O ESPAÇO DE AÇÃO DO AMOR MUNDI...dendrograma de cluster, permitiu a identificação de que aulas...
Transcript of O ESPAÇO DE AÇÃO DO AMOR MUNDI...dendrograma de cluster, permitiu a identificação de que aulas...
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU MESTRADOEM CIÊNCIAS AMBIENTAIS
O ESPAÇO DE AÇÃO DO AMOR MUNDI:
UM SURVEY DE ATIVIDADES DE CAMPO NO ENSINO DE CIÊNCIAS
DESENVOLVIDO EM UMA ESCOLA DE ENSINO FUNDAMENTAL
ANGÉLICA YARA SIQUEIRA
Cuiabá – MT
Julho de 2018
O ESPAÇO DE AÇÃO DO AMOR MUNDI:
UM SURVEY DE ATIVIDADES DE CAMPO NO ENSINO DE CIÊNCIAS
DESENVOLVIDO EM UMA ESCOLA DE ENSINO FUNDAMENTAL
ANGÉLICA YARA SIQUEIRA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Ciências Ambientais – PPGCA,
Universidade de Cuiabá - UNIC, como parte dos
requisitos para obtenção do título de Mestre em
Ciências Ambientais.
PROF. DR. CARLO RALPH DE MUSIS
ORIENTADOR
Cuiabá – MT
Julho de 2018
FICHA CATALOGRÁFICA
ANGÉLICA Y ARA SIQUEIRA
O ESPAÇO DE AÇÃO DO AMOR MUNDI: UM SURVEY DE ATIVIDADES DE CAMPO NO ENSINO DE CIÊNCIAS
DESENVOLVIDO EM UMA ESCOLA DE ENSINO FUNDAMENTAL
Dissertação apresentada à UNIC, no Mestrado em Ciências Ambientais área de
concentração em Dinâmica Ambiental como requisito parcial para a obtenção do título
de Mestre conferida pela Banca Examinadora formada pelos professores:
Examinadora Externa
Prof1. Drª. Érika Borges Leão Universidade de Cuiabá - UNIC
Examinadora Interna
Universidade de Cuiabá - UNIC Orientador
DEDICATÓRIA
Aos meus pais, por contribuírem na
edificação, em minha intimidade, do Valor da Vida e
aos meus filhos Cauã, Caic e Carion por o
resignificarem diariamente.
AGRADECIMENTOS
À Deus.
À família, pelo amor exigente, pelos limites definidos, por todos os “nãos”
proferidos, pelas responsabilidades desde tenra idade, pela firmeza austera, pela ternura
indefinível, pela confiança sincera e pelo carinho incomensurável.
À amiga Indiana C. Borralho pelo incentivo, insistência e por prostar-se ao meu
lado e finalizar a inscrição para a seleção desse programa de mestrado em Ciências
Ambientais. Por seus olhos gentis que veem em mim muito mais do que certamente sou.
À toda humanidade que verte do Professor Dr. Carlo Ralph de Musis através de
sua postura, por seu conhecimento sui generis, mas precipuamente por sua sabedoria
desprovida de orgulho, arrogância ou soberba.
Às Professoras Dras. Sumaya Persona De Carvalho e Érika Borges Leão pela
generosidade, gentileza e presteza em aprimorar e possibilitar requinte a esse trabalho.
Ao labor e à dedicação do Professor Dr. Osvaldo Borges em busca de qualidade e
reconhecimento desse programa de pós graduação, além do sucesso acadêmico dos
mestrandos.
Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais, pelos
conceitos, pelos sorrisos, pelo olhar amigo, pelo trato respeitoso e pelo estímulo a
produção científica.
Aos companheiros de turma Maurel, Christiano, Morgan, Raphael, Giovanni,
Benedito, Priscila, Fabrícia e Christiane que fizeram de cada encontro uma saudosa espera
e um convívio de inefável prazer. Em especial à Nathalia e à Ana Carolina, com as quais
estreitei o vínculo de afeto.
À todos que cruzaram ou estiveram ao meu lado nessa existência em qualquer
momento, por mais efêmero que tenha sido o período de tempo. Cada um deixou em mim
um pouquinho de si.
Ao planeta Terra, por me possibilitar existir e me ensinar o significado da
solidariedade na natureza.
À minha irmã Giordana, uma dádiva. Minha companheira.
Ao Eliel, homem admirável, pai dedicado e companheiro amoroso, por ter
vivenciado 22 dos 42 anos dessa existência, ao meu lado.
EPÍGRAFE
“Na vida, não vale o que temos nem tanto
importa o que somos. Vale o que realizamos com
aquilo que possuímos e, acima de tudo, importa o que
fazemos de nós.”
Chico Xavier
SUMÁRIO
LISTA DE ANEXOS ................................................................................................ XI
LISTA DE FIGURAS ................................................................................................. X
LISTA DE TABELAS .............................................................................................. XI
RESUMO ................................................................................................................. XII
ABSTRACT ............................................................................................................ XIII
1. INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 1
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ......................................................................... 3
2.1 TEORIAS DE APRENDIZAGEM E O PENSAR ................................................................. 3
2.2 A COMPREENSÃO DA REALIDADE A PARTIR DOS OBJETOS DES-REALIZADOS ............ 8
2.3 A EDUCAÇÃO, O PENSAMENTO E A CIÊNCIA ........................................................... 12
2.4 A TRANSMISSÃO DA PERPLEXIDADE, O PENSAR ...................................................... 17
3. MATERIAIS E MÉTODOS ............................................................................... 20
3.1 ÁREA DE ESTUDO ............................................................................................ 20
3.2 MATERIAIS ........................................................................................................ 21
3.2.1 Critérios para a escolha dos roteiros ................................................................. 21
3.2.2 Destinação das aulas de campo ........................................................................ 21
3.3 MÉTODOS .......................................................................................................... 23
4. ANÁLISE DOS RESULTADOS ......................................................................... 25
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................... 34
6. BIBLIOGRAFIAS ................................................................................................ 36
6.1 BIBLIOGRAFIAS CITADAS ..................................................................................... 37
6.2 BIBLIOGRAFIAS CONSULTADAS ............................................................................ 38
LISTA DE ANEXOS
Anexo 1. Roteiro para a Chapada dos Guimarães ......................................................... 38
Anexo 2. Roteiro para o Museu da Caixa D’Água ........................................................ 38
Anexo 3. Roteiro para o Aterro Sanitário ...................................................................... 38
Anexo 4. Roteiro para a Estação de Tratamento de Água e Memorial da Água ........... 38
Anexo 5. Roteiro para o Museu de Pré-História Dom Aquino ..................................... 38
Anexo 6. Roteiro para o Rio Cuiabá ............................................................................. 38
Anexo 7. Roteiro para o Parque Zoobotânico ............................................................... 38
Anexo 8. Roteiro para os Parques Urbanos ................................................................... 38
Anexo 9. Roteiro para Vila Bela da Santíssima Trindade ............................................. 38
Anexo 10. Roteiro para a Usina de Manso .................................................................... 38
Anexo 11. Roteiro para o Pantanal ................................................................................ 38
Anexo 12. Proposta didático metodológica multidisciplinar ......................................... 38
Anexo 13. Slides: sensibilização para aula de campo ................................................... 38
Anexo 14. Classificação das UCEs quanto às variáveis ................................................. 38
LISTA DE FIGURAS
Figura 1. Dendrograma da Análise de Cluster .............................................................. 27
LISTA DE TABELAS
Tabela 1. Categorias e variáveis analisadas nas 86 Unidades Conceituais Elementares e
suas respectivas conceituações e indicações .................................................................. 26
RESUMO
SIQUEIRA, A. Y. O espaço de ação do amor mundi: um survey de atividades de campo
no ensino de ciências desenvolvido em uma escola de ensino fundamental. 2018. 38 f.
Dissertação (Mestrado em Ciências Ambientais), Departamento de Ciências Ambientais,
Universidade de Cuiabá, Unidade Barão de Melgaço, Cuiabá, 2018.
À educação como estrutura educativa curricular graduada, contemporaneamente, é
delegada a função de formação de cidadãos sociais, conhecedores das leis que regem as
relações que se estabelecem na natureza fenomênica e responsáveis pelas inferências que
realizam no mundo. Uma preocupação quanto ao ensino é que assegure um aprendizado
e um arcabouço cognitivo prestantes a pensar, a ser, a fazer, a conviver e a aprender que
não só pertencem, como também são extensão desse mundo de todos, mas adequado a
individualidade de cada um. Esse trabalho se propôs a analisar roteiros e
consequentemente as aulas de campo a que foram direcionados, como opções
metodológicas, com o objetivo de pensar a sustentabilidade e o amor ao mundo. Analisou-
se 11 roteiros, desenvolvidos para alunos de 6º e 7º ano do Ensino Fundamental II. Os
questionamentos e atividades propostas em cada roteiro foram organizados em uma
matriz de 86 Unidades Conceituais Elementares, estas por sua vez foram analisadas sob
a perspectiva de 3 categorias subdivididas em 10 variáveis, os dados obtidos foram
submetidos a uma análise cluster hierárquico. Empregou-se a regra de ligação de Ward
com a medida de similitude para o grau de concordância. A análise dos dados, a partir do
dendrograma de cluster, permitiu a identificação de que aulas de campo são práticas
metodológicas que potencializam: a análise, o conhecer e o pensar sobre as inúmeras
percepções que o estar no mundo proporcionam, facilitando a compreensão do elo que
existe entre o Ser, o fazer, o conviver, o aprender com as respostas dadas pelo mundo às
inferências sofridas por ele, com relevante particularidade ao amor mundi, o amor que
torna cada indivíduo em sua singularidade, apesar da pluralidade que o cinge, responsável
pelo mundo que o acolhe e o provê.
Palavras Chaves: Roteiros, educação, pensar, amor mundi, portanto como premissa
estão a sustentabilidade e o amor a esse mundo.
ABSTRACT
SIQUEIRA, A. Y. The space of action of love of world : a survey of field activities in the
teaching of science developed in a primary school. 2018. 38 f. Dissertation (Master in
Environmental Sciences), Department of Environmental Sciences, University of Cuiabá,
Barão de Melgaço Unit, Cuiabá, 2018.
Education as a graduated curricular educational structure is nowadays delegated to the
function of training social citizens, who are aware of the laws that govern the relationships
that are established in the phenomenal nature and responsible for the inferences that they
make in the world. A concern with teaching is that it ensures a learning and a cognitive
framework that is able to think, to be, to do, to live and to learn that not only belong, but
also the extension of this world of all, but the individuality of each , so the premise is
sustainability and love of this world. This work aims to analyze the scripts and
consequently the field lessons to which they were directed, as methodological options for
the mentioned education and teaching. Eleven scripts, developed for Elementary School
II, were analyzed. The obtained data were organized in a matrix of 86 Elementary
Conceptual Units by 3 categories subdivided into 10 variables, which was submitted to a
hierarchical cluster analysis. Ward's rule of attachment was used with the measure of
similarity for the degree of agreement. Data analysis, based on a dendrogram, allowed us
to identify which field classes are methodological practices that potentiate: analysis,
knowing and thinking about the innumerable perceptions that being in the world provide,
facilitating the understanding of the link that exists between the Being, the doing, the
living, the learning with the answers given by the world to the inferences suffered by it,
with relevant particularity to the love world, the love that makes each individual in its
singularity, despite the plurality that girdles, responsible by the world that welcomes and
provides it.
