuteveis fundamentados em valores e princiacutepios eacuteticos que requalifiquem a democracia com cidadatildeos participativos e
comprometidos ( SAEZ 1995)
Tem portanto como pressuposto uma mudanccedila de comportamento uma
tomada de posiccedilatildeo frente agrave dinacircmica social na qual estaacute inserido participando de
forma ativa e produtiva do processo de construccedilatildeo da cidadania por meio de seus
diversos canais
32 Emancipaccedilatildeo social atraveacutes da cidadania
Um Estado Democraacutetico eacute aquele que estaacute enraizado na legitimidade do
poder do povo e dele decorre seu exerciacutecio Assim o poder do povo eacute a expressatildeo
a aptidatildeo de homens e mulheres constituir autonomamente seu viver sem sucumbir
diante das instacircncias de poder Haacute nesse modus vivendi uma tutela das diferenccedilas e
pluralidades de formas de vida
Desta forma a cidadania eacute enfocada como o processo de participaccedilatildeo do
individuo ou de um grupo organizado nas mais variadas aacutereas de atuaccedilatildeo na
sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos sociais com a consciecircncia
da responsabilidade por sua proacutepria histoacuteria
Sendo a democracia o regime em que o povo governa sua caracteriacutestica
inarredaacutevel eacute a de ter o povo agrave frente do poder uma forma de autogoverno Em
assim sendo a cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia por meio de resultados
palpaacuteveis e medidas concretas tais como mudanccedilas na realidade de cada um com
melhoria de vida e conscientizaccedilatildeo da importacircncia na sociedade para o exerciacutecio
40
direto ou indireto desse poder pois se contentar com fato do direito estaacute prescrito
em lei natildeo eacute o bastante
Eacute certo poreacutem que o Estado democraacutetico somente se aperfeiccediloa na
proporccedilatildeo em que o povo age ativamente na medida em que os representantes
reflitam em seus atos os verdadeiros anseios populares Partindo dessa visatildeo a
cidadania eacute o grande fator de legitimaccedilatildeo do povo permitindo que ele aja em defesa
das instituiccedilotildees democraacuteticas
Sobre a participaccedilatildeo cumpre asseverar que este direito significa a
capacidade de ser consultado para as tomadas de decisatildeo que dizem respeito agrave
direccedilatildeo da sociedade em que vive o cidadatildeo este direito eacute acompanhado do
respeito aos deveres de contribuir para o progresso social e de acatar e respeitar o
resultado obtido em consulta coletiva
No elenco de mecanismo de exerciacutecio da cidadania estaacute o acesso ao direito e
a justiccedila que eacute fator preponderante para efetivar as garantias constitucionais
Assim passaremos a discorrer sobre a importacircncia de instrumentalizar o
cidadatildeo para um pleno exerciacutecio de seus direitos
Eacute Sabido que no Estado Democraacutetico Contemporacircneo os direitos
fundamentais constitucionalmente assegurados tecircm eficaacutecia imediata cumprindo ao
Estado garantir a todos os cidadatildeos o respeito a esses Direitos de modo concreto e
efetivo natildeo obstante as inuacutemeras desigualdades e condiccedilotildees adversas que
dificultam na praacutetica o seu exerciacutecio
Para o acesso ao direito o Estado deve desenvolver com eficiecircncia uma seacuterie
de atividades essenciais e dar efetividade a uma seacuterie de pressupostos Dentre eles
o principal eacute o conhecimento do Direito como fator preponderante pois o
desconhecimento da lei implica na praacutetica natildeo acionar a jurisdiccedilatildeo Um fato que
contribui para essa assertiva eacute baixa escolaridade da populaccedilatildeo e o analfabetismo
Muito pouco adianta a existecircncia de uma Constituiccedilatildeo apenas formal ou no
papel se ilegiacutetima ou desrespeitada Para que ocorra a eficaacutecia das normas
dispostas numa Constituiccedilatildeo ou melhor para que passe da teoria agrave praacutetica eacute
essencial que comandados e comandantes tenham conhecimento dos seus direitos
e responsabilidades assim como dos instrumentos juriacutedicos para efetivaacute-los (leis
regulamentadoras) O exerciacutecio da cidadania natildeo eacute somente um direito mas eacute
tambeacutem um dever de todos pois a omissatildeo de cada um contribui com as injusticcedilas e
as impunidades tatildeo presentes nos dias atuais
41
A Constituiccedilatildeo quando eacute justa e legiacutetima e principalmente quando eacute
respeitada eacute um poderoso instrumento de promoccedilatildeo e desenvolvimento social e
humano
Outro fator que deve ser considerado eacute a miserabilidade que coloca inuacutemeros
brasileiros a margem da sociedade em situaccedilatildeo precaacuteria os quais para Pinsky
(2004) ldquodesprovidos de esperanccedila de projeto de qualquer perspectiva de inclusatildeo
[] recorrer agrave Justiccedila humana parece algo irrealizaacutevel sofisticado e inteiramente
ficcionalrdquo
Desta forma o primeiro passo para concretizar os direitos previstos
constitucionalmente eacute a formaccedilatildeo do cidadatildeo atraveacutes da Educaccedilatildeo Baacutesica
infundindo-lhe a consciecircncia dos seus direitos e tambeacutem dos seus deveres sociais
bem como dos valores humanos fundamentais que devem ser por todos respeitados
na vida em sociedade A universalizaccedilatildeo do ensino fundamental a oferta obrigatoacuteria
de educaccedilatildeo infantil pelo Estado e o crescimento da oferta do ensino meacutedio satildeo
alguns dos aspectos que merecem destaques e foi devido agrave determinaccedilatildeo
constitucional de estabelecer o caraacuteter obrigatoacuterio do ensino fundamental e de
responsabilizar o Estado por sua implementaccedilatildeo que tem iniacutecio o processo de
avanccedilo desse segmento
A Constituiccedilatildeo estabeleceu de forma mais clara o papel dos entes federados
na educaccedilatildeo Tambeacutem aumentou a participaccedilatildeo orccedilamentaacuteria destinada ao setor
Com as novas regras para distribuiccedilatildeo de recursos adotadas apoacutes a promulgaccedilatildeo
da Carta os municiacutepios voltam a interessar-se pela educaccedilatildeo fundamental e o paiacutes
atinge a universalizaccedilatildeo do setor o que se busca agora satildeo mecanismos para
garantir a qualidade no ensino
O segundo passo nessa dinacircmica eacute o oferecimento a todos os cidadatildeos de
condiccedilotildees miacutenimas de sobrevivecircncia e de existecircncia condignas atraveacutes do acesso
ao trabalho produtivo livremente escolhido e do pagamento de remuneraccedilatildeo capaz
de prover ao sustento do trabalhador e de sua famiacutelia
Para milhotildees de cidadatildeos que vivem na ignoracircncia e na miseacuteria nenhuma
utilidade ou eficaacutecia tecircm os inuacutemeros direitos constitucionalmente assegurados Para
aqueles que se habituaram a retirar proventos da mendicacircncia da prostituiccedilatildeo de
atividades iliacutecitas ou aqueles que se sentiram forccedilados a sujeitar-se agrave exploraccedilatildeo de
outrem para sobreviver natildeo haacute nenhuma crenccedila na dignidade da pessoa humana e
no valor social do trabalho
42
A pobreza engendra inuacutemeras relaccedilotildees de dominaccedilatildeo entre pessoas e entre grupos sociais As habitaccedilotildees subumanas da periferia das grandes cidades no Brasil constituem verdadeiros quistos sociais terras sem lei controladas por xerifes ou por quadrilhas de malfeitores O Estado que natildeo for capaz de dotar essas comunidades do acesso efetivo agrave Educaccedilatildeo agrave Sauacutede agrave Seguranccedila e agrave Paz Puacuteblicas e ao trabalho liacutecito certamente natildeo lhes estaraacute assegurando o acesso ao Direito porque a populaccedilatildeo abrutalhada pela miseacuteria e coagida pelo medo natildeo desfruta da miacutenima eficaacutecia concreta dos
seus direitos fundamentais (GRECO 2009)
Evidencia que acesso ao Direito nas sociedades modernas mesmo nas
economicamente desenvolvidas exige o fortalecimento dos grupos intermediaacuterios e
do associativismo O cidadatildeo natildeo estaacute mais em condiccedilotildees de defender-se
individualmente das ameaccedilas e lesotildees aos seus direitos perpetradas por pessoas ou
grupos que se encontram em posiccedilatildeo de vantagem nas relaccedilotildees econocircmicas e
sociais
O sindicato veio exercer este importante papel em relaccedilatildeo ao trabalhador
empregado Mas hoje as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo natildeo satildeo apenas as que existem no
mundo do trabalho mas as que se revelam em todos os tipos de relaccedilotildees humanas
relaccedilotildees de consumo relaccedilotildees de vizinhanccedila relaccedilotildees locatiacutecias relaccedilotildees
comerciais internas e internacionais e natildeo com menor relevacircncia relaccedilotildees entre os
particulares e o Estado entre outras
Eacute preciso assegurar esse equiliacutebrio na praacutetica o que somente tornar-se-aacute
possiacutevel atraveacutes da articulaccedilatildeo dos sujeitos que se encontram em posiccedilatildeo de
desvantagem em organizaccedilotildees e associaccedilotildees que pela uniatildeo de esforccedilos
consigam compensar o desequiliacutebrio existente e dar aos indiviacuteduos e grupos a forccedila
e a capa de proteccedilatildeo necessaacuterias para ombrearem-se aos seus adversaacuterios e
lutarem pelos seus direitos ou interesses em igualdade de condiccedilotildees
Para Greco (2009) o pressuposto indispensaacutevel do acesso ao Direito eacute a
transparecircncia do Estado no trato de questotildees que possam afetar a esfera de
interesses dos cidadatildeos e complementa que aos cidadatildeos eacute indispensaacutevel
assegurar o direito de influir eficazmente nas decisotildees do poder puacuteblico atraveacutes dos
mais diversos instrumentos de participaccedilatildeo democraacutetica Ele afirma que
A relaccedilatildeo Estado-cidadatildeo natildeo eacute mais a relaccedilatildeo soberano-suacutedito O cidadatildeo tem o direito de exigir do Estado o pleno respeito ao seu
43
patrimocircnio juriacutedico Lamentavelmente a crise do Estado tem levado o Brasil a aceitar-se como normal que as pessoas juriacutedicas de Direito Puacuteblico natildeo cumpram devidamente as prestaccedilotildees positivas de que satildeo devedoras perante os particulares cabendo a estes demandar na Justiccedila para obtecirc-las (GRECO 2009)
Essa visatildeo deformada da responsabilidade do Estado ocorre o
desvirtuamento da justiccedila Por outro lado agrave violaccedilatildeo da garantia constitucional da
tutela jurisdicional efetiva (Constituiccedilatildeo artigo 5 inciso XXXV) disciplina a lei natildeo
excluiraacute da apreciaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio lesatildeo ou ameaccedila ao direito Assim o
acesso ao Direito natildeo estaraacute concretamente assegurado se o Estado natildeo oferecer a
todo cidadatildeo a possibilidade de receber aconselhamento juriacutedico a respeito dos seus
direitos
Constituiccedilatildeo de 1988 no artigo 5deg inciso LXXIV assegurou a todos
ldquoassistecircncia juriacutedicardquo a englobar assistecircncia judiciaacuteria e assessoramento juriacutedico
extrajudicial Conforme Greco (2009) ldquoeacute preciso que esse direito seja assegurado
na praacutetica Uma vez que na vida moderna o Direito tornou-se excessivamente
complexordquo Ainda no dizer do autor a consciecircncia juriacutedica do homem comum que
deve ser adquirida na famiacutelia e na escola natildeo eacute mais suficiente para a tomada de
decisotildees na vida diaacuteria das pessoas Todas as pessoas mantecircm complexas relaccedilotildees
juriacutedicas com instituiccedilotildees financeiras com fornecedores de bens e de serviccedilos etc
Nessas relaccedilotildees juriacutedicas com frequecircncia os cidadatildeos tecircm de tomar decisotildees
raacutepidas O cidadatildeo que tem meios procura um advogado particular para assessoraacute-
lo Ao pobre o Estado deve assegurar o mesmo direito em plenitude
Sem duacutevida o uacuteltimo pressuposto do acesso ao Direito eacute o acesso agrave Justiccedila
no sentido de acesso a um tribunal estatal imparcial previamente instituiacutedo como
competente para a soluccedilatildeo de qualquer litiacutegio a respeito de interesse que se afirme
juridicamente protegido ou para a praacutetica de qualquer ato que a lei subordine agrave
aprovaccedilatildeo autorizaccedilatildeo ou homologaccedilatildeo judicial
Se o cidadatildeo tem consciecircncia dos seus direitos se o Estado lhe fornece
todas as condiccedilotildees para livremente exercecirc-los mas algum outro cidadatildeo ou algum
oacutergatildeo do proacuteprio Estado impede ou dificulta esse exerciacutecio cabe ao poder puacuteblico
pocircr agrave disposiccedilatildeo do cidadatildeo lesionado ou ameaccedilado a jurisdiccedilatildeo necessaacuteria para
assegurar o pleno acesso a tal direito
Atingimos eacute certo um estaacutegio de desenvolvimento do Direito Humanitaacuterio que
natildeo mais nos permite conformar-nos com uma realidade distante do padratildeo de
44
convivecircncia humana que outras naccedilotildees jaacute alcanccedilaram O exerciacutecio pleno de
cidadania seraacute obra de mais de uma geraccedilatildeo Mas se trabalharmos com firmeza
certamente os jovens de hoje poderatildeo legar aos seus descendentes a emancipaccedilatildeo
cidadatilde um paiacutes melhor e uma sociedade mais justa e democraacutetica
33 O municiacutepio como acircmbito de exerciacutecio de cidadania
Historicamente o Municiacutepio enquanto unidade poliacutetico-administrativa surgiu
conforme descreve Berardi (2004) com a Repuacuteblica Romana interessada em
manter a dominaccedilatildeo paciacutefica das cidades conquistadas pela forccedila dos exeacutercitos
Sua origem mais de natureza socioloacutegica do que poliacutetica adveacutem do espiacuterito
associativo do homem e de suas relaccedilotildees de vizinhanccedila
Eacute pois a menor unidade territorial de Federaccedilatildeo cuja criaccedilatildeo reflete a base
da organizaccedilatildeo poliacutetica administrativa da Naccedilatildeo Portanto sua funccedilatildeo administrativa
historicamente vem assentada no princiacutepio do direito natural
O artigo primeiro da Constituiccedilatildeo Federal de 1998 estabelece que o
Municiacutepio ao lado dos Estados e do Distrito Federal formam a Republica Federativa
do Brasil que se constitui em Estado Democraacutetico de Direito O municiacutepio tem assim
um poder relevante para a aplicaccedilatildeo da democracia direta iniciada e fortalecida em
niacutevel local Diversos pensadores chegaram a afirmar que a descentralizaccedilatildeo de
poder resultante da constituiccedilatildeo Cidadatilde era antes de tudo uma conquista dos
Municiacutepios sendo eles os berccedilos da perpetuaccedilatildeo da Repuacuteblica e da Democracia
efetivamente por serem o uacutenico niacutevel de governo possuidores de respaldo e
localizaccedilatildeo fiacutesica ou seja solo municipal
Eacute certo que a Carta Magna de 1988 consolidou significativas inovaccedilotildees para a
vida municipal de forma que o Municiacutepio passou a constituir um dos entes da
federaccedilatildeo tratando-o como unidade dotada de autonomia poliacutetica expressa na
capacidade de poder elaborar a sua Lei Orgacircnica fugindo assim da tutela dos
estados que ateacute entatildeo eram considerados como uacutenicos componentes da federaccedilatildeo
45
A Lei Orgacircnica Municipal traz em seu bojo aleacutem da organizaccedilatildeo
administrativa do Municiacutepio a restauraccedilatildeo do Poder Legislativo municipal definindo
a diversificaccedilatildeo normativa que natildeo existia nas leis organizacionais outorgadas pelo
Estado reflexo do poder constituinte outorgados aos Municiacutepios pela Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 como consequecircncia do efetivo exerciacutecio do conceito de Estado
Democraacutetico de Direito
O Municiacutepio enquanto ente federativo tem atualmente a responsabilidade de
ordenar o seu desenvolvimento social e a garantia do bem estar de seus habitantes
executando poliacuteticas puacuteblicas de accedilotildees a serem empreendidas na consolidaccedilatildeo
democraacutetica do Estado
Fundada no elemento participaccedilatildeo o exerciacutecio de cidadania amplamente
citado encontra sua efetividade no municiacutepio Pois eacute nesse acircmbito de localizaccedilatildeo
que as pessoas mantecircm um contato direto com os poderes instituiacutedos suas
necessidades imediatas e mediatas satildeo objetos da disciplina da Lei que visa o bem
comum base do Estado democraacutetico de Direito
Baseado na maacutexima do municipalista e defensor da descentralizaccedilatildeo poliacutetica
Franco Motoro sabiamente proferiu que ldquoningueacutem vive na Uniatildeo ou no Estado As
pessoas vivem no Municiacutepiordquo Assim a cidadania encontra seu melhor espaccedilo de
realizaccedilatildeo na comunidade onde convive A vida em comunidade gera anseios
comuns sentimentos comuns uma vez que a convivecircncia propicia que as pessoas
se conheccedilam e se reconheccedilam como membros de uma mesma realidade
De acordo com Harvey (1992) ldquoa globalizaccedilatildeo provoca anonimato enquanto
comunidade cultiva solidariedaderdquo o que implica participaccedilatildeo para o exerciacutecio de
cidadania
Tudo o que acontece no mundo seja no meu paiacutes na minha cidade ou no meu bairro acontece comigo Entatildeo eu preciso participar das decisotildees que interferem na minha vida Um cidadatildeo com um sentimento eacutetico forte e consciecircncia da cidadania natildeo deixa passar nada natildeo abre matildeo desse poder de participaccedilatildeo (Herbert de Souza Betinho)
Com esse embasamento natildeo se pode perder de vista que eacute nas relaccedilotildees
diaacuterias de oposiccedilatildeo ou solidariedade que as pessoas exercem cidadania Na relaccedilatildeo
do com o outro com os poderes ao estabelecer com a vida social e puacuteblica uma
46
convivecircncia posto que cidadania eacute tarefa que natildeo termina natildeo eacute um conceito
pronto tatildeo pouco acabado enquanto seres inacabados que somos estaremos
buscando descobrindo criando e tomando consciecircncia mais ampla dos direitos
O desafio eacute construir um novo discurso sobre cidadania atraveacutes de uma
praacutetica poliacutetica sustentada isto eacute realizada em dois niacuteveis
O primeiro niacutevel na base atraveacutes de construccedilatildeo das capacidades e do poder
proacuteprio da populaccedilatildeo o que envolve inevitavelmente uma mudanccedila de atitude na
busca para garantir seus direitos utilizando-se do grau de autonomia local
Essa atitude conceberia agrave democracia participativa como uma poliacutetica paralela
de intervenccedilatildeo social criando e mantendo novos espaccedilos para a tomada de
decisotildees ou seja para o auto-governo pela populaccedilatildeo nas mateacuterias que afetam
diretamente suas vidas
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade
O segundo niacutevel um governo com o povo e natildeo apenas para o povo fundado
nos ditames constitucionais valorizando o sentimento da sociedade no exerciacutecio da
governabilidade de modo que o balizamento das accedilotildees de governo deixaria de estar
no proacuteprio governo e passaria a estabelecer-se a partir do pensar da sociedade Um
governo que se pergunta o que se deve fazer para ouvir com a maior fidelidade
possiacutevel a sociedade suas instituiccedilotildees representativas e o cidadatildeo Pois as
prioridades da gestatildeo deveriam ser definidas pela sociedade e natildeo mais pelo
governo
Portanto nesses termos eacute preciso considerar que as praacuteticas da
administraccedilatildeo puacuteblica sejam democratizadoras e inclusivas inspiradas nos
princiacutepios da legalidade impessoalidade moralidade publicidade e eficiecircncia Esta
uacuteltima buscou estabelecer uma Administraccedilatildeo Puacuteblica mais eficiente no sentido de
que o cidadatildeo como destinataacuterio dos serviccedilos puacuteblicos que o Estado deve prestar
receba-os com maior qualidade e menor custo para o eraacuterio puacuteblico
Para a consecuccedilatildeo desse governar com o povo alguns pontos devem ser
revistos A mudanccedila implica na necessidade de adequaccedilatildeo reorganizaccedilatildeo
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reformulaccedilatildeo Para isso se faz premente em face dos novos e modernos conceitos
de gestatildeo puacuteblica a superaccedilatildeo do tradicional vezo burocraacutetico que vem convertendo
a Administraccedilatildeo nas palavras Dromi (1995) numa cara ldquomaacutequina de impedirrdquo fiel
ldquocoacutedigo do fracassordquo que dispotildee ldquoartigo primeiro natildeo pode artigo segundo em
caso de duacutevida abstenha-se artigo terceiro se eacute urgente espere artigo quarto
sempre eacute mais prudente natildeo fazer nadardquo numa posiccedilatildeo natildeo burocraacutetica e sim
democraacutetica de considerar que organizaccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica inclui a
praacutetica de ver os cidadatildeos como membros plenos da comunidade poliacutetica tendo
acesso e exercitando direitos as que promovem a organizaccedilatildeo da populaccedilatildeo em
torno de temas de interesse comum as que incluem o controle social sobre a
gestatildeo o debate amplo e informado sobre questotildees de governo e que abrem agrave
populaccedilatildeo as decisotildees sobre estas questotildees Como leciona e Barrientos (2000)
Tratam-se de praacuteticas que natildeo buscam somente melhorar a eficiecircncia administrativa das diferentes organizaccedilotildees puacuteblicas mas que incorporam no seu processo de gestatildeo a dimensatildeo ativa da cidadania isto eacute ldquoque facilitam as iniciativas e responsabilidades de todos os envolvidos[] estabelecendo pontes entre Estado e sociedade civil
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade Acreditamos
que o ponto de partida eacute a atitude aliada agrave solidariedade e ao espiacuterito coletivo Pois
governo e cidadatildeos juntos haveratildeo de cumprir um novo papel no processo de
desenvolvimento como agentes de uma nova cultura
Como afirma Peter Drucke
A parceria comunitaacuteria seraacute um dos verdadeiros setores em crescimento das economias desenvolvidas Surge da necessidade de uma participaccedilatildeo mais direta e efetiva da comunidade nas grandes questotildees da vida social pois natildeo existe ningueacutem melhor que o cidadatildeo para saber o que ele quer para si para sua famiacutelia e para sua comunidade (apud RAMOS 1990)
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O envolvimento efetivo da sociedade nas questotildees sociais natildeo eacute apenas uma
postura moderna Significa antes de tudo uma atitude digna de todos aqueles que
desejam exercer sua cidadania contribuindo para um paiacutes melhor e em especial
para uma sociedade mais justa fraterna e solidaacuteria
Na histoacuteria observa-se a grande coragem das pessoas em construir o
reconhecimento delas proacuteprias e de seus direitos sempre buscando a participaccedilatildeo e
defendendo os Direitos Humanos Sem duacutevida a maior ecircnfase que deve ocorrer
para a construccedilatildeo real da cidadania eacute uma mudanccedila na sociedade O melhor a ser
feito eacute reforccedilar a organizaccedilatildeo democraacutetica buscando novas formas de participaccedilatildeo
social pois cidadania natildeo se resume ao poder de votar ou ser votado mas eacute sempre
na efetiva participaccedilatildeo popular pois somente com isso haacute a verdadeira
conscientizaccedilatildeo e o comprometimento daquele que passa a se sentir cidadatildeo
abandonando-se velhos viacutecios da poliacutetica representativa
Desse modo a participaccedilatildeo do povo no momento das reivindicaccedilotildees das
discussotildees e apreciaccedilotildees de projetos que visem agrave melhoria da comunidade local a
exigecircncia de transparecircncia na administraccedilatildeo da coisa puacuteblica dentre outras eacute quem
daraacute embasamento para as verdadeiras conquistas sociais no Municiacutepio que geram
saudaacuteveis formas de pressatildeo por efetivas poliacuteticas puacuteblicas de inclusatildeo social
gerando o fim do clientelismo poliacutetico tatildeo pejorativo e comum em nossa realidade e
cultura poliacutetica
Somente a participaccedilatildeo social eacute que iraacute causar uma real democratizaccedilatildeo do
poder A afirmaccedilatildeo da cidadania eacute pressuposto para a realizaccedilatildeo dos Direitos
Humanos pois os homens natildeo nascem naturalmente iguais Inclusive para que
ocorra a realizaccedilatildeo dos referidos direitos eacute necessaacuterio tambeacutem que exista um
espaccedilo puacuteblico que seja realmente democraacutetico e acessiacutevel possibilitando a
participaccedilatildeo de todos e esse espaccedilo eacute certamente o municiacutepio
Na praacutetica um forte instrumento de cidadania para atender as necessidades
coletivas eacute o orccedilamento participativo previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal que
determina expressamente a realizaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas e a participaccedilatildeo
popular nos processos de elaboraccedilatildeo e conduccedilatildeo dos orccedilamentos como forma de
incentivo agrave preparaccedilatildeo e execuccedilatildeo de planejamentos que envolvam diretamente o
povo A Lei veio incentivar a sua propagaccedilatildeo para todos os entes federativos tendo
em conta que se trata de uma tendecircncia mundial por legitimar as escolhas e
fortalecer o princiacutepio da transparecircncia
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Os meios de acesso do cidadatildeo junto aos Poderes Puacuteblicos eacute uma realidade
no Estado Democraacutetico de Direito brasileiro a exemplo das sessotildees do Poder
Legislativo que satildeo puacuteblicas ficando abertas a todos que delas quiserem participar
Emite-se uma pauta antes do comeccedilo da sessatildeo com a preacutevia dos debates Em
niacutevel municipal verifica-se um acompanhamento mais incisivo sobre as sessotildees das
Cacircmaras de Vereadores como forma de pressatildeo para aprovaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees
da comunidade avaliaccedilatildeo do desempenho e aceitaccedilatildeo de propostas orccedilamentaacuterias
e atuaccedilatildeo dos poliacuteticos bem como entendimento das funccedilotildees do Poder Legislativo
A Constituiccedilatildeo Federal assegura desde 1988 a possibilidade de se oferecer
peticcedilatildeo agraves Mesas Legislativas como forma de pedir informaccedilotildees sobre andamento
de projetos ou relatoacuterios encaminhados aos chefes do Poder Executivo Em niacutevel
municipal pode ser utilizada a Tribuna Livre como instrumento para denuacutencias de
problemas ou discussatildeo de um tema ou mesmo para apresentar sugestotildees sendo
regulado pela Lei Orgacircnica Municipal e pelo Regimento Interno da Cacircmara
A convocaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas tambeacutem possui previsatildeo constitucional
no art 58 sect 20 inciso II em niacutevel federal As comissotildees podem em razatildeo da
mateacuteria de sua competecircncia realizar audiecircncias puacuteblicas com entidades da
sociedade civil E nada obsta que estejam previstas formas de articulaccedilatildeo da
sociedade civil com os Presidentes das Comissotildees da Cacircmara no seu Regimento
Interno em acircmbito municipal
Os dispositivos da Constituiccedilatildeo Federal que dispotildeem sobre a forma de
participaccedilatildeo direta do cidadatildeo e da sociedade civil no processo democraacutetico natildeo se
pode negar que trouxe novas perspectivas De modo geral podemos citar
Art 29 A lei orgacircnica dos Municiacutepios tem que observar entre os seus
preceitos ldquocooperaccedilatildeo das associaccedilotildees representativas no planejamento municipalrdquo
Art 31 As contas dos municiacutepios ficaratildeo durante 60 (sessenta) dias
anualmente a disposiccedilatildeo de qualquer contribuinte para exame e apreciaccedilatildeo o qual
poderaacute questionar-lhes a legitimidade nos termos da lei
Art37 sect 3ordm (EC-1998) A lei disciplinaraacute as formas de participaccedilatildeo do usuaacuterio
na administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta regulando especialmente
I- as reclamaccedilotildees relativas a prestaccedilatildeo dos serviccedilos puacuteblicos em geral asseguradas
a manutenccedilatildeo de serviccedilo de atendimento ao usuaacuterio e a avaliaccedilatildeo perioacutedica externa
e interna da qualidade dos serviccedilos
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II- o acesso dos usuaacuterios a registros administrativos e a informaccedilatildeo sobre atos de
governo observado o disposto no art 5ordm X e XXXIII
III- a disciplina da representaccedilatildeo conta o exerciacutecio negligente ou abusivo de cargo
emprego ou funccedilatildeo na administraccedilatildeo puacuteblica
Art 74 sect 2ordm Qualquer cidadatildeo partido poliacutetico associaccedilatildeo ou sindicato eacute
parte legiacutetima para na forma de lei denunciar irregularidades ou ilegalidades perante
o Tribunal de Contas da Uniatildeo
Art194 paraacutegrafo uacutenico Compete ao Poder Puacuteblico nos termos da lei
organizar a seguridade social com base nos seguintes objetivos ()
VII ndash caraacuteter democraacutetivo descentralizado na administraccedilatildeo mediante gestatildeo
quadripartite com participaccedilatildeo dos trabalhadores dos empregados e dos
aposentados e do Governo nos oacutergatildeos colegiados nos oacutergatildeos colegiados
Art 198 As accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede integram uma rede
regionalizada e hierarquizada o constituem um sistema uacutenico organizado de acordo
com as seguintes diretrizes
III ndash participaccedilatildeo da comunidade
Art 202 sect 6ordm A lei complementa a que se refere o sect 4ordm deste artigo
estabeleceraacute os requisitos para a designaccedilatildeo dos membros das diretorias das
entidades fechadas de previdecircncia privada e disciplinaraacute a inserccedilatildeo dos
participantes nos colegiados e instacircncias de decisatildeo em que seus interesses sejam
objeto de discussatildeo e deliberaccedilatildeo
Art 204 As accedilotildees governamentais na aacuterea de assistecircncia social seratildeo
organizadas com base nas seguintes diretrizes
II ndash Participaccedilatildeo da populaccedilatildeo por meio de organizaccedilotildees representativas na
formulaccedilatildeo das poliacuteticas e no controle das accedilotildees em todos os niacuteveis
O protagonista na concretizaccedilatildeo dos direitos humanos e na ampliaccedilatildeo da cidadania eacute um sujeito coletivo de um trabalho sempre inacabado eis que se tratam de tarefas e conquistas cotidianas e gradativas obras que soacute podem ser realizada a muitas matildeos no partilhar e compartilhar da vida (COSTA NETO 2010)
A ampliaccedilatildeo da cidadania requer a consciecircncia de que os direitos pressupotildeem
deveres de maneira que os direitos de um indiviacuteduo satildeo garantidos a partir do
cumprimento dos deveres dos demais componentes da sociedade
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34 A necessaacuteria superaccedilatildeo de velhos paradigmas
Como se sabe em 1988 foi aprovada a Constituiccedilatildeo mais liberal e
democraacutetica do Brasil chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo Assim ampliou-se de
forma significativa o campo dos direitos e garantias fundamentais No que diz
respeito a tal mateacuteria eacute considerada como uma das mais avanccediladas do mundo No
seu preacircmbulo adota o modelo de um Estado democraacutetico de Direito destinado a
garantir o exerciacutecio dos direitos sociais e individuais a liberdade a seguranccedila o
bem-estar o desenvolvimento a igualdade e a justiccedila eleitos como valores
supremos de uma sociedade fraterna pluralista e sem preconceitos
Para a construccedilatildeo democraacutetica da cidadania no Brasil contemporacircneo
salienta-se de ela deve passar de uma democracia representativa para uma
cidadania que efetivamente molde a democracia ou seja uma cidadania instituinte
da democracia
No acircmbito constitucional positivo cidadania pressupotildee o exerciacutecio de todos
os direitos fundamentais e garantias que caracterizam o Estado democraacutetico de
Direito Quando se fala em cidadania eacute no sentido de reafirmar o direito pela plena
realizaccedilatildeo do indiviacuteduo do cidadatildeo dos entes coletivos e de sua emancipaccedilatildeo nos
espaccedilos da sociedade Estatildeo sempre intimamente ligados os conceitos de
cidadania democracia e direitos humanos sendo que um remete ao outro e seus
conteuacutedos se interligam ou seja a cidadania natildeo iraacute ocorrer sem que ocorra a
realizaccedilatildeo dos Direitos Humanos da mesma forma que os direitos humanos natildeo
seratildeo concretizados se natildeo houver o exerciacutecio da cidadania
Na evoluccedilatildeo histoacuterica tais categorias se desenvolveram de forma conjunta
com o Estado Representam noccedilotildees desejaacuteveis de relaccedilotildees humanas que se espera
sejam instituiacutedas Satildeo os elementos basilares na nova ordem social e que a
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 pretendeu edificar Poreacutem a democracia poliacutetica natildeo
resolveu os problemas econocircmicos mais seacuterios como a desigualdade e o
desemprego Continuam muito seacuterios os problemas da aacuterea social principalmente
na educaccedilatildeo nos serviccedilos de sauacutede e saneamento como tambeacutem e
principalmente quanto agrave seguranccedila puacuteblica
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A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 em seu artigo 6ordm e em outros artigos no texto
constitucional ampliou e muito os Direitos Sociais proibiu discriminaccedilotildees Assim
indicadores baacutesicos de qualidade de vida apontam que houve uma melhoria A
mortalidade infantil por exemplo caiu de maneira significativa nos uacuteltimos anos A
esperanccedila de vida ao nascer passou de 60 anos em 1980 para 70 em 2000 Poreacutem
o maior progresso foi na aacuterea da educaccedilatildeo fundamental que eacute considerado fator
decisivo para a cidadania pois a taxa de analfabetismo caiu consideravelmente
entretanto existem muitos problemas no campo educacional como a repetecircncia e
com relaccedilatildeo a desigualdade social entre as regiotildees
A grande concentraccedilatildeo da riqueza nacional nas matildeos de poucos reflete a
desigualdade e causa a pobreza e a miseacuteria ao passo que dificulta o acesso do
cidadatildeo agrave justiccedila e consequentemente ao seu estado de cidadania pleno
Dentre os fundamentos no qual se baseiam o Estado democraacutetico de Direito
no Brasil destaca-se justamente a cidadania e a dignidade humana conforme artigo
1ordm incisos II e III da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Entatildeo construir uma sociedade
livre justa e solidaacuteria garantir o desenvolvimento nacional erradicar a pobreza e a
marginalizaccedilatildeo reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de
todos sem preconceitos de origem raccedila sexo cor idade ou quaisquer outras
formas de discriminaccedilatildeo satildeo os objetivos fundamentais do Estado Brasileiro
conforme art 3ordm da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
O cenaacuterio de globalizaccedilatildeo econocircmica mundial tambeacutem traacutes seacuterios obstaacuteculos
para a construccedilatildeo da cidadania A globalizaccedilatildeo da economia em ritmo acelerado
provoca grandes mudanccedilas nas relaccedilotildees entre Estado sociedade e naccedilatildeo que
eram sempre o centro da noccedilatildeo e da praacutetica da cidadania ocidental O foco das
mudanccedilas e das preocupaccedilotildees estaacute em dois focos especiacuteficos a reduccedilatildeo do papel
central do Estado como fonte de direitos e local para a participaccedilatildeo e o
deslocamento da naccedilatildeo como principal fonte de identidade coletiva
Para que ocorra efetiva mudanccedila a melhor proposta eacute no sentido de
mudanccedila na organizaccedilatildeo da sociedade pois a inversatildeo da sequecircncia dos direitos
fez com que ocorra o reforccedilo da supremacia do Estado Para que ocorra a
consolidaccedilatildeo democraacutetica e cidadatilde eacute necessaacuterio reforccedilar a organizaccedilatildeo da
sociedade para assim dar embasamento social ao poder poliacutetico ou seja
finalmente democratizar o poder e estabelecer de forma plena a Cidadania
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CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A Constituiccedilatildeo que nasce com ldquocheiro de amanhatilde e natildeo de mofordquo nas
palavras do Deputado Ulisses Guimaratildees tem em seu relevo a esperanccedila de um
povo que sonhava com a erradicaccedilatildeo da repressatildeo militar e natildeo soacute isso um povo
que sonhava com a liberdade em suas diversas manifestaccedilotildees em suas mais
significativas formas de representaccedilatildeo e sobretudo com um paiacutes voltado para a
democracia e justiccedila social
Ao povo brasileiro foi concedido o poder de governar e nesse contexto de
mudanccedila a ldquodemocracia eacute o governo do povo pelo povo e para o povordquo na
conceituaccedilatildeo ceacutelebre de Abraham Lincoln E consoante estabelece o paraacutegrafo
uacutenico do art 1ordm da Carta cidadatilde de 1988 ldquotodo poder emana do povo que o exerce
por meio de representantes eleitos ou diretamenterdquo
No entanto natildeo basta que a fonte de poder seja o povo a democracia vem
significar a efetiva participaccedilatildeo do povo nas decisotildees e destino do Estado e sua
consolidaccedilatildeo eacute a proacutepria cidadania pois eacute o cidadatildeo que pensa e se auto define
diante da condiccedilatildeo soacutecio-histoacuterica O cidadatildeo tem portanto o poder de transformar
a realidade social segundo seu pensamento e accedilatildeo
Natildeo se pode negar que a Carta de 1988 foi a que apresentou maior
legitimidade popular que abriu caminhos apontando um novo tempo
Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita Se fosse perfeita seria irreformaacutevel Ela proacutepria com humildade e realismo admite ser emendada ateacute por maioria mais acessiacutevel dentro de cinco anos Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita mas seraacute uacutetil e pioneira e desbravadora Seraacute luz ainda que de lamparina na noite dos desgraccedilados Eacute caminhando que se abrem os caminhos Ela vai caminhar e abri-los Seraacute redentor o que penetrar nos bolsotildees sujos escuros e ignorados da miseacuteria (Ulysses Guimaratildees)
Mesmo natildeo sendo a constituiccedilatildeo perfeita sem duacutevida foi a que trouxe
esperanccedila ao povo brasileiro com a sua promulgaccedilatildeo surgiram o ldquohaacutebeas datardquo o
mandado de injunccedilatildeo e o mandado de seguranccedila coletivo - todos remeacutedios judiciais
de iacutendoles constitucionais serviacuteveis para prevenir e combater diversas tentativas de
abuso contra a pessoa humana Outrossim o objeto da accedilatildeo popular foi ampliado
Atualmente qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima para propor a mencionada accedilatildeo
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popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de entidade de que o
Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e ao patrimocircnio
histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de custas
judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia Nesse rol de forma decisiva houve a
ampliaccedilatildeo tambeacutem dos direitos sociais
Assim a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconhece e assegura uma seacuterie de
escudos protetivos aos cidadatildeos Em sua essecircncia os direitos fundamentais
ganham forma De modo que podemos assegurar que hoje o nosso Estado eacute uma
organizaccedilatildeo centrada no ser humano visto que tem a dignidade da pessoa humana
como um fundamento da Repuacuteblica Federativa do Brasil
Apesar das inuacutemeras dificuldades o Estado Democraacutetico de Direito fundado
na cidadania constituiu para o povo uma nova identidade ndash o que em outras eacutepocas
natildeo existia
A Constituiccedilatildeo circunscreve toda a organizaccedilatildeo poliacutetica estatal no intuito
maior de criar no consciente coletivo a vontade livre e determinada de desenvolver
padrotildees de condutas destinados a elevar e promover a auto-estima de toda a
comunidade paacutetria
Foi nesse sentido que estatui em seu artigo 1ordm a cidadania como fundamento
do Estado Democraacutetico de Direito ampliando e enriquecendo o tal conceito Cada
eacutepoca produziu praacuteticas e reflexotildees muito distintas sobre o tema cidadania A
definiccedilatildeo de cidadania que vem sofrendo alteraccedilotildees ao longo do tempo obedecendo
a um processo histoacuterico de conquistas sociais eacute compreendida atualmente como
um processo de participaccedilatildeo do indiviacuteduo ou de um grupo organizado nas mais
variadas aacutereas de atuaccedilatildeo da sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos
e sociais
A cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia disso natildeo haacute duvidas e se
efetiva como mudanccedilas na realidade de cada um com melhoria de vida e
conscientizaccedilatildeo da importacircncia do cidadatildeo dado que eacute um processo em
permanente construccedilatildeo Natildeo haacute como defender uma qualidade de vida sem a
preservaccedilatildeo da cidadania em todos os seus acircmbitos Nesse sentido a efetiva
proteccedilatildeo desse aspecto basilar torna-se essencial no que tange uma assistecircncia
juriacutedica completa
No contraponto do direito estatildeo os deveres que encontramos sua realizaccedilatildeo
tambeacutem na participaccedilatildeo observando que o cidadatildeo eacute responsaacutevel pelo advir de
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suas accedilotildees A participaccedilatildeo reflete um caraacuteter de natildeo comodismo de atenccedilatildeo agravequilo
que eacute particular e coletivo tendo como finalidade preciacutepua o bem comum
Construir cidadania hoje eacute imperativo para a sociedade pois dessa
construccedilatildeo depende o amanhatilde Estamos diante da Constituiccedilatildeo que se propotildee a
resguardar o amanhatilde sem perder de vista que ele comeccedila hoje agora e nisso a
Carta Poliacutetica traacutes consigo a certeza do despertar dessa consciecircncia a consciecircncia
cidadatilde Ela eacute a semente plantada em terra feacutertil que gera frutos diariamente e se
renova a cada estaccedilatildeo na dinacircmica da vida Talvez tenha sido esse o cheiro de
frutas alcanccedilado pelo constituinte ao anunciar que a carta tem ldquocheiro do amanhatilderdquo
A responsabilidade pelo exerciacutecio desses direitos belissimamente elencados
depende de todos e de cada um pois somos o terreno feacutertil que produziraacute o fruto de
uma sociedade fraterna
Eacute comum na praacutetica apenas responsabilizarmos o Estado em sentido lato pelo
natildeo exerciacutecio dos direitos do cidadatildeo Vale lembrar nesse contexto das palavras de
J Kennedy o qual disse ldquonatildeo pergunte o que o Estado pode fazer por vocecirc mas o
que vocecirc pode fazer pelo Estadordquo haacute nessa frase um forte traccedilo de cidadania pois
quando o cidadatildeo reivindica critica opina o que ele daacute em contrapartida ao paiacutes eacute
solidificado visto que eacute nas relaccedilotildees familiares em comunidade que se estabelece e
se fortalece os viacutenculos de solidariedade de uma sociedade que perpetua valores
condutas que as leis reguladoras natildeo conseguem por si soacute estabelecer
A concretizaccedilatildeo do ideal de uma qualidade de vida merecida a todos os seres
humanos sem restriccedilotildees requer entretanto um esforccedilo coletivo Dessa forma haacute
necessidade de suprir as muitas carecircncias advindas das desigualdades sociais e de
condiccedilotildees do descaso do poder puacuteblico e da proacutepria conceituaccedilatildeo antiga de
cidadania que ainda eacute concebida por muitos no presente
Em suma nosso trabalho procurou traccedilar a evoluccedilatildeo da cidadania e ao
mesmo tempo buscou traccedilar uma melhor caracterizaccedilatildeo do cidadatildeo agrave luz da nossa
Constituiccedilatildeo que eacute por fim a essecircncia da Magna Carta O alcance da cidadania
enquanto mecanismo de acesso a direitos foi colocado no acircmbito da pessoa
enquanto titular de direitos e num paralelo defendemos que o municiacutepio eacute o espaccedilo
de atuaccedilatildeo e exerciacutecio de cidadania dada a proximidade do cidadatildeo com as
instituiccedilotildees oacutergatildeos entidades e tudo o mais que o cerca na esfera de vivecircncia Eacute na
praccedila que discute a poliacutetica local e nacional que se indigna com as dificuldades e as
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barreiras de acesso aos seus direitos Eacute no municiacutepio que se inicia todo um vieacutes de
desdobramento para garantir direitos
Por fim natildeo obstante resta dizer sobre o tema que os caminhos e
paradigmas que se intentou percorrer sobre cidadania como mecanismo
transformador da sociedade tem ingrediente ainda a se descortinar para o
propoacutesito valioso do bem comum Pois bem a ideia de bem comum tem como
fundamento o amor maacutexima que se estabelece por meio da democracia visto que
ldquoa demofilia o demoiacutesmo o amor do povo acima de tudo como princiacutepio ativo de
toda a sua vida poliacutetica inspirador duma sempre crescente autonomia imanente eacute
que constitui a verdadeira essecircncia da democraciardquo nas palavras de Melgareacute
(2005)
Dessa forma eacute no nuacutecleo da democracia que estaacute inscrito como pedra
angular o respeito e o amor pela pessoa humana Eacute pois um tema de larga
abrangecircncia poreacutem sem querer abreviar o caminho sua efetiva possibilidade de
realizaccedilatildeo se encontra no exerciacutecio da cidadania sem repuacutedios parciais ou exclusatildeo
de qualquer ordem na plenitude de uma cidadania para todos
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CUNHA Lois O ser humano e a pessoa 2007 Disponiacutevel em httpshvoogcombooks Acesso em 03112009 DALLARI Dalmo de Abreu Direitos Humanos e Cidadania 2 ed Satildeo Paulo Moderna 2004 DAHL Robert Sobre a democracia Brasiacutelia Universidade de Brasiacutelia 2001 FRIEDRICH Karl Uma introduccedilatildeo agrave teoria poliacutetica Rio de Janeiro Zahar 1970 HARVEY David Condiccedilatildeo poacutes-moderna Uma pesquisa sobre as origens da mudanccedila cultural Satildeo Paulo Loyola 1992 HUBERMAN L Histoacuteria da riqueza do homem Rio de Janeiro Livros Teacutecnicos e Cientiacuteficos 1986 MARSHALL T H Cidadania classe social e status Rio de Janeiro Zahar 1967 MAZZUOLI Valeacuterio de Oliveira Direitos humanos e cidadania agrave luz do Direito Internacional Satildeo Paulo Minelli 2002 MORAES Alexandre de Direito Constitucional Satildeo Paulo Atlas 2004 PALU Oswaldo LUIZ Controle de Constitucionalidade conceitos sistemas e efeitos Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2001 PINSKY Jaime Praacuteticas de cidadania Satildeo Paulo Contexto 2004 RAMOS Elival da Silva Representaccedilatildeo e Democracia In cadernos de direito constitucional e eleitoral Satildeo Paulo Imprensa Oficial do Estado SA IMEP N9 1990 ROSAS Vanderlei de Barros Afinal O que eacute cidadania (2001) Disponiacutevel em httpwwwmundodosfilosofoscombrvanderlei7htm Acesso em gt 07022013 SANTANA Marcos Silvio de O que eacute cidadania Disponiacutevel em httpwwwadvogadoadvBr Acesso em gt 30012013 SILVA Joseacute Afonso Curso de Direito Constitucional Positivo Satildeo Paulo Malheiros Editores 2005 VALADEacuteS Diego Conversas acadecircmicas com Petter Haberle Satildeo Paulo Saraiva 2009
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Os Direitos Individuais satildeo de exerciacutecio exclusivo do indiviacuteduo e devem ser
formalmente reconhecidos e concretizados no cotidiano do cidadatildeo O indiviacuteduo aqui
eacute considerado um sujeito de direitos e natildeo apenas como integrante de um corpo
social Esses direitos natildeo podem sofrer nenhum tipo de restriccedilatildeo natildeo se
discriminando quem os pode exercer uma vez que satildeo titulares todas as pessoas
capazes incapazes brasileiras estrangeiras alfabetizadas e iletradas
A Constituiccedilatildeo Cidadatilde foi a primeira a estabelecer direitos natildeo soacute de
indiviacuteduos mas tambeacutem de grupos sociais os denominados direitos coletivos Com
isso as pessoas passaram a ser coletivamente consideradas Os direitos individuais
e coletivos estatildeo anunciados no art 5ordm em setenta e sete incisos e em dois
paraacutegrafos
Verifica-se que os Direitos Individuais tecircm como ponto marcante a liberdade
seja ela tomada de maneira global ou especiacutefica como liberdade de associaccedilatildeo de
reuniatildeo A liberdade de reuniatildeo (art 5ordm XVI) constitui-se na primeira e mais simples
liberdade corporativa estando logo apoacutes a liberdade de locomoccedilatildeo
Os Direitos Sociais tecircm como titular uma coletividade e satildeo caracterizados
pela prestaccedilatildeo de serviccedilos ou oferecimento de melhorias para a sociedade como um
todo por parte do Poder Puacuteblico Assim os Direitos Sociais tornam possiacutevel a fruiccedilatildeo
e o exerciacutecio dos Direitos Individuais pela coletividade mesmo pelos carentes
materialmente
O art 6deg define os Direitos Sociais da seguinte maneira ldquoSatildeo Direitos Sociais
a educaccedilatildeo a sauacutede o trabalho a moradia o lazer a seguranccedila a previdecircncia
social a proteccedilatildeo agrave maternidade e agrave infacircncia a assistecircncia aos desamparados na
forma desta Constituiccedilatildeordquo
Portanto eacute obrigatoacuteria ao Estado a proteccedilatildeo dos interesses da coletividade
com o atendimento dos direitos acima citados
Satildeo direitos poliacuteticos os que conferem o acesso da populaccedilatildeo agrave participaccedilatildeo
no Poder do Estado tais como os direitos de votar e ser votado do referendo
plebiscito e iniciativa popular das leis O direito democraacutetico de participaccedilatildeo dos
cidadatildeos no governo por meio de seus representantes exigiu a formaccedilatildeo de um
conjunto de normas legais permanentes que recebeu a denominaccedilatildeo de direitos
poliacuteticos Os Direitos Poliacuteticos amparam os Direitos Individuais Sociais e
Econocircmicos pois quando desaparece a democracia desaparecem imediatamente
as liberdades fundamentais
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Com o advento da Constituiccedilatildeo de 1988 foram criadas instituiccedilotildees para
fiscalizar e controlar a atuaccedilatildeo da administraccedilatildeo puacuteblica entre as quais o Ministeacuterio
Puacuteblico que funciona como um canal de expressatildeo dos direitos da populaccedilatildeo
O Ministeacuterio Puacuteblico foi a instituiccedilatildeo que mais ganhou importacircncia no cenaacuterio
puacuteblico por ter passado a defender os interesses coletivos ou seja os interesses de
um grupo categoria ou classe e natildeo de um indiviacuteduo isolado No artigo 127 o
Ministeacuterio Puacutebico (MP) eacute definido como ldquouma instituiccedilatildeo permanente essencial agrave
funccedilatildeo jurisdicional do Estado incumbindo-lhe a defesa da ordem juriacutedica do regime
democraacutetico e dos interesses sociais e individuais indispensaacuteveisrdquo
Cabe ao Ministeacuterio Puacuteblico exigir dos poderes puacuteblicos e dos serviccedilos de
relevacircncia puacuteblica respeito aos direitos elencados na Constituiccedilatildeo promovendo as
medidas necessaacuterias agrave garantia desses direitos Portanto eacute responsaacutevel pela
garantia da ordem juriacutedica do regime democraacutetico da moralidade puacuteblica e dos
direitos sociais e individuais
23 A consagraccedilatildeo dos direitos do cidadatildeo
A Constituiccedilatildeo de 1988 eacute o coroamento da histoacuteria constitucional do Brasil por
ter sido um marco da redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes opondo-se a qualquer forma de
autoritarismo Nela a cidadania foi consagrada como um dos fundamentos da
Repuacuteblica Federativa do Brasil (art 1ordm inc II) Observe-se que o termo cidadania
encontra-se na Constituiccedilatildeo em sentido mais amplo do que o de titular de direitos
poliacuteticos pois qualifica os participantes da vida do Estado e reconhece o indiviacuteduo
como pessoa integrada na sociedade estatal
Essa nova concepccedilatildeo de cidadania introduzida pela Constituiccedilatildeo Federal de
1988 eacute fruto da internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos e como marco principal da
institucionalizaccedilatildeo erigiu em seu artigo primeiro a dignidade da pessoa humana (inc
III) e a cidadania (incII) a princiacutepio fundamental
Institui com o princiacutepio da cidadania uma nova compreensatildeo acerca dos
direitos de deveres da pessoa elevado-o a status maacuteximo a regra-matriz que natildeo
pode ser desrespeitada pois os fundamentos constituem a essecircncia da Repuacuteblica
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Federativa e servem como regra-matriz para a elaboraccedilatildeo interpretaccedilatildeo e
integraccedilatildeo do sistema juriacutedico nacional
Violar um princiacutepio eacute muito grave que transgredir uma norma qualquer A desatenccedilatildeo ao principio implica ofensa natildeo apenas a um especifico mandamento obrigatoacuterio mas a todo o sistema de comandos Eacute a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade representa insurgecircncia contra todo o sistema subversatildeo de valores fundamentais (MELLO apud CHIMENTI 2005 P 33)
Para Silva (2004) cidadania eacute discriminada como princiacutepio relativo ao regime
poliacutetico Dessa forma compreendida cidadania como princiacutepio fundamental eacute o
direito de participar dos destinos do Estado e mais usufruir dos direitos civis
fundamentais previstos na Constituiccedilatildeo
Muitos doutrinadores utilizam cidadania no mesmo sentido de nacionalidade
(Art 12 da Constituiccedilatildeo Federal) e de direitos poliacuteticos (Art 14) Em alguns outros
dispositivos a palavra cidadania (ou cidadatildeo) poderia ainda ter a significaccedilatildeo de
direitos poliacuteticos mas mesmo assim de forma impliacutecita a exemplo dos arts 22 XIII
e 5ordm LXXIII No primeiro se lecirc que compete agrave Uniatildeo legislar sobre nacionalidade
cidadania e naturalizaccedilatildeo e no segundo que qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima
para propor accedilatildeo popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de
entidade de que o Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e
ao patrimocircnio histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de
custas judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia No entanto conforme Mazzuoli (2002)
Observe-se que a Carta de 1988 ao tratar no seu art 14 dos direitos poliacuteticos natildeo se refere sequer em um momento agrave expressatildeo cidadania dizendo apenas que a soberania popular seraacute exercida pelo sufraacutegio universal e pelo voto direito e secreto com valor igual para todos (hellip) Pelo contraacuterio a Constituiccedilatildeo faz uma separaccedilatildeo entre cidadania e direitos poliacuteticos quando no seu art 68 sect 1ordm II ao tratar das leis delegadas exclui do acircmbito da delegaccedilatildeo legislativa a nacionalidade cidadania direitos individuais poliacuteticos e eleitorais
A Constituiccedilatildeo brasileira de 1988 com a transiccedilatildeo para o regime democraacutetico
consagrou expressamente esta nova concepccedilatildeo de cidadania como se depreende
da leitura de vaacuterios dos seus dispositivos
Foi nesse sentido que pioneiramente estatuiu a Carta de 1988 em seu art
1ordm que a Repuacuteblica Federativa do Brasil formada pela uniatildeo indissoluacutevel dos
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Estados e Municiacutepios e do Distrito Federal constitui-se em Estado Democraacutetico de
Direito e tem como fundamentos dentre outros a cidadania (inc II) Como jaacute
mencionado
Na mesma esteira o disposto no art 5ordm incisos LXXI (conceder-se-aacute
mandado de injunccedilatildeo sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviaacutevel o
exerciacutecio dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes agrave
nacionalidade agrave soberania e agrave cidadania) e LXXVII (satildeo gratuitas as accedilotildees de
habeas-corpus e habeas-data e na forma da lei os atos necessaacuterios ao exerciacutecio
da cidadania) No seu Tiacutetulo VIII Capiacutetulo II Seccedilatildeo I a Carta Magna de 1988
dispotildee ainda que a
Educaccedilatildeo direito de todos e dever do Estado e da famiacutelia seraacute promovida e incentivada com a colaboraccedilatildeo da sociedade visando ao pleno desenvolvimento da pessoa seu preparo para o exerciacutecio da cidadania e sua qualificaccedilatildeo para o trabalho (art 205)
Outro dispositivo em que fica bastante marcada esta nova concepccedilatildeo de
cidadania eacute o art 64 do Ato das Disposiccedilotildees Constitucionais Transitoacuterias que
dispotildee
A Imprensa Nacional e demais graacuteficas da Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios da administraccedilatildeo direta ou indireta inclusive fundaccedilotildees instituiacutedas e mantidas pelo Poder Puacuteblico promoveratildeo ediccedilatildeo popular do texto integral da Constituiccedilatildeo que seraacute posta agrave disposiccedilatildeo das escolas e dos cartoacuterios dos sindicatos dos quarteacuteis das igrejas e de outras instituiccedilotildees representativas da comunidade gratuitamente de modo que cada cidadatildeo brasileiro possa receber do Estado um exemplar da Constituiccedilatildeo do Brasil
Enfim a Constituiccedilatildeo de 1988 enriqueceu e ampliou os conceitos de cidadatildeo
e cidadania Seu entendimento agora como leciona Silva (2005)
Decorre da ideia de Constituiccedilatildeo dirigente que natildeo eacute apenas um repositoacuterio de programas vagos a serem cumpridos mas constitui um sistema de previsatildeo de direitos sociais mais ou menos eficazes em torno dos quais eacute que se vem construindo a nova ideacuteia de cidadania
De forma que natildeo mais se trata de considerar a cidadania como simples
qualidade de gozar direitos poliacuteticos mas sim de aferir-lhe um nuacutecleo miacutenimo e
irredutiacutevel de direitos (fundamentais) que devem se impor obrigatoriamente agrave accedilatildeo
dos poderes puacuteblicos
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O ordenamento juriacutedico brasileiro consagrou aleacutem dos institutos jaacute
mencionados alguns outros mecanismos de defesa dos direitos e garantias
constitucionais da cidadania como a accedilatildeo civil puacuteblica regulada pela Lei nordm
734785 e accedilatildeo direta de inconstitucionalidade prevista no incIV do art 129 da
Constituiccedilatildeo Federal O Coacutedigo de Defesa do Consumidor o Estatuto da Crianccedila e
do Adolescente e ateacute mesmo o princiacutepio do devido processo legal que resguarda ao
cidadatildeo o acesso agrave justiccedila e direito de ser acionado judicialmente por meio de
procedimentos legais satildeo mecanismos de defesa dos direitos de cidadania
previstos constitucionalmente e garantidos na esfera poliacutetica civil e social
Pode-se observar que a cidadania comeccedilou a ser construiacuteda como resultado
de um processo de luta a partir da conscientizaccedilatildeo dos direitos e deveres do
homem Como vimos a cidadania jaacute em praacutetica em muitos paiacuteses adquire no
Brasil com a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 um novo sentido qual seja o
pressuposto do exerciacutecio pleno de um sistema de direitos e garantias
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CAPIacuteTULO 3 - CIDADANIA COMO MECANISMO DE
TRANSFORMACcedilAtildeO SOCIAL
No momento em que a cidadania alccedila voos constitucionais e insere-se na
Carta Poliacutetica da Repuacuteblica Federativa do Brasil inicia-se o processo de
redemocratizaccedilatildeo e ganha relevo o cidadatildeo agente deste processo que tem em
suas matildeos a tarefa da construccedilatildeo de um novo tempo
Historicamente a ideia de cidadatildeo conotava o habitante da cidade ndash o
citadino ndash firma-se entatildeo tal conotaccedilatildeo na Antiguumlidade claacutessica para depois
significar aquele indiviacuteduo a quem se atribuem os direitos poliacuteticos Superada essa
acepccedilatildeo que tambeacutem vigorou nas constituiccedilotildees anteriores da Repuacuteblica do Brasil
na concepccedilatildeo moderna estaacute clara a noccedilatildeo de cidadatildeo como aquele que a quem
consiste a titularidade de direitos individuais poliacuteticos e sociais Noccedilatildeo esta
edificada com a internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos que amplia a acepccedilatildeo do
termo declarando que satildeo cidadatildeos todo aquele que habita o acircmbito da soberania
de um Estado e deste Estado recebem uma carga de direitos e tambeacutem deveres dos
mais variados
Desta forma a noccedilatildeo contemporacircnea de cidadania funda-se na dicotomia
direitos (exerciacutecios de direitos fundamentais - participaccedilatildeo) e deveres (colaboraccedilatildeo -
solidariedade) Ao lado dos direitos foram estabelecidos deveres fundamentais e
portanto tanto agentes puacuteblicos como os indiviacuteduos tecircm obrigaccedilotildees especiacuteficas
inclusive a de respeitar os direitos das demais pessoas que vivem na ordem social
sendo e promovendo mecanismos de transformaccedilatildeo social que visam uma nova
sociedade baseada na igualdade e na justiccedila
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31 O ser cidadatildeo
Os termos indiviacuteduo ser humano pessoa e cidadatildeo satildeo geralmente tomados
como sinocircnimo o que certamente influi na proliferaccedilatildeo de incontaacuteveis significados e
ampliaccedilatildeo do termo cidadatildeo Poreacutem estas palavras apesar de se assemelharem
possuem carga semacircntica proacutepria e da compreensatildeo exata de cada uma decorre a
conceituaccedilatildeo mais acentuada da acepccedilatildeo do termo cidadatildeo como titular de direitos
e deveres resguardados pela constituiccedilatildeo paacutetria
Desta forma indiviacuteduo eacute um representante da espeacutecie aquele que eacute uacutenico
Enquanto ser humano eacute um termo mais geneacuterico ou indeterminado que diz respeito
agrave espeacutecie agrave classificaccedilatildeo ao mundo zooloacutegico Pessoa por sua vez eacute um termo
mais especiacutefico que tem a ver com o mundo civilizado ou se preferirmos com a
constelaccedilatildeo dos valores morais eacuteticos e juriacutedicos proacuteprios da civilizaccedilatildeo
A etimologia da palavra pessoa demonstra que eacute um conceito sobreposto ao conceito de Ser Humano Um refratildeo de origem juriacutedica tambeacutem nos lembra do homo plures pessoa polimorfa o ser humano capaz de desempenhar muitos papeacuteis um mesmo ser humano eacute empresaacuterio e delinquumlente eacute pai e metaluacutergico etc Persona (personagem) era a maacutescara que usavam os atores da trageacutedia grega para desempenhar seu papel Cabe portanto entender o conceito de Ser Humano ao lado do conceito de Pessoa No direito romano antigo os escravos eram seres humanos (homens) mas natildeo eram consideradas pessoas (patriacutecios) Os juristas romanos que usavam o conceito de Ser Humano o dissociavam do conceito de pessoas (CUNHA 2007)
O Ser Humano recebe uma distinccedilatildeo importante quando o consideramos
como Pessoa assim como a Pessoa recebe uma distinccedilatildeo redundante natildeo menos
importante quando a consideramos por forccedila de expressatildeo como uma pessoa
humana Subentendendo o adjetivo humano como relativo agrave eacutetica Portanto Ser
Humano natildeo eacute a mesma coisa que Pessoa como tampouco Ser Humano eacute o
mesmo que cidadatildeo este muito eacute mais proacuteximo do termo Pessoa Vejamos o quadro
ilustrativo que esquematiza e distinguem os referidos conceitos
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QUADRO 1 ndash EVOLUCcedilAtildeO DO SER HUMANO ATEacute O CIDADAtildeO
O Ser Humano O Ser Indiviacuteduo O Ser Pessoa O Ser Cidadatildeo
A Dimensatildeo do conviacutevio social
A dimensatildeo do mercado de trabalho e
Consumo
A Dimensatildeo de encontrar-se no mundo
A dimensatildeo de intervir na realidade
O homem tornar-se Ser Humano nas relaccedilotildees
de conviacutevio social
O Ser Humano tornar-se indiviacuteduo quando
descobre seu papel e funccedilatildeo social
O Indiviacuteduo torna-se pessoa quanto toma
consciecircncia de si mesmo do outro e do
mundo
A pessoa torna-se cidadatildeo quando
interveacutem na realidade em que vive
Quem estuda o comportamento do Ser
Humano Seria a antropologia a histoacuteria
ou a sociologia
Quem estuda o comportamento do indiviacuteduo Seria a
Filosofia a sociologia ou a Psicologia
Quem estuda o comportamento da pessoa Seria a
Filosofia a sociologia ou a Psicologia
Quem estuda o comportamento do cidadatildeo Seria a
Sociologia a Filosofia ou As ciecircncias
poliacuteticas
Quem garante os direitos do Ser
Humano A Declaraccedilatildeo Universal
dos Direitos Humanos
Quem garante os Direitos do
Consumidor O Coacutedigo do Consumidor
Quem garante os Direitos da pessoa A proacutepria pessoa (amor proacuteprio ou autoestima)
Quem garante os Direitos do cidadatildeo (A Constituiccedilatildeo e suas leis
regulamentares)
Existe realmente uma natureza humana Teologicamente
afirmamos que existe a uma natureza humana
Seguindo a corrente existencialista (JP Sartre) negamos tal
natureza
Que diferenccedila existe entre o direito do
consumidor e o direito do cidadatildeo Ao
Consumidor deve ser dado o direito de
propriedade enquanto ao cidadatildeo deve ser
dado o direito de acesso
O que significa tornar-se pessoa no niacutevel
psicoloacutegico e social A pessoa eacute o indiviacuteduo que toma consciecircncia de si mesmo (ldquoTornar-
se Pessoardquo de Karl Roger)
Como podemos intervir na realidade
modificando as estruturas corruptas e injustas Quando os
direitos do cidadatildeo lhe satildeo oferecidos e o
mesmo passa a exercecirc-lo haacute
modificaccedilatildeo de comportamento
(ROSAS 2009)
O cidadatildeo eacute portanto aquele indiviacuteduo a quem a Constituiccedilatildeo confere direitos
e garantias e lhe daacute o poder do seu efetivo exerciacutecio aleacutem de meios processuais
eficientes contra a violaccedilatildeo de seu gozo ou fruiccedilatildeo por parte do poder puacuteblico
Sendo assim
A passagem do indiviacuteduo a cidadatildeo caracteriza-se pelo reconhecimento pela lei de direitos considerados fundamentais agrave realizaccedilatildeo da vida do homem como indiviacuteduo e ser social membro de uma comunidade poliacutetica e a garantia desses direitos pela forccedila comum de todos (CUNHA 2007)
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Nas uacuteltimas deacutecadas em alguns paiacuteses inclusive no Brasil desenvolveu-se o
conceito de cidadania calcado principalmente na questatildeo do cidadatildeo-consumidor
As pessoas passam a ser vistas como cidadatildes desde que tenham dinheiro para
adquirir mercadorias e utilizar serviccedilos Eacute certo pois que serviccedilos e mercadorias
atendem a necessidades materiais e simboacutelicas das pessoas e consumi-los eacute um
dos modos de participar da vida social criar identidade e partilhar dos bens
produzidos pela humanidade e representar-se culturalmente Contudo a cidadania
enfatizada apenas como uma relaccedilatildeo de compra e venda de mercadorias e serviccedilos
assume um conteuacutedo restrito individual conformista e voltado apenas para a
aquisiccedilatildeo de bens o que se relaciona com a ideacuteia de indiviacuteduo ou seja o consumo
atende as necessidades do indiviacuteduo
Outra forma de confusatildeo acerca do conceito de cidadatildeocidadania refere-se a
equiparaccedilatildeo feita com o assistencialismo o que configura uma acentuada inversatildeo
do termo uma vez que a praacutetica do assistencialismo natildeo propicia meios de
superaccedilatildeo das desigualdades sociais Enquanto a cidadania estaacute relacionada agrave
superaccedilatildeo das desigualdades sociais e a extensatildeo da garantia dos direitos de todos
O cidadatildeo eacute sem duacutevida uma expressatildeo que precisa ser adequadamente
utilizada e vivenciada pela coletividade compreendido na dimensatildeo do ser pessoa
de ter direitos e deveres do assumir as suas liberdades e responsabilidades no seio
de uma comunidade democraacutetica equitativa solidaacuteria e intercultural
Dessa forma ser cidadatildeo implica saber viver em sociedade estando ciente
dos anseios comuns A participaccedilatildeo ativa nas decisotildees de sua comunidade
influencia modos de vida de maneira positiva ao seu redor assim torna-se
imprescindiacutevel o exerciacutecio dos direitos constitucionais adquiridos e lutar pelos que
viratildeo eacute sobretudo estar consciente de todas as atitudes tomadas em prol da
sociedade
Eacute possiacutevel nesse espaccedilo de discussatildeo falar em ldquoestar cidadatildeordquo que eacute natildeo
praticar o exerciacutecio da cidadania em nenhuma de suas formas Implica apenas em
se deixar levar pelos acontecimentos e ainda reclamar das situaccedilotildees vividas sem
nada fazer para mudar sem nenhuma perspectiva de futuro Do que concluiacutemos que
a dinacircmica de intervir na realidade eacute pressuposto de cidadania
Ser cidadatildeo eacute tarefa que requer muito do ser humano do individuo da
pessoa Requer uma alta - estima elevada uma consciecircncia solidaacuteria uma
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identidade que se reconheccedila na dinacircmica social interagindo com o outro ampliando
debates incitando justiccedila eacute sem duvida uma tomada de posiccedilatildeo que natildeo se
acomoda pelo contraacuterio se incomoda quando natildeo haacute comprometimento para o bem
comum
Natildeo eacute uma tarefa cocircmoda senatildeo muito complicada as pessoas natildeo nascem cidadatildeos mas fazem-se no tempo e no espaccedilo Na verdade natildeo eacute faacutecil exercer a liberdade e a cidadania ndash ser pessoa e ser cidadatildeo ndash por isso exige-se uma luta sem treacuteguas para erradicar assimetrias e exclusotildees socioculturais e criar cenaacuterios de esperanccedila realizaacuteveis fundamentados em valores e princiacutepios eacuteticos que requalifiquem a democracia com cidadatildeos participativos e
comprometidos ( SAEZ 1995)
Tem portanto como pressuposto uma mudanccedila de comportamento uma
tomada de posiccedilatildeo frente agrave dinacircmica social na qual estaacute inserido participando de
forma ativa e produtiva do processo de construccedilatildeo da cidadania por meio de seus
diversos canais
32 Emancipaccedilatildeo social atraveacutes da cidadania
Um Estado Democraacutetico eacute aquele que estaacute enraizado na legitimidade do
poder do povo e dele decorre seu exerciacutecio Assim o poder do povo eacute a expressatildeo
a aptidatildeo de homens e mulheres constituir autonomamente seu viver sem sucumbir
diante das instacircncias de poder Haacute nesse modus vivendi uma tutela das diferenccedilas e
pluralidades de formas de vida
Desta forma a cidadania eacute enfocada como o processo de participaccedilatildeo do
individuo ou de um grupo organizado nas mais variadas aacutereas de atuaccedilatildeo na
sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos sociais com a consciecircncia
da responsabilidade por sua proacutepria histoacuteria
Sendo a democracia o regime em que o povo governa sua caracteriacutestica
inarredaacutevel eacute a de ter o povo agrave frente do poder uma forma de autogoverno Em
assim sendo a cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia por meio de resultados
palpaacuteveis e medidas concretas tais como mudanccedilas na realidade de cada um com
melhoria de vida e conscientizaccedilatildeo da importacircncia na sociedade para o exerciacutecio
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direto ou indireto desse poder pois se contentar com fato do direito estaacute prescrito
em lei natildeo eacute o bastante
Eacute certo poreacutem que o Estado democraacutetico somente se aperfeiccediloa na
proporccedilatildeo em que o povo age ativamente na medida em que os representantes
reflitam em seus atos os verdadeiros anseios populares Partindo dessa visatildeo a
cidadania eacute o grande fator de legitimaccedilatildeo do povo permitindo que ele aja em defesa
das instituiccedilotildees democraacuteticas
Sobre a participaccedilatildeo cumpre asseverar que este direito significa a
capacidade de ser consultado para as tomadas de decisatildeo que dizem respeito agrave
direccedilatildeo da sociedade em que vive o cidadatildeo este direito eacute acompanhado do
respeito aos deveres de contribuir para o progresso social e de acatar e respeitar o
resultado obtido em consulta coletiva
No elenco de mecanismo de exerciacutecio da cidadania estaacute o acesso ao direito e
a justiccedila que eacute fator preponderante para efetivar as garantias constitucionais
Assim passaremos a discorrer sobre a importacircncia de instrumentalizar o
cidadatildeo para um pleno exerciacutecio de seus direitos
Eacute Sabido que no Estado Democraacutetico Contemporacircneo os direitos
fundamentais constitucionalmente assegurados tecircm eficaacutecia imediata cumprindo ao
Estado garantir a todos os cidadatildeos o respeito a esses Direitos de modo concreto e
efetivo natildeo obstante as inuacutemeras desigualdades e condiccedilotildees adversas que
dificultam na praacutetica o seu exerciacutecio
Para o acesso ao direito o Estado deve desenvolver com eficiecircncia uma seacuterie
de atividades essenciais e dar efetividade a uma seacuterie de pressupostos Dentre eles
o principal eacute o conhecimento do Direito como fator preponderante pois o
desconhecimento da lei implica na praacutetica natildeo acionar a jurisdiccedilatildeo Um fato que
contribui para essa assertiva eacute baixa escolaridade da populaccedilatildeo e o analfabetismo
Muito pouco adianta a existecircncia de uma Constituiccedilatildeo apenas formal ou no
papel se ilegiacutetima ou desrespeitada Para que ocorra a eficaacutecia das normas
dispostas numa Constituiccedilatildeo ou melhor para que passe da teoria agrave praacutetica eacute
essencial que comandados e comandantes tenham conhecimento dos seus direitos
e responsabilidades assim como dos instrumentos juriacutedicos para efetivaacute-los (leis
regulamentadoras) O exerciacutecio da cidadania natildeo eacute somente um direito mas eacute
tambeacutem um dever de todos pois a omissatildeo de cada um contribui com as injusticcedilas e
as impunidades tatildeo presentes nos dias atuais
41
A Constituiccedilatildeo quando eacute justa e legiacutetima e principalmente quando eacute
respeitada eacute um poderoso instrumento de promoccedilatildeo e desenvolvimento social e
humano
Outro fator que deve ser considerado eacute a miserabilidade que coloca inuacutemeros
brasileiros a margem da sociedade em situaccedilatildeo precaacuteria os quais para Pinsky
(2004) ldquodesprovidos de esperanccedila de projeto de qualquer perspectiva de inclusatildeo
[] recorrer agrave Justiccedila humana parece algo irrealizaacutevel sofisticado e inteiramente
ficcionalrdquo
Desta forma o primeiro passo para concretizar os direitos previstos
constitucionalmente eacute a formaccedilatildeo do cidadatildeo atraveacutes da Educaccedilatildeo Baacutesica
infundindo-lhe a consciecircncia dos seus direitos e tambeacutem dos seus deveres sociais
bem como dos valores humanos fundamentais que devem ser por todos respeitados
na vida em sociedade A universalizaccedilatildeo do ensino fundamental a oferta obrigatoacuteria
de educaccedilatildeo infantil pelo Estado e o crescimento da oferta do ensino meacutedio satildeo
alguns dos aspectos que merecem destaques e foi devido agrave determinaccedilatildeo
constitucional de estabelecer o caraacuteter obrigatoacuterio do ensino fundamental e de
responsabilizar o Estado por sua implementaccedilatildeo que tem iniacutecio o processo de
avanccedilo desse segmento
A Constituiccedilatildeo estabeleceu de forma mais clara o papel dos entes federados
na educaccedilatildeo Tambeacutem aumentou a participaccedilatildeo orccedilamentaacuteria destinada ao setor
Com as novas regras para distribuiccedilatildeo de recursos adotadas apoacutes a promulgaccedilatildeo
da Carta os municiacutepios voltam a interessar-se pela educaccedilatildeo fundamental e o paiacutes
atinge a universalizaccedilatildeo do setor o que se busca agora satildeo mecanismos para
garantir a qualidade no ensino
O segundo passo nessa dinacircmica eacute o oferecimento a todos os cidadatildeos de
condiccedilotildees miacutenimas de sobrevivecircncia e de existecircncia condignas atraveacutes do acesso
ao trabalho produtivo livremente escolhido e do pagamento de remuneraccedilatildeo capaz
de prover ao sustento do trabalhador e de sua famiacutelia
Para milhotildees de cidadatildeos que vivem na ignoracircncia e na miseacuteria nenhuma
utilidade ou eficaacutecia tecircm os inuacutemeros direitos constitucionalmente assegurados Para
aqueles que se habituaram a retirar proventos da mendicacircncia da prostituiccedilatildeo de
atividades iliacutecitas ou aqueles que se sentiram forccedilados a sujeitar-se agrave exploraccedilatildeo de
outrem para sobreviver natildeo haacute nenhuma crenccedila na dignidade da pessoa humana e
no valor social do trabalho
42
A pobreza engendra inuacutemeras relaccedilotildees de dominaccedilatildeo entre pessoas e entre grupos sociais As habitaccedilotildees subumanas da periferia das grandes cidades no Brasil constituem verdadeiros quistos sociais terras sem lei controladas por xerifes ou por quadrilhas de malfeitores O Estado que natildeo for capaz de dotar essas comunidades do acesso efetivo agrave Educaccedilatildeo agrave Sauacutede agrave Seguranccedila e agrave Paz Puacuteblicas e ao trabalho liacutecito certamente natildeo lhes estaraacute assegurando o acesso ao Direito porque a populaccedilatildeo abrutalhada pela miseacuteria e coagida pelo medo natildeo desfruta da miacutenima eficaacutecia concreta dos
seus direitos fundamentais (GRECO 2009)
Evidencia que acesso ao Direito nas sociedades modernas mesmo nas
economicamente desenvolvidas exige o fortalecimento dos grupos intermediaacuterios e
do associativismo O cidadatildeo natildeo estaacute mais em condiccedilotildees de defender-se
individualmente das ameaccedilas e lesotildees aos seus direitos perpetradas por pessoas ou
grupos que se encontram em posiccedilatildeo de vantagem nas relaccedilotildees econocircmicas e
sociais
O sindicato veio exercer este importante papel em relaccedilatildeo ao trabalhador
empregado Mas hoje as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo natildeo satildeo apenas as que existem no
mundo do trabalho mas as que se revelam em todos os tipos de relaccedilotildees humanas
relaccedilotildees de consumo relaccedilotildees de vizinhanccedila relaccedilotildees locatiacutecias relaccedilotildees
comerciais internas e internacionais e natildeo com menor relevacircncia relaccedilotildees entre os
particulares e o Estado entre outras
Eacute preciso assegurar esse equiliacutebrio na praacutetica o que somente tornar-se-aacute
possiacutevel atraveacutes da articulaccedilatildeo dos sujeitos que se encontram em posiccedilatildeo de
desvantagem em organizaccedilotildees e associaccedilotildees que pela uniatildeo de esforccedilos
consigam compensar o desequiliacutebrio existente e dar aos indiviacuteduos e grupos a forccedila
e a capa de proteccedilatildeo necessaacuterias para ombrearem-se aos seus adversaacuterios e
lutarem pelos seus direitos ou interesses em igualdade de condiccedilotildees
Para Greco (2009) o pressuposto indispensaacutevel do acesso ao Direito eacute a
transparecircncia do Estado no trato de questotildees que possam afetar a esfera de
interesses dos cidadatildeos e complementa que aos cidadatildeos eacute indispensaacutevel
assegurar o direito de influir eficazmente nas decisotildees do poder puacuteblico atraveacutes dos
mais diversos instrumentos de participaccedilatildeo democraacutetica Ele afirma que
A relaccedilatildeo Estado-cidadatildeo natildeo eacute mais a relaccedilatildeo soberano-suacutedito O cidadatildeo tem o direito de exigir do Estado o pleno respeito ao seu
43
patrimocircnio juriacutedico Lamentavelmente a crise do Estado tem levado o Brasil a aceitar-se como normal que as pessoas juriacutedicas de Direito Puacuteblico natildeo cumpram devidamente as prestaccedilotildees positivas de que satildeo devedoras perante os particulares cabendo a estes demandar na Justiccedila para obtecirc-las (GRECO 2009)
Essa visatildeo deformada da responsabilidade do Estado ocorre o
desvirtuamento da justiccedila Por outro lado agrave violaccedilatildeo da garantia constitucional da
tutela jurisdicional efetiva (Constituiccedilatildeo artigo 5 inciso XXXV) disciplina a lei natildeo
excluiraacute da apreciaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio lesatildeo ou ameaccedila ao direito Assim o
acesso ao Direito natildeo estaraacute concretamente assegurado se o Estado natildeo oferecer a
todo cidadatildeo a possibilidade de receber aconselhamento juriacutedico a respeito dos seus
direitos
Constituiccedilatildeo de 1988 no artigo 5deg inciso LXXIV assegurou a todos
ldquoassistecircncia juriacutedicardquo a englobar assistecircncia judiciaacuteria e assessoramento juriacutedico
extrajudicial Conforme Greco (2009) ldquoeacute preciso que esse direito seja assegurado
na praacutetica Uma vez que na vida moderna o Direito tornou-se excessivamente
complexordquo Ainda no dizer do autor a consciecircncia juriacutedica do homem comum que
deve ser adquirida na famiacutelia e na escola natildeo eacute mais suficiente para a tomada de
decisotildees na vida diaacuteria das pessoas Todas as pessoas mantecircm complexas relaccedilotildees
juriacutedicas com instituiccedilotildees financeiras com fornecedores de bens e de serviccedilos etc
Nessas relaccedilotildees juriacutedicas com frequecircncia os cidadatildeos tecircm de tomar decisotildees
raacutepidas O cidadatildeo que tem meios procura um advogado particular para assessoraacute-
lo Ao pobre o Estado deve assegurar o mesmo direito em plenitude
Sem duacutevida o uacuteltimo pressuposto do acesso ao Direito eacute o acesso agrave Justiccedila
no sentido de acesso a um tribunal estatal imparcial previamente instituiacutedo como
competente para a soluccedilatildeo de qualquer litiacutegio a respeito de interesse que se afirme
juridicamente protegido ou para a praacutetica de qualquer ato que a lei subordine agrave
aprovaccedilatildeo autorizaccedilatildeo ou homologaccedilatildeo judicial
Se o cidadatildeo tem consciecircncia dos seus direitos se o Estado lhe fornece
todas as condiccedilotildees para livremente exercecirc-los mas algum outro cidadatildeo ou algum
oacutergatildeo do proacuteprio Estado impede ou dificulta esse exerciacutecio cabe ao poder puacuteblico
pocircr agrave disposiccedilatildeo do cidadatildeo lesionado ou ameaccedilado a jurisdiccedilatildeo necessaacuteria para
assegurar o pleno acesso a tal direito
Atingimos eacute certo um estaacutegio de desenvolvimento do Direito Humanitaacuterio que
natildeo mais nos permite conformar-nos com uma realidade distante do padratildeo de
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convivecircncia humana que outras naccedilotildees jaacute alcanccedilaram O exerciacutecio pleno de
cidadania seraacute obra de mais de uma geraccedilatildeo Mas se trabalharmos com firmeza
certamente os jovens de hoje poderatildeo legar aos seus descendentes a emancipaccedilatildeo
cidadatilde um paiacutes melhor e uma sociedade mais justa e democraacutetica
33 O municiacutepio como acircmbito de exerciacutecio de cidadania
Historicamente o Municiacutepio enquanto unidade poliacutetico-administrativa surgiu
conforme descreve Berardi (2004) com a Repuacuteblica Romana interessada em
manter a dominaccedilatildeo paciacutefica das cidades conquistadas pela forccedila dos exeacutercitos
Sua origem mais de natureza socioloacutegica do que poliacutetica adveacutem do espiacuterito
associativo do homem e de suas relaccedilotildees de vizinhanccedila
Eacute pois a menor unidade territorial de Federaccedilatildeo cuja criaccedilatildeo reflete a base
da organizaccedilatildeo poliacutetica administrativa da Naccedilatildeo Portanto sua funccedilatildeo administrativa
historicamente vem assentada no princiacutepio do direito natural
O artigo primeiro da Constituiccedilatildeo Federal de 1998 estabelece que o
Municiacutepio ao lado dos Estados e do Distrito Federal formam a Republica Federativa
do Brasil que se constitui em Estado Democraacutetico de Direito O municiacutepio tem assim
um poder relevante para a aplicaccedilatildeo da democracia direta iniciada e fortalecida em
niacutevel local Diversos pensadores chegaram a afirmar que a descentralizaccedilatildeo de
poder resultante da constituiccedilatildeo Cidadatilde era antes de tudo uma conquista dos
Municiacutepios sendo eles os berccedilos da perpetuaccedilatildeo da Repuacuteblica e da Democracia
efetivamente por serem o uacutenico niacutevel de governo possuidores de respaldo e
localizaccedilatildeo fiacutesica ou seja solo municipal
Eacute certo que a Carta Magna de 1988 consolidou significativas inovaccedilotildees para a
vida municipal de forma que o Municiacutepio passou a constituir um dos entes da
federaccedilatildeo tratando-o como unidade dotada de autonomia poliacutetica expressa na
capacidade de poder elaborar a sua Lei Orgacircnica fugindo assim da tutela dos
estados que ateacute entatildeo eram considerados como uacutenicos componentes da federaccedilatildeo
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A Lei Orgacircnica Municipal traz em seu bojo aleacutem da organizaccedilatildeo
administrativa do Municiacutepio a restauraccedilatildeo do Poder Legislativo municipal definindo
a diversificaccedilatildeo normativa que natildeo existia nas leis organizacionais outorgadas pelo
Estado reflexo do poder constituinte outorgados aos Municiacutepios pela Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 como consequecircncia do efetivo exerciacutecio do conceito de Estado
Democraacutetico de Direito
O Municiacutepio enquanto ente federativo tem atualmente a responsabilidade de
ordenar o seu desenvolvimento social e a garantia do bem estar de seus habitantes
executando poliacuteticas puacuteblicas de accedilotildees a serem empreendidas na consolidaccedilatildeo
democraacutetica do Estado
Fundada no elemento participaccedilatildeo o exerciacutecio de cidadania amplamente
citado encontra sua efetividade no municiacutepio Pois eacute nesse acircmbito de localizaccedilatildeo
que as pessoas mantecircm um contato direto com os poderes instituiacutedos suas
necessidades imediatas e mediatas satildeo objetos da disciplina da Lei que visa o bem
comum base do Estado democraacutetico de Direito
Baseado na maacutexima do municipalista e defensor da descentralizaccedilatildeo poliacutetica
Franco Motoro sabiamente proferiu que ldquoningueacutem vive na Uniatildeo ou no Estado As
pessoas vivem no Municiacutepiordquo Assim a cidadania encontra seu melhor espaccedilo de
realizaccedilatildeo na comunidade onde convive A vida em comunidade gera anseios
comuns sentimentos comuns uma vez que a convivecircncia propicia que as pessoas
se conheccedilam e se reconheccedilam como membros de uma mesma realidade
De acordo com Harvey (1992) ldquoa globalizaccedilatildeo provoca anonimato enquanto
comunidade cultiva solidariedaderdquo o que implica participaccedilatildeo para o exerciacutecio de
cidadania
Tudo o que acontece no mundo seja no meu paiacutes na minha cidade ou no meu bairro acontece comigo Entatildeo eu preciso participar das decisotildees que interferem na minha vida Um cidadatildeo com um sentimento eacutetico forte e consciecircncia da cidadania natildeo deixa passar nada natildeo abre matildeo desse poder de participaccedilatildeo (Herbert de Souza Betinho)
Com esse embasamento natildeo se pode perder de vista que eacute nas relaccedilotildees
diaacuterias de oposiccedilatildeo ou solidariedade que as pessoas exercem cidadania Na relaccedilatildeo
do com o outro com os poderes ao estabelecer com a vida social e puacuteblica uma
46
convivecircncia posto que cidadania eacute tarefa que natildeo termina natildeo eacute um conceito
pronto tatildeo pouco acabado enquanto seres inacabados que somos estaremos
buscando descobrindo criando e tomando consciecircncia mais ampla dos direitos
O desafio eacute construir um novo discurso sobre cidadania atraveacutes de uma
praacutetica poliacutetica sustentada isto eacute realizada em dois niacuteveis
O primeiro niacutevel na base atraveacutes de construccedilatildeo das capacidades e do poder
proacuteprio da populaccedilatildeo o que envolve inevitavelmente uma mudanccedila de atitude na
busca para garantir seus direitos utilizando-se do grau de autonomia local
Essa atitude conceberia agrave democracia participativa como uma poliacutetica paralela
de intervenccedilatildeo social criando e mantendo novos espaccedilos para a tomada de
decisotildees ou seja para o auto-governo pela populaccedilatildeo nas mateacuterias que afetam
diretamente suas vidas
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade
O segundo niacutevel um governo com o povo e natildeo apenas para o povo fundado
nos ditames constitucionais valorizando o sentimento da sociedade no exerciacutecio da
governabilidade de modo que o balizamento das accedilotildees de governo deixaria de estar
no proacuteprio governo e passaria a estabelecer-se a partir do pensar da sociedade Um
governo que se pergunta o que se deve fazer para ouvir com a maior fidelidade
possiacutevel a sociedade suas instituiccedilotildees representativas e o cidadatildeo Pois as
prioridades da gestatildeo deveriam ser definidas pela sociedade e natildeo mais pelo
governo
Portanto nesses termos eacute preciso considerar que as praacuteticas da
administraccedilatildeo puacuteblica sejam democratizadoras e inclusivas inspiradas nos
princiacutepios da legalidade impessoalidade moralidade publicidade e eficiecircncia Esta
uacuteltima buscou estabelecer uma Administraccedilatildeo Puacuteblica mais eficiente no sentido de
que o cidadatildeo como destinataacuterio dos serviccedilos puacuteblicos que o Estado deve prestar
receba-os com maior qualidade e menor custo para o eraacuterio puacuteblico
Para a consecuccedilatildeo desse governar com o povo alguns pontos devem ser
revistos A mudanccedila implica na necessidade de adequaccedilatildeo reorganizaccedilatildeo
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reformulaccedilatildeo Para isso se faz premente em face dos novos e modernos conceitos
de gestatildeo puacuteblica a superaccedilatildeo do tradicional vezo burocraacutetico que vem convertendo
a Administraccedilatildeo nas palavras Dromi (1995) numa cara ldquomaacutequina de impedirrdquo fiel
ldquocoacutedigo do fracassordquo que dispotildee ldquoartigo primeiro natildeo pode artigo segundo em
caso de duacutevida abstenha-se artigo terceiro se eacute urgente espere artigo quarto
sempre eacute mais prudente natildeo fazer nadardquo numa posiccedilatildeo natildeo burocraacutetica e sim
democraacutetica de considerar que organizaccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica inclui a
praacutetica de ver os cidadatildeos como membros plenos da comunidade poliacutetica tendo
acesso e exercitando direitos as que promovem a organizaccedilatildeo da populaccedilatildeo em
torno de temas de interesse comum as que incluem o controle social sobre a
gestatildeo o debate amplo e informado sobre questotildees de governo e que abrem agrave
populaccedilatildeo as decisotildees sobre estas questotildees Como leciona e Barrientos (2000)
Tratam-se de praacuteticas que natildeo buscam somente melhorar a eficiecircncia administrativa das diferentes organizaccedilotildees puacuteblicas mas que incorporam no seu processo de gestatildeo a dimensatildeo ativa da cidadania isto eacute ldquoque facilitam as iniciativas e responsabilidades de todos os envolvidos[] estabelecendo pontes entre Estado e sociedade civil
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade Acreditamos
que o ponto de partida eacute a atitude aliada agrave solidariedade e ao espiacuterito coletivo Pois
governo e cidadatildeos juntos haveratildeo de cumprir um novo papel no processo de
desenvolvimento como agentes de uma nova cultura
Como afirma Peter Drucke
A parceria comunitaacuteria seraacute um dos verdadeiros setores em crescimento das economias desenvolvidas Surge da necessidade de uma participaccedilatildeo mais direta e efetiva da comunidade nas grandes questotildees da vida social pois natildeo existe ningueacutem melhor que o cidadatildeo para saber o que ele quer para si para sua famiacutelia e para sua comunidade (apud RAMOS 1990)
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O envolvimento efetivo da sociedade nas questotildees sociais natildeo eacute apenas uma
postura moderna Significa antes de tudo uma atitude digna de todos aqueles que
desejam exercer sua cidadania contribuindo para um paiacutes melhor e em especial
para uma sociedade mais justa fraterna e solidaacuteria
Na histoacuteria observa-se a grande coragem das pessoas em construir o
reconhecimento delas proacuteprias e de seus direitos sempre buscando a participaccedilatildeo e
defendendo os Direitos Humanos Sem duacutevida a maior ecircnfase que deve ocorrer
para a construccedilatildeo real da cidadania eacute uma mudanccedila na sociedade O melhor a ser
feito eacute reforccedilar a organizaccedilatildeo democraacutetica buscando novas formas de participaccedilatildeo
social pois cidadania natildeo se resume ao poder de votar ou ser votado mas eacute sempre
na efetiva participaccedilatildeo popular pois somente com isso haacute a verdadeira
conscientizaccedilatildeo e o comprometimento daquele que passa a se sentir cidadatildeo
abandonando-se velhos viacutecios da poliacutetica representativa
Desse modo a participaccedilatildeo do povo no momento das reivindicaccedilotildees das
discussotildees e apreciaccedilotildees de projetos que visem agrave melhoria da comunidade local a
exigecircncia de transparecircncia na administraccedilatildeo da coisa puacuteblica dentre outras eacute quem
daraacute embasamento para as verdadeiras conquistas sociais no Municiacutepio que geram
saudaacuteveis formas de pressatildeo por efetivas poliacuteticas puacuteblicas de inclusatildeo social
gerando o fim do clientelismo poliacutetico tatildeo pejorativo e comum em nossa realidade e
cultura poliacutetica
Somente a participaccedilatildeo social eacute que iraacute causar uma real democratizaccedilatildeo do
poder A afirmaccedilatildeo da cidadania eacute pressuposto para a realizaccedilatildeo dos Direitos
Humanos pois os homens natildeo nascem naturalmente iguais Inclusive para que
ocorra a realizaccedilatildeo dos referidos direitos eacute necessaacuterio tambeacutem que exista um
espaccedilo puacuteblico que seja realmente democraacutetico e acessiacutevel possibilitando a
participaccedilatildeo de todos e esse espaccedilo eacute certamente o municiacutepio
Na praacutetica um forte instrumento de cidadania para atender as necessidades
coletivas eacute o orccedilamento participativo previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal que
determina expressamente a realizaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas e a participaccedilatildeo
popular nos processos de elaboraccedilatildeo e conduccedilatildeo dos orccedilamentos como forma de
incentivo agrave preparaccedilatildeo e execuccedilatildeo de planejamentos que envolvam diretamente o
povo A Lei veio incentivar a sua propagaccedilatildeo para todos os entes federativos tendo
em conta que se trata de uma tendecircncia mundial por legitimar as escolhas e
fortalecer o princiacutepio da transparecircncia
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Os meios de acesso do cidadatildeo junto aos Poderes Puacuteblicos eacute uma realidade
no Estado Democraacutetico de Direito brasileiro a exemplo das sessotildees do Poder
Legislativo que satildeo puacuteblicas ficando abertas a todos que delas quiserem participar
Emite-se uma pauta antes do comeccedilo da sessatildeo com a preacutevia dos debates Em
niacutevel municipal verifica-se um acompanhamento mais incisivo sobre as sessotildees das
Cacircmaras de Vereadores como forma de pressatildeo para aprovaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees
da comunidade avaliaccedilatildeo do desempenho e aceitaccedilatildeo de propostas orccedilamentaacuterias
e atuaccedilatildeo dos poliacuteticos bem como entendimento das funccedilotildees do Poder Legislativo
A Constituiccedilatildeo Federal assegura desde 1988 a possibilidade de se oferecer
peticcedilatildeo agraves Mesas Legislativas como forma de pedir informaccedilotildees sobre andamento
de projetos ou relatoacuterios encaminhados aos chefes do Poder Executivo Em niacutevel
municipal pode ser utilizada a Tribuna Livre como instrumento para denuacutencias de
problemas ou discussatildeo de um tema ou mesmo para apresentar sugestotildees sendo
regulado pela Lei Orgacircnica Municipal e pelo Regimento Interno da Cacircmara
A convocaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas tambeacutem possui previsatildeo constitucional
no art 58 sect 20 inciso II em niacutevel federal As comissotildees podem em razatildeo da
mateacuteria de sua competecircncia realizar audiecircncias puacuteblicas com entidades da
sociedade civil E nada obsta que estejam previstas formas de articulaccedilatildeo da
sociedade civil com os Presidentes das Comissotildees da Cacircmara no seu Regimento
Interno em acircmbito municipal
Os dispositivos da Constituiccedilatildeo Federal que dispotildeem sobre a forma de
participaccedilatildeo direta do cidadatildeo e da sociedade civil no processo democraacutetico natildeo se
pode negar que trouxe novas perspectivas De modo geral podemos citar
Art 29 A lei orgacircnica dos Municiacutepios tem que observar entre os seus
preceitos ldquocooperaccedilatildeo das associaccedilotildees representativas no planejamento municipalrdquo
Art 31 As contas dos municiacutepios ficaratildeo durante 60 (sessenta) dias
anualmente a disposiccedilatildeo de qualquer contribuinte para exame e apreciaccedilatildeo o qual
poderaacute questionar-lhes a legitimidade nos termos da lei
Art37 sect 3ordm (EC-1998) A lei disciplinaraacute as formas de participaccedilatildeo do usuaacuterio
na administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta regulando especialmente
I- as reclamaccedilotildees relativas a prestaccedilatildeo dos serviccedilos puacuteblicos em geral asseguradas
a manutenccedilatildeo de serviccedilo de atendimento ao usuaacuterio e a avaliaccedilatildeo perioacutedica externa
e interna da qualidade dos serviccedilos
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II- o acesso dos usuaacuterios a registros administrativos e a informaccedilatildeo sobre atos de
governo observado o disposto no art 5ordm X e XXXIII
III- a disciplina da representaccedilatildeo conta o exerciacutecio negligente ou abusivo de cargo
emprego ou funccedilatildeo na administraccedilatildeo puacuteblica
Art 74 sect 2ordm Qualquer cidadatildeo partido poliacutetico associaccedilatildeo ou sindicato eacute
parte legiacutetima para na forma de lei denunciar irregularidades ou ilegalidades perante
o Tribunal de Contas da Uniatildeo
Art194 paraacutegrafo uacutenico Compete ao Poder Puacuteblico nos termos da lei
organizar a seguridade social com base nos seguintes objetivos ()
VII ndash caraacuteter democraacutetivo descentralizado na administraccedilatildeo mediante gestatildeo
quadripartite com participaccedilatildeo dos trabalhadores dos empregados e dos
aposentados e do Governo nos oacutergatildeos colegiados nos oacutergatildeos colegiados
Art 198 As accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede integram uma rede
regionalizada e hierarquizada o constituem um sistema uacutenico organizado de acordo
com as seguintes diretrizes
III ndash participaccedilatildeo da comunidade
Art 202 sect 6ordm A lei complementa a que se refere o sect 4ordm deste artigo
estabeleceraacute os requisitos para a designaccedilatildeo dos membros das diretorias das
entidades fechadas de previdecircncia privada e disciplinaraacute a inserccedilatildeo dos
participantes nos colegiados e instacircncias de decisatildeo em que seus interesses sejam
objeto de discussatildeo e deliberaccedilatildeo
Art 204 As accedilotildees governamentais na aacuterea de assistecircncia social seratildeo
organizadas com base nas seguintes diretrizes
II ndash Participaccedilatildeo da populaccedilatildeo por meio de organizaccedilotildees representativas na
formulaccedilatildeo das poliacuteticas e no controle das accedilotildees em todos os niacuteveis
O protagonista na concretizaccedilatildeo dos direitos humanos e na ampliaccedilatildeo da cidadania eacute um sujeito coletivo de um trabalho sempre inacabado eis que se tratam de tarefas e conquistas cotidianas e gradativas obras que soacute podem ser realizada a muitas matildeos no partilhar e compartilhar da vida (COSTA NETO 2010)
A ampliaccedilatildeo da cidadania requer a consciecircncia de que os direitos pressupotildeem
deveres de maneira que os direitos de um indiviacuteduo satildeo garantidos a partir do
cumprimento dos deveres dos demais componentes da sociedade
51
34 A necessaacuteria superaccedilatildeo de velhos paradigmas
Como se sabe em 1988 foi aprovada a Constituiccedilatildeo mais liberal e
democraacutetica do Brasil chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo Assim ampliou-se de
forma significativa o campo dos direitos e garantias fundamentais No que diz
respeito a tal mateacuteria eacute considerada como uma das mais avanccediladas do mundo No
seu preacircmbulo adota o modelo de um Estado democraacutetico de Direito destinado a
garantir o exerciacutecio dos direitos sociais e individuais a liberdade a seguranccedila o
bem-estar o desenvolvimento a igualdade e a justiccedila eleitos como valores
supremos de uma sociedade fraterna pluralista e sem preconceitos
Para a construccedilatildeo democraacutetica da cidadania no Brasil contemporacircneo
salienta-se de ela deve passar de uma democracia representativa para uma
cidadania que efetivamente molde a democracia ou seja uma cidadania instituinte
da democracia
No acircmbito constitucional positivo cidadania pressupotildee o exerciacutecio de todos
os direitos fundamentais e garantias que caracterizam o Estado democraacutetico de
Direito Quando se fala em cidadania eacute no sentido de reafirmar o direito pela plena
realizaccedilatildeo do indiviacuteduo do cidadatildeo dos entes coletivos e de sua emancipaccedilatildeo nos
espaccedilos da sociedade Estatildeo sempre intimamente ligados os conceitos de
cidadania democracia e direitos humanos sendo que um remete ao outro e seus
conteuacutedos se interligam ou seja a cidadania natildeo iraacute ocorrer sem que ocorra a
realizaccedilatildeo dos Direitos Humanos da mesma forma que os direitos humanos natildeo
seratildeo concretizados se natildeo houver o exerciacutecio da cidadania
Na evoluccedilatildeo histoacuterica tais categorias se desenvolveram de forma conjunta
com o Estado Representam noccedilotildees desejaacuteveis de relaccedilotildees humanas que se espera
sejam instituiacutedas Satildeo os elementos basilares na nova ordem social e que a
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 pretendeu edificar Poreacutem a democracia poliacutetica natildeo
resolveu os problemas econocircmicos mais seacuterios como a desigualdade e o
desemprego Continuam muito seacuterios os problemas da aacuterea social principalmente
na educaccedilatildeo nos serviccedilos de sauacutede e saneamento como tambeacutem e
principalmente quanto agrave seguranccedila puacuteblica
52
A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 em seu artigo 6ordm e em outros artigos no texto
constitucional ampliou e muito os Direitos Sociais proibiu discriminaccedilotildees Assim
indicadores baacutesicos de qualidade de vida apontam que houve uma melhoria A
mortalidade infantil por exemplo caiu de maneira significativa nos uacuteltimos anos A
esperanccedila de vida ao nascer passou de 60 anos em 1980 para 70 em 2000 Poreacutem
o maior progresso foi na aacuterea da educaccedilatildeo fundamental que eacute considerado fator
decisivo para a cidadania pois a taxa de analfabetismo caiu consideravelmente
entretanto existem muitos problemas no campo educacional como a repetecircncia e
com relaccedilatildeo a desigualdade social entre as regiotildees
A grande concentraccedilatildeo da riqueza nacional nas matildeos de poucos reflete a
desigualdade e causa a pobreza e a miseacuteria ao passo que dificulta o acesso do
cidadatildeo agrave justiccedila e consequentemente ao seu estado de cidadania pleno
Dentre os fundamentos no qual se baseiam o Estado democraacutetico de Direito
no Brasil destaca-se justamente a cidadania e a dignidade humana conforme artigo
1ordm incisos II e III da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Entatildeo construir uma sociedade
livre justa e solidaacuteria garantir o desenvolvimento nacional erradicar a pobreza e a
marginalizaccedilatildeo reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de
todos sem preconceitos de origem raccedila sexo cor idade ou quaisquer outras
formas de discriminaccedilatildeo satildeo os objetivos fundamentais do Estado Brasileiro
conforme art 3ordm da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
O cenaacuterio de globalizaccedilatildeo econocircmica mundial tambeacutem traacutes seacuterios obstaacuteculos
para a construccedilatildeo da cidadania A globalizaccedilatildeo da economia em ritmo acelerado
provoca grandes mudanccedilas nas relaccedilotildees entre Estado sociedade e naccedilatildeo que
eram sempre o centro da noccedilatildeo e da praacutetica da cidadania ocidental O foco das
mudanccedilas e das preocupaccedilotildees estaacute em dois focos especiacuteficos a reduccedilatildeo do papel
central do Estado como fonte de direitos e local para a participaccedilatildeo e o
deslocamento da naccedilatildeo como principal fonte de identidade coletiva
Para que ocorra efetiva mudanccedila a melhor proposta eacute no sentido de
mudanccedila na organizaccedilatildeo da sociedade pois a inversatildeo da sequecircncia dos direitos
fez com que ocorra o reforccedilo da supremacia do Estado Para que ocorra a
consolidaccedilatildeo democraacutetica e cidadatilde eacute necessaacuterio reforccedilar a organizaccedilatildeo da
sociedade para assim dar embasamento social ao poder poliacutetico ou seja
finalmente democratizar o poder e estabelecer de forma plena a Cidadania
53
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A Constituiccedilatildeo que nasce com ldquocheiro de amanhatilde e natildeo de mofordquo nas
palavras do Deputado Ulisses Guimaratildees tem em seu relevo a esperanccedila de um
povo que sonhava com a erradicaccedilatildeo da repressatildeo militar e natildeo soacute isso um povo
que sonhava com a liberdade em suas diversas manifestaccedilotildees em suas mais
significativas formas de representaccedilatildeo e sobretudo com um paiacutes voltado para a
democracia e justiccedila social
Ao povo brasileiro foi concedido o poder de governar e nesse contexto de
mudanccedila a ldquodemocracia eacute o governo do povo pelo povo e para o povordquo na
conceituaccedilatildeo ceacutelebre de Abraham Lincoln E consoante estabelece o paraacutegrafo
uacutenico do art 1ordm da Carta cidadatilde de 1988 ldquotodo poder emana do povo que o exerce
por meio de representantes eleitos ou diretamenterdquo
No entanto natildeo basta que a fonte de poder seja o povo a democracia vem
significar a efetiva participaccedilatildeo do povo nas decisotildees e destino do Estado e sua
consolidaccedilatildeo eacute a proacutepria cidadania pois eacute o cidadatildeo que pensa e se auto define
diante da condiccedilatildeo soacutecio-histoacuterica O cidadatildeo tem portanto o poder de transformar
a realidade social segundo seu pensamento e accedilatildeo
Natildeo se pode negar que a Carta de 1988 foi a que apresentou maior
legitimidade popular que abriu caminhos apontando um novo tempo
Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita Se fosse perfeita seria irreformaacutevel Ela proacutepria com humildade e realismo admite ser emendada ateacute por maioria mais acessiacutevel dentro de cinco anos Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita mas seraacute uacutetil e pioneira e desbravadora Seraacute luz ainda que de lamparina na noite dos desgraccedilados Eacute caminhando que se abrem os caminhos Ela vai caminhar e abri-los Seraacute redentor o que penetrar nos bolsotildees sujos escuros e ignorados da miseacuteria (Ulysses Guimaratildees)
Mesmo natildeo sendo a constituiccedilatildeo perfeita sem duacutevida foi a que trouxe
esperanccedila ao povo brasileiro com a sua promulgaccedilatildeo surgiram o ldquohaacutebeas datardquo o
mandado de injunccedilatildeo e o mandado de seguranccedila coletivo - todos remeacutedios judiciais
de iacutendoles constitucionais serviacuteveis para prevenir e combater diversas tentativas de
abuso contra a pessoa humana Outrossim o objeto da accedilatildeo popular foi ampliado
Atualmente qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima para propor a mencionada accedilatildeo
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popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de entidade de que o
Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e ao patrimocircnio
histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de custas
judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia Nesse rol de forma decisiva houve a
ampliaccedilatildeo tambeacutem dos direitos sociais
Assim a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconhece e assegura uma seacuterie de
escudos protetivos aos cidadatildeos Em sua essecircncia os direitos fundamentais
ganham forma De modo que podemos assegurar que hoje o nosso Estado eacute uma
organizaccedilatildeo centrada no ser humano visto que tem a dignidade da pessoa humana
como um fundamento da Repuacuteblica Federativa do Brasil
Apesar das inuacutemeras dificuldades o Estado Democraacutetico de Direito fundado
na cidadania constituiu para o povo uma nova identidade ndash o que em outras eacutepocas
natildeo existia
A Constituiccedilatildeo circunscreve toda a organizaccedilatildeo poliacutetica estatal no intuito
maior de criar no consciente coletivo a vontade livre e determinada de desenvolver
padrotildees de condutas destinados a elevar e promover a auto-estima de toda a
comunidade paacutetria
Foi nesse sentido que estatui em seu artigo 1ordm a cidadania como fundamento
do Estado Democraacutetico de Direito ampliando e enriquecendo o tal conceito Cada
eacutepoca produziu praacuteticas e reflexotildees muito distintas sobre o tema cidadania A
definiccedilatildeo de cidadania que vem sofrendo alteraccedilotildees ao longo do tempo obedecendo
a um processo histoacuterico de conquistas sociais eacute compreendida atualmente como
um processo de participaccedilatildeo do indiviacuteduo ou de um grupo organizado nas mais
variadas aacutereas de atuaccedilatildeo da sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos
e sociais
A cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia disso natildeo haacute duvidas e se
efetiva como mudanccedilas na realidade de cada um com melhoria de vida e
conscientizaccedilatildeo da importacircncia do cidadatildeo dado que eacute um processo em
permanente construccedilatildeo Natildeo haacute como defender uma qualidade de vida sem a
preservaccedilatildeo da cidadania em todos os seus acircmbitos Nesse sentido a efetiva
proteccedilatildeo desse aspecto basilar torna-se essencial no que tange uma assistecircncia
juriacutedica completa
No contraponto do direito estatildeo os deveres que encontramos sua realizaccedilatildeo
tambeacutem na participaccedilatildeo observando que o cidadatildeo eacute responsaacutevel pelo advir de
55
suas accedilotildees A participaccedilatildeo reflete um caraacuteter de natildeo comodismo de atenccedilatildeo agravequilo
que eacute particular e coletivo tendo como finalidade preciacutepua o bem comum
Construir cidadania hoje eacute imperativo para a sociedade pois dessa
construccedilatildeo depende o amanhatilde Estamos diante da Constituiccedilatildeo que se propotildee a
resguardar o amanhatilde sem perder de vista que ele comeccedila hoje agora e nisso a
Carta Poliacutetica traacutes consigo a certeza do despertar dessa consciecircncia a consciecircncia
cidadatilde Ela eacute a semente plantada em terra feacutertil que gera frutos diariamente e se
renova a cada estaccedilatildeo na dinacircmica da vida Talvez tenha sido esse o cheiro de
frutas alcanccedilado pelo constituinte ao anunciar que a carta tem ldquocheiro do amanhatilderdquo
A responsabilidade pelo exerciacutecio desses direitos belissimamente elencados
depende de todos e de cada um pois somos o terreno feacutertil que produziraacute o fruto de
uma sociedade fraterna
Eacute comum na praacutetica apenas responsabilizarmos o Estado em sentido lato pelo
natildeo exerciacutecio dos direitos do cidadatildeo Vale lembrar nesse contexto das palavras de
J Kennedy o qual disse ldquonatildeo pergunte o que o Estado pode fazer por vocecirc mas o
que vocecirc pode fazer pelo Estadordquo haacute nessa frase um forte traccedilo de cidadania pois
quando o cidadatildeo reivindica critica opina o que ele daacute em contrapartida ao paiacutes eacute
solidificado visto que eacute nas relaccedilotildees familiares em comunidade que se estabelece e
se fortalece os viacutenculos de solidariedade de uma sociedade que perpetua valores
condutas que as leis reguladoras natildeo conseguem por si soacute estabelecer
A concretizaccedilatildeo do ideal de uma qualidade de vida merecida a todos os seres
humanos sem restriccedilotildees requer entretanto um esforccedilo coletivo Dessa forma haacute
necessidade de suprir as muitas carecircncias advindas das desigualdades sociais e de
condiccedilotildees do descaso do poder puacuteblico e da proacutepria conceituaccedilatildeo antiga de
cidadania que ainda eacute concebida por muitos no presente
Em suma nosso trabalho procurou traccedilar a evoluccedilatildeo da cidadania e ao
mesmo tempo buscou traccedilar uma melhor caracterizaccedilatildeo do cidadatildeo agrave luz da nossa
Constituiccedilatildeo que eacute por fim a essecircncia da Magna Carta O alcance da cidadania
enquanto mecanismo de acesso a direitos foi colocado no acircmbito da pessoa
enquanto titular de direitos e num paralelo defendemos que o municiacutepio eacute o espaccedilo
de atuaccedilatildeo e exerciacutecio de cidadania dada a proximidade do cidadatildeo com as
instituiccedilotildees oacutergatildeos entidades e tudo o mais que o cerca na esfera de vivecircncia Eacute na
praccedila que discute a poliacutetica local e nacional que se indigna com as dificuldades e as
56
barreiras de acesso aos seus direitos Eacute no municiacutepio que se inicia todo um vieacutes de
desdobramento para garantir direitos
Por fim natildeo obstante resta dizer sobre o tema que os caminhos e
paradigmas que se intentou percorrer sobre cidadania como mecanismo
transformador da sociedade tem ingrediente ainda a se descortinar para o
propoacutesito valioso do bem comum Pois bem a ideia de bem comum tem como
fundamento o amor maacutexima que se estabelece por meio da democracia visto que
ldquoa demofilia o demoiacutesmo o amor do povo acima de tudo como princiacutepio ativo de
toda a sua vida poliacutetica inspirador duma sempre crescente autonomia imanente eacute
que constitui a verdadeira essecircncia da democraciardquo nas palavras de Melgareacute
(2005)
Dessa forma eacute no nuacutecleo da democracia que estaacute inscrito como pedra
angular o respeito e o amor pela pessoa humana Eacute pois um tema de larga
abrangecircncia poreacutem sem querer abreviar o caminho sua efetiva possibilidade de
realizaccedilatildeo se encontra no exerciacutecio da cidadania sem repuacutedios parciais ou exclusatildeo
de qualquer ordem na plenitude de uma cidadania para todos
57
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31
Com o advento da Constituiccedilatildeo de 1988 foram criadas instituiccedilotildees para
fiscalizar e controlar a atuaccedilatildeo da administraccedilatildeo puacuteblica entre as quais o Ministeacuterio
Puacuteblico que funciona como um canal de expressatildeo dos direitos da populaccedilatildeo
O Ministeacuterio Puacuteblico foi a instituiccedilatildeo que mais ganhou importacircncia no cenaacuterio
puacuteblico por ter passado a defender os interesses coletivos ou seja os interesses de
um grupo categoria ou classe e natildeo de um indiviacuteduo isolado No artigo 127 o
Ministeacuterio Puacutebico (MP) eacute definido como ldquouma instituiccedilatildeo permanente essencial agrave
funccedilatildeo jurisdicional do Estado incumbindo-lhe a defesa da ordem juriacutedica do regime
democraacutetico e dos interesses sociais e individuais indispensaacuteveisrdquo
Cabe ao Ministeacuterio Puacuteblico exigir dos poderes puacuteblicos e dos serviccedilos de
relevacircncia puacuteblica respeito aos direitos elencados na Constituiccedilatildeo promovendo as
medidas necessaacuterias agrave garantia desses direitos Portanto eacute responsaacutevel pela
garantia da ordem juriacutedica do regime democraacutetico da moralidade puacuteblica e dos
direitos sociais e individuais
23 A consagraccedilatildeo dos direitos do cidadatildeo
A Constituiccedilatildeo de 1988 eacute o coroamento da histoacuteria constitucional do Brasil por
ter sido um marco da redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes opondo-se a qualquer forma de
autoritarismo Nela a cidadania foi consagrada como um dos fundamentos da
Repuacuteblica Federativa do Brasil (art 1ordm inc II) Observe-se que o termo cidadania
encontra-se na Constituiccedilatildeo em sentido mais amplo do que o de titular de direitos
poliacuteticos pois qualifica os participantes da vida do Estado e reconhece o indiviacuteduo
como pessoa integrada na sociedade estatal
Essa nova concepccedilatildeo de cidadania introduzida pela Constituiccedilatildeo Federal de
1988 eacute fruto da internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos e como marco principal da
institucionalizaccedilatildeo erigiu em seu artigo primeiro a dignidade da pessoa humana (inc
III) e a cidadania (incII) a princiacutepio fundamental
Institui com o princiacutepio da cidadania uma nova compreensatildeo acerca dos
direitos de deveres da pessoa elevado-o a status maacuteximo a regra-matriz que natildeo
pode ser desrespeitada pois os fundamentos constituem a essecircncia da Repuacuteblica
32
Federativa e servem como regra-matriz para a elaboraccedilatildeo interpretaccedilatildeo e
integraccedilatildeo do sistema juriacutedico nacional
Violar um princiacutepio eacute muito grave que transgredir uma norma qualquer A desatenccedilatildeo ao principio implica ofensa natildeo apenas a um especifico mandamento obrigatoacuterio mas a todo o sistema de comandos Eacute a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade representa insurgecircncia contra todo o sistema subversatildeo de valores fundamentais (MELLO apud CHIMENTI 2005 P 33)
Para Silva (2004) cidadania eacute discriminada como princiacutepio relativo ao regime
poliacutetico Dessa forma compreendida cidadania como princiacutepio fundamental eacute o
direito de participar dos destinos do Estado e mais usufruir dos direitos civis
fundamentais previstos na Constituiccedilatildeo
Muitos doutrinadores utilizam cidadania no mesmo sentido de nacionalidade
(Art 12 da Constituiccedilatildeo Federal) e de direitos poliacuteticos (Art 14) Em alguns outros
dispositivos a palavra cidadania (ou cidadatildeo) poderia ainda ter a significaccedilatildeo de
direitos poliacuteticos mas mesmo assim de forma impliacutecita a exemplo dos arts 22 XIII
e 5ordm LXXIII No primeiro se lecirc que compete agrave Uniatildeo legislar sobre nacionalidade
cidadania e naturalizaccedilatildeo e no segundo que qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima
para propor accedilatildeo popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de
entidade de que o Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e
ao patrimocircnio histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de
custas judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia No entanto conforme Mazzuoli (2002)
Observe-se que a Carta de 1988 ao tratar no seu art 14 dos direitos poliacuteticos natildeo se refere sequer em um momento agrave expressatildeo cidadania dizendo apenas que a soberania popular seraacute exercida pelo sufraacutegio universal e pelo voto direito e secreto com valor igual para todos (hellip) Pelo contraacuterio a Constituiccedilatildeo faz uma separaccedilatildeo entre cidadania e direitos poliacuteticos quando no seu art 68 sect 1ordm II ao tratar das leis delegadas exclui do acircmbito da delegaccedilatildeo legislativa a nacionalidade cidadania direitos individuais poliacuteticos e eleitorais
A Constituiccedilatildeo brasileira de 1988 com a transiccedilatildeo para o regime democraacutetico
consagrou expressamente esta nova concepccedilatildeo de cidadania como se depreende
da leitura de vaacuterios dos seus dispositivos
Foi nesse sentido que pioneiramente estatuiu a Carta de 1988 em seu art
1ordm que a Repuacuteblica Federativa do Brasil formada pela uniatildeo indissoluacutevel dos
33
Estados e Municiacutepios e do Distrito Federal constitui-se em Estado Democraacutetico de
Direito e tem como fundamentos dentre outros a cidadania (inc II) Como jaacute
mencionado
Na mesma esteira o disposto no art 5ordm incisos LXXI (conceder-se-aacute
mandado de injunccedilatildeo sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviaacutevel o
exerciacutecio dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes agrave
nacionalidade agrave soberania e agrave cidadania) e LXXVII (satildeo gratuitas as accedilotildees de
habeas-corpus e habeas-data e na forma da lei os atos necessaacuterios ao exerciacutecio
da cidadania) No seu Tiacutetulo VIII Capiacutetulo II Seccedilatildeo I a Carta Magna de 1988
dispotildee ainda que a
Educaccedilatildeo direito de todos e dever do Estado e da famiacutelia seraacute promovida e incentivada com a colaboraccedilatildeo da sociedade visando ao pleno desenvolvimento da pessoa seu preparo para o exerciacutecio da cidadania e sua qualificaccedilatildeo para o trabalho (art 205)
Outro dispositivo em que fica bastante marcada esta nova concepccedilatildeo de
cidadania eacute o art 64 do Ato das Disposiccedilotildees Constitucionais Transitoacuterias que
dispotildee
A Imprensa Nacional e demais graacuteficas da Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios da administraccedilatildeo direta ou indireta inclusive fundaccedilotildees instituiacutedas e mantidas pelo Poder Puacuteblico promoveratildeo ediccedilatildeo popular do texto integral da Constituiccedilatildeo que seraacute posta agrave disposiccedilatildeo das escolas e dos cartoacuterios dos sindicatos dos quarteacuteis das igrejas e de outras instituiccedilotildees representativas da comunidade gratuitamente de modo que cada cidadatildeo brasileiro possa receber do Estado um exemplar da Constituiccedilatildeo do Brasil
Enfim a Constituiccedilatildeo de 1988 enriqueceu e ampliou os conceitos de cidadatildeo
e cidadania Seu entendimento agora como leciona Silva (2005)
Decorre da ideia de Constituiccedilatildeo dirigente que natildeo eacute apenas um repositoacuterio de programas vagos a serem cumpridos mas constitui um sistema de previsatildeo de direitos sociais mais ou menos eficazes em torno dos quais eacute que se vem construindo a nova ideacuteia de cidadania
De forma que natildeo mais se trata de considerar a cidadania como simples
qualidade de gozar direitos poliacuteticos mas sim de aferir-lhe um nuacutecleo miacutenimo e
irredutiacutevel de direitos (fundamentais) que devem se impor obrigatoriamente agrave accedilatildeo
dos poderes puacuteblicos
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O ordenamento juriacutedico brasileiro consagrou aleacutem dos institutos jaacute
mencionados alguns outros mecanismos de defesa dos direitos e garantias
constitucionais da cidadania como a accedilatildeo civil puacuteblica regulada pela Lei nordm
734785 e accedilatildeo direta de inconstitucionalidade prevista no incIV do art 129 da
Constituiccedilatildeo Federal O Coacutedigo de Defesa do Consumidor o Estatuto da Crianccedila e
do Adolescente e ateacute mesmo o princiacutepio do devido processo legal que resguarda ao
cidadatildeo o acesso agrave justiccedila e direito de ser acionado judicialmente por meio de
procedimentos legais satildeo mecanismos de defesa dos direitos de cidadania
previstos constitucionalmente e garantidos na esfera poliacutetica civil e social
Pode-se observar que a cidadania comeccedilou a ser construiacuteda como resultado
de um processo de luta a partir da conscientizaccedilatildeo dos direitos e deveres do
homem Como vimos a cidadania jaacute em praacutetica em muitos paiacuteses adquire no
Brasil com a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 um novo sentido qual seja o
pressuposto do exerciacutecio pleno de um sistema de direitos e garantias
35
CAPIacuteTULO 3 - CIDADANIA COMO MECANISMO DE
TRANSFORMACcedilAtildeO SOCIAL
No momento em que a cidadania alccedila voos constitucionais e insere-se na
Carta Poliacutetica da Repuacuteblica Federativa do Brasil inicia-se o processo de
redemocratizaccedilatildeo e ganha relevo o cidadatildeo agente deste processo que tem em
suas matildeos a tarefa da construccedilatildeo de um novo tempo
Historicamente a ideia de cidadatildeo conotava o habitante da cidade ndash o
citadino ndash firma-se entatildeo tal conotaccedilatildeo na Antiguumlidade claacutessica para depois
significar aquele indiviacuteduo a quem se atribuem os direitos poliacuteticos Superada essa
acepccedilatildeo que tambeacutem vigorou nas constituiccedilotildees anteriores da Repuacuteblica do Brasil
na concepccedilatildeo moderna estaacute clara a noccedilatildeo de cidadatildeo como aquele que a quem
consiste a titularidade de direitos individuais poliacuteticos e sociais Noccedilatildeo esta
edificada com a internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos que amplia a acepccedilatildeo do
termo declarando que satildeo cidadatildeos todo aquele que habita o acircmbito da soberania
de um Estado e deste Estado recebem uma carga de direitos e tambeacutem deveres dos
mais variados
Desta forma a noccedilatildeo contemporacircnea de cidadania funda-se na dicotomia
direitos (exerciacutecios de direitos fundamentais - participaccedilatildeo) e deveres (colaboraccedilatildeo -
solidariedade) Ao lado dos direitos foram estabelecidos deveres fundamentais e
portanto tanto agentes puacuteblicos como os indiviacuteduos tecircm obrigaccedilotildees especiacuteficas
inclusive a de respeitar os direitos das demais pessoas que vivem na ordem social
sendo e promovendo mecanismos de transformaccedilatildeo social que visam uma nova
sociedade baseada na igualdade e na justiccedila
36
31 O ser cidadatildeo
Os termos indiviacuteduo ser humano pessoa e cidadatildeo satildeo geralmente tomados
como sinocircnimo o que certamente influi na proliferaccedilatildeo de incontaacuteveis significados e
ampliaccedilatildeo do termo cidadatildeo Poreacutem estas palavras apesar de se assemelharem
possuem carga semacircntica proacutepria e da compreensatildeo exata de cada uma decorre a
conceituaccedilatildeo mais acentuada da acepccedilatildeo do termo cidadatildeo como titular de direitos
e deveres resguardados pela constituiccedilatildeo paacutetria
Desta forma indiviacuteduo eacute um representante da espeacutecie aquele que eacute uacutenico
Enquanto ser humano eacute um termo mais geneacuterico ou indeterminado que diz respeito
agrave espeacutecie agrave classificaccedilatildeo ao mundo zooloacutegico Pessoa por sua vez eacute um termo
mais especiacutefico que tem a ver com o mundo civilizado ou se preferirmos com a
constelaccedilatildeo dos valores morais eacuteticos e juriacutedicos proacuteprios da civilizaccedilatildeo
A etimologia da palavra pessoa demonstra que eacute um conceito sobreposto ao conceito de Ser Humano Um refratildeo de origem juriacutedica tambeacutem nos lembra do homo plures pessoa polimorfa o ser humano capaz de desempenhar muitos papeacuteis um mesmo ser humano eacute empresaacuterio e delinquumlente eacute pai e metaluacutergico etc Persona (personagem) era a maacutescara que usavam os atores da trageacutedia grega para desempenhar seu papel Cabe portanto entender o conceito de Ser Humano ao lado do conceito de Pessoa No direito romano antigo os escravos eram seres humanos (homens) mas natildeo eram consideradas pessoas (patriacutecios) Os juristas romanos que usavam o conceito de Ser Humano o dissociavam do conceito de pessoas (CUNHA 2007)
O Ser Humano recebe uma distinccedilatildeo importante quando o consideramos
como Pessoa assim como a Pessoa recebe uma distinccedilatildeo redundante natildeo menos
importante quando a consideramos por forccedila de expressatildeo como uma pessoa
humana Subentendendo o adjetivo humano como relativo agrave eacutetica Portanto Ser
Humano natildeo eacute a mesma coisa que Pessoa como tampouco Ser Humano eacute o
mesmo que cidadatildeo este muito eacute mais proacuteximo do termo Pessoa Vejamos o quadro
ilustrativo que esquematiza e distinguem os referidos conceitos
37
QUADRO 1 ndash EVOLUCcedilAtildeO DO SER HUMANO ATEacute O CIDADAtildeO
O Ser Humano O Ser Indiviacuteduo O Ser Pessoa O Ser Cidadatildeo
A Dimensatildeo do conviacutevio social
A dimensatildeo do mercado de trabalho e
Consumo
A Dimensatildeo de encontrar-se no mundo
A dimensatildeo de intervir na realidade
O homem tornar-se Ser Humano nas relaccedilotildees
de conviacutevio social
O Ser Humano tornar-se indiviacuteduo quando
descobre seu papel e funccedilatildeo social
O Indiviacuteduo torna-se pessoa quanto toma
consciecircncia de si mesmo do outro e do
mundo
A pessoa torna-se cidadatildeo quando
interveacutem na realidade em que vive
Quem estuda o comportamento do Ser
Humano Seria a antropologia a histoacuteria
ou a sociologia
Quem estuda o comportamento do indiviacuteduo Seria a
Filosofia a sociologia ou a Psicologia
Quem estuda o comportamento da pessoa Seria a
Filosofia a sociologia ou a Psicologia
Quem estuda o comportamento do cidadatildeo Seria a
Sociologia a Filosofia ou As ciecircncias
poliacuteticas
Quem garante os direitos do Ser
Humano A Declaraccedilatildeo Universal
dos Direitos Humanos
Quem garante os Direitos do
Consumidor O Coacutedigo do Consumidor
Quem garante os Direitos da pessoa A proacutepria pessoa (amor proacuteprio ou autoestima)
Quem garante os Direitos do cidadatildeo (A Constituiccedilatildeo e suas leis
regulamentares)
Existe realmente uma natureza humana Teologicamente
afirmamos que existe a uma natureza humana
Seguindo a corrente existencialista (JP Sartre) negamos tal
natureza
Que diferenccedila existe entre o direito do
consumidor e o direito do cidadatildeo Ao
Consumidor deve ser dado o direito de
propriedade enquanto ao cidadatildeo deve ser
