O ENTE E O MEIO AMBIENTE · ambiente de forma funcional e prática em resposta ... cuidadosa o que...

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Thiago Lima Moreira [email protected] Pró-Reitoria de Pesquisa, Tecnologia e Inovação - PACF/ UNIVERSIDADE FEEVALE Grupo de Pesquisa em Tecnologia e Gerenciamento Ambiental - Ambiente e Sociedade. O ENTE E O MEIO AMBIENTE UM OLHAR SOCIO-FILOSÓFICO SOBRE O ENTE E SUA RELAÇÃO COM O MEIO Introdução A pré-suposição científica da situação emergencial de degradação e de inicio do esgotamento dos recursos naturais, bem como, o evidente desenvolvimento do industrialismo no fim dos anos 1960, foi o marco inicial na busca por uma institucionalização sistemática da sociologia ambiental. Desde Erwin Schrödinger, que embora fosse físico não hesitava em reconhecer que a vida é demasiadamente complexa para ser reduzida a fenômenos biológicos, busca-se estudar a questão da redutibilidade destes fenômenos a fatos físico-químicos, a partir de ensaios que relatavam o quão importante seria a tentativa de interagir e conjecturar a vida em termos dos conhecimentos da química, da biologia e da física na relação mecanismo e organismo. O presente trabalho propõe-se a focar as discussões a respeito de alguns dos processos sociais da modernidade, tais como a modernização do risco nas sociedades contemporâneas, a questão da responsabilidade, bem como a força de influência na individualização e na desconstrução do senso de responsabilidade sob o meio ambiente. Propõe o conceito natural de “ente” na relação parente, como Ser que é parte funcional do meio e não apenas um Ser aquém e fruto das realidades e processos sociais. Por fim, é desenvolvido na tentativa de promover a relação entre o ser-humano e o meio ambiente de forma funcional e prática em resposta à realidade conceitual, especializada e sistemática em voga. Realidade esta que vez por outra gera a incapacidade e a impossibilidade de fundamentar escolhas em parâmetros de risco pessoais e globais. Segundo Hannigan (2000), para os críticos técnicos desenvolvimentistas, focar os estudos nos aspectos simplesmente ambientais, geográficos e biológicos, configurava um desvio das questões cruciais da sociologia, algo que deixava incompleta a questão

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Thiago Lima [email protected]

Pró-Reitoria de Pesquisa, Tecnologia e Inovação - PACF/ UNIVERSIDADE FEEVALEGrupo de Pesquisa em Tecnologia e Gerenciamento Ambiental - Ambiente e Sociedade.

O ENTE E O MEIO AMBIENTEUM OLHAR SOCIO-FILOSÓFICO SOBRE O ENTE E SUA RELAÇÃO COM O MEIO

Introdução

A pré-suposição científica da situação emergencial de degradação e de inicio do

esgotamento dos recursos naturais, bem como, o evidente desenvolvimento do

industrialismo no fim dos anos 1960, foi o marco inicial na busca por uma

institucionalização sistemática da sociologia ambiental. Desde Erwin Schrödinger, que

embora fosse físico não hesitava em reconhecer que a vida é demasiadamente

complexa para ser reduzida a fenômenos biológicos, busca-se estudar a questão da

redutibilidade destes fenômenos a fatos físico-químicos, a partir de ensaios que

relatavam o quão importante seria a tentativa de interagir e conjecturar a vida em

termos dos conhecimentos da química, da biologia e da física na relação mecanismo e

organismo.

O presente trabalho propõe-se a focar as discussões a respeito de alguns dos processos

sociais da modernidade, tais como a modernização do risco nas sociedades

contemporâneas, a questão da responsabilidade, bem como a força de influência na

individualização e na desconstrução do senso de responsabilidade sob o meio ambiente.

Propõe o conceito natural de “ente” na relação parente, como Ser que é parte funcional

do meio e não apenas um Ser aquém e fruto das realidades e processos sociais. Por fim,

é desenvolvido na tentativa de promover a relação entre o ser-humano e o meio

ambiente de forma funcional e prática em resposta à realidade conceitual, especializada

e sistemática em voga. Realidade esta que vez por outra gera a incapacidade e a

impossibilidade de fundamentar escolhas em parâmetros de risco pessoais e globais.

Segundo Hannigan (2000), para os críticos técnicos desenvolvimentistas, focar os

estudos nos aspectos simplesmente ambientais, geográficos e biológicos, configurava

um desvio das questões cruciais da sociologia, algo que deixava incompleta a questão

do “ente” na relação sociedade com os recursos naturais. Relações estas, que em maior

ou menor escala trazem suas implicações e agravamentos nas relações sociais, bem

como, na análise da percepção de risco frente a situação comportamental

socioambiental.

Em sua tese1, o autor João Alcione Sganderla Figueiredo, retrata que as relações macro

e micro; e aqui entendamos a globalização como indicador do macro e o “ente” como

seu pressuposto micro, encontram-se em condição de implicações e mútuos reflexos:

A finales de los años setenta y en los años ochenta se intensifica la discusión

sobre el “micro y macro”; la polémica ha tenido como objetivo principal, entre

otros, analizar en un primer momento las relaciones sociales y el comportamiento

individual en los grupos; y en un segundo momento, la cuestión se centró en un

planteamiento de los nexos y mediaciones entre los procesos globales y los

comportamientos individuales del ser humano. Así, surgieron diversas

investigaciones para estudiar los macro y micro procesos y la relación entre ambos.