Keywords: scripts, education, thought, love of world.
1. INTRODUÇÃO
A educação associada aos novos paradigmas oriundos dos movimentos sociais
contemporâneos, tem incorporado como finalidade, além do compromisso com a ensino
das leis que regem as relações que se estabelecem na natureza fenomênica, a formação de
cidadãos sociais responsáveis pelas inferências que realizam no mundo e suas
consequências.
Reflexões sobre teorias de aprendizagem e fundamentos que potencializam o
aprender, o apreender e o pensar por uma coletividade numa simultaneidade são
prioridades educacionais e a partir dessas reflexões propostas metodológicas
diversificadas são utilizadas, dentre elas as que possibilitam o experienciar e o vivenciar.
As aulas de campo com roteiros direcionados estreitam o vínculo com natureza, com os
fenômenos e a solidariedade a ela inerentes.
Uma perspectiva arendtiana nos possibilita entrever, nas aulas de campo, esforços
para a realização de um ensino que assegure um aprendizado e um arcabouço cognitivo
prestantes a pensar, a ser, a fazer, a conviver e a aprender que cada indivíduo não só
pertence, como também é extensão desse mundo comum a todos, mas adequado a
singularidade de cada um, portanto fundamentando essa perspectiva, estão a
sustentabilidade e o amor a esse mundo – amor mundi.
Experiências com propostas metodológicas que transcendem as paredes da sala de
aula contribuem para a elaboração de saberes que sobrepujam conteúdos conceituais,
fortalecem laços de afeto e confiança entre todos os envolvidos no processo de ensino
aprendizagem.
O conhecer a partir do contato com as realidades aparentes do mundo, estimulam
o vivenciar e o sentir com todas as peculiaridades que o experienciar proporciona a cada
um. As aulas de campo estimulam a observação dessa realidade e são espaços de
aprendizagem fora do ambiente escolar que possibilitam o contato e favorecem a
integração de diversas disciplinas, a contemplação da natureza em sua inteireza, o
convívio e a vivência de todos os estímulos sensitivos, além da transposição dos
conteúdos teorizados em sala, com abordagens de temas socioculturais e ambientais
levando em consideração as diferentes realidades, imprescindíveis para a compreensão
crítica e reflexiva dos fenômenos naturais e movimentos sociais contemporâneos.
2
É essa compreensão que permite aos alunos relacionar diversos conceitos, valores,
procedimentos, métodos e atitudes às suas práticas cotidianas. São aulas diferentes,
interativas, prazerosas e criativas onde professores e alunos estreitam os laços da
confiança e amizade e carregam esses sentimentos no retorno do espaço da sala de aula e
para além dos muros da escola. O aprendizado sobre a natureza, equilíbrio ecológico,
sustentabilidade estão entre os temas pertinentes às Ciências Ambientais, que despertam
a percepção da grandeza, da magnitude de milhares de anos de evolução em íntima
relação com a responsabilidade de cada Ser de cuidar, preservar, conservar o que ainda
permite a civilização existir como humanidade.
A problematização que permeou esse trabalho foi: O roteiro, como resultado das
aulas de campo, possibilitam analisar, conhecer e pensar a realidade do mundo e a sua
natureza fenomênica estimulando a responsabilização por esse mundo como forma de
amor a ele? A proposta que aqui se menciona é a aula de campo e seus respectivos roteiros
como facilitadores da compreensão do elo que existe entre o Ser, o fazer, o conviver, o
aprender com as respostas dadas pelo mundo às inferências sofridas por ele, com
relevante particularidade ao amor mundi, o amor que torna cada indivíduo em sua
singularidade, apesar da pluralidade que o cinge, responsável pelo mundo que o acolhe e
o provê.
3
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1 Educação para o pensar
[...] os homens tem uma inclinação, talvez uma
necessidade, de pensar para além dos limites do
conhecimento, de fazer dessa habilidade algo mais do que
um instrumento para conhecer e agir.
Hannah Arendt
A realidade em um mundo onde a ciência se desenvolve com a rapidez do
pensamento, resultando num ascendente impulso tecnológico, é caracterizada por novas
relações entre conhecimento e trabalho, cidadania e sociedade, ser humano e ambiente,
sobrevivência e recursos naturais. Sob novos paradigmas sociais, políticos e ambientais,
esforços incessantes são efetivados para intensificar a capacidade de aprender e apreender
consideráveis quantidades de informações inéditas e inovadoras, além das já
consolidadas, demandando um pensar sobre o mundo permeado por equidade, dignidade,
convivialidade e sustentabilidade.
Reflexões sobre métodos e fundamentos que potencializam o aprender, o
apreender e o pensar por uma coletividade numa simultaneidade são objetivadas como
uma das prioridades educacionais e a partir dessas reflexões, teorias de aprendizagens –
diversas, mas não absolutamente díspares – surgiram e delinearam o aprender, o
apreender e por conseguinte o pensar.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) (1997), nos possibilitam
compreender que um dos efeitos consequentes das novas relações que se estabelecem
entre os seres humanos e destes com o meio que o circunda é a exigência de um
reequacionamento do papel da educação no mundo contemporâneo, que visa contribuir
para a formação de cidadãos capacitados para futuras habilitações, para a aquisição e o
desenvolvimento de novas competências, em função de novos saberes que se produzem,
preparados para lidarem com novas tecnologias e linguagens, capaz de responder a novos
ritmos e processos.
O aprender, sob esse prisma, deixa de ser visto em termos das especializações
tradicionais e pode ser concebido sob variadas perspectivas conceituais – Moreira (1999),
esclarece que condicionamento, aquisição de informações (aumento de conhecimento),
mudança comportamental estável, uso de conhecimento na resolução de problemas,
4
construção de novos significados, de novas estruturas cognitivas e revisões de modelos
mentais são exemplos que tem sido considerados como definidores de aprendizagem – e,
por mais diversificadas que elas se apresentem sua aplicação em situações concretas tem
o intuito de capacitar o humano a Ser um inferidor social, político e ambiental.
A ponte que possibilitaria a transformação do conhecimento apreendido em
capacidade de – partindo de indícios, fatos, conhecimentos ou raciocínios – atuar, inferir
em meios circundantes e deles sofrer os impactos da realidade que permitem reconstruir
as apreensões formalizando a efetivação do aprendizado é o Pensar.
Podemos afirmar que o arcabouço cognitivo – conhecido, segundo Moreira
(1999), por estrutura cognitiva, ou seja, um complexo organizado onde todas as diversas
definições de aprendizagem cognitiva, são resultantes do armazenamento organizado de
informações, de conhecimentos e na memória do ser que aprende – propiciado pela
aprendizagem cognitiva leva o Ser inferidor a pensar sobre sua atuação nos meios que o
circunda, assim sendo poderíamos associar analogamente o pensar a uma pérola, onde o
indivíduo-grão recebe as camadas de conhecimentos que são depositados e se
sedimentam gradativamente através das diversas teorias de aprendizagem, até que em
determinado momento está pronta a pérola do pensar.
Arendt (2008), diferencia pensar e conhecer, argumentando que ambos
apresentam “dois interesses inteiramente distintos: o significado, no primeiro caso, e a
cognição, no segundo”.
A cognição como processo de aquisição do conhecimento – que se dá através da
percepção, da atenção, associação, memória, raciocínio, juízo, imaginação e linguagem –
, é uma construção possível nos moldes do ensino contemporâneo, onde o aprendiz
inserido num ambiente dimensionalmente restrito recebe estímulo áudio visual e ensaios
dialéticos; o significado como forma representativa e mental que se relaciona com a forma
linguística, a relevância que se dá a algo, é uma construção vivencial através de
experimentação dos estímulos a que se submetem os sentidos – os significados resultam
da representação dos sentimentos que se manifestam em consequência das relações que
estabelecemos com os objetos-de-pensamentos que desensorializamos do mundo – e,
portanto transcendem paredes moldadas.
As teorias de aprendizagem - o behaviorismo, o humanismo e o construtivismo -,
cuja pretensão é viabilizar o aprendizado, o fazem a partir da construção e da apreensão
de um conjunto de saberes específicos, compartimentalizado em diferentes disciplinas
pertencentes às áreas de conhecimentos. O Behaviorismo, o Cognitivismo e o
5
Humanismo são as concepções basilares subjacentes às teorias de aprendizagem, cujo
arcabouço cognitivo – primazia do ato de aprender –, visão o pensar sobre a natureza
fenomênica do mundo e das múltiplas interações entre os seres e destes com esse mundo
onde coabitam.
Moreira (1999, p. 12), esclarece que uma teoria de aprendizagem “é uma
construção humana para interpretar sistematicamente a área de conhecimento que
chamamos aprendizagem. Representa o ponto de vista de um autor/pesquisador sobre
como interpretar o tema aprendizagem, quais as variáveis independentes, dependentes e
intervenientes.” Cada teoria de aprendizagem conceitua aprendizagem, almeja
compreender porque funciona e como funciona.
O behaviorismo ou comportamentalismo pretende elaborar as leis que relacionam
determinados estímulos a determinadas consequências comportamentais e apresenta
como foco dos seus estudos a atenção nos comportamentos observáveis e mensuráveis,
valorizando as respostas aos estímulos. Os eventos internos, como os estados da
consciência e quaisquer atividades mentais entre o estímulo e a resposta dada não são
considerados, por não produzirem efeitos sociais observáveis e não seriam passíveis de
predição e controle. Moreira (1999, p.14), nos alerta que “o behaviorismo surgiu no início
do século XX, principalmente nos Estados Unidos, como uma reação ao mentalismo que
dominava a psicologia na Europa”.
Contemporânea e em contrassenso ao behaviorismo estadunidense Arendt (2008),
navegava sobre o pensar e os desdobramentos da ausência deste, sendo um dos lemes
norteadores a “consciência”, referindo-se ao fato de estar cônscio de si mesmo – “saber
comigo e por mim mesmo” – como a atividade do pensamento. Analisava se, nos oceanos
de possibilidades, o hábito de examinar o que aparecer, desde o comportamento humano
à natureza fenomênica do mundo, estivesse entre as condições que levam os homens a
abster-se de fazer o mal, ou mesmo que ela – a ação de examinar, o pensar sobre o que se
apresenta no mundo –, realmente os “condicione” contra ele.
A atividade do pensamento – segundo Platão, o diálogo sem som
que cada um mantém consigo mesmo – serve apenas para abrir o
olhos do espírito; e mesmo o nous aristotélica é um órgão para
ver e contemplar a verdade. (ARENDT, 2008)
6
O behaviorismo se abstinha de considerar como aprendizagem as atividades do
pensamento devido a sua incomensurabilidade. Segundo Moreira (1999, p. 14), nessa
perspectiva, “objetivos comportamentais definiam da maneira mais clara possível, aquilo
que os alunos deveriam ser capazes de fazer, em quanto tempo e sob que condições, após
a instrução” e se verificando as condutas definidas nos objetivos comportamentais
admitia-se que havia ocorrido aprendizagem. A ideia básica do behaviorismo é que se um
determinado comportamento tem uma boa consequência, ele tende a se repetir. Ao
contrário, se a resposta for desagradável, a tendência é o comportamento diminuir de
frequência. Isso significa, a partir das reflexões de Moreira (1999), “que, manipulando
principalmente eventos posteriores à exibição de comportamento, se pode, em princípio,
controla-los”. A compreensão da aprendizagem é influenciada pelo conceito do reflexo
condicionado, ou condicionamento clássico.
