O ESTADO ISLÂMICO: SUA EVOLUÇÃO E PERSPECTIVAS...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS DEPARTAMENTO DE ECONOMIA E RELAÇÕES INTERNACIONAIS CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS O ESTADO ISLÂMICO: SUA EVOLUÇÃO E PERSPECTIVAS TEÓRICAS TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO Pedro Henrique Pacheco Chamun Santa Maria, RS, Brasil 2015

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS

DEPARTAMENTO DE ECONOMIA E RELAÇÕES INTERNACIONAIS CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS

O ESTADO ISLÂMICO: SUA EVOLUÇÃO E PERSPECTIVAS TEÓRICAS

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

Pedro Henrique Pacheco Chamun

Santa Maria, RS, Brasil 2015

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O ESTADO ISLÂMICO: SUA EVOLUÇÃO E PERSPECTIVAS

TEÓRICAS

Pedro Henrique Pacheco Chamun

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM, RS),

como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Relações Internacionais.

Orientadora: Prof. Ms. Danielle Jacon Ayres Pinto

Santa Maria, RS, Brasil 2015

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS

DEPARTAMENTO DE ECONOMIA E RELAÇÕES INTERNACIONAIS CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS

A Comissão Examinadora, abaixo assinada, aprova o Trabalho de Conclusão de Curso

O ESTADO ISLÂMICO: SUA EVOLUÇÃO E PERSPECTIVAS TEÓRICAS

elaborado por Pedro Henrique Pacheco Chamun

como requisito para obtenção de grau de Bacharel em Relações Internacionais

COMISSÃO EXAMINADORA:

Danielle Jacon Ayres Pinto, Ms. (UFSM) (Presidente/Orientadora)

Jose Renato Ferraz da Silveira, Dr. (UFSM)

José Carlos Martines Belieiro Junior, Dr. (UFSM)

Santa Maria, 20 de novembro de 2015.

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AGRADECIMENTOS

Dedico este trabalho a minha mãe, Enoir de Fatima Pacheco Chamun, que

sempre esteve comigo, sempre me apoiou e me ajudou quando precisei. Agradeço a

minhas irmãs pela paciência, Ruth Pacheco Chamun e Luiza Pacheco Chamun.

Agradeço a meu pai, Luiz Clayton Müzell Chamun (in memorian) pelo ideal e memória

que me concedeu, e que infelizmente não pode presenciar minha realização. Também

dedico este trabalho a minha querida tia, Jussara Müzell Chamun, e ao Luiz Vicente,

que amo muito.

Agradeço a minha orientadora prof. Ms. Danielle Jacon Ayres Pinto, por toda

compreensão, paciência e simpatia. Agradeço ao prof. Dr. Jose Renato Ferraz da

Silveira por todas vezes que me ajudou quando precisei e também ao professor Dr.

José Carlos Martines Belieiro Junior, que usou seu tempo para a leitura deste trabalho,

assim como para participar da banca de defesa.. Também agradeço e dedico este

trabalho para os outros professores que me ensinaram tanto.

Agradeço aos meus amigos Dr. Jeandre Augusto dos Santos Jaques e Ms.

Guilherme Chagas Kurtz por todo o apoio e auxílio. Agradeço também a todos meus

amigos e colegas do curso de Relações Internacionais da UFSM.

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RESUMO

O presente estudo busca analisar a história do grupo terrorista islâmico conhecido como Estado Islâmico, passando por suas diversas formas. Tal grupo é derivado da al-Qaeda, mas tomou rumos diferentes, inclusive entrando em conflito direto com a mesma. Também investiga-se as causas do surgimento do Estado Islâmico, iniciando desde as causas menos aparentes como o Acordo de Sykes-Picot, passando pelo governo ba’athista de Saddam Hussein e sua campanha de fé, a invasão pela coalisão dos Estados Unidos da América e as ações do governo de transição e, após, o governo e as políticas sectaristas de Nouri al-Maliki, assim como as ações da milícia Sahwa. Ademais, realiza-se uma pesquisa sobre o perfil dos principais líderes da organização, Abu Musab al-Zarqawi e Abu Bakr al-Baghdadi, e suas ideologias. O estudo também busca compreender como o Estado Islâmico iniciou sua participação na guerra civil na Síria, sua ideologia e organização institucional, assim como suas estratégias e objetivos. Além disso, será examinado a conexão do grupo com o islã, a declaração e o ideal do califado. Também busca-se analisar a questão do terrorismo e suas diversas formas, e sobre a categorização do Estado Islâmico como um rogue state e como um movimento de libertação nacional. Por fim, discorre-se sobre os métodos de financiamento que o grupo possuí e como funciona a questão dos combatentes estrangeiros.

Palavras-chave: al-Qaeda. Estado Islâmico. Iraque. ISIS. Islã. Jihad. Salafismo. Síria. Terrorismo.

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ABSTRACT

This study investigates the history of the Islamic terrorist group known as The Islamic State, through its various incarnations. Such a group is derived from al-Qaeda, but it took different paths, including entering into direct conflict with it. Also investigates the causes of the emergence of the Islamic State, starting from the least apparent causes as the Sykes-Picot Agreement, through the Ba’athist State of Saddam Hussein, and his campaign of faith, the invasion by the coalition leaded by the Unites States of America, and the transitional government’s actions, and after, the government and the sectarian policies of Nouri al-Maliki, as well as the actions of the Sahwa militia. Moreover, it is carried out a brief analysis on the profile of the main leaders of the organization, Abu Musab al-Zarqawi and Abu Bakr al-Baghdadi, and their ideologies. The study also seeks to understand how the Islamic State began its participation in the Syrian civil war, its ideology and institutional organization, as well as their strategies and objectives. In addition, it is examined the group’s connection with Islam and the ideal of the caliphate. It also seeks to analyze the issue of terrorism and its various forms, and the categorization of the Islamic State as a rogue state actor and as a national liberation movement. Finally, it will discuss their financing methods and the issue of the foreign fighters. Keywords: Al-Qaeda. Iraq. Islamic State. ISIS. Islam. Jihad. Salafism. Syria. Terrorism.

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO............................................................................................................ 8

1. AS RAÍZES REGIONAIS DO ESTADO ISLÂMICO.................................... 12

1.1 A história geopolítica do Iraque................................................................ 12

1.1.1 O Acordo de Sykes-Picot, Reino do Iraque e República do Iraque.............. 13

1.1.2 A ascensão e queda de Saddam Hussein.................................................... 15

1.2 Jama‘at al-Tawhid wal-Jihad…………………………………………………. 25

1.3 Al-Qaeda no Iraque…………………………………………………………….. 32

1.4 Mujahideen Shura Council……………………………………………………. 34

2. O ESTADO ISLÂMICO MODERNO............................................................. 36

2.1 O Despertar de al-Anbar............................................................................. 37

2.2 O Estado Islâmico do Iraque..................................................................... 39

2.2.1 A derrocada do Estado Islâmico do Iraque e o movimento Sahwa.............. 40

2.2.2 Sobre Abu Bakr al-Baghdadi e o Campo Bucca........................................... 43

2.2.3 O ressurgimento do ISI sob a liderança de Abu Bakr al-Baghdadi.............. 45

2.2.3.1 Reestruturação e reconstrução.................................................................... 46

2.2.3.2 A natureza disfuncional do Estado iraquiano de al-Maliki............................ 47

2.2.3.3 O desaparecimento da influência da al-Qaeda de Zawahiri......................... 48

2.2.3.4 A guerra civil na Síria.................................................................................... 48

2.2.4 A cisão com a al-Qaeda e o nascimento da Jabhat al-Nusra....................... 51

2.3 Estado Islâmico do Iraque e da Síria........................................................ 53

2.3.1 Declaração do Califado................................................................................ 54

2.3.2 Organização Institucional............................................................................. 55

2.3.3 Estratégia e Objetivos................................................................................... 57

3. PERSPECTIVAS TEÓRICAS SOBRE O ESTADO ISLÂMICO ................. 59

3.1 O Estado Islâmico e o Islã......................................................................... 59

3.2 Retorno ao ideal do Califado..................................................................... 61

3.3 Terrorismo e o Estado Islâmico................................................................ 62

3.4 O Estado Islâmico como um ‘Rogue State’.............................................. 65

3.5 Seria o IS um movimento de libertação nacional?.................................. 66

3.6 Sobre o financiamento do Estado Islâmico............................................. 68

3.7 Sobre os ‘Foreign Fighters’....................................................................... 71

CONCLUSÃO........................................................................................................... 77

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REFERÊNCIAS......................................................................................................... 81

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INTRODUÇÃO

Após o término da Guerra Fria, o sistema internacional tem passado por

mudanças bruscas. A queda do sistema bipolar e a ascensão dos Estados Unidos da

América como superpotência única, e o deslocamento de sua política de contenção

para uma política baseada no neoliberalismo republicano intervencionista, assim

como o vácuo de poder deixado pelos soviéticos, criaram uma atmosfera adequada

para o surgimento de novos tipos de conflitos.

Tais conflitos se mostraram assimétricos, e dentre eles o terrorismo

fundamentalista islâmico mostrou-se um dos mais preponderantes e perigosos.

Apesar do terrorismo ter surgido muito tempo antes do término da Guerra Fria, foi no

ataque de 11 de setembro de 2001 pela al-Qaeda de Osama bin Laden, que ele obteve

mais visibilidade.

Este trabalho busca analisar a história e evolução do Estado Islâmico desde

suas raízes regionais, passando pela formação de suas organizações embrionárias

até 2014, quando o grupo deixou de se chamar de Estado Islâmico do Iraque e da

Síria para Estado Islâmico per se.

Serão apresentados três capítulos, os dois primeiros terão um viés histórico e

o terceiro terá uma abordagem teórica, como será apresentado a seguir. O primeiro

capítulo, As raízes regionais do Estado Islâmico, apresenta a formação da ideologia e

das raízes históricas do IS.

Um fator importante para a ascensão de tais grupos no Iraque foi o governo

ba’athista de Saddam Hussein. O partido Ba’athista subiu ao poder em um golpe de

estado em 1968, e Saddam tomou a presidência em 1979. O movimento Ba’ath foi um

movimento pan-arabista de características socialistas e seculares, com qualidades de

um culto à personalidade.

Entretanto, no final da década de 1980, após a Guerra Irã-Iraque, o regime de

Saddam muda sua abordagem e anuncia a “Campanha da Fé”, realizando uma

grande estimulação do pan-islamismo, incluindo suportar grupos radicais.

Após a destruição das Torres Gêmeas em Nova York, os EUA invadiram o

Afeganistão em 2001 e o Iraque em 2003. Tais intervenções, principalmente a

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iraquiana, deram início a uma ‘reação em cadeia’ que desestabilizaram a região e

empoderaram organizações como a al-Qaeda.

Tanto que, em 1999, um jordaniano desiludido chamado Abu Musab al-Zarqawi

fundou a organização terrorista islâmica Jamaat al-Tawhid wal-Jihad (JTJ), ou

Organização para o Monoteísmo e Jihad. E através dela, Zarqawi cometeu diversas

atrocidades, como o bombardeio do Canal Hotel em Bagdá, que matou 22 pessoas,

entre elas o chefe da delegação da ONU no Iraque, o brasileiro Sérgio Vieira de Mello.

A JTJ também tomou responsabilidade pelo bombardeio da mesquita Imam Ali, que

matou 95 pessoas incluindo o Aiatolá Mohammad al-Hakim, o clérigo xiita mais

importante do país. O grupo também deu início a produção de vídeos de seus

assassinatos, com a decapitação do empreiteiro americano Nick Berg.

Algum tempo depois, a organização alinhou-se com a al-Qaeda e mudou de

nome para al-Qaeda no Iraque (AQI), e nesse momento ela experienciou um

crescimento nos seus números. Pouco tempo depois, a AQI já possuía algum domínio

sobre o território de al-Anbar, e os crimes aumentavam cada vez mais. Tais ataques

tinham objetivo de gerar uma guerra civil sectária no Iraque e em algum nível, foi bem

sucedida.

Junto disso, uma série de más decisões do Coalition Provisional Authority, o

governo provisório americano, com objetivo de des-ba’athificar o Iraque, estipulou que

nenhum oficial, soldado ou empregado do antigo regime poderia fazer parte do novo

estado. Essa ação teve repercussões profundas e deixou mais de 500 mil pessoas

desempregadas e alienadas da sociedade política iraquiana, tal evento ficou

conhecido como “sunni disenfranchisement’.

Por culpa dessa perda de direitos por parte da população sunita da região,

muitos deles juntaram-se a grupos como a AQI, pois ao menos recebiam alguma

remuneração. Com os números e influência crescentes, a AQI tornou-se a filial da al-

Qaeda mais poderosa, e isso gerou problemas entre as organizações. Nesse

momento, a AQI começou a desenvolver ideias de state-building, e sua ideologia se

distanciou da al-Qaeda Central, que focava-se na jihad global.

Com esse crescimento de influência na região, em 2006 diversos grupos

uniram-se a AQI, e a organização mudou de nome para Mujahideen Shura Council

(MSC). Mas essa organização teve pouca duração.

O segundo capítulo, O Estado Islâmico moderno, busca abordar os

acontecimentos que ocorreram após a queda do MSC e a formação do Estado

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Islâmico do Iraque, assim como a mudança de liderança, quando Abu Omar al-

Baghdadi assumiu o poder, e Abu Ayyub al-Masri como seu braço direito, como

discorrerei a seguir.

A ideologia ultra violenta do MSC logo gerou graves repercussões para a

organização e sua base social na região estava ruindo rapidamente. Além disso o ex-

líder do grupo, Zarqawi, tinha sido morto em um ataque aéreo americano pouco tempo

depois. Portanto, logo o MSC se desfez e retornou como Estado Islâmico do Iraque

(ISI), e Abu Omar al-Baghdadi se torna o líder da organização.

Nesse momento, o grupo ganhou muita força e passou a focar-se em state-

building, o que gerou ainda mais conflitos ideológicos com a AQI. O ISI já detinha

controle sobre as províncias de al-Anbar, Faluja, Qaim e Baqubah (como sua capital).

Apesar dessas aparentes vitórias, em 2007, o grupo estava passando por

sérias dificuldades. Sabendo da gravidade da situação, os EUA e o governo Iraquiano

de Nouri al-Maliki passou a armar as tribos da região para lutar contra o Estado

Islâmico do Iraque, esse movimento chamou-se de “Sahwa”, ou Despertar. Tal

estratégia foi bem sucedida e no final de 2008 o grupo tinha sido derrotado,

aparentemente.

Entretanto, com a diminuição das tropas americanas do Iraque em 2009 e a

quebra da promessa de al-Maliki de inserir o movimento Sahwa nas forças de

segurança e prestar os devidos pagamentos, houve cada vez mais deserções nas

forças iraquianas.

Logo após, o Estado Islâmico do Iraque retomou suas atividades e voltou a

conquistar territórios. Apesar disso, em 2010 o grupo sofreu um grande impacto, com

o assassinato de Abu Omar al-Baghdadi e de seu braço direito Abu Ayyub al-Masri.

Mesmo assim, o ISI manteve-se ativo e Abu Bakr al-Baghdadi assumiu a

liderança do grupo. Nesse momento, o grupo sofreu uma grande reestruturação. Tais

reformas se focaram na reestruturação ideológica e nas suas capacidades

administrativas e militares.

Além disso, a influência da al-Qaeda no Iraque tinha diminuído e as políticas

excludentes e sectárias do governo de al-Maliki polarizaram o conflito ainda mais.

Outro ponto de importância foi a erupção da guerra civil na Síria, que o ISI se

aproveitou para expandir sua influência além das fronteiras iraquianas.

Dessa forma, o ISI mandou seus oficiais e soldados para a Síria, onde

estabeleceram bases de apoio. Enquanto isso, em 2013, al-Baghdadi estipulou que o

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Estado Islâmico do Iraque passou a chamar-se de Estado Islâmico do Iraque e da

Síria, e que o grupo não seria mais subordinado a al-Qaeda central. Entretanto, a al-

Qaeda negou tal anuncio, e ambas organizações declararam guerra entre si.

Em 2013, o ISIS já possuía um grande domínio territorial no Iraque e na Síria,

movendo sua capital para Mosul (a segunda maior cidade iraquiana) e em 2014 o

grupo realizou uma grande investida contra o exército iraquiano e o derrotou. Tal

sucesso estrondoso deu confiança a Baghdadi para declarar o califado e se auto

intitular califa.

No terceiro capítulo, Perspectivas teóricas sobre o Estado Islâmico, serão

analisadas as principais questões levantadas sobre o IS. Uma delas é a perspectiva

religiosa do Estado Islâmico, e sua conexão com o Islã. Outra questão considerada é

a questão do califado, e sua legitimidade dentro do Islã.

A seguir, ponderarei a questão do terrorismo transnacional e seus tipos e

diferenças, passando pelo questionamento se o IS pode ser considerado um rogue

state. Também, abordará a análise do IS como um movimento de libertação nacional.

Após, será investigado como se dá o financiamento do Estado Islâmico e seu

processo econômico. E por fim, será examinada a questão dos combatentes

estrangeiros, como se dá sua radicalização e seu modo de operação.

Espera-se que com este trabalho seja possível, não apenas compreender a

existência de um grupo terrorista excessivamente violento como o Estado Islâmico,

como também demonstrar como políticas intervencionistas e sectaristas podem ter

resultados extremamente danosos ao Estado e a sua população, assim como,

ideologias radicais podem ter efeitos desastrosos nos seres humanos e na sociedade

que nos cerca.

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1. AS RAÍZES REGIONAIS DO ESTADO ISLÂMICO

Como Lilian Aguiar menciona em seu texto, “a história não se resume à simples

repetição dos conhecimentos acumulados. Ela deve servir como instrumento de

conscientização dos homens para a tarefa de construir um mundo melhor e uma

sociedade mais justa” (AGUIAR, 2011).

Para explicarmos os eventos atuais, devemos olhar para a recente história do

Oriente Médio. Tais eventos nos afetam como indivíduos, como membros de grupos

étnicos ou religiosos, e como cidadãos de determinados países (GOLDSCHMIDT;

DAVIDSON, 2010), eventos que auxiliaram na compreensão do que acontece

atualmente.

Nesta seção do estudo será analisado o surgimento do Estado Islâmico como

uma organização terrorista, iniciando por suas raízes regionais e situação dos países

envolvidos. Entretanto para que se tenha uma visão completa do assunto, deve-se

observar a história geopolítica do Iraque, tanto antes da guerra do Iraque, quanto

após. Além disso, no segundo capítulo, será feita uma análise similar da Síria e de

sua geopolítica atual.

1.1 A história geopolítica do Iraque

Apesar do que a “mainstream media” suporta, a maioria dos conflitos atuais no

oriente médio são conflitos regionais, não globais. Os desejos geopolíticos atuais do

Estado Islâmico não se estendem além do Grande Oriente Médio1 e eles têm fortes

raízes locais, portanto a necessidade de se analisar tal história geopolítica de forma

mais localizada.

1 Termo criado durante a administração Bush dos EUA, que incorpora, além dos países da península arábica, mas também o Irã, a Turquia, o Afeganistão, o Paquistão, parte do Cáucaso (como Armênia e Georgia) e o Magreb árabe (norte da África).

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1.1.1 O Acordo de Sykes-Picot, Reino do Iraque e República do Iraque

Pouco antes do término da Primeira Guerra Mundial e a derrocada do império

Otomano, em 1916 foi feito o Acordo de Sykes-Picot (oficialmente, Acordo da Ásia

Menor). Era um acordo secreto entre a França e a Inglaterra (com consentimento da

Rússia) que dividiam entre si os territórios do Oriente Médio como zonas de influência.

Entretanto, antes do final da 1ª Guerra, os britânicos e franceses prometeram ao Xarife

Hussein de Meca (e a outros líderes árabes) que iriam suportá-los na revolta árabe de

1916 contra a dominação otomana e na criação de um Estado nacional árabe

(GOLDSHMIDT, DAVIDSON, 2010). Tanto que, em maio de 1917, o secretário do Estado

das Colônias inglês William Ormsby-Gore escreveu

As intenções francesas na Síria são certamente incompatíveis com os objetivos de guerra dos aliados, tal como definidos pelo governo russo. Se o princípio de autodeterminação dos povos é o objetivo principal, a interferência francesa na seleção dos Emir e de consultores e do governo árabe em Mosul, Aleppo e Damasco seriam completamente incompatíveis com nossas ideias da liberação da nação árabe e do estabelecimento de um governo Árabe livre e independente (...)2 (UK NATIONAL ARCHIVES, 1917)

O acordo de Sykes-Picot não somente mudou a geopolítica, mas, também,

influenciou profundamente a maioria dos acontecimentos futuros da região.

Após o golpe final contra o império turco-otomano, foi estabelecido o mandato

britânico no Iraque que colocou a monarquia Hashemita3 no poder, e definiram os

limites territoriais do Iraque (como mostrado na figura 1), sem levar em consideração

os diferentes grupos étnicos dentro do país (xiitas, curdos, entre outros).

Em 1921, Faisal I foi coroado Rei do Iraque através do apoio e propaganda

britânica, conseguindo 95% de aprovação popular. Foi um grande apoiador do

movimento pan-arabista4 e da inserção de outros grupos étnicos e religiosos no

governo.