Para el análisis de la percepción del riesgo, la base que se utiliza comprende la

referencia conceptual constructivista, centrando la relación del “macro y micro” en

una construcción sociocultural de la sociedad, que influenciará los comportamientos

y las prácticas cotidianas de las personas.

Hannigan (1995) uno de los principales teóricos de la teoría constructivista,

plantea que los problemas ambientales deben ser analizados a partir de

construcciones sociales cognitivas, culturales y políticas. La intención del autor no

es negar los problemas ambientales objetivos, sino afirmar que no se pueden aceptar

los mismos de forma acrítica. Tratándose de los riesgos, solamente son procesados

socialmente si son cognitivamente construidos por agentes sociales; es decir, que

muchos de los problemas ambientales son invisibles y para llegar a la opinión

pública tienen que ser producidos por científicos, ambientalistas, medios de

comunicación, etc.

Neste sentido há a necessidade de uma resolução, ou ao menos o caminho para tal, daquestão principal em debate, isto é, de que formas os processos sociais da modernidade,a saber, a globalização, o desenraizamento, a desterritorialização, e adestradicionalização, dentre outros; tem força de influência na individualização e nadesconstrução do senso de responsabilidade individual sob o meio ambiente.

1 A versão completa deste trabalho foi apresentada na Universidade Complutense de Madrid, junto a Faculdad de Ciencias Políticasy Sociología no Programa: Estrutura Social, Cultura, Trabajo y Organizacione, intitulada ¿Indiferencia o necessidadesinsatisfechas? La cuestión del riesgo tecnológico em “Vale do Rio do Sinos” como tese de doutoramento, em setembro do ano de2008.

O ente e o ambiente social coletivo

Uma das questões cruciais de toda a história da humanidade tem sido dar peso e definir

a perspectiva de responsabilidade do papel do ser, do indivíduo, do Uno, do Self, do

“ente” em suas relações. Cirne-Lima (2001, p.65) referindo-se a questão platônica que

passou por Numênio, Amônio, Plotino, Agostinho, Proclo, Johannes Scotus Erígena,

Nicolaus Cusanus, Giordano Bruno, Baruch Espinosa, Fichte, Schelling, Hegel, Marx,

Teillard de Chardin e por todos que diante desta questão reservam alguma análise, diz:

“Não fiquem mudos! Ao menos a tarefa e a questão ainda em aberto têm que ser ditas,

ditas em voz alta, gritadas até, pois da síntese do Uno e do Múltiplo depende toda a

Filosofia, depende o sentido da vida, a maneira através da qual se vive neste mundo

com este corpo individual e com o sentido da morte, a nova maneira de nossa relação

com o Universo”.

De acordo com Thomas Luckman, Peter Berger, e Edgar Morin, remetendo-nos ao

conceito básico do aspecto do particular da construção social da realidade, desde o

nascimento, adentramos em uma realidade onde potencialmente nos deparamos com

uma diversidade incontável de possíveis experiências. Diferente das correntes teóricas

da psicologia, de forma geral, e enfatizo, de forma geral, a sociologia dá ênfase a

maneira com que o self é socialmente moldado e sistematicamente controlado por meio

do processo de socialização, interação e, segundo John Scott, produção de identidade

biográfica. Geord Mead, seguindo os pilares da teoria social clássica e contemporânea,

ainda afirma que os seres humanos, diferente de outros animais, não apenas reagem

passivamente aos estímulos de seu meio ambiente, mas se envolvem ativamente na

criação do mundo social.

Porém, segundo John Scott (2010, p. 180), há a necessidade de se observar de maneira

cuidadosa o que teóricos da área das ciências sociais começam a repensar no conceito

de self:

Em anos mais recentes, os sociólogos passaram a considerar o destino do self numa

cultura que atravessa rápidas mudanças sociais, econômicas e políticas. Ürrich

Beck, por exemplo, identifica um clima crescente de percepção dos riscos que

parece permear as consciências dos atores sociais, enquanto Anthony Giddens

aponta para as “tribulações do self” na modernidade tardia. Como a globalização e

os sistemas de comunicação de massa estão enfraquecendo o senso de identidade

social, diz ele, as pessoas começaram a se voltar para dentro e se concentrar no self

e nos relacionamentos pessoais.

Logo, segundo Giddens, devido às “tribulações do self”, e ao seu incerto destino, há

uma descaracterização do conceito essencialista de self encontrado no pensamento

iluminista. Então partimos do ponto de que hoje, o self não tem apenas como

predominância, o reflexo da sociedade, mas sim, e de forma crescente, o que o ser é em

si. Propomos então o conceito de “ente”. Que a priori, sob a ótica sociológica

ambiental, trata-se do self autônomo, isto é, “ente” também como agente livre, e não

apenas como ser influenciável e aquém.

