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O E S S E N C I A L S O B R E

A Companhia Nacionalde Bailado

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O E S S E N C I A L S O B R E

A CompanhiaNacional de BailadoMónica Guerreiro

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Índice

0 9 Só para não iniciados

1 13 Companhia

2 17 Nacional

3 21 Bailado

4 25 Obrigatório (re)ver: O Lago dos Cisnes

5 29 A instituição da CNB

6 33 Armando Jorge

7 37 A função do diretor artístico

8 41 A estrutura orgânica

9 45 A Fada do Açúcar e o Rei das Neves: O Quebra-Nozes

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10 49 1987, 10 anos de CNB

11 51 A profissão de ser bailarino

12 55 Dançar até perecer: Giselle

13 59 Sapatilhas de ponta

14 61 Doenças, sequelas & superstições

15 65 Curta, carreira curta

16 69 O legado de Balanchine: Serenade

17 73 Uma companhia é uma escola

para profissionais

18 75 Uma companhia é uma escola para todos

19 79 E uma companhia é um museu

para o futuro

20 81 1997, 20 anos de CNB

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21 83 A CNB no mapa-múndi: The Lisbon Piece

22 87 Relação com a música: Subordinação…

23 91 Relação com a música: Sublimação!

24 95 Uma questão de género: As Troianas

25 99 Imagem e(m) movimento

26 103 Clássico da era moderna: A Sagração

da Primavera

27 107 As sucessivas tutelas

28 113 A CNB no Opart

29 117 A crítica

30 121 2007, 30 anos de CNB

31 125 Cenários e guarda-roupa: Vestir o espetáculo

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32 129 Novos «clássicos» portugueses

33 133 Luísa Taveira

34 137 A casa da dança

35 139 Quanto custa?

36 141 Uma geração: Uma Coisa em Forma

de Assim

37 145 Ensaios gerais solidários

38 147 O teatro na dança: A Perna Esquerda

de Tchaikovski

39 153 Pas a pas

40 155 O que fazer daqui para trás: Os 40 anos

da CNB

157 Bibliografia

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0 Só para não iniciados

Reconduzir a um livro com a dimensão desteo significado de uma companhia artística com40anos de idade não é tarefa que se alcance comavista.Àpartida,conheceropassadoeopresentedas temporadas de espetáculos deveria habilitarumescribaadiscorrersobreoquotidiano,osdesa-fios,ascaracterísticas,ospropósitosdeumgrupodebailado.Masasapresentaçõespúblicasdeumacompanhia são como a ponta de um icebergue:a parte visível, cristalina e bem lapidada de umcorpo gigantesco, heteróclito e inconstante, quese protege do olhar público. Mal chega para noscomeçarmos a abeirar da sua realidade.

Veloz e de evolução lenta; arrojada e estetica-mente conservadora; aposta no futuro enquantodevolve o património herdado; crê na linguagempura da dança mas estimula o diálogo interartes;entende-se a si mesma como um desígnio pátriomas posiciona-se, e ambiciona, projeção interna-cional; ocupa tão nobremente um teatro de final

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do século xix como outro 200 anos mais novo;vê-se dirigida por homens e por mulheres, porcoreógrafos e por não coreógrafos, sem perder orumo; nunca tendo sido autónoma, mas passadadetutelaemtutela,soubemanterasuaidentidadee marca própria; é um organismo vivo e vibrante,mas transporta consigo a história da arte—tantoquanto um museu. Este é um caso, não único,mas singular, de um órgão artístico de produçãoe apresentação de espetáculos que cumpre umamissão patrimonial mas insiste, por atribuição eporcompetência,emcontribuirparacriarorepor-tório do futuro.

É, pois, com o sentido da humildade que seimpõe que se tenta abordar esta história. Come-çandonosespetáculos,sim,paraseprincipiarporalgumlado.Maspoucoapouco,procurandofenderamassadensadegeloparadescobrir—etrazeraodecima—oqueláseescondeepreserva,irregulare concentrado.

A Companhia Nacional de Bailado (CNB), quepassou este ano a «quarentar» pelo país, não temfalta de reconhecimento: nem pelos pares, nempelos públicos e muito menos pelo Estado, que atutela.Masteveodesejodedeixar,comomemóriadeste tempo e desta data, um documento ondese retoma e se clarifica o seu papel estruturantenas artes ao vivo em Portugal. Eu fui a escriba aquemcalhouemsorteaencomenda,propondo-seespecialmente dar a conhecer às novas gerações(aos públicos do futuro) o que de essencial sepode conhecer sobre a companhia, em 40 ideias.Algumas dessas ideias correspondem a bailados;outras debruçam-se sobre o que rodeia a existên-

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ciaeoquotidianodacompanhia.Estaépoisumaapresentação, uma introdução—a uma estética,uma escola e uma prática—sob a forma de livro.Não se destina, então, aos já iniciados.

O meu principal agradecimento vai para aLuísaTaveira,anteriordiretoraartísticaeobreirado programa comemorativo do 40.º aniversárioda companhia que a teve como bailarina no seuespetáculo inaugural. É com ela que este livrocomeçaeacaba;eéimensaadívidaquelhetenhopela confiança. Depois, uma palavra de gratidãoao presidente e aos vogais do conselho de admi-nistração,CarlosVargas,SandraSimõeseSamuelRego,inexcedíveisnoseucontributoparaaconfe-rênciadainformaçãoaquicompilada.Finalmente,reconheço-me também grata aos bailarinos daCNBqueaceitarampartilharassuasexperiênciase, em alguns casos, relatá-las desta forma pelaprimeiravez.E,naturalmente,aosamigosquefuiconfrontando amiúde com as minhas hesitaçõese dúvidas e que sempre me souberam aconselhar.Este trabalho, que me proporcionou um gozoenorme,dedico-oaosmaravilhososeinspiradoresGuilherme e Francisco.

Nota: este título alude a uma das primeirasproduções da Companhia Paulo Ribeiro, Só para Iniciados (1999), encenação de José Wallensteina partir de Le Avventure di Pinocchio. Storia di un Burattino, de Carlo Collodi.

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1 Companhia

A única companhia de reportório de Portugaliniciou a sua atividade em junho de 1977, data dapublicação do despacho que oficializa a sua cons-tituição. Assinou-o o então secretário de Estadoda Cultura David Mourão Ferreira (1927-1996),extinguindo, na mesma deliberação, o Grupo deBailados Portugueses Verde Gaio (um conjuntodedançafolclóricatambémcriadopeloEstadoem1940)numgovernoencabeçadoporMárioSoares(1924-2017), na sequência de outras decisões derelevância que, no contexto recém-democrático,pretenderam apetrechar o país de estruturas ati-nentes à desejada modernidade. Na altura da suaformação, existia em Portugal outra companhiade reportório (privada): o Ballet Gulbenkian, quefuncionou em Lisboa entre 1961 e 2005, com umreportório vincadamente contemporâneo e umperfil mais internacionalista.

Entreosseuspropósitosfundadores,estipulava--se que a CNB deveria «promover e difundir o

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bailado e formar e estimular novos bailarinos,coreógrafos e técnicos; produzir bailados, semprequepossívelpertencentesaopatrimóniocoreográ-ficoemusicalportuguês,eencomendarnovaspar-titurassuscetíveisdeenriqueceressepatrimónio;eproduzirosbailadosmaisrelevantesdopatrimóniouniversalclássico ou contemporâneo».Sãolinhasde intervenção primordiais e que delimitam umaaçãodúplice,assentenopassadoherdadoeatentaao seu próprio tempo, que se mantém até hoje.As suas atribuições eram, também, «apoiar osrestantes grupos de bailado, nos planos técnico eformativo, assegurando a sua efetiva descentrali-zação; criar e ou manter um centro de formaçãovisandooaperfeiçoamentoeprofissionalizaçãodeartistasetécnicosdebailado;promovercursosdeférias e seminários e outras atividades tendentesàdifusãodaartebaléticaeàsuadivulgaçãoedes-centralização».Foisempre,econtinuaaser,maiserrática a atividade da companhia nestes planos,mercê da instabilidade institucional a que estevesujeita durante grande parte dos seus 40anos dehistória.

LunaAndermatt(1926-2013),VeraVarellaCid(1937-2016) e Pedro Risques Pereira (1923-1988)foram os primeiros diretores da companhia,nomeadosnodespacho,vindo-seaestabelecerumvalor remuneratório («retribuição pelos serviçosa prestar») e um orçamento («subsídio») paracustear o lançamento da companhia, começandopelasaudiçõesarealizarnoPorto,LondreseParis.ArmandoJorge(bailarino,sucessivamente,doCír-culodeIniciaçãoCoreográfica,dosVerdeGaio,dosGrandsBalletsCanadiensedoBalletGulbenkian)

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foi convidado para a função de conselheiro artís-tico,queemrigorcorrespondiaàdireçãoartísticaeprogramaçãodacompanhia.Emjulhotêmlugaras primeiras audições. A companhia começa comuma maioria de bailarinos estrangeiros, aproxi-madamente três dezenas, oriundos do The RoyalBallet,doBalletGulbenkianedeoutroscoletivos.A prioridade de Armando Jorge foi formar umcorpo de baile, do qual depois despontaram ossolistas.

A 5 de dezembro, menos de meio ano depois,a CNB fazia o seu debute. A noite inaugural deu--se no Teatro Rivoli, no Porto [seguiram-se, atéao final desse ano, repetições no Teatro NacionaldeSãoCarlos(TNSC),noTheatroCircodeBragae no Teatro Aveirense—desde o nascimento quea companhia assumiu a sua vocação itinerante].O programa inaugural era constituído por duaspeças originais, Canto de Amor e Morte, de PatrickHurde (1936-2013), com música de FernandoLopes-Graça (1906-1994) e cenários e figurinosde Júlio Resende (1917-2011), e Suite Medieval,de Brydon Paige, com música de Frederico deFreitas (1902-1980) e cenário de Artur Casais,além de três pas de deux (O Lago dos Cisnes,O Quebra‑Nozes e D. Quixote). Raya Lee e LuísaTaveira dançaram, em dias alternados, o papelde Odette. Esta carismática bailarina viria a terum papel determinante na história da emergentecompanhia.

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2 Nacional

Criada pelo Estado português, financiada comfundospúblicos,eimplementadapelaadministra-çãocentralenquantomedidadeumapolíticacultu-ralprojetadaparagarantiraproduçãodebailadosdopatrimóniouniversal,bemcomoregularmenteapresentar reportório coreográfico português, aCNBprocurou,aolongodasuahistória,manter-sefiel ao desígnio de ser uma companhia de âmbitonacional, apesar de sediada em Lisboa. Desde aprimeira temporada que foram mobilizadas iti-nerâncias. «Poucas foram as grandes instituiçõesculturais portuguesas que tanto e tão depressa selegitimaramjuntodopúblicocomoaCNB»,relataRuiVieiraNery:«SobadireçãodeArmandoJorge,que depressa emergiu da direção coletiva inicialcomo o grande mentor individual da companhia,a CNB conquistou e fixou milhares e milhares denovos espetadores para a dança em todo o país,esgotando sistematicamente as lotações dos seusespetáculos onde quer que se apresentasse.» Não

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foiempresafácil:antesdeopaísseencontrarape-trechadodeequipamentos,queseriamconstruídosou reabilitados mais recentemente, a companhiaatuava em palcos prefabricados, em pavilhões,ginásios, salões paroquiais, até no Salão Nobredo Glória Futebol Clube em Vila Real de SantoAntónio (em 1981). Carlos Vargas escrevia, sobreesses anos: «[...] ao ser muitas vezes confrontadacomainexistênciaderecintosculturaisadequados,teatros degradados, sem equipamentos técnicos esemequipastécnicas,eainda,nalgunscasos,comatotalausênciadeprogramaçãoculturalparaessesrecintos,apresençadaCNBtemtambémservidoparaexportaiscarênciase,assim,promoverasuaresolução.»Naatualidade,talsituaçãojáconstituiuma exceção.

Embora na prossecução desse dever a CNBtenhajádançadoemmaisde75cidadesevilasdePortugal, dois terços das suas aproximadamente2100 atuações até à data aconteceram no conce-lhodeLisboa.Aindaem2017,aocabode40anos,apresentou-se em algumas localidades pela pri-meira vez (Águeda, Ovar, Sines, Idanha-a-Velha)e houve períodos (por exemplo o triénio 2004,2005 e 2006) em que apesar de itinerar, apenaso fez em localidades onde já havia estado. Houvetemporadas de extraordinária descentralização,outras nem tanto: por exemplo, no triénio 1990,1991 e 1992, a CNB fez 121 espetáculos, dos quais104 ocorreram em Lisboa, seis no Porto, seis emSintra, quatro em Évora e um no Estoril (na galado Prémio Bordalo da Casa da Imprensa).

A partir de 1980, a CNB iniciou um esfor-ço—queemdeterminadasalturasfoimaisintenso

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do que noutras—de internacionalização dos seusespetáculos.FosseemcomitivasoficiaisdoEstadoportuguês,emdelegaçãodiplomáticadeintercâm-biocultural,oufossedecorrentedeiniciativaspro-gramáticaspróprias,emcolaboraçãocomteatros,companhias parceiras ou festivais, ou ainda nasequênciadeconvitesendereçadosdaquelasinsti-tuições,acompanhiafoiprocurandorelacionar-secompúblicos,eprogramadores,dealém-fronteiras.Naprimeiradécada,asdigressõesàEuropa(espe-cialmenteParis,1982),MacaueRepúblicaPopularda China (1983), Brasil (1985) e Bermudas (1986)foramespecialmentefrutuosas.Nosanosseguintes,Espanha,França,Suíça(até1989,momentoemquesedáuminterregnodeseteanossemespetáculosno estrangeiro), Luxemburgo (1996), Alemanha(1997) e Países Baixos (1999), nova passagempor Macau, idas à Bélgica e à Áustria e primeiraincursãoparaoocidente,Miami(2002).Em2007,aquando do 30.º aniversário, apresentações emMadrid, Skopje (Macedónia) Mersin (Turquia),Moscovo (Rússia) e Banguecoque (Tailândia);em 2008, digressão pelas quatro maiores cidadesbrasileiras, seguindo-se anos sem investimentonesta vertente. As temporadas mais recenteslevaram a algumas digressões relevantes para oposicionamento internacional da companhia: em2014,noâmbitodaredeinformalEuropeanDanceExchange, realizou um intercâmbio com o Balletda Ópera de Gotemburgo (que se apresentou noTeatroCamõescomobrasdeSidiLarbiCherkaouiedeSaburoTeshigawara,levandoaCNBàcidadesueca O Lago dos Cisnes de Fernando Duarte eEdgar Pêra); e, em 2016, com Orfeu e Eurídice,

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espetáculo com coreografia de Olga Roriz sobre acomposição musical de Gluck, uma digressão porvárias cidades alemãs.

A titularidade de companhia «nacional» tam-bémveioasignificar,comoénaturaledecorredamissãoinstituidora,queoreportórioencomendadoa artistas locais tomasse como prioritárias temá-ticas e personagens ligadas à história, à mitologiae à identidade cultural portuguesas.

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3 Bailado

Chamamosbailadoaumadisciplinaartísticadedançateatral,extremamentecodificada,praticadapor profissionais de ambos os sexos, alicerçadanuma base técnica composta de princípios cor-porais e motores: postura ereta, rotação externados membros inferiores a partir da articulaçãocoxofemoral (en dehors), circularidade do movi-mento dos membros superiores e léxico de cincoposições, que respeitam à posição dos pés, daspernas e dos braços. É uma ideia de cultura—detradição europeia—a que perpassa a história doballet, dos seus símbolos e valores: verticalidade,leveza, harmonia e simetria. Citando Maria JoséFazenda (2007): «As técnicas da dança clássicamoldamocorpodeacordocomumarquétipoideal:corpoextensível,alongado,vertical,projetadoparaoexterioreparaoalto.Oobjetivoécriarailusãodeascensão,ampliadapeloartifíciodassapatilhasde pontas, presas às pernas como se delas fossemuma extensão.» E acrescenta, exemplificando o

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contraste entre a dança clássica e a dança con-temporânea: «As técnicas da dança moderna econtemporânea rompem com o privilégio da ver-ticalidade:valorizamadescidadocorpoeaqueda.[...]Ocorponadançadoséculoxxéumcorpoquese pode contrair, torcer e dobrar, que toca e uti-liza o chão, que se projeta também na horizontal.Àpermanenteprocuradeumequilíbrioprecáriodocorpocolocadonaverticalsobreapenasumdospés,introduz-setambémapossibilidadedeprovocarodesequilíbrio.Àsformasretilíneasdaspernas,sinu-osamentearredondadasdosbraçoseaotroncoere-to, acrescentam-se as dobras, as formas côncavas,astorções,osmovimentosemondaeasespirais.»

Uma companhia de bailado como a CNBconstitui-se como testamentária de um patrimó-nio (fundamentalmente imaterial) da tradição doballet, das principais obras que compõem o seu(pequeno) cânone e que integram os sucessivosestilos: clássico (O Quebra‑Nozes ou O Lago dos Cisnes), romântico (que nos legou La Sylphide,Giselle, Raymonda ou Coppélia), neoclássico(fundamentalmente o reportório coreografadopor George Balanchine) e contemporâneo (quepodemos, numa sinédoque, fazer representar emWilliam Forsythe). É simultaneamente uma artedo passado e do presente, que bebe da tradição ese renova em cada récita, como explica JenniferHomans:«Penseisemprenoballetcomoalgocon-temporâneo,umaartedopresenteimediato.Mes-mo os bailados mais antigos são necessariamenteinterpretadosporjovenseadotamovisualdanovageração.Aocontráriodoteatroedamúsica,oballetnãotemtextosnemumanotaçãoestandardizada,

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nemlibretosnempartituras,apenasalgunsregistosescritosdispersos[...]Éumatradiçãooralefísica,uma arte narrativa transmitida de pessoa parapessoa[...].Oballetéumaartedamemória,nãodahistória.Nãoadmiraqueasbailarinasmemorizemtudoobsessivamente:passos,gestos,combinações,variações, bailados inteiros.»

O código do ballet é universal e todo expressonalínguafrancesa,oquederivadasuaorigemhis-tórica. Filho do Renascimento italiano e francês,desenvolveu-se nas cortes europeias e conheceugrandes progressos através de criadores radicadosemSãoPetersburgoeemNovaIorque.Éumaformadearteocidental,cujovocabulárioépartilhadoporpraticantesemtodoomundo,apesardaexistênciade diferentes escolas (francesa, italiana, dinamar-quesa,russa,inglesaenorte-americana)comtradi-çõeseexpressõespróprias.Aestepropósito,éinte-ressanteotestemunhodeHomans:«Alinguagemeatécnicadoballetpareciamideaiseuniversais,masasescolasnacionaiseramcompletamentedistintas.AsamericanasformadasporBalanchinelevantavama anca no arabesque (uma perna esticada atrás,costasarqueadas)eentregavam-seatodootipodedistorções para conseguir velocidade e uma longalinhaaerodinâmica.Asbailarinasbritânicasficavamhorrorizadas e achavam essas distorções de maugosto,preferiamumestilomaiscontidoereservado.As dinamarquesas faziam um trabalho de pontasimpecávelesaltosrápidose leves,conseguidosempartedançandohabilidosamenteparaaplantadospés,massenãoassentássemososcalcanharesnuncaconseguiríamos a grande elevação e os saltos quecaracterizavam as soviéticas.»

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4 Obrigatório (re)ver: O Lago dos Cisnes

Talvezsejaomaisreconhecívelbailadodetodaahistória,eaquelecujapartitura,deTchaikovski,quase todos sabemos trautear. Múltiplas vezesrevisto e reinventado—desde logo na dança, comversões para todos os gostos e géneros, mas tam-bém no cinema, nas artes visuais, na música—,O Lago dos CisnestemassuasraízesnofolclorerussoefoiinicialmentecoreografadoporJuliusReisin-ger (em 1877) para o Ballet Bolshoi, em Moscovo.A referência que partilhamos, contudo, é muitomaisdevedoradarecriaçãofeitaporMariusPetipaeLevIvanovem1895paraoBalletImperialnoTea-tro Mariinsky, em São Petersburgo, bem como dacoreografiaque,partindodaqueles,MikhailFokineconcebeuparaosBalletsRussesequeestreouemLondres em 1911. Décadas mais tarde, nasce emPortugal uma companhia de bailado e uma cenade O Lago dos Cisnes está no seu programa deapresentação, no Porto e em Lisboa. E ainda nasua primeira década de vida, no TNSC, em 1986,

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a CNB mostra este bailado numa versão integral,coreografadaporArmandoJorge(segundoPetipa,IvanovedeValois),comfigurinosseusecenografiade Cruzeiro Seixas. Excertos deste bailado (pas de deux, pas de troix ou atos completos) foramfrequentemente interpretados pela companhiaem programas compósitos, junto com peças decurta duração.