dado o direito de acesso
O que significa tornar-se pessoa no niacutevel
psicoloacutegico e social A pessoa eacute o indiviacuteduo que toma consciecircncia de si mesmo (ldquoTornar-
se Pessoardquo de Karl Roger)
Como podemos intervir na realidade
modificando as estruturas corruptas e injustas Quando os
direitos do cidadatildeo lhe satildeo oferecidos e o
mesmo passa a exercecirc-lo haacute
modificaccedilatildeo de comportamento
(ROSAS 2009)
O cidadatildeo eacute portanto aquele indiviacuteduo a quem a Constituiccedilatildeo confere direitos
e garantias e lhe daacute o poder do seu efetivo exerciacutecio aleacutem de meios processuais
eficientes contra a violaccedilatildeo de seu gozo ou fruiccedilatildeo por parte do poder puacuteblico
Sendo assim
A passagem do indiviacuteduo a cidadatildeo caracteriza-se pelo reconhecimento pela lei de direitos considerados fundamentais agrave realizaccedilatildeo da vida do homem como indiviacuteduo e ser social membro de uma comunidade poliacutetica e a garantia desses direitos pela forccedila comum de todos (CUNHA 2007)
38
Nas uacuteltimas deacutecadas em alguns paiacuteses inclusive no Brasil desenvolveu-se o
conceito de cidadania calcado principalmente na questatildeo do cidadatildeo-consumidor
As pessoas passam a ser vistas como cidadatildes desde que tenham dinheiro para
adquirir mercadorias e utilizar serviccedilos Eacute certo pois que serviccedilos e mercadorias
atendem a necessidades materiais e simboacutelicas das pessoas e consumi-los eacute um
dos modos de participar da vida social criar identidade e partilhar dos bens
produzidos pela humanidade e representar-se culturalmente Contudo a cidadania
enfatizada apenas como uma relaccedilatildeo de compra e venda de mercadorias e serviccedilos
assume um conteuacutedo restrito individual conformista e voltado apenas para a
aquisiccedilatildeo de bens o que se relaciona com a ideacuteia de indiviacuteduo ou seja o consumo
atende as necessidades do indiviacuteduo
Outra forma de confusatildeo acerca do conceito de cidadatildeocidadania refere-se a
equiparaccedilatildeo feita com o assistencialismo o que configura uma acentuada inversatildeo
do termo uma vez que a praacutetica do assistencialismo natildeo propicia meios de
superaccedilatildeo das desigualdades sociais Enquanto a cidadania estaacute relacionada agrave
superaccedilatildeo das desigualdades sociais e a extensatildeo da garantia dos direitos de todos
O cidadatildeo eacute sem duacutevida uma expressatildeo que precisa ser adequadamente
utilizada e vivenciada pela coletividade compreendido na dimensatildeo do ser pessoa
de ter direitos e deveres do assumir as suas liberdades e responsabilidades no seio
de uma comunidade democraacutetica equitativa solidaacuteria e intercultural
Dessa forma ser cidadatildeo implica saber viver em sociedade estando ciente
dos anseios comuns A participaccedilatildeo ativa nas decisotildees de sua comunidade
influencia modos de vida de maneira positiva ao seu redor assim torna-se
imprescindiacutevel o exerciacutecio dos direitos constitucionais adquiridos e lutar pelos que
viratildeo eacute sobretudo estar consciente de todas as atitudes tomadas em prol da
sociedade
Eacute possiacutevel nesse espaccedilo de discussatildeo falar em ldquoestar cidadatildeordquo que eacute natildeo
praticar o exerciacutecio da cidadania em nenhuma de suas formas Implica apenas em
se deixar levar pelos acontecimentos e ainda reclamar das situaccedilotildees vividas sem
nada fazer para mudar sem nenhuma perspectiva de futuro Do que concluiacutemos que
a dinacircmica de intervir na realidade eacute pressuposto de cidadania
Ser cidadatildeo eacute tarefa que requer muito do ser humano do individuo da
pessoa Requer uma alta - estima elevada uma consciecircncia solidaacuteria uma
39
identidade que se reconheccedila na dinacircmica social interagindo com o outro ampliando
debates incitando justiccedila eacute sem duvida uma tomada de posiccedilatildeo que natildeo se
acomoda pelo contraacuterio se incomoda quando natildeo haacute comprometimento para o bem
comum
Natildeo eacute uma tarefa cocircmoda senatildeo muito complicada as pessoas natildeo nascem cidadatildeos mas fazem-se no tempo e no espaccedilo Na verdade natildeo eacute faacutecil exercer a liberdade e a cidadania ndash ser pessoa e ser cidadatildeo ndash por isso exige-se uma luta sem treacuteguas para erradicar assimetrias e exclusotildees socioculturais e criar cenaacuterios de esperanccedila realizaacuteveis fundamentados em valores e princiacutepios eacuteticos que requalifiquem a democracia com cidadatildeos participativos e
comprometidos ( SAEZ 1995)
Tem portanto como pressuposto uma mudanccedila de comportamento uma
tomada de posiccedilatildeo frente agrave dinacircmica social na qual estaacute inserido participando de
forma ativa e produtiva do processo de construccedilatildeo da cidadania por meio de seus
diversos canais
32 Emancipaccedilatildeo social atraveacutes da cidadania
Um Estado Democraacutetico eacute aquele que estaacute enraizado na legitimidade do
poder do povo e dele decorre seu exerciacutecio Assim o poder do povo eacute a expressatildeo
a aptidatildeo de homens e mulheres constituir autonomamente seu viver sem sucumbir
diante das instacircncias de poder Haacute nesse modus vivendi uma tutela das diferenccedilas e
pluralidades de formas de vida
Desta forma a cidadania eacute enfocada como o processo de participaccedilatildeo do
individuo ou de um grupo organizado nas mais variadas aacutereas de atuaccedilatildeo na
sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos sociais com a consciecircncia
da responsabilidade por sua proacutepria histoacuteria
Sendo a democracia o regime em que o povo governa sua caracteriacutestica
inarredaacutevel eacute a de ter o povo agrave frente do poder uma forma de autogoverno Em
assim sendo a cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia por meio de resultados
palpaacuteveis e medidas concretas tais como mudanccedilas na realidade de cada um com
melhoria de vida e conscientizaccedilatildeo da importacircncia na sociedade para o exerciacutecio
40
direto ou indireto desse poder pois se contentar com fato do direito estaacute prescrito
em lei natildeo eacute o bastante
Eacute certo poreacutem que o Estado democraacutetico somente se aperfeiccediloa na
proporccedilatildeo em que o povo age ativamente na medida em que os representantes
reflitam em seus atos os verdadeiros anseios populares Partindo dessa visatildeo a
cidadania eacute o grande fator de legitimaccedilatildeo do povo permitindo que ele aja em defesa
das instituiccedilotildees democraacuteticas
Sobre a participaccedilatildeo cumpre asseverar que este direito significa a
capacidade de ser consultado para as tomadas de decisatildeo que dizem respeito agrave
direccedilatildeo da sociedade em que vive o cidadatildeo este direito eacute acompanhado do
respeito aos deveres de contribuir para o progresso social e de acatar e respeitar o
resultado obtido em consulta coletiva
No elenco de mecanismo de exerciacutecio da cidadania estaacute o acesso ao direito e
a justiccedila que eacute fator preponderante para efetivar as garantias constitucionais
Assim passaremos a discorrer sobre a importacircncia de instrumentalizar o
cidadatildeo para um pleno exerciacutecio de seus direitos
Eacute Sabido que no Estado Democraacutetico Contemporacircneo os direitos
fundamentais constitucionalmente assegurados tecircm eficaacutecia imediata cumprindo ao
Estado garantir a todos os cidadatildeos o respeito a esses Direitos de modo concreto e
efetivo natildeo obstante as inuacutemeras desigualdades e condiccedilotildees adversas que
dificultam na praacutetica o seu exerciacutecio
Para o acesso ao direito o Estado deve desenvolver com eficiecircncia uma seacuterie
de atividades essenciais e dar efetividade a uma seacuterie de pressupostos Dentre eles
o principal eacute o conhecimento do Direito como fator preponderante pois o
desconhecimento da lei implica na praacutetica natildeo acionar a jurisdiccedilatildeo Um fato que
contribui para essa assertiva eacute baixa escolaridade da populaccedilatildeo e o analfabetismo
Muito pouco adianta a existecircncia de uma Constituiccedilatildeo apenas formal ou no
papel se ilegiacutetima ou desrespeitada Para que ocorra a eficaacutecia das normas
dispostas numa Constituiccedilatildeo ou melhor para que passe da teoria agrave praacutetica eacute
essencial que comandados e comandantes tenham conhecimento dos seus direitos
e responsabilidades assim como dos instrumentos juriacutedicos para efetivaacute-los (leis
regulamentadoras) O exerciacutecio da cidadania natildeo eacute somente um direito mas eacute
tambeacutem um dever de todos pois a omissatildeo de cada um contribui com as injusticcedilas e
as impunidades tatildeo presentes nos dias atuais
41
A Constituiccedilatildeo quando eacute justa e legiacutetima e principalmente quando eacute
respeitada eacute um poderoso instrumento de promoccedilatildeo e desenvolvimento social e
humano
Outro fator que deve ser considerado eacute a miserabilidade que coloca inuacutemeros
brasileiros a margem da sociedade em situaccedilatildeo precaacuteria os quais para Pinsky
(2004) ldquodesprovidos de esperanccedila de projeto de qualquer perspectiva de inclusatildeo
[] recorrer agrave Justiccedila humana parece algo irrealizaacutevel sofisticado e inteiramente
ficcionalrdquo
Desta forma o primeiro passo para concretizar os direitos previstos
constitucionalmente eacute a formaccedilatildeo do cidadatildeo atraveacutes da Educaccedilatildeo Baacutesica
infundindo-lhe a consciecircncia dos seus direitos e tambeacutem dos seus deveres sociais
bem como dos valores humanos fundamentais que devem ser por todos respeitados
na vida em sociedade A universalizaccedilatildeo do ensino fundamental a oferta obrigatoacuteria
de educaccedilatildeo infantil pelo Estado e o crescimento da oferta do ensino meacutedio satildeo
alguns dos aspectos que merecem destaques e foi devido agrave determinaccedilatildeo
constitucional de estabelecer o caraacuteter obrigatoacuterio do ensino fundamental e de
responsabilizar o Estado por sua implementaccedilatildeo que tem iniacutecio o processo de
avanccedilo desse segmento
A Constituiccedilatildeo estabeleceu de forma mais clara o papel dos entes federados
na educaccedilatildeo Tambeacutem aumentou a participaccedilatildeo orccedilamentaacuteria destinada ao setor
Com as novas regras para distribuiccedilatildeo de recursos adotadas apoacutes a promulgaccedilatildeo
da Carta os municiacutepios voltam a interessar-se pela educaccedilatildeo fundamental e o paiacutes
atinge a universalizaccedilatildeo do setor o que se busca agora satildeo mecanismos para
garantir a qualidade no ensino
O segundo passo nessa dinacircmica eacute o oferecimento a todos os cidadatildeos de
condiccedilotildees miacutenimas de sobrevivecircncia e de existecircncia condignas atraveacutes do acesso
ao trabalho produtivo livremente escolhido e do pagamento de remuneraccedilatildeo capaz
de prover ao sustento do trabalhador e de sua famiacutelia
Para milhotildees de cidadatildeos que vivem na ignoracircncia e na miseacuteria nenhuma
utilidade ou eficaacutecia tecircm os inuacutemeros direitos constitucionalmente assegurados Para
aqueles que se habituaram a retirar proventos da mendicacircncia da prostituiccedilatildeo de
atividades iliacutecitas ou aqueles que se sentiram forccedilados a sujeitar-se agrave exploraccedilatildeo de
outrem para sobreviver natildeo haacute nenhuma crenccedila na dignidade da pessoa humana e
no valor social do trabalho
42
A pobreza engendra inuacutemeras relaccedilotildees de dominaccedilatildeo entre pessoas e entre grupos sociais As habitaccedilotildees subumanas da periferia das grandes cidades no Brasil constituem verdadeiros quistos sociais terras sem lei controladas por xerifes ou por quadrilhas de malfeitores O Estado que natildeo for capaz de dotar essas comunidades do acesso efetivo agrave Educaccedilatildeo agrave Sauacutede agrave Seguranccedila e agrave Paz Puacuteblicas e ao trabalho liacutecito certamente natildeo lhes estaraacute assegurando o acesso ao Direito porque a populaccedilatildeo abrutalhada pela miseacuteria e coagida pelo medo natildeo desfruta da miacutenima eficaacutecia concreta dos
seus direitos fundamentais (GRECO 2009)
Evidencia que acesso ao Direito nas sociedades modernas mesmo nas
economicamente desenvolvidas exige o fortalecimento dos grupos intermediaacuterios e
do associativismo O cidadatildeo natildeo estaacute mais em condiccedilotildees de defender-se
individualmente das ameaccedilas e lesotildees aos seus direitos perpetradas por pessoas ou
grupos que se encontram em posiccedilatildeo de vantagem nas relaccedilotildees econocircmicas e
sociais
O sindicato veio exercer este importante papel em relaccedilatildeo ao trabalhador
empregado Mas hoje as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo natildeo satildeo apenas as que existem no
mundo do trabalho mas as que se revelam em todos os tipos de relaccedilotildees humanas
relaccedilotildees de consumo relaccedilotildees de vizinhanccedila relaccedilotildees locatiacutecias relaccedilotildees
comerciais internas e internacionais e natildeo com menor relevacircncia relaccedilotildees entre os
particulares e o Estado entre outras
Eacute preciso assegurar esse equiliacutebrio na praacutetica o que somente tornar-se-aacute
possiacutevel atraveacutes da articulaccedilatildeo dos sujeitos que se encontram em posiccedilatildeo de
desvantagem em organizaccedilotildees e associaccedilotildees que pela uniatildeo de esforccedilos
consigam compensar o desequiliacutebrio existente e dar aos indiviacuteduos e grupos a forccedila
e a capa de proteccedilatildeo necessaacuterias para ombrearem-se aos seus adversaacuterios e
lutarem pelos seus direitos ou interesses em igualdade de condiccedilotildees
Para Greco (2009) o pressuposto indispensaacutevel do acesso ao Direito eacute a
transparecircncia do Estado no trato de questotildees que possam afetar a esfera de
interesses dos cidadatildeos e complementa que aos cidadatildeos eacute indispensaacutevel
assegurar o direito de influir eficazmente nas decisotildees do poder puacuteblico atraveacutes dos
mais diversos instrumentos de participaccedilatildeo democraacutetica Ele afirma que
A relaccedilatildeo Estado-cidadatildeo natildeo eacute mais a relaccedilatildeo soberano-suacutedito O cidadatildeo tem o direito de exigir do Estado o pleno respeito ao seu
43
patrimocircnio juriacutedico Lamentavelmente a crise do Estado tem levado o Brasil a aceitar-se como normal que as pessoas juriacutedicas de Direito Puacuteblico natildeo cumpram devidamente as prestaccedilotildees positivas de que satildeo devedoras perante os particulares cabendo a estes demandar na Justiccedila para obtecirc-las (GRECO 2009)
Essa visatildeo deformada da responsabilidade do Estado ocorre o
desvirtuamento da justiccedila Por outro lado agrave violaccedilatildeo da garantia constitucional da
tutela jurisdicional efetiva (Constituiccedilatildeo artigo 5 inciso XXXV) disciplina a lei natildeo
excluiraacute da apreciaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio lesatildeo ou ameaccedila ao direito Assim o
acesso ao Direito natildeo estaraacute concretamente assegurado se o Estado natildeo oferecer a
todo cidadatildeo a possibilidade de receber aconselhamento juriacutedico a respeito dos seus
direitos
Constituiccedilatildeo de 1988 no artigo 5deg inciso LXXIV assegurou a todos
ldquoassistecircncia juriacutedicardquo a englobar assistecircncia judiciaacuteria e assessoramento juriacutedico
extrajudicial Conforme Greco (2009) ldquoeacute preciso que esse direito seja assegurado
na praacutetica Uma vez que na vida moderna o Direito tornou-se excessivamente
complexordquo Ainda no dizer do autor a consciecircncia juriacutedica do homem comum que
deve ser adquirida na famiacutelia e na escola natildeo eacute mais suficiente para a tomada de
decisotildees na vida diaacuteria das pessoas Todas as pessoas mantecircm complexas relaccedilotildees
juriacutedicas com instituiccedilotildees financeiras com fornecedores de bens e de serviccedilos etc
Nessas relaccedilotildees juriacutedicas com frequecircncia os cidadatildeos tecircm de tomar decisotildees
raacutepidas O cidadatildeo que tem meios procura um advogado particular para assessoraacute-
lo Ao pobre o Estado deve assegurar o mesmo direito em plenitude
Sem duacutevida o uacuteltimo pressuposto do acesso ao Direito eacute o acesso agrave Justiccedila
no sentido de acesso a um tribunal estatal imparcial previamente instituiacutedo como
competente para a soluccedilatildeo de qualquer litiacutegio a respeito de interesse que se afirme
juridicamente protegido ou para a praacutetica de qualquer ato que a lei subordine agrave
aprovaccedilatildeo autorizaccedilatildeo ou homologaccedilatildeo judicial
Se o cidadatildeo tem consciecircncia dos seus direitos se o Estado lhe fornece
todas as condiccedilotildees para livremente exercecirc-los mas algum outro cidadatildeo ou algum
oacutergatildeo do proacuteprio Estado impede ou dificulta esse exerciacutecio cabe ao poder puacuteblico
pocircr agrave disposiccedilatildeo do cidadatildeo lesionado ou ameaccedilado a jurisdiccedilatildeo necessaacuteria para
assegurar o pleno acesso a tal direito
Atingimos eacute certo um estaacutegio de desenvolvimento do Direito Humanitaacuterio que
natildeo mais nos permite conformar-nos com uma realidade distante do padratildeo de
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convivecircncia humana que outras naccedilotildees jaacute alcanccedilaram O exerciacutecio pleno de
cidadania seraacute obra de mais de uma geraccedilatildeo Mas se trabalharmos com firmeza
certamente os jovens de hoje poderatildeo legar aos seus descendentes a emancipaccedilatildeo
cidadatilde um paiacutes melhor e uma sociedade mais justa e democraacutetica
33 O municiacutepio como acircmbito de exerciacutecio de cidadania
Historicamente o Municiacutepio enquanto unidade poliacutetico-administrativa surgiu
conforme descreve Berardi (2004) com a Repuacuteblica Romana interessada em
manter a dominaccedilatildeo paciacutefica das cidades conquistadas pela forccedila dos exeacutercitos
Sua origem mais de natureza socioloacutegica do que poliacutetica adveacutem do espiacuterito
associativo do homem e de suas relaccedilotildees de vizinhanccedila
Eacute pois a menor unidade territorial de Federaccedilatildeo cuja criaccedilatildeo reflete a base
da organizaccedilatildeo poliacutetica administrativa da Naccedilatildeo Portanto sua funccedilatildeo administrativa
historicamente vem assentada no princiacutepio do direito natural
O artigo primeiro da Constituiccedilatildeo Federal de 1998 estabelece que o
Municiacutepio ao lado dos Estados e do Distrito Federal formam a Republica Federativa
do Brasil que se constitui em Estado Democraacutetico de Direito O municiacutepio tem assim
um poder relevante para a aplicaccedilatildeo da democracia direta iniciada e fortalecida em
niacutevel local Diversos pensadores chegaram a afirmar que a descentralizaccedilatildeo de
poder resultante da constituiccedilatildeo Cidadatilde era antes de tudo uma conquista dos
Municiacutepios sendo eles os berccedilos da perpetuaccedilatildeo da Repuacuteblica e da Democracia
efetivamente por serem o uacutenico niacutevel de governo possuidores de respaldo e
localizaccedilatildeo fiacutesica ou seja solo municipal
Eacute certo que a Carta Magna de 1988 consolidou significativas inovaccedilotildees para a
vida municipal de forma que o Municiacutepio passou a constituir um dos entes da
federaccedilatildeo tratando-o como unidade dotada de autonomia poliacutetica expressa na
capacidade de poder elaborar a sua Lei Orgacircnica fugindo assim da tutela dos
estados que ateacute entatildeo eram considerados como uacutenicos componentes da federaccedilatildeo
45
A Lei Orgacircnica Municipal traz em seu bojo aleacutem da organizaccedilatildeo
administrativa do Municiacutepio a restauraccedilatildeo do Poder Legislativo municipal definindo
a diversificaccedilatildeo normativa que natildeo existia nas leis organizacionais outorgadas pelo
Estado reflexo do poder constituinte outorgados aos Municiacutepios pela Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 como consequecircncia do efetivo exerciacutecio do conceito de Estado
Democraacutetico de Direito
O Municiacutepio enquanto ente federativo tem atualmente a responsabilidade de
ordenar o seu desenvolvimento social e a garantia do bem estar de seus habitantes
executando poliacuteticas puacuteblicas de accedilotildees a serem empreendidas na consolidaccedilatildeo
democraacutetica do Estado
Fundada no elemento participaccedilatildeo o exerciacutecio de cidadania amplamente
citado encontra sua efetividade no municiacutepio Pois eacute nesse acircmbito de localizaccedilatildeo
que as pessoas mantecircm um contato direto com os poderes instituiacutedos suas
necessidades imediatas e mediatas satildeo objetos da disciplina da Lei que visa o bem
comum base do Estado democraacutetico de Direito
Baseado na maacutexima do municipalista e defensor da descentralizaccedilatildeo poliacutetica
Franco Motoro sabiamente proferiu que ldquoningueacutem vive na Uniatildeo ou no Estado As
pessoas vivem no Municiacutepiordquo Assim a cidadania encontra seu melhor espaccedilo de
realizaccedilatildeo na comunidade onde convive A vida em comunidade gera anseios
comuns sentimentos comuns uma vez que a convivecircncia propicia que as pessoas
se conheccedilam e se reconheccedilam como membros de uma mesma realidade
De acordo com Harvey (1992) ldquoa globalizaccedilatildeo provoca anonimato enquanto
comunidade cultiva solidariedaderdquo o que implica participaccedilatildeo para o exerciacutecio de
cidadania
Tudo o que acontece no mundo seja no meu paiacutes na minha cidade ou no meu bairro acontece comigo Entatildeo eu preciso participar das decisotildees que interferem na minha vida Um cidadatildeo com um sentimento eacutetico forte e consciecircncia da cidadania natildeo deixa passar nada natildeo abre matildeo desse poder de participaccedilatildeo (Herbert de Souza Betinho)
Com esse embasamento natildeo se pode perder de vista que eacute nas relaccedilotildees
diaacuterias de oposiccedilatildeo ou solidariedade que as pessoas exercem cidadania Na relaccedilatildeo
do com o outro com os poderes ao estabelecer com a vida social e puacuteblica uma
46
convivecircncia posto que cidadania eacute tarefa que natildeo termina natildeo eacute um conceito
pronto tatildeo pouco acabado enquanto seres inacabados que somos estaremos
buscando descobrindo criando e tomando consciecircncia mais ampla dos direitos
O desafio eacute construir um novo discurso sobre cidadania atraveacutes de uma
praacutetica poliacutetica sustentada isto eacute realizada em dois niacuteveis
O primeiro niacutevel na base atraveacutes de construccedilatildeo das capacidades e do poder
proacuteprio da populaccedilatildeo o que envolve inevitavelmente uma mudanccedila de atitude na
busca para garantir seus direitos utilizando-se do grau de autonomia local
Essa atitude conceberia agrave democracia participativa como uma poliacutetica paralela
de intervenccedilatildeo social criando e mantendo novos espaccedilos para a tomada de
decisotildees ou seja para o auto-governo pela populaccedilatildeo nas mateacuterias que afetam
diretamente suas vidas
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade
O segundo niacutevel um governo com o povo e natildeo apenas para o povo fundado
nos ditames constitucionais valorizando o sentimento da sociedade no exerciacutecio da
governabilidade de modo que o balizamento das accedilotildees de governo deixaria de estar
no proacuteprio governo e passaria a estabelecer-se a partir do pensar da sociedade Um
governo que se pergunta o que se deve fazer para ouvir com a maior fidelidade
possiacutevel a sociedade suas instituiccedilotildees representativas e o cidadatildeo Pois as
prioridades da gestatildeo deveriam ser definidas pela sociedade e natildeo mais pelo
governo
Portanto nesses termos eacute preciso considerar que as praacuteticas da
administraccedilatildeo puacuteblica sejam democratizadoras e inclusivas inspiradas nos
princiacutepios da legalidade impessoalidade moralidade publicidade e eficiecircncia Esta
uacuteltima buscou estabelecer uma Administraccedilatildeo Puacuteblica mais eficiente no sentido de
que o cidadatildeo como destinataacuterio dos serviccedilos puacuteblicos que o Estado deve prestar
receba-os com maior qualidade e menor custo para o eraacuterio puacuteblico
Para a consecuccedilatildeo desse governar com o povo alguns pontos devem ser
revistos A mudanccedila implica na necessidade de adequaccedilatildeo reorganizaccedilatildeo
47
reformulaccedilatildeo Para isso se faz premente em face dos novos e modernos conceitos
de gestatildeo puacuteblica a superaccedilatildeo do tradicional vezo burocraacutetico que vem convertendo
a Administraccedilatildeo nas palavras Dromi (1995) numa cara ldquomaacutequina de impedirrdquo fiel
ldquocoacutedigo do fracassordquo que dispotildee ldquoartigo primeiro natildeo pode artigo segundo em
caso de duacutevida abstenha-se artigo terceiro se eacute urgente espere artigo quarto
sempre eacute mais prudente natildeo fazer nadardquo numa posiccedilatildeo natildeo burocraacutetica e sim
democraacutetica de considerar que organizaccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica inclui a
praacutetica de ver os cidadatildeos como membros plenos da comunidade poliacutetica tendo
acesso e exercitando direitos as que promovem a organizaccedilatildeo da populaccedilatildeo em
torno de temas de interesse comum as que incluem o controle social sobre a
gestatildeo o debate amplo e informado sobre questotildees de governo e que abrem agrave
populaccedilatildeo as decisotildees sobre estas questotildees Como leciona e Barrientos (2000)
Tratam-se de praacuteticas que natildeo buscam somente melhorar a eficiecircncia administrativa das diferentes organizaccedilotildees puacuteblicas mas que incorporam no seu processo de gestatildeo a dimensatildeo ativa da cidadania isto eacute ldquoque facilitam as iniciativas e responsabilidades de todos os envolvidos[] estabelecendo pontes entre Estado e sociedade civil
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade Acreditamos
que o ponto de partida eacute a atitude aliada agrave solidariedade e ao espiacuterito coletivo Pois
governo e cidadatildeos juntos haveratildeo de cumprir um novo papel no processo de
desenvolvimento como agentes de uma nova cultura
Como afirma Peter Drucke
A parceria comunitaacuteria seraacute um dos verdadeiros setores em crescimento das economias desenvolvidas Surge da necessidade de uma participaccedilatildeo mais direta e efetiva da comunidade nas grandes questotildees da vida social pois natildeo existe ningueacutem melhor que o cidadatildeo para saber o que ele quer para si para sua famiacutelia e para sua comunidade (apud RAMOS 1990)
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O envolvimento efetivo da sociedade nas questotildees sociais natildeo eacute apenas uma
postura moderna Significa antes de tudo uma atitude digna de todos aqueles que
desejam exercer sua cidadania contribuindo para um paiacutes melhor e em especial
para uma sociedade mais justa fraterna e solidaacuteria
Na histoacuteria observa-se a grande coragem das pessoas em construir o
reconhecimento delas proacuteprias e de seus direitos sempre buscando a participaccedilatildeo e
defendendo os Direitos Humanos Sem duacutevida a maior ecircnfase que deve ocorrer
para a construccedilatildeo real da cidadania eacute uma mudanccedila na sociedade O melhor a ser
feito eacute reforccedilar a organizaccedilatildeo democraacutetica buscando novas formas de participaccedilatildeo
social pois cidadania natildeo se resume ao poder de votar ou ser votado mas eacute sempre
na efetiva participaccedilatildeo popular pois somente com isso haacute a verdadeira
conscientizaccedilatildeo e o comprometimento daquele que passa a se sentir cidadatildeo
abandonando-se velhos viacutecios da poliacutetica representativa
Desse modo a participaccedilatildeo do povo no momento das reivindicaccedilotildees das
discussotildees e apreciaccedilotildees de projetos que visem agrave melhoria da comunidade local a
exigecircncia de transparecircncia na administraccedilatildeo da coisa puacuteblica dentre outras eacute quem
daraacute embasamento para as verdadeiras conquistas sociais no Municiacutepio que geram
saudaacuteveis formas de pressatildeo por efetivas poliacuteticas puacuteblicas de inclusatildeo social
gerando o fim do clientelismo poliacutetico tatildeo pejorativo e comum em nossa realidade e
cultura poliacutetica
Somente a participaccedilatildeo social eacute que iraacute causar uma real democratizaccedilatildeo do
poder A afirmaccedilatildeo da cidadania eacute pressuposto para a realizaccedilatildeo dos Direitos
Humanos pois os homens natildeo nascem naturalmente iguais Inclusive para que
ocorra a realizaccedilatildeo dos referidos direitos eacute necessaacuterio tambeacutem que exista um
espaccedilo puacuteblico que seja realmente democraacutetico e acessiacutevel possibilitando a
participaccedilatildeo de todos e esse espaccedilo eacute certamente o municiacutepio
Na praacutetica um forte instrumento de cidadania para atender as necessidades
coletivas eacute o orccedilamento participativo previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal que
determina expressamente a realizaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas e a participaccedilatildeo
popular nos processos de elaboraccedilatildeo e conduccedilatildeo dos orccedilamentos como forma de
incentivo agrave preparaccedilatildeo e execuccedilatildeo de planejamentos que envolvam diretamente o
povo A Lei veio incentivar a sua propagaccedilatildeo para todos os entes federativos tendo
em conta que se trata de uma tendecircncia mundial por legitimar as escolhas e
fortalecer o princiacutepio da transparecircncia
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Os meios de acesso do cidadatildeo junto aos Poderes Puacuteblicos eacute uma realidade
no Estado Democraacutetico de Direito brasileiro a exemplo das sessotildees do Poder
Legislativo que satildeo puacuteblicas ficando abertas a todos que delas quiserem participar
Emite-se uma pauta antes do comeccedilo da sessatildeo com a preacutevia dos debates Em
niacutevel municipal verifica-se um acompanhamento mais incisivo sobre as sessotildees das
Cacircmaras de Vereadores como forma de pressatildeo para aprovaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees
da comunidade avaliaccedilatildeo do desempenho e aceitaccedilatildeo de propostas orccedilamentaacuterias
e atuaccedilatildeo dos poliacuteticos bem como entendimento das funccedilotildees do Poder Legislativo
A Constituiccedilatildeo Federal assegura desde 1988 a possibilidade de se oferecer
peticcedilatildeo agraves Mesas Legislativas como forma de pedir informaccedilotildees sobre andamento
de projetos ou relatoacuterios encaminhados aos chefes do Poder Executivo Em niacutevel
municipal pode ser utilizada a Tribuna Livre como instrumento para denuacutencias de
problemas ou discussatildeo de um tema ou mesmo para apresentar sugestotildees sendo
regulado pela Lei Orgacircnica Municipal e pelo Regimento Interno da Cacircmara
A convocaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas tambeacutem possui previsatildeo constitucional
no art 58 sect 20 inciso II em niacutevel federal As comissotildees podem em razatildeo da
mateacuteria de sua competecircncia realizar audiecircncias puacuteblicas com entidades da
sociedade civil E nada obsta que estejam previstas formas de articulaccedilatildeo da
sociedade civil com os Presidentes das Comissotildees da Cacircmara no seu Regimento
Interno em acircmbito municipal
Os dispositivos da Constituiccedilatildeo Federal que dispotildeem sobre a forma de
participaccedilatildeo direta do cidadatildeo e da sociedade civil no processo democraacutetico natildeo se
pode negar que trouxe novas perspectivas De modo geral podemos citar
Art 29 A lei orgacircnica dos Municiacutepios tem que observar entre os seus
preceitos ldquocooperaccedilatildeo das associaccedilotildees representativas no planejamento municipalrdquo
Art 31 As contas dos municiacutepios ficaratildeo durante 60 (sessenta) dias
anualmente a disposiccedilatildeo de qualquer contribuinte para exame e apreciaccedilatildeo o qual
poderaacute questionar-lhes a legitimidade nos termos da lei
Art37 sect 3ordm (EC-1998) A lei disciplinaraacute as formas de participaccedilatildeo do usuaacuterio
na administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta regulando especialmente
I- as reclamaccedilotildees relativas a prestaccedilatildeo dos serviccedilos puacuteblicos em geral asseguradas
a manutenccedilatildeo de serviccedilo de atendimento ao usuaacuterio e a avaliaccedilatildeo perioacutedica externa
e interna da qualidade dos serviccedilos
50
II- o acesso dos usuaacuterios a registros administrativos e a informaccedilatildeo sobre atos de
governo observado o disposto no art 5ordm X e XXXIII
III- a disciplina da representaccedilatildeo conta o exerciacutecio negligente ou abusivo de cargo
emprego ou funccedilatildeo na administraccedilatildeo puacuteblica
Art 74 sect 2ordm Qualquer cidadatildeo partido poliacutetico associaccedilatildeo ou sindicato eacute
parte legiacutetima para na forma de lei denunciar irregularidades ou ilegalidades perante
o Tribunal de Contas da Uniatildeo
Art194 paraacutegrafo uacutenico Compete ao Poder Puacuteblico nos termos da lei
organizar a seguridade social com base nos seguintes objetivos ()
VII ndash caraacuteter democraacutetivo descentralizado na administraccedilatildeo mediante gestatildeo
quadripartite com participaccedilatildeo dos trabalhadores dos empregados e dos
aposentados e do Governo nos oacutergatildeos colegiados nos oacutergatildeos colegiados
Art 198 As accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede integram uma rede
regionalizada e hierarquizada o constituem um sistema uacutenico organizado de acordo
com as seguintes diretrizes
III ndash participaccedilatildeo da comunidade
Art 202 sect 6ordm A lei complementa a que se refere o sect 4ordm deste artigo
estabeleceraacute os requisitos para a designaccedilatildeo dos membros das diretorias das
entidades fechadas de previdecircncia privada e disciplinaraacute a inserccedilatildeo dos
participantes nos colegiados e instacircncias de decisatildeo em que seus interesses sejam
objeto de discussatildeo e deliberaccedilatildeo
Art 204 As accedilotildees governamentais na aacuterea de assistecircncia social seratildeo
organizadas com base nas seguintes diretrizes
II ndash Participaccedilatildeo da populaccedilatildeo por meio de organizaccedilotildees representativas na
formulaccedilatildeo das poliacuteticas e no controle das accedilotildees em todos os niacuteveis
O protagonista na concretizaccedilatildeo dos direitos humanos e na ampliaccedilatildeo da cidadania eacute um sujeito coletivo de um trabalho sempre inacabado eis que se tratam de tarefas e conquistas cotidianas e gradativas obras que soacute podem ser realizada a muitas matildeos no partilhar e compartilhar da vida (COSTA NETO 2010)
A ampliaccedilatildeo da cidadania requer a consciecircncia de que os direitos pressupotildeem
deveres de maneira que os direitos de um indiviacuteduo satildeo garantidos a partir do
cumprimento dos deveres dos demais componentes da sociedade
51
34 A necessaacuteria superaccedilatildeo de velhos paradigmas
Como se sabe em 1988 foi aprovada a Constituiccedilatildeo mais liberal e
democraacutetica do Brasil chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo Assim ampliou-se de
forma significativa o campo dos direitos e garantias fundamentais No que diz
respeito a tal mateacuteria eacute considerada como uma das mais avanccediladas do mundo No
seu preacircmbulo adota o modelo de um Estado democraacutetico de Direito destinado a
garantir o exerciacutecio dos direitos sociais e individuais a liberdade a seguranccedila o
bem-estar o desenvolvimento a igualdade e a justiccedila eleitos como valores
supremos de uma sociedade fraterna pluralista e sem preconceitos
Para a construccedilatildeo democraacutetica da cidadania no Brasil contemporacircneo
salienta-se de ela deve passar de uma democracia representativa para uma
cidadania que efetivamente molde a democracia ou seja uma cidadania instituinte
da democracia
No acircmbito constitucional positivo cidadania pressupotildee o exerciacutecio de todos
os direitos fundamentais e garantias que caracterizam o Estado democraacutetico de
Direito Quando se fala em cidadania eacute no sentido de reafirmar o direito pela plena
realizaccedilatildeo do indiviacuteduo do cidadatildeo dos entes coletivos e de sua emancipaccedilatildeo nos
espaccedilos da sociedade Estatildeo sempre intimamente ligados os conceitos de
cidadania democracia e direitos humanos sendo que um remete ao outro e seus
conteuacutedos se interligam ou seja a cidadania natildeo iraacute ocorrer sem que ocorra a
realizaccedilatildeo dos Direitos Humanos da mesma forma que os direitos humanos natildeo
seratildeo concretizados se natildeo houver o exerciacutecio da cidadania
Na evoluccedilatildeo histoacuterica tais categorias se desenvolveram de forma conjunta
com o Estado Representam noccedilotildees desejaacuteveis de relaccedilotildees humanas que se espera
sejam instituiacutedas Satildeo os elementos basilares na nova ordem social e que a
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 pretendeu edificar Poreacutem a democracia poliacutetica natildeo
resolveu os problemas econocircmicos mais seacuterios como a desigualdade e o
desemprego Continuam muito seacuterios os problemas da aacuterea social principalmente
na educaccedilatildeo nos serviccedilos de sauacutede e saneamento como tambeacutem e
principalmente quanto agrave seguranccedila puacuteblica
52
A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 em seu artigo 6ordm e em outros artigos no texto
constitucional ampliou e muito os Direitos Sociais proibiu discriminaccedilotildees Assim
indicadores baacutesicos de qualidade de vida apontam que houve uma melhoria A
mortalidade infantil por exemplo caiu de maneira significativa nos uacuteltimos anos A
esperanccedila de vida ao nascer passou de 60 anos em 1980 para 70 em 2000 Poreacutem
o maior progresso foi na aacuterea da educaccedilatildeo fundamental que eacute considerado fator
decisivo para a cidadania pois a taxa de analfabetismo caiu consideravelmente
entretanto existem muitos problemas no campo educacional como a repetecircncia e
com relaccedilatildeo a desigualdade social entre as regiotildees
A grande concentraccedilatildeo da riqueza nacional nas matildeos de poucos reflete a
desigualdade e causa a pobreza e a miseacuteria ao passo que dificulta o acesso do
cidadatildeo agrave justiccedila e consequentemente ao seu estado de cidadania pleno
Dentre os fundamentos no qual se baseiam o Estado democraacutetico de Direito
no Brasil destaca-se justamente a cidadania e a dignidade humana conforme artigo
1ordm incisos II e III da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Entatildeo construir uma sociedade
livre justa e solidaacuteria garantir o desenvolvimento nacional erradicar a pobreza e a
marginalizaccedilatildeo reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de
todos sem preconceitos de origem raccedila sexo cor idade ou quaisquer outras
formas de discriminaccedilatildeo satildeo os objetivos fundamentais do Estado Brasileiro
conforme art 3ordm da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
O cenaacuterio de globalizaccedilatildeo econocircmica mundial tambeacutem traacutes seacuterios obstaacuteculos
para a construccedilatildeo da cidadania A globalizaccedilatildeo da economia em ritmo acelerado
provoca grandes mudanccedilas nas relaccedilotildees entre Estado sociedade e naccedilatildeo que
eram sempre o centro da noccedilatildeo e da praacutetica da cidadania ocidental O foco das
mudanccedilas e das preocupaccedilotildees estaacute em dois focos especiacuteficos a reduccedilatildeo do papel
central do Estado como fonte de direitos e local para a participaccedilatildeo e o
deslocamento da naccedilatildeo como principal fonte de identidade coletiva
Para que ocorra efetiva mudanccedila a melhor proposta eacute no sentido de
mudanccedila na organizaccedilatildeo da sociedade pois a inversatildeo da sequecircncia dos direitos
fez com que ocorra o reforccedilo da supremacia do Estado Para que ocorra a
consolidaccedilatildeo democraacutetica e cidadatilde eacute necessaacuterio reforccedilar a organizaccedilatildeo da
sociedade para assim dar embasamento social ao poder poliacutetico ou seja
finalmente democratizar o poder e estabelecer de forma plena a Cidadania
53
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A Constituiccedilatildeo que nasce com ldquocheiro de amanhatilde e natildeo de mofordquo nas
palavras do Deputado Ulisses Guimaratildees tem em seu relevo a esperanccedila de um
povo que sonhava com a erradicaccedilatildeo da repressatildeo militar e natildeo soacute isso um povo
que sonhava com a liberdade em suas diversas manifestaccedilotildees em suas mais
significativas formas de representaccedilatildeo e sobretudo com um paiacutes voltado para a
democracia e justiccedila social
Ao povo brasileiro foi concedido o poder de governar e nesse contexto de
mudanccedila a ldquodemocracia eacute o governo do povo pelo povo e para o povordquo na
conceituaccedilatildeo ceacutelebre de Abraham Lincoln E consoante estabelece o paraacutegrafo
uacutenico do art 1ordm da Carta cidadatilde de 1988 ldquotodo poder emana do povo que o exerce
por meio de representantes eleitos ou diretamenterdquo
No entanto natildeo basta que a fonte de poder seja o povo a democracia vem
significar a efetiva participaccedilatildeo do povo nas decisotildees e destino do Estado e sua
consolidaccedilatildeo eacute a proacutepria cidadania pois eacute o cidadatildeo que pensa e se auto define
diante da condiccedilatildeo soacutecio-histoacuterica O cidadatildeo tem portanto o poder de transformar
a realidade social segundo seu pensamento e accedilatildeo
Natildeo se pode negar que a Carta de 1988 foi a que apresentou maior
legitimidade popular que abriu caminhos apontando um novo tempo
Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita Se fosse perfeita seria irreformaacutevel Ela proacutepria com humildade e realismo admite ser emendada ateacute por maioria mais acessiacutevel dentro de cinco anos Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita mas seraacute uacutetil e pioneira e desbravadora Seraacute luz ainda que de lamparina na noite dos desgraccedilados Eacute caminhando que se abrem os caminhos Ela vai caminhar e abri-los Seraacute redentor o que penetrar nos bolsotildees sujos escuros e ignorados da miseacuteria (Ulysses Guimaratildees)
Mesmo natildeo sendo a constituiccedilatildeo perfeita sem duacutevida foi a que trouxe
esperanccedila ao povo brasileiro com a sua promulgaccedilatildeo surgiram o ldquohaacutebeas datardquo o
mandado de injunccedilatildeo e o mandado de seguranccedila coletivo - todos remeacutedios judiciais
de iacutendoles constitucionais serviacuteveis para prevenir e combater diversas tentativas de
abuso contra a pessoa humana Outrossim o objeto da accedilatildeo popular foi ampliado
Atualmente qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima para propor a mencionada accedilatildeo
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popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de entidade de que o
Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e ao patrimocircnio
histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de custas
judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia Nesse rol de forma decisiva houve a
ampliaccedilatildeo tambeacutem dos direitos sociais
Assim a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconhece e assegura uma seacuterie de
escudos protetivos aos cidadatildeos Em sua essecircncia os direitos fundamentais
ganham forma De modo que podemos assegurar que hoje o nosso Estado eacute uma
organizaccedilatildeo centrada no ser humano visto que tem a dignidade da pessoa humana
como um fundamento da Repuacuteblica Federativa do Brasil
Apesar das inuacutemeras dificuldades o Estado Democraacutetico de Direito fundado
na cidadania constituiu para o povo uma nova identidade ndash o que em outras eacutepocas
natildeo existia
A Constituiccedilatildeo circunscreve toda a organizaccedilatildeo poliacutetica estatal no intuito
maior de criar no consciente coletivo a vontade livre e determinada de desenvolver
padrotildees de condutas destinados a elevar e promover a auto-estima de toda a
comunidade paacutetria
Foi nesse sentido que estatui em seu artigo 1ordm a cidadania como fundamento
do Estado Democraacutetico de Direito ampliando e enriquecendo o tal conceito Cada
eacutepoca produziu praacuteticas e reflexotildees muito distintas sobre o tema cidadania A
definiccedilatildeo de cidadania que vem sofrendo alteraccedilotildees ao longo do tempo obedecendo
a um processo histoacuterico de conquistas sociais eacute compreendida atualmente como
um processo de participaccedilatildeo do indiviacuteduo ou de um grupo organizado nas mais
variadas aacutereas de atuaccedilatildeo da sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos
e sociais
A cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia disso natildeo haacute duvidas e se
efetiva como mudanccedilas na realidade de cada um com melhoria de vida e
conscientizaccedilatildeo da importacircncia do cidadatildeo dado que eacute um processo em
permanente construccedilatildeo Natildeo haacute como defender uma qualidade de vida sem a
preservaccedilatildeo da cidadania em todos os seus acircmbitos Nesse sentido a efetiva
proteccedilatildeo desse aspecto basilar torna-se essencial no que tange uma assistecircncia
juriacutedica completa
No contraponto do direito estatildeo os deveres que encontramos sua realizaccedilatildeo
tambeacutem na participaccedilatildeo observando que o cidadatildeo eacute responsaacutevel pelo advir de
55
suas accedilotildees A participaccedilatildeo reflete um caraacuteter de natildeo comodismo de atenccedilatildeo agravequilo
que eacute particular e coletivo tendo como finalidade preciacutepua o bem comum
Construir cidadania hoje eacute imperativo para a sociedade pois dessa
construccedilatildeo depende o amanhatilde Estamos diante da Constituiccedilatildeo que se propotildee a
resguardar o amanhatilde sem perder de vista que ele comeccedila hoje agora e nisso a
Carta Poliacutetica traacutes consigo a certeza do despertar dessa consciecircncia a consciecircncia
cidadatilde Ela eacute a semente plantada em terra feacutertil que gera frutos diariamente e se
renova a cada estaccedilatildeo na dinacircmica da vida Talvez tenha sido esse o cheiro de
frutas alcanccedilado pelo constituinte ao anunciar que a carta tem ldquocheiro do amanhatilderdquo
A responsabilidade pelo exerciacutecio desses direitos belissimamente elencados
depende de todos e de cada um pois somos o terreno feacutertil que produziraacute o fruto de
uma sociedade fraterna
Eacute comum na praacutetica apenas responsabilizarmos o Estado em sentido lato pelo
natildeo exerciacutecio dos direitos do cidadatildeo Vale lembrar nesse contexto das palavras de
J Kennedy o qual disse ldquonatildeo pergunte o que o Estado pode fazer por vocecirc mas o
que vocecirc pode fazer pelo Estadordquo haacute nessa frase um forte traccedilo de cidadania pois
quando o cidadatildeo reivindica critica opina o que ele daacute em contrapartida ao paiacutes eacute
solidificado visto que eacute nas relaccedilotildees familiares em comunidade que se estabelece e
se fortalece os viacutenculos de solidariedade de uma sociedade que perpetua valores
condutas que as leis reguladoras natildeo conseguem por si soacute estabelecer
A concretizaccedilatildeo do ideal de uma qualidade de vida merecida a todos os seres
humanos sem restriccedilotildees requer entretanto um esforccedilo coletivo Dessa forma haacute
necessidade de suprir as muitas carecircncias advindas das desigualdades sociais e de
condiccedilotildees do descaso do poder puacuteblico e da proacutepria conceituaccedilatildeo antiga de
cidadania que ainda eacute concebida por muitos no presente
Em suma nosso trabalho procurou traccedilar a evoluccedilatildeo da cidadania e ao
mesmo tempo buscou traccedilar uma melhor caracterizaccedilatildeo do cidadatildeo agrave luz da nossa
Constituiccedilatildeo que eacute por fim a essecircncia da Magna Carta O alcance da cidadania
enquanto mecanismo de acesso a direitos foi colocado no acircmbito da pessoa
enquanto titular de direitos e num paralelo defendemos que o municiacutepio eacute o espaccedilo
de atuaccedilatildeo e exerciacutecio de cidadania dada a proximidade do cidadatildeo com as
instituiccedilotildees oacutergatildeos entidades e tudo o mais que o cerca na esfera de vivecircncia Eacute na
praccedila que discute a poliacutetica local e nacional que se indigna com as dificuldades e as
56
barreiras de acesso aos seus direitos Eacute no municiacutepio que se inicia todo um vieacutes de
desdobramento para garantir direitos
Por fim natildeo obstante resta dizer sobre o tema que os caminhos e
paradigmas que se intentou percorrer sobre cidadania como mecanismo
transformador da sociedade tem ingrediente ainda a se descortinar para o
propoacutesito valioso do bem comum Pois bem a ideia de bem comum tem como
fundamento o amor maacutexima que se estabelece por meio da democracia visto que
ldquoa demofilia o demoiacutesmo o amor do povo acima de tudo como princiacutepio ativo de
toda a sua vida poliacutetica inspirador duma sempre crescente autonomia imanente eacute
que constitui a verdadeira essecircncia da democraciardquo nas palavras de Melgareacute
(2005)
Dessa forma eacute no nuacutecleo da democracia que estaacute inscrito como pedra
angular o respeito e o amor pela pessoa humana Eacute pois um tema de larga
abrangecircncia poreacutem sem querer abreviar o caminho sua efetiva possibilidade de
realizaccedilatildeo se encontra no exerciacutecio da cidadania sem repuacutedios parciais ou exclusatildeo
de qualquer ordem na plenitude de uma cidadania para todos
57
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Federativa e servem como regra-matriz para a elaboraccedilatildeo interpretaccedilatildeo e
integraccedilatildeo do sistema juriacutedico nacional
Violar um princiacutepio eacute muito grave que transgredir uma norma qualquer A desatenccedilatildeo ao principio implica ofensa natildeo apenas a um especifico mandamento obrigatoacuterio mas a todo o sistema de comandos Eacute a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade representa insurgecircncia contra todo o sistema subversatildeo de valores fundamentais (MELLO apud CHIMENTI 2005 P 33)
Para Silva (2004) cidadania eacute discriminada como princiacutepio relativo ao regime
poliacutetico Dessa forma compreendida cidadania como princiacutepio fundamental eacute o
direito de participar dos destinos do Estado e mais usufruir dos direitos civis
fundamentais previstos na Constituiccedilatildeo
Muitos doutrinadores utilizam cidadania no mesmo sentido de nacionalidade
(Art 12 da Constituiccedilatildeo Federal) e de direitos poliacuteticos (Art 14) Em alguns outros
dispositivos a palavra cidadania (ou cidadatildeo) poderia ainda ter a significaccedilatildeo de
direitos poliacuteticos mas mesmo assim de forma impliacutecita a exemplo dos arts 22 XIII
e 5ordm LXXIII No primeiro se lecirc que compete agrave Uniatildeo legislar sobre nacionalidade
cidadania e naturalizaccedilatildeo e no segundo que qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima
para propor accedilatildeo popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de
entidade de que o Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e
ao patrimocircnio histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de
custas judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia No entanto conforme Mazzuoli (2002)
Observe-se que a Carta de 1988 ao tratar no seu art 14 dos direitos poliacuteticos natildeo se refere sequer em um momento agrave expressatildeo cidadania dizendo apenas que a soberania popular seraacute exercida pelo sufraacutegio universal e pelo voto direito e secreto com valor igual para todos (hellip) Pelo contraacuterio a Constituiccedilatildeo faz uma separaccedilatildeo entre cidadania e direitos poliacuteticos quando no seu art 68 sect 1ordm II ao tratar das leis delegadas exclui do acircmbito da delegaccedilatildeo legislativa a nacionalidade cidadania direitos individuais poliacuteticos e eleitorais
A Constituiccedilatildeo brasileira de 1988 com a transiccedilatildeo para o regime democraacutetico
consagrou expressamente esta nova concepccedilatildeo de cidadania como se depreende
da leitura de vaacuterios dos seus dispositivos
Foi nesse sentido que pioneiramente estatuiu a Carta de 1988 em seu art
1ordm que a Repuacuteblica Federativa do Brasil formada pela uniatildeo indissoluacutevel dos
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Estados e Municiacutepios e do Distrito Federal constitui-se em Estado Democraacutetico de
Direito e tem como fundamentos dentre outros a cidadania (inc II) Como jaacute
mencionado
Na mesma esteira o disposto no art 5ordm incisos LXXI (conceder-se-aacute
mandado de injunccedilatildeo sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviaacutevel o
exerciacutecio dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes agrave
nacionalidade agrave soberania e agrave cidadania) e LXXVII (satildeo gratuitas as accedilotildees de
habeas-corpus e habeas-data e na forma da lei os atos necessaacuterios ao exerciacutecio
da cidadania) No seu Tiacutetulo VIII Capiacutetulo II Seccedilatildeo I a Carta Magna de 1988
dispotildee ainda que a
Educaccedilatildeo direito de todos e dever do Estado e da famiacutelia seraacute promovida e incentivada com a colaboraccedilatildeo da sociedade visando ao pleno desenvolvimento da pessoa seu preparo para o exerciacutecio da cidadania e sua qualificaccedilatildeo para o trabalho (art 205)
Outro dispositivo em que fica bastante marcada esta nova concepccedilatildeo de
cidadania eacute o art 64 do Ato das Disposiccedilotildees Constitucionais Transitoacuterias que
dispotildee
A Imprensa Nacional e demais graacuteficas da Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios da administraccedilatildeo direta ou indireta inclusive fundaccedilotildees instituiacutedas e mantidas pelo Poder Puacuteblico promoveratildeo ediccedilatildeo popular do texto integral da Constituiccedilatildeo que seraacute posta agrave disposiccedilatildeo das escolas e dos cartoacuterios dos sindicatos dos quarteacuteis das igrejas e de outras instituiccedilotildees representativas da comunidade gratuitamente de modo que cada cidadatildeo brasileiro possa receber do Estado um exemplar da Constituiccedilatildeo do Brasil
Enfim a Constituiccedilatildeo de 1988 enriqueceu e ampliou os conceitos de cidadatildeo
e cidadania Seu entendimento agora como leciona Silva (2005)
Decorre da ideia de Constituiccedilatildeo dirigente que natildeo eacute apenas um repositoacuterio de programas vagos a serem cumpridos mas constitui um sistema de previsatildeo de direitos sociais mais ou menos eficazes em torno dos quais eacute que se vem construindo a nova ideacuteia de cidadania
De forma que natildeo mais se trata de considerar a cidadania como simples
qualidade de gozar direitos poliacuteticos mas sim de aferir-lhe um nuacutecleo miacutenimo e
irredutiacutevel de direitos (fundamentais) que devem se impor obrigatoriamente agrave accedilatildeo
dos poderes puacuteblicos
34
O ordenamento juriacutedico brasileiro consagrou aleacutem dos institutos jaacute
mencionados alguns outros mecanismos de defesa dos direitos e garantias
constitucionais da cidadania como a accedilatildeo civil puacuteblica regulada pela Lei nordm
734785 e accedilatildeo direta de inconstitucionalidade prevista no incIV do art 129 da
Constituiccedilatildeo Federal O Coacutedigo de Defesa do Consumidor o Estatuto da Crianccedila e
do Adolescente e ateacute mesmo o princiacutepio do devido processo legal que resguarda ao
cidadatildeo o acesso agrave justiccedila e direito de ser acionado judicialmente por meio de
procedimentos legais satildeo mecanismos de defesa dos direitos de cidadania
previstos constitucionalmente e garantidos na esfera poliacutetica civil e social
Pode-se observar que a cidadania comeccedilou a ser construiacuteda como resultado
de um processo de luta a partir da conscientizaccedilatildeo dos direitos e deveres do
homem Como vimos a cidadania jaacute em praacutetica em muitos paiacuteses adquire no
Brasil com a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 um novo sentido qual seja o
pressuposto do exerciacutecio pleno de um sistema de direitos e garantias
35
CAPIacuteTULO 3 - CIDADANIA COMO MECANISMO DE
TRANSFORMACcedilAtildeO SOCIAL
No momento em que a cidadania alccedila voos constitucionais e insere-se na
Carta Poliacutetica da Repuacuteblica Federativa do Brasil inicia-se o processo de
redemocratizaccedilatildeo e ganha relevo o cidadatildeo agente deste processo que tem em
suas matildeos a tarefa da construccedilatildeo de um novo tempo
Historicamente a ideia de cidadatildeo conotava o habitante da cidade ndash o
citadino ndash firma-se entatildeo tal conotaccedilatildeo na Antiguumlidade claacutessica para depois
significar aquele indiviacuteduo a quem se atribuem os direitos poliacuteticos Superada essa
acepccedilatildeo que tambeacutem vigorou nas constituiccedilotildees anteriores da Repuacuteblica do Brasil
na concepccedilatildeo moderna estaacute clara a noccedilatildeo de cidadatildeo como aquele que a quem
consiste a titularidade de direitos individuais poliacuteticos e sociais Noccedilatildeo esta
edificada com a internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos que amplia a acepccedilatildeo do
termo declarando que satildeo cidadatildeos todo aquele que habita o acircmbito da soberania
de um Estado e deste Estado recebem uma carga de direitos e tambeacutem deveres dos
mais variados
Desta forma a noccedilatildeo contemporacircnea de cidadania funda-se na dicotomia
direitos (exerciacutecios de direitos fundamentais - participaccedilatildeo) e deveres (colaboraccedilatildeo -
solidariedade) Ao lado dos direitos foram estabelecidos deveres fundamentais e
portanto tanto agentes puacuteblicos como os indiviacuteduos tecircm obrigaccedilotildees especiacuteficas
inclusive a de respeitar os direitos das demais pessoas que vivem na ordem social
sendo e promovendo mecanismos de transformaccedilatildeo social que visam uma nova
sociedade baseada na igualdade e na justiccedila
36
31 O ser cidadatildeo
Os termos indiviacuteduo ser humano pessoa e cidadatildeo satildeo geralmente tomados
como sinocircnimo o que certamente influi na proliferaccedilatildeo de incontaacuteveis significados e
ampliaccedilatildeo do termo cidadatildeo Poreacutem estas palavras apesar de se assemelharem
possuem carga semacircntica proacutepria e da compreensatildeo exata de cada uma decorre a
conceituaccedilatildeo mais acentuada da acepccedilatildeo do termo cidadatildeo como titular de direitos
e deveres resguardados pela constituiccedilatildeo paacutetria
Desta forma indiviacuteduo eacute um representante da espeacutecie aquele que eacute uacutenico
Enquanto ser humano eacute um termo mais geneacuterico ou indeterminado que diz respeito
agrave espeacutecie agrave classificaccedilatildeo ao mundo zooloacutegico Pessoa por sua vez eacute um termo
mais especiacutefico que tem a ver com o mundo civilizado ou se preferirmos com a
constelaccedilatildeo dos valores morais eacuteticos e juriacutedicos proacuteprios da civilizaccedilatildeo
A etimologia da palavra pessoa demonstra que eacute um conceito sobreposto ao conceito de Ser Humano Um refratildeo de origem juriacutedica tambeacutem nos lembra do homo plures pessoa polimorfa o ser humano capaz de desempenhar muitos papeacuteis um mesmo ser humano eacute empresaacuterio e delinquumlente eacute pai e metaluacutergico etc Persona (personagem) era a maacutescara que usavam os atores da trageacutedia grega para desempenhar seu papel Cabe portanto entender o conceito de Ser Humano ao lado do conceito de Pessoa No direito romano antigo os escravos eram seres humanos (homens) mas natildeo eram consideradas pessoas (patriacutecios) Os juristas romanos que usavam o conceito de Ser Humano o dissociavam do conceito de pessoas (CUNHA 2007)
O Ser Humano recebe uma distinccedilatildeo importante quando o consideramos
como Pessoa assim como a Pessoa recebe uma distinccedilatildeo redundante natildeo menos
importante quando a consideramos por forccedila de expressatildeo como uma pessoa
humana Subentendendo o adjetivo humano como relativo agrave eacutetica Portanto Ser
Humano natildeo eacute a mesma coisa que Pessoa como tampouco Ser Humano eacute o
mesmo que cidadatildeo este muito eacute mais proacuteximo do termo Pessoa Vejamos o quadro
ilustrativo que esquematiza e distinguem os referidos conceitos
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QUADRO 1 ndash EVOLUCcedilAtildeO DO SER HUMANO ATEacute O CIDADAtildeO
O Ser Humano O Ser Indiviacuteduo O Ser Pessoa O Ser Cidadatildeo
A Dimensatildeo do conviacutevio social
A dimensatildeo do mercado de trabalho e
Consumo
A Dimensatildeo de encontrar-se no mundo
A dimensatildeo de intervir na realidade
O homem tornar-se Ser Humano nas relaccedilotildees
de conviacutevio social
O Ser Humano tornar-se indiviacuteduo quando
descobre seu papel e funccedilatildeo social
O Indiviacuteduo torna-se pessoa quanto toma
consciecircncia de si mesmo do outro e do
mundo
A pessoa torna-se cidadatildeo quando
interveacutem na realidade em que vive
Quem estuda o comportamento do Ser
Humano Seria a antropologia a histoacuteria
ou a sociologia
Quem estuda o comportamento do indiviacuteduo Seria a
Filosofia a sociologia ou a Psicologia
Quem estuda o comportamento da pessoa Seria a
Filosofia a sociologia ou a Psicologia
Quem estuda o comportamento do cidadatildeo Seria a
Sociologia a Filosofia ou As ciecircncias
poliacuteticas
Quem garante os direitos do Ser
Humano A Declaraccedilatildeo Universal
dos Direitos Humanos
Quem garante os Direitos do
Consumidor O Coacutedigo do Consumidor
Quem garante os Direitos da pessoa A proacutepria pessoa (amor proacuteprio ou autoestima)
Quem garante os Direitos do cidadatildeo (A Constituiccedilatildeo e suas leis
regulamentares)
Existe realmente uma natureza humana Teologicamente
afirmamos que existe a uma natureza humana
Seguindo a corrente existencialista (JP Sartre) negamos tal
natureza
Que diferenccedila existe entre o direito do
consumidor e o direito do cidadatildeo Ao
Consumidor deve ser dado o direito de
propriedade enquanto ao cidadatildeo deve ser
dado o direito de acesso
O que significa tornar-se pessoa no niacutevel
psicoloacutegico e social A pessoa eacute o indiviacuteduo que toma consciecircncia de si mesmo (ldquoTornar-
se Pessoardquo de Karl Roger)
Como podemos intervir na realidade
modificando as estruturas corruptas e injustas Quando os
direitos do cidadatildeo lhe satildeo oferecidos e o
mesmo passa a exercecirc-lo haacute
modificaccedilatildeo de comportamento
(ROSAS 2009)
O cidadatildeo eacute portanto aquele indiviacuteduo a quem a Constituiccedilatildeo confere direitos
e garantias e lhe daacute o poder do seu efetivo exerciacutecio aleacutem de meios processuais
eficientes contra a violaccedilatildeo de seu gozo ou fruiccedilatildeo por parte do poder puacuteblico
Sendo assim
A passagem do indiviacuteduo a cidadatildeo caracteriza-se pelo reconhecimento pela lei de direitos considerados fundamentais agrave realizaccedilatildeo da vida do homem como indiviacuteduo e ser social membro de uma comunidade poliacutetica e a garantia desses direitos pela forccedila comum de todos (CUNHA 2007)
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Nas uacuteltimas deacutecadas em alguns paiacuteses inclusive no Brasil desenvolveu-se o
conceito de cidadania calcado principalmente na questatildeo do cidadatildeo-consumidor
As pessoas passam a ser vistas como cidadatildes desde que tenham dinheiro para
adquirir mercadorias e utilizar serviccedilos Eacute certo pois que serviccedilos e mercadorias
atendem a necessidades materiais e simboacutelicas das pessoas e consumi-los eacute um
dos modos de participar da vida social criar identidade e partilhar dos bens
produzidos pela humanidade e representar-se culturalmente Contudo a cidadania
enfatizada apenas como uma relaccedilatildeo de compra e venda de mercadorias e serviccedilos
assume um conteuacutedo restrito individual conformista e voltado apenas para a
aquisiccedilatildeo de bens o que se relaciona com a ideacuteia de indiviacuteduo ou seja o consumo
atende as necessidades do indiviacuteduo
Outra forma de confusatildeo acerca do conceito de cidadatildeocidadania refere-se a
equiparaccedilatildeo feita com o assistencialismo o que configura uma acentuada inversatildeo
do termo uma vez que a praacutetica do assistencialismo natildeo propicia meios de
superaccedilatildeo das desigualdades sociais Enquanto a cidadania estaacute relacionada agrave
superaccedilatildeo das desigualdades sociais e a extensatildeo da garantia dos direitos de todos
O cidadatildeo eacute sem duacutevida uma expressatildeo que precisa ser adequadamente
utilizada e vivenciada pela coletividade compreendido na dimensatildeo do ser pessoa
de ter direitos e deveres do assumir as suas liberdades e responsabilidades no seio
de uma comunidade democraacutetica equitativa solidaacuteria e intercultural
Dessa forma ser cidadatildeo implica saber viver em sociedade estando ciente
dos anseios comuns A participaccedilatildeo ativa nas decisotildees de sua comunidade
influencia modos de vida de maneira positiva ao seu redor assim torna-se
imprescindiacutevel o exerciacutecio dos direitos constitucionais adquiridos e lutar pelos que
viratildeo eacute sobretudo estar consciente de todas as atitudes tomadas em prol da
sociedade
Eacute possiacutevel nesse espaccedilo de discussatildeo falar em ldquoestar cidadatildeordquo que eacute natildeo
praticar o exerciacutecio da cidadania em nenhuma de suas formas Implica apenas em
se deixar levar pelos acontecimentos e ainda reclamar das situaccedilotildees vividas sem
nada fazer para mudar sem nenhuma perspectiva de futuro Do que concluiacutemos que
a dinacircmica de intervir na realidade eacute pressuposto de cidadania
Ser cidadatildeo eacute tarefa que requer muito do ser humano do individuo da
pessoa Requer uma alta - estima elevada uma consciecircncia solidaacuteria uma
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identidade que se reconheccedila na dinacircmica social interagindo com o outro ampliando
debates incitando justiccedila eacute sem duvida uma tomada de posiccedilatildeo que natildeo se
acomoda pelo contraacuterio se incomoda quando natildeo haacute comprometimento para o bem
comum
Natildeo eacute uma tarefa cocircmoda senatildeo muito complicada as pessoas natildeo nascem cidadatildeos mas fazem-se no tempo e no espaccedilo Na verdade natildeo eacute faacutecil exercer a liberdade e a cidadania ndash ser pessoa e ser cidadatildeo ndash por isso exige-se uma luta sem treacuteguas para erradicar assimetrias e exclusotildees socioculturais e criar cenaacuterios de esperanccedila realizaacuteveis fundamentados em valores e princiacutepios eacuteticos que requalifiquem a democracia com cidadatildeos participativos e
comprometidos ( SAEZ 1995)
Tem portanto como pressuposto uma mudanccedila de comportamento uma
tomada de posiccedilatildeo frente agrave dinacircmica social na qual estaacute inserido participando de
forma ativa e produtiva do processo de construccedilatildeo da cidadania por meio de seus
diversos canais
32 Emancipaccedilatildeo social atraveacutes da cidadania
Um Estado Democraacutetico eacute aquele que estaacute enraizado na legitimidade do
poder do povo e dele decorre seu exerciacutecio Assim o poder do povo eacute a expressatildeo
a aptidatildeo de homens e mulheres constituir autonomamente seu viver sem sucumbir
diante das instacircncias de poder Haacute nesse modus vivendi uma tutela das diferenccedilas e
pluralidades de formas de vida
Desta forma a cidadania eacute enfocada como o processo de participaccedilatildeo do
individuo ou de um grupo organizado nas mais variadas aacutereas de atuaccedilatildeo na
sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos sociais com a consciecircncia
da responsabilidade por sua proacutepria histoacuteria
Sendo a democracia o regime em que o povo governa sua caracteriacutestica
inarredaacutevel eacute a de ter o povo agrave frente do poder uma forma de autogoverno Em
assim sendo a cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia por meio de resultados
palpaacuteveis e medidas concretas tais como mudanccedilas na realidade de cada um com
melhoria de vida e conscientizaccedilatildeo da importacircncia na sociedade para o exerciacutecio
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direto ou indireto desse poder pois se contentar com fato do direito estaacute prescrito
em lei natildeo eacute o bastante
Eacute certo poreacutem que o Estado democraacutetico somente se aperfeiccediloa na
proporccedilatildeo em que o povo age ativamente na medida em que os representantes
reflitam em seus atos os verdadeiros anseios populares Partindo dessa visatildeo a
cidadania eacute o grande fator de legitimaccedilatildeo do povo permitindo que ele aja em defesa
das instituiccedilotildees democraacuteticas
Sobre a participaccedilatildeo cumpre asseverar que este direito significa a
capacidade de ser consultado para as tomadas de decisatildeo que dizem respeito agrave
direccedilatildeo da sociedade em que vive o cidadatildeo este direito eacute acompanhado do
respeito aos deveres de contribuir para o progresso social e de acatar e respeitar o
resultado obtido em consulta coletiva
No elenco de mecanismo de exerciacutecio da cidadania estaacute o acesso ao direito e
a justiccedila que eacute fator preponderante para efetivar as garantias constitucionais
Assim passaremos a discorrer sobre a importacircncia de instrumentalizar o
cidadatildeo para um pleno exerciacutecio de seus direitos
Eacute Sabido que no Estado Democraacutetico Contemporacircneo os direitos
fundamentais constitucionalmente assegurados tecircm eficaacutecia imediata cumprindo ao
Estado garantir a todos os cidadatildeos o respeito a esses Direitos de modo concreto e
efetivo natildeo obstante as inuacutemeras desigualdades e condiccedilotildees adversas que
dificultam na praacutetica o seu exerciacutecio
Para o acesso ao direito o Estado deve desenvolver com eficiecircncia uma seacuterie
de atividades essenciais e dar efetividade a uma seacuterie de pressupostos Dentre eles
o principal eacute o conhecimento do Direito como fator preponderante pois o
desconhecimento da lei implica na praacutetica natildeo acionar a jurisdiccedilatildeo Um fato que
contribui para essa assertiva eacute baixa escolaridade da populaccedilatildeo e o analfabetismo
Muito pouco adianta a existecircncia de uma Constituiccedilatildeo apenas formal ou no
papel se ilegiacutetima ou desrespeitada Para que ocorra a eficaacutecia das normas
dispostas numa Constituiccedilatildeo ou melhor para que passe da teoria agrave praacutetica eacute
essencial que comandados e comandantes tenham conhecimento dos seus direitos
e responsabilidades assim como dos instrumentos juriacutedicos para efetivaacute-los (leis
regulamentadoras) O exerciacutecio da cidadania natildeo eacute somente um direito mas eacute
tambeacutem um dever de todos pois a omissatildeo de cada um contribui com as injusticcedilas e
as impunidades tatildeo presentes nos dias atuais
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A Constituiccedilatildeo quando eacute justa e legiacutetima e principalmente quando eacute
respeitada eacute um poderoso instrumento de promoccedilatildeo e desenvolvimento social e
humano
Outro fator que deve ser considerado eacute a miserabilidade que coloca inuacutemeros
brasileiros a margem da sociedade em situaccedilatildeo precaacuteria os quais para Pinsky
(2004) ldquodesprovidos de esperanccedila de projeto de qualquer perspectiva de inclusatildeo
[] recorrer agrave Justiccedila humana parece algo irrealizaacutevel sofisticado e inteiramente
ficcionalrdquo
Desta forma o primeiro passo para concretizar os direitos previstos
constitucionalmente eacute a formaccedilatildeo do cidadatildeo atraveacutes da Educaccedilatildeo Baacutesica
infundindo-lhe a consciecircncia dos seus direitos e tambeacutem dos seus deveres sociais
bem como dos valores humanos fundamentais que devem ser por todos respeitados
na vida em sociedade A universalizaccedilatildeo do ensino fundamental a oferta obrigatoacuteria
de educaccedilatildeo infantil pelo Estado e o crescimento da oferta do ensino meacutedio satildeo
alguns dos aspectos que merecem destaques e foi devido agrave determinaccedilatildeo
constitucional de estabelecer o caraacuteter obrigatoacuterio do ensino fundamental e de
responsabilizar o Estado por sua implementaccedilatildeo que tem iniacutecio o processo de
avanccedilo desse segmento
A Constituiccedilatildeo estabeleceu de forma mais clara o papel dos entes federados
na educaccedilatildeo Tambeacutem aumentou a participaccedilatildeo orccedilamentaacuteria destinada ao setor
Com as novas regras para distribuiccedilatildeo de recursos adotadas apoacutes a promulgaccedilatildeo
da Carta os municiacutepios voltam a interessar-se pela educaccedilatildeo fundamental e o paiacutes
atinge a universalizaccedilatildeo do setor o que se busca agora satildeo mecanismos para
garantir a qualidade no ensino
O segundo passo nessa dinacircmica eacute o oferecimento a todos os cidadatildeos de
condiccedilotildees miacutenimas de sobrevivecircncia e de existecircncia condignas atraveacutes do acesso
ao trabalho produtivo livremente escolhido e do pagamento de remuneraccedilatildeo capaz
de prover ao sustento do trabalhador e de sua famiacutelia
Para milhotildees de cidadatildeos que vivem na ignoracircncia e na miseacuteria nenhuma
utilidade ou eficaacutecia tecircm os inuacutemeros direitos constitucionalmente assegurados Para
aqueles que se habituaram a retirar proventos da mendicacircncia da prostituiccedilatildeo de
atividades iliacutecitas ou aqueles que se sentiram forccedilados a sujeitar-se agrave exploraccedilatildeo de
outrem para sobreviver natildeo haacute nenhuma crenccedila na dignidade da pessoa humana e
no valor social do trabalho
42
A pobreza engendra inuacutemeras relaccedilotildees de dominaccedilatildeo entre pessoas e entre grupos sociais As habitaccedilotildees subumanas da periferia das grandes cidades no Brasil constituem verdadeiros quistos sociais terras sem lei controladas por xerifes ou por quadrilhas de malfeitores O Estado que natildeo for capaz de dotar essas comunidades do acesso efetivo agrave Educaccedilatildeo agrave Sauacutede agrave Seguranccedila e agrave Paz Puacuteblicas e ao trabalho liacutecito certamente natildeo lhes estaraacute assegurando o acesso ao Direito porque a populaccedilatildeo abrutalhada pela miseacuteria e coagida pelo medo natildeo desfruta da miacutenima eficaacutecia concreta dos
seus direitos fundamentais (GRECO 2009)
Evidencia que acesso ao Direito nas sociedades modernas mesmo nas
economicamente desenvolvidas exige o fortalecimento dos grupos intermediaacuterios e
do associativismo O cidadatildeo natildeo estaacute mais em condiccedilotildees de defender-se
individualmente das ameaccedilas e lesotildees aos seus direitos perpetradas por pessoas ou
grupos que se encontram em posiccedilatildeo de vantagem nas relaccedilotildees econocircmicas e
sociais
O sindicato veio exercer este importante papel em relaccedilatildeo ao trabalhador
empregado Mas hoje as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo natildeo satildeo apenas as que existem no
mundo do trabalho mas as que se revelam em todos os tipos de relaccedilotildees humanas
relaccedilotildees de consumo relaccedilotildees de vizinhanccedila relaccedilotildees locatiacutecias relaccedilotildees
comerciais internas e internacionais e natildeo com menor relevacircncia relaccedilotildees entre os
particulares e o Estado entre outras
Eacute preciso assegurar esse equiliacutebrio na praacutetica o que somente tornar-se-aacute
possiacutevel atraveacutes da articulaccedilatildeo dos sujeitos que se encontram em posiccedilatildeo de
desvantagem em organizaccedilotildees e associaccedilotildees que pela uniatildeo de esforccedilos
consigam compensar o desequiliacutebrio existente e dar aos indiviacuteduos e grupos a forccedila
e a capa de proteccedilatildeo necessaacuterias para ombrearem-se aos seus adversaacuterios e
lutarem pelos seus direitos ou interesses em igualdade de condiccedilotildees
Para Greco (2009) o pressuposto indispensaacutevel do acesso ao Direito eacute a
transparecircncia do Estado no trato de questotildees que possam afetar a esfera de
interesses dos cidadatildeos e complementa que aos cidadatildeos eacute indispensaacutevel
assegurar o direito de influir eficazmente nas decisotildees do poder puacuteblico atraveacutes dos
mais diversos instrumentos de participaccedilatildeo democraacutetica Ele afirma que
A relaccedilatildeo Estado-cidadatildeo natildeo eacute mais a relaccedilatildeo soberano-suacutedito O cidadatildeo tem o direito de exigir do Estado o pleno respeito ao seu
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patrimocircnio juriacutedico Lamentavelmente a crise do Estado tem levado o Brasil a aceitar-se como normal que as pessoas juriacutedicas de Direito Puacuteblico natildeo cumpram devidamente as prestaccedilotildees positivas de que satildeo devedoras perante os particulares cabendo a estes demandar na Justiccedila para obtecirc-las (GRECO 2009)
Essa visatildeo deformada da responsabilidade do Estado ocorre o
desvirtuamento da justiccedila Por outro lado agrave violaccedilatildeo da garantia constitucional da
tutela jurisdicional efetiva (Constituiccedilatildeo artigo 5 inciso XXXV) disciplina a lei natildeo
excluiraacute da apreciaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio lesatildeo ou ameaccedila ao direito Assim o
acesso ao Direito natildeo estaraacute concretamente assegurado se o Estado natildeo oferecer a
todo cidadatildeo a possibilidade de receber aconselhamento juriacutedico a respeito dos seus
direitos
Constituiccedilatildeo de 1988 no artigo 5deg inciso LXXIV assegurou a todos
ldquoassistecircncia juriacutedicardquo a englobar assistecircncia judiciaacuteria e assessoramento juriacutedico
extrajudicial Conforme Greco (2009) ldquoeacute preciso que esse direito seja assegurado
na praacutetica Uma vez que na vida moderna o Direito tornou-se excessivamente
complexordquo Ainda no dizer do autor a consciecircncia juriacutedica do homem comum que
deve ser adquirida na famiacutelia e na escola natildeo eacute mais suficiente para a tomada de
decisotildees na vida diaacuteria das pessoas Todas as pessoas mantecircm complexas relaccedilotildees
juriacutedicas com instituiccedilotildees financeiras com fornecedores de bens e de serviccedilos etc
Nessas relaccedilotildees juriacutedicas com frequecircncia os cidadatildeos tecircm de tomar decisotildees
raacutepidas O cidadatildeo que tem meios procura um advogado particular para assessoraacute-
lo Ao pobre o Estado deve assegurar o mesmo direito em plenitude
Sem duacutevida o uacuteltimo pressuposto do acesso ao Direito eacute o acesso agrave Justiccedila
no sentido de acesso a um tribunal estatal imparcial previamente instituiacutedo como
competente para a soluccedilatildeo de qualquer litiacutegio a respeito de interesse que se afirme
juridicamente protegido ou para a praacutetica de qualquer ato que a lei subordine agrave
aprovaccedilatildeo autorizaccedilatildeo ou homologaccedilatildeo judicial
Se o cidadatildeo tem consciecircncia dos seus direitos se o Estado lhe fornece
todas as condiccedilotildees para livremente exercecirc-los mas algum outro cidadatildeo ou algum
oacutergatildeo do proacuteprio Estado impede ou dificulta esse exerciacutecio cabe ao poder puacuteblico
pocircr agrave disposiccedilatildeo do cidadatildeo lesionado ou ameaccedilado a jurisdiccedilatildeo necessaacuteria para
assegurar o pleno acesso a tal direito
Atingimos eacute certo um estaacutegio de desenvolvimento do Direito Humanitaacuterio que
natildeo mais nos permite conformar-nos com uma realidade distante do padratildeo de
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convivecircncia humana que outras naccedilotildees jaacute alcanccedilaram O exerciacutecio pleno de
cidadania seraacute obra de mais de uma geraccedilatildeo Mas se trabalharmos com firmeza
certamente os jovens de hoje poderatildeo legar aos seus descendentes a emancipaccedilatildeo
cidadatilde um paiacutes melhor e uma sociedade mais justa e democraacutetica
33 O municiacutepio como acircmbito de exerciacutecio de cidadania
Historicamente o Municiacutepio enquanto unidade poliacutetico-administrativa surgiu
conforme descreve Berardi (2004) com a Repuacuteblica Romana interessada em
manter a dominaccedilatildeo paciacutefica das cidades conquistadas pela forccedila dos exeacutercitos
Sua origem mais de natureza socioloacutegica do que poliacutetica adveacutem do espiacuterito
associativo do homem e de suas relaccedilotildees de vizinhanccedila
Eacute pois a menor unidade territorial de Federaccedilatildeo cuja criaccedilatildeo reflete a base
da organizaccedilatildeo poliacutetica administrativa da Naccedilatildeo Portanto sua funccedilatildeo administrativa
historicamente vem assentada no princiacutepio do direito natural
O artigo primeiro da Constituiccedilatildeo Federal de 1998 estabelece que o
Municiacutepio ao lado dos Estados e do Distrito Federal formam a Republica Federativa
do Brasil que se constitui em Estado Democraacutetico de Direito O municiacutepio tem assim
um poder relevante para a aplicaccedilatildeo da democracia direta iniciada e fortalecida em
niacutevel local Diversos pensadores chegaram a afirmar que a descentralizaccedilatildeo de
poder resultante da constituiccedilatildeo Cidadatilde era antes de tudo uma conquista dos
Municiacutepios sendo eles os berccedilos da perpetuaccedilatildeo da Repuacuteblica e da Democracia
efetivamente por serem o uacutenico niacutevel de governo possuidores de respaldo e
localizaccedilatildeo fiacutesica ou seja solo municipal
Eacute certo que a Carta Magna de 1988 consolidou significativas inovaccedilotildees para a
vida municipal de forma que o Municiacutepio passou a constituir um dos entes da
federaccedilatildeo tratando-o como unidade dotada de autonomia poliacutetica expressa na
capacidade de poder elaborar a sua Lei Orgacircnica fugindo assim da tutela dos
estados que ateacute entatildeo eram considerados como uacutenicos componentes da federaccedilatildeo
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A Lei Orgacircnica Municipal traz em seu bojo aleacutem da organizaccedilatildeo
administrativa do Municiacutepio a restauraccedilatildeo do Poder Legislativo municipal definindo
a diversificaccedilatildeo normativa que natildeo existia nas leis organizacionais outorgadas pelo
Estado reflexo do poder constituinte outorgados aos Municiacutepios pela Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 como consequecircncia do efetivo exerciacutecio do conceito de Estado
Democraacutetico de Direito
O Municiacutepio enquanto ente federativo tem atualmente a responsabilidade de
ordenar o seu desenvolvimento social e a garantia do bem estar de seus habitantes
executando poliacuteticas puacuteblicas de accedilotildees a serem empreendidas na consolidaccedilatildeo
democraacutetica do Estado
Fundada no elemento participaccedilatildeo o exerciacutecio de cidadania amplamente
citado encontra sua efetividade no municiacutepio Pois eacute nesse acircmbito de localizaccedilatildeo
que as pessoas mantecircm um contato direto com os poderes instituiacutedos suas
necessidades imediatas e mediatas satildeo objetos da disciplina da Lei que visa o bem
comum base do Estado democraacutetico de Direito
Baseado na maacutexima do municipalista e defensor da descentralizaccedilatildeo poliacutetica
Franco Motoro sabiamente proferiu que ldquoningueacutem vive na Uniatildeo ou no Estado As
pessoas vivem no Municiacutepiordquo Assim a cidadania encontra seu melhor espaccedilo de
realizaccedilatildeo na comunidade onde convive A vida em comunidade gera anseios
comuns sentimentos comuns uma vez que a convivecircncia propicia que as pessoas
se conheccedilam e se reconheccedilam como membros de uma mesma realidade
De acordo com Harvey (1992) ldquoa globalizaccedilatildeo provoca anonimato enquanto
comunidade cultiva solidariedaderdquo o que implica participaccedilatildeo para o exerciacutecio de
cidadania
Tudo o que acontece no mundo seja no meu paiacutes na minha cidade ou no meu bairro acontece comigo Entatildeo eu preciso participar das decisotildees que interferem na minha vida Um cidadatildeo com um sentimento eacutetico forte e consciecircncia da cidadania natildeo deixa passar nada natildeo abre matildeo desse poder de participaccedilatildeo (Herbert de Souza Betinho)
Com esse embasamento natildeo se pode perder de vista que eacute nas relaccedilotildees
diaacuterias de oposiccedilatildeo ou solidariedade que as pessoas exercem cidadania Na relaccedilatildeo
do com o outro com os poderes ao estabelecer com a vida social e puacuteblica uma
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convivecircncia posto que cidadania eacute tarefa que natildeo termina natildeo eacute um conceito
pronto tatildeo pouco acabado enquanto seres inacabados que somos estaremos
buscando descobrindo criando e tomando consciecircncia mais ampla dos direitos
O desafio eacute construir um novo discurso sobre cidadania atraveacutes de uma
praacutetica poliacutetica sustentada isto eacute realizada em dois niacuteveis
O primeiro niacutevel na base atraveacutes de construccedilatildeo das capacidades e do poder
proacuteprio da populaccedilatildeo o que envolve inevitavelmente uma mudanccedila de atitude na
busca para garantir seus direitos utilizando-se do grau de autonomia local
Essa atitude conceberia agrave democracia participativa como uma poliacutetica paralela
de intervenccedilatildeo social criando e mantendo novos espaccedilos para a tomada de
decisotildees ou seja para o auto-governo pela populaccedilatildeo nas mateacuterias que afetam
diretamente suas vidas
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade
O segundo niacutevel um governo com o povo e natildeo apenas para o povo fundado
nos ditames constitucionais valorizando o sentimento da sociedade no exerciacutecio da
governabilidade de modo que o balizamento das accedilotildees de governo deixaria de estar
no proacuteprio governo e passaria a estabelecer-se a partir do pensar da sociedade Um
governo que se pergunta o que se deve fazer para ouvir com a maior fidelidade
possiacutevel a sociedade suas instituiccedilotildees representativas e o cidadatildeo Pois as
prioridades da gestatildeo deveriam ser definidas pela sociedade e natildeo mais pelo
governo
Portanto nesses termos eacute preciso considerar que as praacuteticas da
administraccedilatildeo puacuteblica sejam democratizadoras e inclusivas inspiradas nos
princiacutepios da legalidade impessoalidade moralidade publicidade e eficiecircncia Esta
uacuteltima buscou estabelecer uma Administraccedilatildeo Puacuteblica mais eficiente no sentido de
que o cidadatildeo como destinataacuterio dos serviccedilos puacuteblicos que o Estado deve prestar
receba-os com maior qualidade e menor custo para o eraacuterio puacuteblico
Para a consecuccedilatildeo desse governar com o povo alguns pontos devem ser
revistos A mudanccedila implica na necessidade de adequaccedilatildeo reorganizaccedilatildeo
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reformulaccedilatildeo Para isso se faz premente em face dos novos e modernos conceitos
de gestatildeo puacuteblica a superaccedilatildeo do tradicional vezo burocraacutetico que vem convertendo
a Administraccedilatildeo nas palavras Dromi (1995) numa cara ldquomaacutequina de impedirrdquo fiel
ldquocoacutedigo do fracassordquo que dispotildee ldquoartigo primeiro natildeo pode artigo segundo em
caso de duacutevida abstenha-se artigo terceiro se eacute urgente espere artigo quarto
sempre eacute mais prudente natildeo fazer nadardquo numa posiccedilatildeo natildeo burocraacutetica e sim
democraacutetica de considerar que organizaccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica inclui a
praacutetica de ver os cidadatildeos como membros plenos da comunidade poliacutetica tendo
acesso e exercitando direitos as que promovem a organizaccedilatildeo da populaccedilatildeo em
torno de temas de interesse comum as que incluem o controle social sobre a
gestatildeo o debate amplo e informado sobre questotildees de governo e que abrem agrave
populaccedilatildeo as decisotildees sobre estas questotildees Como leciona e Barrientos (2000)
Tratam-se de praacuteticas que natildeo buscam somente melhorar a eficiecircncia administrativa das diferentes organizaccedilotildees puacuteblicas mas que incorporam no seu processo de gestatildeo a dimensatildeo ativa da cidadania isto eacute ldquoque facilitam as iniciativas e responsabilidades de todos os envolvidos[] estabelecendo pontes entre Estado e sociedade civil
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade Acreditamos
que o ponto de partida eacute a atitude aliada agrave solidariedade e ao espiacuterito coletivo Pois
governo e cidadatildeos juntos haveratildeo de cumprir um novo papel no processo de
desenvolvimento como agentes de uma nova cultura
Como afirma Peter Drucke
A parceria comunitaacuteria seraacute um dos verdadeiros setores em crescimento das economias desenvolvidas Surge da necessidade de uma participaccedilatildeo mais direta e efetiva da comunidade nas grandes questotildees da vida social pois natildeo existe ningueacutem melhor que o cidadatildeo para saber o que ele quer para si para sua famiacutelia e para sua comunidade (apud RAMOS 1990)
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O envolvimento efetivo da sociedade nas questotildees sociais natildeo eacute apenas uma
postura moderna Significa antes de tudo uma atitude digna de todos aqueles que
desejam exercer sua cidadania contribuindo para um paiacutes melhor e em especial
para uma sociedade mais justa fraterna e solidaacuteria
Na histoacuteria observa-se a grande coragem das pessoas em construir o
reconhecimento delas proacuteprias e de seus direitos sempre buscando a participaccedilatildeo e
defendendo os Direitos Humanos Sem duacutevida a maior ecircnfase que deve ocorrer
para a construccedilatildeo real da cidadania eacute uma mudanccedila na sociedade O melhor a ser
feito eacute reforccedilar a organizaccedilatildeo democraacutetica buscando novas formas de participaccedilatildeo
social pois cidadania natildeo se resume ao poder de votar ou ser votado mas eacute sempre
na efetiva participaccedilatildeo popular pois somente com isso haacute a verdadeira
conscientizaccedilatildeo e o comprometimento daquele que passa a se sentir cidadatildeo
abandonando-se velhos viacutecios da poliacutetica representativa
Desse modo a participaccedilatildeo do povo no momento das reivindicaccedilotildees das
discussotildees e apreciaccedilotildees de projetos que visem agrave melhoria da comunidade local a
exigecircncia de transparecircncia na administraccedilatildeo da coisa puacuteblica dentre outras eacute quem
daraacute embasamento para as verdadeiras conquistas sociais no Municiacutepio que geram
saudaacuteveis formas de pressatildeo por efetivas poliacuteticas puacuteblicas de inclusatildeo social
gerando o fim do clientelismo poliacutetico tatildeo pejorativo e comum em nossa realidade e
cultura poliacutetica
Somente a participaccedilatildeo social eacute que iraacute causar uma real democratizaccedilatildeo do
poder A afirmaccedilatildeo da cidadania eacute pressuposto para a realizaccedilatildeo dos Direitos
Humanos pois os homens natildeo nascem naturalmente iguais Inclusive para que
ocorra a realizaccedilatildeo dos referidos direitos eacute necessaacuterio tambeacutem que exista um
espaccedilo puacuteblico que seja realmente democraacutetico e acessiacutevel possibilitando a
participaccedilatildeo de todos e esse espaccedilo eacute certamente o municiacutepio
Na praacutetica um forte instrumento de cidadania para atender as necessidades
coletivas eacute o orccedilamento participativo previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal que
determina expressamente a realizaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas e a participaccedilatildeo
popular nos processos de elaboraccedilatildeo e conduccedilatildeo dos orccedilamentos como forma de
incentivo agrave preparaccedilatildeo e execuccedilatildeo de planejamentos que envolvam diretamente o
povo A Lei veio incentivar a sua propagaccedilatildeo para todos os entes federativos tendo
em conta que se trata de uma tendecircncia mundial por legitimar as escolhas e
fortalecer o princiacutepio da transparecircncia
49
Os meios de acesso do cidadatildeo junto aos Poderes Puacuteblicos eacute uma realidade
no Estado Democraacutetico de Direito brasileiro a exemplo das sessotildees do Poder
Legislativo que satildeo puacuteblicas ficando abertas a todos que delas quiserem participar
Emite-se uma pauta antes do comeccedilo da sessatildeo com a preacutevia dos debates Em
niacutevel municipal verifica-se um acompanhamento mais incisivo sobre as sessotildees das
Cacircmaras de Vereadores como forma de pressatildeo para aprovaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees
da comunidade avaliaccedilatildeo do desempenho e aceitaccedilatildeo de propostas orccedilamentaacuterias
e atuaccedilatildeo dos poliacuteticos bem como entendimento das funccedilotildees do Poder Legislativo
A Constituiccedilatildeo Federal assegura desde 1988 a possibilidade de se oferecer
peticcedilatildeo agraves Mesas Legislativas como forma de pedir informaccedilotildees sobre andamento
de projetos ou relatoacuterios encaminhados aos chefes do Poder Executivo Em niacutevel
municipal pode ser utilizada a Tribuna Livre como instrumento para denuacutencias de
problemas ou discussatildeo de um tema ou mesmo para apresentar sugestotildees sendo
regulado pela Lei Orgacircnica Municipal e pelo Regimento Interno da Cacircmara
A convocaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas tambeacutem possui previsatildeo constitucional
no art 58 sect 20 inciso II em niacutevel federal As comissotildees podem em razatildeo da
mateacuteria de sua competecircncia realizar audiecircncias puacuteblicas com entidades da
sociedade civil E nada obsta que estejam previstas formas de articulaccedilatildeo da
sociedade civil com os Presidentes das Comissotildees da Cacircmara no seu Regimento
Interno em acircmbito municipal
Os dispositivos da Constituiccedilatildeo Federal que dispotildeem sobre a forma de
participaccedilatildeo direta do cidadatildeo e da sociedade civil no processo democraacutetico natildeo se
pode negar que trouxe novas perspectivas De modo geral podemos citar
Art 29 A lei orgacircnica dos Municiacutepios tem que observar entre os seus
preceitos ldquocooperaccedilatildeo das associaccedilotildees representativas no planejamento municipalrdquo
Art 31 As contas dos municiacutepios ficaratildeo durante 60 (sessenta) dias
anualmente a disposiccedilatildeo de qualquer contribuinte para exame e apreciaccedilatildeo o qual
poderaacute questionar-lhes a legitimidade nos termos da lei
Art37 sect 3ordm (EC-1998) A lei disciplinaraacute as formas de participaccedilatildeo do usuaacuterio
na administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta regulando especialmente
I- as reclamaccedilotildees relativas a prestaccedilatildeo dos serviccedilos puacuteblicos em geral asseguradas
a manutenccedilatildeo de serviccedilo de atendimento ao usuaacuterio e a avaliaccedilatildeo perioacutedica externa
e interna da qualidade dos serviccedilos
50
II- o acesso dos usuaacuterios a registros administrativos e a informaccedilatildeo sobre atos de
governo observado o disposto no art 5ordm X e XXXIII
III- a disciplina da representaccedilatildeo conta o exerciacutecio negligente ou abusivo de cargo
emprego ou funccedilatildeo na administraccedilatildeo puacuteblica
Art 74 sect 2ordm Qualquer cidadatildeo partido poliacutetico associaccedilatildeo ou sindicato eacute
parte legiacutetima para na forma de lei denunciar irregularidades ou ilegalidades perante
o Tribunal de Contas da Uniatildeo
Art194 paraacutegrafo uacutenico Compete ao Poder Puacuteblico nos termos da lei
organizar a seguridade social com base nos seguintes objetivos ()
VII ndash caraacuteter democraacutetivo descentralizado na administraccedilatildeo mediante gestatildeo
quadripartite com participaccedilatildeo dos trabalhadores dos empregados e dos
aposentados e do Governo nos oacutergatildeos colegiados nos oacutergatildeos colegiados
Art 198 As accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede integram uma rede
regionalizada e hierarquizada o constituem um sistema uacutenico organizado de acordo
com as seguintes diretrizes
III ndash participaccedilatildeo da comunidade
Art 202 sect 6ordm A lei complementa a que se refere o sect 4ordm deste artigo
estabeleceraacute os requisitos para a designaccedilatildeo dos membros das diretorias das
entidades fechadas de previdecircncia privada e disciplinaraacute a inserccedilatildeo dos
participantes nos colegiados e instacircncias de decisatildeo em que seus interesses sejam
objeto de discussatildeo e deliberaccedilatildeo
Art 204 As accedilotildees governamentais na aacuterea de assistecircncia social seratildeo
organizadas com base nas seguintes diretrizes
II ndash Participaccedilatildeo da populaccedilatildeo por meio de organizaccedilotildees representativas na
formulaccedilatildeo das poliacuteticas e no controle das accedilotildees em todos os niacuteveis
O protagonista na concretizaccedilatildeo dos direitos humanos e na ampliaccedilatildeo da cidadania eacute um sujeito coletivo de um trabalho sempre inacabado eis que se tratam de tarefas e conquistas cotidianas e gradativas obras que soacute podem ser realizada a muitas matildeos no partilhar e compartilhar da vida (COSTA NETO 2010)
A ampliaccedilatildeo da cidadania requer a consciecircncia de que os direitos pressupotildeem
deveres de maneira que os direitos de um indiviacuteduo satildeo garantidos a partir do
cumprimento dos deveres dos demais componentes da sociedade
51
34 A necessaacuteria superaccedilatildeo de velhos paradigmas
Como se sabe em 1988 foi aprovada a Constituiccedilatildeo mais liberal e
democraacutetica do Brasil chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo Assim ampliou-se de
forma significativa o campo dos direitos e garantias fundamentais No que diz
respeito a tal mateacuteria eacute considerada como uma das mais avanccediladas do mundo No
seu preacircmbulo adota o modelo de um Estado democraacutetico de Direito destinado a
garantir o exerciacutecio dos direitos sociais e individuais a liberdade a seguranccedila o
bem-estar o desenvolvimento a igualdade e a justiccedila eleitos como valores
supremos de uma sociedade fraterna pluralista e sem preconceitos
Para a construccedilatildeo democraacutetica da cidadania no Brasil contemporacircneo
salienta-se de ela deve passar de uma democracia representativa para uma
cidadania que efetivamente molde a democracia ou seja uma cidadania instituinte
da democracia
No acircmbito constitucional positivo cidadania pressupotildee o exerciacutecio de todos
os direitos fundamentais e garantias que caracterizam o Estado democraacutetico de
Direito Quando se fala em cidadania eacute no sentido de reafirmar o direito pela plena
realizaccedilatildeo do indiviacuteduo do cidadatildeo dos entes coletivos e de sua emancipaccedilatildeo nos
espaccedilos da sociedade Estatildeo sempre intimamente ligados os conceitos de
cidadania democracia e direitos humanos sendo que um remete ao outro e seus
conteuacutedos se interligam ou seja a cidadania natildeo iraacute ocorrer sem que ocorra a
realizaccedilatildeo dos Direitos Humanos da mesma forma que os direitos humanos natildeo
seratildeo concretizados se natildeo houver o exerciacutecio da cidadania
Na evoluccedilatildeo histoacuterica tais categorias se desenvolveram de forma conjunta
com o Estado Representam noccedilotildees desejaacuteveis de relaccedilotildees humanas que se espera
sejam instituiacutedas Satildeo os elementos basilares na nova ordem social e que a
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 pretendeu edificar Poreacutem a democracia poliacutetica natildeo
resolveu os problemas econocircmicos mais seacuterios como a desigualdade e o
desemprego Continuam muito seacuterios os problemas da aacuterea social principalmente
na educaccedilatildeo nos serviccedilos de sauacutede e saneamento como tambeacutem e
principalmente quanto agrave seguranccedila puacuteblica
52
A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 em seu artigo 6ordm e em outros artigos no texto
constitucional ampliou e muito os Direitos Sociais proibiu discriminaccedilotildees Assim
indicadores baacutesicos de qualidade de vida apontam que houve uma melhoria A
mortalidade infantil por exemplo caiu de maneira significativa nos uacuteltimos anos A
esperanccedila de vida ao nascer passou de 60 anos em 1980 para 70 em 2000 Poreacutem
o maior progresso foi na aacuterea da educaccedilatildeo fundamental que eacute considerado fator
decisivo para a cidadania pois a taxa de analfabetismo caiu consideravelmente
entretanto existem muitos problemas no campo educacional como a repetecircncia e
com relaccedilatildeo a desigualdade social entre as regiotildees
A grande concentraccedilatildeo da riqueza nacional nas matildeos de poucos reflete a
desigualdade e causa a pobreza e a miseacuteria ao passo que dificulta o acesso do
cidadatildeo agrave justiccedila e consequentemente ao seu estado de cidadania pleno
Dentre os fundamentos no qual se baseiam o Estado democraacutetico de Direito
no Brasil destaca-se justamente a cidadania e a dignidade humana conforme artigo
1ordm incisos II e III da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Entatildeo construir uma sociedade
livre justa e solidaacuteria garantir o desenvolvimento nacional erradicar a pobreza e a
marginalizaccedilatildeo reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de
todos sem preconceitos de origem raccedila sexo cor idade ou quaisquer outras
formas de discriminaccedilatildeo satildeo os objetivos fundamentais do Estado Brasileiro
conforme art 3ordm da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
O cenaacuterio de globalizaccedilatildeo econocircmica mundial tambeacutem traacutes seacuterios obstaacuteculos
para a construccedilatildeo da cidadania A globalizaccedilatildeo da economia em ritmo acelerado
provoca grandes mudanccedilas nas relaccedilotildees entre Estado sociedade e naccedilatildeo que
eram sempre o centro da noccedilatildeo e da praacutetica da cidadania ocidental O foco das
mudanccedilas e das preocupaccedilotildees estaacute em dois focos especiacuteficos a reduccedilatildeo do papel
central do Estado como fonte de direitos e local para a participaccedilatildeo e o
deslocamento da naccedilatildeo como principal fonte de identidade coletiva
Para que ocorra efetiva mudanccedila a melhor proposta eacute no sentido de
mudanccedila na organizaccedilatildeo da sociedade pois a inversatildeo da sequecircncia dos direitos
fez com que ocorra o reforccedilo da supremacia do Estado Para que ocorra a
consolidaccedilatildeo democraacutetica e cidadatilde eacute necessaacuterio reforccedilar a organizaccedilatildeo da
sociedade para assim dar embasamento social ao poder poliacutetico ou seja
finalmente democratizar o poder e estabelecer de forma plena a Cidadania
53
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A Constituiccedilatildeo que nasce com ldquocheiro de amanhatilde e natildeo de mofordquo nas
palavras do Deputado Ulisses Guimaratildees tem em seu relevo a esperanccedila de um
povo que sonhava com a erradicaccedilatildeo da repressatildeo militar e natildeo soacute isso um povo
que sonhava com a liberdade em suas diversas manifestaccedilotildees em suas mais
significativas formas de representaccedilatildeo e sobretudo com um paiacutes voltado para a
democracia e justiccedila social
Ao povo brasileiro foi concedido o poder de governar e nesse contexto de
mudanccedila a ldquodemocracia eacute o governo do povo pelo povo e para o povordquo na
conceituaccedilatildeo ceacutelebre de Abraham Lincoln E consoante estabelece o paraacutegrafo
uacutenico do art 1ordm da Carta cidadatilde de 1988 ldquotodo poder emana do povo que o exerce
por meio de representantes eleitos ou diretamenterdquo
No entanto natildeo basta que a fonte de poder seja o povo a democracia vem
significar a efetiva participaccedilatildeo do povo nas decisotildees e destino do Estado e sua
consolidaccedilatildeo eacute a proacutepria cidadania pois eacute o cidadatildeo que pensa e se auto define
diante da condiccedilatildeo soacutecio-histoacuterica O cidadatildeo tem portanto o poder de transformar
a realidade social segundo seu pensamento e accedilatildeo
Natildeo se pode negar que a Carta de 1988 foi a que apresentou maior
legitimidade popular que abriu caminhos apontando um novo tempo
Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita Se fosse perfeita seria irreformaacutevel Ela proacutepria com humildade e realismo admite ser emendada ateacute por maioria mais acessiacutevel dentro de cinco anos Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita mas seraacute uacutetil e pioneira e desbravadora Seraacute luz ainda que de lamparina na noite dos desgraccedilados Eacute caminhando que se abrem os caminhos Ela vai caminhar e abri-los Seraacute redentor o que penetrar nos bolsotildees sujos escuros e ignorados da miseacuteria (Ulysses Guimaratildees)
Mesmo natildeo sendo a constituiccedilatildeo perfeita sem duacutevida foi a que trouxe
esperanccedila ao povo brasileiro com a sua promulgaccedilatildeo surgiram o ldquohaacutebeas datardquo o
mandado de injunccedilatildeo e o mandado de seguranccedila coletivo - todos remeacutedios judiciais
de iacutendoles constitucionais serviacuteveis para prevenir e combater diversas tentativas de
abuso contra a pessoa humana Outrossim o objeto da accedilatildeo popular foi ampliado
Atualmente qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima para propor a mencionada accedilatildeo
54
popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de entidade de que o
Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e ao patrimocircnio
histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de custas
judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia Nesse rol de forma decisiva houve a
ampliaccedilatildeo tambeacutem dos direitos sociais
Assim a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconhece e assegura uma seacuterie de
escudos protetivos aos cidadatildeos Em sua essecircncia os direitos fundamentais
ganham forma De modo que podemos assegurar que hoje o nosso Estado eacute uma
organizaccedilatildeo centrada no ser humano visto que tem a dignidade da pessoa humana
como um fundamento da Repuacuteblica Federativa do Brasil
Apesar das inuacutemeras dificuldades o Estado Democraacutetico de Direito fundado
na cidadania constituiu para o povo uma nova identidade ndash o que em outras eacutepocas
natildeo existia
A Constituiccedilatildeo circunscreve toda a organizaccedilatildeo poliacutetica estatal no intuito
maior de criar no consciente coletivo a vontade livre e determinada de desenvolver
padrotildees de condutas destinados a elevar e promover a auto-estima de toda a
comunidade paacutetria
Foi nesse sentido que estatui em seu artigo 1ordm a cidadania como fundamento
do Estado Democraacutetico de Direito ampliando e enriquecendo o tal conceito Cada
eacutepoca produziu praacuteticas e reflexotildees muito distintas sobre o tema cidadania A
definiccedilatildeo de cidadania que vem sofrendo alteraccedilotildees ao longo do tempo obedecendo
a um processo histoacuterico de conquistas sociais eacute compreendida atualmente como
um processo de participaccedilatildeo do indiviacuteduo ou de um grupo organizado nas mais
variadas aacutereas de atuaccedilatildeo da sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos
e sociais
A cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia disso natildeo haacute duvidas e se
efetiva como mudanccedilas na realidade de cada um com melhoria de vida e
conscientizaccedilatildeo da importacircncia do cidadatildeo dado que eacute um processo em
permanente construccedilatildeo Natildeo haacute como defender uma qualidade de vida sem a
preservaccedilatildeo da cidadania em todos os seus acircmbitos Nesse sentido a efetiva
proteccedilatildeo desse aspecto basilar torna-se essencial no que tange uma assistecircncia
juriacutedica completa
No contraponto do direito estatildeo os deveres que encontramos sua realizaccedilatildeo
tambeacutem na participaccedilatildeo observando que o cidadatildeo eacute responsaacutevel pelo advir de
55
suas accedilotildees A participaccedilatildeo reflete um caraacuteter de natildeo comodismo de atenccedilatildeo agravequilo
que eacute particular e coletivo tendo como finalidade preciacutepua o bem comum
Construir cidadania hoje eacute imperativo para a sociedade pois dessa
construccedilatildeo depende o amanhatilde Estamos diante da Constituiccedilatildeo que se propotildee a
resguardar o amanhatilde sem perder de vista que ele comeccedila hoje agora e nisso a
Carta Poliacutetica traacutes consigo a certeza do despertar dessa consciecircncia a consciecircncia
cidadatilde Ela eacute a semente plantada em terra feacutertil que gera frutos diariamente e se
renova a cada estaccedilatildeo na dinacircmica da vida Talvez tenha sido esse o cheiro de
frutas alcanccedilado pelo constituinte ao anunciar que a carta tem ldquocheiro do amanhatilderdquo
A responsabilidade pelo exerciacutecio desses direitos belissimamente elencados
depende de todos e de cada um pois somos o terreno feacutertil que produziraacute o fruto de
uma sociedade fraterna
Eacute comum na praacutetica apenas responsabilizarmos o Estado em sentido lato pelo
natildeo exerciacutecio dos direitos do cidadatildeo Vale lembrar nesse contexto das palavras de
J Kennedy o qual disse ldquonatildeo pergunte o que o Estado pode fazer por vocecirc mas o
que vocecirc pode fazer pelo Estadordquo haacute nessa frase um forte traccedilo de cidadania pois
quando o cidadatildeo reivindica critica opina o que ele daacute em contrapartida ao paiacutes eacute
solidificado visto que eacute nas relaccedilotildees familiares em comunidade que se estabelece e
se fortalece os viacutenculos de solidariedade de uma sociedade que perpetua valores
condutas que as leis reguladoras natildeo conseguem por si soacute estabelecer
A concretizaccedilatildeo do ideal de uma qualidade de vida merecida a todos os seres
humanos sem restriccedilotildees requer entretanto um esforccedilo coletivo Dessa forma haacute
necessidade de suprir as muitas carecircncias advindas das desigualdades sociais e de
condiccedilotildees do descaso do poder puacuteblico e da proacutepria conceituaccedilatildeo antiga de
cidadania que ainda eacute concebida por muitos no presente
Em suma nosso trabalho procurou traccedilar a evoluccedilatildeo da cidadania e ao
mesmo tempo buscou traccedilar uma melhor caracterizaccedilatildeo do cidadatildeo agrave luz da nossa
Constituiccedilatildeo que eacute por fim a essecircncia da Magna Carta O alcance da cidadania
enquanto mecanismo de acesso a direitos foi colocado no acircmbito da pessoa
enquanto titular de direitos e num paralelo defendemos que o municiacutepio eacute o espaccedilo
de atuaccedilatildeo e exerciacutecio de cidadania dada a proximidade do cidadatildeo com as
instituiccedilotildees oacutergatildeos entidades e tudo o mais que o cerca na esfera de vivecircncia Eacute na
praccedila que discute a poliacutetica local e nacional que se indigna com as dificuldades e as
56
barreiras de acesso aos seus direitos Eacute no municiacutepio que se inicia todo um vieacutes de
desdobramento para garantir direitos
Por fim natildeo obstante resta dizer sobre o tema que os caminhos e
paradigmas que se intentou percorrer sobre cidadania como mecanismo
transformador da sociedade tem ingrediente ainda a se descortinar para o
propoacutesito valioso do bem comum Pois bem a ideia de bem comum tem como
fundamento o amor maacutexima que se estabelece por meio da democracia visto que
ldquoa demofilia o demoiacutesmo o amor do povo acima de tudo como princiacutepio ativo de
toda a sua vida poliacutetica inspirador duma sempre crescente autonomia imanente eacute
que constitui a verdadeira essecircncia da democraciardquo nas palavras de Melgareacute
(2005)
Dessa forma eacute no nuacutecleo da democracia que estaacute inscrito como pedra
angular o respeito e o amor pela pessoa humana Eacute pois um tema de larga
abrangecircncia poreacutem sem querer abreviar o caminho sua efetiva possibilidade de
realizaccedilatildeo se encontra no exerciacutecio da cidadania sem repuacutedios parciais ou exclusatildeo
de qualquer ordem na plenitude de uma cidadania para todos
57
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58
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33
Estados e Municiacutepios e do Distrito Federal constitui-se em Estado Democraacutetico de
Direito e tem como fundamentos dentre outros a cidadania (inc II) Como jaacute
mencionado
Na mesma esteira o disposto no art 5ordm incisos LXXI (conceder-se-aacute
mandado de injunccedilatildeo sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviaacutevel o
exerciacutecio dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes agrave
nacionalidade agrave soberania e agrave cidadania) e LXXVII (satildeo gratuitas as accedilotildees de
habeas-corpus e habeas-data e na forma da lei os atos necessaacuterios ao exerciacutecio
da cidadania) No seu Tiacutetulo VIII Capiacutetulo II Seccedilatildeo I a Carta Magna de 1988
dispotildee ainda que a
Educaccedilatildeo direito de todos e dever do Estado e da famiacutelia seraacute promovida e incentivada com a colaboraccedilatildeo da sociedade visando ao pleno desenvolvimento da pessoa seu preparo para o exerciacutecio da cidadania e sua qualificaccedilatildeo para o trabalho (art 205)
Outro dispositivo em que fica bastante marcada esta nova concepccedilatildeo de
cidadania eacute o art 64 do Ato das Disposiccedilotildees Constitucionais Transitoacuterias que
dispotildee
A Imprensa Nacional e demais graacuteficas da Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios da administraccedilatildeo direta ou indireta inclusive fundaccedilotildees instituiacutedas e mantidas pelo Poder Puacuteblico promoveratildeo ediccedilatildeo popular do texto integral da Constituiccedilatildeo que seraacute posta agrave disposiccedilatildeo das escolas e dos cartoacuterios dos sindicatos dos quarteacuteis das igrejas e de outras instituiccedilotildees representativas da comunidade gratuitamente de modo que cada cidadatildeo brasileiro possa receber do Estado um exemplar da Constituiccedilatildeo do Brasil
Enfim a Constituiccedilatildeo de 1988 enriqueceu e ampliou os conceitos de cidadatildeo
e cidadania Seu entendimento agora como leciona Silva (2005)
Decorre da ideia de Constituiccedilatildeo dirigente que natildeo eacute apenas um repositoacuterio de programas vagos a serem cumpridos mas constitui um sistema de previsatildeo de direitos sociais mais ou menos eficazes em torno dos quais eacute que se vem construindo a nova ideacuteia de cidadania
De forma que natildeo mais se trata de considerar a cidadania como simples
qualidade de gozar direitos poliacuteticos mas sim de aferir-lhe um nuacutecleo miacutenimo e
irredutiacutevel de direitos (fundamentais) que devem se impor obrigatoriamente agrave accedilatildeo
dos poderes puacuteblicos
34
O ordenamento juriacutedico brasileiro consagrou aleacutem dos institutos jaacute
mencionados alguns outros mecanismos de defesa dos direitos e garantias
constitucionais da cidadania como a accedilatildeo civil puacuteblica regulada pela Lei nordm
734785 e accedilatildeo direta de inconstitucionalidade prevista no incIV do art 129 da
Constituiccedilatildeo Federal O Coacutedigo de Defesa do Consumidor o Estatuto da Crianccedila e
do Adolescente e ateacute mesmo o princiacutepio do devido processo legal que resguarda ao
cidadatildeo o acesso agrave justiccedila e direito de ser acionado judicialmente por meio de
procedimentos legais satildeo mecanismos de defesa dos direitos de cidadania
previstos constitucionalmente e garantidos na esfera poliacutetica civil e social
Pode-se observar que a cidadania comeccedilou a ser construiacuteda como resultado
de um processo de luta a partir da conscientizaccedilatildeo dos direitos e deveres do
homem Como vimos a cidadania jaacute em praacutetica em muitos paiacuteses adquire no
Brasil com a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 um novo sentido qual seja o
pressuposto do exerciacutecio pleno de um sistema de direitos e garantias
35
CAPIacuteTULO 3 - CIDADANIA COMO MECANISMO DE
TRANSFORMACcedilAtildeO SOCIAL
No momento em que a cidadania alccedila voos constitucionais e insere-se na
Carta Poliacutetica da Repuacuteblica Federativa do Brasil inicia-se o processo de
redemocratizaccedilatildeo e ganha relevo o cidadatildeo agente deste processo que tem em
suas matildeos a tarefa da construccedilatildeo de um novo tempo
Historicamente a ideia de cidadatildeo conotava o habitante da cidade ndash o
citadino ndash firma-se entatildeo tal conotaccedilatildeo na Antiguumlidade claacutessica para depois
significar aquele indiviacuteduo a quem se atribuem os direitos poliacuteticos Superada essa
acepccedilatildeo que tambeacutem vigorou nas constituiccedilotildees anteriores da Repuacuteblica do Brasil
na concepccedilatildeo moderna estaacute clara a noccedilatildeo de cidadatildeo como aquele que a quem
consiste a titularidade de direitos individuais poliacuteticos e sociais Noccedilatildeo esta
edificada com a internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos que amplia a acepccedilatildeo do
termo declarando que satildeo cidadatildeos todo aquele que habita o acircmbito da soberania
de um Estado e deste Estado recebem uma carga de direitos e tambeacutem deveres dos
mais variados
Desta forma a noccedilatildeo contemporacircnea de cidadania funda-se na dicotomia
direitos (exerciacutecios de direitos fundamentais - participaccedilatildeo) e deveres (colaboraccedilatildeo -
solidariedade) Ao lado dos direitos foram estabelecidos deveres fundamentais e
portanto tanto agentes puacuteblicos como os indiviacuteduos tecircm obrigaccedilotildees especiacuteficas
inclusive a de respeitar os direitos das demais pessoas que vivem na ordem social
sendo e promovendo mecanismos de transformaccedilatildeo social que visam uma nova
sociedade baseada na igualdade e na justiccedila
36
31 O ser cidadatildeo
Os termos indiviacuteduo ser humano pessoa e cidadatildeo satildeo geralmente tomados
como sinocircnimo o que certamente influi na proliferaccedilatildeo de incontaacuteveis significados e
ampliaccedilatildeo do termo cidadatildeo Poreacutem estas palavras apesar de se assemelharem
possuem carga semacircntica proacutepria e da compreensatildeo exata de cada uma decorre a
conceituaccedilatildeo mais acentuada da acepccedilatildeo do termo cidadatildeo como titular de direitos
e deveres resguardados pela constituiccedilatildeo paacutetria
Desta forma indiviacuteduo eacute um representante da espeacutecie aquele que eacute uacutenico
Enquanto ser humano eacute um termo mais geneacuterico ou indeterminado que diz respeito
agrave espeacutecie agrave classificaccedilatildeo ao mundo zooloacutegico Pessoa por sua vez eacute um termo
mais especiacutefico que tem a ver com o mundo civilizado ou se preferirmos com a
constelaccedilatildeo dos valores morais eacuteticos e juriacutedicos proacuteprios da civilizaccedilatildeo
A etimologia da palavra pessoa demonstra que eacute um conceito sobreposto ao conceito de Ser Humano Um refratildeo de origem juriacutedica tambeacutem nos lembra do homo plures pessoa polimorfa o ser humano capaz de desempenhar muitos papeacuteis um mesmo ser humano eacute empresaacuterio e delinquumlente eacute pai e metaluacutergico etc Persona (personagem) era a maacutescara que usavam os atores da trageacutedia grega para desempenhar seu papel Cabe portanto entender o conceito de Ser Humano ao lado do conceito de Pessoa No direito romano antigo os escravos eram seres humanos (homens) mas natildeo eram consideradas pessoas (patriacutecios) Os juristas romanos que usavam o conceito de Ser Humano o dissociavam do conceito de pessoas (CUNHA 2007)
O Ser Humano recebe uma distinccedilatildeo importante quando o consideramos
como Pessoa assim como a Pessoa recebe uma distinccedilatildeo redundante natildeo menos
importante quando a consideramos por forccedila de expressatildeo como uma pessoa
humana Subentendendo o adjetivo humano como relativo agrave eacutetica Portanto Ser
Humano natildeo eacute a mesma coisa que Pessoa como tampouco Ser Humano eacute o
mesmo que cidadatildeo este muito eacute mais proacuteximo do termo Pessoa Vejamos o quadro
ilustrativo que esquematiza e distinguem os referidos conceitos
37
QUADRO 1 ndash EVOLUCcedilAtildeO DO SER HUMANO ATEacute O CIDADAtildeO
O Ser Humano O Ser Indiviacuteduo O Ser Pessoa O Ser Cidadatildeo
A Dimensatildeo do conviacutevio social
A dimensatildeo do mercado de trabalho e
Consumo
A Dimensatildeo de encontrar-se no mundo
A dimensatildeo de intervir na realidade
O homem tornar-se Ser Humano nas relaccedilotildees
de conviacutevio social
O Ser Humano tornar-se indiviacuteduo quando
descobre seu papel e funccedilatildeo social
O Indiviacuteduo torna-se pessoa quanto toma
consciecircncia de si mesmo do outro e do
mundo
A pessoa torna-se cidadatildeo quando
interveacutem na realidade em que vive
Quem estuda o comportamento do Ser
Humano Seria a antropologia a histoacuteria
ou a sociologia
Quem estuda o comportamento do indiviacuteduo Seria a
Filosofia a sociologia ou a Psicologia
Quem estuda o comportamento da pessoa Seria a
Filosofia a sociologia ou a Psicologia
Quem estuda o comportamento do cidadatildeo Seria a
Sociologia a Filosofia ou As ciecircncias
poliacuteticas
Quem garante os direitos do Ser
Humano A Declaraccedilatildeo Universal
dos Direitos Humanos
Quem garante os Direitos do
Consumidor O Coacutedigo do Consumidor
Quem garante os Direitos da pessoa A proacutepria pessoa (amor proacuteprio ou autoestima)
Quem garante os Direitos do cidadatildeo (A Constituiccedilatildeo e suas leis
regulamentares)
Existe realmente uma natureza humana Teologicamente
afirmamos que existe a uma natureza humana
Seguindo a corrente existencialista (JP Sartre) negamos tal
natureza
Que diferenccedila existe entre o direito do
consumidor e o direito do cidadatildeo Ao
Consumidor deve ser dado o direito de
propriedade enquanto ao cidadatildeo deve ser
dado o direito de acesso
O que significa tornar-se pessoa no niacutevel
psicoloacutegico e social A pessoa eacute o indiviacuteduo que toma consciecircncia de si mesmo (ldquoTornar-
se Pessoardquo de Karl Roger)
Como podemos intervir na realidade
modificando as estruturas corruptas e injustas Quando os
direitos do cidadatildeo lhe satildeo oferecidos e o
mesmo passa a exercecirc-lo haacute
modificaccedilatildeo de comportamento
(ROSAS 2009)
O cidadatildeo eacute portanto aquele indiviacuteduo a quem a Constituiccedilatildeo confere direitos
e garantias e lhe daacute o poder do seu efetivo exerciacutecio aleacutem de meios processuais
eficientes contra a violaccedilatildeo de seu gozo ou fruiccedilatildeo por parte do poder puacuteblico
Sendo assim
A passagem do indiviacuteduo a cidadatildeo caracteriza-se pelo reconhecimento pela lei de direitos considerados fundamentais agrave realizaccedilatildeo da vida do homem como indiviacuteduo e ser social membro de uma comunidade poliacutetica e a garantia desses direitos pela forccedila comum de todos (CUNHA 2007)
38
Nas uacuteltimas deacutecadas em alguns paiacuteses inclusive no Brasil desenvolveu-se o
conceito de cidadania calcado principalmente na questatildeo do cidadatildeo-consumidor
As pessoas passam a ser vistas como cidadatildes desde que tenham dinheiro para
adquirir mercadorias e utilizar serviccedilos Eacute certo pois que serviccedilos e mercadorias
atendem a necessidades materiais e simboacutelicas das pessoas e consumi-los eacute um
dos modos de participar da vida social criar identidade e partilhar dos bens
produzidos pela humanidade e representar-se culturalmente Contudo a cidadania
enfatizada apenas como uma relaccedilatildeo de compra e venda de mercadorias e serviccedilos
assume um conteuacutedo restrito individual conformista e voltado apenas para a
aquisiccedilatildeo de bens o que se relaciona com a ideacuteia de indiviacuteduo ou seja o consumo
atende as necessidades do indiviacuteduo
Outra forma de confusatildeo acerca do conceito de cidadatildeocidadania refere-se a
equiparaccedilatildeo feita com o assistencialismo o que configura uma acentuada inversatildeo
do termo uma vez que a praacutetica do assistencialismo natildeo propicia meios de
superaccedilatildeo das desigualdades sociais Enquanto a cidadania estaacute relacionada agrave
superaccedilatildeo das desigualdades sociais e a extensatildeo da garantia dos direitos de todos
O cidadatildeo eacute sem duacutevida uma expressatildeo que precisa ser adequadamente
utilizada e vivenciada pela coletividade compreendido na dimensatildeo do ser pessoa
de ter direitos e deveres do assumir as suas liberdades e responsabilidades no seio
de uma comunidade democraacutetica equitativa solidaacuteria e intercultural
Dessa forma ser cidadatildeo implica saber viver em sociedade estando ciente
dos anseios comuns A participaccedilatildeo ativa nas decisotildees de sua comunidade
influencia modos de vida de maneira positiva ao seu redor assim torna-se
imprescindiacutevel o exerciacutecio dos direitos constitucionais adquiridos e lutar pelos que
viratildeo eacute sobretudo estar consciente de todas as atitudes tomadas em prol da
sociedade
Eacute possiacutevel nesse espaccedilo de discussatildeo falar em ldquoestar cidadatildeordquo que eacute natildeo
praticar o exerciacutecio da cidadania em nenhuma de suas formas Implica apenas em
se deixar levar pelos acontecimentos e ainda reclamar das situaccedilotildees vividas sem
nada fazer para mudar sem nenhuma perspectiva de futuro Do que concluiacutemos que
a dinacircmica de intervir na realidade eacute pressuposto de cidadania
Ser cidadatildeo eacute tarefa que requer muito do ser humano do individuo da
pessoa Requer uma alta - estima elevada uma consciecircncia solidaacuteria uma
39
identidade que se reconheccedila na dinacircmica social interagindo com o outro ampliando
debates incitando justiccedila eacute sem duvida uma tomada de posiccedilatildeo que natildeo se
acomoda pelo contraacuterio se incomoda quando natildeo haacute comprometimento para o bem
comum
Natildeo eacute uma tarefa cocircmoda senatildeo muito complicada as pessoas natildeo nascem cidadatildeos mas fazem-se no tempo e no espaccedilo Na verdade natildeo eacute faacutecil exercer a liberdade e a cidadania ndash ser pessoa e ser cidadatildeo ndash por isso exige-se uma luta sem treacuteguas para erradicar assimetrias e exclusotildees socioculturais e criar cenaacuterios de esperanccedila realizaacuteveis fundamentados em valores e princiacutepios eacuteticos que requalifiquem a democracia com cidadatildeos participativos e
comprometidos ( SAEZ 1995)
Tem portanto como pressuposto uma mudanccedila de comportamento uma
tomada de posiccedilatildeo frente agrave dinacircmica social na qual estaacute inserido participando de
forma ativa e produtiva do processo de construccedilatildeo da cidadania por meio de seus
diversos canais
32 Emancipaccedilatildeo social atraveacutes da cidadania
Um Estado Democraacutetico eacute aquele que estaacute enraizado na legitimidade do
poder do povo e dele decorre seu exerciacutecio Assim o poder do povo eacute a expressatildeo
a aptidatildeo de homens e mulheres constituir autonomamente seu viver sem sucumbir
diante das instacircncias de poder Haacute nesse modus vivendi uma tutela das diferenccedilas e
pluralidades de formas de vida
Desta forma a cidadania eacute enfocada como o processo de participaccedilatildeo do
individuo ou de um grupo organizado nas mais variadas aacutereas de atuaccedilatildeo na
sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos sociais com a consciecircncia
da responsabilidade por sua proacutepria histoacuteria
Sendo a democracia o regime em que o povo governa sua caracteriacutestica
inarredaacutevel eacute a de ter o povo agrave frente do poder uma forma de autogoverno Em
assim sendo a cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia por meio de resultados
palpaacuteveis e medidas concretas tais como mudanccedilas na realidade de cada um com
melhoria de vida e conscientizaccedilatildeo da importacircncia na sociedade para o exerciacutecio
40
direto ou indireto desse poder pois se contentar com fato do direito estaacute prescrito
em lei natildeo eacute o bastante
Eacute certo poreacutem que o Estado democraacutetico somente se aperfeiccediloa na
proporccedilatildeo em que o povo age ativamente na medida em que os representantes
reflitam em seus atos os verdadeiros anseios populares Partindo dessa visatildeo a
cidadania eacute o grande fator de legitimaccedilatildeo do povo permitindo que ele aja em defesa
das instituiccedilotildees democraacuteticas
Sobre a participaccedilatildeo cumpre asseverar que este direito significa a
capacidade de ser consultado para as tomadas de decisatildeo que dizem respeito agrave
direccedilatildeo da sociedade em que vive o cidadatildeo este direito eacute acompanhado do
respeito aos deveres de contribuir para o progresso social e de acatar e respeitar o
resultado obtido em consulta coletiva
No elenco de mecanismo de exerciacutecio da cidadania estaacute o acesso ao direito e
a justiccedila que eacute fator preponderante para efetivar as garantias constitucionais
Assim passaremos a discorrer sobre a importacircncia de instrumentalizar o
cidadatildeo para um pleno exerciacutecio de seus direitos
Eacute Sabido que no Estado Democraacutetico Contemporacircneo os direitos
fundamentais constitucionalmente assegurados tecircm eficaacutecia imediata cumprindo ao
Estado garantir a todos os cidadatildeos o respeito a esses Direitos de modo concreto e
efetivo natildeo obstante as inuacutemeras desigualdades e condiccedilotildees adversas que
dificultam na praacutetica o seu exerciacutecio
Para o acesso ao direito o Estado deve desenvolver com eficiecircncia uma seacuterie
de atividades essenciais e dar efetividade a uma seacuterie de pressupostos Dentre eles
o principal eacute o conhecimento do Direito como fator preponderante pois o
desconhecimento da lei implica na praacutetica natildeo acionar a jurisdiccedilatildeo Um fato que
contribui para essa assertiva eacute baixa escolaridade da populaccedilatildeo e o analfabetismo
Muito pouco adianta a existecircncia de uma Constituiccedilatildeo apenas formal ou no
papel se ilegiacutetima ou desrespeitada Para que ocorra a eficaacutecia das normas
