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CADERNO CRH, Salvador, v. 26, 67, p. 87-104, Jan./Abr. 2013 87 Jorge Nóvoa, Paulo Balanco Jorge Nóvoa * Paulo Balanco ** DOSSIÊ INTRODUÇÃO O processo de desenvolvimento capitalis- ta, posterior à Segunda Guerra Mundial, e que passou à história com o título sugestivo dos Trinta Gloriosos, encontrou seu fim no início dos anos 1970. Ao longo do referido período, o mundo viu se desenvolver o american way of life (o jei- to americano de viver) como paradigma econô- mico-cultural nos EUA, expressando um mode- lo comportamental no qual a classe trabalhado- ra foi integrada, alimentando aspirações de clas- se média e agindo mediante esta mesma assimi- lação ideológica. Não por acaso, os operários e trabalhadores americanos – excetuando-se alguns setores, como os célebres portuários, raramente aparecem na história dos últimos 60 anos, opon- Nos limites deste artigo, analisaram-se os vários elementos da onda de transformações ocorri- das no âmbito da economia capitalista mundial nos últimos decênios. Estas resultaram de medidas contra tendências, visando ao bloqueio e à superação da crise estrutural decorrente do esgotamento do crescimento de longa duração do pós-Segunda Grande Guerra. Contradito- riamente, ao tempo em que as mudanças introduzidas se revelaram poderosas alavancas ino- vadoras nos planos produtivo e financeiro, também carregaram conteúdos profundamente re- gressivos. Transformou-se profundamente o capitalismo, mas sem a consolidação de uma nova base sólida para remunerar crescentemente o grande capital, em substituição ao ciclo fechado no início dos anos 1970. Os países “subdesenvolvidos” e “emergentes” reproduzem, com algu- mas especificidades, tais contradições sob a dominação do capital financeiro. Por conseguinte, o novo modelo de reprodução do capitalismo do tempo presente exibe limites visíveis. Prolon- ga a crise orgânica que se desdobra em regressões ameaçadoras aos destinos da humanidade, mas não sem criar novas bases para uma superação anticapitalista. PALAVRAS-CHAVE: Crise Profunda. Capital Financeiro. Lucros Decrescentes. Países Emergentes. Base Alternativa de Acumulação. do-se ao establishment dos mecanismos tradici- onais de luta dos assalariados, como as manifes- tações e greves, diferentemente do que ocorreu na Europa e mesmo no chamado Terceiro Mun- do. Nos EUA, tal modelo, por meio de seus me- canismos materiais e subjetivos, foi extremamen- te eficaz, muito mais do que em outras áreas do planeta, como no caso da Europa. Na verdade, o processo de integração da classe operária americana à classe média pode ser considerado uma reedição de algo semelhan- te ao que havia acontecido na Alemanha do final do século XIX e, sobretudo, do início do século XX. Tal processo levou Edward Bernstein, líder herdeiro e teórico reformista da socialdemocracia, a prognosticar o fim da revolução socialista e mesmo sua inutilidade, vez que, supostamente, a classe trabalhadora não manifestava interesse em transformar a base objetiva e material na qual nascera e se desenvolvera. Para tal leitura, os operários alemães queriam ascender à “classe média”, adaptando-se às luzes da cidade e bus- cando usufruir de tudo que o mundo capitalista pudesse traduzir em reformas e conquistas ma- * Doutor em Sociologia. Professor do Departamento de Sociolo- gia e da Pós-Graduação da Universidade Federal da Bahia - UFBA. Professor Convidado da Université de Paris III – Sorbonne. Estrada de São Lázaro, 197. Cep: 40210-730 – Federação – Salvador – Bahia – Brasil. [email protected] ** Doutor em Economia. Professor do Departamento de Eco- nomia da UFBA. Atual diretor da mesma faculdade. [email protected] O ESTÁGIO ÚLTIMO DO CAPITAL. A CRISE E A DOMINAÇÃO DO CAPITAL FINANCEIRO NO MUNDO

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Jorge Nóvoa, Paulo Balanco

Jorge Nóvoa*

Paulo Balanco** DO

SS

INTRODUÇÃO

O processo de desenvolvimento capitalis-ta, posterior à Segunda Guerra Mundial, e quepassou à história com o título sugestivo dos Trinta

Gloriosos, encontrou seu fim no início dos anos1970. Ao longo do referido período, o mundoviu se desenvolver o american way of life (o jei-to americano de viver) como paradigma econô-mico-cultural nos EUA, expressando um mode-lo comportamental no qual a classe trabalhado-ra foi integrada, alimentando aspirações de clas-se média e agindo mediante esta mesma assimi-lação ideológica. Não por acaso, os operários etrabalhadores americanos – excetuando-se algunssetores, como os célebres portuários, raramenteaparecem na história dos últimos 60 anos, opon-

Nos limites deste artigo, analisaram-se os vários elementos da onda de transformações ocorri-das no âmbito da economia capitalista mundial nos últimos decênios. Estas resultaram demedidas contra tendências, visando ao bloqueio e à superação da crise estrutural decorrentedo esgotamento do crescimento de longa duração do pós-Segunda Grande Guerra. Contradito-riamente, ao tempo em que as mudanças introduzidas se revelaram poderosas alavancas ino-vadoras nos planos produtivo e financeiro, também carregaram conteúdos profundamente re-gressivos. Transformou-se profundamente o capitalismo, mas sem a consolidação de uma novabase sólida para remunerar crescentemente o grande capital, em substituição ao ciclo fechadono início dos anos 1970. Os países “subdesenvolvidos” e “emergentes” reproduzem, com algu-mas especificidades, tais contradições sob a dominação do capital financeiro. Por conseguinte,o novo modelo de reprodução do capitalismo do tempo presente exibe limites visíveis. Prolon-ga a crise orgânica que se desdobra em regressões ameaçadoras aos destinos da humanidade,mas não sem criar novas bases para uma superação anticapitalista.PALAVRAS-CHAVE: Crise Profunda. Capital Financeiro. Lucros Decrescentes. Países Emergentes.Base Alternativa de Acumulação.

do-se ao establishment dos mecanismos tradici-onais de luta dos assalariados, como as manifes-tações e greves, diferentemente do que ocorreuna Europa e mesmo no chamado Terceiro Mun-

do. Nos EUA, tal modelo, por meio de seus me-canismos materiais e subjetivos, foi extremamen-te eficaz, muito mais do que em outras áreas doplaneta, como no caso da Europa.

Na verdade, o processo de integração daclasse operária americana à classe média podeser considerado uma reedição de algo semelhan-te ao que havia acontecido na Alemanha do finaldo século XIX e, sobretudo, do início do séculoXX. Tal processo levou Edward Bernstein, líderherdeiro e teórico reformista da socialdemocracia,a prognosticar o fim da revolução socialista emesmo sua inutilidade, vez que, supostamente,a classe trabalhadora não manifestava interesseem transformar a base objetiva e material na qualnascera e se desenvolvera. Para tal leitura, osoperários alemães queriam ascender à “classemédia”, adaptando-se às luzes da cidade e bus-cando usufruir de tudo que o mundo capitalistapudesse traduzir em reformas e conquistas ma-

* Doutor em Sociologia. Professor do Departamento de Sociolo-gia e da Pós-Graduação da Universidade Federal da Bahia -UFBA. Professor Convidado da Université de Paris III –Sorbonne.Estrada de São Lázaro, 197. Cep: 40210-730 – Federação –Salvador – Bahia – Brasil. [email protected]

** Doutor em Economia. Professor do Departamento de Eco-nomia da UFBA. Atual diretor da mesma [email protected]

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teriais no seu interior para a elevação de seusníveis de vida (Collin, 2009). Se existe uma dosede verdade na compreensão da consciência soci-al da classe trabalhadora alemã do período, há,também, uma superestimação das condições dodesenvolvimento capitalista e uma subestimaçãode suas contradições reais. Entre os anos 1910 e1914, as crises dos modelos de reprodução doscapitais alemães e europeus se encarregaram decolocar por terra, não apenas as formas sociaisque se desenvolveram objetivamente, mas, tam-bém, as consciências ideológicas que as acompa-nhavam, e que, mais tarde, renasceriam nos anosposteriores ao Tratado de Versalhes – particular-mente nos anos 1930, sob a inspiração dominan-te na Alemanha, já não mais da socialdemocracia,mas sim, do nacional-socialismo. Esserenascimento é bem conhecido. Na versão alemã,ocorreu fundado em uma determinada vertentede capitalismo de estado, em cujo âmago se en-contrava um processo de militarização do traba-lho, uma economia de armamentos e, finalmente,uma economia de guerra, arrastando grandes mas-sas de trabalhadores que se submetem quase com-pletamente aos interesses das frações dominantesdo capital e de seus “representantes” no poder.