Só20anosdepois,noNatalde2006,comoutrodiretorartísticoecoreógrafo,MehmetBalkan,ejánoTeatroCamões,acompanhiaseaventuranumanovacoreografia.Estanovaprodução,comcenárioefigurinosdeAntónioLagartoeinterpretadapelaOrquestra Filarmonia das Beiras sob direção deJamesTuggle,foiimaginadapelocoreógrafoturcocomumfinalfeliz(quenãoéomaisconsensuali-zadonasabordagensdramatúrgicas,queapelamaosentidodotrágico)eumagrandiosidadeprópriaàhistória intemporal da princesa amaldiçoada porum feiticeiro que a transformou em cisne.

O palácio real, os jardins, o lago e o luar queos ilumina são amplificados cinematicamente naversão seguinte (terceira e até ao momento últi-ma) de O Lago dos Cisnes na CNB, em 2013. Comcoreografia de Fernando Duarte, cisnes, príncipeSiegfried e Odette/Odile habitam (vestidos porJoséAntónioTenente)umcenáriofílmico,policro-mático e onírico, da autoria de Edgar Pêra, e comacompanhamento musical ao vivo da OrquestraMetropolitana de Lisboa dirigida pelo maestroCesário Costa. Realizador e coreógrafo compuse-ram o diálogo entre palco e cinema, numa estra-tégiadericosintercâmbios:comoexplicaPêra,«ofilme que acompanha o bailado é cinema visual

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queretomaatradiçãodocinemadasatraçõesedamúsicaaovivo.Noentanto,aocontráriodosfilmesmudos do cinema primitivo, a ação salta do ecrãpara o palco e é a música que dita o destino dasimagens». Ou, nas palavras de Tiago BartolomeuCosta (2013), «um jogo permanente entre a nar-rativa e uma leitura inteligente e cuidada de umbailado que tende a ser visto como a história deumpríncipe,Siegfried,quesetomadeamoresporum cisne, desconhecendo que está a ser manipu-lado por um barão, o qual surge apenas em filme,interpretadoporChristianSchwarmcomoseestebailarinotivessenascidoparaopapel».Masesteé,e sempre foi, um bailado de primeiras bailarinas.Luísa Taveira (1977), Cristina Maciel (1986), AnaLacerda (2006) e Filipa de Castro (2013): quatroOdettesextraordináriasparaquatroproduçõesdeO Lago dos Cisnes na CNB.

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5A instituição da CNB

O surgimento da Companhia Nacional deBailadonocontextorecém-democráticoportuguêsalterou profundamente o panorama da oferta cul-tural no nosso país. Como reflete Rui Vieira Nery,«acriaçãodaCNBtemumsignificadomuitoespe-cial na história das políticas culturais portuguesasapóso25deAbril»,pois«correspondiaaumsonhovelho de décadas do nosso meio artístico, que erao de dotar Portugal de uma companhia capaz deapresentaraopúblico,deumaformaregulareconti-nuada,opatrimóniodagrandetradiçãocoreográficaclássicaeromânticaedeseabrir,aomesmotempo,às novas linguagens da dança do nosso tempo».

No momento em que Portugal faz a viragemparaoregimedemocrático,apresentaçõesdedançaesporádicas eram garantidas pelas duas compa-nhiasexistentes:umaestatal,oGrupodeBailadosPortuguesesVerdeGaio(criadoem1940eextintoem1977)eumaprivada,oBalletGulbenkian(queiniciou atividade em 1961 e terminou em 2005).

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Osbailadosconcebidosporcoreógrafosportugue-ses entre 1940 e 1978 estão enumerados por JoséSasportes numa obra publicada em 1979, na qualtambémafirma,justamente,quefoiMargaridadeAbreu (1915-2006) «a principal animadora de umprojeto de companhia nacional de bailado clás-sico», embora com muitas condicionantes: «[...]se lhe faltavam preparação, experiência pessoal econhecimentodoreportório,movia-aumagrandecapacidadedecongregarosentusiasmosnascentes,canalizando os interesses que iam despertandoapós sucessivas temporadas por companhiasestrangeiras.»

O Verde Gaio nasce em pleno Estado Novocomo resultado do ímpeto nacionalista modernode António Ferro (1895-1956), do Secretariado dePropagandaNacional.InspiradopelotrabalhodosBallets Russes de Diaghilev, que passaram umahistórica temporada em Portugal em 1917-1918,instigou a fundação de uma companhia que estu-dasseetransmitisseosvaloreseosestilosda«por-tugalidade»embailadosfolclóricos.Ogrupoteveasua estreia no Teatro da Trindade, em Lisboa, noâmbito das comemorações do Oitavo CentenáriodaFundaçãodaNacionalidade,em8denovembrode1940,comumprogramacompostoportemasdamitologia, da história, do folclore e dos costumesnacionais, que foi sempre a sua matriz. Sediadosno TNSC, integravam as temporadas de ópera edançavam também noutros contextos (normal-mente cerimónias oficiais), contando com a dire-ção e coreografias de Francis Graça (1902-1980),FernandoLima(1928-2005)eMargaridadeAbreueacolaboraçãodemuitosartistasconsagradosna

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composição musical, como Frederico de Freitas eRuyCoelho(1889-1986),enoscenáriosefigurinos,como Paulo Ferreira (1911-1999) ou Maria Keil(1914-2012).

Em 1961, um grupo de nove bailarinos, «saí-dos respetivamente de uma companhia profis-sional, o Verde Gaio ( já numa fase de evidentedeclínio), do Círculo de Iniciação Coreográficade Margarida de Abreu, e do estúdio de MadameRuth (Asvin) [...] foram aos poucos dando formaa uma companhia que se estreou com o nome deGrupoExperimentaldeBallet.FoichamadaGrupoGulbenkian de Bailado em 1965, e, em 1975,Ballet Gulbenkian.» António Laginha, que fez ahistoriografia da companhia, relata como Joséde Azeredo Perdigão (1896-1993) e a sua mulher,Maria Madalena (1923-1989), foram os grandesimpulsionadoresdoBalletGulbenkian,cujaestreiaaconteceua11demaiode1961noTeatroRivoliequeseviriaatornar,nasuaopinião,nacompanhiaportuguesadedança«demaiorprestígionacionaleinternacionalequedeixouumespólionotávelaníveldeacervocoreográfico—etambémmusicaleplástico—cujaqualidadefoiregularmenteatestadapelascríticas».IntegradonaFundaçãoGulbenkian,sob gestão privada, e sucessivamente dirigido porNormanDixon,MilkoSparemblek,JorgeSalavisa(queentre1977a1996vincouasuaidentidadedecontemporaneidade e ecletismo, tornando-o umareferênciainternacional),IracityCardosoePauloRibeiro, o Ballet Gulbenkian dançou centenas decriaçõesduranteosseus44anos,deLarLubovitch,Louis Falco, Maurice Béjart, Christopher Bruce,Hans van Manen, Jiří Kylián, Nacho Duato, Paul

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Taylor,MatsEk,OhadNaharin,WilliamForsytheou Itzik Galili, e encomendou em Portugal obrasqueintegrariamocânonedadançanacional,par-ticularmenteasváriasassinadasporÁguedaSena,CarlosTrincheiras(1937-1993),VascoWellenkamp,Armando Jorge e Olga Roriz.

QuandoaCNBemerge,poriniciativagoverna-mental, tem esta herança: uma companhia oficialdatadaesemreportórioparaaproveitar,integradano TNSC e com um nível técnico sofrível. Ao seulado, medra uma companhia privada, atualizada,bem financiada e suportada. Soube encontraro seu caminho, suprindo as falhas e omissões econfrontando-secomessasaporias,comorefletiuDaniel Tércio (2009): «Marca de um país que sequeria moderno e democrático, desejando umaestéticadiferente(eemparteoposta)àdoEstadoNovo,aCNBpodeserincluídanasconquistascul-turais da revolução dos Cravos. Tal como noutrasáreas, também a CNB revelaria as flutuações deumaépocaembuscadoseuprópriosentido.QualoquadroinstitucionaldeenquadramentodaCNB?Como realizar a complexa missão de combinar orepertório internacional com a edificação de umrepertórionacional?Comoidentificaraqualidadeestética e técnica dos programas e sobretudo oque fazer para qualificar intérpretes e criadores?Que fazer também para o desenvolvimento dospúblicos de dança?» Questões de ontem, a quetiveram de fazer face os pioneiros—e ArmandoJorge à cabeça.

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6 Armando Jorge

Primeiro diretor artístico da companhia—eatéàdataomaisduradouro,poisexerceuocargodurante quase 17 anos —, Armando Jorge teve aseu cargo a afirmação e consolidação da jovemcompanhia,multiplicando-seempapéisdiversos,onde pôde ativar a experiência adquirida nacio-nal e internacionalmente. Coreógrafo, bailarino,mestredebailado—e,sobopseudónimoDaSilvaNunes, também prolixo cenógrafo e figurinista —,escolheu para primeira produção sob sua dire-ção artística Les Sylphides, de Mikhail Fokinee Chopin. Nestes primeiros anos, era LaszloTamasik o maître de ballet da companhia, Jorgefoi coreografando algumas das mais marcantespeças da primeira década da CNB: logo em 1979,Carmina Burana (partindo da música de CarlOrff ), uma aposta arriscada, pela grandiosidadeque se procurou imprimir ao espetáculo, em quea companhia saiu vitoriosa. Outras coreografiasse seguiriam, fundamentalmente interpretações

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de temas clássicos (O Quebra‑Nozes em 1984, O Lago dos Cisnes em 1986), que permanecemno reportório da CNB. Enquanto programador,Armando Jorge procurou que a companhiaapresentasse, com equilíbrio estético e tambémem função de eixos temáticos ou cronológicos,as principais criações do reportório baléticoromântico, clássico e moderno. Isso ficou paten-te desde as primeiras temporadas: D. Quixote, La Bayadère, Paquita, La Sylphide, Petroushka e Pássaro de Fogo foram algumas peças estreadaspelacompanhiaaolongodasuaprimeiradécadae meia. Não foram negligenciados outros repor-tórios relevantes do séculoxx, como o legado doexpressionismo europeu (A Mesa Verde, icónicotrabalhodeKurtJooss,apresentadoem1984)ouoneoclassicismodeGeorgeBalanchine(Serenadeestreia-se na CNB em 1982), a par de trabalhosdeSergeLifar,LarLubovitch,JoséLimón…Alémda montagem de grandes obras de repertóriointernacional, Armando Jorge mostrou semprea preocupação de incluir, em quase todos osprogramas, uma coreografia nova, encomenda-da a Carlos Trincheiras, António Rodrigues ouPatrickHurdeouassinadaporsi.Obrasdestaca-dasdahistóriadaCNBforamencomendadasnes-taaltura,comoAs Troianas,deOlgaRoriz(1985)ou Fado (A Severa), de Fernando Lima (1987).NoNatalde1989,opúblicofoicontempladocomaprimeiraproduçãointegraldeCoppélia (ArthurSaint-Léon/Delibes).

A ação de Armando Jorge—sucedido porIsabel Santa Rosa (1931-2001) durante doisanos—foi determinante na primeira metade da

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vida da companhia. Em 2008, Armando Jorgefoi condecorado pela Presidência da Repúblicacom o grau de Grande Oficial da Ordem Mili-tar de Santiago da Espada, pelo seu papel naconstrução e crescimento da CNB e da dançano nosso país.

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7 A função do diretor artístico

Seguindo-se ao longo mandato do primeirodiretor artístico, a Companhia Nacional de Baila-do foi sucessivamente dirigida por profissionaisportugueses e estrangeiros, em períodos muitomaiscurtosequerevelaramaorientaçãoartísticade cada programador (que em alguns casos eratambém coreógrafo e noutros casos não). Atual-mente,PauloRibeiroéodiretorartísticodaCNB,sucedendoaLuísaTaveira(queadirigiunosperí-odos2010-2016e1999-2000),VascoWellenkamp(diretor entre 2007-2010), Mehmet Balkan (nosanos 2002 a 2007), Marc Jonkers (2001 e 2002),Jorge Salavisa (entre 1996 e 1999), Isabel SantaRosa (entre 1994 e 1996) e Armando Jorge (de1978 até 1993). Simultaneamente, as administra-ções (ou direções-gerais, pois o modelo de gestãofoi também alternando) foram tendo menor oumaiorintervençãonadefiniçãoprogramática,pro-curandotrabalhardeformaestreitacomodiretorartístico ou deixando-o inteiramente autónomo.

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Naverdade,osformatosrelacionaissempreforammais resultado das circunstâncias do momento, edascaracterísticasprofissionaisdosenvolvidos,doqueumatransposiçãodascompetênciaseatribui-ções determinadas por lei.

Existindo diversos diplomas, importa tal-vez reter aquilo que, no contexto hodierno, é afunção do diretor artístico, conforme vertida nalei orgânica: elaborar e propor ao conselho deadministração a estratégia global que incorpore,noplanodaproduçãoedaprogramaçãoartísticas,amissãoeosobjetivosdoOrganismodeProduçãoArtística, E. P. E (Opart); conceber e executaros planos de atividades anuais e plurianuais;superintender ao funcionamento da companhiae coordenar a produção, montagem e exibiçãode espetáculos; elaborar o plano educativo e oplano de promoção e de comunicação; e definire propor os critérios e métodos de seleção paraa contratação de profissionais. Se é coreógrafo,a lei também estipula o número de peças que odiretor pode conceber para a companhia (garan-tindo a diversidade) e determina os regimes deexclusividade. Trate-se ou não de um criativo, odiretor artístico tem de alcançar o que por vezespareceimpossível:conceberaprogramaçãoanuale plurianual «nos termos e limites da dotaçãoorçamental atribuída».

Através da sua ação programática, o diretorartístico estrutura a atividade da companhia emtemporadasanuaisendereçandoconvitesacoreó-grafos (ou aos detentores dos direitos das obras,nocasodejáteremfalecido)pararemontagensouparanovascriaçõeseaindaacolhendopropostas

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que lhes sejam trazidas—inclusivamente porcriadores «da casa». Foi assim que, ao longo dequatro décadas, a CNB proporcionou aos seuspúblicos coreografias de (por ordem alfabética)Anne Teresa De Keersmaeker, António Cabrita&SãoCastro,ArmandoJorge,AugusteBournon-ville, Carlos Trincheiras, Cayetano Soto, ClaraAndermatt, David Fielding (1973-2008), DavidLichine,EdwardClug,FaustinLinyekula,FernandoDuarte,FernandoLima,GeorgeBalanchine,Hansvan Manen, Heinz Spöerli, Jean Coralli & JulesPerrot, Jiří Kylián, John Cranko, José Limón,Kurt Jooss, Lar Lubovitch, Marco Cantalupo &Katerzinya Gdaniec, Marguerite Donlon, MariusPetipa, Mauro Bigonzetti, Mehmet Balkan, Mi-chael Corder, Nacho Duato, Olga Roriz, PauloRibeiro,RuiHorta,RuiLopesGraça,SergeLifar,VanDantzig,VascoWellenkamp,VaslavNijinski,Vicente Nebrada, Victor Hugo Pontes, WilliamForsythe… Embora compreenda coreógrafos doséculoxixaoséculoxxi,estalistanãoéexaustiva,pois só inclui 40nomes.

Portanto:dirigiracompanhia(ouseja,coorde-nar o seu funcionamento interno e a sua relaçãocom os públicos, os parceiros de programação,as casas de acolhimento), programar as tempo-radas de espetáculos e ações conexas, em funçãodo seu pensamento sobre o desiderato de umacompanhia de reportório (exibindo bailados detodas as épocas, clássica, neoclássica, modernae contemporânea, e encomendar novas obras), eescolher a programação—também—em funçãodo pessoal que a companhia tem, e medianteo orçamento de que se dispõe, e a favor de um

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públicoquesepretendecrescente(equesequeragradar mas também provocar, ousando para ládo previsível)… O desafio da direção artística deuma companhia de bailado é alcançar tudo isto,coerentemente, e deixar uma marca de consis-tência e de integridade.

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8 A estrutura orgânica

Uma companhia de bailado é um organismovivo em permanente atividade. Interrompe o seufuncionamento apenas durante o mês de agosto,para férias de todo o pessoal. Integram hoje aCNB aproximadamente 120 trabalhadores, dosquais 70 são bailarinos, de acordo com a hierar-quia definida: 9 bailarinos principais, ou primei-ros bailarinos (que interpretam essencialmenteos papéis de protagonistas); 5 bailarinos solistas(que executam papéis de solista, termo cunhadopelo Royal Danish Ballet para distinguir a maisaltacategoriadebailarinos,queequivale,noutrascompanhias,aoestatutodebailarinoprincipalou,na Opéra National de Paris, ao «danseur étoile»);12 bailarinos corifeus (dançam no corpo de bailemaspodemtambémexecutarpapéisdesolista);e35 elementos no corpo de baile (que interpretamsequências de conjunto). A dezena que perfaz os70compõe-sedebailarinosestagiáriosaquem,anoapósano,éoutorgadaapossibilidadedeintegraro

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elencoartístico.Tendoarrancadocomumamaioriadeestrangeiros,aCNBéhojeconstituídaporcercade três quartos de intérpretes portugueses.

Como explica Luísa Taveira, a estrutura hie-rárquica define a distribuição de visibilidade e,consequentemente,deresponsabilidade:«Obaila-rinoprincipaléolíder,équemseesperaqueleveo espetáculo à frente. Mas não há um bailarinoprincipalquesobrevivaaummaucorpodebaile.»A progressão profissional, para um bailarino deelevadasqualidadestécnicas,correspondeàascen-sãonascategorias,objetivoparaoqualsetrabalhaincessantemente:«Umbailarinoquenãoambicio-nesairdo corpo debailenemdevia láestar.Podechamar-se bailarino na mesma. Mas não é.»

Os bailarinos, que Taveira descreve como«pessoas altamente motivadas, com elevadíssi-mas expectativas pessoais», representam a maiordificuldade na gestão de recursos humanos, queimplica um forte compromisso da direção com asequipas, no sentido de maximizar (tanto quantopossível e para todos) as oportunidades de inter-pretação.Existindopeçasdereportóriopara6,12ou30bailarinos,serãosempredesiguaisasescalasde trabalho e, consequentemente, o número devezesquecadaintérpretesobeaopalco.Aforma-ção de mais do que um «cast» para os bailadosmaiscomplexosedeelencosnumerososéaformacomo, na CNB, se garante que todos têm o seutempo debaixo das luzes.

Além dos artistas fixos, há ainda profissionaisindependentes convidados a participar numaprodução específica: coreógrafos, compositores,cenógrafos,músicos,figurinistas,desenhadoresde

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luz. Mas também solistas eventuais e bailarinossuplementares, para produções que o exijam.

A equipa é completada com as diversas outrasfunções imprescindíveis ao dia-a-dia da compa-nhia, mas cujo trabalho é menos visível para opúblico: diretor artístico e adjunto; mestres debailado e ensaiadores; professores e pianistas;coordenadoresdeespetáculos,deoficinadecostura,dedigressões,deserviçoeducativo,dedireçãotéc-nica, de comunicação; e pelos setores de direçãode cena, maquinaria, som, audiovisual, luz, palco,guarda-roupa (que asseguram a manutenção eboa conservação dos respetivos equipamentose apetrechos, bem como o seu manuseamento).A boa saúde física dos intérpretes é cuidada porosteopatas e fisioterapeutas.

Depois,háosserviçospartilhadoscomoTNSC,quecontamcomcercade40elementosemsetorestransversais: técnicos de bilheteira, de recursoshumanos,degestãofinanceira,deassessoriajurí-dica, de gestão de património, de sistemas infor-máticos, de limpeza e economato. O conselho deadministração do Opart constitui-se de um presi-dente e dois vogais, que procedem à aprovaçãodosplanosdeatividadeseorçamentosplurianuaise asseguram a gestão e complementaridade dosserviçospúblicosprestados.Nesteâmbito,oTNSCeaCNBcontinuamaconstituirprojetosartísticosautónomos,comidentidadeprópria,semprejuízoda coordenação, articulação e partilha dos meioshumanosemateriaisdisponíveisparaproduçãoeprogramação.

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9 A Fada do Açúcar e o Rei das Neves: O Quebra-Nozes

Como O Lago dos Cisnes, também O Quebra‑‑Nozes foi um dos primeiros laboratórios deexperimentação de Armando Jorge com o jovemelenco da CNB. A companhia dançou, logo em1984,asuavisãodestetemaclássico,eumdospas de deuxdesteenormebailadodatradiçãobaléticafez parte do programa inaugural da companhia.Composto em 1892 por um Tchaikovski já pertoda morte, e nesse mesmo ano estreado no TeatroMariinsky, O Quebra‑Nozes é um bailado em doisatoscomcoreografiadeMariusPetipaeLevIvanova partir de um conto de Hoffmann, por sua vezadaptado por Alexandre Dumas. Trata-se de umafábulafirmementeenraizadanoimagináriopopu-lareuropeu,oepítomedoballet‑féerie(bailadodefadas)tãoapropriadoàsépocasfestivas:emtornoda árvore de Natal, abertos os presentes, tudo seanima e envolve numa dança de brinquedos, queé uma batalha entre soldados e ratos, uma valsade flocos de neve, uma polca, uma tarantela, um

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apontamentobaléticotópicoparacadabebidaexó-tica (chocolate, café e chá) e doces, muitos doces,de todas as formas e feitios.