Arendt (2008), compreende o pensar como um ato espiritual que repousa na
faculdade do espírito de ter presente para si o que se encontra ausente dos sentidos. “A
re-presentação, o fazer presente o que está ausente, é o dom singular do espírito [...], esse
dom é chamado de imaginação”. Esse pensar – assegurado pelo dom da imaginação –, “é
que nos possibilita dizer “não mais”, e constituir um passado para nós mesmos, ou dizer
“ainda não”, e nos prepararmos para o futuro”, em outras palavras definirão os
comportamentos não mais apetecíveis e os ambicionáveis.
A partir dessa perspectiva é possível refletir que os arcabouços cognitivos –
construídos com base nas re-presentações – podem ser desencadeados por instruções,
comportamentos condicionados com reforços positivos ou não e que, por sua vez
constituirão o imaginário como um precursor dos pensamentos que orientarão nossa
performance no mundo.
O cognitivismo difere do behaviorismo por se empenhar em entender os processos
interiores que ocorrem entre o estímulo e a resposta – o mecanismo de como o ser humano
conhece o mundo –, ocupa-se com a análise dos processos mentais superiores – as
percepções, a compreensão, as tomadas de decisão, a atribuição de significado –, com o
ato do conhecer, com a cognição.
Admite que a cognição se dá por construção, sendo por isso tal teoria também
conhecida como Construtivismo – Moreira (1999), esclarece que o ser não é um mero
receptor de conhecimento, não importando como os armazena e organiza sua mente, mas
um agente de uma construção que é sua própria estrutura cognitiva –, posicionamento
esse, filosófico cognitivista interpretacionista.
7
O cognitivismo concebe a mente – parte incorpórea, inteligente e sensível do ser
humano – como um conjunto de estruturas que se aplica à realidade, sendo o sujeito um
agente dessa construção. Arendt (2008), nos reporta ao fato de que não somos “meros
espectadores, criaturas divinas lançadas no mundo para cuidar dele, dele tirar proveito e
com ele nos entreter, mas tendo ainda alguma outra região como hábitat natural. [...]
somos do mundo, e não apenas estamos nele; [...], chegamos bem equipados para lidar
com o que nos apareça e para tomar parte no jogo do mundo”.
Todo o aparato mental – a estrutura cognitiva –, não são formações
biogeneticamente determinadas, mas progressivamente produzidas pelas interações
constantes com o ambiente. O jogo do mundo ao qual somos submetidos ao aparecermos,
exige que dele façamos parte, para isso necessário se faz que não apenas conheçamos as
regras, mas que – no processo de aprendizagem – todos os elementos que possibilitam a
partida sejam transformados em objetos-pensamentos para que novas estratégias possam
ser constantemente elaboradas tendo em vista que, sendo o jogo do mundo, o anseio é que
a partida não finalize.
Segundo Moreira (1999), o humanismo evidencia a condição de liberdade em
antagonismo ao determinismo. Objetiva a compreensão, o bem-estar humanos, percebe o
ser que aprende, primordialmente, como pessoa. Nessa concepção há uma propensão
natural do ser humano para aprender, aumentar seus conhecimentos; contudo, a
aprendizagem somente se torna significativa quando contribui para a auto-realização do
sujeito.
Valoriza fundamentalmente os pensamentos do aluno e os sentimentos. Por
compreender o sujeito aprendiz holisticamente, entende o ato de aprender como
envolvendo não somente a cognição, mas também os aspectos afetivos e as ações, já que
influem nas ações e escolhas do indivíduo.
Essa teoria está preocupada com o conhecimento pessoal propiciado pela
aprendizagem, entendendo que as condições nas quais ela ocorre devam ser o mínimo
ameaçadoras e o máximo acolhedoras possível. O Humanismo está, portanto, mais
preocupado com as relações entre os sujeitos no momento da aprendizagem.
Centra seu foco na pessoa que aprende, entendendo pessoa como um ser total, que
pensa, sente e age, e valorizando fortemente a liberdade e autodeterminação natural desse
ser. A independência do aprendiz, o estímulo a sua criatividade e autoconfiança são
condições básicas para que a aprendizagem ocorra.
8
Para Arendt (2008), a questão que se impunha ao pensar era: seria possível que a
atividade do pensamento como tal – o hábito de examinar o que quer que aconteça ou
chame a atenção, independentemente de resultados e conteúdos específicos – estivesse
entre as condições que levam os homens a abster-se de fazer o mal, ou mesmo que ela
realmente os “condicione” contra ele?
Reflexões sobre a concepção de um ensino institucionalizado de massificação do
conhecimento, nos faz considerar o efêmero espaço a que foi ablegada a tão necessária
relativização da ciência, a contemplação e o pensar sobre a natureza fenomênica, como
consequência calcorreamos com um aprendizado disciplinado e homogeneizado, sendo
relegado consideravelmente, o significado.
Arendt (2008) nos alerta para o fato de que “os homens tem uma inclinação, talvez
uma necessidade, de pensar para além dos limites do conhecimento, de fazer dessa
habilidade algo mais do que um instrumento para conhecer e agir” e, a partir dessa
premissa, à educação formal enquanto formadora de indivíduos que não só estão no
mundo, mas são do mundo, a questão que se impõe é: esse ensino tem assegurado um
aprendizado e um arcabouço cognitivo prestantes a pensar em novas estratégias no jogo
do mundo, tendo em vista sua sustentabilidade?
2.2 As relações entre o homem e a natureza
Não o Homem, mas os homens é que habitam este planeta.
A pluralidade é a lei da Terra.
Hannah Arendt
Vislumbrar o jogo do mundo e o papel do humano que há em todo Ser inferidor,
pressupõe conhecer, interpretar e compreender o seu dinamismo, sua condição
multifacetada e a transcendência das relações sistêmicas que se estabelecem, buscando
estreitar a distância entre a construção imaginária1 e a sensação de realidade desse mundo
de natureza fenomênica. Esse vislumbre é construído a partir dos diferentes processos em
1 A imaginação, que transforma um objeto visível em uma imagem invisível, apta a ser guardada
no espírito, e é a condição sine qua non para fornecer ao espírito objetos-de-pensamento adequados; mas
estes só passam a existir quando o espírito ativa e deliberadamente relembra, recorda e seleciona do arquivo
da memória o que quer que venha a atrair o seu interesse a ponto de induzir a concentração; nessas
operações, o espírito aprende a lidar com coisas ausentes e se prepara para ir mais além [...] ARENDT,
2008.
9
que a aparência da realidade – Arendt (2008), nos alerta que “embora tudo que apareça
seja percebido na modalidade do parece-me e, assim, seja passível de erro e ilusão, a
aparência como tal traz consigo uma indicação prévia de realidade [realness]” –, nos é
apresentada desde a mais tenra idade, nesse contexto a realidade se apresenta como a luz
com sua variedade de espectros, que torna os objetos aparentes ou não aparentes a
depender das cores das lentes utilizadas pelos espectadores.
As percepções de mundo a partir do virtual, do áudio-visual, das páginas
impressas e do diálogo podem estimular a imaginação, mas segundo Arendt (2008) são
as experiências sensoriais que são normalmente acompanhadas, ainda que de forma
silenciosa, que nos proporcionam a sensação adicional de realidade; e isso a despeito do
fato de que nenhum de nossos sentidos, tomado de modo isolado, e nenhum objeto
sensível, retirado de seu contexto, possam produzir aquela sensação – de realidade.
O conhecimento, que nos proporciona um entendimento, uma compreensão dessa
realidade, foi produzido a partir da arte que se utiliza de lentes transparentes a
multicoloridas para transformar os objetos mundanos – cuja aparência é uma emissão
para os nossos sensíveis receptores –, em objetos-pensamento. A intersubjetividade que
se estabelece entre os diversos objetos des-realizados que aparecem no mundo em que o
indivíduo está inserido, edifica o conhecimento, o saber e oferece novas lentes ao ego
pensante.
Essas edificações implicam um reconhecimento e uma admissão de que não só o
mundo aparece aos nossos receptores sensitivos, o que nos tornam espectadores, mas
simultaneamente aparecemos para um mundo espectador e é essa compreensão que
entendemos por realidade do que nós somos e do que o mundo é.
Por um lado, a realidade do que percebo é garantida por seu
contexto mundano, que inclui outros seres que percebem como
eu; por outro lado, ela é percebida pelo trabalho conjunto de meus
cinco sentidos. (ARENDT, 2008)
Arendt (2008), nos adverte para um sexto sentido misterioso – pois não pode ser
localizado como um órgão corporal –, mas é “necessário para manter juntos os cinco
sentidos e para garantir que é o mesmo o objeto que eu vejo, toco, provo, cheiro e ouço;
é a mesma faculdade [que] se estende a todos os objetos dos cinco sentidos. Esse mesmo
sentido, chamado de senso comum, sensus communis, vai adequar as sensações de meus
cinco sentidos estritamente privados a um mundo comum compartilhado pelos outros.
10
A subjetividade do parece-me é remediada pelo fato de que o mesmo objeto
também aparece para os outros, ainda que o seu modo de aparecer possa ser diferente.
A propriedade mundana que corresponde ao sexto sentido é a
realidade; a dificuldade que ela apresenta é que não pode ser
percebida como as demais propriedades sensoriais. O sentido de
realidade não é, estritamente falando, uma sensação; a realidade
“está lá mesmo que nunca tenhamos certeza de conhecê-la”
(Peirce), pois a “sensação” de realidade, do mero estar-aí,
relaciona-se ao contexto no qual objetos singulares aparecem,
assim como ao contexto no qual nós, como aparências, existimos
em meio a outras criaturas que aparecem. (ARENDT, 2008)
Para Arendt (2008), a associação entre os cinco sentidos, inteiramente distintos
uns dos outros, mas que tem em comum o mesmo objeto e o sexto sentido [senso comum]
– que permite compreendermo-nos indivíduos pertencentes a mesma espécie, inseridos
em um contexto comum que dota cada objeto singular de seu significado específico e que
possibilita os outros seres sensorialmente dotados, embora percebam esse objeto a partir
de perspectivas inteiramente distintas, estarem de acordo acerca de sua identidade –
garantem a sensação de realidade em um mundo de aparências, cheio de erros e
semblâncias – esta última percebida como a aparência ilusória que não posso corrigir,
como corrijo um erro, já que é causada por minha permanente posição na Terra e que
continua inseparavelmente ligada à minha própria existência como uma das aparências
terrenas, como a percepção de que a planta retira do solo fértil o alimento de que precisa
para crescer, florescer e frutificar.
As lentes colocadas nos cinco sentidos para observar os objetos que aparecem no
mundo e as cores utilizadas na arte de des-realizá-los permitem ao espectador se apropriar
do significado específico, da identidade dos objetos-pensamento e adequar a um mundo
comum compartilhado pela singularidade do outro.