2 [Tradução livre] No texto original lê-se: “French intentions in Syria are surely incompatible with the war aims of the Allies as defined to the Russian Government. If the self-determination of nationalities is to be the principle, the interference of France in the selection of advisers by the Arab Government and the suggestion by France of the Emirs to be selected by the Arabs in Mosul, Aleppo, and Damascus would seem utterly incompatible with our ideas of liberating the Arab nation and of establishing a free and independent Arab State”. 3 É uma família real árabe que reinou em Hejaz (1916-1925; atual território da Arábia Saudita), Iraque (1921-1958) e Jordânia (1921-presente). 4 Movimento nacionalista árabe que buscava uma união dos territórios do Iraque, Síria e do Crescente Fértil sob uma única nação árabe.

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Em 1932, o reino do Iraque adquire independência da Inglaterra, pela Liga das

Nações. Em 1933, o Rei Faisal I morre e é substituído por seu filho que continua a

monarquia até 1941, quando houve um golpe de estado suportado pelo regime

nazista. Tal governo pró-nazista durou somente um ano, e o Iraque voltou para os

ingleses, que ocuparam a região até 1947, e restauraram o poder para a família

Hashemita.

Em 1945, o Iraque, juntamente com o Egito, Líbano, Iêmen do Norte, Arábia

Saudita e Transjordânia tornam-se os membros fundadores da Liga dos Estados

Árabes e ela tinha o objetivo principal de

(...) buscar aproximação nas relações entre os estados membros e coordenar suas atividades políticas com foco em aumentar a colaboração entre si, para defender sua independência e sua soberania, e considerar, de forma ampla, os assuntos e interesses dos países árabes5 (PACT OF THE LEAGUE OF ARAB STATES, 1945; p. 1).

Em julho de 1958, um golpe militar socialista liderado por Abd al-Karim Qasim6

derruba a ordem monárquica existente, matando no processo Nuri al-Sa’id (príncipe

herdeiro da coroa) e o Rei Faisal II, assim como toda a família real. Para a surpresa e

jubilo da população, foi estabelecido o nascimento da República do Iraque (DAWISHA,

2009).

O golpe de Qasim prometia uma melhoria de vida para os iraquianos mais

pobres e marginalizados, já que o governo Hashemita incluía apenas a elite sunita

rica na economia e política iraquiana. Apesar de tais reformas nas instituições

governamentais que Qasim tinha realizado, o mesmo não escondia que seu poder era

regido pela força militar (HOLDEN, 2012).

O novo regime semi-socialista nacionalizou a indústria do petróleo e também

decidiu interromper a cooperação com o ocidente, o que gerou insatisfação com os

governos ocidentais, principalmente os EUA. Diante da possibilidade de o Iraque

tornar-se um regime satélite soviético, em 1963 a CIA7 tentou realizar um ‘contragolpe’

contra o novo governo socialista, mas seu sucesso foi parcial, derrubando Qasim do

5 [Tradução livre] No texto original lê-se: “(…) draw closer the relations between member States and co-ordinate their political activities with the aim of realizing a close collaboration between them, to safeguard their independence and sovereignty, and to consider in a general way the affairs and interests of the Arab countries.” 6 O iraquiano Abd al-Karim Qasim (1914-1963) foi um brigadeiro do exército do Iraque de ideologia pan-arabista que realizou o golpe de estado contra a monarquia Hashemita que governava o estado iraquiano na época. 7 Central Intelligence Agency (CIA), principal agencia governamental de inteligência dos EUA.

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poder, mas mantendo a república. Esse evento foi chamado de ‘Revolução do

Ramadan’, e terminou com mais de cinco mil mortos, sendo a maioria membros do

partido socialista (MELARAGNO, OLLUNGA, 2003).

Figura 1 – Mapa político do Iraque

Fonte: http://www.ephotopix.com/iraq_political_map.html

1.1.2 A ascensão e queda de Saddam Hussein

Juntamente com al-Qasim, um dos líderes da revolução de 1958 foi Saddam

Hussein (1937-2006; figura 2), que nesse momento era o secretário geral do partido

Ba’ath. Hussein tornar-se-ia uma figura principal na história política do Iraque.

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A queda da República do Iraque ocorreu em 1968, quando o partido socialista

Ba’ath liderado por Ahmed Hassan al-Bakr8 (que tinha sido um dos principais

conspiradores da Revolução do Ramadan em 1963) realizou outro golpe, mas dessa

vez foi bem sucedido.

Saddam Hussein se esforçou para ganhar a confiança de al-Bakr, e se referia

a ele publicamente como al-Abb al-Qa’id (o Pai Líder). Além disso, ambos vieram da

cidade de Tikrit, um dos principais territórios sunitas do país. Logo, al-Bakr passou a

depender do apoio de Saddam, e ambos criaram laços de confiança.

Bakr raramente contradizia seu conterrâneo e Saddam ganhava cada vez mais

influência sobre seu superior e, pouco tempo depois, Hussein tornou-se o principal

formulador de políticas do país.

Como admirador de Joseph Stalin, Hussein tentou replicar sua prática de

consolidação de poder, através da propaganda e da eliminação de rivais na oposição.

Figura 2 – Saddam Hussein após ser reeleito em 1995

Fonte: http://www.businessinsider.com/heres-what-life-in-iraq-was-like-under-saddam-hussein-2014-7

Sua primeira preocupação foi em domar as forças armadas iraquianas,

melhorando seus salários e promovendo tratamento preferencial a oficiais. Essas

indulgências criaram um sentimento de dependência a Saddam, que era seu objetivo

em primeiro lugar (DAWISHA, 2009). Hussein, em um de seus primeiros

pronunciamentos, disse

8 Ahmed Hassan al-Bakr foi o Primeiro Ministro instaurado após o golpe em 1963. Saddam Hussein era seu primo.

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17

O comando revolucionário ideal deveria dirigir efetivamente todos planejamentos e implementações. Ele não deve permitir o crescimento de qualquer outro poder rival. Deve haver um comando concentrando e dirigindo os departamentos governamentais subsequentes, incluindo as forças armadas. (DAWISHA, 2009; p. 234) 9

Para Hussein, o controle das forças armadas era essencial, tanto que em outra

entrevista ele menciona que “Com os métodos do partido, não há chance para que

alguém que discorda de nós pule em alguns tanques e derrube o governo” (DAWISHA,

2009; p. 234)10, e Saddam agiria através dessas palavras sem pena. Tanto que em

1971, seus principais rivais tinham sido removidos do poder, assim como seus

suportadores nas forças armadas.

Nesse momento, Saddam já possuía quase total controle sobre as forças de

inteligência do país, assim como tinha infiltrado as forças armadas com seus espiões.

Embora Saddam era o número 2, este estava consolidando o poder ao redor de si

mesmo, metodicamente “limpando” as instituições administrativas e de segurança de

competidores e da oposição.

Na segunda metade da década de 1970, Hussein estava seguro que outros

líderes da oposição tinham sido eliminados e que o exército estava domado sob sua

mão e Saddam Hussein já era o líder de facto. Apesar disso, apenas em 1979 que ele

assumiu a maior posição de poder, forçando al-Bakr a deixar o poder.

Nesse meio-tempo, sessenta e seis membros do partido foram sumariamente

indiciados por conspiração. Das sessenta e seis pessoas indiciadas, cinquenta e cinco

foram considerados culpados e vinte e dois foram sentenciados a morte. Não somente

as sentenças foram executadas imediatamente, sem recursos legais, como foram

realizadas pelos próprios colegas dos acusados, todos membros sêniores do partido.

Tanto o julgamento quanto as execuções foram filmadas e entregues a outros

membros do partido. De acordo com Dawisha, isso serviu para propagar a

culpabilidade e demonstrar as consequências da dissidência. Cada vez mais, Saddam

iria realizar “limpezas” no partido como todo e no exército e instituições burocráticas

(DAWISHA, 2009).

9 [Tradução livre] No texto original lê-se: “the ideal revolutionay command should effectively direct all planning and implementation. It must not allow the growth of any other rival center of power. There must be one command pooling and directing the subsequent governmental departments, including the armed forces.” 10 [Tradução livre] No texto original lê-se: “With party methods, (…) there is no chance for anyone who disagrees with us to jump on a couple of tanks and overthrow the government.”

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18

No final de 1979, um novo sistema de governo tinha sido imposto no Iraque,

um regime no qual Saddam Hussein possuía poder total e inquestionável. E na base

desse sistema estava institucionalizado um reino de terror que mantinha toda a

população do país sequestrada pelas vontades e caprichos do “presidente”. Tanto que

o fundador do partido Ba’ath, Michel ‘Aflak escreveu: “Quando somos cruéis com

outros, sabemos que nossa crueldade é feita para trazê-los de volta a seus ‘eus’

verdadeiros, os quais eles são ignorantes” (DAWISHA, 2009; p. 237).

Esse uso da crueldade foi traduzido em uma grande expansão das instituições

de coerção. Serviços de inteligência prosperaram, o número de polícias secretas e

espiões multiplicaram-se e a milícia do partido percorriam as ruas. Em 1980, de acordo

com Kanan Makiya, um quinto dos iraquianos economicamente ativos foram acusados

institucionalmente com alguma forma de violência. Qualquer sinal de divergência com

a polícia do estado resultaria em anos de encarceração e atrocidades (DAWISHA,

2009).

O objetivo desse terror estatal era criar controle político e psicológico sobre a

população, e de criar uma “personalização do poder político” na figura do presidente,

elevando a persona de Saddam Hussein na consciência de todos os cidadãos. De

acordo com Dawisha, a melhor definição desse regime não era estado Ba’athista, mas

sim um Estado Saddanista.

Tal domínio sobre a população é exemplificado em um reporte do congresso

iraquiano em 1982, que

Elogia-se a liderança ética do camarada Saddam Hussein na reconstrução do Partido (...) elogia-se seus sucessos históricos na liderança partidária (...) elogia-se seu decisivo e histórico papel no planejamento e implementação da revolução (...) elogia-se sua rara capacidade e imensa coragem em confrontar as conspirações contra a revolução (...) elogia-se sua capacidade singular para planejar, criar e implementar todos os sucessos proeminentes do partido (...) elogia-se sua liderança criativa ao designar e implementar o plano de desenvolvimento econômico (...) elogia-se seu papel de comando na guerra – em todos aspectos militares, estratégicos, mobilizacionais, políticos e econômicos – de maneira criativa, corajosa e democrática.11 (DAWISHA, 2009; p. 239)

11 [Tradução livre] No texto original lê-se: “Praised the ethical leading role of comrade Saddam Husayn in rebuilding the Party... praised his historic success in leading the party... praised his decisive and historic role in planning and implementing the revolution... praised his rare ability and immense courage in confronting the conspiracies against the revolution… praised his unique capacity to plan, devise and implement all the party’s prominent successes… praised his creative leadership in designing and implementing the economic development plan… praised his commanding role in the war—in all its military, strategic, mobilizational, political, economic and psychological aspects — in a creative, courageous and democratic manner.”.

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Saddam Hussein não ficou conhecido como um ditador violento e belicoso

somente pelo tratamento de sua população. O Iraque de Saddam foi agressor em

duas guerras importantes para o Oriente Médio: A guerra Irã-Iraque (1980-1988) e a

Guerra do Golfo Pérsico (1990-1991), também conhecidas como Primeira Guerra do

Golfo e Segunda Guerra do Golfo, respectivamente.

A primeira guerra do golfo, foi um conflito não somente entre o Irã e o Iraque,

mas sim, um conflito entre o pan-arabismo12 e o pan-islamismo13. Para Paulo Vizentini,

conforme foi avançando, a guerra tornou-se um conflito irracional, e que se manteve

por quase uma década pelas seguintes razões:

(...) interesse dos exportadores de armas, manobras envolvendo a política petrolífera, divisão do mundo muçulmano em benefício de Israel (que aproveitou o conflito para destruir o reator nuclear iraquiano), as necessidades internas de legitimação política e de construção de exércitos modernos e experientes por Khomeini e Saddam Hussein, ao que se ligavam rivalidades históricas entre árabes e persas, muçulmanos sunitas e xiitas (VIZENTINI, 2002; p. 67-68)

A segunda guerra do golfo, foi um conflito importante para o oriente médio,

principalmente porque simbolicamente significou a falência do pan-arabismo (que

estava em decadência desde a década de 1970), pois nunca um país árabe tinha sido

o agressor contra outro país árabe.

Tal guerra durou um ano e foi um fracasso para Saddam, que resultou na

restauração da monarquia Kuwaitiana, assim como fortes sanções econômicas

aplicadas ao Iraque.

Normalmente se diz que o Iraque Ba’ath de Hussein foi um estado secularista

e pan-arabista. Embora essa visão esteja parcialmente certa, Saddam Hussein

utilizou-se do pan-islamismo como uma ferramenta pragmática de propaganda. Pode-

se dizer que houve uma fusão da ideologia ba’athista com o conceito islâmico de

turath14, em quatro formas e em quatro momentos diferentes, cada um com um grau

maior de religiosidade.

Entre 1968 a 1977, foi o momento mais secular do estado ba’athista e era

baseado nos principios da wahda, hurriyya, ishtirakiyya (união, liberdade, socialismo,

respectivamente). Esse aumento do secularismo culminou nas revoltas xiitas de 1977.

12 O pan-arabismo é uma ideologia nacionalista que gira em torno de uma união cultural e política entre países árabes. Um retorno à visão ideal da Arábia como uma nação única. 13 O pan-islamismo é uma ideologia religiosa que se baseia no fortalecimento da ummah (que significa a comunidade islâmica, em sua totalidade) e na união dos povos muçulmanos. 14 Do árabe para “herança”.

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Em resposta as revoltas, Saddam pronunciou-se dizendo: “Nosso partido não é neutro

vis-à-vis ateismo e fé. Pelo contrário! É sempre com fé! Mas não é um partido religioso

e não deve ser”. De acordo com Alianak (2007), Saddam Hussein estava aprendendo.

Ele argumentou que os ba’ath deveriam permitir uma certa liberdade religiosa, mas

que não utilizariam a religião como uma ferramenta política, já que esta causaria uma

desunião entre os árabes e apenas esta apenas auxiliaria o neo-colonialismo

(ALIANAK, 2007).

Esta mensagem se fortaleceu durante a Guerra Irã-Iraque, onde Khomeini (líder

iraniano e grande estimulador do pan-islamismo) fomentava revoltas xiitas contra o

governo secularista, tanto que essa foi uma das causas da guerra. Após o final da

guerra, quando Khomeini admitiu sua derrota e com sua morte em 1989, o partido

Ba’ath volta a abrir concessões ao pan-islamismo.

Em 1993, o Iraque Saddanista foi alvo de brutos embargos econômicos pela

comunidade internacional, tendo sua inflação crescido exponencialmente e o

desemprego aumentou para 50%. Isso devastou a classe média do país e como

resultado a população passou a buscar conforto nas mesquitas. Como um jovem

iraquiano disse: “Nós sentimos que precisamos de ajuda, nós precismos de paz, então

nós rezamos... Todos buscam refúgio em algum lugar... Eu busquei em Deus”

(BARAM, 2011; p. 7).

Nesse momento, o regime Saddanista, anunciou sua Campanha da Fé (por

mais paradoxal que seja) e ela se focava em um fortalecimento das instituições

religiosas no Iraque. Grande parte dos clubes noturnos e discotecas foram fechados,

assim como o consumo público de alcool foi proibido, com pena de até um mês de

prisão.

Foi lançada uma campanha massiva de ensino do Corão e do Hadith15, e o

ensino do Islã tornou-se o foco nacional e doutrina do partido. Em 1994, com o

crescimento do Islã radical, também surgiu a Sharia e o desmembramento e a

marcação de ladrões e criminosos começaram a ficar evidentes (BARAM, 2011).

Em 1991, por ordem de Saddam a frase “Allahu Akbar16” escrita com a caligrafia

do próprio Saddam, foi adicionada entre as três estrelas que representavam o estado

ba’athista.

15 Coleção de narrativas ditas pelo profeta Muhammed, não contidas no Corão. 16 Do árabe para “Allah é o maior”.

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De acordo com Amatzia Baram (2011), a campanha da fé ajudou a transformar

o Iraque em direção a uma islamização mais radical, assim como as mesquitas

ganharam mais poder e influência sobre a população, e indiretamente fortaleceram

grupos terroristas que no futuro desestabilizariam o país.

Em 11 de setembro de 2001, o mundo foi tomado por horror quando a al-Qaeda

de Osama bin Laden atacou os EUA com aviões sequestrados. Isso gerou uma

resposta rápida pelos Estados Unidos, que logo atacou o Afeganistão, que abrigava a

al-Qaeda.

Pouco tempo depois, em março de 2003, os EUA e a Inglaterra, assim como

alguns outros países da região crusaram a fronteira do Kuwait com o Iraque, e com

uma campanha militar esmagadora derrotou o exército iraquiano e em menos de três

semanas ocuparam Bagdá. Esse ato de bravata sinalizou o final de uma era de 35

anos de reinado Saddanista sobre o Iraque. Pouco tempo depois, em dezembro do

mesmo ano, Saddam Hussein foi encontrado e capturado pelas forças americanas.

A razão dessa invasão foi a crença de que Saddam Hussein possuia armas de

destruição em massa e que o governo Ba’ath possuia ligações com grupos terroristas

islâmicos internacionais. Entretanto, a coalisão fracassou em encontrar tais “WMDs17”

e também em encontrar as ligações confiáveis entre Saddan e grupos terroristas. Este

fracasso enfraqueceu a legitimidade da invasão, e logo a opinião pública estaria

contrária a ocupação americana.

Com a queda do governo iraquiano, a coalisão americana obrigou-se a

governar o Iraque diretamente (até 2004). Tanto que em setembro de 2003, o

secretário de estado americano disse em uma entrevista que um “apecto inesperado

da ocupação pós-guerra foi a medida na qual a totalidade da estrutura da sociedade

civil e militar entrou em colapso assim que a guerra terminou, deixando um vasto

problema para as tropas americanas lidarem”18 (DAWISHA, 2009; p. 268).

Adicionando a este problema, a minoria dominante de sunitas que formavam a

elite governante do país desde sua fundação não conseguiam aceitar a perda de seu

poder e status. Esse é um ponto importante, que explica a ascensão de grupos

jihadistas sunitas, e será analisado mais profundamente no capítulo 2.

17 Do inglês para Weapons of Mass Destruction, ou Armas de Destruição em Massa. 18 [Tradução livre] No texto original lê-se: “unanticipated aspect of the post war occupation was the extent to which the entire structure of military and civil society collapsed so completely as the war ended, leaving a vast problem for the American troops to handle.”

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Além disso, as áreas ao norte e oeste de Bagdá (que possuíam muito do

aparato militar e da polícia secreta de Saddam) rapidamente tornaram-se o centro da

resistência contra a ocupação americana. Acrescentando esse problema, era o fluxo

sem fim de jihadistas islâmicos infiltrando-se no Iraque a partir de países vizinhos.

Tais jihadistas tinham objetivos de martirizarem-se com objetivo de causar o máximo

de dano contra os infiéis americanos (DAWISHA, 2009).

Após a queda de Bagdá, a coalisão instituiu o Coalition Provisional Authority19

(CPA), que tinha objetivo de promover a recontrução do Iraque, a instituição da

democracia e o reestabelecimento de um governo iraquiano pró-americano.

Entretanto, as decisões políticas tomadas por Paul Bremer (o embaixador americano,

chefe e administrador do CPA) foram errôneas e irresponsáveis. Em duas semanas

no cargo, Bremer instituiu duas ordens: a dissolução de toda a força militar iraquiana

e o banimento da participação pública de membros do partido Ba’ath (DAWISHA,

2009).

Estas ordens provaram serem problemáticas, afinal, o que significaria retirar

auxilio monetário de milhares de oficiais militares, que antes eram respeitados na

sociedade? Além deles, o que aconteceria com os membros do partido Ba’ath que

agora se encontravam marginalisados, mas que poderiam ser cruciais a reconstrução

do Estado? Lembrando que, tanto os membros do partido ba’ath, assim como os ex-

militares, não tinham um real respeito pela vida humana ou pelos direitos humanos.

É sabido que os primeiros focos de insurgência foram guiadas por ex-membros

do partido Ba’ath e ex-oficiais do exército. E assim que a insurgência se espalhou, ela

tornou-se mais violenta, sofisticada e começou a demonstrar sinais de perícia militar.

Com o aumento dos ataque e da violência dos insurgentes, militares americanos

responderam com maior beligerancia e com uma diminuição no respeito às

sensibilidades e normas culturais iraquianas. Dessa forma, com o aumento da

violência em ambos os lados, ficava cada vez mais difícil para os americanos

conquistar a simpatia da população do país.

Além dos custos de vidas humanas, a deterioração da segurança na região

teve um sério impacto no desenvolvimento socioeconômico do país, tanto que o

conselheiro de Bremer no Iraque, Larry Diamond explanou que a

19 Do inglês para Autoridade Provisória da Coalisão.

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[a insurgência enfraqueceu] a construção pós-guerra a todo momento. Redes elétricas não podiam ser religadas, instalações de pretróleo não podiam ser reparadas, trabalhos de reconstrução não podiam ser comissionados, suprimentos não eram entregues, a sociedade civil não se organizava, e a transição para uma democracia não iria adiante, por culpa da pervasão do terrorismo, da criminalidade e da violência insurgênte.20 (DAWISHA, 2009; p. 269)

Nesse meio-tempo, o CPA instaurou o Iraqi Govenrment Council21 (IGC), que

tinha como objetivo auxiliar o governo da coalisão na tomada de decisão. Bremer

decidiu que os membros do IGC deveriam refletir a composição étnico-sectária do

país (como mostrado na figura 3). Enquanto essa decisão foi inicialmente aplaudida

por dar representatividade a grupos que antes não a possuíam, isto formularia as

bases para a institucionalização da divisão étnico-sectária no corpo político futuro do

país.

