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O ESTÁGIO SUPERVISIONADO EM EDUCAÇÃO INFANTIL: CONCEPÇÕES DE ESTUDANTES DO CURSO DE PEDAGOGIA MARLI AMÉLIA LUCAS PEREIRA Coordenadora do Curso de Pedagogia e Pós-graduação Lato Sensu Educação Infantil e Alfabetização (FAAT Faculdades Atibaia); Doutoranda no programa de Pós-graduação Educação: Psicologia da Educação (PUC SP). EDUARDO DE LUCAS PEREIRA Professor no curso de Pedagogia da FAAT Faculdades Atibaia; Professor na rede municipal de ensino da Prefeitura da Estância de Atibaia- E.M.E.F. Prefeito Takao Ono”. Entre os inúmeros desafios que nos acompanham como professores formadores encontram-se questões relativas à Orientação de Estágio e às possibilidades de conseguirmos promover a integração entre as disciplinas com a prática e com os conhecimentos dos professores profissionais. Entendendo que a formação do professor ocorre ao longo do tempo, o objetivo deste trabalho é analisar as concepções de estudantes do curso de Pedagogia a respeito da realização do Estágio em Educação Infantil. A investigação que apresentamos ocorreu no segundo semestre de 2011 e foi desenvolvida a partir das ações realizadas na disciplina Orientação de Estágio I Educação Infantil, oferecida para alunos do quarto semestre, segundo ano, do curso de Pedagogia de uma faculdade particular noturna no interior do Estado de São Paulo. O instrumento utilizado para a coleta de dados foi a autoavaliação realizada por quarenta e seis (46) estudantes do curso de Pedagogia. Os dados obtidos foram analisados na perspectiva da análise de conteúdo. No presente estudo optamos pela análise categorial, que possibilitou um interessante trabalho de desmembramento do texto escrito pelos alunos de pedagogia em unidades e em categorias segundo reagrupamentos semelhantes. Numa fase posterior, os dados foram reorganizados em duas grandes categorias: contribuições do estágio no processo de formação e críticas para a realização do estágio. Entendemos que a Orientação de Estágio pode contribuir para que o futuro professor ultrapasse o nível do senso comum, à medida que os conhecimentos teóricos vão favorecendo a compreensão do fenômeno da educação em diferentes dimensões. Além disso, esses conhecimentos devem ser apreendidos em situações que propiciem problematização, investigação, reflexão, invenção, criatividade e que possibilitem, ainda, a transformação de crenças e representem a complexidade da situação de ensino. Palavras-chave: Estágio Supervisionado; Educação Infantil; Concepção; Pedagogia. XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.002549

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O ESTÁGIO SUPERVISIONADO EM EDUCAÇÃO INFANTIL:

CONCEPÇÕES DE ESTUDANTES DO CURSO DE PEDAGOGIA

MARLI AMÉLIA LUCAS PEREIRA

Coordenadora do Curso de Pedagogia e Pós-graduação Lato Sensu Educação Infantil e

Alfabetização (FAAT – Faculdades Atibaia);

Doutoranda no programa de Pós-graduação Educação: Psicologia da Educação

(PUC – SP).

EDUARDO DE LUCAS PEREIRA

Professor no curso de Pedagogia da FAAT – Faculdades Atibaia;

Professor na rede municipal de ensino da Prefeitura da Estância de Atibaia-

E.M.E.F. “Prefeito Takao Ono”.