Ao longo dos diversos períodos do desen-volvimento capitalista, desde os fins do séculoXIX, viu-se a afirmação progressiva da fusão dasfrações dominantes do capital numa sínteseconstitutiva denominada, a partir de determi-nados critérios, de capital financeiro. Entretan-to, tal movimento expressa a reação dos capitaisem geral à ação incontornável da lei da quedatendencial da taxa de lucro, fenômeno maioridentificado por Marx, que, nessa fase, se mani-festa com grande intensidade.

Fundamentalmente, o desenvolvimentocapitalista é impulsionado pelos capitais priva-dos em concorrência entre si e pela apropriaçãoda parcela mais elevada possível da mais-valiasocial. Ocorre que a concorrência se efetiva me-diante uma tendência permanente à introduçãode inovações tecnológicas como pressuposto paraque cada capital individual possa desfrutar, ao

menos temporariamente, de vantagens compe-titivas frente aos seus concorrentes. Por essarazão, os capitais têm uma tendência a se atraí-rem, visando à constituição de unidades produ-tivas de maior porte, com as quais obtêm gan-hos de escala, dando margem a um fenômeno,também teorizado por Marx, denominado decentralização do capital. A reunião desses capi-tais resulta em fusões e aquisições, tradicional-mente na esfera produtiva, desdobrando-se,posteriormente, particularmente no período emquestão, na integração entre capitais industriaise capitais bancários mediante o emprego do for-mato das sociedades por ações, as sociedadesanônimas. Este formato facilita a fusão, pois per-mite o acesso mais rápido e em maior escala aocapital de financiamento para alavancar a consti-tuição das novas empresas em tamanho ampliado.

Dentre esses capitais, alguns mais fortescompreendem que a fusão é a única forma parase tornarem “imunes” à concorrência e à crise.Por isso o capital financeiro termina adquirindocerta “independência” em relação aos setores di-retamente produtivos. Seus interesses e cálculosserão efetuados, serão, cada vez mais, em fun-ção de uma lucratividade que tem por aspiraçãoa liquidez imediata de seus rendimentos. Paratal, eliminam, progressivamente, na medida dopossível, o contato com a produção. Marx diráque se trata de uma aspiração que surgiu com opróprio capital e, de forma precursora, já se en-contrava presente nos primeiros “emprestadores”de dinheiro, quando procuravam realizar, aindaque em pequena dimensão, a operação repre-sentada na fórmula D-D’, que se tornaria, poste-riormente, o fetiche dos fetiches do capital fi-nanceiro. Não é preciso relembrar quãoavassaladora se tornará a concorrência entre ca-pitais, sobretudo durante o século XX.

Se a crise do início dos anos 1970 fecha umciclo longo de trinta anos de gloriosa lucratividadepara o grande capital em geral, ao demolir osacordos que regulavam os fluxos monetários dosistema financeiro internacional – mesmo quecom vantagens para o dólar e para a potência

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dominante do capitalismo, ao desvincular suamoeda do padrão ouro os EUA instituíram umpadrão que se tornou dominante até hoje, masacarretando, também, uma espiral de contradi-ções. O novo padrão, que representava a substi-tuição do sistema de câmbio fixo pelo sistemade câmbio flexível, mostrou-se bem mais ade-quado à pavimentação do terreno para a deno-minada “desregulamentação” e implantação dosmecanismos de flexibilização produtiva e demercados, que acabou por estabelecer os con-tornos do que passaria a ser chamado deneoliberalismo e de globalização.

Com este novo patamar de desenvolvimen-to, e em função das dificuldades crescentes deremuneração que os capitais enfrentavam no sis-tema diretamente produtivo, o modelo prioritáriode remuneração passou a ser aquele que viabilizavaa aplicação de mecanismos super maximizadoresde transferência de rendas e mais-valia, seja di-retamente dos assalariados do planeta inteiro,seja das diversas instituições dos estados-nação,ou indiretamente de todos os setores sociais,mesmo que com disputas entre as frações diver-sas dos capitais. Afora os setores legais dealtíssima rentabilidade e de remuneração garan-tida do mega capitalismo (armamentos, quími-cos, eletrônica e microprocessadores), as diver-sas frações do capital demonstram pouco inte-resse em fazer a roda da história retroceder evoltar a investir nos setores produtivos de mer-cadoria. Todavia, tal cenário também significa oassentamento de um limite histórico para o ca-pitalismo pela simples razão de que, por repre-sentar uma cadeia de exploração, o capital fi-nanceiro, mesmo desprezando a produção – ese autonomizando perante ela, não pode viversem a mais-valia explorada diretamente dos tra-balhadores assalariados, que foi sendo acumula-da historicamente ao longo dos séculos e que setransformou em trabalho morto, assim comodaquela que se extrai de diversos modos (inclu-sive através de esquemas de superexploração)em todas as formações sociais que integram osistema capitalista internacional.

O CONTEXTO HISTÓRICO-CONJUNTURALQUE CONDICIONA A CRISE ATUAL

Durante o ano de 2007, a palavra criseretornou ao vocabulário dos meios de comuni-cação e da imprensa internacional de maneiratão intensa quanto ressurgira em conjunturasanteriores, sucedidas ao longo do período que seabre a partir do início anos 1970. Evidentemen-te, não se tratava, naquelas situações conjunturais,de meras especulações movidas por fatores sub-jetivos, mas, sim, da abordagem de eventos eepisódios decorrentes de fatos que se manifesta-vam de forma real no plano concreto da econo-mia. Tal regularidade econômica das últimas dé-cadas, inerentemente associada ao vocábulo “cri-se”, exige que se explique porque, muito emboraa mesma seja considerada um fenômeno econô-mico ordinário do capitalismo, sua aparição ocor-ra, agora, de modo recorrente em situações nasquais, aparentemente, não deveria surgir.

De fato, a regularidade da crise nos temposatuais acontece em meio a profundas contradi-ções. Pode ser afirmado, em primeiro lugar, que onovo cenário se instala após o mergulho do capi-talismo em uma fase decrescente, depois de per-correr a longa trajetória expansionista que haviase iniciado após o fim da Segunda Guerra Mun-dial. Efetivamente, o fim daquela onda longa deprosperidade é confirmado com uma inflexão dataxa geral de lucro e, consequentemente, seguidade um desempenho econômico assinalado porestagnação, desemprego e inflação em níveis ele-vados. Contudo, depois de penar por um perío-do de mais de uma década de estagnação, abre-se um processo de retomada, ainda que de for-ma limitada, em meados dos anos 1980, de umatrajetória ascendente e de crescimento da acu-mulação, conforme pode ser verificada no Grá-fico 1, a seguir. (Dumènil; Lévy, 2004, 2007).

O gráfico permite afirmar que os grandescentros dominantes do capital, constituídos porpaíses da Europa e dos EUA – e excetuando oJapão, têm um desempenho similar durante osanos que compõem o final da década dos 1970 e

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os que compõem o início da década dos 1980,quando apresentam as menores de taxa de lu-cro. É possível observar-se, também, que a ele-vação ocorrida a partir de 1983 segue cominflexões, mas sem jamais alcançar os níveis an-teriores a 1965 e 1966. Esta tentativa de supera-ção da situação denominada, principalmente pelaeconomia política burguesa, particularmente nosEUA, de “estagflação”, significaria a abertura deuma nova fase de desenvolvimento na históriado capitalismo, a princípio, saudada como por-tadora de um desígnio inequivocamente virtuo-so, e que passaria a ser chamada de globalização,ou de mundialização da economia.