Figura 3 – Mapa étnico-sectário do Iraque

Fonte: http://news.bbc.co.uk/2/hi/middle_east/4525412.stm

Logo, Bremer e o IGC criaram um comitê que instituiu uma constituição

temporária, a Transitional Admnistrative Law22 (TAL), em março de 2004; e a ela

instituia que deveria haver eleições no Iraque o quanto antes. No início de junho, o

20 [Tradução livre] No texto original lê-se: “postwar construction at every turn. Electricity grids could not be revived, oil facilities could not be repaired, reconstruction jobs could not be commissioned, supplies could not be delivered, civil society could not organize, and a transition to democracy could not move forward because of the pervasive terrorist, criminal and insurgent violence.” 21 Do inglês para Conselho de Governança Iraquiano. 22 Do inglês para Lei Administrativa Transicional.

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IGC foi desfeito e cria-se um governo sob o primeiro ministro Ayad ‘Allawi, um ex-

oficial ba’ath que criou uma organização anti-Saddam na década de 1990, em

Londres. E em 28 de junho de 2004, Paul Bremer deixa o Iraque e dá-se o fim da era

do CPA (DAWISHA, 2009).

O novo governo estava em dificuldades, já que a região a oeste de Bagdá, na

provincia de al-Anbar, a cidade de Faluja tinha se tornado o centro da insurgência

sunita e o quartel-general de jihadistas extrangeiros.

O novo governo obteve sucesso em expulsar os jihadistas de Faluja, entretanto

as tensões étnico-sectárias estavam aumentando. Enquanto os xiitas e curdos

queriam que as eleições fossem realisadas o quanto antes, os sunitas estavam

postergando as mesmas, já que estavam em menor número. E quando a estratégia

de postergação dos sunitas não deu certo, eles começaram a promover um boicote

contra a eleição.

Então, em janeiro de 2005, houveram as eleições para a Assembléia Nacional.

O maior partido, United Iraqi Alliance23, que constituia diversos grupos xiitas,

receberam 140 assentos. O segundo maior partido, Kurdistan Alliance24, conseguiu

75 assentos. O partido do primeiro-ministro ‘Allawi conseguiu 40 assentos, e outros

nove partidos menores receberam o restante dos 20 assentos (DAWISHA, 2009).

A United Iraqi Alliance ao receber a maioria dos votos, decidiu não forçar

decisões sectaristas já que isso somente aumentaria a divisão entre a população.

Contrária a United Iraqi Alliance, a Kurdistan Alliance (que conseguiu o segundo maior

número de votos) decidiu reforçar sua posição, aumentando o poder do Kurdistan

Regional Government e garantindo a criação de um exército curdo, as forças armadas

Peshmerga. Esse exército tornou-se o principal opositor das insurgências rebeldes e

de grupos terroristas como a al-Qaeda e o Estado Islâmico de dominarem a região.

Cerca de 75% da população sunita do Iraque resolveu optar pela opção sectária

(boicote) e, consequentemente, esse grupo recebeu apenas 17 assentos dos 275 na

Assembléia Nacional. Como mencionado anteriormente, essa divisão étnico-sectária

desigual (sunni disfranchisement25) tornaria-se uma das principais causas da

ascenção do ISIS, de acordo com diversos analistas de segurança internacional.

23 Do inglês para Aliança Unida Iraquiana. 24 Do inglês para Aliança do Curdistão. 25 Do Inglês para “privação de direitos sunitas”.

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1.2 Jamaat al-Tawhid wal-Jihad

O Estado Islâmico tem sua origem em um obscuro grupo, chamado “Jamaat al-

Tawhid wal-Jihad26” (JTJ), liderado pelo jordaniano Abu Musab al-Zarqawi. O JTJ foi

uma organização militante jihadista criada na Jordânia em 1999. Sabe-se que al-

Zarqawi e o antigo líder da al-Qaeda (AQ), Osama bin Laden, tiveram contato após a

invasão soviética ao Afeganistão (ZELIN, 2014).

De acordo com Gambill (2004), al-Zarqawi eclipsou bin Laden como inimigo

número um durante a guerra ao terror no Iraque, embora fosse

(...) menos capaz que bin Laden em quase todos os sentidos, Zarqawi ascendeu para se tornar o ‘emir27’ de grupos terroristas islâmicos no Iraque, principalmente por sua perícia em networking com outras organizações. Por mais que talvez não seja o grande mentor terrorista que a mídia demonstra, Zarqawi foi responsável por forjar as linhas básicas de uma estratégia que ‘descarrilhou’ a transição política iraquiana pós-guerra.28 (GAMBILL, 2004; p. 1)

Zarqawi (figura 4) nasceu com o nome de Ahmad Fadil Nazal al-Khalaylah, em

outubro de 1966, de uma família modesta na cidade de Zarqa, na Jordânia, há 16

milhas noroeste de Amman. Contrariando as notícias, Zarqawi não é descendente de

palestinos; o clã Khalaylah pertencia a tribo beduína Bani Hassan que era leal a família

real jordaniana Hashemita. O pai de Zarqawi foi o líder tribal local e morreu em 1984,

deixando uma pequena pensão para sua esposa e suas seis filhas e quatro filhos

(GAMBILL, 2004).

Após a morte de seu pai, Zarqawi ficou devastado e aos dezessete anos o

mesmo abandonou a escola e decaiu ao abuso de álcool, drogas e a violência nas

ruas de Zarqa. Logo teve que fugir das autoridades e foi preso por porte de drogas e

violência sexual. Ironicamente, foram suas atividades criminais que o levaram a ter

contato com outros muçulmanos marginalizados em um campo de refugiados

palestino, onde ele foi exposto ao salafismo radical. Lá, ele logo foi influenciado pela

26 Jihad: “Significa literalmente, “esforço” ou “luta”, mas tal esforço pode, após séculos de mudanças religiosas, políticas e sociais, significar qualquer coisa, desde a reza individual até ações sociais que levam à guerra. Esta última interpretação, “guerra santa”, é, obviamente, uma doutrina compartilhada e mutualmente reforçada pelo cristianismo e judaísmo.” (HALLIDAY, 2005) 27 Emir: Título dado a vários líderes árabes. 28 [Tradução livre] No texto original lê-se: “Less gifted than bin Laden in nearly every way, Zarqawi rose to become the "emir" of radical Islamist terror groups in Iraq largely on the strength of his networking skills. While probably not the terrorist mastermind he is often made out to be, Zarqawi is responsible for forging the broad outlines of a seemingly effective terrorist strategy for derailing Iraq's postwar political transition.

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ideologia e abandonou as drogas e álcool. Após ser liberto, adquiriu um posto clerical

em seu município, onde se casou com uma de suas primas.

Figura 4 – Abu Musab al-Zarqawi

Fonte: http://www.cbsnews.com/news/rebels-top-iraq-terrorist-dead/

Anos depois, em 1989, após as tropas soviéticas abandonarem o Afeganistão,

o mesmo abandonou sua família e foi a Kabul, onde desejava testemunhar o

estabelecimento do primeiro Estado Islâmico Sunita. Entretanto, o que presenciou

foram os mujahideen29 fragmentarem-se em grupos tribais e étnicos, incapazes de

realizar o coup de grace no governo secular soviético, instalado três anos antes.

Supõe-se que Zarqawi participou de alguns ataques, mas ele trabalhou principalmente

em uma revista radical islâmica durante esse período (GAMBILL, 2004).

Em 1991, ele passou grande parte de seu tempo em Peshawar, no Paquistão,

cidade que era um centro de voluntários árabes indo para o Afeganistão, mas que

nesse momento estava repleto de combatentes desiludidos, debatendo o que fazer a

seguir. Foi ali que Zarqawi encontrou o Xeique Abu Muhammad al-Maqdisi30 (também

conhecido como Issam al-Barqawi), personagem que o influenciou profundamente

(GAMBILL, 2004).

Juntos estabeleceram uma rede chamada Bayat al-Imman, que tinha o

propósito de organizar guerreiros veteranos afegãos e jordanianos. Após a queda de

Kabul em 1992, os líderes mujahideen voltaram-se contra si, e Zarqawi e Maqdisi

voltaram para a Jordânia para prepararem-se para uma jihad próximo de casa.

29 Guerrilheiros muçulmanos, especificamente aqueles que lutam contra forças não-islâmicas. 30 O jordaniano-palestino Abu Muhammad al-Maqdisi é considerado um dos mais importantes idealistas da jihad vivo, e é independente de grupos terroristas (MCCANTS, 2006).

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27

Quando voltou ao seu país de origem, ele começou a condenar publicamente

o governo e denunciar os clérigos que o suportavam, além de estocar munição,

armamentos e explosivos em sua própria casa, o que Gambill (2004) demonstra que

não foi uma boa ideia. Em 1994, forças de segurança invadiram sua casa e

descobriram seu armamento e Zarqawi foi levado preso. Zarqawi foi levado a corte

por fazer parte de uma organização ilegal e por porte de armas, o que talvez não seja

tão grave se ele tivesse sido respeitoso com os juízes, o que ele não foi. Ele foi

novamente sentenciado a prisão e trabalho forçado por quinze anos. Logo, Maqdisi

se juntou a ele.

Na prisão, Zarqawi serviu como executor e braço direito de Maqdisi, que pouco

depois tornou-se o líder espiritual dos outros prisioneiros. Entretanto, a posição mais

agressiva de Zarqawi gerou problemas entre os dois, e o pupilo ganhou mais poder

que o clérigo. De acordo com Kirdar (2011), a posição de liderança agressiva de

Zarqawi e seu carisma adquiriram um apelo quase hipnótico sobre seus seguidores.

Ele ficou aprisionado até 1999, quando o rei Abdullah II sobe ao poder e decreta

a anistia geral de prisioneiros. Logo após sua saída da prisão, Zarqawi foi apresentado

a Seif al-Adel, um dos chefes de segurança da al-Qaeda, e, impressionado com suas

motivações e carisma, este tornou-se o contato entre a Bayat al-Imman e al-Qaeda

(KIRDAR, 2011).

Meses após sua libertação, Zarqawi abandonou a Jordânia e voltou ao

Afeganistão, onde teve seu primeiro contato com Osama bin Laden, em Kandahar.

Nesse momento sua organização mudou de nome para Jamaat al-Tawhid wal-Jihad,

e abandonou o foco na derrubada da monarquia jordaniana, em parte porque seus

operativos demonstravam interesse muito maior em atacar judeus e europeus

(GAMBILL, 2004).

Em Herat no Afeganistão (figura 5), Zarqawi desejava ter seu próprio campo de

treinamento, utilizando-se dos seguidores libertos da prisão que estava. Zarqawi não

possuía os mesmos recursos que bin Laden, portanto, este o concedeu uma modesta

quantia de dinheiro ($5,000 dólares, de acordo com Kirdar) para que se estabelecesse

(através de Adel). Entretanto, de acordo com Zelin (2011), al-Zarqawi localizava-se

longe das bases de bin Laden e possuía uma agenda distinta da al-Qaeda. É sabido

que Osama tentou cooptar Zarqawi através de uma bay’ah31, mas foi recusado

31 Juramento islâmico de lealdade a um líder religioso (BURCKHARDT, 2008; p. 7).

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28

repetidamente. Durante esse tempo, é suposto que JTJ possuía entre 2,000 a 3,000

membros, sendo a maioria deles do Levante sírio (KIRDAR, 2011).

Figura 5 – Mapa de Herat, no Afeganistão

Fonte: http://www.npr.org/2010/11/18/131421485/even-in-calm-corner-of-afghanistan-future-is-murky

A escolha de manter uma base em Herat foi significante, pois permitia-o

atravessar as fronteiras através de um sofisticado sistema ferroviário subterrâneo que

ligava o campo em Herat à cidade iraniana Mashhad, ao leste. Mas em 2002, dois

terroristas da JTJ foram capturados tentando entrar na Alemanha, e pouco depois teve

que se realocar para o Iraque (GAMBILL 2004).

Zarqawi possuía uma ideologia conflitante com bin Laden, já que ele acreditava

que a legitimidade da liderança da organização deveria ser baseada em vitórias nos

frontes de batalha, e não nos bastidores. E isso o pôs novamente em conflito com seu

mentor espiritual, al-Maqdisi.

No final da década de 90 e início dos anos 2000, o objetivo da al-Qaeda era

realizar uma proxy war32 no Cáucaso, em uma tentativa de liberar o que eles

acreditavam ser território muçulmano. Já a JTJ buscava liberar a Jordânia de sua

monarquia, esperando que o resto do Levante os seguisse. Embora, com o passar do

tempo, os objetivos de ambas organizações mudaram (ZELIN, 2011).

Nos anos que sucederam a invasão americana ao Afeganistão, em 2001, há

relatos de que Zarqawi esteve no Irã, Iraque e Síria buscando novos jihadistas para

seu grupo, ativamente evitando países em que a coalisão da OTAN estava sendo mais

ativa, como o Afeganistão (CORERA, 2005).

32 Proxy War é uma guerra instigada por atores externos, onde os próprios não participam diretamente (CRAIG, 2010).

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29

De acordo com Kirdar (2011), Adel encorajou Zarqawi a ir ao norte do Iraque,

no Curdistão, onde encontrou-se com o Ansar al-Islam, grupo terrorista que manteve

laços estreitos. Nesse meio tempo, Adel continuou mantendo o fluxo de terroristas da

Síria ao Iraque.

A JTJ tornou-se o principal canal de tráfico de armas e de terroristas

estrangeiros para o Iraque e região, talvez pela antecipação da invasão norte-

americana. Neste momento, nas palavras de Kirdar (2011; p. 3), Abu Musab al-

Zarqawi “(...) tornou-se o real emir dos terroristas islâmicos no Iraque”.

Antes da invasão americana ao Iraque, em coordenação com a al-Qaeda

central, Zarqawi começou a mobilizar suas forças e capital, montando redes de

inteligência, bases, safe houses, armamentos; efetivamente preparando uma

armadilha para as forças invasoras. Nesse momento ele delineou uma estratégia em

quatro pontos (KIRDAR, 2011; GAMBILL, 2004).

O primeiro ponto era pressionar outros atores internacionais a abandonar seu

suporte a invasão americana ao Iraque. Isso foi feito através do atentado com um

caminhão-bomba que explodiu o Canal Hotel, que foi a base de operações das

Nações Unidas em Bagdá, em outubro de 2003; matou vinte e duas pessoas, incluindo

o representante-chefe da missão no país, o brasileiro Sérgio Vieira de Mello, e feriu

mais de cem.

Este ataque efetivamente retirou as forças terrestres da ONU no Iraque. Os

outros alvos foram a embaixada jordaniana em Bagdá e a base da força paramilitar

italiana em Nasiriyah.

A segunda parte de sua estratégia foi montada para impedir que iraquianos

apoiassem a transição de governo americana. Assim, ele direcionou seus ataques

para delegacias de polícia e centros de recrutamento, matando centenas de pessoas,

incluindo vários políticos iraquianos.

A terceira parte foi obstruir a reconstrução iraquiana, através do sequestro e

decapitação de construtores civis, trabalhadores humanitários e outros estrangeiros;

distribuindo os vídeos das execuções na internet. Foi a JTJ que começou com esse

tipo de terrorismo, com a decapitação do construtor americano Nicholas Berg, ato

realizado pelo próprio Zarqawi, como retaliação ao vídeo de Abu Ghraib33, que

33 A prisão de Abu Ghraib, também conhecida como Prisão Central de Bagdá, foi um centro correcional no Iraque, fechado em 2014 por abuso de prisioneiros e violação dos direitos humanos.

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30

mostrava a tortura e abuso de iraquianos pelo exército americano. Além de Berg, o

grupo terrorista assassinou outras 10 pessoas subsequentemente.

A quarta parte identificada de sua estratégia, foi uma série de atentados a

bombas às mesquitas xiitas, que mataram centenas de pessoas. Os ataques não

visavam punir ou deter, eram deliberadamente indiscriminados. Em uma carta para

bin Laden, Zarqawi explica seu objetivo

Alvejando e atacando seus símbolos religiosos, políticos e militares, iremos fazer com que eles mostrem sua raiva contra sunitas e sua vontade de vingança. Se formos bem sucedidos em arrastá-los à uma guerra sectária, isso irá acordar os sunitas adormecidos que estão preocupados com a destruição e morte.34 (GAMBILL, 2004; p. 1)

Essa ideologia sectarista tornou-se uma das táticas mais importantes, e

usadas, para aquisição de cidades e de maior território pelo Estado Islâmico, como

será explicado no capítulo 2.

Em outro pronunciamento, este explicitamente religioso, Zarqawi fala que

Nós lutaremos pela causa de Deus até que Sua sharia prevaleça. O primeiro passo será expulsar o inimigo e estabelecer o Estado do Islã. Após, iremos buscar reconquistar os reinos muçulmanos e restaurar a nação islâmica... Eu juro a Deus que mesmo que os americanos não tivessem invadido nossas terras junto com os judeus, os muçulmanos ainda teriam que realizar a jihad e lutar contra o inimigo, até que somente a sharia de Deus todo-poderoso prevaleça ao redor do mundo... Nosso projeto político é expulsar esse inimigo saqueador. Esse é o primeiro passo. Após nosso objetivo é espalhar a sharia de Deus ao redor do globo...35 (HASHIM, 2014; p. 4)

Com isso, Zarqawi e a JTJ começou a tornar-se conhecido, através de

decapitações e atentados com carros bombas contra minorias xiitas e sunitas que o

opuseram. Dentre as casualidades entre os xiitas, estava Sayyid Muhammad al-Hakin

um proeminente líder religioso da cidade santa de Najaf (KIRDAR, 2011). Como

resultado dessa campanha, houve um influxo de jihadistas em seu grupo (ZELIN,

2011).

34 [Tradução livre] No texto original lê-se: “Targeting and striking their religious, political, and military symbols, will make them show their rage against the Sunnis and bear their inner vengeance. If we succeed in dragging them into a sectarian war, this will awaken the sleepy Sunnis who are fearful of destruction and death." 35 [Tradução livre] No texto original lê-se: We will fight in the cause of God until His shari’ah prevails. The first step is to expel the enemy and establish the state of Islam. We would then go forth to reconquer the Muslim lands and restore them to the Muslim nation…I swear by God that even if the Americans had not invaded our lands together with the Jews, the Muslims would still be required not to refrain from jihad but go forth and seek the enemy until only God Almighty’s shari’ah prevailed everywhere in the world…Our political project is to expel this marauding enemy. This is the first step. Afterwards our goal is to establish God’s shari’ah all over the globe…

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31

Enquanto os métodos brutais de Zarqawi apelaram para muitos sunitas

radicais, eles passaram a levantar uma controversa bastante considerável no mundo

islâmico. Líderes de grupos de insurgência menores reclamavam da brutalidade,

argumentando que isso diminuía a simpatia internacional por sua causa. A Associação

de Muçulmanos no Iraque condenou repetidamente as atrocidades cometidas contra

reféns estrangeiros como violação da lei islâmica (GAMBILL, 2004; p. 1).

A defesa de Zarqawi era de que o profeta Maomé ordenou a morte dos

prisioneiros da Batalha de Badr (que aconteceu no século VII), mas esse argumento

não conseguiu convencer os clérigos islâmicos. O famoso clérigo egípcio Yusuf al-

Qaradawi, comparou Zarqawi com os antigos Kharijitas “que rezam e jejuam o tempo

todo... Mas leem o Corão, sem compreendê-lo”36 (GAMBILL, 2004; p. 1).

O genocídio de xiitas que a JTJ empreendia confundia muitos observadores, já

que Zarqawi era suspeito de ter laços com a inteligência iraniana, embora seu porta-

voz tenha sido dito que na verdade essas atrocidades tinham sido cometidas pela

inteligência israelita (GAMBILL, 2004).

Em maio de 2003, a Coalition Provisional Authority37 (CPA) instaurou a CPA

Order Nº 1, que barrava membros do partido Ba’ath de assumirem cargos

governamentais; e a CPA Order Nº 2, que debanda o exército iraquiano (250,000

pessoas). A ordem Número Dois fez com que muitos militares (agora desempregados)

se juntassem e formaram o centro da insurgência iraquiana (KIRDAR, 2011).

Essa base de insurgentes aumentou ainda mais pelo chamado de líderes

muçulmanos ao redor do mundo para viajarem ao Iraque e se engajassem em uma

“jihad defensiva”. Até mesmo parte do regime Baath (que reprimia o extremismo

religioso) estavam encorajando e facilitando esse fluxo de guerrilheiros. Há uma certa

legitimidade nesta jihad defensiva, afinal, é um pedido para que muçulmanos

defendam seu território da invasão ilegal americana (já que ela não tinha sido

aprovada pelo Conselho de Segurança da ONU).

Encorajados pela vontade da Força Multinacional38 na negociação de um

cessar fogo, após a primeira batalha de Faluja em junho de 2004; os líderes islâmicos

36 [Tradução livre] No texto original lê-se: "who used to pray and fast all the time... but read the Qur'an without understanding it." 37 A Coalition Provisional Authority, ou CPA, foi o governo de transição instaurado pela Força Multinacional (MNF; composta pelos EUA, Reino Unido, Austrália e Polônia), com objetivo de derrubar o governo de Saddam Hussein no Iraque. 38 Ou MNF (Multi National Force), era o comando militar da Invasão do Iraque de 2003.