Entre os inúmeros desafios que nos acompanham como professores formadores

encontram-se questões relativas à Orientação de Estágio e às possibilidades de

conseguirmos promover a integração entre as disciplinas com a prática e com os

conhecimentos dos professores profissionais. Entendendo que a formação do professor

ocorre ao longo do tempo, o objetivo deste trabalho é analisar as concepções de

estudantes do curso de Pedagogia a respeito da realização do Estágio em Educação

Infantil. A investigação que apresentamos ocorreu no segundo semestre de 2011 e foi

desenvolvida a partir das ações realizadas na disciplina Orientação de Estágio I –

Educação Infantil, oferecida para alunos do quarto semestre, segundo ano, do curso de

Pedagogia de uma faculdade particular noturna no interior do Estado de São Paulo. O

instrumento utilizado para a coleta de dados foi a autoavaliação realizada por quarenta e

seis (46) estudantes do curso de Pedagogia. Os dados obtidos foram analisados na

perspectiva da análise de conteúdo. No presente estudo optamos pela análise categorial,

que possibilitou um interessante trabalho de desmembramento do texto escrito pelos

alunos de pedagogia em unidades e em categorias segundo reagrupamentos

semelhantes. Numa fase posterior, os dados foram reorganizados em duas grandes

categorias: contribuições do estágio no processo de formação e críticas para a realização

do estágio. Entendemos que a Orientação de Estágio pode contribuir para que o futuro

professor ultrapasse o nível do senso comum, à medida que os conhecimentos teóricos

vão favorecendo a compreensão do fenômeno da educação em diferentes dimensões.

Além disso, esses conhecimentos devem ser apreendidos em situações que propiciem

problematização, investigação, reflexão, invenção, criatividade e que possibilitem,

ainda, a transformação de crenças e representem a complexidade da situação de ensino.

Palavras-chave: Estágio Supervisionado; Educação Infantil; Concepção; Pedagogia.

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O ESTÁGIO SUPERVISIONADO EM EDUCAÇÃO INFANTIL:

CONCEPÇÕES DE ESTUDANTES DO CURSO DE PEDAGOGIA

Considerações Introdutórias

Entre os inúmeros desafios que nos acompanham como professores formadores

encontram-se questões relativas à Orientação de Estágio e às possibilidades de

conseguirmos promover a integração entre as disciplinas com a prática e com os

conhecimentos dos professores profissionais.

Está explícito, nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de

Professores da Educação Básica, que a articulação entre o Estágio Supervisionado com

os demais componentes do curso deve estar prevista num projeto de estágio que conte

com todos os envolvidos, para que seja possível ampliar sua caracterização política,

epistemológica e profissional, uma vez que, sendo atividade teórico-prática, envolve a

totalidade das ações do currículo do curso. Desse modo, o planejamento dos cursos de

formação deve contemplar situações didáticas em que os futuros professores tenham a

oportunidade de mobilizar conhecimentos de diferentes naturezas e oriundos de

diferentes experiências.

Neste sentido, o conhecimento e a interpretação da realidade existente devem

constituir o ponto de partida dos cursos de formação (inicial e contínua), uma vez que

trata de dar instrumentos aos futuros professores para sua atuação profissional. Esse

movimento teórico-prático é favorecido quando a disciplina Estágio Supervisionado I –

Educação Infantil envolve todas as disciplinas do curso de formação de professores.

Libâneo e Pimenta (1999) acreditam que, desde o ingresso dos alunos em cursos

de licenciatura, existe a necessidade de integrar os conteúdos das disciplinas com

situações práticas que apresentam problemas e que lhes permitam experimentar

soluções. Isso significa ter a prática como um referencial direto, e tomá-la como uma

instância permanente de aprendizagem do futuro professor e como referência para a

organização curricular.

Nessa perspectiva, o Estágio Supervisionado I em Educação Infantil tem por

objetivos dar oportunidade ao futuro professor para observar, descrever, relatar e

participar efetivamente do trabalho pedagógico, em situações diversas e nas condições

reais de trabalho do professor; elaborar e desenvolver projetos de atividades

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educacionais; problematizar, questionar e analisar a prática vivenciada, refletindo

criticamente a partir de pressupostos teóricos; exercer atividades de ensino que leve o

estudante a desenvolver a atitude educativa e a consciência crítica para compreender sua

função de educador.

Para alcance dos objetivos propostos para o estágio em Educação Infantil,

deverá o licenciando desenvolver atividades diversificadas, como: observar e participar

no trabalho de classe, elaborar e desenvolver projetos de atividades educacionais e,

também, a possibilidade da regência compartilhada com o professor, que possibilita a

entrada do estagiário.

