O estoico

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Seminário sobre David Hume

Transcript of O estoico

o ensaio O estoico, tambm de Hume. afirmado que a felicidade o objetivo maior do homem, e tudo o que foi por ele inventado, desde as artes e cincias at as leis em sociedade, foi inventado em funo dela. Pois havendo uma arte e um aprendizado necessrios a todos os outros empreendimentos, no haveria uma arte da vida, nem regras e preceitos para nos orientar nessa nossa ocupao principal? [footnoteRef:1], e uma vez que inevitvel cometer erros, que sejam registrados, consideradas as suas causas, pesada a sua importncia e procuradas curas para eles. [1: Idem, O estoico, p. 117.]

Quando, a partir da, tivermos fixado todas as regras de conduta, seremos filsofos, quando tivermos convertido essas regras em prtica, seremos sbios. (...) Enquanto tiveres to atraente objetivo em vista [a felicidade], o labor e a ateno requeridos para a obteno de teu fim te parecero um fardo insuportvel? Pois sabe que esse labor mesmo o principal ingrediente da felicidade a que aspiras, e que cada contentamento logo se torna inspido e desenxabido, se no adquirido com fadiga e indstria. O estoico, p. 117.

E mais adiante, Hume diz que o estoico observa do alto de sua posio superior, com uma mistura de prazer e compaixo, os mortais errarem aturdidos ao procurarem de maneira cega o caminho verdadeiro da vida e perseguirem riquezas, honra, poder ou nobreza como se estivessem perseguindo a genuna felicidade. curioso como o prximo trecho se encaixa na histria de Bruto e Estatlio:

Mas ser que o sbio se manter sempre nessa indiferena filosfica e se contentar com lamentar as desgraas dos homens, sem jamais se empenhar por lhes dar alvio? Continuar a condescender com essa sabedoria severa, que, pretendendo elev-lo acima dos incidentes humanos, na realidade lhe enrijece o corao e o leva a descurar dos interesses dos homens e da sociedade? (...) Ele sente muito fortemente o encanto das afeces sociais para contrariar propenso to doce, to natural, to virtuosa. Mesmo quando, banhado em lgrimas, lamenta as desgraas do gnero humano, de seu pas, de seus amigos e, incapaz de lhes prestar socorro, s pode alivi-los com compaixo, ele ainda se rejubila com a disposio generosa e sente uma satisfao superior do sentido mais saciado. Os sentimentos de humanidade so to cativantes, que iluminam a prpria face da tristeza e atuam como o sol, tingindo-as das cores mais gloriosas que se possam encontrar em toda a esfera da natureza. O estoico, p. 119, grifo meu.

Voltando ao retrato do estoico em Dos preconceitos morais, Hume cita outro caso de conduta estoica, de um filsofo antigo que recusou-se a reconciliar-se com um irmo, tendo sido filsofo o bastante para pensar que, por estarem ligados pelos mesmos pais, isso viria a influenciar de alguma maneira uma mente que fosse razovel, e expressou o que sentia de uma forma que o filsofo escocs considera imprpria para ser repetida. Diz Epicteto que, no caso de ter um amigo que esteja aflito, pode-se fingir simpatia por ele, desde que se cuide para que nenhuma compaixo chegue ao corao ou venha perturbar a tranquilidade da sabedoria perfeita. Em seguida, contada a histria de Digenes que, quando convalescia, instruiu seus amigos a leva-lo aos campos depois que morresse. Diante do estranhamento deles, visto que seria dilacerado pelos pssaros e as bestas, diz que no o deixem l sem nada, que deixem um porrete a seu lado, para que possa se defender. Qual seria o propsito disto, se ele no teria sentidos nem fora para se valer do porrete, perguntam eles, e a Digenes gritou: Ento se as bestas me devorarem, hei de sentir tal coisa? Hume diz no conhecer outra frase deste filsofo que melhor mostre como era vvido e feroz o seu temperamento.Antes que discutamos a moral dos estoicos, vejamos como Joo Paulo Monteiro, no artigo Hume e a trivial diferena, esclarece a noo de moral: embora parea que a obrigao moral deve o seu nome ligao com a moralidade, na verdade o que moral, estando em oposio ao que natural, quer dizer o que depende de algo mental. ... o que natural -o independentemente de qualquer passagem pela mente do sujeito, e o que moral assim adjetivado apenas porque depende de algo mental (adjetivo este que s muito escassamente usado por Hume). [footnoteRef:2]. Um pouco antes, Joo Paulo Monteiro diz que os juzos morais, atravs dos quais aprovamos ou censuramos condutas humanas, sem dvida exprimem sentimentos que vm naturalmente dos princpios da natureza prpria da espcie humana, mas tais sentimentos s existem porque vivemos em sociedade. Os ensinamentos estoicos, conforme nos conta Hume, dizem que aquele que os segue no deixa de ser afetado pelos sentimentos que so naturalmente humanos, apesar de que como resultado da prtica da sabedoria severa, seu corao se enrijece. Ainda assim, ele sente compaixo pelo gnero humano, to perdido na busca pela genuna felicidade, e se lamenta por ele e a satisfao que sente pela disposio generosa maior do que a de qualquer sentido que pudesse ser saciado. Podemos dizer que a fadiga e a indstria para encontrar a felicidade so to naturais quanto a felicidade, esta como fim maior dos homens afinal so a fadiga e a indstria, por assim dizer, que do gosto aos contentamentos, que sem elas tornam-se inspidos. Mas uma vez que estas fazem parte da moral estoica, podemos concluir que segundo Hume no so naturais, mas dependem de algo da mente de quem vive de acordo com essa moral. Assim, seria o primeiro exemplo de preconceitos morais no ensaio: pregando que a felicidade, a verdadeira felicidade, deve ser alcanada por meio de fadiga e indstria, no tomando parte nas buscas dos homens do que eles pensam levar felicidade (o que inclui no poder prestar-lhes socorro quando caem em desgraa), e que preciso se enrijecer para no dar ateno a sentimentos (ou preconceitos virtuosos e ternos), que possam interferir nos juzos de uma mente s, os estoicos se afastam, em nome de uma busca da perfeio, os sentimentos mais afetuosos do corao e dos instintos e propenses que podem ser mais teis a um homem. [2: Novos Estudos Humeanos, p. 166.]