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32

radicais começaram a impor um “reino teocrático de terror”, distribuindo panfletos que

demandavam total submissão com seus decretos e listavam nomes de colaboradores

marcados para execução (KIRDAR, 2011).

De acordo com Kirdar (2011) naquele mês, em uma cerimônia feita em Fallujah,

os mujahideen locais juraram lealdade a Zarqawi, o emir do “Califado Islâmico em Al-

Fallujah”.

Com o aumento de sua influência a JTJ passou a tornar-se um dos principais

grupos terroristas do Iraque, e começou a ameaçar a posição da al-Qaeda na região.

Dessa forma, após oito meses de negociações com bin Laden, em outubro de 2004,

Zarqawi juramentou a bay’ah e renomeou sua organização para Tanzim Qaidat al-

Jihad fi Bilad al-Rafidayn39, também conhecida como al-Qaeda na Terra dos Dois Rios

(ou al-Qaeda no Iraque; AQI).

1.3 Al-Qaeda no Iraque

No Iraque, e agora em comando da al-Qaeda no Iraque e com maior quantidade

de recursos, assim como controle do fluxo de guerrilheiros jihadistas, Zarqawi ganhou

maior confiança de células terroristas. Isso foi importante, pois, a AQI controlava

grande parte dessas redes terroristas informais, e a próxima geração de terroristas

dependiam de tal confiança.

De acordo com Zelin (2014, p. 3; apud FISHMAN, Brian), a maior diferença

ideológica entre bin Laden e Zarqawi era em respeito à ummah40, onde o primeiro

acreditava que os problemas vinham de organizações seculares e elas deveriam ser

mudadas, enquanto o posterior acreditava que que o único modo de salvar a ummah

era através da limpeza de heresias (que Zarqawi acreditava ser o xiismo, o

secularismo e outras formas de islamismo que não fosse sunita ou salafita, além do

cristianismo, judaísmo, etc.).

Para o porta-voz oficial da AQI, Abu Maysara al-Iraqi, os objetivos da

organização eram

I. Remover os agressores do Iraque;

II. Afirmar o Tawhid, a unidade de Deus entre muçulmanos;

39 Do árabe para “Organização Base da Jihad no Iraque”. 40 Paradigma conceitual de uma comunidade islâmica global. (HALLIDAY, 2005; p. 216)

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33

III. Propagar a mensagem que “não há deus além de Deus” a todos os

países onde o Islã não está presente;

IV. Promover a Jihad para liberar os territórios de infiéis e heréticos;

V. Lutar contra o taghut41 em países islâmicos;

VI. Estabelecer um Califado, no qual a sharia é a lei suprema, da mesma

forma que o profeta Maomé o fez;

VII. Propagar o monoteísmo na Terra, limpando-a do politeísmo,

governando-a de acordo com as leis de Deus. (HASHIM, 2014)

Nesse período, houve um aumento notável em ataques contra alvos xiitas por

terroristas sunitas, de forma que, após a derrota que os insurgentes sofreram na

segunda batalha de Fallujah em novembro de 2004, aumentou as tensões sectárias,

como era o objetivo da JTJ. Em um pronunciamento, Zarqawi falou que “A batalha de

Fallujah removeu a máscara horrenda dos malditos Rafidha42, cujo ódio [contra

sunitas] se manifestou na batalha” (KIRDAR, 2011).

Figura 8 – Territórios dominados pela al-Qaeda no Iraque em dezembro de 2006.

Fonte: http://www.dailykos.com/story/2014/10/04/1334294/-Three-maps-that-explain-Iraqi-s-dilemma

41 Termo árabe para se referir ao ato de rebeldia ou de cruzar os limites. Na terminologia islâmica refere-se ao idolatrar outro Deus além de Alá. 42 Termo depreciativo usado por sunitas extremistas, ao se referir aos xiitas.

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34

A divisão sectária também se manifestou nas eleições de 30 de janeiro de 2005,

que culminou em um boicote sunita da mesma. No futuro, tal boicote foi um “erro de

proporções históricas”, como muitos sunitas admitiram.

Entretanto, a frustação com os métodos de Zarqawi aumentava, de forma que

em 2005, o Xeique Atiyat Allah Abd al-Rahman al-Libi e o líder interino da al-Qaeda,

Ayman al-Zawahiri, em duas cartas aconselhavam que Zarqawi deveria diminuir a

violência e a aplicação pesada e agressiva da sharia43, argumentando que esta estaria

alienando sunitas e prejudicando seus objetivos a longo prazo. Zawahiri o lembrou

“que nós estamos em guerra, e que mais da metade dela está sendo lutada através

da mídia” (ZELIN, 2014, p. 2; KIRDAR, 2011, p.4). No decorrer desse ano, e no ano

seguinte, a AQI estabeleceu domínio sobre um grande território, como mostrado na

figura 8.

Em novembro de 2005, o desgosto contra Zarqawi e seu grupo chegou no nível

máximo, após a AQI coordenar três ataques contra três hotéis em Amman, na

Jordânia, que matou 60 pessoas, onde a maior parte deles era muçulmanos

participando de uma festa de casamento. Após o atentado, mais de 100,000

jordanianos foram às ruas entoando “Zarqawi, seu covarde, o que o trouxe aqui?”

(KIRDAR, 2011).

A repercussão foi tamanha, que para diminuir a visibilidade negativa que a AQI

estava recebendo, o grupo tornou-se subordinado a uma organização guarda-chuva,

chamada Mujahideen Shura Council (MSC), formada em conjunto com outros cinco

grupos terroristas, liderados por um conselho dos líderes de cada, sendo que Zarqawi

foi excluído.

Apesar da tentativa de retomar a liderança de sua organização, Zarqawi

manteve teve sua influência diminuída, até sua morte em 2006 por um ataque aéreo

americano.

1.4 Mujahideen Shura Council

O Mujahideen Shura Council (MSC), foi uma organização guarda-chuva

composta por seis grupos insurgentes radicais islâmicos, criada com objetivo de tomar

para si a autoridade política do Iraque, caso os EUA e seus aliados se retirassem do

43 Sharia: Sistema legal islâmico, derivado dos preceitos religiosos contidos no Corão e no Hadith.

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35

país (FISHMAN, 2011). Além disso, a pedido de Zawahiri, o grupo deveria ser liderado

por um iraquiano.

De acordo com Sookhdeo (2007, p. 83), a organização era composta pelos

seguintes grupos:

al-Qaeda no Iraque, liderado por Abu Ayyub al-Masri (após a exclusão de

Zarqawi);

Jaish al-Ta'ifa al-Mansurah ou Army of the Victorious Sect, liderado pelo xeique

Abu Omar al-Ansari;

Ansar al-Tawhid Brigade;

Islamic Jihad Brigades;

Strangers Brigades;

Calamites Brigades;

E posteriormente houve a entrada de Jaish Ahlul Sunna wal-Jama‘a.

A liderança geral do conjunto de grupos foi dada Abu Omar al-Bahgdadi,

enquanto o atual líder do ISIS, Abu Bakr al-Bahgdadi era responsável pelo comitê da

Shariah (TOMÉ, 2015).

Entretanto, como Hashim (2014) explica, o MSC falhou em dois níveis distintos:

1) Muitos dos insurgentes iraquianos locais não estavam interessados na ideologia

expansiva da al-Qaeda, eles estavam focados em, simplesmente, retirar os

invasores de seu país;

2) A tentativa da MSC de recrutamento de sunitas nacionalistas e seculares foi

seriamente prejudicado pelas táticas violentas usadas contra civis pelo grupo de

Zawarqi, a AQI, em sua busca para implementar sua visão deturpada do Islã.

A incapacidade de recrutamento e seu histórico de violência contra árabes

sunitas levaram o MSC e a al-Qaeda a uma divisão cada vez mais evidente. Nesse

momento, outra figura proeminente ascendeu como líder da al-Qaeda no Iraque (que

estava se distanciando da al-Qaeda original), o egípcio Abu Ayyub al-Masri, que após

se tornaria um dos principais fundadores do ISIS, juntamente com Abu Omar al-

Baghdadi e, posteriormente, Abu Bakr al-Baghdadi.

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36

2. O ESTADO ISLÂMICO MODERNO

O fracasso do Mujahideen Shura Council (MSC) em 2006 de manter os grupos

sunitas insurgentes sob sua bandeira ideológica, e o ataque aéreo realizado pela

coalizão americana que matou Abu Musab al-Zarqawi (o líder anterior da al-Qaeda no

Iraque) em junho do mesmo ano foram fortes golpes contra a organização, adicionado

às dificuldades em adquirir apoio popular e o desejo da AQI de instaurar um governo

similar ao do Taliban44, isto demonstrou para a liderança do grupo uma necessidade

maior de uma reforma interna (KIRDAR, 2011).

Após a morte de Zarqawi, a organização estrutural do MSC e da AQI foram

reformadas e tornaram-se mais burocráticas e institucionalizadas, embora nesse

momento o grupo ainda tinha forma de uma organização terrorista, portanto tal

reforma tinha características mais cosméticas do que reais. Entretanto, foi nesse

interim que começou-se a pensar em state-building45.

Dessa forma, Abu Omar al-Baghdadi tornou-se o líder do MSC e o egípcio Abu

Ayyub al-Masri foi escolhido para liderar a AQI. Sob a liderança de al-Masri, a AQI

logo saiu de seu momento de instabilidade, consolidando sua posição e ganhando

mais confiança. Crucialmente, al-Masri nunca prometeu lealdade à al-Qaeda Central.

Em contraste, alguns meses depois, quando o MSC mudou seu nome para Estado

Islâmico do Iraque (ISI), al-Masri imediatamente jurou lealdade a Abu Omar al-

Bagdadi, através de uma baya.

É importante ressaltar, tanto sob a liderança de Zarqawi, quanto sob al-Masri,

a AQI estava longe de ser obediente das ordens da al-Qaeda Central (AQC). Tais

ordens eram frequentemente ignoradas, principalmente no que se refere a campanha

anti-xiita que Zarqawi tinha começado, que a AQC era contrária. Além disso, a AQC

não reconheceu o início dessa divisão entre os grupos, tanto que a mesma ainda

44 O Taliban foi uma organização sunita insurgente, composta por líderes religiosos e intelectuais islâmicos que lutaram contra a invasão soviética do Afeganistão em 1989. Em 1994, o Taliban formou a República Islâmica do Afeganistão e utilizava-se do wahabismo e da sharia como ideologias principais. O regime tornou-se conhecido ao proteger membros da al-Qaeda, como Osama bin Laden; e em 2001, após o ataque às Torres Gêmeas, os EUA depuseram o regime, e, em 2002 instauraram um governo provisório chamado Afghan Transitional Government (Taliban." In The Oxford Dictionary of Islam. Ed. John L. Esposito. Oxford Islamic Studies Online.) http://www.oxfordislamicstudies.com/article/opr/t125/e2325 45 State-building (do inglês para construção de estado) é caracterizado pela “emergência de pessoal especializado, controle sobre o território consolidado, lealdade, durabilidade e permanência de instituições, com um estado autônomo que possuí controle sobre o monopólio da violência sobre uma determinada população” (TILLY, 1975; p. 70).

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37

acreditava que mantinha sua autoridade sobre a organização, e que ela estava sendo

somente desobediente ou que suas mensagens não estavam chegando à liderança

do MSC e da AQI (FEAKIN, WILKINSON, 2015).

Entretanto, apesar dessa aparente mudança de foco, foi entre o ano de 2006 e

2007 que houve o maior número de casualidades civis durante toda a década,

chegando ao auge em julho de 2006 onde 3298 civis iraquianos mortos (figura 9).

Figura 9 – Morte de civis iraquianos de março de 2003 a julho de 2010.

Fonte: BBC News46

2.1. O Despertar de al-Anbar

No final de 2006, um fenômeno incomum aconteceu na província de al-Anbar

no oeste do Iraque (ver figura 1), onde devido as políticas terroristas e sectárias da

AQI, os xeiques e líderes tribais da região se aliaram à coalisão americana para

derrotar os jihadistas. Esse movimento se chamou “Sahwa”, ou “Despertar”, e no seu

auge uniu cerca de 100 mil militantes contrários a AQI. E isso aconteceu no coração

do jihadismo iraquiano.

Enquanto a AQI aumentava seu posto e sua influência na capital da província

de al-Anbar, Ramadi, e apesar dos líderes e xeiques inicialmente aceitarem as

políticas anti-xiitas aplicadas pela organização, durante o passar do ano de 2006, as

relações entre as tribos locais sunitas e jihadistas tornaram-se cada vez mais

conflitantes (PHILLIPS, 2009).

Três fatores foram importantes para essa cisão e para o aumento do

descontentamento e da violência dos militantes de al-Anbar contra a AQI. Foram eles:

46 Disponível em: http://www.bbc.com/news/world-middle-east-11107739 Acessado em: 11/10/2015.

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38

1) O interesse dos grupos jihadistas em se mesclarem à sociedade local, casando

seus membros com famílias proeminentes da região. Enquanto essa é uma prática

comum de jihadistas para adaptarem-se à sociedade local, nesse caso, tal prática foi

contraprodutiva, pois as tradições familiares locais não permitiam o casamento com

pessoas de fora das tribos. Tal ação era um tabu cultural, e gerou muita resistência

na região.

2) Outro motivo foi que a AQI tentou forçar e coergir o mercado negro e criminal

da região, que era uma fonte de lucro para algumas tribos. Isso gerou um forte

incentivo materialista para o conflito contra os jihadistas, já que muitas tribos

utilizavam-se do tráfico e bandidagem para se enriquecer, e a tentativa da AQI de

usurpar esse mercado criminal aumentou a tensão na região.

3) A terceira razão tida para o conflito foi a tentativa de imposição da agenda social

e política da AQI. As imposições salafistas puritanas de cunho moral, religioso e

ideológico, como a quebra de dedos para fumantes e o assassinato de mulheres que

recusavam-se de vestir o niqab47, e a proibição de práticas religiosas que o grupo

definia como não-islâmicas (como a veneração de tumbas e mausoléus). Além disso,

a tentativa da AQI de obrigar os líderes tribais a se conformarem com as regras

salafistas alienaram ainda mais a população local (PHILLIPS, 2009).

Estas razões, juntamente com o atentado a bomba contra a mesquita de al-

Askari48 na cidade de Samarra no Iraque, tinham objetivo de inflamar um maior

sectarismo na região. Tanto que, em agosto de 2006, o presidente americano George

W. Bush afirma que “(...) ficou muito claro – ao menos as evidencias indicam – que o

ataque a bombas ao santuário [mesquita de al-Askari] foi uma ação da Al Qaida, com

pretensão de criar violência sectária49” (BUSH, 2006).

Esses pretextos levaram a uma diminuição do apoio da comunidade sunita da

região a AQI, o que, juntamente com os conflitos ideológicos que estavam ocorrendo

com a al-Qaeda Central levaram a criação do Estado Islâmico do Iraque.

47 Do árabe para nicabe, é uso do véu cobrindo parte (ou todo) o rosto de mulheres na península arábica e em outras partes do oriente médio. Comumente confundido com a burca, que cobre o corpo inteiro. 48 A mesquita de al-Askari na cidade de Samarra, é uma das mesquitas mais sagradas para o islã xiita no Iraque, apenas superada pelas mesquitas de Najaf e Karbala, e é considerada um patrimônio importante mesmo para muçulmanos sunitas da região. 49 [traduzido do inglês]: “it's pretty clear -- at least the evidence indicates -- that the bombing of the shrine was an Al Qaida plot, all intending to create sectarian violence.” (BUSH, 2006)

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39

2.2. O Estado Islâmico do Iraque

O Estado Islâmico do Iraque (ISI, figura 10) teve início após o distanciamento e

rompimento final com a al-Qaeda Central, após a tentativa do MSC de melhorar sua

recepção com a população árabe sunita, que, como visto anteriormente, não obteve

sucesso algum.

Figura 10 – Bandeira do Estado Islâmico do Iraque e do Levante

Fonte: Monthly Review Magazine50

Continuando o que o MSC e a AQI iniciaram, o ISI focou-se em state-building

mais intensamente que as organizações anteriores. Tanto que, em 2007, Abu Omar

al-Baghdadi instaurou diversos ministérios: o ministério principal, o ministério da

guerra, o ministério de relações públicas, o ministério de segurança pública, o

ministério da mídia, o ministério do óleo, o ministério do comitê da Sharia, o ministério

dos mártires e prisioneiros, o ministério da agricultura e pesca e o ministério da saúde

(TAMINI, 2015).

Além disso, para manter a aparência de ser um estado tecnocrata, o ministério

do óleo tinha como chefe um engenheiro e o da saúde era chefiado por um professor

de medicina; e todos os ministros eram de nacionalidade iraquiana, exceto pelo

egípcio al-Masri (ex-líder da AQI, agora ministro da guerra do ISI).

Mas, como Al-Tamini questiona, o quanto esses ministérios tinham

funcionalidade de fato? Hashim (2014) responde que os jihadistas não possuíam os

recursos (agora distantes de seu primo rico, al-Qaeda), nem mão-de-obra suficiente

para cobrir o território que desejavam. Ademais, a morte de Zarqawi não diminuiu ou

refreou a crueldade e violência do grupo, que alienaram os possíveis apoiadores de

sua causa (como a al-Qaeda Central os tinha avisado anteriormente).

50 Disponível em: http://mrzine.monthlyreview.org/2011/syria231211.html Acesso em 11/10/2015.

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40

Em 2006, a AQI passou a controlar Baqubah, a capital da província de Diyala,

e em março de 2007, o (agora renomeado) Estado Islâmico do Iraque anunciou

Baqubah como sua capital (mostrado na figura 11). Também possuíam territórios em

al-Anbar, de Faluja a Qaim (LEWIS, 2014).

Figura 11 – Territórios controlados pelo Estado Islâmico do Iraque em dezembro de 2006

Fonte: Institute for the Study of War

2.2.1. A derrocada do Estado Islâmico do Iraque e o movimento Sahwa

Além dos problemas que o ISI estava enfrentando, o movimento militante

Sahwa continuou sendo uma grande atribulação, ainda mais quando o governo recém

instaurado de al-Maliki prometeu aos mesmos a possibilidade de serem integrados às

forças de segurança do Estado do Iraque após a transição política. O movimento

Sahwa, juntamente com as forças da coalizão mostraram-se ser mais capazes do que

o esperado e em 2007, o ISI anunciou que estava em um estado de “crise

extraordinária” (HASHIM, 2014; p. 6).

Nesse mesmo ano, notando a mudança na recepção do ISI pela população, os

EUA alteraram sua política anti-insurgência, ajudando os militantes do Sahwa. Em

2007 e 2008, os americanos patrocinaram uma proxy war pagando mais de US$ 150

milhões em armamento e treinamento aos “rebeldes moderados”. Com essa ajuda, os

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41

USA e os militantes do Sahwa rapidamente prevaleceram sobre o ISI e os expulsaram

de suas principais províncias no Iraque (PHILLIPS, 2009).

Além disso, o presidente George W. Bush tinha, durante esse ano e o seguinte,

aumentado seu contingente de tropas na região significativamente. Em 2007, o

número de tropas na região chegou a seu pico com mais de 170 mil soldados, esse

aumento de tropas ficou conhecido como “surge”.

Figura 12 – Número de soldados americanos no Iraque, de março de 2003 a dezembro de 2011

Fonte: BBC News51

Em janeiro de 2008, a Multi-National Force estabeleceu a operação Phantom

Phoenix, que tinha objetivo de proteger as nove maiores cidades iraquianas (com

ênfase em Bagdá), e destruir diversos esconderijos e o restante dos jihadistas do ISI.

O líder da operação, general Raymond T. Odiermo (2008) afirmou que

Trabalhando proximamente com a força de segurança iraquiana, nós iremos buscar a al-Qaeda e outros extremistas onde quer que eles procurem santuário, [Phantom Phoenix] sincronizará efeitos letais e não-letais para explorar os recentes ganhos de segurança e desfazer as zonas de suporte terroristas e os [centros de] comando e controle... [A operação irá incluir] uma série de articulações entre os níveis de brigadas e divisões iraquianas e da coalisão para buscar e neutralizar o restante da al-Qaeda no Iraque e outros extremistas. [em adição], os aspectos não-letais desta operação foram projetados para melhorar a entrega de serviços essenciais, desenvolvimento econômico, e capacidade de governança local.52

51 Disponível em: http://www.bbc.com/news/world-middle-east-11107739 Acessado em: 11/10/2015. 52 [Traduzido do inglês]: Working closely with the Iraqi Security Forces, we will continue to pursue al-Qaeda and other extremists wherever they attempt to take sanctuary. [Phantom Phoenix] will synchronize lethal and non-lethal effects to exploit recent security gains and disrupt terrorist support zones and enemy command and control...[The operation will include] a series of joint Iraqi and Coalition division and brigade level operations to pursue and neutralize remaining al-Qaeda in Iraq and other extremists. [In addition], the non-lethal aspects of this operation are designed to improve delivery of essential services, economic development and local governance capacity.