Mas, a bem da verdade, pode ser afirmadoque a experiência de solução da crise surgida nosanos 1970, por intermédio de mecanismos e ins-trumentos inscritos no modelo do neoliberalismoe da globalização, inaugurou uma trajetóriaerrática da acumulação de capitais, marcada porturbulência e vulnerabilidade sistêmicas. Talmovimento foi assinalado por um intenso pro-cesso de inovações nos planos produtivo, finan-ceiro e deslocamentos geográficos, cujas implica-ções mais expressivas se exprimiram mediante aintegração categórica de amplas áreas do planetaao mercado mundial e à reprodução capitalistasistêmica, ensejando, efetivamente, a constataçãode uma verdadeira globalização (mundialização)

das relações capitalistas.No entanto, esse quadro con-

traditório, ao tempo em que acen-tuava a instalação de uma rota defuga da estagnação, introduzia umconjunto notável de transformaçõeslogicamente coerentes à ancoragemda plataforma necessária aorelançamento de um novo ciclo ro-busto de acumulação. Assim, no quetange às transformações verificadasnas últimas décadas, podemos desta-car, entre outros resultados, auniversalização das relações capitalis-tas em escala planetária, acompanha-da do fim do pré-capitalismo e a aber-

tura de novos espaços (amplitudes espaciais, ramosprodutivos e mecanismos de desregulamentação)apropriados para a extração da mais-valia.

Nesse sentido, destaca-se, particularmen-te, a inaudita efetivação de um exército indus-trial de reserva em escala mundial (Chesnais,2006) e a iniciação, e o desdobramento de umnovo paradigma tecnológico seguramente pro-motor da desvalorização da força de trabalho(Balanco, 2008). Em verdade, o conceito de Exér-cito Industrial de Reserva, ou superpopulação re-lativa, cunhado por Marx para a realidade que elevivia na Inglaterra em meados do século XIX, deveser utilizado hoje de forma adaptada ao fenôme-no real. Quando se observa que, atualmente, emum país como a Espanha, 25% da população eco-nomicamente ativa se acha desempregada, deve-se concluir que, de fato, não se trata de desem-prego provocado por uma recessão conjunturale, portanto, teoricamente superável, mas sim,de uma parcela da população apta a participardo mercado de trabalho e que jamais será inclu-ída no sistema produtivo. É certo que o capital,em suas diversas frações, poderá resgatar umpercentual deste novo “exército de reserva”, subs-tituindo os mortos, os mutilados ou os“inadaptados” de toda sorte. É verdade, também,que o referido “exército” continua agindo comonos tempos de Marx, pressionando para baixo a

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remuneração média dos trabalhadores da ativa.Contudo, é importante assinalar que, para a cons-trução de uma teoria geral da crise hoje, restrin-gir a observação do fenômeno a esses elementossignifica perder para o acessório aquilo que é omais significativo: os desempregados, junto àmassa crescente dos excluídos na Europa, nosEUA e no mundo dão a substância de um fenô-meno muito mais significativo para a conjuntu-ra atual, que é aquele da destruição massiva deforças produtivas vivas. Ele constitui um dos tra-ços maiores da atual fase do capitalismo. Tal fe-nômeno expressa, de modo quantitativo e quali-tativo, também, um limite social instransponívelpara o capital (Nóvoa, 1993). Isto nos remeteàquela famosa passagem da Contribuição à críti-

ca da economia política, na qual Marx se refereaos bloqueios que as forças produtivas sociaispassam a sofrer a partir de um determinado mo-mento e ao fato de que se abre, a partir de então,um período mais ou menos longo de transfor-mações sociais. Tais transformações tanto podemlevar à superação dos impasses de modo positi-vo, como à barbárie.

HIPERTROFIA DO CAPITAL FINANCEIRO

Em meio a essa complexa experimentação,uma das transformações mais relevantes que ocapitalismo internacional faz surgir após o apare-cimento da crise dos anos 1970 diz respeito à re-construção, em novas bases, da esfera financeira.Expressando fundamentalmente as dificuldadeslocalizadas no processo da acumulação de capi-tal, as finanças adquirem um grau de autonomiainédito frente à esfera produtiva, descolamentoque alguns autores nomeiam de nova “hegemoniadas finanças” (Dumènil; Lévy, 2004) ou de“mundialização financeira” (Chesnais, 1998). Se-guramente, a financeirização representa, alter-nativamente à esfera produtiva, um mecanismode busca da lucratividade para o capital nos ter-mos a que já nos referimos. Não um mecanismosecundário. Ao contrário, ele se transforma em

regularidade dominante, em virtude das dificul-dades de fuga à ação da lei da queda tendencialda taxa geral de lucro. A macroestrutura finan-ceira da globalização é formatada de maneira aviabilizar o movimento do capital-dinheiro embusca da liquidez absoluta, representando a gera-ção de juros e outras formas de renda decorrentesde transações com ativos financeiros. A lógica des-sa forma de capital, neste contexto, é a depotencializar a rentabilidade por meio de um con-junto de ativos, agentes e instituições financeirasque atuam de maneira muito distinta das tradicio-nais instituições financeiras, particularmente os es-tabelecimentos bancários. É como diz Gill: “o au-mento do tamanho dos bancos não é senão umaspecto do formidável crescimento do setor finan-ceiro em geral no curso dos anos recentes (...)”(Gill, 2012, p. 108). Se, em 1970, o Goldman Sachstinha 1300 empregados e o Morgan Stanley 3500,em 2008 o primeiro já tinha 30 mil e o segundo 55mil. Nos EUA, a dívida do setor privado empercentual do PIB dobrou entre 2000 e 2007, mas,tendo dobrado entre as famílias e ficado estável nosetor não financeiro, foi multiplicada por 15 nosetor financeiro. Em 2007, a capitalização em bol-sa de valores em todo o mundo representava 1,2vez o montante do Produto Mundial Bruto (PMB),de 55 trilhões de dólares. Conforme pode ser verifi-cado no Gráfico 2, o montante total de capitalizaçãoem bolsa, assim como em títulos da dívida privada,dívida pública e ativos bancários, representava 4,4vezes o PMB, distribuídos da seguinte maneira: ca-pitalização da bolsa 65,106 trilhões, títulos da dívidapública, 28,629 trilhões, títulos da dívida privada,51,586 trilhões, ativos bancários, 95,768 trilhões(Gill, 2012, p. 109).

Constata-se, agora, uma nova instituciona-lidade, reunindo corporações financeiras, gran-des conglomerados produtores de mercadoriase serviços, governos e agentes negociadores depapéis das mais diferentes modalidades. A remu-neração ao capital-dinheiro no âmbito dessa es-trutura põe em relevo seu caráter especulativo epredador e a intensa presença do capital fictício,já que visa à captura da mais-valia apoiada em

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riqueza previamente inexistente (Mcnally, 1999). NoGráfico 2, podemos verificar uma mostra dodescompasso entre o crescimento da economiareal (PIB) e o crescimento do estoque de ativosfinanceiros, para a economia mundial, entre 1980e 2011. Vê-se, assim, que, a preços correntes, en-quanto o PIB mundial cresceu 620%, ao mesmotempo, o estoque global de ativos financeiros,mesmo sem incluir algumas modalidades do ca-pital especulativo atual, expandiu-se em cerca de1570% no período em questão.

As transformações acima assinaladas con-duziram o capitalismo para um novo estágio, cujamarca mais conspícua, poderia ser afirmado, é ainstabilidade e a turbulência. Se, por um lado, háum turbilhão de novos elementos produtivo-fi-nanceiro-espaciais, conformando a nova estrutu-ra mundializada da reprodução ampliada do ca-pital, por outro lado, essa mesma estrutura, já empleno século XXI, se apresenta tão carregada decontradições que um desfecho favorável à socie-dade burguesa parece cada vez mais improvável.

