O ESPETÁCULO DAS RAÇAS

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O ESPETÁCULO DAS RAÇAS – LILIA MORITZ SCHWARCZ Lilia Schwarcz propõe nesta obra apresentar um histórico dos modelos raciais de análise e como sua influência perpetrou na formação da sociedade brasileira. Expõe desde a crítica à miscigenação, entendida como a grande mazela da sociedade, causa da degeneração física e mental do brasileiro mestiço, este apontado como a causa do atraso e da inépcia da população. Perpassa pela instituição de um discurso científico que arrogava para si o caráter de palavra Oficial. A chegada da década de 1870 promoveu o desembarque de um novo ideário de concepção social fortemente influenciada pelas ciências naturais, as quais constavam como paradigma. Estuda a formação dos Institutos Históricos cuja função seria a de congregar a produção científica de então e elaborar uma historiografia para a incipiente nação que se formava. Em seguida apresenta a formação e consolidação das escolas de Direito e Medicina no Brasil, que, além de formar a elite intelectual do país, travariam uma disputa pela primazia do discurso que seria o responsável para guiar os destinos da nação. Introdução – O espetáculo da miscigenação. A autora aponta a situação social do Brasil em fins do séc XIX cuja população era fruto de uma extremada miscigenação, ou ainda, uma explosão de cores (Aimard, 1888). Já no séc XX, no início da década de 1910, projetou- se como forma de evoluir o país o branqueamento da população, em outras palavras, a boa miscigenação, onde a injeção de sangue branco aos poucos iria por contribuir para que os bons genes predominassem na população, sendo assim a mestiçagem um caráter transitório. Os modelos de análise de cunho racial chegam ao Brasil por volta de 1870. Trazem em seu bojo um novo ideário, de cunho positivo-evolucionista, onde se configuram como o

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O ESPETÁCULO DAS RAÇAS – LILIA MORITZ SCHWARCZ

Lilia Schwarcz propõe nesta obra apresentar um histórico dos modelos raciais de análise e como sua influência perpetrou na formação da sociedade brasileira. Expõe desde a crítica à miscigenação, entendida como a grande mazela da sociedade, causa da degeneração física e mental do brasileiro mestiço, este apontado como a causa do atraso e da inépcia da população. Perpassa pela instituição de um discurso científico que arrogava para si o caráter de palavra Oficial.

A chegada da década de 1870 promoveu o desembarque de um novo ideário de concepção social fortemente influenciada pelas ciências naturais, as quais constavam como paradigma.

Estuda a formação dos Institutos Históricos cuja função seria a de congregar a produção científica de então e elaborar uma historiografia para a incipiente nação que se formava. Em seguida apresenta a formação e consolidação das escolas de Direito e Medicina no Brasil, que, além de formar a elite intelectual do país, travariam uma disputa pela primazia do discurso que seria o responsável para guiar os destinos da nação.

Introdução – O espetáculo da miscigenação.

A autora aponta a situação social do Brasil em fins do séc XIX cuja população era fruto de uma extremada miscigenação, ou ainda, uma explosão de cores (Aimard, 1888). Já no séc XX, no início da década de 1910, projetou-se como forma de evoluir o país o branqueamento da população, em outras palavras, a boa miscigenação, onde a injeção de sangue branco aos poucos iria por contribuir para que os bons genes predominassem na população, sendo assim a mestiçagem um caráter transitório.

Os modelos de análise de cunho racial chegam ao Brasil por volta de 1870. Trazem em seu bojo um novo ideário, de cunho positivo-evolucionista, onde se configuram como o cerne de suas questões. Estes modelos promovem uma paradoxal convivência entre o pensamento liberal, predominante na época, o qual pressupunha a primazia do indivíduo, e as teses racistas as quais indicavam uma questão de generalização. Tendo estas últimas alcançado um êxito maior na consecussão de suas proposições.

