O Escravo e a Resistência- Simposio

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O Escravo e a Resistência: debates historiográficos sobre a escravidão brasileira e a chacina dos Junqueiras (1833) Wesley Souza Costa Graduando de História da Universidade Federal Viçosa [email protected] O presente trabalho pretende analisar a historiografia brasileira no que tange ao escravo no Brasil imperial, em suas adaptações e acomodações ao sistema escravocrata, suas revoltas organizadas ou não, suas resistências, suas relações com o senhor, desde o apego às amarras paternalistas até a criminalidade presente nestes laços. Este debate historiográfico terá como fonte de análise o processo-crime referente à chacina da tradicional família Junqueira, na Freguesia de Carrancas, em Minas Gerais. Através disso, analisaremos este acontecimento ocorrido na primeira metade do século XIX, muito bem apresentado por Marcos Ferreira de Andrade, demonstrando a importância de uma análise crítica sobre interpretações hoje tão em voga sobre as relações escravistas. Denúncia. Essa é a palavra chave para a historiografia que emerge nas décadas de 1960/70. A dita escola paulista, disposta a questionar os trabalhos anteriores sobre a brandura da escravidão, principalmente na obra de Gilberto Freyre, inserem-se nessa discussão tentando apontar a imobilidade dos escravos diante do sistema, o preconceito entre as raças e a extrema violência do sistema escravista, sendo que o direito do senhor fundamentado na violência

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O Escravo e a Resistência: debates historiográficos sobre a escravidão brasileira e a chacina dos Junqueiras (1833)

Wesley Souza CostaGraduando de História da Universidade Federal Viçosa

[email protected]

O presente trabalho pretende analisar a historiografia brasileira no que tange ao

escravo no Brasil imperial, em suas adaptações e acomodações ao sistema escravocrata,

suas revoltas organizadas ou não, suas resistências, suas relações com o senhor, desde o

apego às amarras paternalistas até a criminalidade presente nestes laços. Este debate

historiográfico terá como fonte de análise o processo-crime referente à chacina da

tradicional família Junqueira, na Freguesia de Carrancas, em Minas Gerais. Através

disso, analisaremos este acontecimento ocorrido na primeira metade do século XIX,

muito bem apresentado por Marcos Ferreira de Andrade, demonstrando a importância

de uma análise crítica sobre interpretações hoje tão em voga sobre as relações

escravistas.

Denúncia. Essa é a palavra chave para a historiografia que emerge nas décadas

de 1960/70. A dita escola paulista, disposta a questionar os trabalhos anteriores sobre a

brandura da escravidão, principalmente na obra de Gilberto Freyre, inserem-se nessa

discussão tentando apontar a imobilidade dos escravos diante do sistema, o preconceito

entre as raças e a extrema violência do sistema escravista, sendo que o direito do senhor

fundamentado na violência necessitava da violência para se manter1. Tais autores, em

sua maioria estudiosos da dita escola paulista, estão escrevendo, segundo Diana Berman

Correa Pinto em sua dissertação sobre as duas correntes historiográficas que serão

discutidas nesse trabalho, em um contexto de ditadura no Brasil onde os canais de

comunicação política com as classes exploradas estão fechados pela repressão. Além

disso, se vivia um intenso momento de industrialização apoiado pelo capital norte-

americano, ficando assim em pauta a dependência nacional do capital estrangeiro.2 Em

1 COSTA, Emília Viotti da. Introdução ao estudo da emancipação política do Brasil. In: Da Monarquia à República: Momentos Decisivos. 3ª. Ed; São Paulo: Brasiliense, 1986, p. 148.

2 PINTO, Diana Berman Corrêa, A produção do novo e do velho na historiografia brasileira, debates sobre a escravidão, 2003. Dissertação ( Mestrado em História). Departamento de História do Centro de Ciências Sociais, PUC - Rio, 2003, p. 35.

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tal momento se tornou essencial colocar em cheque questões como a independência do

Brasil, a brandura do sistema escravista e a abolição da escravidão.