A autonomia e a independência possibilitam o ser a trilhar caminhos onde os
destinatários, conhecer e pensar, apresentam prateleiras com diversas lentes e tintas
organizadamente postas de forma acessível e disponível; ou a adequar e até mesmo,
construir suas próprias lentes. Mas, enquanto a autonomia e a independência estão sendo
11
alicerçadas é o compartilhamento solidário de lentes que permitem a construção do
arcabouço cognitivo, do significado e a manifestação da sensação de realidade.
Minimizar a distância entre a sensação de realidade e a natureza fenomênica é
uma das funções daquele que se propõe a ser um compartilhador de lentes profissional, a
saber, o professor.
Um desafio deveras considerável a esse profissional diante da premente
uniformização da organização pedagógica que se fez necessária desde a passagem de um
ensino doméstico que adotava o modo de ensino individual, para um ensino coletivo, com
a adoção do modo simultâneo (século XVIII) e do modo mútuo (primeira metade do
século XIX) – esse se consolidou e prevalece hodiernamente –, que racionalizou o
processo ensino-aprendizagem impondo um mesmo modo de organização pedagógica
orientado para o princípio de “ensinar a muitos como se fossem um só.” (BARROSO,
2001, p. 38).
Apresentar vários objetos do mundo para díspares espectadores a partir de uma
lente facilitou a efetivação dessa organização pedagógica. Mas nesse fazer, um ou dois
sentidos passaram a ser explorados – não a partir dos objetos no, mas do mundo,
utilizando-se do virtual, do áudio-visual e das páginas impressas – e as experiências
sensoriais que nos proporcionam a sensação adicional de realidade foi suprimida pela
construção imaginária.
A essa generalização cabem exceções – haja vista ser a pluralidade a lei da Terra
– que irrompem quando o compartilhador profissional conduz o espectador a
experimentação, a exploração dos objetos no mundo, garantindo que é o mesmo objeto
que ele vê, toca, prova, cheira, ouve e que essas sensações são compartilhadas pelo outro
em um mundo em comum –, ou seja, oportunizar diversidade de lentes para apreciar a
aparência do mundo, seus objetos, seus fenômenos, para perceber-se não só pertencente,
como também extensão desse mundo de todos, mas adequado a individualidade de cada
um.
12
2.3 A educação, o pensar e a ciência
O pensamento tem sem dúvida um papel muito grande em
toda busca científica; mas é um papel de um meio em
relação a um fim; o fim é determinado por uma decisão a
respeito do que vale a pena conhecer, e essa decisão não
pode ser científica.
Hannah Arendt
Educar, contribuir, orientar, significar, habilitar, alumiar, preparar, pontificar,
instruir, formar, doutrinar, explicar, mediar, aconselhar. Muitas são as terminologias
utilizadas para definir os objetivos do compartilhador de lentes profissional ao qual
denominamos simplesmente professor, mas essencialmente, se resume a nobre função de
questionar o senso comum2 e provocar novas experiências ao ego pensante, relacionadas
à realidade do mundo e suas verdades descortinadas pela ciência.
É precisamente a atividade do pensamento – as experiências do
ego pensante – que gera dúvida sobre a realidade do mundo e de
mim mesmo. O pensamento pode apoderar-se de tudo que é real
– evento, objeto, seus próprios pensamentos; a realidade disso
tudo é a única propriedade que permanece persistentemente além
de seu alcance. (ARENDT, 2008)
As aparências tais como nos são dadas aos sentidos, associadas ao fato de ficarem
imóveis e permanecerem as mesmas o tempo suficiente para serem conhecidas e
reconhecidas por um sujeito, caracteriza, segundo Arendt (2008), a realidade no mundo.
A Era moderna ampliou as investigações das aparências e cientistas de diversas
áreas descobriram novas explicações não só para as causas dos efeitos visíveis, como
também este, por vezes transcendem as causas – contrariando o axioma de que o essencial
é fazer aparecer o que possa estar escondido por trás das simples superfícies –, com o
delinear de um novo paradigma onde o primordial esteja em compreender e validar as
aparências por “também protegerem da exposição, e, exatamente porque se trata do que
está por trás delas, a proteção pode ser sua mais importante função” (Arendt, 2008).
2 que Arendt (2008), nos alerta ser o mundo cotidiano, com seus conhecidos erros e ilusões, no
qual possui moradia o cientista e ela enfatiza que, mesmo sendo eliminados os erros e dissipado as ilusões,
não chegar-se-á a uma região que esteja além da aparência, do que está apresentado aos sentidos dos que
fazem parte do jogo do mundo
13
Essa investigação possibilitou a compreensão da realidade do mundo a partir do
reconhecimento da relatividade e da subjetividade que a cinge e levou ao descobrimento
de novas e múltiplas explicações sobre o que se contempla e, também o que está sob ela,
resultando no conhecimento que se propaga e discute no meio acadêmico.
O conhecimento com o intuito de ser incorporado ao mundo cotidiano, contendo
a menor quantidade de erros e ilusões - contribuindo para que todos aqueles que
contemplam as aparências do mundo possam fazer parte do jogo do mundo tendo em sua
intencionalidade a certeza que essa partida não pode findar – é o conhecimento em íntima
interação com o ego pensante, compartilhado por todos os demais inferidores que
almejam coexistir, compartilhar e possibilitar a sustentabilidade de um planeta não só
adequado à individualidade de cada um, mas moradia comum, supridora e determinante
de sobrevivência.
O anseio por conhecimento suscitado pela curiosidade sobre a realidade do mundo
originam questionamentos que instigam nosso desejo de investigar qualquer coisa que
seja dada ao nosso aparato sensorial – “todos os homens desejam ver e ter visto [ou seja,
conhecer]. A atividade de conhecer não está menos relacionada ao nosso sentido de
realidade, e é tanto uma atividade de construção do mundo quanto a edificação de casas.”
(ARENDT, 2008).
A língua grega contém esse elemento temporal em seu próprio
vocabulário: a palavra ‘conhecer’, é derivada da palavra ‘ver’.
Ver é idein, conhecer é eidenai, ou seja, ter visto. Primeiro você
vê, depois conhece. (ARENDT, 2008)
Os projetos que antecedem a atividade de construção do mundo – haja vista que é
também a atividade de conhecer o mundo e, portanto inerente ao ato de Educar – são os
sustentáculos onde o compartilhador apoiará as lentes que oferecerá àqueles que estão
iniciando a contemplação do que parece ser a realidade do mundo e também, norteiam as
decisões a respeito do que vale a pena conhecer.
Deveras complexa a decisão do que vale a pena conhecer, do que fará parte do
arcabouço cognitivo para tornar-se prestante a ação humana no mundo. Escolher e decidir
são duas terminologias que integram o rol de objetivos do compartilhador de lentes com
implicações diretas na Educação para o aprender, o fazer, o conviver e o Ser. A ciência
em alguns momentos apresentou-se como um feixe de luz para uma planta enclausurada,
as decisões de deixar-se conduzir por ela legou a humanidade experiências de
14
perecimento do que nos caracteriza como humanos e de degradação dos fatores que
possibilitam nossa condição humana.
A decisão do que vale a pena conhecer deve ter como fundamento basilar um ego
pensando tanto nas experiências de florescência quanto nas de senescência pelas quais
passou a humanidade, agregada a uma visão sistêmica de todas as relações que se
estabelecem na natureza fenomênica e destas com todos os movimentos sociais, políticos,
econômicos e culturais vivenciados pelos contempladores. As escolhas – processo de
pensamento envolvendo o julgamento dos méritos, de múltiplas opiniões associados às
construções conceituais individuais – são determinadas por diversos fatores;
[...] muitas delas são determinadas pela cultura em que nascemos
– são feitas porque queremos agradar aos outros. Mas há também
escolhas que não estão inspiradas em nosso ambiente; podemos
fazê-las porque queremos agradar a nós mesmos ou porque
queremos estabelecer um exemplo, isto é, persuadir os demais a
ter prazer com o que nos dá prazer. (ARENDT, 2008)
São princípios norteadores da escolha do que vale a pena conhecer: a pluralidade
como Lei da Terra; a aprendizagem e o arcabouço cognitivo dela resultante como
fundamentos prestantes a pensar em novas estratégias no jogo do mundo, tendo em vista
sua sustentabilidade; a solidariedade como condição para o equilíbrio na natureza; e o
amor mundi cujo ponto decisivo, esclarece-nos Arendt (1967), está na educação, a saber,
o amor ao mundo e às crianças.
[...] a educação é o ponto em que decidimos se amamos o mundo
o bastante para assumirmos a responsabilidade por ele e, com tal
gesto, salvá-lo da ruína que seria inevitável não fosse a renovação
e a vinda dos novos e dos jovens. A educação é, também, onde
decidimos se amamos as nossas crianças o bastante para não
expulsá-las do nosso mundo e abandoná-las a seus próprios
recursos, e tão pouco arrancar de suas mãos a oportunidade de
empreender alguma coisa nova e imprevista para nós,
preparando-as em vez disso com antecedência para a tarefa de
renovar um mundo comum.(ARENDT, 2005)
15
A ação educadora de um compartilhador está impregnada do seu exemplo como
Ser inferidor e sendo a Educação um meio para se alcançar uma consciência coletiva
transcendendo as paredes moldadas, o seu exemplo deve possibilitar a compreensão de
que tudo se encadeia, tudo é solidário na natureza, nisso se baseia a relação sistêmica
onde tudo e todos constituem a unicidade.
Existem lentes para o encadeamento. A solidariedade constitui um campo da
subjetividade da realidade do mundo, não há lente para observá-la na natureza, sua
significação se consubstancia nas relações que estabelecemos com o mundo em analogia
ao que exemplificamos a todos que contemplam nossa aparência e convivem com a nossa
semblância.
Diferentes linguagens podem ser utilizadas durante toda e qualquer ação
educadora, duas delas são ferramentas imprescindíveis na atividade de levar o
conhecimento [a construção] do mundo, a saber, a metafórica e a científica, sem
menosprezar o fato de que àqueles aos quais serão levados a ação educativa estão fartos
de saberes propagados por diversos meios, com diferentes dialetos e verdades
correspondendo ou acompanhando o senso comum.
A linguagem é um fator decisivo para a comunicação objetiva, subjetiva e
intersubjetiva – diversas pessoas percebendo um objeto comum a todas –, de forma que
as lentes direcionadas possam contemplar as construções já finalizadas, possam impelir
aqueles que a utilizam a demolir algumas para a edificação de outras e,
fundamentalmente, possam perceber as alterações que as construções provocam ao seu
redor e as adequações necessárias em cada construção para preservar o que a circunda –
“a objetividade é construída na própria subjetividade da consciência em virtude da
intencionalidade”. (ARENDT, 2008).
A autora enfatiza que a linguagem manifesta por analogias, metáforas e emblemas
são elos que prendem o pensamento ao mundo inclusive nas situações em que estamos
distantes dele e, são eles também que garantem a singularidade da experiência humana.
As relações solidárias que estabelecemos no nosso convívio são exemplos de
linguagem intersubjetiva construída a partir da significação das muitas experiências
vivenciadas e tornam-se incompreensíveis diante da relativa certeza da ciência e dos
inquestionáveis conceitos; são esses elos que norteiam e servem como modelos no próprio
processo de pensamento levando a clareza da solidariedade na natureza.