Desta forma as análises racialistas se consolidam no conceito de raça que, embora tenha uma raiz biológica, foi reinterpretado e adquiriu um caráter social primeiramente. Em outras palavras, a raça adquiria um critério de cidadania. Mas surge um questionamento: como se condenar a miscigenação em um país extremamente miscigenado?

A saída foi processar alterações teóricas que se conformassem com a realidade biológica e social brasileira mesmo que, para isso, se congregassem perspectivas teóricas por natureza excludentes entre si. Exemplificando: do darwinismo social adotou-se o pressuposto da diferença entre as raças e sua hierarquização sem

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problematizar as questões negativas da miscigenação. Do evolucionismo social a idéia de que a sociedade estava em evolução sem considerar a natureza uma da humanidade.

Cap I – Entre homens de sciencia

Neste capítulo, a autora nos apresenta o início do estabelecimento de um saber científico com a implantação, pós chegada da Família Real, de estabelecimentos de caráter cultural e com a chegada da década de 1870, e o advento das teorias de análise racial.

É apresentada a necessidade de se começar a pensar em uma história para a “nação”. O período aludido marca fortemente a adoção de um discurso evolucionista de análise social, além de uma crise de paradigmas onde tudo passa a ser discutido. O discurso científico adquire primazia e por meio dele se implanta a análise racial como elemento de diferenciação por excelência. Legitima-se a condição de inferioridade de negros e os alçam a condição de objetos de ciência.

É a época do estrelato do cientista, cuja função se equiparava a um sacerdócio. Destarte disto e pela aproximação com as ciências naturais, será por esta via que se operarão as análises sociais onde o conceito de raça se torna a pedra angular. Neste período se opera uma (re) construção da imagem do país, o qual deixa de ser um país selvagem para, por intermédio da ciência, se apresentar como algo novo, civilizado, dentre outros.

Novamente a miscigenação surgia como o grande problema por, primeiro, provocar a degeneração da população e, segundo, por não ser possível estabelecer uma nação civilizada tendo na sua população um grande contingente de mestiços e negros. Ressalta-se a busca por modelos de análise totalizantes.

O modelo racial do Brasil não foi original, ao contrário, foi fruto de uma seleção pré do que servia ou não e implantado com vistas a uma definição de identidade nacional. (SCHWARCZ, XXXX:xx)

Cap II – Diferenças e desigualdades

A autora escrutina a questão das diferenças raciais propriamente ditas fazendo um balanço das diversas teses oriundas daquelas.

Inicialmente é feita uma clivagem dos principais teóricos e suas fundamentações. Rousseau e sua tese de uma monogenia donde toda a humanidade provém de uma origem uma, uma única espécie e somente uma perfectabilidade possível que, segundo a ótica de Rousseau, é a capacidade de o homem sempre se superar.

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Ao contrário surgia uma corrente que preconizava a exarcebação das diferenças entre os homens, e o advento de diversas origens deste. Sobretudo ao se tratar do chamado Novo Mundo, caracterizado pelo signo da carência (tudo menor em relação à civilização). Surge o conceito da degeneração advinda, sobretudo, do fenômeno da mestiçagem.

Assim, duas perspectivas de certa forma antagônicas se mostram hegemônicas. Por um lado, se naturalizava a igualdade humana e, por outro, uma reflexão sobre as diferenças entre os homens. A segunda análise sobressairá e promoverá um estabelecimento entre o genótipo, aptidão intelectual e inclinação moral. Em outros termos, a raça trazia em seu bojo toda uma série de caracteres imanentes a esta.

O conceito de raça evoca um ideário de diferença já que, pressupõe a idéia de heranças físicas permanentes entre os vários grupos humanos. Ou seja, é conceito eminentemente biológico. Com a preponderância de uma teoria segregacionista este conceito adquire um maior poder de penetração.