Umaautênticafantasia—queenvolveumnume-roso elenco de crianças e, geralmente, requer atotalidadedocorpodebailarinosdacompanhia—,O Quebra‑Nozes foi apresentado em Portugal em1971,naGulbenkian,comadaptaçãocoreográficadeAntonDolinecenáriosefigurinosdeArturCasais.Em1984,odiretordaCNBrecuperaalgunsdesteselementosparaasuaversão,queseapresentounoTNSC, no Teatro Rivoli e, na década seguinte, noColiseudosRecreiosenoColiseudoPorto.ApesardeMehmetBalkanterconcebidoumaversãosua,estreadapelaCNBem2003,éOQuebra‑NozesdeArmandoJorgequeaCNBretomaem2008,paraumas grandiosas récitas. E o Natal de 2014 trazum reconfigurado—e duplicado—Quebra‑Nozes Quebra‑Nozes,coreografadoporFernandoDuartecomdramaturgiaeencenaçãodeAndrée.Teodósioe a interpretação da Orquestra Sinfónica dirigidaporJoséMiguelEsandi.Nãosemalgumapolémica,pelaatualizaçãoplásticaeapropriaçãopopquelheconfere, este espampanante espetáculo (cenários,adereços e figurinos de João Pedro Vale e NunoAlexandre Ferreira) está em total sintonia—etoada sarcástica—com o seu tempo, refletindo oque são os brinquedos a que hoje nos agarramos(gadgets) e a crítica sobre um olhar eurocêntricoàsexpressõestradicionais«árabe»e«chinesa»queo libreto original manda embutir.

Cabe uma menção, ainda que breve, a outroimportantebailadoinstituidordocânoneclássicodançado pela CNB: La Fille mal Gardée (criado

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por Jean Bercher, vulgo Dauberval, em Bordéus,em 1789), na versão de Georges García (segundoMordkineNijinska).Comummenteconsideradoumdos principais exemplares do reportório balético(serámesmoomaisrecuadodaqueles,poucos,quenos chegaram), já viu inúmeras adaptações, apro-priaçõeseremontagens,existindopelomenosseispartituras musicais para o seu acompanhamento.Depois dos temas histórico-heroico-mitológicos,dos deuses ex machina e dos reinos fantásticos,em que «a bailarina aparece como habitante deregiões não acessíveis ao comum dos mortais»,como descreve Sasportes, a importância destebailado também advém do facto de ser um dosprimeirosqueretrataumsingeloecómicoenredodeamorentreumaherdeiraricaeovizinhopobre.

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10 1987, 10 anos de CNB

A Companhia Nacional de Bailado assinalao seu décimo aniversário em 1987 com uma dasmais aguardadas estreias da sua jovem história:Giselle. À altura, era ainda pouco frequente aapresentação de bailados integrais com exigentetécnicaclássica:numadécada,foiapenasoquintoprograma de noite inteira, depois de Romeu e Julieta(1981),Raymonda(1982),O Quebra‑Nozes(1984) e O Lago dos Cisnes (1986), estas últimasemcoreografiasdeArmandoJorge.Foiportantoumintensificardeesforçosparaafirmarascres-centes capacidades da companhia, do seu sólidocorpo de baile e dos seus solistas, como lembraRui Vieira Nery:«pela primeira vez o públicoem geral habituou-se a reconhecer e a aplaudircom carinho, num reportório extremamenteapelativo para uma faixa potencial muito amplade espetadores, bailarinos clássicos portuguesesde excelente nível», como Maria José Branco,Miguel Lyzarro (1950-1996), Luísa Taveira,

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CristinaMaciel,GuilhermeDias,PedroRomeiras,Isabel Fernandes, Alfredo Gesta...

Nestatemporada,aCNBdançoupelaprimeiravezConcerto Barocco(Balanchine/Bach),antesdeApollo(Balanchine/Stravinski)edeTema e Varia‑ções (Balanchine/Tchaikovski), ambas em estreianacional.Aprimorava,portanto,asuaaptidãoparareportórioneoclássico.Mastambémfoinesteanoque se estreou entre nós Choreographic Offeringde José Limón e que se encomendou a FernandoLimaO Fado (A Severa),numclaroandamentoemdireção a novas linguagens. Fora da CNB, porém,o mundo da dança teatral reconfigurava-se muitomais rapidamente. Do Ballet Gulbenkian emergiauma geração de bailarinos que davam, naquelefinal dos anos 1980, os seus primeiros passos naexperimentação coreográfica. Na mesma linha dereflexão,Neryentendequeoscaminhos,nãosendoconvergentes,eramcomplementares:«[...]mesmoos setores de vanguarda da chamada nova dançaportuguesa, que nesse período despontavam comuma energia notável e que, muito compreensi-velmente, se não reviam na orientação estéticada companhia, vieram a beneficiar do trabalhointensodesensibilizaçãoparaadançaqueaCNBiadesenvolvendoàescalanacionalcomumsucessoassinalável, em paralelo com a ação igualmentedecisiva do Ballet Gulbenkian.»

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11 A profissão de ser bailarino

SerbailarinodaCNBéumprivilégioreservadopara poucas dezenas de intérpretes, após muitosanosdesólidaformaçãoclássica(frequentementeem exclusividade) e de enorme exigência emtermos físicos e mentais. Comparável ao treinointenso dos desportistas de alta competição, oquotidianodobailarinodacompanhiarequerumaprecoce profissionalização, disciplina, resiliência,competências atléticas, cuidados específicos comocorpo.Maisdoquesacrifício,éumaentregaquetraz ao artista uma imensa sensação de prazer,aliada à adrenalina do espetáculo e a tudo o querodeiaessemeio:oestrelato.Umasensação«mis-teriosa»,comoqualificouJorgeSalavisa,que«comincomparávelintensidade»oassaltoumilharesdevezes, ao pisar palcos de todo o mundo: «[...] umapalpitaçãoestranhaeúnica,totalmenteindefinível,movida por uma suprema vontade de vencer.»

Antes de se acenderem as luzes, o bailarinotomaotemponecessárioparasepreparar—fazer

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o aquecimento, vestir, maquilhar, prender oscabelos—e não poucos descrevem como valiososestes momentos de concentração que antecedemaentradaempalco.Emcadaespetáculogere-seoconfronto das capacidades individuais (execuçãotécnica, carisma, experiência) com a coordenaçãocom os colegas e os outros elementos (precisão,musicalidade,sincronização)paraotriunfodaarte.É o trabalho de muitos criadores e técnicos quese visibiliza e arrisca, em cada récita, nos corpose na performance dos bailarinos. A prática requerumaeficientegestãodaenergia:chegaraoespetá-culo no auge da forma alcança-se no trabalho emestúdio.Diariamente.Asaulas,fundamentaisparaaboamanutençãodasaptidõesfísicasepsíquicasdos bailarinos, são ministradas por um mestre debailado ou um professor convidado e geralmenteacompanhadasporpianistasrepetidores.Alémdaclássica,podemsertreinadasoutrastécnicas,quebeneficiam o leque expressivo dos bailarinos e assuas faculdades interpretativas, capacitando-ospara dançar um reportório eclético. Quando emprocesso de trabalho para um novo espetáculo,ou para uma remontagem, há um calendário deensaios(compresençadocoreógrafooudoensaia-dor)querequerodomíniodeumacoreografia—ouseja,asuamemorizaçãointegral.Éconsensualqueesta capacidade mnemónica do corpo advém daprofissão, sendo intrínseca ao trabalho em dança(«ocorponãopodefazeroutracoisasenãoexata-menteoquevemaseguir.Éimpossívelnãomemo-rizar.Enemdásporisso»,confereLuísaTaveira).Abarraeoespelhosãoparceirospermanentesdobailarino. A imagem devolvida permite corrigir a

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postura,apurarasconquistas,incrementarograutécnico, sempre com o objetivo da autossupera-ção.Escravos doespelho? Sim, mas nãopor meravaidade. É que a imagem que projetam deve cor-responderaoidealinterpretativo,temdetraduziro porte e a elegância próprios do ballet e deveatestar a evolução técnica que cada um se propõe(a destreza, o equilíbrio, a elevação, a expansãodosmembros…)inspirandoconfiança—ouaplomb.Esteaperfeiçoamentoconstantecaracterizaquemé apaixonado pelo que faz.

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12 Dançar até perecer: Giselle

Desde1985queaCNBintegravaemmuitosdosseus programas o chamado «pas de deux campo-nês».Expoentemáximodoromantismo,Giselle,ouAsWillis, estreou-seem1841emParis,commúsicade Adolph Adam e coreografia de Jean Coralli eJules Perrot, chegando até nós pela adaptação dePetipadefinaisdoséculoxix.Nestafábula,passadanuma aldeia de camponeses no Reno, na IdadeMédia,apaixãodespontaentreamodestaGiselleeopríncipedoreinoAlbrecht,disfarçadodelenha-dor,queafinalestavacomprometido.AtraiçãoealoucuralevamGiselleasucumbir.Quandovisitaoseutúmulo,Albrechtembrenha-senaflorestaondehabitamaswillis,espíritosdenoivasmortasantesde serem desposadas. Se as olharem, os homensserão condenados a dançar até à morte. Mas, nofim,oamortudoexpia.Arrebatamentoemocional,virtuosismo técnico e mundo sobrenatural são osingredientesparaumespetáculomonumental,queé uma prova de resistência para os intérpretes e

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também um produto do seu tempo, como explicaJoão Costa: «Em 1827, com a estreia de MariaTaglioni no papel titular de La Sylphide, inicia-seaeraromânticadadança.ORomantismo,decertamaneira,acorrentedecontra-respostaàRevoluçãoIndustrial, confere à emoção o lugar central cujafiguração se encontra amplamente representadaem naturezas indomáveis, patente nas telas deCasperDavidFriedrich,oucomoalgodesobrena-tural e de oculto, tão evidente na poesia de EdgarAllanPoe.MasoRomantismofoitambémarevoltacontra uma aristocracia dominante e rebuscadacujo oposto foi encontrado ao glorificar a simpli-cidade e a pureza da vida campestre. É por estarazão que Giselle é o bailado romântico mais queperfeito. O primeiro ato narra como a inocênciacampestre pode ser vítima de uma aristocraciatraidora e calculista; o segundo ato, dito o atobranco, desenrola-se num ambiente sobrenaturalonde a mulher etérea surge dividida entre a vin-gança e a redenção. O uso da técnica de pontas, àépocaaindamuitorudimentar,vinhaaoencontroda ideia romântica de elevação representada porseres esvoaçantes e imponderáveis, fazendo dadança um veículo privilegiado do Romantismo.Possivelmente em nenhuma outra altura a dançafoi tão sinónimo de espetáculo total.»

Giselleabriuatemporada1987/1988daCNBnoTNSC,quandosecumpriaasuaprimeiradécadadeatividade. «Colaboraram nesta obra emblemáticaos principais bailarinos da CNB, Luísa Taveira,Paola Cantalupo, Isabel Fernandes, Philip Betley,PeterLewton-BraineGuilhermeDias,ladoaladocomdoisbailarinosconvidadosdoTeatroBolshoi,

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Ludmilla Semenyanka e Yuri Posokhev. Produtosingulardaarticulaçãoentreobailadoeodrama,Giselle, figura trágica, inatingível, enlouquecidapela dança até à morte, sintetiza a natureza fan-tásticadoRomantismo»,recordaSusanadeJesusSantos.Noprogramadesaladestaprodução,IsabelFernandes, Guilherme Dias, Paola Cantalupo ePeter Lewton-Brain evocam a primeira produçãode Giselle em Portugal, em 1970, pelo Grupo Gul-benkiandeBailado,cujadistribuiçãoincluíaIsabelSanta Rosa (Giselle), Armando Jorge (Albrecht),Ulrica Caldas (Myrtha) e Carlos Trincheiras (Hi-larião).CoreografadapelocubanoGeorgesGarcía(recriação segundo Jean Coralli, Jules Perrot,Marius Petipa e Théophile Gautier), Giselle foiobjeto de nova montagem pela CNB no seu25.ºaniversário, em 2002, no mesmo teatro, comfigurinos e cenário de António Lagarto e acom-panhamento pela Orquestra Sinfónica de Lisboa.

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13 Sapatilhas de ponta

A par do tutu e do cabelo apanhado, nadaidentifica melhor uma bailarina clássica do queas sapatilhas de pontas. Contrariamente àqueles,porém, o domínio da técnica da ponta exige umtrabalho árduo e fisicamente exigente, que aliaà conquista da tonicidade muscular requerida(particularmente na articulação do tornozelo) acoordenação e graciosidade necessárias à movi-mentaçãovelozefluidadospés.Elevadasnapontadospés,asbailarinastornam-seseresquasealados,com capacidades e características aparentementesobre-humanas, próprias aos bailados clássicosem que a leveza impera. As sapatilhas de pontaspodem considerar-se parte de um figurino numespetáculo:équandonós,osespetadores,asobser-vamos.Maselasconstituem,narealidade,materialde trabalho diário para uma bailarina clássica.Por isso, na CNB, é a companhia que fornece assapatilhasàsbailarinas.Paracadauma,consoanteoseuestatutoeotrabalhoprevistoparaessemês,

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está estipulado um número fixo de sapatilhas(e o habitual é estar determinado um dia para ospedidos serem feitos e outro para serem satisfei-tos).Pessoaiseintransmissíveis,assapatilhassãoespecíficas e adaptadas a cada pé, cuidadas pelaprópria bailarina. Quando se trata de sapatilhaspara um espetáculo (cujo figurino impõe umaperna preta até à ponta do pé, por exemplo) serájáasecçãodeguarda-roupa,quetemmateriaisdetingimentopróprios,aprepararassapatilhas.Mas,emregra,trata-sedeumaferramentadetrabalhodeusopessoal,moldadaaopédemodoagarantiraestabilidadeeoconfortopossíveis,comaelegânciapretendida.Asevoluçõestecnológicastêmtrazidomaior diversidade de materiais—tecido, silicone,espuma,gel—àspontas,quedevemresistiraopesodocorpo,amortecerapressãodossaltos,serlevesepermeáveisàmovimentaçãoeabsorverosuordopé. Com o desgaste do uso, a ponta da sapatilhadegrada-seecarecedemanutenção.Entreaplicarmateriaisprópriosparaoendurecimento(vernizesou colas que a fortificam) e deixar a secar, depoisdo uso, sobre um aquecedor (absorve a humidadee impede que a ponta amoleça), muitos são oshábitosetruquesdasbailarinasparamanterboasassuaspontas.Atéaomomentoemqueéinevitáveltrocá-lasporoutrasnovaserecomeçaroprocessodeadaptação.Opercursoprofissionaldaballerinaé, também, uma constante pesquisa pela melhorponta: que alie a estabilidade que dá segurança àmelhor aparência da linha do pé, harmonizandopeso, tensão e postura e dando a impressão de…nenhum esforço.

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14Doenças, sequelas & superstições

Os bailarinos têm o seu corpo como instru-mento de trabalho. Devem cuidá-lo e mantê-losaudável, fisicamente preparado, apto e flexível.Esegurado:umacidenteprofissionalincapacitantepoderádeixá-losinválidosparaapráticadoballet,que não é complacente para com desempenhos«imperfeitos».Comoqualquerdesportistadealtorendimento, um bailarino sujeita o seu corpo aanos de treinos intensivos e a «provas» exigen-tes física e emocionalmente, o que aumenta apropensão a acidentes. Problemas nos joelhos,nos tendões de Aquiles, na coluna vertebral, bemcomo deformidades nos pés podem afetar todosquantosdançam—eparticularmenteasbailarinasque fazem técnica clássica em pontas.

O desconforto e as dores (tantas vezes cróni-cas) fazem parte da vida de uma ballerina, cujassapatilhas de ponta ou de meia ponta são utili-zadas horas a fio. Ao ajustar-se, por meio de fitase elásticos, a sapatilha acompanha a completa

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flexãodaplantadopé,chamadaposiçãoemponta.O peso do corpo é suportado na articulação dostornozelos, nos músculos dos pés e nas pontasdo primeiro e segundo dedos, suscetibilizando osistema musculoesquelético a lesões por excessode esforço e por treino repetitivo. Mas convémqueseconsiderequeotreinodatécnicadapontanão é por si gerador de danos para a estruturaanatómica do pé. Suster o corpo sobre as pontasdospéséumtrabalhofísicomorosoque,efetuadogradualmente, permite a adaptação do corpo auma nova forma de equilíbrio, fortificando ossos,tendões, ligamentos e músculos. Podem ocorrer,nestaprofissão,afeçõesarticulares,fraturas,artro-seseosteoporose(existemcasosemqueasjovensbailarinasnãomenstruam,devidoaoesforçofísicoe aos regimes alimentares rigorosos).

E, depois, há os acidentes. Costuma dizer-seque numa companhia clássica raro é o dia emque ninguém se magoa. A facilidade com quepodemocorrerjustificaaformação,namaioriadosbailados clássicos, de um segundo e um terceiroelencos, garantindo as substituições de todos ospapéisperantequalquereventualidade.(The show must go on!) Tradicionalmente atribui-se maisrelevânciaaoprimeiro«cast»por,àprimeiravista,integrarosbailarinosmaisdestacadosdeumelenco.Masaexistênciadebonssubstitutosnãodeveserdesmerecida. Na CNB, há o costume de todos oselencos fazerem o espetáculo, em dias distintos,sendofixadaumarotatividade(estaéumapráticaquenemtodasascompanhiasseguem).Étradição,ainda, que o palco seja ladeado de «manias» erituaisqueprocuram«afastar»osincidentes,como

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bater na madeira ou benzer-se. Desejar «boa sor-te» é maldição. Como revela Jorge Salavisa numapassagemdasuaautobiografia,«amaiorpartedosartistasétremendamentesupersticiosacomcoisasrelacionadassobretudocomopalco.Entremuitassuperstições, não se deve dizer ‘obrigado’ quandoalguémnosdeseja‘merde’,éabsolutamenteproibidoassobiar no teatro e impensável entrar no palcocom o pé esquerdo». Grande parte dos acidentesacontece na sequência de um salto sobre umaperna,aoaterrar.Ounumaquedamalamortecida.Talvezporissooequivalenteparaalínguainglesado «merde» francês seja «break a leg»!

Masháquemgarantaqueapressãopsicológicaeodesgasteemocionalsujeitamobailarinoamaissofrimento doque asdores corporais: a insanáveldisposição para o perfecionismo; a feroz compe-tição consigo mesmo, quando não com os outros;lidar com os erros e as falhas de forma muitosevera;origoreadisciplinadeumavidaprofissio-nalepública(emqueaprestaçãoindividualpodecomprometerotrabalhodaequipa);aquilodequese abdicou, eventualmente, e a compensação (ounão) do êxito; a violência da conclusão iminenteda carreira… São as dificuldades que, estas sim,tornam a profissão de bailarino verdadeiramentedesafiante.

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15 Curta, carreira curta

Aaprendizagemdatécnicaclássicaépornormainiciadamuitocedo(namaioriadoscasos,nainfân-cia) e a profissionalização pode dar-se aquandoou ainda antes da entrada na vida adulta. Paraefeitos de enquadramento laboral e de aquisiçãode direito à aposentação, a profissão de bailarinoclássico é—equiparada aos atletas, aos mineirose aos pescadores—considerada uma profissão dedesgaste rápido. Para estes artistas, são frequen-tes os acidentes profissionais e, com o avançarda idade, é cada vez maior a dificuldade em res-ponder ao virtuosismo técnico do ballet. Quandoprofissionaisdeoutrosofíciosestãoaatingiroseuauge,emremuneraçãoeemrealização,chegaparaos bailarinos clássicos, inevitavelmente, o finaldassuas(curtas)carreiras.Assim,porsetratardeumpercursointensivoebreve,a idadenaqualosbailarinosprofissionaispodemacederàreformaéantecipadarelativamenteàgeneralidadedoscida-dãos:55anos.Dizalei(Decreto-Lein.º482/99,de

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9denovembro)que«atendendoaosrequisitosdeformação,àscaracterísticasespecíficaseàscondi-çõesdeexercíciodaprofissãodebailarinoclássicoou contemporâneo, nomeadamente a exigênciade determinadas aptidões físicas vulneráveis aodesgastedaidade,otreinofísicoexigenteeperma-nente,ascondiçõespsicológicasqueacompanhamaprestaçãodestaprofissão,bemcomoaincertezasocial que lhe está inerente, considera-se, dada aimportânciadopapelque,noplanoculturaleartís-tico, desempenham na sociedade, ser de justiçareconhecer o direito à pensão de velhice para osprofissionaisdebailadoclássicooucontemporâneoaos 55 anos, desde que se verifique o exercícionaquela profissão, a tempo inteiro, pelo menos,durante10anos,seguidosouinterpolados».Háaindauma disposição para a aposentação aos 45anos,sujeita à aplicação de uma redução na pensão,parabeneficiáriosquecontem20anosdecarreiracontributiva,desdequepossuam10anosdeexer-cício a tempo inteiro na profissão. A pretensãodos bailarinos a trabalhar em Portugal—na CNBenãosó—équesejapermitidooacessoàreformaantecipadanofimdassuascarreiras,consideradootempodeduraçãodasmesmas,enãoaidadedoartista.Defacto,váriosdosbailarinosdoelencodacompanhia,responsáveisportantosdosseusêxitosaolongodotempo,deixamdedançarmuitoantesdealcançadaaidadedareforma(pelomenos,nãodançamagrandemaioriadoreportório).NaCNB,sãomuitasasestratégiasimplementadasparanãodeixardesperdiçarestevaliosocapital:ministrandoaulasparaoscolegas,dirigindoensaioseoficinas,ocupando-sedeoutrasfunçõesinternas(nacomu-

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nicação, no guarda-roupa, no serviço educativo)igualmenteimportantes.Éachamadareconversãoprofissional em que a CNB tem vindo a apostar,embora se reconheça que nem para todos esta«nova» vida é fácil de abraçar. Na comemoraçãodos 40 anos, por exemplo, foi possível envolver atotalidade do elenco (70 bailarinos), mas a gene-ralidade dos programas não o permite. Apesardestes esforços, alcançam-se, no atual quadrolegal laboral, poucas soluções satisfatórias paraesta realidade.

