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III JORNADA INTERNACIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS São Luís – MA, 28 a 30 de agosto 2007.

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O ESPETÁCULO DA POBREZA: máscara dos antagonismos das sociedades capitalistas

Alejandra Pastorini*

RESUMO

Neste trabalho abordaremos as temáticas da pobreza e das desigualdades inerentes às sociedades capitalistas, colocando especial atenção à forma como estas noções são utilizadas pelos organismos internacionais e pelo governo brasileiro de plantão. No atual contexto de crise comandado pelo projeto político-econômico neoliberal, a noção de pobreza e a implementação de programas e ações de combate à pobreza e à fome, é parte de uma estratégia sugerida de forma impositiva pelos organismos multilaterais, e aplicada por nossos governantes, que servem mais para reproduzir os antagonismos da sociedade capitalista e menos como política de proteção social. Palavras-Chave: pobreza, desigualdade, proteção social.

ABSTRACT In this work we will study the themes of poverty and inequality in the capitalist society, emphasizing the way as they’re used by international organizations and the Brazilian government. In actual context of crisis, commanded by neo-liberal political and economical project, the poverty idea and the implementation of programs and actions for poverty and hunger warfare are part of a strategy suggested by multilateral institutions. Applied by our authorities, these actions increase the inequalities of capitalist society, showing that, in fact, they’re not social protection politics. Keywords: poverty, inequality, social security.

1 INTRODUÇÃO

Neste trabalho buscaremos entender a lógica que orienta os atuais programas e

ações que têm como objetivo declarado o combate da pobreza. Realizaremos uma

discussão acerca da temática da pobreza e da forma como essa noção – associada com

outras como: exclusão, inclusão, vulnerabilidade – é utilizada pelos organismos

internacionais e pelo governo brasileiro de plantão como instrumento para mascarar as

desigualdades entre classes.

Hoje nossos governantes expressam ter como preocupação central o combate à

pobreza extrema e/ou fome, esta passou a ser uma das “metas do milênio” dos países

membros das Nações Unidas. A ONU estabeleceu, em 2004, oito metas que deverão ser

atingidas até 2015, elas são: 1) erradicar a extrema pobreza e fome, 2) atingir o ensino

básico universal, 3) promover a igualdade entre os sexos e a autonomia da mulher, 4)

*Doutora no Programa de Pós-Graduação em Serviço Social – UFRJ. Professora Adjunta da Escola de Serviço Social da UFRJ

UFMA

UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃOPROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS

III JORNADA INTERNACIONAL DE POLÍCAS PÚBLICAS QUESTÃO SOCIAL E DESENVOLVIMENTO NO SÉCULO XXI

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reduzir a mortalidade infantil, 5) melhorar as condições de saúde materna (das gestantes),

6) combater o AIDS, malária e outras doenças, 7) assegurar um meio ambiente sustentável

e 8) estabelecer uma parceria mundial para o desenvolvimento.

A declaração do compromisso com a eliminação da miséria e da fome por parte

dos governantes dos países latino-americanos, não é casual; ela reflete uma mudança

estratégica definida publicamente, desde finais da década de 1980, pelos organismos de

financiamento multilaterais como FMI e BIRD, que consiste na aplicação de: programas de

estabilização econômica, pagamento da dívida externa e políticas de ajustes,

acompanhados de programas paliativos e focalizados para o alívio da pobreza extrema.

Desde a segunda metade dos anos 80, os índices de pobreza nos países de

desenvolvimento capitalista tardio se agravaram como conseqüência, dentre outras causas,

das políticas de ajuste automático “sugeridas” pelos organismos multilaterais (FMI e BIRD) e

impostas como condição para novos empréstimos. Assim, de forma pública, em 1990, o

Banco Mundial faz suas avaliações acerca da crise vivida no mundo capitalista na década

anterior, verificando que, embora exista um efeito econômico positivo na região, os pobres

continuam sendo pobres e continuam sendo muitos. Naturalizando os graves problemas

sociais e econômicos que vivem esses países (violência, pobreza, miséria, desemprego

etc.), entendendo-os como dados ou como traços característicos das economias

subdesenvolvidas, começam a ser “recomendado” implementar programas compensatórios

e medidas emergenciais, focalizadas para os setores populacionais específicos com o

objetivo de aliviar a pobreza e a fome (Cf. Galizia e Pastorini, 2007).