Luc Ferry (2009, p.38) voltado para a questão de uma ordem das relações

socioambientais rejeita a tendência do espírito zoófilo de segregação e busca

reorganizar a questão ambiental-ecológica citando: “Se a questão primordial […] é a da

capacidade de um humanismo não metafísico se encarregar das questões de meio

ambiente, é através do caso particular, porém paradigmático, do animal que é preciso

abrir a discussão”. Questões zoófilas paradigmáticas a parte, voltamos ao conceito do

“ente”, e a necessidade de uma recolocação do mesmo como parte do meio e não

apenas como agente interlocutor superior ou inferior. Dialogando nesta mesma direção,

Ferry fundamenta algumas diferenças funcionais fundamentais entre animais e o

“ente”, ao citar Rousseau:

Não vejo em nenhum animal senão uma máquina engenhosa a quem a natureza

dotou de sentidos para ela se recuperar por si mesma, e para se defender até certo

ponto de tudo que tende a destruí-la ou perturba-la. Percebo precisamente as

mesmas coisas na máquina humana; com a diferença de que a natureza sozinha faz

tudo nas ações do animal, ao passo de que o homem participa das suas na qualidade

de agente livre. Uma escolhe ou rejeita por instinto, e a outra por um ato de

liberdade: o que faz com que o animal não possa se afastar da regra que lhe é

prescrita, mesmo quando seria vantajoso para ele fazê-lo, e com que o homem se

afaste dela frequentemente para seu prejuízo. É assim que um pombo morreria de

fome perto de uma bacia cheia das melhores carnes, e um gato sobre um monte de

frutas ou grãos, embora um e outro pudessem muito bem se nutrir do alimento que

desdenham, caso se dessem ao trabalho de tentar. É assim que os homem dissolutos

se entregam a excessos que lhes causam a febre e a morte porque o espírito deprava

os sentidos, e a vontade continua a falar quando a natureza se cala.

Independente da perspectiva do “ente” em si e de suas condições reais de gerir ou não a

sua realidade, algo que me parece necessário ressaltar no conceito de Rousseau e Ferry,

é o fato de que o ser humano como ser animal, é identificado como o agente, “ente”

livre. José Eli da Veiga (2007, p. 129) diz, “Para que seja compreendida a relação

dialética que existe entre as temáticas do desenvolvimento e da sustentabilidade, ou do

crescimento econômico e da conservação ambiental, são necessários conhecimentos

sobre os comportamentos humanos (ciências sociais e humanas), sobre a evolução da

natureza (ciências biológicas, físicas e químicas) e sobre suas configurações territoriais.

Três âmbitos que interagem e se sobrepõem, afetando-se e condicionando-se

mutuamente”.

Sendo assim, no início dos anos 1970, inicia-se a busca por um estudo interdisciplinar

da problemática socioambiental, principalmente voltada à globalização dos riscos, ao

desenvolvimento sustentável, a modernização reflexiva, aos aspectos éticos

relacionados a essas questões e as suas diversas relações com o “ente”, como agente

livre. Na direção deste princípio de interdisciplinaridade o foco-agente em comum por

conseguinte é o “ente”, sendo fator determinante na formulação de uma nova proposta

interdisciplinar socioambiental. Para Jaques Delors (1999):

Não se trata de acrescentar uma nova disciplina […] ,mas de organizar os

ensinamentos de acordo com uma visão de conjunto dos laços que unem homens e

mulheres ao meio ambiente, recorrendo às ciências da natureza e às ciências sociais.

Logo, como parte das principais contribuições da escola europeia, tem-se em Anthony

Giddens e Ulrich Beck, o início fundamental voltado a uma proposta de resolução

socioambiental “parente”, isto é, de mútua interação entre o “ente” e seu meio.

Questões como política, tradição e estética nas inter-relações de ordem social moderna,

ocupam um lugar determinante na formulação da teoria, em grande parte partilhada,

por Giddens e Beck.

A tradição na experiência social, segundo Giddens, é o meio organizador da memória

social coletiva, onde não apenas o tempo conta, mas também a interpretação que liga

presente e passado. Assim, conforme Simone Weil (1996, p.347), o enraizamento é

talvez a necessidade mais importante e mais desconhecida do cerne da alma humana e

uma das mais difíceis de definir.

Giddens (1977, p.73) aborda este conceito ao enfatizar que vivemos uma época de

finalizações, e com isso, tanto no ocidente como no mundo todo o período é de

transição. Na observação de Giddens, como tema de ordem primordial, a

destradicionalização, não propõe a negação ou desprezo pelas tradições que lastreiam a

experiência social. Ela diz respeito a mudanças do lugar da tradição na vida do “ente” e

sua relação social. Para ele há de fato indícios objetivos de uma realidade “pós-

tradicional”, porém o conceito deve representar a polarização de alguns aspectos

fundamentais da vida social.