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42

No final da operação, em julho do mesmo ano, 900 jihadistas tinham sido

mortos e 2,500 capturados, aparentemente destruindo o restante da organização. Ao

final de 2008, o ISI perdeu grande parte do seu suporte, tanto da população, quanto

logístico e material.

Figura 13 – Territórios controlados pelo Estado Islâmico do Iraque em dezembro de 2007

Fonte: Institute for the Study of War

Ao que parecia, o Estado Islâmico tinha sido derrotado, mas no início de 2009

(com a eleição do presidente Barrack Obama, que prometeu a retirada das tropas do

Iraque), as forças americanas passaram a deixar as cidades iraquianas, voltando o

controle delas às forças de segurança (e milícias do Sahwa) estabelecidas do Iraque

de al-Maliki. Em junho, as tropas da coalisão tinham saído das maiores cidades

iraquianas (passando a ficar somente em suas bases), com isso, o presidente Nouri

al-Maliki proclamou feriado nacional.

Em janeiro do mesmo ano, o ISI ofereceu um “ramo de oliveira53” a outros

grupos extremistas islâmicos, indo ao limite de estender uma “mão do perdão54” para

aqueles que se aliaram aos americanos (LONDOÑO, 2009).

Na superfície, as forças iraquianas eram numericamente superiores e mais

capazes que os jihadistas, mas para a consternação do governo americano, o ISI

53 Expressão que simboliza um oferecimento de paz entre as partes em um determinado conflito. 54 [Do inglês para]: “hand of forgiveness”.

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43

recuperou sua força e lançou um ataque conjunto com objetivo de enfraquecer o

governo iraquiano (HASHIM, 2014).

Com a diminuição das tropas da coalizão no Iraque, e a aparente derrotada do

ISI, o investimento no mantimento e pagamento dos soldados e militantes do Sahwa

diminuiu, e somando ao fato do governo de Maliki não ter cumprido sua promessa de

integração das milícias às forças de segurança. Havia um sentimento de sectarismo

contra as tribos sunitas pelo governo iraquiano, tanto que a população sunita

considerava al-Maliki como uma “marionete do Irã” (BENRAAD, 2011). Em 2010

menos da metade das milícias estavam atuando.

Essa quebra de confiança entre o governo iraquiano e o movimento Sahwa

serviu para os objetivos do ISI, já que a motivação de muitos dos membros do Sahwa

era econômica, é sabido que muitos deles se voltaram contra o governo aliando-se ao

ISI ao receber pagamentos melhores e promessa de maior apoio (BENRAAD, 2011).

Em julho e agosto de 2009, o grupo realizou diversos atentados contra a

infraestrutura recém reconstruída do governo e contra civis, que causou centenas de

mortes. Mas, em abril de 2010, o grupo sofreu um ataque significante, quando seu

líder, Abu Omar al-Baghdadi, e seu braço direito, Abu Ayyub al-Masri, foram mortos

em um ataque conjunto americano-iraquiano próximo da cidade de Tikrit. E em junho

do mesmo ano, é suposto que 80% da liderança original do grupo tinha sido morta ou

capturada, incluindo em grande parte recrutadores e financiadores (HASHIM, 2014).

A “decapitação” da liderança do ISI, deixou o grupo ainda mais fragilizado e em

estado de emergência, o que facilitou a ascensão do atual e mais bem sucedido líder

do grupo desde 1999, Abu Bakr al-Baghdadi.

2.2.2. Sobre Abu Bakr al-Baghdadi e o Campo Bucca

Pouco se sabe sobre Abu Bakr al-Baghdadi (figura 14), também conhecido por

seus seguidores como Califa Ibrahim, mas em julho de 2013, Turki al-Bilani, um

ideólogo bahrani, escreveu uma bibliografia do mesmo. Nela, supostamente é

afirmado que al-Baghdadi é um descendente do profeta Muhammad, uma das

principais qualificações na história islâmica para a aquisição o posto de califa (o líder

da ummah, e de todos os muçulmanos) (ZELIN, 2014).

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44

É destacado que Baghdadi é descende da tribo al-Bu Badri, baseada em

Samarra e Diyala, ao norte e leste de Bagdá, respectivamente. De acordo com al-

Bilani, al-Baghdadi recebeu seu PhD pela Universidade Islâmica de Bagdá, em

história e cultura islâmica, jurisprudência e Sharia. Após, ele passou a pregar na

mesquita de Ahmad Ibn Hanbal em Samarra (ZELIN, 2014).

Figura 14 – Abu Bakr al-Baghdadi, em sua primeira aparição pública em Mosul, julho de 2014.

Fonte: BBC News55

De acordo com Zelin (2014), apesar de Baghdadi não ter estudado nas

instituições religiosas sunitas mais reconhecidas (como a universidade islâmica de

Medina, na Arábia Saudita, por exemplo), ele possuiu uma educação mais profunda

que os líderes da al-Qaeda, bin Laden e Zawahiri; e isso o concedeu um maior nível

de legitimidade e respeito de seus seguidores.

Durante a invasão americana do Iraque em 2003, Baghdadi ajudou a

estabelecer a organização insurgente Jamaat Jaysh Ahl al-Sunnah wa-l-Jamaah56

(JJASJ), que operava em Diyala, Samarra e Bagdá. Ele foi o chefe do comitê da

Sharia.

Ironicamente, em fevereiro de 2004 ele foi preso por forças americanas, mas

solto em dezembro do mesmo ano, por não ser considerado um alvo de alto valor

(HASHIM, 2014; ZELIN, 2014; BARRET, 2014). Ele foi mantido no Campo Bucca57

por suspeita de possuir laços com a al-Qaeda, e passou pelo menos meio ano lá.

O Campo Bucca era um campo de prisioneiros dividido. De um lado se

encontrava os xiitas, do outro os sunitas. E supõe-se que foi ali que houve a maior

55 Disponível em: http://www.bbc.com/news/world-middle-east-27801676 Acessado em: 15/10/2015. 56 [Do árabe para]: the Army of the Sunni People Group (tradução não-literal para: O Exécito do Povo Sunita). 57 [Traduzido do inglês]: Camp Bucca.

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45

parte do contato entre os líderes do Estado Islâmico. Dessa forma, Barret (2014, p.

19) afirma que

A aliança entre os membros da AQI e ex-Ba’athistas também foi reforçada porque muitos deles se encontravam juntos em centros de detenção dos americanos no Iraque, como o Campo Bucca. Parece provável, por exemplo, que a estadia de Abu Bakr coincidiu com a de alguns outros ex-membros do partido Ba’ath que posteriormente tornaram-se líderes do Estado Islâmico.58

Similarmente, Thompson e Suri (2014) descrevem que

Antes de sua detenção, o Sr. al-Baghdadi e outros eram radicais violentos com intenção de atacar a América. Seu tempo na prisão aprofundou seu extremismo e deu-lhes oportunidades para ampliar seus seguidores. (...) As prisões tornaram-se virtualmente universidades terroristas: os radicais (...) eram os professores e os outros detentos eram seus alunos, e as autoridades da prisão desempenhavam o papel de guardiões ausentes.59

Em 2006, quando a AQI passou a fazer parte do Mujahideen Shura Council, e

após sua saída do Campo Bucca, Abu Bakr al-Baghdadi, declarou baya e sua

organização (a JJASJ) passou a fazer parte dos grupos que incluíam o MSC.

2.2.3. O ressurgimento do ISI sob a liderança de Abu Bakr al-Baghdadi

Entre 2010 e 2013, quatro importantes fatores contribuíram para a

reemergência do Estado Islâmico do Iraque: 1) A reestruturação ideológica e

organizacional e a reconstrução de suas capacidades administrativas e militares; 2) A

natureza disfuncional do Estado Iraquiano e seu crescente conflito com sua população

sunita; 3) A diminuição da influência da al-Qaeda Central sob a liderança de al-

Zawahiri; 4) A erupção da guerra civil na Síria.

58 [Traduzido do inglês]: The alliance between members of AQI and ex-Ba’athist was also strengthened by many of them finding themselves thrown together in United States detention centers in Iraq such as Camp Bucca. It seems likely, for example, that Abu Bakr overlapped there with some of the ex-members of the Ba’ath party who subsequently became senior leaders in The Islamic State. 59 [Traduzido do inglês]: Before their detention, Mr. al-Baghdadi and others were violent radicals, intent on attacking America. Their time in prison deepened their extremism and gave them opportunities to broaden their following. (…) The prisons became virtual terrorist universities: The (…) radicals were the professors, the other detainees were the students, and the prison authorities played the role of absent custodian.

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46

2.2.3.1 Reestruturação e reconstrução

Sob a liderança de Abu Bakr al-Baghdadi, os objetivos do ISI tornaram-se mais

articulados e esquematizados e passaram a ter o foco principal no state-building, em

subverter e derrotar o governo taghuti60, e na criação de um Estado Islâmico ou

Califado. Sob a nova identidade ideológica do grupo, o califado representaria uma

nova era de “poder e dignidade” para os muçulmanos.

Sua pretensão em criar de um estado islâmico no Iraque e na instituição do

califado detém muita importância, pois, mesmo se não obtivesse apoio ou visibilidade

popular, tinha-se diferenciado do seu antigo aliado (e agora inimigo) a al-Qaeda, que

até o momento não possuía a vontade ou capacidade de articular uma efetiva

estratégia para a criação de um estado sunita-salafita (HASHIM, 2014). Mas o anuncio

público do califado só se tornou possível em 2014 quando o grupo tinha se

reconstruído, sob o nome de Estado Islâmico do Iraque e Síria.

Em 2010, quando al-Baghdadi assumiu o poder, o ISI encontrava-se em

frangalhos. Muito do sucesso que o IS clama atualmente, se deu através da criação

de uma organização coesiva, flexível e disciplinada, com auxílio de alianças com

generais do antigo partido ba’ath, incluindo, alegadamente, com um indivíduo que

seguia sob o pseudônimo de “Hajji Bakr” (REUTER, 2015).

De acordo com Reuter (2015), o nome real da figura sombria era Samir Abd

Muhammad al-Khlifawi, morto em 2014 em um ataque realizado por insurgentes sírios.

Com ele foram encontrados documentos que demonstravam que al-Khlifawi era o líder

estrategista “de facto” do Estado Islâmico, sendo Abu Bakr al-Baghdadi o líder

espiritual, de maneira similar que al-Masri era para o líder anterior, Abu Omar al-

Baghdadi.

Al-Khlifawi era um coronel da inteligência de Saddam Hussein, e apesar de não

ser muito conhecido, sabe-se que ele foi o “mentor” de Baghdadi, estabelecendo os

objetivos primários do grupo, e mais importante, os “diagramas” de como estabelecer

um estado bem sucedido.

Com Khlifawi, al-Baghdadi aprendeu com os erros de al-Zarqawi e Abu Omar

al-Baghdadi. Para ele, Zarqawi gastava muita energia em ataques provocativos e

assustadores, energia que poderia ser gasta na criação de uma organização mais

60 [Do árabe para]: Ilegítimo.

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47

sólida. Já com Omar al-Baghdadi, ele aprendeu que a administração dos militantes a

nível pessoal resultava em mais gastos de energia e recursos, dessa forma ele

estabeleceu uma organização hierárquica e centralizada, mas flexível o suficiente

para que seus líderes atuassem como tinham desejo, desde que seguissem as

orientações de seu líder (HASHIM, 2014).

Além disso, de acordo com Hashim (2014), al-Baghdadi reduziu o papel de

expatriados árabes em postos de liderança. A presença de líderes estrangeiros tinha

antagonizado potenciais aliados iraquianos no passado. Ao invés disso, al-Baghdadi

os colocou como parte do contingente de batalha, ou em posições de suporte como

na mídia, propaganda, recrutamento e coleta de impostos e doações.

2.2.3.2 A natureza disfuncional do Estado iraquiano de al-Maliki

Após as eleições de 2006 (na qual a população sunita realizou o embargo), a

comunidade internacional viu sua ascensão como um momento positivo. O país

estava no centro de uma escalada da violência, e as ações de Maliki surpreendeu a

todos, particularmente em relação à sua luta contra as milícias armadas e aos

esquadrões de morte que estavam destruindo o país (HASHIM, 2014).

Ele prometeu aos americanos, à população sunita, e aos insurgentes que tinha

se voltado contra a ameaça terrorista e jihadista. Entretanto, quando chegou o

momento dos americanos deixaram o país, em 2011, suas políticas de inclusão da

população sunita no processo decisório não tinham acontecido. O movimento Sahwa

não passou a fazer parte das forças de segurança que o governo tinha prometido, e a

qualidade de vida nos territórios sunitas diminuíam diariamente. Segundo Phillips

(2014, apud HASHIM, 2014), Maliki ignorava os pedidos desta comunidade, que ele

desprezava e a via como nostálgicos pelo tempo de Saddam Hussein.

Em 2012, al-Maliki começou a ativamente segregar a população sunita,

buscando eliminá-los do processo político. Além disso, ele removeu centenas deles

das instituições militares, dos serviços de segurança e de inteligência. Em 2013, as

regiões sunitas estavam em processo de rebelião contra o governo, tentando instaurar

sua versão da ‘primavera árabe”; Maliki, então, respondeu com o uso da força. Os

sunitas, por sua vez, tomaram as armas e aquelas tribos que faziam parte do

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48

movimento Sahwa, aliaram-se diretamente ou indiretamente com o Estado Islâmico e

com outras organizações jihadistas (HASHIM, 2014).

2.2.3.3 O desaparecimento da influência da al-Qaeda de Zawahiri

Nos últimos anos, a al-Qaeda têm sido alvo de discussões em círculos

acadêmicos sobre sua relevância no cenário geopolítico da região. Alguns

argumentam que a organização ainda é relevante pois continua capaz de atrair

seguidores. Outros sugerem que, com a morte de Osama bin Laden, a organização

perdeu legitimidade, assim como sua incapacidade de cometer ataques em larga

escala diminuiu sua importância geopolítica, ao menos no Iraque (ROLLINGS, 2010).

O líder atual da organização Ayman al-Zawahiri não tem sido um líder efetivo,

o que é um ponto positivo para o oeste. Ele não tem sido capaz de controlar suas

organizações afiliadas e associadas, como foi o caso da AQI de Zarqawi em 2004, ou

da al-Qaeda no Magreb Islâmico (AQIM) em 2006. Ele também tem sido acusado de

manter um excessivo número de grupos sob o guarda-chuva da organização (como

foi o caso do Mujahideen Shura Council, em 2006).

As incapacidades militares e administrativas da AQC de liderar esses

subgrupos, fizeram com que os mesmos não se sentissem compelidos em seguir as

ordens e medidas propagadas pela central, levando com que tais subgrupos

buscassem seus próprios interesses, como foi o caso do Estado Islâmico.

Além disso, a diferença das gerações entre os veteranos (normalmente mais

velhos) da AQC e seus subgrupos mais “jovens” criou uma divisão mais clara entre as

ideologias, sendo os últimos mais atraídos à violência brutal do Estado Islâmico em

comparação à da al-Qaeda Central (HASHIM, 2014).

2.2.3.4 A guerra civil na Síria

A segunda fase do Estado Islâmico do Iraque começou com a eclosão da

guerra civil na Síria (março de 2011 – presente), aliando-se com os jihadistas

insurgentes contrários ao regime de Bashar al-Assad (figura 15). Al-Assad faz parte

da minoria dominante da Síria, os Alauitas, que são um secto do islã xiita. Os alauitas

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49

representam cerca de 12% da população (sendo que os sunitas representam 74% da

população), e dominam as principais instituições políticas sirianas (PAN, 2012).

Assad faz parte do mesmo ramo partidário de Saddam Hussein, o partido

Ba’ath, partido secular socialista e pan-arabista, que está no poder desde 1970

(através de um coup d´état), iniciado por seu pai, Hafez al-Assad (BBC, 2012). Em

2000, um mês após a morte de seu pai, Bashar al-Assad sobe ao poder e se mantém

até o presente.

Alega-se que al-Assad tenha cometido inúmeros abusos de direitos humanos,

como a prisão de mais de 200 mil prisioneiros políticos, incluindo mulheres e crianças

(DETTMER, 2014); e o ataque com armas químicas61 de Ghouta62, em agosto de

2013, que causou 924 fatalidades, de acordo com o Violation Documentation Center

in Syria (2013), e injuriou 3,600 pessoas, de acordo com os Médicos Sem Fronteiras

(2013).

Figura 15 – Presidente Bashar al-Assad em março de 2013.

Fonte: The Telegraph63

Devido às décadas de constantes violações de direitos humanos e da liberdade

pessoal da população, grande parte da comunidade islâmica não considerava os

alauitas como muçulmanos, e viam uma pequena minoria secular dominando a

maioria sunita do país. Tal divisão sectária e insatisfação sunita, era um terreno fértil

para a aproximação de grupos jihadistas radicais, e al-Baghdadi percebeu isso.

61 A arma química usada foi o gás sarin. 62 Fontes possuem várias estimativas, de ao menos 281 mortos (inteligência francesa), 1,429 (EUA) a 1,729 (Free Syrian Army). 63 Disponível em: http://www.telegraph.co.uk/news/worldnews/middleeast/syria/9905784/William-Hague-dismisses-Bashar-al-Assad-as-delusional.html Acesso em: 19/10/2015.

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50

Além disso, a guerra civil era um campo de batalha adequado para os membros

do IS para aperfeiçoar suas táticas de guerra contra um exército mais capaz que o do

Iraque (HASHIM, 2014).

Deve-se observar que a Síria era um ambiente multifacetado, politicamente e

ideologicamente dividido. De um lado estava o regime secular ba’athista suportado

por forças tanto internas quanto externas; contrário a ele, estavam uma miríade de

forças, indo de nacionalistas seculares pan-arabistas, democratas liberais, a pan-

islamistas (incluindo jihadistas).

De acordo com Reuter (2015), no final de 2012, Al-Khlifawi juntamente com

uma pequena força de reconhecimento, tinha um objetivo bastante ousado: o ISI iria

capturar o máximo de território possível na Síria, e após iria usar tais territórios como

bastiões para invadir o Iraque.

Khlifawi estabeleceu-se na pequena cidade de Tal Rifaat, ao norte de Aleppo,

e esta provou ser uma boa escolha, pois durante a década de 80, muitos dos

habitantes foram trabalhar em outros países da região, especialmente na Arábia

Saudita, e voltaram com ideologias radicais, como o wahabismo64. Em 2013, Tal Rifaat

se tornaria a principal base do Estado Islâmico na Síria, com centenas de militantes

estabelecidos (REUTER, 2015).

O plano de invasão começava com a criação de uma Da’wah65. Daqueles que

vinham ouvir os sermões e frequentar cursos sobre o modo de vida islâmico, eram

selecionados alguns indivíduos (normalmente jovens, de idade entre 16 e 17 anos)

para serem informantes. Tais indivíduos buscavam espionar os habitantes locais para

obter o máximo de informações possíveis (REUTER, 2015).

A partir do estabelecimento de uma rede de informantes na região, o ISI iria

Criar um aparato de segurança e de inteligência mais robusto, designar figuras

importantes como alvos, e estabelecer práticas como a extorsão e outras atividades

criminais com objetivos de levantar formas de renda;

Estabelecer funções administrativas e de finanças, e estabelecer as bases de

comando, recrutamento e logística;

64 É uma seita do islã sunita, ultraconservadora e ortodoxa, que busca reformar a religião à uma forma pura, conforme descrita nos livros sagrados (Tawhid, ou monoteísmo puro). Os wahabistas são a minoria dominante da Arábia Saudita, e organizações terroristas como a al-Qaeda, o Talibã a utilizam (assim como o Estado islâmico). 65 O Da’wah é um centro missionário para a pregação do islã.

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Introduzir uma rede de Sharia, e estabelecer relações com os líderes religiosos

locais;

Montar centros de mídia e de informações;

E, por fim, introduzir células militares com objetivos de conduzir ataques

(SHATZ, JOHNSON, 2015).

Além disso, de acordo com Shatz e Johnson (2015), o IS conduzia missões de

infiltração e assassinato com objetivo de intimidar os líderes locais, como foi feito no

Vale do rio Eufrates em 2006 (enquanto ainda era conhecido como AQI) e em Mosul

em 2007.

2.2.4. A cisão com a al-Qaeda e o nascimento da Jabhat al-Nusra

Da mesma forma que Khlifawi, al-Baghdadi enviou Abu Mohammed al-Golani

a Síria, mais especificamente nos territórios ocupados pelos israelitas em Golan

Heights66 (HASHIM, 2014). Lá, Golani estabeleceu sua célula, e ela ganhou

popularidade por lutar contra o regime de Assad (HASHIM, 2015; BARRET, 2014).

Com o aumento de sua popularidade e dos membros de sua célula, Golani foi

mandado para Alepo, e lá seu grupo de, agora veteranos, tornou-se ainda mais

aparente. Portanto, ele e seus comparsas deram um novo nome para o grupo, o

chamaram de Jabhat al-Nusra67 (JN).

De acordo com Hashim (2015), haviam consideráveis diferenças entre a al-

Nusra e o IS.

Enquanto a JN estava disposta em cooperar com outros grupos jihadistas para

a criação de um estado islâmico na Síria, o IS não era tão pragmático;

Ao mesmo tempo em que a al-Nusra era vista como um grupo

predominantemente sírio, o IS era visto como uma força estrangeira;

A Jabhat al-Nusra buscava lutar ativamente contra o regime de Assad, já o

Estado Islâmico estava mais focado no estabelecimento de seu próprio domínio na

região, e evitava confrontos com o exército sírio.