dispostas numa Constituiccedilatildeo ou melhor para que passe da teoria agrave praacutetica eacute
essencial que comandados e comandantes tenham conhecimento dos seus direitos
e responsabilidades assim como dos instrumentos juriacutedicos para efetivaacute-los (leis
regulamentadoras) O exerciacutecio da cidadania natildeo eacute somente um direito mas eacute
tambeacutem um dever de todos pois a omissatildeo de cada um contribui com as injusticcedilas e
as impunidades tatildeo presentes nos dias atuais
41
A Constituiccedilatildeo quando eacute justa e legiacutetima e principalmente quando eacute
respeitada eacute um poderoso instrumento de promoccedilatildeo e desenvolvimento social e
humano
Outro fator que deve ser considerado eacute a miserabilidade que coloca inuacutemeros
brasileiros a margem da sociedade em situaccedilatildeo precaacuteria os quais para Pinsky
(2004) ldquodesprovidos de esperanccedila de projeto de qualquer perspectiva de inclusatildeo
[] recorrer agrave Justiccedila humana parece algo irrealizaacutevel sofisticado e inteiramente
ficcionalrdquo
Desta forma o primeiro passo para concretizar os direitos previstos
constitucionalmente eacute a formaccedilatildeo do cidadatildeo atraveacutes da Educaccedilatildeo Baacutesica
infundindo-lhe a consciecircncia dos seus direitos e tambeacutem dos seus deveres sociais
bem como dos valores humanos fundamentais que devem ser por todos respeitados
na vida em sociedade A universalizaccedilatildeo do ensino fundamental a oferta obrigatoacuteria
de educaccedilatildeo infantil pelo Estado e o crescimento da oferta do ensino meacutedio satildeo
alguns dos aspectos que merecem destaques e foi devido agrave determinaccedilatildeo
constitucional de estabelecer o caraacuteter obrigatoacuterio do ensino fundamental e de
responsabilizar o Estado por sua implementaccedilatildeo que tem iniacutecio o processo de
avanccedilo desse segmento
A Constituiccedilatildeo estabeleceu de forma mais clara o papel dos entes federados
na educaccedilatildeo Tambeacutem aumentou a participaccedilatildeo orccedilamentaacuteria destinada ao setor
Com as novas regras para distribuiccedilatildeo de recursos adotadas apoacutes a promulgaccedilatildeo
da Carta os municiacutepios voltam a interessar-se pela educaccedilatildeo fundamental e o paiacutes
atinge a universalizaccedilatildeo do setor o que se busca agora satildeo mecanismos para
garantir a qualidade no ensino
O segundo passo nessa dinacircmica eacute o oferecimento a todos os cidadatildeos de
condiccedilotildees miacutenimas de sobrevivecircncia e de existecircncia condignas atraveacutes do acesso
ao trabalho produtivo livremente escolhido e do pagamento de remuneraccedilatildeo capaz
de prover ao sustento do trabalhador e de sua famiacutelia
Para milhotildees de cidadatildeos que vivem na ignoracircncia e na miseacuteria nenhuma
utilidade ou eficaacutecia tecircm os inuacutemeros direitos constitucionalmente assegurados Para
aqueles que se habituaram a retirar proventos da mendicacircncia da prostituiccedilatildeo de
atividades iliacutecitas ou aqueles que se sentiram forccedilados a sujeitar-se agrave exploraccedilatildeo de
outrem para sobreviver natildeo haacute nenhuma crenccedila na dignidade da pessoa humana e
no valor social do trabalho
42
A pobreza engendra inuacutemeras relaccedilotildees de dominaccedilatildeo entre pessoas e entre grupos sociais As habitaccedilotildees subumanas da periferia das grandes cidades no Brasil constituem verdadeiros quistos sociais terras sem lei controladas por xerifes ou por quadrilhas de malfeitores O Estado que natildeo for capaz de dotar essas comunidades do acesso efetivo agrave Educaccedilatildeo agrave Sauacutede agrave Seguranccedila e agrave Paz Puacuteblicas e ao trabalho liacutecito certamente natildeo lhes estaraacute assegurando o acesso ao Direito porque a populaccedilatildeo abrutalhada pela miseacuteria e coagida pelo medo natildeo desfruta da miacutenima eficaacutecia concreta dos
seus direitos fundamentais (GRECO 2009)
Evidencia que acesso ao Direito nas sociedades modernas mesmo nas
economicamente desenvolvidas exige o fortalecimento dos grupos intermediaacuterios e
do associativismo O cidadatildeo natildeo estaacute mais em condiccedilotildees de defender-se
individualmente das ameaccedilas e lesotildees aos seus direitos perpetradas por pessoas ou
grupos que se encontram em posiccedilatildeo de vantagem nas relaccedilotildees econocircmicas e
sociais
O sindicato veio exercer este importante papel em relaccedilatildeo ao trabalhador
empregado Mas hoje as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo natildeo satildeo apenas as que existem no
mundo do trabalho mas as que se revelam em todos os tipos de relaccedilotildees humanas
relaccedilotildees de consumo relaccedilotildees de vizinhanccedila relaccedilotildees locatiacutecias relaccedilotildees
comerciais internas e internacionais e natildeo com menor relevacircncia relaccedilotildees entre os
particulares e o Estado entre outras
Eacute preciso assegurar esse equiliacutebrio na praacutetica o que somente tornar-se-aacute
possiacutevel atraveacutes da articulaccedilatildeo dos sujeitos que se encontram em posiccedilatildeo de
desvantagem em organizaccedilotildees e associaccedilotildees que pela uniatildeo de esforccedilos
consigam compensar o desequiliacutebrio existente e dar aos indiviacuteduos e grupos a forccedila
e a capa de proteccedilatildeo necessaacuterias para ombrearem-se aos seus adversaacuterios e
lutarem pelos seus direitos ou interesses em igualdade de condiccedilotildees
Para Greco (2009) o pressuposto indispensaacutevel do acesso ao Direito eacute a
transparecircncia do Estado no trato de questotildees que possam afetar a esfera de
interesses dos cidadatildeos e complementa que aos cidadatildeos eacute indispensaacutevel
assegurar o direito de influir eficazmente nas decisotildees do poder puacuteblico atraveacutes dos
mais diversos instrumentos de participaccedilatildeo democraacutetica Ele afirma que
A relaccedilatildeo Estado-cidadatildeo natildeo eacute mais a relaccedilatildeo soberano-suacutedito O cidadatildeo tem o direito de exigir do Estado o pleno respeito ao seu
43
patrimocircnio juriacutedico Lamentavelmente a crise do Estado tem levado o Brasil a aceitar-se como normal que as pessoas juriacutedicas de Direito Puacuteblico natildeo cumpram devidamente as prestaccedilotildees positivas de que satildeo devedoras perante os particulares cabendo a estes demandar na Justiccedila para obtecirc-las (GRECO 2009)
Essa visatildeo deformada da responsabilidade do Estado ocorre o
desvirtuamento da justiccedila Por outro lado agrave violaccedilatildeo da garantia constitucional da
tutela jurisdicional efetiva (Constituiccedilatildeo artigo 5 inciso XXXV) disciplina a lei natildeo
excluiraacute da apreciaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio lesatildeo ou ameaccedila ao direito Assim o
acesso ao Direito natildeo estaraacute concretamente assegurado se o Estado natildeo oferecer a
todo cidadatildeo a possibilidade de receber aconselhamento juriacutedico a respeito dos seus
direitos
Constituiccedilatildeo de 1988 no artigo 5deg inciso LXXIV assegurou a todos
ldquoassistecircncia juriacutedicardquo a englobar assistecircncia judiciaacuteria e assessoramento juriacutedico
extrajudicial Conforme Greco (2009) ldquoeacute preciso que esse direito seja assegurado
na praacutetica Uma vez que na vida moderna o Direito tornou-se excessivamente
complexordquo Ainda no dizer do autor a consciecircncia juriacutedica do homem comum que
deve ser adquirida na famiacutelia e na escola natildeo eacute mais suficiente para a tomada de
decisotildees na vida diaacuteria das pessoas Todas as pessoas mantecircm complexas relaccedilotildees
juriacutedicas com instituiccedilotildees financeiras com fornecedores de bens e de serviccedilos etc
Nessas relaccedilotildees juriacutedicas com frequecircncia os cidadatildeos tecircm de tomar decisotildees
raacutepidas O cidadatildeo que tem meios procura um advogado particular para assessoraacute-
lo Ao pobre o Estado deve assegurar o mesmo direito em plenitude
Sem duacutevida o uacuteltimo pressuposto do acesso ao Direito eacute o acesso agrave Justiccedila
no sentido de acesso a um tribunal estatal imparcial previamente instituiacutedo como
competente para a soluccedilatildeo de qualquer litiacutegio a respeito de interesse que se afirme
juridicamente protegido ou para a praacutetica de qualquer ato que a lei subordine agrave
aprovaccedilatildeo autorizaccedilatildeo ou homologaccedilatildeo judicial
Se o cidadatildeo tem consciecircncia dos seus direitos se o Estado lhe fornece
todas as condiccedilotildees para livremente exercecirc-los mas algum outro cidadatildeo ou algum
oacutergatildeo do proacuteprio Estado impede ou dificulta esse exerciacutecio cabe ao poder puacuteblico
pocircr agrave disposiccedilatildeo do cidadatildeo lesionado ou ameaccedilado a jurisdiccedilatildeo necessaacuteria para
assegurar o pleno acesso a tal direito
Atingimos eacute certo um estaacutegio de desenvolvimento do Direito Humanitaacuterio que
natildeo mais nos permite conformar-nos com uma realidade distante do padratildeo de
44
convivecircncia humana que outras naccedilotildees jaacute alcanccedilaram O exerciacutecio pleno de
cidadania seraacute obra de mais de uma geraccedilatildeo Mas se trabalharmos com firmeza
certamente os jovens de hoje poderatildeo legar aos seus descendentes a emancipaccedilatildeo
cidadatilde um paiacutes melhor e uma sociedade mais justa e democraacutetica
33 O municiacutepio como acircmbito de exerciacutecio de cidadania
Historicamente o Municiacutepio enquanto unidade poliacutetico-administrativa surgiu
conforme descreve Berardi (2004) com a Repuacuteblica Romana interessada em
manter a dominaccedilatildeo paciacutefica das cidades conquistadas pela forccedila dos exeacutercitos
Sua origem mais de natureza socioloacutegica do que poliacutetica adveacutem do espiacuterito
associativo do homem e de suas relaccedilotildees de vizinhanccedila
Eacute pois a menor unidade territorial de Federaccedilatildeo cuja criaccedilatildeo reflete a base
da organizaccedilatildeo poliacutetica administrativa da Naccedilatildeo Portanto sua funccedilatildeo administrativa
historicamente vem assentada no princiacutepio do direito natural
O artigo primeiro da Constituiccedilatildeo Federal de 1998 estabelece que o
Municiacutepio ao lado dos Estados e do Distrito Federal formam a Republica Federativa
do Brasil que se constitui em Estado Democraacutetico de Direito O municiacutepio tem assim
um poder relevante para a aplicaccedilatildeo da democracia direta iniciada e fortalecida em
niacutevel local Diversos pensadores chegaram a afirmar que a descentralizaccedilatildeo de
poder resultante da constituiccedilatildeo Cidadatilde era antes de tudo uma conquista dos
Municiacutepios sendo eles os berccedilos da perpetuaccedilatildeo da Repuacuteblica e da Democracia
efetivamente por serem o uacutenico niacutevel de governo possuidores de respaldo e
localizaccedilatildeo fiacutesica ou seja solo municipal
Eacute certo que a Carta Magna de 1988 consolidou significativas inovaccedilotildees para a
vida municipal de forma que o Municiacutepio passou a constituir um dos entes da
federaccedilatildeo tratando-o como unidade dotada de autonomia poliacutetica expressa na
capacidade de poder elaborar a sua Lei Orgacircnica fugindo assim da tutela dos
estados que ateacute entatildeo eram considerados como uacutenicos componentes da federaccedilatildeo
45
A Lei Orgacircnica Municipal traz em seu bojo aleacutem da organizaccedilatildeo
administrativa do Municiacutepio a restauraccedilatildeo do Poder Legislativo municipal definindo
a diversificaccedilatildeo normativa que natildeo existia nas leis organizacionais outorgadas pelo
Estado reflexo do poder constituinte outorgados aos Municiacutepios pela Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 como consequecircncia do efetivo exerciacutecio do conceito de Estado
Democraacutetico de Direito
O Municiacutepio enquanto ente federativo tem atualmente a responsabilidade de
ordenar o seu desenvolvimento social e a garantia do bem estar de seus habitantes
executando poliacuteticas puacuteblicas de accedilotildees a serem empreendidas na consolidaccedilatildeo
democraacutetica do Estado
Fundada no elemento participaccedilatildeo o exerciacutecio de cidadania amplamente
citado encontra sua efetividade no municiacutepio Pois eacute nesse acircmbito de localizaccedilatildeo
que as pessoas mantecircm um contato direto com os poderes instituiacutedos suas
necessidades imediatas e mediatas satildeo objetos da disciplina da Lei que visa o bem
comum base do Estado democraacutetico de Direito
Baseado na maacutexima do municipalista e defensor da descentralizaccedilatildeo poliacutetica
Franco Motoro sabiamente proferiu que ldquoningueacutem vive na Uniatildeo ou no Estado As
pessoas vivem no Municiacutepiordquo Assim a cidadania encontra seu melhor espaccedilo de
realizaccedilatildeo na comunidade onde convive A vida em comunidade gera anseios
comuns sentimentos comuns uma vez que a convivecircncia propicia que as pessoas
se conheccedilam e se reconheccedilam como membros de uma mesma realidade
De acordo com Harvey (1992) ldquoa globalizaccedilatildeo provoca anonimato enquanto
comunidade cultiva solidariedaderdquo o que implica participaccedilatildeo para o exerciacutecio de
cidadania
Tudo o que acontece no mundo seja no meu paiacutes na minha cidade ou no meu bairro acontece comigo Entatildeo eu preciso participar das decisotildees que interferem na minha vida Um cidadatildeo com um sentimento eacutetico forte e consciecircncia da cidadania natildeo deixa passar nada natildeo abre matildeo desse poder de participaccedilatildeo (Herbert de Souza Betinho)
Com esse embasamento natildeo se pode perder de vista que eacute nas relaccedilotildees
diaacuterias de oposiccedilatildeo ou solidariedade que as pessoas exercem cidadania Na relaccedilatildeo
do com o outro com os poderes ao estabelecer com a vida social e puacuteblica uma
46
convivecircncia posto que cidadania eacute tarefa que natildeo termina natildeo eacute um conceito
pronto tatildeo pouco acabado enquanto seres inacabados que somos estaremos
buscando descobrindo criando e tomando consciecircncia mais ampla dos direitos
O desafio eacute construir um novo discurso sobre cidadania atraveacutes de uma
praacutetica poliacutetica sustentada isto eacute realizada em dois niacuteveis
O primeiro niacutevel na base atraveacutes de construccedilatildeo das capacidades e do poder
proacuteprio da populaccedilatildeo o que envolve inevitavelmente uma mudanccedila de atitude na
busca para garantir seus direitos utilizando-se do grau de autonomia local
Essa atitude conceberia agrave democracia participativa como uma poliacutetica paralela
de intervenccedilatildeo social criando e mantendo novos espaccedilos para a tomada de
decisotildees ou seja para o auto-governo pela populaccedilatildeo nas mateacuterias que afetam
diretamente suas vidas
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade
O segundo niacutevel um governo com o povo e natildeo apenas para o povo fundado
nos ditames constitucionais valorizando o sentimento da sociedade no exerciacutecio da
governabilidade de modo que o balizamento das accedilotildees de governo deixaria de estar
no proacuteprio governo e passaria a estabelecer-se a partir do pensar da sociedade Um
governo que se pergunta o que se deve fazer para ouvir com a maior fidelidade
possiacutevel a sociedade suas instituiccedilotildees representativas e o cidadatildeo Pois as
prioridades da gestatildeo deveriam ser definidas pela sociedade e natildeo mais pelo
governo
Portanto nesses termos eacute preciso considerar que as praacuteticas da
administraccedilatildeo puacuteblica sejam democratizadoras e inclusivas inspiradas nos
princiacutepios da legalidade impessoalidade moralidade publicidade e eficiecircncia Esta
uacuteltima buscou estabelecer uma Administraccedilatildeo Puacuteblica mais eficiente no sentido de
que o cidadatildeo como destinataacuterio dos serviccedilos puacuteblicos que o Estado deve prestar
receba-os com maior qualidade e menor custo para o eraacuterio puacuteblico
Para a consecuccedilatildeo desse governar com o povo alguns pontos devem ser
revistos A mudanccedila implica na necessidade de adequaccedilatildeo reorganizaccedilatildeo
47
reformulaccedilatildeo Para isso se faz premente em face dos novos e modernos conceitos
de gestatildeo puacuteblica a superaccedilatildeo do tradicional vezo burocraacutetico que vem convertendo
a Administraccedilatildeo nas palavras Dromi (1995) numa cara ldquomaacutequina de impedirrdquo fiel
ldquocoacutedigo do fracassordquo que dispotildee ldquoartigo primeiro natildeo pode artigo segundo em
caso de duacutevida abstenha-se artigo terceiro se eacute urgente espere artigo quarto
sempre eacute mais prudente natildeo fazer nadardquo numa posiccedilatildeo natildeo burocraacutetica e sim
democraacutetica de considerar que organizaccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica inclui a
praacutetica de ver os cidadatildeos como membros plenos da comunidade poliacutetica tendo
acesso e exercitando direitos as que promovem a organizaccedilatildeo da populaccedilatildeo em
torno de temas de interesse comum as que incluem o controle social sobre a
gestatildeo o debate amplo e informado sobre questotildees de governo e que abrem agrave
populaccedilatildeo as decisotildees sobre estas questotildees Como leciona e Barrientos (2000)
Tratam-se de praacuteticas que natildeo buscam somente melhorar a eficiecircncia administrativa das diferentes organizaccedilotildees puacuteblicas mas que incorporam no seu processo de gestatildeo a dimensatildeo ativa da cidadania isto eacute ldquoque facilitam as iniciativas e responsabilidades de todos os envolvidos[] estabelecendo pontes entre Estado e sociedade civil
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade Acreditamos
que o ponto de partida eacute a atitude aliada agrave solidariedade e ao espiacuterito coletivo Pois
governo e cidadatildeos juntos haveratildeo de cumprir um novo papel no processo de
desenvolvimento como agentes de uma nova cultura
Como afirma Peter Drucke
A parceria comunitaacuteria seraacute um dos verdadeiros setores em crescimento das economias desenvolvidas Surge da necessidade de uma participaccedilatildeo mais direta e efetiva da comunidade nas grandes questotildees da vida social pois natildeo existe ningueacutem melhor que o cidadatildeo para saber o que ele quer para si para sua famiacutelia e para sua comunidade (apud RAMOS 1990)
48
O envolvimento efetivo da sociedade nas questotildees sociais natildeo eacute apenas uma
postura moderna Significa antes de tudo uma atitude digna de todos aqueles que
desejam exercer sua cidadania contribuindo para um paiacutes melhor e em especial
para uma sociedade mais justa fraterna e solidaacuteria
Na histoacuteria observa-se a grande coragem das pessoas em construir o
reconhecimento delas proacuteprias e de seus direitos sempre buscando a participaccedilatildeo e
defendendo os Direitos Humanos Sem duacutevida a maior ecircnfase que deve ocorrer
para a construccedilatildeo real da cidadania eacute uma mudanccedila na sociedade O melhor a ser
feito eacute reforccedilar a organizaccedilatildeo democraacutetica buscando novas formas de participaccedilatildeo
social pois cidadania natildeo se resume ao poder de votar ou ser votado mas eacute sempre
na efetiva participaccedilatildeo popular pois somente com isso haacute a verdadeira
conscientizaccedilatildeo e o comprometimento daquele que passa a se sentir cidadatildeo
abandonando-se velhos viacutecios da poliacutetica representativa
Desse modo a participaccedilatildeo do povo no momento das reivindicaccedilotildees das
discussotildees e apreciaccedilotildees de projetos que visem agrave melhoria da comunidade local a
exigecircncia de transparecircncia na administraccedilatildeo da coisa puacuteblica dentre outras eacute quem
daraacute embasamento para as verdadeiras conquistas sociais no Municiacutepio que geram
saudaacuteveis formas de pressatildeo por efetivas poliacuteticas puacuteblicas de inclusatildeo social
gerando o fim do clientelismo poliacutetico tatildeo pejorativo e comum em nossa realidade e
cultura poliacutetica
Somente a participaccedilatildeo social eacute que iraacute causar uma real democratizaccedilatildeo do
poder A afirmaccedilatildeo da cidadania eacute pressuposto para a realizaccedilatildeo dos Direitos
Humanos pois os homens natildeo nascem naturalmente iguais Inclusive para que
ocorra a realizaccedilatildeo dos referidos direitos eacute necessaacuterio tambeacutem que exista um
espaccedilo puacuteblico que seja realmente democraacutetico e acessiacutevel possibilitando a
participaccedilatildeo de todos e esse espaccedilo eacute certamente o municiacutepio
Na praacutetica um forte instrumento de cidadania para atender as necessidades
coletivas eacute o orccedilamento participativo previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal que
determina expressamente a realizaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas e a participaccedilatildeo
popular nos processos de elaboraccedilatildeo e conduccedilatildeo dos orccedilamentos como forma de
incentivo agrave preparaccedilatildeo e execuccedilatildeo de planejamentos que envolvam diretamente o
povo A Lei veio incentivar a sua propagaccedilatildeo para todos os entes federativos tendo
em conta que se trata de uma tendecircncia mundial por legitimar as escolhas e
fortalecer o princiacutepio da transparecircncia
49
Os meios de acesso do cidadatildeo junto aos Poderes Puacuteblicos eacute uma realidade
no Estado Democraacutetico de Direito brasileiro a exemplo das sessotildees do Poder
Legislativo que satildeo puacuteblicas ficando abertas a todos que delas quiserem participar
Emite-se uma pauta antes do comeccedilo da sessatildeo com a preacutevia dos debates Em
niacutevel municipal verifica-se um acompanhamento mais incisivo sobre as sessotildees das
Cacircmaras de Vereadores como forma de pressatildeo para aprovaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees
da comunidade avaliaccedilatildeo do desempenho e aceitaccedilatildeo de propostas orccedilamentaacuterias
e atuaccedilatildeo dos poliacuteticos bem como entendimento das funccedilotildees do Poder Legislativo
A Constituiccedilatildeo Federal assegura desde 1988 a possibilidade de se oferecer
peticcedilatildeo agraves Mesas Legislativas como forma de pedir informaccedilotildees sobre andamento
de projetos ou relatoacuterios encaminhados aos chefes do Poder Executivo Em niacutevel
municipal pode ser utilizada a Tribuna Livre como instrumento para denuacutencias de
problemas ou discussatildeo de um tema ou mesmo para apresentar sugestotildees sendo
regulado pela Lei Orgacircnica Municipal e pelo Regimento Interno da Cacircmara
A convocaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas tambeacutem possui previsatildeo constitucional
no art 58 sect 20 inciso II em niacutevel federal As comissotildees podem em razatildeo da
mateacuteria de sua competecircncia realizar audiecircncias puacuteblicas com entidades da
sociedade civil E nada obsta que estejam previstas formas de articulaccedilatildeo da
sociedade civil com os Presidentes das Comissotildees da Cacircmara no seu Regimento
Interno em acircmbito municipal
Os dispositivos da Constituiccedilatildeo Federal que dispotildeem sobre a forma de
participaccedilatildeo direta do cidadatildeo e da sociedade civil no processo democraacutetico natildeo se
pode negar que trouxe novas perspectivas De modo geral podemos citar
Art 29 A lei orgacircnica dos Municiacutepios tem que observar entre os seus
preceitos ldquocooperaccedilatildeo das associaccedilotildees representativas no planejamento municipalrdquo
Art 31 As contas dos municiacutepios ficaratildeo durante 60 (sessenta) dias
anualmente a disposiccedilatildeo de qualquer contribuinte para exame e apreciaccedilatildeo o qual
poderaacute questionar-lhes a legitimidade nos termos da lei
Art37 sect 3ordm (EC-1998) A lei disciplinaraacute as formas de participaccedilatildeo do usuaacuterio
na administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta regulando especialmente
I- as reclamaccedilotildees relativas a prestaccedilatildeo dos serviccedilos puacuteblicos em geral asseguradas
a manutenccedilatildeo de serviccedilo de atendimento ao usuaacuterio e a avaliaccedilatildeo perioacutedica externa
e interna da qualidade dos serviccedilos
50
II- o acesso dos usuaacuterios a registros administrativos e a informaccedilatildeo sobre atos de
governo observado o disposto no art 5ordm X e XXXIII
III- a disciplina da representaccedilatildeo conta o exerciacutecio negligente ou abusivo de cargo
emprego ou funccedilatildeo na administraccedilatildeo puacuteblica
Art 74 sect 2ordm Qualquer cidadatildeo partido poliacutetico associaccedilatildeo ou sindicato eacute
parte legiacutetima para na forma de lei denunciar irregularidades ou ilegalidades perante
o Tribunal de Contas da Uniatildeo
Art194 paraacutegrafo uacutenico Compete ao Poder Puacuteblico nos termos da lei
organizar a seguridade social com base nos seguintes objetivos ()
VII ndash caraacuteter democraacutetivo descentralizado na administraccedilatildeo mediante gestatildeo
quadripartite com participaccedilatildeo dos trabalhadores dos empregados e dos
aposentados e do Governo nos oacutergatildeos colegiados nos oacutergatildeos colegiados
Art 198 As accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede integram uma rede
regionalizada e hierarquizada o constituem um sistema uacutenico organizado de acordo
com as seguintes diretrizes
III ndash participaccedilatildeo da comunidade
Art 202 sect 6ordm A lei complementa a que se refere o sect 4ordm deste artigo
estabeleceraacute os requisitos para a designaccedilatildeo dos membros das diretorias das
entidades fechadas de previdecircncia privada e disciplinaraacute a inserccedilatildeo dos
participantes nos colegiados e instacircncias de decisatildeo em que seus interesses sejam
objeto de discussatildeo e deliberaccedilatildeo
Art 204 As accedilotildees governamentais na aacuterea de assistecircncia social seratildeo
organizadas com base nas seguintes diretrizes
II ndash Participaccedilatildeo da populaccedilatildeo por meio de organizaccedilotildees representativas na
formulaccedilatildeo das poliacuteticas e no controle das accedilotildees em todos os niacuteveis
O protagonista na concretizaccedilatildeo dos direitos humanos e na ampliaccedilatildeo da cidadania eacute um sujeito coletivo de um trabalho sempre inacabado eis que se tratam de tarefas e conquistas cotidianas e gradativas obras que soacute podem ser realizada a muitas matildeos no partilhar e compartilhar da vida (COSTA NETO 2010)
A ampliaccedilatildeo da cidadania requer a consciecircncia de que os direitos pressupotildeem
deveres de maneira que os direitos de um indiviacuteduo satildeo garantidos a partir do
cumprimento dos deveres dos demais componentes da sociedade
51
34 A necessaacuteria superaccedilatildeo de velhos paradigmas
Como se sabe em 1988 foi aprovada a Constituiccedilatildeo mais liberal e
democraacutetica do Brasil chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo Assim ampliou-se de
forma significativa o campo dos direitos e garantias fundamentais No que diz
respeito a tal mateacuteria eacute considerada como uma das mais avanccediladas do mundo No
seu preacircmbulo adota o modelo de um Estado democraacutetico de Direito destinado a
garantir o exerciacutecio dos direitos sociais e individuais a liberdade a seguranccedila o
bem-estar o desenvolvimento a igualdade e a justiccedila eleitos como valores
supremos de uma sociedade fraterna pluralista e sem preconceitos
Para a construccedilatildeo democraacutetica da cidadania no Brasil contemporacircneo
salienta-se de ela deve passar de uma democracia representativa para uma
cidadania que efetivamente molde a democracia ou seja uma cidadania instituinte
da democracia
No acircmbito constitucional positivo cidadania pressupotildee o exerciacutecio de todos
os direitos fundamentais e garantias que caracterizam o Estado democraacutetico de
Direito Quando se fala em cidadania eacute no sentido de reafirmar o direito pela plena
realizaccedilatildeo do indiviacuteduo do cidadatildeo dos entes coletivos e de sua emancipaccedilatildeo nos
espaccedilos da sociedade Estatildeo sempre intimamente ligados os conceitos de
cidadania democracia e direitos humanos sendo que um remete ao outro e seus
conteuacutedos se interligam ou seja a cidadania natildeo iraacute ocorrer sem que ocorra a
realizaccedilatildeo dos Direitos Humanos da mesma forma que os direitos humanos natildeo
seratildeo concretizados se natildeo houver o exerciacutecio da cidadania
Na evoluccedilatildeo histoacuterica tais categorias se desenvolveram de forma conjunta
com o Estado Representam noccedilotildees desejaacuteveis de relaccedilotildees humanas que se espera
sejam instituiacutedas Satildeo os elementos basilares na nova ordem social e que a
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 pretendeu edificar Poreacutem a democracia poliacutetica natildeo
resolveu os problemas econocircmicos mais seacuterios como a desigualdade e o
desemprego Continuam muito seacuterios os problemas da aacuterea social principalmente
na educaccedilatildeo nos serviccedilos de sauacutede e saneamento como tambeacutem e
principalmente quanto agrave seguranccedila puacuteblica
52
A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 em seu artigo 6ordm e em outros artigos no texto
constitucional ampliou e muito os Direitos Sociais proibiu discriminaccedilotildees Assim
indicadores baacutesicos de qualidade de vida apontam que houve uma melhoria A
mortalidade infantil por exemplo caiu de maneira significativa nos uacuteltimos anos A
esperanccedila de vida ao nascer passou de 60 anos em 1980 para 70 em 2000 Poreacutem
o maior progresso foi na aacuterea da educaccedilatildeo fundamental que eacute considerado fator
decisivo para a cidadania pois a taxa de analfabetismo caiu consideravelmente
entretanto existem muitos problemas no campo educacional como a repetecircncia e
com relaccedilatildeo a desigualdade social entre as regiotildees
A grande concentraccedilatildeo da riqueza nacional nas matildeos de poucos reflete a
desigualdade e causa a pobreza e a miseacuteria ao passo que dificulta o acesso do
cidadatildeo agrave justiccedila e consequentemente ao seu estado de cidadania pleno
Dentre os fundamentos no qual se baseiam o Estado democraacutetico de Direito
no Brasil destaca-se justamente a cidadania e a dignidade humana conforme artigo
1ordm incisos II e III da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Entatildeo construir uma sociedade
livre justa e solidaacuteria garantir o desenvolvimento nacional erradicar a pobreza e a
marginalizaccedilatildeo reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de
todos sem preconceitos de origem raccedila sexo cor idade ou quaisquer outras
formas de discriminaccedilatildeo satildeo os objetivos fundamentais do Estado Brasileiro
conforme art 3ordm da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
O cenaacuterio de globalizaccedilatildeo econocircmica mundial tambeacutem traacutes seacuterios obstaacuteculos
para a construccedilatildeo da cidadania A globalizaccedilatildeo da economia em ritmo acelerado
provoca grandes mudanccedilas nas relaccedilotildees entre Estado sociedade e naccedilatildeo que
eram sempre o centro da noccedilatildeo e da praacutetica da cidadania ocidental O foco das
mudanccedilas e das preocupaccedilotildees estaacute em dois focos especiacuteficos a reduccedilatildeo do papel
central do Estado como fonte de direitos e local para a participaccedilatildeo e o
deslocamento da naccedilatildeo como principal fonte de identidade coletiva
Para que ocorra efetiva mudanccedila a melhor proposta eacute no sentido de
mudanccedila na organizaccedilatildeo da sociedade pois a inversatildeo da sequecircncia dos direitos
fez com que ocorra o reforccedilo da supremacia do Estado Para que ocorra a
consolidaccedilatildeo democraacutetica e cidadatilde eacute necessaacuterio reforccedilar a organizaccedilatildeo da
sociedade para assim dar embasamento social ao poder poliacutetico ou seja
finalmente democratizar o poder e estabelecer de forma plena a Cidadania
53
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A Constituiccedilatildeo que nasce com ldquocheiro de amanhatilde e natildeo de mofordquo nas
palavras do Deputado Ulisses Guimaratildees tem em seu relevo a esperanccedila de um
povo que sonhava com a erradicaccedilatildeo da repressatildeo militar e natildeo soacute isso um povo
que sonhava com a liberdade em suas diversas manifestaccedilotildees em suas mais
significativas formas de representaccedilatildeo e sobretudo com um paiacutes voltado para a
democracia e justiccedila social
Ao povo brasileiro foi concedido o poder de governar e nesse contexto de
mudanccedila a ldquodemocracia eacute o governo do povo pelo povo e para o povordquo na
conceituaccedilatildeo ceacutelebre de Abraham Lincoln E consoante estabelece o paraacutegrafo
uacutenico do art 1ordm da Carta cidadatilde de 1988 ldquotodo poder emana do povo que o exerce
por meio de representantes eleitos ou diretamenterdquo
No entanto natildeo basta que a fonte de poder seja o povo a democracia vem
significar a efetiva participaccedilatildeo do povo nas decisotildees e destino do Estado e sua
consolidaccedilatildeo eacute a proacutepria cidadania pois eacute o cidadatildeo que pensa e se auto define
diante da condiccedilatildeo soacutecio-histoacuterica O cidadatildeo tem portanto o poder de transformar
a realidade social segundo seu pensamento e accedilatildeo
Natildeo se pode negar que a Carta de 1988 foi a que apresentou maior
legitimidade popular que abriu caminhos apontando um novo tempo
Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita Se fosse perfeita seria irreformaacutevel Ela proacutepria com humildade e realismo admite ser emendada ateacute por maioria mais acessiacutevel dentro de cinco anos Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita mas seraacute uacutetil e pioneira e desbravadora Seraacute luz ainda que de lamparina na noite dos desgraccedilados Eacute caminhando que se abrem os caminhos Ela vai caminhar e abri-los Seraacute redentor o que penetrar nos bolsotildees sujos escuros e ignorados da miseacuteria (Ulysses Guimaratildees)
Mesmo natildeo sendo a constituiccedilatildeo perfeita sem duacutevida foi a que trouxe
esperanccedila ao povo brasileiro com a sua promulgaccedilatildeo surgiram o ldquohaacutebeas datardquo o
mandado de injunccedilatildeo e o mandado de seguranccedila coletivo - todos remeacutedios judiciais
de iacutendoles constitucionais serviacuteveis para prevenir e combater diversas tentativas de
abuso contra a pessoa humana Outrossim o objeto da accedilatildeo popular foi ampliado
Atualmente qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima para propor a mencionada accedilatildeo
54
popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de entidade de que o
Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e ao patrimocircnio
histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de custas
judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia Nesse rol de forma decisiva houve a
ampliaccedilatildeo tambeacutem dos direitos sociais
Assim a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconhece e assegura uma seacuterie de
escudos protetivos aos cidadatildeos Em sua essecircncia os direitos fundamentais
ganham forma De modo que podemos assegurar que hoje o nosso Estado eacute uma
organizaccedilatildeo centrada no ser humano visto que tem a dignidade da pessoa humana
como um fundamento da Repuacuteblica Federativa do Brasil
Apesar das inuacutemeras dificuldades o Estado Democraacutetico de Direito fundado
na cidadania constituiu para o povo uma nova identidade ndash o que em outras eacutepocas
natildeo existia
A Constituiccedilatildeo circunscreve toda a organizaccedilatildeo poliacutetica estatal no intuito
maior de criar no consciente coletivo a vontade livre e determinada de desenvolver
padrotildees de condutas destinados a elevar e promover a auto-estima de toda a
comunidade paacutetria
Foi nesse sentido que estatui em seu artigo 1ordm a cidadania como fundamento
do Estado Democraacutetico de Direito ampliando e enriquecendo o tal conceito Cada
eacutepoca produziu praacuteticas e reflexotildees muito distintas sobre o tema cidadania A
definiccedilatildeo de cidadania que vem sofrendo alteraccedilotildees ao longo do tempo obedecendo
a um processo histoacuterico de conquistas sociais eacute compreendida atualmente como
um processo de participaccedilatildeo do indiviacuteduo ou de um grupo organizado nas mais
variadas aacutereas de atuaccedilatildeo da sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos
e sociais
A cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia disso natildeo haacute duvidas e se
efetiva como mudanccedilas na realidade de cada um com melhoria de vida e
conscientizaccedilatildeo da importacircncia do cidadatildeo dado que eacute um processo em
permanente construccedilatildeo Natildeo haacute como defender uma qualidade de vida sem a
preservaccedilatildeo da cidadania em todos os seus acircmbitos Nesse sentido a efetiva
proteccedilatildeo desse aspecto basilar torna-se essencial no que tange uma assistecircncia
juriacutedica completa
No contraponto do direito estatildeo os deveres que encontramos sua realizaccedilatildeo
tambeacutem na participaccedilatildeo observando que o cidadatildeo eacute responsaacutevel pelo advir de
55
suas accedilotildees A participaccedilatildeo reflete um caraacuteter de natildeo comodismo de atenccedilatildeo agravequilo
que eacute particular e coletivo tendo como finalidade preciacutepua o bem comum
Construir cidadania hoje eacute imperativo para a sociedade pois dessa
construccedilatildeo depende o amanhatilde Estamos diante da Constituiccedilatildeo que se propotildee a
resguardar o amanhatilde sem perder de vista que ele comeccedila hoje agora e nisso a
Carta Poliacutetica traacutes consigo a certeza do despertar dessa consciecircncia a consciecircncia
cidadatilde Ela eacute a semente plantada em terra feacutertil que gera frutos diariamente e se
renova a cada estaccedilatildeo na dinacircmica da vida Talvez tenha sido esse o cheiro de
frutas alcanccedilado pelo constituinte ao anunciar que a carta tem ldquocheiro do amanhatilderdquo
A responsabilidade pelo exerciacutecio desses direitos belissimamente elencados
depende de todos e de cada um pois somos o terreno feacutertil que produziraacute o fruto de
uma sociedade fraterna
Eacute comum na praacutetica apenas responsabilizarmos o Estado em sentido lato pelo
natildeo exerciacutecio dos direitos do cidadatildeo Vale lembrar nesse contexto das palavras de
J Kennedy o qual disse ldquonatildeo pergunte o que o Estado pode fazer por vocecirc mas o
que vocecirc pode fazer pelo Estadordquo haacute nessa frase um forte traccedilo de cidadania pois
quando o cidadatildeo reivindica critica opina o que ele daacute em contrapartida ao paiacutes eacute
solidificado visto que eacute nas relaccedilotildees familiares em comunidade que se estabelece e
se fortalece os viacutenculos de solidariedade de uma sociedade que perpetua valores
condutas que as leis reguladoras natildeo conseguem por si soacute estabelecer
A concretizaccedilatildeo do ideal de uma qualidade de vida merecida a todos os seres
humanos sem restriccedilotildees requer entretanto um esforccedilo coletivo Dessa forma haacute
necessidade de suprir as muitas carecircncias advindas das desigualdades sociais e de
condiccedilotildees do descaso do poder puacuteblico e da proacutepria conceituaccedilatildeo antiga de
cidadania que ainda eacute concebida por muitos no presente
Em suma nosso trabalho procurou traccedilar a evoluccedilatildeo da cidadania e ao
mesmo tempo buscou traccedilar uma melhor caracterizaccedilatildeo do cidadatildeo agrave luz da nossa
Constituiccedilatildeo que eacute por fim a essecircncia da Magna Carta O alcance da cidadania
enquanto mecanismo de acesso a direitos foi colocado no acircmbito da pessoa
enquanto titular de direitos e num paralelo defendemos que o municiacutepio eacute o espaccedilo
de atuaccedilatildeo e exerciacutecio de cidadania dada a proximidade do cidadatildeo com as
instituiccedilotildees oacutergatildeos entidades e tudo o mais que o cerca na esfera de vivecircncia Eacute na
praccedila que discute a poliacutetica local e nacional que se indigna com as dificuldades e as
56
barreiras de acesso aos seus direitos Eacute no municiacutepio que se inicia todo um vieacutes de
desdobramento para garantir direitos
Por fim natildeo obstante resta dizer sobre o tema que os caminhos e
paradigmas que se intentou percorrer sobre cidadania como mecanismo
transformador da sociedade tem ingrediente ainda a se descortinar para o
propoacutesito valioso do bem comum Pois bem a ideia de bem comum tem como
fundamento o amor maacutexima que se estabelece por meio da democracia visto que
ldquoa demofilia o demoiacutesmo o amor do povo acima de tudo como princiacutepio ativo de
toda a sua vida poliacutetica inspirador duma sempre crescente autonomia imanente eacute
que constitui a verdadeira essecircncia da democraciardquo nas palavras de Melgareacute
(2005)
Dessa forma eacute no nuacutecleo da democracia que estaacute inscrito como pedra
angular o respeito e o amor pela pessoa humana Eacute pois um tema de larga
abrangecircncia poreacutem sem querer abreviar o caminho sua efetiva possibilidade de
realizaccedilatildeo se encontra no exerciacutecio da cidadania sem repuacutedios parciais ou exclusatildeo
de qualquer ordem na plenitude de uma cidadania para todos
57
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34
O ordenamento juriacutedico brasileiro consagrou aleacutem dos institutos jaacute
mencionados alguns outros mecanismos de defesa dos direitos e garantias
constitucionais da cidadania como a accedilatildeo civil puacuteblica regulada pela Lei nordm
734785 e accedilatildeo direta de inconstitucionalidade prevista no incIV do art 129 da
Constituiccedilatildeo Federal O Coacutedigo de Defesa do Consumidor o Estatuto da Crianccedila e
do Adolescente e ateacute mesmo o princiacutepio do devido processo legal que resguarda ao
cidadatildeo o acesso agrave justiccedila e direito de ser acionado judicialmente por meio de
procedimentos legais satildeo mecanismos de defesa dos direitos de cidadania
previstos constitucionalmente e garantidos na esfera poliacutetica civil e social
Pode-se observar que a cidadania comeccedilou a ser construiacuteda como resultado
de um processo de luta a partir da conscientizaccedilatildeo dos direitos e deveres do
homem Como vimos a cidadania jaacute em praacutetica em muitos paiacuteses adquire no
Brasil com a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 um novo sentido qual seja o
pressuposto do exerciacutecio pleno de um sistema de direitos e garantias
35
CAPIacuteTULO 3 - CIDADANIA COMO MECANISMO DE
TRANSFORMACcedilAtildeO SOCIAL
No momento em que a cidadania alccedila voos constitucionais e insere-se na
Carta Poliacutetica da Repuacuteblica Federativa do Brasil inicia-se o processo de
redemocratizaccedilatildeo e ganha relevo o cidadatildeo agente deste processo que tem em
suas matildeos a tarefa da construccedilatildeo de um novo tempo
Historicamente a ideia de cidadatildeo conotava o habitante da cidade ndash o
citadino ndash firma-se entatildeo tal conotaccedilatildeo na Antiguumlidade claacutessica para depois
significar aquele indiviacuteduo a quem se atribuem os direitos poliacuteticos Superada essa
acepccedilatildeo que tambeacutem vigorou nas constituiccedilotildees anteriores da Repuacuteblica do Brasil
na concepccedilatildeo moderna estaacute clara a noccedilatildeo de cidadatildeo como aquele que a quem
consiste a titularidade de direitos individuais poliacuteticos e sociais Noccedilatildeo esta
edificada com a internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos que amplia a acepccedilatildeo do
termo declarando que satildeo cidadatildeos todo aquele que habita o acircmbito da soberania
de um Estado e deste Estado recebem uma carga de direitos e tambeacutem deveres dos
mais variados
Desta forma a noccedilatildeo contemporacircnea de cidadania funda-se na dicotomia
direitos (exerciacutecios de direitos fundamentais - participaccedilatildeo) e deveres (colaboraccedilatildeo -
solidariedade) Ao lado dos direitos foram estabelecidos deveres fundamentais e
portanto tanto agentes puacuteblicos como os indiviacuteduos tecircm obrigaccedilotildees especiacuteficas
inclusive a de respeitar os direitos das demais pessoas que vivem na ordem social
sendo e promovendo mecanismos de transformaccedilatildeo social que visam uma nova
sociedade baseada na igualdade e na justiccedila
36
31 O ser cidadatildeo
Os termos indiviacuteduo ser humano pessoa e cidadatildeo satildeo geralmente tomados
como sinocircnimo o que certamente influi na proliferaccedilatildeo de incontaacuteveis significados e
ampliaccedilatildeo do termo cidadatildeo Poreacutem estas palavras apesar de se assemelharem
possuem carga semacircntica proacutepria e da compreensatildeo exata de cada uma decorre a
conceituaccedilatildeo mais acentuada da acepccedilatildeo do termo cidadatildeo como titular de direitos
e deveres resguardados pela constituiccedilatildeo paacutetria
Desta forma indiviacuteduo eacute um representante da espeacutecie aquele que eacute uacutenico
Enquanto ser humano eacute um termo mais geneacuterico ou indeterminado que diz respeito
agrave espeacutecie agrave classificaccedilatildeo ao mundo zooloacutegico Pessoa por sua vez eacute um termo
mais especiacutefico que tem a ver com o mundo civilizado ou se preferirmos com a
constelaccedilatildeo dos valores morais eacuteticos e juriacutedicos proacuteprios da civilizaccedilatildeo
A etimologia da palavra pessoa demonstra que eacute um conceito sobreposto ao conceito de Ser Humano Um refratildeo de origem juriacutedica tambeacutem nos lembra do homo plures pessoa polimorfa o ser humano capaz de desempenhar muitos papeacuteis um mesmo ser humano eacute empresaacuterio e delinquumlente eacute pai e metaluacutergico etc Persona (personagem) era a maacutescara que usavam os atores da trageacutedia grega para desempenhar seu papel Cabe portanto entender o conceito de Ser Humano ao lado do conceito de Pessoa No direito romano antigo os escravos eram seres humanos (homens) mas natildeo eram consideradas pessoas (patriacutecios) Os juristas romanos que usavam o conceito de Ser Humano o dissociavam do conceito de pessoas (CUNHA 2007)
O Ser Humano recebe uma distinccedilatildeo importante quando o consideramos
como Pessoa assim como a Pessoa recebe uma distinccedilatildeo redundante natildeo menos
importante quando a consideramos por forccedila de expressatildeo como uma pessoa
humana Subentendendo o adjetivo humano como relativo agrave eacutetica Portanto Ser
Humano natildeo eacute a mesma coisa que Pessoa como tampouco Ser Humano eacute o
mesmo que cidadatildeo este muito eacute mais proacuteximo do termo Pessoa Vejamos o quadro
ilustrativo que esquematiza e distinguem os referidos conceitos
37
QUADRO 1 ndash EVOLUCcedilAtildeO DO SER HUMANO ATEacute O CIDADAtildeO
O Ser Humano O Ser Indiviacuteduo O Ser Pessoa O Ser Cidadatildeo
A Dimensatildeo do conviacutevio social
A dimensatildeo do mercado de trabalho e
Consumo
A Dimensatildeo de encontrar-se no mundo
A dimensatildeo de intervir na realidade
O homem tornar-se Ser Humano nas relaccedilotildees
de conviacutevio social
O Ser Humano tornar-se indiviacuteduo quando
descobre seu papel e funccedilatildeo social
O Indiviacuteduo torna-se pessoa quanto toma
consciecircncia de si mesmo do outro e do
mundo
A pessoa torna-se cidadatildeo quando
interveacutem na realidade em que vive
Quem estuda o comportamento do Ser
Humano Seria a antropologia a histoacuteria
ou a sociologia
Quem estuda o comportamento do indiviacuteduo Seria a
Filosofia a sociologia ou a Psicologia
Quem estuda o comportamento da pessoa Seria a
Filosofia a sociologia ou a Psicologia
Quem estuda o comportamento do cidadatildeo Seria a
Sociologia a Filosofia ou As ciecircncias
poliacuteticas
Quem garante os direitos do Ser
Humano A Declaraccedilatildeo Universal
dos Direitos Humanos
Quem garante os Direitos do
Consumidor O Coacutedigo do Consumidor
Quem garante os Direitos da pessoa A proacutepria pessoa (amor proacuteprio ou autoestima)
Quem garante os Direitos do cidadatildeo (A Constituiccedilatildeo e suas leis
regulamentares)
Existe realmente uma natureza humana Teologicamente
afirmamos que existe a uma natureza humana
Seguindo a corrente existencialista (JP Sartre) negamos tal
natureza
Que diferenccedila existe entre o direito do
consumidor e o direito do cidadatildeo Ao
Consumidor deve ser dado o direito de
propriedade enquanto ao cidadatildeo deve ser
dado o direito de acesso
O que significa tornar-se pessoa no niacutevel
psicoloacutegico e social A pessoa eacute o indiviacuteduo que toma consciecircncia de si mesmo (ldquoTornar-
se Pessoardquo de Karl Roger)
Como podemos intervir na realidade
modificando as estruturas corruptas e injustas Quando os
direitos do cidadatildeo lhe satildeo oferecidos e o
mesmo passa a exercecirc-lo haacute
modificaccedilatildeo de comportamento
(ROSAS 2009)
O cidadatildeo eacute portanto aquele indiviacuteduo a quem a Constituiccedilatildeo confere direitos
e garantias e lhe daacute o poder do seu efetivo exerciacutecio aleacutem de meios processuais
eficientes contra a violaccedilatildeo de seu gozo ou fruiccedilatildeo por parte do poder puacuteblico
Sendo assim
A passagem do indiviacuteduo a cidadatildeo caracteriza-se pelo reconhecimento pela lei de direitos considerados fundamentais agrave realizaccedilatildeo da vida do homem como indiviacuteduo e ser social membro de uma comunidade poliacutetica e a garantia desses direitos pela forccedila comum de todos (CUNHA 2007)
38
Nas uacuteltimas deacutecadas em alguns paiacuteses inclusive no Brasil desenvolveu-se o
conceito de cidadania calcado principalmente na questatildeo do cidadatildeo-consumidor
As pessoas passam a ser vistas como cidadatildes desde que tenham dinheiro para
adquirir mercadorias e utilizar serviccedilos Eacute certo pois que serviccedilos e mercadorias
atendem a necessidades materiais e simboacutelicas das pessoas e consumi-los eacute um
dos modos de participar da vida social criar identidade e partilhar dos bens
produzidos pela humanidade e representar-se culturalmente Contudo a cidadania
enfatizada apenas como uma relaccedilatildeo de compra e venda de mercadorias e serviccedilos
assume um conteuacutedo restrito individual conformista e voltado apenas para a
aquisiccedilatildeo de bens o que se relaciona com a ideacuteia de indiviacuteduo ou seja o consumo
atende as necessidades do indiviacuteduo
Outra forma de confusatildeo acerca do conceito de cidadatildeocidadania refere-se a
equiparaccedilatildeo feita com o assistencialismo o que configura uma acentuada inversatildeo
do termo uma vez que a praacutetica do assistencialismo natildeo propicia meios de
superaccedilatildeo das desigualdades sociais Enquanto a cidadania estaacute relacionada agrave
superaccedilatildeo das desigualdades sociais e a extensatildeo da garantia dos direitos de todos
O cidadatildeo eacute sem duacutevida uma expressatildeo que precisa ser adequadamente
utilizada e vivenciada pela coletividade compreendido na dimensatildeo do ser pessoa
de ter direitos e deveres do assumir as suas liberdades e responsabilidades no seio
de uma comunidade democraacutetica equitativa solidaacuteria e intercultural
Dessa forma ser cidadatildeo implica saber viver em sociedade estando ciente
dos anseios comuns A participaccedilatildeo ativa nas decisotildees de sua comunidade
influencia modos de vida de maneira positiva ao seu redor assim torna-se
imprescindiacutevel o exerciacutecio dos direitos constitucionais adquiridos e lutar pelos que
viratildeo eacute sobretudo estar consciente de todas as atitudes tomadas em prol da
sociedade
Eacute possiacutevel nesse espaccedilo de discussatildeo falar em ldquoestar cidadatildeordquo que eacute natildeo
praticar o exerciacutecio da cidadania em nenhuma de suas formas Implica apenas em
se deixar levar pelos acontecimentos e ainda reclamar das situaccedilotildees vividas sem
nada fazer para mudar sem nenhuma perspectiva de futuro Do que concluiacutemos que
a dinacircmica de intervir na realidade eacute pressuposto de cidadania
Ser cidadatildeo eacute tarefa que requer muito do ser humano do individuo da
pessoa Requer uma alta - estima elevada uma consciecircncia solidaacuteria uma
39
identidade que se reconheccedila na dinacircmica social interagindo com o outro ampliando
debates incitando justiccedila eacute sem duvida uma tomada de posiccedilatildeo que natildeo se
acomoda pelo contraacuterio se incomoda quando natildeo haacute comprometimento para o bem
comum
Natildeo eacute uma tarefa cocircmoda senatildeo muito complicada as pessoas natildeo nascem cidadatildeos mas fazem-se no tempo e no espaccedilo Na verdade natildeo eacute faacutecil exercer a liberdade e a cidadania ndash ser pessoa e ser cidadatildeo ndash por isso exige-se uma luta sem treacuteguas para erradicar assimetrias e exclusotildees socioculturais e criar cenaacuterios de esperanccedila realizaacuteveis fundamentados em valores e princiacutepios eacuteticos que requalifiquem a democracia com cidadatildeos participativos e
comprometidos ( SAEZ 1995)
Tem portanto como pressuposto uma mudanccedila de comportamento uma
tomada de posiccedilatildeo frente agrave dinacircmica social na qual estaacute inserido participando de
forma ativa e produtiva do processo de construccedilatildeo da cidadania por meio de seus
diversos canais
32 Emancipaccedilatildeo social atraveacutes da cidadania
Um Estado Democraacutetico eacute aquele que estaacute enraizado na legitimidade do
poder do povo e dele decorre seu exerciacutecio Assim o poder do povo eacute a expressatildeo
a aptidatildeo de homens e mulheres constituir autonomamente seu viver sem sucumbir
diante das instacircncias de poder Haacute nesse modus vivendi uma tutela das diferenccedilas e
pluralidades de formas de vida
Desta forma a cidadania eacute enfocada como o processo de participaccedilatildeo do
individuo ou de um grupo organizado nas mais variadas aacutereas de atuaccedilatildeo na
sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos sociais com a consciecircncia
da responsabilidade por sua proacutepria histoacuteria
Sendo a democracia o regime em que o povo governa sua caracteriacutestica
inarredaacutevel eacute a de ter o povo agrave frente do poder uma forma de autogoverno Em
assim sendo a cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia por meio de resultados
palpaacuteveis e medidas concretas tais como mudanccedilas na realidade de cada um com
melhoria de vida e conscientizaccedilatildeo da importacircncia na sociedade para o exerciacutecio
40
direto ou indireto desse poder pois se contentar com fato do direito estaacute prescrito
em lei natildeo eacute o bastante
Eacute certo poreacutem que o Estado democraacutetico somente se aperfeiccediloa na
proporccedilatildeo em que o povo age ativamente na medida em que os representantes
reflitam em seus atos os verdadeiros anseios populares Partindo dessa visatildeo a
cidadania eacute o grande fator de legitimaccedilatildeo do povo permitindo que ele aja em defesa
das instituiccedilotildees democraacuteticas
Sobre a participaccedilatildeo cumpre asseverar que este direito significa a
capacidade de ser consultado para as tomadas de decisatildeo que dizem respeito agrave
direccedilatildeo da sociedade em que vive o cidadatildeo este direito eacute acompanhado do
respeito aos deveres de contribuir para o progresso social e de acatar e respeitar o
resultado obtido em consulta coletiva
No elenco de mecanismo de exerciacutecio da cidadania estaacute o acesso ao direito e
a justiccedila que eacute fator preponderante para efetivar as garantias constitucionais
Assim passaremos a discorrer sobre a importacircncia de instrumentalizar o
cidadatildeo para um pleno exerciacutecio de seus direitos
Eacute Sabido que no Estado Democraacutetico Contemporacircneo os direitos
fundamentais constitucionalmente assegurados tecircm eficaacutecia imediata cumprindo ao
Estado garantir a todos os cidadatildeos o respeito a esses Direitos de modo concreto e
efetivo natildeo obstante as inuacutemeras desigualdades e condiccedilotildees adversas que
dificultam na praacutetica o seu exerciacutecio
Para o acesso ao direito o Estado deve desenvolver com eficiecircncia uma seacuterie
de atividades essenciais e dar efetividade a uma seacuterie de pressupostos Dentre eles
o principal eacute o conhecimento do Direito como fator preponderante pois o
desconhecimento da lei implica na praacutetica natildeo acionar a jurisdiccedilatildeo Um fato que
contribui para essa assertiva eacute baixa escolaridade da populaccedilatildeo e o analfabetismo
Muito pouco adianta a existecircncia de uma Constituiccedilatildeo apenas formal ou no
papel se ilegiacutetima ou desrespeitada Para que ocorra a eficaacutecia das normas
dispostas numa Constituiccedilatildeo ou melhor para que passe da teoria agrave praacutetica eacute
essencial que comandados e comandantes tenham conhecimento dos seus direitos
e responsabilidades assim como dos instrumentos juriacutedicos para efetivaacute-los (leis
regulamentadoras) O exerciacutecio da cidadania natildeo eacute somente um direito mas eacute
tambeacutem um dever de todos pois a omissatildeo de cada um contribui com as injusticcedilas e
as impunidades tatildeo presentes nos dias atuais
41
A Constituiccedilatildeo quando eacute justa e legiacutetima e principalmente quando eacute
respeitada eacute um poderoso instrumento de promoccedilatildeo e desenvolvimento social e
humano
Outro fator que deve ser considerado eacute a miserabilidade que coloca inuacutemeros
brasileiros a margem da sociedade em situaccedilatildeo precaacuteria os quais para Pinsky
(2004) ldquodesprovidos de esperanccedila de projeto de qualquer perspectiva de inclusatildeo
[] recorrer agrave Justiccedila humana parece algo irrealizaacutevel sofisticado e inteiramente
ficcionalrdquo
Desta forma o primeiro passo para concretizar os direitos previstos
constitucionalmente eacute a formaccedilatildeo do cidadatildeo atraveacutes da Educaccedilatildeo Baacutesica
infundindo-lhe a consciecircncia dos seus direitos e tambeacutem dos seus deveres sociais
bem como dos valores humanos fundamentais que devem ser por todos respeitados
na vida em sociedade A universalizaccedilatildeo do ensino fundamental a oferta obrigatoacuteria
de educaccedilatildeo infantil pelo Estado e o crescimento da oferta do ensino meacutedio satildeo
alguns dos aspectos que merecem destaques e foi devido agrave determinaccedilatildeo
constitucional de estabelecer o caraacuteter obrigatoacuterio do ensino fundamental e de
responsabilizar o Estado por sua implementaccedilatildeo que tem iniacutecio o processo de
avanccedilo desse segmento
A Constituiccedilatildeo estabeleceu de forma mais clara o papel dos entes federados
na educaccedilatildeo Tambeacutem aumentou a participaccedilatildeo orccedilamentaacuteria destinada ao setor
Com as novas regras para distribuiccedilatildeo de recursos adotadas apoacutes a promulgaccedilatildeo
da Carta os municiacutepios voltam a interessar-se pela educaccedilatildeo fundamental e o paiacutes
atinge a universalizaccedilatildeo do setor o que se busca agora satildeo mecanismos para
garantir a qualidade no ensino
O segundo passo nessa dinacircmica eacute o oferecimento a todos os cidadatildeos de
condiccedilotildees miacutenimas de sobrevivecircncia e de existecircncia condignas atraveacutes do acesso
ao trabalho produtivo livremente escolhido e do pagamento de remuneraccedilatildeo capaz
de prover ao sustento do trabalhador e de sua famiacutelia
Para milhotildees de cidadatildeos que vivem na ignoracircncia e na miseacuteria nenhuma
utilidade ou eficaacutecia tecircm os inuacutemeros direitos constitucionalmente assegurados Para
aqueles que se habituaram a retirar proventos da mendicacircncia da prostituiccedilatildeo de
atividades iliacutecitas ou aqueles que se sentiram forccedilados a sujeitar-se agrave exploraccedilatildeo de
outrem para sobreviver natildeo haacute nenhuma crenccedila na dignidade da pessoa humana e
no valor social do trabalho
42
A pobreza engendra inuacutemeras relaccedilotildees de dominaccedilatildeo entre pessoas e entre grupos sociais As habitaccedilotildees subumanas da periferia das grandes cidades no Brasil constituem verdadeiros quistos sociais terras sem lei controladas por xerifes ou por quadrilhas de malfeitores O Estado que natildeo for capaz de dotar essas comunidades do acesso efetivo agrave Educaccedilatildeo agrave Sauacutede agrave Seguranccedila e agrave Paz Puacuteblicas e ao trabalho liacutecito certamente natildeo lhes estaraacute assegurando o acesso ao Direito porque a populaccedilatildeo abrutalhada pela miseacuteria e coagida pelo medo natildeo desfruta da miacutenima eficaacutecia concreta dos
seus direitos fundamentais (GRECO 2009)
Evidencia que acesso ao Direito nas sociedades modernas mesmo nas
economicamente desenvolvidas exige o fortalecimento dos grupos intermediaacuterios e
do associativismo O cidadatildeo natildeo estaacute mais em condiccedilotildees de defender-se
individualmente das ameaccedilas e lesotildees aos seus direitos perpetradas por pessoas ou
grupos que se encontram em posiccedilatildeo de vantagem nas relaccedilotildees econocircmicas e
sociais
O sindicato veio exercer este importante papel em relaccedilatildeo ao trabalhador
empregado Mas hoje as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo natildeo satildeo apenas as que existem no
mundo do trabalho mas as que se revelam em todos os tipos de relaccedilotildees humanas
relaccedilotildees de consumo relaccedilotildees de vizinhanccedila relaccedilotildees locatiacutecias relaccedilotildees
comerciais internas e internacionais e natildeo com menor relevacircncia relaccedilotildees entre os
particulares e o Estado entre outras
Eacute preciso assegurar esse equiliacutebrio na praacutetica o que somente tornar-se-aacute
possiacutevel atraveacutes da articulaccedilatildeo dos sujeitos que se encontram em posiccedilatildeo de
desvantagem em organizaccedilotildees e associaccedilotildees que pela uniatildeo de esforccedilos
consigam compensar o desequiliacutebrio existente e dar aos indiviacuteduos e grupos a forccedila
e a capa de proteccedilatildeo necessaacuterias para ombrearem-se aos seus adversaacuterios e
lutarem pelos seus direitos ou interesses em igualdade de condiccedilotildees
Para Greco (2009) o pressuposto indispensaacutevel do acesso ao Direito eacute a
transparecircncia do Estado no trato de questotildees que possam afetar a esfera de
interesses dos cidadatildeos e complementa que aos cidadatildeos eacute indispensaacutevel
assegurar o direito de influir eficazmente nas decisotildees do poder puacuteblico atraveacutes dos
mais diversos instrumentos de participaccedilatildeo democraacutetica Ele afirma que
A relaccedilatildeo Estado-cidadatildeo natildeo eacute mais a relaccedilatildeo soberano-suacutedito O cidadatildeo tem o direito de exigir do Estado o pleno respeito ao seu
43
patrimocircnio juriacutedico Lamentavelmente a crise do Estado tem levado o Brasil a aceitar-se como normal que as pessoas juriacutedicas de Direito Puacuteblico natildeo cumpram devidamente as prestaccedilotildees positivas de que satildeo devedoras perante os particulares cabendo a estes demandar na Justiccedila para obtecirc-las (GRECO 2009)
Essa visatildeo deformada da responsabilidade do Estado ocorre o
desvirtuamento da justiccedila Por outro lado agrave violaccedilatildeo da garantia constitucional da
tutela jurisdicional efetiva (Constituiccedilatildeo artigo 5 inciso XXXV) disciplina a lei natildeo
excluiraacute da apreciaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio lesatildeo ou ameaccedila ao direito Assim o
acesso ao Direito natildeo estaraacute concretamente assegurado se o Estado natildeo oferecer a
todo cidadatildeo a possibilidade de receber aconselhamento juriacutedico a respeito dos seus
direitos
Constituiccedilatildeo de 1988 no artigo 5deg inciso LXXIV assegurou a todos
ldquoassistecircncia juriacutedicardquo a englobar assistecircncia judiciaacuteria e assessoramento juriacutedico
extrajudicial Conforme Greco (2009) ldquoeacute preciso que esse direito seja assegurado
na praacutetica Uma vez que na vida moderna o Direito tornou-se excessivamente
complexordquo Ainda no dizer do autor a consciecircncia juriacutedica do homem comum que
deve ser adquirida na famiacutelia e na escola natildeo eacute mais suficiente para a tomada de
decisotildees na vida diaacuteria das pessoas Todas as pessoas mantecircm complexas relaccedilotildees
juriacutedicas com instituiccedilotildees financeiras com fornecedores de bens e de serviccedilos etc
Nessas relaccedilotildees juriacutedicas com frequecircncia os cidadatildeos tecircm de tomar decisotildees
raacutepidas O cidadatildeo que tem meios procura um advogado particular para assessoraacute-
lo Ao pobre o Estado deve assegurar o mesmo direito em plenitude
Sem duacutevida o uacuteltimo pressuposto do acesso ao Direito eacute o acesso agrave Justiccedila
no sentido de acesso a um tribunal estatal imparcial previamente instituiacutedo como
competente para a soluccedilatildeo de qualquer litiacutegio a respeito de interesse que se afirme
juridicamente protegido ou para a praacutetica de qualquer ato que a lei subordine agrave
aprovaccedilatildeo autorizaccedilatildeo ou homologaccedilatildeo judicial
Se o cidadatildeo tem consciecircncia dos seus direitos se o Estado lhe fornece
todas as condiccedilotildees para livremente exercecirc-los mas algum outro cidadatildeo ou algum
oacutergatildeo do proacuteprio Estado impede ou dificulta esse exerciacutecio cabe ao poder puacuteblico
pocircr agrave disposiccedilatildeo do cidadatildeo lesionado ou ameaccedilado a jurisdiccedilatildeo necessaacuteria para
assegurar o pleno acesso a tal direito
Atingimos eacute certo um estaacutegio de desenvolvimento do Direito Humanitaacuterio que
natildeo mais nos permite conformar-nos com uma realidade distante do padratildeo de
44
convivecircncia humana que outras naccedilotildees jaacute alcanccedilaram O exerciacutecio pleno de
cidadania seraacute obra de mais de uma geraccedilatildeo Mas se trabalharmos com firmeza
certamente os jovens de hoje poderatildeo legar aos seus descendentes a emancipaccedilatildeo
cidadatilde um paiacutes melhor e uma sociedade mais justa e democraacutetica
33 O municiacutepio como acircmbito de exerciacutecio de cidadania
Historicamente o Municiacutepio enquanto unidade poliacutetico-administrativa surgiu
conforme descreve Berardi (2004) com a Repuacuteblica Romana interessada em
manter a dominaccedilatildeo paciacutefica das cidades conquistadas pela forccedila dos exeacutercitos
Sua origem mais de natureza socioloacutegica do que poliacutetica adveacutem do espiacuterito
associativo do homem e de suas relaccedilotildees de vizinhanccedila
Eacute pois a menor unidade territorial de Federaccedilatildeo cuja criaccedilatildeo reflete a base
da organizaccedilatildeo poliacutetica administrativa da Naccedilatildeo Portanto sua funccedilatildeo administrativa
historicamente vem assentada no princiacutepio do direito natural
O artigo primeiro da Constituiccedilatildeo Federal de 1998 estabelece que o
Municiacutepio ao lado dos Estados e do Distrito Federal formam a Republica Federativa
do Brasil que se constitui em Estado Democraacutetico de Direito O municiacutepio tem assim
um poder relevante para a aplicaccedilatildeo da democracia direta iniciada e fortalecida em
niacutevel local Diversos pensadores chegaram a afirmar que a descentralizaccedilatildeo de
poder resultante da constituiccedilatildeo Cidadatilde era antes de tudo uma conquista dos
Municiacutepios sendo eles os berccedilos da perpetuaccedilatildeo da Repuacuteblica e da Democracia
efetivamente por serem o uacutenico niacutevel de governo possuidores de respaldo e
localizaccedilatildeo fiacutesica ou seja solo municipal
Eacute certo que a Carta Magna de 1988 consolidou significativas inovaccedilotildees para a
vida municipal de forma que o Municiacutepio passou a constituir um dos entes da
federaccedilatildeo tratando-o como unidade dotada de autonomia poliacutetica expressa na
capacidade de poder elaborar a sua Lei Orgacircnica fugindo assim da tutela dos
estados que ateacute entatildeo eram considerados como uacutenicos componentes da federaccedilatildeo
45
A Lei Orgacircnica Municipal traz em seu bojo aleacutem da organizaccedilatildeo
administrativa do Municiacutepio a restauraccedilatildeo do Poder Legislativo municipal definindo
a diversificaccedilatildeo normativa que natildeo existia nas leis organizacionais outorgadas pelo
Estado reflexo do poder constituinte outorgados aos Municiacutepios pela Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 como consequecircncia do efetivo exerciacutecio do conceito de Estado
Democraacutetico de Direito
O Municiacutepio enquanto ente federativo tem atualmente a responsabilidade de
ordenar o seu desenvolvimento social e a garantia do bem estar de seus habitantes
executando poliacuteticas puacuteblicas de accedilotildees a serem empreendidas na consolidaccedilatildeo
democraacutetica do Estado
Fundada no elemento participaccedilatildeo o exerciacutecio de cidadania amplamente
citado encontra sua efetividade no municiacutepio Pois eacute nesse acircmbito de localizaccedilatildeo
que as pessoas mantecircm um contato direto com os poderes instituiacutedos suas
necessidades imediatas e mediatas satildeo objetos da disciplina da Lei que visa o bem
comum base do Estado democraacutetico de Direito
Baseado na maacutexima do municipalista e defensor da descentralizaccedilatildeo poliacutetica
Franco Motoro sabiamente proferiu que ldquoningueacutem vive na Uniatildeo ou no Estado As
pessoas vivem no Municiacutepiordquo Assim a cidadania encontra seu melhor espaccedilo de
realizaccedilatildeo na comunidade onde convive A vida em comunidade gera anseios
comuns sentimentos comuns uma vez que a convivecircncia propicia que as pessoas
se conheccedilam e se reconheccedilam como membros de uma mesma realidade
De acordo com Harvey (1992) ldquoa globalizaccedilatildeo provoca anonimato enquanto
comunidade cultiva solidariedaderdquo o que implica participaccedilatildeo para o exerciacutecio de
cidadania
Tudo o que acontece no mundo seja no meu paiacutes na minha cidade ou no meu bairro acontece comigo Entatildeo eu preciso participar das decisotildees que interferem na minha vida Um cidadatildeo com um sentimento eacutetico forte e consciecircncia da cidadania natildeo deixa passar nada natildeo abre matildeo desse poder de participaccedilatildeo (Herbert de Souza Betinho)
Com esse embasamento natildeo se pode perder de vista que eacute nas relaccedilotildees
diaacuterias de oposiccedilatildeo ou solidariedade que as pessoas exercem cidadania Na relaccedilatildeo
do com o outro com os poderes ao estabelecer com a vida social e puacuteblica uma
46
convivecircncia posto que cidadania eacute tarefa que natildeo termina natildeo eacute um conceito
pronto tatildeo pouco acabado enquanto seres inacabados que somos estaremos
buscando descobrindo criando e tomando consciecircncia mais ampla dos direitos
O desafio eacute construir um novo discurso sobre cidadania atraveacutes de uma
praacutetica poliacutetica sustentada isto eacute realizada em dois niacuteveis
O primeiro niacutevel na base atraveacutes de construccedilatildeo das capacidades e do poder
proacuteprio da populaccedilatildeo o que envolve inevitavelmente uma mudanccedila de atitude na
busca para garantir seus direitos utilizando-se do grau de autonomia local
Essa atitude conceberia agrave democracia participativa como uma poliacutetica paralela
de intervenccedilatildeo social criando e mantendo novos espaccedilos para a tomada de
decisotildees ou seja para o auto-governo pela populaccedilatildeo nas mateacuterias que afetam
diretamente suas vidas
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade
O segundo niacutevel um governo com o povo e natildeo apenas para o povo fundado
nos ditames constitucionais valorizando o sentimento da sociedade no exerciacutecio da
governabilidade de modo que o balizamento das accedilotildees de governo deixaria de estar
no proacuteprio governo e passaria a estabelecer-se a partir do pensar da sociedade Um
governo que se pergunta o que se deve fazer para ouvir com a maior fidelidade
possiacutevel a sociedade suas instituiccedilotildees representativas e o cidadatildeo Pois as
prioridades da gestatildeo deveriam ser definidas pela sociedade e natildeo mais pelo
governo
Portanto nesses termos eacute preciso considerar que as praacuteticas da
administraccedilatildeo puacuteblica sejam democratizadoras e inclusivas inspiradas nos
princiacutepios da legalidade impessoalidade moralidade publicidade e eficiecircncia Esta
uacuteltima buscou estabelecer uma Administraccedilatildeo Puacuteblica mais eficiente no sentido de
que o cidadatildeo como destinataacuterio dos serviccedilos puacuteblicos que o Estado deve prestar
receba-os com maior qualidade e menor custo para o eraacuterio puacuteblico
Para a consecuccedilatildeo desse governar com o povo alguns pontos devem ser
revistos A mudanccedila implica na necessidade de adequaccedilatildeo reorganizaccedilatildeo
47
reformulaccedilatildeo Para isso se faz premente em face dos novos e modernos conceitos
de gestatildeo puacuteblica a superaccedilatildeo do tradicional vezo burocraacutetico que vem convertendo
a Administraccedilatildeo nas palavras Dromi (1995) numa cara ldquomaacutequina de impedirrdquo fiel
ldquocoacutedigo do fracassordquo que dispotildee ldquoartigo primeiro natildeo pode artigo segundo em
caso de duacutevida abstenha-se artigo terceiro se eacute urgente espere artigo quarto
sempre eacute mais prudente natildeo fazer nadardquo numa posiccedilatildeo natildeo burocraacutetica e sim
democraacutetica de considerar que organizaccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica inclui a
praacutetica de ver os cidadatildeos como membros plenos da comunidade poliacutetica tendo
acesso e exercitando direitos as que promovem a organizaccedilatildeo da populaccedilatildeo em
torno de temas de interesse comum as que incluem o controle social sobre a
gestatildeo o debate amplo e informado sobre questotildees de governo e que abrem agrave
populaccedilatildeo as decisotildees sobre estas questotildees Como leciona e Barrientos (2000)
Tratam-se de praacuteticas que natildeo buscam somente melhorar a eficiecircncia administrativa das diferentes organizaccedilotildees puacuteblicas mas que incorporam no seu processo de gestatildeo a dimensatildeo ativa da cidadania isto eacute ldquoque facilitam as iniciativas e responsabilidades de todos os envolvidos[] estabelecendo pontes entre Estado e sociedade civil
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade Acreditamos
que o ponto de partida eacute a atitude aliada agrave solidariedade e ao espiacuterito coletivo Pois
governo e cidadatildeos juntos haveratildeo de cumprir um novo papel no processo de
desenvolvimento como agentes de uma nova cultura
Como afirma Peter Drucke
A parceria comunitaacuteria seraacute um dos verdadeiros setores em crescimento das economias desenvolvidas Surge da necessidade de uma participaccedilatildeo mais direta e efetiva da comunidade nas grandes questotildees da vida social pois natildeo existe ningueacutem melhor que o cidadatildeo para saber o que ele quer para si para sua famiacutelia e para sua comunidade (apud RAMOS 1990)
48
O envolvimento efetivo da sociedade nas questotildees sociais natildeo eacute apenas uma
postura moderna Significa antes de tudo uma atitude digna de todos aqueles que
desejam exercer sua cidadania contribuindo para um paiacutes melhor e em especial
para uma sociedade mais justa fraterna e solidaacuteria
Na histoacuteria observa-se a grande coragem das pessoas em construir o
reconhecimento delas proacuteprias e de seus direitos sempre buscando a participaccedilatildeo e
defendendo os Direitos Humanos Sem duacutevida a maior ecircnfase que deve ocorrer
para a construccedilatildeo real da cidadania eacute uma mudanccedila na sociedade O melhor a ser
feito eacute reforccedilar a organizaccedilatildeo democraacutetica buscando novas formas de participaccedilatildeo
social pois cidadania natildeo se resume ao poder de votar ou ser votado mas eacute sempre
na efetiva participaccedilatildeo popular pois somente com isso haacute a verdadeira
conscientizaccedilatildeo e o comprometimento daquele que passa a se sentir cidadatildeo
abandonando-se velhos viacutecios da poliacutetica representativa
Desse modo a participaccedilatildeo do povo no momento das reivindicaccedilotildees das
discussotildees e apreciaccedilotildees de projetos que visem agrave melhoria da comunidade local a
exigecircncia de transparecircncia na administraccedilatildeo da coisa puacuteblica dentre outras eacute quem
daraacute embasamento para as verdadeiras conquistas sociais no Municiacutepio que geram
saudaacuteveis formas de pressatildeo por efetivas poliacuteticas puacuteblicas de inclusatildeo social
gerando o fim do clientelismo poliacutetico tatildeo pejorativo e comum em nossa realidade e
cultura poliacutetica
Somente a participaccedilatildeo social eacute que iraacute causar uma real democratizaccedilatildeo do
poder A afirmaccedilatildeo da cidadania eacute pressuposto para a realizaccedilatildeo dos Direitos
Humanos pois os homens natildeo nascem naturalmente iguais Inclusive para que
ocorra a realizaccedilatildeo dos referidos direitos eacute necessaacuterio tambeacutem que exista um
espaccedilo puacuteblico que seja realmente democraacutetico e acessiacutevel possibilitando a
participaccedilatildeo de todos e esse espaccedilo eacute certamente o municiacutepio
Na praacutetica um forte instrumento de cidadania para atender as necessidades
coletivas eacute o orccedilamento participativo previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal que
determina expressamente a realizaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas e a participaccedilatildeo
popular nos processos de elaboraccedilatildeo e conduccedilatildeo dos orccedilamentos como forma de
incentivo agrave preparaccedilatildeo e execuccedilatildeo de planejamentos que envolvam diretamente o
povo A Lei veio incentivar a sua propagaccedilatildeo para todos os entes federativos tendo
em conta que se trata de uma tendecircncia mundial por legitimar as escolhas e
fortalecer o princiacutepio da transparecircncia
49
Os meios de acesso do cidadatildeo junto aos Poderes Puacuteblicos eacute uma realidade
no Estado Democraacutetico de Direito brasileiro a exemplo das sessotildees do Poder
Legislativo que satildeo puacuteblicas ficando abertas a todos que delas quiserem participar
Emite-se uma pauta antes do comeccedilo da sessatildeo com a preacutevia dos debates Em
niacutevel municipal verifica-se um acompanhamento mais incisivo sobre as sessotildees das
Cacircmaras de Vereadores como forma de pressatildeo para aprovaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees
da comunidade avaliaccedilatildeo do desempenho e aceitaccedilatildeo de propostas orccedilamentaacuterias
e atuaccedilatildeo dos poliacuteticos bem como entendimento das funccedilotildees do Poder Legislativo
A Constituiccedilatildeo Federal assegura desde 1988 a possibilidade de se oferecer
peticcedilatildeo agraves Mesas Legislativas como forma de pedir informaccedilotildees sobre andamento
de projetos ou relatoacuterios encaminhados aos chefes do Poder Executivo Em niacutevel
municipal pode ser utilizada a Tribuna Livre como instrumento para denuacutencias de
problemas ou discussatildeo de um tema ou mesmo para apresentar sugestotildees sendo
regulado pela Lei Orgacircnica Municipal e pelo Regimento Interno da Cacircmara
A convocaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas tambeacutem possui previsatildeo constitucional
no art 58 sect 20 inciso II em niacutevel federal As comissotildees podem em razatildeo da
mateacuteria de sua competecircncia realizar audiecircncias puacuteblicas com entidades da
sociedade civil E nada obsta que estejam previstas formas de articulaccedilatildeo da
sociedade civil com os Presidentes das Comissotildees da Cacircmara no seu Regimento
Interno em acircmbito municipal
Os dispositivos da Constituiccedilatildeo Federal que dispotildeem sobre a forma de
participaccedilatildeo direta do cidadatildeo e da sociedade civil no processo democraacutetico natildeo se
pode negar que trouxe novas perspectivas De modo geral podemos citar
Art 29 A lei orgacircnica dos Municiacutepios tem que observar entre os seus
preceitos ldquocooperaccedilatildeo das associaccedilotildees representativas no planejamento municipalrdquo
Art 31 As contas dos municiacutepios ficaratildeo durante 60 (sessenta) dias
anualmente a disposiccedilatildeo de qualquer contribuinte para exame e apreciaccedilatildeo o qual
poderaacute questionar-lhes a legitimidade nos termos da lei
Art37 sect 3ordm (EC-1998) A lei disciplinaraacute as formas de participaccedilatildeo do usuaacuterio
na administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta regulando especialmente
I- as reclamaccedilotildees relativas a prestaccedilatildeo dos serviccedilos puacuteblicos em geral asseguradas
a manutenccedilatildeo de serviccedilo de atendimento ao usuaacuterio e a avaliaccedilatildeo perioacutedica externa
e interna da qualidade dos serviccedilos
50
II- o acesso dos usuaacuterios a registros administrativos e a informaccedilatildeo sobre atos de
governo observado o disposto no art 5ordm X e XXXIII
III- a disciplina da representaccedilatildeo conta o exerciacutecio negligente ou abusivo de cargo
emprego ou funccedilatildeo na administraccedilatildeo puacuteblica
Art 74 sect 2ordm Qualquer cidadatildeo partido poliacutetico associaccedilatildeo ou sindicato eacute
parte legiacutetima para na forma de lei denunciar irregularidades ou ilegalidades perante
o Tribunal de Contas da Uniatildeo
Art194 paraacutegrafo uacutenico Compete ao Poder Puacuteblico nos termos da lei
organizar a seguridade social com base nos seguintes objetivos ()
VII ndash caraacuteter democraacutetivo descentralizado na administraccedilatildeo mediante gestatildeo
quadripartite com participaccedilatildeo dos trabalhadores dos empregados e dos
aposentados e do Governo nos oacutergatildeos colegiados nos oacutergatildeos colegiados
Art 198 As accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede integram uma rede
regionalizada e hierarquizada o constituem um sistema uacutenico organizado de acordo
com as seguintes diretrizes
III ndash participaccedilatildeo da comunidade
Art 202 sect 6ordm A lei complementa a que se refere o sect 4ordm deste artigo
estabeleceraacute os requisitos para a designaccedilatildeo dos membros das diretorias das
entidades fechadas de previdecircncia privada e disciplinaraacute a inserccedilatildeo dos
participantes nos colegiados e instacircncias de decisatildeo em que seus interesses sejam
objeto de discussatildeo e deliberaccedilatildeo
Art 204 As accedilotildees governamentais na aacuterea de assistecircncia social seratildeo
organizadas com base nas seguintes diretrizes
II ndash Participaccedilatildeo da populaccedilatildeo por meio de organizaccedilotildees representativas na
formulaccedilatildeo das poliacuteticas e no controle das accedilotildees em todos os niacuteveis
O protagonista na concretizaccedilatildeo dos direitos humanos e na ampliaccedilatildeo da cidadania eacute um sujeito coletivo de um trabalho sempre inacabado eis que se tratam de tarefas e conquistas cotidianas e gradativas obras que soacute podem ser realizada a muitas matildeos no partilhar e compartilhar da vida (COSTA NETO 2010)
A ampliaccedilatildeo da cidadania requer a consciecircncia de que os direitos pressupotildeem
deveres de maneira que os direitos de um indiviacuteduo satildeo garantidos a partir do
cumprimento dos deveres dos demais componentes da sociedade
51
34 A necessaacuteria superaccedilatildeo de velhos paradigmas
Como se sabe em 1988 foi aprovada a Constituiccedilatildeo mais liberal e
democraacutetica do Brasil chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo Assim ampliou-se de
forma significativa o campo dos direitos e garantias fundamentais No que diz
respeito a tal mateacuteria eacute considerada como uma das mais avanccediladas do mundo No
seu preacircmbulo adota o modelo de um Estado democraacutetico de Direito destinado a
garantir o exerciacutecio dos direitos sociais e individuais a liberdade a seguranccedila o
bem-estar o desenvolvimento a igualdade e a justiccedila eleitos como valores
supremos de uma sociedade fraterna pluralista e sem preconceitos
Para a construccedilatildeo democraacutetica da cidadania no Brasil contemporacircneo
salienta-se de ela deve passar de uma democracia representativa para uma
cidadania que efetivamente molde a democracia ou seja uma cidadania instituinte
da democracia
No acircmbito constitucional positivo cidadania pressupotildee o exerciacutecio de todos
os direitos fundamentais e garantias que caracterizam o Estado democraacutetico de
Direito Quando se fala em cidadania eacute no sentido de reafirmar o direito pela plena
realizaccedilatildeo do indiviacuteduo do cidadatildeo dos entes coletivos e de sua emancipaccedilatildeo nos
espaccedilos da sociedade Estatildeo sempre intimamente ligados os conceitos de
cidadania democracia e direitos humanos sendo que um remete ao outro e seus
conteuacutedos se interligam ou seja a cidadania natildeo iraacute ocorrer sem que ocorra a
realizaccedilatildeo dos Direitos Humanos da mesma forma que os direitos humanos natildeo
seratildeo concretizados se natildeo houver o exerciacutecio da cidadania
Na evoluccedilatildeo histoacuterica tais categorias se desenvolveram de forma conjunta
com o Estado Representam noccedilotildees desejaacuteveis de relaccedilotildees humanas que se espera
sejam instituiacutedas Satildeo os elementos basilares na nova ordem social e que a
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 pretendeu edificar Poreacutem a democracia poliacutetica natildeo
resolveu os problemas econocircmicos mais seacuterios como a desigualdade e o
desemprego Continuam muito seacuterios os problemas da aacuterea social principalmente
na educaccedilatildeo nos serviccedilos de sauacutede e saneamento como tambeacutem e
principalmente quanto agrave seguranccedila puacuteblica
52
A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 em seu artigo 6ordm e em outros artigos no texto
constitucional ampliou e muito os Direitos Sociais proibiu discriminaccedilotildees Assim
indicadores baacutesicos de qualidade de vida apontam que houve uma melhoria A
mortalidade infantil por exemplo caiu de maneira significativa nos uacuteltimos anos A
esperanccedila de vida ao nascer passou de 60 anos em 1980 para 70 em 2000 Poreacutem
o maior progresso foi na aacuterea da educaccedilatildeo fundamental que eacute considerado fator
decisivo para a cidadania pois a taxa de analfabetismo caiu consideravelmente
entretanto existem muitos problemas no campo educacional como a repetecircncia e
com relaccedilatildeo a desigualdade social entre as regiotildees
A grande concentraccedilatildeo da riqueza nacional nas matildeos de poucos reflete a
desigualdade e causa a pobreza e a miseacuteria ao passo que dificulta o acesso do
cidadatildeo agrave justiccedila e consequentemente ao seu estado de cidadania pleno
Dentre os fundamentos no qual se baseiam o Estado democraacutetico de Direito
no Brasil destaca-se justamente a cidadania e a dignidade humana conforme artigo
1ordm incisos II e III da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Entatildeo construir uma sociedade
livre justa e solidaacuteria garantir o desenvolvimento nacional erradicar a pobreza e a
marginalizaccedilatildeo reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de
todos sem preconceitos de origem raccedila sexo cor idade ou quaisquer outras
formas de discriminaccedilatildeo satildeo os objetivos fundamentais do Estado Brasileiro
conforme art 3ordm da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
O cenaacuterio de globalizaccedilatildeo econocircmica mundial tambeacutem traacutes seacuterios obstaacuteculos
para a construccedilatildeo da cidadania A globalizaccedilatildeo da economia em ritmo acelerado
provoca grandes mudanccedilas nas relaccedilotildees entre Estado sociedade e naccedilatildeo que
eram sempre o centro da noccedilatildeo e da praacutetica da cidadania ocidental O foco das
mudanccedilas e das preocupaccedilotildees estaacute em dois focos especiacuteficos a reduccedilatildeo do papel
central do Estado como fonte de direitos e local para a participaccedilatildeo e o
deslocamento da naccedilatildeo como principal fonte de identidade coletiva
Para que ocorra efetiva mudanccedila a melhor proposta eacute no sentido de
mudanccedila na organizaccedilatildeo da sociedade pois a inversatildeo da sequecircncia dos direitos
fez com que ocorra o reforccedilo da supremacia do Estado Para que ocorra a
consolidaccedilatildeo democraacutetica e cidadatilde eacute necessaacuterio reforccedilar a organizaccedilatildeo da
sociedade para assim dar embasamento social ao poder poliacutetico ou seja
finalmente democratizar o poder e estabelecer de forma plena a Cidadania
53
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A Constituiccedilatildeo que nasce com ldquocheiro de amanhatilde e natildeo de mofordquo nas
palavras do Deputado Ulisses Guimaratildees tem em seu relevo a esperanccedila de um
povo que sonhava com a erradicaccedilatildeo da repressatildeo militar e natildeo soacute isso um povo
que sonhava com a liberdade em suas diversas manifestaccedilotildees em suas mais
significativas formas de representaccedilatildeo e sobretudo com um paiacutes voltado para a
democracia e justiccedila social
Ao povo brasileiro foi concedido o poder de governar e nesse contexto de
mudanccedila a ldquodemocracia eacute o governo do povo pelo povo e para o povordquo na
conceituaccedilatildeo ceacutelebre de Abraham Lincoln E consoante estabelece o paraacutegrafo
uacutenico do art 1ordm da Carta cidadatilde de 1988 ldquotodo poder emana do povo que o exerce
por meio de representantes eleitos ou diretamenterdquo
No entanto natildeo basta que a fonte de poder seja o povo a democracia vem
significar a efetiva participaccedilatildeo do povo nas decisotildees e destino do Estado e sua
consolidaccedilatildeo eacute a proacutepria cidadania pois eacute o cidadatildeo que pensa e se auto define
diante da condiccedilatildeo soacutecio-histoacuterica O cidadatildeo tem portanto o poder de transformar
a realidade social segundo seu pensamento e accedilatildeo
Natildeo se pode negar que a Carta de 1988 foi a que apresentou maior
legitimidade popular que abriu caminhos apontando um novo tempo
Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita Se fosse perfeita seria irreformaacutevel Ela proacutepria com humildade e realismo admite ser emendada ateacute por maioria mais acessiacutevel dentro de cinco anos Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita mas seraacute uacutetil e pioneira e desbravadora Seraacute luz ainda que de lamparina na noite dos desgraccedilados Eacute caminhando que se abrem os caminhos Ela vai caminhar e abri-los Seraacute redentor o que penetrar nos bolsotildees sujos escuros e ignorados da miseacuteria (Ulysses Guimaratildees)
Mesmo natildeo sendo a constituiccedilatildeo perfeita sem duacutevida foi a que trouxe
esperanccedila ao povo brasileiro com a sua promulgaccedilatildeo surgiram o ldquohaacutebeas datardquo o
mandado de injunccedilatildeo e o mandado de seguranccedila coletivo - todos remeacutedios judiciais
de iacutendoles constitucionais serviacuteveis para prevenir e combater diversas tentativas de
abuso contra a pessoa humana Outrossim o objeto da accedilatildeo popular foi ampliado
Atualmente qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima para propor a mencionada accedilatildeo
54
popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de entidade de que o
Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e ao patrimocircnio
histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de custas
judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia Nesse rol de forma decisiva houve a
ampliaccedilatildeo tambeacutem dos direitos sociais
Assim a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconhece e assegura uma seacuterie de
escudos protetivos aos cidadatildeos Em sua essecircncia os direitos fundamentais
ganham forma De modo que podemos assegurar que hoje o nosso Estado eacute uma
organizaccedilatildeo centrada no ser humano visto que tem a dignidade da pessoa humana
como um fundamento da Repuacuteblica Federativa do Brasil
Apesar das inuacutemeras dificuldades o Estado Democraacutetico de Direito fundado
na cidadania constituiu para o povo uma nova identidade ndash o que em outras eacutepocas
natildeo existia
A Constituiccedilatildeo circunscreve toda a organizaccedilatildeo poliacutetica estatal no intuito
maior de criar no consciente coletivo a vontade livre e determinada de desenvolver
padrotildees de condutas destinados a elevar e promover a auto-estima de toda a
comunidade paacutetria
Foi nesse sentido que estatui em seu artigo 1ordm a cidadania como fundamento
do Estado Democraacutetico de Direito ampliando e enriquecendo o tal conceito Cada
eacutepoca produziu praacuteticas e reflexotildees muito distintas sobre o tema cidadania A
definiccedilatildeo de cidadania que vem sofrendo alteraccedilotildees ao longo do tempo obedecendo
a um processo histoacuterico de conquistas sociais eacute compreendida atualmente como
um processo de participaccedilatildeo do indiviacuteduo ou de um grupo organizado nas mais
variadas aacutereas de atuaccedilatildeo da sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos
e sociais
A cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia disso natildeo haacute duvidas e se
efetiva como mudanccedilas na realidade de cada um com melhoria de vida e
conscientizaccedilatildeo da importacircncia do cidadatildeo dado que eacute um processo em
permanente construccedilatildeo Natildeo haacute como defender uma qualidade de vida sem a
preservaccedilatildeo da cidadania em todos os seus acircmbitos Nesse sentido a efetiva
proteccedilatildeo desse aspecto basilar torna-se essencial no que tange uma assistecircncia
juriacutedica completa
No contraponto do direito estatildeo os deveres que encontramos sua realizaccedilatildeo
tambeacutem na participaccedilatildeo observando que o cidadatildeo eacute responsaacutevel pelo advir de
55
suas accedilotildees A participaccedilatildeo reflete um caraacuteter de natildeo comodismo de atenccedilatildeo agravequilo
que eacute particular e coletivo tendo como finalidade preciacutepua o bem comum
Construir cidadania hoje eacute imperativo para a sociedade pois dessa
construccedilatildeo depende o amanhatilde Estamos diante da Constituiccedilatildeo que se propotildee a
resguardar o amanhatilde sem perder de vista que ele comeccedila hoje agora e nisso a
Carta Poliacutetica traacutes consigo a certeza do despertar dessa consciecircncia a consciecircncia
cidadatilde Ela eacute a semente plantada em terra feacutertil que gera frutos diariamente e se
renova a cada estaccedilatildeo na dinacircmica da vida Talvez tenha sido esse o cheiro de
frutas alcanccedilado pelo constituinte ao anunciar que a carta tem ldquocheiro do amanhatilderdquo
A responsabilidade pelo exerciacutecio desses direitos belissimamente elencados
depende de todos e de cada um pois somos o terreno feacutertil que produziraacute o fruto de
uma sociedade fraterna
Eacute comum na praacutetica apenas responsabilizarmos o Estado em sentido lato pelo
natildeo exerciacutecio dos direitos do cidadatildeo Vale lembrar nesse contexto das palavras de
J Kennedy o qual disse ldquonatildeo pergunte o que o Estado pode fazer por vocecirc mas o
que vocecirc pode fazer pelo Estadordquo haacute nessa frase um forte traccedilo de cidadania pois
quando o cidadatildeo reivindica critica opina o que ele daacute em contrapartida ao paiacutes eacute
solidificado visto que eacute nas relaccedilotildees familiares em comunidade que se estabelece e
se fortalece os viacutenculos de solidariedade de uma sociedade que perpetua valores
condutas que as leis reguladoras natildeo conseguem por si soacute estabelecer
A concretizaccedilatildeo do ideal de uma qualidade de vida merecida a todos os seres
humanos sem restriccedilotildees requer entretanto um esforccedilo coletivo Dessa forma haacute
necessidade de suprir as muitas carecircncias advindas das desigualdades sociais e de
condiccedilotildees do descaso do poder puacuteblico e da proacutepria conceituaccedilatildeo antiga de
cidadania que ainda eacute concebida por muitos no presente
Em suma nosso trabalho procurou traccedilar a evoluccedilatildeo da cidadania e ao
mesmo tempo buscou traccedilar uma melhor caracterizaccedilatildeo do cidadatildeo agrave luz da nossa
Constituiccedilatildeo que eacute por fim a essecircncia da Magna Carta O alcance da cidadania
enquanto mecanismo de acesso a direitos foi colocado no acircmbito da pessoa
enquanto titular de direitos e num paralelo defendemos que o municiacutepio eacute o espaccedilo
de atuaccedilatildeo e exerciacutecio de cidadania dada a proximidade do cidadatildeo com as
instituiccedilotildees oacutergatildeos entidades e tudo o mais que o cerca na esfera de vivecircncia Eacute na
praccedila que discute a poliacutetica local e nacional que se indigna com as dificuldades e as
56
barreiras de acesso aos seus direitos Eacute no municiacutepio que se inicia todo um vieacutes de
desdobramento para garantir direitos
Por fim natildeo obstante resta dizer sobre o tema que os caminhos e
paradigmas que se intentou percorrer sobre cidadania como mecanismo
transformador da sociedade tem ingrediente ainda a se descortinar para o
propoacutesito valioso do bem comum Pois bem a ideia de bem comum tem como
fundamento o amor maacutexima que se estabelece por meio da democracia visto que
ldquoa demofilia o demoiacutesmo o amor do povo acima de tudo como princiacutepio ativo de
toda a sua vida poliacutetica inspirador duma sempre crescente autonomia imanente eacute
que constitui a verdadeira essecircncia da democraciardquo nas palavras de Melgareacute
(2005)
Dessa forma eacute no nuacutecleo da democracia que estaacute inscrito como pedra
angular o respeito e o amor pela pessoa humana Eacute pois um tema de larga
abrangecircncia poreacutem sem querer abreviar o caminho sua efetiva possibilidade de
realizaccedilatildeo se encontra no exerciacutecio da cidadania sem repuacutedios parciais ou exclusatildeo
de qualquer ordem na plenitude de uma cidadania para todos
57
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35
CAPIacuteTULO 3 - CIDADANIA COMO MECANISMO DE
TRANSFORMACcedilAtildeO SOCIAL
No momento em que a cidadania alccedila voos constitucionais e insere-se na
Carta Poliacutetica da Repuacuteblica Federativa do Brasil inicia-se o processo de
redemocratizaccedilatildeo e ganha relevo o cidadatildeo agente deste processo que tem em
suas matildeos a tarefa da construccedilatildeo de um novo tempo
Historicamente a ideia de cidadatildeo conotava o habitante da cidade ndash o
citadino ndash firma-se entatildeo tal conotaccedilatildeo na Antiguumlidade claacutessica para depois
significar aquele indiviacuteduo a quem se atribuem os direitos poliacuteticos Superada essa
acepccedilatildeo que tambeacutem vigorou nas constituiccedilotildees anteriores da Repuacuteblica do Brasil
na concepccedilatildeo moderna estaacute clara a noccedilatildeo de cidadatildeo como aquele que a quem
consiste a titularidade de direitos individuais poliacuteticos e sociais Noccedilatildeo esta
edificada com a internacionalizaccedilatildeo dos direitos humanos que amplia a acepccedilatildeo do
termo declarando que satildeo cidadatildeos todo aquele que habita o acircmbito da soberania
de um Estado e deste Estado recebem uma carga de direitos e tambeacutem deveres dos
mais variados
Desta forma a noccedilatildeo contemporacircnea de cidadania funda-se na dicotomia
direitos (exerciacutecios de direitos fundamentais - participaccedilatildeo) e deveres (colaboraccedilatildeo -
solidariedade) Ao lado dos direitos foram estabelecidos deveres fundamentais e
portanto tanto agentes puacuteblicos como os indiviacuteduos tecircm obrigaccedilotildees especiacuteficas
inclusive a de respeitar os direitos das demais pessoas que vivem na ordem social
sendo e promovendo mecanismos de transformaccedilatildeo social que visam uma nova
sociedade baseada na igualdade e na justiccedila
36
31 O ser cidadatildeo
Os termos indiviacuteduo ser humano pessoa e cidadatildeo satildeo geralmente tomados
como sinocircnimo o que certamente influi na proliferaccedilatildeo de incontaacuteveis significados e
ampliaccedilatildeo do termo cidadatildeo Poreacutem estas palavras apesar de se assemelharem
possuem carga semacircntica proacutepria e da compreensatildeo exata de cada uma decorre a
conceituaccedilatildeo mais acentuada da acepccedilatildeo do termo cidadatildeo como titular de direitos
e deveres resguardados pela constituiccedilatildeo paacutetria
Desta forma indiviacuteduo eacute um representante da espeacutecie aquele que eacute uacutenico
Enquanto ser humano eacute um termo mais geneacuterico ou indeterminado que diz respeito
agrave espeacutecie agrave classificaccedilatildeo ao mundo zooloacutegico Pessoa por sua vez eacute um termo
mais especiacutefico que tem a ver com o mundo civilizado ou se preferirmos com a
constelaccedilatildeo dos valores morais eacuteticos e juriacutedicos proacuteprios da civilizaccedilatildeo
A etimologia da palavra pessoa demonstra que eacute um conceito sobreposto ao conceito de Ser Humano Um refratildeo de origem juriacutedica tambeacutem nos lembra do homo plures pessoa polimorfa o ser humano capaz de desempenhar muitos papeacuteis um mesmo ser humano eacute empresaacuterio e delinquumlente eacute pai e metaluacutergico etc Persona (personagem) era a maacutescara que usavam os atores da trageacutedia grega para desempenhar seu papel Cabe portanto entender o conceito de Ser Humano ao lado do conceito de Pessoa No direito romano antigo os escravos eram seres humanos (homens) mas natildeo eram consideradas pessoas (patriacutecios) Os juristas romanos que usavam o conceito de Ser Humano o dissociavam do conceito de pessoas (CUNHA 2007)
O Ser Humano recebe uma distinccedilatildeo importante quando o consideramos
como Pessoa assim como a Pessoa recebe uma distinccedilatildeo redundante natildeo menos
importante quando a consideramos por forccedila de expressatildeo como uma pessoa
humana Subentendendo o adjetivo humano como relativo agrave eacutetica Portanto Ser
Humano natildeo eacute a mesma coisa que Pessoa como tampouco Ser Humano eacute o
mesmo que cidadatildeo este muito eacute mais proacuteximo do termo Pessoa Vejamos o quadro
ilustrativo que esquematiza e distinguem os referidos conceitos
37
QUADRO 1 ndash EVOLUCcedilAtildeO DO SER HUMANO ATEacute O CIDADAtildeO
O Ser Humano O Ser Indiviacuteduo O Ser Pessoa O Ser Cidadatildeo
A Dimensatildeo do conviacutevio social
A dimensatildeo do mercado de trabalho e
Consumo
A Dimensatildeo de encontrar-se no mundo
A dimensatildeo de intervir na realidade
O homem tornar-se Ser Humano nas relaccedilotildees
de conviacutevio social
O Ser Humano tornar-se indiviacuteduo quando
descobre seu papel e funccedilatildeo social
O Indiviacuteduo torna-se pessoa quanto toma
consciecircncia de si mesmo do outro e do
mundo
A pessoa torna-se cidadatildeo quando
interveacutem na realidade em que vive
Quem estuda o comportamento do Ser
Humano Seria a antropologia a histoacuteria
ou a sociologia
Quem estuda o comportamento do indiviacuteduo Seria a
Filosofia a sociologia ou a Psicologia
Quem estuda o comportamento da pessoa Seria a
Filosofia a sociologia ou a Psicologia
Quem estuda o comportamento do cidadatildeo Seria a
Sociologia a Filosofia ou As ciecircncias
poliacuteticas
Quem garante os direitos do Ser
Humano A Declaraccedilatildeo Universal
dos Direitos Humanos
Quem garante os Direitos do
Consumidor O Coacutedigo do Consumidor
Quem garante os Direitos da pessoa A proacutepria pessoa (amor proacuteprio ou autoestima)
Quem garante os Direitos do cidadatildeo (A Constituiccedilatildeo e suas leis
regulamentares)
Existe realmente uma natureza humana Teologicamente
afirmamos que existe a uma natureza humana
Seguindo a corrente existencialista (JP Sartre) negamos tal
natureza
Que diferenccedila existe entre o direito do
consumidor e o direito do cidadatildeo Ao
Consumidor deve ser dado o direito de
propriedade enquanto ao cidadatildeo deve ser
dado o direito de acesso
O que significa tornar-se pessoa no niacutevel
psicoloacutegico e social A pessoa eacute o indiviacuteduo que toma consciecircncia de si mesmo (ldquoTornar-
se Pessoardquo de Karl Roger)
Como podemos intervir na realidade
modificando as estruturas corruptas e injustas Quando os
direitos do cidadatildeo lhe satildeo oferecidos e o
mesmo passa a exercecirc-lo haacute
modificaccedilatildeo de comportamento
(ROSAS 2009)
O cidadatildeo eacute portanto aquele indiviacuteduo a quem a Constituiccedilatildeo confere direitos
e garantias e lhe daacute o poder do seu efetivo exerciacutecio aleacutem de meios processuais
eficientes contra a violaccedilatildeo de seu gozo ou fruiccedilatildeo por parte do poder puacuteblico
Sendo assim
A passagem do indiviacuteduo a cidadatildeo caracteriza-se pelo reconhecimento pela lei de direitos considerados fundamentais agrave realizaccedilatildeo da vida do homem como indiviacuteduo e ser social membro de uma comunidade poliacutetica e a garantia desses direitos pela forccedila comum de todos (CUNHA 2007)
38
Nas uacuteltimas deacutecadas em alguns paiacuteses inclusive no Brasil desenvolveu-se o
conceito de cidadania calcado principalmente na questatildeo do cidadatildeo-consumidor
As pessoas passam a ser vistas como cidadatildes desde que tenham dinheiro para
adquirir mercadorias e utilizar serviccedilos Eacute certo pois que serviccedilos e mercadorias
atendem a necessidades materiais e simboacutelicas das pessoas e consumi-los eacute um
dos modos de participar da vida social criar identidade e partilhar dos bens
produzidos pela humanidade e representar-se culturalmente Contudo a cidadania
enfatizada apenas como uma relaccedilatildeo de compra e venda de mercadorias e serviccedilos
assume um conteuacutedo restrito individual conformista e voltado apenas para a
aquisiccedilatildeo de bens o que se relaciona com a ideacuteia de indiviacuteduo ou seja o consumo
atende as necessidades do indiviacuteduo
Outra forma de confusatildeo acerca do conceito de cidadatildeocidadania refere-se a
equiparaccedilatildeo feita com o assistencialismo o que configura uma acentuada inversatildeo
do termo uma vez que a praacutetica do assistencialismo natildeo propicia meios de
superaccedilatildeo das desigualdades sociais Enquanto a cidadania estaacute relacionada agrave
superaccedilatildeo das desigualdades sociais e a extensatildeo da garantia dos direitos de todos
O cidadatildeo eacute sem duacutevida uma expressatildeo que precisa ser adequadamente
utilizada e vivenciada pela coletividade compreendido na dimensatildeo do ser pessoa
de ter direitos e deveres do assumir as suas liberdades e responsabilidades no seio
de uma comunidade democraacutetica equitativa solidaacuteria e intercultural
Dessa forma ser cidadatildeo implica saber viver em sociedade estando ciente
dos anseios comuns A participaccedilatildeo ativa nas decisotildees de sua comunidade
influencia modos de vida de maneira positiva ao seu redor assim torna-se
imprescindiacutevel o exerciacutecio dos direitos constitucionais adquiridos e lutar pelos que
viratildeo eacute sobretudo estar consciente de todas as atitudes tomadas em prol da
sociedade
Eacute possiacutevel nesse espaccedilo de discussatildeo falar em ldquoestar cidadatildeordquo que eacute natildeo
praticar o exerciacutecio da cidadania em nenhuma de suas formas Implica apenas em
se deixar levar pelos acontecimentos e ainda reclamar das situaccedilotildees vividas sem
nada fazer para mudar sem nenhuma perspectiva de futuro Do que concluiacutemos que
a dinacircmica de intervir na realidade eacute pressuposto de cidadania
Ser cidadatildeo eacute tarefa que requer muito do ser humano do individuo da
pessoa Requer uma alta - estima elevada uma consciecircncia solidaacuteria uma
39
identidade que se reconheccedila na dinacircmica social interagindo com o outro ampliando
debates incitando justiccedila eacute sem duvida uma tomada de posiccedilatildeo que natildeo se
acomoda pelo contraacuterio se incomoda quando natildeo haacute comprometimento para o bem
comum
Natildeo eacute uma tarefa cocircmoda senatildeo muito complicada as pessoas natildeo nascem cidadatildeos mas fazem-se no tempo e no espaccedilo Na verdade natildeo eacute faacutecil exercer a liberdade e a cidadania ndash ser pessoa e ser cidadatildeo ndash por isso exige-se uma luta sem treacuteguas para erradicar assimetrias e exclusotildees socioculturais e criar cenaacuterios de esperanccedila realizaacuteveis fundamentados em valores e princiacutepios eacuteticos que requalifiquem a democracia com cidadatildeos participativos e
comprometidos ( SAEZ 1995)
Tem portanto como pressuposto uma mudanccedila de comportamento uma
tomada de posiccedilatildeo frente agrave dinacircmica social na qual estaacute inserido participando de
forma ativa e produtiva do processo de construccedilatildeo da cidadania por meio de seus
diversos canais
32 Emancipaccedilatildeo social atraveacutes da cidadania
Um Estado Democraacutetico eacute aquele que estaacute enraizado na legitimidade do
poder do povo e dele decorre seu exerciacutecio Assim o poder do povo eacute a expressatildeo
a aptidatildeo de homens e mulheres constituir autonomamente seu viver sem sucumbir
diante das instacircncias de poder Haacute nesse modus vivendi uma tutela das diferenccedilas e
pluralidades de formas de vida
Desta forma a cidadania eacute enfocada como o processo de participaccedilatildeo do
individuo ou de um grupo organizado nas mais variadas aacutereas de atuaccedilatildeo na
sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos sociais com a consciecircncia
da responsabilidade por sua proacutepria histoacuteria
Sendo a democracia o regime em que o povo governa sua caracteriacutestica
inarredaacutevel eacute a de ter o povo agrave frente do poder uma forma de autogoverno Em
assim sendo a cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia por meio de resultados
palpaacuteveis e medidas concretas tais como mudanccedilas na realidade de cada um com
melhoria de vida e conscientizaccedilatildeo da importacircncia na sociedade para o exerciacutecio
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direto ou indireto desse poder pois se contentar com fato do direito estaacute prescrito
em lei natildeo eacute o bastante
Eacute certo poreacutem que o Estado democraacutetico somente se aperfeiccediloa na
proporccedilatildeo em que o povo age ativamente na medida em que os representantes
reflitam em seus atos os verdadeiros anseios populares Partindo dessa visatildeo a
cidadania eacute o grande fator de legitimaccedilatildeo do povo permitindo que ele aja em defesa
das instituiccedilotildees democraacuteticas
Sobre a participaccedilatildeo cumpre asseverar que este direito significa a
capacidade de ser consultado para as tomadas de decisatildeo que dizem respeito agrave
direccedilatildeo da sociedade em que vive o cidadatildeo este direito eacute acompanhado do
respeito aos deveres de contribuir para o progresso social e de acatar e respeitar o
resultado obtido em consulta coletiva
No elenco de mecanismo de exerciacutecio da cidadania estaacute o acesso ao direito e
a justiccedila que eacute fator preponderante para efetivar as garantias constitucionais
Assim passaremos a discorrer sobre a importacircncia de instrumentalizar o
cidadatildeo para um pleno exerciacutecio de seus direitos
Eacute Sabido que no Estado Democraacutetico Contemporacircneo os direitos
fundamentais constitucionalmente assegurados tecircm eficaacutecia imediata cumprindo ao
Estado garantir a todos os cidadatildeos o respeito a esses Direitos de modo concreto e
efetivo natildeo obstante as inuacutemeras desigualdades e condiccedilotildees adversas que
dificultam na praacutetica o seu exerciacutecio
Para o acesso ao direito o Estado deve desenvolver com eficiecircncia uma seacuterie
de atividades essenciais e dar efetividade a uma seacuterie de pressupostos Dentre eles
o principal eacute o conhecimento do Direito como fator preponderante pois o
desconhecimento da lei implica na praacutetica natildeo acionar a jurisdiccedilatildeo Um fato que
contribui para essa assertiva eacute baixa escolaridade da populaccedilatildeo e o analfabetismo
Muito pouco adianta a existecircncia de uma Constituiccedilatildeo apenas formal ou no
papel se ilegiacutetima ou desrespeitada Para que ocorra a eficaacutecia das normas
dispostas numa Constituiccedilatildeo ou melhor para que passe da teoria agrave praacutetica eacute
essencial que comandados e comandantes tenham conhecimento dos seus direitos
e responsabilidades assim como dos instrumentos juriacutedicos para efetivaacute-los (leis
regulamentadoras) O exerciacutecio da cidadania natildeo eacute somente um direito mas eacute
tambeacutem um dever de todos pois a omissatildeo de cada um contribui com as injusticcedilas e
as impunidades tatildeo presentes nos dias atuais
41
A Constituiccedilatildeo quando eacute justa e legiacutetima e principalmente quando eacute
respeitada eacute um poderoso instrumento de promoccedilatildeo e desenvolvimento social e
humano
Outro fator que deve ser considerado eacute a miserabilidade que coloca inuacutemeros
brasileiros a margem da sociedade em situaccedilatildeo precaacuteria os quais para Pinsky
(2004) ldquodesprovidos de esperanccedila de projeto de qualquer perspectiva de inclusatildeo
[] recorrer agrave Justiccedila humana parece algo irrealizaacutevel sofisticado e inteiramente
ficcionalrdquo
Desta forma o primeiro passo para concretizar os direitos previstos
constitucionalmente eacute a formaccedilatildeo do cidadatildeo atraveacutes da Educaccedilatildeo Baacutesica
infundindo-lhe a consciecircncia dos seus direitos e tambeacutem dos seus deveres sociais
bem como dos valores humanos fundamentais que devem ser por todos respeitados
na vida em sociedade A universalizaccedilatildeo do ensino fundamental a oferta obrigatoacuteria
de educaccedilatildeo infantil pelo Estado e o crescimento da oferta do ensino meacutedio satildeo
alguns dos aspectos que merecem destaques e foi devido agrave determinaccedilatildeo
constitucional de estabelecer o caraacuteter obrigatoacuterio do ensino fundamental e de
responsabilizar o Estado por sua implementaccedilatildeo que tem iniacutecio o processo de
avanccedilo desse segmento
A Constituiccedilatildeo estabeleceu de forma mais clara o papel dos entes federados
na educaccedilatildeo Tambeacutem aumentou a participaccedilatildeo orccedilamentaacuteria destinada ao setor
Com as novas regras para distribuiccedilatildeo de recursos adotadas apoacutes a promulgaccedilatildeo
da Carta os municiacutepios voltam a interessar-se pela educaccedilatildeo fundamental e o paiacutes
atinge a universalizaccedilatildeo do setor o que se busca agora satildeo mecanismos para
garantir a qualidade no ensino
O segundo passo nessa dinacircmica eacute o oferecimento a todos os cidadatildeos de
condiccedilotildees miacutenimas de sobrevivecircncia e de existecircncia condignas atraveacutes do acesso
ao trabalho produtivo livremente escolhido e do pagamento de remuneraccedilatildeo capaz
de prover ao sustento do trabalhador e de sua famiacutelia
Para milhotildees de cidadatildeos que vivem na ignoracircncia e na miseacuteria nenhuma
utilidade ou eficaacutecia tecircm os inuacutemeros direitos constitucionalmente assegurados Para
aqueles que se habituaram a retirar proventos da mendicacircncia da prostituiccedilatildeo de
atividades iliacutecitas ou aqueles que se sentiram forccedilados a sujeitar-se agrave exploraccedilatildeo de
outrem para sobreviver natildeo haacute nenhuma crenccedila na dignidade da pessoa humana e
no valor social do trabalho
42
A pobreza engendra inuacutemeras relaccedilotildees de dominaccedilatildeo entre pessoas e entre grupos sociais As habitaccedilotildees subumanas da periferia das grandes cidades no Brasil constituem verdadeiros quistos sociais terras sem lei controladas por xerifes ou por quadrilhas de malfeitores O Estado que natildeo for capaz de dotar essas comunidades do acesso efetivo agrave Educaccedilatildeo agrave Sauacutede agrave Seguranccedila e agrave Paz Puacuteblicas e ao trabalho liacutecito certamente natildeo lhes estaraacute assegurando o acesso ao Direito porque a populaccedilatildeo abrutalhada pela miseacuteria e coagida pelo medo natildeo desfruta da miacutenima eficaacutecia concreta dos
seus direitos fundamentais (GRECO 2009)
Evidencia que acesso ao Direito nas sociedades modernas mesmo nas
economicamente desenvolvidas exige o fortalecimento dos grupos intermediaacuterios e
do associativismo O cidadatildeo natildeo estaacute mais em condiccedilotildees de defender-se
individualmente das ameaccedilas e lesotildees aos seus direitos perpetradas por pessoas ou
grupos que se encontram em posiccedilatildeo de vantagem nas relaccedilotildees econocircmicas e
sociais
O sindicato veio exercer este importante papel em relaccedilatildeo ao trabalhador
empregado Mas hoje as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo natildeo satildeo apenas as que existem no
mundo do trabalho mas as que se revelam em todos os tipos de relaccedilotildees humanas
relaccedilotildees de consumo relaccedilotildees de vizinhanccedila relaccedilotildees locatiacutecias relaccedilotildees
comerciais internas e internacionais e natildeo com menor relevacircncia relaccedilotildees entre os
particulares e o Estado entre outras
Eacute preciso assegurar esse equiliacutebrio na praacutetica o que somente tornar-se-aacute
possiacutevel atraveacutes da articulaccedilatildeo dos sujeitos que se encontram em posiccedilatildeo de
desvantagem em organizaccedilotildees e associaccedilotildees que pela uniatildeo de esforccedilos
consigam compensar o desequiliacutebrio existente e dar aos indiviacuteduos e grupos a forccedila
e a capa de proteccedilatildeo necessaacuterias para ombrearem-se aos seus adversaacuterios e
lutarem pelos seus direitos ou interesses em igualdade de condiccedilotildees
Para Greco (2009) o pressuposto indispensaacutevel do acesso ao Direito eacute a
transparecircncia do Estado no trato de questotildees que possam afetar a esfera de
interesses dos cidadatildeos e complementa que aos cidadatildeos eacute indispensaacutevel
assegurar o direito de influir eficazmente nas decisotildees do poder puacuteblico atraveacutes dos
mais diversos instrumentos de participaccedilatildeo democraacutetica Ele afirma que
A relaccedilatildeo Estado-cidadatildeo natildeo eacute mais a relaccedilatildeo soberano-suacutedito O cidadatildeo tem o direito de exigir do Estado o pleno respeito ao seu
43
patrimocircnio juriacutedico Lamentavelmente a crise do Estado tem levado o Brasil a aceitar-se como normal que as pessoas juriacutedicas de Direito Puacuteblico natildeo cumpram devidamente as prestaccedilotildees positivas de que satildeo devedoras perante os particulares cabendo a estes demandar na Justiccedila para obtecirc-las (GRECO 2009)
Essa visatildeo deformada da responsabilidade do Estado ocorre o
desvirtuamento da justiccedila Por outro lado agrave violaccedilatildeo da garantia constitucional da
tutela jurisdicional efetiva (Constituiccedilatildeo artigo 5 inciso XXXV) disciplina a lei natildeo
excluiraacute da apreciaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio lesatildeo ou ameaccedila ao direito Assim o
acesso ao Direito natildeo estaraacute concretamente assegurado se o Estado natildeo oferecer a
todo cidadatildeo a possibilidade de receber aconselhamento juriacutedico a respeito dos seus
direitos
Constituiccedilatildeo de 1988 no artigo 5deg inciso LXXIV assegurou a todos
ldquoassistecircncia juriacutedicardquo a englobar assistecircncia judiciaacuteria e assessoramento juriacutedico
extrajudicial Conforme Greco (2009) ldquoeacute preciso que esse direito seja assegurado
na praacutetica Uma vez que na vida moderna o Direito tornou-se excessivamente
complexordquo Ainda no dizer do autor a consciecircncia juriacutedica do homem comum que
deve ser adquirida na famiacutelia e na escola natildeo eacute mais suficiente para a tomada de
decisotildees na vida diaacuteria das pessoas Todas as pessoas mantecircm complexas relaccedilotildees
juriacutedicas com instituiccedilotildees financeiras com fornecedores de bens e de serviccedilos etc
Nessas relaccedilotildees juriacutedicas com frequecircncia os cidadatildeos tecircm de tomar decisotildees
raacutepidas O cidadatildeo que tem meios procura um advogado particular para assessoraacute-
lo Ao pobre o Estado deve assegurar o mesmo direito em plenitude
Sem duacutevida o uacuteltimo pressuposto do acesso ao Direito eacute o acesso agrave Justiccedila
no sentido de acesso a um tribunal estatal imparcial previamente instituiacutedo como
competente para a soluccedilatildeo de qualquer litiacutegio a respeito de interesse que se afirme
juridicamente protegido ou para a praacutetica de qualquer ato que a lei subordine agrave
aprovaccedilatildeo autorizaccedilatildeo ou homologaccedilatildeo judicial
Se o cidadatildeo tem consciecircncia dos seus direitos se o Estado lhe fornece
todas as condiccedilotildees para livremente exercecirc-los mas algum outro cidadatildeo ou algum
oacutergatildeo do proacuteprio Estado impede ou dificulta esse exerciacutecio cabe ao poder puacuteblico
pocircr agrave disposiccedilatildeo do cidadatildeo lesionado ou ameaccedilado a jurisdiccedilatildeo necessaacuteria para
assegurar o pleno acesso a tal direito
Atingimos eacute certo um estaacutegio de desenvolvimento do Direito Humanitaacuterio que
natildeo mais nos permite conformar-nos com uma realidade distante do padratildeo de
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convivecircncia humana que outras naccedilotildees jaacute alcanccedilaram O exerciacutecio pleno de
cidadania seraacute obra de mais de uma geraccedilatildeo Mas se trabalharmos com firmeza
certamente os jovens de hoje poderatildeo legar aos seus descendentes a emancipaccedilatildeo
cidadatilde um paiacutes melhor e uma sociedade mais justa e democraacutetica
33 O municiacutepio como acircmbito de exerciacutecio de cidadania
Historicamente o Municiacutepio enquanto unidade poliacutetico-administrativa surgiu
conforme descreve Berardi (2004) com a Repuacuteblica Romana interessada em
manter a dominaccedilatildeo paciacutefica das cidades conquistadas pela forccedila dos exeacutercitos
Sua origem mais de natureza socioloacutegica do que poliacutetica adveacutem do espiacuterito
associativo do homem e de suas relaccedilotildees de vizinhanccedila
Eacute pois a menor unidade territorial de Federaccedilatildeo cuja criaccedilatildeo reflete a base
da organizaccedilatildeo poliacutetica administrativa da Naccedilatildeo Portanto sua funccedilatildeo administrativa
historicamente vem assentada no princiacutepio do direito natural
O artigo primeiro da Constituiccedilatildeo Federal de 1998 estabelece que o
Municiacutepio ao lado dos Estados e do Distrito Federal formam a Republica Federativa
do Brasil que se constitui em Estado Democraacutetico de Direito O municiacutepio tem assim
um poder relevante para a aplicaccedilatildeo da democracia direta iniciada e fortalecida em
niacutevel local Diversos pensadores chegaram a afirmar que a descentralizaccedilatildeo de
poder resultante da constituiccedilatildeo Cidadatilde era antes de tudo uma conquista dos
Municiacutepios sendo eles os berccedilos da perpetuaccedilatildeo da Repuacuteblica e da Democracia
efetivamente por serem o uacutenico niacutevel de governo possuidores de respaldo e
localizaccedilatildeo fiacutesica ou seja solo municipal
Eacute certo que a Carta Magna de 1988 consolidou significativas inovaccedilotildees para a
vida municipal de forma que o Municiacutepio passou a constituir um dos entes da
federaccedilatildeo tratando-o como unidade dotada de autonomia poliacutetica expressa na
capacidade de poder elaborar a sua Lei Orgacircnica fugindo assim da tutela dos
estados que ateacute entatildeo eram considerados como uacutenicos componentes da federaccedilatildeo
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A Lei Orgacircnica Municipal traz em seu bojo aleacutem da organizaccedilatildeo
administrativa do Municiacutepio a restauraccedilatildeo do Poder Legislativo municipal definindo
a diversificaccedilatildeo normativa que natildeo existia nas leis organizacionais outorgadas pelo
Estado reflexo do poder constituinte outorgados aos Municiacutepios pela Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 como consequecircncia do efetivo exerciacutecio do conceito de Estado
Democraacutetico de Direito
O Municiacutepio enquanto ente federativo tem atualmente a responsabilidade de
ordenar o seu desenvolvimento social e a garantia do bem estar de seus habitantes
executando poliacuteticas puacuteblicas de accedilotildees a serem empreendidas na consolidaccedilatildeo
democraacutetica do Estado
Fundada no elemento participaccedilatildeo o exerciacutecio de cidadania amplamente
citado encontra sua efetividade no municiacutepio Pois eacute nesse acircmbito de localizaccedilatildeo
que as pessoas mantecircm um contato direto com os poderes instituiacutedos suas
necessidades imediatas e mediatas satildeo objetos da disciplina da Lei que visa o bem
comum base do Estado democraacutetico de Direito
Baseado na maacutexima do municipalista e defensor da descentralizaccedilatildeo poliacutetica
Franco Motoro sabiamente proferiu que ldquoningueacutem vive na Uniatildeo ou no Estado As
pessoas vivem no Municiacutepiordquo Assim a cidadania encontra seu melhor espaccedilo de
realizaccedilatildeo na comunidade onde convive A vida em comunidade gera anseios
comuns sentimentos comuns uma vez que a convivecircncia propicia que as pessoas
se conheccedilam e se reconheccedilam como membros de uma mesma realidade
De acordo com Harvey (1992) ldquoa globalizaccedilatildeo provoca anonimato enquanto
comunidade cultiva solidariedaderdquo o que implica participaccedilatildeo para o exerciacutecio de
cidadania
Tudo o que acontece no mundo seja no meu paiacutes na minha cidade ou no meu bairro acontece comigo Entatildeo eu preciso participar das decisotildees que interferem na minha vida Um cidadatildeo com um sentimento eacutetico forte e consciecircncia da cidadania natildeo deixa passar nada natildeo abre matildeo desse poder de participaccedilatildeo (Herbert de Souza Betinho)
Com esse embasamento natildeo se pode perder de vista que eacute nas relaccedilotildees
diaacuterias de oposiccedilatildeo ou solidariedade que as pessoas exercem cidadania Na relaccedilatildeo
do com o outro com os poderes ao estabelecer com a vida social e puacuteblica uma
46
convivecircncia posto que cidadania eacute tarefa que natildeo termina natildeo eacute um conceito
pronto tatildeo pouco acabado enquanto seres inacabados que somos estaremos
buscando descobrindo criando e tomando consciecircncia mais ampla dos direitos
O desafio eacute construir um novo discurso sobre cidadania atraveacutes de uma
praacutetica poliacutetica sustentada isto eacute realizada em dois niacuteveis
O primeiro niacutevel na base atraveacutes de construccedilatildeo das capacidades e do poder
proacuteprio da populaccedilatildeo o que envolve inevitavelmente uma mudanccedila de atitude na
busca para garantir seus direitos utilizando-se do grau de autonomia local
Essa atitude conceberia agrave democracia participativa como uma poliacutetica paralela
de intervenccedilatildeo social criando e mantendo novos espaccedilos para a tomada de
decisotildees ou seja para o auto-governo pela populaccedilatildeo nas mateacuterias que afetam
diretamente suas vidas
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade
O segundo niacutevel um governo com o povo e natildeo apenas para o povo fundado
nos ditames constitucionais valorizando o sentimento da sociedade no exerciacutecio da
governabilidade de modo que o balizamento das accedilotildees de governo deixaria de estar
no proacuteprio governo e passaria a estabelecer-se a partir do pensar da sociedade Um
governo que se pergunta o que se deve fazer para ouvir com a maior fidelidade
possiacutevel a sociedade suas instituiccedilotildees representativas e o cidadatildeo Pois as
prioridades da gestatildeo deveriam ser definidas pela sociedade e natildeo mais pelo
governo
Portanto nesses termos eacute preciso considerar que as praacuteticas da
administraccedilatildeo puacuteblica sejam democratizadoras e inclusivas inspiradas nos
princiacutepios da legalidade impessoalidade moralidade publicidade e eficiecircncia Esta
uacuteltima buscou estabelecer uma Administraccedilatildeo Puacuteblica mais eficiente no sentido de
que o cidadatildeo como destinataacuterio dos serviccedilos puacuteblicos que o Estado deve prestar
receba-os com maior qualidade e menor custo para o eraacuterio puacuteblico
Para a consecuccedilatildeo desse governar com o povo alguns pontos devem ser
revistos A mudanccedila implica na necessidade de adequaccedilatildeo reorganizaccedilatildeo
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reformulaccedilatildeo Para isso se faz premente em face dos novos e modernos conceitos
de gestatildeo puacuteblica a superaccedilatildeo do tradicional vezo burocraacutetico que vem convertendo
a Administraccedilatildeo nas palavras Dromi (1995) numa cara ldquomaacutequina de impedirrdquo fiel
ldquocoacutedigo do fracassordquo que dispotildee ldquoartigo primeiro natildeo pode artigo segundo em
caso de duacutevida abstenha-se artigo terceiro se eacute urgente espere artigo quarto
sempre eacute mais prudente natildeo fazer nadardquo numa posiccedilatildeo natildeo burocraacutetica e sim
democraacutetica de considerar que organizaccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica inclui a
praacutetica de ver os cidadatildeos como membros plenos da comunidade poliacutetica tendo
acesso e exercitando direitos as que promovem a organizaccedilatildeo da populaccedilatildeo em
torno de temas de interesse comum as que incluem o controle social sobre a
gestatildeo o debate amplo e informado sobre questotildees de governo e que abrem agrave
populaccedilatildeo as decisotildees sobre estas questotildees Como leciona e Barrientos (2000)
Tratam-se de praacuteticas que natildeo buscam somente melhorar a eficiecircncia administrativa das diferentes organizaccedilotildees puacuteblicas mas que incorporam no seu processo de gestatildeo a dimensatildeo ativa da cidadania isto eacute ldquoque facilitam as iniciativas e responsabilidades de todos os envolvidos[] estabelecendo pontes entre Estado e sociedade civil
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade Acreditamos
que o ponto de partida eacute a atitude aliada agrave solidariedade e ao espiacuterito coletivo Pois
governo e cidadatildeos juntos haveratildeo de cumprir um novo papel no processo de