Terminada a carreira na CNB, para muitosbailarinos, surge novo impasse. Aos 55 anos, seforem saudáveis, são demasiado jovens e ativospara se aposentarem; querendo trabalhar, o quepodem fazer? Dificilmente a experiência artísticaadquiridaéconvertívelparaoutrasaídaprofissio-nal:pordedicaçãoespecíficaeexclusivaàdança,amaiorpartedosbailarinosnãofrequentououtrosestudos, faltando-lhes as ferramentas e qualifi-cações que permitiriam ingressar numa outracarreira. Por isso, nem sempre os mecanismosde reconversão profissional lhes são aplicáveis.As décadas de preparação altamente capacitadanãoosqualificam,também,paraadocência(anãosernoâmbitoprivado)nemestáinstituídoumsis-temadeequivalênciasquecredencieaexperiênciaprofissional para o mercado de trabalho.

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16 O legado de Balanchine: Serenade

Aevoluçãodadançaclássicanoséculoxxcon-duziu a sérias inovações estéticas na forma e nopropósitodoreportóriobalético.Perantearigidezeoformalismodosmovimentosnatécnicaclássica,introduzem-seelementosdeflexibilidadeestrutu-ral, figurinos mais temporais («à moda»), maiorrecursoàabstraçãotemáticaemaisamploespetromusical,mantendoovocabuláriodoballeteaele-gância das sapatilhas de pontas. Foi Balanchine oprincipalmentordestemovimento—aquechama-mos neoclássico—que atualizou o bailado dentrodos seus parâmetros, adicionando tópicos e des-treza,massemprovocarumaruturaestética.Naspalavras de Maria José Fazenda (2016), «GeorgeBalanchine expande o vocabulário da técnica dadançaclássicaeaspossibilidadesdecomposiçãodomovimentonoespaço,exploraasdobrasdocorpo,combinaopesoea leveza.Asmulheres,emsapa-tilhas de pontas, são uma das suas inspirações; aoutraéamúsica.Serenade(1935),oprimeiroballet

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quecrianosEstadosUnidosdaAmérica,depoisdaestéticaapolíneadeApollo(1928)edacomposiçãoconstrutivista de The Prodigal Son (1929), obrascriadas para os Ballets Russes de Serge Diaghi-lev, é um dos exemplos maiores da excelência deBalanchinecomoinventordevocabulário,compo-sitordedanças,dasuaextraordináriamusicalidadee do caráter alusivo e, contrariamente ao balletdo século xix, não figurativo das suas danças.»NavisãodeSusanadeJesusSantos,estacoreogra-fia com música de Tchaikovski «contém todos oselementosdoestiloneoclássico:origortécnicodeumagestualidadeprecisa,asincronizaçãominuciosae abstratizante dos movimentos com a música, odespojamentocénico,aausênciadenarrativa,paraa execução de uma dança em estado puro».

Serenade representou também um momentoinaugural na vida da CNB. Em 1982, pela pri-meira vez, bailarinos portugueses executavamuma coreografia deste inovador do ballet doséculo xx. Lê-se no programa: «Interpretadopor 28 bailarinos, é um bailado sem qualquerlinha dramatúrgica, no qual a coreografia foiconstruída à volta de situações inesperadas,surgidas no desenrolar dos ensaios: a queda deuma bailarina, ou a chegada atrasada ao ensaiode uma outra.» Depois da estreia, várias outrascoreografias de Balanchine se seguiriam navida da CNB—Concerto Barroco (1984), Apollo (1987), Tema e Variações(1988),Os Quatro Tem‑peramentos (1991), Agon (1999) e Who Cares?(2002)—até à apresentação de um programaespecialmente dedicado, Mr. B., no centenáriodo nascimento do mestre, em 2004.

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Sobre Agon, Fazenda (2001) escreveu: «[...] aspersonagensostentamocorpo—atravésdasboasmaneirasedançasdecortedoséculoxviiqueins-piraramaobra—comoquemfazvalerodireitoàssuasprerrogativas.Nestadançasemnarrativa,ounãofosseBalanchineo‘inventor’doballetabstrato,ohumorespreita(ostiques,asvénias,asexibições)entreageometriadacomposição.Destaquem-seasfigurasespaciaisdosdozebailarinos,noinícioenofinal,osolodocortesão,eosdoispas de trois.Agon,criadaemcolaboraçãocomIgorStravinski,entroupara o reportório da CNB em 1999, ano em que,por coincidência, esta companhia se apresentavarenovada,saindovitoriosadalutatravadacontraossinais de decadência que a vinham consumindo»,associando a ligação a este coreógrafo como sinalderenascimentoeafirmaçãodacompanhia,entãosob batuta de Jorge Salavisa.

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17 Uma companhia é uma escola para profissionais

Nestes anos iniciais, apesar do ritmo da mon-tagem de espetáculos, temporada após temporada,a CNB continuava a ressentir-se da escassez deprofissionaisqualificados.Osmestreseprofessoresprivados rareavam e o ensino público vocacionalnão tinha ainda sido desenvolvido. O Conservató-rio Nacional (a funcionar em Lisboa desde 1839)sempre integrou a disciplina de dança, integradae relacionada com as outras artes, mas só em 1987foi implementada a Escola de Dança, com planode estudos próprio e autonomia funcional. Paramanter uma companhia com um elenco estável ecrescente nível técnico, foi necessário delinear umprojetodeincentivoàformaçãonacionaldeagentesparaadança—querbailarinos,quercoreógrafos.Sóassimsealcançariaalgumequilíbrioentreonúmerodebailarinosportugueseseestrangeirosnoelencoda companhia. Fundado por Armando Jorge logoem 1981, o Centro de Formação da CNB funcio-nou durante 15 anos e foi o nicho de estudo para

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muitos dos bailarinos que escreveriam a históriada companhia, como Ana Lacerda (passados trêsanos, os primeiros alunos já integravam espetácu-los da companhia). Por outro lado, aos elementosdo elenco foi sendo aberta a possibilidade de seensaiarem na criação. O lançamento dos estúdioscoreográficos,em1985,permitiutempodeestúdio,experimentaçãoerecursosparaosprojetoscriativosinauguraisdealgunsbailarinos,umaabordagemquetemperduradoatéhoje.Osestúdios,comapresen-taçõespúblicasacadaduastemporadas,foramumaplataformaderevelaçãodecoreógrafosestreantes.A Armando Jorge se deve uma nítida consciência,desdecedo,dasinsuficiênciastécnicasdosagentesda dança no país e a definição de soluções paraincrementar e consolidar a qualificação e a capa-citação dos profissionais. Hoje, a situação é bemdistinta.Atécnicadedançaclássicaéensinadaemquase todo o país, fundamentalmente em estúdiosprivados. Já existem ciclos de ensino superior(a Escola Superior de Dança, em Lisboa, foi criadaem 1983 e dois anos depois integrada no institutopolitécnico; tem na sua génese, a par da formaçãode artistas, a formação de professores). Mas ascompanhias existentes, com exceção da CNB, sãopredominantemente de dança contemporânea, equase não existem elencos fixos. Assim, integraro corpo artístico da CNB significa, no nosso país,a oportunidade quase exclusiva para desenvolveruma carreira de bailarino clássico e prosseguir aprofissão,mantendoocontactocomvariadastécni-cas, coreógrafos, professores e recursos estilísticosdistintos:umapossibilidadequeapenasumacom-panhia de reportório proporciona.

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18 Uma companhia é uma escola para todos

Nem sempre a CNB conseguiu olhar para asua capacidade instalada e proporcionar varia-das modalidades de apropriação por parte dospúblicosaquemnãobastatratarporespetadores.Os programas de aproximação à dança procura-ram,nosanosmaisrecentes,aproveitarosextraor-dináriosrecursoshumanosqueintegramacompa-nhiaparamultiplicarasexperiênciasdeformaçãodepúblicos.Osciclosdedebates«Eunãopercebonada de dança», convidando individualidades aconversar a propósito da programação da com-panhia (com curadoria e moderação de CristinaPeres)eocursodehistóriadadança«DaVidadaObra Coreográfica: Repor, Reconstruir, Recriar»(concebido por Maria José Fazenda e em que,paralelamente às sessões teóricas, para discussãodecasosconcretos,osparticipantespuderamassis-tir ao vivo ao trabalho dos artistas da companhia,em ensaio e no próprio dia do espetáculo) sãoexemplos de iniciativas que ajudam a aquilatar,

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eavalorizar,ocapitaleducativoeculturalqueseencontra numa companhia.

Mesmo para quem, além de pensar, tambémquer dançar. Dado o nível de profissionalizaçãoalcançado por aqueles que seguem a carreira(estima-se que 2 % dos alunos de dança clássicacheguemaprofissionais),eaexistênciadenume-rosasopçõesformativasparaquemseinicia,opro-jetopedagógicodaCNBnecessitoudeacompanharostempose,também,reinventar-se.Assimsurgiuocentroeducativo,comunitárioecriativodoTNSCe da CNB: os Estúdios Victor Córdon. Nasceu em2016 e com um novo propósito—não o de pro-porcionaraulasregularesparaaaprendizagemdadança, mas complementar a oferta existente (noconservatório e noutras unidades de formação)comprojetosdistintosqueacentuamavertentedemediação,ouseja,arelaçãoentreospúblicoseastemporadas(aquiloquehabitualmentesedesignapor«serviçoeducativo»).Éumespaçovocacionadopara diversificar e prolongar as experiências dosespetáculos, desdobrando-as em possibilidadesde fruição, lazer e aprendizagem. Seja através deoficinas de música e dança abertas ao público emgeral, ateliês criativos para crianças e jovens (emperíodo de férias escolares, por exemplo), aulasde ballet para adultos (com ou sem necessidadesespeciais),concertoscomentadoseapresentaçõesdestinadasaescolasefamílias(comoapeçaPrínci‑pes, Heroínas, Amores Impossíveis e Outras Assom‑brações,deCatarinaCâmara,baseadanoreportóriodebailadoromântico)ouresidênciasartísticasdejovens compositores (na primeira temporada soborientaçãodeLuísTinocoecomapossibilidadede

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explorar,comaprivilegiadaligaçãoaoscorposartís-ticos, música sinfónica, de câmara e coral, ópera,dançaouteatro).Abertosàcomunidadeetambéma profissionais (que podem frequentar aulas detécnica clássica e contemporânea e desenvolverprojetos de criação em regime de acolhimento) evalorizando a troca de experiências com escolasartísticasdetodoopaís,osEstúdiosVictorCórdontêm coordenação de Rui Lopes Graça.

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19 E uma companhia é um museu para o futuro

Apesardeserdetentorade40anosdeumvalio-soacervoqueresultadasalvaguardaeconservaçãodos elementos artísticos e técnicos ligados aosespetáculos,umadaspreocupaçõeslatenteséame-móriafuturadetodosestesespetáculosecriações.Embora como arte do presente a dança resista asermusealizada,éverdadequeexistemalgunsbonsexemplosdecomodignificareprotegerestapráticapensandonaspróximasgerações.Oprojetodeummuseudadança(comoodeEstocolmo)oudeumcentroculturalvotadoaestaarte(maisorientadopara profissionais, como o Centre National de laDanse em Paris, ou mais voltado para o usufrutopúblico e divulgação, como o norte-americanoNational Museum of Dance & Hall of Fame, noestado de Nova Iorque) tem estado nas mentesde muitos quantos se cruzam com o quotidianoe o legado da Companhia Nacional de Bailado.Atualmente,emPortugal,oMinistériodaCulturarenovou o anterior Museu Nacional do Teatro,

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criado em 1982, para acolher, conservar e exibiroscartazes,programas,cenários,figurinos,vídeos,fotografiasetudoquantodocumentaapráticadascompanhias e artistas de dança em Portugal, nodesdejaneirode2015renomeadoMuseuNacionaldo Teatro e da Dança, em Lisboa.

Outra perspetiva de «museu» pode ser aquelaque esta companhia—através dos espetáculos aovivo—temocasionalmentelevadoacabocomumacuidada definição programática: proporcionandocontacto, numa mesma noite, com distintas erelevantíssimasobrasdopatrimóniocoreográficomundial. Em 2001, por exemplo, apresentou (emcidadescomoPorto,LeiriaeÉvora)umprogramaintitulado«Umolharsobreoséculoxx»,compostopor A Sagração da Primavera (1913), de VaslavNijinski, Agon (1957), de George Balanchine, eIn the Middle Somewhat Elevated(1988),deWilliamForsythe.CitandoMariaJoséFazenda(2001),«ex-celentesobrasque,porumlado,dãoumavisãodastransformações dos usos do vocabulário da dançaacadémicaclássicaaolongodoséculo,e,poroutro,são o testemunho inequívoco de que a CNB temsabidotraçarumprojetoartísticoàescaladopaíse das funções de uma companhia de repertório.E as interpretações não serão de menosprezar,muito pelo contrário, com destaque para AnaLacerda,umadasmelhoresbailarinasportuguesasque,emdiasalternados,vaidançarastrêsobras».Ao vivo, um museu.

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20 1997, 20 anos de CNB

Quando chega aos 20 anos de idade, a CNBatravessa uma fase de profundas alterações na suaestrutura e no seu funcionamento. A necessidadede encontrar um modelo de gestão distinto já sevinha sentindo há alguns anos, como lembra RuiVieiraNery:«ACNBatravessouumperíododifícilnoiníciodosanos1990.Apesardeserumorganismopúblico, a sua gestão foi subitamente confiada aum instituto de natureza jurídica privada, sofreucortes orçamentais gravíssimos que inviabiliza-vam em grande parte a sua atividade artística, eos seus bailarinos ficaram sujeitos a um regime decontrataçãodepermanenteinstabilidade,tudoistocontribuindoparaumambientegeraldedesalentoque ameaçava degradar irremediavelmente o seuprojeto artístico.» Neste momento, quando se dá achegadadeJorgeSalavisaàcompanhia,sucedendoa Isabel Santa Rosa, deu-se a regularização dasituação contratual dos bailarinos e a aprovação danova lei orgânica da CNB, que a reconfirmou como

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instituto estatal vocacionado para uma missãode serviço público artístico. «A ação de Salavisa àfrentedacompanhia,secundadoporLuísaTaveiracomo diretora artística e por Carlos Vargas comosubdiretor-geral(responsávelpelagestãoadminis-trativa,financeiraelogística),foiverdadeiramenteextraordinária, correspondendo, de certo modo, auma segunda fundação. A CNB ganhou uma novadinâmica, renovou os seus quadros artísticos comjovens bailarinos dotadíssimos, como uma AlinaLagoas,umBrunoRoqueouumFernandoDuarte,associou-se a grandes nomes da criação coreográ-ficainternacionalcomoWilliamForsytheouAnneTeresaDeKeersmaeker,revelounovoscoreógrafoscomoDavidFieldingouRuiLopesGraça,eretomoucomumaintensidadenuncavistaoseuprogramadeitinerância pelo país, sempre com uma capacidadeespantosa de captação de novos públicos». Apesardestasconquistas,acompanhianãodeixoupormãosalheiasasuamatrizidentitária.AprimeiraproduçãodaCNBsobdireçãodeJorgeSalavisafoiCinderela,emversãoecoreografiadeMichaelCorder,baseadonovocabuláriodetécnicaclássica.SegundoSusanade Jesus Santos: «Nenhuma versão de Cinderela,composta em 1945 por Prokofiev, se impôs comohistóricaouartisticamenteincontornável,factoqueviabilizaumgrandegraudeliberdadeemcadanovaversãocoreográfica.SeguindoapartituradeProko-fiev,acriaçãodeMichaelCorderadensaestaabor-dagemdramática,semcomprometerosmomentosdepurodivertimentofantasistadolibretodeNikolaiVolkov.»Foicomoumrenascimento;oreencontrocom os públicos, a confirmação da capacidade ins-taladaeapossibilidadedealcançarnovosobjetivos.

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21 A CNB no mapa-múndi: The Lisbon Piece

Na sequência do momento de «re-fundação»,a CNB viveu em 1998 aventuras entusiasmantes.A centralidade de Lisboa por ocasião da exposi-ção mundial tornou a cidade num viveiro de artecontemporânea, onde espetáculos e criadoresafluíramaumritmosemprecedentes.Nesseano,a coreógrafa alemã Pina Bausch, que já se tinhaapresentadoemPortugalalgumasvezes(aconvitedosEncontrosACARTE,daFundaçãoGulbenkian),esteve em residência nos estúdios da CNB com asua companhia para a criação de uma peça inspi-rada na cidade de Lisboa. Foi também a capital(massobumaóticatotalmenteabstrata)queesteveno cerne da criação de Anne Teresa De Keersma-eker para a CNB (sendo a primeira e única vezemqueaceitousemelhanteconvite,dadoquecriaexclusivamenteparaasuacompanhia,Rosas,quenão é uma companhia de reportório nem de baseclássica). Sem dúvida um dos mais significativosacontecimentosparaaafirmaçãointernacionalda

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CNB,aocorrênciadeThe Lisbon Piecesingularizaesta companhia no contexto europeu, tanto maisque a coreógrafa belga tem mantido uma perma-nência notável nos principais palcos e festivaisde dança e, como resultado das relações geradas,tem também retornado a Portugal com regulari-dade (em 2012 foi mesmo «Artista na Cidade» deLisboa). A CNB dançou, ao longo dos anos, váriasdas suas composições (Prelúdio à Sesta de Um Fauno,Grosse Fuge,Noite Transfigurada eMozart Concert Arias — Un Moto di Gioia integraram o reportório da companhia) mas foi com The Lisbon Piecequepôdetomarcontactocomassuasestra-tégias composicionais e estrear uma peça inédita.O processo de trabalho com os cinco bailarinosqueacoreógrafaselecionou,DavidFielding,Filipade Castro, Filipe Portugal, Isabel Galriça e XavierCarmo,éassimdescritoporSusanadeJesusSan-tos:«Nestacomonasrestantescriações,amúsicacontinua a ser a sua grande fonte de inspiração,o lugar da estruturação das ideias, mas tambémo agenciador das emoções. Sobre a obra de per-cussãodeThierrydeMeyeEricScheichim,AnneTeresaconstruiuumafrasecomnovecélulas,noveblocos com linguagens distintas. Depois solicitouacadabailarinoquedesenvolvesse,compropostassuas,cadaumadascélulas.Asváriaspartesforamentãosucessivamentemontadasdeformadiferen-te, como peças de um puzzle. O rigor matemáticoda frase permitiu estabelecer jogos de inversão esimetria e a distribuição proporcional das partescom base na regra de ouro. Coreograficamente,resultou numa obra minuciosa, um jogo concen-trado e depurado onde se cruzam solos, duetos,

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trios e quintetos, gestos e movimentos cúmplicesousolitários,numatramaarquiteturalfeitadeumvocabulário variado, rigoroso, mas preenchido deum subtil sentido dramático.»

The Lisbon Pieceestreou-seem1998numpro-gramaacompanhadadedoistrabalhos,Artifact IIe In the Middle Somewhat Elevated, de outro dosprotagonistasdacoreografiacontemporâneamun-dial: o norte-americano William Forsythe. PontoaltodoreportóriodaCNB,conformeatestouCris-tina Peres: «Do ponto de vista da singularidade eexigênciainterpretativadalinguagemcoreográficade Forsythe, é extraordinário observar a respostados bailarinos da companhia a esta oportunidadede dançarem, com tanta frescura e generosidade,o que há de mais estimulante para o seu treinonormal.»