O “ente”, isto é, o ser humano, tem uma raiz por sua participação real, ativa e natural na

existência de uma coletividade que conserva vivos certos tesouros do passado e certos

pressentimentos do futuro. Logo, baseado no conceito de destradicionalização de

Giddens e no de enraizamento de Simone Weil, o “ente” deve desempenhar um papel

de pensamento introspectivo diante de sua realidade sociológica, e isso só é possível

com um grau significativo de autonomia sócio funcional, emocional e familiar.

Segundo Beck (1995, p.26), mesmo as tradições de casamento e da família, dependem

hoje de processos decisórios, devendo ser experimentadas como riscos pessoais, onde a

biografia padronizada torna-se fenômeno de “individualização”, ou biografia escolhida.

O ambiente social coletivo além-fronteiras

A ideia proposta de destradicionalizacao nos oferece a perspectiva central de que na

sociedade contemporânea a tradição deixou de ser o elemento constituinte de um lastro

de segurança para o “ente” e seu meio. Segundo Zygmunt Baumam (2000, p.119), hoje

temos uma realidade de compromisso social deveras superficial que se diferencia da

ideia de compromisso social tradicional. Zygmunt Baumam ainda alerta a respeito da

agravante multiplicação da superficialidade estratégica, do chamado “não-lugar”, em

acordo com a teoria de Marc Augé (1994, p.109).

Assim como Giddens e Beck, Augé identifica na modernidade atual uma ideia de

continuidade, onde se observam mais fatores de aceleração do que de ruptura. Marc

Augé (1994) abre novas perspectivas, propondo uma análise social da

supermodernidade que nos introduz ao que podemos, quem sabe, chamar de etnologia

do individualismo. O não-lugar é definido como um espaço-tempo de passagem

incapaz de por si só dar forma a qualquer tipo de identidade, é diretamente oposto ao

conceito de lar ou de espaço caracterizado e de projeção pessoal do “ente”. Fatores

estes que enfraquecem as referências sociais coletivas e geram um individualismo

descontrolado e sem identidade. Essencialmente o não-lugar é representado pelos

espaços públicos, realizações e institucionalizações do conceito de público ou pseudo-

público, que a priori não possuem em si o intuito de serem ou gerarem uma realidade

de interpessoalidade relacional, de identificação e de enraizamento e tradicionalização

históricos. Segundo Augé (1994, p.109, 110):

Em suas modalidades modestas, como em suas expressões luxuosas, a experiência

do não-lugar (indissociável de uma percepção mais ou menos clara da aceleração da

história e da redução do planeta) é hoje um componente essencial de toda existência

social. ...Não há mais análise social que possa fazer economia dos indivíduos, nem

análise dos indivíduos que possa ignorar os espaços por onde eles transitam.

Logo, segundo Augé, a partir de então tem-se um novo entendimento da categoria de

tempo. Que somado a concepção de mundo ultra-teletecnológico gera a realidade de

urgência e alta ciclicidade nos acontecimentos. O acelerado ritmo de consumo e

negociação de serviços e bens, as inúmeras mudanças espaciais, o alto fluxo social e o

grande tráfego de informações tem gerado uma impressão de aproximação exagerada

das realidades, o que nos leva a sensação de que o planeta por consequência da

poluição das fronteiras tem se reduzido. Hoje, o ontem já se tornou história, onde cada

evento é encarado como acontecimento histórico. Logo, por haver uma acessibilidade

tão grande a fatos e feitos, nada é caracterizado propriamente como acontecimento.

Marc Augé (1994, p.32) enfatiza:

O que é novo não é que o mundo não tenha ou tenha pouco ou menos sentido, é que

sentíamos explícita e intensamente a necessidade diária de dar-lhe um: de dar um

sentido ao mundo, não a determinada aldeia ou a determinada linhagem. Essa

necessidade de dar um sentido ao presente, senão ao passado, é o resgate da

superabundância factual que corresponde a uma situação que poderíamos dizer de

“supermodernidade” para dar conta de sua modalidade essencial: o excesso.

Cada um de nós tem, ou pensa ter, o emprego desse tempo sobrecarregado de

acontecimentos que atravancam tanto o presente quando o passado próximo.

Seguindo esta premissa, organizar o planeta a partir do conceito de tempo já não se

torna mais viável. Sendo assim, é real o tradicional desafio de uma experiência

comunitária permanece, porém, desde então e a partir de então, ele é visto de uma nova

maneira. O sentido atual da vivencia socioambiental, em geral, difere do valor dado a

experiência familiar e a vida em sociedade, isto é, da modelagem social clássica no

passado.

Para tal é necessário que se pense a cultura, a diversidade social e a própria

identificação pessoal sempre em movimento, e nunca de maneira fixa. Nenhuma

comunidade, cultura, ou mesmo estado, deveria considerar definitivo e imutável o

espaço e/ou ambiente que ocupa, e os recursos usados provenientes dele ou não, pois as

próprias civilizações são experiências transitórias e provisórias. Paul Virilio (1993)

coloca em questionamento: “...ao lado da poluição das substâncias que compõem nosso

meio ambiente..., não deveríamos entrever esta súbita poluição das distâncias e dos

períodos de tempo que degradam o espaço de nosso hábitat?”. Poluição esta que nada

mais é do que um espaço-tempo degradado pelas tele tecnologias da ação a distância.