Para alcançar essa finalidade, entende-se como necessário a existência de um

Estado preocupado com o bem-estar dos cidadãos, mas que defina prioridades na sua

intervenção. A proteção social vai perdendo seu caráter universalista assumindo cada vez

mais uma forma seletiva e focalizada; para tanto, o Estado coloca em prática um variado

conjunto de mecanismos e instrumentos para dividir a sua obrigação de proteção social com

a sociedade civil (empresas, ONGs, instituições religiosas etc.).

Esta mudança na lógica que orienta a implementação das intervenções do

Estado no social será entendida aqui como uma estratégia que serve de justificativa para a

redução de algumas funções anteriormente assumidas pelo Estado – como a de proteção

social –, estratégia que se coloca como uma exigência do próprio processo de acumulação.

Com o objetivo de favorecer a valorização do capital, os governos buscam a forma de

transformar também as despesas de cunho social (como programas de transferência de

renda, benefícios assistenciais etc.) em capital social, permitindo aumentar o valor

excedente. São variadas as estratégias encontradas pelo capital, e por nossos governantes,

dentre elas é possível mencionar: o fomento e incentivo aos programas denominados de

filantropia empresarial e de solidariedade social, promoção de ajudas assistencialistas e

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muitas outras formas que constituem o chamado processo de “assistencialização da

proteção social”, que tem como par as já conhecidas privatizações (da previdência social,

saúde e educação).

2 A REDESCOBERTA DA POBREZA: máscara das desigualdades entre classes

A polêmica acerca da pobreza no Brasil e na América Latina poderia ser

conceituada como um espelho invertido da sociedade do espetáculo; o debate se reduz a:

números, percentagens, índices, indicadores, freqüências, tipos de hábitos e costumes. São

essas imagens apresentadas de forma isolada que fazem parte da unidade do mundo; como

diz Debord (200:14) “o espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social

entre as pessoas, mediada pelas imagens”, que ocultam a essência dos fenômenos. Dessa

forma a idéia de pobreza esvaziada de historicidade, desvinculada das relações sociais de

produção que a determinam, é reduzida a um fenômeno da natureza, como algo externo ao

mundo social, sem questionar as desigualdades de classes.

Nos marcos da cultura do espetáculo a pobreza é apresentada como um

obstáculo ao desenvolvimento, como uma marca da inferioridade ou do atraso, seja ela

entendida como uma deficiência individual ou de um grupo de indivíduos. Vista dessa forma,

a pobreza pode provocar compaixão para com os desvalidos ou fracassados, mas não

indignação nem revolta. Cria-se assim a figura do necessitado, onde o pobre é

estigmatizado como fracassado e, portanto, merecedor de ajuda e de assistência, ações

estas utilizada como instrumentos de integração social, mantendo inalteradas as

desigualdades entre classes.

Mesmo sabendo que as necessidades e desigualdades entre os homens são

milenares e, provavelmente, existirão sob todas as formas sociais, entendemos que na

sociedade capitalista, as mesmas assumem características específicas e se assentam sobre

a exploração do trabalho pelo capital.

Segundo a lei geral da acumulação capitalista (Marx, 1980), ao produzirem a

acumulação do capital, os trabalhadores produzem, proporcionalmente, os meios que fazem

deles uma população relativamente supérflua. Por isso as populações pobres são parte

integrante das classes trabalhadoras e, portanto, despossuídas dos meios de produção.

Estas classes só contam com sua força de trabalho para sobreviverem; logo os

denominados pobres são trabalhadores empregados, subempregados, desempregados,

aposentados ou força de trabalho potencial.

Tomando como referência esses elementos definimos como ponto de partida de

nossas análises a produção material de indivíduos produzindo em sociedade; nesse sentido,

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pensar a pobreza no Brasil contemporâneo implica considerar as relações sociais de

produção que as determinam. Assim, entendemos a pobreza como resultado de um

processo histórico e não como um dado da natureza, portanto não pode ser compreendida

desvinculada das relações sociais e esvaziada de historicidade.