desenvolvimento como agentes de uma nova cultura
Como afirma Peter Drucke
A parceria comunitaacuteria seraacute um dos verdadeiros setores em crescimento das economias desenvolvidas Surge da necessidade de uma participaccedilatildeo mais direta e efetiva da comunidade nas grandes questotildees da vida social pois natildeo existe ningueacutem melhor que o cidadatildeo para saber o que ele quer para si para sua famiacutelia e para sua comunidade (apud RAMOS 1990)
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O envolvimento efetivo da sociedade nas questotildees sociais natildeo eacute apenas uma
postura moderna Significa antes de tudo uma atitude digna de todos aqueles que
desejam exercer sua cidadania contribuindo para um paiacutes melhor e em especial
para uma sociedade mais justa fraterna e solidaacuteria
Na histoacuteria observa-se a grande coragem das pessoas em construir o
reconhecimento delas proacuteprias e de seus direitos sempre buscando a participaccedilatildeo e
defendendo os Direitos Humanos Sem duacutevida a maior ecircnfase que deve ocorrer
para a construccedilatildeo real da cidadania eacute uma mudanccedila na sociedade O melhor a ser
feito eacute reforccedilar a organizaccedilatildeo democraacutetica buscando novas formas de participaccedilatildeo
social pois cidadania natildeo se resume ao poder de votar ou ser votado mas eacute sempre
na efetiva participaccedilatildeo popular pois somente com isso haacute a verdadeira
conscientizaccedilatildeo e o comprometimento daquele que passa a se sentir cidadatildeo
abandonando-se velhos viacutecios da poliacutetica representativa
Desse modo a participaccedilatildeo do povo no momento das reivindicaccedilotildees das
discussotildees e apreciaccedilotildees de projetos que visem agrave melhoria da comunidade local a
exigecircncia de transparecircncia na administraccedilatildeo da coisa puacuteblica dentre outras eacute quem
daraacute embasamento para as verdadeiras conquistas sociais no Municiacutepio que geram
saudaacuteveis formas de pressatildeo por efetivas poliacuteticas puacuteblicas de inclusatildeo social
gerando o fim do clientelismo poliacutetico tatildeo pejorativo e comum em nossa realidade e
cultura poliacutetica
Somente a participaccedilatildeo social eacute que iraacute causar uma real democratizaccedilatildeo do
poder A afirmaccedilatildeo da cidadania eacute pressuposto para a realizaccedilatildeo dos Direitos
Humanos pois os homens natildeo nascem naturalmente iguais Inclusive para que
ocorra a realizaccedilatildeo dos referidos direitos eacute necessaacuterio tambeacutem que exista um
espaccedilo puacuteblico que seja realmente democraacutetico e acessiacutevel possibilitando a
participaccedilatildeo de todos e esse espaccedilo eacute certamente o municiacutepio
Na praacutetica um forte instrumento de cidadania para atender as necessidades
coletivas eacute o orccedilamento participativo previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal que
determina expressamente a realizaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas e a participaccedilatildeo
popular nos processos de elaboraccedilatildeo e conduccedilatildeo dos orccedilamentos como forma de
incentivo agrave preparaccedilatildeo e execuccedilatildeo de planejamentos que envolvam diretamente o
povo A Lei veio incentivar a sua propagaccedilatildeo para todos os entes federativos tendo
em conta que se trata de uma tendecircncia mundial por legitimar as escolhas e
fortalecer o princiacutepio da transparecircncia
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Os meios de acesso do cidadatildeo junto aos Poderes Puacuteblicos eacute uma realidade
no Estado Democraacutetico de Direito brasileiro a exemplo das sessotildees do Poder
Legislativo que satildeo puacuteblicas ficando abertas a todos que delas quiserem participar
Emite-se uma pauta antes do comeccedilo da sessatildeo com a preacutevia dos debates Em
niacutevel municipal verifica-se um acompanhamento mais incisivo sobre as sessotildees das
Cacircmaras de Vereadores como forma de pressatildeo para aprovaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees
da comunidade avaliaccedilatildeo do desempenho e aceitaccedilatildeo de propostas orccedilamentaacuterias
e atuaccedilatildeo dos poliacuteticos bem como entendimento das funccedilotildees do Poder Legislativo
A Constituiccedilatildeo Federal assegura desde 1988 a possibilidade de se oferecer
peticcedilatildeo agraves Mesas Legislativas como forma de pedir informaccedilotildees sobre andamento
de projetos ou relatoacuterios encaminhados aos chefes do Poder Executivo Em niacutevel
municipal pode ser utilizada a Tribuna Livre como instrumento para denuacutencias de
problemas ou discussatildeo de um tema ou mesmo para apresentar sugestotildees sendo
regulado pela Lei Orgacircnica Municipal e pelo Regimento Interno da Cacircmara
A convocaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas tambeacutem possui previsatildeo constitucional
no art 58 sect 20 inciso II em niacutevel federal As comissotildees podem em razatildeo da
mateacuteria de sua competecircncia realizar audiecircncias puacuteblicas com entidades da
sociedade civil E nada obsta que estejam previstas formas de articulaccedilatildeo da
sociedade civil com os Presidentes das Comissotildees da Cacircmara no seu Regimento
Interno em acircmbito municipal
Os dispositivos da Constituiccedilatildeo Federal que dispotildeem sobre a forma de
participaccedilatildeo direta do cidadatildeo e da sociedade civil no processo democraacutetico natildeo se
pode negar que trouxe novas perspectivas De modo geral podemos citar
Art 29 A lei orgacircnica dos Municiacutepios tem que observar entre os seus
preceitos ldquocooperaccedilatildeo das associaccedilotildees representativas no planejamento municipalrdquo
Art 31 As contas dos municiacutepios ficaratildeo durante 60 (sessenta) dias
anualmente a disposiccedilatildeo de qualquer contribuinte para exame e apreciaccedilatildeo o qual
poderaacute questionar-lhes a legitimidade nos termos da lei
Art37 sect 3ordm (EC-1998) A lei disciplinaraacute as formas de participaccedilatildeo do usuaacuterio
na administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta regulando especialmente
I- as reclamaccedilotildees relativas a prestaccedilatildeo dos serviccedilos puacuteblicos em geral asseguradas
a manutenccedilatildeo de serviccedilo de atendimento ao usuaacuterio e a avaliaccedilatildeo perioacutedica externa
e interna da qualidade dos serviccedilos
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II- o acesso dos usuaacuterios a registros administrativos e a informaccedilatildeo sobre atos de
governo observado o disposto no art 5ordm X e XXXIII
III- a disciplina da representaccedilatildeo conta o exerciacutecio negligente ou abusivo de cargo
emprego ou funccedilatildeo na administraccedilatildeo puacuteblica
Art 74 sect 2ordm Qualquer cidadatildeo partido poliacutetico associaccedilatildeo ou sindicato eacute
parte legiacutetima para na forma de lei denunciar irregularidades ou ilegalidades perante
o Tribunal de Contas da Uniatildeo
Art194 paraacutegrafo uacutenico Compete ao Poder Puacuteblico nos termos da lei
organizar a seguridade social com base nos seguintes objetivos ()
VII ndash caraacuteter democraacutetivo descentralizado na administraccedilatildeo mediante gestatildeo
quadripartite com participaccedilatildeo dos trabalhadores dos empregados e dos
aposentados e do Governo nos oacutergatildeos colegiados nos oacutergatildeos colegiados
Art 198 As accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede integram uma rede
regionalizada e hierarquizada o constituem um sistema uacutenico organizado de acordo
com as seguintes diretrizes
III ndash participaccedilatildeo da comunidade
Art 202 sect 6ordm A lei complementa a que se refere o sect 4ordm deste artigo
estabeleceraacute os requisitos para a designaccedilatildeo dos membros das diretorias das
entidades fechadas de previdecircncia privada e disciplinaraacute a inserccedilatildeo dos
participantes nos colegiados e instacircncias de decisatildeo em que seus interesses sejam
objeto de discussatildeo e deliberaccedilatildeo
Art 204 As accedilotildees governamentais na aacuterea de assistecircncia social seratildeo
organizadas com base nas seguintes diretrizes
II ndash Participaccedilatildeo da populaccedilatildeo por meio de organizaccedilotildees representativas na
formulaccedilatildeo das poliacuteticas e no controle das accedilotildees em todos os niacuteveis
O protagonista na concretizaccedilatildeo dos direitos humanos e na ampliaccedilatildeo da cidadania eacute um sujeito coletivo de um trabalho sempre inacabado eis que se tratam de tarefas e conquistas cotidianas e gradativas obras que soacute podem ser realizada a muitas matildeos no partilhar e compartilhar da vida (COSTA NETO 2010)
A ampliaccedilatildeo da cidadania requer a consciecircncia de que os direitos pressupotildeem
deveres de maneira que os direitos de um indiviacuteduo satildeo garantidos a partir do
cumprimento dos deveres dos demais componentes da sociedade
51
34 A necessaacuteria superaccedilatildeo de velhos paradigmas
Como se sabe em 1988 foi aprovada a Constituiccedilatildeo mais liberal e
democraacutetica do Brasil chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo Assim ampliou-se de
forma significativa o campo dos direitos e garantias fundamentais No que diz
respeito a tal mateacuteria eacute considerada como uma das mais avanccediladas do mundo No
seu preacircmbulo adota o modelo de um Estado democraacutetico de Direito destinado a
garantir o exerciacutecio dos direitos sociais e individuais a liberdade a seguranccedila o
bem-estar o desenvolvimento a igualdade e a justiccedila eleitos como valores
supremos de uma sociedade fraterna pluralista e sem preconceitos
Para a construccedilatildeo democraacutetica da cidadania no Brasil contemporacircneo
salienta-se de ela deve passar de uma democracia representativa para uma
cidadania que efetivamente molde a democracia ou seja uma cidadania instituinte
da democracia
No acircmbito constitucional positivo cidadania pressupotildee o exerciacutecio de todos
os direitos fundamentais e garantias que caracterizam o Estado democraacutetico de
Direito Quando se fala em cidadania eacute no sentido de reafirmar o direito pela plena
realizaccedilatildeo do indiviacuteduo do cidadatildeo dos entes coletivos e de sua emancipaccedilatildeo nos
espaccedilos da sociedade Estatildeo sempre intimamente ligados os conceitos de
cidadania democracia e direitos humanos sendo que um remete ao outro e seus
conteuacutedos se interligam ou seja a cidadania natildeo iraacute ocorrer sem que ocorra a
realizaccedilatildeo dos Direitos Humanos da mesma forma que os direitos humanos natildeo
seratildeo concretizados se natildeo houver o exerciacutecio da cidadania
Na evoluccedilatildeo histoacuterica tais categorias se desenvolveram de forma conjunta
com o Estado Representam noccedilotildees desejaacuteveis de relaccedilotildees humanas que se espera
sejam instituiacutedas Satildeo os elementos basilares na nova ordem social e que a
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 pretendeu edificar Poreacutem a democracia poliacutetica natildeo
resolveu os problemas econocircmicos mais seacuterios como a desigualdade e o
desemprego Continuam muito seacuterios os problemas da aacuterea social principalmente
na educaccedilatildeo nos serviccedilos de sauacutede e saneamento como tambeacutem e
principalmente quanto agrave seguranccedila puacuteblica
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A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 em seu artigo 6ordm e em outros artigos no texto
constitucional ampliou e muito os Direitos Sociais proibiu discriminaccedilotildees Assim
indicadores baacutesicos de qualidade de vida apontam que houve uma melhoria A
mortalidade infantil por exemplo caiu de maneira significativa nos uacuteltimos anos A
esperanccedila de vida ao nascer passou de 60 anos em 1980 para 70 em 2000 Poreacutem
o maior progresso foi na aacuterea da educaccedilatildeo fundamental que eacute considerado fator
decisivo para a cidadania pois a taxa de analfabetismo caiu consideravelmente
entretanto existem muitos problemas no campo educacional como a repetecircncia e
com relaccedilatildeo a desigualdade social entre as regiotildees
A grande concentraccedilatildeo da riqueza nacional nas matildeos de poucos reflete a
desigualdade e causa a pobreza e a miseacuteria ao passo que dificulta o acesso do
cidadatildeo agrave justiccedila e consequentemente ao seu estado de cidadania pleno
Dentre os fundamentos no qual se baseiam o Estado democraacutetico de Direito
no Brasil destaca-se justamente a cidadania e a dignidade humana conforme artigo
1ordm incisos II e III da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Entatildeo construir uma sociedade
livre justa e solidaacuteria garantir o desenvolvimento nacional erradicar a pobreza e a
marginalizaccedilatildeo reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de
todos sem preconceitos de origem raccedila sexo cor idade ou quaisquer outras
formas de discriminaccedilatildeo satildeo os objetivos fundamentais do Estado Brasileiro
conforme art 3ordm da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
O cenaacuterio de globalizaccedilatildeo econocircmica mundial tambeacutem traacutes seacuterios obstaacuteculos
para a construccedilatildeo da cidadania A globalizaccedilatildeo da economia em ritmo acelerado
provoca grandes mudanccedilas nas relaccedilotildees entre Estado sociedade e naccedilatildeo que
eram sempre o centro da noccedilatildeo e da praacutetica da cidadania ocidental O foco das
mudanccedilas e das preocupaccedilotildees estaacute em dois focos especiacuteficos a reduccedilatildeo do papel
central do Estado como fonte de direitos e local para a participaccedilatildeo e o
deslocamento da naccedilatildeo como principal fonte de identidade coletiva
Para que ocorra efetiva mudanccedila a melhor proposta eacute no sentido de
mudanccedila na organizaccedilatildeo da sociedade pois a inversatildeo da sequecircncia dos direitos
fez com que ocorra o reforccedilo da supremacia do Estado Para que ocorra a
consolidaccedilatildeo democraacutetica e cidadatilde eacute necessaacuterio reforccedilar a organizaccedilatildeo da
sociedade para assim dar embasamento social ao poder poliacutetico ou seja
finalmente democratizar o poder e estabelecer de forma plena a Cidadania
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CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A Constituiccedilatildeo que nasce com ldquocheiro de amanhatilde e natildeo de mofordquo nas
palavras do Deputado Ulisses Guimaratildees tem em seu relevo a esperanccedila de um
povo que sonhava com a erradicaccedilatildeo da repressatildeo militar e natildeo soacute isso um povo
que sonhava com a liberdade em suas diversas manifestaccedilotildees em suas mais
significativas formas de representaccedilatildeo e sobretudo com um paiacutes voltado para a
democracia e justiccedila social
Ao povo brasileiro foi concedido o poder de governar e nesse contexto de
mudanccedila a ldquodemocracia eacute o governo do povo pelo povo e para o povordquo na
conceituaccedilatildeo ceacutelebre de Abraham Lincoln E consoante estabelece o paraacutegrafo
uacutenico do art 1ordm da Carta cidadatilde de 1988 ldquotodo poder emana do povo que o exerce
por meio de representantes eleitos ou diretamenterdquo
No entanto natildeo basta que a fonte de poder seja o povo a democracia vem
significar a efetiva participaccedilatildeo do povo nas decisotildees e destino do Estado e sua
consolidaccedilatildeo eacute a proacutepria cidadania pois eacute o cidadatildeo que pensa e se auto define
diante da condiccedilatildeo soacutecio-histoacuterica O cidadatildeo tem portanto o poder de transformar
a realidade social segundo seu pensamento e accedilatildeo
Natildeo se pode negar que a Carta de 1988 foi a que apresentou maior
legitimidade popular que abriu caminhos apontando um novo tempo
Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita Se fosse perfeita seria irreformaacutevel Ela proacutepria com humildade e realismo admite ser emendada ateacute por maioria mais acessiacutevel dentro de cinco anos Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita mas seraacute uacutetil e pioneira e desbravadora Seraacute luz ainda que de lamparina na noite dos desgraccedilados Eacute caminhando que se abrem os caminhos Ela vai caminhar e abri-los Seraacute redentor o que penetrar nos bolsotildees sujos escuros e ignorados da miseacuteria (Ulysses Guimaratildees)
Mesmo natildeo sendo a constituiccedilatildeo perfeita sem duacutevida foi a que trouxe
esperanccedila ao povo brasileiro com a sua promulgaccedilatildeo surgiram o ldquohaacutebeas datardquo o
mandado de injunccedilatildeo e o mandado de seguranccedila coletivo - todos remeacutedios judiciais
de iacutendoles constitucionais serviacuteveis para prevenir e combater diversas tentativas de
abuso contra a pessoa humana Outrossim o objeto da accedilatildeo popular foi ampliado
Atualmente qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima para propor a mencionada accedilatildeo
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popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de entidade de que o
Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e ao patrimocircnio
histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de custas
judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia Nesse rol de forma decisiva houve a
ampliaccedilatildeo tambeacutem dos direitos sociais
Assim a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconhece e assegura uma seacuterie de
escudos protetivos aos cidadatildeos Em sua essecircncia os direitos fundamentais
ganham forma De modo que podemos assegurar que hoje o nosso Estado eacute uma
organizaccedilatildeo centrada no ser humano visto que tem a dignidade da pessoa humana
como um fundamento da Repuacuteblica Federativa do Brasil
Apesar das inuacutemeras dificuldades o Estado Democraacutetico de Direito fundado
na cidadania constituiu para o povo uma nova identidade ndash o que em outras eacutepocas
natildeo existia
A Constituiccedilatildeo circunscreve toda a organizaccedilatildeo poliacutetica estatal no intuito
maior de criar no consciente coletivo a vontade livre e determinada de desenvolver
padrotildees de condutas destinados a elevar e promover a auto-estima de toda a
comunidade paacutetria
Foi nesse sentido que estatui em seu artigo 1ordm a cidadania como fundamento
do Estado Democraacutetico de Direito ampliando e enriquecendo o tal conceito Cada
eacutepoca produziu praacuteticas e reflexotildees muito distintas sobre o tema cidadania A
definiccedilatildeo de cidadania que vem sofrendo alteraccedilotildees ao longo do tempo obedecendo
a um processo histoacuterico de conquistas sociais eacute compreendida atualmente como
um processo de participaccedilatildeo do indiviacuteduo ou de um grupo organizado nas mais
variadas aacutereas de atuaccedilatildeo da sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos
e sociais
A cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia disso natildeo haacute duvidas e se
efetiva como mudanccedilas na realidade de cada um com melhoria de vida e
conscientizaccedilatildeo da importacircncia do cidadatildeo dado que eacute um processo em
permanente construccedilatildeo Natildeo haacute como defender uma qualidade de vida sem a
preservaccedilatildeo da cidadania em todos os seus acircmbitos Nesse sentido a efetiva
proteccedilatildeo desse aspecto basilar torna-se essencial no que tange uma assistecircncia
juriacutedica completa
No contraponto do direito estatildeo os deveres que encontramos sua realizaccedilatildeo
tambeacutem na participaccedilatildeo observando que o cidadatildeo eacute responsaacutevel pelo advir de
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suas accedilotildees A participaccedilatildeo reflete um caraacuteter de natildeo comodismo de atenccedilatildeo agravequilo
que eacute particular e coletivo tendo como finalidade preciacutepua o bem comum
Construir cidadania hoje eacute imperativo para a sociedade pois dessa
construccedilatildeo depende o amanhatilde Estamos diante da Constituiccedilatildeo que se propotildee a
resguardar o amanhatilde sem perder de vista que ele comeccedila hoje agora e nisso a
Carta Poliacutetica traacutes consigo a certeza do despertar dessa consciecircncia a consciecircncia
cidadatilde Ela eacute a semente plantada em terra feacutertil que gera frutos diariamente e se
renova a cada estaccedilatildeo na dinacircmica da vida Talvez tenha sido esse o cheiro de
frutas alcanccedilado pelo constituinte ao anunciar que a carta tem ldquocheiro do amanhatilderdquo
A responsabilidade pelo exerciacutecio desses direitos belissimamente elencados
depende de todos e de cada um pois somos o terreno feacutertil que produziraacute o fruto de
uma sociedade fraterna
Eacute comum na praacutetica apenas responsabilizarmos o Estado em sentido lato pelo
natildeo exerciacutecio dos direitos do cidadatildeo Vale lembrar nesse contexto das palavras de
J Kennedy o qual disse ldquonatildeo pergunte o que o Estado pode fazer por vocecirc mas o
que vocecirc pode fazer pelo Estadordquo haacute nessa frase um forte traccedilo de cidadania pois
quando o cidadatildeo reivindica critica opina o que ele daacute em contrapartida ao paiacutes eacute
solidificado visto que eacute nas relaccedilotildees familiares em comunidade que se estabelece e
se fortalece os viacutenculos de solidariedade de uma sociedade que perpetua valores
condutas que as leis reguladoras natildeo conseguem por si soacute estabelecer
A concretizaccedilatildeo do ideal de uma qualidade de vida merecida a todos os seres
humanos sem restriccedilotildees requer entretanto um esforccedilo coletivo Dessa forma haacute
necessidade de suprir as muitas carecircncias advindas das desigualdades sociais e de
condiccedilotildees do descaso do poder puacuteblico e da proacutepria conceituaccedilatildeo antiga de
cidadania que ainda eacute concebida por muitos no presente
Em suma nosso trabalho procurou traccedilar a evoluccedilatildeo da cidadania e ao
mesmo tempo buscou traccedilar uma melhor caracterizaccedilatildeo do cidadatildeo agrave luz da nossa
Constituiccedilatildeo que eacute por fim a essecircncia da Magna Carta O alcance da cidadania
enquanto mecanismo de acesso a direitos foi colocado no acircmbito da pessoa
enquanto titular de direitos e num paralelo defendemos que o municiacutepio eacute o espaccedilo
de atuaccedilatildeo e exerciacutecio de cidadania dada a proximidade do cidadatildeo com as
instituiccedilotildees oacutergatildeos entidades e tudo o mais que o cerca na esfera de vivecircncia Eacute na
praccedila que discute a poliacutetica local e nacional que se indigna com as dificuldades e as
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barreiras de acesso aos seus direitos Eacute no municiacutepio que se inicia todo um vieacutes de
desdobramento para garantir direitos
Por fim natildeo obstante resta dizer sobre o tema que os caminhos e
paradigmas que se intentou percorrer sobre cidadania como mecanismo
transformador da sociedade tem ingrediente ainda a se descortinar para o
propoacutesito valioso do bem comum Pois bem a ideia de bem comum tem como
fundamento o amor maacutexima que se estabelece por meio da democracia visto que
ldquoa demofilia o demoiacutesmo o amor do povo acima de tudo como princiacutepio ativo de
toda a sua vida poliacutetica inspirador duma sempre crescente autonomia imanente eacute
que constitui a verdadeira essecircncia da democraciardquo nas palavras de Melgareacute
(2005)
Dessa forma eacute no nuacutecleo da democracia que estaacute inscrito como pedra
angular o respeito e o amor pela pessoa humana Eacute pois um tema de larga
abrangecircncia poreacutem sem querer abreviar o caminho sua efetiva possibilidade de
realizaccedilatildeo se encontra no exerciacutecio da cidadania sem repuacutedios parciais ou exclusatildeo
de qualquer ordem na plenitude de uma cidadania para todos
57
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31 O ser cidadatildeo
Os termos indiviacuteduo ser humano pessoa e cidadatildeo satildeo geralmente tomados
como sinocircnimo o que certamente influi na proliferaccedilatildeo de incontaacuteveis significados e
ampliaccedilatildeo do termo cidadatildeo Poreacutem estas palavras apesar de se assemelharem
possuem carga semacircntica proacutepria e da compreensatildeo exata de cada uma decorre a
conceituaccedilatildeo mais acentuada da acepccedilatildeo do termo cidadatildeo como titular de direitos
e deveres resguardados pela constituiccedilatildeo paacutetria
Desta forma indiviacuteduo eacute um representante da espeacutecie aquele que eacute uacutenico
Enquanto ser humano eacute um termo mais geneacuterico ou indeterminado que diz respeito
agrave espeacutecie agrave classificaccedilatildeo ao mundo zooloacutegico Pessoa por sua vez eacute um termo
mais especiacutefico que tem a ver com o mundo civilizado ou se preferirmos com a
constelaccedilatildeo dos valores morais eacuteticos e juriacutedicos proacuteprios da civilizaccedilatildeo
A etimologia da palavra pessoa demonstra que eacute um conceito sobreposto ao conceito de Ser Humano Um refratildeo de origem juriacutedica tambeacutem nos lembra do homo plures pessoa polimorfa o ser humano capaz de desempenhar muitos papeacuteis um mesmo ser humano eacute empresaacuterio e delinquumlente eacute pai e metaluacutergico etc Persona (personagem) era a maacutescara que usavam os atores da trageacutedia grega para desempenhar seu papel Cabe portanto entender o conceito de Ser Humano ao lado do conceito de Pessoa No direito romano antigo os escravos eram seres humanos (homens) mas natildeo eram consideradas pessoas (patriacutecios) Os juristas romanos que usavam o conceito de Ser Humano o dissociavam do conceito de pessoas (CUNHA 2007)
O Ser Humano recebe uma distinccedilatildeo importante quando o consideramos
como Pessoa assim como a Pessoa recebe uma distinccedilatildeo redundante natildeo menos
importante quando a consideramos por forccedila de expressatildeo como uma pessoa
humana Subentendendo o adjetivo humano como relativo agrave eacutetica Portanto Ser
Humano natildeo eacute a mesma coisa que Pessoa como tampouco Ser Humano eacute o
mesmo que cidadatildeo este muito eacute mais proacuteximo do termo Pessoa Vejamos o quadro
ilustrativo que esquematiza e distinguem os referidos conceitos
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QUADRO 1 ndash EVOLUCcedilAtildeO DO SER HUMANO ATEacute O CIDADAtildeO
O Ser Humano O Ser Indiviacuteduo O Ser Pessoa O Ser Cidadatildeo
A Dimensatildeo do conviacutevio social
A dimensatildeo do mercado de trabalho e
Consumo
A Dimensatildeo de encontrar-se no mundo
A dimensatildeo de intervir na realidade
O homem tornar-se Ser Humano nas relaccedilotildees
de conviacutevio social
O Ser Humano tornar-se indiviacuteduo quando
descobre seu papel e funccedilatildeo social
O Indiviacuteduo torna-se pessoa quanto toma
consciecircncia de si mesmo do outro e do
mundo
A pessoa torna-se cidadatildeo quando
interveacutem na realidade em que vive
Quem estuda o comportamento do Ser
Humano Seria a antropologia a histoacuteria
ou a sociologia
Quem estuda o comportamento do indiviacuteduo Seria a
Filosofia a sociologia ou a Psicologia
Quem estuda o comportamento da pessoa Seria a
Filosofia a sociologia ou a Psicologia
Quem estuda o comportamento do cidadatildeo Seria a
Sociologia a Filosofia ou As ciecircncias
poliacuteticas
Quem garante os direitos do Ser
Humano A Declaraccedilatildeo Universal
dos Direitos Humanos
Quem garante os Direitos do
Consumidor O Coacutedigo do Consumidor
Quem garante os Direitos da pessoa A proacutepria pessoa (amor proacuteprio ou autoestima)
Quem garante os Direitos do cidadatildeo (A Constituiccedilatildeo e suas leis
regulamentares)
Existe realmente uma natureza humana Teologicamente
afirmamos que existe a uma natureza humana
Seguindo a corrente existencialista (JP Sartre) negamos tal
natureza
Que diferenccedila existe entre o direito do
consumidor e o direito do cidadatildeo Ao
Consumidor deve ser dado o direito de
propriedade enquanto ao cidadatildeo deve ser
dado o direito de acesso
O que significa tornar-se pessoa no niacutevel
psicoloacutegico e social A pessoa eacute o indiviacuteduo que toma consciecircncia de si mesmo (ldquoTornar-
se Pessoardquo de Karl Roger)
Como podemos intervir na realidade
modificando as estruturas corruptas e injustas Quando os
direitos do cidadatildeo lhe satildeo oferecidos e o
mesmo passa a exercecirc-lo haacute
modificaccedilatildeo de comportamento
(ROSAS 2009)
O cidadatildeo eacute portanto aquele indiviacuteduo a quem a Constituiccedilatildeo confere direitos
e garantias e lhe daacute o poder do seu efetivo exerciacutecio aleacutem de meios processuais
eficientes contra a violaccedilatildeo de seu gozo ou fruiccedilatildeo por parte do poder puacuteblico
Sendo assim
A passagem do indiviacuteduo a cidadatildeo caracteriza-se pelo reconhecimento pela lei de direitos considerados fundamentais agrave realizaccedilatildeo da vida do homem como indiviacuteduo e ser social membro de uma comunidade poliacutetica e a garantia desses direitos pela forccedila comum de todos (CUNHA 2007)
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Nas uacuteltimas deacutecadas em alguns paiacuteses inclusive no Brasil desenvolveu-se o
conceito de cidadania calcado principalmente na questatildeo do cidadatildeo-consumidor
As pessoas passam a ser vistas como cidadatildes desde que tenham dinheiro para
adquirir mercadorias e utilizar serviccedilos Eacute certo pois que serviccedilos e mercadorias
atendem a necessidades materiais e simboacutelicas das pessoas e consumi-los eacute um
dos modos de participar da vida social criar identidade e partilhar dos bens
produzidos pela humanidade e representar-se culturalmente Contudo a cidadania
enfatizada apenas como uma relaccedilatildeo de compra e venda de mercadorias e serviccedilos
assume um conteuacutedo restrito individual conformista e voltado apenas para a
aquisiccedilatildeo de bens o que se relaciona com a ideacuteia de indiviacuteduo ou seja o consumo
atende as necessidades do indiviacuteduo
Outra forma de confusatildeo acerca do conceito de cidadatildeocidadania refere-se a
equiparaccedilatildeo feita com o assistencialismo o que configura uma acentuada inversatildeo
do termo uma vez que a praacutetica do assistencialismo natildeo propicia meios de
superaccedilatildeo das desigualdades sociais Enquanto a cidadania estaacute relacionada agrave
superaccedilatildeo das desigualdades sociais e a extensatildeo da garantia dos direitos de todos
O cidadatildeo eacute sem duacutevida uma expressatildeo que precisa ser adequadamente
utilizada e vivenciada pela coletividade compreendido na dimensatildeo do ser pessoa
de ter direitos e deveres do assumir as suas liberdades e responsabilidades no seio
de uma comunidade democraacutetica equitativa solidaacuteria e intercultural
Dessa forma ser cidadatildeo implica saber viver em sociedade estando ciente
dos anseios comuns A participaccedilatildeo ativa nas decisotildees de sua comunidade
influencia modos de vida de maneira positiva ao seu redor assim torna-se
imprescindiacutevel o exerciacutecio dos direitos constitucionais adquiridos e lutar pelos que
viratildeo eacute sobretudo estar consciente de todas as atitudes tomadas em prol da
sociedade
Eacute possiacutevel nesse espaccedilo de discussatildeo falar em ldquoestar cidadatildeordquo que eacute natildeo
praticar o exerciacutecio da cidadania em nenhuma de suas formas Implica apenas em
se deixar levar pelos acontecimentos e ainda reclamar das situaccedilotildees vividas sem
nada fazer para mudar sem nenhuma perspectiva de futuro Do que concluiacutemos que
a dinacircmica de intervir na realidade eacute pressuposto de cidadania
Ser cidadatildeo eacute tarefa que requer muito do ser humano do individuo da
pessoa Requer uma alta - estima elevada uma consciecircncia solidaacuteria uma
39
identidade que se reconheccedila na dinacircmica social interagindo com o outro ampliando
debates incitando justiccedila eacute sem duvida uma tomada de posiccedilatildeo que natildeo se
acomoda pelo contraacuterio se incomoda quando natildeo haacute comprometimento para o bem
comum
Natildeo eacute uma tarefa cocircmoda senatildeo muito complicada as pessoas natildeo nascem cidadatildeos mas fazem-se no tempo e no espaccedilo Na verdade natildeo eacute faacutecil exercer a liberdade e a cidadania ndash ser pessoa e ser cidadatildeo ndash por isso exige-se uma luta sem treacuteguas para erradicar assimetrias e exclusotildees socioculturais e criar cenaacuterios de esperanccedila realizaacuteveis fundamentados em valores e princiacutepios eacuteticos que requalifiquem a democracia com cidadatildeos participativos e
comprometidos ( SAEZ 1995)
Tem portanto como pressuposto uma mudanccedila de comportamento uma
tomada de posiccedilatildeo frente agrave dinacircmica social na qual estaacute inserido participando de
forma ativa e produtiva do processo de construccedilatildeo da cidadania por meio de seus
diversos canais
32 Emancipaccedilatildeo social atraveacutes da cidadania
Um Estado Democraacutetico eacute aquele que estaacute enraizado na legitimidade do
poder do povo e dele decorre seu exerciacutecio Assim o poder do povo eacute a expressatildeo
a aptidatildeo de homens e mulheres constituir autonomamente seu viver sem sucumbir
diante das instacircncias de poder Haacute nesse modus vivendi uma tutela das diferenccedilas e
pluralidades de formas de vida
Desta forma a cidadania eacute enfocada como o processo de participaccedilatildeo do
individuo ou de um grupo organizado nas mais variadas aacutereas de atuaccedilatildeo na
sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos sociais com a consciecircncia
da responsabilidade por sua proacutepria histoacuteria
Sendo a democracia o regime em que o povo governa sua caracteriacutestica
inarredaacutevel eacute a de ter o povo agrave frente do poder uma forma de autogoverno Em
assim sendo a cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia por meio de resultados
palpaacuteveis e medidas concretas tais como mudanccedilas na realidade de cada um com
melhoria de vida e conscientizaccedilatildeo da importacircncia na sociedade para o exerciacutecio
40
direto ou indireto desse poder pois se contentar com fato do direito estaacute prescrito
em lei natildeo eacute o bastante
Eacute certo poreacutem que o Estado democraacutetico somente se aperfeiccediloa na
proporccedilatildeo em que o povo age ativamente na medida em que os representantes
reflitam em seus atos os verdadeiros anseios populares Partindo dessa visatildeo a
cidadania eacute o grande fator de legitimaccedilatildeo do povo permitindo que ele aja em defesa
das instituiccedilotildees democraacuteticas
Sobre a participaccedilatildeo cumpre asseverar que este direito significa a
capacidade de ser consultado para as tomadas de decisatildeo que dizem respeito agrave
direccedilatildeo da sociedade em que vive o cidadatildeo este direito eacute acompanhado do
respeito aos deveres de contribuir para o progresso social e de acatar e respeitar o
resultado obtido em consulta coletiva
No elenco de mecanismo de exerciacutecio da cidadania estaacute o acesso ao direito e
a justiccedila que eacute fator preponderante para efetivar as garantias constitucionais
Assim passaremos a discorrer sobre a importacircncia de instrumentalizar o
cidadatildeo para um pleno exerciacutecio de seus direitos
Eacute Sabido que no Estado Democraacutetico Contemporacircneo os direitos
fundamentais constitucionalmente assegurados tecircm eficaacutecia imediata cumprindo ao
Estado garantir a todos os cidadatildeos o respeito a esses Direitos de modo concreto e
efetivo natildeo obstante as inuacutemeras desigualdades e condiccedilotildees adversas que
dificultam na praacutetica o seu exerciacutecio
Para o acesso ao direito o Estado deve desenvolver com eficiecircncia uma seacuterie
de atividades essenciais e dar efetividade a uma seacuterie de pressupostos Dentre eles
o principal eacute o conhecimento do Direito como fator preponderante pois o
desconhecimento da lei implica na praacutetica natildeo acionar a jurisdiccedilatildeo Um fato que
contribui para essa assertiva eacute baixa escolaridade da populaccedilatildeo e o analfabetismo
Muito pouco adianta a existecircncia de uma Constituiccedilatildeo apenas formal ou no
papel se ilegiacutetima ou desrespeitada Para que ocorra a eficaacutecia das normas
dispostas numa Constituiccedilatildeo ou melhor para que passe da teoria agrave praacutetica eacute
essencial que comandados e comandantes tenham conhecimento dos seus direitos
e responsabilidades assim como dos instrumentos juriacutedicos para efetivaacute-los (leis
regulamentadoras) O exerciacutecio da cidadania natildeo eacute somente um direito mas eacute
tambeacutem um dever de todos pois a omissatildeo de cada um contribui com as injusticcedilas e
as impunidades tatildeo presentes nos dias atuais
41
A Constituiccedilatildeo quando eacute justa e legiacutetima e principalmente quando eacute
respeitada eacute um poderoso instrumento de promoccedilatildeo e desenvolvimento social e
humano
Outro fator que deve ser considerado eacute a miserabilidade que coloca inuacutemeros
brasileiros a margem da sociedade em situaccedilatildeo precaacuteria os quais para Pinsky
(2004) ldquodesprovidos de esperanccedila de projeto de qualquer perspectiva de inclusatildeo
[] recorrer agrave Justiccedila humana parece algo irrealizaacutevel sofisticado e inteiramente
ficcionalrdquo
Desta forma o primeiro passo para concretizar os direitos previstos
constitucionalmente eacute a formaccedilatildeo do cidadatildeo atraveacutes da Educaccedilatildeo Baacutesica
infundindo-lhe a consciecircncia dos seus direitos e tambeacutem dos seus deveres sociais
bem como dos valores humanos fundamentais que devem ser por todos respeitados
na vida em sociedade A universalizaccedilatildeo do ensino fundamental a oferta obrigatoacuteria
de educaccedilatildeo infantil pelo Estado e o crescimento da oferta do ensino meacutedio satildeo
alguns dos aspectos que merecem destaques e foi devido agrave determinaccedilatildeo
constitucional de estabelecer o caraacuteter obrigatoacuterio do ensino fundamental e de
responsabilizar o Estado por sua implementaccedilatildeo que tem iniacutecio o processo de
avanccedilo desse segmento
A Constituiccedilatildeo estabeleceu de forma mais clara o papel dos entes federados
na educaccedilatildeo Tambeacutem aumentou a participaccedilatildeo orccedilamentaacuteria destinada ao setor
Com as novas regras para distribuiccedilatildeo de recursos adotadas apoacutes a promulgaccedilatildeo
da Carta os municiacutepios voltam a interessar-se pela educaccedilatildeo fundamental e o paiacutes
atinge a universalizaccedilatildeo do setor o que se busca agora satildeo mecanismos para
garantir a qualidade no ensino
O segundo passo nessa dinacircmica eacute o oferecimento a todos os cidadatildeos de
condiccedilotildees miacutenimas de sobrevivecircncia e de existecircncia condignas atraveacutes do acesso
ao trabalho produtivo livremente escolhido e do pagamento de remuneraccedilatildeo capaz
de prover ao sustento do trabalhador e de sua famiacutelia
Para milhotildees de cidadatildeos que vivem na ignoracircncia e na miseacuteria nenhuma
utilidade ou eficaacutecia tecircm os inuacutemeros direitos constitucionalmente assegurados Para
aqueles que se habituaram a retirar proventos da mendicacircncia da prostituiccedilatildeo de
atividades iliacutecitas ou aqueles que se sentiram forccedilados a sujeitar-se agrave exploraccedilatildeo de
outrem para sobreviver natildeo haacute nenhuma crenccedila na dignidade da pessoa humana e
no valor social do trabalho
42
A pobreza engendra inuacutemeras relaccedilotildees de dominaccedilatildeo entre pessoas e entre grupos sociais As habitaccedilotildees subumanas da periferia das grandes cidades no Brasil constituem verdadeiros quistos sociais terras sem lei controladas por xerifes ou por quadrilhas de malfeitores O Estado que natildeo for capaz de dotar essas comunidades do acesso efetivo agrave Educaccedilatildeo agrave Sauacutede agrave Seguranccedila e agrave Paz Puacuteblicas e ao trabalho liacutecito certamente natildeo lhes estaraacute assegurando o acesso ao Direito porque a populaccedilatildeo abrutalhada pela miseacuteria e coagida pelo medo natildeo desfruta da miacutenima eficaacutecia concreta dos
seus direitos fundamentais (GRECO 2009)
Evidencia que acesso ao Direito nas sociedades modernas mesmo nas
economicamente desenvolvidas exige o fortalecimento dos grupos intermediaacuterios e
do associativismo O cidadatildeo natildeo estaacute mais em condiccedilotildees de defender-se
individualmente das ameaccedilas e lesotildees aos seus direitos perpetradas por pessoas ou
grupos que se encontram em posiccedilatildeo de vantagem nas relaccedilotildees econocircmicas e
sociais
O sindicato veio exercer este importante papel em relaccedilatildeo ao trabalhador
empregado Mas hoje as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo natildeo satildeo apenas as que existem no
mundo do trabalho mas as que se revelam em todos os tipos de relaccedilotildees humanas
relaccedilotildees de consumo relaccedilotildees de vizinhanccedila relaccedilotildees locatiacutecias relaccedilotildees
comerciais internas e internacionais e natildeo com menor relevacircncia relaccedilotildees entre os
particulares e o Estado entre outras
Eacute preciso assegurar esse equiliacutebrio na praacutetica o que somente tornar-se-aacute
possiacutevel atraveacutes da articulaccedilatildeo dos sujeitos que se encontram em posiccedilatildeo de
desvantagem em organizaccedilotildees e associaccedilotildees que pela uniatildeo de esforccedilos
consigam compensar o desequiliacutebrio existente e dar aos indiviacuteduos e grupos a forccedila
e a capa de proteccedilatildeo necessaacuterias para ombrearem-se aos seus adversaacuterios e
lutarem pelos seus direitos ou interesses em igualdade de condiccedilotildees
Para Greco (2009) o pressuposto indispensaacutevel do acesso ao Direito eacute a
transparecircncia do Estado no trato de questotildees que possam afetar a esfera de
interesses dos cidadatildeos e complementa que aos cidadatildeos eacute indispensaacutevel
assegurar o direito de influir eficazmente nas decisotildees do poder puacuteblico atraveacutes dos
mais diversos instrumentos de participaccedilatildeo democraacutetica Ele afirma que
A relaccedilatildeo Estado-cidadatildeo natildeo eacute mais a relaccedilatildeo soberano-suacutedito O cidadatildeo tem o direito de exigir do Estado o pleno respeito ao seu
43
patrimocircnio juriacutedico Lamentavelmente a crise do Estado tem levado o Brasil a aceitar-se como normal que as pessoas juriacutedicas de Direito Puacuteblico natildeo cumpram devidamente as prestaccedilotildees positivas de que satildeo devedoras perante os particulares cabendo a estes demandar na Justiccedila para obtecirc-las (GRECO 2009)
Essa visatildeo deformada da responsabilidade do Estado ocorre o
desvirtuamento da justiccedila Por outro lado agrave violaccedilatildeo da garantia constitucional da
tutela jurisdicional efetiva (Constituiccedilatildeo artigo 5 inciso XXXV) disciplina a lei natildeo
excluiraacute da apreciaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio lesatildeo ou ameaccedila ao direito Assim o
acesso ao Direito natildeo estaraacute concretamente assegurado se o Estado natildeo oferecer a
todo cidadatildeo a possibilidade de receber aconselhamento juriacutedico a respeito dos seus
direitos
Constituiccedilatildeo de 1988 no artigo 5deg inciso LXXIV assegurou a todos
ldquoassistecircncia juriacutedicardquo a englobar assistecircncia judiciaacuteria e assessoramento juriacutedico
extrajudicial Conforme Greco (2009) ldquoeacute preciso que esse direito seja assegurado
na praacutetica Uma vez que na vida moderna o Direito tornou-se excessivamente
complexordquo Ainda no dizer do autor a consciecircncia juriacutedica do homem comum que
deve ser adquirida na famiacutelia e na escola natildeo eacute mais suficiente para a tomada de
decisotildees na vida diaacuteria das pessoas Todas as pessoas mantecircm complexas relaccedilotildees
juriacutedicas com instituiccedilotildees financeiras com fornecedores de bens e de serviccedilos etc
Nessas relaccedilotildees juriacutedicas com frequecircncia os cidadatildeos tecircm de tomar decisotildees
raacutepidas O cidadatildeo que tem meios procura um advogado particular para assessoraacute-
lo Ao pobre o Estado deve assegurar o mesmo direito em plenitude
Sem duacutevida o uacuteltimo pressuposto do acesso ao Direito eacute o acesso agrave Justiccedila
no sentido de acesso a um tribunal estatal imparcial previamente instituiacutedo como
competente para a soluccedilatildeo de qualquer litiacutegio a respeito de interesse que se afirme
juridicamente protegido ou para a praacutetica de qualquer ato que a lei subordine agrave
aprovaccedilatildeo autorizaccedilatildeo ou homologaccedilatildeo judicial
Se o cidadatildeo tem consciecircncia dos seus direitos se o Estado lhe fornece
todas as condiccedilotildees para livremente exercecirc-los mas algum outro cidadatildeo ou algum
oacutergatildeo do proacuteprio Estado impede ou dificulta esse exerciacutecio cabe ao poder puacuteblico
pocircr agrave disposiccedilatildeo do cidadatildeo lesionado ou ameaccedilado a jurisdiccedilatildeo necessaacuteria para
assegurar o pleno acesso a tal direito
Atingimos eacute certo um estaacutegio de desenvolvimento do Direito Humanitaacuterio que
natildeo mais nos permite conformar-nos com uma realidade distante do padratildeo de
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convivecircncia humana que outras naccedilotildees jaacute alcanccedilaram O exerciacutecio pleno de
cidadania seraacute obra de mais de uma geraccedilatildeo Mas se trabalharmos com firmeza
certamente os jovens de hoje poderatildeo legar aos seus descendentes a emancipaccedilatildeo
cidadatilde um paiacutes melhor e uma sociedade mais justa e democraacutetica
33 O municiacutepio como acircmbito de exerciacutecio de cidadania
Historicamente o Municiacutepio enquanto unidade poliacutetico-administrativa surgiu
conforme descreve Berardi (2004) com a Repuacuteblica Romana interessada em
manter a dominaccedilatildeo paciacutefica das cidades conquistadas pela forccedila dos exeacutercitos
Sua origem mais de natureza socioloacutegica do que poliacutetica adveacutem do espiacuterito
associativo do homem e de suas relaccedilotildees de vizinhanccedila
Eacute pois a menor unidade territorial de Federaccedilatildeo cuja criaccedilatildeo reflete a base
da organizaccedilatildeo poliacutetica administrativa da Naccedilatildeo Portanto sua funccedilatildeo administrativa
historicamente vem assentada no princiacutepio do direito natural
O artigo primeiro da Constituiccedilatildeo Federal de 1998 estabelece que o
Municiacutepio ao lado dos Estados e do Distrito Federal formam a Republica Federativa
do Brasil que se constitui em Estado Democraacutetico de Direito O municiacutepio tem assim
um poder relevante para a aplicaccedilatildeo da democracia direta iniciada e fortalecida em
niacutevel local Diversos pensadores chegaram a afirmar que a descentralizaccedilatildeo de
poder resultante da constituiccedilatildeo Cidadatilde era antes de tudo uma conquista dos
Municiacutepios sendo eles os berccedilos da perpetuaccedilatildeo da Repuacuteblica e da Democracia
efetivamente por serem o uacutenico niacutevel de governo possuidores de respaldo e
localizaccedilatildeo fiacutesica ou seja solo municipal
Eacute certo que a Carta Magna de 1988 consolidou significativas inovaccedilotildees para a
vida municipal de forma que o Municiacutepio passou a constituir um dos entes da
federaccedilatildeo tratando-o como unidade dotada de autonomia poliacutetica expressa na
capacidade de poder elaborar a sua Lei Orgacircnica fugindo assim da tutela dos
estados que ateacute entatildeo eram considerados como uacutenicos componentes da federaccedilatildeo
45
A Lei Orgacircnica Municipal traz em seu bojo aleacutem da organizaccedilatildeo
administrativa do Municiacutepio a restauraccedilatildeo do Poder Legislativo municipal definindo
a diversificaccedilatildeo normativa que natildeo existia nas leis organizacionais outorgadas pelo
Estado reflexo do poder constituinte outorgados aos Municiacutepios pela Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 como consequecircncia do efetivo exerciacutecio do conceito de Estado
Democraacutetico de Direito
O Municiacutepio enquanto ente federativo tem atualmente a responsabilidade de
ordenar o seu desenvolvimento social e a garantia do bem estar de seus habitantes
executando poliacuteticas puacuteblicas de accedilotildees a serem empreendidas na consolidaccedilatildeo
democraacutetica do Estado
Fundada no elemento participaccedilatildeo o exerciacutecio de cidadania amplamente
citado encontra sua efetividade no municiacutepio Pois eacute nesse acircmbito de localizaccedilatildeo
que as pessoas mantecircm um contato direto com os poderes instituiacutedos suas
necessidades imediatas e mediatas satildeo objetos da disciplina da Lei que visa o bem
comum base do Estado democraacutetico de Direito
Baseado na maacutexima do municipalista e defensor da descentralizaccedilatildeo poliacutetica
Franco Motoro sabiamente proferiu que ldquoningueacutem vive na Uniatildeo ou no Estado As
pessoas vivem no Municiacutepiordquo Assim a cidadania encontra seu melhor espaccedilo de
realizaccedilatildeo na comunidade onde convive A vida em comunidade gera anseios
comuns sentimentos comuns uma vez que a convivecircncia propicia que as pessoas
se conheccedilam e se reconheccedilam como membros de uma mesma realidade
De acordo com Harvey (1992) ldquoa globalizaccedilatildeo provoca anonimato enquanto
comunidade cultiva solidariedaderdquo o que implica participaccedilatildeo para o exerciacutecio de
cidadania
Tudo o que acontece no mundo seja no meu paiacutes na minha cidade ou no meu bairro acontece comigo Entatildeo eu preciso participar das decisotildees que interferem na minha vida Um cidadatildeo com um sentimento eacutetico forte e consciecircncia da cidadania natildeo deixa passar nada natildeo abre matildeo desse poder de participaccedilatildeo (Herbert de Souza Betinho)
Com esse embasamento natildeo se pode perder de vista que eacute nas relaccedilotildees
diaacuterias de oposiccedilatildeo ou solidariedade que as pessoas exercem cidadania Na relaccedilatildeo
do com o outro com os poderes ao estabelecer com a vida social e puacuteblica uma
46
convivecircncia posto que cidadania eacute tarefa que natildeo termina natildeo eacute um conceito
pronto tatildeo pouco acabado enquanto seres inacabados que somos estaremos
buscando descobrindo criando e tomando consciecircncia mais ampla dos direitos
O desafio eacute construir um novo discurso sobre cidadania atraveacutes de uma
praacutetica poliacutetica sustentada isto eacute realizada em dois niacuteveis
O primeiro niacutevel na base atraveacutes de construccedilatildeo das capacidades e do poder
proacuteprio da populaccedilatildeo o que envolve inevitavelmente uma mudanccedila de atitude na
busca para garantir seus direitos utilizando-se do grau de autonomia local
Essa atitude conceberia agrave democracia participativa como uma poliacutetica paralela
de intervenccedilatildeo social criando e mantendo novos espaccedilos para a tomada de
decisotildees ou seja para o auto-governo pela populaccedilatildeo nas mateacuterias que afetam
diretamente suas vidas
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade
O segundo niacutevel um governo com o povo e natildeo apenas para o povo fundado
nos ditames constitucionais valorizando o sentimento da sociedade no exerciacutecio da
governabilidade de modo que o balizamento das accedilotildees de governo deixaria de estar
no proacuteprio governo e passaria a estabelecer-se a partir do pensar da sociedade Um
governo que se pergunta o que se deve fazer para ouvir com a maior fidelidade
possiacutevel a sociedade suas instituiccedilotildees representativas e o cidadatildeo Pois as
prioridades da gestatildeo deveriam ser definidas pela sociedade e natildeo mais pelo
governo
Portanto nesses termos eacute preciso considerar que as praacuteticas da
administraccedilatildeo puacuteblica sejam democratizadoras e inclusivas inspiradas nos
princiacutepios da legalidade impessoalidade moralidade publicidade e eficiecircncia Esta
uacuteltima buscou estabelecer uma Administraccedilatildeo Puacuteblica mais eficiente no sentido de
que o cidadatildeo como destinataacuterio dos serviccedilos puacuteblicos que o Estado deve prestar
receba-os com maior qualidade e menor custo para o eraacuterio puacuteblico
Para a consecuccedilatildeo desse governar com o povo alguns pontos devem ser
revistos A mudanccedila implica na necessidade de adequaccedilatildeo reorganizaccedilatildeo
47
reformulaccedilatildeo Para isso se faz premente em face dos novos e modernos conceitos
de gestatildeo puacuteblica a superaccedilatildeo do tradicional vezo burocraacutetico que vem convertendo
a Administraccedilatildeo nas palavras Dromi (1995) numa cara ldquomaacutequina de impedirrdquo fiel
ldquocoacutedigo do fracassordquo que dispotildee ldquoartigo primeiro natildeo pode artigo segundo em
caso de duacutevida abstenha-se artigo terceiro se eacute urgente espere artigo quarto
sempre eacute mais prudente natildeo fazer nadardquo numa posiccedilatildeo natildeo burocraacutetica e sim
democraacutetica de considerar que organizaccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica inclui a
praacutetica de ver os cidadatildeos como membros plenos da comunidade poliacutetica tendo
acesso e exercitando direitos as que promovem a organizaccedilatildeo da populaccedilatildeo em
torno de temas de interesse comum as que incluem o controle social sobre a
gestatildeo o debate amplo e informado sobre questotildees de governo e que abrem agrave
populaccedilatildeo as decisotildees sobre estas questotildees Como leciona e Barrientos (2000)
Tratam-se de praacuteticas que natildeo buscam somente melhorar a eficiecircncia administrativa das diferentes organizaccedilotildees puacuteblicas mas que incorporam no seu processo de gestatildeo a dimensatildeo ativa da cidadania isto eacute ldquoque facilitam as iniciativas e responsabilidades de todos os envolvidos[] estabelecendo pontes entre Estado e sociedade civil
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade Acreditamos
que o ponto de partida eacute a atitude aliada agrave solidariedade e ao espiacuterito coletivo Pois
governo e cidadatildeos juntos haveratildeo de cumprir um novo papel no processo de
desenvolvimento como agentes de uma nova cultura
Como afirma Peter Drucke
A parceria comunitaacuteria seraacute um dos verdadeiros setores em crescimento das economias desenvolvidas Surge da necessidade de uma participaccedilatildeo mais direta e efetiva da comunidade nas grandes questotildees da vida social pois natildeo existe ningueacutem melhor que o cidadatildeo para saber o que ele quer para si para sua famiacutelia e para sua comunidade (apud RAMOS 1990)
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O envolvimento efetivo da sociedade nas questotildees sociais natildeo eacute apenas uma
postura moderna Significa antes de tudo uma atitude digna de todos aqueles que
desejam exercer sua cidadania contribuindo para um paiacutes melhor e em especial
para uma sociedade mais justa fraterna e solidaacuteria
Na histoacuteria observa-se a grande coragem das pessoas em construir o
reconhecimento delas proacuteprias e de seus direitos sempre buscando a participaccedilatildeo e
defendendo os Direitos Humanos Sem duacutevida a maior ecircnfase que deve ocorrer
para a construccedilatildeo real da cidadania eacute uma mudanccedila na sociedade O melhor a ser
feito eacute reforccedilar a organizaccedilatildeo democraacutetica buscando novas formas de participaccedilatildeo
social pois cidadania natildeo se resume ao poder de votar ou ser votado mas eacute sempre
na efetiva participaccedilatildeo popular pois somente com isso haacute a verdadeira
conscientizaccedilatildeo e o comprometimento daquele que passa a se sentir cidadatildeo
abandonando-se velhos viacutecios da poliacutetica representativa
Desse modo a participaccedilatildeo do povo no momento das reivindicaccedilotildees das
discussotildees e apreciaccedilotildees de projetos que visem agrave melhoria da comunidade local a
exigecircncia de transparecircncia na administraccedilatildeo da coisa puacuteblica dentre outras eacute quem
daraacute embasamento para as verdadeiras conquistas sociais no Municiacutepio que geram
saudaacuteveis formas de pressatildeo por efetivas poliacuteticas puacuteblicas de inclusatildeo social
gerando o fim do clientelismo poliacutetico tatildeo pejorativo e comum em nossa realidade e
cultura poliacutetica
Somente a participaccedilatildeo social eacute que iraacute causar uma real democratizaccedilatildeo do
poder A afirmaccedilatildeo da cidadania eacute pressuposto para a realizaccedilatildeo dos Direitos
Humanos pois os homens natildeo nascem naturalmente iguais Inclusive para que
ocorra a realizaccedilatildeo dos referidos direitos eacute necessaacuterio tambeacutem que exista um
espaccedilo puacuteblico que seja realmente democraacutetico e acessiacutevel possibilitando a
participaccedilatildeo de todos e esse espaccedilo eacute certamente o municiacutepio
Na praacutetica um forte instrumento de cidadania para atender as necessidades
coletivas eacute o orccedilamento participativo previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal que
determina expressamente a realizaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas e a participaccedilatildeo
popular nos processos de elaboraccedilatildeo e conduccedilatildeo dos orccedilamentos como forma de
incentivo agrave preparaccedilatildeo e execuccedilatildeo de planejamentos que envolvam diretamente o
povo A Lei veio incentivar a sua propagaccedilatildeo para todos os entes federativos tendo
em conta que se trata de uma tendecircncia mundial por legitimar as escolhas e
fortalecer o princiacutepio da transparecircncia
49
Os meios de acesso do cidadatildeo junto aos Poderes Puacuteblicos eacute uma realidade
no Estado Democraacutetico de Direito brasileiro a exemplo das sessotildees do Poder
Legislativo que satildeo puacuteblicas ficando abertas a todos que delas quiserem participar
Emite-se uma pauta antes do comeccedilo da sessatildeo com a preacutevia dos debates Em
niacutevel municipal verifica-se um acompanhamento mais incisivo sobre as sessotildees das
Cacircmaras de Vereadores como forma de pressatildeo para aprovaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees
da comunidade avaliaccedilatildeo do desempenho e aceitaccedilatildeo de propostas orccedilamentaacuterias
e atuaccedilatildeo dos poliacuteticos bem como entendimento das funccedilotildees do Poder Legislativo
A Constituiccedilatildeo Federal assegura desde 1988 a possibilidade de se oferecer
peticcedilatildeo agraves Mesas Legislativas como forma de pedir informaccedilotildees sobre andamento
de projetos ou relatoacuterios encaminhados aos chefes do Poder Executivo Em niacutevel
municipal pode ser utilizada a Tribuna Livre como instrumento para denuacutencias de
problemas ou discussatildeo de um tema ou mesmo para apresentar sugestotildees sendo
regulado pela Lei Orgacircnica Municipal e pelo Regimento Interno da Cacircmara
A convocaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas tambeacutem possui previsatildeo constitucional
no art 58 sect 20 inciso II em niacutevel federal As comissotildees podem em razatildeo da
mateacuteria de sua competecircncia realizar audiecircncias puacuteblicas com entidades da
sociedade civil E nada obsta que estejam previstas formas de articulaccedilatildeo da
sociedade civil com os Presidentes das Comissotildees da Cacircmara no seu Regimento
Interno em acircmbito municipal
Os dispositivos da Constituiccedilatildeo Federal que dispotildeem sobre a forma de
participaccedilatildeo direta do cidadatildeo e da sociedade civil no processo democraacutetico natildeo se
pode negar que trouxe novas perspectivas De modo geral podemos citar
Art 29 A lei orgacircnica dos Municiacutepios tem que observar entre os seus
preceitos ldquocooperaccedilatildeo das associaccedilotildees representativas no planejamento municipalrdquo
Art 31 As contas dos municiacutepios ficaratildeo durante 60 (sessenta) dias
anualmente a disposiccedilatildeo de qualquer contribuinte para exame e apreciaccedilatildeo o qual
poderaacute questionar-lhes a legitimidade nos termos da lei
Art37 sect 3ordm (EC-1998) A lei disciplinaraacute as formas de participaccedilatildeo do usuaacuterio
na administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta regulando especialmente
I- as reclamaccedilotildees relativas a prestaccedilatildeo dos serviccedilos puacuteblicos em geral asseguradas
a manutenccedilatildeo de serviccedilo de atendimento ao usuaacuterio e a avaliaccedilatildeo perioacutedica externa
e interna da qualidade dos serviccedilos
50
II- o acesso dos usuaacuterios a registros administrativos e a informaccedilatildeo sobre atos de
governo observado o disposto no art 5ordm X e XXXIII
III- a disciplina da representaccedilatildeo conta o exerciacutecio negligente ou abusivo de cargo
emprego ou funccedilatildeo na administraccedilatildeo puacuteblica
Art 74 sect 2ordm Qualquer cidadatildeo partido poliacutetico associaccedilatildeo ou sindicato eacute
parte legiacutetima para na forma de lei denunciar irregularidades ou ilegalidades perante
o Tribunal de Contas da Uniatildeo
Art194 paraacutegrafo uacutenico Compete ao Poder Puacuteblico nos termos da lei
organizar a seguridade social com base nos seguintes objetivos ()
VII ndash caraacuteter democraacutetivo descentralizado na administraccedilatildeo mediante gestatildeo
quadripartite com participaccedilatildeo dos trabalhadores dos empregados e dos
aposentados e do Governo nos oacutergatildeos colegiados nos oacutergatildeos colegiados
Art 198 As accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede integram uma rede
regionalizada e hierarquizada o constituem um sistema uacutenico organizado de acordo
com as seguintes diretrizes
III ndash participaccedilatildeo da comunidade
Art 202 sect 6ordm A lei complementa a que se refere o sect 4ordm deste artigo
estabeleceraacute os requisitos para a designaccedilatildeo dos membros das diretorias das
entidades fechadas de previdecircncia privada e disciplinaraacute a inserccedilatildeo dos
participantes nos colegiados e instacircncias de decisatildeo em que seus interesses sejam
objeto de discussatildeo e deliberaccedilatildeo
Art 204 As accedilotildees governamentais na aacuterea de assistecircncia social seratildeo
organizadas com base nas seguintes diretrizes
II ndash Participaccedilatildeo da populaccedilatildeo por meio de organizaccedilotildees representativas na
formulaccedilatildeo das poliacuteticas e no controle das accedilotildees em todos os niacuteveis
O protagonista na concretizaccedilatildeo dos direitos humanos e na ampliaccedilatildeo da cidadania eacute um sujeito coletivo de um trabalho sempre inacabado eis que se tratam de tarefas e conquistas cotidianas e gradativas obras que soacute podem ser realizada a muitas matildeos no partilhar e compartilhar da vida (COSTA NETO 2010)
A ampliaccedilatildeo da cidadania requer a consciecircncia de que os direitos pressupotildeem
deveres de maneira que os direitos de um indiviacuteduo satildeo garantidos a partir do
cumprimento dos deveres dos demais componentes da sociedade
51
34 A necessaacuteria superaccedilatildeo de velhos paradigmas
Como se sabe em 1988 foi aprovada a Constituiccedilatildeo mais liberal e
democraacutetica do Brasil chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo Assim ampliou-se de
forma significativa o campo dos direitos e garantias fundamentais No que diz
respeito a tal mateacuteria eacute considerada como uma das mais avanccediladas do mundo No
seu preacircmbulo adota o modelo de um Estado democraacutetico de Direito destinado a
garantir o exerciacutecio dos direitos sociais e individuais a liberdade a seguranccedila o
bem-estar o desenvolvimento a igualdade e a justiccedila eleitos como valores
supremos de uma sociedade fraterna pluralista e sem preconceitos
Para a construccedilatildeo democraacutetica da cidadania no Brasil contemporacircneo
salienta-se de ela deve passar de uma democracia representativa para uma
cidadania que efetivamente molde a democracia ou seja uma cidadania instituinte
da democracia
No acircmbito constitucional positivo cidadania pressupotildee o exerciacutecio de todos
os direitos fundamentais e garantias que caracterizam o Estado democraacutetico de
Direito Quando se fala em cidadania eacute no sentido de reafirmar o direito pela plena
realizaccedilatildeo do indiviacuteduo do cidadatildeo dos entes coletivos e de sua emancipaccedilatildeo nos
espaccedilos da sociedade Estatildeo sempre intimamente ligados os conceitos de
cidadania democracia e direitos humanos sendo que um remete ao outro e seus
conteuacutedos se interligam ou seja a cidadania natildeo iraacute ocorrer sem que ocorra a
realizaccedilatildeo dos Direitos Humanos da mesma forma que os direitos humanos natildeo
seratildeo concretizados se natildeo houver o exerciacutecio da cidadania
Na evoluccedilatildeo histoacuterica tais categorias se desenvolveram de forma conjunta
com o Estado Representam noccedilotildees desejaacuteveis de relaccedilotildees humanas que se espera
sejam instituiacutedas Satildeo os elementos basilares na nova ordem social e que a
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 pretendeu edificar Poreacutem a democracia poliacutetica natildeo
resolveu os problemas econocircmicos mais seacuterios como a desigualdade e o
desemprego Continuam muito seacuterios os problemas da aacuterea social principalmente
na educaccedilatildeo nos serviccedilos de sauacutede e saneamento como tambeacutem e
principalmente quanto agrave seguranccedila puacuteblica
52
A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 em seu artigo 6ordm e em outros artigos no texto
constitucional ampliou e muito os Direitos Sociais proibiu discriminaccedilotildees Assim
indicadores baacutesicos de qualidade de vida apontam que houve uma melhoria A
mortalidade infantil por exemplo caiu de maneira significativa nos uacuteltimos anos A
esperanccedila de vida ao nascer passou de 60 anos em 1980 para 70 em 2000 Poreacutem
o maior progresso foi na aacuterea da educaccedilatildeo fundamental que eacute considerado fator
decisivo para a cidadania pois a taxa de analfabetismo caiu consideravelmente
entretanto existem muitos problemas no campo educacional como a repetecircncia e
com relaccedilatildeo a desigualdade social entre as regiotildees
A grande concentraccedilatildeo da riqueza nacional nas matildeos de poucos reflete a
desigualdade e causa a pobreza e a miseacuteria ao passo que dificulta o acesso do
cidadatildeo agrave justiccedila e consequentemente ao seu estado de cidadania pleno
Dentre os fundamentos no qual se baseiam o Estado democraacutetico de Direito
no Brasil destaca-se justamente a cidadania e a dignidade humana conforme artigo
1ordm incisos II e III da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Entatildeo construir uma sociedade
livre justa e solidaacuteria garantir o desenvolvimento nacional erradicar a pobreza e a
marginalizaccedilatildeo reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de
todos sem preconceitos de origem raccedila sexo cor idade ou quaisquer outras
formas de discriminaccedilatildeo satildeo os objetivos fundamentais do Estado Brasileiro
conforme art 3ordm da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
O cenaacuterio de globalizaccedilatildeo econocircmica mundial tambeacutem traacutes seacuterios obstaacuteculos
para a construccedilatildeo da cidadania A globalizaccedilatildeo da economia em ritmo acelerado
provoca grandes mudanccedilas nas relaccedilotildees entre Estado sociedade e naccedilatildeo que
eram sempre o centro da noccedilatildeo e da praacutetica da cidadania ocidental O foco das
mudanccedilas e das preocupaccedilotildees estaacute em dois focos especiacuteficos a reduccedilatildeo do papel
central do Estado como fonte de direitos e local para a participaccedilatildeo e o
deslocamento da naccedilatildeo como principal fonte de identidade coletiva
Para que ocorra efetiva mudanccedila a melhor proposta eacute no sentido de
mudanccedila na organizaccedilatildeo da sociedade pois a inversatildeo da sequecircncia dos direitos
fez com que ocorra o reforccedilo da supremacia do Estado Para que ocorra a
consolidaccedilatildeo democraacutetica e cidadatilde eacute necessaacuterio reforccedilar a organizaccedilatildeo da
sociedade para assim dar embasamento social ao poder poliacutetico ou seja
finalmente democratizar o poder e estabelecer de forma plena a Cidadania
53
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A Constituiccedilatildeo que nasce com ldquocheiro de amanhatilde e natildeo de mofordquo nas
palavras do Deputado Ulisses Guimaratildees tem em seu relevo a esperanccedila de um
povo que sonhava com a erradicaccedilatildeo da repressatildeo militar e natildeo soacute isso um povo
que sonhava com a liberdade em suas diversas manifestaccedilotildees em suas mais
significativas formas de representaccedilatildeo e sobretudo com um paiacutes voltado para a
democracia e justiccedila social
Ao povo brasileiro foi concedido o poder de governar e nesse contexto de
mudanccedila a ldquodemocracia eacute o governo do povo pelo povo e para o povordquo na
conceituaccedilatildeo ceacutelebre de Abraham Lincoln E consoante estabelece o paraacutegrafo
uacutenico do art 1ordm da Carta cidadatilde de 1988 ldquotodo poder emana do povo que o exerce
por meio de representantes eleitos ou diretamenterdquo
No entanto natildeo basta que a fonte de poder seja o povo a democracia vem
significar a efetiva participaccedilatildeo do povo nas decisotildees e destino do Estado e sua
consolidaccedilatildeo eacute a proacutepria cidadania pois eacute o cidadatildeo que pensa e se auto define
diante da condiccedilatildeo soacutecio-histoacuterica O cidadatildeo tem portanto o poder de transformar
a realidade social segundo seu pensamento e accedilatildeo
Natildeo se pode negar que a Carta de 1988 foi a que apresentou maior
legitimidade popular que abriu caminhos apontando um novo tempo
Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita Se fosse perfeita seria irreformaacutevel Ela proacutepria com humildade e realismo admite ser emendada ateacute por maioria mais acessiacutevel dentro de cinco anos Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita mas seraacute uacutetil e pioneira e desbravadora Seraacute luz ainda que de lamparina na noite dos desgraccedilados Eacute caminhando que se abrem os caminhos Ela vai caminhar e abri-los Seraacute redentor o que penetrar nos bolsotildees sujos escuros e ignorados da miseacuteria (Ulysses Guimaratildees)
Mesmo natildeo sendo a constituiccedilatildeo perfeita sem duacutevida foi a que trouxe
esperanccedila ao povo brasileiro com a sua promulgaccedilatildeo surgiram o ldquohaacutebeas datardquo o
mandado de injunccedilatildeo e o mandado de seguranccedila coletivo - todos remeacutedios judiciais
de iacutendoles constitucionais serviacuteveis para prevenir e combater diversas tentativas de
abuso contra a pessoa humana Outrossim o objeto da accedilatildeo popular foi ampliado
Atualmente qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima para propor a mencionada accedilatildeo
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popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de entidade de que o
Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e ao patrimocircnio
histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de custas
judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia Nesse rol de forma decisiva houve a
ampliaccedilatildeo tambeacutem dos direitos sociais
Assim a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconhece e assegura uma seacuterie de
escudos protetivos aos cidadatildeos Em sua essecircncia os direitos fundamentais
ganham forma De modo que podemos assegurar que hoje o nosso Estado eacute uma
organizaccedilatildeo centrada no ser humano visto que tem a dignidade da pessoa humana
como um fundamento da Repuacuteblica Federativa do Brasil
Apesar das inuacutemeras dificuldades o Estado Democraacutetico de Direito fundado
na cidadania constituiu para o povo uma nova identidade ndash o que em outras eacutepocas
natildeo existia
A Constituiccedilatildeo circunscreve toda a organizaccedilatildeo poliacutetica estatal no intuito
maior de criar no consciente coletivo a vontade livre e determinada de desenvolver
padrotildees de condutas destinados a elevar e promover a auto-estima de toda a
comunidade paacutetria
Foi nesse sentido que estatui em seu artigo 1ordm a cidadania como fundamento
do Estado Democraacutetico de Direito ampliando e enriquecendo o tal conceito Cada
eacutepoca produziu praacuteticas e reflexotildees muito distintas sobre o tema cidadania A
definiccedilatildeo de cidadania que vem sofrendo alteraccedilotildees ao longo do tempo obedecendo
a um processo histoacuterico de conquistas sociais eacute compreendida atualmente como
um processo de participaccedilatildeo do indiviacuteduo ou de um grupo organizado nas mais
variadas aacutereas de atuaccedilatildeo da sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos
e sociais
A cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia disso natildeo haacute duvidas e se
efetiva como mudanccedilas na realidade de cada um com melhoria de vida e
conscientizaccedilatildeo da importacircncia do cidadatildeo dado que eacute um processo em
permanente construccedilatildeo Natildeo haacute como defender uma qualidade de vida sem a
preservaccedilatildeo da cidadania em todos os seus acircmbitos Nesse sentido a efetiva
proteccedilatildeo desse aspecto basilar torna-se essencial no que tange uma assistecircncia
juriacutedica completa
No contraponto do direito estatildeo os deveres que encontramos sua realizaccedilatildeo
tambeacutem na participaccedilatildeo observando que o cidadatildeo eacute responsaacutevel pelo advir de
55
suas accedilotildees A participaccedilatildeo reflete um caraacuteter de natildeo comodismo de atenccedilatildeo agravequilo
que eacute particular e coletivo tendo como finalidade preciacutepua o bem comum
Construir cidadania hoje eacute imperativo para a sociedade pois dessa
construccedilatildeo depende o amanhatilde Estamos diante da Constituiccedilatildeo que se propotildee a
resguardar o amanhatilde sem perder de vista que ele comeccedila hoje agora e nisso a
Carta Poliacutetica traacutes consigo a certeza do despertar dessa consciecircncia a consciecircncia
cidadatilde Ela eacute a semente plantada em terra feacutertil que gera frutos diariamente e se
renova a cada estaccedilatildeo na dinacircmica da vida Talvez tenha sido esse o cheiro de
frutas alcanccedilado pelo constituinte ao anunciar que a carta tem ldquocheiro do amanhatilderdquo
A responsabilidade pelo exerciacutecio desses direitos belissimamente elencados
depende de todos e de cada um pois somos o terreno feacutertil que produziraacute o fruto de
uma sociedade fraterna
Eacute comum na praacutetica apenas responsabilizarmos o Estado em sentido lato pelo
natildeo exerciacutecio dos direitos do cidadatildeo Vale lembrar nesse contexto das palavras de
J Kennedy o qual disse ldquonatildeo pergunte o que o Estado pode fazer por vocecirc mas o
que vocecirc pode fazer pelo Estadordquo haacute nessa frase um forte traccedilo de cidadania pois
quando o cidadatildeo reivindica critica opina o que ele daacute em contrapartida ao paiacutes eacute
solidificado visto que eacute nas relaccedilotildees familiares em comunidade que se estabelece e
se fortalece os viacutenculos de solidariedade de uma sociedade que perpetua valores
condutas que as leis reguladoras natildeo conseguem por si soacute estabelecer
A concretizaccedilatildeo do ideal de uma qualidade de vida merecida a todos os seres
humanos sem restriccedilotildees requer entretanto um esforccedilo coletivo Dessa forma haacute
necessidade de suprir as muitas carecircncias advindas das desigualdades sociais e de
condiccedilotildees do descaso do poder puacuteblico e da proacutepria conceituaccedilatildeo antiga de
cidadania que ainda eacute concebida por muitos no presente
Em suma nosso trabalho procurou traccedilar a evoluccedilatildeo da cidadania e ao
mesmo tempo buscou traccedilar uma melhor caracterizaccedilatildeo do cidadatildeo agrave luz da nossa
Constituiccedilatildeo que eacute por fim a essecircncia da Magna Carta O alcance da cidadania
enquanto mecanismo de acesso a direitos foi colocado no acircmbito da pessoa
enquanto titular de direitos e num paralelo defendemos que o municiacutepio eacute o espaccedilo
de atuaccedilatildeo e exerciacutecio de cidadania dada a proximidade do cidadatildeo com as
instituiccedilotildees oacutergatildeos entidades e tudo o mais que o cerca na esfera de vivecircncia Eacute na
praccedila que discute a poliacutetica local e nacional que se indigna com as dificuldades e as
56
barreiras de acesso aos seus direitos Eacute no municiacutepio que se inicia todo um vieacutes de
desdobramento para garantir direitos
Por fim natildeo obstante resta dizer sobre o tema que os caminhos e
paradigmas que se intentou percorrer sobre cidadania como mecanismo
transformador da sociedade tem ingrediente ainda a se descortinar para o
propoacutesito valioso do bem comum Pois bem a ideia de bem comum tem como
fundamento o amor maacutexima que se estabelece por meio da democracia visto que
ldquoa demofilia o demoiacutesmo o amor do povo acima de tudo como princiacutepio ativo de
toda a sua vida poliacutetica inspirador duma sempre crescente autonomia imanente eacute
que constitui a verdadeira essecircncia da democraciardquo nas palavras de Melgareacute
(2005)
Dessa forma eacute no nuacutecleo da democracia que estaacute inscrito como pedra
angular o respeito e o amor pela pessoa humana Eacute pois um tema de larga
abrangecircncia poreacutem sem querer abreviar o caminho sua efetiva possibilidade de
realizaccedilatildeo se encontra no exerciacutecio da cidadania sem repuacutedios parciais ou exclusatildeo
de qualquer ordem na plenitude de uma cidadania para todos
57
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37
QUADRO 1 ndash EVOLUCcedilAtildeO DO SER HUMANO ATEacute O CIDADAtildeO
O Ser Humano O Ser Indiviacuteduo O Ser Pessoa O Ser Cidadatildeo
A Dimensatildeo do conviacutevio social
A dimensatildeo do mercado de trabalho e
Consumo
A Dimensatildeo de encontrar-se no mundo
A dimensatildeo de intervir na realidade
O homem tornar-se Ser Humano nas relaccedilotildees
de conviacutevio social
O Ser Humano tornar-se indiviacuteduo quando
descobre seu papel e funccedilatildeo social
O Indiviacuteduo torna-se pessoa quanto toma
consciecircncia de si mesmo do outro e do
mundo
A pessoa torna-se cidadatildeo quando
interveacutem na realidade em que vive
Quem estuda o comportamento do Ser
Humano Seria a antropologia a histoacuteria
ou a sociologia
Quem estuda o comportamento do indiviacuteduo Seria a
Filosofia a sociologia ou a Psicologia
Quem estuda o comportamento da pessoa Seria a
Filosofia a sociologia ou a Psicologia
Quem estuda o comportamento do cidadatildeo Seria a
Sociologia a Filosofia ou As ciecircncias
poliacuteticas
Quem garante os direitos do Ser
Humano A Declaraccedilatildeo Universal
dos Direitos Humanos
Quem garante os Direitos do
Consumidor O Coacutedigo do Consumidor
Quem garante os Direitos da pessoa A proacutepria pessoa (amor proacuteprio ou autoestima)
Quem garante os Direitos do cidadatildeo (A Constituiccedilatildeo e suas leis
regulamentares)
Existe realmente uma natureza humana Teologicamente
afirmamos que existe a uma natureza humana
Seguindo a corrente existencialista (JP Sartre) negamos tal
natureza
Que diferenccedila existe entre o direito do
consumidor e o direito do cidadatildeo Ao
Consumidor deve ser dado o direito de
propriedade enquanto ao cidadatildeo deve ser
dado o direito de acesso
O que significa tornar-se pessoa no niacutevel
psicoloacutegico e social A pessoa eacute o indiviacuteduo que toma consciecircncia de si mesmo (ldquoTornar-
se Pessoardquo de Karl Roger)
Como podemos intervir na realidade
modificando as estruturas corruptas e injustas Quando os
direitos do cidadatildeo lhe satildeo oferecidos e o
mesmo passa a exercecirc-lo haacute
modificaccedilatildeo de comportamento
(ROSAS 2009)
O cidadatildeo eacute portanto aquele indiviacuteduo a quem a Constituiccedilatildeo confere direitos
e garantias e lhe daacute o poder do seu efetivo exerciacutecio aleacutem de meios processuais
eficientes contra a violaccedilatildeo de seu gozo ou fruiccedilatildeo por parte do poder puacuteblico
Sendo assim
A passagem do indiviacuteduo a cidadatildeo caracteriza-se pelo reconhecimento pela lei de direitos considerados fundamentais agrave realizaccedilatildeo da vida do homem como indiviacuteduo e ser social membro de uma comunidade poliacutetica e a garantia desses direitos pela forccedila comum de todos (CUNHA 2007)
38
Nas uacuteltimas deacutecadas em alguns paiacuteses inclusive no Brasil desenvolveu-se o
conceito de cidadania calcado principalmente na questatildeo do cidadatildeo-consumidor
As pessoas passam a ser vistas como cidadatildes desde que tenham dinheiro para
adquirir mercadorias e utilizar serviccedilos Eacute certo pois que serviccedilos e mercadorias
atendem a necessidades materiais e simboacutelicas das pessoas e consumi-los eacute um
dos modos de participar da vida social criar identidade e partilhar dos bens
produzidos pela humanidade e representar-se culturalmente Contudo a cidadania
enfatizada apenas como uma relaccedilatildeo de compra e venda de mercadorias e serviccedilos
assume um conteuacutedo restrito individual conformista e voltado apenas para a
aquisiccedilatildeo de bens o que se relaciona com a ideacuteia de indiviacuteduo ou seja o consumo
atende as necessidades do indiviacuteduo
Outra forma de confusatildeo acerca do conceito de cidadatildeocidadania refere-se a
equiparaccedilatildeo feita com o assistencialismo o que configura uma acentuada inversatildeo
do termo uma vez que a praacutetica do assistencialismo natildeo propicia meios de
superaccedilatildeo das desigualdades sociais Enquanto a cidadania estaacute relacionada agrave
superaccedilatildeo das desigualdades sociais e a extensatildeo da garantia dos direitos de todos
O cidadatildeo eacute sem duacutevida uma expressatildeo que precisa ser adequadamente
utilizada e vivenciada pela coletividade compreendido na dimensatildeo do ser pessoa
de ter direitos e deveres do assumir as suas liberdades e responsabilidades no seio
de uma comunidade democraacutetica equitativa solidaacuteria e intercultural
Dessa forma ser cidadatildeo implica saber viver em sociedade estando ciente
dos anseios comuns A participaccedilatildeo ativa nas decisotildees de sua comunidade
influencia modos de vida de maneira positiva ao seu redor assim torna-se
imprescindiacutevel o exerciacutecio dos direitos constitucionais adquiridos e lutar pelos que
viratildeo eacute sobretudo estar consciente de todas as atitudes tomadas em prol da
sociedade
Eacute possiacutevel nesse espaccedilo de discussatildeo falar em ldquoestar cidadatildeordquo que eacute natildeo
praticar o exerciacutecio da cidadania em nenhuma de suas formas Implica apenas em
se deixar levar pelos acontecimentos e ainda reclamar das situaccedilotildees vividas sem
nada fazer para mudar sem nenhuma perspectiva de futuro Do que concluiacutemos que
a dinacircmica de intervir na realidade eacute pressuposto de cidadania
Ser cidadatildeo eacute tarefa que requer muito do ser humano do individuo da
pessoa Requer uma alta - estima elevada uma consciecircncia solidaacuteria uma
39
identidade que se reconheccedila na dinacircmica social interagindo com o outro ampliando
debates incitando justiccedila eacute sem duvida uma tomada de posiccedilatildeo que natildeo se
acomoda pelo contraacuterio se incomoda quando natildeo haacute comprometimento para o bem
comum
Natildeo eacute uma tarefa cocircmoda senatildeo muito complicada as pessoas natildeo nascem cidadatildeos mas fazem-se no tempo e no espaccedilo Na verdade natildeo eacute faacutecil exercer a liberdade e a cidadania ndash ser pessoa e ser cidadatildeo ndash por isso exige-se uma luta sem treacuteguas para erradicar assimetrias e exclusotildees socioculturais e criar cenaacuterios de esperanccedila realizaacuteveis fundamentados em valores e princiacutepios eacuteticos que requalifiquem a democracia com cidadatildeos participativos e
comprometidos ( SAEZ 1995)
Tem portanto como pressuposto uma mudanccedila de comportamento uma
tomada de posiccedilatildeo frente agrave dinacircmica social na qual estaacute inserido participando de
forma ativa e produtiva do processo de construccedilatildeo da cidadania por meio de seus
diversos canais
32 Emancipaccedilatildeo social atraveacutes da cidadania
Um Estado Democraacutetico eacute aquele que estaacute enraizado na legitimidade do
poder do povo e dele decorre seu exerciacutecio Assim o poder do povo eacute a expressatildeo
a aptidatildeo de homens e mulheres constituir autonomamente seu viver sem sucumbir
diante das instacircncias de poder Haacute nesse modus vivendi uma tutela das diferenccedilas e
pluralidades de formas de vida
Desta forma a cidadania eacute enfocada como o processo de participaccedilatildeo do
individuo ou de um grupo organizado nas mais variadas aacutereas de atuaccedilatildeo na
sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos sociais com a consciecircncia
da responsabilidade por sua proacutepria histoacuteria
Sendo a democracia o regime em que o povo governa sua caracteriacutestica
inarredaacutevel eacute a de ter o povo agrave frente do poder uma forma de autogoverno Em
assim sendo a cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia por meio de resultados
palpaacuteveis e medidas concretas tais como mudanccedilas na realidade de cada um com
melhoria de vida e conscientizaccedilatildeo da importacircncia na sociedade para o exerciacutecio
40
direto ou indireto desse poder pois se contentar com fato do direito estaacute prescrito
em lei natildeo eacute o bastante
Eacute certo poreacutem que o Estado democraacutetico somente se aperfeiccediloa na
proporccedilatildeo em que o povo age ativamente na medida em que os representantes
reflitam em seus atos os verdadeiros anseios populares Partindo dessa visatildeo a
cidadania eacute o grande fator de legitimaccedilatildeo do povo permitindo que ele aja em defesa
das instituiccedilotildees democraacuteticas
Sobre a participaccedilatildeo cumpre asseverar que este direito significa a
capacidade de ser consultado para as tomadas de decisatildeo que dizem respeito agrave
direccedilatildeo da sociedade em que vive o cidadatildeo este direito eacute acompanhado do
respeito aos deveres de contribuir para o progresso social e de acatar e respeitar o
resultado obtido em consulta coletiva
No elenco de mecanismo de exerciacutecio da cidadania estaacute o acesso ao direito e
a justiccedila que eacute fator preponderante para efetivar as garantias constitucionais
Assim passaremos a discorrer sobre a importacircncia de instrumentalizar o
cidadatildeo para um pleno exerciacutecio de seus direitos
Eacute Sabido que no Estado Democraacutetico Contemporacircneo os direitos
fundamentais constitucionalmente assegurados tecircm eficaacutecia imediata cumprindo ao
Estado garantir a todos os cidadatildeos o respeito a esses Direitos de modo concreto e
efetivo natildeo obstante as inuacutemeras desigualdades e condiccedilotildees adversas que
dificultam na praacutetica o seu exerciacutecio
Para o acesso ao direito o Estado deve desenvolver com eficiecircncia uma seacuterie
de atividades essenciais e dar efetividade a uma seacuterie de pressupostos Dentre eles
o principal eacute o conhecimento do Direito como fator preponderante pois o
desconhecimento da lei implica na praacutetica natildeo acionar a jurisdiccedilatildeo Um fato que
contribui para essa assertiva eacute baixa escolaridade da populaccedilatildeo e o analfabetismo
Muito pouco adianta a existecircncia de uma Constituiccedilatildeo apenas formal ou no
papel se ilegiacutetima ou desrespeitada Para que ocorra a eficaacutecia das normas
dispostas numa Constituiccedilatildeo ou melhor para que passe da teoria agrave praacutetica eacute
essencial que comandados e comandantes tenham conhecimento dos seus direitos
e responsabilidades assim como dos instrumentos juriacutedicos para efetivaacute-los (leis
regulamentadoras) O exerciacutecio da cidadania natildeo eacute somente um direito mas eacute
tambeacutem um dever de todos pois a omissatildeo de cada um contribui com as injusticcedilas e
as impunidades tatildeo presentes nos dias atuais
41
A Constituiccedilatildeo quando eacute justa e legiacutetima e principalmente quando eacute
respeitada eacute um poderoso instrumento de promoccedilatildeo e desenvolvimento social e
humano
Outro fator que deve ser considerado eacute a miserabilidade que coloca inuacutemeros
brasileiros a margem da sociedade em situaccedilatildeo precaacuteria os quais para Pinsky
(2004) ldquodesprovidos de esperanccedila de projeto de qualquer perspectiva de inclusatildeo
[] recorrer agrave Justiccedila humana parece algo irrealizaacutevel sofisticado e inteiramente
ficcionalrdquo
Desta forma o primeiro passo para concretizar os direitos previstos
constitucionalmente eacute a formaccedilatildeo do cidadatildeo atraveacutes da Educaccedilatildeo Baacutesica
infundindo-lhe a consciecircncia dos seus direitos e tambeacutem dos seus deveres sociais
bem como dos valores humanos fundamentais que devem ser por todos respeitados
na vida em sociedade A universalizaccedilatildeo do ensino fundamental a oferta obrigatoacuteria
de educaccedilatildeo infantil pelo Estado e o crescimento da oferta do ensino meacutedio satildeo
alguns dos aspectos que merecem destaques e foi devido agrave determinaccedilatildeo
constitucional de estabelecer o caraacuteter obrigatoacuterio do ensino fundamental e de
responsabilizar o Estado por sua implementaccedilatildeo que tem iniacutecio o processo de
avanccedilo desse segmento
A Constituiccedilatildeo estabeleceu de forma mais clara o papel dos entes federados
na educaccedilatildeo Tambeacutem aumentou a participaccedilatildeo orccedilamentaacuteria destinada ao setor
Com as novas regras para distribuiccedilatildeo de recursos adotadas apoacutes a promulgaccedilatildeo
da Carta os municiacutepios voltam a interessar-se pela educaccedilatildeo fundamental e o paiacutes
atinge a universalizaccedilatildeo do setor o que se busca agora satildeo mecanismos para
garantir a qualidade no ensino
O segundo passo nessa dinacircmica eacute o oferecimento a todos os cidadatildeos de
condiccedilotildees miacutenimas de sobrevivecircncia e de existecircncia condignas atraveacutes do acesso
ao trabalho produtivo livremente escolhido e do pagamento de remuneraccedilatildeo capaz
de prover ao sustento do trabalhador e de sua famiacutelia
Para milhotildees de cidadatildeos que vivem na ignoracircncia e na miseacuteria nenhuma
utilidade ou eficaacutecia tecircm os inuacutemeros direitos constitucionalmente assegurados Para
aqueles que se habituaram a retirar proventos da mendicacircncia da prostituiccedilatildeo de
atividades iliacutecitas ou aqueles que se sentiram forccedilados a sujeitar-se agrave exploraccedilatildeo de
outrem para sobreviver natildeo haacute nenhuma crenccedila na dignidade da pessoa humana e
no valor social do trabalho
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A pobreza engendra inuacutemeras relaccedilotildees de dominaccedilatildeo entre pessoas e entre grupos sociais As habitaccedilotildees subumanas da periferia das grandes cidades no Brasil constituem verdadeiros quistos sociais terras sem lei controladas por xerifes ou por quadrilhas de malfeitores O Estado que natildeo for capaz de dotar essas comunidades do acesso efetivo agrave Educaccedilatildeo agrave Sauacutede agrave Seguranccedila e agrave Paz Puacuteblicas e ao trabalho liacutecito certamente natildeo lhes estaraacute assegurando o acesso ao Direito porque a populaccedilatildeo abrutalhada pela miseacuteria e coagida pelo medo natildeo desfruta da miacutenima eficaacutecia concreta dos
seus direitos fundamentais (GRECO 2009)
Evidencia que acesso ao Direito nas sociedades modernas mesmo nas
economicamente desenvolvidas exige o fortalecimento dos grupos intermediaacuterios e
do associativismo O cidadatildeo natildeo estaacute mais em condiccedilotildees de defender-se
individualmente das ameaccedilas e lesotildees aos seus direitos perpetradas por pessoas ou
grupos que se encontram em posiccedilatildeo de vantagem nas relaccedilotildees econocircmicas e
sociais
O sindicato veio exercer este importante papel em relaccedilatildeo ao trabalhador
empregado Mas hoje as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo natildeo satildeo apenas as que existem no
mundo do trabalho mas as que se revelam em todos os tipos de relaccedilotildees humanas
relaccedilotildees de consumo relaccedilotildees de vizinhanccedila relaccedilotildees locatiacutecias relaccedilotildees
comerciais internas e internacionais e natildeo com menor relevacircncia relaccedilotildees entre os
particulares e o Estado entre outras
Eacute preciso assegurar esse equiliacutebrio na praacutetica o que somente tornar-se-aacute
possiacutevel atraveacutes da articulaccedilatildeo dos sujeitos que se encontram em posiccedilatildeo de
desvantagem em organizaccedilotildees e associaccedilotildees que pela uniatildeo de esforccedilos
consigam compensar o desequiliacutebrio existente e dar aos indiviacuteduos e grupos a forccedila
e a capa de proteccedilatildeo necessaacuterias para ombrearem-se aos seus adversaacuterios e
lutarem pelos seus direitos ou interesses em igualdade de condiccedilotildees
Para Greco (2009) o pressuposto indispensaacutevel do acesso ao Direito eacute a
transparecircncia do Estado no trato de questotildees que possam afetar a esfera de
interesses dos cidadatildeos e complementa que aos cidadatildeos eacute indispensaacutevel
assegurar o direito de influir eficazmente nas decisotildees do poder puacuteblico atraveacutes dos
mais diversos instrumentos de participaccedilatildeo democraacutetica Ele afirma que
A relaccedilatildeo Estado-cidadatildeo natildeo eacute mais a relaccedilatildeo soberano-suacutedito O cidadatildeo tem o direito de exigir do Estado o pleno respeito ao seu
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patrimocircnio juriacutedico Lamentavelmente a crise do Estado tem levado o Brasil a aceitar-se como normal que as pessoas juriacutedicas de Direito Puacuteblico natildeo cumpram devidamente as prestaccedilotildees positivas de que satildeo devedoras perante os particulares cabendo a estes demandar na Justiccedila para obtecirc-las (GRECO 2009)
Essa visatildeo deformada da responsabilidade do Estado ocorre o
desvirtuamento da justiccedila Por outro lado agrave violaccedilatildeo da garantia constitucional da
tutela jurisdicional efetiva (Constituiccedilatildeo artigo 5 inciso XXXV) disciplina a lei natildeo
excluiraacute da apreciaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio lesatildeo ou ameaccedila ao direito Assim o
acesso ao Direito natildeo estaraacute concretamente assegurado se o Estado natildeo oferecer a
todo cidadatildeo a possibilidade de receber aconselhamento juriacutedico a respeito dos seus
direitos
Constituiccedilatildeo de 1988 no artigo 5deg inciso LXXIV assegurou a todos
ldquoassistecircncia juriacutedicardquo a englobar assistecircncia judiciaacuteria e assessoramento juriacutedico
extrajudicial Conforme Greco (2009) ldquoeacute preciso que esse direito seja assegurado
na praacutetica Uma vez que na vida moderna o Direito tornou-se excessivamente
complexordquo Ainda no dizer do autor a consciecircncia juriacutedica do homem comum que
deve ser adquirida na famiacutelia e na escola natildeo eacute mais suficiente para a tomada de
decisotildees na vida diaacuteria das pessoas Todas as pessoas mantecircm complexas relaccedilotildees
juriacutedicas com instituiccedilotildees financeiras com fornecedores de bens e de serviccedilos etc
Nessas relaccedilotildees juriacutedicas com frequecircncia os cidadatildeos tecircm de tomar decisotildees
raacutepidas O cidadatildeo que tem meios procura um advogado particular para assessoraacute-
lo Ao pobre o Estado deve assegurar o mesmo direito em plenitude
Sem duacutevida o uacuteltimo pressuposto do acesso ao Direito eacute o acesso agrave Justiccedila
no sentido de acesso a um tribunal estatal imparcial previamente instituiacutedo como
competente para a soluccedilatildeo de qualquer litiacutegio a respeito de interesse que se afirme
juridicamente protegido ou para a praacutetica de qualquer ato que a lei subordine agrave
aprovaccedilatildeo autorizaccedilatildeo ou homologaccedilatildeo judicial
Se o cidadatildeo tem consciecircncia dos seus direitos se o Estado lhe fornece
todas as condiccedilotildees para livremente exercecirc-los mas algum outro cidadatildeo ou algum
oacutergatildeo do proacuteprio Estado impede ou dificulta esse exerciacutecio cabe ao poder puacuteblico
pocircr agrave disposiccedilatildeo do cidadatildeo lesionado ou ameaccedilado a jurisdiccedilatildeo necessaacuteria para
assegurar o pleno acesso a tal direito
Atingimos eacute certo um estaacutegio de desenvolvimento do Direito Humanitaacuterio que
natildeo mais nos permite conformar-nos com uma realidade distante do padratildeo de
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convivecircncia humana que outras naccedilotildees jaacute alcanccedilaram O exerciacutecio pleno de
cidadania seraacute obra de mais de uma geraccedilatildeo Mas se trabalharmos com firmeza
certamente os jovens de hoje poderatildeo legar aos seus descendentes a emancipaccedilatildeo
cidadatilde um paiacutes melhor e uma sociedade mais justa e democraacutetica
33 O municiacutepio como acircmbito de exerciacutecio de cidadania
Historicamente o Municiacutepio enquanto unidade poliacutetico-administrativa surgiu
conforme descreve Berardi (2004) com a Repuacuteblica Romana interessada em
manter a dominaccedilatildeo paciacutefica das cidades conquistadas pela forccedila dos exeacutercitos
Sua origem mais de natureza socioloacutegica do que poliacutetica adveacutem do espiacuterito
associativo do homem e de suas relaccedilotildees de vizinhanccedila
Eacute pois a menor unidade territorial de Federaccedilatildeo cuja criaccedilatildeo reflete a base
da organizaccedilatildeo poliacutetica administrativa da Naccedilatildeo Portanto sua funccedilatildeo administrativa
historicamente vem assentada no princiacutepio do direito natural
O artigo primeiro da Constituiccedilatildeo Federal de 1998 estabelece que o
Municiacutepio ao lado dos Estados e do Distrito Federal formam a Republica Federativa
do Brasil que se constitui em Estado Democraacutetico de Direito O municiacutepio tem assim
um poder relevante para a aplicaccedilatildeo da democracia direta iniciada e fortalecida em
niacutevel local Diversos pensadores chegaram a afirmar que a descentralizaccedilatildeo de
poder resultante da constituiccedilatildeo Cidadatilde era antes de tudo uma conquista dos
Municiacutepios sendo eles os berccedilos da perpetuaccedilatildeo da Repuacuteblica e da Democracia
efetivamente por serem o uacutenico niacutevel de governo possuidores de respaldo e
localizaccedilatildeo fiacutesica ou seja solo municipal
Eacute certo que a Carta Magna de 1988 consolidou significativas inovaccedilotildees para a
vida municipal de forma que o Municiacutepio passou a constituir um dos entes da
federaccedilatildeo tratando-o como unidade dotada de autonomia poliacutetica expressa na
capacidade de poder elaborar a sua Lei Orgacircnica fugindo assim da tutela dos
estados que ateacute entatildeo eram considerados como uacutenicos componentes da federaccedilatildeo
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A Lei Orgacircnica Municipal traz em seu bojo aleacutem da organizaccedilatildeo
administrativa do Municiacutepio a restauraccedilatildeo do Poder Legislativo municipal definindo
a diversificaccedilatildeo normativa que natildeo existia nas leis organizacionais outorgadas pelo
Estado reflexo do poder constituinte outorgados aos Municiacutepios pela Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 como consequecircncia do efetivo exerciacutecio do conceito de Estado
Democraacutetico de Direito
O Municiacutepio enquanto ente federativo tem atualmente a responsabilidade de
ordenar o seu desenvolvimento social e a garantia do bem estar de seus habitantes
executando poliacuteticas puacuteblicas de accedilotildees a serem empreendidas na consolidaccedilatildeo
democraacutetica do Estado
Fundada no elemento participaccedilatildeo o exerciacutecio de cidadania amplamente
citado encontra sua efetividade no municiacutepio Pois eacute nesse acircmbito de localizaccedilatildeo
que as pessoas mantecircm um contato direto com os poderes instituiacutedos suas
necessidades imediatas e mediatas satildeo objetos da disciplina da Lei que visa o bem
comum base do Estado democraacutetico de Direito
Baseado na maacutexima do municipalista e defensor da descentralizaccedilatildeo poliacutetica
Franco Motoro sabiamente proferiu que ldquoningueacutem vive na Uniatildeo ou no Estado As
pessoas vivem no Municiacutepiordquo Assim a cidadania encontra seu melhor espaccedilo de
realizaccedilatildeo na comunidade onde convive A vida em comunidade gera anseios
comuns sentimentos comuns uma vez que a convivecircncia propicia que as pessoas
se conheccedilam e se reconheccedilam como membros de uma mesma realidade
De acordo com Harvey (1992) ldquoa globalizaccedilatildeo provoca anonimato enquanto
comunidade cultiva solidariedaderdquo o que implica participaccedilatildeo para o exerciacutecio de
cidadania
Tudo o que acontece no mundo seja no meu paiacutes na minha cidade ou no meu bairro acontece comigo Entatildeo eu preciso participar das decisotildees que interferem na minha vida Um cidadatildeo com um sentimento eacutetico forte e consciecircncia da cidadania natildeo deixa passar nada natildeo abre matildeo desse poder de participaccedilatildeo (Herbert de Souza Betinho)
Com esse embasamento natildeo se pode perder de vista que eacute nas relaccedilotildees
diaacuterias de oposiccedilatildeo ou solidariedade que as pessoas exercem cidadania Na relaccedilatildeo
do com o outro com os poderes ao estabelecer com a vida social e puacuteblica uma
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convivecircncia posto que cidadania eacute tarefa que natildeo termina natildeo eacute um conceito
pronto tatildeo pouco acabado enquanto seres inacabados que somos estaremos
buscando descobrindo criando e tomando consciecircncia mais ampla dos direitos
O desafio eacute construir um novo discurso sobre cidadania atraveacutes de uma
praacutetica poliacutetica sustentada isto eacute realizada em dois niacuteveis
O primeiro niacutevel na base atraveacutes de construccedilatildeo das capacidades e do poder
proacuteprio da populaccedilatildeo o que envolve inevitavelmente uma mudanccedila de atitude na
busca para garantir seus direitos utilizando-se do grau de autonomia local
Essa atitude conceberia agrave democracia participativa como uma poliacutetica paralela
de intervenccedilatildeo social criando e mantendo novos espaccedilos para a tomada de
decisotildees ou seja para o auto-governo pela populaccedilatildeo nas mateacuterias que afetam
diretamente suas vidas
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade
O segundo niacutevel um governo com o povo e natildeo apenas para o povo fundado
nos ditames constitucionais valorizando o sentimento da sociedade no exerciacutecio da
governabilidade de modo que o balizamento das accedilotildees de governo deixaria de estar
no proacuteprio governo e passaria a estabelecer-se a partir do pensar da sociedade Um
governo que se pergunta o que se deve fazer para ouvir com a maior fidelidade
possiacutevel a sociedade suas instituiccedilotildees representativas e o cidadatildeo Pois as
prioridades da gestatildeo deveriam ser definidas pela sociedade e natildeo mais pelo
governo
Portanto nesses termos eacute preciso considerar que as praacuteticas da
administraccedilatildeo puacuteblica sejam democratizadoras e inclusivas inspiradas nos
princiacutepios da legalidade impessoalidade moralidade publicidade e eficiecircncia Esta
uacuteltima buscou estabelecer uma Administraccedilatildeo Puacuteblica mais eficiente no sentido de
que o cidadatildeo como destinataacuterio dos serviccedilos puacuteblicos que o Estado deve prestar
receba-os com maior qualidade e menor custo para o eraacuterio puacuteblico
Para a consecuccedilatildeo desse governar com o povo alguns pontos devem ser
revistos A mudanccedila implica na necessidade de adequaccedilatildeo reorganizaccedilatildeo
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reformulaccedilatildeo Para isso se faz premente em face dos novos e modernos conceitos
de gestatildeo puacuteblica a superaccedilatildeo do tradicional vezo burocraacutetico que vem convertendo
a Administraccedilatildeo nas palavras Dromi (1995) numa cara ldquomaacutequina de impedirrdquo fiel
ldquocoacutedigo do fracassordquo que dispotildee ldquoartigo primeiro natildeo pode artigo segundo em
caso de duacutevida abstenha-se artigo terceiro se eacute urgente espere artigo quarto
sempre eacute mais prudente natildeo fazer nadardquo numa posiccedilatildeo natildeo burocraacutetica e sim
democraacutetica de considerar que organizaccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica inclui a
praacutetica de ver os cidadatildeos como membros plenos da comunidade poliacutetica tendo
acesso e exercitando direitos as que promovem a organizaccedilatildeo da populaccedilatildeo em
torno de temas de interesse comum as que incluem o controle social sobre a
gestatildeo o debate amplo e informado sobre questotildees de governo e que abrem agrave
populaccedilatildeo as decisotildees sobre estas questotildees Como leciona e Barrientos (2000)
Tratam-se de praacuteticas que natildeo buscam somente melhorar a eficiecircncia administrativa das diferentes organizaccedilotildees puacuteblicas mas que incorporam no seu processo de gestatildeo a dimensatildeo ativa da cidadania isto eacute ldquoque facilitam as iniciativas e responsabilidades de todos os envolvidos[] estabelecendo pontes entre Estado e sociedade civil
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade Acreditamos
que o ponto de partida eacute a atitude aliada agrave solidariedade e ao espiacuterito coletivo Pois
governo e cidadatildeos juntos haveratildeo de cumprir um novo papel no processo de
desenvolvimento como agentes de uma nova cultura
Como afirma Peter Drucke
A parceria comunitaacuteria seraacute um dos verdadeiros setores em crescimento das economias desenvolvidas Surge da necessidade de uma participaccedilatildeo mais direta e efetiva da comunidade nas grandes questotildees da vida social pois natildeo existe ningueacutem melhor que o cidadatildeo para saber o que ele quer para si para sua famiacutelia e para sua comunidade (apud RAMOS 1990)
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O envolvimento efetivo da sociedade nas questotildees sociais natildeo eacute apenas uma
postura moderna Significa antes de tudo uma atitude digna de todos aqueles que
desejam exercer sua cidadania contribuindo para um paiacutes melhor e em especial
para uma sociedade mais justa fraterna e solidaacuteria
Na histoacuteria observa-se a grande coragem das pessoas em construir o
reconhecimento delas proacuteprias e de seus direitos sempre buscando a participaccedilatildeo e
defendendo os Direitos Humanos Sem duacutevida a maior ecircnfase que deve ocorrer
para a construccedilatildeo real da cidadania eacute uma mudanccedila na sociedade O melhor a ser
feito eacute reforccedilar a organizaccedilatildeo democraacutetica buscando novas formas de participaccedilatildeo
social pois cidadania natildeo se resume ao poder de votar ou ser votado mas eacute sempre
na efetiva participaccedilatildeo popular pois somente com isso haacute a verdadeira
conscientizaccedilatildeo e o comprometimento daquele que passa a se sentir cidadatildeo
abandonando-se velhos viacutecios da poliacutetica representativa
Desse modo a participaccedilatildeo do povo no momento das reivindicaccedilotildees das
discussotildees e apreciaccedilotildees de projetos que visem agrave melhoria da comunidade local a
exigecircncia de transparecircncia na administraccedilatildeo da coisa puacuteblica dentre outras eacute quem
daraacute embasamento para as verdadeiras conquistas sociais no Municiacutepio que geram
saudaacuteveis formas de pressatildeo por efetivas poliacuteticas puacuteblicas de inclusatildeo social
gerando o fim do clientelismo poliacutetico tatildeo pejorativo e comum em nossa realidade e
cultura poliacutetica
Somente a participaccedilatildeo social eacute que iraacute causar uma real democratizaccedilatildeo do
poder A afirmaccedilatildeo da cidadania eacute pressuposto para a realizaccedilatildeo dos Direitos
Humanos pois os homens natildeo nascem naturalmente iguais Inclusive para que
ocorra a realizaccedilatildeo dos referidos direitos eacute necessaacuterio tambeacutem que exista um
espaccedilo puacuteblico que seja realmente democraacutetico e acessiacutevel possibilitando a
participaccedilatildeo de todos e esse espaccedilo eacute certamente o municiacutepio
Na praacutetica um forte instrumento de cidadania para atender as necessidades
coletivas eacute o orccedilamento participativo previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal que
determina expressamente a realizaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas e a participaccedilatildeo
popular nos processos de elaboraccedilatildeo e conduccedilatildeo dos orccedilamentos como forma de
incentivo agrave preparaccedilatildeo e execuccedilatildeo de planejamentos que envolvam diretamente o
povo A Lei veio incentivar a sua propagaccedilatildeo para todos os entes federativos tendo
em conta que se trata de uma tendecircncia mundial por legitimar as escolhas e
fortalecer o princiacutepio da transparecircncia
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Os meios de acesso do cidadatildeo junto aos Poderes Puacuteblicos eacute uma realidade
no Estado Democraacutetico de Direito brasileiro a exemplo das sessotildees do Poder
Legislativo que satildeo puacuteblicas ficando abertas a todos que delas quiserem participar
Emite-se uma pauta antes do comeccedilo da sessatildeo com a preacutevia dos debates Em
niacutevel municipal verifica-se um acompanhamento mais incisivo sobre as sessotildees das
Cacircmaras de Vereadores como forma de pressatildeo para aprovaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees
da comunidade avaliaccedilatildeo do desempenho e aceitaccedilatildeo de propostas orccedilamentaacuterias
e atuaccedilatildeo dos poliacuteticos bem como entendimento das funccedilotildees do Poder Legislativo
A Constituiccedilatildeo Federal assegura desde 1988 a possibilidade de se oferecer
peticcedilatildeo agraves Mesas Legislativas como forma de pedir informaccedilotildees sobre andamento
de projetos ou relatoacuterios encaminhados aos chefes do Poder Executivo Em niacutevel
municipal pode ser utilizada a Tribuna Livre como instrumento para denuacutencias de
problemas ou discussatildeo de um tema ou mesmo para apresentar sugestotildees sendo
regulado pela Lei Orgacircnica Municipal e pelo Regimento Interno da Cacircmara
A convocaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas tambeacutem possui previsatildeo constitucional
no art 58 sect 20 inciso II em niacutevel federal As comissotildees podem em razatildeo da
mateacuteria de sua competecircncia realizar audiecircncias puacuteblicas com entidades da
sociedade civil E nada obsta que estejam previstas formas de articulaccedilatildeo da
sociedade civil com os Presidentes das Comissotildees da Cacircmara no seu Regimento
Interno em acircmbito municipal
Os dispositivos da Constituiccedilatildeo Federal que dispotildeem sobre a forma de
participaccedilatildeo direta do cidadatildeo e da sociedade civil no processo democraacutetico natildeo se
pode negar que trouxe novas perspectivas De modo geral podemos citar
Art 29 A lei orgacircnica dos Municiacutepios tem que observar entre os seus
preceitos ldquocooperaccedilatildeo das associaccedilotildees representativas no planejamento municipalrdquo
Art 31 As contas dos municiacutepios ficaratildeo durante 60 (sessenta) dias
anualmente a disposiccedilatildeo de qualquer contribuinte para exame e apreciaccedilatildeo o qual
poderaacute questionar-lhes a legitimidade nos termos da lei
Art37 sect 3ordm (EC-1998) A lei disciplinaraacute as formas de participaccedilatildeo do usuaacuterio
na administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta regulando especialmente
I- as reclamaccedilotildees relativas a prestaccedilatildeo dos serviccedilos puacuteblicos em geral asseguradas
a manutenccedilatildeo de serviccedilo de atendimento ao usuaacuterio e a avaliaccedilatildeo perioacutedica externa
e interna da qualidade dos serviccedilos
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II- o acesso dos usuaacuterios a registros administrativos e a informaccedilatildeo sobre atos de
governo observado o disposto no art 5ordm X e XXXIII
III- a disciplina da representaccedilatildeo conta o exerciacutecio negligente ou abusivo de cargo
emprego ou funccedilatildeo na administraccedilatildeo puacuteblica
Art 74 sect 2ordm Qualquer cidadatildeo partido poliacutetico associaccedilatildeo ou sindicato eacute
parte legiacutetima para na forma de lei denunciar irregularidades ou ilegalidades perante
o Tribunal de Contas da Uniatildeo
Art194 paraacutegrafo uacutenico Compete ao Poder Puacuteblico nos termos da lei
organizar a seguridade social com base nos seguintes objetivos ()
VII ndash caraacuteter democraacutetivo descentralizado na administraccedilatildeo mediante gestatildeo
quadripartite com participaccedilatildeo dos trabalhadores dos empregados e dos
aposentados e do Governo nos oacutergatildeos colegiados nos oacutergatildeos colegiados
Art 198 As accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede integram uma rede
regionalizada e hierarquizada o constituem um sistema uacutenico organizado de acordo
com as seguintes diretrizes
III ndash participaccedilatildeo da comunidade
Art 202 sect 6ordm A lei complementa a que se refere o sect 4ordm deste artigo
estabeleceraacute os requisitos para a designaccedilatildeo dos membros das diretorias das
entidades fechadas de previdecircncia privada e disciplinaraacute a inserccedilatildeo dos
participantes nos colegiados e instacircncias de decisatildeo em que seus interesses sejam
objeto de discussatildeo e deliberaccedilatildeo
Art 204 As accedilotildees governamentais na aacuterea de assistecircncia social seratildeo
organizadas com base nas seguintes diretrizes
II ndash Participaccedilatildeo da populaccedilatildeo por meio de organizaccedilotildees representativas na
formulaccedilatildeo das poliacuteticas e no controle das accedilotildees em todos os niacuteveis
O protagonista na concretizaccedilatildeo dos direitos humanos e na ampliaccedilatildeo da cidadania eacute um sujeito coletivo de um trabalho sempre inacabado eis que se tratam de tarefas e conquistas cotidianas e gradativas obras que soacute podem ser realizada a muitas matildeos no partilhar e compartilhar da vida (COSTA NETO 2010)
A ampliaccedilatildeo da cidadania requer a consciecircncia de que os direitos pressupotildeem
deveres de maneira que os direitos de um indiviacuteduo satildeo garantidos a partir do
cumprimento dos deveres dos demais componentes da sociedade
51
34 A necessaacuteria superaccedilatildeo de velhos paradigmas
Como se sabe em 1988 foi aprovada a Constituiccedilatildeo mais liberal e
democraacutetica do Brasil chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo Assim ampliou-se de
forma significativa o campo dos direitos e garantias fundamentais No que diz
respeito a tal mateacuteria eacute considerada como uma das mais avanccediladas do mundo No
seu preacircmbulo adota o modelo de um Estado democraacutetico de Direito destinado a
garantir o exerciacutecio dos direitos sociais e individuais a liberdade a seguranccedila o
bem-estar o desenvolvimento a igualdade e a justiccedila eleitos como valores
supremos de uma sociedade fraterna pluralista e sem preconceitos
Para a construccedilatildeo democraacutetica da cidadania no Brasil contemporacircneo
salienta-se de ela deve passar de uma democracia representativa para uma
cidadania que efetivamente molde a democracia ou seja uma cidadania instituinte
da democracia
No acircmbito constitucional positivo cidadania pressupotildee o exerciacutecio de todos
os direitos fundamentais e garantias que caracterizam o Estado democraacutetico de
Direito Quando se fala em cidadania eacute no sentido de reafirmar o direito pela plena
realizaccedilatildeo do indiviacuteduo do cidadatildeo dos entes coletivos e de sua emancipaccedilatildeo nos
espaccedilos da sociedade Estatildeo sempre intimamente ligados os conceitos de
cidadania democracia e direitos humanos sendo que um remete ao outro e seus
conteuacutedos se interligam ou seja a cidadania natildeo iraacute ocorrer sem que ocorra a
realizaccedilatildeo dos Direitos Humanos da mesma forma que os direitos humanos natildeo
seratildeo concretizados se natildeo houver o exerciacutecio da cidadania
Na evoluccedilatildeo histoacuterica tais categorias se desenvolveram de forma conjunta
com o Estado Representam noccedilotildees desejaacuteveis de relaccedilotildees humanas que se espera
sejam instituiacutedas Satildeo os elementos basilares na nova ordem social e que a
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 pretendeu edificar Poreacutem a democracia poliacutetica natildeo
resolveu os problemas econocircmicos mais seacuterios como a desigualdade e o
desemprego Continuam muito seacuterios os problemas da aacuterea social principalmente
na educaccedilatildeo nos serviccedilos de sauacutede e saneamento como tambeacutem e
principalmente quanto agrave seguranccedila puacuteblica
52
A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 em seu artigo 6ordm e em outros artigos no texto
constitucional ampliou e muito os Direitos Sociais proibiu discriminaccedilotildees Assim
indicadores baacutesicos de qualidade de vida apontam que houve uma melhoria A
mortalidade infantil por exemplo caiu de maneira significativa nos uacuteltimos anos A
esperanccedila de vida ao nascer passou de 60 anos em 1980 para 70 em 2000 Poreacutem
o maior progresso foi na aacuterea da educaccedilatildeo fundamental que eacute considerado fator
decisivo para a cidadania pois a taxa de analfabetismo caiu consideravelmente
entretanto existem muitos problemas no campo educacional como a repetecircncia e
com relaccedilatildeo a desigualdade social entre as regiotildees
A grande concentraccedilatildeo da riqueza nacional nas matildeos de poucos reflete a
desigualdade e causa a pobreza e a miseacuteria ao passo que dificulta o acesso do
cidadatildeo agrave justiccedila e consequentemente ao seu estado de cidadania pleno
Dentre os fundamentos no qual se baseiam o Estado democraacutetico de Direito
no Brasil destaca-se justamente a cidadania e a dignidade humana conforme artigo
1ordm incisos II e III da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Entatildeo construir uma sociedade
livre justa e solidaacuteria garantir o desenvolvimento nacional erradicar a pobreza e a
marginalizaccedilatildeo reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de
todos sem preconceitos de origem raccedila sexo cor idade ou quaisquer outras
formas de discriminaccedilatildeo satildeo os objetivos fundamentais do Estado Brasileiro
conforme art 3ordm da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
O cenaacuterio de globalizaccedilatildeo econocircmica mundial tambeacutem traacutes seacuterios obstaacuteculos
para a construccedilatildeo da cidadania A globalizaccedilatildeo da economia em ritmo acelerado
provoca grandes mudanccedilas nas relaccedilotildees entre Estado sociedade e naccedilatildeo que
eram sempre o centro da noccedilatildeo e da praacutetica da cidadania ocidental O foco das
mudanccedilas e das preocupaccedilotildees estaacute em dois focos especiacuteficos a reduccedilatildeo do papel
central do Estado como fonte de direitos e local para a participaccedilatildeo e o
deslocamento da naccedilatildeo como principal fonte de identidade coletiva
Para que ocorra efetiva mudanccedila a melhor proposta eacute no sentido de
mudanccedila na organizaccedilatildeo da sociedade pois a inversatildeo da sequecircncia dos direitos
fez com que ocorra o reforccedilo da supremacia do Estado Para que ocorra a
consolidaccedilatildeo democraacutetica e cidadatilde eacute necessaacuterio reforccedilar a organizaccedilatildeo da
sociedade para assim dar embasamento social ao poder poliacutetico ou seja
finalmente democratizar o poder e estabelecer de forma plena a Cidadania
53
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A Constituiccedilatildeo que nasce com ldquocheiro de amanhatilde e natildeo de mofordquo nas
palavras do Deputado Ulisses Guimaratildees tem em seu relevo a esperanccedila de um
povo que sonhava com a erradicaccedilatildeo da repressatildeo militar e natildeo soacute isso um povo
que sonhava com a liberdade em suas diversas manifestaccedilotildees em suas mais
significativas formas de representaccedilatildeo e sobretudo com um paiacutes voltado para a
democracia e justiccedila social
Ao povo brasileiro foi concedido o poder de governar e nesse contexto de
mudanccedila a ldquodemocracia eacute o governo do povo pelo povo e para o povordquo na
conceituaccedilatildeo ceacutelebre de Abraham Lincoln E consoante estabelece o paraacutegrafo
uacutenico do art 1ordm da Carta cidadatilde de 1988 ldquotodo poder emana do povo que o exerce
por meio de representantes eleitos ou diretamenterdquo
No entanto natildeo basta que a fonte de poder seja o povo a democracia vem
significar a efetiva participaccedilatildeo do povo nas decisotildees e destino do Estado e sua
consolidaccedilatildeo eacute a proacutepria cidadania pois eacute o cidadatildeo que pensa e se auto define
diante da condiccedilatildeo soacutecio-histoacuterica O cidadatildeo tem portanto o poder de transformar
a realidade social segundo seu pensamento e accedilatildeo
Natildeo se pode negar que a Carta de 1988 foi a que apresentou maior
legitimidade popular que abriu caminhos apontando um novo tempo
Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita Se fosse perfeita seria irreformaacutevel Ela proacutepria com humildade e realismo admite ser emendada ateacute por maioria mais acessiacutevel dentro de cinco anos Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita mas seraacute uacutetil e pioneira e desbravadora Seraacute luz ainda que de lamparina na noite dos desgraccedilados Eacute caminhando que se abrem os caminhos Ela vai caminhar e abri-los Seraacute redentor o que penetrar nos bolsotildees sujos escuros e ignorados da miseacuteria (Ulysses Guimaratildees)
Mesmo natildeo sendo a constituiccedilatildeo perfeita sem duacutevida foi a que trouxe
esperanccedila ao povo brasileiro com a sua promulgaccedilatildeo surgiram o ldquohaacutebeas datardquo o
mandado de injunccedilatildeo e o mandado de seguranccedila coletivo - todos remeacutedios judiciais
de iacutendoles constitucionais serviacuteveis para prevenir e combater diversas tentativas de
abuso contra a pessoa humana Outrossim o objeto da accedilatildeo popular foi ampliado
Atualmente qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima para propor a mencionada accedilatildeo
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popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de entidade de que o
Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e ao patrimocircnio
histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de custas
judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia Nesse rol de forma decisiva houve a
ampliaccedilatildeo tambeacutem dos direitos sociais
Assim a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconhece e assegura uma seacuterie de
escudos protetivos aos cidadatildeos Em sua essecircncia os direitos fundamentais
ganham forma De modo que podemos assegurar que hoje o nosso Estado eacute uma
organizaccedilatildeo centrada no ser humano visto que tem a dignidade da pessoa humana
como um fundamento da Repuacuteblica Federativa do Brasil
Apesar das inuacutemeras dificuldades o Estado Democraacutetico de Direito fundado
na cidadania constituiu para o povo uma nova identidade ndash o que em outras eacutepocas
natildeo existia
A Constituiccedilatildeo circunscreve toda a organizaccedilatildeo poliacutetica estatal no intuito
maior de criar no consciente coletivo a vontade livre e determinada de desenvolver
padrotildees de condutas destinados a elevar e promover a auto-estima de toda a
comunidade paacutetria
Foi nesse sentido que estatui em seu artigo 1ordm a cidadania como fundamento
do Estado Democraacutetico de Direito ampliando e enriquecendo o tal conceito Cada
eacutepoca produziu praacuteticas e reflexotildees muito distintas sobre o tema cidadania A
definiccedilatildeo de cidadania que vem sofrendo alteraccedilotildees ao longo do tempo obedecendo
a um processo histoacuterico de conquistas sociais eacute compreendida atualmente como
um processo de participaccedilatildeo do indiviacuteduo ou de um grupo organizado nas mais
variadas aacutereas de atuaccedilatildeo da sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos
e sociais
A cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia disso natildeo haacute duvidas e se
efetiva como mudanccedilas na realidade de cada um com melhoria de vida e
conscientizaccedilatildeo da importacircncia do cidadatildeo dado que eacute um processo em
permanente construccedilatildeo Natildeo haacute como defender uma qualidade de vida sem a
preservaccedilatildeo da cidadania em todos os seus acircmbitos Nesse sentido a efetiva
proteccedilatildeo desse aspecto basilar torna-se essencial no que tange uma assistecircncia
juriacutedica completa
No contraponto do direito estatildeo os deveres que encontramos sua realizaccedilatildeo
tambeacutem na participaccedilatildeo observando que o cidadatildeo eacute responsaacutevel pelo advir de
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suas accedilotildees A participaccedilatildeo reflete um caraacuteter de natildeo comodismo de atenccedilatildeo agravequilo
que eacute particular e coletivo tendo como finalidade preciacutepua o bem comum
Construir cidadania hoje eacute imperativo para a sociedade pois dessa
construccedilatildeo depende o amanhatilde Estamos diante da Constituiccedilatildeo que se propotildee a
resguardar o amanhatilde sem perder de vista que ele comeccedila hoje agora e nisso a
Carta Poliacutetica traacutes consigo a certeza do despertar dessa consciecircncia a consciecircncia
cidadatilde Ela eacute a semente plantada em terra feacutertil que gera frutos diariamente e se
renova a cada estaccedilatildeo na dinacircmica da vida Talvez tenha sido esse o cheiro de
frutas alcanccedilado pelo constituinte ao anunciar que a carta tem ldquocheiro do amanhatilderdquo
A responsabilidade pelo exerciacutecio desses direitos belissimamente elencados
depende de todos e de cada um pois somos o terreno feacutertil que produziraacute o fruto de
uma sociedade fraterna
Eacute comum na praacutetica apenas responsabilizarmos o Estado em sentido lato pelo
natildeo exerciacutecio dos direitos do cidadatildeo Vale lembrar nesse contexto das palavras de
J Kennedy o qual disse ldquonatildeo pergunte o que o Estado pode fazer por vocecirc mas o
que vocecirc pode fazer pelo Estadordquo haacute nessa frase um forte traccedilo de cidadania pois
quando o cidadatildeo reivindica critica opina o que ele daacute em contrapartida ao paiacutes eacute
solidificado visto que eacute nas relaccedilotildees familiares em comunidade que se estabelece e
se fortalece os viacutenculos de solidariedade de uma sociedade que perpetua valores
condutas que as leis reguladoras natildeo conseguem por si soacute estabelecer
A concretizaccedilatildeo do ideal de uma qualidade de vida merecida a todos os seres
humanos sem restriccedilotildees requer entretanto um esforccedilo coletivo Dessa forma haacute
necessidade de suprir as muitas carecircncias advindas das desigualdades sociais e de
condiccedilotildees do descaso do poder puacuteblico e da proacutepria conceituaccedilatildeo antiga de
cidadania que ainda eacute concebida por muitos no presente
Em suma nosso trabalho procurou traccedilar a evoluccedilatildeo da cidadania e ao
mesmo tempo buscou traccedilar uma melhor caracterizaccedilatildeo do cidadatildeo agrave luz da nossa
Constituiccedilatildeo que eacute por fim a essecircncia da Magna Carta O alcance da cidadania
enquanto mecanismo de acesso a direitos foi colocado no acircmbito da pessoa
enquanto titular de direitos e num paralelo defendemos que o municiacutepio eacute o espaccedilo
de atuaccedilatildeo e exerciacutecio de cidadania dada a proximidade do cidadatildeo com as
instituiccedilotildees oacutergatildeos entidades e tudo o mais que o cerca na esfera de vivecircncia Eacute na
praccedila que discute a poliacutetica local e nacional que se indigna com as dificuldades e as
56
barreiras de acesso aos seus direitos Eacute no municiacutepio que se inicia todo um vieacutes de
desdobramento para garantir direitos
Por fim natildeo obstante resta dizer sobre o tema que os caminhos e
paradigmas que se intentou percorrer sobre cidadania como mecanismo
transformador da sociedade tem ingrediente ainda a se descortinar para o
propoacutesito valioso do bem comum Pois bem a ideia de bem comum tem como
fundamento o amor maacutexima que se estabelece por meio da democracia visto que
ldquoa demofilia o demoiacutesmo o amor do povo acima de tudo como princiacutepio ativo de
toda a sua vida poliacutetica inspirador duma sempre crescente autonomia imanente eacute
que constitui a verdadeira essecircncia da democraciardquo nas palavras de Melgareacute
(2005)
Dessa forma eacute no nuacutecleo da democracia que estaacute inscrito como pedra
angular o respeito e o amor pela pessoa humana Eacute pois um tema de larga
abrangecircncia poreacutem sem querer abreviar o caminho sua efetiva possibilidade de
realizaccedilatildeo se encontra no exerciacutecio da cidadania sem repuacutedios parciais ou exclusatildeo
de qualquer ordem na plenitude de uma cidadania para todos
57
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Nas uacuteltimas deacutecadas em alguns paiacuteses inclusive no Brasil desenvolveu-se o
conceito de cidadania calcado principalmente na questatildeo do cidadatildeo-consumidor
As pessoas passam a ser vistas como cidadatildes desde que tenham dinheiro para
adquirir mercadorias e utilizar serviccedilos Eacute certo pois que serviccedilos e mercadorias
atendem a necessidades materiais e simboacutelicas das pessoas e consumi-los eacute um
dos modos de participar da vida social criar identidade e partilhar dos bens
produzidos pela humanidade e representar-se culturalmente Contudo a cidadania
enfatizada apenas como uma relaccedilatildeo de compra e venda de mercadorias e serviccedilos