Obviamente não colocamos em discussão as ações em si, mas sim, e como objeto de

reflexão a superficialidade proeminente da falta de identificação com um tempo, espaço

e lugar específicos. Algo que é resultante dos pensamentos e posicionamentos

individuais, que vez por outra tomam uma singular identificação com pensadores,

líderes e estado.

Giovana Mendes de Oliveira (2002, p. 22), ao traçar alguns elementos cruciais de sua

análise da gestão de território, estado e globalização no século XXI, cita:

O questionamento da modernidade é encontrado em vários autores. Habermas

(1990) faz referência à ruptura na tradição moderna e defende outra razão

fundamentada no pensamento pós-metafísico. Lyotard (1998) apresenta, em suas

obras, a constatação de que a era pós-industrial traz consigo as modificações no

estatuto da ciência e da verdade. Maffesoli (1997), um dos muitos que acreditam

que a modernidade acabou e que se entrou numa era pós-moderna, diz que “na

marcha em espiral das histórias humanas, quando a abstração racional tende a

triunfar, e a sociedade torna-se propriedade de alguns, assiste-se à sua implosão

[...]”. Mas mesmo certo que a sociedade racional implodiu, encontram-se

afirmações mais adiante, nessa mesma obra, de que essa nova sociedade está em

gestação, e, portanto, ainda dentro do período de crise. Giddens, Beck e Lash (1997)

afirmam as suas inquietações com a modernidade, procurando o conceito de

modernização reflexiva, um caminho para pensar a sociedade. Giddens (1991)

afirma categoricamente que se vive um período de crise, onde existe uma

agudização das consequências da modernidade. E mesmo em Stein (1991), um

partidário da modernidade, encontra-se afirmação que essa está sendo reavaliada, no

sentido de se saber que possibilidades ela ainda traz. Em outro partidário da

modernidade e crítico dos pós-modernos, Sérgio Paulo Rouanet (1987) também é

possível identificar essa consciência de crise, embora ele prefira falar em

consciência da modernidade e no desencanto com ela. Rouanet fala: “temos que

aceitar filosoficamente o fato de que na opinião de um grande número de pessoas,

nem todas lunáticas, entramos na era pós-moderna” para identificar que algo existe

de novo, e que embora ele não concorde com a era pós-moderna, adjetiva esse

período como uma era neomoderna, visando resgatar o projeto da modernidade em

suas origens.

É notória a percepção de que teóricos de diversas áreas das ciências humanas e sociais

tem se inclinado à necessidade de um horizonte que de forma aprofundada sistematize a

relação ente e seu meio.

Giddens enfatiza a necessidade de se pensar a sociedade. E é neste ensejo que nos

deparamos com a possibilidade, de uma ruptura com a tradição moderna, citada por

Habermas e confirmada por Beck e Lash na sensibilidade da agudização das

consequências da mesma. Um período de crise e reavaliação para Stein, que segundo

Lyotard trás modificações nos conceitos básicos da ciência e da própria verdade, sendo

esta polarizada e tornando-se propriedade de alguns para Maffesoli. Sendo assim, como

cita Rouanet, é evidente que nos deparamos com uma realidade em determinados

aspectos distinta, em partes moderada, em partes agudizada; mas será que podemos

tratar de uma real ruptura ou passagem para um novo momento histórico? Não

estaríamos vivendo uma relação não óbvia no que diz respeito a causa e efeito? Onde

entendamos que a causa seria a diversidade de realidades de países desenvolvidos e

sub-desenvolvidos e os efeitos a indiscriminada acessibilidade as tele tecnologias nos

mais diferentes níveis e condições.

Em uma sociedade cada vez mais global em acessos e ações a distância (internet,

acesso global à informações sigilosas, mercados econômicos multinacionais, compras e

vendas, ataques digitais, etc...), e individualizada na busca por direitos e conquistas, o

fator responsabilidade tem sido colocado em segundo plano. O meio, de forma

crescente e agravante tem sido reduzido a espaço superficial, transitório e irrelevante

nas relações e na valorização do próprio “ente”. A falta de especificações claras dos

territórios e dos ambientes, a relocação do valor das tradições nas relações e o apelo do

capital, vez por outra, para não colocar de forma determinante, são hoje encarados

como fatores decisivos nas relações globais e por consequência, nas pseudo-relações

“ente” - ambiente. O imediatismo predominante tem se evidenciado nas crises

relacionadas essencialmente ao alto risco, cada vez maior, nas relações globais e seus

desdobramentos na relação consumo-ambiente.

Risco Global – Dissolução territorial e Sociedade

É neste sentido, da constatação de um período de crise, que o surgimento de uma

Sociedade de Risco é evidente para Ulrich Beck. Quer sejam os partidários da

modernidade, que justificam a crise como uma tomada de consciência da própria

modernidade, quer sejam seus contra-argumentadores que veem, na crise, o início da

transição para a sua própria ruína, é sabido que a crise moderna abrange todas as

esferas de relação do “ente”, dentre elas a social, a econômica e a política. Porém, é

necessária redobrada atenção no que diz respeito aos impactos reais relacionados ao

meio ambiente. É digno de atenção o fato de que muitas vezes estamos nos deparando

com uma realidade imposta por países com condições econômicas, em geral mais

favoráveis que, em se tomando como referencial, usam de seu poder e articulação para,

por meio de políticas e decisões estratégicas condicionarem países e realidades

distintamente diferentes.