O pensamento da historiografia do 60/70 traz o estruturalismo engendrado como

marca. Sendo assim, os sujeitos envolvidos nos processos históricos estão submetidos a

estruturas que se modificando, somente ai, dão vazão a mudanças sociais. Apesar de

criticarem o positivismo, tais autores ainda estão vinculados a uma verdade e realidade

histórica que estão inseridas nas fortes estruturas.

As criticas que serão encaminhadas a este tipo de historiografia se respalda na

idéia de que essa forma totalizante de se fazer história torna-a incapaz de entender os

sujeitos históricos envolvidos nos processos. O importante era atentar-se para o papel

que o escravo desempenhava no sistema, ignorando as particularidades do seu cotidiano

e de suas experiências individuais.

Se denominando como inovação historiográfica e rotulando os autores anteriores

como velhos, a historiografia dos 80 está produzindo em um momento de abertura

democrática no país. Há também em ascensão diversos grupos de movimentos sociais,

como o movimento negro. Esses autores adotam o ponto de vista de um desses grupos

sociais, identificam-se com eles e produzem sua história voltada para a forma de se

viver e experimentar a desigualdade, principalmente o preconceito racial.3

Assim, todos esses autores tinham por comum compromisso, resgatar o sujeito

escravo na história, sujeito esse abandonado pela historiografia precedente, segundo os

revisionistas. No meio da totalidade do sistema escravista, era preciso enxergar o

movimento do escravo, suas possibilidades de resistência, suas formas de acomodações

ao sistema, suas expressões culturais próprias, suas negociações com os senhores, sua

criminalidade, dessa vez associada ao pessoal do escravo.

Na revisão que vem realizando a historiografia, vemos que a partir de

premissas deste tipo é impossível afirmar que, enfatizando os limites

estabelecidos pela dominação, os historiadores precedentes não perceberiam

os espaços de ação dos escravos, quer os espaços de negociação com seus

proprietários, direta ou mediada pela justiça, quer o de criação de uma cultura

própria, de festas, jogos, cultos, etc. Dessa maneira, esta história não

conseguiria alcançar os aspectos subjetivos e particulares daquela realidade,

3 PINTO, Diana Berman Corrêa, A produção do novo e do velho na historiografia brasileira, debates sobre a escravidão, 2003. Dissertação ( Mestrado em História). Departamento de História do Centro de Ciências Sociais, PUC - Rio, 2003. p. 103.

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nem as redes de solidariedade que se estabeleceriam tanto horizontal quanto

verticalmente; enfim, não perceberiam o escravo como agente do processo

histórico.4

No entanto, apesar da importância dada a essa forma de se entender a história e

do seu inquestionável acréscimo para o conhecimento histórico, essa corrente não ficou

isenta de críticas.

Dos críticos a essa perspectiva histórica, Jacob Gorender foi quem emitiu as

mais ácidas perspectivas. Apesar de assumir a inquestionável importância dessa dita

nova história, o jornalista em seu livro “A Escravidão Reabilitada” 5 não poupa críticas

e provocações para a forma, segundo ele, que essa historiografia tende a endossar os

discursos da brandura da escravidão brasileira, afirmando que há uma retomada de

Freyre nessas idéias tão famosas nos dias atuais. Gorender se posicionará contra, o que

para ele é uma retomada da idéia da democracia racial, questionada pela corrente

historiográfica da dita escola paulista, e principalmente da escravidão “contratual”,

enunciada por alguns autores do pós-80, que tende a assumir uma margem de

negociação vigente entre senhor e escravo e uma superação da consciência do último

perante o regime escravocrata.

Gorender critica a forma com que a dita nova historiografia brasileira sai em

defesa da subjetividade do escravo. Ao utilizarem os conceitos de resistência e

acomodação, realçam a adaptação do escravo no sistema e suas formas de conviver em

paz com a situação que lhes foram impostas.

Mas, se a historiografia brasileira pretensamente nova quis recuperar a

subjetividade autônoma do escravo, não o fez para destacar as reações

anti-sistêmicas, como os levantes, quilombos, atentados e fugas. Ao

contrário, subiram ao primeiro plano as estratégias (sic) cotidianas e

suaves de acomodação do escravo ao sistema escravocrata.