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22 Relação com a música: Subordinação…

Emborahajaevidênciasdasuaexistência,comoexpressãoindividualeemcomunidade,desdetem-pos imemoriais, a dança teve de se afirmar paraconquistar autonomia enquanto forma artística.Sabemos que o ser humano sempre dançou. Mas,durante grande parte da sua história, à dança eraoutorgado um mero papel secundário e interlú-dico, até ser considerada uma arte por si própria.O ensino da dança era, maioritariamente, minis-trado em conservatórios de música, sendo a arteda dança encarada como um ramo da música oucomo a representação visual da música. Na histó-riadaCNB,seconsiderarmososavançoserecuosda sua autonomia gestionária, a emancipação dobailado relativamente à música sempre esteve nohorizonte e foi frequentemente debatida. Atual-mente,sobtuteladoOpart,acompanhiaviveunidacomoutroscorposartísticos:oCorodoTNSCeaOrquestraSinfónicaPortuguesa,responsáveispelastemporadaslíricasesinfónicasnoTNSC(asquais

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tambémsecomplementamcomoutrosespetáculosdeproduçãoexterna).OdiplomaquecriouoOpart,em 2007, debruça-se sobre esta questão, achandouma relação antiga entre a ópera e a dança: «EmPortugal,ahistóriadobailadoestátãoindissocia-velmenteligadaaoTeatroNacionaldeSãoCarloscomoahistóriadaópera.Emboradesdemeadosdoséculo xix essa coexistência tenha rareado, certoé que foi sendo retomada de forma intermitentee, com maior continuidade, após a reabertura doteatro, no pós-guerra, para temporadas regularesde ópera e de bailado. No Teatro de São Carlosapresentaram-se os Ballets Russes de Diaghilev,estreou-seeatuouregularmenteogrupodebailadoVerdeGaio,nasceuoCentrodeEstudosdeBailadodeMargaridadeAbreuem1956econstituiu-seem1977aCompanhiaNacionaldeBailado.Asepara-çãodestacomoentidadeautónomadataapenasde1998, mas a consolidação da sua identidade artís-tica,inclusivenoplanointernacional,acentuou-sedesde que fixou residência no Teatro Camões,onde tem contribuído para a fidelização de novospúblicos e para a afirmação daquele espaço como‘teatro da dança’. Firmemente estabelecidas aautonomiaeaidentidadeartísticadeambasasins-tituições,tantomaisnecessárioéagoraaprofundara colaboração e a coordenação entre elas.» Nestecontexto,éjustificadaaligação,quesedesenvolveneste figurino há uma década. «Com identidadesbem marcadas, o TNSC e a CNB desempenhamambas a sua missão de serviço público na área deinterseção entre a música e o teatro. Orquestra,coro,cenografia,técnicadecena,músicavocalouinstrumental, dança, correpetição ao piano, são

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exemplos de componentes necessárias, em maiorou menor grau, para a produção tanto da óperacomodobailado,entendidoscomoteatromusicalnosentidomaislatodotermo.»Vistas,pois,comoformasdearteaproximadas,noquedizrespeitoàhistória e aos modos de produção, o nosso únicoteatrodeóperaeanossaúnicacompanhiadeballetseguemjuntososeucaminho,partilhandorecursosmas afirmando as suas identidades próprias.

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23 Relação com a música: Sublimação!

É também interessante abordar a sempiternarelação da dança com a música sob o prisma dodiálogo artístico, declinado nas múltiplas formasque pode assumir. Exemplos na história da CNBnão faltam. Perante bailados do reportório canó-nico—sejam remontados ou adaptados a partirdas suas versões primitivas, ou para a criação decoreografias novas—são utilizadas as obrasmusicais originais dos respetivos compositores(quase todas da autoria de, por ordem de data denascimento,AdolpheAdam,Løvenskiold,Minkus,Delibes, Tchaikovski, Stravinski, Prokofiev).Aolongodoséculoxx,muitoscoreógrafosrecorre-ramamúsicajáescrita,detodasasépocas,algumaanónima mas o mais das vezes de compositoresreconhecidos, até aos nomes mais contemporâ-neos: novamente, em ordem cronológica, falamosde Purcell, Bach, Vivaldi, Gluck, Mozart, Beetho-ven, Domingos Bomtempo (1775-1842), JohannStrauss, Mendelssohn, Chopin, Brahms, Richard

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Strauss,Rachmaninoff,FreitasBranco(1890-1955),CarlOrff,Hindemith,Shostakovich,Britten,Piaz-zolla, Ligeti, Arvo Pärt, Steve Reich, ConstançaCapdeville (1937-1992), Álvaro Cassuto, Vitorinode Almeida, Jordi Savall, Lloyd Webber ou RuiJúnior, entre muitos outros. Acontece, também,serem encomendados bailados para partiturasoriginais integrantes do reportório da companhia(encomendas de composições inéditas, como aque em 1984 a Secretaria de Estado da Culturafez a Fernando Lopes-Graça e que viria, 15anosmais tarde, a musicar o espetáculo Dançares, deRui Lopes Graça, com direção musical de VascoPearce de Azevedo).

Tambémpodeserimaginadoecriadoumbailadoemtornodaobradeumcompositor,quaseemjeitode homenagem, como a viagem em torno da opusde Jordi Savall que Rui Lopes Graça cumpriu emSavalliana (2000). Ou ser a banda sonora cons-truída por um consultor (como Carlos Martins eRuiVieiraNeryemCantolusoouJoãoRaposoemNoite de Ronda)oupeloprópriocoreógrafo(comoOlgaRorizqueparaPedro e InêsjustapôsexcertosdeArvoPärt,KronosQuartet,BlixaBargeld,PhilipGlass, John Zorn e Einstürzende Neubauten).

Ou ainda, como experimentou o coreógrafoVictorHugoPontesemCarnaval(2016),permearaobracompostaem1886porCamilleSaint-Saënscom peças de outros compositores e de peçasanteriores do mesmo autor, revisitadas em tomparodístico, numa abordagem que na literatura enoutrasformasdearteéconhecidacomo«cadavre‑‑exquis».OsdesafiadosacomporparaesteprojetotãoinusitadoforamSérgioAzevedo,CarlosCaires,

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EuricoCarrapatoso,AndreiaPintoCorreia,NunoCorte-Real, Pedro Faria Gomes, Mário Laginha,João Madureira, Carlos Marecos, Daniel Schvetz,Luís Tinoco e António Pinho Vargas.

Em muitas destas produções especiais, aCNB consegue fazer um investimento altamentecompensador: música interpretada ao vivo. Temvindo, assim, a fazer-se acompanhar de diversasformações, sinfónicas e não só—Orquestra Sin-fónica Portuguesa, Orquestra Metropolitana deLisboa, Orquestra Nacional do Porto, OrquestraDivinoSospiro,QuartetodePianosdeAmesterdão,OrquestraFilarmoniadasBeiras,CircularEnsem-ble(ligadoàEscolaSuperiordeMúsicadeLisboa),QuartetodeCordasdeMatosinhos,CamerataAlmaMater —, e pianistas a solo, como Miguel BorgesCoelho, Pedro Burmester, Mário Laginha ou Ber-nardo Sassetti (1970-2012).

Tambémsucede—comonocasodacolaboraçãoentreStravinskieNijinskiquegerouobras-primasdo cânone mundial, como A Sagração da Prima‑vera, em 1913—que ambas as criações, musical ecoreográfica, sejam integralmente desenvolvidasemsimultâneoe,porvezes,tambémemconjunto.Éummétodoqueatravessaotempoeageografiaequecontinuafrutuoso:exemplosrecentescomoPortrait Series: I Miguel, de Faustin Linyekula ePedro Carneiro, Romeu e Julieta de Rui Horta eBruno Pernadas, Lídia de Paulo Ribeiro e LuísTinoco ou Dance Bailarina Dance, em que JoãoLucaseClaraAndermatttrabalharamjuntos.Estapeça constitui mesmo um caso de estudo na dis-sertaçãodemestradodeLucas,intitulada«Criaçãomusical e coreográfica em colaboração: Tempo,

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experiência, alteridade», onde se lê: «Quando umcoreógrafo e um compositor musical se encon-tram para colaborar numa criação conjunta, emque instâncias se movimentam? Entre os doiscriadoresfunda-seumarelaçãodediálogo,quevaitrilhando o seu caminho ao longo da sua própriadialogia, sujeito às modelações que sobrevém docruzamentodeambiçõesexpressivas,deidiossin-crasias, de poéticas pessoais, de um sem númerode fatores que vão determinando os destinos decomposição da obra.»

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24 Uma questão de género: As Troianas

O mundo do bailado, além de hierarquizadoe codificado, é genderizado. Isto significa que hápapéis prescritos para bailarinos e para baila-rinas, que correspondem às distintas funçõesdos intérpretes (seja no corpo de baile, seja nospapéis principais) no decurso da narrativa (nocasonosbailadosdiegéticos).Numballetclássico,osbailarinoselevamasbailarinas,nuncaooposto;num pas de deux (dueto) há uma diferenciaçãoclara entre o vocabulário da dança feminina emasculina e a relação entre os sexos é devedoradeumacertaformalidadeeprevisibilidade(sendoo paradigma o da heterossexualidade). Tal nãosignifica, evidentemente, que numa companhiacomo a CNB as responsabilidades e os direitosnãosejamidênticosparatodosetodas:notraba-lho técnico, na conduta e no virtuosismo, até naconcorrência, reina a paridade. E não se fazempressuposições quanto à orientação sexual sejade quem for.

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Num bailado moderno ou contemporâneo,encontramos outras formas de relacionamentoentreosgéneros,queespelhamamaiordiversidadeeoparalelismoqueseverificanarealidadesocio-cultural. Mas o progresso não é linear e especial-mente não é fácil alterar tradições enraizadas naprática de uma técnica tão rigorosa e formatada.Ainda em 2010, ao assumir funções na direçãoartísticadacompanhia,LuísaTaveiraconfrontou-secom «algumas reações e reservas» de bailarinasquantoaodançardescalço,sempontas.Ejátinhampassado23anosdesdeaprimeiravez.Quetambémfoi com uma mulher.

Por convite de Armando Jorge, em 1985, OlgaRoriz—que vinha fazendo o seu caminho comobailarinaecoreógrafanoBalletGulbenkian—con-cebe para a CNB uma coreografia original,As Troianas, optando por um elenco exclusiva-mente feminino e baseando-se num tema drama-túrgico que, consequentemente, pedia recursosexpressivos diferentes do que era habitual. Parainterpretar as mulheres de Tróia—enlutadas,perdidas de pânico, os seus filhos e maridos mor-tos—as bailarinas usaram longos casacos pretos(desenhados por Nuno Carinhas), não calçaramas sapatilhas de ponta, não se esforçaram porparecer leves e harmoniosas, nem esconderam ocansaçoearespiraçãopesada.«Foiaprimeiravezque aquelas mulheres dançaram com os cabelossoltos, foi a primeira vez que se atiraram para ochão, que o usaram como elemento coreográfico,comoobstáculo,comoparceiro»,refleteOlgaRoriz.AmúsicaescolhidaeradeVitorino,JanitaSalomée Constança Capdeville.

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Uma década passada sobre a criação da CNB,esta peça constituiu um desafio para aquelasbailarinas, em particular, e também para aquiloque, então, a mulher representava na dança. ParaAntónio Pinto Ribeiro (2007), «uma das peçasmais interessantes do repertório dessa época éAs Troianas, uma peça absolutamente extraor-dinária. O mais importante era a fisicalidade dasbailarinas, a dimensão sexual que as mulherestinham nas coreografias de Olga Roriz. Há muitoa ideia de que a dança é uma coisa de grafia, umacoisa que deixa traços, etérea. Ela alterava issopelaformacomo,nassuaspeças,oscorpostinhamvolume. Volumes que mudavam e se transforma-vam e ocupavam espaço de maneiras inteligentesecriativas.Elaestevelongíssimadequalquerideiadebailarinadiáfana,quedesaparecia.Asbailarinaseram mulheres com corpo, com sexo, com grito».

Olga Roriz será autora de várias outras obrasoriginaisparaaCNB(Pedro e Inês,Noite de Ronda,A Sagração da Primavera, Orfeu e Eurídice),bem como foram nesta companhia remontadostrabalhos seus, nomeadamente Treze Gestos de Um Corpo (estreado no Ballet Gulbenkian) eOs Sete Silêncios de Salomé (estreado no EnglishNational Ballet): estes, espetáculos para elencosexclusivamente masculinos, em que também ogénero está em debate.

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25 Imagem e(m) movimento

Nem só dos espetáculos vive uma companhia,especialmente uma que tem responsabilidadesde representação institucional. De facto, a ima-gem da CNB, expressa em cartazes, múpis,teasers, programas e folhas de sala, além da dis-seminação gerada pelas redes sociais, tem sidoobjeto do maior cuidado, exprimindo os ideaisassociados à companhia—elegância, virtuosismo,estabilidade—mas também desenvolvendo umaidentidade multifacetada, que subscreve outrosvalores, como o cosmopolitismo, a irreverênciaou a sensualidade.

Através do olhar de fotógrafos como AntónioJúlio Duarte, Daniel Blaufuks, Inês Gonçalves(cujasériedeimagensfoipublicadaemlivro,pelacompanhia,em1998),AugustoAlvesdaSilva,SaraAnahory, Rodrigo de Souza, Alceu Bett & AmirSfair, Bruno Simão ou João Penalva, o dia-a-diada CNB e das suas produções é registado e trans-mitido em campanhas que atualizam, aquém e

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além-portas,aimageminstitucionaldacompanhia.Osconvitesaestesfotógrafos(algunsdosmelhoresartistasatrabalharnopaís)intensificaram-sesoba direção de Jorge Salavisa—altura em que foitambém concebido e adotado um novo logótipo,de autoria de Ricardo Mealha (1968-2015)—ede Luísa Taveira. Do seu segundo mandato comodiretora artística datam, também, as três produ-ções«cinematográficas»(cadaumaaseujeito)dahistória da companhia.

Na curta-metragem de João Botelho La Valse — Poema Coreográfico de Maurice Ravel,produção da Ar de Filmes com coreografia dePauloRibeiro(2012),somostransportadosaopós--GrandeGuerraeaoinsanáveldesentendimentoentreRaveleDiaghilev(depoisdadramatização,emquepontificamNunoVieirad’Almeida,JoanaGama e João Ricardo, entre outros, intervêm osbailarinos da CNB, num cenário de desolaçãoe desesperança, entre chamas, fumos, vagas etroncos).

Na coreografia de Fernando Duarte paraO Lago dos Cisnes,apartirdePetipa,queacom-panhia estreou em 2013, o palco encontrava-setodo revestido pelas imagens caleidoscópicas dorealizadorEdgarPêra,num«cine-cenáriohipno-tizante», como considerou Tiago BartolomeuCosta, cuja ligação à narrativa dançada pareciatãonaturalcomosesemprelátivesseestado.Nãodeixandodetomarassuasliberdadescriativas,ofilmedePêraacompanhavaamúsicadeTchaiko-vskiconferindo-lheumatexturadeluzesombraseumaleituracromáticainteiramentepertinentespara a diegese do bailado.

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Já o documentário No Escuro do Cinema Descalço os Sapatos, de Cláudia Varejão (2016),produzido pela Terra Treme, acompanha oquotidiano da companhia ao longo de um anode trabalho. Mostrando ensaios, aulas, cenasde bastidores e camarins, dando protagonismoaos nomes fortes da temporada, como FaustinLinyekula, Miguel Ramalho, Akram Khan e Bar-boraHruskova,mastambémdandoaverdequese ocupam costureiros, fisioterapeutas, técnicose mestres de bailado, o filme constituiu umadas encomendas que assinalaram o 40.º aniver-sário da companhia e foi mostrado em mais de30localidades do continente e ilhas. O título foiemprestadodeumpoemadeAdíliaLopes,«Ver-des Anos»—porque também as poetisas, comoAna Hatherly (1929-2015) e Sophia de MelloBreyner Andresen (1919-2004), foram presençaassídua nas temporadas recentes da companhia.O recente lançamento de A CNB e Os Poetas(2016) resultou, aliás, de um desafio colocado aescritoresquebuscasseminspiraçãonasobrasdacompanhia para comporem um poema inédito;convite aceite por Alexandre Honrado, AntónioPoppe, Fernando Pinto do Amaral, FernandoSampaio,FilipaLeal,GraçaPires,HéliaCorreia,Inês Fonseca Santos, Isabel Mendes Ferreira,JaimeRocha,JoãoMorgado,JoãoPauloCotrim,Jorge Reis-Sá, José Luís Peixoto, José MárioSilva, Margarida Ferra, Margarida Vale de Gato,NunoJúdice,SóniaBaptista,ValterHugoMãeeVascoGato.Mereceaindamençãooutrapublica-çãodacompanhia,oálbummonográficobilingueCompanhia Nacional de Bailado: 25 Anos, com

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uma extensa recolha fotográfica, escrito porSusana de Jesus Santos e editado em 2001.

Nestasequência,devemseraindareferidasduasproduções especiais ocorridas na última décadade trabalhos e em que a memória do cinema foiinstigadora da criação: Du Don de Soi (2011), dePaulo Ribeiro (inspirado na obra do realizadorrussoAndreiTarkovsky),eDance Bailarina Dance(2013),deClaraAndermatt(partindodogénerodocinema musical norte-americano).

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26 Clássico da era moderna: A Sagração da Primavera

Talvez a mais reinterpretada composição parabailado do século xx, a Sagração da Primaveratem inspirado coreógrafos em todo o mundo, dasmais diversas formas, resultando por si só numextraordinário reportório, ao longo destes cemanos. (O diário britânico The Telegraph contava,em 2009, mais de 180 versões.) A partitura deIgor Stravinski, de pouco mais de trinta minutos,composta para o bailado homónimo de VaslavNijinskiestreadoemParis,noTeatrodosCamposElísios, em 29 de maio de 1913, é um autênticoclássico do modernismo europeu, surgido, comooutros movimentos de vanguarda (na literatura,pintura, arquitetura, cinema…), para romper comas tradicionais conceções estéticas vigentes esendo, como muitos dos projetos então nascidos,recebido com protesto.

Sagração da Primavera — Retratos da Rússia Pagã divide-se em duas partes, «A Adoração daTerra» e «O Sacrifício», e representa um ritual

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primitivo e pagão, ligado aos elementos da natu-rezaeaossacrifícioshumanos:osanciãosdatriboreúnem-se em círculo para sacrificar a Eleita eassimagradaraosdeusesdaPrimavera,embene-fício da fertilidade. Coreograficamente, faz usode movimentos totalmente discrepantes com ocânone do bailado: os bailarinos percutem o chãocom os pés voltados para dentro, impondo peso erudeza nos gestos, e apresentam-se com trançascompridas.Masocontrastecomoesperadovinha,muito, também da dissonante e grandiosa músicadeStravinski,àdataumjovemcompositoraquemDiaghilev encomendou algumas obras que se tor-nariammarcosdosBalletsRussese,bemassim,dahistóriadobailadomoderno,comoPássaro de Fogo(1910)ePetrushka(1911).Seguiu-seSagraçãoque,contrariamenteàsanteriores,geroutaldesconten-tamentojuntodopúblicoqueatéapolíciainterveiopara acalmar os ânimos. Mas ambos, compositore coreógrafo, sabiam perfeitamente o que faziam.

ACNBcomeçaasuahistóriacomaSagraçãoem1984,apresentandonoTeatroSãoLuizumaversãocoreográfica de Carlos Trincheiras com figurinose cenografia de Armando Jorge. Dez anos depois,Isabel Santa Rosa, a segunda diretora artística dacompanhiaque,entre1994e1996,empreendeuàcompanhia um sentido modernizador, produziu A Sagração da Primaveranaversãooriginal.FoinoCentro Cultural de Belém, a 22 de junho de 1994(Lisboa era Capital Europeia da Cultura), que emPortugal se dançou pela primeira vez a SagraçãodeNijinski.Ecomoéquesabemosqueeraassim?

Maria José Fazenda (2001) explica: «Quandoa Sagração da Primavera foi estreada em Paris,

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pelosBalletsRussesdeSergeDiaghilev,opúblicoreagiu tão violentamente, com injúrias e gritos,que,apósmenosdemeiadúziaderepresentações,a obra foi retirada de reportório. O que é que em1913 chocou tanto o público? Foi o modernismoradical de Nijinski e Stravinski. Nos antípodas dovocabulárioeidealbalético,ocoreógrafodescobrenovas posturas para o corpo, novos movimentosparaexprimirtensão,concentraçãodaenergianocorpo e para convocar uma atmosfera ritualista,inspirada em antigos rituais da Rússia pagã. Pésvirados para dentro, e saltos conservando estaposição, tronco inclinado para a frente e punhoscerrados, acentuações rítmicas muito diversifica-dasemovimentosemdireçãoàterraopunham-seàsimagensdelevezaeharmoniadoballet.Aobra--primadeIgorStravinskisobreviveu,masacoreo-grafia (de Nijinski) e os cenários e figurinos (deNicolas Roerich) perderam-se. Passados 70 anos,esteselementosperdidosreemergem,depoisdeumtrabalhocontinuadode‘escavações’levadasacaboporMillicentHodson[reconstruçãocoreográfica]e Kenneth Archer [reconstrução da cenografiae figurinos]. A obra foi levada ao palco em 1987[para o Joffrey Ballet de Los Angeles] e, em 1994,remontada para a CNB.» Neste trabalho arqueo-lógico, Hodson e Archer procuraram recuperaros elementos da estreia, entrevistando bailarinos,músicos,assistenteseespetadoresdaproduçãode1913epesquisandoemmuseusecoleçõesparticu-laresdeváriascidades,buscandoumaaproximaçãoaos cenários e figurinos do original.