LIMITES ECOLÓGICOS APROFUNDADOSPELA REPRODUÇÃO AMPLIADA DO CAPITAL

Da afirmação precedente não se pode de-duzir, automaticamente, uma hipótese otimista

de substituição da realidade atualpor um sistema mundial pós-capitalista, pois, além da destrui-ção permanente, operada a par-tir do capital fictício, do traba-lho morto e das forças produti-vas vivas, a improbabilidade deum desfecho de acordo com alógica capitalista, além da reali-dade que acabamos de citar, dizrespeito, também, aos limitesecológicos provocados pela des-truição perpetrada à naturezapela compulsão (quase automá-tica, se não estivéssemos tratan-do de uma realidade “dirigida”

e organizada, em muitas medidas, pelos donosdo poder no planeta) em buscar lucro. A repro-dução ampliada do capital impõe destruição aomeio ambiente e, em muitos casos, é impossívela restauração das condições naturais anteriores.O esgotamento de fontes energéticas fósseis, quevem sendo promovido há mais de um século, ésimplesmente absurdo do ponto de vista da so-brevivência do próprio sistema! Observe-se queos EUA já alcançaram o topo máximo possível desua extração de petróleo. Eles continuarão aexplorá-lo, mas, cada vez mais, em níveis inferio-res aos que já alcançaram, o que só faz acirrarsuas contradições, particularmente as geopolíticas,que colocam suas relações com o Oriente Médiono fio da navalha. Ora, se o capital não se repro-duz ampliadamente sem utilizar o trabalho vivoe morto, também lhe é impossível não utilizarmatérias brutas, ou seja, a forma mais direta atra-vés da qual a natureza alimenta os ciclos produ-tivos diversos. Só para ficarmos no Brasil e nosecossistemas menores, em menos de trinta anos,dizem os especialistas, a caatinga, e mesmo ocerrado, estarão irremediavelmente mortos. E oque dizer dos diversos sistemas da Amazônia quenão conseguem encontrar defesa contra a sanhaavassaladora do comércio internacional de ma-deira, da criação de gado, assim como aquele doplanalto central do Brasil nos quais já se vive

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um processo de mudança climática real, com aelevação das temperaturas e a redução drásticado acesso à água dos rios que estão secando?

Dessa maneira, um dos desdobramentosmais notáveis decorrentes dessas transformaçõesestá vinculado à integração mais completa dospaíses periféricos à nova estrutura reprodutiva.Em particular, do ponto de vista espacial, algu-mas regiões, que, durante quase todo o séculoXX, se mantiveram pouco integradas, ou insufi-cientemente articuladas com a economia capita-lista mundial, foram inapelavelmente acopladasa esse mecanismo reprodutivo. Consideremos,portanto, alguns países de grande extensãoterritorial e população elevada, como é o casodos chamados BRICs (Brasil, Rússia, Índia e Chi-na), também metafórica e ideologicamente de-nominados de países “emergentes”. A visão eco-nômica conservadora assinala que o “desenvol-vimento” recente, experimentado por esses paí-ses, representa a prova cabal da capacidade de omodelo de sociedade liberal-mercantil (diga-se,capitalista) integrar, virtuosamente, regiões doplaneta antes consideradas excluídas das benessesexperimentadas até então somente pelos paísesdesenvolvidos. Mas, parece pouco provável queesta tese encontre respaldo na verdade dos fatos enos fundamentos das leis de movimento e repro-dução do capitalismo. Seria muito mais plausívelreconhecer que uma trajetória anunciada na gê-nese do capitalismo agora se manifesta mediantea universalização das relações capitalistas com aintegração de novas regiões ao Mercado Mundial,e a supressão das relações pré-capitalistas.

ELEMENTOS ESTRUTURAIS DA CRISEATUAL

A versão conjuntural mais recente da criseeconômica do capitalismo recebeu a denomina-ção de crise subprime. O que é o subprime? Tra-ta-se de “um neologismo estadunidense, comobem explica Gill, que quer designar hipotecas comrisco elevado que se colocaram no centro da crise

imobiliária americana caracterizando o fato de queelas se encontram abaixo dos níveis estabelecidosde solvabilidade exigidos pelo sistema bancário”(Gill, 2012, p. 168). A crise das hipotecassubpreferenciais eclodiu nas entrâncias financei-ras do mercado imobiliário norte-americano, masse alargou para o mundo, com enormes reper-cussões posteriormente à sua deflagração em2007, particularmente com os colossais abalosvividos pela União Europeia, que despontaram,envolvendo as dívidas públicas (estatais) de vá-rios dos países que a compõem. Por outro lado,também poderíamos denominar esta crise comomais uma aguda manifestação do recente e crô-nico fenômeno da financeirização, ou o estourode mais uma das várias bolhas estruturais quevêm se formando desde os anos 1990.

Seria enganoso, contudo, explicar as cri-ses financeiras que acompanham a explosão debolhas estruturais com o recurso a variáveis ex-clusivamente financeiras ou institucionais comoacontece com muitas avaliações, mesmo de ca-ráter heterodoxo (Milan, 2012). A via correta deexplicação, a nosso juízo, demanda a identifica-ção da crise do subprime, não como umepifenômeno, mas como uma das muitas mani-festações de um processo estrutural objetivo, quecontinua em pleno desenvolvimento, desde suaeclosão, em meados dos anos 1970. Esta linha deraciocínio se apoia em um recurso metodológico,qual seja a compreensão da natureza do modode produção capitalista de mercadorias, do va-lor delas, da acumulação de capital mediante umgrau de abstração mais elevado, o que permitesituar o fenômeno aqui analisado em torno dosrequisitos fundamentais denominados decondicionantes gerais da crise que, não raro, atu-am como reais determinações. Expressam, por-tanto, traços comuns a todas as crises; sãoimanentes à sua essência. Remetem, portanto, àsua estrutura e à dinâmica da economia capitalis-ta (Filgueiras, 2009). Nesse plano lógico-teórico, acrise ocupa o lugar de um fenômeno ordinário docapitalismo e, simultaneamente, constitui-se emuma categoria de análise incontornável dessa eco-

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nomia, mesmo que se nos apresente mais direta-mente apenas como fenômenos da aparência (Gill,2002; Mattick, 1974; Marx, 1986; Shaikh, 2006).

Ampliando os desenvolvimentos prelimi-nares a respeito da noção de crise já antecipados,podemos afirmar que o fator estrutural que con-duz à crise geral é a insuficiente valorização docapital, conquanto a acumulação esteja sujeita alimites e, portanto, a interrupções. Mas, talconstatação nada mais é do que a expressão ma-terial do efeito contundente da lei da tendência à

queda da taxa geral de lucro, a mais importantedas leis econômicas do capitalismo deduzidas porMarx (1986). No enunciado de Marx e na reali-dade mesma, sua ação é diferenciada em funçãodas frações e dos setores do capital. De acordocom esta lei, a acumulação, ao atingir determina-dos limites, se depara com uma insuficiente mas-sa de mais-valia para valorizar certo montante decapital acumulado. Em síntese, trata-se de umadinâmica que, endogenamente, encerra potenci-ais irrupções concretas de insuficiência relativade lucratividade, geradoras de efeitos que devemser enquadrados na categoria geral de crise de“sobreacumulação” (Mattick, 1974).

Ao mesmo tempo em que a crise correspondea um fenômeno inevitável, ela também representaum evento indispensável, em funçãode seu papel de limpeza, de destrui-ção de valores e de restabelecimentodas condições necessárias à retomadados processos “normais” da acumula-ção. Entretanto, nota bene, a baixa re-muneração que os capitais produtivosencontram hoje para se reproduziremampliadamente, a partir desses seto-res, não quer significar que a criseatual seja uma crise de escassez decapitais. Ao contrário, os limites dosinvestimentos produtivos e os limi-tes do mercado consumidor termi-nam promovendo um excesso decapitais que precisam realizar mági-cas para conseguir remuneraçãoapropriada ou, dito de outro modo,

uma lucratividade crescentemente aumentadaou, então, falir. Tal situação poderá ser deduzida,por exemplo, do fenômeno constituído pelo cres-cimento dos ativos financeiros globais em rela-ção ao crescimento do PIB mundial no período1980-2006, ilustrado pelo Gráfico 3, a qual, em-bora semelhante à anterior, permite uma me-lhor visualização da modificação da proporçãodos estoques de ativos financeiros relativamenteà magnitude do PIB mundial.

É, pois, um processo logicamente estruturadoa partir da lei do valor e da produção mercantilsob o comando do capital em geral. Aconteceque, no estágio atual de “desenvolvimento” docapitalismo, é o capital financeiro que expressaa fusão das frações dominantes dos capitais in-dustriais, agrícolas, comerciais e bancários, e queorienta e submete a lucratividade dos capitaiscomo um todo. Em sua essência, ele traz todosos capitais, embora se distinga de todos. Ele nãopode, por razões estruturais e relativas à lógicade sua reprodução – e dos capitais em geral, seachar blindado às crises. Em sua configuraçãocompleta, o processo de valorização do capitalincorpora a presença da categoria dinheiro, querepresenta a forma mais geral da riqueza, apre-sentando, por isso, a possibilidade do surgimento

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de dificuldades quando da passagem do valor daforma mercadoria para a forma dinheiro no âm-bito do circuito do capital (conservação e au-

mento do valor D-M-D’). Ao mesmo tempo,este movimento de valorização, por se manifestarde forma aparente, ou fenomênica, como lucro (oujuros), no plano da circulação, tendo em vista aexistência do crédito e do capital de empréstimo,cria a ilusão da extração de mais valor do dinheiroem si mesmo (D – D’). Evidentemente, em termospráticos, semelhante resultado equivaleria àdesnecessidade da atividade produtora de merca-dorias, o que contrariaria totalmente – e contradito-riamente, a lei do valor, a qual demonstra que aprodução de mais-valor somente ocorre em ativida-des diretamente produtivas, portanto, nos setoresindustriais e agrícolas.