66 Golan Heights é um território localizado ao sudoeste da Síria, capturado da mesma pelo Estado de Israel em 1967, durante a Guerra dos Seis Dias, e efetivamente anexado elos israelitas em 1981. Após a guerra de Yom Kipurr em 1973, Israel devolveu uma pequena parte do território para a Síria, e este se tornou uma zona desmilitarizada. 67 Também conhecido como al-Nusra Front (Frente al-Nusra).

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Os esforços do ISI estavam dirigidos para a construção de uma extensão do

seu estado iraquiano na Síria focando-se em al-Raqqah onde o grupo construiu “um

sistema de governança holístico, que incluía projetos religiosos, educacionais,

judiciais, humanitários, de segurança e de infraestrutura, entre outros” (CARIS,

RAYNOLDS, 2014; p. 9).

Em abril de 2013, com o aumento da popularidade da al-Nusra, tentando

capitalizar sobre os sucessos da mesma, assim como para reafirmar sua liderança

sobre ambos lados da fronteira, al-Baghdadi declarou que Golani era seu subordinado

e que Jabhat al-Nusra fazia parte do IS, e este passaria a se chamar Islamic State of

Iraq and Syria68 (ISIS). Golani recusou, argumentando que não tinha sido consultado

sobre o assunto (BARRET, 2014; HASHIM 2014).

Portanto, Golani apelou para Ayman al-Zawahiri, o líder da al-Qaeda (portanto,

deixando claro sua associação com a al-Qaeda). E em junho de 2013, Zawahiri

comunicou-se com Golani e Baghdadi, dizendo que era contrário à fusão dos grupos.

Abu Bakr al-Baghdadi rejeitou a ordem de Zawahiri, declarando que a fusão dos

grupos iria continuar (HASHIM, 2014).

Em outubro do mesmo ano, o líder da al-Qaeda ordenou que o ISIS fosse

debandado e retornado ao status de Islamic State of Iraq, mas al-Baghdadi contestou

essa ordem. Os argumentos de Baghdadi foram que “seria um pecado dissolver a

união”, “que o islã não reconhece as fronteiras artificiais criadas pelo acordo de Sykes-

Picot, como consequência do término da 1ª Guerra Mundial, que dividiram a ummah

islâmica entre nações”, e que “não fazia sentido jihadistas lutarem desunidos”

(HASHIM, 2014; p. 12).

Em fevereiro de 2014, após oito meses de hostilidades e disputas pelo poder,

al-Qaeda Central renunciou todos seus laços com o ISIS, e em maio, Zawahiri ordenou

que a al-Nusra parasse imediatamente com todos os ataques contra o ISIS, mas não

houve reconciliação.

68 [Do inglês para]: Estado Islâmico do Iraque e da Síria.

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2.3. O Estado Islâmico do Iraque e da Síria

Na metade de 2014, o ISIS adicionou uma nova tática militar às suas

capacidades, a técnica do “Shock and Awe69”. É uma tática baseada em alto poder de

fogo e mobilidade, utilizando-se ataques relâmpago com objetivo de obter rápida

dominância sobre seus oponentes.

Tal ataque funcionou, pois a liderança do IS já tinha estabelecido um “governo

invisível” em Mosul, e este auxiliou a logística das tropas, assim como realizou

subornos ou convenceu diversos líderes tribais sunitas a abandonar seus postos. O

restante do exército iraquiano na cidade sofreu ataques com homens bomba ou eram

alvos de pelotões de assassinato, e aqueles que eram capturados eram massacrados,

com objetivo de mandar uma mensagem para as outras tropas do exército iraquiano

(HASHIM, 2014).

A maioria dos sunitas não tinham porquê de lutar junto ao governo de Maliki, e

eles desertaram em grandes números. Tanto que a maioria possuía mais medo do

governo do que dos jihadistas, como afirma um policial que desertou na cidade de

Tikrit (REUTER, 2014)

Eles [governo de Maliki] nem mesmo consideram nós sunitas como seres humanos (...) Somente xiitas eram promovidos a oficiais, e somente eles recebiam contratos do governo. Nós éramos cidadãos de segunda-classe. (...) Maliki pediu a Assad nos bombardear porque ele não possuía aeronaves próprias. Que tipo de líder é esse?70

Durante essa ofensiva em massa, as forças armadas e de segurança do estado

iraquiano colapsaram. Quatro divisões do exército debandaram. A 2ª divisão do

exército, estacionada em Mosul (a segunda maior cidade do Iraque), foi totalmente

derrotada. A 1ª divisão, estacionada em al-Anbar, perdeu grande parte de seus

soldados.

As 3º, 6ª e 9ª divisões fugiram da batalha. A 11ª divisão abandonou o exército.

Durante essa ofensiva, o ISIS capturou enormes números de equipamentos, incluindo

1,500 humvees71 blindados, muitas peças de artilharia e morteiros.

69 [Do inglês para]: Choque e pavor. 70 [Traduzido do inglês]: "They don't even consider us Sunnis to be human beings," (…) "Only Shiites got promoted to become officers, and it was only the Shiites who landed government contracts. We were second-class citizens." (…) "Maliki asked Assad to bomb us Iraqis because he didn't have any aircraft of his own. What kind of leader is that?" 71 Veículos armados utilizados principalmente pelo exército americano.

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A derrota do exército iraquiano nessas batalhas foram alvo de discussões entre

os analistas militares norte-americanos. A avaliação inicial foi que o exército iraquiano

tinha sido profundamente infiltrado por milícias sunitas, e sua liderança era não

profissional, de tal modo que a mesma não era capaz de manter as necessidades

logísticas de seus soldados. Os analistas concluíram que as forças iraquianas seriam

incapazes de repelir os jihadistas sem auxílio externo (HASHIM, 2014).

Figura 16 – Mapa territorial do ISIS em junho de 2014

Fonte: The Daily Mail72

2.3.1. Declaração do Califado

Devido ao sucesso estrondoso, a liderança do ISIS viu a situação como uma

oportunidade única para aumentar sua influência sobre o mundo islâmico. Ao final de

junho, o grupo começou a se referir a si mesmos como Islamic State (ou Estado

Islâmico) e declarou que os territórios conquistados agora eram parte de seu Califado,

e que Abu Bakr al-Baghdadi era seu legítimo Califa.

72 Disponível em: http://www.dailymail.co.uk/news/article-2660455/Battle-Baquba-Isis-Sunnis-wrestle-Shiite-Iraqis-control-major-town-Baghdad-country-splits-sectarian-lines.html Acesso em: 19/10/2015.

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O porta voz da organização afirmou que o califado era “um sonho que vive no

íntimo dos fiéis muçulmanos” e que “foi uma obrigação que essa era tinha

negligenciado”73. Ele também afirmou que todo muçulmano deveria prestar fidelidade

ao novo califa e que os fiéis deveriam emigrar para o Estado Islâmico (ZELIN, 2014).

A declaração do califado reverberou sobre o oriente médio e a sociedade

islâmica, ainda mais sobre o Iraque e a Síria. Primariamente, temerosos com o ganho

de poder do IS, um número de líderes tribais resolveram abandonar a luta e renderam-

se pacificamente, entregando suas milícias e permitindo a ocupação de suas cidades

e vilas.

Em segundo lugar, a criação deste califado gerou conflitos entre jihadistas

islâmicos. Alguns afirmavam que a criação do califado foi prematura, um erro, e a

maneira que foi declarada (sem consulta) foi inapropriada. Já para os seguidores de

al-Baghdadi, seu sucesso era a própria prova de sua legitimidade (HASHIM, 2014).

Entretanto, em círculos de teólogos do islã, é argumentado que não existe

legitimidade na afirmação do califado. No islã não existe papado, ou figura religiosa

centralizada, não existe líder dos muçulmanos, e nunca existiu. O que al-Baghdadi

propõe é uma mitologia, um retorno ao tempo de ouro do islã durante o primeiro

Califado criado pelo profeta Muhammad no século 7.

O Califado idealiza um tempo de união dos muçulmanos, onde não existia

divisão entre sunitas e xiitas e simboliza a governança, justiça social e proteção que

foram perdidas durante séculos de invasão, ocupação e colonialismo que a região

sofreu. É um sonho que nunca poderá ser alcançado, portanto, um mito que não tem

lugar, nos tempos modernos (GERGES, 2014). E é por isso que o ideal de Baghdadi

é tão perverso, pois usa as esperanças e desejos de um povo como combustível de

sua vontade de poder.

2.3.2. Organização Institucional

Em 2014, organização institucional do ISIS é composta pelo em al-Imara (poder

executivo e liderança), e era composta por al-Baghdadi (como califa), seus

conselheiros e os delegados-chefes no Iraque (Abu Muslim al-Turkmani) e na Síria

73 [Traduzido do inglês para]: a dream that lives in the depths of every Muslim believer” (…) “the neglected obligation of the era”

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(Abu Ali al-Ambari). O al-Imara são os tomadores de decisão e os principais

governantes do Estado Islâmico.

O restante da organização é dividida entre o primeiro escalão e segundo

escalão. O primeiro escalão era composto pelo Shura Council, o Millitary Council

(conselho militar), e o Intelligence and Security Council74 (conselho de segurança e

inteligência), esses conselhos são supervisados diretamente por al-Baghdadi.

O Shura Council vem imediatamente abaixo do al-Imara, em termos de

importância, e consiste de al-Baghdadi e seu gabinete de conselheiros. Eles têm o

poder de “demitir” o líder da organização se o mesmo não executar suas tarefas de

forma adequada (HASHIM, 2014).

O Millitary Council tem o poder de tomada de decisão em questões militares e

fazem o planejamento das operações. O chefe do conselho militar é escolhido

diretamente por al-Baghdadi. Ele consiste pelo chefe e três membros. Esse conselho

supervisiona os comandantes militares nas diversas províncias que o IS possuí

domínio (HASHIM, 2014).

O Intelligence and Security Council, é composto primariamente por ex-oficiais

do exército e de forças de segurança e inteligência de Saddam Hussein. Possui uma

vasta gama de atividades, são elas: 1) Prover segurança para al-Baghdadi; 2) Manter

comunicações entre al-Baghdadi, o al-Imara, e os governantes provinciais (e que

estes implementem as decisões da liderança); 3) Supervisionar para que as decisões

das cortes sejam realizadas, e executar as penalidades; 4) Prover contra inteligência;

5) Supervisionar e transportar as correspondências, e manter a segurança das

comunicações entre os diversos ministérios do Estado Islâmico; 6) Realização de

operações especiais, como assassinatos, sequestros e chantagens (HASHIM, 2014).

O Segundo escalão do IS consiste em uma série de departamentos, sendo

eles:

O Financial Council (conselho financeiro): Funciona como o ministério do

tesouro, e ele gira em torno de venda de armas e óleo, assim como supervisiona as

transações financeiras do grupo;

O Legal Council (conselho legal): Controla disputas familiares e tribais, e

infrações religiosas, assim como se responsabiliza no recrutamento de novos

militantes e nas decisões relativas a punições baseadas na Sharia.

74 Podem ser dois conselhos separados. Os dados disponíveis são conflitantes.

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O Fighters Assistance Council (conselho de assistência a militantes): Suporta

os jihadistas estrangeiros, dando-os moradia, assim como os trazendo e levando do

Iraque e da Síria.

O Media Council (conselho da mídia): É responsável pela publicação de

propaganda, pronunciamentos e declarações na mídia (tanto na mídia clássica, como

em mídias sociais, como o facebook ou twitter) da organização (BELLINI,

MARKHOUL, 2014).

2.3.3. Estratégia e Objetivos

Após a reestruturação do Estado Islâmico em 2011, al-Baghdadi (com auxílio

de al-Khlifawi) baseou sua estratégia em evitar os erros do passado, e se focou em

duas estratégias principais: Idarat al-Tawwahush: Akhtar Marhala satamur biha al-

umma (A Administração da Selvageria: O período mais perigoso que a Ummah está

passando), e Khouta Istrategiyah li Ta’ziz al-Mawqif al-Siyasi lil Dawlah al-Islamiyah fi

al-Irak (O plano estratégico para melhorar a posição do Estado Islâmico do Iraque)

(HASHIM, 2014).

A Administração da Selvageria (Idarat al-Tawwahush) argumenta que através

da realização de constantes ataques contra estados muçulmanos iria, eventualmente,

exaurir a capacidade destes estados de aplicar sua autoridade, diminuindo sua

soberania e os levando ao limite do caos e da anarquia interna. Dessa forma, os

jihadistas possuirão maior capacidade de ação e levarão vantagem sobre o governo

“ilegítimo”.

Após a aplicação da “administração da selvageria” no Iraque e da derrota do

ISI pelo movimento Sahwa e tropas americanas, al-Baghdadi estabeleceu um plano

estratégico que buscou tomar medidas para reforçar suas estruturas políticas e

militares, para que quando os americanos saírem do Iraque a organização estiver

pronta para reestabelecer controle sobre seus territórios; assim que essa etapa fosse

realizada seria o momento de estabelecimento do califado. Ele estabeleceu uma

estratégia similar à do movimento Sahwa, baseado em operações PsyOps75 contra as

75 PsyOps são operações planejadas para influenciar e instigar determinadas emoções, sentimentos, incapacitar o pensamento objetivo e em última instância, alterar o comportamento de estados, organizações, grupos e indivíduos (Departamento de defesa dos EUA).

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forças de segurança do estado iraquiano (tais operações demonstram capacidade

militar e de inteligência, reforçando ainda mais o paradigma operacional ba’athista do

grupo) (HASHIM, 2014).

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3. PERSPECTIVAS TEÓRICAS SOBRE O ESTADO ISLÂMICO

Diferentemente dos capítulos anteriores que foram escritos com uma

perspectiva historiográfica, este tem o objetivo de realizar algumas discussões

teóricas pertinentes ao Estado Islâmico e de responder algumas das principais

indagações sobre o mesmo, começando pela conceitualização de movimentos

transnacionais e se o IS se encaixa nelas.

Após, dando continuidade, será apresentado a perspectiva religiosa do IS, sua

conexão com o Islã e a questão do califado. Após argumentarei sobre a

transnacionalidade do grupo, as definições de terrorismo, e o tipo de terrorismo

praticado pelo grupo, também discorrerei se é possível classifica-lo como um rogue

state e como um movimento de libertação nacional e, por fim, será descrito o

financiamento do IS e o fenômeno dos combatentes estrangeiros.

Tendo em vista que um movimento social transnacional é uma coletividade de

grupos com membros de mais de um país que estão comprometidos com a uma ação

contenciosa sustentada durante um determinado tempo através de uma causa

comum, ou de uma constelação de causas comuns, frequentemente contrárias aos

governos, instituições internacionais ou privadas.

Apesar das abordagens conceituais o estudo de movimentos transnacionais

serem, de muitas formas, similares a análise de movimentos sociais domésticos ou

nacionais, a extensão dos movimentos transnacionais estende-se para além das

fronteiras definidas de um país. Apesar disso, os movimentos transnacionais

normalmente têm mais força em seus países de origem.

De acordo com Wilson (1971), um movimento social é uma tentativa

consciente, coletiva e organizada de trazer ou resistir mudanças de larga escala na

ordem social com meios não-institucionais. Para ele, movimentos sociais embarca

tanto “heróis quanto palhaços, assim como fanáticos e tolos”. Sua função é mover a

população para além de seus objetivos mundanos, através de atos de bravura,

selvageria e caridade. Animados pelas injustiças, sofrimentos, ansiedades que veem

à sua volta, homens e mulheres em movimentos sociais buscam além dos recursos

costumeiros da ordem social para lançar sua própria cruzada contra os males da

sociedade.

Zirakzadeh (1997) sugere que movimentos sociais são:

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Um grupo de pessoas que buscam, conscientemente, a construção de uma

nova ordem social;

Envolve pessoas de uma ampla gama de backgrounds diferentes;

Implantam táticas confrontacionais disruptivas, tanto sociais, quanto políticas.

Já Byrne (1997) define movimentos sociais de forma diferente. Para ele,

movimentos sociais são:

Imprevisíveis (por exemplo, movimentos feministas nem sempre surgem onde

as mulheres são mais oprimidas);

Desproposital (aderentes ao movimento não agem de acordo com seu

interesse próprio);

Irracional (aderentes acreditam que seu desprezo pela lei é justificado);

Desorganizado (eles evitam formalizar sua organização mesmo quando é uma

boa ideia o fazer).

Tomando o paradigma de Wilson e de Zirakzadeh, o Estado Islâmico se

encaixa na definição de movimento social, entretanto na visão de Byrne, tal afirmação

não se comprova.

3.1. O Estado Islâmico e o Islã

O ataque terrorista de 11 de setembro de 2001 renovou a atenção do oeste

sobre a conexão do islã e o terrorismo. Visões extremistas do Corão e a revitalização

dos movimentos islâmicos salafistas fazem parte desta linha de pensamento.

Terroristas islâmicos legitimam sua jihad através de sanções religiosas, ou Fatwā, que

permitem o uso da violência como um ato de defesa e de forma a preservar a vontade

de Deus na comunidade islâmica, a ummah. Este é o argumento de grande parte da

mídia ocidental e dos tomadores de decisão, e é bastante simplista.

Os fundamentalistas islâmicos frequentemente usam o Corão para legitimar

seus atos. Na visão deles, seus atos deixam de ser sua responsabilidade, mas sim,

tornam-se a vontade de Allah. Somente Allah é onisciente, e somente Ele é capaz de

julgar a conduta humana. Dessa forma, a lei humana é tornada obsoleta. Entretanto,

tais extremistas recorrem à interpretação de precedentes históricos que validam seu

uso de conceitos islâmicos (TAARNABY, 2002), mas, tal interpretação depende do

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conhecimento adquirido e compilado por seres humanos, não divinos. Esta é a

primeira incongruência do pensamento jihadista.

Para os muçulmanos, o Corão contém as revelações e ensinamentos

presenteadas a Muhammad por Allah. O Corão representa a voz de Deus, e para

entende-lo (como nas outras versões de livros sagrados) é necessário de

interpretação. Para isso, existe a Ijtihad, que significa “interpretação”, e ela é realizada

pelos Ulema, que são um grupo de estudiosos da religião capazes de interpretar

adequadamente o Corão e aconselhar o significado correto (TAARNABY, 2002). Com

o desenvolvimento e crescimento do Islã, o entendimento da Ijtihad tornou-se cada

vez mais fluido, permitindo interpretações mais distantes do sentido religioso e mais

próximas do campo político.

Um exemplo disso é o conceito de jihad, que significa “esforço” e é

normalmente acompanhado por “no caminho ou causa de Allah”. No Corão, tal

conceito é dividido em jihad interior (é o esforço a ser realizado para viver o dia-a-dia

de acordo com os mandamentos de Deus) e exterior (que significa a resistência física

contra os inimigos do Islã). Em um momento, de acordo com o Hadith, um jovem

procurou Muhammad em busca de juntar-se à jihad militar. O Profeta o perguntou

“Seus pais continuam vivos?” Quando o rapaz confirmou, Muhammad disse “Então

realize sua jihad servindo e cuidando deles” (MORGAN, 2010; p. 87-88). Além disso,

há poucas menções no Corão sobre o uso de “jihad” como sinônimo de “guerra”, e

nenhuma menção sobre seu uso como “guerra santa”.

Sabendo que a Igreja Católica que possui o Papado e suas diversas hierarquias

de bispos; e a Igreja Ortodoxa que possui o Patriarca Ecumênico, e seus bispos; e o

Arcebispo de Cantebury, da Igreja Anglicana. Diferentemente delas, o Islã não possui

hierarquia em sua organização e não possui uma autoridade central, nem sequer o

califa detinha autoridade central religiosa.

Tendo isso em mente, a questão é: O Estado Islâmico é Islâmico? A resposta

é, sim, o IS é islâmico. Afinal, o mesmo segue as doutrinas islâmicas interpretadas

pelo ramo salafista do Islã, apesar de serem ultrarradicais e extremistas. Tal seita é

originária do wahabismo saudita, que é a seita muçulmana que possui controle sobre

Meca e Medina, as duas cidades mais importantes para o Islã. Isto, somente, já os

dão legitimidade de considerar-se um grupo muçulmano.

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Entretanto, mesmo com a autodeclaração de califa por Abu Bakr al-Baghdadi,

o IS não possui liderança sobre outros muçulmanos, ou legitimidade para exerce-la,

já que não existe autoridade central no islamismo.

3.2. Retorno ao ideal do Califado

Uma questão central da ideologia do IS desde sua criação, foi a declaração do

califado. Embora ambos al-Qaeda Central e o Estado Islâmico buscassem a criação

de um califado islâmico sunita, para a al-Qaeda isso era um objetivo muito mais

utópico e etéreo, mesmo após quase 30 anos de existência. Já o IS, buscou

ativamente a criação do mesmo. Apesar disso, aparentemente, a AQC talvez tenha

sido influente no estabelecimento do paradigma do IS, tanto que em uma

correspondência entre Abu Musab al-Zarqawi e Sayf al-Adel (um chefe estrategista

militar da al-Qaeda) em 2001, este último menciona que

Isto [seria] nossa oportunidade histórica por meio da qual talvez nós seriamos capazes de estabelecer o Estado Islâmico, que teria o papel principal na erradicação da opressão e ajudando a estabelecer a Verdade no mundo, se Deus quiser. Eu estava de acordo com meu irmão Abu Mus’ab nesta análise.76 (BUNZEL, 2015; p. 15)

Em 2005 (lembrando que nesse momento o IS ainda era subordinado a al-

Qaeda), outras três correspondências foram trocadas entre os grupos, e a al-Qaeda

estava otimista na criação de um estado. Em uma delas, como relatado por Bunzel

(2015, p.15), al-Adel afirma que os “fatos e circunstâncias, meu querido irmão, são

propícios e favoráveis para o anúncio deste estado”77. Em outra, desta vez para

Atiyyat Allah ‘Abd al-Rahman al-Libi, este declara que Zarqawi deveria “destruir o

poder e o Estado, e erigir dos destroços o Estado Islâmico, ou ao menos [o que] virá

a se tornar o bloco de construção na direção correta”78 (BUNZEL, 2015; p. 15).