Com relação a origem da humanidade têm-se a emergência do monogenismo fundada sobre uma base rousseauniana que vai alimentar os evolucionistas sociais, onde estes criaram estágios diferentes de desenvolvimento sendo todos de uma origem comum. Neste caso, os menos evoluídos iriam passar por estágios já superados pelos mais evoluídos até atingir a perfeição. Do outro extremo surge uma interpretação de cunho poligenista que servirá de arcabouço teórico para o chamado darwinismo social.

Neste aspecto a humanidade seria composta de espécies diferentes e cada uma destas seria portadora de caracteres inatos. Assim, se processa uma associação da questão comportamental associada às leis biológicas. Partindo desta análise, ganha força uma ciência, antropologia criminal, que operará nesta interseção entre o social e o biológico atestando certos desvios de conduta à raça do indivíduo. O surgimento dos estudos antropológicos nascem tributários das ciência naturais, poligenistas que são, e as análises etnológicas mantêm-se ligadas a uma tradição monogenista.

Uma questão que se transforma em paradigma é a do evolucionismo na qual, diferenças a parte, gravitam em torno mono e poligenistas. De um lado se se tinha a adaptação da noção monogenista aos postulados evolucionistas, darwinistas ressucitavam as práticas poligenistas do início do séc XIX evocando a questão da seleção natural e amaldiçoando a mestiçagem. Essa forte assimilação com as teorias biológicas acabou por fortalecer os darwinistas aludindo as leis e regularidades naturais.

Civilização e progresso se propunham conceitos universalizantes, modelos. Pela ótica evolucionista social a humanidade estaria em estágios diferentes, mas todos passariam pelos mesmos estágios a caminho da perfeição. A comparação era o princípio norteador.

Pela ótica darwinista social, seguindo o que preconizava o determinismo racial, as raças teriam um caráter imutável, uma fixidez inerente à espécie, sendo assim todo

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cruzamento um erro. Logo, o que se depreende é o enaltecimento dos tipos puros e legar a miscigenação um caráter maldito. Assim se observam três teses das quais partiam as análises dos teóricos da raça: imutabilidade das raças (condena o cruzamento); continuidade de caracteres físicos e morais; preponderância da raça para com o comportamento do indivíduo (base do racismo).

Têm-se o estabelecimento dos conceitos de desigualdade e diferença. O conceito de desigualdade assume um caráter transitório, evocando a noção de uma humanidade uma cujas diversidades entre os homens seriam apenas transitórias e reversíveis pela ação do tempo ou em contato com culturas mais avançadas. Enquanto que o conceito de diferença traz em seu bojo a noção de diferentes espécies humanas, cujas diferentes idiossincrasias seriam imutáveis, irreparáveis como um apanágio de cada espécie.

Neste contexto a noção de raça sai do campo puramente biológico para assumir uma dupla função qual seja científica e social. É através do discurso social que o racialismo passa a abarcar a idéia de nação. Em outras palavras, a partir do estabelecimento da raça, a nação também seria.

Cap III – Os museus etnográficos brasileiros “Polvo é povo, molusco também é gente”

Neste capítulo, Schwarcz ressalta a importância do surgimento dos museus nacionais, no que tange aos estudos etnográficos e das ciências naturais. Estes estabelecimentos ensejavam reunir o saber científico de então englobando não só as ciências da natureza, como também as ciências sociais.

Esta espécie de subordinação das ciências sociais às naturais fez com que as análises fossem realizadas pela ótica desta. Assim se observa o sucesso das teorias darwinistas (ou evolucionistas) na análise da sociedade. Obtêm-se respostas, a partir desta lógica, para estabelecer classificações biológicas, explicitar pontos de atraso e culpabilizar sob a lente racial. É o chamado primado das ciências naturais.

O suposto era o de que o modelo evolutivo da biologia servia de base para explicar a evolução da humanidade. Este postulado buscava superar o modelo religioso baseado em uma interpretação científica e positiva. Partindo da fauna e da flora para chegar ao homem, ao recolher, analisar, classificar, hierarquizar e expor, os museus pretenderam trazer um pouco de ciência e ordem a esse meio tão carente de produções intelectuais dessa categoria.