assume um conteuacutedo restrito individual conformista e voltado apenas para a
aquisiccedilatildeo de bens o que se relaciona com a ideacuteia de indiviacuteduo ou seja o consumo
atende as necessidades do indiviacuteduo
Outra forma de confusatildeo acerca do conceito de cidadatildeocidadania refere-se a
equiparaccedilatildeo feita com o assistencialismo o que configura uma acentuada inversatildeo
do termo uma vez que a praacutetica do assistencialismo natildeo propicia meios de
superaccedilatildeo das desigualdades sociais Enquanto a cidadania estaacute relacionada agrave
superaccedilatildeo das desigualdades sociais e a extensatildeo da garantia dos direitos de todos
O cidadatildeo eacute sem duacutevida uma expressatildeo que precisa ser adequadamente
utilizada e vivenciada pela coletividade compreendido na dimensatildeo do ser pessoa
de ter direitos e deveres do assumir as suas liberdades e responsabilidades no seio
de uma comunidade democraacutetica equitativa solidaacuteria e intercultural
Dessa forma ser cidadatildeo implica saber viver em sociedade estando ciente
dos anseios comuns A participaccedilatildeo ativa nas decisotildees de sua comunidade
influencia modos de vida de maneira positiva ao seu redor assim torna-se
imprescindiacutevel o exerciacutecio dos direitos constitucionais adquiridos e lutar pelos que
viratildeo eacute sobretudo estar consciente de todas as atitudes tomadas em prol da
sociedade
Eacute possiacutevel nesse espaccedilo de discussatildeo falar em ldquoestar cidadatildeordquo que eacute natildeo
praticar o exerciacutecio da cidadania em nenhuma de suas formas Implica apenas em
se deixar levar pelos acontecimentos e ainda reclamar das situaccedilotildees vividas sem
nada fazer para mudar sem nenhuma perspectiva de futuro Do que concluiacutemos que
a dinacircmica de intervir na realidade eacute pressuposto de cidadania
Ser cidadatildeo eacute tarefa que requer muito do ser humano do individuo da
pessoa Requer uma alta - estima elevada uma consciecircncia solidaacuteria uma
39
identidade que se reconheccedila na dinacircmica social interagindo com o outro ampliando
debates incitando justiccedila eacute sem duvida uma tomada de posiccedilatildeo que natildeo se
acomoda pelo contraacuterio se incomoda quando natildeo haacute comprometimento para o bem
comum
Natildeo eacute uma tarefa cocircmoda senatildeo muito complicada as pessoas natildeo nascem cidadatildeos mas fazem-se no tempo e no espaccedilo Na verdade natildeo eacute faacutecil exercer a liberdade e a cidadania ndash ser pessoa e ser cidadatildeo ndash por isso exige-se uma luta sem treacuteguas para erradicar assimetrias e exclusotildees socioculturais e criar cenaacuterios de esperanccedila realizaacuteveis fundamentados em valores e princiacutepios eacuteticos que requalifiquem a democracia com cidadatildeos participativos e
comprometidos ( SAEZ 1995)
Tem portanto como pressuposto uma mudanccedila de comportamento uma
tomada de posiccedilatildeo frente agrave dinacircmica social na qual estaacute inserido participando de
forma ativa e produtiva do processo de construccedilatildeo da cidadania por meio de seus
diversos canais
32 Emancipaccedilatildeo social atraveacutes da cidadania
Um Estado Democraacutetico eacute aquele que estaacute enraizado na legitimidade do
poder do povo e dele decorre seu exerciacutecio Assim o poder do povo eacute a expressatildeo
a aptidatildeo de homens e mulheres constituir autonomamente seu viver sem sucumbir
diante das instacircncias de poder Haacute nesse modus vivendi uma tutela das diferenccedilas e
pluralidades de formas de vida
Desta forma a cidadania eacute enfocada como o processo de participaccedilatildeo do
individuo ou de um grupo organizado nas mais variadas aacutereas de atuaccedilatildeo na
sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos sociais com a consciecircncia
da responsabilidade por sua proacutepria histoacuteria
Sendo a democracia o regime em que o povo governa sua caracteriacutestica
inarredaacutevel eacute a de ter o povo agrave frente do poder uma forma de autogoverno Em
assim sendo a cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia por meio de resultados
palpaacuteveis e medidas concretas tais como mudanccedilas na realidade de cada um com
melhoria de vida e conscientizaccedilatildeo da importacircncia na sociedade para o exerciacutecio
40
direto ou indireto desse poder pois se contentar com fato do direito estaacute prescrito
em lei natildeo eacute o bastante
Eacute certo poreacutem que o Estado democraacutetico somente se aperfeiccediloa na
proporccedilatildeo em que o povo age ativamente na medida em que os representantes
reflitam em seus atos os verdadeiros anseios populares Partindo dessa visatildeo a
cidadania eacute o grande fator de legitimaccedilatildeo do povo permitindo que ele aja em defesa
das instituiccedilotildees democraacuteticas
Sobre a participaccedilatildeo cumpre asseverar que este direito significa a
capacidade de ser consultado para as tomadas de decisatildeo que dizem respeito agrave
direccedilatildeo da sociedade em que vive o cidadatildeo este direito eacute acompanhado do
respeito aos deveres de contribuir para o progresso social e de acatar e respeitar o
resultado obtido em consulta coletiva
No elenco de mecanismo de exerciacutecio da cidadania estaacute o acesso ao direito e
a justiccedila que eacute fator preponderante para efetivar as garantias constitucionais
Assim passaremos a discorrer sobre a importacircncia de instrumentalizar o
cidadatildeo para um pleno exerciacutecio de seus direitos
Eacute Sabido que no Estado Democraacutetico Contemporacircneo os direitos
fundamentais constitucionalmente assegurados tecircm eficaacutecia imediata cumprindo ao
Estado garantir a todos os cidadatildeos o respeito a esses Direitos de modo concreto e
efetivo natildeo obstante as inuacutemeras desigualdades e condiccedilotildees adversas que
dificultam na praacutetica o seu exerciacutecio
Para o acesso ao direito o Estado deve desenvolver com eficiecircncia uma seacuterie
de atividades essenciais e dar efetividade a uma seacuterie de pressupostos Dentre eles
o principal eacute o conhecimento do Direito como fator preponderante pois o
desconhecimento da lei implica na praacutetica natildeo acionar a jurisdiccedilatildeo Um fato que
contribui para essa assertiva eacute baixa escolaridade da populaccedilatildeo e o analfabetismo
Muito pouco adianta a existecircncia de uma Constituiccedilatildeo apenas formal ou no
papel se ilegiacutetima ou desrespeitada Para que ocorra a eficaacutecia das normas
dispostas numa Constituiccedilatildeo ou melhor para que passe da teoria agrave praacutetica eacute
essencial que comandados e comandantes tenham conhecimento dos seus direitos
e responsabilidades assim como dos instrumentos juriacutedicos para efetivaacute-los (leis
regulamentadoras) O exerciacutecio da cidadania natildeo eacute somente um direito mas eacute
tambeacutem um dever de todos pois a omissatildeo de cada um contribui com as injusticcedilas e
as impunidades tatildeo presentes nos dias atuais
41
A Constituiccedilatildeo quando eacute justa e legiacutetima e principalmente quando eacute
respeitada eacute um poderoso instrumento de promoccedilatildeo e desenvolvimento social e
humano
Outro fator que deve ser considerado eacute a miserabilidade que coloca inuacutemeros
brasileiros a margem da sociedade em situaccedilatildeo precaacuteria os quais para Pinsky
(2004) ldquodesprovidos de esperanccedila de projeto de qualquer perspectiva de inclusatildeo
[] recorrer agrave Justiccedila humana parece algo irrealizaacutevel sofisticado e inteiramente
ficcionalrdquo
Desta forma o primeiro passo para concretizar os direitos previstos
constitucionalmente eacute a formaccedilatildeo do cidadatildeo atraveacutes da Educaccedilatildeo Baacutesica
infundindo-lhe a consciecircncia dos seus direitos e tambeacutem dos seus deveres sociais
bem como dos valores humanos fundamentais que devem ser por todos respeitados
na vida em sociedade A universalizaccedilatildeo do ensino fundamental a oferta obrigatoacuteria
de educaccedilatildeo infantil pelo Estado e o crescimento da oferta do ensino meacutedio satildeo
alguns dos aspectos que merecem destaques e foi devido agrave determinaccedilatildeo
constitucional de estabelecer o caraacuteter obrigatoacuterio do ensino fundamental e de
responsabilizar o Estado por sua implementaccedilatildeo que tem iniacutecio o processo de
avanccedilo desse segmento
A Constituiccedilatildeo estabeleceu de forma mais clara o papel dos entes federados
na educaccedilatildeo Tambeacutem aumentou a participaccedilatildeo orccedilamentaacuteria destinada ao setor
Com as novas regras para distribuiccedilatildeo de recursos adotadas apoacutes a promulgaccedilatildeo
da Carta os municiacutepios voltam a interessar-se pela educaccedilatildeo fundamental e o paiacutes
atinge a universalizaccedilatildeo do setor o que se busca agora satildeo mecanismos para
garantir a qualidade no ensino
O segundo passo nessa dinacircmica eacute o oferecimento a todos os cidadatildeos de
condiccedilotildees miacutenimas de sobrevivecircncia e de existecircncia condignas atraveacutes do acesso
ao trabalho produtivo livremente escolhido e do pagamento de remuneraccedilatildeo capaz
de prover ao sustento do trabalhador e de sua famiacutelia
Para milhotildees de cidadatildeos que vivem na ignoracircncia e na miseacuteria nenhuma
utilidade ou eficaacutecia tecircm os inuacutemeros direitos constitucionalmente assegurados Para
aqueles que se habituaram a retirar proventos da mendicacircncia da prostituiccedilatildeo de
atividades iliacutecitas ou aqueles que se sentiram forccedilados a sujeitar-se agrave exploraccedilatildeo de
outrem para sobreviver natildeo haacute nenhuma crenccedila na dignidade da pessoa humana e
no valor social do trabalho
42
A pobreza engendra inuacutemeras relaccedilotildees de dominaccedilatildeo entre pessoas e entre grupos sociais As habitaccedilotildees subumanas da periferia das grandes cidades no Brasil constituem verdadeiros quistos sociais terras sem lei controladas por xerifes ou por quadrilhas de malfeitores O Estado que natildeo for capaz de dotar essas comunidades do acesso efetivo agrave Educaccedilatildeo agrave Sauacutede agrave Seguranccedila e agrave Paz Puacuteblicas e ao trabalho liacutecito certamente natildeo lhes estaraacute assegurando o acesso ao Direito porque a populaccedilatildeo abrutalhada pela miseacuteria e coagida pelo medo natildeo desfruta da miacutenima eficaacutecia concreta dos
seus direitos fundamentais (GRECO 2009)
Evidencia que acesso ao Direito nas sociedades modernas mesmo nas
economicamente desenvolvidas exige o fortalecimento dos grupos intermediaacuterios e
do associativismo O cidadatildeo natildeo estaacute mais em condiccedilotildees de defender-se
individualmente das ameaccedilas e lesotildees aos seus direitos perpetradas por pessoas ou
grupos que se encontram em posiccedilatildeo de vantagem nas relaccedilotildees econocircmicas e
sociais
O sindicato veio exercer este importante papel em relaccedilatildeo ao trabalhador
empregado Mas hoje as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo natildeo satildeo apenas as que existem no
mundo do trabalho mas as que se revelam em todos os tipos de relaccedilotildees humanas
relaccedilotildees de consumo relaccedilotildees de vizinhanccedila relaccedilotildees locatiacutecias relaccedilotildees
comerciais internas e internacionais e natildeo com menor relevacircncia relaccedilotildees entre os
particulares e o Estado entre outras
Eacute preciso assegurar esse equiliacutebrio na praacutetica o que somente tornar-se-aacute
possiacutevel atraveacutes da articulaccedilatildeo dos sujeitos que se encontram em posiccedilatildeo de
desvantagem em organizaccedilotildees e associaccedilotildees que pela uniatildeo de esforccedilos
consigam compensar o desequiliacutebrio existente e dar aos indiviacuteduos e grupos a forccedila
e a capa de proteccedilatildeo necessaacuterias para ombrearem-se aos seus adversaacuterios e
lutarem pelos seus direitos ou interesses em igualdade de condiccedilotildees
Para Greco (2009) o pressuposto indispensaacutevel do acesso ao Direito eacute a
transparecircncia do Estado no trato de questotildees que possam afetar a esfera de
interesses dos cidadatildeos e complementa que aos cidadatildeos eacute indispensaacutevel
assegurar o direito de influir eficazmente nas decisotildees do poder puacuteblico atraveacutes dos
mais diversos instrumentos de participaccedilatildeo democraacutetica Ele afirma que
A relaccedilatildeo Estado-cidadatildeo natildeo eacute mais a relaccedilatildeo soberano-suacutedito O cidadatildeo tem o direito de exigir do Estado o pleno respeito ao seu
43
patrimocircnio juriacutedico Lamentavelmente a crise do Estado tem levado o Brasil a aceitar-se como normal que as pessoas juriacutedicas de Direito Puacuteblico natildeo cumpram devidamente as prestaccedilotildees positivas de que satildeo devedoras perante os particulares cabendo a estes demandar na Justiccedila para obtecirc-las (GRECO 2009)
Essa visatildeo deformada da responsabilidade do Estado ocorre o
desvirtuamento da justiccedila Por outro lado agrave violaccedilatildeo da garantia constitucional da
tutela jurisdicional efetiva (Constituiccedilatildeo artigo 5 inciso XXXV) disciplina a lei natildeo
excluiraacute da apreciaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio lesatildeo ou ameaccedila ao direito Assim o
acesso ao Direito natildeo estaraacute concretamente assegurado se o Estado natildeo oferecer a
todo cidadatildeo a possibilidade de receber aconselhamento juriacutedico a respeito dos seus
direitos
Constituiccedilatildeo de 1988 no artigo 5deg inciso LXXIV assegurou a todos
ldquoassistecircncia juriacutedicardquo a englobar assistecircncia judiciaacuteria e assessoramento juriacutedico
extrajudicial Conforme Greco (2009) ldquoeacute preciso que esse direito seja assegurado
na praacutetica Uma vez que na vida moderna o Direito tornou-se excessivamente
complexordquo Ainda no dizer do autor a consciecircncia juriacutedica do homem comum que
deve ser adquirida na famiacutelia e na escola natildeo eacute mais suficiente para a tomada de
decisotildees na vida diaacuteria das pessoas Todas as pessoas mantecircm complexas relaccedilotildees
juriacutedicas com instituiccedilotildees financeiras com fornecedores de bens e de serviccedilos etc
Nessas relaccedilotildees juriacutedicas com frequecircncia os cidadatildeos tecircm de tomar decisotildees
raacutepidas O cidadatildeo que tem meios procura um advogado particular para assessoraacute-
lo Ao pobre o Estado deve assegurar o mesmo direito em plenitude
Sem duacutevida o uacuteltimo pressuposto do acesso ao Direito eacute o acesso agrave Justiccedila
no sentido de acesso a um tribunal estatal imparcial previamente instituiacutedo como
competente para a soluccedilatildeo de qualquer litiacutegio a respeito de interesse que se afirme
juridicamente protegido ou para a praacutetica de qualquer ato que a lei subordine agrave
aprovaccedilatildeo autorizaccedilatildeo ou homologaccedilatildeo judicial
Se o cidadatildeo tem consciecircncia dos seus direitos se o Estado lhe fornece
todas as condiccedilotildees para livremente exercecirc-los mas algum outro cidadatildeo ou algum
oacutergatildeo do proacuteprio Estado impede ou dificulta esse exerciacutecio cabe ao poder puacuteblico
pocircr agrave disposiccedilatildeo do cidadatildeo lesionado ou ameaccedilado a jurisdiccedilatildeo necessaacuteria para
assegurar o pleno acesso a tal direito
Atingimos eacute certo um estaacutegio de desenvolvimento do Direito Humanitaacuterio que
natildeo mais nos permite conformar-nos com uma realidade distante do padratildeo de
44
convivecircncia humana que outras naccedilotildees jaacute alcanccedilaram O exerciacutecio pleno de
cidadania seraacute obra de mais de uma geraccedilatildeo Mas se trabalharmos com firmeza
certamente os jovens de hoje poderatildeo legar aos seus descendentes a emancipaccedilatildeo
cidadatilde um paiacutes melhor e uma sociedade mais justa e democraacutetica
33 O municiacutepio como acircmbito de exerciacutecio de cidadania
Historicamente o Municiacutepio enquanto unidade poliacutetico-administrativa surgiu
conforme descreve Berardi (2004) com a Repuacuteblica Romana interessada em
manter a dominaccedilatildeo paciacutefica das cidades conquistadas pela forccedila dos exeacutercitos
Sua origem mais de natureza socioloacutegica do que poliacutetica adveacutem do espiacuterito
associativo do homem e de suas relaccedilotildees de vizinhanccedila
Eacute pois a menor unidade territorial de Federaccedilatildeo cuja criaccedilatildeo reflete a base
da organizaccedilatildeo poliacutetica administrativa da Naccedilatildeo Portanto sua funccedilatildeo administrativa
historicamente vem assentada no princiacutepio do direito natural
O artigo primeiro da Constituiccedilatildeo Federal de 1998 estabelece que o
Municiacutepio ao lado dos Estados e do Distrito Federal formam a Republica Federativa
do Brasil que se constitui em Estado Democraacutetico de Direito O municiacutepio tem assim
um poder relevante para a aplicaccedilatildeo da democracia direta iniciada e fortalecida em
niacutevel local Diversos pensadores chegaram a afirmar que a descentralizaccedilatildeo de
poder resultante da constituiccedilatildeo Cidadatilde era antes de tudo uma conquista dos
Municiacutepios sendo eles os berccedilos da perpetuaccedilatildeo da Repuacuteblica e da Democracia
efetivamente por serem o uacutenico niacutevel de governo possuidores de respaldo e
localizaccedilatildeo fiacutesica ou seja solo municipal
Eacute certo que a Carta Magna de 1988 consolidou significativas inovaccedilotildees para a
vida municipal de forma que o Municiacutepio passou a constituir um dos entes da
federaccedilatildeo tratando-o como unidade dotada de autonomia poliacutetica expressa na
capacidade de poder elaborar a sua Lei Orgacircnica fugindo assim da tutela dos
estados que ateacute entatildeo eram considerados como uacutenicos componentes da federaccedilatildeo
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A Lei Orgacircnica Municipal traz em seu bojo aleacutem da organizaccedilatildeo
administrativa do Municiacutepio a restauraccedilatildeo do Poder Legislativo municipal definindo
a diversificaccedilatildeo normativa que natildeo existia nas leis organizacionais outorgadas pelo
Estado reflexo do poder constituinte outorgados aos Municiacutepios pela Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 como consequecircncia do efetivo exerciacutecio do conceito de Estado
Democraacutetico de Direito
O Municiacutepio enquanto ente federativo tem atualmente a responsabilidade de
ordenar o seu desenvolvimento social e a garantia do bem estar de seus habitantes
executando poliacuteticas puacuteblicas de accedilotildees a serem empreendidas na consolidaccedilatildeo
democraacutetica do Estado
Fundada no elemento participaccedilatildeo o exerciacutecio de cidadania amplamente
citado encontra sua efetividade no municiacutepio Pois eacute nesse acircmbito de localizaccedilatildeo
que as pessoas mantecircm um contato direto com os poderes instituiacutedos suas
necessidades imediatas e mediatas satildeo objetos da disciplina da Lei que visa o bem
comum base do Estado democraacutetico de Direito
Baseado na maacutexima do municipalista e defensor da descentralizaccedilatildeo poliacutetica
Franco Motoro sabiamente proferiu que ldquoningueacutem vive na Uniatildeo ou no Estado As
pessoas vivem no Municiacutepiordquo Assim a cidadania encontra seu melhor espaccedilo de
realizaccedilatildeo na comunidade onde convive A vida em comunidade gera anseios
comuns sentimentos comuns uma vez que a convivecircncia propicia que as pessoas
se conheccedilam e se reconheccedilam como membros de uma mesma realidade
De acordo com Harvey (1992) ldquoa globalizaccedilatildeo provoca anonimato enquanto
comunidade cultiva solidariedaderdquo o que implica participaccedilatildeo para o exerciacutecio de
cidadania
Tudo o que acontece no mundo seja no meu paiacutes na minha cidade ou no meu bairro acontece comigo Entatildeo eu preciso participar das decisotildees que interferem na minha vida Um cidadatildeo com um sentimento eacutetico forte e consciecircncia da cidadania natildeo deixa passar nada natildeo abre matildeo desse poder de participaccedilatildeo (Herbert de Souza Betinho)
Com esse embasamento natildeo se pode perder de vista que eacute nas relaccedilotildees
diaacuterias de oposiccedilatildeo ou solidariedade que as pessoas exercem cidadania Na relaccedilatildeo
do com o outro com os poderes ao estabelecer com a vida social e puacuteblica uma
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convivecircncia posto que cidadania eacute tarefa que natildeo termina natildeo eacute um conceito
pronto tatildeo pouco acabado enquanto seres inacabados que somos estaremos
buscando descobrindo criando e tomando consciecircncia mais ampla dos direitos
O desafio eacute construir um novo discurso sobre cidadania atraveacutes de uma
praacutetica poliacutetica sustentada isto eacute realizada em dois niacuteveis
O primeiro niacutevel na base atraveacutes de construccedilatildeo das capacidades e do poder
proacuteprio da populaccedilatildeo o que envolve inevitavelmente uma mudanccedila de atitude na
busca para garantir seus direitos utilizando-se do grau de autonomia local
Essa atitude conceberia agrave democracia participativa como uma poliacutetica paralela
de intervenccedilatildeo social criando e mantendo novos espaccedilos para a tomada de
decisotildees ou seja para o auto-governo pela populaccedilatildeo nas mateacuterias que afetam
diretamente suas vidas
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade
O segundo niacutevel um governo com o povo e natildeo apenas para o povo fundado
nos ditames constitucionais valorizando o sentimento da sociedade no exerciacutecio da
governabilidade de modo que o balizamento das accedilotildees de governo deixaria de estar
no proacuteprio governo e passaria a estabelecer-se a partir do pensar da sociedade Um
governo que se pergunta o que se deve fazer para ouvir com a maior fidelidade
possiacutevel a sociedade suas instituiccedilotildees representativas e o cidadatildeo Pois as
prioridades da gestatildeo deveriam ser definidas pela sociedade e natildeo mais pelo
governo
Portanto nesses termos eacute preciso considerar que as praacuteticas da
administraccedilatildeo puacuteblica sejam democratizadoras e inclusivas inspiradas nos
princiacutepios da legalidade impessoalidade moralidade publicidade e eficiecircncia Esta
uacuteltima buscou estabelecer uma Administraccedilatildeo Puacuteblica mais eficiente no sentido de
que o cidadatildeo como destinataacuterio dos serviccedilos puacuteblicos que o Estado deve prestar
receba-os com maior qualidade e menor custo para o eraacuterio puacuteblico
Para a consecuccedilatildeo desse governar com o povo alguns pontos devem ser
revistos A mudanccedila implica na necessidade de adequaccedilatildeo reorganizaccedilatildeo
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reformulaccedilatildeo Para isso se faz premente em face dos novos e modernos conceitos
de gestatildeo puacuteblica a superaccedilatildeo do tradicional vezo burocraacutetico que vem convertendo
a Administraccedilatildeo nas palavras Dromi (1995) numa cara ldquomaacutequina de impedirrdquo fiel
ldquocoacutedigo do fracassordquo que dispotildee ldquoartigo primeiro natildeo pode artigo segundo em
caso de duacutevida abstenha-se artigo terceiro se eacute urgente espere artigo quarto
sempre eacute mais prudente natildeo fazer nadardquo numa posiccedilatildeo natildeo burocraacutetica e sim
democraacutetica de considerar que organizaccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica inclui a
praacutetica de ver os cidadatildeos como membros plenos da comunidade poliacutetica tendo
acesso e exercitando direitos as que promovem a organizaccedilatildeo da populaccedilatildeo em
torno de temas de interesse comum as que incluem o controle social sobre a
gestatildeo o debate amplo e informado sobre questotildees de governo e que abrem agrave
populaccedilatildeo as decisotildees sobre estas questotildees Como leciona e Barrientos (2000)
Tratam-se de praacuteticas que natildeo buscam somente melhorar a eficiecircncia administrativa das diferentes organizaccedilotildees puacuteblicas mas que incorporam no seu processo de gestatildeo a dimensatildeo ativa da cidadania isto eacute ldquoque facilitam as iniciativas e responsabilidades de todos os envolvidos[] estabelecendo pontes entre Estado e sociedade civil
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade Acreditamos
que o ponto de partida eacute a atitude aliada agrave solidariedade e ao espiacuterito coletivo Pois
governo e cidadatildeos juntos haveratildeo de cumprir um novo papel no processo de
desenvolvimento como agentes de uma nova cultura
Como afirma Peter Drucke
A parceria comunitaacuteria seraacute um dos verdadeiros setores em crescimento das economias desenvolvidas Surge da necessidade de uma participaccedilatildeo mais direta e efetiva da comunidade nas grandes questotildees da vida social pois natildeo existe ningueacutem melhor que o cidadatildeo para saber o que ele quer para si para sua famiacutelia e para sua comunidade (apud RAMOS 1990)
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O envolvimento efetivo da sociedade nas questotildees sociais natildeo eacute apenas uma
postura moderna Significa antes de tudo uma atitude digna de todos aqueles que
desejam exercer sua cidadania contribuindo para um paiacutes melhor e em especial
para uma sociedade mais justa fraterna e solidaacuteria
Na histoacuteria observa-se a grande coragem das pessoas em construir o
reconhecimento delas proacuteprias e de seus direitos sempre buscando a participaccedilatildeo e
defendendo os Direitos Humanos Sem duacutevida a maior ecircnfase que deve ocorrer
para a construccedilatildeo real da cidadania eacute uma mudanccedila na sociedade O melhor a ser
feito eacute reforccedilar a organizaccedilatildeo democraacutetica buscando novas formas de participaccedilatildeo
social pois cidadania natildeo se resume ao poder de votar ou ser votado mas eacute sempre
na efetiva participaccedilatildeo popular pois somente com isso haacute a verdadeira
conscientizaccedilatildeo e o comprometimento daquele que passa a se sentir cidadatildeo
abandonando-se velhos viacutecios da poliacutetica representativa
Desse modo a participaccedilatildeo do povo no momento das reivindicaccedilotildees das
discussotildees e apreciaccedilotildees de projetos que visem agrave melhoria da comunidade local a
exigecircncia de transparecircncia na administraccedilatildeo da coisa puacuteblica dentre outras eacute quem
daraacute embasamento para as verdadeiras conquistas sociais no Municiacutepio que geram
saudaacuteveis formas de pressatildeo por efetivas poliacuteticas puacuteblicas de inclusatildeo social
gerando o fim do clientelismo poliacutetico tatildeo pejorativo e comum em nossa realidade e
cultura poliacutetica
Somente a participaccedilatildeo social eacute que iraacute causar uma real democratizaccedilatildeo do
poder A afirmaccedilatildeo da cidadania eacute pressuposto para a realizaccedilatildeo dos Direitos
Humanos pois os homens natildeo nascem naturalmente iguais Inclusive para que
ocorra a realizaccedilatildeo dos referidos direitos eacute necessaacuterio tambeacutem que exista um
espaccedilo puacuteblico que seja realmente democraacutetico e acessiacutevel possibilitando a
participaccedilatildeo de todos e esse espaccedilo eacute certamente o municiacutepio
Na praacutetica um forte instrumento de cidadania para atender as necessidades
coletivas eacute o orccedilamento participativo previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal que
determina expressamente a realizaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas e a participaccedilatildeo
popular nos processos de elaboraccedilatildeo e conduccedilatildeo dos orccedilamentos como forma de
incentivo agrave preparaccedilatildeo e execuccedilatildeo de planejamentos que envolvam diretamente o
povo A Lei veio incentivar a sua propagaccedilatildeo para todos os entes federativos tendo
em conta que se trata de uma tendecircncia mundial por legitimar as escolhas e
fortalecer o princiacutepio da transparecircncia
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Os meios de acesso do cidadatildeo junto aos Poderes Puacuteblicos eacute uma realidade
no Estado Democraacutetico de Direito brasileiro a exemplo das sessotildees do Poder
Legislativo que satildeo puacuteblicas ficando abertas a todos que delas quiserem participar
Emite-se uma pauta antes do comeccedilo da sessatildeo com a preacutevia dos debates Em
niacutevel municipal verifica-se um acompanhamento mais incisivo sobre as sessotildees das
Cacircmaras de Vereadores como forma de pressatildeo para aprovaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees
da comunidade avaliaccedilatildeo do desempenho e aceitaccedilatildeo de propostas orccedilamentaacuterias
e atuaccedilatildeo dos poliacuteticos bem como entendimento das funccedilotildees do Poder Legislativo
A Constituiccedilatildeo Federal assegura desde 1988 a possibilidade de se oferecer
peticcedilatildeo agraves Mesas Legislativas como forma de pedir informaccedilotildees sobre andamento
de projetos ou relatoacuterios encaminhados aos chefes do Poder Executivo Em niacutevel
municipal pode ser utilizada a Tribuna Livre como instrumento para denuacutencias de
problemas ou discussatildeo de um tema ou mesmo para apresentar sugestotildees sendo
regulado pela Lei Orgacircnica Municipal e pelo Regimento Interno da Cacircmara
A convocaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas tambeacutem possui previsatildeo constitucional
no art 58 sect 20 inciso II em niacutevel federal As comissotildees podem em razatildeo da
mateacuteria de sua competecircncia realizar audiecircncias puacuteblicas com entidades da
sociedade civil E nada obsta que estejam previstas formas de articulaccedilatildeo da
sociedade civil com os Presidentes das Comissotildees da Cacircmara no seu Regimento
Interno em acircmbito municipal
Os dispositivos da Constituiccedilatildeo Federal que dispotildeem sobre a forma de
participaccedilatildeo direta do cidadatildeo e da sociedade civil no processo democraacutetico natildeo se
pode negar que trouxe novas perspectivas De modo geral podemos citar
Art 29 A lei orgacircnica dos Municiacutepios tem que observar entre os seus
preceitos ldquocooperaccedilatildeo das associaccedilotildees representativas no planejamento municipalrdquo
Art 31 As contas dos municiacutepios ficaratildeo durante 60 (sessenta) dias
anualmente a disposiccedilatildeo de qualquer contribuinte para exame e apreciaccedilatildeo o qual
poderaacute questionar-lhes a legitimidade nos termos da lei
Art37 sect 3ordm (EC-1998) A lei disciplinaraacute as formas de participaccedilatildeo do usuaacuterio
na administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta regulando especialmente
I- as reclamaccedilotildees relativas a prestaccedilatildeo dos serviccedilos puacuteblicos em geral asseguradas
a manutenccedilatildeo de serviccedilo de atendimento ao usuaacuterio e a avaliaccedilatildeo perioacutedica externa
e interna da qualidade dos serviccedilos
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II- o acesso dos usuaacuterios a registros administrativos e a informaccedilatildeo sobre atos de
governo observado o disposto no art 5ordm X e XXXIII
III- a disciplina da representaccedilatildeo conta o exerciacutecio negligente ou abusivo de cargo
emprego ou funccedilatildeo na administraccedilatildeo puacuteblica
Art 74 sect 2ordm Qualquer cidadatildeo partido poliacutetico associaccedilatildeo ou sindicato eacute
parte legiacutetima para na forma de lei denunciar irregularidades ou ilegalidades perante
o Tribunal de Contas da Uniatildeo
Art194 paraacutegrafo uacutenico Compete ao Poder Puacuteblico nos termos da lei
organizar a seguridade social com base nos seguintes objetivos ()
VII ndash caraacuteter democraacutetivo descentralizado na administraccedilatildeo mediante gestatildeo
quadripartite com participaccedilatildeo dos trabalhadores dos empregados e dos
aposentados e do Governo nos oacutergatildeos colegiados nos oacutergatildeos colegiados
Art 198 As accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede integram uma rede
regionalizada e hierarquizada o constituem um sistema uacutenico organizado de acordo
com as seguintes diretrizes
III ndash participaccedilatildeo da comunidade
Art 202 sect 6ordm A lei complementa a que se refere o sect 4ordm deste artigo
estabeleceraacute os requisitos para a designaccedilatildeo dos membros das diretorias das
entidades fechadas de previdecircncia privada e disciplinaraacute a inserccedilatildeo dos
participantes nos colegiados e instacircncias de decisatildeo em que seus interesses sejam
objeto de discussatildeo e deliberaccedilatildeo
Art 204 As accedilotildees governamentais na aacuterea de assistecircncia social seratildeo
organizadas com base nas seguintes diretrizes
II ndash Participaccedilatildeo da populaccedilatildeo por meio de organizaccedilotildees representativas na
formulaccedilatildeo das poliacuteticas e no controle das accedilotildees em todos os niacuteveis
O protagonista na concretizaccedilatildeo dos direitos humanos e na ampliaccedilatildeo da cidadania eacute um sujeito coletivo de um trabalho sempre inacabado eis que se tratam de tarefas e conquistas cotidianas e gradativas obras que soacute podem ser realizada a muitas matildeos no partilhar e compartilhar da vida (COSTA NETO 2010)
A ampliaccedilatildeo da cidadania requer a consciecircncia de que os direitos pressupotildeem
deveres de maneira que os direitos de um indiviacuteduo satildeo garantidos a partir do
cumprimento dos deveres dos demais componentes da sociedade
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34 A necessaacuteria superaccedilatildeo de velhos paradigmas
Como se sabe em 1988 foi aprovada a Constituiccedilatildeo mais liberal e
democraacutetica do Brasil chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo Assim ampliou-se de
forma significativa o campo dos direitos e garantias fundamentais No que diz
respeito a tal mateacuteria eacute considerada como uma das mais avanccediladas do mundo No
seu preacircmbulo adota o modelo de um Estado democraacutetico de Direito destinado a
garantir o exerciacutecio dos direitos sociais e individuais a liberdade a seguranccedila o
bem-estar o desenvolvimento a igualdade e a justiccedila eleitos como valores
supremos de uma sociedade fraterna pluralista e sem preconceitos
Para a construccedilatildeo democraacutetica da cidadania no Brasil contemporacircneo
salienta-se de ela deve passar de uma democracia representativa para uma
cidadania que efetivamente molde a democracia ou seja uma cidadania instituinte
da democracia
No acircmbito constitucional positivo cidadania pressupotildee o exerciacutecio de todos
os direitos fundamentais e garantias que caracterizam o Estado democraacutetico de
Direito Quando se fala em cidadania eacute no sentido de reafirmar o direito pela plena
realizaccedilatildeo do indiviacuteduo do cidadatildeo dos entes coletivos e de sua emancipaccedilatildeo nos
espaccedilos da sociedade Estatildeo sempre intimamente ligados os conceitos de
cidadania democracia e direitos humanos sendo que um remete ao outro e seus
conteuacutedos se interligam ou seja a cidadania natildeo iraacute ocorrer sem que ocorra a
realizaccedilatildeo dos Direitos Humanos da mesma forma que os direitos humanos natildeo
seratildeo concretizados se natildeo houver o exerciacutecio da cidadania
Na evoluccedilatildeo histoacuterica tais categorias se desenvolveram de forma conjunta
com o Estado Representam noccedilotildees desejaacuteveis de relaccedilotildees humanas que se espera
sejam instituiacutedas Satildeo os elementos basilares na nova ordem social e que a
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 pretendeu edificar Poreacutem a democracia poliacutetica natildeo
resolveu os problemas econocircmicos mais seacuterios como a desigualdade e o
desemprego Continuam muito seacuterios os problemas da aacuterea social principalmente
na educaccedilatildeo nos serviccedilos de sauacutede e saneamento como tambeacutem e
principalmente quanto agrave seguranccedila puacuteblica
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A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 em seu artigo 6ordm e em outros artigos no texto
constitucional ampliou e muito os Direitos Sociais proibiu discriminaccedilotildees Assim
indicadores baacutesicos de qualidade de vida apontam que houve uma melhoria A
mortalidade infantil por exemplo caiu de maneira significativa nos uacuteltimos anos A
esperanccedila de vida ao nascer passou de 60 anos em 1980 para 70 em 2000 Poreacutem
o maior progresso foi na aacuterea da educaccedilatildeo fundamental que eacute considerado fator
decisivo para a cidadania pois a taxa de analfabetismo caiu consideravelmente
entretanto existem muitos problemas no campo educacional como a repetecircncia e
com relaccedilatildeo a desigualdade social entre as regiotildees
A grande concentraccedilatildeo da riqueza nacional nas matildeos de poucos reflete a
desigualdade e causa a pobreza e a miseacuteria ao passo que dificulta o acesso do
cidadatildeo agrave justiccedila e consequentemente ao seu estado de cidadania pleno
Dentre os fundamentos no qual se baseiam o Estado democraacutetico de Direito
no Brasil destaca-se justamente a cidadania e a dignidade humana conforme artigo
1ordm incisos II e III da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Entatildeo construir uma sociedade
livre justa e solidaacuteria garantir o desenvolvimento nacional erradicar a pobreza e a
marginalizaccedilatildeo reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de
todos sem preconceitos de origem raccedila sexo cor idade ou quaisquer outras
formas de discriminaccedilatildeo satildeo os objetivos fundamentais do Estado Brasileiro
conforme art 3ordm da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
O cenaacuterio de globalizaccedilatildeo econocircmica mundial tambeacutem traacutes seacuterios obstaacuteculos
para a construccedilatildeo da cidadania A globalizaccedilatildeo da economia em ritmo acelerado
provoca grandes mudanccedilas nas relaccedilotildees entre Estado sociedade e naccedilatildeo que
eram sempre o centro da noccedilatildeo e da praacutetica da cidadania ocidental O foco das
mudanccedilas e das preocupaccedilotildees estaacute em dois focos especiacuteficos a reduccedilatildeo do papel
central do Estado como fonte de direitos e local para a participaccedilatildeo e o
deslocamento da naccedilatildeo como principal fonte de identidade coletiva
Para que ocorra efetiva mudanccedila a melhor proposta eacute no sentido de
mudanccedila na organizaccedilatildeo da sociedade pois a inversatildeo da sequecircncia dos direitos
fez com que ocorra o reforccedilo da supremacia do Estado Para que ocorra a
consolidaccedilatildeo democraacutetica e cidadatilde eacute necessaacuterio reforccedilar a organizaccedilatildeo da
sociedade para assim dar embasamento social ao poder poliacutetico ou seja
finalmente democratizar o poder e estabelecer de forma plena a Cidadania
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CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A Constituiccedilatildeo que nasce com ldquocheiro de amanhatilde e natildeo de mofordquo nas
palavras do Deputado Ulisses Guimaratildees tem em seu relevo a esperanccedila de um
povo que sonhava com a erradicaccedilatildeo da repressatildeo militar e natildeo soacute isso um povo
que sonhava com a liberdade em suas diversas manifestaccedilotildees em suas mais
significativas formas de representaccedilatildeo e sobretudo com um paiacutes voltado para a
democracia e justiccedila social
Ao povo brasileiro foi concedido o poder de governar e nesse contexto de
mudanccedila a ldquodemocracia eacute o governo do povo pelo povo e para o povordquo na
conceituaccedilatildeo ceacutelebre de Abraham Lincoln E consoante estabelece o paraacutegrafo
uacutenico do art 1ordm da Carta cidadatilde de 1988 ldquotodo poder emana do povo que o exerce
por meio de representantes eleitos ou diretamenterdquo
No entanto natildeo basta que a fonte de poder seja o povo a democracia vem
significar a efetiva participaccedilatildeo do povo nas decisotildees e destino do Estado e sua
consolidaccedilatildeo eacute a proacutepria cidadania pois eacute o cidadatildeo que pensa e se auto define
diante da condiccedilatildeo soacutecio-histoacuterica O cidadatildeo tem portanto o poder de transformar
a realidade social segundo seu pensamento e accedilatildeo
Natildeo se pode negar que a Carta de 1988 foi a que apresentou maior
legitimidade popular que abriu caminhos apontando um novo tempo
Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita Se fosse perfeita seria irreformaacutevel Ela proacutepria com humildade e realismo admite ser emendada ateacute por maioria mais acessiacutevel dentro de cinco anos Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita mas seraacute uacutetil e pioneira e desbravadora Seraacute luz ainda que de lamparina na noite dos desgraccedilados Eacute caminhando que se abrem os caminhos Ela vai caminhar e abri-los Seraacute redentor o que penetrar nos bolsotildees sujos escuros e ignorados da miseacuteria (Ulysses Guimaratildees)
Mesmo natildeo sendo a constituiccedilatildeo perfeita sem duacutevida foi a que trouxe
esperanccedila ao povo brasileiro com a sua promulgaccedilatildeo surgiram o ldquohaacutebeas datardquo o
mandado de injunccedilatildeo e o mandado de seguranccedila coletivo - todos remeacutedios judiciais
de iacutendoles constitucionais serviacuteveis para prevenir e combater diversas tentativas de
abuso contra a pessoa humana Outrossim o objeto da accedilatildeo popular foi ampliado
Atualmente qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima para propor a mencionada accedilatildeo
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popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de entidade de que o
Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e ao patrimocircnio
histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de custas
judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia Nesse rol de forma decisiva houve a
ampliaccedilatildeo tambeacutem dos direitos sociais
Assim a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconhece e assegura uma seacuterie de
escudos protetivos aos cidadatildeos Em sua essecircncia os direitos fundamentais
ganham forma De modo que podemos assegurar que hoje o nosso Estado eacute uma
organizaccedilatildeo centrada no ser humano visto que tem a dignidade da pessoa humana
como um fundamento da Repuacuteblica Federativa do Brasil
Apesar das inuacutemeras dificuldades o Estado Democraacutetico de Direito fundado
na cidadania constituiu para o povo uma nova identidade ndash o que em outras eacutepocas
natildeo existia
A Constituiccedilatildeo circunscreve toda a organizaccedilatildeo poliacutetica estatal no intuito
maior de criar no consciente coletivo a vontade livre e determinada de desenvolver
padrotildees de condutas destinados a elevar e promover a auto-estima de toda a
comunidade paacutetria
Foi nesse sentido que estatui em seu artigo 1ordm a cidadania como fundamento
do Estado Democraacutetico de Direito ampliando e enriquecendo o tal conceito Cada
eacutepoca produziu praacuteticas e reflexotildees muito distintas sobre o tema cidadania A
definiccedilatildeo de cidadania que vem sofrendo alteraccedilotildees ao longo do tempo obedecendo
a um processo histoacuterico de conquistas sociais eacute compreendida atualmente como
um processo de participaccedilatildeo do indiviacuteduo ou de um grupo organizado nas mais
variadas aacutereas de atuaccedilatildeo da sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos
e sociais
A cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia disso natildeo haacute duvidas e se
efetiva como mudanccedilas na realidade de cada um com melhoria de vida e
conscientizaccedilatildeo da importacircncia do cidadatildeo dado que eacute um processo em
permanente construccedilatildeo Natildeo haacute como defender uma qualidade de vida sem a
preservaccedilatildeo da cidadania em todos os seus acircmbitos Nesse sentido a efetiva
proteccedilatildeo desse aspecto basilar torna-se essencial no que tange uma assistecircncia
juriacutedica completa
No contraponto do direito estatildeo os deveres que encontramos sua realizaccedilatildeo
tambeacutem na participaccedilatildeo observando que o cidadatildeo eacute responsaacutevel pelo advir de
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suas accedilotildees A participaccedilatildeo reflete um caraacuteter de natildeo comodismo de atenccedilatildeo agravequilo
que eacute particular e coletivo tendo como finalidade preciacutepua o bem comum
Construir cidadania hoje eacute imperativo para a sociedade pois dessa
construccedilatildeo depende o amanhatilde Estamos diante da Constituiccedilatildeo que se propotildee a
resguardar o amanhatilde sem perder de vista que ele comeccedila hoje agora e nisso a
Carta Poliacutetica traacutes consigo a certeza do despertar dessa consciecircncia a consciecircncia
cidadatilde Ela eacute a semente plantada em terra feacutertil que gera frutos diariamente e se
renova a cada estaccedilatildeo na dinacircmica da vida Talvez tenha sido esse o cheiro de
frutas alcanccedilado pelo constituinte ao anunciar que a carta tem ldquocheiro do amanhatilderdquo
A responsabilidade pelo exerciacutecio desses direitos belissimamente elencados
depende de todos e de cada um pois somos o terreno feacutertil que produziraacute o fruto de
uma sociedade fraterna
Eacute comum na praacutetica apenas responsabilizarmos o Estado em sentido lato pelo
natildeo exerciacutecio dos direitos do cidadatildeo Vale lembrar nesse contexto das palavras de
J Kennedy o qual disse ldquonatildeo pergunte o que o Estado pode fazer por vocecirc mas o
que vocecirc pode fazer pelo Estadordquo haacute nessa frase um forte traccedilo de cidadania pois
quando o cidadatildeo reivindica critica opina o que ele daacute em contrapartida ao paiacutes eacute
solidificado visto que eacute nas relaccedilotildees familiares em comunidade que se estabelece e
se fortalece os viacutenculos de solidariedade de uma sociedade que perpetua valores
condutas que as leis reguladoras natildeo conseguem por si soacute estabelecer
A concretizaccedilatildeo do ideal de uma qualidade de vida merecida a todos os seres
humanos sem restriccedilotildees requer entretanto um esforccedilo coletivo Dessa forma haacute
necessidade de suprir as muitas carecircncias advindas das desigualdades sociais e de
condiccedilotildees do descaso do poder puacuteblico e da proacutepria conceituaccedilatildeo antiga de
cidadania que ainda eacute concebida por muitos no presente
Em suma nosso trabalho procurou traccedilar a evoluccedilatildeo da cidadania e ao
mesmo tempo buscou traccedilar uma melhor caracterizaccedilatildeo do cidadatildeo agrave luz da nossa
Constituiccedilatildeo que eacute por fim a essecircncia da Magna Carta O alcance da cidadania
enquanto mecanismo de acesso a direitos foi colocado no acircmbito da pessoa
enquanto titular de direitos e num paralelo defendemos que o municiacutepio eacute o espaccedilo
de atuaccedilatildeo e exerciacutecio de cidadania dada a proximidade do cidadatildeo com as
instituiccedilotildees oacutergatildeos entidades e tudo o mais que o cerca na esfera de vivecircncia Eacute na
praccedila que discute a poliacutetica local e nacional que se indigna com as dificuldades e as
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barreiras de acesso aos seus direitos Eacute no municiacutepio que se inicia todo um vieacutes de
desdobramento para garantir direitos
Por fim natildeo obstante resta dizer sobre o tema que os caminhos e
paradigmas que se intentou percorrer sobre cidadania como mecanismo
transformador da sociedade tem ingrediente ainda a se descortinar para o
propoacutesito valioso do bem comum Pois bem a ideia de bem comum tem como
fundamento o amor maacutexima que se estabelece por meio da democracia visto que
ldquoa demofilia o demoiacutesmo o amor do povo acima de tudo como princiacutepio ativo de
toda a sua vida poliacutetica inspirador duma sempre crescente autonomia imanente eacute
que constitui a verdadeira essecircncia da democraciardquo nas palavras de Melgareacute
(2005)
Dessa forma eacute no nuacutecleo da democracia que estaacute inscrito como pedra
angular o respeito e o amor pela pessoa humana Eacute pois um tema de larga
abrangecircncia poreacutem sem querer abreviar o caminho sua efetiva possibilidade de
realizaccedilatildeo se encontra no exerciacutecio da cidadania sem repuacutedios parciais ou exclusatildeo
de qualquer ordem na plenitude de uma cidadania para todos
57
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
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identidade que se reconheccedila na dinacircmica social interagindo com o outro ampliando
debates incitando justiccedila eacute sem duvida uma tomada de posiccedilatildeo que natildeo se
acomoda pelo contraacuterio se incomoda quando natildeo haacute comprometimento para o bem
comum
Natildeo eacute uma tarefa cocircmoda senatildeo muito complicada as pessoas natildeo nascem cidadatildeos mas fazem-se no tempo e no espaccedilo Na verdade natildeo eacute faacutecil exercer a liberdade e a cidadania ndash ser pessoa e ser cidadatildeo ndash por isso exige-se uma luta sem treacuteguas para erradicar assimetrias e exclusotildees socioculturais e criar cenaacuterios de esperanccedila realizaacuteveis fundamentados em valores e princiacutepios eacuteticos que requalifiquem a democracia com cidadatildeos participativos e
comprometidos ( SAEZ 1995)
Tem portanto como pressuposto uma mudanccedila de comportamento uma
tomada de posiccedilatildeo frente agrave dinacircmica social na qual estaacute inserido participando de
forma ativa e produtiva do processo de construccedilatildeo da cidadania por meio de seus
diversos canais
32 Emancipaccedilatildeo social atraveacutes da cidadania
Um Estado Democraacutetico eacute aquele que estaacute enraizado na legitimidade do
poder do povo e dele decorre seu exerciacutecio Assim o poder do povo eacute a expressatildeo
a aptidatildeo de homens e mulheres constituir autonomamente seu viver sem sucumbir
diante das instacircncias de poder Haacute nesse modus vivendi uma tutela das diferenccedilas e
pluralidades de formas de vida
Desta forma a cidadania eacute enfocada como o processo de participaccedilatildeo do
individuo ou de um grupo organizado nas mais variadas aacutereas de atuaccedilatildeo na
sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos sociais com a consciecircncia
da responsabilidade por sua proacutepria histoacuteria
Sendo a democracia o regime em que o povo governa sua caracteriacutestica
inarredaacutevel eacute a de ter o povo agrave frente do poder uma forma de autogoverno Em
assim sendo a cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia por meio de resultados
palpaacuteveis e medidas concretas tais como mudanccedilas na realidade de cada um com
melhoria de vida e conscientizaccedilatildeo da importacircncia na sociedade para o exerciacutecio
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direto ou indireto desse poder pois se contentar com fato do direito estaacute prescrito
em lei natildeo eacute o bastante
Eacute certo poreacutem que o Estado democraacutetico somente se aperfeiccediloa na
proporccedilatildeo em que o povo age ativamente na medida em que os representantes
reflitam em seus atos os verdadeiros anseios populares Partindo dessa visatildeo a
cidadania eacute o grande fator de legitimaccedilatildeo do povo permitindo que ele aja em defesa
das instituiccedilotildees democraacuteticas
Sobre a participaccedilatildeo cumpre asseverar que este direito significa a
capacidade de ser consultado para as tomadas de decisatildeo que dizem respeito agrave
direccedilatildeo da sociedade em que vive o cidadatildeo este direito eacute acompanhado do
respeito aos deveres de contribuir para o progresso social e de acatar e respeitar o
resultado obtido em consulta coletiva
No elenco de mecanismo de exerciacutecio da cidadania estaacute o acesso ao direito e
a justiccedila que eacute fator preponderante para efetivar as garantias constitucionais
Assim passaremos a discorrer sobre a importacircncia de instrumentalizar o
cidadatildeo para um pleno exerciacutecio de seus direitos
Eacute Sabido que no Estado Democraacutetico Contemporacircneo os direitos
fundamentais constitucionalmente assegurados tecircm eficaacutecia imediata cumprindo ao
Estado garantir a todos os cidadatildeos o respeito a esses Direitos de modo concreto e
efetivo natildeo obstante as inuacutemeras desigualdades e condiccedilotildees adversas que
dificultam na praacutetica o seu exerciacutecio
Para o acesso ao direito o Estado deve desenvolver com eficiecircncia uma seacuterie
de atividades essenciais e dar efetividade a uma seacuterie de pressupostos Dentre eles
o principal eacute o conhecimento do Direito como fator preponderante pois o
desconhecimento da lei implica na praacutetica natildeo acionar a jurisdiccedilatildeo Um fato que
contribui para essa assertiva eacute baixa escolaridade da populaccedilatildeo e o analfabetismo
Muito pouco adianta a existecircncia de uma Constituiccedilatildeo apenas formal ou no
papel se ilegiacutetima ou desrespeitada Para que ocorra a eficaacutecia das normas
dispostas numa Constituiccedilatildeo ou melhor para que passe da teoria agrave praacutetica eacute
essencial que comandados e comandantes tenham conhecimento dos seus direitos
e responsabilidades assim como dos instrumentos juriacutedicos para efetivaacute-los (leis
regulamentadoras) O exerciacutecio da cidadania natildeo eacute somente um direito mas eacute
tambeacutem um dever de todos pois a omissatildeo de cada um contribui com as injusticcedilas e
as impunidades tatildeo presentes nos dias atuais
41
A Constituiccedilatildeo quando eacute justa e legiacutetima e principalmente quando eacute
respeitada eacute um poderoso instrumento de promoccedilatildeo e desenvolvimento social e
humano
Outro fator que deve ser considerado eacute a miserabilidade que coloca inuacutemeros
brasileiros a margem da sociedade em situaccedilatildeo precaacuteria os quais para Pinsky
(2004) ldquodesprovidos de esperanccedila de projeto de qualquer perspectiva de inclusatildeo
[] recorrer agrave Justiccedila humana parece algo irrealizaacutevel sofisticado e inteiramente
ficcionalrdquo
Desta forma o primeiro passo para concretizar os direitos previstos
constitucionalmente eacute a formaccedilatildeo do cidadatildeo atraveacutes da Educaccedilatildeo Baacutesica
infundindo-lhe a consciecircncia dos seus direitos e tambeacutem dos seus deveres sociais
bem como dos valores humanos fundamentais que devem ser por todos respeitados
na vida em sociedade A universalizaccedilatildeo do ensino fundamental a oferta obrigatoacuteria
de educaccedilatildeo infantil pelo Estado e o crescimento da oferta do ensino meacutedio satildeo
alguns dos aspectos que merecem destaques e foi devido agrave determinaccedilatildeo
constitucional de estabelecer o caraacuteter obrigatoacuterio do ensino fundamental e de
responsabilizar o Estado por sua implementaccedilatildeo que tem iniacutecio o processo de
avanccedilo desse segmento
A Constituiccedilatildeo estabeleceu de forma mais clara o papel dos entes federados
na educaccedilatildeo Tambeacutem aumentou a participaccedilatildeo orccedilamentaacuteria destinada ao setor
Com as novas regras para distribuiccedilatildeo de recursos adotadas apoacutes a promulgaccedilatildeo
da Carta os municiacutepios voltam a interessar-se pela educaccedilatildeo fundamental e o paiacutes
atinge a universalizaccedilatildeo do setor o que se busca agora satildeo mecanismos para
garantir a qualidade no ensino
O segundo passo nessa dinacircmica eacute o oferecimento a todos os cidadatildeos de
condiccedilotildees miacutenimas de sobrevivecircncia e de existecircncia condignas atraveacutes do acesso
ao trabalho produtivo livremente escolhido e do pagamento de remuneraccedilatildeo capaz
de prover ao sustento do trabalhador e de sua famiacutelia
Para milhotildees de cidadatildeos que vivem na ignoracircncia e na miseacuteria nenhuma
utilidade ou eficaacutecia tecircm os inuacutemeros direitos constitucionalmente assegurados Para
aqueles que se habituaram a retirar proventos da mendicacircncia da prostituiccedilatildeo de
atividades iliacutecitas ou aqueles que se sentiram forccedilados a sujeitar-se agrave exploraccedilatildeo de
outrem para sobreviver natildeo haacute nenhuma crenccedila na dignidade da pessoa humana e
no valor social do trabalho
42
A pobreza engendra inuacutemeras relaccedilotildees de dominaccedilatildeo entre pessoas e entre grupos sociais As habitaccedilotildees subumanas da periferia das grandes cidades no Brasil constituem verdadeiros quistos sociais terras sem lei controladas por xerifes ou por quadrilhas de malfeitores O Estado que natildeo for capaz de dotar essas comunidades do acesso efetivo agrave Educaccedilatildeo agrave Sauacutede agrave Seguranccedila e agrave Paz Puacuteblicas e ao trabalho liacutecito certamente natildeo lhes estaraacute assegurando o acesso ao Direito porque a populaccedilatildeo abrutalhada pela miseacuteria e coagida pelo medo natildeo desfruta da miacutenima eficaacutecia concreta dos
seus direitos fundamentais (GRECO 2009)
Evidencia que acesso ao Direito nas sociedades modernas mesmo nas
economicamente desenvolvidas exige o fortalecimento dos grupos intermediaacuterios e
do associativismo O cidadatildeo natildeo estaacute mais em condiccedilotildees de defender-se
individualmente das ameaccedilas e lesotildees aos seus direitos perpetradas por pessoas ou
grupos que se encontram em posiccedilatildeo de vantagem nas relaccedilotildees econocircmicas e
sociais
O sindicato veio exercer este importante papel em relaccedilatildeo ao trabalhador
empregado Mas hoje as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo natildeo satildeo apenas as que existem no
mundo do trabalho mas as que se revelam em todos os tipos de relaccedilotildees humanas
relaccedilotildees de consumo relaccedilotildees de vizinhanccedila relaccedilotildees locatiacutecias relaccedilotildees
comerciais internas e internacionais e natildeo com menor relevacircncia relaccedilotildees entre os
particulares e o Estado entre outras
Eacute preciso assegurar esse equiliacutebrio na praacutetica o que somente tornar-se-aacute
possiacutevel atraveacutes da articulaccedilatildeo dos sujeitos que se encontram em posiccedilatildeo de
desvantagem em organizaccedilotildees e associaccedilotildees que pela uniatildeo de esforccedilos
consigam compensar o desequiliacutebrio existente e dar aos indiviacuteduos e grupos a forccedila
e a capa de proteccedilatildeo necessaacuterias para ombrearem-se aos seus adversaacuterios e
lutarem pelos seus direitos ou interesses em igualdade de condiccedilotildees
Para Greco (2009) o pressuposto indispensaacutevel do acesso ao Direito eacute a
transparecircncia do Estado no trato de questotildees que possam afetar a esfera de
interesses dos cidadatildeos e complementa que aos cidadatildeos eacute indispensaacutevel
assegurar o direito de influir eficazmente nas decisotildees do poder puacuteblico atraveacutes dos
mais diversos instrumentos de participaccedilatildeo democraacutetica Ele afirma que
A relaccedilatildeo Estado-cidadatildeo natildeo eacute mais a relaccedilatildeo soberano-suacutedito O cidadatildeo tem o direito de exigir do Estado o pleno respeito ao seu
43
patrimocircnio juriacutedico Lamentavelmente a crise do Estado tem levado o Brasil a aceitar-se como normal que as pessoas juriacutedicas de Direito Puacuteblico natildeo cumpram devidamente as prestaccedilotildees positivas de que satildeo devedoras perante os particulares cabendo a estes demandar na Justiccedila para obtecirc-las (GRECO 2009)
Essa visatildeo deformada da responsabilidade do Estado ocorre o
desvirtuamento da justiccedila Por outro lado agrave violaccedilatildeo da garantia constitucional da
tutela jurisdicional efetiva (Constituiccedilatildeo artigo 5 inciso XXXV) disciplina a lei natildeo
excluiraacute da apreciaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio lesatildeo ou ameaccedila ao direito Assim o
acesso ao Direito natildeo estaraacute concretamente assegurado se o Estado natildeo oferecer a
todo cidadatildeo a possibilidade de receber aconselhamento juriacutedico a respeito dos seus
direitos
Constituiccedilatildeo de 1988 no artigo 5deg inciso LXXIV assegurou a todos
ldquoassistecircncia juriacutedicardquo a englobar assistecircncia judiciaacuteria e assessoramento juriacutedico
extrajudicial Conforme Greco (2009) ldquoeacute preciso que esse direito seja assegurado
na praacutetica Uma vez que na vida moderna o Direito tornou-se excessivamente
complexordquo Ainda no dizer do autor a consciecircncia juriacutedica do homem comum que
deve ser adquirida na famiacutelia e na escola natildeo eacute mais suficiente para a tomada de
decisotildees na vida diaacuteria das pessoas Todas as pessoas mantecircm complexas relaccedilotildees
juriacutedicas com instituiccedilotildees financeiras com fornecedores de bens e de serviccedilos etc
Nessas relaccedilotildees juriacutedicas com frequecircncia os cidadatildeos tecircm de tomar decisotildees
raacutepidas O cidadatildeo que tem meios procura um advogado particular para assessoraacute-
lo Ao pobre o Estado deve assegurar o mesmo direito em plenitude
Sem duacutevida o uacuteltimo pressuposto do acesso ao Direito eacute o acesso agrave Justiccedila
no sentido de acesso a um tribunal estatal imparcial previamente instituiacutedo como
competente para a soluccedilatildeo de qualquer litiacutegio a respeito de interesse que se afirme
juridicamente protegido ou para a praacutetica de qualquer ato que a lei subordine agrave
aprovaccedilatildeo autorizaccedilatildeo ou homologaccedilatildeo judicial
Se o cidadatildeo tem consciecircncia dos seus direitos se o Estado lhe fornece
todas as condiccedilotildees para livremente exercecirc-los mas algum outro cidadatildeo ou algum
oacutergatildeo do proacuteprio Estado impede ou dificulta esse exerciacutecio cabe ao poder puacuteblico
pocircr agrave disposiccedilatildeo do cidadatildeo lesionado ou ameaccedilado a jurisdiccedilatildeo necessaacuteria para
assegurar o pleno acesso a tal direito
Atingimos eacute certo um estaacutegio de desenvolvimento do Direito Humanitaacuterio que
natildeo mais nos permite conformar-nos com uma realidade distante do padratildeo de
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convivecircncia humana que outras naccedilotildees jaacute alcanccedilaram O exerciacutecio pleno de
cidadania seraacute obra de mais de uma geraccedilatildeo Mas se trabalharmos com firmeza
certamente os jovens de hoje poderatildeo legar aos seus descendentes a emancipaccedilatildeo
cidadatilde um paiacutes melhor e uma sociedade mais justa e democraacutetica
33 O municiacutepio como acircmbito de exerciacutecio de cidadania
Historicamente o Municiacutepio enquanto unidade poliacutetico-administrativa surgiu
conforme descreve Berardi (2004) com a Repuacuteblica Romana interessada em
manter a dominaccedilatildeo paciacutefica das cidades conquistadas pela forccedila dos exeacutercitos
Sua origem mais de natureza socioloacutegica do que poliacutetica adveacutem do espiacuterito
associativo do homem e de suas relaccedilotildees de vizinhanccedila
Eacute pois a menor unidade territorial de Federaccedilatildeo cuja criaccedilatildeo reflete a base
da organizaccedilatildeo poliacutetica administrativa da Naccedilatildeo Portanto sua funccedilatildeo administrativa
historicamente vem assentada no princiacutepio do direito natural
O artigo primeiro da Constituiccedilatildeo Federal de 1998 estabelece que o
Municiacutepio ao lado dos Estados e do Distrito Federal formam a Republica Federativa
do Brasil que se constitui em Estado Democraacutetico de Direito O municiacutepio tem assim
um poder relevante para a aplicaccedilatildeo da democracia direta iniciada e fortalecida em
niacutevel local Diversos pensadores chegaram a afirmar que a descentralizaccedilatildeo de
poder resultante da constituiccedilatildeo Cidadatilde era antes de tudo uma conquista dos
Municiacutepios sendo eles os berccedilos da perpetuaccedilatildeo da Repuacuteblica e da Democracia
efetivamente por serem o uacutenico niacutevel de governo possuidores de respaldo e
localizaccedilatildeo fiacutesica ou seja solo municipal
Eacute certo que a Carta Magna de 1988 consolidou significativas inovaccedilotildees para a
vida municipal de forma que o Municiacutepio passou a constituir um dos entes da
federaccedilatildeo tratando-o como unidade dotada de autonomia poliacutetica expressa na
capacidade de poder elaborar a sua Lei Orgacircnica fugindo assim da tutela dos
estados que ateacute entatildeo eram considerados como uacutenicos componentes da federaccedilatildeo
45
A Lei Orgacircnica Municipal traz em seu bojo aleacutem da organizaccedilatildeo
administrativa do Municiacutepio a restauraccedilatildeo do Poder Legislativo municipal definindo
a diversificaccedilatildeo normativa que natildeo existia nas leis organizacionais outorgadas pelo
Estado reflexo do poder constituinte outorgados aos Municiacutepios pela Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 como consequecircncia do efetivo exerciacutecio do conceito de Estado
Democraacutetico de Direito
O Municiacutepio enquanto ente federativo tem atualmente a responsabilidade de
ordenar o seu desenvolvimento social e a garantia do bem estar de seus habitantes
executando poliacuteticas puacuteblicas de accedilotildees a serem empreendidas na consolidaccedilatildeo
democraacutetica do Estado
Fundada no elemento participaccedilatildeo o exerciacutecio de cidadania amplamente
citado encontra sua efetividade no municiacutepio Pois eacute nesse acircmbito de localizaccedilatildeo
que as pessoas mantecircm um contato direto com os poderes instituiacutedos suas
necessidades imediatas e mediatas satildeo objetos da disciplina da Lei que visa o bem
comum base do Estado democraacutetico de Direito
Baseado na maacutexima do municipalista e defensor da descentralizaccedilatildeo poliacutetica
Franco Motoro sabiamente proferiu que ldquoningueacutem vive na Uniatildeo ou no Estado As
pessoas vivem no Municiacutepiordquo Assim a cidadania encontra seu melhor espaccedilo de
realizaccedilatildeo na comunidade onde convive A vida em comunidade gera anseios
comuns sentimentos comuns uma vez que a convivecircncia propicia que as pessoas
se conheccedilam e se reconheccedilam como membros de uma mesma realidade
De acordo com Harvey (1992) ldquoa globalizaccedilatildeo provoca anonimato enquanto
comunidade cultiva solidariedaderdquo o que implica participaccedilatildeo para o exerciacutecio de
cidadania
Tudo o que acontece no mundo seja no meu paiacutes na minha cidade ou no meu bairro acontece comigo Entatildeo eu preciso participar das decisotildees que interferem na minha vida Um cidadatildeo com um sentimento eacutetico forte e consciecircncia da cidadania natildeo deixa passar nada natildeo abre matildeo desse poder de participaccedilatildeo (Herbert de Souza Betinho)
Com esse embasamento natildeo se pode perder de vista que eacute nas relaccedilotildees
diaacuterias de oposiccedilatildeo ou solidariedade que as pessoas exercem cidadania Na relaccedilatildeo
do com o outro com os poderes ao estabelecer com a vida social e puacuteblica uma
46
convivecircncia posto que cidadania eacute tarefa que natildeo termina natildeo eacute um conceito
pronto tatildeo pouco acabado enquanto seres inacabados que somos estaremos
buscando descobrindo criando e tomando consciecircncia mais ampla dos direitos
O desafio eacute construir um novo discurso sobre cidadania atraveacutes de uma
praacutetica poliacutetica sustentada isto eacute realizada em dois niacuteveis
O primeiro niacutevel na base atraveacutes de construccedilatildeo das capacidades e do poder
proacuteprio da populaccedilatildeo o que envolve inevitavelmente uma mudanccedila de atitude na
busca para garantir seus direitos utilizando-se do grau de autonomia local
Essa atitude conceberia agrave democracia participativa como uma poliacutetica paralela
de intervenccedilatildeo social criando e mantendo novos espaccedilos para a tomada de
decisotildees ou seja para o auto-governo pela populaccedilatildeo nas mateacuterias que afetam
diretamente suas vidas
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade
O segundo niacutevel um governo com o povo e natildeo apenas para o povo fundado
nos ditames constitucionais valorizando o sentimento da sociedade no exerciacutecio da
governabilidade de modo que o balizamento das accedilotildees de governo deixaria de estar
no proacuteprio governo e passaria a estabelecer-se a partir do pensar da sociedade Um
governo que se pergunta o que se deve fazer para ouvir com a maior fidelidade
possiacutevel a sociedade suas instituiccedilotildees representativas e o cidadatildeo Pois as
prioridades da gestatildeo deveriam ser definidas pela sociedade e natildeo mais pelo
governo
Portanto nesses termos eacute preciso considerar que as praacuteticas da
administraccedilatildeo puacuteblica sejam democratizadoras e inclusivas inspiradas nos
princiacutepios da legalidade impessoalidade moralidade publicidade e eficiecircncia Esta
uacuteltima buscou estabelecer uma Administraccedilatildeo Puacuteblica mais eficiente no sentido de
que o cidadatildeo como destinataacuterio dos serviccedilos puacuteblicos que o Estado deve prestar
receba-os com maior qualidade e menor custo para o eraacuterio puacuteblico
Para a consecuccedilatildeo desse governar com o povo alguns pontos devem ser
revistos A mudanccedila implica na necessidade de adequaccedilatildeo reorganizaccedilatildeo
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reformulaccedilatildeo Para isso se faz premente em face dos novos e modernos conceitos
de gestatildeo puacuteblica a superaccedilatildeo do tradicional vezo burocraacutetico que vem convertendo
a Administraccedilatildeo nas palavras Dromi (1995) numa cara ldquomaacutequina de impedirrdquo fiel
ldquocoacutedigo do fracassordquo que dispotildee ldquoartigo primeiro natildeo pode artigo segundo em
caso de duacutevida abstenha-se artigo terceiro se eacute urgente espere artigo quarto
sempre eacute mais prudente natildeo fazer nadardquo numa posiccedilatildeo natildeo burocraacutetica e sim
democraacutetica de considerar que organizaccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica inclui a
praacutetica de ver os cidadatildeos como membros plenos da comunidade poliacutetica tendo
acesso e exercitando direitos as que promovem a organizaccedilatildeo da populaccedilatildeo em
torno de temas de interesse comum as que incluem o controle social sobre a
gestatildeo o debate amplo e informado sobre questotildees de governo e que abrem agrave
populaccedilatildeo as decisotildees sobre estas questotildees Como leciona e Barrientos (2000)
Tratam-se de praacuteticas que natildeo buscam somente melhorar a eficiecircncia administrativa das diferentes organizaccedilotildees puacuteblicas mas que incorporam no seu processo de gestatildeo a dimensatildeo ativa da cidadania isto eacute ldquoque facilitam as iniciativas e responsabilidades de todos os envolvidos[] estabelecendo pontes entre Estado e sociedade civil
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade Acreditamos
que o ponto de partida eacute a atitude aliada agrave solidariedade e ao espiacuterito coletivo Pois
governo e cidadatildeos juntos haveratildeo de cumprir um novo papel no processo de
desenvolvimento como agentes de uma nova cultura
Como afirma Peter Drucke
A parceria comunitaacuteria seraacute um dos verdadeiros setores em crescimento das economias desenvolvidas Surge da necessidade de uma participaccedilatildeo mais direta e efetiva da comunidade nas grandes questotildees da vida social pois natildeo existe ningueacutem melhor que o cidadatildeo para saber o que ele quer para si para sua famiacutelia e para sua comunidade (apud RAMOS 1990)
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O envolvimento efetivo da sociedade nas questotildees sociais natildeo eacute apenas uma
postura moderna Significa antes de tudo uma atitude digna de todos aqueles que
desejam exercer sua cidadania contribuindo para um paiacutes melhor e em especial
para uma sociedade mais justa fraterna e solidaacuteria
Na histoacuteria observa-se a grande coragem das pessoas em construir o
reconhecimento delas proacuteprias e de seus direitos sempre buscando a participaccedilatildeo e
defendendo os Direitos Humanos Sem duacutevida a maior ecircnfase que deve ocorrer
para a construccedilatildeo real da cidadania eacute uma mudanccedila na sociedade O melhor a ser
feito eacute reforccedilar a organizaccedilatildeo democraacutetica buscando novas formas de participaccedilatildeo
social pois cidadania natildeo se resume ao poder de votar ou ser votado mas eacute sempre
na efetiva participaccedilatildeo popular pois somente com isso haacute a verdadeira
conscientizaccedilatildeo e o comprometimento daquele que passa a se sentir cidadatildeo
abandonando-se velhos viacutecios da poliacutetica representativa
Desse modo a participaccedilatildeo do povo no momento das reivindicaccedilotildees das
discussotildees e apreciaccedilotildees de projetos que visem agrave melhoria da comunidade local a
exigecircncia de transparecircncia na administraccedilatildeo da coisa puacuteblica dentre outras eacute quem
daraacute embasamento para as verdadeiras conquistas sociais no Municiacutepio que geram
saudaacuteveis formas de pressatildeo por efetivas poliacuteticas puacuteblicas de inclusatildeo social
gerando o fim do clientelismo poliacutetico tatildeo pejorativo e comum em nossa realidade e
cultura poliacutetica
Somente a participaccedilatildeo social eacute que iraacute causar uma real democratizaccedilatildeo do
poder A afirmaccedilatildeo da cidadania eacute pressuposto para a realizaccedilatildeo dos Direitos
Humanos pois os homens natildeo nascem naturalmente iguais Inclusive para que
ocorra a realizaccedilatildeo dos referidos direitos eacute necessaacuterio tambeacutem que exista um
espaccedilo puacuteblico que seja realmente democraacutetico e acessiacutevel possibilitando a
participaccedilatildeo de todos e esse espaccedilo eacute certamente o municiacutepio
Na praacutetica um forte instrumento de cidadania para atender as necessidades
coletivas eacute o orccedilamento participativo previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal que
determina expressamente a realizaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas e a participaccedilatildeo
popular nos processos de elaboraccedilatildeo e conduccedilatildeo dos orccedilamentos como forma de
incentivo agrave preparaccedilatildeo e execuccedilatildeo de planejamentos que envolvam diretamente o
povo A Lei veio incentivar a sua propagaccedilatildeo para todos os entes federativos tendo
em conta que se trata de uma tendecircncia mundial por legitimar as escolhas e
fortalecer o princiacutepio da transparecircncia
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Os meios de acesso do cidadatildeo junto aos Poderes Puacuteblicos eacute uma realidade
no Estado Democraacutetico de Direito brasileiro a exemplo das sessotildees do Poder
Legislativo que satildeo puacuteblicas ficando abertas a todos que delas quiserem participar
Emite-se uma pauta antes do comeccedilo da sessatildeo com a preacutevia dos debates Em
niacutevel municipal verifica-se um acompanhamento mais incisivo sobre as sessotildees das
Cacircmaras de Vereadores como forma de pressatildeo para aprovaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees
da comunidade avaliaccedilatildeo do desempenho e aceitaccedilatildeo de propostas orccedilamentaacuterias
e atuaccedilatildeo dos poliacuteticos bem como entendimento das funccedilotildees do Poder Legislativo
A Constituiccedilatildeo Federal assegura desde 1988 a possibilidade de se oferecer
peticcedilatildeo agraves Mesas Legislativas como forma de pedir informaccedilotildees sobre andamento
de projetos ou relatoacuterios encaminhados aos chefes do Poder Executivo Em niacutevel
municipal pode ser utilizada a Tribuna Livre como instrumento para denuacutencias de
problemas ou discussatildeo de um tema ou mesmo para apresentar sugestotildees sendo
regulado pela Lei Orgacircnica Municipal e pelo Regimento Interno da Cacircmara
A convocaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas tambeacutem possui previsatildeo constitucional
no art 58 sect 20 inciso II em niacutevel federal As comissotildees podem em razatildeo da
mateacuteria de sua competecircncia realizar audiecircncias puacuteblicas com entidades da
sociedade civil E nada obsta que estejam previstas formas de articulaccedilatildeo da
sociedade civil com os Presidentes das Comissotildees da Cacircmara no seu Regimento
Interno em acircmbito municipal
Os dispositivos da Constituiccedilatildeo Federal que dispotildeem sobre a forma de
participaccedilatildeo direta do cidadatildeo e da sociedade civil no processo democraacutetico natildeo se
pode negar que trouxe novas perspectivas De modo geral podemos citar
Art 29 A lei orgacircnica dos Municiacutepios tem que observar entre os seus
preceitos ldquocooperaccedilatildeo das associaccedilotildees representativas no planejamento municipalrdquo
Art 31 As contas dos municiacutepios ficaratildeo durante 60 (sessenta) dias
anualmente a disposiccedilatildeo de qualquer contribuinte para exame e apreciaccedilatildeo o qual
poderaacute questionar-lhes a legitimidade nos termos da lei
Art37 sect 3ordm (EC-1998) A lei disciplinaraacute as formas de participaccedilatildeo do usuaacuterio
na administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta regulando especialmente
I- as reclamaccedilotildees relativas a prestaccedilatildeo dos serviccedilos puacuteblicos em geral asseguradas
a manutenccedilatildeo de serviccedilo de atendimento ao usuaacuterio e a avaliaccedilatildeo perioacutedica externa
e interna da qualidade dos serviccedilos
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II- o acesso dos usuaacuterios a registros administrativos e a informaccedilatildeo sobre atos de
governo observado o disposto no art 5ordm X e XXXIII
III- a disciplina da representaccedilatildeo conta o exerciacutecio negligente ou abusivo de cargo
emprego ou funccedilatildeo na administraccedilatildeo puacuteblica
Art 74 sect 2ordm Qualquer cidadatildeo partido poliacutetico associaccedilatildeo ou sindicato eacute
parte legiacutetima para na forma de lei denunciar irregularidades ou ilegalidades perante
o Tribunal de Contas da Uniatildeo
Art194 paraacutegrafo uacutenico Compete ao Poder Puacuteblico nos termos da lei
organizar a seguridade social com base nos seguintes objetivos ()
VII ndash caraacuteter democraacutetivo descentralizado na administraccedilatildeo mediante gestatildeo
quadripartite com participaccedilatildeo dos trabalhadores dos empregados e dos
aposentados e do Governo nos oacutergatildeos colegiados nos oacutergatildeos colegiados
Art 198 As accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede integram uma rede
regionalizada e hierarquizada o constituem um sistema uacutenico organizado de acordo
com as seguintes diretrizes
III ndash participaccedilatildeo da comunidade
Art 202 sect 6ordm A lei complementa a que se refere o sect 4ordm deste artigo
estabeleceraacute os requisitos para a designaccedilatildeo dos membros das diretorias das
entidades fechadas de previdecircncia privada e disciplinaraacute a inserccedilatildeo dos
participantes nos colegiados e instacircncias de decisatildeo em que seus interesses sejam
objeto de discussatildeo e deliberaccedilatildeo
Art 204 As accedilotildees governamentais na aacuterea de assistecircncia social seratildeo
organizadas com base nas seguintes diretrizes
II ndash Participaccedilatildeo da populaccedilatildeo por meio de organizaccedilotildees representativas na
formulaccedilatildeo das poliacuteticas e no controle das accedilotildees em todos os niacuteveis
O protagonista na concretizaccedilatildeo dos direitos humanos e na ampliaccedilatildeo da cidadania eacute um sujeito coletivo de um trabalho sempre inacabado eis que se tratam de tarefas e conquistas cotidianas e gradativas obras que soacute podem ser realizada a muitas matildeos no partilhar e compartilhar da vida (COSTA NETO 2010)
A ampliaccedilatildeo da cidadania requer a consciecircncia de que os direitos pressupotildeem
deveres de maneira que os direitos de um indiviacuteduo satildeo garantidos a partir do
cumprimento dos deveres dos demais componentes da sociedade
51
34 A necessaacuteria superaccedilatildeo de velhos paradigmas
Como se sabe em 1988 foi aprovada a Constituiccedilatildeo mais liberal e
democraacutetica do Brasil chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo Assim ampliou-se de
forma significativa o campo dos direitos e garantias fundamentais No que diz
respeito a tal mateacuteria eacute considerada como uma das mais avanccediladas do mundo No
seu preacircmbulo adota o modelo de um Estado democraacutetico de Direito destinado a
garantir o exerciacutecio dos direitos sociais e individuais a liberdade a seguranccedila o
bem-estar o desenvolvimento a igualdade e a justiccedila eleitos como valores
supremos de uma sociedade fraterna pluralista e sem preconceitos
Para a construccedilatildeo democraacutetica da cidadania no Brasil contemporacircneo
salienta-se de ela deve passar de uma democracia representativa para uma
cidadania que efetivamente molde a democracia ou seja uma cidadania instituinte
da democracia
No acircmbito constitucional positivo cidadania pressupotildee o exerciacutecio de todos
os direitos fundamentais e garantias que caracterizam o Estado democraacutetico de
Direito Quando se fala em cidadania eacute no sentido de reafirmar o direito pela plena
realizaccedilatildeo do indiviacuteduo do cidadatildeo dos entes coletivos e de sua emancipaccedilatildeo nos
espaccedilos da sociedade Estatildeo sempre intimamente ligados os conceitos de
cidadania democracia e direitos humanos sendo que um remete ao outro e seus
conteuacutedos se interligam ou seja a cidadania natildeo iraacute ocorrer sem que ocorra a
realizaccedilatildeo dos Direitos Humanos da mesma forma que os direitos humanos natildeo
seratildeo concretizados se natildeo houver o exerciacutecio da cidadania
Na evoluccedilatildeo histoacuterica tais categorias se desenvolveram de forma conjunta
com o Estado Representam noccedilotildees desejaacuteveis de relaccedilotildees humanas que se espera
sejam instituiacutedas Satildeo os elementos basilares na nova ordem social e que a
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 pretendeu edificar Poreacutem a democracia poliacutetica natildeo
resolveu os problemas econocircmicos mais seacuterios como a desigualdade e o
desemprego Continuam muito seacuterios os problemas da aacuterea social principalmente
na educaccedilatildeo nos serviccedilos de sauacutede e saneamento como tambeacutem e
principalmente quanto agrave seguranccedila puacuteblica
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A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 em seu artigo 6ordm e em outros artigos no texto
constitucional ampliou e muito os Direitos Sociais proibiu discriminaccedilotildees Assim
indicadores baacutesicos de qualidade de vida apontam que houve uma melhoria A
mortalidade infantil por exemplo caiu de maneira significativa nos uacuteltimos anos A
esperanccedila de vida ao nascer passou de 60 anos em 1980 para 70 em 2000 Poreacutem
o maior progresso foi na aacuterea da educaccedilatildeo fundamental que eacute considerado fator
decisivo para a cidadania pois a taxa de analfabetismo caiu consideravelmente
entretanto existem muitos problemas no campo educacional como a repetecircncia e
com relaccedilatildeo a desigualdade social entre as regiotildees
A grande concentraccedilatildeo da riqueza nacional nas matildeos de poucos reflete a
desigualdade e causa a pobreza e a miseacuteria ao passo que dificulta o acesso do
cidadatildeo agrave justiccedila e consequentemente ao seu estado de cidadania pleno
Dentre os fundamentos no qual se baseiam o Estado democraacutetico de Direito
no Brasil destaca-se justamente a cidadania e a dignidade humana conforme artigo
1ordm incisos II e III da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Entatildeo construir uma sociedade
livre justa e solidaacuteria garantir o desenvolvimento nacional erradicar a pobreza e a
marginalizaccedilatildeo reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de
todos sem preconceitos de origem raccedila sexo cor idade ou quaisquer outras
formas de discriminaccedilatildeo satildeo os objetivos fundamentais do Estado Brasileiro
conforme art 3ordm da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
O cenaacuterio de globalizaccedilatildeo econocircmica mundial tambeacutem traacutes seacuterios obstaacuteculos
para a construccedilatildeo da cidadania A globalizaccedilatildeo da economia em ritmo acelerado
provoca grandes mudanccedilas nas relaccedilotildees entre Estado sociedade e naccedilatildeo que
eram sempre o centro da noccedilatildeo e da praacutetica da cidadania ocidental O foco das
mudanccedilas e das preocupaccedilotildees estaacute em dois focos especiacuteficos a reduccedilatildeo do papel
central do Estado como fonte de direitos e local para a participaccedilatildeo e o
deslocamento da naccedilatildeo como principal fonte de identidade coletiva
Para que ocorra efetiva mudanccedila a melhor proposta eacute no sentido de
mudanccedila na organizaccedilatildeo da sociedade pois a inversatildeo da sequecircncia dos direitos
fez com que ocorra o reforccedilo da supremacia do Estado Para que ocorra a
consolidaccedilatildeo democraacutetica e cidadatilde eacute necessaacuterio reforccedilar a organizaccedilatildeo da
sociedade para assim dar embasamento social ao poder poliacutetico ou seja
finalmente democratizar o poder e estabelecer de forma plena a Cidadania
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CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A Constituiccedilatildeo que nasce com ldquocheiro de amanhatilde e natildeo de mofordquo nas
palavras do Deputado Ulisses Guimaratildees tem em seu relevo a esperanccedila de um
povo que sonhava com a erradicaccedilatildeo da repressatildeo militar e natildeo soacute isso um povo
que sonhava com a liberdade em suas diversas manifestaccedilotildees em suas mais
significativas formas de representaccedilatildeo e sobretudo com um paiacutes voltado para a
democracia e justiccedila social
Ao povo brasileiro foi concedido o poder de governar e nesse contexto de
mudanccedila a ldquodemocracia eacute o governo do povo pelo povo e para o povordquo na
conceituaccedilatildeo ceacutelebre de Abraham Lincoln E consoante estabelece o paraacutegrafo
uacutenico do art 1ordm da Carta cidadatilde de 1988 ldquotodo poder emana do povo que o exerce
por meio de representantes eleitos ou diretamenterdquo
No entanto natildeo basta que a fonte de poder seja o povo a democracia vem
significar a efetiva participaccedilatildeo do povo nas decisotildees e destino do Estado e sua
consolidaccedilatildeo eacute a proacutepria cidadania pois eacute o cidadatildeo que pensa e se auto define
diante da condiccedilatildeo soacutecio-histoacuterica O cidadatildeo tem portanto o poder de transformar
a realidade social segundo seu pensamento e accedilatildeo
Natildeo se pode negar que a Carta de 1988 foi a que apresentou maior
legitimidade popular que abriu caminhos apontando um novo tempo
Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita Se fosse perfeita seria irreformaacutevel Ela proacutepria com humildade e realismo admite ser emendada ateacute por maioria mais acessiacutevel dentro de cinco anos Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita mas seraacute uacutetil e pioneira e desbravadora Seraacute luz ainda que de lamparina na noite dos desgraccedilados Eacute caminhando que se abrem os caminhos Ela vai caminhar e abri-los Seraacute redentor o que penetrar nos bolsotildees sujos escuros e ignorados da miseacuteria (Ulysses Guimaratildees)
Mesmo natildeo sendo a constituiccedilatildeo perfeita sem duacutevida foi a que trouxe
esperanccedila ao povo brasileiro com a sua promulgaccedilatildeo surgiram o ldquohaacutebeas datardquo o
mandado de injunccedilatildeo e o mandado de seguranccedila coletivo - todos remeacutedios judiciais
de iacutendoles constitucionais serviacuteveis para prevenir e combater diversas tentativas de
abuso contra a pessoa humana Outrossim o objeto da accedilatildeo popular foi ampliado
Atualmente qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima para propor a mencionada accedilatildeo
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popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de entidade de que o
Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e ao patrimocircnio
histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de custas
judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia Nesse rol de forma decisiva houve a
ampliaccedilatildeo tambeacutem dos direitos sociais
Assim a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconhece e assegura uma seacuterie de
escudos protetivos aos cidadatildeos Em sua essecircncia os direitos fundamentais
ganham forma De modo que podemos assegurar que hoje o nosso Estado eacute uma
organizaccedilatildeo centrada no ser humano visto que tem a dignidade da pessoa humana
como um fundamento da Repuacuteblica Federativa do Brasil
Apesar das inuacutemeras dificuldades o Estado Democraacutetico de Direito fundado
na cidadania constituiu para o povo uma nova identidade ndash o que em outras eacutepocas
natildeo existia
A Constituiccedilatildeo circunscreve toda a organizaccedilatildeo poliacutetica estatal no intuito
maior de criar no consciente coletivo a vontade livre e determinada de desenvolver
padrotildees de condutas destinados a elevar e promover a auto-estima de toda a
comunidade paacutetria
Foi nesse sentido que estatui em seu artigo 1ordm a cidadania como fundamento
do Estado Democraacutetico de Direito ampliando e enriquecendo o tal conceito Cada
eacutepoca produziu praacuteticas e reflexotildees muito distintas sobre o tema cidadania A
definiccedilatildeo de cidadania que vem sofrendo alteraccedilotildees ao longo do tempo obedecendo
a um processo histoacuterico de conquistas sociais eacute compreendida atualmente como
um processo de participaccedilatildeo do indiviacuteduo ou de um grupo organizado nas mais
variadas aacutereas de atuaccedilatildeo da sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos
e sociais
A cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia disso natildeo haacute duvidas e se
efetiva como mudanccedilas na realidade de cada um com melhoria de vida e
conscientizaccedilatildeo da importacircncia do cidadatildeo dado que eacute um processo em
permanente construccedilatildeo Natildeo haacute como defender uma qualidade de vida sem a
preservaccedilatildeo da cidadania em todos os seus acircmbitos Nesse sentido a efetiva
proteccedilatildeo desse aspecto basilar torna-se essencial no que tange uma assistecircncia
juriacutedica completa
No contraponto do direito estatildeo os deveres que encontramos sua realizaccedilatildeo
tambeacutem na participaccedilatildeo observando que o cidadatildeo eacute responsaacutevel pelo advir de
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suas accedilotildees A participaccedilatildeo reflete um caraacuteter de natildeo comodismo de atenccedilatildeo agravequilo
que eacute particular e coletivo tendo como finalidade preciacutepua o bem comum
Construir cidadania hoje eacute imperativo para a sociedade pois dessa
construccedilatildeo depende o amanhatilde Estamos diante da Constituiccedilatildeo que se propotildee a
resguardar o amanhatilde sem perder de vista que ele comeccedila hoje agora e nisso a
Carta Poliacutetica traacutes consigo a certeza do despertar dessa consciecircncia a consciecircncia
cidadatilde Ela eacute a semente plantada em terra feacutertil que gera frutos diariamente e se
renova a cada estaccedilatildeo na dinacircmica da vida Talvez tenha sido esse o cheiro de
frutas alcanccedilado pelo constituinte ao anunciar que a carta tem ldquocheiro do amanhatilderdquo
A responsabilidade pelo exerciacutecio desses direitos belissimamente elencados
depende de todos e de cada um pois somos o terreno feacutertil que produziraacute o fruto de
uma sociedade fraterna
Eacute comum na praacutetica apenas responsabilizarmos o Estado em sentido lato pelo
natildeo exerciacutecio dos direitos do cidadatildeo Vale lembrar nesse contexto das palavras de
J Kennedy o qual disse ldquonatildeo pergunte o que o Estado pode fazer por vocecirc mas o
que vocecirc pode fazer pelo Estadordquo haacute nessa frase um forte traccedilo de cidadania pois
quando o cidadatildeo reivindica critica opina o que ele daacute em contrapartida ao paiacutes eacute
solidificado visto que eacute nas relaccedilotildees familiares em comunidade que se estabelece e
se fortalece os viacutenculos de solidariedade de uma sociedade que perpetua valores
condutas que as leis reguladoras natildeo conseguem por si soacute estabelecer
A concretizaccedilatildeo do ideal de uma qualidade de vida merecida a todos os seres
humanos sem restriccedilotildees requer entretanto um esforccedilo coletivo Dessa forma haacute
necessidade de suprir as muitas carecircncias advindas das desigualdades sociais e de
condiccedilotildees do descaso do poder puacuteblico e da proacutepria conceituaccedilatildeo antiga de
cidadania que ainda eacute concebida por muitos no presente
Em suma nosso trabalho procurou traccedilar a evoluccedilatildeo da cidadania e ao
mesmo tempo buscou traccedilar uma melhor caracterizaccedilatildeo do cidadatildeo agrave luz da nossa
Constituiccedilatildeo que eacute por fim a essecircncia da Magna Carta O alcance da cidadania
enquanto mecanismo de acesso a direitos foi colocado no acircmbito da pessoa
enquanto titular de direitos e num paralelo defendemos que o municiacutepio eacute o espaccedilo
de atuaccedilatildeo e exerciacutecio de cidadania dada a proximidade do cidadatildeo com as
instituiccedilotildees oacutergatildeos entidades e tudo o mais que o cerca na esfera de vivecircncia Eacute na
praccedila que discute a poliacutetica local e nacional que se indigna com as dificuldades e as
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barreiras de acesso aos seus direitos Eacute no municiacutepio que se inicia todo um vieacutes de
desdobramento para garantir direitos
Por fim natildeo obstante resta dizer sobre o tema que os caminhos e
paradigmas que se intentou percorrer sobre cidadania como mecanismo
transformador da sociedade tem ingrediente ainda a se descortinar para o
propoacutesito valioso do bem comum Pois bem a ideia de bem comum tem como
fundamento o amor maacutexima que se estabelece por meio da democracia visto que
ldquoa demofilia o demoiacutesmo o amor do povo acima de tudo como princiacutepio ativo de
toda a sua vida poliacutetica inspirador duma sempre crescente autonomia imanente eacute
que constitui a verdadeira essecircncia da democraciardquo nas palavras de Melgareacute
(2005)
Dessa forma eacute no nuacutecleo da democracia que estaacute inscrito como pedra
angular o respeito e o amor pela pessoa humana Eacute pois um tema de larga
abrangecircncia poreacutem sem querer abreviar o caminho sua efetiva possibilidade de
realizaccedilatildeo se encontra no exerciacutecio da cidadania sem repuacutedios parciais ou exclusatildeo
de qualquer ordem na plenitude de uma cidadania para todos
57
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direto ou indireto desse poder pois se contentar com fato do direito estaacute prescrito
em lei natildeo eacute o bastante
Eacute certo poreacutem que o Estado democraacutetico somente se aperfeiccediloa na
proporccedilatildeo em que o povo age ativamente na medida em que os representantes
reflitam em seus atos os verdadeiros anseios populares Partindo dessa visatildeo a
cidadania eacute o grande fator de legitimaccedilatildeo do povo permitindo que ele aja em defesa
das instituiccedilotildees democraacuteticas
Sobre a participaccedilatildeo cumpre asseverar que este direito significa a
capacidade de ser consultado para as tomadas de decisatildeo que dizem respeito agrave
direccedilatildeo da sociedade em que vive o cidadatildeo este direito eacute acompanhado do
respeito aos deveres de contribuir para o progresso social e de acatar e respeitar o
resultado obtido em consulta coletiva
No elenco de mecanismo de exerciacutecio da cidadania estaacute o acesso ao direito e
a justiccedila que eacute fator preponderante para efetivar as garantias constitucionais
Assim passaremos a discorrer sobre a importacircncia de instrumentalizar o
cidadatildeo para um pleno exerciacutecio de seus direitos
Eacute Sabido que no Estado Democraacutetico Contemporacircneo os direitos
fundamentais constitucionalmente assegurados tecircm eficaacutecia imediata cumprindo ao
Estado garantir a todos os cidadatildeos o respeito a esses Direitos de modo concreto e
efetivo natildeo obstante as inuacutemeras desigualdades e condiccedilotildees adversas que
dificultam na praacutetica o seu exerciacutecio
Para o acesso ao direito o Estado deve desenvolver com eficiecircncia uma seacuterie
de atividades essenciais e dar efetividade a uma seacuterie de pressupostos Dentre eles
o principal eacute o conhecimento do Direito como fator preponderante pois o
desconhecimento da lei implica na praacutetica natildeo acionar a jurisdiccedilatildeo Um fato que
contribui para essa assertiva eacute baixa escolaridade da populaccedilatildeo e o analfabetismo
Muito pouco adianta a existecircncia de uma Constituiccedilatildeo apenas formal ou no
papel se ilegiacutetima ou desrespeitada Para que ocorra a eficaacutecia das normas
dispostas numa Constituiccedilatildeo ou melhor para que passe da teoria agrave praacutetica eacute
essencial que comandados e comandantes tenham conhecimento dos seus direitos
e responsabilidades assim como dos instrumentos juriacutedicos para efetivaacute-los (leis
regulamentadoras) O exerciacutecio da cidadania natildeo eacute somente um direito mas eacute
tambeacutem um dever de todos pois a omissatildeo de cada um contribui com as injusticcedilas e
as impunidades tatildeo presentes nos dias atuais
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A Constituiccedilatildeo quando eacute justa e legiacutetima e principalmente quando eacute
respeitada eacute um poderoso instrumento de promoccedilatildeo e desenvolvimento social e
humano
Outro fator que deve ser considerado eacute a miserabilidade que coloca inuacutemeros
brasileiros a margem da sociedade em situaccedilatildeo precaacuteria os quais para Pinsky
(2004) ldquodesprovidos de esperanccedila de projeto de qualquer perspectiva de inclusatildeo
[] recorrer agrave Justiccedila humana parece algo irrealizaacutevel sofisticado e inteiramente
ficcionalrdquo
Desta forma o primeiro passo para concretizar os direitos previstos
constitucionalmente eacute a formaccedilatildeo do cidadatildeo atraveacutes da Educaccedilatildeo Baacutesica
infundindo-lhe a consciecircncia dos seus direitos e tambeacutem dos seus deveres sociais
bem como dos valores humanos fundamentais que devem ser por todos respeitados
na vida em sociedade A universalizaccedilatildeo do ensino fundamental a oferta obrigatoacuteria
de educaccedilatildeo infantil pelo Estado e o crescimento da oferta do ensino meacutedio satildeo
alguns dos aspectos que merecem destaques e foi devido agrave determinaccedilatildeo
constitucional de estabelecer o caraacuteter obrigatoacuterio do ensino fundamental e de
responsabilizar o Estado por sua implementaccedilatildeo que tem iniacutecio o processo de
avanccedilo desse segmento
A Constituiccedilatildeo estabeleceu de forma mais clara o papel dos entes federados
na educaccedilatildeo Tambeacutem aumentou a participaccedilatildeo orccedilamentaacuteria destinada ao setor
Com as novas regras para distribuiccedilatildeo de recursos adotadas apoacutes a promulgaccedilatildeo
da Carta os municiacutepios voltam a interessar-se pela educaccedilatildeo fundamental e o paiacutes
atinge a universalizaccedilatildeo do setor o que se busca agora satildeo mecanismos para
garantir a qualidade no ensino
O segundo passo nessa dinacircmica eacute o oferecimento a todos os cidadatildeos de
condiccedilotildees miacutenimas de sobrevivecircncia e de existecircncia condignas atraveacutes do acesso
ao trabalho produtivo livremente escolhido e do pagamento de remuneraccedilatildeo capaz
de prover ao sustento do trabalhador e de sua famiacutelia
Para milhotildees de cidadatildeos que vivem na ignoracircncia e na miseacuteria nenhuma
utilidade ou eficaacutecia tecircm os inuacutemeros direitos constitucionalmente assegurados Para
aqueles que se habituaram a retirar proventos da mendicacircncia da prostituiccedilatildeo de
atividades iliacutecitas ou aqueles que se sentiram forccedilados a sujeitar-se agrave exploraccedilatildeo de
outrem para sobreviver natildeo haacute nenhuma crenccedila na dignidade da pessoa humana e
no valor social do trabalho
42
A pobreza engendra inuacutemeras relaccedilotildees de dominaccedilatildeo entre pessoas e entre grupos sociais As habitaccedilotildees subumanas da periferia das grandes cidades no Brasil constituem verdadeiros quistos sociais terras sem lei controladas por xerifes ou por quadrilhas de malfeitores O Estado que natildeo for capaz de dotar essas comunidades do acesso efetivo agrave Educaccedilatildeo agrave Sauacutede agrave Seguranccedila e agrave Paz Puacuteblicas e ao trabalho liacutecito certamente natildeo lhes estaraacute assegurando o acesso ao Direito porque a populaccedilatildeo abrutalhada pela miseacuteria e coagida pelo medo natildeo desfruta da miacutenima eficaacutecia concreta dos
seus direitos fundamentais (GRECO 2009)
Evidencia que acesso ao Direito nas sociedades modernas mesmo nas
economicamente desenvolvidas exige o fortalecimento dos grupos intermediaacuterios e
do associativismo O cidadatildeo natildeo estaacute mais em condiccedilotildees de defender-se
individualmente das ameaccedilas e lesotildees aos seus direitos perpetradas por pessoas ou
grupos que se encontram em posiccedilatildeo de vantagem nas relaccedilotildees econocircmicas e
sociais
O sindicato veio exercer este importante papel em relaccedilatildeo ao trabalhador
empregado Mas hoje as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo natildeo satildeo apenas as que existem no
mundo do trabalho mas as que se revelam em todos os tipos de relaccedilotildees humanas
relaccedilotildees de consumo relaccedilotildees de vizinhanccedila relaccedilotildees locatiacutecias relaccedilotildees
comerciais internas e internacionais e natildeo com menor relevacircncia relaccedilotildees entre os
particulares e o Estado entre outras
Eacute preciso assegurar esse equiliacutebrio na praacutetica o que somente tornar-se-aacute
possiacutevel atraveacutes da articulaccedilatildeo dos sujeitos que se encontram em posiccedilatildeo de
desvantagem em organizaccedilotildees e associaccedilotildees que pela uniatildeo de esforccedilos
consigam compensar o desequiliacutebrio existente e dar aos indiviacuteduos e grupos a forccedila
e a capa de proteccedilatildeo necessaacuterias para ombrearem-se aos seus adversaacuterios e
lutarem pelos seus direitos ou interesses em igualdade de condiccedilotildees
Para Greco (2009) o pressuposto indispensaacutevel do acesso ao Direito eacute a
transparecircncia do Estado no trato de questotildees que possam afetar a esfera de
interesses dos cidadatildeos e complementa que aos cidadatildeos eacute indispensaacutevel
assegurar o direito de influir eficazmente nas decisotildees do poder puacuteblico atraveacutes dos
mais diversos instrumentos de participaccedilatildeo democraacutetica Ele afirma que
A relaccedilatildeo Estado-cidadatildeo natildeo eacute mais a relaccedilatildeo soberano-suacutedito O cidadatildeo tem o direito de exigir do Estado o pleno respeito ao seu
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patrimocircnio juriacutedico Lamentavelmente a crise do Estado tem levado o Brasil a aceitar-se como normal que as pessoas juriacutedicas de Direito Puacuteblico natildeo cumpram devidamente as prestaccedilotildees positivas de que satildeo devedoras perante os particulares cabendo a estes demandar na Justiccedila para obtecirc-las (GRECO 2009)
Essa visatildeo deformada da responsabilidade do Estado ocorre o
desvirtuamento da justiccedila Por outro lado agrave violaccedilatildeo da garantia constitucional da
tutela jurisdicional efetiva (Constituiccedilatildeo artigo 5 inciso XXXV) disciplina a lei natildeo
excluiraacute da apreciaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio lesatildeo ou ameaccedila ao direito Assim o
acesso ao Direito natildeo estaraacute concretamente assegurado se o Estado natildeo oferecer a
todo cidadatildeo a possibilidade de receber aconselhamento juriacutedico a respeito dos seus
direitos
Constituiccedilatildeo de 1988 no artigo 5deg inciso LXXIV assegurou a todos
ldquoassistecircncia juriacutedicardquo a englobar assistecircncia judiciaacuteria e assessoramento juriacutedico
extrajudicial Conforme Greco (2009) ldquoeacute preciso que esse direito seja assegurado
na praacutetica Uma vez que na vida moderna o Direito tornou-se excessivamente
complexordquo Ainda no dizer do autor a consciecircncia juriacutedica do homem comum que
deve ser adquirida na famiacutelia e na escola natildeo eacute mais suficiente para a tomada de
decisotildees na vida diaacuteria das pessoas Todas as pessoas mantecircm complexas relaccedilotildees
juriacutedicas com instituiccedilotildees financeiras com fornecedores de bens e de serviccedilos etc
Nessas relaccedilotildees juriacutedicas com frequecircncia os cidadatildeos tecircm de tomar decisotildees
raacutepidas O cidadatildeo que tem meios procura um advogado particular para assessoraacute-
lo Ao pobre o Estado deve assegurar o mesmo direito em plenitude
Sem duacutevida o uacuteltimo pressuposto do acesso ao Direito eacute o acesso agrave Justiccedila
no sentido de acesso a um tribunal estatal imparcial previamente instituiacutedo como
competente para a soluccedilatildeo de qualquer litiacutegio a respeito de interesse que se afirme
juridicamente protegido ou para a praacutetica de qualquer ato que a lei subordine agrave
aprovaccedilatildeo autorizaccedilatildeo ou homologaccedilatildeo judicial
Se o cidadatildeo tem consciecircncia dos seus direitos se o Estado lhe fornece
todas as condiccedilotildees para livremente exercecirc-los mas algum outro cidadatildeo ou algum
oacutergatildeo do proacuteprio Estado impede ou dificulta esse exerciacutecio cabe ao poder puacuteblico
pocircr agrave disposiccedilatildeo do cidadatildeo lesionado ou ameaccedilado a jurisdiccedilatildeo necessaacuteria para
assegurar o pleno acesso a tal direito
Atingimos eacute certo um estaacutegio de desenvolvimento do Direito Humanitaacuterio que
natildeo mais nos permite conformar-nos com uma realidade distante do padratildeo de
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convivecircncia humana que outras naccedilotildees jaacute alcanccedilaram O exerciacutecio pleno de
cidadania seraacute obra de mais de uma geraccedilatildeo Mas se trabalharmos com firmeza
certamente os jovens de hoje poderatildeo legar aos seus descendentes a emancipaccedilatildeo
cidadatilde um paiacutes melhor e uma sociedade mais justa e democraacutetica
33 O municiacutepio como acircmbito de exerciacutecio de cidadania
Historicamente o Municiacutepio enquanto unidade poliacutetico-administrativa surgiu
conforme descreve Berardi (2004) com a Repuacuteblica Romana interessada em
manter a dominaccedilatildeo paciacutefica das cidades conquistadas pela forccedila dos exeacutercitos
Sua origem mais de natureza socioloacutegica do que poliacutetica adveacutem do espiacuterito
associativo do homem e de suas relaccedilotildees de vizinhanccedila
Eacute pois a menor unidade territorial de Federaccedilatildeo cuja criaccedilatildeo reflete a base
da organizaccedilatildeo poliacutetica administrativa da Naccedilatildeo Portanto sua funccedilatildeo administrativa
historicamente vem assentada no princiacutepio do direito natural
O artigo primeiro da Constituiccedilatildeo Federal de 1998 estabelece que o
Municiacutepio ao lado dos Estados e do Distrito Federal formam a Republica Federativa
do Brasil que se constitui em Estado Democraacutetico de Direito O municiacutepio tem assim
um poder relevante para a aplicaccedilatildeo da democracia direta iniciada e fortalecida em
niacutevel local Diversos pensadores chegaram a afirmar que a descentralizaccedilatildeo de
poder resultante da constituiccedilatildeo Cidadatilde era antes de tudo uma conquista dos
Municiacutepios sendo eles os berccedilos da perpetuaccedilatildeo da Repuacuteblica e da Democracia
efetivamente por serem o uacutenico niacutevel de governo possuidores de respaldo e
localizaccedilatildeo fiacutesica ou seja solo municipal
Eacute certo que a Carta Magna de 1988 consolidou significativas inovaccedilotildees para a
vida municipal de forma que o Municiacutepio passou a constituir um dos entes da
federaccedilatildeo tratando-o como unidade dotada de autonomia poliacutetica expressa na
capacidade de poder elaborar a sua Lei Orgacircnica fugindo assim da tutela dos
estados que ateacute entatildeo eram considerados como uacutenicos componentes da federaccedilatildeo
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A Lei Orgacircnica Municipal traz em seu bojo aleacutem da organizaccedilatildeo
administrativa do Municiacutepio a restauraccedilatildeo do Poder Legislativo municipal definindo
a diversificaccedilatildeo normativa que natildeo existia nas leis organizacionais outorgadas pelo
Estado reflexo do poder constituinte outorgados aos Municiacutepios pela Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 como consequecircncia do efetivo exerciacutecio do conceito de Estado
Democraacutetico de Direito
O Municiacutepio enquanto ente federativo tem atualmente a responsabilidade de
ordenar o seu desenvolvimento social e a garantia do bem estar de seus habitantes
executando poliacuteticas puacuteblicas de accedilotildees a serem empreendidas na consolidaccedilatildeo
democraacutetica do Estado
Fundada no elemento participaccedilatildeo o exerciacutecio de cidadania amplamente
citado encontra sua efetividade no municiacutepio Pois eacute nesse acircmbito de localizaccedilatildeo
que as pessoas mantecircm um contato direto com os poderes instituiacutedos suas
necessidades imediatas e mediatas satildeo objetos da disciplina da Lei que visa o bem
comum base do Estado democraacutetico de Direito
Baseado na maacutexima do municipalista e defensor da descentralizaccedilatildeo poliacutetica
Franco Motoro sabiamente proferiu que ldquoningueacutem vive na Uniatildeo ou no Estado As
pessoas vivem no Municiacutepiordquo Assim a cidadania encontra seu melhor espaccedilo de
realizaccedilatildeo na comunidade onde convive A vida em comunidade gera anseios
comuns sentimentos comuns uma vez que a convivecircncia propicia que as pessoas
se conheccedilam e se reconheccedilam como membros de uma mesma realidade
De acordo com Harvey (1992) ldquoa globalizaccedilatildeo provoca anonimato enquanto
comunidade cultiva solidariedaderdquo o que implica participaccedilatildeo para o exerciacutecio de
cidadania
Tudo o que acontece no mundo seja no meu paiacutes na minha cidade ou no meu bairro acontece comigo Entatildeo eu preciso participar das decisotildees que interferem na minha vida Um cidadatildeo com um sentimento eacutetico forte e consciecircncia da cidadania natildeo deixa passar nada natildeo abre matildeo desse poder de participaccedilatildeo (Herbert de Souza Betinho)
Com esse embasamento natildeo se pode perder de vista que eacute nas relaccedilotildees
diaacuterias de oposiccedilatildeo ou solidariedade que as pessoas exercem cidadania Na relaccedilatildeo
do com o outro com os poderes ao estabelecer com a vida social e puacuteblica uma
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convivecircncia posto que cidadania eacute tarefa que natildeo termina natildeo eacute um conceito
pronto tatildeo pouco acabado enquanto seres inacabados que somos estaremos
buscando descobrindo criando e tomando consciecircncia mais ampla dos direitos
O desafio eacute construir um novo discurso sobre cidadania atraveacutes de uma
praacutetica poliacutetica sustentada isto eacute realizada em dois niacuteveis
O primeiro niacutevel na base atraveacutes de construccedilatildeo das capacidades e do poder
proacuteprio da populaccedilatildeo o que envolve inevitavelmente uma mudanccedila de atitude na
busca para garantir seus direitos utilizando-se do grau de autonomia local
Essa atitude conceberia agrave democracia participativa como uma poliacutetica paralela
de intervenccedilatildeo social criando e mantendo novos espaccedilos para a tomada de
decisotildees ou seja para o auto-governo pela populaccedilatildeo nas mateacuterias que afetam
diretamente suas vidas
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade
O segundo niacutevel um governo com o povo e natildeo apenas para o povo fundado
nos ditames constitucionais valorizando o sentimento da sociedade no exerciacutecio da
governabilidade de modo que o balizamento das accedilotildees de governo deixaria de estar
no proacuteprio governo e passaria a estabelecer-se a partir do pensar da sociedade Um
governo que se pergunta o que se deve fazer para ouvir com a maior fidelidade
possiacutevel a sociedade suas instituiccedilotildees representativas e o cidadatildeo Pois as
prioridades da gestatildeo deveriam ser definidas pela sociedade e natildeo mais pelo
governo
Portanto nesses termos eacute preciso considerar que as praacuteticas da
administraccedilatildeo puacuteblica sejam democratizadoras e inclusivas inspiradas nos
princiacutepios da legalidade impessoalidade moralidade publicidade e eficiecircncia Esta
uacuteltima buscou estabelecer uma Administraccedilatildeo Puacuteblica mais eficiente no sentido de
que o cidadatildeo como destinataacuterio dos serviccedilos puacuteblicos que o Estado deve prestar
receba-os com maior qualidade e menor custo para o eraacuterio puacuteblico
Para a consecuccedilatildeo desse governar com o povo alguns pontos devem ser
revistos A mudanccedila implica na necessidade de adequaccedilatildeo reorganizaccedilatildeo
47
reformulaccedilatildeo Para isso se faz premente em face dos novos e modernos conceitos
de gestatildeo puacuteblica a superaccedilatildeo do tradicional vezo burocraacutetico que vem convertendo
a Administraccedilatildeo nas palavras Dromi (1995) numa cara ldquomaacutequina de impedirrdquo fiel
ldquocoacutedigo do fracassordquo que dispotildee ldquoartigo primeiro natildeo pode artigo segundo em
caso de duacutevida abstenha-se artigo terceiro se eacute urgente espere artigo quarto
sempre eacute mais prudente natildeo fazer nadardquo numa posiccedilatildeo natildeo burocraacutetica e sim
democraacutetica de considerar que organizaccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica inclui a
praacutetica de ver os cidadatildeos como membros plenos da comunidade poliacutetica tendo
acesso e exercitando direitos as que promovem a organizaccedilatildeo da populaccedilatildeo em
torno de temas de interesse comum as que incluem o controle social sobre a
gestatildeo o debate amplo e informado sobre questotildees de governo e que abrem agrave
populaccedilatildeo as decisotildees sobre estas questotildees Como leciona e Barrientos (2000)
Tratam-se de praacuteticas que natildeo buscam somente melhorar a eficiecircncia administrativa das diferentes organizaccedilotildees puacuteblicas mas que incorporam no seu processo de gestatildeo a dimensatildeo ativa da cidadania isto eacute ldquoque facilitam as iniciativas e responsabilidades de todos os envolvidos[] estabelecendo pontes entre Estado e sociedade civil
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade Acreditamos
que o ponto de partida eacute a atitude aliada agrave solidariedade e ao espiacuterito coletivo Pois
governo e cidadatildeos juntos haveratildeo de cumprir um novo papel no processo de
desenvolvimento como agentes de uma nova cultura
Como afirma Peter Drucke
A parceria comunitaacuteria seraacute um dos verdadeiros setores em crescimento das economias desenvolvidas Surge da necessidade de uma participaccedilatildeo mais direta e efetiva da comunidade nas grandes questotildees da vida social pois natildeo existe ningueacutem melhor que o cidadatildeo para saber o que ele quer para si para sua famiacutelia e para sua comunidade (apud RAMOS 1990)
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O envolvimento efetivo da sociedade nas questotildees sociais natildeo eacute apenas uma
postura moderna Significa antes de tudo uma atitude digna de todos aqueles que
desejam exercer sua cidadania contribuindo para um paiacutes melhor e em especial
para uma sociedade mais justa fraterna e solidaacuteria
Na histoacuteria observa-se a grande coragem das pessoas em construir o
reconhecimento delas proacuteprias e de seus direitos sempre buscando a participaccedilatildeo e
defendendo os Direitos Humanos Sem duacutevida a maior ecircnfase que deve ocorrer
para a construccedilatildeo real da cidadania eacute uma mudanccedila na sociedade O melhor a ser
feito eacute reforccedilar a organizaccedilatildeo democraacutetica buscando novas formas de participaccedilatildeo
social pois cidadania natildeo se resume ao poder de votar ou ser votado mas eacute sempre
na efetiva participaccedilatildeo popular pois somente com isso haacute a verdadeira
conscientizaccedilatildeo e o comprometimento daquele que passa a se sentir cidadatildeo
abandonando-se velhos viacutecios da poliacutetica representativa
Desse modo a participaccedilatildeo do povo no momento das reivindicaccedilotildees das
discussotildees e apreciaccedilotildees de projetos que visem agrave melhoria da comunidade local a
exigecircncia de transparecircncia na administraccedilatildeo da coisa puacuteblica dentre outras eacute quem
daraacute embasamento para as verdadeiras conquistas sociais no Municiacutepio que geram
saudaacuteveis formas de pressatildeo por efetivas poliacuteticas puacuteblicas de inclusatildeo social
gerando o fim do clientelismo poliacutetico tatildeo pejorativo e comum em nossa realidade e
cultura poliacutetica
Somente a participaccedilatildeo social eacute que iraacute causar uma real democratizaccedilatildeo do
poder A afirmaccedilatildeo da cidadania eacute pressuposto para a realizaccedilatildeo dos Direitos
Humanos pois os homens natildeo nascem naturalmente iguais Inclusive para que
ocorra a realizaccedilatildeo dos referidos direitos eacute necessaacuterio tambeacutem que exista um
espaccedilo puacuteblico que seja realmente democraacutetico e acessiacutevel possibilitando a
participaccedilatildeo de todos e esse espaccedilo eacute certamente o municiacutepio
Na praacutetica um forte instrumento de cidadania para atender as necessidades
coletivas eacute o orccedilamento participativo previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal que
determina expressamente a realizaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas e a participaccedilatildeo
popular nos processos de elaboraccedilatildeo e conduccedilatildeo dos orccedilamentos como forma de
incentivo agrave preparaccedilatildeo e execuccedilatildeo de planejamentos que envolvam diretamente o
povo A Lei veio incentivar a sua propagaccedilatildeo para todos os entes federativos tendo
em conta que se trata de uma tendecircncia mundial por legitimar as escolhas e
fortalecer o princiacutepio da transparecircncia
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Os meios de acesso do cidadatildeo junto aos Poderes Puacuteblicos eacute uma realidade
no Estado Democraacutetico de Direito brasileiro a exemplo das sessotildees do Poder
Legislativo que satildeo puacuteblicas ficando abertas a todos que delas quiserem participar
Emite-se uma pauta antes do comeccedilo da sessatildeo com a preacutevia dos debates Em
niacutevel municipal verifica-se um acompanhamento mais incisivo sobre as sessotildees das
Cacircmaras de Vereadores como forma de pressatildeo para aprovaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees
da comunidade avaliaccedilatildeo do desempenho e aceitaccedilatildeo de propostas orccedilamentaacuterias
e atuaccedilatildeo dos poliacuteticos bem como entendimento das funccedilotildees do Poder Legislativo
A Constituiccedilatildeo Federal assegura desde 1988 a possibilidade de se oferecer
peticcedilatildeo agraves Mesas Legislativas como forma de pedir informaccedilotildees sobre andamento
de projetos ou relatoacuterios encaminhados aos chefes do Poder Executivo Em niacutevel
municipal pode ser utilizada a Tribuna Livre como instrumento para denuacutencias de
problemas ou discussatildeo de um tema ou mesmo para apresentar sugestotildees sendo
regulado pela Lei Orgacircnica Municipal e pelo Regimento Interno da Cacircmara
A convocaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas tambeacutem possui previsatildeo constitucional
no art 58 sect 20 inciso II em niacutevel federal As comissotildees podem em razatildeo da
mateacuteria de sua competecircncia realizar audiecircncias puacuteblicas com entidades da
sociedade civil E nada obsta que estejam previstas formas de articulaccedilatildeo da
sociedade civil com os Presidentes das Comissotildees da Cacircmara no seu Regimento
Interno em acircmbito municipal
Os dispositivos da Constituiccedilatildeo Federal que dispotildeem sobre a forma de
participaccedilatildeo direta do cidadatildeo e da sociedade civil no processo democraacutetico natildeo se
pode negar que trouxe novas perspectivas De modo geral podemos citar
Art 29 A lei orgacircnica dos Municiacutepios tem que observar entre os seus
preceitos ldquocooperaccedilatildeo das associaccedilotildees representativas no planejamento municipalrdquo
Art 31 As contas dos municiacutepios ficaratildeo durante 60 (sessenta) dias
anualmente a disposiccedilatildeo de qualquer contribuinte para exame e apreciaccedilatildeo o qual
poderaacute questionar-lhes a legitimidade nos termos da lei
Art37 sect 3ordm (EC-1998) A lei disciplinaraacute as formas de participaccedilatildeo do usuaacuterio
na administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta regulando especialmente
I- as reclamaccedilotildees relativas a prestaccedilatildeo dos serviccedilos puacuteblicos em geral asseguradas
a manutenccedilatildeo de serviccedilo de atendimento ao usuaacuterio e a avaliaccedilatildeo perioacutedica externa
e interna da qualidade dos serviccedilos
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II- o acesso dos usuaacuterios a registros administrativos e a informaccedilatildeo sobre atos de
governo observado o disposto no art 5ordm X e XXXIII
III- a disciplina da representaccedilatildeo conta o exerciacutecio negligente ou abusivo de cargo
emprego ou funccedilatildeo na administraccedilatildeo puacuteblica
Art 74 sect 2ordm Qualquer cidadatildeo partido poliacutetico associaccedilatildeo ou sindicato eacute
parte legiacutetima para na forma de lei denunciar irregularidades ou ilegalidades perante
o Tribunal de Contas da Uniatildeo
Art194 paraacutegrafo uacutenico Compete ao Poder Puacuteblico nos termos da lei
organizar a seguridade social com base nos seguintes objetivos ()
VII ndash caraacuteter democraacutetivo descentralizado na administraccedilatildeo mediante gestatildeo
quadripartite com participaccedilatildeo dos trabalhadores dos empregados e dos
aposentados e do Governo nos oacutergatildeos colegiados nos oacutergatildeos colegiados
Art 198 As accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede integram uma rede
regionalizada e hierarquizada o constituem um sistema uacutenico organizado de acordo
com as seguintes diretrizes
III ndash participaccedilatildeo da comunidade
Art 202 sect 6ordm A lei complementa a que se refere o sect 4ordm deste artigo
estabeleceraacute os requisitos para a designaccedilatildeo dos membros das diretorias das
entidades fechadas de previdecircncia privada e disciplinaraacute a inserccedilatildeo dos
participantes nos colegiados e instacircncias de decisatildeo em que seus interesses sejam
objeto de discussatildeo e deliberaccedilatildeo
Art 204 As accedilotildees governamentais na aacuterea de assistecircncia social seratildeo
organizadas com base nas seguintes diretrizes
II ndash Participaccedilatildeo da populaccedilatildeo por meio de organizaccedilotildees representativas na
formulaccedilatildeo das poliacuteticas e no controle das accedilotildees em todos os niacuteveis
O protagonista na concretizaccedilatildeo dos direitos humanos e na ampliaccedilatildeo da cidadania eacute um sujeito coletivo de um trabalho sempre inacabado eis que se tratam de tarefas e conquistas cotidianas e gradativas obras que soacute podem ser realizada a muitas matildeos no partilhar e compartilhar da vida (COSTA NETO 2010)
A ampliaccedilatildeo da cidadania requer a consciecircncia de que os direitos pressupotildeem
deveres de maneira que os direitos de um indiviacuteduo satildeo garantidos a partir do
cumprimento dos deveres dos demais componentes da sociedade
51
34 A necessaacuteria superaccedilatildeo de velhos paradigmas
Como se sabe em 1988 foi aprovada a Constituiccedilatildeo mais liberal e
democraacutetica do Brasil chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo Assim ampliou-se de
forma significativa o campo dos direitos e garantias fundamentais No que diz
respeito a tal mateacuteria eacute considerada como uma das mais avanccediladas do mundo No
seu preacircmbulo adota o modelo de um Estado democraacutetico de Direito destinado a
garantir o exerciacutecio dos direitos sociais e individuais a liberdade a seguranccedila o
bem-estar o desenvolvimento a igualdade e a justiccedila eleitos como valores
supremos de uma sociedade fraterna pluralista e sem preconceitos
Para a construccedilatildeo democraacutetica da cidadania no Brasil contemporacircneo
salienta-se de ela deve passar de uma democracia representativa para uma
cidadania que efetivamente molde a democracia ou seja uma cidadania instituinte
da democracia
No acircmbito constitucional positivo cidadania pressupotildee o exerciacutecio de todos
os direitos fundamentais e garantias que caracterizam o Estado democraacutetico de
Direito Quando se fala em cidadania eacute no sentido de reafirmar o direito pela plena
realizaccedilatildeo do indiviacuteduo do cidadatildeo dos entes coletivos e de sua emancipaccedilatildeo nos
espaccedilos da sociedade Estatildeo sempre intimamente ligados os conceitos de
cidadania democracia e direitos humanos sendo que um remete ao outro e seus
conteuacutedos se interligam ou seja a cidadania natildeo iraacute ocorrer sem que ocorra a
realizaccedilatildeo dos Direitos Humanos da mesma forma que os direitos humanos natildeo
seratildeo concretizados se natildeo houver o exerciacutecio da cidadania
Na evoluccedilatildeo histoacuterica tais categorias se desenvolveram de forma conjunta
com o Estado Representam noccedilotildees desejaacuteveis de relaccedilotildees humanas que se espera
sejam instituiacutedas Satildeo os elementos basilares na nova ordem social e que a
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 pretendeu edificar Poreacutem a democracia poliacutetica natildeo
resolveu os problemas econocircmicos mais seacuterios como a desigualdade e o
desemprego Continuam muito seacuterios os problemas da aacuterea social principalmente
na educaccedilatildeo nos serviccedilos de sauacutede e saneamento como tambeacutem e
principalmente quanto agrave seguranccedila puacuteblica
52
A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 em seu artigo 6ordm e em outros artigos no texto
constitucional ampliou e muito os Direitos Sociais proibiu discriminaccedilotildees Assim
indicadores baacutesicos de qualidade de vida apontam que houve uma melhoria A
mortalidade infantil por exemplo caiu de maneira significativa nos uacuteltimos anos A
esperanccedila de vida ao nascer passou de 60 anos em 1980 para 70 em 2000 Poreacutem
o maior progresso foi na aacuterea da educaccedilatildeo fundamental que eacute considerado fator
decisivo para a cidadania pois a taxa de analfabetismo caiu consideravelmente
entretanto existem muitos problemas no campo educacional como a repetecircncia e
com relaccedilatildeo a desigualdade social entre as regiotildees
A grande concentraccedilatildeo da riqueza nacional nas matildeos de poucos reflete a
desigualdade e causa a pobreza e a miseacuteria ao passo que dificulta o acesso do
cidadatildeo agrave justiccedila e consequentemente ao seu estado de cidadania pleno
Dentre os fundamentos no qual se baseiam o Estado democraacutetico de Direito
no Brasil destaca-se justamente a cidadania e a dignidade humana conforme artigo
1ordm incisos II e III da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Entatildeo construir uma sociedade
livre justa e solidaacuteria garantir o desenvolvimento nacional erradicar a pobreza e a
marginalizaccedilatildeo reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de
todos sem preconceitos de origem raccedila sexo cor idade ou quaisquer outras
formas de discriminaccedilatildeo satildeo os objetivos fundamentais do Estado Brasileiro
conforme art 3ordm da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
O cenaacuterio de globalizaccedilatildeo econocircmica mundial tambeacutem traacutes seacuterios obstaacuteculos
para a construccedilatildeo da cidadania A globalizaccedilatildeo da economia em ritmo acelerado
provoca grandes mudanccedilas nas relaccedilotildees entre Estado sociedade e naccedilatildeo que
eram sempre o centro da noccedilatildeo e da praacutetica da cidadania ocidental O foco das
mudanccedilas e das preocupaccedilotildees estaacute em dois focos especiacuteficos a reduccedilatildeo do papel
central do Estado como fonte de direitos e local para a participaccedilatildeo e o
deslocamento da naccedilatildeo como principal fonte de identidade coletiva
Para que ocorra efetiva mudanccedila a melhor proposta eacute no sentido de
mudanccedila na organizaccedilatildeo da sociedade pois a inversatildeo da sequecircncia dos direitos
fez com que ocorra o reforccedilo da supremacia do Estado Para que ocorra a
consolidaccedilatildeo democraacutetica e cidadatilde eacute necessaacuterio reforccedilar a organizaccedilatildeo da
sociedade para assim dar embasamento social ao poder poliacutetico ou seja
finalmente democratizar o poder e estabelecer de forma plena a Cidadania
53
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A Constituiccedilatildeo que nasce com ldquocheiro de amanhatilde e natildeo de mofordquo nas
palavras do Deputado Ulisses Guimaratildees tem em seu relevo a esperanccedila de um
povo que sonhava com a erradicaccedilatildeo da repressatildeo militar e natildeo soacute isso um povo
que sonhava com a liberdade em suas diversas manifestaccedilotildees em suas mais
significativas formas de representaccedilatildeo e sobretudo com um paiacutes voltado para a
democracia e justiccedila social
Ao povo brasileiro foi concedido o poder de governar e nesse contexto de
mudanccedila a ldquodemocracia eacute o governo do povo pelo povo e para o povordquo na