76 [Tradução livre] No texto original lê-se: This [would be] our historical opportunity by means of which perhaps we would be able to establish the Islamic State, which would have the main role in eradicating oppression and helping establish the Truth in the world, God willing. I was in agreement with my brother Abu Mus‘ab in this analysis. 77 [Tradução livre] No texto original lê-se: facts and circumstances, my dear brother, are propitious and favorable for announcing this state. 78 [Tradução livre] No texto original lê-se: destroy a power and a state and erect on their debris the Islamic State, or at least [what] is to be a building block in the right direction toward it.

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63

Tal ideal mitológico é uma ideia relevante na ideologia do IS, pois tal paradigma

remonta ao terceiro grande reino muçulmano, o califado Abbasid que manteve sua

capital em Bagdá por quase cinco séculos79 (GOLDSHMIDT, DAVIDSON, 2010).

Nesse momento, o reino de Abbasid foi o centro da era de ouro do islã, e Bagdá tinha

se tornado, talvez, o maior produtor de conhecimento, ciência e filosofia da época.

3.3. Terrorismo e o Estado Islâmico

Apesar das diversas definições de terrorismo espalhadas em livros e em

campos das ciências sociais, existe um conceito geral que permeia as ideias dos

pesquisadores deste campo. Conceitua-se terrorismo como uma forma de guerrilha

psicológica que tem como objetivo de espalhar medo e ansiedade sobre uma

população alvo. Este medo volta-se como pressão sobre os tomadores de decisão,

com objetivo destes alterarem suas políticas de forma a servir os interesses dos

terroristas. Dessa forma, estes criminosos buscam tirar proveito dos valores liberais

dos estados democráticos como resultado de ramificações físicas, econômicas e

psicológicas de tais ataques (GANO,2009).

De acordo com a Muslim World League (2001) o

Terrorismo é um ataque espantoso realizado tanto por indivíduos, quanto por grupos ou estados contra o ser humano (sua religião, vida, intelecto, propriedade e honra). Inclui todas as formas de intimidação, injúria, ameaça, e assassinato sem uma causa... desde que aterrorize e horrorize pessoas através de ferimentos, ou expondo suas vidas, liberdade, segurança ou condições ao perigo... ou expor um recurso nacional ou natural ao perigo.80

Heather S. Gregg (2014) define os principais tipos de terrorismo como:

1) Terrorismo de esquerda81: possui características marxistas ou neomarxistas

(buscam promover a revolução do proletariado), ou anarquistas (buscam destruir o

governo) ou socialistas (buscam reestruturação econômica).

79 Bagdá foi a capital do Califado Abbasid de 762 a 796, 809 a 836 e 892 a 1258, quando o império foi conquistado pelos mamelucos e a capital moveu-se para Cairo, no Egito. 80 [Tradução livre] No texto original lê-se: “Terrorism is an outrageous attack carried out either by individuals, groups or states against the human being (his religion, life, intellect, property and honor). It includes all forms of intimidation, harm, threatening, killing without a just cause… so as to terrify and horrify people by hurting them or by exposing their lives, liberty, security or conditions to danger… or exposing a national or natural resource to danger” 81 Exemplos de grupos terroristas de esquerda são os Montoneros e o Ejército Revolucionario del Pueblo (ERP) na Argentina; os Red Brigades na Itália e os exércitos vermelhos no Japão e na

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2) Terrorismo de direita82: possuem características fascistas e nacionalistas e de

supremacia racial.

3) Terrorismo étnico-separatista83: buscam derrotar forças estrangeiras de

ocupação e criar um estado etnicamente independente.

O terrorismo religioso possui características dos três tipos de terrorismos

supracitados, entretanto, a falta de consenso acadêmico-científico torna difícil a

teorização deste tópico. Tanto que David Tucker (2001; p. 7) afirma que “o termo

‘terrorismo de motivação religiosa’ não é analiticamente útil”84. Apesar disso, Gregg

(2014, p. 39) define o terrorismo de motivação religiosa como “a ameaça ou uso da

força com objetivo de influenciar ou coergir governos e/ou populações em direção a

objetivos salientemente religiosos.”85

A autora Heather S. Gregg define que o terrorismo religioso está dividido em

três categorias: Terrorismo apocalíptico, Terrorismo teocrático e Terrorismo de

limpeza religiosa. Interessantemente, o Estado Islâmico passou, em suas diversas

encarnações, por todas essas categorias.

O terrorismo apocalíptico tem sua principal motivação em causar destruição

cataclísmica sobre as pessoas, a propriedade ou ao ambiente, com objetivo de trazer

o fim do mundo, como descrito nos mitos religiosos. De acordo com a autora, este é

o tipo de terrorismo religioso mais comum (GREGG, 2014). O IS durante suas

primeiras aparições, sob a liderança de Zarqawi, utilizava-se da narrativa de criar uma

guerra sectária, onde, após uma série de presságios o Mahdi86 retornaria.

Tanto que, de acordo com William McCants (2015), em 2008, um dos líderes

do ISI buscou Osama bin Laden em correspondência e revelou que eles estavam

falando sobre o Mahdi, e tomando decisões estratégicas baseadas na sua chegada,

com isso, a al-Qaeda respondeu ordenou que abandonassem tal ideologia.

O terrorismo apocalíptico é particularmente perigoso, pois, a ideologia deste é

baseada na destruição do mundo, e é um dos tipos de terrorismo mais desconexos

Alemanha; o Popular Front for the Liberation of Palestine (PFLP) na Palestina e o Ejército de Liberación Nacional (ELN) na Colômbia. 82 Exemplos de grupos terroristas de direita são a Klu Klux Klan, a Iron Guard romena e os Neonazistas. 83 Exemplos de grupos terroristas étnico-separatistas são o Irgun israelense, o Irish Republican Army (IRA) e o Euskadi Ta Askatasuna (ETA) basco. 84 [Tradução livre] No texto original lê-se: the term ‘religiously motivated terrorism’ is not analytically useful. 85 [Tradução livre] No texto original lê-se: the threat or use of force with the purpose of influencing or coercing governments and/or populations towards saliently religious goals. 86 Mahdi seria o messias profetizado no Hadith, e ele viria à Terra antes do Dia do Julgamento com objetivo de livrar o mundo do mal. (MOMEN, 1985)

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da realidade, dificultando muito a realização de contraterrorismo e a negociação com

tais grupos. Além disso, muitos deles não teriam dúvidas morais ao usar armas de

destruição em massa ou armas químicas para infligir o máximo de dano possível

(GREGG, 2014).

O segundo tipo de terrorismo descrito por Gregg (2014) é o teocrático. Os

grupos que utilizam tal ideologia focam-se na criação de um estado teocrático, no caso

islâmico, este teria a implantação da Sharia e de outros costumes ultraconservadores.

Observa-se que grupos com foco em state-building não são novos, como o próprio

Osama bin Laden afirmou, em uma entrevista em 2001, “Nós queremos o retorno

desta nação [Afeganistão] sob o califado Islâmico, como previsto pelo profeta em suas

tradições. Ele disse que o califado irá retornar”87 (FBIS, 2004; p. 242).

Nas declarações para a mídia em junho de 2014, o porta-voz do IS Abu

Mohamed al-Adnani falou que “A legalidade de todos os emirados, grupos, estados e

organizações tornam-se nula através da expansão da autoridade do califa e a

chegada de suas tropas (...) Ouça a seu califa, e o obedeça. Suporte seu estado que

cresce todo dia” (AL-JAZEERA, 2014). Observamos, assim, que o IS também se

qualifica como praticante do terrorismo teocrático.

O último tipo de terrorismo religioso descrito pela autora é o terrorismo de

limpeza religiosa. Este foca-se na limpeza de ‘infiéis’ (seguidores de outras seitas,

como os xiitas, alauitas, yazidis, curdos sunitas, entre outros), com objetivo de criar

um estado religiosamente ‘puro’, fazendo toda a população conformarem-se a mesma

interpretação da fé.

Tal terrorismo é similar ao de limpeza étnica, mas o fator motivador é o

sectarismo, não o racismo ou xenofobia. Por isso observa-se grupos fundamentalistas

como a al-Qaeda, a Jabhat al-Nusra ou o IS com uma grande diversidade étnica.

O IS também pode ser classificado como um grupo de limpeza religiosa, já que

diversas vezes realizou ataques mortais contra minorias religiosas, como o

assassinato de mais de 5 mil yazidis (UNHRC, 2015), e o ataque da mesquita de Iman

Ali em 2003, que matou o Aiatolá Mohammad Baqir al-Hakim (mais importante clérigo

xiita do Iraque e líder da Assembleia Suprema Islâmica do Iraque) com objetivo de

causar uma guerra sectária.

87 [Tradução livre] No texto original lê-se: “We want the revival of this nation under the Islamic caliphate, as predicted by the prophet in his traditions. He said that the caliphate would return.”

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Tanto que, em 2004 a ONU classificou o IS como uma organização terrorista

(naquela época AQI), assim como a União Européia. Diversos países também o

classificou nessa categoria (Austrália, Canada, Turquia, EAU, USA, Arábia Saudita,

EUA, Rússia, Reino Unido, entre outros).

3.4. O Estado Islâmico como um ‘Rogue State’

Primariamente, devemos começar com uma breve concepção de Estado. No

ensaio ‘Política como vocação’ do ilustre sociólogo Max Weber (1919, p. 98), é

afirmado que o Estado contemporâneo “é uma comunidade humana que pretende,

com êxito, o monopólio do uso legítimo da força física dentro de um determinado

território.” Utilizando o paradigma weberiano podemos afirmar que o Estado Islâmico

é um Estado. É possível, também, aplicar a teoria de Weber na liderança do IS, no

qual o próprio Abu Bakr al-Baghdadi possui algum grau de carisma, ou como o autor

descreve, ‘dom da graça’, onde Baghdadi uniu um grande número de grupos e tribos

sob sua liderança carismática.

Deve ser levado em consideração, que o Estado Islâmico não é um Estado de

acordo com as definições modernas. De acordo com as mesmas, além das

características descritas por Max Weber, o Estado deve possuir reconhecimento

internacional. Dessa forma, o IS deveria ser categorizado como um quasi-state ou um

proto-state, em contraste com os Estados de facto já estabelecidos.

Como um exercício de abstração, tomando o IS como um Estado, nessa seção

será questionado se tal organização pode, ou não, ser definida como um rogue state.

Desde o final da Guerra Fria, os Estados Unidos começaram a utilizar a retórica

republicana de ‘rogue states’. Tais estados são acusados de violar as normas

internacionais, por exemplo, financiar terrorismo internacional, perpetuar abusos de

direitos humanos e buscar armas de destruição em massa. Tratados como párias pela

comunidade internacional (especialmente pelos aliados dos EUA), os rogue states

ficam muitas vezes sujeitos ao isolamento diplomático, embargos econômicos,

sanções políticas e econômicas, e até intervenções militares (HOYT, 2000). Exemplos

deste tipo de estado são: Cuba (antes da abertura econômica), Irã, Iraque (pré-

invasão americana), Líbia, Síria, Sudão e Coréia do Norte.

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Enquanto este conceito seja um tanto subversivo e tendencioso da parte dos

tomadores de decisão americanos, o mesmo é indiretamente abordado na teoria da

imagem de Boulding, que explica que imagens são definidas como “figuras

conscientes descritas por países estrangeiros, nos quais seu líder representa através

da linguagem88” (1956, apud HOYT, 2000; p 306). Isto é, são os paradigmas

conceituais criados por líderes para expressar suas intenções sobre outro país.

Entretanto, apesar dessa função retórica e um tanto imperialista, o Estado

Islâmico busca, ao menos indiretamente, a destruição do sistema estatal instituído na

região desde o acordo de Sykes-Picot, em 1916. Com a destruição das fronteiras na

Síria e do Iraque, tal acordo não têm mais vigência nos territórios que o IS controla,

ao menos, essa é a visão do grupo e de seus suportadores.

Tanto que, quando o IS anunciou o califado, foi postado o vídeo intitulado “O

fim de Sykes-Picot89” por um jihadista chileno. Neste vídeo, o indivíduo aponta para o

mapa da fronteira do Iraque e da Síria e fala que “não há mais fronteiras aqui. Agora

tudo isso é um país só”, o jihadista continua afirmando que “Baghdadi é o quebrador

de fronteiras. Esta não é a primeira fronteira que derrubamos e não será a última (...)

Não há nacionalidade, somos todos muçulmanos. Isto é somente um único país” (AL-

ARABIYA, 2014).

Pode-se dizer que IS é contrário a ordem internacional estabelecida no século

passado. Dessa forma, é plausível dizer que o Estado Islâmico é contrário ao estudo

das relações internacionais e do esforço que tal campo científico teve ao prevenir

guerras e conflitos? Essa afirmação pode ser um tanto controversa, já que um dos

principais causadores desta crise foram os EUA, e poucos os consideram um rogue

state.

Entretanto, através da negação das normas internacionais de soberania, sua

brutalidade e ataques contra os direitos humanos, e suas ações deliberadas em

causar guerras civis na região, arrisco-me a dizer que sim, o Estado Islâmico é um

rogue state, e deve ser contido.

88 [Tradução livre] No texto original lê-se: conscious pictures, descriptions of foreign countries that a leader presents through language. 89 [Tradução livre] No texto original lê-se: The End of Sykes-Picot.

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3.5. Seria o IS um movimento de libertação nacional?

Se é suposto que no sistema internacional os estados devem seguir o direito

legal de autodeterminação dos povos, mas o estado em questão nega tal

possibilidade, a sua população (ou a uma parte dela) pode declarar guerra contra tal

estado para adquirir esse direito, já que não há normas internacionais que previnem

atos de rebelião. Esses conflitos são chamados de “guerras de libertação nacional”.

Apesar de desencorajar tais conflitos e buscar uma resolução pacífica, é

comumente aceitável a utilização de tais guerras para buscar a autodeterminação. De

acordo com o parágrafo 10 da resolução 2105 (XX) da Assembleia Geral das Nações

Unidas de 1965, ela

reconhece a legitimidade da luta pelas pessoas sob domínio colonial em busca de exercer seu direito de autodeterminação e independência, e convida todos os estados para fornecer assistência moral e material aos movimentos de libertação nacional nos territórios coloniais.90 (MALANCZUK, 1997; p. 337)

A ONU não reconhecia somente aqueles povos que estavam sob domínio

colonial como merecedores de tal direito, mas também reconhece o povo palestino e

os sul-africanos que viviam sob o regime do apartheid.

No artigo 27 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos é dito que

Naqueles estados em que existam minorias étnicas, religiosas ou linguísticas, as pessoas que fazem parte de tais minorias não devem ser negadas o direito, em comunidade com seus outros membros do grupo, de desfrutar sua cultura, professar e praticar sua religião, ou usar sua língua.91 (MALANCZUK, 1997; p. 338)

Tal artigo implica que grupos que não têm direito de secessão (ou de

autodeterminação externa), devem possuir alguma forma de autonomia interna sob a

estrutura de um estado. Entretanto, este artigo não garante o direito de secessão, já

que minorias não são reconhecidas como sujeitos do direito internacional,

controversamente, tal artigo não proíbe a busca de sucessão por tais grupos de

minorias (MALANCZUK, 1997).

90 [Tradução livre] No texto original lê-se: recognizes the legitimacy of the struggle by peoples under colonial rule to exercise their right to self-determination and independence and invites all states to provide material and moral assistance to the national liberation movements in colonial territories. 91 [Tradução livre] No texto original lê-se: In those States in which ethnic, religious or linguistic minorities exist, persons belonging to such minorities shall not be denied the right, in community with the other members of their group, to enjoy their culture, to profess and practise their own religion, or to use their own language.

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Malanczuk (1997) continua o debate, dizendo que caso o conflito interno de um

país escalou a ações genocidas, a “secessão torna-se uma resposta legítima que

deve ser protegida pela comunidade internacional” (p. 340). Ele vai além, citando

Thomas Franck (1993, apud MALANCZUK, 1997; p. 340), que diz que em

circunstâncias em que

a uma minoria em um estado soberano – especialmente se ela ocupa um território descontínuo em tal estado – são negada igualdade política e social e oportunidade de reter sua identidade cultural... é concebível que a lei internacional defina tal repressão, proibida pelo Pacto dos Direitos Políticos, como vinda de uma definição estendida de colonialismo. Tal repressão, mesmo por um estado independente não normalmente visto como sendo ‘imperial’ daria, então, um incentivo para o direito de ‘descolonização’92

Fawaz Gergez (2013) argumenta que o oriente médio manteve suas raízes

coloniais após a descolonização, e que as crises atuais da região são baseadas na

falência da descolonização.

Portanto, tendo em vista que o sistema internacional não é contrário aos tais

movimentos, a luta do Estado Islâmico contra o estado sectarista iraquiano de Maliki

e contra a invasão ilegal dos EUA no Iraque, seria legítima? Argumento que não, já

que enquanto a luta contra um governo autocrático e ditatorial é adequada, de acordo

com as normas internacionais, o uso de extrema brutalidade e violência, adicionado

com suas intenções expansionistas e a negação da ordem internacional, reforçam sua

ilegitimidade perante ao cenário internacional. Então, não, o Estado Islâmico não seria

um exército de libertação nacional, e a comunidade internacional não deve conceder

legitimidade de secessão a este grupo.

92 [Tradução livre] No texto original lê-se: a minority within a sovereign state—especially if it occupies a discrete territory within that state—persistently and egregiously is denied political and social equality and the opportunity to retain its cultural identity…it is conceivable that international law will define such repression, prohibited by the Political Covenant, as coming within a somewhat stretched definition of colonialism. Such repression, even by an independent state not normally thought to be ‘imperial’ would then give rise to a right of ‘decolonization’

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3.6. Sobre o financiamento do Estado Islâmico

Para manter sua capacidade organizacional, como qualquer outra organização,

o Estado Islâmico necessita de meios de aquisição de capital econômico. De acordo

com o Financial Action Task Force93 (FATF), o IS recebe financiamento de cinco

fontes principais, sendo elas (como mostrado na figura 13):

1) Atividades ilícitas advindas da ocupação territorial;

2) Sequestro de reféns;

3) Doações feitas por ou através de organizações sem fins lucrativos;

4) Suporte material relacionado aos combatentes terroristas estrangeiros;

5) Arrecadação de fundos através de redes de comunicação modernas.

A principal forma de renda que o IS recebe vem de sua ocupação territorial. O

grupo estabeleceu maneiras sofisticadas de extorsão, focadas no controle das

instituições bancárias do antigo estado iraquiano.

O departamento do tesouro americano (2015) estima que o IS tem ou teve

acesso a não menos que meio bilhão de dólares desde que obteve controle sobre os

bancos estatais nas províncias de Ninevah, Al-Anbar, Salah Din e Kirkuk, desde

metade de 2014 (FAFT, 2015).

Figura 17 – Fontes de financiamento do Estado Islâmico por tipo (estimativa)

Fonte: BRISARD, MARTINEZ, 2014; p. 9.

93 O Financial Action Task Force, também conhecido como Groupe D’action Financière, é uma organização intergovernamental criada em 1989 pelo G7, com objetivo de desenvolver protocolos para combater lavagem de dinheiro. Em 2001, seus protocolos foram expandidos para impedir e investigar financiamentos às organizações terroristas.

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O roubo de bancos também é uma ameaça constante em áreas que o grupo

atua mais livremente, como em Faluja e Ramadi no Iraque, e em Raqqa, Alepo e Deir

ez-Zor na Síria.

O tráfico de pessoas também é uma fonte de renda do grupo, especialmente

focando-se em mulheres e crianças. De acordo com o FAFT (2015), a rede BBC

entrevistou mulheres de uma comunidade Yazidi no norte do Iraque, e elas

descreveram como muitas eram vendidas e compradas em “leilões de escravos”, pelo

preço de $13 dólares. Em um caso, uma mulher Yazidi foi retornada a família após

pagar resgate de $3,000 dólares. Em 2014, estima-se que o IS levantou entre 20 a 45

milhões de dólares em sequestros (FAFT, 2015).

O controle dos depósitos de gás natural e de petróleo também são fontes de

renda bastante lucrativas, já que o Iraque detém grandes reservas de tais minérios.

Antes das campanhas aéreas dos EUA e da Rússia, o IS detinha controle sobre cerca

de 350 poços de óleo no Iraque e 60% dos poços na Síria. Em agosto de 2014, é

estimado que o grupo produzia cerca de 80,000 barris de óleo por dia, e os vendendo

por $40 dólares o barril (LEVITT, 2014).