Levando em conta as considerações sobre a realização do estágio anteriormente

explicitadas, é preciso também esclarecer que existe a necessidade de, paralelamente,

construir o relatório de estágio, que deverá constituir-se em um relato que expresse o

olhar do licenciando a partir da realidade vivida. Esse olhar deve representar um ensaio

crítico da escola, com base em referenciais teóricos, e também um olhar sobre as

próprias crenças e as condições na realização do estágio, explicitando a atuação e

participação in loco, as novas aprendizagens adquiridas e as contribuições da realização

do estágio na formação profissional.

Temos trabalhado as condições na realização do estágio a partir do conceito de

desenvolvimento profissional. Para André (2010), a formação de professores tem que

ser pensada como aprendizado ao longo da vida. De acordo com a autora, a identidade

profissional é elemento inseparável do desenvolvimento profissional e deve ser um dos

eixos da proposta curricular dos cursos de formação.

Imbernón (2009) vai mais além e propõe um novo desenvolvimento profissional,

que envolve:

[...] um proceso de formación que capacite al profesorado em conocimientos,

destrezas y actitudes para deserrollar profesinales reflexivos o investigadores

[...] y cuya meta es aprender a interpretar, compreender y reflexionar sobre la

ensenânza y la realidad social de forma comunitária. Adquiere relevância

también el carácter ético de la actividad educativa” (IMBERNÓN, 2009, p.38-

39).

Na perspectiva do autor, a docência requer não apenas domínio dos

conhecimentos específicos da profissão, mas também capacidade de reflexão e crítica

frente à realidade social da qual o docente faz parte.

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Entendendo que a formação do professor ocorre ao longo do tempo, o objetivo

deste trabalho é analisar as concepções de estudantes do curso de Pedagogia a respeito

da realização do Estágio em Educação Infantil.

Percurso Metodológico

A investigação que apresentamos ocorreu no segundo semestre de 2011 e foi

desenvolvida a partir das ações realizadas na disciplina Orientação de Estágio I –

Educação Infantil, oferecida para alunos do quarto semestre, segundo ano, do curso de

Pedagogia de uma faculdade particular noturna no interior do Estado de São Paulo.

O instrumento utilizado para a coleta de dados foi a autoavaliação realizada por

quarenta e seis (46) estudantes do curso de Pedagogia. A autoavaliação é um texto que

deve compor o relatório final do estágio e que tem como foco a explicitação, por parte

dos estudantes, das condições na realização do Estágio em Educação Infantil.

Os dados obtidos foram analisados na perspectiva da análise de conteúdo,

técnica de investigação que compreende procedimentos especiais para o processamento

dos dados (Bardin, 1979, p.31). No presente estudo optamos pela análise categorial, que

possibilitou um interessante trabalho de desmembramento do texto escrito pelos alunos

de pedagogia em unidades e em categorias segundo reagrupamentos semelhantes. Numa

fase posterior, os dados foram reorganizados em duas grandes categorias: contribuições

do estágio no processo de formação e críticas para a realização do estágio.

Contribuições do Estágio no Processo de Formação

A análise da autoavaliação dos estudantes do curso de Pedagogia, no que se

refere às contribuições do estágio no processo de formação, nos remete ao conceito de

desenvolvimento profissional.

Ao apresentar considerações a respeito do desenvolvimento profissional do

professor, Imbernón (2009) defende que tal desenvolvimento não se reduz ao aspecto

pedagógico, mas como algo que requer do profissional uma compreensão de si mesmo.

Destaca que é preciso considerar o desenvolvimento profissional como vinculado aos

fatores profissionais e que isso implica em analisar a questão da formação como

elemento de estímulo pela melhoria social e profissional na prática da formação e das

relações de trabalho.