conceituaccedilatildeo ceacutelebre de Abraham Lincoln E consoante estabelece o paraacutegrafo
uacutenico do art 1ordm da Carta cidadatilde de 1988 ldquotodo poder emana do povo que o exerce
por meio de representantes eleitos ou diretamenterdquo
No entanto natildeo basta que a fonte de poder seja o povo a democracia vem
significar a efetiva participaccedilatildeo do povo nas decisotildees e destino do Estado e sua
consolidaccedilatildeo eacute a proacutepria cidadania pois eacute o cidadatildeo que pensa e se auto define
diante da condiccedilatildeo soacutecio-histoacuterica O cidadatildeo tem portanto o poder de transformar
a realidade social segundo seu pensamento e accedilatildeo
Natildeo se pode negar que a Carta de 1988 foi a que apresentou maior
legitimidade popular que abriu caminhos apontando um novo tempo
Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita Se fosse perfeita seria irreformaacutevel Ela proacutepria com humildade e realismo admite ser emendada ateacute por maioria mais acessiacutevel dentro de cinco anos Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita mas seraacute uacutetil e pioneira e desbravadora Seraacute luz ainda que de lamparina na noite dos desgraccedilados Eacute caminhando que se abrem os caminhos Ela vai caminhar e abri-los Seraacute redentor o que penetrar nos bolsotildees sujos escuros e ignorados da miseacuteria (Ulysses Guimaratildees)
Mesmo natildeo sendo a constituiccedilatildeo perfeita sem duacutevida foi a que trouxe
esperanccedila ao povo brasileiro com a sua promulgaccedilatildeo surgiram o ldquohaacutebeas datardquo o
mandado de injunccedilatildeo e o mandado de seguranccedila coletivo - todos remeacutedios judiciais
de iacutendoles constitucionais serviacuteveis para prevenir e combater diversas tentativas de
abuso contra a pessoa humana Outrossim o objeto da accedilatildeo popular foi ampliado
Atualmente qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima para propor a mencionada accedilatildeo
54
popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de entidade de que o
Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e ao patrimocircnio
histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de custas
judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia Nesse rol de forma decisiva houve a
ampliaccedilatildeo tambeacutem dos direitos sociais
Assim a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconhece e assegura uma seacuterie de
escudos protetivos aos cidadatildeos Em sua essecircncia os direitos fundamentais
ganham forma De modo que podemos assegurar que hoje o nosso Estado eacute uma
organizaccedilatildeo centrada no ser humano visto que tem a dignidade da pessoa humana
como um fundamento da Repuacuteblica Federativa do Brasil
Apesar das inuacutemeras dificuldades o Estado Democraacutetico de Direito fundado
na cidadania constituiu para o povo uma nova identidade ndash o que em outras eacutepocas
natildeo existia
A Constituiccedilatildeo circunscreve toda a organizaccedilatildeo poliacutetica estatal no intuito
maior de criar no consciente coletivo a vontade livre e determinada de desenvolver
padrotildees de condutas destinados a elevar e promover a auto-estima de toda a
comunidade paacutetria
Foi nesse sentido que estatui em seu artigo 1ordm a cidadania como fundamento
do Estado Democraacutetico de Direito ampliando e enriquecendo o tal conceito Cada
eacutepoca produziu praacuteticas e reflexotildees muito distintas sobre o tema cidadania A
definiccedilatildeo de cidadania que vem sofrendo alteraccedilotildees ao longo do tempo obedecendo
a um processo histoacuterico de conquistas sociais eacute compreendida atualmente como
um processo de participaccedilatildeo do indiviacuteduo ou de um grupo organizado nas mais
variadas aacutereas de atuaccedilatildeo da sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos
e sociais
A cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia disso natildeo haacute duvidas e se
efetiva como mudanccedilas na realidade de cada um com melhoria de vida e
conscientizaccedilatildeo da importacircncia do cidadatildeo dado que eacute um processo em
permanente construccedilatildeo Natildeo haacute como defender uma qualidade de vida sem a
preservaccedilatildeo da cidadania em todos os seus acircmbitos Nesse sentido a efetiva
proteccedilatildeo desse aspecto basilar torna-se essencial no que tange uma assistecircncia
juriacutedica completa
No contraponto do direito estatildeo os deveres que encontramos sua realizaccedilatildeo
tambeacutem na participaccedilatildeo observando que o cidadatildeo eacute responsaacutevel pelo advir de
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suas accedilotildees A participaccedilatildeo reflete um caraacuteter de natildeo comodismo de atenccedilatildeo agravequilo
que eacute particular e coletivo tendo como finalidade preciacutepua o bem comum
Construir cidadania hoje eacute imperativo para a sociedade pois dessa
construccedilatildeo depende o amanhatilde Estamos diante da Constituiccedilatildeo que se propotildee a
resguardar o amanhatilde sem perder de vista que ele comeccedila hoje agora e nisso a
Carta Poliacutetica traacutes consigo a certeza do despertar dessa consciecircncia a consciecircncia
cidadatilde Ela eacute a semente plantada em terra feacutertil que gera frutos diariamente e se
renova a cada estaccedilatildeo na dinacircmica da vida Talvez tenha sido esse o cheiro de
frutas alcanccedilado pelo constituinte ao anunciar que a carta tem ldquocheiro do amanhatilderdquo
A responsabilidade pelo exerciacutecio desses direitos belissimamente elencados
depende de todos e de cada um pois somos o terreno feacutertil que produziraacute o fruto de
uma sociedade fraterna
Eacute comum na praacutetica apenas responsabilizarmos o Estado em sentido lato pelo
natildeo exerciacutecio dos direitos do cidadatildeo Vale lembrar nesse contexto das palavras de
J Kennedy o qual disse ldquonatildeo pergunte o que o Estado pode fazer por vocecirc mas o
que vocecirc pode fazer pelo Estadordquo haacute nessa frase um forte traccedilo de cidadania pois
quando o cidadatildeo reivindica critica opina o que ele daacute em contrapartida ao paiacutes eacute
solidificado visto que eacute nas relaccedilotildees familiares em comunidade que se estabelece e
se fortalece os viacutenculos de solidariedade de uma sociedade que perpetua valores
condutas que as leis reguladoras natildeo conseguem por si soacute estabelecer
A concretizaccedilatildeo do ideal de uma qualidade de vida merecida a todos os seres
humanos sem restriccedilotildees requer entretanto um esforccedilo coletivo Dessa forma haacute
necessidade de suprir as muitas carecircncias advindas das desigualdades sociais e de
condiccedilotildees do descaso do poder puacuteblico e da proacutepria conceituaccedilatildeo antiga de
cidadania que ainda eacute concebida por muitos no presente
Em suma nosso trabalho procurou traccedilar a evoluccedilatildeo da cidadania e ao
mesmo tempo buscou traccedilar uma melhor caracterizaccedilatildeo do cidadatildeo agrave luz da nossa
Constituiccedilatildeo que eacute por fim a essecircncia da Magna Carta O alcance da cidadania
enquanto mecanismo de acesso a direitos foi colocado no acircmbito da pessoa
enquanto titular de direitos e num paralelo defendemos que o municiacutepio eacute o espaccedilo
de atuaccedilatildeo e exerciacutecio de cidadania dada a proximidade do cidadatildeo com as
instituiccedilotildees oacutergatildeos entidades e tudo o mais que o cerca na esfera de vivecircncia Eacute na
praccedila que discute a poliacutetica local e nacional que se indigna com as dificuldades e as
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barreiras de acesso aos seus direitos Eacute no municiacutepio que se inicia todo um vieacutes de
desdobramento para garantir direitos
Por fim natildeo obstante resta dizer sobre o tema que os caminhos e
paradigmas que se intentou percorrer sobre cidadania como mecanismo
transformador da sociedade tem ingrediente ainda a se descortinar para o
propoacutesito valioso do bem comum Pois bem a ideia de bem comum tem como
fundamento o amor maacutexima que se estabelece por meio da democracia visto que
ldquoa demofilia o demoiacutesmo o amor do povo acima de tudo como princiacutepio ativo de
toda a sua vida poliacutetica inspirador duma sempre crescente autonomia imanente eacute
que constitui a verdadeira essecircncia da democraciardquo nas palavras de Melgareacute
(2005)
Dessa forma eacute no nuacutecleo da democracia que estaacute inscrito como pedra
angular o respeito e o amor pela pessoa humana Eacute pois um tema de larga
abrangecircncia poreacutem sem querer abreviar o caminho sua efetiva possibilidade de
realizaccedilatildeo se encontra no exerciacutecio da cidadania sem repuacutedios parciais ou exclusatildeo
de qualquer ordem na plenitude de uma cidadania para todos
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REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
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A Constituiccedilatildeo quando eacute justa e legiacutetima e principalmente quando eacute
respeitada eacute um poderoso instrumento de promoccedilatildeo e desenvolvimento social e
humano
Outro fator que deve ser considerado eacute a miserabilidade que coloca inuacutemeros
brasileiros a margem da sociedade em situaccedilatildeo precaacuteria os quais para Pinsky
(2004) ldquodesprovidos de esperanccedila de projeto de qualquer perspectiva de inclusatildeo
[] recorrer agrave Justiccedila humana parece algo irrealizaacutevel sofisticado e inteiramente
ficcionalrdquo
Desta forma o primeiro passo para concretizar os direitos previstos
constitucionalmente eacute a formaccedilatildeo do cidadatildeo atraveacutes da Educaccedilatildeo Baacutesica
infundindo-lhe a consciecircncia dos seus direitos e tambeacutem dos seus deveres sociais
bem como dos valores humanos fundamentais que devem ser por todos respeitados
na vida em sociedade A universalizaccedilatildeo do ensino fundamental a oferta obrigatoacuteria
de educaccedilatildeo infantil pelo Estado e o crescimento da oferta do ensino meacutedio satildeo
alguns dos aspectos que merecem destaques e foi devido agrave determinaccedilatildeo
constitucional de estabelecer o caraacuteter obrigatoacuterio do ensino fundamental e de
responsabilizar o Estado por sua implementaccedilatildeo que tem iniacutecio o processo de
avanccedilo desse segmento
A Constituiccedilatildeo estabeleceu de forma mais clara o papel dos entes federados
na educaccedilatildeo Tambeacutem aumentou a participaccedilatildeo orccedilamentaacuteria destinada ao setor
Com as novas regras para distribuiccedilatildeo de recursos adotadas apoacutes a promulgaccedilatildeo
da Carta os municiacutepios voltam a interessar-se pela educaccedilatildeo fundamental e o paiacutes
atinge a universalizaccedilatildeo do setor o que se busca agora satildeo mecanismos para
garantir a qualidade no ensino
O segundo passo nessa dinacircmica eacute o oferecimento a todos os cidadatildeos de
condiccedilotildees miacutenimas de sobrevivecircncia e de existecircncia condignas atraveacutes do acesso
ao trabalho produtivo livremente escolhido e do pagamento de remuneraccedilatildeo capaz
de prover ao sustento do trabalhador e de sua famiacutelia
Para milhotildees de cidadatildeos que vivem na ignoracircncia e na miseacuteria nenhuma
utilidade ou eficaacutecia tecircm os inuacutemeros direitos constitucionalmente assegurados Para
aqueles que se habituaram a retirar proventos da mendicacircncia da prostituiccedilatildeo de
atividades iliacutecitas ou aqueles que se sentiram forccedilados a sujeitar-se agrave exploraccedilatildeo de
outrem para sobreviver natildeo haacute nenhuma crenccedila na dignidade da pessoa humana e
no valor social do trabalho
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A pobreza engendra inuacutemeras relaccedilotildees de dominaccedilatildeo entre pessoas e entre grupos sociais As habitaccedilotildees subumanas da periferia das grandes cidades no Brasil constituem verdadeiros quistos sociais terras sem lei controladas por xerifes ou por quadrilhas de malfeitores O Estado que natildeo for capaz de dotar essas comunidades do acesso efetivo agrave Educaccedilatildeo agrave Sauacutede agrave Seguranccedila e agrave Paz Puacuteblicas e ao trabalho liacutecito certamente natildeo lhes estaraacute assegurando o acesso ao Direito porque a populaccedilatildeo abrutalhada pela miseacuteria e coagida pelo medo natildeo desfruta da miacutenima eficaacutecia concreta dos
seus direitos fundamentais (GRECO 2009)
Evidencia que acesso ao Direito nas sociedades modernas mesmo nas
economicamente desenvolvidas exige o fortalecimento dos grupos intermediaacuterios e
do associativismo O cidadatildeo natildeo estaacute mais em condiccedilotildees de defender-se
individualmente das ameaccedilas e lesotildees aos seus direitos perpetradas por pessoas ou
grupos que se encontram em posiccedilatildeo de vantagem nas relaccedilotildees econocircmicas e
sociais
O sindicato veio exercer este importante papel em relaccedilatildeo ao trabalhador
empregado Mas hoje as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo natildeo satildeo apenas as que existem no
mundo do trabalho mas as que se revelam em todos os tipos de relaccedilotildees humanas
relaccedilotildees de consumo relaccedilotildees de vizinhanccedila relaccedilotildees locatiacutecias relaccedilotildees
comerciais internas e internacionais e natildeo com menor relevacircncia relaccedilotildees entre os
particulares e o Estado entre outras
Eacute preciso assegurar esse equiliacutebrio na praacutetica o que somente tornar-se-aacute
possiacutevel atraveacutes da articulaccedilatildeo dos sujeitos que se encontram em posiccedilatildeo de
desvantagem em organizaccedilotildees e associaccedilotildees que pela uniatildeo de esforccedilos
consigam compensar o desequiliacutebrio existente e dar aos indiviacuteduos e grupos a forccedila
e a capa de proteccedilatildeo necessaacuterias para ombrearem-se aos seus adversaacuterios e
lutarem pelos seus direitos ou interesses em igualdade de condiccedilotildees
Para Greco (2009) o pressuposto indispensaacutevel do acesso ao Direito eacute a
transparecircncia do Estado no trato de questotildees que possam afetar a esfera de
interesses dos cidadatildeos e complementa que aos cidadatildeos eacute indispensaacutevel
assegurar o direito de influir eficazmente nas decisotildees do poder puacuteblico atraveacutes dos
mais diversos instrumentos de participaccedilatildeo democraacutetica Ele afirma que
A relaccedilatildeo Estado-cidadatildeo natildeo eacute mais a relaccedilatildeo soberano-suacutedito O cidadatildeo tem o direito de exigir do Estado o pleno respeito ao seu
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patrimocircnio juriacutedico Lamentavelmente a crise do Estado tem levado o Brasil a aceitar-se como normal que as pessoas juriacutedicas de Direito Puacuteblico natildeo cumpram devidamente as prestaccedilotildees positivas de que satildeo devedoras perante os particulares cabendo a estes demandar na Justiccedila para obtecirc-las (GRECO 2009)
Essa visatildeo deformada da responsabilidade do Estado ocorre o
desvirtuamento da justiccedila Por outro lado agrave violaccedilatildeo da garantia constitucional da
tutela jurisdicional efetiva (Constituiccedilatildeo artigo 5 inciso XXXV) disciplina a lei natildeo
excluiraacute da apreciaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio lesatildeo ou ameaccedila ao direito Assim o
acesso ao Direito natildeo estaraacute concretamente assegurado se o Estado natildeo oferecer a
todo cidadatildeo a possibilidade de receber aconselhamento juriacutedico a respeito dos seus
direitos
Constituiccedilatildeo de 1988 no artigo 5deg inciso LXXIV assegurou a todos
ldquoassistecircncia juriacutedicardquo a englobar assistecircncia judiciaacuteria e assessoramento juriacutedico
extrajudicial Conforme Greco (2009) ldquoeacute preciso que esse direito seja assegurado
na praacutetica Uma vez que na vida moderna o Direito tornou-se excessivamente
complexordquo Ainda no dizer do autor a consciecircncia juriacutedica do homem comum que
deve ser adquirida na famiacutelia e na escola natildeo eacute mais suficiente para a tomada de
decisotildees na vida diaacuteria das pessoas Todas as pessoas mantecircm complexas relaccedilotildees
juriacutedicas com instituiccedilotildees financeiras com fornecedores de bens e de serviccedilos etc
Nessas relaccedilotildees juriacutedicas com frequecircncia os cidadatildeos tecircm de tomar decisotildees
raacutepidas O cidadatildeo que tem meios procura um advogado particular para assessoraacute-
lo Ao pobre o Estado deve assegurar o mesmo direito em plenitude
Sem duacutevida o uacuteltimo pressuposto do acesso ao Direito eacute o acesso agrave Justiccedila
no sentido de acesso a um tribunal estatal imparcial previamente instituiacutedo como
competente para a soluccedilatildeo de qualquer litiacutegio a respeito de interesse que se afirme
juridicamente protegido ou para a praacutetica de qualquer ato que a lei subordine agrave
aprovaccedilatildeo autorizaccedilatildeo ou homologaccedilatildeo judicial
Se o cidadatildeo tem consciecircncia dos seus direitos se o Estado lhe fornece
todas as condiccedilotildees para livremente exercecirc-los mas algum outro cidadatildeo ou algum
oacutergatildeo do proacuteprio Estado impede ou dificulta esse exerciacutecio cabe ao poder puacuteblico
pocircr agrave disposiccedilatildeo do cidadatildeo lesionado ou ameaccedilado a jurisdiccedilatildeo necessaacuteria para
assegurar o pleno acesso a tal direito
Atingimos eacute certo um estaacutegio de desenvolvimento do Direito Humanitaacuterio que
natildeo mais nos permite conformar-nos com uma realidade distante do padratildeo de
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convivecircncia humana que outras naccedilotildees jaacute alcanccedilaram O exerciacutecio pleno de
cidadania seraacute obra de mais de uma geraccedilatildeo Mas se trabalharmos com firmeza
certamente os jovens de hoje poderatildeo legar aos seus descendentes a emancipaccedilatildeo
cidadatilde um paiacutes melhor e uma sociedade mais justa e democraacutetica
33 O municiacutepio como acircmbito de exerciacutecio de cidadania
Historicamente o Municiacutepio enquanto unidade poliacutetico-administrativa surgiu
conforme descreve Berardi (2004) com a Repuacuteblica Romana interessada em
manter a dominaccedilatildeo paciacutefica das cidades conquistadas pela forccedila dos exeacutercitos
Sua origem mais de natureza socioloacutegica do que poliacutetica adveacutem do espiacuterito
associativo do homem e de suas relaccedilotildees de vizinhanccedila
Eacute pois a menor unidade territorial de Federaccedilatildeo cuja criaccedilatildeo reflete a base
da organizaccedilatildeo poliacutetica administrativa da Naccedilatildeo Portanto sua funccedilatildeo administrativa
historicamente vem assentada no princiacutepio do direito natural
O artigo primeiro da Constituiccedilatildeo Federal de 1998 estabelece que o
Municiacutepio ao lado dos Estados e do Distrito Federal formam a Republica Federativa
do Brasil que se constitui em Estado Democraacutetico de Direito O municiacutepio tem assim
um poder relevante para a aplicaccedilatildeo da democracia direta iniciada e fortalecida em
niacutevel local Diversos pensadores chegaram a afirmar que a descentralizaccedilatildeo de
poder resultante da constituiccedilatildeo Cidadatilde era antes de tudo uma conquista dos
Municiacutepios sendo eles os berccedilos da perpetuaccedilatildeo da Repuacuteblica e da Democracia
efetivamente por serem o uacutenico niacutevel de governo possuidores de respaldo e
localizaccedilatildeo fiacutesica ou seja solo municipal
Eacute certo que a Carta Magna de 1988 consolidou significativas inovaccedilotildees para a
vida municipal de forma que o Municiacutepio passou a constituir um dos entes da
federaccedilatildeo tratando-o como unidade dotada de autonomia poliacutetica expressa na
capacidade de poder elaborar a sua Lei Orgacircnica fugindo assim da tutela dos
estados que ateacute entatildeo eram considerados como uacutenicos componentes da federaccedilatildeo
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A Lei Orgacircnica Municipal traz em seu bojo aleacutem da organizaccedilatildeo
administrativa do Municiacutepio a restauraccedilatildeo do Poder Legislativo municipal definindo
a diversificaccedilatildeo normativa que natildeo existia nas leis organizacionais outorgadas pelo
Estado reflexo do poder constituinte outorgados aos Municiacutepios pela Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 como consequecircncia do efetivo exerciacutecio do conceito de Estado
Democraacutetico de Direito
O Municiacutepio enquanto ente federativo tem atualmente a responsabilidade de
ordenar o seu desenvolvimento social e a garantia do bem estar de seus habitantes
executando poliacuteticas puacuteblicas de accedilotildees a serem empreendidas na consolidaccedilatildeo
democraacutetica do Estado
Fundada no elemento participaccedilatildeo o exerciacutecio de cidadania amplamente
citado encontra sua efetividade no municiacutepio Pois eacute nesse acircmbito de localizaccedilatildeo
que as pessoas mantecircm um contato direto com os poderes instituiacutedos suas
necessidades imediatas e mediatas satildeo objetos da disciplina da Lei que visa o bem
comum base do Estado democraacutetico de Direito
Baseado na maacutexima do municipalista e defensor da descentralizaccedilatildeo poliacutetica
Franco Motoro sabiamente proferiu que ldquoningueacutem vive na Uniatildeo ou no Estado As
pessoas vivem no Municiacutepiordquo Assim a cidadania encontra seu melhor espaccedilo de
realizaccedilatildeo na comunidade onde convive A vida em comunidade gera anseios
comuns sentimentos comuns uma vez que a convivecircncia propicia que as pessoas
se conheccedilam e se reconheccedilam como membros de uma mesma realidade
De acordo com Harvey (1992) ldquoa globalizaccedilatildeo provoca anonimato enquanto
comunidade cultiva solidariedaderdquo o que implica participaccedilatildeo para o exerciacutecio de
cidadania
Tudo o que acontece no mundo seja no meu paiacutes na minha cidade ou no meu bairro acontece comigo Entatildeo eu preciso participar das decisotildees que interferem na minha vida Um cidadatildeo com um sentimento eacutetico forte e consciecircncia da cidadania natildeo deixa passar nada natildeo abre matildeo desse poder de participaccedilatildeo (Herbert de Souza Betinho)
Com esse embasamento natildeo se pode perder de vista que eacute nas relaccedilotildees
diaacuterias de oposiccedilatildeo ou solidariedade que as pessoas exercem cidadania Na relaccedilatildeo
do com o outro com os poderes ao estabelecer com a vida social e puacuteblica uma
46
convivecircncia posto que cidadania eacute tarefa que natildeo termina natildeo eacute um conceito
pronto tatildeo pouco acabado enquanto seres inacabados que somos estaremos
buscando descobrindo criando e tomando consciecircncia mais ampla dos direitos
O desafio eacute construir um novo discurso sobre cidadania atraveacutes de uma
praacutetica poliacutetica sustentada isto eacute realizada em dois niacuteveis
O primeiro niacutevel na base atraveacutes de construccedilatildeo das capacidades e do poder
proacuteprio da populaccedilatildeo o que envolve inevitavelmente uma mudanccedila de atitude na
busca para garantir seus direitos utilizando-se do grau de autonomia local
Essa atitude conceberia agrave democracia participativa como uma poliacutetica paralela
de intervenccedilatildeo social criando e mantendo novos espaccedilos para a tomada de
decisotildees ou seja para o auto-governo pela populaccedilatildeo nas mateacuterias que afetam
diretamente suas vidas
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade
O segundo niacutevel um governo com o povo e natildeo apenas para o povo fundado
nos ditames constitucionais valorizando o sentimento da sociedade no exerciacutecio da
governabilidade de modo que o balizamento das accedilotildees de governo deixaria de estar
no proacuteprio governo e passaria a estabelecer-se a partir do pensar da sociedade Um
governo que se pergunta o que se deve fazer para ouvir com a maior fidelidade
possiacutevel a sociedade suas instituiccedilotildees representativas e o cidadatildeo Pois as
prioridades da gestatildeo deveriam ser definidas pela sociedade e natildeo mais pelo
governo
Portanto nesses termos eacute preciso considerar que as praacuteticas da
administraccedilatildeo puacuteblica sejam democratizadoras e inclusivas inspiradas nos
princiacutepios da legalidade impessoalidade moralidade publicidade e eficiecircncia Esta
uacuteltima buscou estabelecer uma Administraccedilatildeo Puacuteblica mais eficiente no sentido de
que o cidadatildeo como destinataacuterio dos serviccedilos puacuteblicos que o Estado deve prestar
receba-os com maior qualidade e menor custo para o eraacuterio puacuteblico
Para a consecuccedilatildeo desse governar com o povo alguns pontos devem ser
revistos A mudanccedila implica na necessidade de adequaccedilatildeo reorganizaccedilatildeo
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reformulaccedilatildeo Para isso se faz premente em face dos novos e modernos conceitos
de gestatildeo puacuteblica a superaccedilatildeo do tradicional vezo burocraacutetico que vem convertendo
a Administraccedilatildeo nas palavras Dromi (1995) numa cara ldquomaacutequina de impedirrdquo fiel
ldquocoacutedigo do fracassordquo que dispotildee ldquoartigo primeiro natildeo pode artigo segundo em
caso de duacutevida abstenha-se artigo terceiro se eacute urgente espere artigo quarto
sempre eacute mais prudente natildeo fazer nadardquo numa posiccedilatildeo natildeo burocraacutetica e sim
democraacutetica de considerar que organizaccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica inclui a
praacutetica de ver os cidadatildeos como membros plenos da comunidade poliacutetica tendo
acesso e exercitando direitos as que promovem a organizaccedilatildeo da populaccedilatildeo em
torno de temas de interesse comum as que incluem o controle social sobre a
gestatildeo o debate amplo e informado sobre questotildees de governo e que abrem agrave
populaccedilatildeo as decisotildees sobre estas questotildees Como leciona e Barrientos (2000)
Tratam-se de praacuteticas que natildeo buscam somente melhorar a eficiecircncia administrativa das diferentes organizaccedilotildees puacuteblicas mas que incorporam no seu processo de gestatildeo a dimensatildeo ativa da cidadania isto eacute ldquoque facilitam as iniciativas e responsabilidades de todos os envolvidos[] estabelecendo pontes entre Estado e sociedade civil
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade Acreditamos
que o ponto de partida eacute a atitude aliada agrave solidariedade e ao espiacuterito coletivo Pois
governo e cidadatildeos juntos haveratildeo de cumprir um novo papel no processo de
desenvolvimento como agentes de uma nova cultura
Como afirma Peter Drucke
A parceria comunitaacuteria seraacute um dos verdadeiros setores em crescimento das economias desenvolvidas Surge da necessidade de uma participaccedilatildeo mais direta e efetiva da comunidade nas grandes questotildees da vida social pois natildeo existe ningueacutem melhor que o cidadatildeo para saber o que ele quer para si para sua famiacutelia e para sua comunidade (apud RAMOS 1990)
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O envolvimento efetivo da sociedade nas questotildees sociais natildeo eacute apenas uma
postura moderna Significa antes de tudo uma atitude digna de todos aqueles que
desejam exercer sua cidadania contribuindo para um paiacutes melhor e em especial
para uma sociedade mais justa fraterna e solidaacuteria
Na histoacuteria observa-se a grande coragem das pessoas em construir o
reconhecimento delas proacuteprias e de seus direitos sempre buscando a participaccedilatildeo e
defendendo os Direitos Humanos Sem duacutevida a maior ecircnfase que deve ocorrer
para a construccedilatildeo real da cidadania eacute uma mudanccedila na sociedade O melhor a ser
feito eacute reforccedilar a organizaccedilatildeo democraacutetica buscando novas formas de participaccedilatildeo
social pois cidadania natildeo se resume ao poder de votar ou ser votado mas eacute sempre
na efetiva participaccedilatildeo popular pois somente com isso haacute a verdadeira
conscientizaccedilatildeo e o comprometimento daquele que passa a se sentir cidadatildeo
abandonando-se velhos viacutecios da poliacutetica representativa
Desse modo a participaccedilatildeo do povo no momento das reivindicaccedilotildees das
discussotildees e apreciaccedilotildees de projetos que visem agrave melhoria da comunidade local a
exigecircncia de transparecircncia na administraccedilatildeo da coisa puacuteblica dentre outras eacute quem
daraacute embasamento para as verdadeiras conquistas sociais no Municiacutepio que geram
saudaacuteveis formas de pressatildeo por efetivas poliacuteticas puacuteblicas de inclusatildeo social
gerando o fim do clientelismo poliacutetico tatildeo pejorativo e comum em nossa realidade e
cultura poliacutetica
Somente a participaccedilatildeo social eacute que iraacute causar uma real democratizaccedilatildeo do
poder A afirmaccedilatildeo da cidadania eacute pressuposto para a realizaccedilatildeo dos Direitos
Humanos pois os homens natildeo nascem naturalmente iguais Inclusive para que
ocorra a realizaccedilatildeo dos referidos direitos eacute necessaacuterio tambeacutem que exista um
espaccedilo puacuteblico que seja realmente democraacutetico e acessiacutevel possibilitando a
participaccedilatildeo de todos e esse espaccedilo eacute certamente o municiacutepio
Na praacutetica um forte instrumento de cidadania para atender as necessidades
coletivas eacute o orccedilamento participativo previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal que
determina expressamente a realizaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas e a participaccedilatildeo
popular nos processos de elaboraccedilatildeo e conduccedilatildeo dos orccedilamentos como forma de
incentivo agrave preparaccedilatildeo e execuccedilatildeo de planejamentos que envolvam diretamente o
povo A Lei veio incentivar a sua propagaccedilatildeo para todos os entes federativos tendo
em conta que se trata de uma tendecircncia mundial por legitimar as escolhas e
fortalecer o princiacutepio da transparecircncia
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Os meios de acesso do cidadatildeo junto aos Poderes Puacuteblicos eacute uma realidade
no Estado Democraacutetico de Direito brasileiro a exemplo das sessotildees do Poder
Legislativo que satildeo puacuteblicas ficando abertas a todos que delas quiserem participar
Emite-se uma pauta antes do comeccedilo da sessatildeo com a preacutevia dos debates Em
niacutevel municipal verifica-se um acompanhamento mais incisivo sobre as sessotildees das
Cacircmaras de Vereadores como forma de pressatildeo para aprovaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees
da comunidade avaliaccedilatildeo do desempenho e aceitaccedilatildeo de propostas orccedilamentaacuterias
e atuaccedilatildeo dos poliacuteticos bem como entendimento das funccedilotildees do Poder Legislativo
A Constituiccedilatildeo Federal assegura desde 1988 a possibilidade de se oferecer
peticcedilatildeo agraves Mesas Legislativas como forma de pedir informaccedilotildees sobre andamento
de projetos ou relatoacuterios encaminhados aos chefes do Poder Executivo Em niacutevel
municipal pode ser utilizada a Tribuna Livre como instrumento para denuacutencias de
problemas ou discussatildeo de um tema ou mesmo para apresentar sugestotildees sendo
regulado pela Lei Orgacircnica Municipal e pelo Regimento Interno da Cacircmara
A convocaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas tambeacutem possui previsatildeo constitucional
no art 58 sect 20 inciso II em niacutevel federal As comissotildees podem em razatildeo da
mateacuteria de sua competecircncia realizar audiecircncias puacuteblicas com entidades da
sociedade civil E nada obsta que estejam previstas formas de articulaccedilatildeo da
sociedade civil com os Presidentes das Comissotildees da Cacircmara no seu Regimento
Interno em acircmbito municipal
Os dispositivos da Constituiccedilatildeo Federal que dispotildeem sobre a forma de
participaccedilatildeo direta do cidadatildeo e da sociedade civil no processo democraacutetico natildeo se
pode negar que trouxe novas perspectivas De modo geral podemos citar
Art 29 A lei orgacircnica dos Municiacutepios tem que observar entre os seus
preceitos ldquocooperaccedilatildeo das associaccedilotildees representativas no planejamento municipalrdquo
Art 31 As contas dos municiacutepios ficaratildeo durante 60 (sessenta) dias
anualmente a disposiccedilatildeo de qualquer contribuinte para exame e apreciaccedilatildeo o qual
poderaacute questionar-lhes a legitimidade nos termos da lei
Art37 sect 3ordm (EC-1998) A lei disciplinaraacute as formas de participaccedilatildeo do usuaacuterio
na administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta regulando especialmente
I- as reclamaccedilotildees relativas a prestaccedilatildeo dos serviccedilos puacuteblicos em geral asseguradas
a manutenccedilatildeo de serviccedilo de atendimento ao usuaacuterio e a avaliaccedilatildeo perioacutedica externa
e interna da qualidade dos serviccedilos
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II- o acesso dos usuaacuterios a registros administrativos e a informaccedilatildeo sobre atos de
governo observado o disposto no art 5ordm X e XXXIII
III- a disciplina da representaccedilatildeo conta o exerciacutecio negligente ou abusivo de cargo
emprego ou funccedilatildeo na administraccedilatildeo puacuteblica
Art 74 sect 2ordm Qualquer cidadatildeo partido poliacutetico associaccedilatildeo ou sindicato eacute
parte legiacutetima para na forma de lei denunciar irregularidades ou ilegalidades perante
o Tribunal de Contas da Uniatildeo
Art194 paraacutegrafo uacutenico Compete ao Poder Puacuteblico nos termos da lei
organizar a seguridade social com base nos seguintes objetivos ()
VII ndash caraacuteter democraacutetivo descentralizado na administraccedilatildeo mediante gestatildeo
quadripartite com participaccedilatildeo dos trabalhadores dos empregados e dos
aposentados e do Governo nos oacutergatildeos colegiados nos oacutergatildeos colegiados
Art 198 As accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede integram uma rede
regionalizada e hierarquizada o constituem um sistema uacutenico organizado de acordo
com as seguintes diretrizes
III ndash participaccedilatildeo da comunidade
Art 202 sect 6ordm A lei complementa a que se refere o sect 4ordm deste artigo
estabeleceraacute os requisitos para a designaccedilatildeo dos membros das diretorias das
entidades fechadas de previdecircncia privada e disciplinaraacute a inserccedilatildeo dos
participantes nos colegiados e instacircncias de decisatildeo em que seus interesses sejam
objeto de discussatildeo e deliberaccedilatildeo
Art 204 As accedilotildees governamentais na aacuterea de assistecircncia social seratildeo
organizadas com base nas seguintes diretrizes
II ndash Participaccedilatildeo da populaccedilatildeo por meio de organizaccedilotildees representativas na
formulaccedilatildeo das poliacuteticas e no controle das accedilotildees em todos os niacuteveis
O protagonista na concretizaccedilatildeo dos direitos humanos e na ampliaccedilatildeo da cidadania eacute um sujeito coletivo de um trabalho sempre inacabado eis que se tratam de tarefas e conquistas cotidianas e gradativas obras que soacute podem ser realizada a muitas matildeos no partilhar e compartilhar da vida (COSTA NETO 2010)
A ampliaccedilatildeo da cidadania requer a consciecircncia de que os direitos pressupotildeem
deveres de maneira que os direitos de um indiviacuteduo satildeo garantidos a partir do
cumprimento dos deveres dos demais componentes da sociedade
51
34 A necessaacuteria superaccedilatildeo de velhos paradigmas
Como se sabe em 1988 foi aprovada a Constituiccedilatildeo mais liberal e
democraacutetica do Brasil chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo Assim ampliou-se de
forma significativa o campo dos direitos e garantias fundamentais No que diz
respeito a tal mateacuteria eacute considerada como uma das mais avanccediladas do mundo No
seu preacircmbulo adota o modelo de um Estado democraacutetico de Direito destinado a
garantir o exerciacutecio dos direitos sociais e individuais a liberdade a seguranccedila o
bem-estar o desenvolvimento a igualdade e a justiccedila eleitos como valores
supremos de uma sociedade fraterna pluralista e sem preconceitos
Para a construccedilatildeo democraacutetica da cidadania no Brasil contemporacircneo
salienta-se de ela deve passar de uma democracia representativa para uma
cidadania que efetivamente molde a democracia ou seja uma cidadania instituinte
da democracia
No acircmbito constitucional positivo cidadania pressupotildee o exerciacutecio de todos
os direitos fundamentais e garantias que caracterizam o Estado democraacutetico de
Direito Quando se fala em cidadania eacute no sentido de reafirmar o direito pela plena
realizaccedilatildeo do indiviacuteduo do cidadatildeo dos entes coletivos e de sua emancipaccedilatildeo nos
espaccedilos da sociedade Estatildeo sempre intimamente ligados os conceitos de
cidadania democracia e direitos humanos sendo que um remete ao outro e seus
conteuacutedos se interligam ou seja a cidadania natildeo iraacute ocorrer sem que ocorra a
realizaccedilatildeo dos Direitos Humanos da mesma forma que os direitos humanos natildeo
seratildeo concretizados se natildeo houver o exerciacutecio da cidadania
Na evoluccedilatildeo histoacuterica tais categorias se desenvolveram de forma conjunta
com o Estado Representam noccedilotildees desejaacuteveis de relaccedilotildees humanas que se espera
sejam instituiacutedas Satildeo os elementos basilares na nova ordem social e que a
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 pretendeu edificar Poreacutem a democracia poliacutetica natildeo
resolveu os problemas econocircmicos mais seacuterios como a desigualdade e o
desemprego Continuam muito seacuterios os problemas da aacuterea social principalmente
na educaccedilatildeo nos serviccedilos de sauacutede e saneamento como tambeacutem e
principalmente quanto agrave seguranccedila puacuteblica
52
A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 em seu artigo 6ordm e em outros artigos no texto
constitucional ampliou e muito os Direitos Sociais proibiu discriminaccedilotildees Assim
indicadores baacutesicos de qualidade de vida apontam que houve uma melhoria A
mortalidade infantil por exemplo caiu de maneira significativa nos uacuteltimos anos A
esperanccedila de vida ao nascer passou de 60 anos em 1980 para 70 em 2000 Poreacutem
o maior progresso foi na aacuterea da educaccedilatildeo fundamental que eacute considerado fator
decisivo para a cidadania pois a taxa de analfabetismo caiu consideravelmente
entretanto existem muitos problemas no campo educacional como a repetecircncia e
com relaccedilatildeo a desigualdade social entre as regiotildees
A grande concentraccedilatildeo da riqueza nacional nas matildeos de poucos reflete a
desigualdade e causa a pobreza e a miseacuteria ao passo que dificulta o acesso do
cidadatildeo agrave justiccedila e consequentemente ao seu estado de cidadania pleno
Dentre os fundamentos no qual se baseiam o Estado democraacutetico de Direito
no Brasil destaca-se justamente a cidadania e a dignidade humana conforme artigo
1ordm incisos II e III da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Entatildeo construir uma sociedade
livre justa e solidaacuteria garantir o desenvolvimento nacional erradicar a pobreza e a
marginalizaccedilatildeo reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de
todos sem preconceitos de origem raccedila sexo cor idade ou quaisquer outras
formas de discriminaccedilatildeo satildeo os objetivos fundamentais do Estado Brasileiro
conforme art 3ordm da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
O cenaacuterio de globalizaccedilatildeo econocircmica mundial tambeacutem traacutes seacuterios obstaacuteculos
para a construccedilatildeo da cidadania A globalizaccedilatildeo da economia em ritmo acelerado
provoca grandes mudanccedilas nas relaccedilotildees entre Estado sociedade e naccedilatildeo que
eram sempre o centro da noccedilatildeo e da praacutetica da cidadania ocidental O foco das
mudanccedilas e das preocupaccedilotildees estaacute em dois focos especiacuteficos a reduccedilatildeo do papel
central do Estado como fonte de direitos e local para a participaccedilatildeo e o
deslocamento da naccedilatildeo como principal fonte de identidade coletiva
Para que ocorra efetiva mudanccedila a melhor proposta eacute no sentido de
mudanccedila na organizaccedilatildeo da sociedade pois a inversatildeo da sequecircncia dos direitos
fez com que ocorra o reforccedilo da supremacia do Estado Para que ocorra a
consolidaccedilatildeo democraacutetica e cidadatilde eacute necessaacuterio reforccedilar a organizaccedilatildeo da
sociedade para assim dar embasamento social ao poder poliacutetico ou seja
finalmente democratizar o poder e estabelecer de forma plena a Cidadania
53
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A Constituiccedilatildeo que nasce com ldquocheiro de amanhatilde e natildeo de mofordquo nas
palavras do Deputado Ulisses Guimaratildees tem em seu relevo a esperanccedila de um
povo que sonhava com a erradicaccedilatildeo da repressatildeo militar e natildeo soacute isso um povo
que sonhava com a liberdade em suas diversas manifestaccedilotildees em suas mais
significativas formas de representaccedilatildeo e sobretudo com um paiacutes voltado para a
democracia e justiccedila social
Ao povo brasileiro foi concedido o poder de governar e nesse contexto de
mudanccedila a ldquodemocracia eacute o governo do povo pelo povo e para o povordquo na
conceituaccedilatildeo ceacutelebre de Abraham Lincoln E consoante estabelece o paraacutegrafo
uacutenico do art 1ordm da Carta cidadatilde de 1988 ldquotodo poder emana do povo que o exerce
por meio de representantes eleitos ou diretamenterdquo
No entanto natildeo basta que a fonte de poder seja o povo a democracia vem
significar a efetiva participaccedilatildeo do povo nas decisotildees e destino do Estado e sua
consolidaccedilatildeo eacute a proacutepria cidadania pois eacute o cidadatildeo que pensa e se auto define
diante da condiccedilatildeo soacutecio-histoacuterica O cidadatildeo tem portanto o poder de transformar
a realidade social segundo seu pensamento e accedilatildeo
Natildeo se pode negar que a Carta de 1988 foi a que apresentou maior
legitimidade popular que abriu caminhos apontando um novo tempo
Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita Se fosse perfeita seria irreformaacutevel Ela proacutepria com humildade e realismo admite ser emendada ateacute por maioria mais acessiacutevel dentro de cinco anos Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita mas seraacute uacutetil e pioneira e desbravadora Seraacute luz ainda que de lamparina na noite dos desgraccedilados Eacute caminhando que se abrem os caminhos Ela vai caminhar e abri-los Seraacute redentor o que penetrar nos bolsotildees sujos escuros e ignorados da miseacuteria (Ulysses Guimaratildees)
Mesmo natildeo sendo a constituiccedilatildeo perfeita sem duacutevida foi a que trouxe
esperanccedila ao povo brasileiro com a sua promulgaccedilatildeo surgiram o ldquohaacutebeas datardquo o
mandado de injunccedilatildeo e o mandado de seguranccedila coletivo - todos remeacutedios judiciais
de iacutendoles constitucionais serviacuteveis para prevenir e combater diversas tentativas de
abuso contra a pessoa humana Outrossim o objeto da accedilatildeo popular foi ampliado
Atualmente qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima para propor a mencionada accedilatildeo
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popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de entidade de que o
Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e ao patrimocircnio
histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de custas
judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia Nesse rol de forma decisiva houve a
ampliaccedilatildeo tambeacutem dos direitos sociais
Assim a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconhece e assegura uma seacuterie de
escudos protetivos aos cidadatildeos Em sua essecircncia os direitos fundamentais
ganham forma De modo que podemos assegurar que hoje o nosso Estado eacute uma
organizaccedilatildeo centrada no ser humano visto que tem a dignidade da pessoa humana
como um fundamento da Repuacuteblica Federativa do Brasil
Apesar das inuacutemeras dificuldades o Estado Democraacutetico de Direito fundado
na cidadania constituiu para o povo uma nova identidade ndash o que em outras eacutepocas
natildeo existia
A Constituiccedilatildeo circunscreve toda a organizaccedilatildeo poliacutetica estatal no intuito
maior de criar no consciente coletivo a vontade livre e determinada de desenvolver
padrotildees de condutas destinados a elevar e promover a auto-estima de toda a
comunidade paacutetria
Foi nesse sentido que estatui em seu artigo 1ordm a cidadania como fundamento
do Estado Democraacutetico de Direito ampliando e enriquecendo o tal conceito Cada
eacutepoca produziu praacuteticas e reflexotildees muito distintas sobre o tema cidadania A
definiccedilatildeo de cidadania que vem sofrendo alteraccedilotildees ao longo do tempo obedecendo
a um processo histoacuterico de conquistas sociais eacute compreendida atualmente como
um processo de participaccedilatildeo do indiviacuteduo ou de um grupo organizado nas mais
variadas aacutereas de atuaccedilatildeo da sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos
e sociais
A cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia disso natildeo haacute duvidas e se
efetiva como mudanccedilas na realidade de cada um com melhoria de vida e
conscientizaccedilatildeo da importacircncia do cidadatildeo dado que eacute um processo em
permanente construccedilatildeo Natildeo haacute como defender uma qualidade de vida sem a
preservaccedilatildeo da cidadania em todos os seus acircmbitos Nesse sentido a efetiva
proteccedilatildeo desse aspecto basilar torna-se essencial no que tange uma assistecircncia
juriacutedica completa
No contraponto do direito estatildeo os deveres que encontramos sua realizaccedilatildeo
tambeacutem na participaccedilatildeo observando que o cidadatildeo eacute responsaacutevel pelo advir de
55
suas accedilotildees A participaccedilatildeo reflete um caraacuteter de natildeo comodismo de atenccedilatildeo agravequilo
que eacute particular e coletivo tendo como finalidade preciacutepua o bem comum
Construir cidadania hoje eacute imperativo para a sociedade pois dessa
construccedilatildeo depende o amanhatilde Estamos diante da Constituiccedilatildeo que se propotildee a
resguardar o amanhatilde sem perder de vista que ele comeccedila hoje agora e nisso a
Carta Poliacutetica traacutes consigo a certeza do despertar dessa consciecircncia a consciecircncia
cidadatilde Ela eacute a semente plantada em terra feacutertil que gera frutos diariamente e se
renova a cada estaccedilatildeo na dinacircmica da vida Talvez tenha sido esse o cheiro de
frutas alcanccedilado pelo constituinte ao anunciar que a carta tem ldquocheiro do amanhatilderdquo
A responsabilidade pelo exerciacutecio desses direitos belissimamente elencados
depende de todos e de cada um pois somos o terreno feacutertil que produziraacute o fruto de
uma sociedade fraterna
Eacute comum na praacutetica apenas responsabilizarmos o Estado em sentido lato pelo
natildeo exerciacutecio dos direitos do cidadatildeo Vale lembrar nesse contexto das palavras de
J Kennedy o qual disse ldquonatildeo pergunte o que o Estado pode fazer por vocecirc mas o
que vocecirc pode fazer pelo Estadordquo haacute nessa frase um forte traccedilo de cidadania pois
quando o cidadatildeo reivindica critica opina o que ele daacute em contrapartida ao paiacutes eacute
solidificado visto que eacute nas relaccedilotildees familiares em comunidade que se estabelece e
se fortalece os viacutenculos de solidariedade de uma sociedade que perpetua valores
condutas que as leis reguladoras natildeo conseguem por si soacute estabelecer
A concretizaccedilatildeo do ideal de uma qualidade de vida merecida a todos os seres
humanos sem restriccedilotildees requer entretanto um esforccedilo coletivo Dessa forma haacute
necessidade de suprir as muitas carecircncias advindas das desigualdades sociais e de
condiccedilotildees do descaso do poder puacuteblico e da proacutepria conceituaccedilatildeo antiga de
cidadania que ainda eacute concebida por muitos no presente
Em suma nosso trabalho procurou traccedilar a evoluccedilatildeo da cidadania e ao
mesmo tempo buscou traccedilar uma melhor caracterizaccedilatildeo do cidadatildeo agrave luz da nossa
Constituiccedilatildeo que eacute por fim a essecircncia da Magna Carta O alcance da cidadania
enquanto mecanismo de acesso a direitos foi colocado no acircmbito da pessoa
enquanto titular de direitos e num paralelo defendemos que o municiacutepio eacute o espaccedilo
de atuaccedilatildeo e exerciacutecio de cidadania dada a proximidade do cidadatildeo com as
instituiccedilotildees oacutergatildeos entidades e tudo o mais que o cerca na esfera de vivecircncia Eacute na
praccedila que discute a poliacutetica local e nacional que se indigna com as dificuldades e as
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barreiras de acesso aos seus direitos Eacute no municiacutepio que se inicia todo um vieacutes de
desdobramento para garantir direitos
Por fim natildeo obstante resta dizer sobre o tema que os caminhos e
paradigmas que se intentou percorrer sobre cidadania como mecanismo
transformador da sociedade tem ingrediente ainda a se descortinar para o
propoacutesito valioso do bem comum Pois bem a ideia de bem comum tem como
fundamento o amor maacutexima que se estabelece por meio da democracia visto que
ldquoa demofilia o demoiacutesmo o amor do povo acima de tudo como princiacutepio ativo de
toda a sua vida poliacutetica inspirador duma sempre crescente autonomia imanente eacute
que constitui a verdadeira essecircncia da democraciardquo nas palavras de Melgareacute
(2005)
Dessa forma eacute no nuacutecleo da democracia que estaacute inscrito como pedra
angular o respeito e o amor pela pessoa humana Eacute pois um tema de larga
abrangecircncia poreacutem sem querer abreviar o caminho sua efetiva possibilidade de
realizaccedilatildeo se encontra no exerciacutecio da cidadania sem repuacutedios parciais ou exclusatildeo
de qualquer ordem na plenitude de uma cidadania para todos
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A pobreza engendra inuacutemeras relaccedilotildees de dominaccedilatildeo entre pessoas e entre grupos sociais As habitaccedilotildees subumanas da periferia das grandes cidades no Brasil constituem verdadeiros quistos sociais terras sem lei controladas por xerifes ou por quadrilhas de malfeitores O Estado que natildeo for capaz de dotar essas comunidades do acesso efetivo agrave Educaccedilatildeo agrave Sauacutede agrave Seguranccedila e agrave Paz Puacuteblicas e ao trabalho liacutecito certamente natildeo lhes estaraacute assegurando o acesso ao Direito porque a populaccedilatildeo abrutalhada pela miseacuteria e coagida pelo medo natildeo desfruta da miacutenima eficaacutecia concreta dos
seus direitos fundamentais (GRECO 2009)
Evidencia que acesso ao Direito nas sociedades modernas mesmo nas
economicamente desenvolvidas exige o fortalecimento dos grupos intermediaacuterios e
do associativismo O cidadatildeo natildeo estaacute mais em condiccedilotildees de defender-se
individualmente das ameaccedilas e lesotildees aos seus direitos perpetradas por pessoas ou
grupos que se encontram em posiccedilatildeo de vantagem nas relaccedilotildees econocircmicas e
sociais
O sindicato veio exercer este importante papel em relaccedilatildeo ao trabalhador
empregado Mas hoje as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo natildeo satildeo apenas as que existem no
mundo do trabalho mas as que se revelam em todos os tipos de relaccedilotildees humanas
relaccedilotildees de consumo relaccedilotildees de vizinhanccedila relaccedilotildees locatiacutecias relaccedilotildees
comerciais internas e internacionais e natildeo com menor relevacircncia relaccedilotildees entre os
particulares e o Estado entre outras
Eacute preciso assegurar esse equiliacutebrio na praacutetica o que somente tornar-se-aacute
possiacutevel atraveacutes da articulaccedilatildeo dos sujeitos que se encontram em posiccedilatildeo de
desvantagem em organizaccedilotildees e associaccedilotildees que pela uniatildeo de esforccedilos
consigam compensar o desequiliacutebrio existente e dar aos indiviacuteduos e grupos a forccedila
e a capa de proteccedilatildeo necessaacuterias para ombrearem-se aos seus adversaacuterios e
lutarem pelos seus direitos ou interesses em igualdade de condiccedilotildees
Para Greco (2009) o pressuposto indispensaacutevel do acesso ao Direito eacute a
transparecircncia do Estado no trato de questotildees que possam afetar a esfera de
interesses dos cidadatildeos e complementa que aos cidadatildeos eacute indispensaacutevel
assegurar o direito de influir eficazmente nas decisotildees do poder puacuteblico atraveacutes dos
mais diversos instrumentos de participaccedilatildeo democraacutetica Ele afirma que
A relaccedilatildeo Estado-cidadatildeo natildeo eacute mais a relaccedilatildeo soberano-suacutedito O cidadatildeo tem o direito de exigir do Estado o pleno respeito ao seu
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patrimocircnio juriacutedico Lamentavelmente a crise do Estado tem levado o Brasil a aceitar-se como normal que as pessoas juriacutedicas de Direito Puacuteblico natildeo cumpram devidamente as prestaccedilotildees positivas de que satildeo devedoras perante os particulares cabendo a estes demandar na Justiccedila para obtecirc-las (GRECO 2009)
Essa visatildeo deformada da responsabilidade do Estado ocorre o
desvirtuamento da justiccedila Por outro lado agrave violaccedilatildeo da garantia constitucional da
tutela jurisdicional efetiva (Constituiccedilatildeo artigo 5 inciso XXXV) disciplina a lei natildeo
excluiraacute da apreciaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio lesatildeo ou ameaccedila ao direito Assim o
acesso ao Direito natildeo estaraacute concretamente assegurado se o Estado natildeo oferecer a
todo cidadatildeo a possibilidade de receber aconselhamento juriacutedico a respeito dos seus
direitos
Constituiccedilatildeo de 1988 no artigo 5deg inciso LXXIV assegurou a todos
ldquoassistecircncia juriacutedicardquo a englobar assistecircncia judiciaacuteria e assessoramento juriacutedico
extrajudicial Conforme Greco (2009) ldquoeacute preciso que esse direito seja assegurado
na praacutetica Uma vez que na vida moderna o Direito tornou-se excessivamente
complexordquo Ainda no dizer do autor a consciecircncia juriacutedica do homem comum que
deve ser adquirida na famiacutelia e na escola natildeo eacute mais suficiente para a tomada de
decisotildees na vida diaacuteria das pessoas Todas as pessoas mantecircm complexas relaccedilotildees
juriacutedicas com instituiccedilotildees financeiras com fornecedores de bens e de serviccedilos etc
Nessas relaccedilotildees juriacutedicas com frequecircncia os cidadatildeos tecircm de tomar decisotildees
raacutepidas O cidadatildeo que tem meios procura um advogado particular para assessoraacute-
lo Ao pobre o Estado deve assegurar o mesmo direito em plenitude
Sem duacutevida o uacuteltimo pressuposto do acesso ao Direito eacute o acesso agrave Justiccedila
no sentido de acesso a um tribunal estatal imparcial previamente instituiacutedo como
competente para a soluccedilatildeo de qualquer litiacutegio a respeito de interesse que se afirme
juridicamente protegido ou para a praacutetica de qualquer ato que a lei subordine agrave
aprovaccedilatildeo autorizaccedilatildeo ou homologaccedilatildeo judicial
Se o cidadatildeo tem consciecircncia dos seus direitos se o Estado lhe fornece
todas as condiccedilotildees para livremente exercecirc-los mas algum outro cidadatildeo ou algum
oacutergatildeo do proacuteprio Estado impede ou dificulta esse exerciacutecio cabe ao poder puacuteblico
pocircr agrave disposiccedilatildeo do cidadatildeo lesionado ou ameaccedilado a jurisdiccedilatildeo necessaacuteria para
assegurar o pleno acesso a tal direito
Atingimos eacute certo um estaacutegio de desenvolvimento do Direito Humanitaacuterio que
natildeo mais nos permite conformar-nos com uma realidade distante do padratildeo de
44
convivecircncia humana que outras naccedilotildees jaacute alcanccedilaram O exerciacutecio pleno de
cidadania seraacute obra de mais de uma geraccedilatildeo Mas se trabalharmos com firmeza
certamente os jovens de hoje poderatildeo legar aos seus descendentes a emancipaccedilatildeo
cidadatilde um paiacutes melhor e uma sociedade mais justa e democraacutetica
33 O municiacutepio como acircmbito de exerciacutecio de cidadania
Historicamente o Municiacutepio enquanto unidade poliacutetico-administrativa surgiu
conforme descreve Berardi (2004) com a Repuacuteblica Romana interessada em
manter a dominaccedilatildeo paciacutefica das cidades conquistadas pela forccedila dos exeacutercitos
Sua origem mais de natureza socioloacutegica do que poliacutetica adveacutem do espiacuterito
associativo do homem e de suas relaccedilotildees de vizinhanccedila
Eacute pois a menor unidade territorial de Federaccedilatildeo cuja criaccedilatildeo reflete a base
da organizaccedilatildeo poliacutetica administrativa da Naccedilatildeo Portanto sua funccedilatildeo administrativa
historicamente vem assentada no princiacutepio do direito natural
O artigo primeiro da Constituiccedilatildeo Federal de 1998 estabelece que o
Municiacutepio ao lado dos Estados e do Distrito Federal formam a Republica Federativa
do Brasil que se constitui em Estado Democraacutetico de Direito O municiacutepio tem assim
um poder relevante para a aplicaccedilatildeo da democracia direta iniciada e fortalecida em
niacutevel local Diversos pensadores chegaram a afirmar que a descentralizaccedilatildeo de
poder resultante da constituiccedilatildeo Cidadatilde era antes de tudo uma conquista dos
Municiacutepios sendo eles os berccedilos da perpetuaccedilatildeo da Repuacuteblica e da Democracia
efetivamente por serem o uacutenico niacutevel de governo possuidores de respaldo e
localizaccedilatildeo fiacutesica ou seja solo municipal
Eacute certo que a Carta Magna de 1988 consolidou significativas inovaccedilotildees para a
vida municipal de forma que o Municiacutepio passou a constituir um dos entes da
federaccedilatildeo tratando-o como unidade dotada de autonomia poliacutetica expressa na
capacidade de poder elaborar a sua Lei Orgacircnica fugindo assim da tutela dos
estados que ateacute entatildeo eram considerados como uacutenicos componentes da federaccedilatildeo
45
A Lei Orgacircnica Municipal traz em seu bojo aleacutem da organizaccedilatildeo
administrativa do Municiacutepio a restauraccedilatildeo do Poder Legislativo municipal definindo
a diversificaccedilatildeo normativa que natildeo existia nas leis organizacionais outorgadas pelo
Estado reflexo do poder constituinte outorgados aos Municiacutepios pela Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 como consequecircncia do efetivo exerciacutecio do conceito de Estado
Democraacutetico de Direito
O Municiacutepio enquanto ente federativo tem atualmente a responsabilidade de
ordenar o seu desenvolvimento social e a garantia do bem estar de seus habitantes
executando poliacuteticas puacuteblicas de accedilotildees a serem empreendidas na consolidaccedilatildeo
democraacutetica do Estado
Fundada no elemento participaccedilatildeo o exerciacutecio de cidadania amplamente
citado encontra sua efetividade no municiacutepio Pois eacute nesse acircmbito de localizaccedilatildeo
que as pessoas mantecircm um contato direto com os poderes instituiacutedos suas
necessidades imediatas e mediatas satildeo objetos da disciplina da Lei que visa o bem
comum base do Estado democraacutetico de Direito
Baseado na maacutexima do municipalista e defensor da descentralizaccedilatildeo poliacutetica
Franco Motoro sabiamente proferiu que ldquoningueacutem vive na Uniatildeo ou no Estado As
pessoas vivem no Municiacutepiordquo Assim a cidadania encontra seu melhor espaccedilo de
realizaccedilatildeo na comunidade onde convive A vida em comunidade gera anseios
comuns sentimentos comuns uma vez que a convivecircncia propicia que as pessoas
se conheccedilam e se reconheccedilam como membros de uma mesma realidade
De acordo com Harvey (1992) ldquoa globalizaccedilatildeo provoca anonimato enquanto
comunidade cultiva solidariedaderdquo o que implica participaccedilatildeo para o exerciacutecio de
cidadania
Tudo o que acontece no mundo seja no meu paiacutes na minha cidade ou no meu bairro acontece comigo Entatildeo eu preciso participar das decisotildees que interferem na minha vida Um cidadatildeo com um sentimento eacutetico forte e consciecircncia da cidadania natildeo deixa passar nada natildeo abre matildeo desse poder de participaccedilatildeo (Herbert de Souza Betinho)
Com esse embasamento natildeo se pode perder de vista que eacute nas relaccedilotildees
diaacuterias de oposiccedilatildeo ou solidariedade que as pessoas exercem cidadania Na relaccedilatildeo
do com o outro com os poderes ao estabelecer com a vida social e puacuteblica uma
46
convivecircncia posto que cidadania eacute tarefa que natildeo termina natildeo eacute um conceito
pronto tatildeo pouco acabado enquanto seres inacabados que somos estaremos
buscando descobrindo criando e tomando consciecircncia mais ampla dos direitos
O desafio eacute construir um novo discurso sobre cidadania atraveacutes de uma
praacutetica poliacutetica sustentada isto eacute realizada em dois niacuteveis
O primeiro niacutevel na base atraveacutes de construccedilatildeo das capacidades e do poder
proacuteprio da populaccedilatildeo o que envolve inevitavelmente uma mudanccedila de atitude na
busca para garantir seus direitos utilizando-se do grau de autonomia local
Essa atitude conceberia agrave democracia participativa como uma poliacutetica paralela
de intervenccedilatildeo social criando e mantendo novos espaccedilos para a tomada de
decisotildees ou seja para o auto-governo pela populaccedilatildeo nas mateacuterias que afetam
diretamente suas vidas
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade
O segundo niacutevel um governo com o povo e natildeo apenas para o povo fundado
nos ditames constitucionais valorizando o sentimento da sociedade no exerciacutecio da
governabilidade de modo que o balizamento das accedilotildees de governo deixaria de estar
no proacuteprio governo e passaria a estabelecer-se a partir do pensar da sociedade Um
governo que se pergunta o que se deve fazer para ouvir com a maior fidelidade
possiacutevel a sociedade suas instituiccedilotildees representativas e o cidadatildeo Pois as
prioridades da gestatildeo deveriam ser definidas pela sociedade e natildeo mais pelo
governo
Portanto nesses termos eacute preciso considerar que as praacuteticas da
administraccedilatildeo puacuteblica sejam democratizadoras e inclusivas inspiradas nos
princiacutepios da legalidade impessoalidade moralidade publicidade e eficiecircncia Esta
uacuteltima buscou estabelecer uma Administraccedilatildeo Puacuteblica mais eficiente no sentido de
que o cidadatildeo como destinataacuterio dos serviccedilos puacuteblicos que o Estado deve prestar
receba-os com maior qualidade e menor custo para o eraacuterio puacuteblico
Para a consecuccedilatildeo desse governar com o povo alguns pontos devem ser
revistos A mudanccedila implica na necessidade de adequaccedilatildeo reorganizaccedilatildeo
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reformulaccedilatildeo Para isso se faz premente em face dos novos e modernos conceitos
de gestatildeo puacuteblica a superaccedilatildeo do tradicional vezo burocraacutetico que vem convertendo
a Administraccedilatildeo nas palavras Dromi (1995) numa cara ldquomaacutequina de impedirrdquo fiel
ldquocoacutedigo do fracassordquo que dispotildee ldquoartigo primeiro natildeo pode artigo segundo em
caso de duacutevida abstenha-se artigo terceiro se eacute urgente espere artigo quarto
sempre eacute mais prudente natildeo fazer nadardquo numa posiccedilatildeo natildeo burocraacutetica e sim
democraacutetica de considerar que organizaccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica inclui a
praacutetica de ver os cidadatildeos como membros plenos da comunidade poliacutetica tendo
acesso e exercitando direitos as que promovem a organizaccedilatildeo da populaccedilatildeo em
torno de temas de interesse comum as que incluem o controle social sobre a
gestatildeo o debate amplo e informado sobre questotildees de governo e que abrem agrave
populaccedilatildeo as decisotildees sobre estas questotildees Como leciona e Barrientos (2000)
Tratam-se de praacuteticas que natildeo buscam somente melhorar a eficiecircncia administrativa das diferentes organizaccedilotildees puacuteblicas mas que incorporam no seu processo de gestatildeo a dimensatildeo ativa da cidadania isto eacute ldquoque facilitam as iniciativas e responsabilidades de todos os envolvidos[] estabelecendo pontes entre Estado e sociedade civil
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade Acreditamos
que o ponto de partida eacute a atitude aliada agrave solidariedade e ao espiacuterito coletivo Pois
governo e cidadatildeos juntos haveratildeo de cumprir um novo papel no processo de
desenvolvimento como agentes de uma nova cultura
Como afirma Peter Drucke
A parceria comunitaacuteria seraacute um dos verdadeiros setores em crescimento das economias desenvolvidas Surge da necessidade de uma participaccedilatildeo mais direta e efetiva da comunidade nas grandes questotildees da vida social pois natildeo existe ningueacutem melhor que o cidadatildeo para saber o que ele quer para si para sua famiacutelia e para sua comunidade (apud RAMOS 1990)
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O envolvimento efetivo da sociedade nas questotildees sociais natildeo eacute apenas uma
postura moderna Significa antes de tudo uma atitude digna de todos aqueles que
desejam exercer sua cidadania contribuindo para um paiacutes melhor e em especial
para uma sociedade mais justa fraterna e solidaacuteria
Na histoacuteria observa-se a grande coragem das pessoas em construir o
reconhecimento delas proacuteprias e de seus direitos sempre buscando a participaccedilatildeo e
defendendo os Direitos Humanos Sem duacutevida a maior ecircnfase que deve ocorrer
para a construccedilatildeo real da cidadania eacute uma mudanccedila na sociedade O melhor a ser
feito eacute reforccedilar a organizaccedilatildeo democraacutetica buscando novas formas de participaccedilatildeo
social pois cidadania natildeo se resume ao poder de votar ou ser votado mas eacute sempre
na efetiva participaccedilatildeo popular pois somente com isso haacute a verdadeira
conscientizaccedilatildeo e o comprometimento daquele que passa a se sentir cidadatildeo
abandonando-se velhos viacutecios da poliacutetica representativa
Desse modo a participaccedilatildeo do povo no momento das reivindicaccedilotildees das
discussotildees e apreciaccedilotildees de projetos que visem agrave melhoria da comunidade local a
exigecircncia de transparecircncia na administraccedilatildeo da coisa puacuteblica dentre outras eacute quem
daraacute embasamento para as verdadeiras conquistas sociais no Municiacutepio que geram
saudaacuteveis formas de pressatildeo por efetivas poliacuteticas puacuteblicas de inclusatildeo social
gerando o fim do clientelismo poliacutetico tatildeo pejorativo e comum em nossa realidade e
cultura poliacutetica
Somente a participaccedilatildeo social eacute que iraacute causar uma real democratizaccedilatildeo do
poder A afirmaccedilatildeo da cidadania eacute pressuposto para a realizaccedilatildeo dos Direitos
Humanos pois os homens natildeo nascem naturalmente iguais Inclusive para que
ocorra a realizaccedilatildeo dos referidos direitos eacute necessaacuterio tambeacutem que exista um
espaccedilo puacuteblico que seja realmente democraacutetico e acessiacutevel possibilitando a
participaccedilatildeo de todos e esse espaccedilo eacute certamente o municiacutepio
Na praacutetica um forte instrumento de cidadania para atender as necessidades
coletivas eacute o orccedilamento participativo previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal que
determina expressamente a realizaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas e a participaccedilatildeo
popular nos processos de elaboraccedilatildeo e conduccedilatildeo dos orccedilamentos como forma de
incentivo agrave preparaccedilatildeo e execuccedilatildeo de planejamentos que envolvam diretamente o
povo A Lei veio incentivar a sua propagaccedilatildeo para todos os entes federativos tendo
em conta que se trata de uma tendecircncia mundial por legitimar as escolhas e
fortalecer o princiacutepio da transparecircncia
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Os meios de acesso do cidadatildeo junto aos Poderes Puacuteblicos eacute uma realidade
no Estado Democraacutetico de Direito brasileiro a exemplo das sessotildees do Poder
Legislativo que satildeo puacuteblicas ficando abertas a todos que delas quiserem participar
Emite-se uma pauta antes do comeccedilo da sessatildeo com a preacutevia dos debates Em
niacutevel municipal verifica-se um acompanhamento mais incisivo sobre as sessotildees das
Cacircmaras de Vereadores como forma de pressatildeo para aprovaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees
da comunidade avaliaccedilatildeo do desempenho e aceitaccedilatildeo de propostas orccedilamentaacuterias
e atuaccedilatildeo dos poliacuteticos bem como entendimento das funccedilotildees do Poder Legislativo
A Constituiccedilatildeo Federal assegura desde 1988 a possibilidade de se oferecer
peticcedilatildeo agraves Mesas Legislativas como forma de pedir informaccedilotildees sobre andamento
de projetos ou relatoacuterios encaminhados aos chefes do Poder Executivo Em niacutevel
municipal pode ser utilizada a Tribuna Livre como instrumento para denuacutencias de
problemas ou discussatildeo de um tema ou mesmo para apresentar sugestotildees sendo
regulado pela Lei Orgacircnica Municipal e pelo Regimento Interno da Cacircmara
A convocaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas tambeacutem possui previsatildeo constitucional
no art 58 sect 20 inciso II em niacutevel federal As comissotildees podem em razatildeo da
mateacuteria de sua competecircncia realizar audiecircncias puacuteblicas com entidades da
sociedade civil E nada obsta que estejam previstas formas de articulaccedilatildeo da
sociedade civil com os Presidentes das Comissotildees da Cacircmara no seu Regimento
Interno em acircmbito municipal
Os dispositivos da Constituiccedilatildeo Federal que dispotildeem sobre a forma de
participaccedilatildeo direta do cidadatildeo e da sociedade civil no processo democraacutetico natildeo se
pode negar que trouxe novas perspectivas De modo geral podemos citar
Art 29 A lei orgacircnica dos Municiacutepios tem que observar entre os seus
preceitos ldquocooperaccedilatildeo das associaccedilotildees representativas no planejamento municipalrdquo
Art 31 As contas dos municiacutepios ficaratildeo durante 60 (sessenta) dias
anualmente a disposiccedilatildeo de qualquer contribuinte para exame e apreciaccedilatildeo o qual
poderaacute questionar-lhes a legitimidade nos termos da lei
Art37 sect 3ordm (EC-1998) A lei disciplinaraacute as formas de participaccedilatildeo do usuaacuterio
na administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta regulando especialmente
I- as reclamaccedilotildees relativas a prestaccedilatildeo dos serviccedilos puacuteblicos em geral asseguradas
a manutenccedilatildeo de serviccedilo de atendimento ao usuaacuterio e a avaliaccedilatildeo perioacutedica externa
e interna da qualidade dos serviccedilos
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II- o acesso dos usuaacuterios a registros administrativos e a informaccedilatildeo sobre atos de
governo observado o disposto no art 5ordm X e XXXIII
III- a disciplina da representaccedilatildeo conta o exerciacutecio negligente ou abusivo de cargo
emprego ou funccedilatildeo na administraccedilatildeo puacuteblica
Art 74 sect 2ordm Qualquer cidadatildeo partido poliacutetico associaccedilatildeo ou sindicato eacute
parte legiacutetima para na forma de lei denunciar irregularidades ou ilegalidades perante
o Tribunal de Contas da Uniatildeo
Art194 paraacutegrafo uacutenico Compete ao Poder Puacuteblico nos termos da lei
organizar a seguridade social com base nos seguintes objetivos ()
VII ndash caraacuteter democraacutetivo descentralizado na administraccedilatildeo mediante gestatildeo
quadripartite com participaccedilatildeo dos trabalhadores dos empregados e dos
aposentados e do Governo nos oacutergatildeos colegiados nos oacutergatildeos colegiados
Art 198 As accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede integram uma rede
regionalizada e hierarquizada o constituem um sistema uacutenico organizado de acordo
com as seguintes diretrizes
III ndash participaccedilatildeo da comunidade
Art 202 sect 6ordm A lei complementa a que se refere o sect 4ordm deste artigo
estabeleceraacute os requisitos para a designaccedilatildeo dos membros das diretorias das
entidades fechadas de previdecircncia privada e disciplinaraacute a inserccedilatildeo dos
participantes nos colegiados e instacircncias de decisatildeo em que seus interesses sejam
objeto de discussatildeo e deliberaccedilatildeo
Art 204 As accedilotildees governamentais na aacuterea de assistecircncia social seratildeo
organizadas com base nas seguintes diretrizes
II ndash Participaccedilatildeo da populaccedilatildeo por meio de organizaccedilotildees representativas na
formulaccedilatildeo das poliacuteticas e no controle das accedilotildees em todos os niacuteveis
O protagonista na concretizaccedilatildeo dos direitos humanos e na ampliaccedilatildeo da cidadania eacute um sujeito coletivo de um trabalho sempre inacabado eis que se tratam de tarefas e conquistas cotidianas e gradativas obras que soacute podem ser realizada a muitas matildeos no partilhar e compartilhar da vida (COSTA NETO 2010)
A ampliaccedilatildeo da cidadania requer a consciecircncia de que os direitos pressupotildeem
deveres de maneira que os direitos de um indiviacuteduo satildeo garantidos a partir do
cumprimento dos deveres dos demais componentes da sociedade
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34 A necessaacuteria superaccedilatildeo de velhos paradigmas
Como se sabe em 1988 foi aprovada a Constituiccedilatildeo mais liberal e
democraacutetica do Brasil chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo Assim ampliou-se de
forma significativa o campo dos direitos e garantias fundamentais No que diz
respeito a tal mateacuteria eacute considerada como uma das mais avanccediladas do mundo No
seu preacircmbulo adota o modelo de um Estado democraacutetico de Direito destinado a
garantir o exerciacutecio dos direitos sociais e individuais a liberdade a seguranccedila o
bem-estar o desenvolvimento a igualdade e a justiccedila eleitos como valores
supremos de uma sociedade fraterna pluralista e sem preconceitos
Para a construccedilatildeo democraacutetica da cidadania no Brasil contemporacircneo
salienta-se de ela deve passar de uma democracia representativa para uma
cidadania que efetivamente molde a democracia ou seja uma cidadania instituinte
da democracia
No acircmbito constitucional positivo cidadania pressupotildee o exerciacutecio de todos
os direitos fundamentais e garantias que caracterizam o Estado democraacutetico de
Direito Quando se fala em cidadania eacute no sentido de reafirmar o direito pela plena
realizaccedilatildeo do indiviacuteduo do cidadatildeo dos entes coletivos e de sua emancipaccedilatildeo nos
espaccedilos da sociedade Estatildeo sempre intimamente ligados os conceitos de
cidadania democracia e direitos humanos sendo que um remete ao outro e seus
conteuacutedos se interligam ou seja a cidadania natildeo iraacute ocorrer sem que ocorra a
realizaccedilatildeo dos Direitos Humanos da mesma forma que os direitos humanos natildeo
seratildeo concretizados se natildeo houver o exerciacutecio da cidadania
Na evoluccedilatildeo histoacuterica tais categorias se desenvolveram de forma conjunta
com o Estado Representam noccedilotildees desejaacuteveis de relaccedilotildees humanas que se espera
sejam instituiacutedas Satildeo os elementos basilares na nova ordem social e que a
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 pretendeu edificar Poreacutem a democracia poliacutetica natildeo
resolveu os problemas econocircmicos mais seacuterios como a desigualdade e o
desemprego Continuam muito seacuterios os problemas da aacuterea social principalmente
na educaccedilatildeo nos serviccedilos de sauacutede e saneamento como tambeacutem e
principalmente quanto agrave seguranccedila puacuteblica
52
A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 em seu artigo 6ordm e em outros artigos no texto
constitucional ampliou e muito os Direitos Sociais proibiu discriminaccedilotildees Assim
indicadores baacutesicos de qualidade de vida apontam que houve uma melhoria A
mortalidade infantil por exemplo caiu de maneira significativa nos uacuteltimos anos A
esperanccedila de vida ao nascer passou de 60 anos em 1980 para 70 em 2000 Poreacutem
o maior progresso foi na aacuterea da educaccedilatildeo fundamental que eacute considerado fator
decisivo para a cidadania pois a taxa de analfabetismo caiu consideravelmente
entretanto existem muitos problemas no campo educacional como a repetecircncia e
com relaccedilatildeo a desigualdade social entre as regiotildees
A grande concentraccedilatildeo da riqueza nacional nas matildeos de poucos reflete a
desigualdade e causa a pobreza e a miseacuteria ao passo que dificulta o acesso do
cidadatildeo agrave justiccedila e consequentemente ao seu estado de cidadania pleno
Dentre os fundamentos no qual se baseiam o Estado democraacutetico de Direito
no Brasil destaca-se justamente a cidadania e a dignidade humana conforme artigo
1ordm incisos II e III da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Entatildeo construir uma sociedade
livre justa e solidaacuteria garantir o desenvolvimento nacional erradicar a pobreza e a
marginalizaccedilatildeo reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de
todos sem preconceitos de origem raccedila sexo cor idade ou quaisquer outras
formas de discriminaccedilatildeo satildeo os objetivos fundamentais do Estado Brasileiro
conforme art 3ordm da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
O cenaacuterio de globalizaccedilatildeo econocircmica mundial tambeacutem traacutes seacuterios obstaacuteculos
para a construccedilatildeo da cidadania A globalizaccedilatildeo da economia em ritmo acelerado
provoca grandes mudanccedilas nas relaccedilotildees entre Estado sociedade e naccedilatildeo que
eram sempre o centro da noccedilatildeo e da praacutetica da cidadania ocidental O foco das
mudanccedilas e das preocupaccedilotildees estaacute em dois focos especiacuteficos a reduccedilatildeo do papel
central do Estado como fonte de direitos e local para a participaccedilatildeo e o
deslocamento da naccedilatildeo como principal fonte de identidade coletiva
Para que ocorra efetiva mudanccedila a melhor proposta eacute no sentido de
mudanccedila na organizaccedilatildeo da sociedade pois a inversatildeo da sequecircncia dos direitos
fez com que ocorra o reforccedilo da supremacia do Estado Para que ocorra a
consolidaccedilatildeo democraacutetica e cidadatilde eacute necessaacuterio reforccedilar a organizaccedilatildeo da
sociedade para assim dar embasamento social ao poder poliacutetico ou seja
finalmente democratizar o poder e estabelecer de forma plena a Cidadania
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CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A Constituiccedilatildeo que nasce com ldquocheiro de amanhatilde e natildeo de mofordquo nas
palavras do Deputado Ulisses Guimaratildees tem em seu relevo a esperanccedila de um
povo que sonhava com a erradicaccedilatildeo da repressatildeo militar e natildeo soacute isso um povo
que sonhava com a liberdade em suas diversas manifestaccedilotildees em suas mais
significativas formas de representaccedilatildeo e sobretudo com um paiacutes voltado para a
democracia e justiccedila social
Ao povo brasileiro foi concedido o poder de governar e nesse contexto de
mudanccedila a ldquodemocracia eacute o governo do povo pelo povo e para o povordquo na
conceituaccedilatildeo ceacutelebre de Abraham Lincoln E consoante estabelece o paraacutegrafo
uacutenico do art 1ordm da Carta cidadatilde de 1988 ldquotodo poder emana do povo que o exerce
por meio de representantes eleitos ou diretamenterdquo
No entanto natildeo basta que a fonte de poder seja o povo a democracia vem
significar a efetiva participaccedilatildeo do povo nas decisotildees e destino do Estado e sua
consolidaccedilatildeo eacute a proacutepria cidadania pois eacute o cidadatildeo que pensa e se auto define
diante da condiccedilatildeo soacutecio-histoacuterica O cidadatildeo tem portanto o poder de transformar
a realidade social segundo seu pensamento e accedilatildeo
Natildeo se pode negar que a Carta de 1988 foi a que apresentou maior
legitimidade popular que abriu caminhos apontando um novo tempo
Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita Se fosse perfeita seria irreformaacutevel Ela proacutepria com humildade e realismo admite ser emendada ateacute por maioria mais acessiacutevel dentro de cinco anos Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita mas seraacute uacutetil e pioneira e desbravadora Seraacute luz ainda que de lamparina na noite dos desgraccedilados Eacute caminhando que se abrem os caminhos Ela vai caminhar e abri-los Seraacute redentor o que penetrar nos bolsotildees sujos escuros e ignorados da miseacuteria (Ulysses Guimaratildees)
Mesmo natildeo sendo a constituiccedilatildeo perfeita sem duacutevida foi a que trouxe
esperanccedila ao povo brasileiro com a sua promulgaccedilatildeo surgiram o ldquohaacutebeas datardquo o
mandado de injunccedilatildeo e o mandado de seguranccedila coletivo - todos remeacutedios judiciais
de iacutendoles constitucionais serviacuteveis para prevenir e combater diversas tentativas de
abuso contra a pessoa humana Outrossim o objeto da accedilatildeo popular foi ampliado
Atualmente qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima para propor a mencionada accedilatildeo
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popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de entidade de que o
Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e ao patrimocircnio
histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de custas
judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia Nesse rol de forma decisiva houve a
ampliaccedilatildeo tambeacutem dos direitos sociais
Assim a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconhece e assegura uma seacuterie de
escudos protetivos aos cidadatildeos Em sua essecircncia os direitos fundamentais
ganham forma De modo que podemos assegurar que hoje o nosso Estado eacute uma
organizaccedilatildeo centrada no ser humano visto que tem a dignidade da pessoa humana
como um fundamento da Repuacuteblica Federativa do Brasil
Apesar das inuacutemeras dificuldades o Estado Democraacutetico de Direito fundado
na cidadania constituiu para o povo uma nova identidade ndash o que em outras eacutepocas
natildeo existia
A Constituiccedilatildeo circunscreve toda a organizaccedilatildeo poliacutetica estatal no intuito
maior de criar no consciente coletivo a vontade livre e determinada de desenvolver
padrotildees de condutas destinados a elevar e promover a auto-estima de toda a
comunidade paacutetria
Foi nesse sentido que estatui em seu artigo 1ordm a cidadania como fundamento
do Estado Democraacutetico de Direito ampliando e enriquecendo o tal conceito Cada
eacutepoca produziu praacuteticas e reflexotildees muito distintas sobre o tema cidadania A
definiccedilatildeo de cidadania que vem sofrendo alteraccedilotildees ao longo do tempo obedecendo
a um processo histoacuterico de conquistas sociais eacute compreendida atualmente como
um processo de participaccedilatildeo do indiviacuteduo ou de um grupo organizado nas mais
variadas aacutereas de atuaccedilatildeo da sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos
e sociais
A cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia disso natildeo haacute duvidas e se
efetiva como mudanccedilas na realidade de cada um com melhoria de vida e
conscientizaccedilatildeo da importacircncia do cidadatildeo dado que eacute um processo em
permanente construccedilatildeo Natildeo haacute como defender uma qualidade de vida sem a
preservaccedilatildeo da cidadania em todos os seus acircmbitos Nesse sentido a efetiva
proteccedilatildeo desse aspecto basilar torna-se essencial no que tange uma assistecircncia
juriacutedica completa
No contraponto do direito estatildeo os deveres que encontramos sua realizaccedilatildeo
tambeacutem na participaccedilatildeo observando que o cidadatildeo eacute responsaacutevel pelo advir de
55
suas accedilotildees A participaccedilatildeo reflete um caraacuteter de natildeo comodismo de atenccedilatildeo agravequilo
que eacute particular e coletivo tendo como finalidade preciacutepua o bem comum
Construir cidadania hoje eacute imperativo para a sociedade pois dessa
construccedilatildeo depende o amanhatilde Estamos diante da Constituiccedilatildeo que se propotildee a
resguardar o amanhatilde sem perder de vista que ele comeccedila hoje agora e nisso a
Carta Poliacutetica traacutes consigo a certeza do despertar dessa consciecircncia a consciecircncia
cidadatilde Ela eacute a semente plantada em terra feacutertil que gera frutos diariamente e se
renova a cada estaccedilatildeo na dinacircmica da vida Talvez tenha sido esse o cheiro de
frutas alcanccedilado pelo constituinte ao anunciar que a carta tem ldquocheiro do amanhatilderdquo
A responsabilidade pelo exerciacutecio desses direitos belissimamente elencados
depende de todos e de cada um pois somos o terreno feacutertil que produziraacute o fruto de
uma sociedade fraterna
Eacute comum na praacutetica apenas responsabilizarmos o Estado em sentido lato pelo
natildeo exerciacutecio dos direitos do cidadatildeo Vale lembrar nesse contexto das palavras de
J Kennedy o qual disse ldquonatildeo pergunte o que o Estado pode fazer por vocecirc mas o
que vocecirc pode fazer pelo Estadordquo haacute nessa frase um forte traccedilo de cidadania pois
quando o cidadatildeo reivindica critica opina o que ele daacute em contrapartida ao paiacutes eacute
solidificado visto que eacute nas relaccedilotildees familiares em comunidade que se estabelece e
se fortalece os viacutenculos de solidariedade de uma sociedade que perpetua valores
condutas que as leis reguladoras natildeo conseguem por si soacute estabelecer
A concretizaccedilatildeo do ideal de uma qualidade de vida merecida a todos os seres
humanos sem restriccedilotildees requer entretanto um esforccedilo coletivo Dessa forma haacute
necessidade de suprir as muitas carecircncias advindas das desigualdades sociais e de
condiccedilotildees do descaso do poder puacuteblico e da proacutepria conceituaccedilatildeo antiga de
cidadania que ainda eacute concebida por muitos no presente
Em suma nosso trabalho procurou traccedilar a evoluccedilatildeo da cidadania e ao
mesmo tempo buscou traccedilar uma melhor caracterizaccedilatildeo do cidadatildeo agrave luz da nossa
Constituiccedilatildeo que eacute por fim a essecircncia da Magna Carta O alcance da cidadania
enquanto mecanismo de acesso a direitos foi colocado no acircmbito da pessoa
enquanto titular de direitos e num paralelo defendemos que o municiacutepio eacute o espaccedilo
de atuaccedilatildeo e exerciacutecio de cidadania dada a proximidade do cidadatildeo com as
instituiccedilotildees oacutergatildeos entidades e tudo o mais que o cerca na esfera de vivecircncia Eacute na
praccedila que discute a poliacutetica local e nacional que se indigna com as dificuldades e as
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barreiras de acesso aos seus direitos Eacute no municiacutepio que se inicia todo um vieacutes de
desdobramento para garantir direitos
Por fim natildeo obstante resta dizer sobre o tema que os caminhos e
paradigmas que se intentou percorrer sobre cidadania como mecanismo
transformador da sociedade tem ingrediente ainda a se descortinar para o
propoacutesito valioso do bem comum Pois bem a ideia de bem comum tem como
fundamento o amor maacutexima que se estabelece por meio da democracia visto que
ldquoa demofilia o demoiacutesmo o amor do povo acima de tudo como princiacutepio ativo de
toda a sua vida poliacutetica inspirador duma sempre crescente autonomia imanente eacute
que constitui a verdadeira essecircncia da democraciardquo nas palavras de Melgareacute
(2005)
Dessa forma eacute no nuacutecleo da democracia que estaacute inscrito como pedra
angular o respeito e o amor pela pessoa humana Eacute pois um tema de larga
abrangecircncia poreacutem sem querer abreviar o caminho sua efetiva possibilidade de
realizaccedilatildeo se encontra no exerciacutecio da cidadania sem repuacutedios parciais ou exclusatildeo
de qualquer ordem na plenitude de uma cidadania para todos
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REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
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patrimocircnio juriacutedico Lamentavelmente a crise do Estado tem levado o Brasil a aceitar-se como normal que as pessoas juriacutedicas de Direito Puacuteblico natildeo cumpram devidamente as prestaccedilotildees positivas de que satildeo devedoras perante os particulares cabendo a estes demandar na Justiccedila para obtecirc-las (GRECO 2009)
Essa visatildeo deformada da responsabilidade do Estado ocorre o
desvirtuamento da justiccedila Por outro lado agrave violaccedilatildeo da garantia constitucional da
tutela jurisdicional efetiva (Constituiccedilatildeo artigo 5 inciso XXXV) disciplina a lei natildeo
excluiraacute da apreciaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio lesatildeo ou ameaccedila ao direito Assim o
acesso ao Direito natildeo estaraacute concretamente assegurado se o Estado natildeo oferecer a
todo cidadatildeo a possibilidade de receber aconselhamento juriacutedico a respeito dos seus
direitos
Constituiccedilatildeo de 1988 no artigo 5deg inciso LXXIV assegurou a todos
ldquoassistecircncia juriacutedicardquo a englobar assistecircncia judiciaacuteria e assessoramento juriacutedico
extrajudicial Conforme Greco (2009) ldquoeacute preciso que esse direito seja assegurado
na praacutetica Uma vez que na vida moderna o Direito tornou-se excessivamente
complexordquo Ainda no dizer do autor a consciecircncia juriacutedica do homem comum que
deve ser adquirida na famiacutelia e na escola natildeo eacute mais suficiente para a tomada de
decisotildees na vida diaacuteria das pessoas Todas as pessoas mantecircm complexas relaccedilotildees
juriacutedicas com instituiccedilotildees financeiras com fornecedores de bens e de serviccedilos etc
Nessas relaccedilotildees juriacutedicas com frequecircncia os cidadatildeos tecircm de tomar decisotildees
raacutepidas O cidadatildeo que tem meios procura um advogado particular para assessoraacute-
lo Ao pobre o Estado deve assegurar o mesmo direito em plenitude
Sem duacutevida o uacuteltimo pressuposto do acesso ao Direito eacute o acesso agrave Justiccedila
no sentido de acesso a um tribunal estatal imparcial previamente instituiacutedo como
competente para a soluccedilatildeo de qualquer litiacutegio a respeito de interesse que se afirme
juridicamente protegido ou para a praacutetica de qualquer ato que a lei subordine agrave
aprovaccedilatildeo autorizaccedilatildeo ou homologaccedilatildeo judicial
Se o cidadatildeo tem consciecircncia dos seus direitos se o Estado lhe fornece
todas as condiccedilotildees para livremente exercecirc-los mas algum outro cidadatildeo ou algum
oacutergatildeo do proacuteprio Estado impede ou dificulta esse exerciacutecio cabe ao poder puacuteblico
pocircr agrave disposiccedilatildeo do cidadatildeo lesionado ou ameaccedilado a jurisdiccedilatildeo necessaacuteria para
assegurar o pleno acesso a tal direito
Atingimos eacute certo um estaacutegio de desenvolvimento do Direito Humanitaacuterio que
natildeo mais nos permite conformar-nos com uma realidade distante do padratildeo de
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convivecircncia humana que outras naccedilotildees jaacute alcanccedilaram O exerciacutecio pleno de
cidadania seraacute obra de mais de uma geraccedilatildeo Mas se trabalharmos com firmeza
certamente os jovens de hoje poderatildeo legar aos seus descendentes a emancipaccedilatildeo
cidadatilde um paiacutes melhor e uma sociedade mais justa e democraacutetica
33 O municiacutepio como acircmbito de exerciacutecio de cidadania
Historicamente o Municiacutepio enquanto unidade poliacutetico-administrativa surgiu
conforme descreve Berardi (2004) com a Repuacuteblica Romana interessada em
manter a dominaccedilatildeo paciacutefica das cidades conquistadas pela forccedila dos exeacutercitos
Sua origem mais de natureza socioloacutegica do que poliacutetica adveacutem do espiacuterito
associativo do homem e de suas relaccedilotildees de vizinhanccedila
Eacute pois a menor unidade territorial de Federaccedilatildeo cuja criaccedilatildeo reflete a base
da organizaccedilatildeo poliacutetica administrativa da Naccedilatildeo Portanto sua funccedilatildeo administrativa
historicamente vem assentada no princiacutepio do direito natural
O artigo primeiro da Constituiccedilatildeo Federal de 1998 estabelece que o
Municiacutepio ao lado dos Estados e do Distrito Federal formam a Republica Federativa
do Brasil que se constitui em Estado Democraacutetico de Direito O municiacutepio tem assim
um poder relevante para a aplicaccedilatildeo da democracia direta iniciada e fortalecida em
niacutevel local Diversos pensadores chegaram a afirmar que a descentralizaccedilatildeo de
poder resultante da constituiccedilatildeo Cidadatilde era antes de tudo uma conquista dos
Municiacutepios sendo eles os berccedilos da perpetuaccedilatildeo da Repuacuteblica e da Democracia
efetivamente por serem o uacutenico niacutevel de governo possuidores de respaldo e
localizaccedilatildeo fiacutesica ou seja solo municipal
Eacute certo que a Carta Magna de 1988 consolidou significativas inovaccedilotildees para a
vida municipal de forma que o Municiacutepio passou a constituir um dos entes da
federaccedilatildeo tratando-o como unidade dotada de autonomia poliacutetica expressa na
capacidade de poder elaborar a sua Lei Orgacircnica fugindo assim da tutela dos
estados que ateacute entatildeo eram considerados como uacutenicos componentes da federaccedilatildeo
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A Lei Orgacircnica Municipal traz em seu bojo aleacutem da organizaccedilatildeo
administrativa do Municiacutepio a restauraccedilatildeo do Poder Legislativo municipal definindo
a diversificaccedilatildeo normativa que natildeo existia nas leis organizacionais outorgadas pelo
Estado reflexo do poder constituinte outorgados aos Municiacutepios pela Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 como consequecircncia do efetivo exerciacutecio do conceito de Estado
Democraacutetico de Direito
O Municiacutepio enquanto ente federativo tem atualmente a responsabilidade de
ordenar o seu desenvolvimento social e a garantia do bem estar de seus habitantes
executando poliacuteticas puacuteblicas de accedilotildees a serem empreendidas na consolidaccedilatildeo
democraacutetica do Estado
Fundada no elemento participaccedilatildeo o exerciacutecio de cidadania amplamente
citado encontra sua efetividade no municiacutepio Pois eacute nesse acircmbito de localizaccedilatildeo
que as pessoas mantecircm um contato direto com os poderes instituiacutedos suas
necessidades imediatas e mediatas satildeo objetos da disciplina da Lei que visa o bem
comum base do Estado democraacutetico de Direito
Baseado na maacutexima do municipalista e defensor da descentralizaccedilatildeo poliacutetica
Franco Motoro sabiamente proferiu que ldquoningueacutem vive na Uniatildeo ou no Estado As
pessoas vivem no Municiacutepiordquo Assim a cidadania encontra seu melhor espaccedilo de
realizaccedilatildeo na comunidade onde convive A vida em comunidade gera anseios
comuns sentimentos comuns uma vez que a convivecircncia propicia que as pessoas
se conheccedilam e se reconheccedilam como membros de uma mesma realidade
De acordo com Harvey (1992) ldquoa globalizaccedilatildeo provoca anonimato enquanto
comunidade cultiva solidariedaderdquo o que implica participaccedilatildeo para o exerciacutecio de
cidadania
Tudo o que acontece no mundo seja no meu paiacutes na minha cidade ou no meu bairro acontece comigo Entatildeo eu preciso participar das decisotildees que interferem na minha vida Um cidadatildeo com um sentimento eacutetico forte e consciecircncia da cidadania natildeo deixa passar nada natildeo abre matildeo desse poder de participaccedilatildeo (Herbert de Souza Betinho)
Com esse embasamento natildeo se pode perder de vista que eacute nas relaccedilotildees
diaacuterias de oposiccedilatildeo ou solidariedade que as pessoas exercem cidadania Na relaccedilatildeo
do com o outro com os poderes ao estabelecer com a vida social e puacuteblica uma
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convivecircncia posto que cidadania eacute tarefa que natildeo termina natildeo eacute um conceito
pronto tatildeo pouco acabado enquanto seres inacabados que somos estaremos
buscando descobrindo criando e tomando consciecircncia mais ampla dos direitos
O desafio eacute construir um novo discurso sobre cidadania atraveacutes de uma
praacutetica poliacutetica sustentada isto eacute realizada em dois niacuteveis
O primeiro niacutevel na base atraveacutes de construccedilatildeo das capacidades e do poder
proacuteprio da populaccedilatildeo o que envolve inevitavelmente uma mudanccedila de atitude na
busca para garantir seus direitos utilizando-se do grau de autonomia local
Essa atitude conceberia agrave democracia participativa como uma poliacutetica paralela
de intervenccedilatildeo social criando e mantendo novos espaccedilos para a tomada de
decisotildees ou seja para o auto-governo pela populaccedilatildeo nas mateacuterias que afetam
diretamente suas vidas
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade
O segundo niacutevel um governo com o povo e natildeo apenas para o povo fundado
nos ditames constitucionais valorizando o sentimento da sociedade no exerciacutecio da
governabilidade de modo que o balizamento das accedilotildees de governo deixaria de estar
no proacuteprio governo e passaria a estabelecer-se a partir do pensar da sociedade Um
governo que se pergunta o que se deve fazer para ouvir com a maior fidelidade
possiacutevel a sociedade suas instituiccedilotildees representativas e o cidadatildeo Pois as
prioridades da gestatildeo deveriam ser definidas pela sociedade e natildeo mais pelo
governo
Portanto nesses termos eacute preciso considerar que as praacuteticas da
administraccedilatildeo puacuteblica sejam democratizadoras e inclusivas inspiradas nos
princiacutepios da legalidade impessoalidade moralidade publicidade e eficiecircncia Esta
uacuteltima buscou estabelecer uma Administraccedilatildeo Puacuteblica mais eficiente no sentido de
que o cidadatildeo como destinataacuterio dos serviccedilos puacuteblicos que o Estado deve prestar
receba-os com maior qualidade e menor custo para o eraacuterio puacuteblico
Para a consecuccedilatildeo desse governar com o povo alguns pontos devem ser
revistos A mudanccedila implica na necessidade de adequaccedilatildeo reorganizaccedilatildeo
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reformulaccedilatildeo Para isso se faz premente em face dos novos e modernos conceitos
de gestatildeo puacuteblica a superaccedilatildeo do tradicional vezo burocraacutetico que vem convertendo
a Administraccedilatildeo nas palavras Dromi (1995) numa cara ldquomaacutequina de impedirrdquo fiel
ldquocoacutedigo do fracassordquo que dispotildee ldquoartigo primeiro natildeo pode artigo segundo em
caso de duacutevida abstenha-se artigo terceiro se eacute urgente espere artigo quarto
sempre eacute mais prudente natildeo fazer nadardquo numa posiccedilatildeo natildeo burocraacutetica e sim
democraacutetica de considerar que organizaccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica inclui a
praacutetica de ver os cidadatildeos como membros plenos da comunidade poliacutetica tendo
acesso e exercitando direitos as que promovem a organizaccedilatildeo da populaccedilatildeo em
torno de temas de interesse comum as que incluem o controle social sobre a
gestatildeo o debate amplo e informado sobre questotildees de governo e que abrem agrave
populaccedilatildeo as decisotildees sobre estas questotildees Como leciona e Barrientos (2000)
Tratam-se de praacuteticas que natildeo buscam somente melhorar a eficiecircncia administrativa das diferentes organizaccedilotildees puacuteblicas mas que incorporam no seu processo de gestatildeo a dimensatildeo ativa da cidadania isto eacute ldquoque facilitam as iniciativas e responsabilidades de todos os envolvidos[] estabelecendo pontes entre Estado e sociedade civil
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade Acreditamos
que o ponto de partida eacute a atitude aliada agrave solidariedade e ao espiacuterito coletivo Pois
governo e cidadatildeos juntos haveratildeo de cumprir um novo papel no processo de
desenvolvimento como agentes de uma nova cultura
Como afirma Peter Drucke
A parceria comunitaacuteria seraacute um dos verdadeiros setores em crescimento das economias desenvolvidas Surge da necessidade de uma participaccedilatildeo mais direta e efetiva da comunidade nas grandes questotildees da vida social pois natildeo existe ningueacutem melhor que o cidadatildeo para saber o que ele quer para si para sua famiacutelia e para sua comunidade (apud RAMOS 1990)
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O envolvimento efetivo da sociedade nas questotildees sociais natildeo eacute apenas uma
postura moderna Significa antes de tudo uma atitude digna de todos aqueles que
desejam exercer sua cidadania contribuindo para um paiacutes melhor e em especial
para uma sociedade mais justa fraterna e solidaacuteria
Na histoacuteria observa-se a grande coragem das pessoas em construir o
reconhecimento delas proacuteprias e de seus direitos sempre buscando a participaccedilatildeo e
defendendo os Direitos Humanos Sem duacutevida a maior ecircnfase que deve ocorrer
para a construccedilatildeo real da cidadania eacute uma mudanccedila na sociedade O melhor a ser
feito eacute reforccedilar a organizaccedilatildeo democraacutetica buscando novas formas de participaccedilatildeo
social pois cidadania natildeo se resume ao poder de votar ou ser votado mas eacute sempre
na efetiva participaccedilatildeo popular pois somente com isso haacute a verdadeira
conscientizaccedilatildeo e o comprometimento daquele que passa a se sentir cidadatildeo
abandonando-se velhos viacutecios da poliacutetica representativa
Desse modo a participaccedilatildeo do povo no momento das reivindicaccedilotildees das
discussotildees e apreciaccedilotildees de projetos que visem agrave melhoria da comunidade local a
exigecircncia de transparecircncia na administraccedilatildeo da coisa puacuteblica dentre outras eacute quem
daraacute embasamento para as verdadeiras conquistas sociais no Municiacutepio que geram
saudaacuteveis formas de pressatildeo por efetivas poliacuteticas puacuteblicas de inclusatildeo social
gerando o fim do clientelismo poliacutetico tatildeo pejorativo e comum em nossa realidade e
cultura poliacutetica
Somente a participaccedilatildeo social eacute que iraacute causar uma real democratizaccedilatildeo do
poder A afirmaccedilatildeo da cidadania eacute pressuposto para a realizaccedilatildeo dos Direitos
Humanos pois os homens natildeo nascem naturalmente iguais Inclusive para que
ocorra a realizaccedilatildeo dos referidos direitos eacute necessaacuterio tambeacutem que exista um
espaccedilo puacuteblico que seja realmente democraacutetico e acessiacutevel possibilitando a
participaccedilatildeo de todos e esse espaccedilo eacute certamente o municiacutepio
Na praacutetica um forte instrumento de cidadania para atender as necessidades
coletivas eacute o orccedilamento participativo previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal que
determina expressamente a realizaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas e a participaccedilatildeo
popular nos processos de elaboraccedilatildeo e conduccedilatildeo dos orccedilamentos como forma de
incentivo agrave preparaccedilatildeo e execuccedilatildeo de planejamentos que envolvam diretamente o
povo A Lei veio incentivar a sua propagaccedilatildeo para todos os entes federativos tendo
em conta que se trata de uma tendecircncia mundial por legitimar as escolhas e
fortalecer o princiacutepio da transparecircncia
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Os meios de acesso do cidadatildeo junto aos Poderes Puacuteblicos eacute uma realidade
no Estado Democraacutetico de Direito brasileiro a exemplo das sessotildees do Poder
Legislativo que satildeo puacuteblicas ficando abertas a todos que delas quiserem participar
Emite-se uma pauta antes do comeccedilo da sessatildeo com a preacutevia dos debates Em
niacutevel municipal verifica-se um acompanhamento mais incisivo sobre as sessotildees das
Cacircmaras de Vereadores como forma de pressatildeo para aprovaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees
da comunidade avaliaccedilatildeo do desempenho e aceitaccedilatildeo de propostas orccedilamentaacuterias
e atuaccedilatildeo dos poliacuteticos bem como entendimento das funccedilotildees do Poder Legislativo
A Constituiccedilatildeo Federal assegura desde 1988 a possibilidade de se oferecer
peticcedilatildeo agraves Mesas Legislativas como forma de pedir informaccedilotildees sobre andamento
de projetos ou relatoacuterios encaminhados aos chefes do Poder Executivo Em niacutevel
municipal pode ser utilizada a Tribuna Livre como instrumento para denuacutencias de
problemas ou discussatildeo de um tema ou mesmo para apresentar sugestotildees sendo
regulado pela Lei Orgacircnica Municipal e pelo Regimento Interno da Cacircmara
A convocaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas tambeacutem possui previsatildeo constitucional
no art 58 sect 20 inciso II em niacutevel federal As comissotildees podem em razatildeo da
mateacuteria de sua competecircncia realizar audiecircncias puacuteblicas com entidades da
sociedade civil E nada obsta que estejam previstas formas de articulaccedilatildeo da
sociedade civil com os Presidentes das Comissotildees da Cacircmara no seu Regimento
Interno em acircmbito municipal
Os dispositivos da Constituiccedilatildeo Federal que dispotildeem sobre a forma de
participaccedilatildeo direta do cidadatildeo e da sociedade civil no processo democraacutetico natildeo se
pode negar que trouxe novas perspectivas De modo geral podemos citar
Art 29 A lei orgacircnica dos Municiacutepios tem que observar entre os seus
preceitos ldquocooperaccedilatildeo das associaccedilotildees representativas no planejamento municipalrdquo
Art 31 As contas dos municiacutepios ficaratildeo durante 60 (sessenta) dias
anualmente a disposiccedilatildeo de qualquer contribuinte para exame e apreciaccedilatildeo o qual
poderaacute questionar-lhes a legitimidade nos termos da lei
Art37 sect 3ordm (EC-1998) A lei disciplinaraacute as formas de participaccedilatildeo do usuaacuterio
na administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta regulando especialmente
I- as reclamaccedilotildees relativas a prestaccedilatildeo dos serviccedilos puacuteblicos em geral asseguradas
a manutenccedilatildeo de serviccedilo de atendimento ao usuaacuterio e a avaliaccedilatildeo perioacutedica externa
e interna da qualidade dos serviccedilos
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II- o acesso dos usuaacuterios a registros administrativos e a informaccedilatildeo sobre atos de
governo observado o disposto no art 5ordm X e XXXIII
III- a disciplina da representaccedilatildeo conta o exerciacutecio negligente ou abusivo de cargo
emprego ou funccedilatildeo na administraccedilatildeo puacuteblica
Art 74 sect 2ordm Qualquer cidadatildeo partido poliacutetico associaccedilatildeo ou sindicato eacute
parte legiacutetima para na forma de lei denunciar irregularidades ou ilegalidades perante
o Tribunal de Contas da Uniatildeo
Art194 paraacutegrafo uacutenico Compete ao Poder Puacuteblico nos termos da lei
organizar a seguridade social com base nos seguintes objetivos ()
VII ndash caraacuteter democraacutetivo descentralizado na administraccedilatildeo mediante gestatildeo
quadripartite com participaccedilatildeo dos trabalhadores dos empregados e dos
aposentados e do Governo nos oacutergatildeos colegiados nos oacutergatildeos colegiados
Art 198 As accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede integram uma rede
regionalizada e hierarquizada o constituem um sistema uacutenico organizado de acordo
com as seguintes diretrizes
III ndash participaccedilatildeo da comunidade
Art 202 sect 6ordm A lei complementa a que se refere o sect 4ordm deste artigo
estabeleceraacute os requisitos para a designaccedilatildeo dos membros das diretorias das
entidades fechadas de previdecircncia privada e disciplinaraacute a inserccedilatildeo dos
participantes nos colegiados e instacircncias de decisatildeo em que seus interesses sejam
objeto de discussatildeo e deliberaccedilatildeo
Art 204 As accedilotildees governamentais na aacuterea de assistecircncia social seratildeo
organizadas com base nas seguintes diretrizes
II ndash Participaccedilatildeo da populaccedilatildeo por meio de organizaccedilotildees representativas na
formulaccedilatildeo das poliacuteticas e no controle das accedilotildees em todos os niacuteveis
O protagonista na concretizaccedilatildeo dos direitos humanos e na ampliaccedilatildeo da cidadania eacute um sujeito coletivo de um trabalho sempre inacabado eis que se tratam de tarefas e conquistas cotidianas e gradativas obras que soacute podem ser realizada a muitas matildeos no partilhar e compartilhar da vida (COSTA NETO 2010)
A ampliaccedilatildeo da cidadania requer a consciecircncia de que os direitos pressupotildeem
deveres de maneira que os direitos de um indiviacuteduo satildeo garantidos a partir do
cumprimento dos deveres dos demais componentes da sociedade
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34 A necessaacuteria superaccedilatildeo de velhos paradigmas
Como se sabe em 1988 foi aprovada a Constituiccedilatildeo mais liberal e
democraacutetica do Brasil chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo Assim ampliou-se de
forma significativa o campo dos direitos e garantias fundamentais No que diz
respeito a tal mateacuteria eacute considerada como uma das mais avanccediladas do mundo No
seu preacircmbulo adota o modelo de um Estado democraacutetico de Direito destinado a
garantir o exerciacutecio dos direitos sociais e individuais a liberdade a seguranccedila o
bem-estar o desenvolvimento a igualdade e a justiccedila eleitos como valores
supremos de uma sociedade fraterna pluralista e sem preconceitos
Para a construccedilatildeo democraacutetica da cidadania no Brasil contemporacircneo
salienta-se de ela deve passar de uma democracia representativa para uma
cidadania que efetivamente molde a democracia ou seja uma cidadania instituinte
da democracia
No acircmbito constitucional positivo cidadania pressupotildee o exerciacutecio de todos
os direitos fundamentais e garantias que caracterizam o Estado democraacutetico de
Direito Quando se fala em cidadania eacute no sentido de reafirmar o direito pela plena
realizaccedilatildeo do indiviacuteduo do cidadatildeo dos entes coletivos e de sua emancipaccedilatildeo nos
espaccedilos da sociedade Estatildeo sempre intimamente ligados os conceitos de
cidadania democracia e direitos humanos sendo que um remete ao outro e seus
conteuacutedos se interligam ou seja a cidadania natildeo iraacute ocorrer sem que ocorra a
realizaccedilatildeo dos Direitos Humanos da mesma forma que os direitos humanos natildeo
seratildeo concretizados se natildeo houver o exerciacutecio da cidadania
Na evoluccedilatildeo histoacuterica tais categorias se desenvolveram de forma conjunta
com o Estado Representam noccedilotildees desejaacuteveis de relaccedilotildees humanas que se espera
sejam instituiacutedas Satildeo os elementos basilares na nova ordem social e que a
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 pretendeu edificar Poreacutem a democracia poliacutetica natildeo
resolveu os problemas econocircmicos mais seacuterios como a desigualdade e o
desemprego Continuam muito seacuterios os problemas da aacuterea social principalmente
na educaccedilatildeo nos serviccedilos de sauacutede e saneamento como tambeacutem e
principalmente quanto agrave seguranccedila puacuteblica
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A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 em seu artigo 6ordm e em outros artigos no texto
constitucional ampliou e muito os Direitos Sociais proibiu discriminaccedilotildees Assim
indicadores baacutesicos de qualidade de vida apontam que houve uma melhoria A
mortalidade infantil por exemplo caiu de maneira significativa nos uacuteltimos anos A
esperanccedila de vida ao nascer passou de 60 anos em 1980 para 70 em 2000 Poreacutem
o maior progresso foi na aacuterea da educaccedilatildeo fundamental que eacute considerado fator
decisivo para a cidadania pois a taxa de analfabetismo caiu consideravelmente
entretanto existem muitos problemas no campo educacional como a repetecircncia e
com relaccedilatildeo a desigualdade social entre as regiotildees
A grande concentraccedilatildeo da riqueza nacional nas matildeos de poucos reflete a
desigualdade e causa a pobreza e a miseacuteria ao passo que dificulta o acesso do
cidadatildeo agrave justiccedila e consequentemente ao seu estado de cidadania pleno
Dentre os fundamentos no qual se baseiam o Estado democraacutetico de Direito
no Brasil destaca-se justamente a cidadania e a dignidade humana conforme artigo
1ordm incisos II e III da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Entatildeo construir uma sociedade
livre justa e solidaacuteria garantir o desenvolvimento nacional erradicar a pobreza e a
marginalizaccedilatildeo reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de
todos sem preconceitos de origem raccedila sexo cor idade ou quaisquer outras
formas de discriminaccedilatildeo satildeo os objetivos fundamentais do Estado Brasileiro
conforme art 3ordm da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
O cenaacuterio de globalizaccedilatildeo econocircmica mundial tambeacutem traacutes seacuterios obstaacuteculos
para a construccedilatildeo da cidadania A globalizaccedilatildeo da economia em ritmo acelerado
provoca grandes mudanccedilas nas relaccedilotildees entre Estado sociedade e naccedilatildeo que
eram sempre o centro da noccedilatildeo e da praacutetica da cidadania ocidental O foco das
mudanccedilas e das preocupaccedilotildees estaacute em dois focos especiacuteficos a reduccedilatildeo do papel
central do Estado como fonte de direitos e local para a participaccedilatildeo e o
deslocamento da naccedilatildeo como principal fonte de identidade coletiva
Para que ocorra efetiva mudanccedila a melhor proposta eacute no sentido de
mudanccedila na organizaccedilatildeo da sociedade pois a inversatildeo da sequecircncia dos direitos
fez com que ocorra o reforccedilo da supremacia do Estado Para que ocorra a
consolidaccedilatildeo democraacutetica e cidadatilde eacute necessaacuterio reforccedilar a organizaccedilatildeo da
sociedade para assim dar embasamento social ao poder poliacutetico ou seja
finalmente democratizar o poder e estabelecer de forma plena a Cidadania
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CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A Constituiccedilatildeo que nasce com ldquocheiro de amanhatilde e natildeo de mofordquo nas
palavras do Deputado Ulisses Guimaratildees tem em seu relevo a esperanccedila de um
povo que sonhava com a erradicaccedilatildeo da repressatildeo militar e natildeo soacute isso um povo
que sonhava com a liberdade em suas diversas manifestaccedilotildees em suas mais
significativas formas de representaccedilatildeo e sobretudo com um paiacutes voltado para a
democracia e justiccedila social
Ao povo brasileiro foi concedido o poder de governar e nesse contexto de
mudanccedila a ldquodemocracia eacute o governo do povo pelo povo e para o povordquo na
conceituaccedilatildeo ceacutelebre de Abraham Lincoln E consoante estabelece o paraacutegrafo
uacutenico do art 1ordm da Carta cidadatilde de 1988 ldquotodo poder emana do povo que o exerce
por meio de representantes eleitos ou diretamenterdquo
No entanto natildeo basta que a fonte de poder seja o povo a democracia vem
significar a efetiva participaccedilatildeo do povo nas decisotildees e destino do Estado e sua
consolidaccedilatildeo eacute a proacutepria cidadania pois eacute o cidadatildeo que pensa e se auto define
diante da condiccedilatildeo soacutecio-histoacuterica O cidadatildeo tem portanto o poder de transformar
a realidade social segundo seu pensamento e accedilatildeo
Natildeo se pode negar que a Carta de 1988 foi a que apresentou maior
legitimidade popular que abriu caminhos apontando um novo tempo
Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita Se fosse perfeita seria irreformaacutevel Ela proacutepria com humildade e realismo admite ser emendada ateacute por maioria mais acessiacutevel dentro de cinco anos Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita mas seraacute uacutetil e pioneira e desbravadora Seraacute luz ainda que de lamparina na noite dos desgraccedilados Eacute caminhando que se abrem os caminhos Ela vai caminhar e abri-los Seraacute redentor o que penetrar nos bolsotildees sujos escuros e ignorados da miseacuteria (Ulysses Guimaratildees)
Mesmo natildeo sendo a constituiccedilatildeo perfeita sem duacutevida foi a que trouxe
esperanccedila ao povo brasileiro com a sua promulgaccedilatildeo surgiram o ldquohaacutebeas datardquo o
mandado de injunccedilatildeo e o mandado de seguranccedila coletivo - todos remeacutedios judiciais
de iacutendoles constitucionais serviacuteveis para prevenir e combater diversas tentativas de
abuso contra a pessoa humana Outrossim o objeto da accedilatildeo popular foi ampliado
Atualmente qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima para propor a mencionada accedilatildeo
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popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de entidade de que o
Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e ao patrimocircnio
histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de custas
judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia Nesse rol de forma decisiva houve a
ampliaccedilatildeo tambeacutem dos direitos sociais
Assim a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconhece e assegura uma seacuterie de
escudos protetivos aos cidadatildeos Em sua essecircncia os direitos fundamentais
ganham forma De modo que podemos assegurar que hoje o nosso Estado eacute uma
organizaccedilatildeo centrada no ser humano visto que tem a dignidade da pessoa humana
como um fundamento da Repuacuteblica Federativa do Brasil
Apesar das inuacutemeras dificuldades o Estado Democraacutetico de Direito fundado
na cidadania constituiu para o povo uma nova identidade ndash o que em outras eacutepocas
natildeo existia
A Constituiccedilatildeo circunscreve toda a organizaccedilatildeo poliacutetica estatal no intuito
maior de criar no consciente coletivo a vontade livre e determinada de desenvolver
padrotildees de condutas destinados a elevar e promover a auto-estima de toda a
comunidade paacutetria
Foi nesse sentido que estatui em seu artigo 1ordm a cidadania como fundamento
do Estado Democraacutetico de Direito ampliando e enriquecendo o tal conceito Cada
eacutepoca produziu praacuteticas e reflexotildees muito distintas sobre o tema cidadania A
definiccedilatildeo de cidadania que vem sofrendo alteraccedilotildees ao longo do tempo obedecendo
a um processo histoacuterico de conquistas sociais eacute compreendida atualmente como
um processo de participaccedilatildeo do indiviacuteduo ou de um grupo organizado nas mais
variadas aacutereas de atuaccedilatildeo da sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos
e sociais
A cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia disso natildeo haacute duvidas e se
efetiva como mudanccedilas na realidade de cada um com melhoria de vida e
conscientizaccedilatildeo da importacircncia do cidadatildeo dado que eacute um processo em
permanente construccedilatildeo Natildeo haacute como defender uma qualidade de vida sem a
preservaccedilatildeo da cidadania em todos os seus acircmbitos Nesse sentido a efetiva
proteccedilatildeo desse aspecto basilar torna-se essencial no que tange uma assistecircncia
juriacutedica completa
No contraponto do direito estatildeo os deveres que encontramos sua realizaccedilatildeo
tambeacutem na participaccedilatildeo observando que o cidadatildeo eacute responsaacutevel pelo advir de
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suas accedilotildees A participaccedilatildeo reflete um caraacuteter de natildeo comodismo de atenccedilatildeo agravequilo
que eacute particular e coletivo tendo como finalidade preciacutepua o bem comum
Construir cidadania hoje eacute imperativo para a sociedade pois dessa
construccedilatildeo depende o amanhatilde Estamos diante da Constituiccedilatildeo que se propotildee a
resguardar o amanhatilde sem perder de vista que ele comeccedila hoje agora e nisso a
Carta Poliacutetica traacutes consigo a certeza do despertar dessa consciecircncia a consciecircncia
cidadatilde Ela eacute a semente plantada em terra feacutertil que gera frutos diariamente e se
renova a cada estaccedilatildeo na dinacircmica da vida Talvez tenha sido esse o cheiro de
frutas alcanccedilado pelo constituinte ao anunciar que a carta tem ldquocheiro do amanhatilderdquo
A responsabilidade pelo exerciacutecio desses direitos belissimamente elencados
depende de todos e de cada um pois somos o terreno feacutertil que produziraacute o fruto de
uma sociedade fraterna
Eacute comum na praacutetica apenas responsabilizarmos o Estado em sentido lato pelo
natildeo exerciacutecio dos direitos do cidadatildeo Vale lembrar nesse contexto das palavras de
J Kennedy o qual disse ldquonatildeo pergunte o que o Estado pode fazer por vocecirc mas o
que vocecirc pode fazer pelo Estadordquo haacute nessa frase um forte traccedilo de cidadania pois
quando o cidadatildeo reivindica critica opina o que ele daacute em contrapartida ao paiacutes eacute
solidificado visto que eacute nas relaccedilotildees familiares em comunidade que se estabelece e
se fortalece os viacutenculos de solidariedade de uma sociedade que perpetua valores
condutas que as leis reguladoras natildeo conseguem por si soacute estabelecer
A concretizaccedilatildeo do ideal de uma qualidade de vida merecida a todos os seres
humanos sem restriccedilotildees requer entretanto um esforccedilo coletivo Dessa forma haacute
necessidade de suprir as muitas carecircncias advindas das desigualdades sociais e de
condiccedilotildees do descaso do poder puacuteblico e da proacutepria conceituaccedilatildeo antiga de
cidadania que ainda eacute concebida por muitos no presente
Em suma nosso trabalho procurou traccedilar a evoluccedilatildeo da cidadania e ao
mesmo tempo buscou traccedilar uma melhor caracterizaccedilatildeo do cidadatildeo agrave luz da nossa
Constituiccedilatildeo que eacute por fim a essecircncia da Magna Carta O alcance da cidadania
enquanto mecanismo de acesso a direitos foi colocado no acircmbito da pessoa
enquanto titular de direitos e num paralelo defendemos que o municiacutepio eacute o espaccedilo
de atuaccedilatildeo e exerciacutecio de cidadania dada a proximidade do cidadatildeo com as
instituiccedilotildees oacutergatildeos entidades e tudo o mais que o cerca na esfera de vivecircncia Eacute na
praccedila que discute a poliacutetica local e nacional que se indigna com as dificuldades e as
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barreiras de acesso aos seus direitos Eacute no municiacutepio que se inicia todo um vieacutes de
desdobramento para garantir direitos
Por fim natildeo obstante resta dizer sobre o tema que os caminhos e
paradigmas que se intentou percorrer sobre cidadania como mecanismo
transformador da sociedade tem ingrediente ainda a se descortinar para o
propoacutesito valioso do bem comum Pois bem a ideia de bem comum tem como
fundamento o amor maacutexima que se estabelece por meio da democracia visto que
ldquoa demofilia o demoiacutesmo o amor do povo acima de tudo como princiacutepio ativo de
toda a sua vida poliacutetica inspirador duma sempre crescente autonomia imanente eacute
que constitui a verdadeira essecircncia da democraciardquo nas palavras de Melgareacute
(2005)
Dessa forma eacute no nuacutecleo da democracia que estaacute inscrito como pedra
angular o respeito e o amor pela pessoa humana Eacute pois um tema de larga
abrangecircncia poreacutem sem querer abreviar o caminho sua efetiva possibilidade de
realizaccedilatildeo se encontra no exerciacutecio da cidadania sem repuacutedios parciais ou exclusatildeo
de qualquer ordem na plenitude de uma cidadania para todos
57
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convivecircncia humana que outras naccedilotildees jaacute alcanccedilaram O exerciacutecio pleno de
cidadania seraacute obra de mais de uma geraccedilatildeo Mas se trabalharmos com firmeza
certamente os jovens de hoje poderatildeo legar aos seus descendentes a emancipaccedilatildeo
cidadatilde um paiacutes melhor e uma sociedade mais justa e democraacutetica
33 O municiacutepio como acircmbito de exerciacutecio de cidadania
Historicamente o Municiacutepio enquanto unidade poliacutetico-administrativa surgiu
conforme descreve Berardi (2004) com a Repuacuteblica Romana interessada em
manter a dominaccedilatildeo paciacutefica das cidades conquistadas pela forccedila dos exeacutercitos
Sua origem mais de natureza socioloacutegica do que poliacutetica adveacutem do espiacuterito
associativo do homem e de suas relaccedilotildees de vizinhanccedila
Eacute pois a menor unidade territorial de Federaccedilatildeo cuja criaccedilatildeo reflete a base
da organizaccedilatildeo poliacutetica administrativa da Naccedilatildeo Portanto sua funccedilatildeo administrativa
historicamente vem assentada no princiacutepio do direito natural
O artigo primeiro da Constituiccedilatildeo Federal de 1998 estabelece que o
Municiacutepio ao lado dos Estados e do Distrito Federal formam a Republica Federativa
do Brasil que se constitui em Estado Democraacutetico de Direito O municiacutepio tem assim
um poder relevante para a aplicaccedilatildeo da democracia direta iniciada e fortalecida em
niacutevel local Diversos pensadores chegaram a afirmar que a descentralizaccedilatildeo de
poder resultante da constituiccedilatildeo Cidadatilde era antes de tudo uma conquista dos
Municiacutepios sendo eles os berccedilos da perpetuaccedilatildeo da Repuacuteblica e da Democracia
efetivamente por serem o uacutenico niacutevel de governo possuidores de respaldo e
localizaccedilatildeo fiacutesica ou seja solo municipal
Eacute certo que a Carta Magna de 1988 consolidou significativas inovaccedilotildees para a
vida municipal de forma que o Municiacutepio passou a constituir um dos entes da
federaccedilatildeo tratando-o como unidade dotada de autonomia poliacutetica expressa na
capacidade de poder elaborar a sua Lei Orgacircnica fugindo assim da tutela dos
estados que ateacute entatildeo eram considerados como uacutenicos componentes da federaccedilatildeo
45
A Lei Orgacircnica Municipal traz em seu bojo aleacutem da organizaccedilatildeo
administrativa do Municiacutepio a restauraccedilatildeo do Poder Legislativo municipal definindo
a diversificaccedilatildeo normativa que natildeo existia nas leis organizacionais outorgadas pelo
Estado reflexo do poder constituinte outorgados aos Municiacutepios pela Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 como consequecircncia do efetivo exerciacutecio do conceito de Estado
Democraacutetico de Direito
O Municiacutepio enquanto ente federativo tem atualmente a responsabilidade de
ordenar o seu desenvolvimento social e a garantia do bem estar de seus habitantes
executando poliacuteticas puacuteblicas de accedilotildees a serem empreendidas na consolidaccedilatildeo
democraacutetica do Estado
Fundada no elemento participaccedilatildeo o exerciacutecio de cidadania amplamente
citado encontra sua efetividade no municiacutepio Pois eacute nesse acircmbito de localizaccedilatildeo
que as pessoas mantecircm um contato direto com os poderes instituiacutedos suas
necessidades imediatas e mediatas satildeo objetos da disciplina da Lei que visa o bem
comum base do Estado democraacutetico de Direito
Baseado na maacutexima do municipalista e defensor da descentralizaccedilatildeo poliacutetica
Franco Motoro sabiamente proferiu que ldquoningueacutem vive na Uniatildeo ou no Estado As
pessoas vivem no Municiacutepiordquo Assim a cidadania encontra seu melhor espaccedilo de
realizaccedilatildeo na comunidade onde convive A vida em comunidade gera anseios
comuns sentimentos comuns uma vez que a convivecircncia propicia que as pessoas
se conheccedilam e se reconheccedilam como membros de uma mesma realidade
De acordo com Harvey (1992) ldquoa globalizaccedilatildeo provoca anonimato enquanto
comunidade cultiva solidariedaderdquo o que implica participaccedilatildeo para o exerciacutecio de
cidadania
Tudo o que acontece no mundo seja no meu paiacutes na minha cidade ou no meu bairro acontece comigo Entatildeo eu preciso participar das decisotildees que interferem na minha vida Um cidadatildeo com um sentimento eacutetico forte e consciecircncia da cidadania natildeo deixa passar nada natildeo abre matildeo desse poder de participaccedilatildeo (Herbert de Souza Betinho)
Com esse embasamento natildeo se pode perder de vista que eacute nas relaccedilotildees
diaacuterias de oposiccedilatildeo ou solidariedade que as pessoas exercem cidadania Na relaccedilatildeo
do com o outro com os poderes ao estabelecer com a vida social e puacuteblica uma
46
convivecircncia posto que cidadania eacute tarefa que natildeo termina natildeo eacute um conceito
pronto tatildeo pouco acabado enquanto seres inacabados que somos estaremos
buscando descobrindo criando e tomando consciecircncia mais ampla dos direitos
O desafio eacute construir um novo discurso sobre cidadania atraveacutes de uma
praacutetica poliacutetica sustentada isto eacute realizada em dois niacuteveis