A negação da esfera da produção aparececomo a base sobre a qual emerge o “capital fictí-cio” e introduz a probabilidade de autonomizaçãodas finanças. No entanto, mais uma vez, trata-se de um processo contraditório. Se o ideal docapital financeiro é o “desprezo” total e absolutopelos processos produtivos – e mesmo pelacomercialização de mercadorias, ele também seorigina nos referidos setores, sem conseguir, porisso, se emancipar realmente dos mesmos. Suasmúltiplas naturezas são mais que ambiguidades.Sua independência aparente perdura durantecerto tempo em função de seu ciclo particularde lucratividade bem mais curto que o dos ou-tros capitais. Mas, em decorrência de seus vín-culos com as demais formas concretas do capi-tal, ao esbarrar com as crises dos setores produ-tivos e comerciais, o capital financeiro tambémacaba por transmitir àquele as consequências deseus colapsos. Trata-se, pois, de uma simbioseexplosiva. Por conseguinte, a dominação do ca-pital financeiro, que se acha, por sua vez, domi-nado pelo fetiche do lucro imediato, é depen-dente da produção de mercadorias e das contra-dições imanentes da extração da mais-valia e desua repartição entre as frações do capital no pro-cesso permanente e infinito da busca pela valo-rização do capital como motor da acumulação.

É esse processo que faz Chesnais reafirmara tese de que há, na atualidade, um intenso pro-cesso de centralização e concentração do capital euma intensificação da concorrência intercapitalista.A crise começada em agosto de 2007 ocorre ao fi-nal de uma longa fase de mais de cinquenta anosde acumulação quase ininterrupta – a mais longade toda história do capitalismo, na qual os gover-nos capitalistas do mundo souberam se utilizar deformas de cooperação, tácitas ou explícitas, decor-rentes das políticas aplicadas pelas burocracias naURSS e na China, para impedir toda e qualquerrevolução anticapitalista, anti-imperialista eantiburocrática, desde Berlim em 1953 a Tiananmenem 1989. Os governos dos principais países capi-talistas “em suas relações mutáveis com os centrosprivados de centralização do capital e de poder dafinança e da grande indústria”, a partir de 1978-80, puderam contornar assim suas contradições.Quando do fim dos “Trintas gloriosos”, teve iní-cio a recessão. O que permitiu, pois, o longo perí-odo de acumulação de capital – além das determi-nações da política, foi a gigantesca destruição decapital produtivo, dos meios de transporte, de co-municação, a morte e a inutilização de mais de 100milhões de indivíduos, além da destruição dosvalores cristalizados em casas, edifícios, portos,aeroportos como resultado da maior operaçãodestrutiva desenvolvida pela humanidade na Se-gunda Guerra Mundial, se quisermos esquecer adestruição provocada já pela Primeira Guerra e pelacrise de 1929/30. O fim da URSS coroou a afirma-ção, portanto, do neoliberalismo global, abrindoespaço, não somente político, mas econômico, parao júbilo dos capitalistas do planeta, particularmentedos que compõem - anonimamente (ou não), o clu-be seleto do capital financeiro.

Por conseguinte, a dimensão financeira docapitalismo contemporâneo se estrutura medi-ante mecanismos e canais extremamente flexí-veis e abrangentes no tempo e no espaço, che-gando mesmo, em determinadas circunstâncias,a negar a existência formal do Estado-nação, jáque os capitais financeiros exigem liberdade ab-soluta de movimento em uma perspectiva

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supranacional. Não por acaso, os volumes de ri-queza, na forma fictícia, que circulam diariamen-te mundo afora, superam, muitas vezes, a rique-za real produzida pelas esferas produtivas comoprocuramos ilustrar pelos dois gráficos imedia-tamente anteriores. Mas, como predomina a ló-gica da valorização do capital fictício tão somen-te no domínio financeiro, a economia como umtodo, assim como a vida e o destino dos povos,acabam conduzidos por essa diretriz inexorável.

Nesse sentido, podemos verificar dois as-pectos importantes em relação aos quais algunsautores parecem corroborar. De acordo comLapavitsas (2009b), em primeiro lugar, afinanceirização aprofundou a complexidade do“imperialismo”, dado que países consideradossubdesenvolvidos têm sido forçados a mantergrandes reservas em divisas estrangeiras, as quaissão transformadas em empréstimos dos paísespobres para os países ricos. Dessa maneira, ocapital privado produz um grande montante deretornos elevados, enquanto, ao mesmo tempo,tais “empréstimos” não produzem os mesmosganhos elevados para os países subdesenvolvi-dos, ao contrário, salvo para as frações do capi-tal “nacional”, que foi capaz de se integrar aocapital financeiro internacional e que, por con-seguinte, submete seu critério à lógica dalucratividade de sua nova fração dominante in-ternacional. Tais fluxos de capital, acentuada-mente anárquicos, têm beneficiado, sobretudo,os EUA, que detêm o monopólio da emissão damoeda internacional, o dólar, mas que, simulta-neamente, estão na origem da formação da bo-lha estrutural nos EUA no período 2001-2007.Em segundo lugar, a financeirização tem intro-duzido hábitos morais que penetram na vida so-cial e individual, já que o conceito de “risco”torna-se banalizado em torno das práticas finan-ceiras e se disseminam para todo o tecido socialmundial. Decorre daí a busca ambiciosa – poraltos padrões de vida e de rendimentos, que, namaioria dos casos, não conseguem acompanharas aspirações subjetivas de seus portadores – quetransforma empréstimos para aquisição de resi-

dências e a contribuição para fundos de pensãoem “investimentos” privilegiados pela especula-ção e pelo parasitismo do capital financeiro,carreando os indivíduos comuns para o interiordas bolhas financeiras.

Em razão disso tudo, a manifestação as-sombrosa desse fenômeno no capitalismo contem-porâneo, a financeirização, denota a persistênciada crise estrutural enfrentada por essa economia,desde os anos 1970, mediante desdobramentoshistóricos e conjunturais particulares.

PARTICULARIDADES DA CRISE SUBPRIME:efeitos sobre o Brasil

Não é possível compreender a última cri-se “conjuntural” da economia capitalista inter-nacional, deflagrada em 2007 e ainda em propa-gação, sem considerá-la uma componente da crisesistêmica geral. O seu presente se acha enraiza-do, como vimos, no processo de longa duração,cujas origens remetem aos anos de 1970, quan-do do crepúsculo da longa onda de crescimentodo pós-Segunda Guerra. Sua inteligibilidade sópode, realmente, ser alcançada se lançarmos mãodas seguintes considerações: 1) a crise atual re-presenta a superposição entre a crise geral e osdeterminantes históricos ocorridos nas três últi-mas décadas; 2) as crises do subprime e das dí-vidas estatais denotam a interação entre o enfra-quecimento da acumulação e a reconstrução daesfera financeira em moldes inéditos e 3) estacrise espelha o declínio da vitalidade das econo-mias avançadas e a inclusão de novos eixossistêmico–geográficos à reprodução ampliada docapital no âmbito do mercado mundial (Brenner,2009, Balanco, 2010).

Como expressão das dificuldades enfren-tadas pelos países desenvolvidos em prosseguircom a acumulação de capital em condições desaciedade lucrativa, a nova estrutura financeirafoi desenvolvida em articulação com as mudan-ças produtivas e aquelas correspondentes aosnovos eixos geográficos de acumulação. Forma-

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se, assim, um processo sistêmico, em escalamundial, cuja marca distintiva é a introduçãode uma hiperflexibilidade de deslocamentos econversão do capital das formas reais (formamercadoria) para as formas nominais (forma di-nheiro), e vice-versa, efetivando um movimentocentralizado dos excedentes gerados nos maisdistintos países e setores da economia. Contudo,em última instância, o capital financeiro atuacomo a referência principal, ou como norma re-gular para a fixação dos parâmetros de rentabili-dade do capital em todas as suas formas concre-tas (capital industrial, agrário, comercial e ban-cário). A fusão que forma a categoria capital fi-nanceiro constitui uma unidade de contráriosestruturada hierarquicamente. Explica-se, assim,o surgimento dos recorrentes ciclos financeiroscurtos e das bolhas estruturais, que, ao explodi-rem, resultam nas graves crises financeiras pre-senciadas na contemporaneidade e, entre elas, acrise atual (Panitch; Gindin, 2009).