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Nesse sentido, é necessário entender que uma formação isolada dificilmente

levará a uma inovação na instituição e na prática coletiva dos profissionais. É preciso

compreender o enfoque profissional da função do professor e suas várias possibilidades

no desenvolvimento, como, por exemplo, a importância da contextualização, haja vista

que ações educativas ocorrem em contexto social e histórico determinados.

O professor deve entender, ou ser levado a entender, que tem capacidade de

gerar conhecimento pedagógico por meio de suas práticas educativas e que deve,

igualmente, aumentar a comunicação com seus pares, já que o isolamento promove uma

limitação de poder e ineficácia. A formação inicial deve ajudá-lo a aprender

continuamente, de forma colaborativa, a ligar conhecimentos com novas informações, a

aprender mediante reflexão individual e coletiva em ambiente de colaboração e de

interação que gere um conhecimento profissional ativo.

Dentre as reflexões colhidas da autoavaliação de 46 estudantes, no que se refere

à categoria “Contribuições do Estágio no Processo de Formação”, 111 respostas se

enquadraram nesta categoria. Tais respostas foram, por sua vez, divididas em oito

possibilidades de agrupamento, como apresentado no quadro a seguir:

Quadro I: Concepções sobre “Contribuições do Estágio no Processo de Formação”

Possibilidade de agrupamentos Participantes

Aprendizagem, aprimoramento e

experiência profissional

1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 43, 44, 45 e 46

Troca de experiências 1, 2, 25, 42, 43 e 46

Vivenciar a realidade da escola pública 18, 29, 33 e 45

Conhecimento da prática de professores e

organização da escola

1, 2, 3, 13, 14, 15, 18, 19, 21, 22, 25, 27, 34, 35, 36, 38, 40, 44 e 45

Relação entre teoria e prática / Colocar em

prática o que aprende no curso

2, 3, 4, 5, 13, 17, 20, 24, 25, 28, 29, 37, 42, 43, 45 e 46

Certeza da escolha correta da profissão 2, 3, 6, 7, 23, 25, 27, 28, 30, 31, 34, 36, 42, 44, 45 e 46

Identificação com a Educação Infantil 6, 9, 16, 32 e 43

Lembrança da época de escola 7 e 9

Vejamos alguns exemplos:

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“vivenciei esse momento, e a partir dele aprendi muito com as

crianças, com a própria professora regente (...) e com a prática que

vivenciamos” (P 1)

“participar do estágio para mim foi algo mágico, onde foi possível

colocar em prática a teoria aplicada no curso de Pedagogia” (P 2)

“conhecer a prática das professoras e o funcionamento como um todo

da escola foi muito importante para meu conhecimento” (P 3)

“o Estágio Supervisionado I – Educação Infantil contribuiu

positivamente para meu aprendizado (...) o conteúdo que trabalhamos

em aula durante o curso de Pedagogia está fortemente presente na

realidade escolar (...)” (P 17)

“conhecer outra escola, outros modos de ensinar foram

importantíssimos para o meu conhecimento profissional” (P 20)

“com o estágio nós conseguimos unir teoria e prática, começando a

dar significado ao conteúdo trabalhado em aula” (P 25)

“adorei passar esse tempo com as crianças e tive mais certeza de que

estou na profissão certa e disposta a enfrentar todos os desafios

futuros” (P 28)

Ao lermos e analisarmos as autoavaliações dos estudantes do curso de

Pedagogia, identificamos e somos levados a concordar com Imbernón (2009), quando

explica que na discussão da formação no desenvolvimento profissional do professor é

necessário abandonar a concepção de que a formação é atualização científica, didática e

psicopedagógica. É necessário compreender que uma formação isolada dificilmente

levará a uma inovação na instituição e na prática coletiva dos profissionais. É preciso,

também, compreender o enfoque profissional da função do professor e suas várias

possibilidades no desenvolvimento profissional, como, por exemplo, a contextualização,

uma vez que é preciso entender que ações educativas ocorrem em contexto social e

histórico determinado que influa na sua natureza.