“Toda metáfora descobre “uma percepção intuitiva de similaridades em
dessemelhantes” e, segundo Aristóteles, é exatamente por isso que ela é um “sinal de
16
gênio”, “de longe, a maior de todas as coisas”. [...] é uma similaridade de relações, [...]”,
ARENDT (2008).
A linguagem metafórica possibilita ao compartilhador de lentes, durante o
processo de Educar, a manifestação do pensamento, pois permite ao pensamento
“abstrato” e sem objetos des-realizados uma percepção retirada do que aparece no mundo
para proporcionar aos nossos conceitos o senso de realidade – “a função real da metáfora,
a volta ao mundo sensível que ela proporciona ao espírito com a finalidade de iluminar
suas experiências não sensíveis, e para as quais não há palavras em qualquer língua.”
ARENDT, (2008). Tornar o inefável, expressível.
A linguagem científica é elaborada por sujeitos que estão imersos na vida
cotidiana, que contemplam a aparência do mundo e estão propensos a ela, contudo sua
concepção a cerca da realidade do mundo difere do senso comum. Trazida pela Era
Moderna, irmanou-se “[...] a ideia de um progresso ilimitado, que depois de alguns
séculos transformou-se no mais precioso dogma de todos os homens que vivem em um
mundo cientificamente orientado” (ARENDT, 2008), mas que em poucos séculos
testemunhou sua sujeição ao erro e à ilusão, aliada a infindável necessidade de correção.
A generalização da experiência da correção permanente na
pesquisa científica conduz ao curioso “cada vez melhor”, “cada
vez mais verdadeiro”, ou seja, ao progresso ilimitado e à
aceitação a ele inerente de que o bom e o verdadeiro são
inatingíveis. Caso eles pudessem ser alcançados, a sede de
conhecimento estaria satisfeita e a busca cognitiva chegaria ao
fim. (ARENDT, 2008)
É o compartilhador de lentes que se utilizará da linguagem, não para buscar ou
comprovar o verdadeiro ou o falso, mas para significar o que esteja no mundo
primordialmente para ser visto, admirado e compreendido, seja o encadeamento, a ordem
harmoniosa e solidária da natureza, seja o que apareceu pelas mãos do Ser inferidor tanto
quanto qualquer sublimidade humana apresentada no âmbito da realidade do mundo.
Os projetos que antecedem a atividade de conhecer e construir o mundo estão
impregnados do que, essencialmente, o compartilhador de lentes é e, passam por um
processo de escolhas e decisões do que vale a pena conhecer, se utilizam de díspares
linguagens para provocar novas experiências ao ego pensante, promovem o
questionamento do senso comum, dos conceitos até então enraizados na singularidade de
17
cada Ser inferidor, para assim levar ao espanto admirativo e a significação do que se
ensina e principalmente do que se aprende na Educação.
2.4 A transmissão da perplexidade, o pensar
[...] Não é que eu deixe os outros perplexos, já conhecendo
as respostas. A verdade é que eu lhes transmito a minha
própria perplexidade.
Sócrates
O ato de educar exige, sobretudo, a disposição para o educar-se. O educar a si,
como se dois estivessem presentes em um – uma versão de si sempre atenta aquilo que
ignora e, por sua vez, dialogando com a outra empenhada na busca do conhecimento
supridor. Essa exigência agravou-se quando o professor de fonte de luz – aquele que
detém todo o conhecimento e o transmite ao aluno, o que necessita ser iluminado –,
passou a ser um compartilhador de lentes. Do movimento de convencer a muitos do que
sei ao de compartilhar o que sei e ver [conhecer] o mundo sob diferentes perspectivas,
uma grande distância há que se percorrer.
Compartilhar e ter são verbos correlatos. É impossível compartilhar sem a posse.
Como dividir em partes ou fazer parte de algo com alguém se não há o que dividir, repartir
ou partilhar? Antes de qualquer presunção quanto ao outro, necessário se faz que já exista
na singularidade do um. Fazer parte de algo com alguém é não só aquinhoar o que sou,
como também receber um parco do que cada um é – ou ainda, reconhecer que no outro
há, em alguma centelha, o que inexiste no um.
No jogo do mundo, a solidariedade na concepção do compromisso pelo qual as
pessoas se obrigam umas às outras e cada uma delas a todas, promove a conexão entre
toda a pluralidade, sendo que o significado, ou seja, o valor, a importância e a
significação, a saber, a representação mental de cada particular co-agindo é uma súplica
da razão e também promove a beleza da partida.
Contribuímos para a significação de qualquer objeto que apareça como realidade
do mundo quando o significado está edificado em quem contribui ou quando no diálogo
silencioso que travamos em nossa intimidade, busca-se significar. Segundo Arendt
(2008), a Verdade difere do significado e a necessidade da razão é inspirada pela busca
18
do significado e não pela busca da Verdade como equivocadamente se considera – “a
falácia básica que preside a todas as falácias metafísicas é a interpretação do significado
no modelo da verdade”.
Arendt (2008) afirma que os homens conscientizam-se de sua ignorância a
respeito das coisas que se deixam conhecer por meio da perplexidade; e quando Sócrates
afirma que “não é que eu deixe os outros perplexos, já conhecendo as respostas. A verdade
é que eu lhes transmito a minha própria perplexidade”, ratifica que se transmite ao outro
o que no um está repleto.
Essa perplexidade Platão denominava espanto. Não se provoca o espanto, em
especial o que nos faz cônscios de nossa ignorância e simultaneamente o que nos faz
admirar o que possa ser visto no mundo, se o embrutecimento da sensibilidade impede o
maravilhar-se com o florecer e os perfumes exalados que pairam no ar e, particularmente
quando a absentia da humildade diante da grandeza do todo o impede de surpreender-se
com a beleza dos primeiros raios de Sol a surgir no horizonte, mesmo com a certeza de
sua constante presença. O espanto não é algo alheio aos nossos sentidos, Arendt (2008),
afirma que
o que deixa os homens espantados é algo familiar, e ainda assim
normalmente invisível, que eles são forçados a admirar. Aquele
espanto que é o ponto de partida do pensamento não é nem
confusão, nem a surpresa, nem a perplexidade; é um espanto de
admiração. Aquilo que nos maravilha é afirmado e confirmado
pela admiração que irrompe na fala, o dom de Íris, o arco-íris, a
mensageira das alturas.
E esclarece que,
o espanto levou a pensar em palavras, a experiência do espanto
diante do invisível manifesto nas aparências foi apropriada pela
fala, que, ao mesmo tempo, é forte o suficiente para dissipar os
erros e as ilusões a que nossos órgãos para o visível – olhos e
ouvidos – estão sujeitos quando o pensamento não vem em seu
socorro.
Se por intermédio da perplexidade ou espanto o homem torna-se cônscio da sua
ignorância, o melhor que um compartilhador deve fazer é partilhá-las, e aqui temos locada
a ciência, como meio de descerrar espaços para alcançar a significação de insólitos
19
conceitos, na sequência, o fim se substancia na educação que, a partir de uma pragmática,
efetiva esse conhecimento “com o oposto do espanto e com o que é melhor [do que
espantar-se], como é o caso quando eles aprendem.” (ARENDT, 2008).
O abandono da cognição e da sede de conhecimento quando ocorre por um
compartilhador evidencia sua incapacidade e ou inabilidade de espantar-se com o que
aparece no mundo.
O compartilhador deve, frequentemente, abandonar o mundo das aparências, mas
para pensar e analogamente ao cientista, “com o intuito de encontrar abordagens do
mundo melhores e mais promissoras, que se chamam métodos” (ARENDT, 2008), a fim
de levar os indivíduos-ostra – aqueles com os quais compartilhará suas lentes – ao
incômodo, ao espanto, tirá-los da passividade para então força-los a produzir a pérola, o
pensar, que culmina com a Educação, sendo sua excelência expressa no amor mundi – o
amor que incita o responsabilizar-se pelo mundo, pela Educação e pela proteção dos
novos no mundo, como também o inverso.
No intuito de fornecer um olhar, e não mais do que isso, sobre uma prática
conduzida por um professor de ensino fundamental frente o imperativo do amor mundi
foi concebido este trabalho. Esperamos que se espantem ou que fiquem perplexos.
20
3. MATERIAIS E MÉTODOS
3.1 Área de estudo
Delimitou-se a pesquisa em análise de 11 roteiros de aulas de campo,
desenvolvidos com alunos de 6ºs e 7ºs Anos do Ensino Fundamental II devido à
pertinência dos objetos de estudo dos mesmos com as Ciências Ambientais e com a
proposta curricular para o ensino de Ciências Naturais apresentada pelos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCNs) que prevê o desenvolvimento do conhecimento em função
de sua importância social, possibilitando uma compreensão do mundo que permita obter
e organizar informações, desenvolver sua comunicação, avaliar situações, tomar decisões,
ter atuação positiva e crítica em seu meio social, cabe ressaltar que a importância social
implica necessariamente perceber essa sociedade inserida, interagindo e consciente da
interdependência entre todo e qualquer ser vivo com os fatores físicos do ambiente
visando a sustentabilidade. Por isso a organização do conhecimento em eixos temáticos
como “Vida e Ambiente”, “Ser Humano e Saúde”, “Tecnologia e Sociedade” e “Terra e
Universo”.
3.2 Materiais
Os 11 roteiros foram trabalhados em diversificadas aulas de campo distantes do
ambiente escolar, 6 desses roteiros foram desenvolvidos com alunos dos 6ºs anos e 5
roteiros com alunos dos 7ºs anos dos turnos matutino e vespertino indistintamente durante
o ano de 2015.
3.2.1 Critérios para a escolha dos roteiros
Segundo relato da professora as aulas de campo selecionadas para os 6ºs e 7ºs anos
e seus respectivos roteiros foram organizados como uma das propostas didático
metodológicas bimestrais desenvolvidos pela disciplina Ciências associada a outras
disciplinas cujos conteúdos conceituais abordados fossem pertinentes ao estudo da
realidade do mundo e sua natureza fenomênica.
Os roteiros foram escolhidos por oportunizar o conhecer, o contemplar, o
vivenciar – estimulando o ver, o sentir, o tocar, o ouvir além do dialogar sobre todas as
sensações –, para construírem as próprias percepções sobre os ambientes a que se
21
destinaram as aulas de campo e, principalmente, para construírem o elo entre a postura
de cada ser que coabita esse planeta e suas inferências sobre ele – a conduta, a ação sobre
a parte do mundo que constitui o nicho de cada Ser inferidor, todavia conscientes da
relação solidária que temos com toda e qualquer forma de vida que dele também faz
moradia.
3.2.2 Destinação das Aulas de Campo
Os locais a que se destinaram e o tempo de duração da aula de campo foram
especialmente considerados na elaboração dos roteiros, pois dependendo da distância a
percorrer, a aula poderia ser realizada dentro do período letivo ou ter a duração de até
dois dias.
Nos 6ºs anos as aulas de campo foram realizadas: 1. Na Chapada dos Guimarães
(Anexo 1), a aula teve a duração de um dia, saindo da escola às 6hs e retornando às 19hs.