É esta versão—mais do que adaptada, recons-tituída—que a CNB vem apresentando até que,

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em 2010, propõe um especialíssimo programa:em linha com outros eventos pelo mundo fora,também a CNB entendeu ser pertinente assina-lar o centenário dos Ballets Russes de SergueiDiaghilev e o seu contributo inigualável—emquantidadeequalidade—paraodesenvolvimentodestaarte.Compôs,eitineroupordiversascidades,umespetáculodehomenagemonde,alémdeumanovaeterceira Sagração (encomendadaaojovemcoreógrafo catalão Cayetano Soto), apresentouAs BodasnaversãooriginaldeBronislavaNijinskaeStravinski,de1923,eaindaFauno,deWellenkamp,para música de Debussy, que a escrevera para aobra de Nijinski de 1912 Prélude à l’Après‑Midi d’Un Faune.Cadaumaseujeito,ostrêstrabalhosrecordam e revisitam o ímpeto revolucionário dahistóricacompanhiaitinerantegeridacommãodeferroporSergueiDiaghilev.OsBalletsRusses(quederivamdoBalletImperialdaRússia,emboranuncatenham dançado naquele país) iniciam atividadeem 1909 e ganham notoriedade mundial a partirdasatuaçõesemParis,mantendo-senocentrodovórticecriativodadança(emtermoscoreográficos,musicaiseplásticos)duranteduasdécadas,atéaoseu final, com a morte de Diaghilev, em 1929.

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27 As sucessivas tutelas

Apesardasuaconsequenteeestruturadainter-vençãoartísticaecultural,aCNBpadeceusemprede um desajuste entre a sua natureza orgânica eo enquadramento estatal. A companhia operoudurante muito tempo em precariedade funcional,semumadequadosuportejurídico-administrativo.Se a instabilidade política dos primeiros anos emdemocracia justificou, em parte, esta realidade, ofactoéqueamesmaseprolongouportrêsdécadas,atéàconcretizaçãodeummodelodeestabilizaçãoque vigora desde 2007.

Cinco anos após a constituição da CNB, nopreâmbulo ao Decreto-Lei n.º 460/82, de 26 denovembro, o então primeiro-ministro FranciscoPinto Balsemão constatava: «Criada em regimeexcecional, rapidamente a companhia iniciou asuaaçãojuntodopúblicoedosartistasdebailado,ganhando e cimentando um prestígio que jáultrapassou fronteiras e se confirmou em váriasdigressões ao estrangeiro, sendo hoje uma reali-

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dade positiva do panorama artístico português.A indefinição do estatuto jurídico da CompanhiaNacional de Bailado e a necessidade, dado o seucrescimento, de uma cada vez maior autonomiaconduzem à urgência da sua institucionalizaçãoem moldes que a libertem de certas peias buro-cráticas e lhe permitam desenvolver um trabalhodevidamente planificado.» Assim, foi a CNB poreste diploma declarada «uma pessoa coletiva dedireito público, dotada de autonomia adminis-trativa e financeira, prosseguindo fins de índoleculturaleexercendoasuaaçãonadependênciadoMinistério da Cultura e Coordenação Científica».Mas em regime de instalação, ou seja, ainda comumestatutoprovisório.Adesejadaleiorgânicasóchegaria muito mais tarde.

Quando foi criada, em 1977, a CNB iniciou assuas atividades sem regime jurídico definido etutelada pela Direção-Geral da Cultura Populare Espetáculos a que sucederia, a partir de 1980,a Direção-Geral dos Espetáculos e do Direito deAutor.Em1982,quandosedáainstitucionalizaçãoacimamencionada,aCNBédotadadeautonomia;masvêesseestatutorevogadotrêsanosdepois,emnovodecreto-lei(271/85,de16dejulho),passandoaestarintegradanoTNSC.Em1992,umarevoga-ção tornou a conferir à CNB plena personalidadejurídica e autonomia, aplicando-se novamente oseu anterior regime (com as devidas adaptações).Todavia, poucos meses depois, o Estado torna atrocar as voltas à companhia. Por escritura nota-rial lavrada em 22 de novembro de 1993, entre aSecretaria de Estado da Cultura, a Fundação dasDescobertas e a sociedade proprietária do Tea-

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tro de São João é constituída uma associação dedireito privado, o Instituto Português do Bailadoe da Dança (IPBD), cujos fins estatutários eram«a promoção e o desenvolvimento do bailadoe da dança nas suas vertentes, nomeadamenteclássica e contemporânea» e «a manutenção deuma companhia nacional de bailado». Era AníbalCavaco Silva primeiro-ministro e Manuel Frexessubsecretário de Estado da Cultura. O governoseguinte, dirigido por António Guterres, quetinha Manuel Maria Carrilho como ministro daCultura,veiorepudiaressasituação,nosseguintestermos: «[...] gerou-se uma situação de manifestailegitimidade, em que a CNB, pessoa coletiva dedireito público, foi, para todos os efeitos práticos,integrada no IPBD, instituição de direito privado,aopontodeofinanciamentodaCompanhiadeixardeserfeitopelainscriçãodedotaçõesorçamentaispróprias no Orçamento do Estado para passar aefetuar-seatravésdesubsídioconcedidoaoIPBDpelo Fundo de Fomento Cultural. Este estatutojurídico anómalo da CNB foi acompanhado deumasituaçãodesubfinanciamento,quedificultouo normal funcionamento artístico da companhia,igualmenteagravadoporoscilaçõesnasuadireçãoartísticaepelaausênciadeumaestruturainternadefinidanosplanosartístico,técnicoeadministra-tivo.»Deliberouentãoogoverno(peloDecreto-Lein.º 42/96, de 7 de maio) reconsagrar a naturezada CNB como pessoa coletiva de direito público,tuteladapeloMinistériodaCultura(recém-criado),edotá-ladasbasesorgânicasindispensáveisaoseunormalfuncionamento,queviriamaserpublicadasem 1997, pelo Decreto-Lei n.º 245/97, de 18 de

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setembro.Nestediploma,queadquireoscontornosdeuma«refundação»,acompanhia—quecontavajácomumavintenadeanos—éfinalmentedotadade orgânica própria: «[...] uma solução em que secombinam a garantia de uma gestão rigorosa eeficiente dos dinheiros públicos e a flexibilidadede funcionamento indispensável à conceção eproduçãodeespetáculosdealtonívelprofissionale artístico.»

Durou 10 anos a autonomia. Incumbia à CNB,tal como fixa a lei, «assegurar a prestação de umserviço público no domínio da dança, assentenum projeto cultural artístico unificado, quese centra na promoção do acesso à fruição e àprática deste domínio da atividade artística porparte dos cidadãos e no reforço dos padrões dequalidade da criação e produção profissionais dadançaemPortugal».Deveriaorientar-separaumagestão estratégica, concertada—«a atividade daCNB centra-se numa programação plurianual deespetáculos de dança, organizados por tempora-das regulares, que podem incluir a participaçãoem produções teatrais e de ópera, de iniciativaprópria ou em colaboração com outras entidadesde produção artística, públicas ou privadas»—ecomplementadapor«atividadesdeextensãoartís-tica, direta ou indiretamente relacionadas com asua temporada artística», como gravações paracinemaoutelevisão,digressõesnacionaisedigres-sões internacionais.

Os objetivos da companhia mantiveram-seem grande medida idênticos aos planeados em1982, mas com uma tendência para sinalizar anecessidade de amadurecimento e afirmação da

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dançaportuguesanoestrangeiro:paraaíapontama «integração crescente de Portugal no panoramainternacionaldadança,promovendointercâmbiosque viabilizem a apresentação no estrangeiro deobras e artistas de bailado nacionais e possibi-litem o contacto dos seus artistas técnicos comexpoentes internacionais qualificados deste setorartístico» e a «promoção de iniciativas diversifi-cadasdeformação,edição,animação,investigaçãoe comunicação tendentes à difusão do gosto peladançaedainformaçãosobreasuahistória,teoria,estética, técnica e pedagogia, em Portugal e noplano internacional».

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28 A CNB no Opart

Trinta anos volvidos sobre a sua instituição«em regime excecional», e de diversos avançose recuos no seu modus operandi, a CNB atraves-sou mais uma—e até à data a última—revisãoestatutária: uma repetida fusão com o TNSC noâmbitodonovoOrganismodeProduçãoArtística,E.P.E.(Opart).AdecisãocoubeaogovernodeJoséSócrates,sendoministradaCulturaIsabelPiresdeLima.Odiplomaqueformalizouestaintegração,oDecreto-Lei n.º 160/2007, de 27 de abril, mereceumaleituraatentaporquantojustificaeenquadraa opção tomada: a passagem para um modelo degestãoempresarialdenaturezapúblicacomganhossinérgicos. «A dinâmica da produção artística e aotimizaçãodosrecursoshumanosemateriaisquelhe são afetos, a definição e a concretização deestratégias de alcance plurianual que permitamassegurar níveis de excelência na criação e difu-são artísticas, nas oportunidades geradas para aprofissionalização e aperfeiçoamento de artistas

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e intérpretes, na captação e formação de novospúblicos, na descentralização e na internacionali-zação da cultura portuguesa, pressupõem instru-mentosdegestãoempresarial,semosquaisnãoépossívelpromoverasustentabilidadedosprojetoseoefeitoreprodutivodoinvestimento,nasuadupladimensãoculturaleeconómico-financeira.»Nestemodelo,emexecuçãohá10anos,oTNSCeaCNBcontinuam a funcionar como centros de produ-ção autónomos, cada qual dotado da sua própriadireção artística, «investida de todos os necessá-rios poderes de superintendência na produção,programação, comunicação e projetos educativos,indispensáveis para o desempenho das respetivascompetênciascomogarantedacoerênciaedaexce-lênciadaatividadeartísticaedaimagemquedelase projeta nacional e internacionalmente».

Enquanto entidade pública empresarial, oOpartpassaaestarsujeitoaduplatutela(CulturaeFinanças)eadquire,comonovoestatuto,novasobrigações, que concretizam e atualizam a suamissão de serviço público no século xxi: «O estí-muloàpesquisa,difusãoeanimaçãodeinformaçãodocumental, especializada na área do bailado, noquadro das novas tecnologias de informação ecomunicação»; «A preservação e valorização damemóriaprópria,expondooumusealizandoteste-munhos históricos do bailado em Portugal.»

Em2016,ementrevistaaosemanárioExpresso,Carlos Vargas, que preside ao Opart, frisou anecessidadedocasamentoentredireçãoartísticaeadministração:«Onossoesforçodecoesãoédeci-sivo.Nãoqueroterumprojetodegestãoexemplarse não tenho espetáculos para servir os públicos.

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Éem função dos projetos artísticos quesedevemfazer adaptações. De nada vale ter um relatório econtas maravilhoso se tiver críticas sinistras.»

Ou, por outras palavras (de Tiago BartolomeuCosta, 2016): «Ao fim do dia o que conta são osespetáculos e esses, nos últimos anos, passarama constar regularmente nas listas de melhores doano. Há anos que tal não acontecia. Passou a seruma evidência.»

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29 A crítica

Ojuízosobreumaobradearteétarefasempresubordinada a um considerável grau de subjetivi-dade,pormuitoqueacríticaseapelidede«especia-lizada»ealmeje,porisso,aalgumauniversalização.Defacto,entredescreverapropostadocoreógrafo,analisaropontodevistadodramaturgista,abordara excelência técnica dos intérpretes, a qualidadedos músicos, a inventividade do figurinista ouo tradicionalismo do cenógrafo—para não falarda consistência estratégica, ou falta dela, do pro-gramador —, o crítico vê-se perante uma missãoquase impossível: reconstituir por palavras umaexperiência estética, através da descrição, ensaiaruma interpretação para a obra e avaliá-la. Alémdestas que são as fases classicamente enunciadaspara o exercício da crítica, existem outras expec-tativas, como explica Daniel Tércio (2007). Queo crítico aja como «um guia na relação da obracomosrespetivospúblicos»,deixandodeser«umjuiz da qualidade da obra» para passar a ocupar

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«o terreno da educação estética e da apreciaçãoartística».Nahistóriadacrítica,deu-seatransição«de uma crítica normativa, que pretendia regulara relação do artista com a obra, para uma críticaexplicativa, centrada na receção da obra.» A crí-tica, então, deveria assegurar o reconhecimentoe a identificação da obra no género (investindonumaperspetivahistoriográficaeaomesmotempopronunciando-sevalorativamentesobreobrasque,napós-modernidade,desafiamqualquerpertençaaumgénero,poisconcebem-sedocruzamentodelinguagens…).Étarefaárdua,sejaqualforoângulode abordagem.

Uma antiga crença persiste, e que emerge davisão estereotipada do crítico como «comentadordebancada»,queentendeapráticadebailadocomocondição para a crítica de dança. Tércio abordadesassombradamente a questão: «Há muitosanos, quando comecei a interessar-me por dançaenquantoáreadeinvestigaçãoteórica,confrontei--me repetidamente com pessoas que reclamavamaimpossibilidadedealguémcomoeu(quenãosesubmetera a uma aprendizagem sistemática deuma ‘técnica’ de dança) poder produzir um dis-curso sobre dança. [...] Segundo esta perspetiva,a crítica de dança era obviamente uma atividadeparaaqualeunãosónãoestavapreparado,comojamais poderia estar preparado, a não ser que mesubmetesseduranteanosao‘calvário’deumestú-dio. Esta autoridade castrante parecia-me muitoestranha.» E, procurando desconstruir o sentidodesta«limitação»(dequenãoviuparalelonoutrasformasdearte),deuporsiaesbarrarcom«aquelaafirmação de autoridade, por vezes irritante e

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corporativa—características que de resto sãobons estímulos para desobedecer» e perscrutouo raciocínio implícito, que descreveu assim: «[...]nãopodespensaradançaporqueverdadeiramenteo teu pensamento jamais será capaz de alcançara sabedoria das articulações e dos músculos e davelocidade do corpo de um bailarino.» Ainda seencontra quem assim pense: que para apreciar eescrever sobre dança é preciso ter suado e pisadoas tábuas.

Cadacríticotemumestilopróprio(maiscúm-pliceoumaisjudicativo),quejáéfamiliaraosseusleitores, pois em regra o crítico permanece nomesmo jornal (ou, nos anos mais recentes, blog).Foi assim que críticos como Manuela de Azevedo(1911-2017), José Blanc de Portugal (1914-2001),MariaHelenadeFreitas(1913-2004),TomazRibas(1918-1999), José Sasportes, Maria de Assis, GilMendo, António Pinto Ribeiro, António Laginha,CristinaPeres,MariaJoséFazenda,DanielTércio,Luísa Roubaud, Tiago Bartolomeu Costa, PaulaVarandaealgunsoutrossecruzaram,noexercícioda sua atividade jornalística, com os espetáculosdaCNB.Nãoporacaso,todos(ouquase)viriamater papéis de destaque na cultura portuguesa, emfunções diplomáticas, de governação, de docênciano ensino superior, como autores, como gestoresculturais,comoprogramadores...Epartedeles,massóumaparte,teve,nasuavida,experiênciacomoestudante ou praticante de dança.

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30 2007, 30 anos de CNB

O tempo da maturidade (criativa e institucio-nal)paraaCompanhiaNacionaldeBailadoreforça--seporalturadacelebraçãodoseu30.ºaniversário.Um dos momentos altos consistiu no regresso aoconvíviocomPinaBauschesuacompanhiaTanz-theater Wuppertal—depois de, em 1998, quandoemresidênciaartísticanosestúdiosdaRuaVictorCórdon, ter coreografado Mazurka Fogo — com aapresentação da peça Für die Kinder von gestern, heute und morgen no Teatro Camões. Este teatroapresentava, havia duas temporadas, espetáculosde dança contemporânea programados por MarkDeputter,iniciativaqueterminanesseanode2007.NomesdacriaçãoportuguesaemergentecomoAnaMira ou Luís Guerra (programa Quatro Canções)conviveram com criações reimaginadas para cor-posnãotreinados,assinadasporTiagoGuedes,LaRibot ou Filipa Francisco (ciclo Como Tu e Eu), ecom coreógrafos consagrados como Alain Platel,Meg Stuart ou Vera Mantero.

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QuantoaoreportóriodançadopelaCNB,alémdecoreografiasdeautorescomoHansvanManen,HeinzSpoerli,NachoDuatoouJiříKylián,acom-panhia percorreu o país com o Programa Prima‑vera, constituído por obras de Mauro Bigonzetti,Gagik Ismailian, Olga Roriz e William Forsythe(a sua peça-tributo a Balanchine, The Vertiginous Thrill of Exactitude).

Já intensamente internacionalista, itinerante,com uma programação heteróclita e referencial,a CNB (sob direção geral de Ana Pereira Caldas)foi porém forçada a reinventar-se e assumir res-ponsabilidades acrescidas. Desaparecido o BalletGulbenkian, a CNB torna-se a única companhiadereportórioativaemPortugal.TiagoBartolomeuCosta (2005) partilhava, então, as suas reflexões:«NascoreografiasdeHansvanManen,oprimadoda execução técnica sobrepõe-se ao espaço decriação do intérprete e às especificidades de umacompanhia. Razão pela qual os seus trabalhosencontram eco em companhias de repertório, noqueisso,porvezes,significadetrabalhoausentedeindividualidade,eexistênciadeumcorpoartísticofixo a um exercício de cumprimento dos códigosvisíveis, funcionais e perpétuos da dança. [...]Éfunçãodeumacompanhianacionalarecupera-ção de trabalhos onde a história da dança, ao serquestionada, o é em função de uma procura paraa sua legitimação, mas também enquanto agenteativoeconscientedoqueérelevanteapresentaraopúblico. Ou seja, as escolhas de repertório devempassarporumdiálogofranco,abertoepertinentecomomeioondeseinsere.Eesteprograma,tendosido pensado antes do fim do Ballet Gulbenkian,

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obriga-se agora a uma outra relação com o meio[...]. Será, então, legítimo perguntar qual o papelqueaCNBquerocupar,enquantocompanhiaesta-tal?Ouseja,enquantorepresentantedaquiloqueoEstadoentendeseroseupapelnadefiniçãodeumarelaçãodadançacomopúblico?[...]Sendorespon-sávelpelaaproximaçãodepúblicos,aCNBdeveráprocurar eixos que interliguem a história com asexpressõesdeartemenosformatáveis.E,porisso,procurar dentro do trabalho de repertório, peçasqueestabeleçamdiálogoscomopassadoeofuturo.»

No último ano do quinquénio de MehmetBalkan à frente dos destinos artísticos da com-panhia—que abriu com a estreia da sua versãode O Lago dos Cisnes—verificou-se mais umareestruturaçãoorgânica.Nolugardetrêsfunções(direção administrativa, artística e programação),passaaexistirumúnicodiretor.ACNBvoltaaserassociada ao TNSC, sob gestão do recém-criadoOpart. Esta entidade públicaempresarial,queatéhojesemantémcomatuteladacompanhia,tam-bém sofreu algumas convulsões. Segundo CarlosVargas, presidente do conselho de administração,entre 2007 e 2010 deu-se «a fase de implementa-ção» e seguiram-se momentos de «turbulência ede abandono pelo poder político. Isto ao mesmotempoqueoTribunaldeContasadmiteresultadospositivos na gestão.»

Nos10anosqueseseguemcontinuamasentir--se alguns solavancos, mas são artística e criati-vamente alguns dos mais prósperos da históriada companhia. Novos «diálogos com o passado eo futuro» começam, com a tomada de posse deVasco Wellenkamp.

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31 Cenários e guarda-roupa: Vestir o espetáculo

Figurinistas,cenógrafos,aderecistas,videastassão artistas cujo trabalho integra as produções ecujo contributo é determinante para a aprecia-ção do espetáculo como um todo. Logo depoisda coreografia e da composição musical (quandoexiste),oespaçocénico—trabalhadopelaacumu-lação de elementos ou pelo minimalismo—e oguarda-roupa—conceptual, de época, neutro oufantasioso—são os componentes que permiteme constroem a instalação do ambiente desejado,o dispositivo que vai comunicar com o espetador.Artistas visuais como Cruzeiro Seixas (O Lago dos Cisnes),JúlioResende(tambémfigurinistadeCanto de Amor e Morte),EspigaPinto(1940-2014,cenografouVariações Paganini),LagoaHenriques(1923-2009, autor do espaço cénico de Duelos),Daniel Blaufuks (Intacto), João Pedro Vale &Nuno Alexandre Ferreira (Quebra‑Nozes Quebra‑‑Nozes) ou Vasco Araújo (Morceau de Bravoure)marcam presença nas temporadas da companhia,

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assim como arquitetos cenógrafos, como os casosde João Mendes Ribeiro (Cantoluso, Dançares,Romeu e JulietaouPedro e Inês),NunoCôrte-Real(homónimodocompositoremaestro,cenografouO Pássaro de Fogo ou Sonho de Uma Noite de Verão), José Manuel Castanheira (Petruchka) eJoséCapela(La Bayadère).EtêmcolaboradocomaCNB,também,cenógrafoscomoArturCasais(Suite Medieval), Manuel Lapa (1914-1979, cenógrafo deBaile dos Cadetes), António Casimiro [O Fado (A Severa)], Nuno Carinhas (As Troianas ou Can‑toluso), António Lagarto (Giselle ou O Lago dos Cisnes), Artur Pinheiro (Dance Bailarina Dance),YolandaSonnabend(ConcertoouCinderella),RitaLopes Alves (Requiem), Nuno Maya & OCUBO(cenografiaevideo mappingdeO Pássaro de Fogo).Da Silva Nunes (Armando Jorge) ainda é o cenó-grafomaiscreditadoemproduçõesdaCNB.Outroscoreógrafos, como Vasco Wellenkamp, tambémassinaram cenografias e figurinos de peças suas,comonocasodeFauno.Estessãoapenasexemplosde uma lista bastante extensa.