As duas mais importantes recentes bolhasfinanceiras são exemplos desse fenômeno. A pri-meira ocorreu na última metade dos anos 1990,a bolha da “nova economia”, alavancada por umprocesso de financiamento apoiado nas bolsasde valores para o fomento de empresas de novastecnologias das comunicações e internet, as cha-madas empresas “ponto com”, cujos valorespatrimoniais, calculados em preços das ações,cresciam estratosfericamente da noite para o dia.E, a segunda, a bolha subprime, cujo colapsoainda provoca efeitos devastadores. Esta últimafoi a impulsionadora de um ciclo curto de recu-peração da economia estadunidense entre 2001e 2007, apoiada em uma gigantesca onda de fi-nanciamento ao consumo familiar, a partir domercado de hipotecas, mas, de fato, alavancadopor capitais transferidos de países emergentesmediante os dispositivos da dívida pública ame-ricana e da aquisição dos referidos títulos emparticular pela China.

Se a acumulação em geral passa a sernorteada pela rentabilidade do capital financeiro,então, a relação entre o capital fictício, as novas ten-

dências de crescimento e a bolha financeira passa ater uma ascendência determinante sobre o processoda reprodução do capital no conjunto do sistemamundial. Dito de outra forma, desde que os enca-deamentos do circuito econômico global e a forma-ção da demanda foram reconfigurados para transi-tarem pela esfera financeira, não pode mais haverum “regime de crescimento” sem o fenômeno dabolha, sem a formação de um capital fictício semprecedente. Mas a bolha não pode assegurar mais-valia financeira aos investidores sem a condiçãode ser alimentada permanentemente. É aqui queintervêm os fluxos financeiros externos dos quaisos Estados Unidos são os principais beneficiários(Chesnais, 2001, p. 66).

Cada um desses ciclos ocorre sob a guardade uma bolha estrutural característica, relativa àprecedente, e carrega singularidades próprias quese expressam, sobretudo, por meio de “inovações”financeiras. Nesse sentido, a crise subprime vin-cula-se ao desenvolvimento de um sistema bancá-rio distintivo, implantado mediante a extensão deempréstimos para setores historicamente oprimi-dos da população em decorrência damercantilização de vários campos produtores eofertantes de bens e serviços públicos consumi-dos pelos segmentos assalariados. A captura des-ses espaços pelo capital acarretou a expansão daoferta privada de meios educacionais, residenciais,serviços de saúde e planos de aposentadoria, oque acabou por exigir o recurso forçado dos assa-lariados ao sistema bancário (Chesnais, 2012;Lapavitsas, 2009a). Basta lembrar que será a partirdos anos 1970 que os assalariados do planeta pas-saram a receber seus salários em contas bancárias,o que constitui um volume de capitais gigantescopara o setor bancário, do capital financeiro que setransforma num agente captador para este último.A partir de então, além das poupanças quepreexistiam, os bancos passaram a criar, cada vezmais, novos serviços a serem vendidos aos clien-tes. Estes, em muitos casos, não são sequer cons-cientes das “transações” que os bancos lhes im-põem e fazem por eles. Tudo isso sem falar no vo-lume de recursos provenientes dos sistemas da

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seguridade social, que são liquefeitos instantanea-mente em capitais, ao serem depositados mensal-mente na conta correspondente a cada trabalhadordos diversos setores. Desse modo, rendas, salários,poupanças, etc. viram capital tão logo chegam àscontas dos clientes de um banco.

Essas “inovações” expressam a presença dealguns elementos cruciais, componentes desteprocesso, até o momento pressupostos, e que de-vem, portanto, agora ser postos às claras. Entre asmuitas transformações que o capitalismo inter-nacional colocou em prática encontram-se am-plas medidas de integração, desregulamentação eflexibilização. Essa verdadeira avalanche, conhe-cida por neoliberalismo, pressupõe que o capitaldeve passar a desfrutar de acesso amplo a todosos setores, inclusive aos serviços públicos, alémda propriedade de ativos e controle das receitastributárias estatais como canais privilegiados derecuperação da lucratividade. Dessa maneira, ospaíses ditos emergentes e os dominados, na divi-são internacional do trabalho, foram tragados poruma onda de privatizações, à qual o Brasil com-pareceu com uma contribuição relevante. Nestecontexto, simultaneamente, o aprofundamento daintegração brasileira aos fluxos do comércio in-ternacional colocou em marcha um amplo meca-nismo de flexibilização das normas regulatórias, tantono que tange aos vínculos econômicos externoscomo no que concerne às relações do mercado in-terno de trabalho.

Este é o cenário em quea crise geral de superproduçãodo capitalismo internacional,juntamente com as transforma-ções dela emanadas, entre elasa inaudita financeirização, per-manece em continuidade nointerior da economia mundialaté os dias que correm. Sob oneoliberalismo e seus copiososvolumes de excesso de liquideze fontes permanentes de criseno curto-prazo, capitais finan-ceiros especulativos estritamen-

te fictícios ou capitais na forma de InvestimentosExternos Diretos (IED) vagueiam pelo mundo como propósito de efetuar punções nas riquezas dasdiferentes nações. Como efeitos de grande enverga-dura, podemos citar a mudança de propriedade dosmeios de produção entre nacionais e estrangeiros, ea apropriação de parte da receita estatal, diga-se damais-valia social, mediante o mecanismo das dívi-das públicas, o que gera reordenamentos de montanas composições e acordos entre as diferentes fra-ções das classes dominantes, que se interpenetramno plano nacional e internacional. Podemos dizerque nos encontramos, agora, em um novo estágiodas “exportações de capital”, implementado sob acobertura de mecanismos cruéis de ataques às con-dições materiais de vida dos trabalhadores e dospovos.

No caso brasileiro, destaca-se a introdução deuma vulnerabilidade decorrente da dependência anteos fluxos de capitais especulativos, a entrada de IEDe as receitas de exportação, conforme podemos veri-ficar, parcialmente, no Gráfico 4.

Estudos efetuados por Reinaldo Gonçalvesmostram que a acumulação de capital no Brasil,através do IED, tem consequências importantes nageração da renda interna. O autor chega à conclu-são, conforme mostrado no Gráfico 4, que as em-presas estrangeiras elevaram sua contribuição di-reta para a geração do valor da produção (PIB) de8,6%, em 1995, para 14,7% em 2005 (Golçalves,

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2011, pág. 15).Observa-se, também, que a participação do

IED na formação interna de capital, dá o tom dainternacionalização da economia brasileira, postoque a continuada e expressiva expansão da rela-ção IED/FBCF no período 1995-2002 está em ple-na sintonia com o processo de privatização levadoa efeito, pelo menos, nos dois mandatos de FHC,mas não só (Golçalves, 2002, pág. 16). Ao mesmotempo, os dados informam quão mais dependentedo capital externo se tornou a economia brasileira,para efetivar taxas de crescimento minimamente re-presentativas. Acrescente-se, por outro lado, noâmbito da vulnerabilidade da economia brasileirafrente à economia mundial, a excessiva importân-cia adquirida, nos anos recentes, pelos bens pri-mários de exportações, que experimentaram umespetacular incremento de demanda oriunda dealguns países emergentes, particularmente a Chi-na. Dessa maneira, nossa economia, depois doaprofundamento de sua integração, nos moldesdescritos, à economia mundial, a partir do iníciodos anos 1990, passou a ter sua dinâmica internafortemente correlacionada aos movimentos da eco-nomia internacional (Letízia, 2012).