Durante a aula o ônibus parou em diversos pontos para observações, caminhadas e
demonstrações.
Os pontos disponíveis ao turismo foram visitados. Um tempo era disponibilizado
para o preenchimento de algumas etapas do roteiro e no ponto turístico “Véu de Noiva”
os funcionários do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio) recepcionaram
os alunos com vídeos e palestras sobre o Parque Nacional da Chapada dos Guimarães;
2. No Museu da Caixa D’Água (Anexo 2) a aula utilizou 3 horas-aulas de 50
minuto. Uma monitora recepcionava os alunos explicando e demonstrando como
funcionou o primeiro reservatório de água de Cuiabá, apresentando todos os objetos
preservados utilizados para captação, utilização e distribuição da água, além de expor os
motivos da sua desativação. Os alunos tiveram oportunidade de contemplar outras
exposições que ocorriam no local concomitantemente;
3. No Aterro Sanitário (Anexo 3) a aula teve a duração de um período letivo, foi
possível observar todas as etapas de processamento dos resíduos, a chegada dos
caminhões destinados à coleta seletiva e ao aterro sanitário, as lagoas de chorume, as
chaminés de metano em processo de queima, a compactação e o aterramento de todos os
resíduos;
4. Na Estação de Tratamento de Água e Memorial da Água (Anexo 4) a aula teve
a duração de 3 horas-aulas de 50 minutos. Um monitor acompanhou os alunos na
visitação, apresentando cada etapa da purificação da água do Rio Cuiabá, desde a mistura
22
do sulfato de alumínio, floculação, decantação, filtração e mistura de cloro e flúor. Os
alunos tiveram a oportunidade de visitar o Laboratório Físico Químico onde a água é
testada em sua pureza e acidez antes de ser distribuída para a população;
5. No Museu de Pré-História Dom Aquino (Anexo 5) a aula utilizou 3 horas-aulas
de 50 minutos. Um monitor acompanhou os alunos, expondo o acervo de cada recinto,
fazendo um paralelo entre os achados pré-históricos e a atualidade, além de contar a
história da casa e das ilustres personalidades que lá já moraram;
6. No Rio Cuiabá (Anexo 6) a aula teve duração de 3 horas-aulas de 50 minutos.
A professora mencionou que os alunos eram conduzidos a diferentes pontos da margem
do rio privilegiando a região de São Gonçalo – comunidade de população ribeirinha que
mantém suas tradições. Todas as inferências foram realizadas pelos professores
responsáveis.
Nos 7ºs anos os roteiros destinaram-se: 1. Ao Parque Zoobotânico (Anexo 7), a aula
utilizou um período letivo. Os alunos foram conduzidos pelos professores e as
explanações realizadas pelos mesmos. Os alunos visitaram o Laboratório de Anatomia
Veterinária localizado no interior do Parque Zoobotânico;
2. Aos Parques Urbanos (Anexo 8), a aula teve a duração de um período letivo
matutino ou vespertino. Os alunos foram conduzidos aos Parques Estaduais Mãe
Bonifácia, Zé Bolo Flô e Massairo Okamura, acompanhados pelos professores que faziam
as explanações pertinentes ao bioma característico, a flora e fauna das localidades;
3. A Vila Bela da Santíssima Trindade (Anexo 9), a aula foi realizada em dois
dias, saindo da escola às 6hs do primeiro dia e retornando às 19hs do dia seguinte. Após
o almoço do primeiro dia foram feitas visitações na região histórica da cidade e nas
cachoeiras próximas a cidade. Na manhã do segundo dia foi visitada a comunidade dos
índios Chiquitanos;
4. A Usina de Manso (Anexo 10), a aula teve a duração de um dia, saindo da escola
às 6hs e retornando às 19hs. Os alunos foram recepcionados por monitores que os
conduziram a um auditório onde uma palestra foi proferida e um vídeo sobre a construção
da usina e o seu funcionamento foi apresentado aos alunos, em seguida uma visita
direcionada foi realizada com explicações das etapas de transformação da energia
hidráulica em energia elétrica, até os transformadores que distribuem energia elétrica para
as residências;
5. Ao Pantanal Matogrossense (Anexo 11), a aula foi organizada em um dia,
saindo da escola às 6hs e retornando às 19hs. Durante o percurso da Transpantaneira o
23
ônibus parou em diversos pontos para observações e explanações. Na pousada os alunos
realizaram um passeio de tratem (caminhonete adaptada com bancos na carroceria para a
condução de várias pessoas), realizaram uma caminhada na trilha pelo interior de um
capão, além da oportunidade de contemplarem a planície pantaneira através de um
observatório de 15 metros de altura. Conheceram o cavalo pantaneiro e participaram de
um passeio de barco observando a fauna e a flora da região.
3.3 Métodos
A referida escola não utilizava material didático apostilado, deixando na
responsabilidade do professor adotar o livro didático mais apropriado para cada ano, o
que conferia maior flexibilidade nas definições dos conteúdos conceituais a serem
considerados na grade curricular e abordados em cada bimestre, consequentemente maior
liberdade na escolha da metodologia a ser utilizada. As aulas de campo foram momentos
de culminância de propostas didático-metodológicas multidisciplinares (Anexo 12) que
eram desenvolvidas a partir de sensibilização com vídeos e músicas, leituras de notícias,
reportagens e artigos pertinentes e aulas no laboratório de informática.
Foi relatado que os roteiros eram trabalhados antecipadamente em sala através de
slides (Anexo 13), leitura e discussão de cada questionamento e atividade proposta. Após
as aulas de campo, as informações obtidas eram socializadas e as dúvidas sanadas em
sala. Um prazo era estipulado para a entrega dos roteiros devidamente preenchidos.
Os dados obtidos em cada um dos 11 roteiros foram agrupados e organizados
sequencialmente, constituindo uma matriz com 86 Unidades Conceituais Elementares
(UCE), cada UCE consistiu em um conjunto de questionamentos ou atividades similares
solicitadas, cujo critério utilizado para agrupa-los foi a similaridade dos objetivos
identificados. Cada UCE foi analisada sob a perspectiva de 3 categorias: “Currículo”,
“Práticas” e “Vida do Espírito”.
A categoria Currículo foi subdividida em três variáveis, a saber “Conteúdo
Conceitual”, “Conteúdo Procedimental” e “Conteúdo Atitudinal”. Coutinho (2007),
menciona que o currículo consiste numa proposta interpretada de múltiplos modos por
alunos e professores, em função disso emerge em contextos e situações específicas.
Os conceitos, os procedimentos e as atitudes foram criteriosamente organizados
em acordo com as proposta metodológica de aulas de campo e as relações que poderiam
ser realizadas entre os assuntos teorizados em sala.
24
Para a categoria “Prática” foram identificadas as variáveis “Instrumental”,
“Analisar e “Vivência”.
A categoria “Vida do Espírito”, refere-se a uma monumental obra de Hannah
Arendt, onde a autora agrupou três abordagens sobre o homem, a saber, “O Pensar”, “O
Agir” e “O Julgar”. Destas, fundamentou essa pesquisa “O Pensar”, com diversas
reflexões e percepções a respeito da realidade do mundo e sua natureza fenomênica, com
especial atenção ao “Pensar”, ao “Espanto”, ao “Agir” e ao “Amor Mundi”, motivo pelo
qual essas, foram eleitas as variáveis dessa categoria.
Em cada UCE, para todas as 10 variáveis especificadas da Tabela 1 foi solicitado
a dois avaliadores que ponderassem quanto a respectiva presença (valor 1), ausência
(valor 0) e indecisão (valor 0,5), conforme Anexo 14. O grau de concordância entre eles
foi avaliado pelo Kappa de Cohen a um nível de significância de 5%.
A matriz validada foi submetida a uma análise de cluster hierárquico, empregando
a regra de ligação de Ward com a medida de similitude o grau de concordância (HAIR et
al, 2015). Todos os procedimentos estatísticos foram computados utilizando-se um
interpretador da linguagem R, versão 3.4.2.
25
4. ANÁLISE DOS RESULTADOS
Foram analisados 11 roteiros de aulas de campo a partir dos questionamentos e
atividades propostas por uma professora – não foram analisadas as respostas dadas pelos
alunos –, sendo 6 roteiros trabalhados com alunos de 6° Ano e 5 roteiros com alunos de
7° Ano do Ensino Fundamental II.
Não obstante todos foram classificados conjuntamente, pois os critérios foram
uniformemente analisados. Os dados obtidos dos 11 roteiros foram organizados em uma
matriz com 86 UCE por 3 categorias subdivididas em 10 variáveis (referidas na tabela 1).
Em cada UCE, para todas as variáveis, foi indicada a respectiva presença (valor 1),
ausência (valor 0) e indecisão (valor 0,5), por dois indivíduos de forma independente e os
resultados utilizados para a análise. A matriz assim construída foi submetida a uma
análise cluster hierárquico utilizando-se um interpretador da linguagem R, versão 3.4.2.
Empregou-se a regra de ligação de Ward com a medida de similitude para o grau de
concordância.
Na tabela 1 apresentam-se as variáveis com porcentagem de indicações
“presença” valorado em 1, nos roteiros analisados. A análise da tabela permite verificar
que a variável “Conteúdo Conceitual” obteve indicação consideravelmente maior, 82,5%,
que as demais variáveis que constituem a categoria “Currículo”, evidenciando que mesmo
em contato direto com o ambiente natural estabeleceu-se relações entre o que se
contemplou e as representações conceituais que permitem organizar a realidade
observada.
Segundo relato da professora que elaborou os roteiros, os trabalhou nas aulas de
campo e relatou suas experiências, a contemplação e a escuta ativa foram exigidas como
conduta predominante durante todas as aulas de campo, o que corrobora com as
indicações obtidas para “Conteúdo Procedimental”, 11,6% e “Conteúdo Atitudinal”,
8,1%.
Exíguas atividades foram analisadas indicando a presença (valor 1) aos critérios
que visavam estimular e ou solicitar procedimentos e atitudes específicos durante as aulas
de campo, contudo a contemplação, a compreensão da inter-relação que se estabelece
entre a conduta individual e a natureza fenomênica, potencializam a construção de novos
significados e a partir disso um novo agir.
26
Tabela 1: Categorias e variáveis analisadas nas 86 Unidades Conceituais Elementares e
suas respectivas conceituações e indicações.
A categoria “Prática” apresentou variáveis que foram exploradas com maior
frequência, tendo a prática “Instrumental” 86% de indicações, ratificando a
predominância de conceitos, a prática “Analisar” 80,2%, na qual se exige atenção para
contemplar e compreender a realidade aparente e a prática “Vivenciar” com 31,3%
diferenciando-se da atitude e do proceder no que diz respeito a interação com o ambiente
Categorias Variáveis Conceituações Indicações (%)
Currículo Conteúdo
Conceitual
Referem-se à construção ativa de capacidades intelectuais para operar
símbolos, imagens, ideias e representações que permitam organizar as
realidades.
82,5
Conteúdo
Procedimental
Referem-se ao fazer com que os alunos construam instrumentos para
analisar, por si mesmos, os resultados que obtém e os processos que
colocam em ação para atingir as metas que se propõem.
