O Eterno Recomeçar
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7/17/2019 O Eterno Recomeçar
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Escrito por Maria Lígia Mathias Pagenotto, da redação Portal
O eterno recomeçar
Conheci Antônio numa manhã de sábado cinzenta, em São Bernardo do Campo. Ele logo
me chamou atenção. Afinal, era o único homem na sala de aula da professora Gisnelli
Bataglia Mincache, especializada em informática para idosos. Mas não foi só por isso.
Bem-humorado, sorridente, conversava animado com suas colegas e fazia brincadeiras
inteligentes.
Aceitou conversar comigo prontamente, para falar um pouco sobre sua história de vida. O
papo logo engrenou. Ele me contou da infância difícil em Monte Aprazível, do vilarejo
chamado Engenheiro Balduíno, no interior de São Paulo. Referiu-se aos pais, vindos da
Espanha, com muito carinho, respeito e orgulho. E com um tanto de compaixão pela vida
dura que tiveram.
Durante a entrevista, ele se emocionou muito várias vezes. E eu me emocionei junto.
Como ficar incólume à dor de um homem que, olhando para trás, percebe que lhe faltou
reconhecimento pelo trabalho realizado? Faltou o olho no olho, algo que o fizesse sentir-se
de fato importante no meio de tanta gente, acredito.
Mas ele deu a volta por cima, apesar do sofrimento. Antonio Penhavel Aguera é hoje, aos 64 anos de idade, um homem alto,
bonito, de expressivos olhos azuis, pele clara e com muita vontade de viver. Já venceu diversas batalhas e tem muitos
sonhos pela frente.
Aqui ele conta um pouco a sua história e nos dá um grande exemplo de como a vida fica mais bela quando não
esmorecemos diante dos obstáculos.
A família de origem
"Meu pai me ensinou o que sabia fazer: plantar e colher. Somos em cinco irmãos, todos vivos. Minha mãe se dedicou muito
a nós. Meu pai morreu jovem, porque, coitado, tinha como vícios o cigarro e a bebida. Morreu aos 52 anos, não me deixou
dinheiro, mas uma herança que agradeço muito até hoje: honestidade e vontade de trabalhar."
Saindo da cidade natal
"Sentia que aquele lugar era pequeno demais para mim. Queria aprender mais coisas, tinha o sonho de casar, ter filhos. Ali
seria mais difícil. Vim então para São Paulo, mais precisamente para trabalhar na Volkswagen. Tinha o sonho de fazer
faculdade, mas isso eu não consegui. Na Volks, consegui dar continuidade aos estudos, cursando o Senai e me formando
técnico em mecânica."
O trabalho
"Foram anos muito difíceis. A Volkswagen é uma empresa muito dura para trabalhar. Mas eu não quero só reclamar, porque
também teve o lado bom. Fiz alguns amigos verdaderios, ganhei meu dinheiro honestamente, criei minhas filhas. Mas não
foi fácil. Sacrifiquei o convívio com minha família e tinha muito pouco tempo para mim, porque me dedicava muito ao
trabalho. E quando estava perto de me aposentar, tive uma decepção muito grande. Senti que queriam me ver na rua logo,
fui pressionado a sair." (Nesse momento, Antônio se emociona demais, lembrando toda sua trajetória de vida na fábrica. Faz
menção à mãe, que lhe dizia sempre para nunca sair de um emprego). "Sinto que não fui reconhecido. Dediquei boa parte
da minha vida à empresa e, na hora de sair, ninguém fez questão que eu ficasse, mal agradeceram o tempo de dedicação.
Isso não é justo. Eu não fui preparado para enfrentar a vida na aposentadoria. Saí definitivamente aos 51 anos e logo depois
tive dois aneurismas, que levaram a um AVC. A falta de reconhecimento é o que mais me dói."
A sua doença
"Eu acho que a perda do trabalho foi um fator que desencadeou o AVC. Eu não tenho pressão alta, meu colesterol está
dentro do normal, não tenho diabetes. Fiquei um bom tempo sem conseguir mexer um dedo. Fiz muita fisioterapia, muito
tratamento. Agora, apesar de algumas sequelas, já ando, dirijo meu próprio carro. Vou à luta, não me entrego. Meu carro é
adaptado e eu estou bem contente de poder dirigir, pois isso me mantém independente, apesar do problema. E continuo
lutando. Cada dia é mais um dia para mim."
A doença da filha
"Passei por uns momentos muito duros. Foi quando descobri que minha fi lha do meio sofria de câncer ósseo, aos 10 anos
de idade. Fiz o que pude para salvar sua vida e consegui. Procurei o melhor médico, vendi um carro zero para pagar a
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cirurgia. Levava ela para fazer o tratamento bem cedo, em São Paulo, no Hospital do Câncer, e depois voltava para São
Bernardo, para trabalhar. Foi uma luta, mas vencemos. Minha filha hoje está muito bem."
(Emociona-se muito novamente, ao contar esse episódio).
A família atual
"Sou muito ligado à minha família. Minha mulher, Regina, é professora de Educação Artística e minhas filhas, Karina,
Sabrina e Janaína, também fizeram faculdade. A mais velha é arquiteta, Sabrina é fisioterapeuta, e Janaína é formada em
turismo. A mais nova agora mudou para Brasília, para trabalhar lá, está muito feliz. Mora com o namorado e a mais velha
também é casada. Daqui a pouco será a vez da segunda. Gosto muito dos meus genros e estou esperando com ansiedade
a hora de ser avô. Tive três filhas, sou muito feliz com elas e nunca tive o sonho de ser pai de um menino. O curioso é que
quando conheci a Regina sofri muito preconceito. Diziam que eu tinha um nível muito inferior ao dela, pois não fiz faculdade.
Mas tudo isso foi superado por nós."
O sonho da faculdade
"Eu queria muito ter feito um curso superior de Economia. Gosto muito da área, leio sempre tudo o que se refere a esse
assunto. Acompanho muito política também. Acho que temos de estar sempre atualizados. Quero participar cada vez mais
da vida política do Brasil. Acho que há muita coisa a ser feita. O país tem que melhorar. Não que esteja ruim como está, já
melhoramos muito de um tempo para cá. Mas sei que podemos melhorar muito mais ainda. Quero colaborar com isso de
alguma forma."
Informado e informatizado
"Uma das melhores coisas que me aconteceu na vida foi ter conhecido o CRI – Centro de Referência do Idoso. Aprendi
muita coisa e ainda tenho muito o que aprender. Estou muito feliz de estar aprendendo informática. Não tem dinheiro que
pague o contato com as pessoas pelo computador, a troca de e-mails, o relacionamento no Facebook. Tudo isso é
maravilhoso. O curso que a Gisnelli dá é exatamente o que eu queria aprender. Ajuda para que eu me mantenha
atualizado."
Aprendizagem
"Não podemos parar de aprender nunca. A vida é curta para o tanto que a gente ainda tem que aprender. Por isso vou
continuar estudando, lendo muito, viajando na medida do possível."
Seus planos
"Quando me aposentei resolvi que tinha de fazer alguma coisa útil para o mundo, ajudar os outros. Hoje sou conselheiro da
saúde de Santo André. Quero contribuir para mudar a saúde, a educação, a política e o meio ambiente do Brasil. Espero e
confio num Brasil melhor, para que meus netos possam usufruir."
Última modificação em Quinta, 09 Outubro 2014 17:33
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