À GUISA DE CONCLUSÃO: o último estágiodo capital

A portentosa onda de transformações,ocorrida no âmbito da economia capitalista mun-dial nos últimos decênios, mostrou-se, antes detudo, como de caráter contratendencial, visan-do a contenção do amplo processo de crise estrutu-ral surgido em decorrência do esgotamento da ondalonga de crescimento do pós-Segunda Guerra. As-sim, contraditoriamente, ao tempo em que as mu-danças introduzidas se revelaram poderosas ala-vancas inovadoras nos planos produtivos e finan-ceiros, também se mostraram portadoras de pro-fundos conteúdos regressivos. São medidas que,mesmo transformando, acentuadamente, o capita-lismo, não conseguem viabilizar uma nova basesólida para a recuperação da acumulação em subs-

tituição àquela erodida no início dos anos 1970.Com isso, poder-se-ia afirmar que o novo modelode reprodução do capitalismo no tempo presentetem limites visíveis e que, contraditoriamente,potencializa o prolongamento de uma crise orgâni-ca, que se desdobra em regressões ameaçadoras aosdestinos da humanidade.

Se nos EUA e na Europa sobressai o avan-ço destrutivo sobre as receitas estatais via a dívi-da pública, em países considerados emergentes– mas também nos denominados subdesenvol-vidos – observa-se o acúmulo de reservas nosbancos centrais e estatais que terminam, assim,bombeando e retirando da circulação recursosnecessários às inversões produtivas e às políti-cas públicas. Tais reservas são, por mecanismosdiversos, drenadas pelo capital financeiro inter-nacional. O endividamento dos estados da UniãoEuropeia, particularmente dos mais frágeis – mascujas populações estão hoje submetidas a durasdiretrizes recessivas e estagnantes (Chesnais, 2012e 2007), o que as têm obrigado a reações massivase carregadas de unidade política geral jamais vis-tas na história – tem essa função.

As regiões do planeta, submetidas secu-larmente aos centros capitalistas, têm se depara-do, nas décadas recentes, com profundas mu-danças, as quais refletem as intensas modifica-ções da estrutura reprodutiva do capitalismo naesfera internacional. O Brasil pode ser conside-rado um dos espaços nacionais mais afetados poressas mudanças. Alguns autores procuram ana-lisar os efeitos decorrentes, de um lado, da novaforma de integração brasileira ao mercado mun-dial, enfatizando, entre outros aspectos, a cons-tituição de uma posição de vulnerabilidade eco-nômica vis-a-vis as suas relações externas e, deoutro lado, do reordenamento, nos anos recen-tes, na composição da propriedade do capitalentre frações das burguesias nacional e estran-geira. Parte desses estudos é efetuada já de acor-do com um recorte cronológico, no interior doqual está presente, como evento irradiador, a cri-se capitalista, atualmente em desenvolvimento edeflagrada após o colapso do mercado das hipo-

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tecas subpreferenciais da economia americana.Os países da América Latina, como é o caso

da Argentina e do Brasil, mas também muitos deoutros continentes se vêm pressionados pelo quepassou a ser uma exigência dos diversos organis-mos internacionais, que regulam o comércio e asrelações financeiras mundiais, para que suas ins-tituições bancárias estatais, seus Bancos Centrais,acumulem gigantescos montantes em moedas edivisas como reservas. Estas, em última análise -além de drenarem recursos financeiros passíveisde serem produtivos, inviabilizando, assim, umaindustrialização capaz de dotar tais países de in-dependência das pressões internacionais, como asda OMC (Organização Mundial do Comércio), cri-am outra forma de subordinação, baseada nessa novacaracterística das relações internacionais de submis-são ao capital financeiro internacional. Se perdura-rem essas bases relacionais, toda veleidadeindustrialista morre com seus agentessocioeconômicos nacionais. Na verdade, o queestamos vendo é um processo de desindustrializaçãopura e simples, ou de transferência de bases pro-dutivas para a China, e nossos países retomandosua natureza original: aquela na qual a dominânciado padrão agroexportador termina alimentando aeconomia das comodities. O grande capital indus-trial nativo – junto com o restante do grande capi-tal nacional, tira seus dividendos de um processointernacionalizante que solapa, definitivamente,qualquer veleidade nacionalista nesse campo.Mas não existe nenhuma incoerência aí, se com-preendermos que seu critério máximo é a eleva-ção de suas lucratividades.

Para se entender tal fenômeno, ajuda mui-to associar à sua descrição os processos de in-dustrialização recente na Índia e na China, evisualizarmos as formas de superexploração daclasse trabalhadora integrada à cadeia produtivamundial. Empresas de calçados instaladas naBahia, por exemplo, fecharam suas portas recente-mente por não suportarem a concorrência com aindústria de calçados dessas regiões. Porém, mui-tos capitalistas de vários ramos desmontam suasplantas industriais nacionais e promovem suas

transferências para os espaços chineses e asiáticosdiversos, espaços esses nos quais o processo desuperexploração da força de trabalho apresentamvantagens comparativas imbatíveis para o princípioda lucratividade crescente. Mas é possível obser-var-se, também, a transmigração de trabalhadoresbolivianos, paraguaios, uruguaios, equatorianos ehaitianos, que ingressam no “mercado de traba-lho” brasileiro, por exemplo, em condições terrí-veis de superexploração e opressão. Não raro épossível encontrar condições muito próximas daescravidão mascaradas por relações jurídicas for-mais de assalariamento. Tal movimentopopulacional é visível, também, para os paísesavançados no hemisfério norte, fenômeno que acrise tende a aguçar. Neste sentido, desde o últimoquartel do século XX, surgiu uma espécie de “novodesenvolvimento” em várias latitudes e longitu-des, envolvendo países como o Brasil, a Argenti-na, o Chile, o México, a África do Sul, a Rússia epaíses do leste europeu, que se juntaram à China,à Índia, à Correia do Sul e à China nacionalista(Taiwan) com a finalidade precípua de alimentar oprocesso neoliberal de mundialização do capital.

O capital financeiro tiraniza e vampiriza asoutras frações do capital incapazes de dar um sal-to de qualidade. Tiraniza, também, a classe traba-lhadora e o conjunto das classes sociais. Ao fazê-lo, impulsiona, de forma exasperada, não somen-te a destruição das forças produtivas humanas (tra-balhadores ativos e aqueles que jamais se integra-rão, verdadeiramente, ao sistema produtivo, cons-tituindo gigantescos lumpesinatos mundiais), mas,também, a destruição da própria natureza, mãe daqual não podemos nos apartar e a qual não pode-mos ignorar. O próprio capital, para continuar ali-mentando suas pulsões através de seu próprio fe-tiche, o lucro ampliado crescentemente, não podeignorar os fundamentos naturais e sociais de suaexistência contraditória. Mas faz como se pudes-se. Não consegue admitir que o lucro que extrainão é propriamente lucro. É sim, transferência derenda e de mais-valia. Pois bem, nunca se alcan-çou um patamar tão absolutamente destrutivo domeio ambiente natural e social como o alcançado

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pelo neoliberalismo globalitário, a ponto de colo-car os limites sociais e históricos do capital emface de um desafio jamais realizável: sem matériasbrutas e primas, e sem trabalho assalariado, não épossível a reprodução ampliada do capital e, por-tanto, do lucro. Desenvolvimento econômico commais-valia social, produzida de modo declinante,coloca em causa, não apenas o capital financeiro,como, também, todas as frações do capital quedependem da realização da mercadoria. É o quenos permite concluir, também, que as discussõesque enfatizam a crise como sendo de origem finan-ceira, ou aquelas oriundas de leituras que procu-ram enfatizar ser ela decorrente do capital produtorde mercadorias, do valor e do trabalho, não conse-guem perceber a relação orgânica entre as várias fra-ções do capital no processo mundial de sua repro-dução ampliada.

Inquestionavelmente, o sistema econômi-co mundial se reestruturou, embora sob outrasformas, em que se localiza a dominação do capi-tal financeiro e uma estrutura de dominação cor-respondente à nova conformação do capitalis-mo como um sistema econômico mundial e uni-ficado. Neste novo estágio, há a consolidação deuma totalidade nova, ou de um complexo deligações entre as nações, em todo o planeta, me-diante um fluxo de conexões. Mas o velho per-siste em agarrar-se ao novo. Presenciamos, pois,uma nova estrutura financeira, articulada àsmudanças produtivas introduzidas ao longo dasúltimas décadas, e organicamente conectadas aosnovos eixos de acumulação de onde partem ex-cedentes que, por exemplo, financiam o consu-mo e retroalimentam a expansão da esfera fi-nanceira nos países de economia dominante eno restante do Mercado Mundial. Mas presenci-amos, também, a reinvenção do modelo primá-rio-exportador e o rebaixamento das condições deexploração da força de trabalho indo até asuperexploração dela e mesmo à escravidão, semque seja um fenômeno exclusivo do hemisfériosul. Todas as latitudes e longitudes nos informamsobre tais fenômenos.