As redes de extorsões do IS se estendem ao setor agrícola, na forma de

“zakat94”. Além disso, o grupo confiscou o maquinário agrícola dos fazendeiros,

alugando de volta a seus ex-donos. Adicionando a essas atividades criminais, eles

também controlam os preços dos produtos no mercado, assim como seu

armazenamento e distribuição.

O Estado Islâmico também possui controle sobre os sítios arqueológicos da

região, realizando a venda dos artefatos culturais através do mercado negro. De

acordo com a National Geographic, o IS ocupa mais de 4,500 sítios arqueológicos,

alguns deles sob proteção da UNESCO. É sabido que algumas dessas relíquias

remontam mais de 8 mil anos (FAFT, 2015).

Embora o IS receber doações externas, tal fonte de capital é relativamente

pequeno, tanto que David Cohen (subsecretário do tesouro americano) afirmou que o

grupo “deriva parte de seus fundos de doadores ricos, [mas] apesar de, [eles] não

dependerem fortemente de redes de doadores externos, os mesmos mantêm ligações

94 O Zakat é uma forma de tributo religioso obrigatório e varia de 2,5% a até 20% dependendo do produto.

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com financiadores no golfo95” (LEVITT, 2014; p. 5). Mesmo assim, o grupo acumulou

ao menos $40 milhões de dólares ou mais em doações de países produtores de

petróleo, como a Arábia Saudita, Qatar e Kuwait.

Em setembro de 2014, estimativas colocam a renda diária do IS em 3 milhões

de dólares, e o valor total de seus bens em 1.3 a 2 bilhões de dólares, tornando o

grupo como a organização terrorista mais rica do mundo. Nesse prisma, o IS possui

renda maior que algumas nações como Tonga, Nauru e as ilhas Marshall (LEVITT,

2014).

De acordo com LEVITT (2014), as agências de segurança internacionais (e

financeiras) deveriam considerar o seguinte:

1) Continuar a campanha de ataques aéreos contra os centros financeiros do IS

(refinarias e poços de petróleo), assim como contra as rotas de contrabando;

2) Utilizar-se de inteligência financeira com foco nos intermediários,

especificamente, no que se refere ao mercado de petróleo;

3) Trabalhar em conjunto de governos e agencias intergovernamentais (como a

FAFT e a MENAFAFT96) com objetivo de parar o fluxo de doações de países como o

Kuwait, Qatar e Arábia Saudita;

4) Isolar o mercado financeiro internacional do IS, incluindo o bloqueio

internacional de bancos situados no Iraque;

5) Continuar a pressão internacional e estabelecer um consenso contrário ao

pagamento de resgate a grupos terroristas;

6) Como parte da campanha aérea, expulsar o grupo de áreas que podem

proporcionar ao mesmo renda (recursos naturais, sítios arqueológicos, rotas de

contrabando, locais de extorsão e taxação, etc.);

7) Em longo prazo, ajudar a estabelecer reais instituições políticas no Estado

iraquiano, assim como fundamentar agências de segurança capazes de controlar e

processar iniciativas criminais que possam estar realizando o financiamento do grupo;

8) Expandir os esforços de contenção do financiamento ilegal de grupos

terroristas para além da Síria e do Iraque.

95 [Tradução livre] No texto original lê-se: derives some funding from wealthy donors, [but] even though [it] currently does not rely heavily on external donor networks, it maintains important links to financiers in the Gulf. 96 Middle East and North Africa Financial Action Task Force (MENAFAFT).

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3.7. Sobre os ‘Foreign Fighters’

Um dos pontos que chama mais atenção quando se estuda o IS e outros grupos

insurgentes radicais é a questão dos combatentes estrangeiros (foreign fighters). Este

fenômeno, onde indivíduos deixam suas casas e países para intervir em um conflito

que acontece, muitas vezes a milhares de quilômetros de distância, não é um

fenômeno novo. Campos de mercenários compostos por guerreiros de diversos

backgrounds diferentes estiveram presentes há muito tempo na história humana.

Obviamente, é complicado chegar a fortes conclusões sobre a quantidade de

guerrilheiros, suas origens, intenções, etc., mas a inteligência americana estima que

desde 2011, mais de vinte mil combatentes estrangeiros viajaram para o Iraque e para

a Síria, deles cerca de 3,400 eram ocidentais e a grande maioria destes eram

europeus (ARCHICK, et al., 2015), como mostrado na figura 14.

Figura 18 – Combatentes europeus na Síria e no Iraque em janeiro de 2015

Fonte: ARCHICK, et al., 2015; p. 10.

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Talvez essa quantidade não pareça muito grande, mas comparando com o

fluxo de guerrilheiros que foram ao Afeganistão durante 1979 e 1989 (invasão

soviética do Afeganistão) e depois quando a al-Qaeda se instalou em tal país, até

2001 (quando os americanos os derrotaram), o número era de no máximo 20,000

combatentes. De fato, para alguns estudiosos no assunto tal número talvez não tenha

passado de mais de 5,000 indivíduos (BARRETT, 2014). Mesmo utilizando o número

alto de 20 mil combatentes em duas décadas de conflito no Afeganistão, em quatro

anos o IS trouxe uma quantidade de pessoas muito mais alta, relativamente.

Além disso, no Afeganistão o principal contingente dos estrangeiros vinha de

países árabes e de alguns poucos países ocidentais. De acordo com Barrett (2014),

é sabido que há combatentes de, ao menos, 83 países diferentes.

Uma questão importante nesse sentido é sua motivação, por que eles vão?

Qual o sentido que um inglês de 41 anos com três filhos, abandona sua casa para se

tornar um homem-bomba na Síria? (CASCIANI, 2014) Essa é uma pergunta

complicada, pois o motivo varia de indivíduo a indivíduo.

Mas existem alguns temas em comum, um deles é a enorme crise de desilusão

entre os jovens do oriente médio (e em outras regiões, também), devido ao

desemprego que em alguns países, como a Tunísia que chega a 40%.

Interessantemente, a Tunísia é o país que mais exporta foreign fighters do mundo.

Talvez eles tenham problemas em se relacionar com outras pessoas, ou

problemas familiares, ou talvez eles não tenham passado pelo processo de inclusão

na sociedade. Muitos não possuem um sentido de pertencimento ou de identidade, ou

não se identificam com seu governo ou com as políticas públicas que determinam seu

futuro. Portanto, eles deixam sua terra natal para buscar acolhimento e uma vida nova,

quase com uma visão de redenção.

Uma grande parcela também vai pelo motivo religioso, a vida no islã como era

nos tempos dos primeiros califados. Como o estudioso do Islã, William McCants (apud

BYMAN, SHAPIRO, 2014; p. 13) explica

a Síria é muito importante para esta narrativa. No início das profecias islâmicas sobre o fim dos dias, poucas regiões importam mais que a Síria. O profeta recomenda durante as últimas batalhas ir lutar na Síria se você puder; se não puder, vá para o Iêmen. O profeta também fala sobre um grupo de fiéis – os verdadeiros fiéis – que irão perseverar até o fim e lutarão nas ultimas

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batalhas. Eles irão se encontrar na Síria – em Damasco – e ao redor de Jerusalém, onde lutarão por Deus até a hora final.97

Novamente, observa-se a tentativa deles de pertencer a um ideal maior. Não é

uma decisão tomada levianamente, é a vontade de participação, de serem liderados.

É ter uma direção definida, e nesse propósito reside uma grande satisfação espiritual.

Outros buscam respeito e reconhecimento, principalmente aqueles que vêm de

países árabes ou africanos, com alto nível de desemprego. Uma parcela deles

também possui algum tipo de doença mental (NEUMANN, 2015), levando-os a ter

uma visão errônea da realidade, e criando uma certa desconexão com a população

de seu país. Estes fatores são descritos por Barrett (2014) como push factors98, e eles

estão normalmente ligados com o sentimento de pertencimento e de identidade.

Já os pull factors99 são os motivos que trazem pessoas para o Estado Islâmico,

a principal narrativa é “Esqueça o que aconteceu nos séculos passados. Isto é

totalmente novo, e você fará parte dele. Você estará ajudando a criar.” (BARRETT,

2014). Eles acreditam que serão heróis e que farão parte da história da região. Esta é

uma narrativa muito atrativa.

A criação de um Estado novo, juntamente com a sensação de fazer parte de

uma irmandade com muitas pessoas de um histórico e ideologia similar, cria uma ideia

falsa de causa nobre, que é “seu dever”, “sua obrigação” em fazer parte. Isso,

juntamente com o fato do indivíduo não necessitar de capacidades especiais, como o

próprio Abu Bakr al-Baghdadi menciona em um de seus discursos “Não importa se

você sabe lutar ou não. Nós precisamos de pessoas. Nós queremos pessoas que nos

ajudem a conduzir este estado” (BARRETT, 2014).

Também sabe-se que estes estrangeiros são mais radicais que os membros

nativos da região. São eles que realizam os atos mais brutais feitos pelo IS. De acordo

com Thomas Hegghammer (2014; p. 1) os

combatentes estrangeiros são representados, aparentemente, como os realizadores dos piores atos do Estado Islâmico. Então eles ajudam a radicalizar o conflito – tornando-o mais brutal. Eles provavelmente também tornam o conflito mais intratável, porque aqueles que vem como combatentes

97 [Tradução livre] No texto original lê-se: Syria is very important to this narrative. In the early Islamic prophecies about the end of days, few regions matter more than Syria. The prophet recommends during the last battles to go fight in Syria if you can; if you can’t, go to Yemen. The prophet also talks about a group of believers—the true believers—who are going to persevere until the end and fight in the last battles. They will gather in Syria—in Damascus— and around Jerusalem, where they will fight for God until the final hour. 98 Push factors são fatores geralmente desfavoráveis que levam a saída do indivíduo (LEE, 1966). 99 Pull factors são fatores que atraem um determinado indivíduo a outra área (LEE, 1966).

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estrangeiros são, em média, mais ideológicos que o típico rebelde sírio. Então eles são menos propensos a se comprometer e chegar a um acordo de cessar-fogo100

Há, também, o fenômeno belga. Por que um país como a Bélgica gerou cerca

de 440 combatentes (média de 40 guerrilheiros por milhão de habitantes), sendo que

a mesma possui um sétimo da população da Alemanha, e esta gerou entre 500-600

jihadistas (média de 7.5 guerrilheiros por milhão de habitantes)? Este fenômeno

também afetou os países escandinavos como a Dinamarca que gerou entre 100-150

combatentes (média de 27 guerrilheiros por milhão de habitantes) (NEUMANN, 2015).

Por que tais países geraram tantos jihadistas? Infelizmente acredito que ainda não há

respostas para esse fenômeno.

Figura 19 – Modelo Complexo de Radicalização de Combatentes Estrangeiros

Fonte: BYMAN, SHAPIRO, 2014; p.23.

Byman e Shapiro (2014) desenvolveram um modelo teórico de como se dá o

processo de radicalização em cinco estágios (como demonstrado na figura 15), são

eles:

100 [Tradução livre] No texto original lê-se: Foreign fighters are overrepresented, it seems, among the perpetrators of the Islamic State’s worst acts. So they help kind of radicalize the conflict – make it more brutal. They probably also make the conflict more intractable, because the people who come as foreign fighters are, on average, more ideological than the typical Syrian rebel. So they’re less likely to compromise and to agree to ceasefires.

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1) Decisão: Neste momento, o indivíduo ainda está em dúvida quanto a sua

participação. Portanto, existem três possibilidades: a família ou comunidade intervém

e consegue convencer o indivíduo a não participar, ou o mesmo opta por uma opção

pacífica ao combate; Ou a pessoa decide seguir em frente e viajar para o local do

conflito.

2) Viagem: O indivíduo pode ser preso durante a viagem, ou deportado, se for

parado nas fronteiras; ou pode ser bem-sucedido e conseguir chegar ao conflito.

3) Treinamento e combate: lá ele obtém treinamento e passa a lutar contra os

inimigos do grupo. Ele pode ser morto em combate ou continuar lutando no conflito.

O indivíduo também pode retornar ao país de origem.

4) Retorno: Caso o combatente retorne ao país de origem, ele pode ser preso; ou

pode se desradicalizado e reintegrado à sociedade, ou ele pode não desejar atacar

seu país. Existe a possibilidade que ele tenha desejo de cometer terrorismo em seu

país.

5) Planejamento: Caso ele deseje conspirar um ataque terrorista em seu país, seu

ataque pode ser descoberto pelos serviços de segurança do estado, o ataque pode

fracassar devido à falta de treinamento ou capacidade; ou o ataque pode ser bem

sucedido e causar sofrimento em seu país de origem.

Devemos notar que a questão dos combatentes estrangeiros não é monolítica.

Não há uma identidade comum entre eles, suas ideologias, nacionalidades, visões

religiosas são heterogêneas e devem ser tratadas dessa forma, somente assim será

chegado a uma resposta real capaz de diminuir o fluxo de insurgentes para o Iraque

e a Síria.

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CONCLUSÃO

O Oriente Médio é, desde após a Primeira Guerra Mundial, uma das regiões

mais atribuladas do mundo, e os eventos atuais demonstram que há pouca esperança

que isso mude em curto prazo. Neste trabalho foi analisado a história do Iraque e da

região com objetivo de compreender as causas da ascensão do Estado Islâmico como

a maior organização terrorista da região, ou talvez, do mundo.

Uma delas foi a Campanha da Fé instituída pelo Iraque de Saddam Hussein no

final da década de 1980. Tal campanha mudou radicalmente a natureza secular do

país, de ideologia pan-arabista socialista para pan-islâmica, criando um

“Frankenstein” ba’athista-salafista.

Outra causa foi a instituição do Coalition Provisional Authority e de suas

consequencias inesperadas, tanto que, Dawisha (2009) explica que um dos aspectos

inesperados da deposição de Saddam foi a extensão que se deu o colapso das

instituições civis e militares do Iraque. Mas esse não foi o único erro do governo

provisório.

Talvez o pior erro cometido pela coalisão americana e pelo governo de

transição tenha sido a criação das políticas de des-ba’ahtificação do Iraque, que

deixou mais de 500 mil oficiais, soldados e empregados do antigo regime

desempregados e sem perspectiva de futuro. Isto levou muitos deles a participar de

grupos insurgentes terroristas.

Outro motivo da ascensão do IS foram as políticas sectaristas instituídas pelo

governo de Nouri al-Maliki como primeiro ministro. Em 2009, o Estado Islâmico tinha

sido derrotado pela milícia do movimento Sahwa auxiliadas pelos americanos, evento

conhecido como Despertar do Iraque. Pela participação do movimento Sahwa, al-

Maliki tinha prometido incluir a milícia em suas forças de segurança e pagar seus

salários. Mas o governo iraquiano era extremamente corrupto e quebrou a promessa.

Logo o movimento tinha deixado de existir.

Mas, com a morte de Abu Omar al-Baghdadi e Abu Ayyub al-Masri, os principais

líderes do IS em 2010, outro tomou o poder da organização. Abu Bakr al-Baghdadi

assumiu a chefia do grupo terrorista, e ele tinha visões mais amplas e melhor

capacidade de liderança que os anteriores.

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Sabe-se que Abu Bakr al-Baghdadi esteve preso por um ano no Campo Bucca,

um campo prisional americano no Iraque. Tal prisão foi um dos principais centros de

radicalização no Iraque. Supõe-se que al-Baghdadi tenha tido contato com outros

membros da liderança do Estado Islâmico nesse momento, tanto que assim que foi

liberto, o mesmo declarou baya ao Mujahideen Shura Council (organização que

antecedeu o Estado Islâmico do Iraque).

Em 2010, a Primavera Árabe varreu o oriente médio. Alguns governos da região

foram depostos, outros sofreram golpes e tornaram-se democráticos, como foi o caso

da Tunísia. Entretanto, a Primavera Árabe na Síria não teve o mesmo resultado.

Durante esse ano e nos seguintes, a Síria estava em processo de guerra civil

e o governo de Bashar al-Assad perdia cada vez mais território, criando um vácuo de

poder que o Estado Islâmico do Iraque decidiu tirar proveito. Em 2012, o ISI detinha

controle sobre algumas cidades na fronteira do Iraque e Síria, e lá a tentativa de state-

building passou a ser realizada com mais esforço.

Logo, o ISI tinha deixado de se comportar como uma filial da al-Qaeda e as

diferenças ideológicas tornavam-se cada vez mais aparentes. A al-Qaeda não tinha

interesse em atacar outros grupos muçulmanos, em contraste do ISI que utilizava a

guerra sectária para angariar mais seguidores e legitimar suas ações. Mas foi somente

em 2014, quando o grupo decidiu integrar forçadamente o grupo Jabhat al-Nusra (que

faz parte da al-Qaeda Central), e renomear-se para Estado Islâmico do Iraque e da

Síria que o conflito entre as duas organizações eclodiu.

No mesmo ano, após as surpreendentes derrotas do exército iraquiano e a

tomada de Mosul, o ISIS anunciou a criação do califado, e al-Baghdadi como

autointitulado califa. Juntamente com essa declaração, o ISIS demonstrou suas

intenções expansionistas quando abandonou o Iraque e a Síria de suas iniciais,

mantendo somente Estado Islâmico, e anunciando que toda a comunidade islâmica

estava subordinada ao califado.

Apesar da necessidade do estudo histórico para a compreensão dos eventos

atuais no Iraque e na Síria, há uma série de questionamentos que devem ser feitos

para obter-se uma visão completa e correta deste conflito.

Também foi abordado a conceitualização de movimento transnacional, e

averiguou-se que, nas teorias de Wilson e Zirakzadeh, o IS pode ser considerado um

movimento transnacional, apesar do paradigma de Byrne essa afirmação é falsa.

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A conexão do IS com o islã é uma variável importante no conflito. Foi analisado

como o Estado Islâmico não representa o Islã, já que não existe autoridade central no

mesmo. Apesar disso, o IS é islâmico, afinal o grupo utiliza-se de preceitos islâmicos

em suas práticas, e como não há uma autoridade central, tal decisão torna-se

individual.

Outra questão analisada, foi o ideal do califado e como ele é utilizado como

uma ferramenta propagandística. Assim como, o quanto a ideologia propagada pelo

IS é permissiva e perversa, pois ela promete um retorno a um momento ideal, quase

mítico do islã, manipulando pessoas menos iliteradas e desiludidas.

Também foi realizado uma breve análise dos principais tipos de terrorismo

atuais e de sua diferença do terrorismo religioso. Ademais foi observado os três tipos

de terrorismo religioso, apocalíptico, teocrático e de limpeza religiosa, e como o IS

teve características de cada um destes três.

Após, investigamos o transnacionalismo do IS, como a possibilidade do grupo

de ser categorizado como um “rogue state” e de como tal organização é contrária a

ordem internacional e as normas instituídas. Além disso, foi comentado a legitimidade

do grupo como um movimento de libertação nacional, e apesar do IS deter algumas

características de libertação e revolução, suas políticas sectaristas, violentas e

opressoras anulam sua reivindicação como um exército de libertação.

Foi abordado, também, como é feito o financiamento e a economia do IS, de

que forma é realizada a aquisição de capital pelo grupo. Observou-se que a principal

fonte de renda que o grupo possui é territorial, através de taxação da população e da

extorsão e controle das instituições bancárias. Também argumentou-se que o IS

ganha parte de sua renda com o sequestro e tráfico de pessoas, assim como o tráfico

de antiguidades, artefatos arqueológicos e doações por organizações sem fins

lucrativos.

Outro ponto tocado foi seu controle sobre 60% das reservas de petróleo e gás

natural da Síria, e de mais de 350 poços no Iraque; isso permitia que o grupo

movimentasse cerca de 80 mil barris de petróleo diariamente, em agosto de 2014.

Devido ao controle do petróleo, da taxação e da extorsão da população e do sistema

bancário da região, assim como pelos outros meios, o IS tornou-se a organização

terrorista mais bem financiada do mundo, com renda diária estimada em 3 milhões de

dólares e o valor total de seus bens em 1.3 a 2 bilhões de dólares, em setembro de

2014.

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Além dessas, a última questão estudada foi o fenômeno dos combatentes

estrangeiros, onde foi descrito o por que houve um fluxo tão intenso de radicais para

a região e os pull e push factors que levam os jihadistas a abandonar seu país de

origem, e como funciona o modelo de radicalização.

Apesar da destruição completa do grupo ser um objetivo próximo do impossível,

um conjunto de políticas podem ser aplicadas para que a ideologia do grupo seja

contida, seus números diminuam e seu território liberado.

A curto-prazo deve-se impedir o financiamento do grupo. Isto é, frustrar o

acesso e a venda de petróleo do grupo com o auxílio dos países vizinhos. Deve-se

criar políticas para inclusão de muçulmanos e lhes dar participação social e política

na sociedade.

É necessário impedir e dificultar as viagens de possíveis combatentes

estrangeiros para o oriente médio, especificamente para a Síria e para o Iraque; e a

longo prazo restaurar o governo sírio e instituir um modelo inclusivo para a população,

onde não mais uma minoria decidirá o destino da maioria.

É imperativo que os países com interesse na região parem de estimular proxy

wars, e parar de armar e financiar grupos rebeldes. É necessário que o governo

iraquiano e inclua outras parcelas étnicas e religiosas em seu processo de tomada de

decisão, retirando a base social que o Estado Islâmico detém e dando a tal população

voz ativa e participação no governo e nas forças de segurança.

Alcançar o nível de cooperação para realizar tais propostas é possível, mas

difícil, e temo que enquanto essas medidas não forem instauradas, é improvável que

o Estado Islâmico seja derrotado.

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