Recuperou-se a subjetividade do escravo para fazê-lo agente

voluntário da reconciliação com o escravo.6

Ao ser dada a ênfase na subjetividade escrava, na capacidade de interpretar o

sistema escravista e sua autonomia de consciência, o escravo teria então o potencial de

4 Ibidem, p.63.5 GORENDER, Jacob, A escravidão reabilitada. 2. Ed. São Paulo: Ática, 1990; 1991.6 Ibidem, p.20.

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negociação com o senhor, explorando aspectos do sistema escravista ou da situação

pessoal do senhor ao qual deviam obediência.7 Se a historiografia precedente tinha por

objetivo denunciar as violências da classe dominante, a “nova” historiografia clama pela

importância de se recuperar o sujeito escravo e confiar no seu potencial político ao invés

de apenas vitimá-lo. A resposta de Gorender é direta: O resultado é o mesmo, a

nulificação da resistência.8 Tal idéia de resistência, estará vinculada fortemente na obra

dos ditos revisionistas, inclusive no trabalho de Marcos Ferreira de Andrade, que muito

bem destacou a revolta de carrancas em sua obra.

Andrade é ligado a corrente historiográfica que tenta resguardar a subjetividade

do escravo. Somando esse fato a sua análise, podemos entender melhor o seu argumento

a cerca da revolta de Carrancas, bem como as suas conseqüências dramáticas.

Para se entender melhor a conjuntura desta análise se faz importante esclarecer

um pouco dessa chacina, exposta em sua obra de mestrado.9

No dia 13 de maio de 1833, oito escravos da fazenda Campo Alegre, pertencente

a Gabriel Francisco Junqueira, um dos membros mais ilustres da família, foi eleito

deputado geral por Minas Gerais em 1831, agraciado como Barão de Alfenas em 184210,

se rebelaram e mataram Gabriel Francisco Andrade Junqueira, filho de Gabriel

Francisco Junqueira. No dia de seu assassinato, ele cuidava da fazenda para o pai.

Quando foi supervisionar o trabalho dos escravos, foi atacado a pauladas. Os

insurgentes tinham por intenção matar todos os membros da família, no entanto,

desistiram por acreditarem que ela fora avisada por um escravo de nome Francisco.

Partiram então para a fazenda Bela Cruz, que se situava nas vizinhas da Campo

Alegre. Lá chegando, encontraram outros escravos que trabalhavam na roça. Relataram

os insurgentes o que aconteceu em Campo Alegre e convidaram os escravos de Bela

Cruz a fazerem o mesmo. Parte da escravatura se dirigiu então à sede da fazenda,

somando agora cerca de 35 escravos, perpetrando o momento mais dramático da

revolta, assassinando todos os brancos que ali residiam.

Reunindo suas forças agora para atacar a fazenda Jardim, foram surpreendidos a

tiros: João Cândido, o proprietário, foi avisado, tendo tempo de armar proteção contra

7 Ibidem, p.26.8 Ibidem, p. 26.9 Cf. ANDRADE, Marcos Ferreira. Rebeldia e Resistência: as revoltas escravas na província de Minas Gerais (1831-1840). 1996. Dissertação (Mestrado em História)- Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1996.

10 Ibidem, p. 174.

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os insurgentes, ao mesmo tempo em que enviou pessoas para pedir ajuda na vizinha.

Aos tiros, os escravos foram dispersos, e por fim, caçados por capitães-do-mato e por

outros reforços. Cinco escravos morreram em combate, sendo os outros, presos em

seguida.

Daqueles que foram mortos, um recebe o destaque. Foi o escravo considerado

líder do motim, Ventura Mina. Considerado um escravo de “gênio empreendedor e

sagaz, era amado e respeitado por todos, fossem eles escravos ou não” 11. Trechos sobre

sua personalidade são freqüentes nos depoimentos dos escravos acusados no processo-

crime, não deixando dúvidas sobre o poder de influência de Ventura.

Além de Ventura, outro homem considerado líder do motim ganha importância:

Francisco Silvério Teixeira, branco, de relativas posses, considerado o aliciador dos

escravos, aquele que teria os seduzido para a insurreição. E quais eram as suas

motivações para tal ato? Consta que Francisco Silvério era Caramuru ou simpático a

causa. No período da insurreição, acontecia a Sedição de Ouro Preto. Francisco, por ser

acusado de se aliar a causa, teria insurgido os escravos para desviar as tropas que iam

combater os caramurus.