Enfim, hegemonia e alianças estratégicas

entre frações das classes dominantes, além de con-sentimento, dão forma, por conseguinte, a umaeconomia de interdependência, hierarquia, domi-nação e exploração, de todo modo afirmando, maisuma vez, a tendência ao desenvolvimento desigual

e combinado, que rege a evolução do capitalismoao longo de sua história e que constrói uma totali-dade orgânica como unidade de contrários. É esseprocesso que explica, ao mesmo tempo, a relaçãode autonomia e independência relativa do capitalfinanceiro em relação àqueles que se investem naprodução de mercadorias e sua inevitável depen-dência deles. É o que explica, também, as mesclasnacionais e internacionais do capital financeiro eo que termina guindando uma fração do grandecapital nacional ao “panteão” do capitalismo mun-dial e ao clube do capital financeiro. A antiga base deexportação de capitais dos países avançados perma-nece procurando inversões diversas e produtivas nosvários espaços do planeta ditos emergentes ou “sub-desenvolvidos”, mas sem que tais regiões sejam ape-nas receptoras de capitais. Elas também exportamcapitais para as economias avançadas como procura-mos mostrar de diversos modos.

O aprofundamento da dominação da ca-tegoria do capital financeiro sobre as demais ca-tegorias do capital solapa, contraditoriamente,as veleidades nacionais produtivistas. E é aomesmo tempo em que – por sua voracidade ob-sessivo-compulsiva por lucros crescentes, pro-voca, internacionalmente, a produção de gigan-tescos exércitos de desempregados, de sem ter-ra, de sem-teto e do empobrecimento das anti-gas classes médias. Se os impasses da reprodu-ção ampliada do capital coloca a necessidade parao capital da destruição de forças produtivas e deriqueza consumada, involuntariamente, ela am-plia as bases internacionais da possibilidade daluta contra o capital. Nessas condições, a integraçãoe a adaptação da classe operária ao capitalismoneoliberal – da qual falamos na introdução, repro-duzindo o jeito americano de viver, deve ter seusdias contados.

Vivemos, pois, inequivocamente, um pe-ríodo histórico novo, no qual as velhas sobrevi-

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vências entram em contradição com o mundo dasmercadorias e das diversas frações do capital. Nele,a “associação dos produtores livres e emancipa-dos” só poderá fundar outro sistema pós-capita-lista se abolir, definitivamente, o valor de troca pelaprodução de riquezas e valores de uso. O capitalencontrou sua expressão última no capital finan-ceiro e na ampliação do trabalho abstrato, fruto doincremento da produtividade que reproduz,ampliadamente, as contradições do sistema mun-dial, não apenas de mercadorias, mas de um capi-tal fictício, que se distancia estratosfericamente dasua base real. Os dois polos da mesma unidade seliquefazem e se volatilizam. Eles só poderão ex-plodir uma unidade que não é mais possível deser contida na bolha construída pelo capital e pelotrabalho, tamanho o gigantismo de seus processosdestrutivos. A crise é mundial e só será superadapor um novo paradigma social mundializado, edepois de se encontrar o tempo para responder àcrise ecológica, também planetária.

Recebido para publicação em 10 de fevereiro de 2013Aceito em 09 de abril de 2013

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Jorge Luiz Bezerra Nóvoa – Doutor em Sociologia. Professor da Universidade Federal da Babia – UFBA.Áreas de investigação: Epistemologia da razão poética e a reconstrução dos paradigmas das ciências sociais;Sobre as relações entre o cinema e a história e as representações das sociedades no cinema; Marx e a teoria doconhecimento nas ciências sociais, na história e na psicanálise; História das ciências sociais e da psicanálise,História moderna e contemporânea; História do capitalismo e dos movimentos sociais; Sociologia do conhe-cimento e das formas de consciência social. Publicações recentes: O problema do belo em “Morte em Veneza”

e “Blow-up”: tensões, conflitos e contradições no real que a estética reconstrói. In: Alcides Freire Ramos,Cléria Botelho da Costa, Rosangela Patriota. (Org.). Temas de história cultural. 1ed.São Paulo: Hucitec, 2012,v. 1, p. 184-197; “Barravento”: dicotomias da cultura popular religiosa afrodescendente no cinema de Glauber

Rocha. Revista Porto, v. 1, p. 70-79, 2011.

Paulo Antonio de Freitas Balanco – Doutor em Economia pela Universidade Estadual de Campinas(UNICAMP), Professor do Departamento de Economia da Universidade Federal da Bahia e atual diretor damesma faculdade. Integra e coordena o Grupo de Pesquisa em Economia Política e Desenvolvimento, desen-volvendo pesquisas na área de Economia Política explorando o tema processos de transformação do capita-lismo e seus desdobramentos, mediante os seguintes objetos de pesquisa e investigação: leis do movimentodo capital, globalização e desenvolvimento econômico capitalista. Suas mais recentes publicações são: Mo-

delo liberal-periférico e bloco de poder: política e dinâmica macroeconômica nos governos Lula, em co-autoria com Luiz Filgueiras, Bruno Pinheiro e Celeste Philigret. In: Os anos Lula: contribuição para umbalanço crítico 2003-2010. Rio de Janeiro: Garamond, pp. 35-69, 2010, e Instituições, políticas públicas e

financiamento do desenvolvimento regional no nordeste do Brasil. Em co-autoria com Clemente Gomes deSouza e Henrique Tomé da Costa Mata. In: Revista Desenbahia, nº 17, pp. 61-88, setembro de 2012.

THE FINAL STAGE OF CAPITAL. THECRISIS AND THE DOMINATION OFFINANCE CAPITAL IN THE WORLD

Jorge NóvoaPaulo Balanco

Within the limitations of this article theauthors analyzed various elements of the wave oftransformations which have occurred in the scopeof the world’s capitalist economy over recentdecades. These transformations have led tomeasures against trends aimed at blocking andovercoming the structural crisis resulting fromstagnation after a long period of post-World WarII growth. In contradiction, at a time in whichthe changes that were introduced have proven tobe powerful leveraging tools for innovation in theproduction and finance arenas, their content isalso thoroughly regressive. Capitalism hasundergone a profound transformation, butwithout the consolidation of a solid new base toincreasingly reward big capital in order to replacethe cycle which ended in the early 1970s. The“underdeveloped” and “emerging” countriesreproduce, with some particularities, thesecontradictions under the domination of financialcapital. Thus, capitalism’s new model ofreproduction currently shows visible limits. Itprolongs the organic crisis which is developingregressions which threaten human destiny, butnot without creating new bases for overcominganti-capitalism.

KEY WORDS: Profound crisis. Financial capital.Decreasing profits. Emerging countries.Alternative base for accumulation.

LA DERNIÈRE ÉTAPE DU CAPITAL. LACRISE ET LA DOMINATION DU CAPITAL

FINANCIER DANS LE MONDE

Jorge NóvoaPaulo Balanco

Les divers facteurs de transformation quiont eu lieu au sein de l’économie capitalistemondiale au cours des dernières décennies sontanalysés dans cet article. Ces transformations sontl’aboutissement des mesures prises contre lestendances visant à bloquer et à surmonter la cri-se structurale provoquée par le manque decroissance à long terme de l’après-deuxièmeguerre mondiale. Paradoxalement, alors que leschangements réalisés se sont révélés être depuissants leviers innovateurs sur les plansproductif et financier, ils étaient chargés ausside contenus profondément régressifs. Lecapitalisme s’est beaucoup transformé mais sansconsolider une nouvelle base suffisamment forteet capable de rémunérer de manière croissante legrand capital afin de remplacer le cercle fermé audébut des années 1970. Les pays “sous-développés” et “émergents” reproduisent avecquelques spécificités ces contradictions sousdomination du capital financier. Par conséquentle nouveau modèle de reproduction du capitalismedes temps présents affiche des limites visibles. Lacrise organique se prolonge et se multiplie pardes régressions menaçantes pour le destin del’humanité, sans pour autant créer de nouvellesbases capables d’un dépassement anti-capitaliste.

MOTS-CLÉS: crise profonde, capital financier,bénéfices décroissants, pays émergents, basealternative d’accumulation.