Por isso para pensar a pobreza nas sociedades capitalistas contemporâneas, e

para analisar os programas e políticas sociais que se propõem combatê-la, é necessário

levar em consideração por um lado, a chamada “pobreza convencional” que sempre existiu

nas nossas sociedades capitalistas dependentes; mas por outro lado, é necessário não

esquecer o empobrecimento que vivenciam alguns setores da população, outrora melhor

situados socialmente, tanto na divisão social do trabalho quanto no “sistema” de proteção

social.

Aqui partimos da idéia de que a pobreza (seja “convencional” ou a chamada

“nova pobreza”) não é produto de uma deficiente integração social de alguns setores

populacionais no mercado de trabalho, na distribuição da renda ou na esfera do consumo;

ao contrário, a pobreza será entendida como uma dimensão e uma decorrência do próprio

processo de modernização capitalista. Trata-se, portanto, de um problema inerente à

sociedade capitalista – que diz respeito à ausência de renda e às desigualdades de classe –

e não de um problema individual e/ou grupal (centrado no baixo desempenho, na falta de

qualificação e/ou habilidade para o trabalho, nas características culturais, hábitos e

costumes de grupos específicos).

Nos últimos 30 anos percebe-se um aumento nas taxas de desemprego e

crescimento da precariedade das condições de emprego (diretamente vinculadas à

regressão dos direitos sociais, ausência de proteção e enfraquecimento da expressão

sindical dos trabalhadores). A redução do emprego, sobretudo industrial, ocorre

conjuntamente com a expansão do trabalho parcial, temporário, subcontratado, terceirizado,

caracterizado pelas relações informais.

Estas mudanças no mundo do trabalho fazem parte da estratégia de

flexibilidade, elemento chave do programa de ajuste estrutural neoliberal, implantado no

mundo capitalista como a alternativa para a superação da crise econômica, política e social.

Esta flexibilidade exigida pelo atual padrão de acumulação tem uma outra função, não

menos importante, que consiste em reduzir os chamados custos sociais para o capital.

Historicamente estes custos da produção não são suportados pelo capital, mas recaem

sobre o Estado que os socializa com o conjunto da sociedade, utilizando as políticas sociais,

investimento em infra-estrutura, sistema de crédito etc., como parte de seus instrumentos.

Hoje os representantes do capital, com a ajuda do Estado, encontram novas formas de

aumentar o valor excedente e continuar transferindo os custos da produção para o conjunto

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da sociedade, formas que não necessariamente excluem as tradicionais estratégias, embora

em alguns casos as metamorfoseiam.

Este novo estágio do desenvolvimento capitalista vem acompanhado na maioria

dos casos, de uma redução das rendas e de uma precária proteção social. Isto produz uma

deterioração na qualidade de vida, principalmente, das camadas que vivem do seu próprio

trabalho.

Esta realidade que expressa um agravamento das manifestações da “questão

social” coloca um grande desafio para os governos, uma vez que os programas e políticas

que conformam à proteção social no Brasil experimentam uma sobrecarga de demandas

altamente diferenciadas que decorre da perda do poder de compra dos trabalhadores que

encontram grandes dificuldades para continuar acedendo no mercado aos bens e serviços

necessários para garantir a sua proteção social. Em contrapartida, as responsabilidades

assumidas de forma direta pelo Estado com a proteção social, diminuem cada vez mais

como conseqüência do desmantelamento de parte importante das instituições estatais e das

privatizações (da previdência, da saúde e educação) contribuindo para reforçar o processo

de “assistencialização-privatização” da proteção social no Brasil.

3 A RETÓRICA DEMAGÓGICA DA INCLUSÃO SOCIAL

Nos últimos anos percebemos importantes mudanças na proteção social, e

especialmente na forma de articulação entre a previdência social e a assistência (entendidas

aqui como seus pilares fundamentais), transformações intimamente vinculadas com o

contexto de crise vivido, desde finais da década de 1970, no mundo capitalista. Tal como

falamos inicialmente neste trabalho, o programa de ajuste estrutural neoliberal imposto nas

economias periféricas, na passagem dos anos 1980 para os 90, define as estratégias que

estes países devem seguir para enfrentar a crise. Esse plano de ajustamento econômico

condicionou grande parte das transformações da proteção social no Brasil, como na maior

parte dos países latino-americanos.