E os escravos, o que queriam? No trabalho de Isaias Pascoal, que utiliza o

processo-crime da chacina da família Junqueira, fica bem explícito:

Os depoimentos, tanto dos escravos implicados, quanto dos livres que

serviram como testemunhas, são unânimes em afirmar que desejavam matar

todos os brancos das fazendas Campo Alegre, Bela Cruz, Jardim, Traituba

(...) exterminando as famílias Junqueira, Andrade, Machado e Penha,

poderosas na região. Eles ficariam com as fazendas e seus bens, e, neste

ponto, aparece um elemento muito significativo, dariam o dinheiro para os

Caramurus que lutavam em Ouro Preto e estariam exterminando os brancos

de lá, contrários à libertação dos escravos, segundo a crença dos escravos

envolvidos.12

Sendo assim, começa-se a esclarecer a análise de Marcos Ferreira de Andrade

sobre essa chacina. Ao perceber tal conflito entre escravos e a elite dominante, o autor

interpreta tal crime como uma articulação escrava de extrema organização, devido, para

11 Ibidem, p. 18812 PASCOAL, Isaías, Em carrancas, sujeitos se encontram e se desencontram. FÊNIX, Revista de História e Estudos Culturais, vol. 5, n°4, 2008, p. 5.

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ele, ao sucesso do movimento e as várias fazendas que participaram das

circunstâncias.13

Analisando os participantes do movimento, percebe-se criolos e africanos

superando suas diferenças étnicas para o devido movimento. A elite, representada por

Francisco Silvério Teixeira, teria instrumentalizado-se dos escravos para alcançar seus

planos políticos. Os escravos, por sua vez, percebendo o momento de conflito político

entre as elites, tomam partido e tentam tirar proveito do momento para atingir seus

devidos objetivos. Sendo assim, estaria montado o quadro de análise de Andrade.

Percebe-se o foco completo na capacidade do negro e de sua plena consciência de

entender a realidade do mundo que o cerca e partindo daí, tentar resistir ao sistema

escravista, lutando para atingir a liberdade como o mais devido fim. Quase todos os

depoimentos dos escravos envolvidos afirmam que se insurgiram para ficarem forros.

Marcos Ferreira de Andrade, assim, nega por completo a incapacidade do negro de se

rebelar contra o sistema, se contrapondo a análise de Viotti que afirmava serem

impossíveis movimentos de grandes proporções.14

Apesar da rica análise empregada por Marcos Ferreira, que diz respeito ao

processo de Carrancas, é possível elucidar outras interpretações se utilizando da mesma

fonte com que o autor teceu suas análises. Isaías Pascoal colabora para efetivar outras

perspectivas acerca da chacina ocorrida. Segundo ele:

Na ânsia de salvar, ou melhor, resguardar a subjetividade dos escravos, sua

condição de seres humanos que não são inertes como se fosse o lócus da

síntese dos condicionamentos estruturais, não se pode cair numa

interpretação que acaba por criar uma polarização entre pares de conceitos

que não tem como sustentar em meio à complexidade da vida social, na

medida em que se outorga ao homem que é o escravo uma visão das relações

sociais que lhe é genuinamente própria, como se não estivesse submetido aos

condicionamentos gerais a que todos são afeitos15.

13 ANDRADE, Marcos Ferreira, op. cit. p. 188.14 COSTA, Emília Viotti da. Da Senzala à Colônia. 3°. Ed; s. Paulo: Brasiliense, 1989, p. 257.

15 PASCOAL, Isaías, Em carrancas, sujeitos se encontram e se desencontram. FÊNIX, Revista de História e Estudos Culturais, vol. 5, n°4, 2008, p. 11.

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Além disso, concordando com o que foi explicitado por Pascoal, como os

escravos podiam fazer uma leitura própria da realidade se acreditavam no mito de que

os caramurus queriam ajudá-los a atingir a libertação?