11,6
Conteúdo
Atitudinal
Referem-se à formação de atitudes e valores em relação à informação
recebida, visando a intervenção do aluno em sua realidade.
8,1
Prática Instrumental Referem-se a conceitos/definições/localizações de um assunto
determinado.
86
Analisar Examinar com atenção buscando a compreensão. 80,2
Vivenciar Interagir com o ambiente natural, contemplar, ouvir, tatear, cheirar e
se possível degustar. Promover a aproximação daquele que vive no
mundo, mas não se sente parte dele.
31,3
Vida do
Espírito
Pensar Refere-se a capacidade de isolar-se do mundo aparente e a partir dos
objetos que desrealiza desse mundo, refletir sobre o significado das
coisas e perceber que os nossos atos dizem respeito ao mundo e às
pessoas que nele cohabitam.
96,5
Espanto Refere-se a capacidade de nos surpreendermos com algo que permite
percebermo-nos cônscios de nossa ignorância e simultaneamente nos
faz admirar o que possa ser visto no mundo.
26,7
Agir Provocar algum tipo de comportamento, efeito e reação. Instigar o
exercício de alguma conduta que permita a sustentabilidade da Terra.
3,4
Amor Mundi Refere-se à coragem de "assumirmos a responsabilidade por nosso
mundo e, com tal gesto, salvá-lo da ruína que seria inevitável não
fosse a renovação e a vinda dos novos e dos jovens. A educação é,
também, onde decidimos se amamos as nossas crianças o bastante
para não expulsá-las do nosso mundo e abandoná-las a seus próprios
recursos, e tão pouco arrancar de suas mãos a oportunidade de
empreender alguma coisa nova e imprevista para nós, preparando-as
em vez disso com antecedência para a tarefa de renovar um mundo
comum."
69,7
27
natural, promovendo a aproximação da criança, do jovem, do aluno que vive no mundo,
mas não se percebe ou se sente parte dele. Relatos da professora esclareceram que apesar
da demonstração de euforia em participar das aulas de campo pelos alunos, uma
dificuldade em aceitar as condições climáticas, a exposição ao sol e o caminhar sobre o
solo superando os obstáculos impostos pela natureza causavam desconforto na grande
maioria dos alunos.
Na categoria “Vida do Espírito” na qual se estabeleceu uma relação de
pertencimento conceitual – ou o sentimento de pertencimento conceitual, visto aqui como
a crença subjetiva numa origem comum que une distintos conceitos e fazeres –, no qual
foi analisado o quanto os questionamentos e as atividades propostas potencializavam o
“Pensar”, o “Espanto” e o “Agir”, designadas como variáveis dessa categoria.
Houveram 96,5% de indicações para o “Pensar”, apontando que os
questionamentos e as atividades propostas potencializaram a contemplação, a reflexão, o
pensar o mundo sob a perspectiva da ação antrópica e suas consequências na
sustentabilidade, em contrapartida com 3,4% para o “Agir”, ficando o “Espanto” com
26,7%, caracterizando um real desafio a ação pedagógica o transmitir e ou estimular a
perplexidade num momento histórico onde a distância que nos separa de toda e qualquer
informação ao redor do mundo é transposta em frações de segundos, portanto manifesto
a todo momento.
Figura 1: Dendrograma da Análise de Cluster
1
28
A análise dos dados, a partir do dendrograma de cluster, outorgou informações
que possibilitaram o agrupamento das variáveis em 6 clusters que se encontram
devidamente enumerados na Figura 1.
Os 6 agrupamentos identificados distribuem-se em dois macro-clusters: o
primeiro, macro-cluster “Experiênciar” formado pelos clusters 1 e 2; e o segundo, macro-
cluster “Contemplar”, formado pelos clusters 3, 4, 5 e 6. Do arvorecer apresentado na
figura 1, percebe-se as semelhanças entre si dos clusters do primeiro macro-cluster e
condição correspondente entre os clusters do segundo macro-cluster.
O macro-cluster Experienciar agrupou variáveis de diferentes categorias, todavia
são similares no que diz respeito à conduta do aluno diante da natureza e da realidade do
mundo. O cluster 1 associou as variáveis “Conteúdo Atitudinal” e “Prática Vivencial”,
que foram indicadas conjuntamente em diversas situações como na UCE 48, agrupadas
no roteiro referente a aula de campo ao Rio Cuiabá na qual reflexões sobre atitudes em
diversas esferas da sociedade estavam muito próxima da realidade vivenciada: “É
possível visualizar situações onde se identifica a degradação do rio? Argumente.
Na sua opinião, quais ações antrópicas mais comprometem a sobrevivência do
rio?”. São muitas as vias de acesso que percorrem as margens do Rio Cuiabá e
possibilitam facilmente visualizar os resíduos sólidos depositado, além das vias
condutoras de esgotos a céu aberto que desembocam diretamente no rio.
A sensação de realidade proporcionada pelos estímulos aos sentidos é inevitável
o que, segundo relato da professora, desencadeou interessante diálogo sobre o destino dos
resíduos que são lançados na rua e sua relação com enchentes quando obstruem a
passagem da água nos bueiros ao longo do calçamento das ruas, situações essas
diretamente relacionada às atitudes e a vivência de cada cidadão, que por sua vez são
rotineiramente observadas.
A atitude e a vivência são critérios subjetivos que poucas situações em sala de
aula possibilitam experienciar, o inverso pode-se afirmar nas aulas de campo, pois
permitem certa liberdade de escolha, com menos normas e padrões comportamentais a
seguir, além da interação entre os alunos e destes com o professor.
O cluster 2 associou as variáveis “Conteúdo Procedimental” e o “Agir”,
evidenciados em UCEs que exigiram elencar comportamentos que deveriam ser adotados
cotidianamente por todos os cidadãos, independentemente da idade, que contribuíssem
com a proposta de ação sustentável e com uma sociedade mais solidária e fraterna, como
por exemplo a UCE 30, oriunda do roteiro referente a aula de campo ao Aterro Sanitário,
29
onde se questionou “ De que forma você em sua residência e a população cuiabana
poderia cooperar com esses trabalhadores?”.
Os trabalhadores mencionados, referem-se aos cidadãos que estão em contato
direto com os resíduos secos e orgânicos conduzidos pelos caminhões de lixo que, para
sobreviverem, separam todos os materiais recicláveis e efetuam a venda dos mesmos.
Segundo relato da professora, a observação dessa atividade pelos alunos causou forte
impressão, desde o odor exalado à cena dos trabalhadores rasgando os saquinhos repletos
de resíduos que os próprios alunos colocam nas lixeiras em suas residências.
Alguns alunos mencionaram o quanto estavam surpresos em saber que os
materiais que descartavam como lixo originavam renda para muitas famílias. Muitos
questionamentos quanto a gestão de resíduos pelo município foram levantadas.
A professora mencionou que essa mesma proposta didática realizada em anos
anteriores levou a um projeto no qual os alunos adquiriram diversos cestos de lixo para
coleta seletiva de resíduos na escola.
O macro-cluster Contemplar agrupou o cluster 3 de forma individualizada, porém
associadas aos clusters 4, 5 e 6. O cluster 3 refere-se ao “Espanto”, variável intimamente
relacionada a uma nova compreensão da natureza fenomênica e da realidade do mundo,
onde percebe-se que é possível dimensionar o que não se conhece ou os conceitos
construídos e consolidados, porém equivocados.
O dendrograma nos aponta que a medida de similitude para o grau de
concordância entre a variável “Espanto” (cluster 3) e as variáveis “Conteúdo Atitudinal”
e “Prática Vivencial” (cluster 1), “Conteúdo Procedimental” e “Agir” (cluster 2), são
altamente concorrentes devido a proximidade de ambos a valoração 1. Não há forte
correlação e ou relação de interdependência entre as atividades proposta nos roteiros que
exigem atitudes, procedimentos, vivência e que estimulem o agir com provocar espanto
– a perplexidade perante a consciência do que não se conhece e a admiração diante do
novo ou de novas percepções da realidade aparente.
O “Espanto” apresentou correlação com as variáveis “Analisar” e “Pensar”
(cluster 4), “Amor mundi” (cluster 5) e “Conteúdo Conceitual” e “Prática Instrumental”
(cluster 6). A UCE 35 referente a aula de campo a Estação de Tratamento de Água (ETA)
em seus questionamentos evidenciou essa correlação, “Uma parcela considerável da
população cuiabana não tem acesso à água potável.
30
Reflita sobre o que inviabiliza esse acesso e como poderíamos solucionar esse
problema. O poder público na figura dos nossos governantes são responsáveis pelo
saneamento básico e fornecimento de água potável para a população. Na sua opinião
poderíamos afirmar que a população possui alguma responsabilidade sobre esse
benefício? Argumente”.
Relatos da professora apontam o espanto dos alunos ao descobrirem que uma
porcentagem considerável da água tratada na ETA não chega as residências potável, em
consequência dos desvios realizados pela população, prejudicando o fornecimento e
contaminando a água, além da falta de investimento do poder público em saneamento
básico. Esses questionamentos fomentaram discussão sobre a necessidade da população
fiscalizar os serviços públicos e contribuir para que os serviços prestados não sejam
inviabilizados por condutas inadequadas.
O cluster 4 correlacionou fortemente as variáveis “Analisar” e o “Pensar”,
valorado em 0.1, apontando uma medida de similitude com alto grau de concordância.
Analisar e pensar envolveram questionamentos que exigiram exame atencioso, buscando
compreender e refletir sobre o significado do que aparece no mundo e a percepção de que
os nossos atos podem comprometer a existência do que há nesse mesmo mundo. Diversas
UCEs foram indicadas com “Presença” para essas variáveis, dentre elas a 74, referente a
aula de campo ao Pantanal na qual se questionou:
“Quais os principais problemas ambientais causados pela garimpagem? Quais as
maiores áreas degradadas pelo garimpo em Mato Grosso? É possível recuperar uma área
degradada pelo garimpo? De que forma? Em quanto tempo? [...] Qual é a área de extensão
degradada pelo garimpo? Desde quando ocorre a recuperação do local degradado? Vai
ser possível recuperar todo o local? Quais esforços devem ser empregados para recuperar
esse local? Quem financia a recuperação desse garimpo”?
Essa aula de campo possibilitou aos alunos visitarem um garimpo em recuperação
dentro do perímetro urbano do município de Poconé. Muitos alunos demonstraram
apreensão com as escavações realizadas para remover a terra e lavá-la recorrentemente
para extração de mineral tornando-a improdutiva. A extensão das escavações e os montes
de terra alterando a paisagem da região despertaram o interesse e vários questionamentos.
Despertou atenção na professora o questionamento de um aluno que demonstrou revolta
com a população do município que aceitava passivamente a garimpagem próxima às suas
residências, contaminando e comprometendo a saúde de cada cidadão.
31
O cluster 5, “Amor mundi”, apontou uma medida de similitude com alto grau de
concordância com o cluster 4 e 6, valorado em 0.1. Essa variável foi analisada com
relação ao encorajamento proporcionado pelo pensar e analisar as ações humanas frente
a premente urgência em se cuidar e responsabilizar por esse planeta que nos conduziu a
evolução e que sustenta toda e qualquer manifestação de vida.