Menos frequente é a utilização de adereços.No ballet quase não se dança com objetos nasmãos (há, claro, algumas exceções: em D. Quixoteabailarinalevaconsigoumleque).Opalcoquer-sedesimpedido de elementos volumétricos, emborahaja casos de cenografias menos bidimensio-nais—em Pedro e Inês, cenografado por JoãoMendes Ribeiro, a ação decorre em redor e den-tro de uma piscina que recria a fonte dos amoresna Quinta das Lágrimas, em Coimbra, utilizandomateriaisnaturais,comoapedra,aáguaeaterra.Noutroexemplo,La BayadèredeFernandoDuarte,

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o efeito de ilusão de um bailado «indiano» (masinteiramenteocidentalizado)foisubversivamenteinventado por José Capela com telões e painéismas,também,comformasqueinvadiamoespaçocénico, como uma fogueira, um lance de escadasquesesalientadeumtemplo,umasériedebancosemformacúbica(quetambémfaziamasvezesdemesa de jogo) ou as duas liteiras que levavam osnoivos para o casamento.

Quantoaosfigurinos,hámuitoqueoprogressoda dança substituiu uma das imagens que maisperduraram: a do ballet blanc—representado noomnipresentetutu,quesimbolizaaestéticaromân-tica do século xix—por uma enorme variedadede guarda-roupas, em função da época retratadanapeça,ouemfunçãodacriatividadedoestilista,ou mesmo superando a ideia de vestir «persona-gens»paralhesconferiraaparênciadeesculturasmoventes.Emcomum,existesempre,comocontaAntónio Lagarto ao apresentar a sua exposiçãoantológica de figurinos de teatro, dança e ópera(De Matrix à Bela Adormecida),umapreocupaçãoprática,alémdesimbólica.«Desenharumfigurinoparateatroconsisteemcriaruminvólucroparaocorpo—ocorpodoator—,quenarreumahistória,construa memórias e defina um espaço para essecorpo, interpretado a partir de um texto literárioou não. Criar um figurino para dança tem outrasimplicações.Aprimeiraeaúltimaéomovimento.Pelo meio, aplica-se tudo o que se aplica tambémnocasodoteatro,masexacerbadopelomovimentodas formas, dos tecidos, das texturas, das cores e,como é óbvio, do próprio corpo, interpretado apartir de uma história, de uma coreografia ou de

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uma composição musical.» Capazes de encontrarestelugardevirtudetêmsidoosestilistasquecoma companhia têm colaborado, como José AntónioTenente(LídiaouO Lago dos Cisnes),MariaGon-zaga(Petruchka),NunoGama(LlantoouBomtem‑po)eosfigurinistasVeraCastro(1947-2010,dese-nhouosguarda-roupasdeD. Quixote,SavallianaouÀ Flor da Pele),MarianaSáNogueira(Pedro e InêsouTempestades)ouAleksandarProtic(Dance Bai‑larina Dance ou Carnaval), para citar alguns.

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32 Novos «clássicos» portugueses

A CNB entendeu ser sua incumbência, desdesempre,aencomendadepeçasoriginaisquelogras-sem ampliar o património coreográfico existentecomnovasaquisições(inscritasounãonaestéticacontemporânea):éalgoqueestánosseusobjetivosestatutárioseestánasuaprática,desdeaprimeiratemporada e desde o programa inaugural. E, aolongo destes 40 anos, muitas foram as estreiasabsolutas de criadores portugueses que respon-deram ao repto de se deixar inspirar pela nossaricaemilenarhistórianacional,baseandoassuasobras coreográficas em momentos reconhecíveisda memória coletiva—embora esta possa ser tãopovoadadeverdadefácticacomodemito,econtertanto de fábula como de realidade. Pelo menostrês dessas numerosas obras adentraram, semhesitação, o cânone da coreografia portuguesa; enão poderiam ser mais distintas entre si. São elasCantoluso(1997),Pedro e Inês(2003)ePerda Pre‑ciosa (2012). Nos três casos coreografias de noite

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inteira, são bem a demonstração do talento e dariqueza da linguagem dos seus criadores.

Seaprimeiraseestruturaapartirdastradiçõesmusicais e da dança da lusofonia, as outras duastematizam episódios capitais da realeza nacional:umapassadaem1355(assassinatodeInêsdeCas-troàsmãosdoscarrascosdosogro,reiAfonsoIV)eoutraem1578(desaparecimentodeD.Sebastiãode Portugal na Batalha de Alcácer-Quibir).

Cantoluso foi um trabalho de colaboração amuitas mãos. Até hoje, das peças criadas parao reportório da CNB, uma das mais dançadas,destina-se a um elenco alargado (32 bailarinosvestidos por Nuno Carinhas) e foi coreografadaportrêsautores,DavidFielding,RuiLopesGraçaeArmandoMaciel,entãobailarinosdacompanhia,reveladosnosestúdioscoreográficos.OcenáriodeJoão Mendes Ribeiro é uma estrutura em formade bancada quadrangular mas sem a frente, quedesenha o espaço da ação e ao mesmo tempo for-nece assento para as sequências em que apenasalgunsbailarinosestãoadançar;osdemaispodemestar a percutir o palco com os pés, por exemplo,acompanhandoostamboresdeRuiJúnior,ouemimobilidade no caso de um fado interpretado porumnúmerovariáveldepas de deuxacompanhadoàguitarraportuguesadeCarlosParedes(1925-2004).Carlos Martins e Rui Vieira Nery procederam àseleção dos excertos musicais de Cantoluso, queconjugaram o entoar do lamento da alma nosgénerosmusicaisdostrêscontinentesdalusofonia:o fado, a morna e o chorinho.

BemdistintoéohumordapeçadeOlgaRoriz.Inspiração de inúmeros escritores, à cabeça Luís

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de Camões e António Ferreira no século xvi(emesmojádeumacoreografiadaCNB,em1978,Duelos, de Lazlo Tamasik), os amores trágicos dePedro e Inês são narrados como na factualidadehistórica, depois adornada pelo mito (consta queobeija-mãodarainhapostumamenteentronizadanão terá ocorrido, mas não deixa de ser umadas cenas com mais força). A figura de Inês, quepressente a própria morte, é desdobrada em setebailarinasqueseentregam,comexpressivateatra-lidade,asequênciasdemovimentorepetidascomose num sonho, além das outras personagens queintegram a ação, entre a passional interioridade(comPedro)eexaltaçãodador(comoscarrascos).Extremamentecuidadodopontodevistamusicale visual—para o que concorrem o espaço cénicoprimorosodeJoãoMendesRibeiroealuzfúnebrede Cristina Piedade —, salientam-se os figurinosdeMarianaSáNogueira,queadensamanarrativadamorte,pesadosqueficamdepoisdeensopadosde lágrimas.

Perda Preciosa: D. Sebastião Morreu é o títulosob o qual se estrutura uma peça dramática deAndré e. Teodósio, coreografada por Rui LopesGraça, com direção musical de Massimo Mazzeoe instalação cénica de Javier Núñez Gasco. Umexercício de questionamento do sebastianismocrónico dentro de nós, cada um e enquanto país,nesta indeterminação entre a história e a lenda.O Desejado é aqui não mais que uma metáforaparaanalisarcomolidamoscomoprocessomítico,uma ignição para se repensar o legado que nosantecede—e o palco emite esses sinais de antes,deste país suspenso, de outras danças, outros

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léxicos,quepassampeloVerdeGaionacoreografiadeFrancisGraça(1943)epeloDom São Sebastiãoconcebido e interpretado por Francisco Camacho(1996).Nomesmopalcocabeaindaaintervençãosite‑specific«MiedoEscénico»,emqueGascoalu-gavaquatrometrosquadradosdopalcodoTeatroCamões, durante os 70 minutos de cada récita dePerda Preciosa, por 250 euros. Como explicou,«as condições de aluguer foram meticulosamentediscutidas entre os artistas, os responsáveis peloteatroepelaCNBeoslocatários,tendoficadomate-rializadas em contratos juridicamente válidos».Um projeto a todos os títulos incomparável e quemereceu o Prémio Autor para melhor espetáculode dança atribuído pela Sociedade Portuguesa deAutores em 2013.

Aplicando à análise coreográfica conceitostrabalhados por Stuart Hall, Sofia Soromenhodescrevequeosentidodeidentidade«nacional»sedesenvolveapartirdeumaideiadenaçãoimplicada«nas estórias contadas sobre a nação, memóriasqueconectamopresentecomopassadoeimagensque dela são construídas. A identidade nacionalé também muitas vezes simbolicamente baseadanumamitologiadasorigens[...].Assim,odiscursodasculturasnacionaisnãoé,porconseguinte,tãomodernocomoaparentaser:eleconstróiidentida-des que são colocadas, de modo ambíguo, entre opassadoeofuturo.Equilibra-seentreatentaçãoderetornaraglóriaspassadaseoimpulsodeavançaraindamaisemdireçãoàmodernidade».Apesardomuitoqueasdiferencia,Cantoluso,Pedro e InêsePerda Preciosaalcançamemcomumestebrilhanteexercício de funambulismo.

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33 Luísa Taveira

Dançounoprimeiríssimoespetáculoapresentadopela CNB, em 1977. Foi uma das mais destacadasprimeirasbailarinasdaformação,ondeficouquaseumadécada.Integrou,depois,outrascompanhiasde dança (na Europa e em África), onde interpre-tou quase todos os papéis do bailado clássico eneoclássico e, a partir de 1988, retorna a Lisboapara uma experiência distinta: dançar no BalletGulbenkian e aprofundar o seu conhecimento doreportóriocontemporâneo.AsuacarreiranoballetterminoumasLuísaTaveiranuncalargouadança:peloensino,pelainterpretaçãoemmusicais(notea-troenatelevisão),pelaprogramação—noCentroCulturaldeBelém—ondepassámosatercontactoregular quer com os nomes mais consagrados dacoreografia mundial, quer com os novos valoresemfasedeafirmação(noespaçoBoxNova)ecomas criações de uma nova companhia, também porsicriada,parabailarinosemúsicosaposentados(aCompanhia Maior). Este olhar transversal sobre

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soluçõesqueconjugamascarreirasprofissionaisemdançaeoenriquecimentodospúblicoséalgoque a acompanhou quando, a convite de JorgeSalavisa,retornaàCNB,comosuaassistente,em1996,nummomentoderenovaçãodacompanhia,e como diretora artística em 1999-2000. Depoisde dirigida por profissionais com um perfil dis-tinto, ligados à conceção coreográfica (MehmetBalkan,VascoWellenkamp),aCNBvoltaaconvi-darLuísaTaveiraparaassumiradireçãoartísticaem 2010. Já numa fase de grande maturidadeartística e sob tutela do Opart (cujo CA era naaltura composto por Salavisa, Rui Catarino eCésarVianae,posteriormente,porJoséAntónioFalcão,AdrianoJordãoeJoãoPedroConsolado),são anos de estabilização de propósitos e deapostas firmes em opções estratégicas. Por umlado,grandesproduçõesdeestéticaclássica(porexemplo,datade2001Romeu e JulietadeProko-fiev, com coreografia de John Cranko, cenáriode João Mendes Ribeiro e figurinos de AntónioLagarto, remontada na temporada 2011/2012),novas obras para um reportório nacional emconstrução (Orfeu e Eurídice de Gluck por OlgaRoriz, Tempestades de Rui Lopes Graça e PedroCarneiro ou Lídia de Paulo Ribeiro e LuísTinoco), revisitação de clássicos por um jovemcoreógrafo formado na companhia, FernandoDuarte (Quebra‑Nozes Quebra‑Nozes, O Lago dos Cisnes…), e o tributo à outra companhiaportuguesa a quem tanto devemos (programade homenagem ao Ballet Gulbenkian, repondoalguns dos seus momentos mais memoráveis,envolvendo dois coreógrafos portugueses, Olga

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Roriz e Vasco Wellenkamp, e dois estrangeiros,Hans van Manen e Ohad Naharin).

Um possível balanço da ação de Luísa Taveiraà frente da companhia encontra-se num artigode Tiago Bartolomeu Costa (2016): «[...] a CNBganhouemcredibilidade,coerênciaartística,forçae dinâmica, assertividade e o reconhecimentoque,duranteanos,pormuitasevariadasrazões,eresponsáveisetutelas,lheviusernegado.Issodeve--se à sua diretora artística, mulher de mão-cheia,pulso firme, olhar afiado, atento, de pensamentoinebriante,vivo,conhecedoraexperimentadatantoda dança (e, por isso, experimentada também nagestão da pressão do olhar de quem se senta naplateia)comodaprogramação(e,porisso,maisdoque habituada à gestão dos tempos, dos públicose dos meios).» Todavia, há desafios e apostas porcumprir: «Está por oficializar uma rede de inter-câmbiointernacional,quecustaaveraluzdodia,masqueémaisumexemplodavisãocosmopolita,conscientedasdificuldades,argutanasabordagens,crente na capacidade coletiva de mudança quecaracteriza o discurso entusiasmado, e entusias-mante, de Luísa Taveira.»

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34 A casa da dança

A Companhia Nacional de Bailado apresentouo seu primeiro espetáculo no Teatro Rivoli, noPorto, a 5 de dezembro de 1977, tendo depoisapresentado o programa, no dia 17 do mesmomês,noTeatroNacionaldeSãoCarlos,emLisboa.Monumentonacional,inauguradoem30dejunhode 1793, casa da Orquestra Sinfónica Portuguesae do Coro do TNSC, é até hoje o único teatro nopaísdestinadoaproduzireapresentarópera.Estafoiamoradaoficial,espaçodetrabalho,esededacompanhia, até aos primeiros anos da década de1980, quando mudou para o prédio sito no n.º20da Rua Victor Córdon (a escassos 200metros daentrada de artistas do São Carlos, na Rua SerpaPinto), um edifício projetado por José Luís Mon-teiro que albergara originalmente o Real Gym-násio Clube de Lisboa. Resolvidos os estúdios eescritórios, a companhia continuava porém semlocal de apresentação próprio, dançando emdiversos teatros da capital (e frequentemente no

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SãoCarlosenoSãoLuiz)eemnumerosascidadese vilas do país. Em 1998, Lisboa acolheu a grandeexposição mundial na zona oriental e inaugurouum novo auditório: o Teatro Camões. Desenhadopor Manuel Salgado e inicialmente tutelado peloInstituto Português das Artes do Espectáculo, oCamões foi (por força do Decreto-Lei n.º 354/99,de 3 de setembro) integrado no TNSC enquantounidade de extensão artística para utilização pelaOrquestraSinfónicaPortuguesa,sofrendoobrasdeampliação. Mas um novo despacho determinou atransiçãodasuagestãoeprogramaçãoparaaCNB,oqueficouvinculadopelostermosdoDecreto-Lein.º 61/2003, de 2 de abril. Hoje em dia, a CNBapresentaaquiassuascriaçõeseprogramas,bemcomo acolhe regularmente trabalhos de outroscriadores e companhias nacionais e estrangeiras:Companhia Olga Roriz, Grupo Dançando com aDiferença e Companhia Portuguesa de BailadoContemporâneo, entre outras. Aqui se apresenta-ram, nos últimos anos, obras de Rui Lopes Graçae João Lucas para as companhias nacionais deMoçambique e de Angola, espetáculos das esco-las de dança e música do Conservatório Nacionale trabalhos excecionais de dança e teatro comoOs Corvos,deJosefNadjeAkoshS.,The Old KingdeMiguelMoreira,RomeuRunaePedroCarneiroou Play, The Film dos Cão Solteiro.

O Teatro Camões, casa da CNB desde 2003,estáapetrechado com fosso deorquestra epossuiuma concha acústica no palco para orquestra.Naplateiapodemsentar-se,nomáximo,873espe-tadores. É o nosso teatro—ou, talvez mais bemdito, casa—da dança.

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35 Quanto custa?

Enquanto organismo público, a CompanhiaNacionaldeBailadoéviabilizadapeloEstado,atra-vés do Opart (entidade pública empresarial), que,porsuavez,étuteladopelosMinistériosdaCulturae das Finanças. Assim, é através do Orçamentodo Estado, para o qual contribui a generalidadedos cidadãos, que a companhia sustenta as suasdespesasfixaseasuaatividadeprogramática.Nãodespiciendo, também, é o resultado das receitasde bilheteira, que—apesar de a CNB praticar umpreçário social, ou seja, acessível e com políticasativas de descontos e benefícios—representamuma fatia dos proveitos da companhia. Em facedos desafios hodiernos, contudo, as instituiçõespúblicas não podem alhear-se dos constrangi-mentos orçamentais e da necessidade, cada vezmaispatente,deatentaremnacaptaçãodereceitaadicional,nomeadamenteatravésdaangariaçãodepatrocinadores.Entreestes,destaca-seaFundaçãoEDP,queé,desde1998(pelalongevidade,umcaso

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de referência na cultura portuguesa), mecenasprincipal da CNB e mecenas exclusivo das suasdigressões nacionais, comparticipando com umvalor de 375 mil euros anuais que asseguram acontinuidade do trabalho artístico desenvolvidopelacompanhia,aoabrigodoEstatutodosBenefí-ciosFiscais,aprovadopeloDecreto-Lein.º215/89,de 1 de julho, na redação dada pelo Decreto-Lein.º108/2008,de26dejunho.SegundooEstatuto,qualquerpessoa(singularoucoletiva)podeserme-cenas, associando ao conceito original—protetore filantropo dos artistas—incentivos de naturezafiscal, traduzidos na redução de impostos a quemcontribua para o desenvolvimento cultural dopaís. Os patrocínios, que a CNB também procuraativamente,visamretribuiroinvestimentoemvi-sibilidadeparaasempresasemarcasqueapostemna companhia. As empresas patrocinadoras têmainda acesso a lugares especiais em camarotes ouaverosseusprodutosanunciadosnosprogramasdesala.Nototal,umanodeCNB—corposartísti-cos, equipas, programação, digressões e despesasassociadas,decaráterfixoouvariável—custacercade seismilhões de euros.

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36 Uma geração: Uma Coisa em Forma de Assim

OúltimobailadodoúltimoprogramadeJorgeSalavisa à frente do Ballet Gulbenkian, em marçode 1996—de onde saiu para ir dirigir a CNB —,correspondeu à sua última encomenda naquelacompanhia e um projeto de contornos únicos.Quatro Árias de Ópera consistiu numa junção decoreografiasconcebidasporClaraAndermatt,JoãoFiadeiro,PauloRibeiroeVeraManteroparaoqualfoi convidado Álvaro Siza Vieira como cenógrafo(convitetambéminéditonacarreiradoarquiteto).No regresso de Luísa Taveira à direção da CNB,muitos foram os que se lembraram daquele mo-mento,semdúvidaumainspiraçãoparaaprogra-madora.Aqui,oelementocomumeunificadornãoeraocenário,masamúsica,frutodacomposiçãoeinterpretaçãodopianistaBernardoSassetti—cujaentrega não deixou ninguém indiferente, assimcomoainventividadenaextraçãodemúltiplossonsdoinstrumento.Emvezdequatro, foramnoveoscoreógrafosportuguesesdesafiadosaassinaruma

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peçacurtaparaosbailarinosdacompanhia,queseestreounodiamundialdadançaem2011:BenvindoFonseca, Clara Andermatt, Francisco Camacho,MadalenaVictorino,OlgaRoriz,PauloRibeiro,RuiHorta,RuiLopesGraçaeVascoWellenkamp.Uma Coisa em Forma de Assimfoionome,decalcadodeum título de Alexandre O’Neill (1924-1986), paraesta proposta inusual e claramente apostada emexplorarlinguagenscontemporâneas.Paraalgunsdestesautores,estafoiaprimeiracolaboraçãocoma CNB; para outros, uma de muitas experiências,antes e depois.

Um casamento com altos e baixos: podemosdescrever assim a relação entre a CompanhiaNacional de Bailado e a nova dança portuguesa,movimento de vanguarda que deu os primeirospassos no final dos anos 1980/inícios de 1990 ecujosprotagonistas,segundoAntónioPintoRibeiro(quecunhouaqueladenominação),incluemPaulaMassano (1949-2012), Vera Mantero, FranciscoCamacho, Madalena Bettencourt, Joana Provi-dência e vários outros. Não conformados como academismo e formalismo das companhiasinstitucionais (o Ballet Gulbenkian e a CNB) epretendendoexploraroutrosmodosdeexpressãocoreográfica—com técnicas de dança moderna,dança-teatro,formatosasolooudisposiçõescéni-casnãoconvencionais,entreoutrascaracterísticasepreferências—,estescriadoresoptaramporde-senvolver(individualoucoletivamente)projetosdeautor,inspiradospeloprogressoaqueassistiamnaEuropa e nos Estados Unidos da América. Assim,assistimos à proliferação de pequenos núcleoscriativos, frequentemente sem elencos fixos nem

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espaços próprios de trabalho, e nem sempre comosmeioserecursosadequadosaodesenvolvimentodotrabalho.Estemovimento,comorefereAntónioPinto Ribeiro (1991), «assumia definir-se pelasmesmas características da nova dança europeia,dasquaissedestacamoserestadançaumadançarebelde e iconoclasta, uma dança inspirada numaideia de maior acessibilidade de interpretação ede criação».