O primeiro niacutevel na base atraveacutes de construccedilatildeo das capacidades e do poder
proacuteprio da populaccedilatildeo o que envolve inevitavelmente uma mudanccedila de atitude na
busca para garantir seus direitos utilizando-se do grau de autonomia local
Essa atitude conceberia agrave democracia participativa como uma poliacutetica paralela
de intervenccedilatildeo social criando e mantendo novos espaccedilos para a tomada de
decisotildees ou seja para o auto-governo pela populaccedilatildeo nas mateacuterias que afetam
diretamente suas vidas
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade
O segundo niacutevel um governo com o povo e natildeo apenas para o povo fundado
nos ditames constitucionais valorizando o sentimento da sociedade no exerciacutecio da
governabilidade de modo que o balizamento das accedilotildees de governo deixaria de estar
no proacuteprio governo e passaria a estabelecer-se a partir do pensar da sociedade Um
governo que se pergunta o que se deve fazer para ouvir com a maior fidelidade
possiacutevel a sociedade suas instituiccedilotildees representativas e o cidadatildeo Pois as
prioridades da gestatildeo deveriam ser definidas pela sociedade e natildeo mais pelo
governo
Portanto nesses termos eacute preciso considerar que as praacuteticas da
administraccedilatildeo puacuteblica sejam democratizadoras e inclusivas inspiradas nos
princiacutepios da legalidade impessoalidade moralidade publicidade e eficiecircncia Esta
uacuteltima buscou estabelecer uma Administraccedilatildeo Puacuteblica mais eficiente no sentido de
que o cidadatildeo como destinataacuterio dos serviccedilos puacuteblicos que o Estado deve prestar
receba-os com maior qualidade e menor custo para o eraacuterio puacuteblico
Para a consecuccedilatildeo desse governar com o povo alguns pontos devem ser
revistos A mudanccedila implica na necessidade de adequaccedilatildeo reorganizaccedilatildeo
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reformulaccedilatildeo Para isso se faz premente em face dos novos e modernos conceitos
de gestatildeo puacuteblica a superaccedilatildeo do tradicional vezo burocraacutetico que vem convertendo
a Administraccedilatildeo nas palavras Dromi (1995) numa cara ldquomaacutequina de impedirrdquo fiel
ldquocoacutedigo do fracassordquo que dispotildee ldquoartigo primeiro natildeo pode artigo segundo em
caso de duacutevida abstenha-se artigo terceiro se eacute urgente espere artigo quarto
sempre eacute mais prudente natildeo fazer nadardquo numa posiccedilatildeo natildeo burocraacutetica e sim
democraacutetica de considerar que organizaccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica inclui a
praacutetica de ver os cidadatildeos como membros plenos da comunidade poliacutetica tendo
acesso e exercitando direitos as que promovem a organizaccedilatildeo da populaccedilatildeo em
torno de temas de interesse comum as que incluem o controle social sobre a
gestatildeo o debate amplo e informado sobre questotildees de governo e que abrem agrave
populaccedilatildeo as decisotildees sobre estas questotildees Como leciona e Barrientos (2000)
Tratam-se de praacuteticas que natildeo buscam somente melhorar a eficiecircncia administrativa das diferentes organizaccedilotildees puacuteblicas mas que incorporam no seu processo de gestatildeo a dimensatildeo ativa da cidadania isto eacute ldquoque facilitam as iniciativas e responsabilidades de todos os envolvidos[] estabelecendo pontes entre Estado e sociedade civil
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade Acreditamos
que o ponto de partida eacute a atitude aliada agrave solidariedade e ao espiacuterito coletivo Pois
governo e cidadatildeos juntos haveratildeo de cumprir um novo papel no processo de
desenvolvimento como agentes de uma nova cultura
Como afirma Peter Drucke
A parceria comunitaacuteria seraacute um dos verdadeiros setores em crescimento das economias desenvolvidas Surge da necessidade de uma participaccedilatildeo mais direta e efetiva da comunidade nas grandes questotildees da vida social pois natildeo existe ningueacutem melhor que o cidadatildeo para saber o que ele quer para si para sua famiacutelia e para sua comunidade (apud RAMOS 1990)
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O envolvimento efetivo da sociedade nas questotildees sociais natildeo eacute apenas uma
postura moderna Significa antes de tudo uma atitude digna de todos aqueles que
desejam exercer sua cidadania contribuindo para um paiacutes melhor e em especial
para uma sociedade mais justa fraterna e solidaacuteria
Na histoacuteria observa-se a grande coragem das pessoas em construir o
reconhecimento delas proacuteprias e de seus direitos sempre buscando a participaccedilatildeo e
defendendo os Direitos Humanos Sem duacutevida a maior ecircnfase que deve ocorrer
para a construccedilatildeo real da cidadania eacute uma mudanccedila na sociedade O melhor a ser
feito eacute reforccedilar a organizaccedilatildeo democraacutetica buscando novas formas de participaccedilatildeo
social pois cidadania natildeo se resume ao poder de votar ou ser votado mas eacute sempre
na efetiva participaccedilatildeo popular pois somente com isso haacute a verdadeira
conscientizaccedilatildeo e o comprometimento daquele que passa a se sentir cidadatildeo
abandonando-se velhos viacutecios da poliacutetica representativa
Desse modo a participaccedilatildeo do povo no momento das reivindicaccedilotildees das
discussotildees e apreciaccedilotildees de projetos que visem agrave melhoria da comunidade local a
exigecircncia de transparecircncia na administraccedilatildeo da coisa puacuteblica dentre outras eacute quem
daraacute embasamento para as verdadeiras conquistas sociais no Municiacutepio que geram
saudaacuteveis formas de pressatildeo por efetivas poliacuteticas puacuteblicas de inclusatildeo social
gerando o fim do clientelismo poliacutetico tatildeo pejorativo e comum em nossa realidade e
cultura poliacutetica
Somente a participaccedilatildeo social eacute que iraacute causar uma real democratizaccedilatildeo do
poder A afirmaccedilatildeo da cidadania eacute pressuposto para a realizaccedilatildeo dos Direitos
Humanos pois os homens natildeo nascem naturalmente iguais Inclusive para que
ocorra a realizaccedilatildeo dos referidos direitos eacute necessaacuterio tambeacutem que exista um
espaccedilo puacuteblico que seja realmente democraacutetico e acessiacutevel possibilitando a
participaccedilatildeo de todos e esse espaccedilo eacute certamente o municiacutepio
Na praacutetica um forte instrumento de cidadania para atender as necessidades
coletivas eacute o orccedilamento participativo previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal que
determina expressamente a realizaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas e a participaccedilatildeo
popular nos processos de elaboraccedilatildeo e conduccedilatildeo dos orccedilamentos como forma de
incentivo agrave preparaccedilatildeo e execuccedilatildeo de planejamentos que envolvam diretamente o
povo A Lei veio incentivar a sua propagaccedilatildeo para todos os entes federativos tendo
em conta que se trata de uma tendecircncia mundial por legitimar as escolhas e
fortalecer o princiacutepio da transparecircncia
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Os meios de acesso do cidadatildeo junto aos Poderes Puacuteblicos eacute uma realidade
no Estado Democraacutetico de Direito brasileiro a exemplo das sessotildees do Poder
Legislativo que satildeo puacuteblicas ficando abertas a todos que delas quiserem participar
Emite-se uma pauta antes do comeccedilo da sessatildeo com a preacutevia dos debates Em
niacutevel municipal verifica-se um acompanhamento mais incisivo sobre as sessotildees das
Cacircmaras de Vereadores como forma de pressatildeo para aprovaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees
da comunidade avaliaccedilatildeo do desempenho e aceitaccedilatildeo de propostas orccedilamentaacuterias
e atuaccedilatildeo dos poliacuteticos bem como entendimento das funccedilotildees do Poder Legislativo
A Constituiccedilatildeo Federal assegura desde 1988 a possibilidade de se oferecer
peticcedilatildeo agraves Mesas Legislativas como forma de pedir informaccedilotildees sobre andamento
de projetos ou relatoacuterios encaminhados aos chefes do Poder Executivo Em niacutevel
municipal pode ser utilizada a Tribuna Livre como instrumento para denuacutencias de
problemas ou discussatildeo de um tema ou mesmo para apresentar sugestotildees sendo
regulado pela Lei Orgacircnica Municipal e pelo Regimento Interno da Cacircmara
A convocaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas tambeacutem possui previsatildeo constitucional
no art 58 sect 20 inciso II em niacutevel federal As comissotildees podem em razatildeo da
mateacuteria de sua competecircncia realizar audiecircncias puacuteblicas com entidades da
sociedade civil E nada obsta que estejam previstas formas de articulaccedilatildeo da
sociedade civil com os Presidentes das Comissotildees da Cacircmara no seu Regimento
Interno em acircmbito municipal
Os dispositivos da Constituiccedilatildeo Federal que dispotildeem sobre a forma de
participaccedilatildeo direta do cidadatildeo e da sociedade civil no processo democraacutetico natildeo se
pode negar que trouxe novas perspectivas De modo geral podemos citar
Art 29 A lei orgacircnica dos Municiacutepios tem que observar entre os seus
preceitos ldquocooperaccedilatildeo das associaccedilotildees representativas no planejamento municipalrdquo
Art 31 As contas dos municiacutepios ficaratildeo durante 60 (sessenta) dias
anualmente a disposiccedilatildeo de qualquer contribuinte para exame e apreciaccedilatildeo o qual
poderaacute questionar-lhes a legitimidade nos termos da lei
Art37 sect 3ordm (EC-1998) A lei disciplinaraacute as formas de participaccedilatildeo do usuaacuterio
na administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta regulando especialmente
I- as reclamaccedilotildees relativas a prestaccedilatildeo dos serviccedilos puacuteblicos em geral asseguradas
a manutenccedilatildeo de serviccedilo de atendimento ao usuaacuterio e a avaliaccedilatildeo perioacutedica externa
e interna da qualidade dos serviccedilos
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II- o acesso dos usuaacuterios a registros administrativos e a informaccedilatildeo sobre atos de
governo observado o disposto no art 5ordm X e XXXIII
III- a disciplina da representaccedilatildeo conta o exerciacutecio negligente ou abusivo de cargo
emprego ou funccedilatildeo na administraccedilatildeo puacuteblica
Art 74 sect 2ordm Qualquer cidadatildeo partido poliacutetico associaccedilatildeo ou sindicato eacute
parte legiacutetima para na forma de lei denunciar irregularidades ou ilegalidades perante
o Tribunal de Contas da Uniatildeo
Art194 paraacutegrafo uacutenico Compete ao Poder Puacuteblico nos termos da lei
organizar a seguridade social com base nos seguintes objetivos ()
VII ndash caraacuteter democraacutetivo descentralizado na administraccedilatildeo mediante gestatildeo
quadripartite com participaccedilatildeo dos trabalhadores dos empregados e dos
aposentados e do Governo nos oacutergatildeos colegiados nos oacutergatildeos colegiados
Art 198 As accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede integram uma rede
regionalizada e hierarquizada o constituem um sistema uacutenico organizado de acordo
com as seguintes diretrizes
III ndash participaccedilatildeo da comunidade
Art 202 sect 6ordm A lei complementa a que se refere o sect 4ordm deste artigo
estabeleceraacute os requisitos para a designaccedilatildeo dos membros das diretorias das
entidades fechadas de previdecircncia privada e disciplinaraacute a inserccedilatildeo dos
participantes nos colegiados e instacircncias de decisatildeo em que seus interesses sejam
objeto de discussatildeo e deliberaccedilatildeo
Art 204 As accedilotildees governamentais na aacuterea de assistecircncia social seratildeo
organizadas com base nas seguintes diretrizes
II ndash Participaccedilatildeo da populaccedilatildeo por meio de organizaccedilotildees representativas na
formulaccedilatildeo das poliacuteticas e no controle das accedilotildees em todos os niacuteveis
O protagonista na concretizaccedilatildeo dos direitos humanos e na ampliaccedilatildeo da cidadania eacute um sujeito coletivo de um trabalho sempre inacabado eis que se tratam de tarefas e conquistas cotidianas e gradativas obras que soacute podem ser realizada a muitas matildeos no partilhar e compartilhar da vida (COSTA NETO 2010)
A ampliaccedilatildeo da cidadania requer a consciecircncia de que os direitos pressupotildeem
deveres de maneira que os direitos de um indiviacuteduo satildeo garantidos a partir do
cumprimento dos deveres dos demais componentes da sociedade
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34 A necessaacuteria superaccedilatildeo de velhos paradigmas
Como se sabe em 1988 foi aprovada a Constituiccedilatildeo mais liberal e
democraacutetica do Brasil chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo Assim ampliou-se de
forma significativa o campo dos direitos e garantias fundamentais No que diz
respeito a tal mateacuteria eacute considerada como uma das mais avanccediladas do mundo No
seu preacircmbulo adota o modelo de um Estado democraacutetico de Direito destinado a
garantir o exerciacutecio dos direitos sociais e individuais a liberdade a seguranccedila o
bem-estar o desenvolvimento a igualdade e a justiccedila eleitos como valores
supremos de uma sociedade fraterna pluralista e sem preconceitos
Para a construccedilatildeo democraacutetica da cidadania no Brasil contemporacircneo
salienta-se de ela deve passar de uma democracia representativa para uma
cidadania que efetivamente molde a democracia ou seja uma cidadania instituinte
da democracia
No acircmbito constitucional positivo cidadania pressupotildee o exerciacutecio de todos
os direitos fundamentais e garantias que caracterizam o Estado democraacutetico de
Direito Quando se fala em cidadania eacute no sentido de reafirmar o direito pela plena
realizaccedilatildeo do indiviacuteduo do cidadatildeo dos entes coletivos e de sua emancipaccedilatildeo nos
espaccedilos da sociedade Estatildeo sempre intimamente ligados os conceitos de
cidadania democracia e direitos humanos sendo que um remete ao outro e seus
conteuacutedos se interligam ou seja a cidadania natildeo iraacute ocorrer sem que ocorra a
realizaccedilatildeo dos Direitos Humanos da mesma forma que os direitos humanos natildeo
seratildeo concretizados se natildeo houver o exerciacutecio da cidadania
Na evoluccedilatildeo histoacuterica tais categorias se desenvolveram de forma conjunta
com o Estado Representam noccedilotildees desejaacuteveis de relaccedilotildees humanas que se espera
sejam instituiacutedas Satildeo os elementos basilares na nova ordem social e que a
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 pretendeu edificar Poreacutem a democracia poliacutetica natildeo
resolveu os problemas econocircmicos mais seacuterios como a desigualdade e o
desemprego Continuam muito seacuterios os problemas da aacuterea social principalmente
na educaccedilatildeo nos serviccedilos de sauacutede e saneamento como tambeacutem e
principalmente quanto agrave seguranccedila puacuteblica
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A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 em seu artigo 6ordm e em outros artigos no texto
constitucional ampliou e muito os Direitos Sociais proibiu discriminaccedilotildees Assim
indicadores baacutesicos de qualidade de vida apontam que houve uma melhoria A
mortalidade infantil por exemplo caiu de maneira significativa nos uacuteltimos anos A
esperanccedila de vida ao nascer passou de 60 anos em 1980 para 70 em 2000 Poreacutem
o maior progresso foi na aacuterea da educaccedilatildeo fundamental que eacute considerado fator
decisivo para a cidadania pois a taxa de analfabetismo caiu consideravelmente
entretanto existem muitos problemas no campo educacional como a repetecircncia e
com relaccedilatildeo a desigualdade social entre as regiotildees
A grande concentraccedilatildeo da riqueza nacional nas matildeos de poucos reflete a
desigualdade e causa a pobreza e a miseacuteria ao passo que dificulta o acesso do
cidadatildeo agrave justiccedila e consequentemente ao seu estado de cidadania pleno
Dentre os fundamentos no qual se baseiam o Estado democraacutetico de Direito
no Brasil destaca-se justamente a cidadania e a dignidade humana conforme artigo
1ordm incisos II e III da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Entatildeo construir uma sociedade
livre justa e solidaacuteria garantir o desenvolvimento nacional erradicar a pobreza e a
marginalizaccedilatildeo reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de
todos sem preconceitos de origem raccedila sexo cor idade ou quaisquer outras
formas de discriminaccedilatildeo satildeo os objetivos fundamentais do Estado Brasileiro
conforme art 3ordm da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
O cenaacuterio de globalizaccedilatildeo econocircmica mundial tambeacutem traacutes seacuterios obstaacuteculos
para a construccedilatildeo da cidadania A globalizaccedilatildeo da economia em ritmo acelerado
provoca grandes mudanccedilas nas relaccedilotildees entre Estado sociedade e naccedilatildeo que
eram sempre o centro da noccedilatildeo e da praacutetica da cidadania ocidental O foco das
mudanccedilas e das preocupaccedilotildees estaacute em dois focos especiacuteficos a reduccedilatildeo do papel
central do Estado como fonte de direitos e local para a participaccedilatildeo e o
deslocamento da naccedilatildeo como principal fonte de identidade coletiva
Para que ocorra efetiva mudanccedila a melhor proposta eacute no sentido de
mudanccedila na organizaccedilatildeo da sociedade pois a inversatildeo da sequecircncia dos direitos
fez com que ocorra o reforccedilo da supremacia do Estado Para que ocorra a
consolidaccedilatildeo democraacutetica e cidadatilde eacute necessaacuterio reforccedilar a organizaccedilatildeo da
sociedade para assim dar embasamento social ao poder poliacutetico ou seja
finalmente democratizar o poder e estabelecer de forma plena a Cidadania
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CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A Constituiccedilatildeo que nasce com ldquocheiro de amanhatilde e natildeo de mofordquo nas
palavras do Deputado Ulisses Guimaratildees tem em seu relevo a esperanccedila de um
povo que sonhava com a erradicaccedilatildeo da repressatildeo militar e natildeo soacute isso um povo
que sonhava com a liberdade em suas diversas manifestaccedilotildees em suas mais
significativas formas de representaccedilatildeo e sobretudo com um paiacutes voltado para a
democracia e justiccedila social
Ao povo brasileiro foi concedido o poder de governar e nesse contexto de
mudanccedila a ldquodemocracia eacute o governo do povo pelo povo e para o povordquo na
conceituaccedilatildeo ceacutelebre de Abraham Lincoln E consoante estabelece o paraacutegrafo
uacutenico do art 1ordm da Carta cidadatilde de 1988 ldquotodo poder emana do povo que o exerce
por meio de representantes eleitos ou diretamenterdquo
No entanto natildeo basta que a fonte de poder seja o povo a democracia vem
significar a efetiva participaccedilatildeo do povo nas decisotildees e destino do Estado e sua
consolidaccedilatildeo eacute a proacutepria cidadania pois eacute o cidadatildeo que pensa e se auto define
diante da condiccedilatildeo soacutecio-histoacuterica O cidadatildeo tem portanto o poder de transformar
a realidade social segundo seu pensamento e accedilatildeo
Natildeo se pode negar que a Carta de 1988 foi a que apresentou maior
legitimidade popular que abriu caminhos apontando um novo tempo
Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita Se fosse perfeita seria irreformaacutevel Ela proacutepria com humildade e realismo admite ser emendada ateacute por maioria mais acessiacutevel dentro de cinco anos Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita mas seraacute uacutetil e pioneira e desbravadora Seraacute luz ainda que de lamparina na noite dos desgraccedilados Eacute caminhando que se abrem os caminhos Ela vai caminhar e abri-los Seraacute redentor o que penetrar nos bolsotildees sujos escuros e ignorados da miseacuteria (Ulysses Guimaratildees)
Mesmo natildeo sendo a constituiccedilatildeo perfeita sem duacutevida foi a que trouxe
esperanccedila ao povo brasileiro com a sua promulgaccedilatildeo surgiram o ldquohaacutebeas datardquo o
mandado de injunccedilatildeo e o mandado de seguranccedila coletivo - todos remeacutedios judiciais
de iacutendoles constitucionais serviacuteveis para prevenir e combater diversas tentativas de
abuso contra a pessoa humana Outrossim o objeto da accedilatildeo popular foi ampliado
Atualmente qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima para propor a mencionada accedilatildeo
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popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de entidade de que o
Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e ao patrimocircnio
histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de custas
judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia Nesse rol de forma decisiva houve a
ampliaccedilatildeo tambeacutem dos direitos sociais
Assim a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconhece e assegura uma seacuterie de
escudos protetivos aos cidadatildeos Em sua essecircncia os direitos fundamentais
ganham forma De modo que podemos assegurar que hoje o nosso Estado eacute uma
organizaccedilatildeo centrada no ser humano visto que tem a dignidade da pessoa humana
como um fundamento da Repuacuteblica Federativa do Brasil
Apesar das inuacutemeras dificuldades o Estado Democraacutetico de Direito fundado
na cidadania constituiu para o povo uma nova identidade ndash o que em outras eacutepocas
natildeo existia
A Constituiccedilatildeo circunscreve toda a organizaccedilatildeo poliacutetica estatal no intuito
maior de criar no consciente coletivo a vontade livre e determinada de desenvolver
padrotildees de condutas destinados a elevar e promover a auto-estima de toda a
comunidade paacutetria
Foi nesse sentido que estatui em seu artigo 1ordm a cidadania como fundamento
do Estado Democraacutetico de Direito ampliando e enriquecendo o tal conceito Cada
eacutepoca produziu praacuteticas e reflexotildees muito distintas sobre o tema cidadania A
definiccedilatildeo de cidadania que vem sofrendo alteraccedilotildees ao longo do tempo obedecendo
a um processo histoacuterico de conquistas sociais eacute compreendida atualmente como
um processo de participaccedilatildeo do indiviacuteduo ou de um grupo organizado nas mais
variadas aacutereas de atuaccedilatildeo da sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos
e sociais
A cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia disso natildeo haacute duvidas e se
efetiva como mudanccedilas na realidade de cada um com melhoria de vida e
conscientizaccedilatildeo da importacircncia do cidadatildeo dado que eacute um processo em
permanente construccedilatildeo Natildeo haacute como defender uma qualidade de vida sem a
preservaccedilatildeo da cidadania em todos os seus acircmbitos Nesse sentido a efetiva
proteccedilatildeo desse aspecto basilar torna-se essencial no que tange uma assistecircncia
juriacutedica completa
No contraponto do direito estatildeo os deveres que encontramos sua realizaccedilatildeo
tambeacutem na participaccedilatildeo observando que o cidadatildeo eacute responsaacutevel pelo advir de
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suas accedilotildees A participaccedilatildeo reflete um caraacuteter de natildeo comodismo de atenccedilatildeo agravequilo
que eacute particular e coletivo tendo como finalidade preciacutepua o bem comum
Construir cidadania hoje eacute imperativo para a sociedade pois dessa
construccedilatildeo depende o amanhatilde Estamos diante da Constituiccedilatildeo que se propotildee a
resguardar o amanhatilde sem perder de vista que ele comeccedila hoje agora e nisso a
Carta Poliacutetica traacutes consigo a certeza do despertar dessa consciecircncia a consciecircncia
cidadatilde Ela eacute a semente plantada em terra feacutertil que gera frutos diariamente e se
renova a cada estaccedilatildeo na dinacircmica da vida Talvez tenha sido esse o cheiro de
frutas alcanccedilado pelo constituinte ao anunciar que a carta tem ldquocheiro do amanhatilderdquo
A responsabilidade pelo exerciacutecio desses direitos belissimamente elencados
depende de todos e de cada um pois somos o terreno feacutertil que produziraacute o fruto de
uma sociedade fraterna
Eacute comum na praacutetica apenas responsabilizarmos o Estado em sentido lato pelo
natildeo exerciacutecio dos direitos do cidadatildeo Vale lembrar nesse contexto das palavras de
J Kennedy o qual disse ldquonatildeo pergunte o que o Estado pode fazer por vocecirc mas o
que vocecirc pode fazer pelo Estadordquo haacute nessa frase um forte traccedilo de cidadania pois
quando o cidadatildeo reivindica critica opina o que ele daacute em contrapartida ao paiacutes eacute
solidificado visto que eacute nas relaccedilotildees familiares em comunidade que se estabelece e
se fortalece os viacutenculos de solidariedade de uma sociedade que perpetua valores
condutas que as leis reguladoras natildeo conseguem por si soacute estabelecer
A concretizaccedilatildeo do ideal de uma qualidade de vida merecida a todos os seres
humanos sem restriccedilotildees requer entretanto um esforccedilo coletivo Dessa forma haacute
necessidade de suprir as muitas carecircncias advindas das desigualdades sociais e de
condiccedilotildees do descaso do poder puacuteblico e da proacutepria conceituaccedilatildeo antiga de
cidadania que ainda eacute concebida por muitos no presente
Em suma nosso trabalho procurou traccedilar a evoluccedilatildeo da cidadania e ao
mesmo tempo buscou traccedilar uma melhor caracterizaccedilatildeo do cidadatildeo agrave luz da nossa
Constituiccedilatildeo que eacute por fim a essecircncia da Magna Carta O alcance da cidadania
enquanto mecanismo de acesso a direitos foi colocado no acircmbito da pessoa
enquanto titular de direitos e num paralelo defendemos que o municiacutepio eacute o espaccedilo
de atuaccedilatildeo e exerciacutecio de cidadania dada a proximidade do cidadatildeo com as
instituiccedilotildees oacutergatildeos entidades e tudo o mais que o cerca na esfera de vivecircncia Eacute na
praccedila que discute a poliacutetica local e nacional que se indigna com as dificuldades e as
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barreiras de acesso aos seus direitos Eacute no municiacutepio que se inicia todo um vieacutes de
desdobramento para garantir direitos
Por fim natildeo obstante resta dizer sobre o tema que os caminhos e
paradigmas que se intentou percorrer sobre cidadania como mecanismo
transformador da sociedade tem ingrediente ainda a se descortinar para o
propoacutesito valioso do bem comum Pois bem a ideia de bem comum tem como
fundamento o amor maacutexima que se estabelece por meio da democracia visto que
ldquoa demofilia o demoiacutesmo o amor do povo acima de tudo como princiacutepio ativo de
toda a sua vida poliacutetica inspirador duma sempre crescente autonomia imanente eacute
que constitui a verdadeira essecircncia da democraciardquo nas palavras de Melgareacute
(2005)
Dessa forma eacute no nuacutecleo da democracia que estaacute inscrito como pedra
angular o respeito e o amor pela pessoa humana Eacute pois um tema de larga
abrangecircncia poreacutem sem querer abreviar o caminho sua efetiva possibilidade de
realizaccedilatildeo se encontra no exerciacutecio da cidadania sem repuacutedios parciais ou exclusatildeo
de qualquer ordem na plenitude de uma cidadania para todos
57
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A Lei Orgacircnica Municipal traz em seu bojo aleacutem da organizaccedilatildeo
administrativa do Municiacutepio a restauraccedilatildeo do Poder Legislativo municipal definindo
a diversificaccedilatildeo normativa que natildeo existia nas leis organizacionais outorgadas pelo
Estado reflexo do poder constituinte outorgados aos Municiacutepios pela Constituiccedilatildeo
Federal de 1988 como consequecircncia do efetivo exerciacutecio do conceito de Estado
Democraacutetico de Direito
O Municiacutepio enquanto ente federativo tem atualmente a responsabilidade de
ordenar o seu desenvolvimento social e a garantia do bem estar de seus habitantes
executando poliacuteticas puacuteblicas de accedilotildees a serem empreendidas na consolidaccedilatildeo
democraacutetica do Estado
Fundada no elemento participaccedilatildeo o exerciacutecio de cidadania amplamente
citado encontra sua efetividade no municiacutepio Pois eacute nesse acircmbito de localizaccedilatildeo
que as pessoas mantecircm um contato direto com os poderes instituiacutedos suas
necessidades imediatas e mediatas satildeo objetos da disciplina da Lei que visa o bem
comum base do Estado democraacutetico de Direito
Baseado na maacutexima do municipalista e defensor da descentralizaccedilatildeo poliacutetica
Franco Motoro sabiamente proferiu que ldquoningueacutem vive na Uniatildeo ou no Estado As
pessoas vivem no Municiacutepiordquo Assim a cidadania encontra seu melhor espaccedilo de
realizaccedilatildeo na comunidade onde convive A vida em comunidade gera anseios
comuns sentimentos comuns uma vez que a convivecircncia propicia que as pessoas
se conheccedilam e se reconheccedilam como membros de uma mesma realidade
De acordo com Harvey (1992) ldquoa globalizaccedilatildeo provoca anonimato enquanto
comunidade cultiva solidariedaderdquo o que implica participaccedilatildeo para o exerciacutecio de
cidadania
Tudo o que acontece no mundo seja no meu paiacutes na minha cidade ou no meu bairro acontece comigo Entatildeo eu preciso participar das decisotildees que interferem na minha vida Um cidadatildeo com um sentimento eacutetico forte e consciecircncia da cidadania natildeo deixa passar nada natildeo abre matildeo desse poder de participaccedilatildeo (Herbert de Souza Betinho)
Com esse embasamento natildeo se pode perder de vista que eacute nas relaccedilotildees
diaacuterias de oposiccedilatildeo ou solidariedade que as pessoas exercem cidadania Na relaccedilatildeo
do com o outro com os poderes ao estabelecer com a vida social e puacuteblica uma
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convivecircncia posto que cidadania eacute tarefa que natildeo termina natildeo eacute um conceito
pronto tatildeo pouco acabado enquanto seres inacabados que somos estaremos
buscando descobrindo criando e tomando consciecircncia mais ampla dos direitos
O desafio eacute construir um novo discurso sobre cidadania atraveacutes de uma
praacutetica poliacutetica sustentada isto eacute realizada em dois niacuteveis
O primeiro niacutevel na base atraveacutes de construccedilatildeo das capacidades e do poder
proacuteprio da populaccedilatildeo o que envolve inevitavelmente uma mudanccedila de atitude na
busca para garantir seus direitos utilizando-se do grau de autonomia local
Essa atitude conceberia agrave democracia participativa como uma poliacutetica paralela
de intervenccedilatildeo social criando e mantendo novos espaccedilos para a tomada de
decisotildees ou seja para o auto-governo pela populaccedilatildeo nas mateacuterias que afetam
diretamente suas vidas
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade
O segundo niacutevel um governo com o povo e natildeo apenas para o povo fundado
nos ditames constitucionais valorizando o sentimento da sociedade no exerciacutecio da
governabilidade de modo que o balizamento das accedilotildees de governo deixaria de estar
no proacuteprio governo e passaria a estabelecer-se a partir do pensar da sociedade Um
governo que se pergunta o que se deve fazer para ouvir com a maior fidelidade
possiacutevel a sociedade suas instituiccedilotildees representativas e o cidadatildeo Pois as
prioridades da gestatildeo deveriam ser definidas pela sociedade e natildeo mais pelo
governo
Portanto nesses termos eacute preciso considerar que as praacuteticas da
administraccedilatildeo puacuteblica sejam democratizadoras e inclusivas inspiradas nos
princiacutepios da legalidade impessoalidade moralidade publicidade e eficiecircncia Esta
uacuteltima buscou estabelecer uma Administraccedilatildeo Puacuteblica mais eficiente no sentido de
que o cidadatildeo como destinataacuterio dos serviccedilos puacuteblicos que o Estado deve prestar
receba-os com maior qualidade e menor custo para o eraacuterio puacuteblico
Para a consecuccedilatildeo desse governar com o povo alguns pontos devem ser
revistos A mudanccedila implica na necessidade de adequaccedilatildeo reorganizaccedilatildeo
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reformulaccedilatildeo Para isso se faz premente em face dos novos e modernos conceitos
de gestatildeo puacuteblica a superaccedilatildeo do tradicional vezo burocraacutetico que vem convertendo
a Administraccedilatildeo nas palavras Dromi (1995) numa cara ldquomaacutequina de impedirrdquo fiel
ldquocoacutedigo do fracassordquo que dispotildee ldquoartigo primeiro natildeo pode artigo segundo em
caso de duacutevida abstenha-se artigo terceiro se eacute urgente espere artigo quarto
sempre eacute mais prudente natildeo fazer nadardquo numa posiccedilatildeo natildeo burocraacutetica e sim
democraacutetica de considerar que organizaccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica inclui a
praacutetica de ver os cidadatildeos como membros plenos da comunidade poliacutetica tendo
acesso e exercitando direitos as que promovem a organizaccedilatildeo da populaccedilatildeo em
torno de temas de interesse comum as que incluem o controle social sobre a
gestatildeo o debate amplo e informado sobre questotildees de governo e que abrem agrave
populaccedilatildeo as decisotildees sobre estas questotildees Como leciona e Barrientos (2000)
Tratam-se de praacuteticas que natildeo buscam somente melhorar a eficiecircncia administrativa das diferentes organizaccedilotildees puacuteblicas mas que incorporam no seu processo de gestatildeo a dimensatildeo ativa da cidadania isto eacute ldquoque facilitam as iniciativas e responsabilidades de todos os envolvidos[] estabelecendo pontes entre Estado e sociedade civil
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade Acreditamos
que o ponto de partida eacute a atitude aliada agrave solidariedade e ao espiacuterito coletivo Pois
governo e cidadatildeos juntos haveratildeo de cumprir um novo papel no processo de
desenvolvimento como agentes de uma nova cultura
Como afirma Peter Drucke
A parceria comunitaacuteria seraacute um dos verdadeiros setores em crescimento das economias desenvolvidas Surge da necessidade de uma participaccedilatildeo mais direta e efetiva da comunidade nas grandes questotildees da vida social pois natildeo existe ningueacutem melhor que o cidadatildeo para saber o que ele quer para si para sua famiacutelia e para sua comunidade (apud RAMOS 1990)
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O envolvimento efetivo da sociedade nas questotildees sociais natildeo eacute apenas uma
postura moderna Significa antes de tudo uma atitude digna de todos aqueles que
desejam exercer sua cidadania contribuindo para um paiacutes melhor e em especial
para uma sociedade mais justa fraterna e solidaacuteria
Na histoacuteria observa-se a grande coragem das pessoas em construir o
reconhecimento delas proacuteprias e de seus direitos sempre buscando a participaccedilatildeo e
defendendo os Direitos Humanos Sem duacutevida a maior ecircnfase que deve ocorrer
para a construccedilatildeo real da cidadania eacute uma mudanccedila na sociedade O melhor a ser
feito eacute reforccedilar a organizaccedilatildeo democraacutetica buscando novas formas de participaccedilatildeo
social pois cidadania natildeo se resume ao poder de votar ou ser votado mas eacute sempre
na efetiva participaccedilatildeo popular pois somente com isso haacute a verdadeira
conscientizaccedilatildeo e o comprometimento daquele que passa a se sentir cidadatildeo
abandonando-se velhos viacutecios da poliacutetica representativa
Desse modo a participaccedilatildeo do povo no momento das reivindicaccedilotildees das
discussotildees e apreciaccedilotildees de projetos que visem agrave melhoria da comunidade local a
exigecircncia de transparecircncia na administraccedilatildeo da coisa puacuteblica dentre outras eacute quem
daraacute embasamento para as verdadeiras conquistas sociais no Municiacutepio que geram
saudaacuteveis formas de pressatildeo por efetivas poliacuteticas puacuteblicas de inclusatildeo social
gerando o fim do clientelismo poliacutetico tatildeo pejorativo e comum em nossa realidade e
cultura poliacutetica
Somente a participaccedilatildeo social eacute que iraacute causar uma real democratizaccedilatildeo do
poder A afirmaccedilatildeo da cidadania eacute pressuposto para a realizaccedilatildeo dos Direitos
Humanos pois os homens natildeo nascem naturalmente iguais Inclusive para que
ocorra a realizaccedilatildeo dos referidos direitos eacute necessaacuterio tambeacutem que exista um
espaccedilo puacuteblico que seja realmente democraacutetico e acessiacutevel possibilitando a
participaccedilatildeo de todos e esse espaccedilo eacute certamente o municiacutepio
Na praacutetica um forte instrumento de cidadania para atender as necessidades
coletivas eacute o orccedilamento participativo previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal que
determina expressamente a realizaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas e a participaccedilatildeo
popular nos processos de elaboraccedilatildeo e conduccedilatildeo dos orccedilamentos como forma de
incentivo agrave preparaccedilatildeo e execuccedilatildeo de planejamentos que envolvam diretamente o
povo A Lei veio incentivar a sua propagaccedilatildeo para todos os entes federativos tendo
em conta que se trata de uma tendecircncia mundial por legitimar as escolhas e
fortalecer o princiacutepio da transparecircncia
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Os meios de acesso do cidadatildeo junto aos Poderes Puacuteblicos eacute uma realidade
no Estado Democraacutetico de Direito brasileiro a exemplo das sessotildees do Poder
Legislativo que satildeo puacuteblicas ficando abertas a todos que delas quiserem participar
Emite-se uma pauta antes do comeccedilo da sessatildeo com a preacutevia dos debates Em
niacutevel municipal verifica-se um acompanhamento mais incisivo sobre as sessotildees das
Cacircmaras de Vereadores como forma de pressatildeo para aprovaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees
da comunidade avaliaccedilatildeo do desempenho e aceitaccedilatildeo de propostas orccedilamentaacuterias
e atuaccedilatildeo dos poliacuteticos bem como entendimento das funccedilotildees do Poder Legislativo
A Constituiccedilatildeo Federal assegura desde 1988 a possibilidade de se oferecer
peticcedilatildeo agraves Mesas Legislativas como forma de pedir informaccedilotildees sobre andamento
de projetos ou relatoacuterios encaminhados aos chefes do Poder Executivo Em niacutevel
municipal pode ser utilizada a Tribuna Livre como instrumento para denuacutencias de
problemas ou discussatildeo de um tema ou mesmo para apresentar sugestotildees sendo
regulado pela Lei Orgacircnica Municipal e pelo Regimento Interno da Cacircmara
A convocaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas tambeacutem possui previsatildeo constitucional
no art 58 sect 20 inciso II em niacutevel federal As comissotildees podem em razatildeo da
mateacuteria de sua competecircncia realizar audiecircncias puacuteblicas com entidades da
sociedade civil E nada obsta que estejam previstas formas de articulaccedilatildeo da
sociedade civil com os Presidentes das Comissotildees da Cacircmara no seu Regimento
Interno em acircmbito municipal
Os dispositivos da Constituiccedilatildeo Federal que dispotildeem sobre a forma de
participaccedilatildeo direta do cidadatildeo e da sociedade civil no processo democraacutetico natildeo se
pode negar que trouxe novas perspectivas De modo geral podemos citar
Art 29 A lei orgacircnica dos Municiacutepios tem que observar entre os seus
preceitos ldquocooperaccedilatildeo das associaccedilotildees representativas no planejamento municipalrdquo
Art 31 As contas dos municiacutepios ficaratildeo durante 60 (sessenta) dias
anualmente a disposiccedilatildeo de qualquer contribuinte para exame e apreciaccedilatildeo o qual
poderaacute questionar-lhes a legitimidade nos termos da lei
Art37 sect 3ordm (EC-1998) A lei disciplinaraacute as formas de participaccedilatildeo do usuaacuterio
na administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta regulando especialmente
I- as reclamaccedilotildees relativas a prestaccedilatildeo dos serviccedilos puacuteblicos em geral asseguradas
a manutenccedilatildeo de serviccedilo de atendimento ao usuaacuterio e a avaliaccedilatildeo perioacutedica externa
e interna da qualidade dos serviccedilos
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II- o acesso dos usuaacuterios a registros administrativos e a informaccedilatildeo sobre atos de
governo observado o disposto no art 5ordm X e XXXIII
III- a disciplina da representaccedilatildeo conta o exerciacutecio negligente ou abusivo de cargo
emprego ou funccedilatildeo na administraccedilatildeo puacuteblica
Art 74 sect 2ordm Qualquer cidadatildeo partido poliacutetico associaccedilatildeo ou sindicato eacute
parte legiacutetima para na forma de lei denunciar irregularidades ou ilegalidades perante
o Tribunal de Contas da Uniatildeo
Art194 paraacutegrafo uacutenico Compete ao Poder Puacuteblico nos termos da lei
organizar a seguridade social com base nos seguintes objetivos ()
VII ndash caraacuteter democraacutetivo descentralizado na administraccedilatildeo mediante gestatildeo
quadripartite com participaccedilatildeo dos trabalhadores dos empregados e dos
aposentados e do Governo nos oacutergatildeos colegiados nos oacutergatildeos colegiados
Art 198 As accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede integram uma rede
regionalizada e hierarquizada o constituem um sistema uacutenico organizado de acordo
com as seguintes diretrizes
III ndash participaccedilatildeo da comunidade
Art 202 sect 6ordm A lei complementa a que se refere o sect 4ordm deste artigo
estabeleceraacute os requisitos para a designaccedilatildeo dos membros das diretorias das
entidades fechadas de previdecircncia privada e disciplinaraacute a inserccedilatildeo dos
participantes nos colegiados e instacircncias de decisatildeo em que seus interesses sejam
objeto de discussatildeo e deliberaccedilatildeo
Art 204 As accedilotildees governamentais na aacuterea de assistecircncia social seratildeo
organizadas com base nas seguintes diretrizes
II ndash Participaccedilatildeo da populaccedilatildeo por meio de organizaccedilotildees representativas na
formulaccedilatildeo das poliacuteticas e no controle das accedilotildees em todos os niacuteveis
O protagonista na concretizaccedilatildeo dos direitos humanos e na ampliaccedilatildeo da cidadania eacute um sujeito coletivo de um trabalho sempre inacabado eis que se tratam de tarefas e conquistas cotidianas e gradativas obras que soacute podem ser realizada a muitas matildeos no partilhar e compartilhar da vida (COSTA NETO 2010)
A ampliaccedilatildeo da cidadania requer a consciecircncia de que os direitos pressupotildeem
deveres de maneira que os direitos de um indiviacuteduo satildeo garantidos a partir do
cumprimento dos deveres dos demais componentes da sociedade
51
34 A necessaacuteria superaccedilatildeo de velhos paradigmas
Como se sabe em 1988 foi aprovada a Constituiccedilatildeo mais liberal e
democraacutetica do Brasil chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo Assim ampliou-se de
forma significativa o campo dos direitos e garantias fundamentais No que diz
respeito a tal mateacuteria eacute considerada como uma das mais avanccediladas do mundo No
seu preacircmbulo adota o modelo de um Estado democraacutetico de Direito destinado a
garantir o exerciacutecio dos direitos sociais e individuais a liberdade a seguranccedila o
bem-estar o desenvolvimento a igualdade e a justiccedila eleitos como valores
supremos de uma sociedade fraterna pluralista e sem preconceitos
Para a construccedilatildeo democraacutetica da cidadania no Brasil contemporacircneo
salienta-se de ela deve passar de uma democracia representativa para uma
cidadania que efetivamente molde a democracia ou seja uma cidadania instituinte
da democracia
No acircmbito constitucional positivo cidadania pressupotildee o exerciacutecio de todos
os direitos fundamentais e garantias que caracterizam o Estado democraacutetico de
Direito Quando se fala em cidadania eacute no sentido de reafirmar o direito pela plena
realizaccedilatildeo do indiviacuteduo do cidadatildeo dos entes coletivos e de sua emancipaccedilatildeo nos
espaccedilos da sociedade Estatildeo sempre intimamente ligados os conceitos de
cidadania democracia e direitos humanos sendo que um remete ao outro e seus
conteuacutedos se interligam ou seja a cidadania natildeo iraacute ocorrer sem que ocorra a
realizaccedilatildeo dos Direitos Humanos da mesma forma que os direitos humanos natildeo
seratildeo concretizados se natildeo houver o exerciacutecio da cidadania
Na evoluccedilatildeo histoacuterica tais categorias se desenvolveram de forma conjunta
com o Estado Representam noccedilotildees desejaacuteveis de relaccedilotildees humanas que se espera
sejam instituiacutedas Satildeo os elementos basilares na nova ordem social e que a
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 pretendeu edificar Poreacutem a democracia poliacutetica natildeo
resolveu os problemas econocircmicos mais seacuterios como a desigualdade e o
desemprego Continuam muito seacuterios os problemas da aacuterea social principalmente
na educaccedilatildeo nos serviccedilos de sauacutede e saneamento como tambeacutem e
principalmente quanto agrave seguranccedila puacuteblica
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A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 em seu artigo 6ordm e em outros artigos no texto
constitucional ampliou e muito os Direitos Sociais proibiu discriminaccedilotildees Assim
indicadores baacutesicos de qualidade de vida apontam que houve uma melhoria A
mortalidade infantil por exemplo caiu de maneira significativa nos uacuteltimos anos A
esperanccedila de vida ao nascer passou de 60 anos em 1980 para 70 em 2000 Poreacutem
o maior progresso foi na aacuterea da educaccedilatildeo fundamental que eacute considerado fator
decisivo para a cidadania pois a taxa de analfabetismo caiu consideravelmente
entretanto existem muitos problemas no campo educacional como a repetecircncia e
com relaccedilatildeo a desigualdade social entre as regiotildees
A grande concentraccedilatildeo da riqueza nacional nas matildeos de poucos reflete a
desigualdade e causa a pobreza e a miseacuteria ao passo que dificulta o acesso do
cidadatildeo agrave justiccedila e consequentemente ao seu estado de cidadania pleno
Dentre os fundamentos no qual se baseiam o Estado democraacutetico de Direito
no Brasil destaca-se justamente a cidadania e a dignidade humana conforme artigo
1ordm incisos II e III da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Entatildeo construir uma sociedade
livre justa e solidaacuteria garantir o desenvolvimento nacional erradicar a pobreza e a
marginalizaccedilatildeo reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de
todos sem preconceitos de origem raccedila sexo cor idade ou quaisquer outras
formas de discriminaccedilatildeo satildeo os objetivos fundamentais do Estado Brasileiro
conforme art 3ordm da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
O cenaacuterio de globalizaccedilatildeo econocircmica mundial tambeacutem traacutes seacuterios obstaacuteculos
para a construccedilatildeo da cidadania A globalizaccedilatildeo da economia em ritmo acelerado
provoca grandes mudanccedilas nas relaccedilotildees entre Estado sociedade e naccedilatildeo que
eram sempre o centro da noccedilatildeo e da praacutetica da cidadania ocidental O foco das
mudanccedilas e das preocupaccedilotildees estaacute em dois focos especiacuteficos a reduccedilatildeo do papel
central do Estado como fonte de direitos e local para a participaccedilatildeo e o
deslocamento da naccedilatildeo como principal fonte de identidade coletiva
Para que ocorra efetiva mudanccedila a melhor proposta eacute no sentido de
mudanccedila na organizaccedilatildeo da sociedade pois a inversatildeo da sequecircncia dos direitos
fez com que ocorra o reforccedilo da supremacia do Estado Para que ocorra a
consolidaccedilatildeo democraacutetica e cidadatilde eacute necessaacuterio reforccedilar a organizaccedilatildeo da
sociedade para assim dar embasamento social ao poder poliacutetico ou seja
finalmente democratizar o poder e estabelecer de forma plena a Cidadania
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CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A Constituiccedilatildeo que nasce com ldquocheiro de amanhatilde e natildeo de mofordquo nas
palavras do Deputado Ulisses Guimaratildees tem em seu relevo a esperanccedila de um
povo que sonhava com a erradicaccedilatildeo da repressatildeo militar e natildeo soacute isso um povo
que sonhava com a liberdade em suas diversas manifestaccedilotildees em suas mais
significativas formas de representaccedilatildeo e sobretudo com um paiacutes voltado para a
democracia e justiccedila social
Ao povo brasileiro foi concedido o poder de governar e nesse contexto de
mudanccedila a ldquodemocracia eacute o governo do povo pelo povo e para o povordquo na
conceituaccedilatildeo ceacutelebre de Abraham Lincoln E consoante estabelece o paraacutegrafo
uacutenico do art 1ordm da Carta cidadatilde de 1988 ldquotodo poder emana do povo que o exerce
por meio de representantes eleitos ou diretamenterdquo
No entanto natildeo basta que a fonte de poder seja o povo a democracia vem
significar a efetiva participaccedilatildeo do povo nas decisotildees e destino do Estado e sua
consolidaccedilatildeo eacute a proacutepria cidadania pois eacute o cidadatildeo que pensa e se auto define
diante da condiccedilatildeo soacutecio-histoacuterica O cidadatildeo tem portanto o poder de transformar
a realidade social segundo seu pensamento e accedilatildeo
Natildeo se pode negar que a Carta de 1988 foi a que apresentou maior
legitimidade popular que abriu caminhos apontando um novo tempo
Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita Se fosse perfeita seria irreformaacutevel Ela proacutepria com humildade e realismo admite ser emendada ateacute por maioria mais acessiacutevel dentro de cinco anos Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita mas seraacute uacutetil e pioneira e desbravadora Seraacute luz ainda que de lamparina na noite dos desgraccedilados Eacute caminhando que se abrem os caminhos Ela vai caminhar e abri-los Seraacute redentor o que penetrar nos bolsotildees sujos escuros e ignorados da miseacuteria (Ulysses Guimaratildees)
Mesmo natildeo sendo a constituiccedilatildeo perfeita sem duacutevida foi a que trouxe
esperanccedila ao povo brasileiro com a sua promulgaccedilatildeo surgiram o ldquohaacutebeas datardquo o
mandado de injunccedilatildeo e o mandado de seguranccedila coletivo - todos remeacutedios judiciais
de iacutendoles constitucionais serviacuteveis para prevenir e combater diversas tentativas de
abuso contra a pessoa humana Outrossim o objeto da accedilatildeo popular foi ampliado
Atualmente qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima para propor a mencionada accedilatildeo
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popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de entidade de que o
Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e ao patrimocircnio
histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de custas
judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia Nesse rol de forma decisiva houve a
ampliaccedilatildeo tambeacutem dos direitos sociais
Assim a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconhece e assegura uma seacuterie de
escudos protetivos aos cidadatildeos Em sua essecircncia os direitos fundamentais
ganham forma De modo que podemos assegurar que hoje o nosso Estado eacute uma
organizaccedilatildeo centrada no ser humano visto que tem a dignidade da pessoa humana
como um fundamento da Repuacuteblica Federativa do Brasil
Apesar das inuacutemeras dificuldades o Estado Democraacutetico de Direito fundado
na cidadania constituiu para o povo uma nova identidade ndash o que em outras eacutepocas
natildeo existia
A Constituiccedilatildeo circunscreve toda a organizaccedilatildeo poliacutetica estatal no intuito
maior de criar no consciente coletivo a vontade livre e determinada de desenvolver
padrotildees de condutas destinados a elevar e promover a auto-estima de toda a
comunidade paacutetria
Foi nesse sentido que estatui em seu artigo 1ordm a cidadania como fundamento
do Estado Democraacutetico de Direito ampliando e enriquecendo o tal conceito Cada
eacutepoca produziu praacuteticas e reflexotildees muito distintas sobre o tema cidadania A
definiccedilatildeo de cidadania que vem sofrendo alteraccedilotildees ao longo do tempo obedecendo
a um processo histoacuterico de conquistas sociais eacute compreendida atualmente como
um processo de participaccedilatildeo do indiviacuteduo ou de um grupo organizado nas mais
variadas aacutereas de atuaccedilatildeo da sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos
e sociais
A cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia disso natildeo haacute duvidas e se
efetiva como mudanccedilas na realidade de cada um com melhoria de vida e
conscientizaccedilatildeo da importacircncia do cidadatildeo dado que eacute um processo em
permanente construccedilatildeo Natildeo haacute como defender uma qualidade de vida sem a
preservaccedilatildeo da cidadania em todos os seus acircmbitos Nesse sentido a efetiva
proteccedilatildeo desse aspecto basilar torna-se essencial no que tange uma assistecircncia
juriacutedica completa
No contraponto do direito estatildeo os deveres que encontramos sua realizaccedilatildeo
tambeacutem na participaccedilatildeo observando que o cidadatildeo eacute responsaacutevel pelo advir de
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suas accedilotildees A participaccedilatildeo reflete um caraacuteter de natildeo comodismo de atenccedilatildeo agravequilo
que eacute particular e coletivo tendo como finalidade preciacutepua o bem comum
Construir cidadania hoje eacute imperativo para a sociedade pois dessa
construccedilatildeo depende o amanhatilde Estamos diante da Constituiccedilatildeo que se propotildee a
resguardar o amanhatilde sem perder de vista que ele comeccedila hoje agora e nisso a
Carta Poliacutetica traacutes consigo a certeza do despertar dessa consciecircncia a consciecircncia
cidadatilde Ela eacute a semente plantada em terra feacutertil que gera frutos diariamente e se
renova a cada estaccedilatildeo na dinacircmica da vida Talvez tenha sido esse o cheiro de
frutas alcanccedilado pelo constituinte ao anunciar que a carta tem ldquocheiro do amanhatilderdquo
A responsabilidade pelo exerciacutecio desses direitos belissimamente elencados
depende de todos e de cada um pois somos o terreno feacutertil que produziraacute o fruto de
uma sociedade fraterna
Eacute comum na praacutetica apenas responsabilizarmos o Estado em sentido lato pelo
natildeo exerciacutecio dos direitos do cidadatildeo Vale lembrar nesse contexto das palavras de
J Kennedy o qual disse ldquonatildeo pergunte o que o Estado pode fazer por vocecirc mas o
que vocecirc pode fazer pelo Estadordquo haacute nessa frase um forte traccedilo de cidadania pois
quando o cidadatildeo reivindica critica opina o que ele daacute em contrapartida ao paiacutes eacute
solidificado visto que eacute nas relaccedilotildees familiares em comunidade que se estabelece e
se fortalece os viacutenculos de solidariedade de uma sociedade que perpetua valores
condutas que as leis reguladoras natildeo conseguem por si soacute estabelecer
A concretizaccedilatildeo do ideal de uma qualidade de vida merecida a todos os seres
humanos sem restriccedilotildees requer entretanto um esforccedilo coletivo Dessa forma haacute
necessidade de suprir as muitas carecircncias advindas das desigualdades sociais e de
condiccedilotildees do descaso do poder puacuteblico e da proacutepria conceituaccedilatildeo antiga de
cidadania que ainda eacute concebida por muitos no presente
Em suma nosso trabalho procurou traccedilar a evoluccedilatildeo da cidadania e ao
mesmo tempo buscou traccedilar uma melhor caracterizaccedilatildeo do cidadatildeo agrave luz da nossa
Constituiccedilatildeo que eacute por fim a essecircncia da Magna Carta O alcance da cidadania
enquanto mecanismo de acesso a direitos foi colocado no acircmbito da pessoa
enquanto titular de direitos e num paralelo defendemos que o municiacutepio eacute o espaccedilo
de atuaccedilatildeo e exerciacutecio de cidadania dada a proximidade do cidadatildeo com as
instituiccedilotildees oacutergatildeos entidades e tudo o mais que o cerca na esfera de vivecircncia Eacute na
praccedila que discute a poliacutetica local e nacional que se indigna com as dificuldades e as
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barreiras de acesso aos seus direitos Eacute no municiacutepio que se inicia todo um vieacutes de
desdobramento para garantir direitos
Por fim natildeo obstante resta dizer sobre o tema que os caminhos e
paradigmas que se intentou percorrer sobre cidadania como mecanismo
transformador da sociedade tem ingrediente ainda a se descortinar para o
propoacutesito valioso do bem comum Pois bem a ideia de bem comum tem como
fundamento o amor maacutexima que se estabelece por meio da democracia visto que
ldquoa demofilia o demoiacutesmo o amor do povo acima de tudo como princiacutepio ativo de
toda a sua vida poliacutetica inspirador duma sempre crescente autonomia imanente eacute
que constitui a verdadeira essecircncia da democraciardquo nas palavras de Melgareacute
(2005)
Dessa forma eacute no nuacutecleo da democracia que estaacute inscrito como pedra
angular o respeito e o amor pela pessoa humana Eacute pois um tema de larga
abrangecircncia poreacutem sem querer abreviar o caminho sua efetiva possibilidade de
realizaccedilatildeo se encontra no exerciacutecio da cidadania sem repuacutedios parciais ou exclusatildeo
de qualquer ordem na plenitude de uma cidadania para todos
57
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convivecircncia posto que cidadania eacute tarefa que natildeo termina natildeo eacute um conceito
pronto tatildeo pouco acabado enquanto seres inacabados que somos estaremos
buscando descobrindo criando e tomando consciecircncia mais ampla dos direitos
O desafio eacute construir um novo discurso sobre cidadania atraveacutes de uma
praacutetica poliacutetica sustentada isto eacute realizada em dois niacuteveis
O primeiro niacutevel na base atraveacutes de construccedilatildeo das capacidades e do poder
proacuteprio da populaccedilatildeo o que envolve inevitavelmente uma mudanccedila de atitude na
busca para garantir seus direitos utilizando-se do grau de autonomia local
Essa atitude conceberia agrave democracia participativa como uma poliacutetica paralela
de intervenccedilatildeo social criando e mantendo novos espaccedilos para a tomada de
decisotildees ou seja para o auto-governo pela populaccedilatildeo nas mateacuterias que afetam
diretamente suas vidas
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade
O segundo niacutevel um governo com o povo e natildeo apenas para o povo fundado
nos ditames constitucionais valorizando o sentimento da sociedade no exerciacutecio da
governabilidade de modo que o balizamento das accedilotildees de governo deixaria de estar
no proacuteprio governo e passaria a estabelecer-se a partir do pensar da sociedade Um
governo que se pergunta o que se deve fazer para ouvir com a maior fidelidade
possiacutevel a sociedade suas instituiccedilotildees representativas e o cidadatildeo Pois as
prioridades da gestatildeo deveriam ser definidas pela sociedade e natildeo mais pelo
governo
Portanto nesses termos eacute preciso considerar que as praacuteticas da
administraccedilatildeo puacuteblica sejam democratizadoras e inclusivas inspiradas nos
princiacutepios da legalidade impessoalidade moralidade publicidade e eficiecircncia Esta
uacuteltima buscou estabelecer uma Administraccedilatildeo Puacuteblica mais eficiente no sentido de
que o cidadatildeo como destinataacuterio dos serviccedilos puacuteblicos que o Estado deve prestar
receba-os com maior qualidade e menor custo para o eraacuterio puacuteblico
Para a consecuccedilatildeo desse governar com o povo alguns pontos devem ser
revistos A mudanccedila implica na necessidade de adequaccedilatildeo reorganizaccedilatildeo
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reformulaccedilatildeo Para isso se faz premente em face dos novos e modernos conceitos
de gestatildeo puacuteblica a superaccedilatildeo do tradicional vezo burocraacutetico que vem convertendo
a Administraccedilatildeo nas palavras Dromi (1995) numa cara ldquomaacutequina de impedirrdquo fiel
ldquocoacutedigo do fracassordquo que dispotildee ldquoartigo primeiro natildeo pode artigo segundo em
caso de duacutevida abstenha-se artigo terceiro se eacute urgente espere artigo quarto
sempre eacute mais prudente natildeo fazer nadardquo numa posiccedilatildeo natildeo burocraacutetica e sim
democraacutetica de considerar que organizaccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica inclui a
praacutetica de ver os cidadatildeos como membros plenos da comunidade poliacutetica tendo
acesso e exercitando direitos as que promovem a organizaccedilatildeo da populaccedilatildeo em
torno de temas de interesse comum as que incluem o controle social sobre a
gestatildeo o debate amplo e informado sobre questotildees de governo e que abrem agrave
populaccedilatildeo as decisotildees sobre estas questotildees Como leciona e Barrientos (2000)
Tratam-se de praacuteticas que natildeo buscam somente melhorar a eficiecircncia administrativa das diferentes organizaccedilotildees puacuteblicas mas que incorporam no seu processo de gestatildeo a dimensatildeo ativa da cidadania isto eacute ldquoque facilitam as iniciativas e responsabilidades de todos os envolvidos[] estabelecendo pontes entre Estado e sociedade civil
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade Acreditamos
que o ponto de partida eacute a atitude aliada agrave solidariedade e ao espiacuterito coletivo Pois
governo e cidadatildeos juntos haveratildeo de cumprir um novo papel no processo de
desenvolvimento como agentes de uma nova cultura
Como afirma Peter Drucke
A parceria comunitaacuteria seraacute um dos verdadeiros setores em crescimento das economias desenvolvidas Surge da necessidade de uma participaccedilatildeo mais direta e efetiva da comunidade nas grandes questotildees da vida social pois natildeo existe ningueacutem melhor que o cidadatildeo para saber o que ele quer para si para sua famiacutelia e para sua comunidade (apud RAMOS 1990)
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O envolvimento efetivo da sociedade nas questotildees sociais natildeo eacute apenas uma
postura moderna Significa antes de tudo uma atitude digna de todos aqueles que
desejam exercer sua cidadania contribuindo para um paiacutes melhor e em especial
para uma sociedade mais justa fraterna e solidaacuteria
Na histoacuteria observa-se a grande coragem das pessoas em construir o
reconhecimento delas proacuteprias e de seus direitos sempre buscando a participaccedilatildeo e
defendendo os Direitos Humanos Sem duacutevida a maior ecircnfase que deve ocorrer
para a construccedilatildeo real da cidadania eacute uma mudanccedila na sociedade O melhor a ser
feito eacute reforccedilar a organizaccedilatildeo democraacutetica buscando novas formas de participaccedilatildeo
social pois cidadania natildeo se resume ao poder de votar ou ser votado mas eacute sempre
na efetiva participaccedilatildeo popular pois somente com isso haacute a verdadeira
conscientizaccedilatildeo e o comprometimento daquele que passa a se sentir cidadatildeo
abandonando-se velhos viacutecios da poliacutetica representativa
Desse modo a participaccedilatildeo do povo no momento das reivindicaccedilotildees das
discussotildees e apreciaccedilotildees de projetos que visem agrave melhoria da comunidade local a
exigecircncia de transparecircncia na administraccedilatildeo da coisa puacuteblica dentre outras eacute quem
daraacute embasamento para as verdadeiras conquistas sociais no Municiacutepio que geram
saudaacuteveis formas de pressatildeo por efetivas poliacuteticas puacuteblicas de inclusatildeo social
gerando o fim do clientelismo poliacutetico tatildeo pejorativo e comum em nossa realidade e
cultura poliacutetica
Somente a participaccedilatildeo social eacute que iraacute causar uma real democratizaccedilatildeo do
poder A afirmaccedilatildeo da cidadania eacute pressuposto para a realizaccedilatildeo dos Direitos
Humanos pois os homens natildeo nascem naturalmente iguais Inclusive para que
ocorra a realizaccedilatildeo dos referidos direitos eacute necessaacuterio tambeacutem que exista um
espaccedilo puacuteblico que seja realmente democraacutetico e acessiacutevel possibilitando a
participaccedilatildeo de todos e esse espaccedilo eacute certamente o municiacutepio
Na praacutetica um forte instrumento de cidadania para atender as necessidades
coletivas eacute o orccedilamento participativo previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal que
determina expressamente a realizaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas e a participaccedilatildeo
popular nos processos de elaboraccedilatildeo e conduccedilatildeo dos orccedilamentos como forma de
incentivo agrave preparaccedilatildeo e execuccedilatildeo de planejamentos que envolvam diretamente o
povo A Lei veio incentivar a sua propagaccedilatildeo para todos os entes federativos tendo
em conta que se trata de uma tendecircncia mundial por legitimar as escolhas e
fortalecer o princiacutepio da transparecircncia
49
Os meios de acesso do cidadatildeo junto aos Poderes Puacuteblicos eacute uma realidade
no Estado Democraacutetico de Direito brasileiro a exemplo das sessotildees do Poder
Legislativo que satildeo puacuteblicas ficando abertas a todos que delas quiserem participar
Emite-se uma pauta antes do comeccedilo da sessatildeo com a preacutevia dos debates Em
niacutevel municipal verifica-se um acompanhamento mais incisivo sobre as sessotildees das
Cacircmaras de Vereadores como forma de pressatildeo para aprovaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees
da comunidade avaliaccedilatildeo do desempenho e aceitaccedilatildeo de propostas orccedilamentaacuterias
e atuaccedilatildeo dos poliacuteticos bem como entendimento das funccedilotildees do Poder Legislativo
A Constituiccedilatildeo Federal assegura desde 1988 a possibilidade de se oferecer
peticcedilatildeo agraves Mesas Legislativas como forma de pedir informaccedilotildees sobre andamento
de projetos ou relatoacuterios encaminhados aos chefes do Poder Executivo Em niacutevel
municipal pode ser utilizada a Tribuna Livre como instrumento para denuacutencias de
problemas ou discussatildeo de um tema ou mesmo para apresentar sugestotildees sendo
regulado pela Lei Orgacircnica Municipal e pelo Regimento Interno da Cacircmara
A convocaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas tambeacutem possui previsatildeo constitucional
no art 58 sect 20 inciso II em niacutevel federal As comissotildees podem em razatildeo da
mateacuteria de sua competecircncia realizar audiecircncias puacuteblicas com entidades da
sociedade civil E nada obsta que estejam previstas formas de articulaccedilatildeo da
sociedade civil com os Presidentes das Comissotildees da Cacircmara no seu Regimento
Interno em acircmbito municipal
Os dispositivos da Constituiccedilatildeo Federal que dispotildeem sobre a forma de
participaccedilatildeo direta do cidadatildeo e da sociedade civil no processo democraacutetico natildeo se
pode negar que trouxe novas perspectivas De modo geral podemos citar
Art 29 A lei orgacircnica dos Municiacutepios tem que observar entre os seus
preceitos ldquocooperaccedilatildeo das associaccedilotildees representativas no planejamento municipalrdquo
Art 31 As contas dos municiacutepios ficaratildeo durante 60 (sessenta) dias
anualmente a disposiccedilatildeo de qualquer contribuinte para exame e apreciaccedilatildeo o qual
poderaacute questionar-lhes a legitimidade nos termos da lei
Art37 sect 3ordm (EC-1998) A lei disciplinaraacute as formas de participaccedilatildeo do usuaacuterio
na administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta regulando especialmente
I- as reclamaccedilotildees relativas a prestaccedilatildeo dos serviccedilos puacuteblicos em geral asseguradas
a manutenccedilatildeo de serviccedilo de atendimento ao usuaacuterio e a avaliaccedilatildeo perioacutedica externa
e interna da qualidade dos serviccedilos
50
II- o acesso dos usuaacuterios a registros administrativos e a informaccedilatildeo sobre atos de
governo observado o disposto no art 5ordm X e XXXIII
III- a disciplina da representaccedilatildeo conta o exerciacutecio negligente ou abusivo de cargo
emprego ou funccedilatildeo na administraccedilatildeo puacuteblica
Art 74 sect 2ordm Qualquer cidadatildeo partido poliacutetico associaccedilatildeo ou sindicato eacute
parte legiacutetima para na forma de lei denunciar irregularidades ou ilegalidades perante
o Tribunal de Contas da Uniatildeo
Art194 paraacutegrafo uacutenico Compete ao Poder Puacuteblico nos termos da lei
organizar a seguridade social com base nos seguintes objetivos ()
VII ndash caraacuteter democraacutetivo descentralizado na administraccedilatildeo mediante gestatildeo
quadripartite com participaccedilatildeo dos trabalhadores dos empregados e dos
aposentados e do Governo nos oacutergatildeos colegiados nos oacutergatildeos colegiados
Art 198 As accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede integram uma rede
regionalizada e hierarquizada o constituem um sistema uacutenico organizado de acordo
com as seguintes diretrizes
III ndash participaccedilatildeo da comunidade
Art 202 sect 6ordm A lei complementa a que se refere o sect 4ordm deste artigo
estabeleceraacute os requisitos para a designaccedilatildeo dos membros das diretorias das
entidades fechadas de previdecircncia privada e disciplinaraacute a inserccedilatildeo dos
participantes nos colegiados e instacircncias de decisatildeo em que seus interesses sejam
objeto de discussatildeo e deliberaccedilatildeo
Art 204 As accedilotildees governamentais na aacuterea de assistecircncia social seratildeo
organizadas com base nas seguintes diretrizes
II ndash Participaccedilatildeo da populaccedilatildeo por meio de organizaccedilotildees representativas na
formulaccedilatildeo das poliacuteticas e no controle das accedilotildees em todos os niacuteveis
O protagonista na concretizaccedilatildeo dos direitos humanos e na ampliaccedilatildeo da cidadania eacute um sujeito coletivo de um trabalho sempre inacabado eis que se tratam de tarefas e conquistas cotidianas e gradativas obras que soacute podem ser realizada a muitas matildeos no partilhar e compartilhar da vida (COSTA NETO 2010)
A ampliaccedilatildeo da cidadania requer a consciecircncia de que os direitos pressupotildeem
deveres de maneira que os direitos de um indiviacuteduo satildeo garantidos a partir do
cumprimento dos deveres dos demais componentes da sociedade
51
34 A necessaacuteria superaccedilatildeo de velhos paradigmas
Como se sabe em 1988 foi aprovada a Constituiccedilatildeo mais liberal e
democraacutetica do Brasil chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo Assim ampliou-se de
forma significativa o campo dos direitos e garantias fundamentais No que diz
respeito a tal mateacuteria eacute considerada como uma das mais avanccediladas do mundo No
seu preacircmbulo adota o modelo de um Estado democraacutetico de Direito destinado a
garantir o exerciacutecio dos direitos sociais e individuais a liberdade a seguranccedila o
bem-estar o desenvolvimento a igualdade e a justiccedila eleitos como valores
supremos de uma sociedade fraterna pluralista e sem preconceitos
Para a construccedilatildeo democraacutetica da cidadania no Brasil contemporacircneo
salienta-se de ela deve passar de uma democracia representativa para uma
cidadania que efetivamente molde a democracia ou seja uma cidadania instituinte
da democracia
No acircmbito constitucional positivo cidadania pressupotildee o exerciacutecio de todos
os direitos fundamentais e garantias que caracterizam o Estado democraacutetico de
Direito Quando se fala em cidadania eacute no sentido de reafirmar o direito pela plena
realizaccedilatildeo do indiviacuteduo do cidadatildeo dos entes coletivos e de sua emancipaccedilatildeo nos
espaccedilos da sociedade Estatildeo sempre intimamente ligados os conceitos de
cidadania democracia e direitos humanos sendo que um remete ao outro e seus
conteuacutedos se interligam ou seja a cidadania natildeo iraacute ocorrer sem que ocorra a
realizaccedilatildeo dos Direitos Humanos da mesma forma que os direitos humanos natildeo
seratildeo concretizados se natildeo houver o exerciacutecio da cidadania
Na evoluccedilatildeo histoacuterica tais categorias se desenvolveram de forma conjunta
com o Estado Representam noccedilotildees desejaacuteveis de relaccedilotildees humanas que se espera
sejam instituiacutedas Satildeo os elementos basilares na nova ordem social e que a
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 pretendeu edificar Poreacutem a democracia poliacutetica natildeo
resolveu os problemas econocircmicos mais seacuterios como a desigualdade e o
desemprego Continuam muito seacuterios os problemas da aacuterea social principalmente
na educaccedilatildeo nos serviccedilos de sauacutede e saneamento como tambeacutem e
principalmente quanto agrave seguranccedila puacuteblica
52
A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 em seu artigo 6ordm e em outros artigos no texto
constitucional ampliou e muito os Direitos Sociais proibiu discriminaccedilotildees Assim
indicadores baacutesicos de qualidade de vida apontam que houve uma melhoria A
mortalidade infantil por exemplo caiu de maneira significativa nos uacuteltimos anos A
esperanccedila de vida ao nascer passou de 60 anos em 1980 para 70 em 2000 Poreacutem
o maior progresso foi na aacuterea da educaccedilatildeo fundamental que eacute considerado fator
decisivo para a cidadania pois a taxa de analfabetismo caiu consideravelmente
entretanto existem muitos problemas no campo educacional como a repetecircncia e
com relaccedilatildeo a desigualdade social entre as regiotildees
A grande concentraccedilatildeo da riqueza nacional nas matildeos de poucos reflete a
desigualdade e causa a pobreza e a miseacuteria ao passo que dificulta o acesso do
cidadatildeo agrave justiccedila e consequentemente ao seu estado de cidadania pleno
Dentre os fundamentos no qual se baseiam o Estado democraacutetico de Direito
no Brasil destaca-se justamente a cidadania e a dignidade humana conforme artigo
1ordm incisos II e III da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Entatildeo construir uma sociedade
livre justa e solidaacuteria garantir o desenvolvimento nacional erradicar a pobreza e a
marginalizaccedilatildeo reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de
todos sem preconceitos de origem raccedila sexo cor idade ou quaisquer outras
formas de discriminaccedilatildeo satildeo os objetivos fundamentais do Estado Brasileiro
conforme art 3ordm da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
O cenaacuterio de globalizaccedilatildeo econocircmica mundial tambeacutem traacutes seacuterios obstaacuteculos
para a construccedilatildeo da cidadania A globalizaccedilatildeo da economia em ritmo acelerado
provoca grandes mudanccedilas nas relaccedilotildees entre Estado sociedade e naccedilatildeo que
eram sempre o centro da noccedilatildeo e da praacutetica da cidadania ocidental O foco das
mudanccedilas e das preocupaccedilotildees estaacute em dois focos especiacuteficos a reduccedilatildeo do papel
central do Estado como fonte de direitos e local para a participaccedilatildeo e o
deslocamento da naccedilatildeo como principal fonte de identidade coletiva
Para que ocorra efetiva mudanccedila a melhor proposta eacute no sentido de
mudanccedila na organizaccedilatildeo da sociedade pois a inversatildeo da sequecircncia dos direitos
fez com que ocorra o reforccedilo da supremacia do Estado Para que ocorra a
consolidaccedilatildeo democraacutetica e cidadatilde eacute necessaacuterio reforccedilar a organizaccedilatildeo da
sociedade para assim dar embasamento social ao poder poliacutetico ou seja
finalmente democratizar o poder e estabelecer de forma plena a Cidadania
53
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A Constituiccedilatildeo que nasce com ldquocheiro de amanhatilde e natildeo de mofordquo nas
palavras do Deputado Ulisses Guimaratildees tem em seu relevo a esperanccedila de um
povo que sonhava com a erradicaccedilatildeo da repressatildeo militar e natildeo soacute isso um povo
que sonhava com a liberdade em suas diversas manifestaccedilotildees em suas mais
significativas formas de representaccedilatildeo e sobretudo com um paiacutes voltado para a
democracia e justiccedila social
Ao povo brasileiro foi concedido o poder de governar e nesse contexto de
mudanccedila a ldquodemocracia eacute o governo do povo pelo povo e para o povordquo na
conceituaccedilatildeo ceacutelebre de Abraham Lincoln E consoante estabelece o paraacutegrafo
uacutenico do art 1ordm da Carta cidadatilde de 1988 ldquotodo poder emana do povo que o exerce
por meio de representantes eleitos ou diretamenterdquo
No entanto natildeo basta que a fonte de poder seja o povo a democracia vem
significar a efetiva participaccedilatildeo do povo nas decisotildees e destino do Estado e sua
consolidaccedilatildeo eacute a proacutepria cidadania pois eacute o cidadatildeo que pensa e se auto define
diante da condiccedilatildeo soacutecio-histoacuterica O cidadatildeo tem portanto o poder de transformar
a realidade social segundo seu pensamento e accedilatildeo
Natildeo se pode negar que a Carta de 1988 foi a que apresentou maior
legitimidade popular que abriu caminhos apontando um novo tempo
Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita Se fosse perfeita seria irreformaacutevel Ela proacutepria com humildade e realismo admite ser emendada ateacute por maioria mais acessiacutevel dentro de cinco anos Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita mas seraacute uacutetil e pioneira e desbravadora Seraacute luz ainda que de lamparina na noite dos desgraccedilados Eacute caminhando que se abrem os caminhos Ela vai caminhar e abri-los Seraacute redentor o que penetrar nos bolsotildees sujos escuros e ignorados da miseacuteria (Ulysses Guimaratildees)
Mesmo natildeo sendo a constituiccedilatildeo perfeita sem duacutevida foi a que trouxe
esperanccedila ao povo brasileiro com a sua promulgaccedilatildeo surgiram o ldquohaacutebeas datardquo o
mandado de injunccedilatildeo e o mandado de seguranccedila coletivo - todos remeacutedios judiciais
de iacutendoles constitucionais serviacuteveis para prevenir e combater diversas tentativas de
abuso contra a pessoa humana Outrossim o objeto da accedilatildeo popular foi ampliado
Atualmente qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima para propor a mencionada accedilatildeo
54
popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de entidade de que o
Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e ao patrimocircnio
histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de custas
judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia Nesse rol de forma decisiva houve a
ampliaccedilatildeo tambeacutem dos direitos sociais
Assim a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconhece e assegura uma seacuterie de
escudos protetivos aos cidadatildeos Em sua essecircncia os direitos fundamentais
ganham forma De modo que podemos assegurar que hoje o nosso Estado eacute uma
organizaccedilatildeo centrada no ser humano visto que tem a dignidade da pessoa humana
como um fundamento da Repuacuteblica Federativa do Brasil
Apesar das inuacutemeras dificuldades o Estado Democraacutetico de Direito fundado
na cidadania constituiu para o povo uma nova identidade ndash o que em outras eacutepocas
natildeo existia
A Constituiccedilatildeo circunscreve toda a organizaccedilatildeo poliacutetica estatal no intuito
maior de criar no consciente coletivo a vontade livre e determinada de desenvolver
padrotildees de condutas destinados a elevar e promover a auto-estima de toda a
comunidade paacutetria
Foi nesse sentido que estatui em seu artigo 1ordm a cidadania como fundamento
do Estado Democraacutetico de Direito ampliando e enriquecendo o tal conceito Cada
eacutepoca produziu praacuteticas e reflexotildees muito distintas sobre o tema cidadania A
definiccedilatildeo de cidadania que vem sofrendo alteraccedilotildees ao longo do tempo obedecendo
a um processo histoacuterico de conquistas sociais eacute compreendida atualmente como
um processo de participaccedilatildeo do indiviacuteduo ou de um grupo organizado nas mais
variadas aacutereas de atuaccedilatildeo da sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos
e sociais
A cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia disso natildeo haacute duvidas e se
efetiva como mudanccedilas na realidade de cada um com melhoria de vida e
conscientizaccedilatildeo da importacircncia do cidadatildeo dado que eacute um processo em
permanente construccedilatildeo Natildeo haacute como defender uma qualidade de vida sem a
preservaccedilatildeo da cidadania em todos os seus acircmbitos Nesse sentido a efetiva
proteccedilatildeo desse aspecto basilar torna-se essencial no que tange uma assistecircncia
juriacutedica completa
No contraponto do direito estatildeo os deveres que encontramos sua realizaccedilatildeo
tambeacutem na participaccedilatildeo observando que o cidadatildeo eacute responsaacutevel pelo advir de
55
suas accedilotildees A participaccedilatildeo reflete um caraacuteter de natildeo comodismo de atenccedilatildeo agravequilo
que eacute particular e coletivo tendo como finalidade preciacutepua o bem comum
Construir cidadania hoje eacute imperativo para a sociedade pois dessa
construccedilatildeo depende o amanhatilde Estamos diante da Constituiccedilatildeo que se propotildee a
resguardar o amanhatilde sem perder de vista que ele comeccedila hoje agora e nisso a
Carta Poliacutetica traacutes consigo a certeza do despertar dessa consciecircncia a consciecircncia
cidadatilde Ela eacute a semente plantada em terra feacutertil que gera frutos diariamente e se
renova a cada estaccedilatildeo na dinacircmica da vida Talvez tenha sido esse o cheiro de
frutas alcanccedilado pelo constituinte ao anunciar que a carta tem ldquocheiro do amanhatilderdquo
A responsabilidade pelo exerciacutecio desses direitos belissimamente elencados
depende de todos e de cada um pois somos o terreno feacutertil que produziraacute o fruto de
uma sociedade fraterna
Eacute comum na praacutetica apenas responsabilizarmos o Estado em sentido lato pelo
natildeo exerciacutecio dos direitos do cidadatildeo Vale lembrar nesse contexto das palavras de
J Kennedy o qual disse ldquonatildeo pergunte o que o Estado pode fazer por vocecirc mas o
que vocecirc pode fazer pelo Estadordquo haacute nessa frase um forte traccedilo de cidadania pois
quando o cidadatildeo reivindica critica opina o que ele daacute em contrapartida ao paiacutes eacute
solidificado visto que eacute nas relaccedilotildees familiares em comunidade que se estabelece e
se fortalece os viacutenculos de solidariedade de uma sociedade que perpetua valores
condutas que as leis reguladoras natildeo conseguem por si soacute estabelecer
A concretizaccedilatildeo do ideal de uma qualidade de vida merecida a todos os seres
humanos sem restriccedilotildees requer entretanto um esforccedilo coletivo Dessa forma haacute
necessidade de suprir as muitas carecircncias advindas das desigualdades sociais e de
condiccedilotildees do descaso do poder puacuteblico e da proacutepria conceituaccedilatildeo antiga de
cidadania que ainda eacute concebida por muitos no presente
Em suma nosso trabalho procurou traccedilar a evoluccedilatildeo da cidadania e ao
mesmo tempo buscou traccedilar uma melhor caracterizaccedilatildeo do cidadatildeo agrave luz da nossa
Constituiccedilatildeo que eacute por fim a essecircncia da Magna Carta O alcance da cidadania
enquanto mecanismo de acesso a direitos foi colocado no acircmbito da pessoa
enquanto titular de direitos e num paralelo defendemos que o municiacutepio eacute o espaccedilo
de atuaccedilatildeo e exerciacutecio de cidadania dada a proximidade do cidadatildeo com as
instituiccedilotildees oacutergatildeos entidades e tudo o mais que o cerca na esfera de vivecircncia Eacute na
praccedila que discute a poliacutetica local e nacional que se indigna com as dificuldades e as
56
barreiras de acesso aos seus direitos Eacute no municiacutepio que se inicia todo um vieacutes de
desdobramento para garantir direitos
Por fim natildeo obstante resta dizer sobre o tema que os caminhos e
paradigmas que se intentou percorrer sobre cidadania como mecanismo
transformador da sociedade tem ingrediente ainda a se descortinar para o
propoacutesito valioso do bem comum Pois bem a ideia de bem comum tem como
fundamento o amor maacutexima que se estabelece por meio da democracia visto que
ldquoa demofilia o demoiacutesmo o amor do povo acima de tudo como princiacutepio ativo de
toda a sua vida poliacutetica inspirador duma sempre crescente autonomia imanente eacute
que constitui a verdadeira essecircncia da democraciardquo nas palavras de Melgareacute
(2005)
Dessa forma eacute no nuacutecleo da democracia que estaacute inscrito como pedra
angular o respeito e o amor pela pessoa humana Eacute pois um tema de larga
abrangecircncia poreacutem sem querer abreviar o caminho sua efetiva possibilidade de
realizaccedilatildeo se encontra no exerciacutecio da cidadania sem repuacutedios parciais ou exclusatildeo
de qualquer ordem na plenitude de uma cidadania para todos
57
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58
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47
reformulaccedilatildeo Para isso se faz premente em face dos novos e modernos conceitos
de gestatildeo puacuteblica a superaccedilatildeo do tradicional vezo burocraacutetico que vem convertendo
a Administraccedilatildeo nas palavras Dromi (1995) numa cara ldquomaacutequina de impedirrdquo fiel
ldquocoacutedigo do fracassordquo que dispotildee ldquoartigo primeiro natildeo pode artigo segundo em
caso de duacutevida abstenha-se artigo terceiro se eacute urgente espere artigo quarto
sempre eacute mais prudente natildeo fazer nadardquo numa posiccedilatildeo natildeo burocraacutetica e sim
democraacutetica de considerar que organizaccedilotildees da Administraccedilatildeo Puacuteblica inclui a
praacutetica de ver os cidadatildeos como membros plenos da comunidade poliacutetica tendo
acesso e exercitando direitos as que promovem a organizaccedilatildeo da populaccedilatildeo em
torno de temas de interesse comum as que incluem o controle social sobre a
gestatildeo o debate amplo e informado sobre questotildees de governo e que abrem agrave
populaccedilatildeo as decisotildees sobre estas questotildees Como leciona e Barrientos (2000)
Tratam-se de praacuteticas que natildeo buscam somente melhorar a eficiecircncia administrativa das diferentes organizaccedilotildees puacuteblicas mas que incorporam no seu processo de gestatildeo a dimensatildeo ativa da cidadania isto eacute ldquoque facilitam as iniciativas e responsabilidades de todos os envolvidos[] estabelecendo pontes entre Estado e sociedade civil
Portanto o exerciacutecio da cidadania pressupotildee o comprometimento coletivo Se
existe um problema na rua no bairro ou na escola natildeo se pode esperar a soluccedilatildeo
de braccedilos cruzados simplesmente porque existe o direito garantido por lei Eacute preciso
se organizar reivindicar buscar soluccedilotildees e pressionar os oacutergatildeos governamentais
competentes pois participar da vida puacuteblica significa assumir o lugar de quem
interfere e eacute co-responsaacutevel pelo rumo da histoacuteria de sua coletividade Acreditamos
que o ponto de partida eacute a atitude aliada agrave solidariedade e ao espiacuterito coletivo Pois
governo e cidadatildeos juntos haveratildeo de cumprir um novo papel no processo de
desenvolvimento como agentes de uma nova cultura
Como afirma Peter Drucke
A parceria comunitaacuteria seraacute um dos verdadeiros setores em crescimento das economias desenvolvidas Surge da necessidade de uma participaccedilatildeo mais direta e efetiva da comunidade nas grandes questotildees da vida social pois natildeo existe ningueacutem melhor que o cidadatildeo para saber o que ele quer para si para sua famiacutelia e para sua comunidade (apud RAMOS 1990)
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O envolvimento efetivo da sociedade nas questotildees sociais natildeo eacute apenas uma
postura moderna Significa antes de tudo uma atitude digna de todos aqueles que
desejam exercer sua cidadania contribuindo para um paiacutes melhor e em especial
para uma sociedade mais justa fraterna e solidaacuteria
Na histoacuteria observa-se a grande coragem das pessoas em construir o
reconhecimento delas proacuteprias e de seus direitos sempre buscando a participaccedilatildeo e
defendendo os Direitos Humanos Sem duacutevida a maior ecircnfase que deve ocorrer
para a construccedilatildeo real da cidadania eacute uma mudanccedila na sociedade O melhor a ser
feito eacute reforccedilar a organizaccedilatildeo democraacutetica buscando novas formas de participaccedilatildeo
social pois cidadania natildeo se resume ao poder de votar ou ser votado mas eacute sempre
na efetiva participaccedilatildeo popular pois somente com isso haacute a verdadeira
conscientizaccedilatildeo e o comprometimento daquele que passa a se sentir cidadatildeo
abandonando-se velhos viacutecios da poliacutetica representativa
Desse modo a participaccedilatildeo do povo no momento das reivindicaccedilotildees das
discussotildees e apreciaccedilotildees de projetos que visem agrave melhoria da comunidade local a
exigecircncia de transparecircncia na administraccedilatildeo da coisa puacuteblica dentre outras eacute quem
daraacute embasamento para as verdadeiras conquistas sociais no Municiacutepio que geram
saudaacuteveis formas de pressatildeo por efetivas poliacuteticas puacuteblicas de inclusatildeo social
gerando o fim do clientelismo poliacutetico tatildeo pejorativo e comum em nossa realidade e
cultura poliacutetica
Somente a participaccedilatildeo social eacute que iraacute causar uma real democratizaccedilatildeo do
poder A afirmaccedilatildeo da cidadania eacute pressuposto para a realizaccedilatildeo dos Direitos
Humanos pois os homens natildeo nascem naturalmente iguais Inclusive para que
ocorra a realizaccedilatildeo dos referidos direitos eacute necessaacuterio tambeacutem que exista um
espaccedilo puacuteblico que seja realmente democraacutetico e acessiacutevel possibilitando a
participaccedilatildeo de todos e esse espaccedilo eacute certamente o municiacutepio
Na praacutetica um forte instrumento de cidadania para atender as necessidades
coletivas eacute o orccedilamento participativo previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal que
determina expressamente a realizaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas e a participaccedilatildeo
popular nos processos de elaboraccedilatildeo e conduccedilatildeo dos orccedilamentos como forma de
incentivo agrave preparaccedilatildeo e execuccedilatildeo de planejamentos que envolvam diretamente o
povo A Lei veio incentivar a sua propagaccedilatildeo para todos os entes federativos tendo
em conta que se trata de uma tendecircncia mundial por legitimar as escolhas e
fortalecer o princiacutepio da transparecircncia
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Os meios de acesso do cidadatildeo junto aos Poderes Puacuteblicos eacute uma realidade
no Estado Democraacutetico de Direito brasileiro a exemplo das sessotildees do Poder
Legislativo que satildeo puacuteblicas ficando abertas a todos que delas quiserem participar
Emite-se uma pauta antes do comeccedilo da sessatildeo com a preacutevia dos debates Em
niacutevel municipal verifica-se um acompanhamento mais incisivo sobre as sessotildees das
Cacircmaras de Vereadores como forma de pressatildeo para aprovaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees
da comunidade avaliaccedilatildeo do desempenho e aceitaccedilatildeo de propostas orccedilamentaacuterias
e atuaccedilatildeo dos poliacuteticos bem como entendimento das funccedilotildees do Poder Legislativo
A Constituiccedilatildeo Federal assegura desde 1988 a possibilidade de se oferecer
peticcedilatildeo agraves Mesas Legislativas como forma de pedir informaccedilotildees sobre andamento
de projetos ou relatoacuterios encaminhados aos chefes do Poder Executivo Em niacutevel
municipal pode ser utilizada a Tribuna Livre como instrumento para denuacutencias de
problemas ou discussatildeo de um tema ou mesmo para apresentar sugestotildees sendo
regulado pela Lei Orgacircnica Municipal e pelo Regimento Interno da Cacircmara
A convocaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas tambeacutem possui previsatildeo constitucional
no art 58 sect 20 inciso II em niacutevel federal As comissotildees podem em razatildeo da
mateacuteria de sua competecircncia realizar audiecircncias puacuteblicas com entidades da
sociedade civil E nada obsta que estejam previstas formas de articulaccedilatildeo da
sociedade civil com os Presidentes das Comissotildees da Cacircmara no seu Regimento
Interno em acircmbito municipal
Os dispositivos da Constituiccedilatildeo Federal que dispotildeem sobre a forma de
participaccedilatildeo direta do cidadatildeo e da sociedade civil no processo democraacutetico natildeo se
pode negar que trouxe novas perspectivas De modo geral podemos citar
Art 29 A lei orgacircnica dos Municiacutepios tem que observar entre os seus
preceitos ldquocooperaccedilatildeo das associaccedilotildees representativas no planejamento municipalrdquo
Art 31 As contas dos municiacutepios ficaratildeo durante 60 (sessenta) dias
anualmente a disposiccedilatildeo de qualquer contribuinte para exame e apreciaccedilatildeo o qual
poderaacute questionar-lhes a legitimidade nos termos da lei
Art37 sect 3ordm (EC-1998) A lei disciplinaraacute as formas de participaccedilatildeo do usuaacuterio
na administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta regulando especialmente
I- as reclamaccedilotildees relativas a prestaccedilatildeo dos serviccedilos puacuteblicos em geral asseguradas
a manutenccedilatildeo de serviccedilo de atendimento ao usuaacuterio e a avaliaccedilatildeo perioacutedica externa
e interna da qualidade dos serviccedilos
50
II- o acesso dos usuaacuterios a registros administrativos e a informaccedilatildeo sobre atos de
governo observado o disposto no art 5ordm X e XXXIII
III- a disciplina da representaccedilatildeo conta o exerciacutecio negligente ou abusivo de cargo
emprego ou funccedilatildeo na administraccedilatildeo puacuteblica
Art 74 sect 2ordm Qualquer cidadatildeo partido poliacutetico associaccedilatildeo ou sindicato eacute
parte legiacutetima para na forma de lei denunciar irregularidades ou ilegalidades perante
o Tribunal de Contas da Uniatildeo
Art194 paraacutegrafo uacutenico Compete ao Poder Puacuteblico nos termos da lei
organizar a seguridade social com base nos seguintes objetivos ()
VII ndash caraacuteter democraacutetivo descentralizado na administraccedilatildeo mediante gestatildeo
quadripartite com participaccedilatildeo dos trabalhadores dos empregados e dos
aposentados e do Governo nos oacutergatildeos colegiados nos oacutergatildeos colegiados
Art 198 As accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede integram uma rede
regionalizada e hierarquizada o constituem um sistema uacutenico organizado de acordo
com as seguintes diretrizes
III ndash participaccedilatildeo da comunidade
Art 202 sect 6ordm A lei complementa a que se refere o sect 4ordm deste artigo
estabeleceraacute os requisitos para a designaccedilatildeo dos membros das diretorias das
entidades fechadas de previdecircncia privada e disciplinaraacute a inserccedilatildeo dos
participantes nos colegiados e instacircncias de decisatildeo em que seus interesses sejam
objeto de discussatildeo e deliberaccedilatildeo
Art 204 As accedilotildees governamentais na aacuterea de assistecircncia social seratildeo
organizadas com base nas seguintes diretrizes
II ndash Participaccedilatildeo da populaccedilatildeo por meio de organizaccedilotildees representativas na
formulaccedilatildeo das poliacuteticas e no controle das accedilotildees em todos os niacuteveis
O protagonista na concretizaccedilatildeo dos direitos humanos e na ampliaccedilatildeo da cidadania eacute um sujeito coletivo de um trabalho sempre inacabado eis que se tratam de tarefas e conquistas cotidianas e gradativas obras que soacute podem ser realizada a muitas matildeos no partilhar e compartilhar da vida (COSTA NETO 2010)
A ampliaccedilatildeo da cidadania requer a consciecircncia de que os direitos pressupotildeem
deveres de maneira que os direitos de um indiviacuteduo satildeo garantidos a partir do
cumprimento dos deveres dos demais componentes da sociedade
51
34 A necessaacuteria superaccedilatildeo de velhos paradigmas
Como se sabe em 1988 foi aprovada a Constituiccedilatildeo mais liberal e
democraacutetica do Brasil chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo Assim ampliou-se de
forma significativa o campo dos direitos e garantias fundamentais No que diz
respeito a tal mateacuteria eacute considerada como uma das mais avanccediladas do mundo No
seu preacircmbulo adota o modelo de um Estado democraacutetico de Direito destinado a
garantir o exerciacutecio dos direitos sociais e individuais a liberdade a seguranccedila o
bem-estar o desenvolvimento a igualdade e a justiccedila eleitos como valores
supremos de uma sociedade fraterna pluralista e sem preconceitos
Para a construccedilatildeo democraacutetica da cidadania no Brasil contemporacircneo
salienta-se de ela deve passar de uma democracia representativa para uma
cidadania que efetivamente molde a democracia ou seja uma cidadania instituinte
da democracia
No acircmbito constitucional positivo cidadania pressupotildee o exerciacutecio de todos
os direitos fundamentais e garantias que caracterizam o Estado democraacutetico de
Direito Quando se fala em cidadania eacute no sentido de reafirmar o direito pela plena
realizaccedilatildeo do indiviacuteduo do cidadatildeo dos entes coletivos e de sua emancipaccedilatildeo nos
espaccedilos da sociedade Estatildeo sempre intimamente ligados os conceitos de
cidadania democracia e direitos humanos sendo que um remete ao outro e seus
conteuacutedos se interligam ou seja a cidadania natildeo iraacute ocorrer sem que ocorra a
realizaccedilatildeo dos Direitos Humanos da mesma forma que os direitos humanos natildeo
seratildeo concretizados se natildeo houver o exerciacutecio da cidadania
Na evoluccedilatildeo histoacuterica tais categorias se desenvolveram de forma conjunta
com o Estado Representam noccedilotildees desejaacuteveis de relaccedilotildees humanas que se espera
sejam instituiacutedas Satildeo os elementos basilares na nova ordem social e que a
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 pretendeu edificar Poreacutem a democracia poliacutetica natildeo
resolveu os problemas econocircmicos mais seacuterios como a desigualdade e o
desemprego Continuam muito seacuterios os problemas da aacuterea social principalmente
na educaccedilatildeo nos serviccedilos de sauacutede e saneamento como tambeacutem e
principalmente quanto agrave seguranccedila puacuteblica
52
A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 em seu artigo 6ordm e em outros artigos no texto
constitucional ampliou e muito os Direitos Sociais proibiu discriminaccedilotildees Assim
indicadores baacutesicos de qualidade de vida apontam que houve uma melhoria A
mortalidade infantil por exemplo caiu de maneira significativa nos uacuteltimos anos A
esperanccedila de vida ao nascer passou de 60 anos em 1980 para 70 em 2000 Poreacutem
o maior progresso foi na aacuterea da educaccedilatildeo fundamental que eacute considerado fator
decisivo para a cidadania pois a taxa de analfabetismo caiu consideravelmente
entretanto existem muitos problemas no campo educacional como a repetecircncia e
com relaccedilatildeo a desigualdade social entre as regiotildees
A grande concentraccedilatildeo da riqueza nacional nas matildeos de poucos reflete a
desigualdade e causa a pobreza e a miseacuteria ao passo que dificulta o acesso do
cidadatildeo agrave justiccedila e consequentemente ao seu estado de cidadania pleno
Dentre os fundamentos no qual se baseiam o Estado democraacutetico de Direito
no Brasil destaca-se justamente a cidadania e a dignidade humana conforme artigo
1ordm incisos II e III da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Entatildeo construir uma sociedade
livre justa e solidaacuteria garantir o desenvolvimento nacional erradicar a pobreza e a
marginalizaccedilatildeo reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de
todos sem preconceitos de origem raccedila sexo cor idade ou quaisquer outras
formas de discriminaccedilatildeo satildeo os objetivos fundamentais do Estado Brasileiro
conforme art 3ordm da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
O cenaacuterio de globalizaccedilatildeo econocircmica mundial tambeacutem traacutes seacuterios obstaacuteculos
para a construccedilatildeo da cidadania A globalizaccedilatildeo da economia em ritmo acelerado
provoca grandes mudanccedilas nas relaccedilotildees entre Estado sociedade e naccedilatildeo que
eram sempre o centro da noccedilatildeo e da praacutetica da cidadania ocidental O foco das
mudanccedilas e das preocupaccedilotildees estaacute em dois focos especiacuteficos a reduccedilatildeo do papel
central do Estado como fonte de direitos e local para a participaccedilatildeo e o
deslocamento da naccedilatildeo como principal fonte de identidade coletiva
Para que ocorra efetiva mudanccedila a melhor proposta eacute no sentido de
mudanccedila na organizaccedilatildeo da sociedade pois a inversatildeo da sequecircncia dos direitos
fez com que ocorra o reforccedilo da supremacia do Estado Para que ocorra a
consolidaccedilatildeo democraacutetica e cidadatilde eacute necessaacuterio reforccedilar a organizaccedilatildeo da
sociedade para assim dar embasamento social ao poder poliacutetico ou seja
finalmente democratizar o poder e estabelecer de forma plena a Cidadania
53
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A Constituiccedilatildeo que nasce com ldquocheiro de amanhatilde e natildeo de mofordquo nas
palavras do Deputado Ulisses Guimaratildees tem em seu relevo a esperanccedila de um
povo que sonhava com a erradicaccedilatildeo da repressatildeo militar e natildeo soacute isso um povo
que sonhava com a liberdade em suas diversas manifestaccedilotildees em suas mais
significativas formas de representaccedilatildeo e sobretudo com um paiacutes voltado para a
democracia e justiccedila social
Ao povo brasileiro foi concedido o poder de governar e nesse contexto de
mudanccedila a ldquodemocracia eacute o governo do povo pelo povo e para o povordquo na
conceituaccedilatildeo ceacutelebre de Abraham Lincoln E consoante estabelece o paraacutegrafo
uacutenico do art 1ordm da Carta cidadatilde de 1988 ldquotodo poder emana do povo que o exerce
por meio de representantes eleitos ou diretamenterdquo
No entanto natildeo basta que a fonte de poder seja o povo a democracia vem
significar a efetiva participaccedilatildeo do povo nas decisotildees e destino do Estado e sua
consolidaccedilatildeo eacute a proacutepria cidadania pois eacute o cidadatildeo que pensa e se auto define
diante da condiccedilatildeo soacutecio-histoacuterica O cidadatildeo tem portanto o poder de transformar
a realidade social segundo seu pensamento e accedilatildeo
Natildeo se pode negar que a Carta de 1988 foi a que apresentou maior
legitimidade popular que abriu caminhos apontando um novo tempo
Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita Se fosse perfeita seria irreformaacutevel Ela proacutepria com humildade e realismo admite ser emendada ateacute por maioria mais acessiacutevel dentro de cinco anos Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita mas seraacute uacutetil e pioneira e desbravadora Seraacute luz ainda que de lamparina na noite dos desgraccedilados Eacute caminhando que se abrem os caminhos Ela vai caminhar e abri-los Seraacute redentor o que penetrar nos bolsotildees sujos escuros e ignorados da miseacuteria (Ulysses Guimaratildees)
Mesmo natildeo sendo a constituiccedilatildeo perfeita sem duacutevida foi a que trouxe
esperanccedila ao povo brasileiro com a sua promulgaccedilatildeo surgiram o ldquohaacutebeas datardquo o
mandado de injunccedilatildeo e o mandado de seguranccedila coletivo - todos remeacutedios judiciais
de iacutendoles constitucionais serviacuteveis para prevenir e combater diversas tentativas de
abuso contra a pessoa humana Outrossim o objeto da accedilatildeo popular foi ampliado
Atualmente qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima para propor a mencionada accedilatildeo
54
popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de entidade de que o
Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e ao patrimocircnio
histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de custas
judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia Nesse rol de forma decisiva houve a
ampliaccedilatildeo tambeacutem dos direitos sociais
Assim a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconhece e assegura uma seacuterie de
escudos protetivos aos cidadatildeos Em sua essecircncia os direitos fundamentais
ganham forma De modo que podemos assegurar que hoje o nosso Estado eacute uma
organizaccedilatildeo centrada no ser humano visto que tem a dignidade da pessoa humana
como um fundamento da Repuacuteblica Federativa do Brasil
Apesar das inuacutemeras dificuldades o Estado Democraacutetico de Direito fundado
na cidadania constituiu para o povo uma nova identidade ndash o que em outras eacutepocas
natildeo existia
A Constituiccedilatildeo circunscreve toda a organizaccedilatildeo poliacutetica estatal no intuito
maior de criar no consciente coletivo a vontade livre e determinada de desenvolver
padrotildees de condutas destinados a elevar e promover a auto-estima de toda a
comunidade paacutetria
Foi nesse sentido que estatui em seu artigo 1ordm a cidadania como fundamento
do Estado Democraacutetico de Direito ampliando e enriquecendo o tal conceito Cada
eacutepoca produziu praacuteticas e reflexotildees muito distintas sobre o tema cidadania A
definiccedilatildeo de cidadania que vem sofrendo alteraccedilotildees ao longo do tempo obedecendo
a um processo histoacuterico de conquistas sociais eacute compreendida atualmente como
um processo de participaccedilatildeo do indiviacuteduo ou de um grupo organizado nas mais
variadas aacutereas de atuaccedilatildeo da sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos
e sociais
A cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia disso natildeo haacute duvidas e se
efetiva como mudanccedilas na realidade de cada um com melhoria de vida e
conscientizaccedilatildeo da importacircncia do cidadatildeo dado que eacute um processo em
permanente construccedilatildeo Natildeo haacute como defender uma qualidade de vida sem a
preservaccedilatildeo da cidadania em todos os seus acircmbitos Nesse sentido a efetiva
proteccedilatildeo desse aspecto basilar torna-se essencial no que tange uma assistecircncia
juriacutedica completa
No contraponto do direito estatildeo os deveres que encontramos sua realizaccedilatildeo
tambeacutem na participaccedilatildeo observando que o cidadatildeo eacute responsaacutevel pelo advir de
55
suas accedilotildees A participaccedilatildeo reflete um caraacuteter de natildeo comodismo de atenccedilatildeo agravequilo
que eacute particular e coletivo tendo como finalidade preciacutepua o bem comum
Construir cidadania hoje eacute imperativo para a sociedade pois dessa
construccedilatildeo depende o amanhatilde Estamos diante da Constituiccedilatildeo que se propotildee a
resguardar o amanhatilde sem perder de vista que ele comeccedila hoje agora e nisso a
Carta Poliacutetica traacutes consigo a certeza do despertar dessa consciecircncia a consciecircncia
cidadatilde Ela eacute a semente plantada em terra feacutertil que gera frutos diariamente e se
renova a cada estaccedilatildeo na dinacircmica da vida Talvez tenha sido esse o cheiro de
frutas alcanccedilado pelo constituinte ao anunciar que a carta tem ldquocheiro do amanhatilderdquo
A responsabilidade pelo exerciacutecio desses direitos belissimamente elencados
depende de todos e de cada um pois somos o terreno feacutertil que produziraacute o fruto de
uma sociedade fraterna
Eacute comum na praacutetica apenas responsabilizarmos o Estado em sentido lato pelo
natildeo exerciacutecio dos direitos do cidadatildeo Vale lembrar nesse contexto das palavras de
J Kennedy o qual disse ldquonatildeo pergunte o que o Estado pode fazer por vocecirc mas o
que vocecirc pode fazer pelo Estadordquo haacute nessa frase um forte traccedilo de cidadania pois
quando o cidadatildeo reivindica critica opina o que ele daacute em contrapartida ao paiacutes eacute
solidificado visto que eacute nas relaccedilotildees familiares em comunidade que se estabelece e
se fortalece os viacutenculos de solidariedade de uma sociedade que perpetua valores
condutas que as leis reguladoras natildeo conseguem por si soacute estabelecer
A concretizaccedilatildeo do ideal de uma qualidade de vida merecida a todos os seres
humanos sem restriccedilotildees requer entretanto um esforccedilo coletivo Dessa forma haacute
necessidade de suprir as muitas carecircncias advindas das desigualdades sociais e de
condiccedilotildees do descaso do poder puacuteblico e da proacutepria conceituaccedilatildeo antiga de
cidadania que ainda eacute concebida por muitos no presente
Em suma nosso trabalho procurou traccedilar a evoluccedilatildeo da cidadania e ao
mesmo tempo buscou traccedilar uma melhor caracterizaccedilatildeo do cidadatildeo agrave luz da nossa
Constituiccedilatildeo que eacute por fim a essecircncia da Magna Carta O alcance da cidadania
enquanto mecanismo de acesso a direitos foi colocado no acircmbito da pessoa
enquanto titular de direitos e num paralelo defendemos que o municiacutepio eacute o espaccedilo
de atuaccedilatildeo e exerciacutecio de cidadania dada a proximidade do cidadatildeo com as
instituiccedilotildees oacutergatildeos entidades e tudo o mais que o cerca na esfera de vivecircncia Eacute na
praccedila que discute a poliacutetica local e nacional que se indigna com as dificuldades e as
56
barreiras de acesso aos seus direitos Eacute no municiacutepio que se inicia todo um vieacutes de
desdobramento para garantir direitos
Por fim natildeo obstante resta dizer sobre o tema que os caminhos e
paradigmas que se intentou percorrer sobre cidadania como mecanismo
transformador da sociedade tem ingrediente ainda a se descortinar para o
propoacutesito valioso do bem comum Pois bem a ideia de bem comum tem como
fundamento o amor maacutexima que se estabelece por meio da democracia visto que
ldquoa demofilia o demoiacutesmo o amor do povo acima de tudo como princiacutepio ativo de
toda a sua vida poliacutetica inspirador duma sempre crescente autonomia imanente eacute
que constitui a verdadeira essecircncia da democraciardquo nas palavras de Melgareacute
(2005)
Dessa forma eacute no nuacutecleo da democracia que estaacute inscrito como pedra
angular o respeito e o amor pela pessoa humana Eacute pois um tema de larga
abrangecircncia poreacutem sem querer abreviar o caminho sua efetiva possibilidade de
realizaccedilatildeo se encontra no exerciacutecio da cidadania sem repuacutedios parciais ou exclusatildeo
de qualquer ordem na plenitude de uma cidadania para todos
57
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
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58
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48
O envolvimento efetivo da sociedade nas questotildees sociais natildeo eacute apenas uma
postura moderna Significa antes de tudo uma atitude digna de todos aqueles que
desejam exercer sua cidadania contribuindo para um paiacutes melhor e em especial
para uma sociedade mais justa fraterna e solidaacuteria
Na histoacuteria observa-se a grande coragem das pessoas em construir o
reconhecimento delas proacuteprias e de seus direitos sempre buscando a participaccedilatildeo e
defendendo os Direitos Humanos Sem duacutevida a maior ecircnfase que deve ocorrer
para a construccedilatildeo real da cidadania eacute uma mudanccedila na sociedade O melhor a ser
feito eacute reforccedilar a organizaccedilatildeo democraacutetica buscando novas formas de participaccedilatildeo
social pois cidadania natildeo se resume ao poder de votar ou ser votado mas eacute sempre
na efetiva participaccedilatildeo popular pois somente com isso haacute a verdadeira
conscientizaccedilatildeo e o comprometimento daquele que passa a se sentir cidadatildeo
abandonando-se velhos viacutecios da poliacutetica representativa
Desse modo a participaccedilatildeo do povo no momento das reivindicaccedilotildees das
discussotildees e apreciaccedilotildees de projetos que visem agrave melhoria da comunidade local a
exigecircncia de transparecircncia na administraccedilatildeo da coisa puacuteblica dentre outras eacute quem
daraacute embasamento para as verdadeiras conquistas sociais no Municiacutepio que geram
saudaacuteveis formas de pressatildeo por efetivas poliacuteticas puacuteblicas de inclusatildeo social
gerando o fim do clientelismo poliacutetico tatildeo pejorativo e comum em nossa realidade e
cultura poliacutetica
Somente a participaccedilatildeo social eacute que iraacute causar uma real democratizaccedilatildeo do
poder A afirmaccedilatildeo da cidadania eacute pressuposto para a realizaccedilatildeo dos Direitos
Humanos pois os homens natildeo nascem naturalmente iguais Inclusive para que
ocorra a realizaccedilatildeo dos referidos direitos eacute necessaacuterio tambeacutem que exista um
espaccedilo puacuteblico que seja realmente democraacutetico e acessiacutevel possibilitando a
participaccedilatildeo de todos e esse espaccedilo eacute certamente o municiacutepio
Na praacutetica um forte instrumento de cidadania para atender as necessidades
coletivas eacute o orccedilamento participativo previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal que
determina expressamente a realizaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas e a participaccedilatildeo
popular nos processos de elaboraccedilatildeo e conduccedilatildeo dos orccedilamentos como forma de
incentivo agrave preparaccedilatildeo e execuccedilatildeo de planejamentos que envolvam diretamente o
povo A Lei veio incentivar a sua propagaccedilatildeo para todos os entes federativos tendo
em conta que se trata de uma tendecircncia mundial por legitimar as escolhas e
fortalecer o princiacutepio da transparecircncia
49
Os meios de acesso do cidadatildeo junto aos Poderes Puacuteblicos eacute uma realidade
no Estado Democraacutetico de Direito brasileiro a exemplo das sessotildees do Poder
Legislativo que satildeo puacuteblicas ficando abertas a todos que delas quiserem participar
Emite-se uma pauta antes do comeccedilo da sessatildeo com a preacutevia dos debates Em
niacutevel municipal verifica-se um acompanhamento mais incisivo sobre as sessotildees das
Cacircmaras de Vereadores como forma de pressatildeo para aprovaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees
da comunidade avaliaccedilatildeo do desempenho e aceitaccedilatildeo de propostas orccedilamentaacuterias
e atuaccedilatildeo dos poliacuteticos bem como entendimento das funccedilotildees do Poder Legislativo
A Constituiccedilatildeo Federal assegura desde 1988 a possibilidade de se oferecer
peticcedilatildeo agraves Mesas Legislativas como forma de pedir informaccedilotildees sobre andamento
de projetos ou relatoacuterios encaminhados aos chefes do Poder Executivo Em niacutevel
municipal pode ser utilizada a Tribuna Livre como instrumento para denuacutencias de
problemas ou discussatildeo de um tema ou mesmo para apresentar sugestotildees sendo
regulado pela Lei Orgacircnica Municipal e pelo Regimento Interno da Cacircmara
A convocaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas tambeacutem possui previsatildeo constitucional
no art 58 sect 20 inciso II em niacutevel federal As comissotildees podem em razatildeo da
mateacuteria de sua competecircncia realizar audiecircncias puacuteblicas com entidades da
sociedade civil E nada obsta que estejam previstas formas de articulaccedilatildeo da
sociedade civil com os Presidentes das Comissotildees da Cacircmara no seu Regimento
Interno em acircmbito municipal
Os dispositivos da Constituiccedilatildeo Federal que dispotildeem sobre a forma de
participaccedilatildeo direta do cidadatildeo e da sociedade civil no processo democraacutetico natildeo se
pode negar que trouxe novas perspectivas De modo geral podemos citar
Art 29 A lei orgacircnica dos Municiacutepios tem que observar entre os seus
preceitos ldquocooperaccedilatildeo das associaccedilotildees representativas no planejamento municipalrdquo
Art 31 As contas dos municiacutepios ficaratildeo durante 60 (sessenta) dias
anualmente a disposiccedilatildeo de qualquer contribuinte para exame e apreciaccedilatildeo o qual
poderaacute questionar-lhes a legitimidade nos termos da lei
Art37 sect 3ordm (EC-1998) A lei disciplinaraacute as formas de participaccedilatildeo do usuaacuterio
na administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta regulando especialmente
I- as reclamaccedilotildees relativas a prestaccedilatildeo dos serviccedilos puacuteblicos em geral asseguradas
a manutenccedilatildeo de serviccedilo de atendimento ao usuaacuterio e a avaliaccedilatildeo perioacutedica externa
e interna da qualidade dos serviccedilos
50
II- o acesso dos usuaacuterios a registros administrativos e a informaccedilatildeo sobre atos de
governo observado o disposto no art 5ordm X e XXXIII
III- a disciplina da representaccedilatildeo conta o exerciacutecio negligente ou abusivo de cargo
emprego ou funccedilatildeo na administraccedilatildeo puacuteblica
Art 74 sect 2ordm Qualquer cidadatildeo partido poliacutetico associaccedilatildeo ou sindicato eacute
parte legiacutetima para na forma de lei denunciar irregularidades ou ilegalidades perante
o Tribunal de Contas da Uniatildeo
Art194 paraacutegrafo uacutenico Compete ao Poder Puacuteblico nos termos da lei
organizar a seguridade social com base nos seguintes objetivos ()
VII ndash caraacuteter democraacutetivo descentralizado na administraccedilatildeo mediante gestatildeo
quadripartite com participaccedilatildeo dos trabalhadores dos empregados e dos
aposentados e do Governo nos oacutergatildeos colegiados nos oacutergatildeos colegiados
Art 198 As accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede integram uma rede
regionalizada e hierarquizada o constituem um sistema uacutenico organizado de acordo
com as seguintes diretrizes
III ndash participaccedilatildeo da comunidade
Art 202 sect 6ordm A lei complementa a que se refere o sect 4ordm deste artigo
estabeleceraacute os requisitos para a designaccedilatildeo dos membros das diretorias das
entidades fechadas de previdecircncia privada e disciplinaraacute a inserccedilatildeo dos
participantes nos colegiados e instacircncias de decisatildeo em que seus interesses sejam
objeto de discussatildeo e deliberaccedilatildeo
Art 204 As accedilotildees governamentais na aacuterea de assistecircncia social seratildeo
organizadas com base nas seguintes diretrizes
II ndash Participaccedilatildeo da populaccedilatildeo por meio de organizaccedilotildees representativas na
formulaccedilatildeo das poliacuteticas e no controle das accedilotildees em todos os niacuteveis
O protagonista na concretizaccedilatildeo dos direitos humanos e na ampliaccedilatildeo da cidadania eacute um sujeito coletivo de um trabalho sempre inacabado eis que se tratam de tarefas e conquistas cotidianas e gradativas obras que soacute podem ser realizada a muitas matildeos no partilhar e compartilhar da vida (COSTA NETO 2010)
A ampliaccedilatildeo da cidadania requer a consciecircncia de que os direitos pressupotildeem
deveres de maneira que os direitos de um indiviacuteduo satildeo garantidos a partir do
cumprimento dos deveres dos demais componentes da sociedade
51
34 A necessaacuteria superaccedilatildeo de velhos paradigmas
Como se sabe em 1988 foi aprovada a Constituiccedilatildeo mais liberal e
democraacutetica do Brasil chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo Assim ampliou-se de
forma significativa o campo dos direitos e garantias fundamentais No que diz
respeito a tal mateacuteria eacute considerada como uma das mais avanccediladas do mundo No
seu preacircmbulo adota o modelo de um Estado democraacutetico de Direito destinado a
garantir o exerciacutecio dos direitos sociais e individuais a liberdade a seguranccedila o
bem-estar o desenvolvimento a igualdade e a justiccedila eleitos como valores
supremos de uma sociedade fraterna pluralista e sem preconceitos
Para a construccedilatildeo democraacutetica da cidadania no Brasil contemporacircneo
salienta-se de ela deve passar de uma democracia representativa para uma
cidadania que efetivamente molde a democracia ou seja uma cidadania instituinte
da democracia
No acircmbito constitucional positivo cidadania pressupotildee o exerciacutecio de todos
os direitos fundamentais e garantias que caracterizam o Estado democraacutetico de
Direito Quando se fala em cidadania eacute no sentido de reafirmar o direito pela plena
realizaccedilatildeo do indiviacuteduo do cidadatildeo dos entes coletivos e de sua emancipaccedilatildeo nos
espaccedilos da sociedade Estatildeo sempre intimamente ligados os conceitos de
cidadania democracia e direitos humanos sendo que um remete ao outro e seus
conteuacutedos se interligam ou seja a cidadania natildeo iraacute ocorrer sem que ocorra a
realizaccedilatildeo dos Direitos Humanos da mesma forma que os direitos humanos natildeo
seratildeo concretizados se natildeo houver o exerciacutecio da cidadania
Na evoluccedilatildeo histoacuterica tais categorias se desenvolveram de forma conjunta
com o Estado Representam noccedilotildees desejaacuteveis de relaccedilotildees humanas que se espera
sejam instituiacutedas Satildeo os elementos basilares na nova ordem social e que a
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 pretendeu edificar Poreacutem a democracia poliacutetica natildeo
resolveu os problemas econocircmicos mais seacuterios como a desigualdade e o
desemprego Continuam muito seacuterios os problemas da aacuterea social principalmente
na educaccedilatildeo nos serviccedilos de sauacutede e saneamento como tambeacutem e
principalmente quanto agrave seguranccedila puacuteblica
52
A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 em seu artigo 6ordm e em outros artigos no texto
constitucional ampliou e muito os Direitos Sociais proibiu discriminaccedilotildees Assim
indicadores baacutesicos de qualidade de vida apontam que houve uma melhoria A
mortalidade infantil por exemplo caiu de maneira significativa nos uacuteltimos anos A
esperanccedila de vida ao nascer passou de 60 anos em 1980 para 70 em 2000 Poreacutem
o maior progresso foi na aacuterea da educaccedilatildeo fundamental que eacute considerado fator
decisivo para a cidadania pois a taxa de analfabetismo caiu consideravelmente
entretanto existem muitos problemas no campo educacional como a repetecircncia e
com relaccedilatildeo a desigualdade social entre as regiotildees
A grande concentraccedilatildeo da riqueza nacional nas matildeos de poucos reflete a
desigualdade e causa a pobreza e a miseacuteria ao passo que dificulta o acesso do
cidadatildeo agrave justiccedila e consequentemente ao seu estado de cidadania pleno
Dentre os fundamentos no qual se baseiam o Estado democraacutetico de Direito
no Brasil destaca-se justamente a cidadania e a dignidade humana conforme artigo
1ordm incisos II e III da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Entatildeo construir uma sociedade
livre justa e solidaacuteria garantir o desenvolvimento nacional erradicar a pobreza e a
marginalizaccedilatildeo reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de
todos sem preconceitos de origem raccedila sexo cor idade ou quaisquer outras
formas de discriminaccedilatildeo satildeo os objetivos fundamentais do Estado Brasileiro
conforme art 3ordm da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
O cenaacuterio de globalizaccedilatildeo econocircmica mundial tambeacutem traacutes seacuterios obstaacuteculos
para a construccedilatildeo da cidadania A globalizaccedilatildeo da economia em ritmo acelerado
provoca grandes mudanccedilas nas relaccedilotildees entre Estado sociedade e naccedilatildeo que
eram sempre o centro da noccedilatildeo e da praacutetica da cidadania ocidental O foco das
mudanccedilas e das preocupaccedilotildees estaacute em dois focos especiacuteficos a reduccedilatildeo do papel
central do Estado como fonte de direitos e local para a participaccedilatildeo e o
deslocamento da naccedilatildeo como principal fonte de identidade coletiva
Para que ocorra efetiva mudanccedila a melhor proposta eacute no sentido de
mudanccedila na organizaccedilatildeo da sociedade pois a inversatildeo da sequecircncia dos direitos
fez com que ocorra o reforccedilo da supremacia do Estado Para que ocorra a
consolidaccedilatildeo democraacutetica e cidadatilde eacute necessaacuterio reforccedilar a organizaccedilatildeo da
sociedade para assim dar embasamento social ao poder poliacutetico ou seja
finalmente democratizar o poder e estabelecer de forma plena a Cidadania
53
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A Constituiccedilatildeo que nasce com ldquocheiro de amanhatilde e natildeo de mofordquo nas
palavras do Deputado Ulisses Guimaratildees tem em seu relevo a esperanccedila de um
povo que sonhava com a erradicaccedilatildeo da repressatildeo militar e natildeo soacute isso um povo
que sonhava com a liberdade em suas diversas manifestaccedilotildees em suas mais
significativas formas de representaccedilatildeo e sobretudo com um paiacutes voltado para a
democracia e justiccedila social
Ao povo brasileiro foi concedido o poder de governar e nesse contexto de
mudanccedila a ldquodemocracia eacute o governo do povo pelo povo e para o povordquo na
conceituaccedilatildeo ceacutelebre de Abraham Lincoln E consoante estabelece o paraacutegrafo
uacutenico do art 1ordm da Carta cidadatilde de 1988 ldquotodo poder emana do povo que o exerce
por meio de representantes eleitos ou diretamenterdquo
No entanto natildeo basta que a fonte de poder seja o povo a democracia vem
significar a efetiva participaccedilatildeo do povo nas decisotildees e destino do Estado e sua
consolidaccedilatildeo eacute a proacutepria cidadania pois eacute o cidadatildeo que pensa e se auto define
diante da condiccedilatildeo soacutecio-histoacuterica O cidadatildeo tem portanto o poder de transformar
a realidade social segundo seu pensamento e accedilatildeo
Natildeo se pode negar que a Carta de 1988 foi a que apresentou maior
legitimidade popular que abriu caminhos apontando um novo tempo
Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita Se fosse perfeita seria irreformaacutevel Ela proacutepria com humildade e realismo admite ser emendada ateacute por maioria mais acessiacutevel dentro de cinco anos Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita mas seraacute uacutetil e pioneira e desbravadora Seraacute luz ainda que de lamparina na noite dos desgraccedilados Eacute caminhando que se abrem os caminhos Ela vai caminhar e abri-los Seraacute redentor o que penetrar nos bolsotildees sujos escuros e ignorados da miseacuteria (Ulysses Guimaratildees)
Mesmo natildeo sendo a constituiccedilatildeo perfeita sem duacutevida foi a que trouxe
esperanccedila ao povo brasileiro com a sua promulgaccedilatildeo surgiram o ldquohaacutebeas datardquo o
mandado de injunccedilatildeo e o mandado de seguranccedila coletivo - todos remeacutedios judiciais
de iacutendoles constitucionais serviacuteveis para prevenir e combater diversas tentativas de
abuso contra a pessoa humana Outrossim o objeto da accedilatildeo popular foi ampliado
Atualmente qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima para propor a mencionada accedilatildeo
54
popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de entidade de que o
Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e ao patrimocircnio
histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de custas
judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia Nesse rol de forma decisiva houve a
ampliaccedilatildeo tambeacutem dos direitos sociais
Assim a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconhece e assegura uma seacuterie de
escudos protetivos aos cidadatildeos Em sua essecircncia os direitos fundamentais
ganham forma De modo que podemos assegurar que hoje o nosso Estado eacute uma
organizaccedilatildeo centrada no ser humano visto que tem a dignidade da pessoa humana
como um fundamento da Repuacuteblica Federativa do Brasil
Apesar das inuacutemeras dificuldades o Estado Democraacutetico de Direito fundado
na cidadania constituiu para o povo uma nova identidade ndash o que em outras eacutepocas
natildeo existia
A Constituiccedilatildeo circunscreve toda a organizaccedilatildeo poliacutetica estatal no intuito
maior de criar no consciente coletivo a vontade livre e determinada de desenvolver
padrotildees de condutas destinados a elevar e promover a auto-estima de toda a
comunidade paacutetria
Foi nesse sentido que estatui em seu artigo 1ordm a cidadania como fundamento
do Estado Democraacutetico de Direito ampliando e enriquecendo o tal conceito Cada
eacutepoca produziu praacuteticas e reflexotildees muito distintas sobre o tema cidadania A
definiccedilatildeo de cidadania que vem sofrendo alteraccedilotildees ao longo do tempo obedecendo
a um processo histoacuterico de conquistas sociais eacute compreendida atualmente como
um processo de participaccedilatildeo do indiviacuteduo ou de um grupo organizado nas mais
variadas aacutereas de atuaccedilatildeo da sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos
e sociais
A cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia disso natildeo haacute duvidas e se
efetiva como mudanccedilas na realidade de cada um com melhoria de vida e
conscientizaccedilatildeo da importacircncia do cidadatildeo dado que eacute um processo em
permanente construccedilatildeo Natildeo haacute como defender uma qualidade de vida sem a
preservaccedilatildeo da cidadania em todos os seus acircmbitos Nesse sentido a efetiva