O globalitarismo totalitário, conceito cunhado por Milton Santos, é algo próximo a

globalização do colonialismo, que se caracterizou primordialmente pela ocupação

territorial. Em que territórios foram ocupados e marcados arbitrariamente ignorando-se

povos, culturas, línguas e religiões, para naquele momento, facilitar a dominação e o

saque das riquezas pertinentes àqueles lugares. A globalização contemporânea por sua

vez, é marcada pela fragmentação dos territórios. “Nunca ouve uma oposição tão

grande entre um pequeno grupo de países e a maioria esmagadora dos países da

humanidade. Então nós temos um “terceiro-mundismo” muito mais forte do que antes.

E uma realidade da dependência em relação aos países de primeiro mundo, muito maior

do que antes. E é neste contexto que surgirá a possibilidade de se construir um mundo

de outra forma”, enfatizou em documentário, Milton Santos, um dos principais

geógrafos brasileiros.

Para Milton Santos, que defendia o cuidado e resistência à “essa globalização” que nos

levaria ao fim da crítica e da autocrítica, existem basicamente três formas de

enxergarmos o mundo. A primeira, a maneira como a própria modernidade nos impele a

vermos, isto é, a globalização como fábula. A segunda, seria ver o mundo como ele é,

isto é, a globalização como perversidade. E o terceiro seria ver o mundo como ele pode

ser, para Milton Santos (1994), uma outra globalização.

Juntamente com as iniciativas da difusão de um conceito mais adequado para a

concepção de desenvolvimento, caminhamos para um entendimento apropriado das

realidades globais. O teórico avanço das telectecnologias, das redes e relações globais,

embora tenham gerado um aparente crescimento econômico, não trouxe avanços

significativos na realidade ambiental de desenvolvimento. Em 2008, o produtivismo

consumista, ou consumismo produtivista eclodiu na maior crise econômica desde 1928,

fato este que trouxe à tona novamente a questão dos territórios além-fronteiras, e

principalmente as relações de responsabilidade pelo espaço comum não-lugar.

Segundo Giovana Mendes de Oliveira (2002), o cerne da discussão do que Paul Virilio

chama de poluição das distâncias, questiona primordialmente a natureza do Estado, a

sociedade global e a razão moderna. A partir daí, surgem propostas diferenciadas como

resolução de tais questionamentos. Porém algo em comum a essas propostas é que elas

surgem como fruto e alternativas de uma crise global que não é somente fiscal, mas

também, uma crise em relação a democracia, bem como relacionada à restruturação

produtiva do capital. Estas, por sua vez, e igualmente, são derivadas da globalização,

que desterritorializa e reterritorializa de forma global, ao que Haesbaert (2004)

denomina de multiterritorialidade. Frutos estes da crise da razão moderna, que hoje

começa a ser questionada em relação ao quão importante é a voz da minoria, isto é, o

quanto o indivíduo como “ente” é determinante na realidade social.

É interessante notar que Haesbaert (2009, p. 146) coloca como razão das questões que

dominam a multiterritorialidade, algumas possibilidades de uma nova leitura do

rompimento de uma época:

Para muitos, o pós-modernismo, ao romper com uma época, inaugura uma

nova sensibilidade, uma nova leitura e uma nova experiência de mundo, diretamente

vinculada aos nossos paradigmas tecnológicos que balançam as antigas certezas e os

antigos laços da sociedade como espaço. Ocorreria assim um descentramento do

indivíduo em relação a comunidades bem delimitadas, os contatos se fariam cada

vez mais a distância, prescindindo da contiguidade física. Este descentramento e

esta instabilidade “des-localizada” são, para alguns, uma marca essencial da pós-

modernidade.

Para outros, contudo, que entendem a pós-modernidade não a partir da ideia

de ruptura (como fazem Lyotard, 1986 [1979] e Vattimo, 1990), mas de

continuidade e mesmo dentro de uma radicalização das característica da

modernidade (como Habersma, 1990 [1985] e Giddens, 1991), estes traços já

estavam sendo gestados pela modernidade, esta era onde, desde a Revolução

Industrial, “tudo que é sólido” tende a se “desmanchar no ar”, como enfatizou

Berman (1986) retomando a famosa expressão cunhada por Marx.

Tanto Marx quanto Giddens focam seus apontamentos no antagonismo da evolução

econômica de capital. Neste ciclo processual de nascimento, desenvolvimento e morte,

estão condicionadas as relações sociológicas, filosóficas, ideológicas, governamentais,

bem como, os meios e modos de produção em massa. Assim como Marx acreditava que

o capitalismo teria o seu fim, não derrotado por outro modelo, mas em si mesmo,

Giddens acredita no condicionamento da modernidade à mesma fatalidade.