Peseemboraambosjátenhamdirigidopeçasdegrupo,essapreferênciapelossolostalvezexpliqueoporquêdeVeraManteroeJoãoFiadeiro—possi-velmenteosmaisreconhecidosautoresportugue-ses de dança contemporânea num certo circuitointernacional,daEuropaàAméricadoSul—nuncateremcoreografadoparaaCompanhiaNacionaldeBailado do seu país.

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37 Ensaios gerais solidários

Apartirde2011,aCNBencetouumatradiçãonova: dado que cada programa é antecedido deumensaiogeral,exatamenteigualàestreia,esseespetáculo passa a ser aberto ao público, comuma bilhética própria separada, e a totalidadeda receita angariada entregue a instituiçõesparticulares de solidariedade social (previamenteidentificadas). As instituições interessadasacordam com a companhia datas e condiçõese incrementam a divulgação desse espetáculo,que não raras vezes tem plateias esgotadas. Jáse realizaram 31 ensaios gerais solidários e averba total realizada, mais de 300 000 euros,reverteupara70instituições,dasmaisdíspares:da Associação Alzheimer Portugal ao Núcleode Apoio aos Animais Abandonados de Sintra.A companhia é recetiva a todo o tipo de causasemovimentos:saúde,ambiente,educação,com-bate à discriminação e à xenofobia, apoio aossem-abrigo, prevenção do suicídio... A CNB foi

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pioneira em Portugal deste modelo de respon-sabilidade social que, entretanto, já foi adotadopor outros teatros. Luís Moreira, ex-bailarinoda CNB, coordena o projeto, em regime devoluntariado.

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38 O teatro na dança: A Perna Esquerda de Tchaikovski

Nos anos mais recentes, fruto da ação progra-mática de Luísa Taveira, a Companhia Nacionalde Bailado inflete resolutamente em direção àsua disciplina irmã: o teatro. Não se trata de umfenómeno inusitado, mas uma das tendênciasmais veementes na evolução das artes performa-tivas: a miscigenação—ou hibridez, como algunslhe chamam—de imaginários de criadores comescolas, expressões, referências e vocabuláriosdiferentes. Não abdicando do dispositivo deapresentação palco/plateia, nem deixando pormãos alheias a singular capacidade instalada doseu corpo de artistas, a CNB tem enriquecidoo seu reportório com convites a profissionaisda área teatral e, dessa forma, proporcionado(àcompanhiaeaosseusespetadores)experiênciasnovas. Através de estratégias diversas—como aintrodução na equipa criativa de um encenador edramaturgista, a participação de atores e atrizesnãotreinadosemdança,apredominânciadetexto

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verbal no trabalho ou a atribuição da responsabi-lidade criativa de um bailado a um encenador edramaturgo —, do encontro da dança com o tea-tro têm brotado obras experimentais, inusitadas,até transgressoras. Não se trata, porém (importaesclarecer), de espetáculos de dança-teatro, umgénero de coreografia expressionista, de origemcentro-europeia («tanztheater»), de que RudolfLabanouKurtJoossforamcriadoresePinaBausche Johann Kresnik cultores.

Alguns exemplos desta aproximação e diálogocom o teatro português tomam temas clássicos.Para um reinventado Romeu e Julieta (2016), ocoreógrafo(detécnicacontemporânea)RuiHortaconvidou um compositor e guitarrista, BrunoPernadas, para acompanhar em palco a ação con-duzida pelos bailarinos e pelo duo de virtuososatores Carla Galvão e Pedro Gil. O espetáculoteve coprodução do Teatro Nacional D. MariaIIe apresentou-se nas duas salas. Outro nomeimponente do teatro nacional, Carlos Pimenta,colaborou com a CNB como dramaturgista nacontemporização de outro ballet. «Depois de uminteressanteO Lago dos Cisnes,ondeOdette/Odile,príncipe Siegfried e vaporosos cisnes dançavamdentrodacenografiavirtualfilmadaporEdgarPêra(2013),edeumousadomasmenosbemconseguidoQuebra‑Nozes‘pop’(2014,dramaturgiadeAndrée.Teodósio), Fernando Duarte abalançou-se a maisumclássico»,escreveuLuísaRoubaud(2015),com«o icónico Pássaro de Fogo (Fokine/Stravinski,1910). A peça inaugurou a frutuosa parceria deStravinski com os Ballets Russes de Diaghilev, aimplosãodadançaacadémico-clássicaeatransição

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paraomodernismoque,nosalvoresdoséculoxx,alteraria para sempre os trilhos da dança teatralocidental.Adramaturgia(CarlosPimenta)ensaiouuma transposição da intemporalidade do conto,onde apocalipse e sobrevivência, e a tradicionallutaentreobemeomal,nãoseisentavamdeumacertaleituraecológicaoupolítica.Comasuaallureneoclássica a peça hesita, contudo, entre manter--senascercaniasdaoriginaledeixar-secatapultarparaoséculoxxi.Apontamentosdoguarda-roupa(José António Tenente), a evocar o modernismodeLeonBakst,recordaram-nosodeNunoCorte--Real para a versão da obra para a CNB, em 1988.O impacto da peça assenta principalmente naenvolvência visual e sonora da Orquestra Sinfó-nicaPortuguesa—86músicosaovivo,sobdireçãode Joana Carneiro, ocupavam a frente e lateraisdo proscénio, e parte das galerias—e da feéricacenografia em video mapping (Nuno Maya): umaprojeçãoa270graustransbordaopalcoecircundaa sala, com imagens de vegetação inóspita, de umbucólicojardimeumaárvorecarregadadelumino-sosfrutosazuis,oudedevastaçãopós-cataclísmica,a trazer uma nota de contemporaneidade (sobre-tudo plástica) à peça».

Também o reportório contemporâneo daCNB—e não só o de técnica clássica—foi acres-centado por via das colaborações com o teatro.Uma companhia teatral, um realizador e umcoreógrafo—Cão Solteiro, André Godinho e RuiLopes Graça—conceptualizaram em Morceau de Bravoure (2015) o momento final de um espe-táculo, quando corre bem (de um lado aplausos,do outro agradecimentos e vénias), prolongando

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esse ritual e esse protocolo com humor, os atoresCecíliaHenriques,PatríciadaSilva,PauloLageseTiagoBarbosa,umacolagemmusicalecléticae…aimpagável cadela Zuzu.

Já em A Perna Esquerda de Tchaikovski (2015) não está envolvido qualquer coreógrafo.A conceção do espetáculo é de um encenador,Tiago Rodrigues, também autor do texto baseadonabiografiadeumabailarinadacompanhia.Estanão foi a estreia de Rodrigues a dirigir uma com-panhia de dança—eram seus A Bela Adormecida(Companhia Maior, 2010) e Assim, Tipo… Dança Contemporânea(CompanhiaInstável,2013)—maspara este desafio bastou burilar uma história real(o testemunho de uma profissional daquela casa,Barbora Hruskova) e convidar um compositor epianista (Mário Laginha), para ambos em duetobrilharem. Poderia ser uma peça teatral, comacompanhamentodepiano,sobreavidadoballet.Masserencomendadaeproduzidaporumacom-panhiadedançamarcaadiferençadeste,comolhechamaPaulaVaranda,«desafioinédito»:«EstaéahistóriaqueTiagoRodriguesescreveuetrouxeaopalcodeumaformatãoargutaeaudaciosaquantoarrebatadora.Todososelementosclássicosdeumbailadoestãopresentes:enredo,personagens,bai-larinos, figurinos, cenários, iluminação e música.Mas a reunião acontece num modelo de criação eencenação contemporâneo, que segue princípiosopostos aos que regem o objeto deste espetáculo.Rodrigueschamaàcenaaverdadeescondidanumattitude arabesqueabertoa180grauseequilibradosobre os cinco centímetros da sapatilha de ponta;contudonuncamenosprezaasqualidadesdaobra

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que desconstrói. [...] Hruskova olha frontalmenteo seu grande público de mão na anca, com umapernaestilizadaealongadapelaprótesedasapati-lhaeaoutrapernanua, lesionadaeagoraliberta.Pé apolíneo (de bailarina) e pé de bacante, eladescreve,citandoosdoisestereótiposdofemininoque, através do ballet, se espalham há séculos emundo fora. Hruskova não é atriz mas aguentamuito bem o desafio inédito. São extraordináriasa descrição d’O Lago dos Cisnes com base no es-forço que a coreografia exige ao corpo, as dançascriadas a partir de histórias pessoais de prazer ede dor e a revisão de um pas de deux de Romeu e Julietaemlinguagemtécnica:équilibre, posé, rond de jambe, piqué soutenu, developpé devant, bourrée bourrée bourrée».

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39 Pas a pas

Dominardecoraterminologiaeatécnicadasuaexecução são requisitos para qualquer estudantede ballet, que repetirá cada posição incontáveisvezesaolongodasaulase,seseprofissionalizar,dosaquecimentosedosespetáculos.Munidadealgunsaliados (sapatilhas de pontas, barra, espelho, pia-nistarepetidor)econtandocomasuaferramentaprimeira, o treino do próprio corpo, a bailarinaaspira a alcançar algumas proezas acrobáticascomoogrand jetté(saltohorizontalcomprido,quepartedeumapernaeaterranaoutra,eincluiumaespargataemplenoar)ouos32fouettés(rotaçõessucessivas sobre uma perna em pontas, sendo aoutra que impulsiona o corpo a girar sobre o seupróprio eixo). É o uso das sapatilhas que permiteestes «voos» e piruetas, que parecem desafiar agravidade. A bailarina eleva-se com graciosidadeesemaparênciadepeso,comosesuspensanoar;e a queda dá-se igualmente com suavidade, levee sem ruído.

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Mas como qualquer passo começa com umadascincoposições,todoomovimentopartedeumpasso. Um dos mais básicos é o plié, cuja práticaacompanha todos os níveis de aprendizagem e éfundamental para a execução de piruetas, saltose movimentos de transição. Na aparência, é sim-ples: consiste em dobrar os joelhos aproximandootroncodochão.Narealidade,éumexercícioqueexige um grande controlo da musculatura, traba-lhando o alongamento, a flexibilidade, a rotaçãoda coxa en dehors e a sustentação do movimento.Ocalcanharnãodevedescolardochão,osjoelhosdevem ser alinhados com os dedos dos pés e opeso das articulações, das costas, da coluna e dosacro devem estar distribuídos no centro. Venci-das a coordenação e o equilíbrio, são os músculos(quadríceps e adutores) que controlam a rotaçãopara fora e para baixo, num movimento que nãopodesertensomassimharmonioso.Passoapasso,assim se faz uma ballerina.

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40 O que fazer daqui para trás: Os 40 anos da CNB

Uma inédita digressão pelo país continental eilhas (setenta bailarinos, três programas distin-tos—maisofilmedeCláudiaVarejão—acircularpor 37 cidades) ocupou a CNB na mais recentetemporada,entre24desetembrode2016e30desetembrode2017,celebrandooseu40.ºaniversá-rio.Osprogramas,escolhidosemfunçãodopúblico--alvoedascondiçõesdolocaldeacolhimento,eramconstituídos por noites com Treze Gestos de Um Corpo, de Olga Roriz, Será Que É Uma Estrela?,de Vasco Wellenkamp, Herman Schmerman, deWilliam Forsythe, e Minus 16, de Ohad Naharin(umprogramadegrandediversidadeequalidade,salientando a teatralidade, o leque expressivo e avirtuosidade dos bailarinos, não esquecendo umavertentelúdicaefestiva);noutrasnoites,HermanSchmerman, um dueto rápido e divertido, faz-seacompanhar por Serenade, de Balanchine, Cinco Tangos, de Hans van Manen, e Grosse Fuge, deAnneTeresaDeKeersmaeker;noutrasainda,opro-

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gramafez-secomumaúnicacomposição,A Perna Esquerda de Tchaikovski, de Tiago Rodrigues.

A prioridade para o futuro, assume o novodiretor artístico, Paulo Ribeiro, é acentuar avisibilidade internacional da companhia, fazercom que seja mais procurada por programadoresestrangeiros e navegar ao encontro de públicosmaisalargados.Algunsnomesdanovatemporadaforam já revelados: a dupla de coreógrafos SãoCastroeAntónioCabritacoreografaDido e Eneias(é a sua segunda colaboração com a CNB, aindaa convite de Luísa Taveira); Tânia Carvalho vaireporalgumasdassuasobraseassinarumacriaçãooriginal;ecoreógrafaseuropeiasdestacadas,comoAmbra Senatore e Sasha Waltz, virão trabalharcom a companhia. Nas reposições do reportórioclássico, está previsto o regresso de O Lago dos Cisnes de Fernando Duarte e Edgar Pêra. Quantoaos próximos 40 anos, guardam segredos que sóTerpsícore, a deusa da dança, conhecerá.

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O Essencial sobre

1 Irene Lisboa Paula Morão

2 Antero de Quental Ana Maria A. Martins

3 A Formação da Nacionalidade

Ana Maria A. Martins

4 A Condição Feminina Maria Antónia Palla

5 A Cultura Medieval Portuguesa (Sécs. XI e XIV) Maria Antónia Palla

6 Os Elementos Fundamentais da Cultura

Jorge Dias

7 Josefa d’Óbidos Vítor Serrão

8 Mário de Sá-Carneiro Clara Rocha

9 Fernando Pessoa Maria José de Lancastre

10 Gil Vicente Stephen Reckert

11 O Corso e a Pirataria Ana Maria P. Ferreira

12 Os «Bebés-Proveta» Clara Pinto Correia

13 Carolina Michaëlis de Vasconcelos Maria Assunção Pinto Correia

14 O Cancro José Conde

15 A Constituição Portuguesa Jorge Miranda

16 O Coração Fernando de Pádua (2.ªedição)

17 Cesário Verde Joel Serrão

18 Alceu e Safo Albano Martins

19 O Romanceiro Tradicional J. David Pinto-Correia

20 O Tratado de Windsor Luís Adão da Fonseca

21 Os Doze de Inglaterra A. de Magalhães Basto

22 Vitorino Nemésio David-Mourão Ferreira

23 O Litoral Português Ilídio Alves de Araújo

24 Os Provérbios Medievais Portugueses

José Mattoso

25 A Arquitectura Barroca em Portugal Paulo Varela Gomes

26 Eugénio de Andrade Luís Miguel Nava

27 Nuno Gonçalves Dagoberto Markl

28 Metafísica António Marques

29 Cristóvão Colombo e os Portugueses

Avelino Teixeira da Mota

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30 Jorge de Sena Jorge Fazenda Lourenço

31 Bartolomeu Dias Luís Adão da Fonseca

32 Jaime Cortesão José Manuel Garcia

33 José Saramago Maria Alzira Seixo

34 André Falcão de Resende Américo da Costa Ramalho

35 Drogas e Drogados Aureliano da Fonseca

36 Portugal e a Liberdade dos Mares

Ana Maria Pereira Ferreira

37 A Teoria da Relatividade António Brotas

38 Fernando Lopes-Graça Mário Vieira de Carvalho

39 Ramalho Ortigão Maria João L. Ortigão

de Oliveira

40 Fidelino de Figueiredo A. Soares Amora

41 A História das Matemáticas em Portugal

J. Tiago de Oliveira

42 Camilo João Bigotte Chorão

43 Jaime Batalha Reis Maria José Marinho

44 Francisco de Lacerda J. Bettencourt da Câmara

45 A Imprensa em Portugal João L. de Moraes Rocha

46 Raul Brandão A. M. B. Machado Pires

47 Teixeira de Pascoaes Maria das Graças Moreira de Sá

48 A Música Portuguesa para Canto e Piano

José Bettencourt da Câmara

49 Santo António de Lisboa Maria de Lourdes Sirgado

Ganho

50 Tomaz de Figueiredo João Bigotte Chorão

51/ Eça de Queirós52 Carlos Reis

53 Guerra Junqueiro António Cândido Franco

54 José Régio Eugénio Lisboa

55 António Nobre José Carlos Seabra Pereira

56 Almeida Garrett Ofélia Paiva Monteiro

57 A Música Tradicional Portuguesa

José Bettencourt da Câmara

58 Saúl Dias/Júlio Isabel Vaz Ponce de Leão

59 Delfim Santos Maria de Lourdes Sirgado

Ganho

60 Fialho de Almeida António Cândido Franco

61 Sampaio (Bruno) Joaquim Domingues

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62 O Cancioneiro Narrativo Tradicional

Carlos Nogueira

63 Martinho de Mendonça Luís Manuel A. V. Bernardo

64 Oliveira Martins Guilhermed’OliveiraMartins

65 Miguel Torga Isabel Vaz Ponce de Leão

66 Almada Negreiros José-Augusto França

67 Eduardo Lourenço Miguel Real

68 D. António Ferreira Gomes Arnaldo de Pinho

69 Mouzinho da Silveira A. do Carmo Reis

70 O Teatro Luso-Brasileiro Duarte Ivo Cruz

71 A Literatura de Cordel Portuguesa

Carlos Nogueira

72 Sílvio Lima Carlos Leone

73 Wenceslau de Moraes Ana Paula Laborinho

74 Amadeo de Souza-Cardoso José-Augusto França

75 Adolfo Casais Monteiro Carlos Leone

76 Jaime Salazar Sampaio Duarte Ivo Cruz

77 Estrangeirados no Século XX

Ana Paula Laborinho

78 Filosofia Política Medieval Paulo Ferreira da Cunha

79 Rafael Bordalo Pinheiro José-Augusto França

80 D. João da Câmara Luiz Francisco Rebello

81 Francisco de Holanda Maria de Lourdes Sirgado

Ganho

82 Filosofia Política Moderna Paulo Ferreira da Cunha

83 Agostinho da Silva Romana Valente Pinho

84 Filosofia Política da Antiguidade Clássica Paulo Ferreira da Cunha

85 O Romance Histórico Rogério Miguel Puga

86 Filosofia Política Liberal e Social

Paulo Ferreira da Cunha

87 Filosofia Política Romântica

Paulo Ferreira da Cunha

88 Fernando Gil Paulo Tunhas

89 António de Navarro Martim de Gouveia e Sousa

90 Eudoro de Sousa Luís Lóia

91 Bernardim Ribeiro António Cândido Franco

92 Columbano Bordalo Pinheiro

José-Augusto França

93 Averróis Catarina Belo

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94 António Pedro José-Augusto França

95 Sottomayor Cardia Carlos Leone

96 Camilo Pessanha Paulo Franchetti

97 António José Brandão AnaPaulaLoureirodeSousa

98 Democracia Carlos Leone

99 A Ópera em Portugal Manuel Ivo Cruz

100 A Filosofia Portuguesa (Séculos XIX e XX)

António Braz Teixeira

101/ O Padre António Vieira102 Aníbal Pinto de Castro

103 A História da Universidade Guilherme Braga da Cruz

104 José Malhoa José-Augusto França

105 Silvestre Pinheiro Ferreira José Esteves Pereira

106 António Sérgio Carlos Leone

107 Vieira de Almeida Luís Manuel A. V. Bernardo

108 Crítica Literária Portuguesa (até 1940)

Carlos Leone

109 Filosofia Política Contemporânea (1887-1939) Paulo Ferreira da Cunha

110 Filosofia Política Contemporânea (desde 1940) Paulo Ferreira da Cunha

111 O Cancioneiro Infantil e Juvenil de Transmissão Oral

Carlos Nogueira

112 Ritmanálise Rodrigo Sobral Cunha

113 Política de Língua Paulo Feytor Pinto

114 O Tema da Índia no Teatro Português

Duarte Ivo Cruz

115 A I República e a Constituição de 1911

Paulo Ferreira da Cunha

116 O Capital Social Jorge Almeida

117 O Fim do Império Soviético José Milhazes

118 Álvaro Siza Vieira Margarida Cunha Belém

119 Eduardo Souto Moura Margarida Cunha Belém

120 William Shakespeare Mário Avelar

121 Cooperativas Rui Namorado

122 Marcel Proust António Mega Ferreira

123 Albert Camus António Mega Ferreira

124 Walt Whitman Mário Avelar

125 Charles Chaplin José-Augusto França

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126 Dom Quixote António Mega Ferreira

127 Michel de Montaigne Clara Rocha

128 Leonardo Coimbra Ana Catarina Milhazes

129 Pablo Picasso José-Augusto França

130 O Diário da República Guilhermed’OliveiraMartins

131 Vergílio Ferreira Helder Godinho

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Olivroo essencial sobre a companhia nacional de bailado

éumaediçãodaimprensa nacional

temcomoautormónica guerreirodesignecapadoateliê

silvadesignersrevisãoepaginaçãoda

imprensa nacional-casa da moeda.Temoisbnpapel978-972-27-2615-3

eodepósitolegal433 932/17.Aprimeiraedição

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