Cap IV – Os Institutos Históricos e Geográficos

A função dos IH’s fora a de construir uma história da nação, recriar o passado, solidificar mitos de fundação, ordenar fatos e buscar similitudes em personagens e eventos até então dispersos. O IHGB funcionou como o portador de um discurso oficioso e legitimador dos saberes científico-culturais.

No espaço da RIHGB a antropologia e a etnologia começam a ganhar importância, afastando-se lentamente dos aspectos biológicos. A raça assume um caráter

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relevante. É adotada uma postura evolucionista, porém determinista, sobretudo em relação ao negro visto como a base da pirâmide racial. Tem-se a permanência da noção de hierarquia das raças proposta por Von Martius.

Segundo a autora os IH’s em sua lógica estavam presos a um projeto enciclopédico que encontrava ordem e encadeamento onde existiam apenas eventos singulares em sua experiência regional, esses profissionais se comprometeram com a construção de uma história nacional, que, tendo presente em mira, forja o passado (SCHWARCZ, XXXX:133)

Destaca-se o caráter classista dos IH’s tendo em vista a análise da formação de seus quadros.

Cap V – As faculdades de Direito

A criação das faculdades de Direito no Brasil, atendia aos anseios de formar uma intelligentsia brasileira para se pensar o futuro da nação. Converte-se em um dos pilares de formação intelectual da sociedade brasileira, pois elabora um discurso de análise social, com o qual vai rivalizar com o discurso médico sobre os desígnios da sociedade.

De acordo com SCHWARCZ esta classe teria uma responsabilidade premente em suas mãos, pois seriam um dos responsáveis por formar uma nova imagem do país a se fundar, inventar novos modelos para essa nação que acabava de se desvincular do estatuto colonial, com todas as singularidades de um país que se libertava da metrópole, mas mantinha no comando um monarca português.

A grande penetração de autores como Le Bom, Agassiz e Gobineau permite que o darwinismo permeie os discursos dos bancos acadêmicos. Assim sendo, uma nova concepção de Direito se forma qual seja o associado a uma noção científica. Em outras palavras, associado a uma biologia evolucionista e a uma antropologia determinista. Deu a proposição da visão religiosa em prol de uma ótica laica do mundo.

Sylvio Romero foi o grande expoente desta vertente. Sua análise trazia uma novidade, pois via na mestiçagem a salvação em vista de uma homogeneidade nacional. Mas a mestiçagem com vistas ao branqueamento da população. Segundo Romero, o princípio biológico da raça aparecia como base para todo conhecimento. Reconhecia o caráter mulato do Brasil e via na miscigenação um caráter positivo desde que se orientasse para a injeção de bons genes na população, ou seja, para um branqueamento.

A partir de Romero, o direito ganha um estatuto diferente no Brasil... (SCHWARCZ, XXXX:155).

Com o surgimento da antropologia criminal tem-se a associação entre o comportamento social a caracteres intrínsecos do indivíduo. Em outras palavras, desviava-se o foco do crime para o criminoso a partir de suas características físicas, antropológicas e sociais (nesta ordem)

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Segundo Schwarcz tratava-se de trazer critérios científicos para a prática do direito, tendo como porta de entrada a cadeira de direito criminal e a ajuda de disciplinas naturais. É um discurso que se perdura, pois se tinha uma idealização de generalidade, onde o indivíduo não tinha seus atos considerados como individualidades, mas inseridos em um conceito homogeneizante. O fenótipo passa a ser o identificador das virtudes e dos vícios.

Após os anos de 1920 a antropologia criminal começa a ser questionada e se verifica a tendência a deslocar o problema da raça para as questões legais, e aí se verifica o pressuposto basal do discurso jurídico de então que era o de higienização social, conseguida através de uma legislação unificada mas, ainda, de forte conotação racial.

Em suma, o direito seria produtor de progresso e civilização, seja por meio de uma mestiçagem modeladora da escola Recifense seja por meio da ação missionária de um Estado Liberal.