Julião Congo diz que “elles pretos eram forros que os brancos do ouro preto

brigarão por cauza delles, a fim digo deles para o fim de ficarem forros” 16. Antonio

Rezende afirma que “Francisco Silvério havia aconselhado que matassem os brancos

para ficarem forros e partirem o dinheiro entre si” 17. E assim seguem os depoimentos

dos escravos, mostrando que a realidade em que acreditaram era uma realidade própria

de escravo, longe de comungar com as classes dominantes.

Segundo Andrade, o grau de organização da insurreição é revelado pelo número

de escravos envolvidos como cabeças da insurreição e pela articulação entre escravos de

várias fazendas18. Apesar de o autor afirmar essa organização, ao repararmos nos

depoimentos, podemos interpretar o ocorrido de outra forma. Em quase todas as

respostas dos réus, eles demonstram muito mais uma revolta culminada pelo “calor da

hora” do que uma estratégia elaborada.

José Carneiro respondeu que “elle tinha sido chamado pelo preto Ventura para

hirem matar os brancos pelas Fazendas, e ficarem forros” 19. Joaquim Mina, da

fazenda Bella Cruz, perguntado se era autor do delito a qual era acusado, responde que

“chegando o negro Ventura na rossa onde elle se achava feitorando os outros ahi o

convidara para hirem todos a fazenda de Bella Cruz e nas outras afim de matarem os

Brancos e ficarem forros”20. Antonio Retireiro, também da fazenda Bella Cruz, diz que

“Joaquim Mina (...) tinha convidado e seduzido para hirem a fazenda de Bella cruz

matar os brancos e nas outras fazendas e que como o effeito chegando na casa da Bella

cruz elle respondente fora buscar um machado para rombar a porta”21. E ainda José

16 Cf. ANDRADE, Marcos Ferreira. Rebeldia e Resistência: as revoltas escravas na província de Minas Gerais (1831-1840). 1996. Dissertação (Mestrado em História)- Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1996; ANEXO: partes do processo dos junqueiras, assassinatos praticados pelos escravos da freguesia de Carrancas, em treze de maio de 1833, p.223.

17 Ibidem, p. 228.

18 Cf. ANDRADE, Marcos Ferreira. Rebeldia e Resistência: as revoltas escravas na província de Minas Gerais (1831-1840). 1996. Dissertação (Mestrado em História)- Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1996, p. 190.

19ANDRADE, Marcos Ferreira, ANEXO, op. cit. p.226.

20 Ibidem, p. 229.21 Ibidem, p.230.

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Muhumbe Benguela, que afirma que “aquillo era mal feito pois que os brancos os

havião matar”22.

Sendo assim, repara-se que a maioria dos escravos das outras fazendas tinham

sido chamados quando estavam na roça, desconhecendo qualquer tipo de insurreição e

ali foram motivados a participarem do massacre por Ventura,que além de argumentos

motivantes, possuía também argumentos coercivos.

Andrade, pensando que o escravo se instrumentalizava com a causa a qual ele

optava, abre o leque de suas escolhas nas malhas escravistas. Mas não seria possível

pensar que, influenciado pelas relações paternalistas, ele ao invés de escolher, sofreria

influência das classes dominantes, se sentindo, ingenuamente, integrante da causa?

Também é uma hipótese aceitável.

Sendo assim, percebemos no trabalho de Andrade um importante enfoque em

sua concepção histórica de recuperar o sujeito escravo no sistema escravista. Muitos

pontos importantes precisam ser destacados nesse novo olhar. Apesar da importância

crucial em se demonstrar a subjetividade escrava e suas peculiaridades no sistema

escravocrata é importante também, perceber os condicionantes sociais dessa complexa

relação. Por sempre ser necessário levar em conta que os depoentes podem retorcer a

verdade ao depor, além da intervenção, mesmo que indireta, dos membros judiciais no

depoimento do escravo, o ponto principal deste trabalho, mais do que tirar conclusões é

demonstrar as possibilidades de uma análise diferente do mesmo objeto escolhido.

Não que os escravos não tivessem a capacidade de analisar certas ocasiões. No

entanto, resgatar a subjetividade do escravo também é respeitar os limites da

experiência e da vivência em que estavam inseridos esses sujeitos, em um contexto

histórico de situações tão contraditórias como a escravidão.

22 Ibidem, p. 235.