Baseados neste mesmo conceito, de auto-degradação, Deleuze e Guattari defendem o

estudo fundamentado na estruturação dependente e correlativa de uma geografia do

socius. Onde há a necessidade do cuidado e maior atenção aos movimentos

corporativos capitalistas de desterritorialização, sua intensidade, suas combinações de

fluxo e seus impactos. Em o Anti-Édipo Deleuze e Guattari (2010, p. 254, 255) se

remetem a Nietzsche quando o mesmo cita o exemplo de máquina que não observa

questões sociais, territoriais e ambientais, quando o cita de forma enfática:

[…] Nietzsche sugere qual é o procedimento do novo socius: um terror sem

precedentes em relação ao qual o antigo sistema da crueldade, as formas de

adestramento e castigo primitivas nada são. Uma destruição combinada de todas as

codificações primitivas ou, pior ainda, sua irrisória conservação, sua redução ao

nível de peças secundárias da nova máquina e novo aparelho de recalcamento. O

que era essencial na máquina de inscrição primitiva, os blocos de dívidas móveis,

abertos e finitos, “parcelas do destino”, tudo isso é capturado numa engrenagem

imensa que torna a dívida infinita e forma uma única e mesma fatalidade

esmagadora: “Será preciso, desde então, que a perspectiva de uma libertação

desapareça de uma vez por todas na bruma pessimista, será preciso, desde então,

que o olhar desesperado se desencoraje diante de uma impossibilidade de ferro...”.

A terra devém um asilo de alienados.

É possível que o desespero e a auto-destruição, por consequência, a falta de

responsabilidade e identificação pessoal e positiva com um território claro e definido,

bem como, a presença de uma poluição territorial de fronteiras baseada nas

possibilidades de avanço de conquista de capital, sejam o motivo de tais consequências

sociais, políticas, econômicas e ambientais. Relações de poder cada vez mais globais e

centradas no acúmulo de capital, e condições facilitadas de comunicação e troca de

informações tem nos condicionado a uma superficialidade no que diz respeito a

responsabilidade consigo, com seu semelhante e com o seu meio. Todos, como “entes”,

somos tanto devedores como credores do meio, isto é, credores e devedores do planeta

Terra. Planeta este, que por gerações sofre as consequências do descaso particular,

global, privado e Estatal por conta, primordialmente da busca do acumulo de capital, o

que em tese viabilizaria o desenvolvimento.

Neste viés, Ulrich Beck (1997, p.12) trás as questões sócio-política e sócio-econômica

como pano de fundo à uma cura paliativa da sociedade destrutiva industrial. A

modernização reflexiva é em determinado sentido uma (auto) destruição criativa que

promove esta cura, estabelecendo por exemplo, a incansável busca de um consenso

entre a indústria, a política e o “ente” coletivo, isto é, o povo (1997, p.42). O que por

princípio contradiz fundamentalmente a atitude de surpresa da modernização simples e

seu otimismo sem medidas em relação à possibilidade de controle predeterminado das

coisas e fenômenos incontroláveis, tais como os da natureza.

Ulrich Beck ainda aponta para a urgente necessidade de perceber-se a ciclicidade do

tempo histórico, isto é, a transição do período industrial para o período de risco da

modernidade, estabelecido pelos processos próprios de modernização, o que ele

denomina Sociedade de Risco. Um processo de ruptura, em andamento, não além, mas

no interior da própria modernidade. Segundo ele, Sociedade de Risco não é uma opção

que se pode escolher ou rejeitar no decorrer de disputas políticas (1997, p.16).

Tal impacto que se traduz no embate territorial, político e econômico é de tão grande

preocupação que para Daniel Cohen (2010, p.153) existe a possibilidade, e porque não

dizer a probabilidade, de uma nova revolução industrial:

O debate coloca frente a frente, com frequência os partidários do crescimento

e os do decrescimento. Quando o crescimento é o mecanismo que permite produzir

bens a menor custo ou criar novos bens que tornem melhor a vida humana, ele

aparece como a solução do problema. No entanto, é necessário que seja direcionado

para um caminho socialmente útil, e não fútil. Um dos mal-entendidos sobre o

crescimento moderno é o seguinte: ele melhora constantemente a produtividade

industrial, o que reduz o número de horas necessárias à produção de objetos e,

consequentemente, seus preços. Mas o volume de objetos não diminui. Seus preços

ficam mais baixos, fazendo com que o número de objetos aumente cada vez mais

rápido. Os preços cada vez mais baixos explicam o desenvolvimento de uma

“economia do descartável”.

Essa “economia descartável está em rota de colisão frontal com os limites

geológicos do planeta”. Os custos de retirada de dejetos das regiões urbanas não

param de aumentar. Nova York foi uma das primeiras grandes cidades a saturar seus

depósitos de lixo. Doze mil toneladas de lixo são produzidas diariamente. São

necessários 600 caminhões por dia para retirar a sujeira da cidade. Nessas

condições, o preço dos objetos torna-se, em um número crescente de casos, inferior

aos custos ambientais que eles provocam. Oystein Dahle, o antigo presidente da

Exxon para a Noruega, citado por Lester Brown, resumia assim o problema: “O

socialismo ruiu porque não autorizava o mercado a dizer a verdade econômica. É

possível que o capitalismo entre em colapso porque não permite que seja dita a

verdade ecológica.”