Arendt (2008), menciona que a educação é o ponto em que decidimos se amamos
o mundo o bastante para assumirmos a responsabilidade por ele e, com tal gesto, salvá-lo
da ruína que seria inevitável não fosse a renovação e a vinda dos novos e dos jovens. A
educação dos novos e dos jovens fundamental como aporte para assumirmos o amor
mundi e a responsabilidade pela sobrevivência do que é imprescindível preservar para o
futuro.
Em diversos questionamentos nos roteiros foi possível verificar a indicação
“presença” entre as variáveis dos clusters 4, 5 e 6, como na UCE 65, referente a aula de
campo aos Parques Urbanos, a saber, “A preservação dessas pequenas área verdes na zona
urbana contribuem para a sustentabilidade do planeta? Justifique”.
A professora mencionou que esse questionamento oportunizou pensar, discutir e
analisar a necessidade de associar preservação ambiental com planejamento
arquitetônico, a influência dessas áreas verdes no clima, temperatura, umidade relativa do
ar, sem mencionar no banco genético de biodiversidade preservados nesses ambientes.
O cluster 6 correlacionou fortemente as variáveis “Conteúdo Conceitual” e a
“Prática Instrumental”, valorado em 0.2, apontando uma medida de similitude com alto
grau de concordância. Os conceitos e a prática instrumental contribuem com a construção
do arcabouço cognitivo que, por sua vez possibilitam operar símbolos, imagens, ideias e
representações que permitem organizar as informações que constroem as diversas
percepções de realidade.
Os conteúdos conceituais e a prática instrumental envolveram o maior percentual
de atividades e questionamentos propostos nos roteiros. Como um dos exemplos temos a
UCE 52, referente a aula da campo ao Parque Zoobotânico, onde a atividade proposta foi:
“Registre um representante de cada classe de vertebrados durante a visita ao Zoológico.
Classe dos Peixes: [espaço em branco]; Classe dos Répteis:; Classe dos Anfíbios: ; Classe
das Aves: ; Classe dos Mamíferos: . Escolha um dos representantes supracitados e elabore
um relatório mencionando os seguintes itens: Nome do animal (popular e científico).
Que classe esse animal pertence? Como é o seu habitat natural? Descreva o recinto
no zoológico onde esse animal se encontra. Em quais Estados podemos encontrar esse
32
representante? A qual(ais) bioma(s) ele pertence? Como é revestido o seu corpo? Como
é sua alimentação? Como ele se reproduz? Como se locomove? Como ocorre a sua
respiração? É homeotérmico ou heterotérmico? Qual seu país de origem? Se houver
informações sobre, relate o motivo que levou o animal a ficar no ZOO”.
Questionamentos dessa abrangência contribuem para serem trabalhados conceitos
de classificação e taxonomia, nomenclatura científica, ecossistema, nicho ecológico,
características dos seres vivos, relações ecológicas entre outros. Conceitos que permitirão
a interconexão de redes neuronais que ampliarão a concepção de inter-relação e
interdependência na natureza. A UCE 72, referente a aula de campo a Vila Bela da
Santíssima Trindade, também contribuiu para a formação do cluster 6 que propôs
“Elabore um relatório, com sua visão crítica* e argumentativa, sobre a visita realizada à
comunidade indígena Chiquitanos.
O relatório deverá ser manuscrito e ter no máximo duas páginas,
aproximadamente 60 linhas. Itens a serem considerados: Tradições; Artesanatos;
Alimentação; Educação; Música; Matrimônio; Relação com o meio ambiente; Relação
com os povos civilizados; Relação com a tecnologia. *Crítica segundo o dicionário
Aurélio: O termo "crítica" deriva do termo grego kritike, significando "a arte de
discernir", ou seja, o fato de discernir o valor das pessoas ou das coisas.
Análise sistemática das condições e consequências de um conceito; significa a
teoria, a disciplina ou uma aproximação e uma tentativa de compreender os limites e a
validade de um conceito.” A atividade proposta contribui para a elaboração de um
instrumento que exige uma pesquisa prévia para obtenção de dados e a habilidade de
concatenar as informações obtidas de forma coesa e coerente, além de exigir a análise das
observações realizadas no ambiente visitado. As variáveis “Conteúdo Conceitual” e
“Prática Instrumental”, nas indicações de “presença”, foram correlacionadas em 95,9 %
das análises, ratificando o alto grau de concordância.
A análise de cluster hierárquico possibilitou a constatação de que aulas de campo
são práticas metodológicas que potencializam: a análise e o pensar sobre as inúmeras
percepções que o estar no mundo proporcionam, facilitando a compreensão do elo que
existe entre o Ser, o fazer, o conviver, o aprender com as respostas dadas pelo mundo às
inferências sofridas; o conhecer, apropriando-se de conceitos que permitem o
entendimento dos fenômenos da natureza e o discernimento das posturas apropriadas ou
não a contribuir com a permanência da vida de todas as formas possíveis a ela se
manifestar; e em especial, o amor mundi, o amor que torna cada indivíduo – na sua
33
singularidade, apesar da pluralidade que o cinge –, responsável pelo mundo que o acolhe
e o provê. Essa responsabilidade, não como obrigação – consentimento da razão –, mas
como resignação – consentimento do coração – encerra em si a necessidade imprescritível
de se assumir a Educação dos novos, dos jovens, “preparando-os com antecedência para
a tarefa de renovar um mundo comum” (ARENDT, 2008).
34
5. CONCLUSÃO
A análise das 86 UCE, permitiu verificar que na categoria “Curriculum” houve
82,5% de indicações de presença para a variável “Conteúdo Conceitual”, 11,6% de
“Conteúdo Procedimental” e 8,1% de “Conteúdo Atitudinal”, evidenciando que dentre os
questionamentos e atividades propostas prevalece as que referem-se à construção ativa de
capacidades intelectuais para operar símbolos, imagens, ideias e representações que
permitam organizar as realidades.
Na categoria “Prática” houve 86% de indicações de presença para a variável
“Instrumental”, 80,2% para a variável “Analisar” e 31,3% para a variável “Vivenciar”,
evidenciando que os questionamentos e atividades propostas nos roteiros referem-se a
conceitos/definições/localizações de um assunto determinado e possibilitam examinar
com atenção os fenômenos, buscando a compreensão dos fatos observados.
Na categoria “Vida do Espírito” houve 96,5% de indicações de presença para a
variável “Pensar”, 26,7% para a variável “Espanto”, 3,4 % para a variável “Agir” e 69,7%
para a variável “Amor Mundi”, evidenciando que os questionamentos e atividades
propostas nos roteiros prevalece as que referem-se a capacidade de isolar-se do mundo
aparente e a partir dos objetos que desrealiza desse mundo, refletir sobre o significado
das coisas e perceber que os nossos atos dizem respeito ao mundo e às pessoas que nele
coabitam e também as que despertam à coragem de assumirmos a responsabilidade por
nosso mundo.
O dendrograma de cluster nos apontou que a medida de similitude para o grau de
concordância entre a variável “Espanto” (cluster 3) e as variáveis “Conteúdo Atitudinal”
e “Prática Vivencial” (cluster 1), “Conteúdo Procedimental” e “Agir” (cluster 2), são
altamente concorrentes devido à proximidade de ambos a valoração 1.
Não há forte correlação e ou relação de interdependência entre as atividades
proposta nos roteiros que exigem atitudes, procedimentos, vivência e que estimulem o
agir com provocar espanto. O “Espanto” apresentou correlação com as variáveis
“Analisar” e “Pensar” (cluster 4), “Amor mundi” (cluster 5) e “Conteúdo Conceitual” e
“Prática Instrumental” (cluster 6).
O cluster 4 correlacionou fortemente as variáveis “Analisar” e o “Pensar”,
valorado em 0.1, apontando uma medida de similitude com alto grau de concordância. O
cluster 5, “Amor mundi”, apontou uma medida de similitude com alto grau de
35
concordância com o cluster 4 e 6, valorado em 0.1. O cluster 6 correlacionou fortemente
as variáveis “Conteúdo Conceitual” e a “Prática Instrumental”, valorado em 0.2,
apontando uma medida de similitude com alto grau de concordância.
A análise de cluster hierárquico possibilitou a constatação de que aulas de campo
são práticas metodológicas que potencializam: a análise e o pensar sobre as inúmeras
percepções que o estar no mundo proporcionam, facilitando a compreensão do elo que
existe entre o Ser, o fazer, o conviver, o aprender com as respostas dadas pelo mundo às
inferências sofridas; o conhecer, apropriando-se de conceitos que permitem o
entendimento dos fenômenos da natureza e o discernimento das posturas apropriadas ou
não a contribuir com a permanência da vida de todas as formas possíveis a ela se
manifestar; e em especial, o amor mundi, o amor que torna cada indivíduo responsável
pelo mundo que o acolhe e o provê.
36
6. BIBLIOGRAFIAS
6.1 Bibliografias citadas
ARENDT, Hannna. A vida do espírito: o Pensar, o Querer, o Julgar. Tradução de
Antonio Abranches, César Augusto R. de Almeida, Helena Martins. Rio de Janeiro:
Relume-Dumará, 2008.
_____. A crise na educação. In: Entre o passado e o futuro. Tradução Mauro W. Barbosa
de Almeida. 3ª reimpressão da 5ª ed. de 2000. São Paulo: Perspectiva, 2005.
BARROSO, João. O reforço da autonomia das escolas e a flexibilização da gestão
escolar em Portugal. In: FERREIRA, Naura C. (Org.). Gestão democrática da educação:
atuais tendências, novos desafios. São Paulo: Cortez, 2001.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros
curriculares nacionais: introdução aos parâmetros curriculares nacionais. Brasília:
MEC/SEF, 1997.
COUTINHO, Clara Pereira. Tecnologia educativa e currículo: caminhos que se
cruzam ou se bifurcam? Revista Teias, v. 8, n. 15-16, jan./dez., 2007. Disponível em:
http://www.revistateias.proped.pro.br/index.php/revistateias/article/view/176/174.
Acesso em: 27 de novembro de 2017.
HAIR, J. F., Jr., BABIN, B., MONEY, A. H., & SAMOUEL, P. Fundamentos de
métodos de pesquisa em administração (L. B. Ribeiro, Trad.). Porto Alegre: The
Bookman. 471 p. Título original: Essentials of Business Research Methods. 2005.
MOREIRA, M. A. Teorias de aprendizagem. São Paulo: EPU, 1999.
37
6.2 Bibliografias consultadas
ARENDT, H. A condição humana. Tradução de Roberto Raposo. 10. ed. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 1989.
_____. Origens do Totalitarismo: anti-semitismo, imperialismo e totalitarismo.
Tradução Roberto Raposo. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
_____. Homens em tempos sombrios. Tradução Denise Bottmann. São Paulo:
Companhia das Letras, 1987.
_____. Eichmann em Jerusalém. Um relato sobre a banalidade do mal. Tradução José
Rubens Siqueira. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
MATURANA, H. R.; VARELA, F. A árvore do conhecimento: as bases biológicas da
compreensão humana. Campinas, SP: Palas Athena, 1995.
MOSCOVICI, Serge. Natureza: para pensar a ecologia. Rio de Janeiro: Mauad
X/Instituto Gaia, 2007.