Existe a necessidade de levar em consideração que o professor tem capacidade

de gerar conhecimento pedagógico por meio da prática educativa, que deve aumentar a

comunicação com seus pares e que compreenda que o isolamento promove um poder

limitado e ineficaz. A formação do professor deve ajudá-lo a aprender continuamente de

forma colaborativa, a ligar conhecimentos com novas informações e a aprender

mediante reflexão individual e coletiva, em ambiente de colaboração e de interação, que

gere um conhecimento profissional ativo.

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Críticas para a realização do Estágio

A segunda categoria, retirada da análise das autoavaliações dos estudantes do

curso de Pedagogia, levam em conta as seguintes possibilidades de agrupamento,

exemplificadas no quadro a seguir:

Quadro II: Concepções dos estudantes a respeito de Críticas para a realização do

Estágio

Possibilidade de agrupamentos Participantes

Desmotivação por parte dos professores 37 e 46

Apego às crianças 3, 12 e 34

Resistência de professores para receberem estagiários

8

Cansaço 5, 10, 13, 20 e 42

Falta de tempo 16, 30 e 42

Vejamos alguns exemplos:

“o ruim é que me apeguei muito às crianças e o último dia pra mim foi

o mais sofrido, só de lembrar me dá vontade de chorar, pois sinto

saudades dos meus pequenos” (P 3)

“a professora do maternal I não foi nem um pouco simpática, tanto

que na sala dela nem fiz estágio (...)” ( P 8)

“procurei aproveitar cada momento ao lado das crianças e confesso,

acabei me apegando a elas, deu vontade de chorar no último dia” (P

12)

“a única dificuldade que encontrei no meu estágio, foi pra me

organizar quanto ao tempo. Não foi fácil trabalhar no período da

manhã, fazer o estágio no período da tarde, ir para faculdade no

período da noite” (P 16)

“durante meu estágio presenciei momentos bons e ruins por parte de

professores dentro da sala de aula, a partir desses momentos

presenciados, aprendi o que quero e o que não quero fazer quando

estiver dando aula” (P 30)

Quando analisamos os exemplos acima podemos compreender as concepções

dos estudantes de Pedagogia a respeito do que consideram como críticas na realização

do estágio. Ao tratar de crenças sobre o ensino, Marcelo (2009b) entende que o

desenvolvimento profissional e os processos de mudanças são variáveis intrinsecamente

unidas e, no estudo dos processos de mudança, existe um destaque às crenças docentes.

O autor nos diz que “crenças são as proposições, as premissas que as pessoas têm sobre

aquilo que consideram verdadeiros” (MARCELO, 2009a, p.15 e MARCELO, 2009b,

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p.116). Crenças influenciam como os professores aprendem e influenciam os processos

de mudança que professores possam tentar.

Marcelo (2009a, 2009b) identificou na literatura três categorias de experiências

que influem nas crenças e nos conhecimentos que professores desenvolvem sobre o

ensino: experiências pessoais, que são crenças em relação a si próprio e aos outros;

experiência baseada em conhecimento formal, acerca da matéria que ensina e como

devem ensinar; e experiência escolar e de sala de aula, que contribui para formar ideia

sobre o que é ensinar e qual é o trabalho do professor.

Pesquisas vêm apontando que professores iniciam sua formação com crenças

pessoais acerca do ensino, com imagens de bom professor, imagem de si mesmo como

professor e a memória de si mesmo como aluno. Essas crenças, de acordo com essas

pesquisas, geralmente permanecem sem alterações durante a formação inicial e

acompanham os professores durante a sua prática de ensino.

Marcelo (2009a) entende que o desenvolvimento profissional pode provocar

mudanças nos conhecimentos e crenças dos professores, provocar uma alteração na

prática em sala de aula e, “consequentemente, uma provável melhoria nos resultados de

aprendizagem dos alunos” (p.16). Entende também que a mudança de crença é um

processo lento e que pode ocorrer em quatro âmbitos: domínio pessoal, domínio de

práticas de ensino, consequência na aprendizagem dos alunos e domínio externo. O

desenvolvimento profissional do professor se produz tanto pela reflexão dos professores

como pela aplicação de novos procedimentos.