proteccedilatildeo desse aspecto basilar torna-se essencial no que tange uma assistecircncia
juriacutedica completa
No contraponto do direito estatildeo os deveres que encontramos sua realizaccedilatildeo
tambeacutem na participaccedilatildeo observando que o cidadatildeo eacute responsaacutevel pelo advir de
55
suas accedilotildees A participaccedilatildeo reflete um caraacuteter de natildeo comodismo de atenccedilatildeo agravequilo
que eacute particular e coletivo tendo como finalidade preciacutepua o bem comum
Construir cidadania hoje eacute imperativo para a sociedade pois dessa
construccedilatildeo depende o amanhatilde Estamos diante da Constituiccedilatildeo que se propotildee a
resguardar o amanhatilde sem perder de vista que ele comeccedila hoje agora e nisso a
Carta Poliacutetica traacutes consigo a certeza do despertar dessa consciecircncia a consciecircncia
cidadatilde Ela eacute a semente plantada em terra feacutertil que gera frutos diariamente e se
renova a cada estaccedilatildeo na dinacircmica da vida Talvez tenha sido esse o cheiro de
frutas alcanccedilado pelo constituinte ao anunciar que a carta tem ldquocheiro do amanhatilderdquo
A responsabilidade pelo exerciacutecio desses direitos belissimamente elencados
depende de todos e de cada um pois somos o terreno feacutertil que produziraacute o fruto de
uma sociedade fraterna
Eacute comum na praacutetica apenas responsabilizarmos o Estado em sentido lato pelo
natildeo exerciacutecio dos direitos do cidadatildeo Vale lembrar nesse contexto das palavras de
J Kennedy o qual disse ldquonatildeo pergunte o que o Estado pode fazer por vocecirc mas o
que vocecirc pode fazer pelo Estadordquo haacute nessa frase um forte traccedilo de cidadania pois
quando o cidadatildeo reivindica critica opina o que ele daacute em contrapartida ao paiacutes eacute
solidificado visto que eacute nas relaccedilotildees familiares em comunidade que se estabelece e
se fortalece os viacutenculos de solidariedade de uma sociedade que perpetua valores
condutas que as leis reguladoras natildeo conseguem por si soacute estabelecer
A concretizaccedilatildeo do ideal de uma qualidade de vida merecida a todos os seres
humanos sem restriccedilotildees requer entretanto um esforccedilo coletivo Dessa forma haacute
necessidade de suprir as muitas carecircncias advindas das desigualdades sociais e de
condiccedilotildees do descaso do poder puacuteblico e da proacutepria conceituaccedilatildeo antiga de
cidadania que ainda eacute concebida por muitos no presente
Em suma nosso trabalho procurou traccedilar a evoluccedilatildeo da cidadania e ao
mesmo tempo buscou traccedilar uma melhor caracterizaccedilatildeo do cidadatildeo agrave luz da nossa
Constituiccedilatildeo que eacute por fim a essecircncia da Magna Carta O alcance da cidadania
enquanto mecanismo de acesso a direitos foi colocado no acircmbito da pessoa
enquanto titular de direitos e num paralelo defendemos que o municiacutepio eacute o espaccedilo
de atuaccedilatildeo e exerciacutecio de cidadania dada a proximidade do cidadatildeo com as
instituiccedilotildees oacutergatildeos entidades e tudo o mais que o cerca na esfera de vivecircncia Eacute na
praccedila que discute a poliacutetica local e nacional que se indigna com as dificuldades e as
56
barreiras de acesso aos seus direitos Eacute no municiacutepio que se inicia todo um vieacutes de
desdobramento para garantir direitos
Por fim natildeo obstante resta dizer sobre o tema que os caminhos e
paradigmas que se intentou percorrer sobre cidadania como mecanismo
transformador da sociedade tem ingrediente ainda a se descortinar para o
propoacutesito valioso do bem comum Pois bem a ideia de bem comum tem como
fundamento o amor maacutexima que se estabelece por meio da democracia visto que
ldquoa demofilia o demoiacutesmo o amor do povo acima de tudo como princiacutepio ativo de
toda a sua vida poliacutetica inspirador duma sempre crescente autonomia imanente eacute
que constitui a verdadeira essecircncia da democraciardquo nas palavras de Melgareacute
(2005)
Dessa forma eacute no nuacutecleo da democracia que estaacute inscrito como pedra
angular o respeito e o amor pela pessoa humana Eacute pois um tema de larga
abrangecircncia poreacutem sem querer abreviar o caminho sua efetiva possibilidade de
realizaccedilatildeo se encontra no exerciacutecio da cidadania sem repuacutedios parciais ou exclusatildeo
de qualquer ordem na plenitude de uma cidadania para todos
57
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
AGRA Walber de Moura Curso de Direito Constitucional Satildeo Paulo Editora Revista dos Tribunais 2002 ANDRADE Vera Regina Pereira de Cidadania Direitos Humanos e Democracia Reconstruindo o Conceito Liberal de Cidadania In SILVA RP (Org) Direitos Humanos como educaccedilatildeo para a Justiccedila Satildeo Paulo LTr 1998 ARENDT Hannah A condiccedilatildeo humana Rio de Janeiro Forense Universitaacuteria 1995 ARISTOacuteTELES A poliacutetica Brasiacutelia Satildeo Paulo Edunb 1988 BELMONTE Claacuteudio MELGAREacute Pliacutenio (coords) O direito na Sociedade Contemporacircnea estudos em homenagem ao Ministro Joseacute Neacuteri da Silveira Rio de Janeiro Editora Forense 2005 BENEVIDES Maria Victoacuteria de Mesquita Cidadania e democracia In Lua Nova Revista CEDEC nordm33 Satildeo Paulo 1994 ___________ Cidadania ativa referendo plebiscito e iniciativa popular Satildeo Paulo Editora Aacutetica 2000 BOBBIO Norberto A era dos direitos Trad de Carlos Nelson Coutinho Rio de Janeiro Campus 1992 p 45 BRASIL Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil texto constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988 Brasiacutelia Senado Federal 2006 CARVALHO Joseacute Murilo de ldquoCidadania na encruzilhadardquo In BIGNOTTO Newton (Org) Pensar a repuacuteblica Belo Horizonte UFMG 2000 ___________ Cidadania no Brasil o longo caminho Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2002 CHAUIacute Marilena Introduccedilatildeo agrave histoacuteria da filosofia dos preacute-socraacuteticos a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Brasiliense 1994 COMPARATO Faacutebio Konder A nova cidadania In Lua Nova Revista CEDEC nordm2829 Satildeo Paulo 1993 CORREcircA Darciacutesio A construccedilatildeo da cidadania Ijuiacute Editora da Unijuiacute 1999 COSTA NETO Antonio Cavalcante da Lazer Direitos Humanos e Cidadania por uma teoria do lazer como direito fundamental Protexto Curitiba 2010 COULANGES Fustel de A Cidade antiga estudos sobre o culto o direito as instituiccedilotildees da Greacutecia e de Roma Satildeo Paulo Ediouro sd COVRE Maria de Lourdes Manzini O que eacute cidadania coleccedilatildeo primeiros passos 3 ed Satildeo Paulo Brasiliense 1998
58
CUNHA Lois O ser humano e a pessoa 2007 Disponiacutevel em httpshvoogcombooks Acesso em 03112009 DALLARI Dalmo de Abreu Direitos Humanos e Cidadania 2 ed Satildeo Paulo Moderna 2004 DAHL Robert Sobre a democracia Brasiacutelia Universidade de Brasiacutelia 2001 FRIEDRICH Karl Uma introduccedilatildeo agrave teoria poliacutetica Rio de Janeiro Zahar 1970 HARVEY David Condiccedilatildeo poacutes-moderna Uma pesquisa sobre as origens da mudanccedila cultural Satildeo Paulo Loyola 1992 HUBERMAN L Histoacuteria da riqueza do homem Rio de Janeiro Livros Teacutecnicos e Cientiacuteficos 1986 MARSHALL T H Cidadania classe social e status Rio de Janeiro Zahar 1967 MAZZUOLI Valeacuterio de Oliveira Direitos humanos e cidadania agrave luz do Direito Internacional Satildeo Paulo Minelli 2002 MORAES Alexandre de Direito Constitucional Satildeo Paulo Atlas 2004 PALU Oswaldo LUIZ Controle de Constitucionalidade conceitos sistemas e efeitos Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2001 PINSKY Jaime Praacuteticas de cidadania Satildeo Paulo Contexto 2004 RAMOS Elival da Silva Representaccedilatildeo e Democracia In cadernos de direito constitucional e eleitoral Satildeo Paulo Imprensa Oficial do Estado SA IMEP N9 1990 ROSAS Vanderlei de Barros Afinal O que eacute cidadania (2001) Disponiacutevel em httpwwwmundodosfilosofoscombrvanderlei7htm Acesso em gt 07022013 SANTANA Marcos Silvio de O que eacute cidadania Disponiacutevel em httpwwwadvogadoadvBr Acesso em gt 30012013 SILVA Joseacute Afonso Curso de Direito Constitucional Positivo Satildeo Paulo Malheiros Editores 2005 VALADEacuteS Diego Conversas acadecircmicas com Petter Haberle Satildeo Paulo Saraiva 2009
49
Os meios de acesso do cidadatildeo junto aos Poderes Puacuteblicos eacute uma realidade
no Estado Democraacutetico de Direito brasileiro a exemplo das sessotildees do Poder
Legislativo que satildeo puacuteblicas ficando abertas a todos que delas quiserem participar
Emite-se uma pauta antes do comeccedilo da sessatildeo com a preacutevia dos debates Em
niacutevel municipal verifica-se um acompanhamento mais incisivo sobre as sessotildees das
Cacircmaras de Vereadores como forma de pressatildeo para aprovaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees
da comunidade avaliaccedilatildeo do desempenho e aceitaccedilatildeo de propostas orccedilamentaacuterias
e atuaccedilatildeo dos poliacuteticos bem como entendimento das funccedilotildees do Poder Legislativo
A Constituiccedilatildeo Federal assegura desde 1988 a possibilidade de se oferecer
peticcedilatildeo agraves Mesas Legislativas como forma de pedir informaccedilotildees sobre andamento
de projetos ou relatoacuterios encaminhados aos chefes do Poder Executivo Em niacutevel
municipal pode ser utilizada a Tribuna Livre como instrumento para denuacutencias de
problemas ou discussatildeo de um tema ou mesmo para apresentar sugestotildees sendo
regulado pela Lei Orgacircnica Municipal e pelo Regimento Interno da Cacircmara
A convocaccedilatildeo de audiecircncias puacuteblicas tambeacutem possui previsatildeo constitucional
no art 58 sect 20 inciso II em niacutevel federal As comissotildees podem em razatildeo da
mateacuteria de sua competecircncia realizar audiecircncias puacuteblicas com entidades da
sociedade civil E nada obsta que estejam previstas formas de articulaccedilatildeo da
sociedade civil com os Presidentes das Comissotildees da Cacircmara no seu Regimento
Interno em acircmbito municipal
Os dispositivos da Constituiccedilatildeo Federal que dispotildeem sobre a forma de
participaccedilatildeo direta do cidadatildeo e da sociedade civil no processo democraacutetico natildeo se
pode negar que trouxe novas perspectivas De modo geral podemos citar
Art 29 A lei orgacircnica dos Municiacutepios tem que observar entre os seus
preceitos ldquocooperaccedilatildeo das associaccedilotildees representativas no planejamento municipalrdquo
Art 31 As contas dos municiacutepios ficaratildeo durante 60 (sessenta) dias
anualmente a disposiccedilatildeo de qualquer contribuinte para exame e apreciaccedilatildeo o qual
poderaacute questionar-lhes a legitimidade nos termos da lei
Art37 sect 3ordm (EC-1998) A lei disciplinaraacute as formas de participaccedilatildeo do usuaacuterio
na administraccedilatildeo puacuteblica direta e indireta regulando especialmente
I- as reclamaccedilotildees relativas a prestaccedilatildeo dos serviccedilos puacuteblicos em geral asseguradas
a manutenccedilatildeo de serviccedilo de atendimento ao usuaacuterio e a avaliaccedilatildeo perioacutedica externa
e interna da qualidade dos serviccedilos
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II- o acesso dos usuaacuterios a registros administrativos e a informaccedilatildeo sobre atos de
governo observado o disposto no art 5ordm X e XXXIII
III- a disciplina da representaccedilatildeo conta o exerciacutecio negligente ou abusivo de cargo
emprego ou funccedilatildeo na administraccedilatildeo puacuteblica
Art 74 sect 2ordm Qualquer cidadatildeo partido poliacutetico associaccedilatildeo ou sindicato eacute
parte legiacutetima para na forma de lei denunciar irregularidades ou ilegalidades perante
o Tribunal de Contas da Uniatildeo
Art194 paraacutegrafo uacutenico Compete ao Poder Puacuteblico nos termos da lei
organizar a seguridade social com base nos seguintes objetivos ()
VII ndash caraacuteter democraacutetivo descentralizado na administraccedilatildeo mediante gestatildeo
quadripartite com participaccedilatildeo dos trabalhadores dos empregados e dos
aposentados e do Governo nos oacutergatildeos colegiados nos oacutergatildeos colegiados
Art 198 As accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede integram uma rede
regionalizada e hierarquizada o constituem um sistema uacutenico organizado de acordo
com as seguintes diretrizes
III ndash participaccedilatildeo da comunidade
Art 202 sect 6ordm A lei complementa a que se refere o sect 4ordm deste artigo
estabeleceraacute os requisitos para a designaccedilatildeo dos membros das diretorias das
entidades fechadas de previdecircncia privada e disciplinaraacute a inserccedilatildeo dos
participantes nos colegiados e instacircncias de decisatildeo em que seus interesses sejam
objeto de discussatildeo e deliberaccedilatildeo
Art 204 As accedilotildees governamentais na aacuterea de assistecircncia social seratildeo
organizadas com base nas seguintes diretrizes
II ndash Participaccedilatildeo da populaccedilatildeo por meio de organizaccedilotildees representativas na
formulaccedilatildeo das poliacuteticas e no controle das accedilotildees em todos os niacuteveis
O protagonista na concretizaccedilatildeo dos direitos humanos e na ampliaccedilatildeo da cidadania eacute um sujeito coletivo de um trabalho sempre inacabado eis que se tratam de tarefas e conquistas cotidianas e gradativas obras que soacute podem ser realizada a muitas matildeos no partilhar e compartilhar da vida (COSTA NETO 2010)
A ampliaccedilatildeo da cidadania requer a consciecircncia de que os direitos pressupotildeem
deveres de maneira que os direitos de um indiviacuteduo satildeo garantidos a partir do
cumprimento dos deveres dos demais componentes da sociedade
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34 A necessaacuteria superaccedilatildeo de velhos paradigmas
Como se sabe em 1988 foi aprovada a Constituiccedilatildeo mais liberal e
democraacutetica do Brasil chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo Assim ampliou-se de
forma significativa o campo dos direitos e garantias fundamentais No que diz
respeito a tal mateacuteria eacute considerada como uma das mais avanccediladas do mundo No
seu preacircmbulo adota o modelo de um Estado democraacutetico de Direito destinado a
garantir o exerciacutecio dos direitos sociais e individuais a liberdade a seguranccedila o
bem-estar o desenvolvimento a igualdade e a justiccedila eleitos como valores
supremos de uma sociedade fraterna pluralista e sem preconceitos
Para a construccedilatildeo democraacutetica da cidadania no Brasil contemporacircneo
salienta-se de ela deve passar de uma democracia representativa para uma
cidadania que efetivamente molde a democracia ou seja uma cidadania instituinte
da democracia
No acircmbito constitucional positivo cidadania pressupotildee o exerciacutecio de todos
os direitos fundamentais e garantias que caracterizam o Estado democraacutetico de
Direito Quando se fala em cidadania eacute no sentido de reafirmar o direito pela plena
realizaccedilatildeo do indiviacuteduo do cidadatildeo dos entes coletivos e de sua emancipaccedilatildeo nos
espaccedilos da sociedade Estatildeo sempre intimamente ligados os conceitos de
cidadania democracia e direitos humanos sendo que um remete ao outro e seus
conteuacutedos se interligam ou seja a cidadania natildeo iraacute ocorrer sem que ocorra a
realizaccedilatildeo dos Direitos Humanos da mesma forma que os direitos humanos natildeo
seratildeo concretizados se natildeo houver o exerciacutecio da cidadania
Na evoluccedilatildeo histoacuterica tais categorias se desenvolveram de forma conjunta
com o Estado Representam noccedilotildees desejaacuteveis de relaccedilotildees humanas que se espera
sejam instituiacutedas Satildeo os elementos basilares na nova ordem social e que a
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 pretendeu edificar Poreacutem a democracia poliacutetica natildeo
resolveu os problemas econocircmicos mais seacuterios como a desigualdade e o
desemprego Continuam muito seacuterios os problemas da aacuterea social principalmente
na educaccedilatildeo nos serviccedilos de sauacutede e saneamento como tambeacutem e
principalmente quanto agrave seguranccedila puacuteblica
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A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 em seu artigo 6ordm e em outros artigos no texto
constitucional ampliou e muito os Direitos Sociais proibiu discriminaccedilotildees Assim
indicadores baacutesicos de qualidade de vida apontam que houve uma melhoria A
mortalidade infantil por exemplo caiu de maneira significativa nos uacuteltimos anos A
esperanccedila de vida ao nascer passou de 60 anos em 1980 para 70 em 2000 Poreacutem
o maior progresso foi na aacuterea da educaccedilatildeo fundamental que eacute considerado fator
decisivo para a cidadania pois a taxa de analfabetismo caiu consideravelmente
entretanto existem muitos problemas no campo educacional como a repetecircncia e
com relaccedilatildeo a desigualdade social entre as regiotildees
A grande concentraccedilatildeo da riqueza nacional nas matildeos de poucos reflete a
desigualdade e causa a pobreza e a miseacuteria ao passo que dificulta o acesso do
cidadatildeo agrave justiccedila e consequentemente ao seu estado de cidadania pleno
Dentre os fundamentos no qual se baseiam o Estado democraacutetico de Direito
no Brasil destaca-se justamente a cidadania e a dignidade humana conforme artigo
1ordm incisos II e III da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Entatildeo construir uma sociedade
livre justa e solidaacuteria garantir o desenvolvimento nacional erradicar a pobreza e a
marginalizaccedilatildeo reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de
todos sem preconceitos de origem raccedila sexo cor idade ou quaisquer outras
formas de discriminaccedilatildeo satildeo os objetivos fundamentais do Estado Brasileiro
conforme art 3ordm da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
O cenaacuterio de globalizaccedilatildeo econocircmica mundial tambeacutem traacutes seacuterios obstaacuteculos
para a construccedilatildeo da cidadania A globalizaccedilatildeo da economia em ritmo acelerado
provoca grandes mudanccedilas nas relaccedilotildees entre Estado sociedade e naccedilatildeo que
eram sempre o centro da noccedilatildeo e da praacutetica da cidadania ocidental O foco das
mudanccedilas e das preocupaccedilotildees estaacute em dois focos especiacuteficos a reduccedilatildeo do papel
central do Estado como fonte de direitos e local para a participaccedilatildeo e o
deslocamento da naccedilatildeo como principal fonte de identidade coletiva
Para que ocorra efetiva mudanccedila a melhor proposta eacute no sentido de
mudanccedila na organizaccedilatildeo da sociedade pois a inversatildeo da sequecircncia dos direitos
fez com que ocorra o reforccedilo da supremacia do Estado Para que ocorra a
consolidaccedilatildeo democraacutetica e cidadatilde eacute necessaacuterio reforccedilar a organizaccedilatildeo da
sociedade para assim dar embasamento social ao poder poliacutetico ou seja
finalmente democratizar o poder e estabelecer de forma plena a Cidadania
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CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A Constituiccedilatildeo que nasce com ldquocheiro de amanhatilde e natildeo de mofordquo nas
palavras do Deputado Ulisses Guimaratildees tem em seu relevo a esperanccedila de um
povo que sonhava com a erradicaccedilatildeo da repressatildeo militar e natildeo soacute isso um povo
que sonhava com a liberdade em suas diversas manifestaccedilotildees em suas mais
significativas formas de representaccedilatildeo e sobretudo com um paiacutes voltado para a
democracia e justiccedila social
Ao povo brasileiro foi concedido o poder de governar e nesse contexto de
mudanccedila a ldquodemocracia eacute o governo do povo pelo povo e para o povordquo na
conceituaccedilatildeo ceacutelebre de Abraham Lincoln E consoante estabelece o paraacutegrafo
uacutenico do art 1ordm da Carta cidadatilde de 1988 ldquotodo poder emana do povo que o exerce
por meio de representantes eleitos ou diretamenterdquo
No entanto natildeo basta que a fonte de poder seja o povo a democracia vem
significar a efetiva participaccedilatildeo do povo nas decisotildees e destino do Estado e sua
consolidaccedilatildeo eacute a proacutepria cidadania pois eacute o cidadatildeo que pensa e se auto define
diante da condiccedilatildeo soacutecio-histoacuterica O cidadatildeo tem portanto o poder de transformar
a realidade social segundo seu pensamento e accedilatildeo
Natildeo se pode negar que a Carta de 1988 foi a que apresentou maior
legitimidade popular que abriu caminhos apontando um novo tempo
Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita Se fosse perfeita seria irreformaacutevel Ela proacutepria com humildade e realismo admite ser emendada ateacute por maioria mais acessiacutevel dentro de cinco anos Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita mas seraacute uacutetil e pioneira e desbravadora Seraacute luz ainda que de lamparina na noite dos desgraccedilados Eacute caminhando que se abrem os caminhos Ela vai caminhar e abri-los Seraacute redentor o que penetrar nos bolsotildees sujos escuros e ignorados da miseacuteria (Ulysses Guimaratildees)
Mesmo natildeo sendo a constituiccedilatildeo perfeita sem duacutevida foi a que trouxe
esperanccedila ao povo brasileiro com a sua promulgaccedilatildeo surgiram o ldquohaacutebeas datardquo o
mandado de injunccedilatildeo e o mandado de seguranccedila coletivo - todos remeacutedios judiciais
de iacutendoles constitucionais serviacuteveis para prevenir e combater diversas tentativas de
abuso contra a pessoa humana Outrossim o objeto da accedilatildeo popular foi ampliado
Atualmente qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima para propor a mencionada accedilatildeo
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popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de entidade de que o
Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e ao patrimocircnio
histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de custas
judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia Nesse rol de forma decisiva houve a
ampliaccedilatildeo tambeacutem dos direitos sociais
Assim a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconhece e assegura uma seacuterie de
escudos protetivos aos cidadatildeos Em sua essecircncia os direitos fundamentais
ganham forma De modo que podemos assegurar que hoje o nosso Estado eacute uma
organizaccedilatildeo centrada no ser humano visto que tem a dignidade da pessoa humana
como um fundamento da Repuacuteblica Federativa do Brasil
Apesar das inuacutemeras dificuldades o Estado Democraacutetico de Direito fundado
na cidadania constituiu para o povo uma nova identidade ndash o que em outras eacutepocas
natildeo existia
A Constituiccedilatildeo circunscreve toda a organizaccedilatildeo poliacutetica estatal no intuito
maior de criar no consciente coletivo a vontade livre e determinada de desenvolver
padrotildees de condutas destinados a elevar e promover a auto-estima de toda a
comunidade paacutetria
Foi nesse sentido que estatui em seu artigo 1ordm a cidadania como fundamento
do Estado Democraacutetico de Direito ampliando e enriquecendo o tal conceito Cada
eacutepoca produziu praacuteticas e reflexotildees muito distintas sobre o tema cidadania A
definiccedilatildeo de cidadania que vem sofrendo alteraccedilotildees ao longo do tempo obedecendo
a um processo histoacuterico de conquistas sociais eacute compreendida atualmente como
um processo de participaccedilatildeo do indiviacuteduo ou de um grupo organizado nas mais
variadas aacutereas de atuaccedilatildeo da sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos
e sociais
A cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia disso natildeo haacute duvidas e se
efetiva como mudanccedilas na realidade de cada um com melhoria de vida e
conscientizaccedilatildeo da importacircncia do cidadatildeo dado que eacute um processo em
permanente construccedilatildeo Natildeo haacute como defender uma qualidade de vida sem a
preservaccedilatildeo da cidadania em todos os seus acircmbitos Nesse sentido a efetiva
proteccedilatildeo desse aspecto basilar torna-se essencial no que tange uma assistecircncia
juriacutedica completa
No contraponto do direito estatildeo os deveres que encontramos sua realizaccedilatildeo
tambeacutem na participaccedilatildeo observando que o cidadatildeo eacute responsaacutevel pelo advir de
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suas accedilotildees A participaccedilatildeo reflete um caraacuteter de natildeo comodismo de atenccedilatildeo agravequilo
que eacute particular e coletivo tendo como finalidade preciacutepua o bem comum
Construir cidadania hoje eacute imperativo para a sociedade pois dessa
construccedilatildeo depende o amanhatilde Estamos diante da Constituiccedilatildeo que se propotildee a
resguardar o amanhatilde sem perder de vista que ele comeccedila hoje agora e nisso a
Carta Poliacutetica traacutes consigo a certeza do despertar dessa consciecircncia a consciecircncia
cidadatilde Ela eacute a semente plantada em terra feacutertil que gera frutos diariamente e se
renova a cada estaccedilatildeo na dinacircmica da vida Talvez tenha sido esse o cheiro de
frutas alcanccedilado pelo constituinte ao anunciar que a carta tem ldquocheiro do amanhatilderdquo
A responsabilidade pelo exerciacutecio desses direitos belissimamente elencados
depende de todos e de cada um pois somos o terreno feacutertil que produziraacute o fruto de
uma sociedade fraterna
Eacute comum na praacutetica apenas responsabilizarmos o Estado em sentido lato pelo
natildeo exerciacutecio dos direitos do cidadatildeo Vale lembrar nesse contexto das palavras de
J Kennedy o qual disse ldquonatildeo pergunte o que o Estado pode fazer por vocecirc mas o
que vocecirc pode fazer pelo Estadordquo haacute nessa frase um forte traccedilo de cidadania pois
quando o cidadatildeo reivindica critica opina o que ele daacute em contrapartida ao paiacutes eacute
solidificado visto que eacute nas relaccedilotildees familiares em comunidade que se estabelece e
se fortalece os viacutenculos de solidariedade de uma sociedade que perpetua valores
condutas que as leis reguladoras natildeo conseguem por si soacute estabelecer
A concretizaccedilatildeo do ideal de uma qualidade de vida merecida a todos os seres
humanos sem restriccedilotildees requer entretanto um esforccedilo coletivo Dessa forma haacute
necessidade de suprir as muitas carecircncias advindas das desigualdades sociais e de
condiccedilotildees do descaso do poder puacuteblico e da proacutepria conceituaccedilatildeo antiga de
cidadania que ainda eacute concebida por muitos no presente
Em suma nosso trabalho procurou traccedilar a evoluccedilatildeo da cidadania e ao
mesmo tempo buscou traccedilar uma melhor caracterizaccedilatildeo do cidadatildeo agrave luz da nossa
Constituiccedilatildeo que eacute por fim a essecircncia da Magna Carta O alcance da cidadania
enquanto mecanismo de acesso a direitos foi colocado no acircmbito da pessoa
enquanto titular de direitos e num paralelo defendemos que o municiacutepio eacute o espaccedilo
de atuaccedilatildeo e exerciacutecio de cidadania dada a proximidade do cidadatildeo com as
instituiccedilotildees oacutergatildeos entidades e tudo o mais que o cerca na esfera de vivecircncia Eacute na
praccedila que discute a poliacutetica local e nacional que se indigna com as dificuldades e as
56
barreiras de acesso aos seus direitos Eacute no municiacutepio que se inicia todo um vieacutes de
desdobramento para garantir direitos
Por fim natildeo obstante resta dizer sobre o tema que os caminhos e
paradigmas que se intentou percorrer sobre cidadania como mecanismo
transformador da sociedade tem ingrediente ainda a se descortinar para o
propoacutesito valioso do bem comum Pois bem a ideia de bem comum tem como
fundamento o amor maacutexima que se estabelece por meio da democracia visto que
ldquoa demofilia o demoiacutesmo o amor do povo acima de tudo como princiacutepio ativo de
toda a sua vida poliacutetica inspirador duma sempre crescente autonomia imanente eacute
que constitui a verdadeira essecircncia da democraciardquo nas palavras de Melgareacute
(2005)
Dessa forma eacute no nuacutecleo da democracia que estaacute inscrito como pedra
angular o respeito e o amor pela pessoa humana Eacute pois um tema de larga
abrangecircncia poreacutem sem querer abreviar o caminho sua efetiva possibilidade de
realizaccedilatildeo se encontra no exerciacutecio da cidadania sem repuacutedios parciais ou exclusatildeo
de qualquer ordem na plenitude de uma cidadania para todos
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REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
AGRA Walber de Moura Curso de Direito Constitucional Satildeo Paulo Editora Revista dos Tribunais 2002 ANDRADE Vera Regina Pereira de Cidadania Direitos Humanos e Democracia Reconstruindo o Conceito Liberal de Cidadania In SILVA RP (Org) Direitos Humanos como educaccedilatildeo para a Justiccedila Satildeo Paulo LTr 1998 ARENDT Hannah A condiccedilatildeo humana Rio de Janeiro Forense Universitaacuteria 1995 ARISTOacuteTELES A poliacutetica Brasiacutelia Satildeo Paulo Edunb 1988 BELMONTE Claacuteudio MELGAREacute Pliacutenio (coords) O direito na Sociedade Contemporacircnea estudos em homenagem ao Ministro Joseacute Neacuteri da Silveira Rio de Janeiro Editora Forense 2005 BENEVIDES Maria Victoacuteria de Mesquita Cidadania e democracia In Lua Nova Revista CEDEC nordm33 Satildeo Paulo 1994 ___________ Cidadania ativa referendo plebiscito e iniciativa popular Satildeo Paulo Editora Aacutetica 2000 BOBBIO Norberto A era dos direitos Trad de Carlos Nelson Coutinho Rio de Janeiro Campus 1992 p 45 BRASIL Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil texto constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988 Brasiacutelia Senado Federal 2006 CARVALHO Joseacute Murilo de ldquoCidadania na encruzilhadardquo In BIGNOTTO Newton (Org) Pensar a repuacuteblica Belo Horizonte UFMG 2000 ___________ Cidadania no Brasil o longo caminho Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2002 CHAUIacute Marilena Introduccedilatildeo agrave histoacuteria da filosofia dos preacute-socraacuteticos a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Brasiliense 1994 COMPARATO Faacutebio Konder A nova cidadania In Lua Nova Revista CEDEC nordm2829 Satildeo Paulo 1993 CORREcircA Darciacutesio A construccedilatildeo da cidadania Ijuiacute Editora da Unijuiacute 1999 COSTA NETO Antonio Cavalcante da Lazer Direitos Humanos e Cidadania por uma teoria do lazer como direito fundamental Protexto Curitiba 2010 COULANGES Fustel de A Cidade antiga estudos sobre o culto o direito as instituiccedilotildees da Greacutecia e de Roma Satildeo Paulo Ediouro sd COVRE Maria de Lourdes Manzini O que eacute cidadania coleccedilatildeo primeiros passos 3 ed Satildeo Paulo Brasiliense 1998
58
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II- o acesso dos usuaacuterios a registros administrativos e a informaccedilatildeo sobre atos de
governo observado o disposto no art 5ordm X e XXXIII
III- a disciplina da representaccedilatildeo conta o exerciacutecio negligente ou abusivo de cargo
emprego ou funccedilatildeo na administraccedilatildeo puacuteblica
Art 74 sect 2ordm Qualquer cidadatildeo partido poliacutetico associaccedilatildeo ou sindicato eacute
parte legiacutetima para na forma de lei denunciar irregularidades ou ilegalidades perante
o Tribunal de Contas da Uniatildeo
Art194 paraacutegrafo uacutenico Compete ao Poder Puacuteblico nos termos da lei
organizar a seguridade social com base nos seguintes objetivos ()
VII ndash caraacuteter democraacutetivo descentralizado na administraccedilatildeo mediante gestatildeo
quadripartite com participaccedilatildeo dos trabalhadores dos empregados e dos
aposentados e do Governo nos oacutergatildeos colegiados nos oacutergatildeos colegiados
Art 198 As accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede integram uma rede
regionalizada e hierarquizada o constituem um sistema uacutenico organizado de acordo
com as seguintes diretrizes
III ndash participaccedilatildeo da comunidade
Art 202 sect 6ordm A lei complementa a que se refere o sect 4ordm deste artigo
estabeleceraacute os requisitos para a designaccedilatildeo dos membros das diretorias das
entidades fechadas de previdecircncia privada e disciplinaraacute a inserccedilatildeo dos
participantes nos colegiados e instacircncias de decisatildeo em que seus interesses sejam
objeto de discussatildeo e deliberaccedilatildeo
Art 204 As accedilotildees governamentais na aacuterea de assistecircncia social seratildeo
organizadas com base nas seguintes diretrizes
II ndash Participaccedilatildeo da populaccedilatildeo por meio de organizaccedilotildees representativas na
formulaccedilatildeo das poliacuteticas e no controle das accedilotildees em todos os niacuteveis
O protagonista na concretizaccedilatildeo dos direitos humanos e na ampliaccedilatildeo da cidadania eacute um sujeito coletivo de um trabalho sempre inacabado eis que se tratam de tarefas e conquistas cotidianas e gradativas obras que soacute podem ser realizada a muitas matildeos no partilhar e compartilhar da vida (COSTA NETO 2010)
A ampliaccedilatildeo da cidadania requer a consciecircncia de que os direitos pressupotildeem
deveres de maneira que os direitos de um indiviacuteduo satildeo garantidos a partir do
cumprimento dos deveres dos demais componentes da sociedade
51
34 A necessaacuteria superaccedilatildeo de velhos paradigmas
Como se sabe em 1988 foi aprovada a Constituiccedilatildeo mais liberal e
democraacutetica do Brasil chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo Assim ampliou-se de
forma significativa o campo dos direitos e garantias fundamentais No que diz
respeito a tal mateacuteria eacute considerada como uma das mais avanccediladas do mundo No
seu preacircmbulo adota o modelo de um Estado democraacutetico de Direito destinado a
garantir o exerciacutecio dos direitos sociais e individuais a liberdade a seguranccedila o
bem-estar o desenvolvimento a igualdade e a justiccedila eleitos como valores
supremos de uma sociedade fraterna pluralista e sem preconceitos
Para a construccedilatildeo democraacutetica da cidadania no Brasil contemporacircneo
salienta-se de ela deve passar de uma democracia representativa para uma
cidadania que efetivamente molde a democracia ou seja uma cidadania instituinte
da democracia
No acircmbito constitucional positivo cidadania pressupotildee o exerciacutecio de todos
os direitos fundamentais e garantias que caracterizam o Estado democraacutetico de
Direito Quando se fala em cidadania eacute no sentido de reafirmar o direito pela plena
realizaccedilatildeo do indiviacuteduo do cidadatildeo dos entes coletivos e de sua emancipaccedilatildeo nos
espaccedilos da sociedade Estatildeo sempre intimamente ligados os conceitos de
cidadania democracia e direitos humanos sendo que um remete ao outro e seus
conteuacutedos se interligam ou seja a cidadania natildeo iraacute ocorrer sem que ocorra a
realizaccedilatildeo dos Direitos Humanos da mesma forma que os direitos humanos natildeo
seratildeo concretizados se natildeo houver o exerciacutecio da cidadania
Na evoluccedilatildeo histoacuterica tais categorias se desenvolveram de forma conjunta
com o Estado Representam noccedilotildees desejaacuteveis de relaccedilotildees humanas que se espera
sejam instituiacutedas Satildeo os elementos basilares na nova ordem social e que a
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 pretendeu edificar Poreacutem a democracia poliacutetica natildeo
resolveu os problemas econocircmicos mais seacuterios como a desigualdade e o
desemprego Continuam muito seacuterios os problemas da aacuterea social principalmente
na educaccedilatildeo nos serviccedilos de sauacutede e saneamento como tambeacutem e
principalmente quanto agrave seguranccedila puacuteblica
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A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 em seu artigo 6ordm e em outros artigos no texto
constitucional ampliou e muito os Direitos Sociais proibiu discriminaccedilotildees Assim
indicadores baacutesicos de qualidade de vida apontam que houve uma melhoria A
mortalidade infantil por exemplo caiu de maneira significativa nos uacuteltimos anos A
esperanccedila de vida ao nascer passou de 60 anos em 1980 para 70 em 2000 Poreacutem
o maior progresso foi na aacuterea da educaccedilatildeo fundamental que eacute considerado fator
decisivo para a cidadania pois a taxa de analfabetismo caiu consideravelmente
entretanto existem muitos problemas no campo educacional como a repetecircncia e
com relaccedilatildeo a desigualdade social entre as regiotildees
A grande concentraccedilatildeo da riqueza nacional nas matildeos de poucos reflete a
desigualdade e causa a pobreza e a miseacuteria ao passo que dificulta o acesso do
cidadatildeo agrave justiccedila e consequentemente ao seu estado de cidadania pleno
Dentre os fundamentos no qual se baseiam o Estado democraacutetico de Direito
no Brasil destaca-se justamente a cidadania e a dignidade humana conforme artigo
1ordm incisos II e III da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Entatildeo construir uma sociedade
livre justa e solidaacuteria garantir o desenvolvimento nacional erradicar a pobreza e a
marginalizaccedilatildeo reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de
todos sem preconceitos de origem raccedila sexo cor idade ou quaisquer outras
formas de discriminaccedilatildeo satildeo os objetivos fundamentais do Estado Brasileiro
conforme art 3ordm da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
O cenaacuterio de globalizaccedilatildeo econocircmica mundial tambeacutem traacutes seacuterios obstaacuteculos
para a construccedilatildeo da cidadania A globalizaccedilatildeo da economia em ritmo acelerado
provoca grandes mudanccedilas nas relaccedilotildees entre Estado sociedade e naccedilatildeo que
eram sempre o centro da noccedilatildeo e da praacutetica da cidadania ocidental O foco das
mudanccedilas e das preocupaccedilotildees estaacute em dois focos especiacuteficos a reduccedilatildeo do papel
central do Estado como fonte de direitos e local para a participaccedilatildeo e o
deslocamento da naccedilatildeo como principal fonte de identidade coletiva
Para que ocorra efetiva mudanccedila a melhor proposta eacute no sentido de
mudanccedila na organizaccedilatildeo da sociedade pois a inversatildeo da sequecircncia dos direitos
fez com que ocorra o reforccedilo da supremacia do Estado Para que ocorra a
consolidaccedilatildeo democraacutetica e cidadatilde eacute necessaacuterio reforccedilar a organizaccedilatildeo da
sociedade para assim dar embasamento social ao poder poliacutetico ou seja
finalmente democratizar o poder e estabelecer de forma plena a Cidadania
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CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A Constituiccedilatildeo que nasce com ldquocheiro de amanhatilde e natildeo de mofordquo nas
palavras do Deputado Ulisses Guimaratildees tem em seu relevo a esperanccedila de um
povo que sonhava com a erradicaccedilatildeo da repressatildeo militar e natildeo soacute isso um povo
que sonhava com a liberdade em suas diversas manifestaccedilotildees em suas mais
significativas formas de representaccedilatildeo e sobretudo com um paiacutes voltado para a
democracia e justiccedila social
Ao povo brasileiro foi concedido o poder de governar e nesse contexto de
mudanccedila a ldquodemocracia eacute o governo do povo pelo povo e para o povordquo na
conceituaccedilatildeo ceacutelebre de Abraham Lincoln E consoante estabelece o paraacutegrafo
uacutenico do art 1ordm da Carta cidadatilde de 1988 ldquotodo poder emana do povo que o exerce
por meio de representantes eleitos ou diretamenterdquo
No entanto natildeo basta que a fonte de poder seja o povo a democracia vem
significar a efetiva participaccedilatildeo do povo nas decisotildees e destino do Estado e sua
consolidaccedilatildeo eacute a proacutepria cidadania pois eacute o cidadatildeo que pensa e se auto define
diante da condiccedilatildeo soacutecio-histoacuterica O cidadatildeo tem portanto o poder de transformar
a realidade social segundo seu pensamento e accedilatildeo
Natildeo se pode negar que a Carta de 1988 foi a que apresentou maior
legitimidade popular que abriu caminhos apontando um novo tempo
Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita Se fosse perfeita seria irreformaacutevel Ela proacutepria com humildade e realismo admite ser emendada ateacute por maioria mais acessiacutevel dentro de cinco anos Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita mas seraacute uacutetil e pioneira e desbravadora Seraacute luz ainda que de lamparina na noite dos desgraccedilados Eacute caminhando que se abrem os caminhos Ela vai caminhar e abri-los Seraacute redentor o que penetrar nos bolsotildees sujos escuros e ignorados da miseacuteria (Ulysses Guimaratildees)
Mesmo natildeo sendo a constituiccedilatildeo perfeita sem duacutevida foi a que trouxe
esperanccedila ao povo brasileiro com a sua promulgaccedilatildeo surgiram o ldquohaacutebeas datardquo o
mandado de injunccedilatildeo e o mandado de seguranccedila coletivo - todos remeacutedios judiciais
de iacutendoles constitucionais serviacuteveis para prevenir e combater diversas tentativas de
abuso contra a pessoa humana Outrossim o objeto da accedilatildeo popular foi ampliado
Atualmente qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima para propor a mencionada accedilatildeo
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popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de entidade de que o
Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e ao patrimocircnio
histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de custas
judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia Nesse rol de forma decisiva houve a
ampliaccedilatildeo tambeacutem dos direitos sociais
Assim a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconhece e assegura uma seacuterie de
escudos protetivos aos cidadatildeos Em sua essecircncia os direitos fundamentais
ganham forma De modo que podemos assegurar que hoje o nosso Estado eacute uma
organizaccedilatildeo centrada no ser humano visto que tem a dignidade da pessoa humana
como um fundamento da Repuacuteblica Federativa do Brasil
Apesar das inuacutemeras dificuldades o Estado Democraacutetico de Direito fundado
na cidadania constituiu para o povo uma nova identidade ndash o que em outras eacutepocas
natildeo existia
A Constituiccedilatildeo circunscreve toda a organizaccedilatildeo poliacutetica estatal no intuito
maior de criar no consciente coletivo a vontade livre e determinada de desenvolver
padrotildees de condutas destinados a elevar e promover a auto-estima de toda a
comunidade paacutetria
Foi nesse sentido que estatui em seu artigo 1ordm a cidadania como fundamento
do Estado Democraacutetico de Direito ampliando e enriquecendo o tal conceito Cada
eacutepoca produziu praacuteticas e reflexotildees muito distintas sobre o tema cidadania A
definiccedilatildeo de cidadania que vem sofrendo alteraccedilotildees ao longo do tempo obedecendo
a um processo histoacuterico de conquistas sociais eacute compreendida atualmente como
um processo de participaccedilatildeo do indiviacuteduo ou de um grupo organizado nas mais
variadas aacutereas de atuaccedilatildeo da sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos
e sociais
A cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia disso natildeo haacute duvidas e se
efetiva como mudanccedilas na realidade de cada um com melhoria de vida e
conscientizaccedilatildeo da importacircncia do cidadatildeo dado que eacute um processo em
permanente construccedilatildeo Natildeo haacute como defender uma qualidade de vida sem a
preservaccedilatildeo da cidadania em todos os seus acircmbitos Nesse sentido a efetiva
proteccedilatildeo desse aspecto basilar torna-se essencial no que tange uma assistecircncia
juriacutedica completa
No contraponto do direito estatildeo os deveres que encontramos sua realizaccedilatildeo
tambeacutem na participaccedilatildeo observando que o cidadatildeo eacute responsaacutevel pelo advir de
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suas accedilotildees A participaccedilatildeo reflete um caraacuteter de natildeo comodismo de atenccedilatildeo agravequilo
que eacute particular e coletivo tendo como finalidade preciacutepua o bem comum
Construir cidadania hoje eacute imperativo para a sociedade pois dessa
construccedilatildeo depende o amanhatilde Estamos diante da Constituiccedilatildeo que se propotildee a
resguardar o amanhatilde sem perder de vista que ele comeccedila hoje agora e nisso a
Carta Poliacutetica traacutes consigo a certeza do despertar dessa consciecircncia a consciecircncia
cidadatilde Ela eacute a semente plantada em terra feacutertil que gera frutos diariamente e se
renova a cada estaccedilatildeo na dinacircmica da vida Talvez tenha sido esse o cheiro de
frutas alcanccedilado pelo constituinte ao anunciar que a carta tem ldquocheiro do amanhatilderdquo
A responsabilidade pelo exerciacutecio desses direitos belissimamente elencados
depende de todos e de cada um pois somos o terreno feacutertil que produziraacute o fruto de
uma sociedade fraterna
Eacute comum na praacutetica apenas responsabilizarmos o Estado em sentido lato pelo
natildeo exerciacutecio dos direitos do cidadatildeo Vale lembrar nesse contexto das palavras de
J Kennedy o qual disse ldquonatildeo pergunte o que o Estado pode fazer por vocecirc mas o
que vocecirc pode fazer pelo Estadordquo haacute nessa frase um forte traccedilo de cidadania pois
quando o cidadatildeo reivindica critica opina o que ele daacute em contrapartida ao paiacutes eacute
solidificado visto que eacute nas relaccedilotildees familiares em comunidade que se estabelece e
se fortalece os viacutenculos de solidariedade de uma sociedade que perpetua valores
condutas que as leis reguladoras natildeo conseguem por si soacute estabelecer
A concretizaccedilatildeo do ideal de uma qualidade de vida merecida a todos os seres
humanos sem restriccedilotildees requer entretanto um esforccedilo coletivo Dessa forma haacute
necessidade de suprir as muitas carecircncias advindas das desigualdades sociais e de
condiccedilotildees do descaso do poder puacuteblico e da proacutepria conceituaccedilatildeo antiga de
cidadania que ainda eacute concebida por muitos no presente
Em suma nosso trabalho procurou traccedilar a evoluccedilatildeo da cidadania e ao
mesmo tempo buscou traccedilar uma melhor caracterizaccedilatildeo do cidadatildeo agrave luz da nossa
Constituiccedilatildeo que eacute por fim a essecircncia da Magna Carta O alcance da cidadania
enquanto mecanismo de acesso a direitos foi colocado no acircmbito da pessoa
enquanto titular de direitos e num paralelo defendemos que o municiacutepio eacute o espaccedilo
de atuaccedilatildeo e exerciacutecio de cidadania dada a proximidade do cidadatildeo com as
instituiccedilotildees oacutergatildeos entidades e tudo o mais que o cerca na esfera de vivecircncia Eacute na
praccedila que discute a poliacutetica local e nacional que se indigna com as dificuldades e as
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barreiras de acesso aos seus direitos Eacute no municiacutepio que se inicia todo um vieacutes de
desdobramento para garantir direitos
Por fim natildeo obstante resta dizer sobre o tema que os caminhos e
paradigmas que se intentou percorrer sobre cidadania como mecanismo
transformador da sociedade tem ingrediente ainda a se descortinar para o
propoacutesito valioso do bem comum Pois bem a ideia de bem comum tem como
fundamento o amor maacutexima que se estabelece por meio da democracia visto que
ldquoa demofilia o demoiacutesmo o amor do povo acima de tudo como princiacutepio ativo de
toda a sua vida poliacutetica inspirador duma sempre crescente autonomia imanente eacute
que constitui a verdadeira essecircncia da democraciardquo nas palavras de Melgareacute
(2005)
Dessa forma eacute no nuacutecleo da democracia que estaacute inscrito como pedra
angular o respeito e o amor pela pessoa humana Eacute pois um tema de larga
abrangecircncia poreacutem sem querer abreviar o caminho sua efetiva possibilidade de
realizaccedilatildeo se encontra no exerciacutecio da cidadania sem repuacutedios parciais ou exclusatildeo
de qualquer ordem na plenitude de uma cidadania para todos
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REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
AGRA Walber de Moura Curso de Direito Constitucional Satildeo Paulo Editora Revista dos Tribunais 2002 ANDRADE Vera Regina Pereira de Cidadania Direitos Humanos e Democracia Reconstruindo o Conceito Liberal de Cidadania In SILVA RP (Org) Direitos Humanos como educaccedilatildeo para a Justiccedila Satildeo Paulo LTr 1998 ARENDT Hannah A condiccedilatildeo humana Rio de Janeiro Forense Universitaacuteria 1995 ARISTOacuteTELES A poliacutetica Brasiacutelia Satildeo Paulo Edunb 1988 BELMONTE Claacuteudio MELGAREacute Pliacutenio (coords) O direito na Sociedade Contemporacircnea estudos em homenagem ao Ministro Joseacute Neacuteri da Silveira Rio de Janeiro Editora Forense 2005 BENEVIDES Maria Victoacuteria de Mesquita Cidadania e democracia In Lua Nova Revista CEDEC nordm33 Satildeo Paulo 1994 ___________ Cidadania ativa referendo plebiscito e iniciativa popular Satildeo Paulo Editora Aacutetica 2000 BOBBIO Norberto A era dos direitos Trad de Carlos Nelson Coutinho Rio de Janeiro Campus 1992 p 45 BRASIL Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil texto constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988 Brasiacutelia Senado Federal 2006 CARVALHO Joseacute Murilo de ldquoCidadania na encruzilhadardquo In BIGNOTTO Newton (Org) Pensar a repuacuteblica Belo Horizonte UFMG 2000 ___________ Cidadania no Brasil o longo caminho Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2002 CHAUIacute Marilena Introduccedilatildeo agrave histoacuteria da filosofia dos preacute-socraacuteticos a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Brasiliense 1994 COMPARATO Faacutebio Konder A nova cidadania In Lua Nova Revista CEDEC nordm2829 Satildeo Paulo 1993 CORREcircA Darciacutesio A construccedilatildeo da cidadania Ijuiacute Editora da Unijuiacute 1999 COSTA NETO Antonio Cavalcante da Lazer Direitos Humanos e Cidadania por uma teoria do lazer como direito fundamental Protexto Curitiba 2010 COULANGES Fustel de A Cidade antiga estudos sobre o culto o direito as instituiccedilotildees da Greacutecia e de Roma Satildeo Paulo Ediouro sd COVRE Maria de Lourdes Manzini O que eacute cidadania coleccedilatildeo primeiros passos 3 ed Satildeo Paulo Brasiliense 1998
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CUNHA Lois O ser humano e a pessoa 2007 Disponiacutevel em httpshvoogcombooks Acesso em 03112009 DALLARI Dalmo de Abreu Direitos Humanos e Cidadania 2 ed Satildeo Paulo Moderna 2004 DAHL Robert Sobre a democracia Brasiacutelia Universidade de Brasiacutelia 2001 FRIEDRICH Karl Uma introduccedilatildeo agrave teoria poliacutetica Rio de Janeiro Zahar 1970 HARVEY David Condiccedilatildeo poacutes-moderna Uma pesquisa sobre as origens da mudanccedila cultural Satildeo Paulo Loyola 1992 HUBERMAN L Histoacuteria da riqueza do homem Rio de Janeiro Livros Teacutecnicos e Cientiacuteficos 1986 MARSHALL T H Cidadania classe social e status Rio de Janeiro Zahar 1967 MAZZUOLI Valeacuterio de Oliveira Direitos humanos e cidadania agrave luz do Direito Internacional Satildeo Paulo Minelli 2002 MORAES Alexandre de Direito Constitucional Satildeo Paulo Atlas 2004 PALU Oswaldo LUIZ Controle de Constitucionalidade conceitos sistemas e efeitos Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2001 PINSKY Jaime Praacuteticas de cidadania Satildeo Paulo Contexto 2004 RAMOS Elival da Silva Representaccedilatildeo e Democracia In cadernos de direito constitucional e eleitoral Satildeo Paulo Imprensa Oficial do Estado SA IMEP N9 1990 ROSAS Vanderlei de Barros Afinal O que eacute cidadania (2001) Disponiacutevel em httpwwwmundodosfilosofoscombrvanderlei7htm Acesso em gt 07022013 SANTANA Marcos Silvio de O que eacute cidadania Disponiacutevel em httpwwwadvogadoadvBr Acesso em gt 30012013 SILVA Joseacute Afonso Curso de Direito Constitucional Positivo Satildeo Paulo Malheiros Editores 2005 VALADEacuteS Diego Conversas acadecircmicas com Petter Haberle Satildeo Paulo Saraiva 2009
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34 A necessaacuteria superaccedilatildeo de velhos paradigmas
Como se sabe em 1988 foi aprovada a Constituiccedilatildeo mais liberal e
democraacutetica do Brasil chamada de ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo Assim ampliou-se de
forma significativa o campo dos direitos e garantias fundamentais No que diz
respeito a tal mateacuteria eacute considerada como uma das mais avanccediladas do mundo No
seu preacircmbulo adota o modelo de um Estado democraacutetico de Direito destinado a
garantir o exerciacutecio dos direitos sociais e individuais a liberdade a seguranccedila o
bem-estar o desenvolvimento a igualdade e a justiccedila eleitos como valores
supremos de uma sociedade fraterna pluralista e sem preconceitos
Para a construccedilatildeo democraacutetica da cidadania no Brasil contemporacircneo
salienta-se de ela deve passar de uma democracia representativa para uma
cidadania que efetivamente molde a democracia ou seja uma cidadania instituinte
da democracia
No acircmbito constitucional positivo cidadania pressupotildee o exerciacutecio de todos
os direitos fundamentais e garantias que caracterizam o Estado democraacutetico de
Direito Quando se fala em cidadania eacute no sentido de reafirmar o direito pela plena
realizaccedilatildeo do indiviacuteduo do cidadatildeo dos entes coletivos e de sua emancipaccedilatildeo nos
espaccedilos da sociedade Estatildeo sempre intimamente ligados os conceitos de
cidadania democracia e direitos humanos sendo que um remete ao outro e seus
conteuacutedos se interligam ou seja a cidadania natildeo iraacute ocorrer sem que ocorra a
realizaccedilatildeo dos Direitos Humanos da mesma forma que os direitos humanos natildeo
seratildeo concretizados se natildeo houver o exerciacutecio da cidadania
Na evoluccedilatildeo histoacuterica tais categorias se desenvolveram de forma conjunta
com o Estado Representam noccedilotildees desejaacuteveis de relaccedilotildees humanas que se espera
sejam instituiacutedas Satildeo os elementos basilares na nova ordem social e que a
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 pretendeu edificar Poreacutem a democracia poliacutetica natildeo
resolveu os problemas econocircmicos mais seacuterios como a desigualdade e o
desemprego Continuam muito seacuterios os problemas da aacuterea social principalmente
na educaccedilatildeo nos serviccedilos de sauacutede e saneamento como tambeacutem e
principalmente quanto agrave seguranccedila puacuteblica
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A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 em seu artigo 6ordm e em outros artigos no texto
constitucional ampliou e muito os Direitos Sociais proibiu discriminaccedilotildees Assim
indicadores baacutesicos de qualidade de vida apontam que houve uma melhoria A
mortalidade infantil por exemplo caiu de maneira significativa nos uacuteltimos anos A
esperanccedila de vida ao nascer passou de 60 anos em 1980 para 70 em 2000 Poreacutem
o maior progresso foi na aacuterea da educaccedilatildeo fundamental que eacute considerado fator
decisivo para a cidadania pois a taxa de analfabetismo caiu consideravelmente
entretanto existem muitos problemas no campo educacional como a repetecircncia e
com relaccedilatildeo a desigualdade social entre as regiotildees
A grande concentraccedilatildeo da riqueza nacional nas matildeos de poucos reflete a
desigualdade e causa a pobreza e a miseacuteria ao passo que dificulta o acesso do
cidadatildeo agrave justiccedila e consequentemente ao seu estado de cidadania pleno
Dentre os fundamentos no qual se baseiam o Estado democraacutetico de Direito
no Brasil destaca-se justamente a cidadania e a dignidade humana conforme artigo
1ordm incisos II e III da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Entatildeo construir uma sociedade
livre justa e solidaacuteria garantir o desenvolvimento nacional erradicar a pobreza e a
marginalizaccedilatildeo reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de
todos sem preconceitos de origem raccedila sexo cor idade ou quaisquer outras
formas de discriminaccedilatildeo satildeo os objetivos fundamentais do Estado Brasileiro
conforme art 3ordm da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
O cenaacuterio de globalizaccedilatildeo econocircmica mundial tambeacutem traacutes seacuterios obstaacuteculos
para a construccedilatildeo da cidadania A globalizaccedilatildeo da economia em ritmo acelerado
provoca grandes mudanccedilas nas relaccedilotildees entre Estado sociedade e naccedilatildeo que
eram sempre o centro da noccedilatildeo e da praacutetica da cidadania ocidental O foco das
mudanccedilas e das preocupaccedilotildees estaacute em dois focos especiacuteficos a reduccedilatildeo do papel
central do Estado como fonte de direitos e local para a participaccedilatildeo e o
deslocamento da naccedilatildeo como principal fonte de identidade coletiva
Para que ocorra efetiva mudanccedila a melhor proposta eacute no sentido de
mudanccedila na organizaccedilatildeo da sociedade pois a inversatildeo da sequecircncia dos direitos
fez com que ocorra o reforccedilo da supremacia do Estado Para que ocorra a
consolidaccedilatildeo democraacutetica e cidadatilde eacute necessaacuterio reforccedilar a organizaccedilatildeo da
sociedade para assim dar embasamento social ao poder poliacutetico ou seja
finalmente democratizar o poder e estabelecer de forma plena a Cidadania
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CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A Constituiccedilatildeo que nasce com ldquocheiro de amanhatilde e natildeo de mofordquo nas
palavras do Deputado Ulisses Guimaratildees tem em seu relevo a esperanccedila de um
povo que sonhava com a erradicaccedilatildeo da repressatildeo militar e natildeo soacute isso um povo
que sonhava com a liberdade em suas diversas manifestaccedilotildees em suas mais
significativas formas de representaccedilatildeo e sobretudo com um paiacutes voltado para a
democracia e justiccedila social
Ao povo brasileiro foi concedido o poder de governar e nesse contexto de
mudanccedila a ldquodemocracia eacute o governo do povo pelo povo e para o povordquo na
conceituaccedilatildeo ceacutelebre de Abraham Lincoln E consoante estabelece o paraacutegrafo
uacutenico do art 1ordm da Carta cidadatilde de 1988 ldquotodo poder emana do povo que o exerce
por meio de representantes eleitos ou diretamenterdquo
No entanto natildeo basta que a fonte de poder seja o povo a democracia vem
significar a efetiva participaccedilatildeo do povo nas decisotildees e destino do Estado e sua
consolidaccedilatildeo eacute a proacutepria cidadania pois eacute o cidadatildeo que pensa e se auto define
diante da condiccedilatildeo soacutecio-histoacuterica O cidadatildeo tem portanto o poder de transformar
a realidade social segundo seu pensamento e accedilatildeo
Natildeo se pode negar que a Carta de 1988 foi a que apresentou maior
legitimidade popular que abriu caminhos apontando um novo tempo
Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita Se fosse perfeita seria irreformaacutevel Ela proacutepria com humildade e realismo admite ser emendada ateacute por maioria mais acessiacutevel dentro de cinco anos Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita mas seraacute uacutetil e pioneira e desbravadora Seraacute luz ainda que de lamparina na noite dos desgraccedilados Eacute caminhando que se abrem os caminhos Ela vai caminhar e abri-los Seraacute redentor o que penetrar nos bolsotildees sujos escuros e ignorados da miseacuteria (Ulysses Guimaratildees)
Mesmo natildeo sendo a constituiccedilatildeo perfeita sem duacutevida foi a que trouxe
esperanccedila ao povo brasileiro com a sua promulgaccedilatildeo surgiram o ldquohaacutebeas datardquo o
mandado de injunccedilatildeo e o mandado de seguranccedila coletivo - todos remeacutedios judiciais
de iacutendoles constitucionais serviacuteveis para prevenir e combater diversas tentativas de
abuso contra a pessoa humana Outrossim o objeto da accedilatildeo popular foi ampliado
Atualmente qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima para propor a mencionada accedilatildeo
54
popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de entidade de que o
Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e ao patrimocircnio
histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de custas
judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia Nesse rol de forma decisiva houve a
ampliaccedilatildeo tambeacutem dos direitos sociais
Assim a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconhece e assegura uma seacuterie de
escudos protetivos aos cidadatildeos Em sua essecircncia os direitos fundamentais
ganham forma De modo que podemos assegurar que hoje o nosso Estado eacute uma
organizaccedilatildeo centrada no ser humano visto que tem a dignidade da pessoa humana
como um fundamento da Repuacuteblica Federativa do Brasil
Apesar das inuacutemeras dificuldades o Estado Democraacutetico de Direito fundado
na cidadania constituiu para o povo uma nova identidade ndash o que em outras eacutepocas
natildeo existia
A Constituiccedilatildeo circunscreve toda a organizaccedilatildeo poliacutetica estatal no intuito
maior de criar no consciente coletivo a vontade livre e determinada de desenvolver
padrotildees de condutas destinados a elevar e promover a auto-estima de toda a
comunidade paacutetria
Foi nesse sentido que estatui em seu artigo 1ordm a cidadania como fundamento
do Estado Democraacutetico de Direito ampliando e enriquecendo o tal conceito Cada
eacutepoca produziu praacuteticas e reflexotildees muito distintas sobre o tema cidadania A
definiccedilatildeo de cidadania que vem sofrendo alteraccedilotildees ao longo do tempo obedecendo
a um processo histoacuterico de conquistas sociais eacute compreendida atualmente como
um processo de participaccedilatildeo do indiviacuteduo ou de um grupo organizado nas mais
variadas aacutereas de atuaccedilatildeo da sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos
e sociais
A cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia disso natildeo haacute duvidas e se
efetiva como mudanccedilas na realidade de cada um com melhoria de vida e
conscientizaccedilatildeo da importacircncia do cidadatildeo dado que eacute um processo em
permanente construccedilatildeo Natildeo haacute como defender uma qualidade de vida sem a
preservaccedilatildeo da cidadania em todos os seus acircmbitos Nesse sentido a efetiva
proteccedilatildeo desse aspecto basilar torna-se essencial no que tange uma assistecircncia
juriacutedica completa
No contraponto do direito estatildeo os deveres que encontramos sua realizaccedilatildeo
tambeacutem na participaccedilatildeo observando que o cidadatildeo eacute responsaacutevel pelo advir de
55
suas accedilotildees A participaccedilatildeo reflete um caraacuteter de natildeo comodismo de atenccedilatildeo agravequilo
que eacute particular e coletivo tendo como finalidade preciacutepua o bem comum
Construir cidadania hoje eacute imperativo para a sociedade pois dessa
construccedilatildeo depende o amanhatilde Estamos diante da Constituiccedilatildeo que se propotildee a
resguardar o amanhatilde sem perder de vista que ele comeccedila hoje agora e nisso a
Carta Poliacutetica traacutes consigo a certeza do despertar dessa consciecircncia a consciecircncia
cidadatilde Ela eacute a semente plantada em terra feacutertil que gera frutos diariamente e se
renova a cada estaccedilatildeo na dinacircmica da vida Talvez tenha sido esse o cheiro de
frutas alcanccedilado pelo constituinte ao anunciar que a carta tem ldquocheiro do amanhatilderdquo
A responsabilidade pelo exerciacutecio desses direitos belissimamente elencados
depende de todos e de cada um pois somos o terreno feacutertil que produziraacute o fruto de
uma sociedade fraterna
Eacute comum na praacutetica apenas responsabilizarmos o Estado em sentido lato pelo
natildeo exerciacutecio dos direitos do cidadatildeo Vale lembrar nesse contexto das palavras de
J Kennedy o qual disse ldquonatildeo pergunte o que o Estado pode fazer por vocecirc mas o
que vocecirc pode fazer pelo Estadordquo haacute nessa frase um forte traccedilo de cidadania pois
quando o cidadatildeo reivindica critica opina o que ele daacute em contrapartida ao paiacutes eacute
solidificado visto que eacute nas relaccedilotildees familiares em comunidade que se estabelece e
se fortalece os viacutenculos de solidariedade de uma sociedade que perpetua valores
condutas que as leis reguladoras natildeo conseguem por si soacute estabelecer
A concretizaccedilatildeo do ideal de uma qualidade de vida merecida a todos os seres
humanos sem restriccedilotildees requer entretanto um esforccedilo coletivo Dessa forma haacute
necessidade de suprir as muitas carecircncias advindas das desigualdades sociais e de
condiccedilotildees do descaso do poder puacuteblico e da proacutepria conceituaccedilatildeo antiga de
cidadania que ainda eacute concebida por muitos no presente
Em suma nosso trabalho procurou traccedilar a evoluccedilatildeo da cidadania e ao
mesmo tempo buscou traccedilar uma melhor caracterizaccedilatildeo do cidadatildeo agrave luz da nossa
Constituiccedilatildeo que eacute por fim a essecircncia da Magna Carta O alcance da cidadania
enquanto mecanismo de acesso a direitos foi colocado no acircmbito da pessoa
enquanto titular de direitos e num paralelo defendemos que o municiacutepio eacute o espaccedilo
de atuaccedilatildeo e exerciacutecio de cidadania dada a proximidade do cidadatildeo com as
instituiccedilotildees oacutergatildeos entidades e tudo o mais que o cerca na esfera de vivecircncia Eacute na
praccedila que discute a poliacutetica local e nacional que se indigna com as dificuldades e as
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barreiras de acesso aos seus direitos Eacute no municiacutepio que se inicia todo um vieacutes de
desdobramento para garantir direitos
Por fim natildeo obstante resta dizer sobre o tema que os caminhos e
paradigmas que se intentou percorrer sobre cidadania como mecanismo
transformador da sociedade tem ingrediente ainda a se descortinar para o
propoacutesito valioso do bem comum Pois bem a ideia de bem comum tem como
fundamento o amor maacutexima que se estabelece por meio da democracia visto que
ldquoa demofilia o demoiacutesmo o amor do povo acima de tudo como princiacutepio ativo de
toda a sua vida poliacutetica inspirador duma sempre crescente autonomia imanente eacute
que constitui a verdadeira essecircncia da democraciardquo nas palavras de Melgareacute
(2005)
Dessa forma eacute no nuacutecleo da democracia que estaacute inscrito como pedra
angular o respeito e o amor pela pessoa humana Eacute pois um tema de larga
abrangecircncia poreacutem sem querer abreviar o caminho sua efetiva possibilidade de
realizaccedilatildeo se encontra no exerciacutecio da cidadania sem repuacutedios parciais ou exclusatildeo
de qualquer ordem na plenitude de uma cidadania para todos
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REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
AGRA Walber de Moura Curso de Direito Constitucional Satildeo Paulo Editora Revista dos Tribunais 2002 ANDRADE Vera Regina Pereira de Cidadania Direitos Humanos e Democracia Reconstruindo o Conceito Liberal de Cidadania In SILVA RP (Org) Direitos Humanos como educaccedilatildeo para a Justiccedila Satildeo Paulo LTr 1998 ARENDT Hannah A condiccedilatildeo humana Rio de Janeiro Forense Universitaacuteria 1995 ARISTOacuteTELES A poliacutetica Brasiacutelia Satildeo Paulo Edunb 1988 BELMONTE Claacuteudio MELGAREacute Pliacutenio (coords) O direito na Sociedade Contemporacircnea estudos em homenagem ao Ministro Joseacute Neacuteri da Silveira Rio de Janeiro Editora Forense 2005 BENEVIDES Maria Victoacuteria de Mesquita Cidadania e democracia In Lua Nova Revista CEDEC nordm33 Satildeo Paulo 1994 ___________ Cidadania ativa referendo plebiscito e iniciativa popular Satildeo Paulo Editora Aacutetica 2000 BOBBIO Norberto A era dos direitos Trad de Carlos Nelson Coutinho Rio de Janeiro Campus 1992 p 45 BRASIL Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil texto constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988 Brasiacutelia Senado Federal 2006 CARVALHO Joseacute Murilo de ldquoCidadania na encruzilhadardquo In BIGNOTTO Newton (Org) Pensar a repuacuteblica Belo Horizonte UFMG 2000 ___________ Cidadania no Brasil o longo caminho Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2002 CHAUIacute Marilena Introduccedilatildeo agrave histoacuteria da filosofia dos preacute-socraacuteticos a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Brasiliense 1994 COMPARATO Faacutebio Konder A nova cidadania In Lua Nova Revista CEDEC nordm2829 Satildeo Paulo 1993 CORREcircA Darciacutesio A construccedilatildeo da cidadania Ijuiacute Editora da Unijuiacute 1999 COSTA NETO Antonio Cavalcante da Lazer Direitos Humanos e Cidadania por uma teoria do lazer como direito fundamental Protexto Curitiba 2010 COULANGES Fustel de A Cidade antiga estudos sobre o culto o direito as instituiccedilotildees da Greacutecia e de Roma Satildeo Paulo Ediouro sd COVRE Maria de Lourdes Manzini O que eacute cidadania coleccedilatildeo primeiros passos 3 ed Satildeo Paulo Brasiliense 1998
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CUNHA Lois O ser humano e a pessoa 2007 Disponiacutevel em httpshvoogcombooks Acesso em 03112009 DALLARI Dalmo de Abreu Direitos Humanos e Cidadania 2 ed Satildeo Paulo Moderna 2004 DAHL Robert Sobre a democracia Brasiacutelia Universidade de Brasiacutelia 2001 FRIEDRICH Karl Uma introduccedilatildeo agrave teoria poliacutetica Rio de Janeiro Zahar 1970 HARVEY David Condiccedilatildeo poacutes-moderna Uma pesquisa sobre as origens da mudanccedila cultural Satildeo Paulo Loyola 1992 HUBERMAN L Histoacuteria da riqueza do homem Rio de Janeiro Livros Teacutecnicos e Cientiacuteficos 1986 MARSHALL T H Cidadania classe social e status Rio de Janeiro Zahar 1967 MAZZUOLI Valeacuterio de Oliveira Direitos humanos e cidadania agrave luz do Direito Internacional Satildeo Paulo Minelli 2002 MORAES Alexandre de Direito Constitucional Satildeo Paulo Atlas 2004 PALU Oswaldo LUIZ Controle de Constitucionalidade conceitos sistemas e efeitos Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2001 PINSKY Jaime Praacuteticas de cidadania Satildeo Paulo Contexto 2004 RAMOS Elival da Silva Representaccedilatildeo e Democracia In cadernos de direito constitucional e eleitoral Satildeo Paulo Imprensa Oficial do Estado SA IMEP N9 1990 ROSAS Vanderlei de Barros Afinal O que eacute cidadania (2001) Disponiacutevel em httpwwwmundodosfilosofoscombrvanderlei7htm Acesso em gt 07022013 SANTANA Marcos Silvio de O que eacute cidadania Disponiacutevel em httpwwwadvogadoadvBr Acesso em gt 30012013 SILVA Joseacute Afonso Curso de Direito Constitucional Positivo Satildeo Paulo Malheiros Editores 2005 VALADEacuteS Diego Conversas acadecircmicas com Petter Haberle Satildeo Paulo Saraiva 2009
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A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 em seu artigo 6ordm e em outros artigos no texto
constitucional ampliou e muito os Direitos Sociais proibiu discriminaccedilotildees Assim
indicadores baacutesicos de qualidade de vida apontam que houve uma melhoria A
mortalidade infantil por exemplo caiu de maneira significativa nos uacuteltimos anos A
esperanccedila de vida ao nascer passou de 60 anos em 1980 para 70 em 2000 Poreacutem
o maior progresso foi na aacuterea da educaccedilatildeo fundamental que eacute considerado fator
decisivo para a cidadania pois a taxa de analfabetismo caiu consideravelmente
entretanto existem muitos problemas no campo educacional como a repetecircncia e
com relaccedilatildeo a desigualdade social entre as regiotildees
A grande concentraccedilatildeo da riqueza nacional nas matildeos de poucos reflete a
desigualdade e causa a pobreza e a miseacuteria ao passo que dificulta o acesso do
cidadatildeo agrave justiccedila e consequentemente ao seu estado de cidadania pleno
Dentre os fundamentos no qual se baseiam o Estado democraacutetico de Direito
no Brasil destaca-se justamente a cidadania e a dignidade humana conforme artigo
1ordm incisos II e III da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Entatildeo construir uma sociedade
livre justa e solidaacuteria garantir o desenvolvimento nacional erradicar a pobreza e a
marginalizaccedilatildeo reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de
todos sem preconceitos de origem raccedila sexo cor idade ou quaisquer outras
formas de discriminaccedilatildeo satildeo os objetivos fundamentais do Estado Brasileiro
conforme art 3ordm da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
O cenaacuterio de globalizaccedilatildeo econocircmica mundial tambeacutem traacutes seacuterios obstaacuteculos
para a construccedilatildeo da cidadania A globalizaccedilatildeo da economia em ritmo acelerado
provoca grandes mudanccedilas nas relaccedilotildees entre Estado sociedade e naccedilatildeo que
eram sempre o centro da noccedilatildeo e da praacutetica da cidadania ocidental O foco das
mudanccedilas e das preocupaccedilotildees estaacute em dois focos especiacuteficos a reduccedilatildeo do papel
central do Estado como fonte de direitos e local para a participaccedilatildeo e o
deslocamento da naccedilatildeo como principal fonte de identidade coletiva
Para que ocorra efetiva mudanccedila a melhor proposta eacute no sentido de
mudanccedila na organizaccedilatildeo da sociedade pois a inversatildeo da sequecircncia dos direitos
fez com que ocorra o reforccedilo da supremacia do Estado Para que ocorra a
consolidaccedilatildeo democraacutetica e cidadatilde eacute necessaacuterio reforccedilar a organizaccedilatildeo da
sociedade para assim dar embasamento social ao poder poliacutetico ou seja
finalmente democratizar o poder e estabelecer de forma plena a Cidadania
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CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A Constituiccedilatildeo que nasce com ldquocheiro de amanhatilde e natildeo de mofordquo nas
palavras do Deputado Ulisses Guimaratildees tem em seu relevo a esperanccedila de um
povo que sonhava com a erradicaccedilatildeo da repressatildeo militar e natildeo soacute isso um povo
que sonhava com a liberdade em suas diversas manifestaccedilotildees em suas mais
significativas formas de representaccedilatildeo e sobretudo com um paiacutes voltado para a
democracia e justiccedila social
Ao povo brasileiro foi concedido o poder de governar e nesse contexto de
mudanccedila a ldquodemocracia eacute o governo do povo pelo povo e para o povordquo na
conceituaccedilatildeo ceacutelebre de Abraham Lincoln E consoante estabelece o paraacutegrafo
uacutenico do art 1ordm da Carta cidadatilde de 1988 ldquotodo poder emana do povo que o exerce
por meio de representantes eleitos ou diretamenterdquo
No entanto natildeo basta que a fonte de poder seja o povo a democracia vem
significar a efetiva participaccedilatildeo do povo nas decisotildees e destino do Estado e sua
consolidaccedilatildeo eacute a proacutepria cidadania pois eacute o cidadatildeo que pensa e se auto define
diante da condiccedilatildeo soacutecio-histoacuterica O cidadatildeo tem portanto o poder de transformar
a realidade social segundo seu pensamento e accedilatildeo
Natildeo se pode negar que a Carta de 1988 foi a que apresentou maior
legitimidade popular que abriu caminhos apontando um novo tempo
Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita Se fosse perfeita seria irreformaacutevel Ela proacutepria com humildade e realismo admite ser emendada ateacute por maioria mais acessiacutevel dentro de cinco anos Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita mas seraacute uacutetil e pioneira e desbravadora Seraacute luz ainda que de lamparina na noite dos desgraccedilados Eacute caminhando que se abrem os caminhos Ela vai caminhar e abri-los Seraacute redentor o que penetrar nos bolsotildees sujos escuros e ignorados da miseacuteria (Ulysses Guimaratildees)
Mesmo natildeo sendo a constituiccedilatildeo perfeita sem duacutevida foi a que trouxe
esperanccedila ao povo brasileiro com a sua promulgaccedilatildeo surgiram o ldquohaacutebeas datardquo o
mandado de injunccedilatildeo e o mandado de seguranccedila coletivo - todos remeacutedios judiciais
de iacutendoles constitucionais serviacuteveis para prevenir e combater diversas tentativas de
abuso contra a pessoa humana Outrossim o objeto da accedilatildeo popular foi ampliado
Atualmente qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima para propor a mencionada accedilatildeo
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popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de entidade de que o
Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e ao patrimocircnio
histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de custas
judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia Nesse rol de forma decisiva houve a
ampliaccedilatildeo tambeacutem dos direitos sociais
Assim a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconhece e assegura uma seacuterie de
escudos protetivos aos cidadatildeos Em sua essecircncia os direitos fundamentais
ganham forma De modo que podemos assegurar que hoje o nosso Estado eacute uma
organizaccedilatildeo centrada no ser humano visto que tem a dignidade da pessoa humana
como um fundamento da Repuacuteblica Federativa do Brasil
Apesar das inuacutemeras dificuldades o Estado Democraacutetico de Direito fundado
na cidadania constituiu para o povo uma nova identidade ndash o que em outras eacutepocas
natildeo existia
A Constituiccedilatildeo circunscreve toda a organizaccedilatildeo poliacutetica estatal no intuito
maior de criar no consciente coletivo a vontade livre e determinada de desenvolver
padrotildees de condutas destinados a elevar e promover a auto-estima de toda a
comunidade paacutetria
Foi nesse sentido que estatui em seu artigo 1ordm a cidadania como fundamento
do Estado Democraacutetico de Direito ampliando e enriquecendo o tal conceito Cada
eacutepoca produziu praacuteticas e reflexotildees muito distintas sobre o tema cidadania A
definiccedilatildeo de cidadania que vem sofrendo alteraccedilotildees ao longo do tempo obedecendo
a um processo histoacuterico de conquistas sociais eacute compreendida atualmente como
um processo de participaccedilatildeo do indiviacuteduo ou de um grupo organizado nas mais
variadas aacutereas de atuaccedilatildeo da sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos
e sociais
A cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia disso natildeo haacute duvidas e se
efetiva como mudanccedilas na realidade de cada um com melhoria de vida e
conscientizaccedilatildeo da importacircncia do cidadatildeo dado que eacute um processo em
permanente construccedilatildeo Natildeo haacute como defender uma qualidade de vida sem a
preservaccedilatildeo da cidadania em todos os seus acircmbitos Nesse sentido a efetiva
proteccedilatildeo desse aspecto basilar torna-se essencial no que tange uma assistecircncia
juriacutedica completa
No contraponto do direito estatildeo os deveres que encontramos sua realizaccedilatildeo
tambeacutem na participaccedilatildeo observando que o cidadatildeo eacute responsaacutevel pelo advir de
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suas accedilotildees A participaccedilatildeo reflete um caraacuteter de natildeo comodismo de atenccedilatildeo agravequilo
que eacute particular e coletivo tendo como finalidade preciacutepua o bem comum
Construir cidadania hoje eacute imperativo para a sociedade pois dessa
construccedilatildeo depende o amanhatilde Estamos diante da Constituiccedilatildeo que se propotildee a
resguardar o amanhatilde sem perder de vista que ele comeccedila hoje agora e nisso a
Carta Poliacutetica traacutes consigo a certeza do despertar dessa consciecircncia a consciecircncia
cidadatilde Ela eacute a semente plantada em terra feacutertil que gera frutos diariamente e se
renova a cada estaccedilatildeo na dinacircmica da vida Talvez tenha sido esse o cheiro de
frutas alcanccedilado pelo constituinte ao anunciar que a carta tem ldquocheiro do amanhatilderdquo
A responsabilidade pelo exerciacutecio desses direitos belissimamente elencados
depende de todos e de cada um pois somos o terreno feacutertil que produziraacute o fruto de
uma sociedade fraterna
Eacute comum na praacutetica apenas responsabilizarmos o Estado em sentido lato pelo
natildeo exerciacutecio dos direitos do cidadatildeo Vale lembrar nesse contexto das palavras de
J Kennedy o qual disse ldquonatildeo pergunte o que o Estado pode fazer por vocecirc mas o
que vocecirc pode fazer pelo Estadordquo haacute nessa frase um forte traccedilo de cidadania pois
quando o cidadatildeo reivindica critica opina o que ele daacute em contrapartida ao paiacutes eacute
solidificado visto que eacute nas relaccedilotildees familiares em comunidade que se estabelece e
se fortalece os viacutenculos de solidariedade de uma sociedade que perpetua valores
condutas que as leis reguladoras natildeo conseguem por si soacute estabelecer
A concretizaccedilatildeo do ideal de uma qualidade de vida merecida a todos os seres
humanos sem restriccedilotildees requer entretanto um esforccedilo coletivo Dessa forma haacute
necessidade de suprir as muitas carecircncias advindas das desigualdades sociais e de
condiccedilotildees do descaso do poder puacuteblico e da proacutepria conceituaccedilatildeo antiga de
cidadania que ainda eacute concebida por muitos no presente
Em suma nosso trabalho procurou traccedilar a evoluccedilatildeo da cidadania e ao
mesmo tempo buscou traccedilar uma melhor caracterizaccedilatildeo do cidadatildeo agrave luz da nossa
Constituiccedilatildeo que eacute por fim a essecircncia da Magna Carta O alcance da cidadania
enquanto mecanismo de acesso a direitos foi colocado no acircmbito da pessoa
enquanto titular de direitos e num paralelo defendemos que o municiacutepio eacute o espaccedilo
de atuaccedilatildeo e exerciacutecio de cidadania dada a proximidade do cidadatildeo com as
instituiccedilotildees oacutergatildeos entidades e tudo o mais que o cerca na esfera de vivecircncia Eacute na
praccedila que discute a poliacutetica local e nacional que se indigna com as dificuldades e as
56
barreiras de acesso aos seus direitos Eacute no municiacutepio que se inicia todo um vieacutes de
desdobramento para garantir direitos
Por fim natildeo obstante resta dizer sobre o tema que os caminhos e
paradigmas que se intentou percorrer sobre cidadania como mecanismo
transformador da sociedade tem ingrediente ainda a se descortinar para o
propoacutesito valioso do bem comum Pois bem a ideia de bem comum tem como
fundamento o amor maacutexima que se estabelece por meio da democracia visto que
ldquoa demofilia o demoiacutesmo o amor do povo acima de tudo como princiacutepio ativo de
toda a sua vida poliacutetica inspirador duma sempre crescente autonomia imanente eacute
que constitui a verdadeira essecircncia da democraciardquo nas palavras de Melgareacute
(2005)
Dessa forma eacute no nuacutecleo da democracia que estaacute inscrito como pedra
angular o respeito e o amor pela pessoa humana Eacute pois um tema de larga
abrangecircncia poreacutem sem querer abreviar o caminho sua efetiva possibilidade de
realizaccedilatildeo se encontra no exerciacutecio da cidadania sem repuacutedios parciais ou exclusatildeo
de qualquer ordem na plenitude de uma cidadania para todos
57
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
AGRA Walber de Moura Curso de Direito Constitucional Satildeo Paulo Editora Revista dos Tribunais 2002 ANDRADE Vera Regina Pereira de Cidadania Direitos Humanos e Democracia Reconstruindo o Conceito Liberal de Cidadania In SILVA RP (Org) Direitos Humanos como educaccedilatildeo para a Justiccedila Satildeo Paulo LTr 1998 ARENDT Hannah A condiccedilatildeo humana Rio de Janeiro Forense Universitaacuteria 1995 ARISTOacuteTELES A poliacutetica Brasiacutelia Satildeo Paulo Edunb 1988 BELMONTE Claacuteudio MELGAREacute Pliacutenio (coords) O direito na Sociedade Contemporacircnea estudos em homenagem ao Ministro Joseacute Neacuteri da Silveira Rio de Janeiro Editora Forense 2005 BENEVIDES Maria Victoacuteria de Mesquita Cidadania e democracia In Lua Nova Revista CEDEC nordm33 Satildeo Paulo 1994 ___________ Cidadania ativa referendo plebiscito e iniciativa popular Satildeo Paulo Editora Aacutetica 2000 BOBBIO Norberto A era dos direitos Trad de Carlos Nelson Coutinho Rio de Janeiro Campus 1992 p 45 BRASIL Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil texto constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988 Brasiacutelia Senado Federal 2006 CARVALHO Joseacute Murilo de ldquoCidadania na encruzilhadardquo In BIGNOTTO Newton (Org) Pensar a repuacuteblica Belo Horizonte UFMG 2000 ___________ Cidadania no Brasil o longo caminho Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2002 CHAUIacute Marilena Introduccedilatildeo agrave histoacuteria da filosofia dos preacute-socraacuteticos a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Brasiliense 1994 COMPARATO Faacutebio Konder A nova cidadania In Lua Nova Revista CEDEC nordm2829 Satildeo Paulo 1993 CORREcircA Darciacutesio A construccedilatildeo da cidadania Ijuiacute Editora da Unijuiacute 1999 COSTA NETO Antonio Cavalcante da Lazer Direitos Humanos e Cidadania por uma teoria do lazer como direito fundamental Protexto Curitiba 2010 COULANGES Fustel de A Cidade antiga estudos sobre o culto o direito as instituiccedilotildees da Greacutecia e de Roma Satildeo Paulo Ediouro sd COVRE Maria de Lourdes Manzini O que eacute cidadania coleccedilatildeo primeiros passos 3 ed Satildeo Paulo Brasiliense 1998
58
CUNHA Lois O ser humano e a pessoa 2007 Disponiacutevel em httpshvoogcombooks Acesso em 03112009 DALLARI Dalmo de Abreu Direitos Humanos e Cidadania 2 ed Satildeo Paulo Moderna 2004 DAHL Robert Sobre a democracia Brasiacutelia Universidade de Brasiacutelia 2001 FRIEDRICH Karl Uma introduccedilatildeo agrave teoria poliacutetica Rio de Janeiro Zahar 1970 HARVEY David Condiccedilatildeo poacutes-moderna Uma pesquisa sobre as origens da mudanccedila cultural Satildeo Paulo Loyola 1992 HUBERMAN L Histoacuteria da riqueza do homem Rio de Janeiro Livros Teacutecnicos e Cientiacuteficos 1986 MARSHALL T H Cidadania classe social e status Rio de Janeiro Zahar 1967 MAZZUOLI Valeacuterio de Oliveira Direitos humanos e cidadania agrave luz do Direito Internacional Satildeo Paulo Minelli 2002 MORAES Alexandre de Direito Constitucional Satildeo Paulo Atlas 2004 PALU Oswaldo LUIZ Controle de Constitucionalidade conceitos sistemas e efeitos Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2001 PINSKY Jaime Praacuteticas de cidadania Satildeo Paulo Contexto 2004 RAMOS Elival da Silva Representaccedilatildeo e Democracia In cadernos de direito constitucional e eleitoral Satildeo Paulo Imprensa Oficial do Estado SA IMEP N9 1990 ROSAS Vanderlei de Barros Afinal O que eacute cidadania (2001) Disponiacutevel em httpwwwmundodosfilosofoscombrvanderlei7htm Acesso em gt 07022013 SANTANA Marcos Silvio de O que eacute cidadania Disponiacutevel em httpwwwadvogadoadvBr Acesso em gt 30012013 SILVA Joseacute Afonso Curso de Direito Constitucional Positivo Satildeo Paulo Malheiros Editores 2005 VALADEacuteS Diego Conversas acadecircmicas com Petter Haberle Satildeo Paulo Saraiva 2009
53
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A Constituiccedilatildeo que nasce com ldquocheiro de amanhatilde e natildeo de mofordquo nas
palavras do Deputado Ulisses Guimaratildees tem em seu relevo a esperanccedila de um
povo que sonhava com a erradicaccedilatildeo da repressatildeo militar e natildeo soacute isso um povo
que sonhava com a liberdade em suas diversas manifestaccedilotildees em suas mais
significativas formas de representaccedilatildeo e sobretudo com um paiacutes voltado para a
democracia e justiccedila social
Ao povo brasileiro foi concedido o poder de governar e nesse contexto de
mudanccedila a ldquodemocracia eacute o governo do povo pelo povo e para o povordquo na
conceituaccedilatildeo ceacutelebre de Abraham Lincoln E consoante estabelece o paraacutegrafo
uacutenico do art 1ordm da Carta cidadatilde de 1988 ldquotodo poder emana do povo que o exerce
por meio de representantes eleitos ou diretamenterdquo
No entanto natildeo basta que a fonte de poder seja o povo a democracia vem
significar a efetiva participaccedilatildeo do povo nas decisotildees e destino do Estado e sua
consolidaccedilatildeo eacute a proacutepria cidadania pois eacute o cidadatildeo que pensa e se auto define
diante da condiccedilatildeo soacutecio-histoacuterica O cidadatildeo tem portanto o poder de transformar
a realidade social segundo seu pensamento e accedilatildeo
Natildeo se pode negar que a Carta de 1988 foi a que apresentou maior
legitimidade popular que abriu caminhos apontando um novo tempo
Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita Se fosse perfeita seria irreformaacutevel Ela proacutepria com humildade e realismo admite ser emendada ateacute por maioria mais acessiacutevel dentro de cinco anos Natildeo eacute a Constituiccedilatildeo perfeita mas seraacute uacutetil e pioneira e desbravadora Seraacute luz ainda que de lamparina na noite dos desgraccedilados Eacute caminhando que se abrem os caminhos Ela vai caminhar e abri-los Seraacute redentor o que penetrar nos bolsotildees sujos escuros e ignorados da miseacuteria (Ulysses Guimaratildees)
Mesmo natildeo sendo a constituiccedilatildeo perfeita sem duacutevida foi a que trouxe
esperanccedila ao povo brasileiro com a sua promulgaccedilatildeo surgiram o ldquohaacutebeas datardquo o
mandado de injunccedilatildeo e o mandado de seguranccedila coletivo - todos remeacutedios judiciais
de iacutendoles constitucionais serviacuteveis para prevenir e combater diversas tentativas de
abuso contra a pessoa humana Outrossim o objeto da accedilatildeo popular foi ampliado
Atualmente qualquer cidadatildeo eacute parte legiacutetima para propor a mencionada accedilatildeo
54
popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de entidade de que o
Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e ao patrimocircnio
histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de custas
judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia Nesse rol de forma decisiva houve a
ampliaccedilatildeo tambeacutem dos direitos sociais
Assim a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconhece e assegura uma seacuterie de
escudos protetivos aos cidadatildeos Em sua essecircncia os direitos fundamentais
ganham forma De modo que podemos assegurar que hoje o nosso Estado eacute uma
organizaccedilatildeo centrada no ser humano visto que tem a dignidade da pessoa humana
como um fundamento da Repuacuteblica Federativa do Brasil
Apesar das inuacutemeras dificuldades o Estado Democraacutetico de Direito fundado
na cidadania constituiu para o povo uma nova identidade ndash o que em outras eacutepocas
natildeo existia
A Constituiccedilatildeo circunscreve toda a organizaccedilatildeo poliacutetica estatal no intuito
maior de criar no consciente coletivo a vontade livre e determinada de desenvolver
padrotildees de condutas destinados a elevar e promover a auto-estima de toda a
comunidade paacutetria
Foi nesse sentido que estatui em seu artigo 1ordm a cidadania como fundamento
do Estado Democraacutetico de Direito ampliando e enriquecendo o tal conceito Cada
eacutepoca produziu praacuteticas e reflexotildees muito distintas sobre o tema cidadania A
definiccedilatildeo de cidadania que vem sofrendo alteraccedilotildees ao longo do tempo obedecendo
a um processo histoacuterico de conquistas sociais eacute compreendida atualmente como
um processo de participaccedilatildeo do indiviacuteduo ou de um grupo organizado nas mais
variadas aacutereas de atuaccedilatildeo da sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos
e sociais
A cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia disso natildeo haacute duvidas e se
efetiva como mudanccedilas na realidade de cada um com melhoria de vida e
conscientizaccedilatildeo da importacircncia do cidadatildeo dado que eacute um processo em
permanente construccedilatildeo Natildeo haacute como defender uma qualidade de vida sem a
preservaccedilatildeo da cidadania em todos os seus acircmbitos Nesse sentido a efetiva
proteccedilatildeo desse aspecto basilar torna-se essencial no que tange uma assistecircncia
juriacutedica completa
No contraponto do direito estatildeo os deveres que encontramos sua realizaccedilatildeo
tambeacutem na participaccedilatildeo observando que o cidadatildeo eacute responsaacutevel pelo advir de
55
suas accedilotildees A participaccedilatildeo reflete um caraacuteter de natildeo comodismo de atenccedilatildeo agravequilo
que eacute particular e coletivo tendo como finalidade preciacutepua o bem comum
Construir cidadania hoje eacute imperativo para a sociedade pois dessa
construccedilatildeo depende o amanhatilde Estamos diante da Constituiccedilatildeo que se propotildee a
resguardar o amanhatilde sem perder de vista que ele comeccedila hoje agora e nisso a
Carta Poliacutetica traacutes consigo a certeza do despertar dessa consciecircncia a consciecircncia
cidadatilde Ela eacute a semente plantada em terra feacutertil que gera frutos diariamente e se
renova a cada estaccedilatildeo na dinacircmica da vida Talvez tenha sido esse o cheiro de
frutas alcanccedilado pelo constituinte ao anunciar que a carta tem ldquocheiro do amanhatilderdquo
A responsabilidade pelo exerciacutecio desses direitos belissimamente elencados
depende de todos e de cada um pois somos o terreno feacutertil que produziraacute o fruto de
uma sociedade fraterna
Eacute comum na praacutetica apenas responsabilizarmos o Estado em sentido lato pelo
natildeo exerciacutecio dos direitos do cidadatildeo Vale lembrar nesse contexto das palavras de
J Kennedy o qual disse ldquonatildeo pergunte o que o Estado pode fazer por vocecirc mas o
que vocecirc pode fazer pelo Estadordquo haacute nessa frase um forte traccedilo de cidadania pois
quando o cidadatildeo reivindica critica opina o que ele daacute em contrapartida ao paiacutes eacute
solidificado visto que eacute nas relaccedilotildees familiares em comunidade que se estabelece e
se fortalece os viacutenculos de solidariedade de uma sociedade que perpetua valores
condutas que as leis reguladoras natildeo conseguem por si soacute estabelecer
A concretizaccedilatildeo do ideal de uma qualidade de vida merecida a todos os seres
humanos sem restriccedilotildees requer entretanto um esforccedilo coletivo Dessa forma haacute
necessidade de suprir as muitas carecircncias advindas das desigualdades sociais e de
condiccedilotildees do descaso do poder puacuteblico e da proacutepria conceituaccedilatildeo antiga de
cidadania que ainda eacute concebida por muitos no presente
Em suma nosso trabalho procurou traccedilar a evoluccedilatildeo da cidadania e ao
mesmo tempo buscou traccedilar uma melhor caracterizaccedilatildeo do cidadatildeo agrave luz da nossa
Constituiccedilatildeo que eacute por fim a essecircncia da Magna Carta O alcance da cidadania
enquanto mecanismo de acesso a direitos foi colocado no acircmbito da pessoa
enquanto titular de direitos e num paralelo defendemos que o municiacutepio eacute o espaccedilo
de atuaccedilatildeo e exerciacutecio de cidadania dada a proximidade do cidadatildeo com as
instituiccedilotildees oacutergatildeos entidades e tudo o mais que o cerca na esfera de vivecircncia Eacute na
praccedila que discute a poliacutetica local e nacional que se indigna com as dificuldades e as
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barreiras de acesso aos seus direitos Eacute no municiacutepio que se inicia todo um vieacutes de
desdobramento para garantir direitos
Por fim natildeo obstante resta dizer sobre o tema que os caminhos e
paradigmas que se intentou percorrer sobre cidadania como mecanismo
transformador da sociedade tem ingrediente ainda a se descortinar para o
propoacutesito valioso do bem comum Pois bem a ideia de bem comum tem como
fundamento o amor maacutexima que se estabelece por meio da democracia visto que
ldquoa demofilia o demoiacutesmo o amor do povo acima de tudo como princiacutepio ativo de
toda a sua vida poliacutetica inspirador duma sempre crescente autonomia imanente eacute
que constitui a verdadeira essecircncia da democraciardquo nas palavras de Melgareacute
(2005)
Dessa forma eacute no nuacutecleo da democracia que estaacute inscrito como pedra
angular o respeito e o amor pela pessoa humana Eacute pois um tema de larga
abrangecircncia poreacutem sem querer abreviar o caminho sua efetiva possibilidade de
realizaccedilatildeo se encontra no exerciacutecio da cidadania sem repuacutedios parciais ou exclusatildeo
de qualquer ordem na plenitude de uma cidadania para todos
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REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
AGRA Walber de Moura Curso de Direito Constitucional Satildeo Paulo Editora Revista dos Tribunais 2002 ANDRADE Vera Regina Pereira de Cidadania Direitos Humanos e Democracia Reconstruindo o Conceito Liberal de Cidadania In SILVA RP (Org) Direitos Humanos como educaccedilatildeo para a Justiccedila Satildeo Paulo LTr 1998 ARENDT Hannah A condiccedilatildeo humana Rio de Janeiro Forense Universitaacuteria 1995 ARISTOacuteTELES A poliacutetica Brasiacutelia Satildeo Paulo Edunb 1988 BELMONTE Claacuteudio MELGAREacute Pliacutenio (coords) O direito na Sociedade Contemporacircnea estudos em homenagem ao Ministro Joseacute Neacuteri da Silveira Rio de Janeiro Editora Forense 2005 BENEVIDES Maria Victoacuteria de Mesquita Cidadania e democracia In Lua Nova Revista CEDEC nordm33 Satildeo Paulo 1994 ___________ Cidadania ativa referendo plebiscito e iniciativa popular Satildeo Paulo Editora Aacutetica 2000 BOBBIO Norberto A era dos direitos Trad de Carlos Nelson Coutinho Rio de Janeiro Campus 1992 p 45 BRASIL Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil texto constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988 Brasiacutelia Senado Federal 2006 CARVALHO Joseacute Murilo de ldquoCidadania na encruzilhadardquo In BIGNOTTO Newton (Org) Pensar a repuacuteblica Belo Horizonte UFMG 2000 ___________ Cidadania no Brasil o longo caminho Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2002 CHAUIacute Marilena Introduccedilatildeo agrave histoacuteria da filosofia dos preacute-socraacuteticos a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Brasiliense 1994 COMPARATO Faacutebio Konder A nova cidadania In Lua Nova Revista CEDEC nordm2829 Satildeo Paulo 1993 CORREcircA Darciacutesio A construccedilatildeo da cidadania Ijuiacute Editora da Unijuiacute 1999 COSTA NETO Antonio Cavalcante da Lazer Direitos Humanos e Cidadania por uma teoria do lazer como direito fundamental Protexto Curitiba 2010 COULANGES Fustel de A Cidade antiga estudos sobre o culto o direito as instituiccedilotildees da Greacutecia e de Roma Satildeo Paulo Ediouro sd COVRE Maria de Lourdes Manzini O que eacute cidadania coleccedilatildeo primeiros passos 3 ed Satildeo Paulo Brasiliense 1998
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CUNHA Lois O ser humano e a pessoa 2007 Disponiacutevel em httpshvoogcombooks Acesso em 03112009 DALLARI Dalmo de Abreu Direitos Humanos e Cidadania 2 ed Satildeo Paulo Moderna 2004 DAHL Robert Sobre a democracia Brasiacutelia Universidade de Brasiacutelia 2001 FRIEDRICH Karl Uma introduccedilatildeo agrave teoria poliacutetica Rio de Janeiro Zahar 1970 HARVEY David Condiccedilatildeo poacutes-moderna Uma pesquisa sobre as origens da mudanccedila cultural Satildeo Paulo Loyola 1992 HUBERMAN L Histoacuteria da riqueza do homem Rio de Janeiro Livros Teacutecnicos e Cientiacuteficos 1986 MARSHALL T H Cidadania classe social e status Rio de Janeiro Zahar 1967 MAZZUOLI Valeacuterio de Oliveira Direitos humanos e cidadania agrave luz do Direito Internacional Satildeo Paulo Minelli 2002 MORAES Alexandre de Direito Constitucional Satildeo Paulo Atlas 2004 PALU Oswaldo LUIZ Controle de Constitucionalidade conceitos sistemas e efeitos Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2001 PINSKY Jaime Praacuteticas de cidadania Satildeo Paulo Contexto 2004 RAMOS Elival da Silva Representaccedilatildeo e Democracia In cadernos de direito constitucional e eleitoral Satildeo Paulo Imprensa Oficial do Estado SA IMEP N9 1990 ROSAS Vanderlei de Barros Afinal O que eacute cidadania (2001) Disponiacutevel em httpwwwmundodosfilosofoscombrvanderlei7htm Acesso em gt 07022013 SANTANA Marcos Silvio de O que eacute cidadania Disponiacutevel em httpwwwadvogadoadvBr Acesso em gt 30012013 SILVA Joseacute Afonso Curso de Direito Constitucional Positivo Satildeo Paulo Malheiros Editores 2005 VALADEacuteS Diego Conversas acadecircmicas com Petter Haberle Satildeo Paulo Saraiva 2009
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popular que vise anular ato lesivo ao patrimocircnio puacuteblico ou de entidade de que o
Estado participe agrave moralidade administrativa ao meio ambiente e ao patrimocircnio
histoacuterico e cultural ficando o autor salvo comprovada maacute-feacute isento de custas
judiciais e do ocircnus da sucumbecircncia Nesse rol de forma decisiva houve a
ampliaccedilatildeo tambeacutem dos direitos sociais
Assim a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconhece e assegura uma seacuterie de
escudos protetivos aos cidadatildeos Em sua essecircncia os direitos fundamentais
ganham forma De modo que podemos assegurar que hoje o nosso Estado eacute uma
organizaccedilatildeo centrada no ser humano visto que tem a dignidade da pessoa humana
como um fundamento da Repuacuteblica Federativa do Brasil
Apesar das inuacutemeras dificuldades o Estado Democraacutetico de Direito fundado
na cidadania constituiu para o povo uma nova identidade ndash o que em outras eacutepocas
natildeo existia
A Constituiccedilatildeo circunscreve toda a organizaccedilatildeo poliacutetica estatal no intuito
maior de criar no consciente coletivo a vontade livre e determinada de desenvolver
padrotildees de condutas destinados a elevar e promover a auto-estima de toda a
comunidade paacutetria
Foi nesse sentido que estatui em seu artigo 1ordm a cidadania como fundamento
do Estado Democraacutetico de Direito ampliando e enriquecendo o tal conceito Cada
eacutepoca produziu praacuteticas e reflexotildees muito distintas sobre o tema cidadania A
definiccedilatildeo de cidadania que vem sofrendo alteraccedilotildees ao longo do tempo obedecendo
a um processo histoacuterico de conquistas sociais eacute compreendida atualmente como
um processo de participaccedilatildeo do indiviacuteduo ou de um grupo organizado nas mais
variadas aacutereas de atuaccedilatildeo da sociedade no exerciacutecio de direitos e deveres poliacuteticos
e sociais
A cidadania eacute a concretizaccedilatildeo da democracia disso natildeo haacute duvidas e se
efetiva como mudanccedilas na realidade de cada um com melhoria de vida e
conscientizaccedilatildeo da importacircncia do cidadatildeo dado que eacute um processo em
permanente construccedilatildeo Natildeo haacute como defender uma qualidade de vida sem a
preservaccedilatildeo da cidadania em todos os seus acircmbitos Nesse sentido a efetiva
proteccedilatildeo desse aspecto basilar torna-se essencial no que tange uma assistecircncia
juriacutedica completa
No contraponto do direito estatildeo os deveres que encontramos sua realizaccedilatildeo
tambeacutem na participaccedilatildeo observando que o cidadatildeo eacute responsaacutevel pelo advir de
55
suas accedilotildees A participaccedilatildeo reflete um caraacuteter de natildeo comodismo de atenccedilatildeo agravequilo
que eacute particular e coletivo tendo como finalidade preciacutepua o bem comum
Construir cidadania hoje eacute imperativo para a sociedade pois dessa
construccedilatildeo depende o amanhatilde Estamos diante da Constituiccedilatildeo que se propotildee a
resguardar o amanhatilde sem perder de vista que ele comeccedila hoje agora e nisso a
Carta Poliacutetica traacutes consigo a certeza do despertar dessa consciecircncia a consciecircncia
cidadatilde Ela eacute a semente plantada em terra feacutertil que gera frutos diariamente e se
renova a cada estaccedilatildeo na dinacircmica da vida Talvez tenha sido esse o cheiro de
frutas alcanccedilado pelo constituinte ao anunciar que a carta tem ldquocheiro do amanhatilderdquo
A responsabilidade pelo exerciacutecio desses direitos belissimamente elencados
depende de todos e de cada um pois somos o terreno feacutertil que produziraacute o fruto de
uma sociedade fraterna
Eacute comum na praacutetica apenas responsabilizarmos o Estado em sentido lato pelo
natildeo exerciacutecio dos direitos do cidadatildeo Vale lembrar nesse contexto das palavras de
J Kennedy o qual disse ldquonatildeo pergunte o que o Estado pode fazer por vocecirc mas o
que vocecirc pode fazer pelo Estadordquo haacute nessa frase um forte traccedilo de cidadania pois
quando o cidadatildeo reivindica critica opina o que ele daacute em contrapartida ao paiacutes eacute
solidificado visto que eacute nas relaccedilotildees familiares em comunidade que se estabelece e
se fortalece os viacutenculos de solidariedade de uma sociedade que perpetua valores
condutas que as leis reguladoras natildeo conseguem por si soacute estabelecer
A concretizaccedilatildeo do ideal de uma qualidade de vida merecida a todos os seres
humanos sem restriccedilotildees requer entretanto um esforccedilo coletivo Dessa forma haacute
necessidade de suprir as muitas carecircncias advindas das desigualdades sociais e de
condiccedilotildees do descaso do poder puacuteblico e da proacutepria conceituaccedilatildeo antiga de
cidadania que ainda eacute concebida por muitos no presente
Em suma nosso trabalho procurou traccedilar a evoluccedilatildeo da cidadania e ao
mesmo tempo buscou traccedilar uma melhor caracterizaccedilatildeo do cidadatildeo agrave luz da nossa
Constituiccedilatildeo que eacute por fim a essecircncia da Magna Carta O alcance da cidadania
enquanto mecanismo de acesso a direitos foi colocado no acircmbito da pessoa
enquanto titular de direitos e num paralelo defendemos que o municiacutepio eacute o espaccedilo
de atuaccedilatildeo e exerciacutecio de cidadania dada a proximidade do cidadatildeo com as
instituiccedilotildees oacutergatildeos entidades e tudo o mais que o cerca na esfera de vivecircncia Eacute na
praccedila que discute a poliacutetica local e nacional que se indigna com as dificuldades e as
56
barreiras de acesso aos seus direitos Eacute no municiacutepio que se inicia todo um vieacutes de
desdobramento para garantir direitos
Por fim natildeo obstante resta dizer sobre o tema que os caminhos e
paradigmas que se intentou percorrer sobre cidadania como mecanismo
transformador da sociedade tem ingrediente ainda a se descortinar para o
propoacutesito valioso do bem comum Pois bem a ideia de bem comum tem como
fundamento o amor maacutexima que se estabelece por meio da democracia visto que
ldquoa demofilia o demoiacutesmo o amor do povo acima de tudo como princiacutepio ativo de
toda a sua vida poliacutetica inspirador duma sempre crescente autonomia imanente eacute
que constitui a verdadeira essecircncia da democraciardquo nas palavras de Melgareacute
(2005)
Dessa forma eacute no nuacutecleo da democracia que estaacute inscrito como pedra
angular o respeito e o amor pela pessoa humana Eacute pois um tema de larga
abrangecircncia poreacutem sem querer abreviar o caminho sua efetiva possibilidade de
realizaccedilatildeo se encontra no exerciacutecio da cidadania sem repuacutedios parciais ou exclusatildeo
de qualquer ordem na plenitude de uma cidadania para todos
57
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
AGRA Walber de Moura Curso de Direito Constitucional Satildeo Paulo Editora Revista dos Tribunais 2002 ANDRADE Vera Regina Pereira de Cidadania Direitos Humanos e Democracia Reconstruindo o Conceito Liberal de Cidadania In SILVA RP (Org) Direitos Humanos como educaccedilatildeo para a Justiccedila Satildeo Paulo LTr 1998 ARENDT Hannah A condiccedilatildeo humana Rio de Janeiro Forense Universitaacuteria 1995 ARISTOacuteTELES A poliacutetica Brasiacutelia Satildeo Paulo Edunb 1988 BELMONTE Claacuteudio MELGAREacute Pliacutenio (coords) O direito na Sociedade Contemporacircnea estudos em homenagem ao Ministro Joseacute Neacuteri da Silveira Rio de Janeiro Editora Forense 2005 BENEVIDES Maria Victoacuteria de Mesquita Cidadania e democracia In Lua Nova Revista CEDEC nordm33 Satildeo Paulo 1994 ___________ Cidadania ativa referendo plebiscito e iniciativa popular Satildeo Paulo Editora Aacutetica 2000 BOBBIO Norberto A era dos direitos Trad de Carlos Nelson Coutinho Rio de Janeiro Campus 1992 p 45 BRASIL Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil texto constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988 Brasiacutelia Senado Federal 2006 CARVALHO Joseacute Murilo de ldquoCidadania na encruzilhadardquo In BIGNOTTO Newton (Org) Pensar a repuacuteblica Belo Horizonte UFMG 2000 ___________ Cidadania no Brasil o longo caminho Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2002 CHAUIacute Marilena Introduccedilatildeo agrave histoacuteria da filosofia dos preacute-socraacuteticos a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Brasiliense 1994 COMPARATO Faacutebio Konder A nova cidadania In Lua Nova Revista CEDEC nordm2829 Satildeo Paulo 1993 CORREcircA Darciacutesio A construccedilatildeo da cidadania Ijuiacute Editora da Unijuiacute 1999 COSTA NETO Antonio Cavalcante da Lazer Direitos Humanos e Cidadania por uma teoria do lazer como direito fundamental Protexto Curitiba 2010 COULANGES Fustel de A Cidade antiga estudos sobre o culto o direito as instituiccedilotildees da Greacutecia e de Roma Satildeo Paulo Ediouro sd COVRE Maria de Lourdes Manzini O que eacute cidadania coleccedilatildeo primeiros passos 3 ed Satildeo Paulo Brasiliense 1998
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CUNHA Lois O ser humano e a pessoa 2007 Disponiacutevel em httpshvoogcombooks Acesso em 03112009 DALLARI Dalmo de Abreu Direitos Humanos e Cidadania 2 ed Satildeo Paulo Moderna 2004 DAHL Robert Sobre a democracia Brasiacutelia Universidade de Brasiacutelia 2001 FRIEDRICH Karl Uma introduccedilatildeo agrave teoria poliacutetica Rio de Janeiro Zahar 1970 HARVEY David Condiccedilatildeo poacutes-moderna Uma pesquisa sobre as origens da mudanccedila cultural Satildeo Paulo Loyola 1992 HUBERMAN L Histoacuteria da riqueza do homem Rio de Janeiro Livros Teacutecnicos e Cientiacuteficos 1986 MARSHALL T H Cidadania classe social e status Rio de Janeiro Zahar 1967 MAZZUOLI Valeacuterio de Oliveira Direitos humanos e cidadania agrave luz do Direito Internacional Satildeo Paulo Minelli 2002 MORAES Alexandre de Direito Constitucional Satildeo Paulo Atlas 2004 PALU Oswaldo LUIZ Controle de Constitucionalidade conceitos sistemas e efeitos Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2001 PINSKY Jaime Praacuteticas de cidadania Satildeo Paulo Contexto 2004 RAMOS Elival da Silva Representaccedilatildeo e Democracia In cadernos de direito constitucional e eleitoral Satildeo Paulo Imprensa Oficial do Estado SA IMEP N9 1990 ROSAS Vanderlei de Barros Afinal O que eacute cidadania (2001) Disponiacutevel em httpwwwmundodosfilosofoscombrvanderlei7htm Acesso em gt 07022013 SANTANA Marcos Silvio de O que eacute cidadania Disponiacutevel em httpwwwadvogadoadvBr Acesso em gt 30012013 SILVA Joseacute Afonso Curso de Direito Constitucional Positivo Satildeo Paulo Malheiros Editores 2005 VALADEacuteS Diego Conversas acadecircmicas com Petter Haberle Satildeo Paulo Saraiva 2009
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suas accedilotildees A participaccedilatildeo reflete um caraacuteter de natildeo comodismo de atenccedilatildeo agravequilo
que eacute particular e coletivo tendo como finalidade preciacutepua o bem comum
Construir cidadania hoje eacute imperativo para a sociedade pois dessa
construccedilatildeo depende o amanhatilde Estamos diante da Constituiccedilatildeo que se propotildee a
resguardar o amanhatilde sem perder de vista que ele comeccedila hoje agora e nisso a
Carta Poliacutetica traacutes consigo a certeza do despertar dessa consciecircncia a consciecircncia
cidadatilde Ela eacute a semente plantada em terra feacutertil que gera frutos diariamente e se
renova a cada estaccedilatildeo na dinacircmica da vida Talvez tenha sido esse o cheiro de
frutas alcanccedilado pelo constituinte ao anunciar que a carta tem ldquocheiro do amanhatilderdquo
A responsabilidade pelo exerciacutecio desses direitos belissimamente elencados
depende de todos e de cada um pois somos o terreno feacutertil que produziraacute o fruto de
uma sociedade fraterna
Eacute comum na praacutetica apenas responsabilizarmos o Estado em sentido lato pelo
natildeo exerciacutecio dos direitos do cidadatildeo Vale lembrar nesse contexto das palavras de
J Kennedy o qual disse ldquonatildeo pergunte o que o Estado pode fazer por vocecirc mas o
que vocecirc pode fazer pelo Estadordquo haacute nessa frase um forte traccedilo de cidadania pois
quando o cidadatildeo reivindica critica opina o que ele daacute em contrapartida ao paiacutes eacute
solidificado visto que eacute nas relaccedilotildees familiares em comunidade que se estabelece e
se fortalece os viacutenculos de solidariedade de uma sociedade que perpetua valores
condutas que as leis reguladoras natildeo conseguem por si soacute estabelecer
A concretizaccedilatildeo do ideal de uma qualidade de vida merecida a todos os seres
humanos sem restriccedilotildees requer entretanto um esforccedilo coletivo Dessa forma haacute
necessidade de suprir as muitas carecircncias advindas das desigualdades sociais e de
condiccedilotildees do descaso do poder puacuteblico e da proacutepria conceituaccedilatildeo antiga de
cidadania que ainda eacute concebida por muitos no presente
Em suma nosso trabalho procurou traccedilar a evoluccedilatildeo da cidadania e ao
mesmo tempo buscou traccedilar uma melhor caracterizaccedilatildeo do cidadatildeo agrave luz da nossa
Constituiccedilatildeo que eacute por fim a essecircncia da Magna Carta O alcance da cidadania
enquanto mecanismo de acesso a direitos foi colocado no acircmbito da pessoa
enquanto titular de direitos e num paralelo defendemos que o municiacutepio eacute o espaccedilo
de atuaccedilatildeo e exerciacutecio de cidadania dada a proximidade do cidadatildeo com as
instituiccedilotildees oacutergatildeos entidades e tudo o mais que o cerca na esfera de vivecircncia Eacute na
praccedila que discute a poliacutetica local e nacional que se indigna com as dificuldades e as
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barreiras de acesso aos seus direitos Eacute no municiacutepio que se inicia todo um vieacutes de
desdobramento para garantir direitos
Por fim natildeo obstante resta dizer sobre o tema que os caminhos e
paradigmas que se intentou percorrer sobre cidadania como mecanismo
transformador da sociedade tem ingrediente ainda a se descortinar para o
propoacutesito valioso do bem comum Pois bem a ideia de bem comum tem como
fundamento o amor maacutexima que se estabelece por meio da democracia visto que
ldquoa demofilia o demoiacutesmo o amor do povo acima de tudo como princiacutepio ativo de
toda a sua vida poliacutetica inspirador duma sempre crescente autonomia imanente eacute
que constitui a verdadeira essecircncia da democraciardquo nas palavras de Melgareacute
(2005)
Dessa forma eacute no nuacutecleo da democracia que estaacute inscrito como pedra
angular o respeito e o amor pela pessoa humana Eacute pois um tema de larga
abrangecircncia poreacutem sem querer abreviar o caminho sua efetiva possibilidade de
realizaccedilatildeo se encontra no exerciacutecio da cidadania sem repuacutedios parciais ou exclusatildeo
de qualquer ordem na plenitude de uma cidadania para todos
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REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
AGRA Walber de Moura Curso de Direito Constitucional Satildeo Paulo Editora Revista dos Tribunais 2002 ANDRADE Vera Regina Pereira de Cidadania Direitos Humanos e Democracia Reconstruindo o Conceito Liberal de Cidadania In SILVA RP (Org) Direitos Humanos como educaccedilatildeo para a Justiccedila Satildeo Paulo LTr 1998 ARENDT Hannah A condiccedilatildeo humana Rio de Janeiro Forense Universitaacuteria 1995 ARISTOacuteTELES A poliacutetica Brasiacutelia Satildeo Paulo Edunb 1988 BELMONTE Claacuteudio MELGAREacute Pliacutenio (coords) O direito na Sociedade Contemporacircnea estudos em homenagem ao Ministro Joseacute Neacuteri da Silveira Rio de Janeiro Editora Forense 2005 BENEVIDES Maria Victoacuteria de Mesquita Cidadania e democracia In Lua Nova Revista CEDEC nordm33 Satildeo Paulo 1994 ___________ Cidadania ativa referendo plebiscito e iniciativa popular Satildeo Paulo Editora Aacutetica 2000 BOBBIO Norberto A era dos direitos Trad de Carlos Nelson Coutinho Rio de Janeiro Campus 1992 p 45 BRASIL Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil texto constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988 Brasiacutelia Senado Federal 2006 CARVALHO Joseacute Murilo de ldquoCidadania na encruzilhadardquo In BIGNOTTO Newton (Org) Pensar a repuacuteblica Belo Horizonte UFMG 2000 ___________ Cidadania no Brasil o longo caminho Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2002 CHAUIacute Marilena Introduccedilatildeo agrave histoacuteria da filosofia dos preacute-socraacuteticos a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Brasiliense 1994 COMPARATO Faacutebio Konder A nova cidadania In Lua Nova Revista CEDEC nordm2829 Satildeo Paulo 1993 CORREcircA Darciacutesio A construccedilatildeo da cidadania Ijuiacute Editora da Unijuiacute 1999 COSTA NETO Antonio Cavalcante da Lazer Direitos Humanos e Cidadania por uma teoria do lazer como direito fundamental Protexto Curitiba 2010 COULANGES Fustel de A Cidade antiga estudos sobre o culto o direito as instituiccedilotildees da Greacutecia e de Roma Satildeo Paulo Ediouro sd COVRE Maria de Lourdes Manzini O que eacute cidadania coleccedilatildeo primeiros passos 3 ed Satildeo Paulo Brasiliense 1998
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CUNHA Lois O ser humano e a pessoa 2007 Disponiacutevel em httpshvoogcombooks Acesso em 03112009 DALLARI Dalmo de Abreu Direitos Humanos e Cidadania 2 ed Satildeo Paulo Moderna 2004 DAHL Robert Sobre a democracia Brasiacutelia Universidade de Brasiacutelia 2001 FRIEDRICH Karl Uma introduccedilatildeo agrave teoria poliacutetica Rio de Janeiro Zahar 1970 HARVEY David Condiccedilatildeo poacutes-moderna Uma pesquisa sobre as origens da mudanccedila cultural Satildeo Paulo Loyola 1992 HUBERMAN L Histoacuteria da riqueza do homem Rio de Janeiro Livros Teacutecnicos e Cientiacuteficos 1986 MARSHALL T H Cidadania classe social e status Rio de Janeiro Zahar 1967 MAZZUOLI Valeacuterio de Oliveira Direitos humanos e cidadania agrave luz do Direito Internacional Satildeo Paulo Minelli 2002 MORAES Alexandre de Direito Constitucional Satildeo Paulo Atlas 2004 PALU Oswaldo LUIZ Controle de Constitucionalidade conceitos sistemas e efeitos Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2001 PINSKY Jaime Praacuteticas de cidadania Satildeo Paulo Contexto 2004 RAMOS Elival da Silva Representaccedilatildeo e Democracia In cadernos de direito constitucional e eleitoral Satildeo Paulo Imprensa Oficial do Estado SA IMEP N9 1990 ROSAS Vanderlei de Barros Afinal O que eacute cidadania (2001) Disponiacutevel em httpwwwmundodosfilosofoscombrvanderlei7htm Acesso em gt 07022013 SANTANA Marcos Silvio de O que eacute cidadania Disponiacutevel em httpwwwadvogadoadvBr Acesso em gt 30012013 SILVA Joseacute Afonso Curso de Direito Constitucional Positivo Satildeo Paulo Malheiros Editores 2005 VALADEacuteS Diego Conversas acadecircmicas com Petter Haberle Satildeo Paulo Saraiva 2009
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barreiras de acesso aos seus direitos Eacute no municiacutepio que se inicia todo um vieacutes de
desdobramento para garantir direitos
Por fim natildeo obstante resta dizer sobre o tema que os caminhos e
paradigmas que se intentou percorrer sobre cidadania como mecanismo
transformador da sociedade tem ingrediente ainda a se descortinar para o
propoacutesito valioso do bem comum Pois bem a ideia de bem comum tem como
fundamento o amor maacutexima que se estabelece por meio da democracia visto que
ldquoa demofilia o demoiacutesmo o amor do povo acima de tudo como princiacutepio ativo de
toda a sua vida poliacutetica inspirador duma sempre crescente autonomia imanente eacute
que constitui a verdadeira essecircncia da democraciardquo nas palavras de Melgareacute
(2005)
Dessa forma eacute no nuacutecleo da democracia que estaacute inscrito como pedra
angular o respeito e o amor pela pessoa humana Eacute pois um tema de larga
abrangecircncia poreacutem sem querer abreviar o caminho sua efetiva possibilidade de
realizaccedilatildeo se encontra no exerciacutecio da cidadania sem repuacutedios parciais ou exclusatildeo
de qualquer ordem na plenitude de uma cidadania para todos
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REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
AGRA Walber de Moura Curso de Direito Constitucional Satildeo Paulo Editora Revista dos Tribunais 2002 ANDRADE Vera Regina Pereira de Cidadania Direitos Humanos e Democracia Reconstruindo o Conceito Liberal de Cidadania In SILVA RP (Org) Direitos Humanos como educaccedilatildeo para a Justiccedila Satildeo Paulo LTr 1998 ARENDT Hannah A condiccedilatildeo humana Rio de Janeiro Forense Universitaacuteria 1995 ARISTOacuteTELES A poliacutetica Brasiacutelia Satildeo Paulo Edunb 1988 BELMONTE Claacuteudio MELGAREacute Pliacutenio (coords) O direito na Sociedade Contemporacircnea estudos em homenagem ao Ministro Joseacute Neacuteri da Silveira Rio de Janeiro Editora Forense 2005 BENEVIDES Maria Victoacuteria de Mesquita Cidadania e democracia In Lua Nova Revista CEDEC nordm33 Satildeo Paulo 1994 ___________ Cidadania ativa referendo plebiscito e iniciativa popular Satildeo Paulo Editora Aacutetica 2000 BOBBIO Norberto A era dos direitos Trad de Carlos Nelson Coutinho Rio de Janeiro Campus 1992 p 45 BRASIL Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil texto constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988 Brasiacutelia Senado Federal 2006 CARVALHO Joseacute Murilo de ldquoCidadania na encruzilhadardquo In BIGNOTTO Newton (Org) Pensar a repuacuteblica Belo Horizonte UFMG 2000 ___________ Cidadania no Brasil o longo caminho Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2002 CHAUIacute Marilena Introduccedilatildeo agrave histoacuteria da filosofia dos preacute-socraacuteticos a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Brasiliense 1994 COMPARATO Faacutebio Konder A nova cidadania In Lua Nova Revista CEDEC nordm2829 Satildeo Paulo 1993 CORREcircA Darciacutesio A construccedilatildeo da cidadania Ijuiacute Editora da Unijuiacute 1999 COSTA NETO Antonio Cavalcante da Lazer Direitos Humanos e Cidadania por uma teoria do lazer como direito fundamental Protexto Curitiba 2010 COULANGES Fustel de A Cidade antiga estudos sobre o culto o direito as instituiccedilotildees da Greacutecia e de Roma Satildeo Paulo Ediouro sd COVRE Maria de Lourdes Manzini O que eacute cidadania coleccedilatildeo primeiros passos 3 ed Satildeo Paulo Brasiliense 1998
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CUNHA Lois O ser humano e a pessoa 2007 Disponiacutevel em httpshvoogcombooks Acesso em 03112009 DALLARI Dalmo de Abreu Direitos Humanos e Cidadania 2 ed Satildeo Paulo Moderna 2004 DAHL Robert Sobre a democracia Brasiacutelia Universidade de Brasiacutelia 2001 FRIEDRICH Karl Uma introduccedilatildeo agrave teoria poliacutetica Rio de Janeiro Zahar 1970 HARVEY David Condiccedilatildeo poacutes-moderna Uma pesquisa sobre as origens da mudanccedila cultural Satildeo Paulo Loyola 1992 HUBERMAN L Histoacuteria da riqueza do homem Rio de Janeiro Livros Teacutecnicos e Cientiacuteficos 1986 MARSHALL T H Cidadania classe social e status Rio de Janeiro Zahar 1967 MAZZUOLI Valeacuterio de Oliveira Direitos humanos e cidadania agrave luz do Direito Internacional Satildeo Paulo Minelli 2002 MORAES Alexandre de Direito Constitucional Satildeo Paulo Atlas 2004 PALU Oswaldo LUIZ Controle de Constitucionalidade conceitos sistemas e efeitos Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2001 PINSKY Jaime Praacuteticas de cidadania Satildeo Paulo Contexto 2004 RAMOS Elival da Silva Representaccedilatildeo e Democracia In cadernos de direito constitucional e eleitoral Satildeo Paulo Imprensa Oficial do Estado SA IMEP N9 1990 ROSAS Vanderlei de Barros Afinal O que eacute cidadania (2001) Disponiacutevel em httpwwwmundodosfilosofoscombrvanderlei7htm Acesso em gt 07022013 SANTANA Marcos Silvio de O que eacute cidadania Disponiacutevel em httpwwwadvogadoadvBr Acesso em gt 30012013 SILVA Joseacute Afonso Curso de Direito Constitucional Positivo Satildeo Paulo Malheiros Editores 2005 VALADEacuteS Diego Conversas acadecircmicas com Petter Haberle Satildeo Paulo Saraiva 2009
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REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
AGRA Walber de Moura Curso de Direito Constitucional Satildeo Paulo Editora Revista dos Tribunais 2002 ANDRADE Vera Regina Pereira de Cidadania Direitos Humanos e Democracia Reconstruindo o Conceito Liberal de Cidadania In SILVA RP (Org) Direitos Humanos como educaccedilatildeo para a Justiccedila Satildeo Paulo LTr 1998 ARENDT Hannah A condiccedilatildeo humana Rio de Janeiro Forense Universitaacuteria 1995 ARISTOacuteTELES A poliacutetica Brasiacutelia Satildeo Paulo Edunb 1988 BELMONTE Claacuteudio MELGAREacute Pliacutenio (coords) O direito na Sociedade Contemporacircnea estudos em homenagem ao Ministro Joseacute Neacuteri da Silveira Rio de Janeiro Editora Forense 2005 BENEVIDES Maria Victoacuteria de Mesquita Cidadania e democracia In Lua Nova Revista CEDEC nordm33 Satildeo Paulo 1994 ___________ Cidadania ativa referendo plebiscito e iniciativa popular Satildeo Paulo Editora Aacutetica 2000 BOBBIO Norberto A era dos direitos Trad de Carlos Nelson Coutinho Rio de Janeiro Campus 1992 p 45 BRASIL Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil texto constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988 Brasiacutelia Senado Federal 2006 CARVALHO Joseacute Murilo de ldquoCidadania na encruzilhadardquo In BIGNOTTO Newton (Org) Pensar a repuacuteblica Belo Horizonte UFMG 2000 ___________ Cidadania no Brasil o longo caminho Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2002 CHAUIacute Marilena Introduccedilatildeo agrave histoacuteria da filosofia dos preacute-socraacuteticos a Aristoacuteteles Satildeo Paulo Brasiliense 1994 COMPARATO Faacutebio Konder A nova cidadania In Lua Nova Revista CEDEC nordm2829 Satildeo Paulo 1993 CORREcircA Darciacutesio A construccedilatildeo da cidadania Ijuiacute Editora da Unijuiacute 1999 COSTA NETO Antonio Cavalcante da Lazer Direitos Humanos e Cidadania por uma teoria do lazer como direito fundamental Protexto Curitiba 2010 COULANGES Fustel de A Cidade antiga estudos sobre o culto o direito as instituiccedilotildees da Greacutecia e de Roma Satildeo Paulo Ediouro sd COVRE Maria de Lourdes Manzini O que eacute cidadania coleccedilatildeo primeiros passos 3 ed Satildeo Paulo Brasiliense 1998
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CUNHA Lois O ser humano e a pessoa 2007 Disponiacutevel em httpshvoogcombooks Acesso em 03112009 DALLARI Dalmo de Abreu Direitos Humanos e Cidadania 2 ed Satildeo Paulo Moderna 2004 DAHL Robert Sobre a democracia Brasiacutelia Universidade de Brasiacutelia 2001 FRIEDRICH Karl Uma introduccedilatildeo agrave teoria poliacutetica Rio de Janeiro Zahar 1970 HARVEY David Condiccedilatildeo poacutes-moderna Uma pesquisa sobre as origens da mudanccedila cultural Satildeo Paulo Loyola 1992 HUBERMAN L Histoacuteria da riqueza do homem Rio de Janeiro Livros Teacutecnicos e Cientiacuteficos 1986 MARSHALL T H Cidadania classe social e status Rio de Janeiro Zahar 1967 MAZZUOLI Valeacuterio de Oliveira Direitos humanos e cidadania agrave luz do Direito Internacional Satildeo Paulo Minelli 2002 MORAES Alexandre de Direito Constitucional Satildeo Paulo Atlas 2004 PALU Oswaldo LUIZ Controle de Constitucionalidade conceitos sistemas e efeitos Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2001 PINSKY Jaime Praacuteticas de cidadania Satildeo Paulo Contexto 2004 RAMOS Elival da Silva Representaccedilatildeo e Democracia In cadernos de direito constitucional e eleitoral Satildeo Paulo Imprensa Oficial do Estado SA IMEP N9 1990 ROSAS Vanderlei de Barros Afinal O que eacute cidadania (2001) Disponiacutevel em httpwwwmundodosfilosofoscombrvanderlei7htm Acesso em gt 07022013 SANTANA Marcos Silvio de O que eacute cidadania Disponiacutevel em httpwwwadvogadoadvBr Acesso em gt 30012013 SILVA Joseacute Afonso Curso de Direito Constitucional Positivo Satildeo Paulo Malheiros Editores 2005 VALADEacuteS Diego Conversas acadecircmicas com Petter Haberle Satildeo Paulo Saraiva 2009
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CUNHA Lois O ser humano e a pessoa 2007 Disponiacutevel em httpshvoogcombooks Acesso em 03112009 DALLARI Dalmo de Abreu Direitos Humanos e Cidadania 2 ed Satildeo Paulo Moderna 2004 DAHL Robert Sobre a democracia Brasiacutelia Universidade de Brasiacutelia 2001 FRIEDRICH Karl Uma introduccedilatildeo agrave teoria poliacutetica Rio de Janeiro Zahar 1970 HARVEY David Condiccedilatildeo poacutes-moderna Uma pesquisa sobre as origens da mudanccedila cultural Satildeo Paulo Loyola 1992 HUBERMAN L Histoacuteria da riqueza do homem Rio de Janeiro Livros Teacutecnicos e Cientiacuteficos 1986 MARSHALL T H Cidadania classe social e status Rio de Janeiro Zahar 1967 MAZZUOLI Valeacuterio de Oliveira Direitos humanos e cidadania agrave luz do Direito Internacional Satildeo Paulo Minelli 2002 MORAES Alexandre de Direito Constitucional Satildeo Paulo Atlas 2004 PALU Oswaldo LUIZ Controle de Constitucionalidade conceitos sistemas e efeitos Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2001 PINSKY Jaime Praacuteticas de cidadania Satildeo Paulo Contexto 2004 RAMOS Elival da Silva Representaccedilatildeo e Democracia In cadernos de direito constitucional e eleitoral Satildeo Paulo Imprensa Oficial do Estado SA IMEP N9 1990 ROSAS Vanderlei de Barros Afinal O que eacute cidadania (2001) Disponiacutevel em httpwwwmundodosfilosofoscombrvanderlei7htm Acesso em gt 07022013 SANTANA Marcos Silvio de O que eacute cidadania Disponiacutevel em httpwwwadvogadoadvBr Acesso em gt 30012013 SILVA Joseacute Afonso Curso de Direito Constitucional Positivo Satildeo Paulo Malheiros Editores 2005 VALADEacuteS Diego Conversas acadecircmicas com Petter Haberle Satildeo Paulo Saraiva 2009