São vários os elementos, decorrentes desse programa de ajuste assumido por

nossos governantes de plantão, que devemos considerar para entender a inflexão na

proteção social, dentre eles mencionaremos: a reforma da previdência social recentemente

aprovada no Brasil, que significou uma redução dos direitos arduamente conquistados pelos

trabalhadores, obrigando aos usuários a aderir aos planos privados de aposentadoria

complementar. Por outro lado, o compromisso com a elevação do superávit primário e o

aumento dos juros trouxe como resultado recessão, aumento do desemprego e queda da

renda dos trabalhadores em geral. O aumento do desemprego e a precarização das

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condições e relações de trabalho ampliou o contingente de trabalhadores sem nenhum tipo

de cobertura aos riscos decorrentes da velhice, doença, desemprego ou acidentes de

trabalho. Isto se soma à contra-reforma do Estado implantada no Brasil a partir dos anos 90,

que dentre as muitas mudanças reduziu a responsabilidade direta do Estado com a proteção

social dos brasileiros, reservando como atividades do Estado a chamada seguridade social

básica (ensino fundamental, saúde pública e programas assistenciais focalizados para as

populações pobres). Vale a pena mencionar também uma das últimas propostas do atual

governo que foi aprovada recentemente, o conhecido programa de parcerias público-privado

(PPP) que dentre outras coisas organiza as despesas estatais para atender diretamente as

necessidades do capital.

Estas foram as principais reformas implantadas no Brasil, e com suas variantes,

na maior parte dos países latino-americanos. Elas estão indicando que na realidade a

preocupação com a “inclusão social” e com o combate à pobreza, considerados como as

prioridades sociais, transformaram-se em elementos de retórica demagógica do atual

governo assim como dos organismos multilaterais que, desde os anos 90, concentram seus

esforços para orientar os programas de estabilização econômica nos países latino-

americanos, em pensar estratégias para facilitar o pagamento das dívidas externas e

monitorar as políticas de ajuste.

Perante o reconhecimento, por parte destes organismos multilaterais, dos efeitos

perversos tanto econômicos como sociais das medidas de ajuste neoliberal na região,

vemos reaparecer nos últimos anos no discurso político atual a preocupação com a pobreza

e a “exclusão social”, especialmente no terceiro mundo. Dessa forma, conjuntamente com

os programas de ajuste estrutural passam a ser implementados os programas e políticas

sociais paliativos e focalizados para o alívio da pobreza que assumem, geralmente, a forma

de programas de transferência de renda condicionada.

Esta virada estratégica dos organismos multilaterais que se apresenta como

expressão de uma sensibilização dos governantes e dos grandes empresários com a

miséria mundial, faz parte, como diz Soares (2004) da “hipocrisia das elites” que buscam

formas de redistribuir a miséria no mundo sem a redistribuição das riquezas.

Mostrando-se preocupados com o dilema da justiça social e da eqüidade, os

nossos governantes sintonizados com os organismos de financiamento internacional se

colocam como meta criar um “capitalismo mais humano, solidário e justo”. Este dilema

passa a ser socializado com as classes trabalhadoras e com a sociedade em seu conjunto,

que incorpora a idéia da “cultura da crise” (Mota, 1995) e da necessidade de que a

sociedade como um todo assuma solidariamente a responsabilidade com o atendimento das

manifestações da “questão social”. Assim, naturalizando das necessidades sociais e

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afirmando que os principais problemas hoje seriam a pobreza1 e a “exclusão social”, tornar-

se-ia necessário pensar em novas formas de proteção social que substituam as políticas

sociais que até hoje predominaram baseadas na idéia do risco coletivo e da solidariedade

entre diferentes grupos sociais.