Com relação aos ensinamentos de Marcelo (2009a) de que aprende-se a ensinar

ensinando, pergunta: “o que é que os professores conhecem e o que é que devem

conhecer? Como é que esse conhecimento se adquire?” (p.17). Ao utilizar dos

conhecimentos de Cochran-Smith e Lytle, Marcelo (2009a, 2009b) entende que nas

relações entre conhecimento e prática na formação de professores é preciso levar em

conta algumas diferenças entre conhecimento para a prática, conhecimento na prática e

conhecimento da prática (MARCELO, 2009b, p. 121).

O conhecimento para a prática julga que o conhecimento serve para organizar a

prática. Nessa perspectiva, a prática tem muito a ver com a aplicação do conhecimento

formal às situações práticas. O conhecimento na prática tem ênfase no conhecimento na

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ação, considerando-se que o que professores conhecem está implícito na prática, na

reflexão sobre a prática. O conhecimento está situado na ação, nas decisões e

julgamentos dos professores. O conhecimento da prática está incluído na linha de

investigação qualitativa (denominada professor como investigador) e parte-se da ideia

de que o conhecimento é construído de forma coletiva dentro de comunidades locais.

É preciso entender que o desenvolvimento profissional é um campo de

conhecimento amplo e diverso, e seja qual for a orientação que se adote é necessário

que se compreenda que a profissão docente constitui elemento crucial para assegurar a

qualidade da aprendizagem dos alunos. O desafio, então,

“(...) é transformar a profissão docente em uma profissão do

conhecimento. Uma profissão que seja capaz de aproveitar as

oportunidades de nossa sociedade para conseguir que respeite

um dos direitos fundamentais: o direito de aprender de todos

os alunos e alunas, adultos e adultas (MARCELO, 2009b,

p.128).

Considerações finais

Entendemos que formar professores para atuar na Educação Básica e, neste

trabalho especificamente, para atuar na Educação Infantil, é um sério desafio para os

cursos de formação de professores. Mais que possibilitar o domínio de determinado

campo de conhecimento, é necessário realizar a formação de um professor que aprenda

a pensar, que aprenda a refletir sobre sua ação e, principalmente, desenvolver um

espírito investigativo para preparar-se para intervir na sua realidade de vida e trabalho.

Os professores que trabalham com a Orientação de Estágio devem levar em

consideração que seus alunos trazem crenças, valores, concepção de vida cotidiana e

que esse conhecimento deve ser levado em conta como favorecedor do acesso ao saber

científico que é veiculado. As situações de ensino não devem afastar-se da realidade,

envolvendo discussões do contexto escolar, o que de certa forma pode favorecer a

articulação do conhecimento teórico com a prática pedagógica.

De tudo que foi discutido, por conta da realização desta pesquisa, entende-se que

a Orientação de Estágio em Educação Infantil, pode contribuir para que o futuro

professor ultrapasse o nível do senso comum, à medida que os conhecimentos teóricos

vão favorecendo a compreensão do fenômeno da educação em diferentes dimensões.

Além disso, esses conhecimentos devem ser apreendidos em situações que propiciem

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problematização, investigação, reflexão, invenção, criatividade e que possibilitem,

ainda, a transformação de crenças e representem a complexidade da situação de ensino.

A preocupação com a formação do professor deve ser entendida a partir das

condições reais em que se desenvolve o ensino em nossas escolas, buscando-se formas

de intervenções simples e viáveis. Contudo, uma contribuição mais efetiva só será

possível ao se considerar a diversidade teórica da área da educação e a inter-relação com

outras áreas do conhecimento.

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MARCELO, Carlos. Desenvolvimento Profissional Docente: passado e futuro,

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MARCELO, Carlos. A Identidade Docente: constantes e desafios, Revista Brasileira

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2009b.

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