Por isso, entendemos que a estratégia de focalizar os programas e as políticas

sociais, utilizada como um dos instrumentos prioritários que orienta a intervenção no social

na contemporaneidade nos nossos países, fortalece-se com a clássica dissociação entre

política econômica e política social, que subordina os programas sociais às políticas

macroeconômicas e às regras do mercado, contribuindo, por um lado, com o processo de

mercadorização dos programas e serviços sociais e, por outro, com o processo de

“assistencialização da proteção social”.

4 CONCLUSÕES

Diante do exposto é possível afirmar que: com a implementação do projeto

político-econômico neoliberal busca-se reforçar o movimento de desmantelamento da

precária proteção social brasileira, cujo espírito era a ampliação e universalização dos

direitos sociais.

As mudanças que vêm acontecendo na proteção social no Brasil indicam uma

busca, por parte dos organismos multilaterais e do atual governo, de colocar num lugar de

destaque aos programas assistenciais (focalizados, emergenciais e condicionados). Esses

programas e ações que vêm assumindo um papel central na proteção social deslocam para

um segundo plano as intervenções diretas do Estado com a proteção dos trabalhadores

melhor situados no mercado de trabalho, que são incentivados à autoproteção e à

capitalização através da poupança individual e/ou a compra dos bens e serviços no

mercado.

Este processo que denominamos de “assistencialização da proteção social”

contribui para fragmentar ainda mais a organização e a luta das classes que vivem do seu

trabalho, reproduzindo a imagem de que os conflitos entre classes (com interesses

nitidamente contraditórios) foram deslocados para o interior da classe trabalhadora.2

1 Vale mencionar que no discurso dos organismos multilaterais a pobreza é entendida em termos absolutos, ou seja, como um valor definido arbitrariamente; portanto não é pensada como expressão da distribuição desigual da riqueza socialmente produzida. Também é importante lembrar que, nos discursos oficiais, as principais causas geradoras da pobreza concentram-se nos atributos pessoais (em especial a falta de educação e de qualificação) dos indivíduos que vivenciam essa situação de necessidade. 2 Assim os antagonismos próprios da sociedade capitalista são apresentados como um desigual tratamento, por parte do Estado, dos trabalhadores incluídos nos programas e políticas sociais e dos trabalhadores excluídos dos mesmos.

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Ao mesmo tempo essa estratégia que busca reduzir a proteção social a um

conjunto de programas e ações seletivos e focalizados é apresentada como a alternativa

mais eficiente, eficaz e efetiva para atender as atuais necessidades da população, retirando

o caráter político destas reformas.3

Finalmente, o destaque dado aos programas assistenciais é utilizado como um

recurso legitimador do atual governo, permitindo dessa forma continuar com a

implementação as reformas em curso (fiscal, da previdência, da educação etc.).4

REFERÊNCIAS

DEBORD, G. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 2000. GALIZIA, S e PASTORINI, A. “A redefinição do padrão de proteção social brasileiro”. In: Revista Praia Vermelha Nº14. Rio de Janeiro: UFRJ, 2007 (no prelo). MARX, K. O Capital (Crítica à Economia Política). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980. MOTA, A.E. Cultura da crise e seguridade social. São Paulo: Cortez Ed., 1995. VIANNA, M.L.W. “As armas secretas que abateram a seguridade social”. In: O desmonte da nação. Balanço do governo FHC. Petrópolis: Ed. Vozes, 1999.

3 A superioridade do processo de “assistencialização” é apresentada, no discurso oficial, através de um conjunto de imagens (dados, índices, indicadores etc.) que estariam comprovando tecnicamente a necessidade das mudanças em curso. Mas a sobrevalorização dos elementos técnicos oculta os aspectos políticos da reforma da proteção social no Brasil. A “assistencialização” é uma interessante estratégia despolitizadora. 4 Entretanto, para que essas reformas sejam aprovadas é necessário, segundo os organismos multilaterais, estimular o apoio político e social, por duas vias: por um lado, como forma de superar o risco da falta de consenso sobre as reformas, coloca-se como necessário expandir a base de apoio do governo no Congresso; por outro lado, entende-se que uma rápida melhoria no bem-estar social ajudará a reunir maior apoio às reformas por parte da população.