Daniel Cohen (2010, p.155) enfatiza a existência de uma série de fatores comuns à

diversas civilizações que foram aniquiladas em virtude de auto-desastres ecológicos.

Baseado em Jared Diamond enumera quatro principais fatores: a incapacidade de

prever os problemas gerados, de identificá-los corretamente quando surgem, de

manifestar a vontade de solucioná-los, quando identificados, e de conseguir encará-los,

uma vez que o desejo de solucioná-los seja manifestado. A diferença entre Beck e

Cohen se dá no fato de que mesmo com problemas sendo previstos parcialmente, hoje

os mesmos estão identificados de uma forma tão agravada que podemos ser

classificados como uma sociedade de risco. Para Ulrich Beck este espaço de tempo na

história, esta era, é tema e problema em si e para si mesma, onde não há uma

possibilidade de prevenção e previsão.

Baseados nisso, constatamos que a Sociedade de Risco surge como consequência dos

processos de modernização, que são totalmente insensíveis aos seus próprios efeitos,

fragilidades e ameaças. De acordo com José Eli da Veiga (2007, p. 128) a ideia de

desenvolvimento material e prosperidade passou a ser vista como politicamente

incorreta desde o final do século passado. Conceito este que foi simultaneamente

paralelo à adoção da expressão “desenvolvimento humano” pela Organização das

Nações Unidas. Em ambos os casos há a preocupação e o cuidado de contrapor e

controlar a ideia de desenvolvimento e a sua relação ao crescimento econômico. Uma

sociedade de risco que vive as pseudo-vitórias do capitalismo que produzem esta nova

forma social.

Logo, Não se trata expressamente de uma luta de classes ou de uma luta de resistência

por uma sobrevivência social, mas sim em relação a modernização que potencializa os

resultados da sociedade industrial e reflete as escolhas da modernidade. Por isso

entende-se por modernização reflexiva uma mudança na sociedade industrial, isto é a

radicalização da modernidade. Um novo estágio em que o desenvolvimento pode se

transformar em autodestruição, onde um modelo de modernização, domina, sobrepõe e

destrói o outro, o que Ulrich Beck chama de etapa de modernização reflexiva.

Anthony Giddens e Ulrich Beck, assim como Frederick H. Buttel, (2000) observam

algumas tendências na cultura socioambiental, particularmente o despojar das teorias

sobre pós-modernidade e a aplicação de uma perspectiva particular chamada de

modernização reflexiva, aos problemas da relação entre sociedade e ambiente. Neste

caso ambos, asseveram que a discussão sobre questões conceituais a respeito da

modernidade versus pós-modernidade tornou-se improdutiva e a proposição da

modernidade reflexiva pretende manter a possibilidade da inovação conceitual.

O conceito de modernização reflexiva não implica na reflexão (como adjetivo), mas

sim no princípio de auto-confrontação, com os efeitos da sociedade de risco que não

podem ser tratados e assimilados no sistema da sociedade industrial. Com o advento da

sociedade de risco, os constantes embates por distribuição de bens e riquezas são

encobertos pelos embates de distribuição dos “malefícios”. As questões ecológicas,

que não se restringem só ao meio ambiente, mas ao meio onde as relações sociais

ocorrem, são outras preocupações na proposta de Anthony Giddens e Ulrich Beck. As

realidades, social e natural estão irreversivelmente afetadas pelo conhecimento

humano reflexivo e expostos a dimensão pública.

Sendo assim, a modernização reflexiva tem como referência um espaço de tempo na

história, fruto e decorrente da modernidade. Tempo histórico este, que é resultado e

meio dos efeitos único e exclusivamente do processo histórico da sociedade industrial.

Logo, tem-se na modernização reflexiva o processo de uma mudança conceitual da

sociedade industrial em uma sociedade moderna, e por consequência, o

desencadeamento das questões da sociedade industrial de forma potencializada.

A partir daí, no que tange aos aspectos da sociologia ambiental, entendemos uma co-

relação entre o “ente” e seu meio; assim como Erwin Schrödinger (1977, p.95) o faz

entre mecanismo e organismo nos aspectos voltados a questões da química e da física,

em especial aos aspectos quânticos e termodinâmicos. Nesta relação cíclica de

condicionamento, causa e efeito social, vislumbramos o entendimento inicial de

algumas questões socioambientais e suas implicações globais, econômicas, estatais e de

possível desenvolvimento.

Desde o final dos anos 1950 existe um preocupação em se produzir e se consumir o que

é produzido em grande escala, como incentivo de um pseudo-desenvolvimento, em

detrimento da integridade do “ente”. Desde lá o foco da mídia, dos economistas, dos

profissionais do até então em desenvolvimento design, e das áreas ligadas ao comércio,

ao varejo e ao consumo, tem se debruçado em fomentar um ritmo acelerado e uma

cultura de dependência entre “ente” e produção. Em 1955, respaldado pelo princípio de

obsolência, ao conceituar uma nova visão de consumo, o economista e analista de

varejo Victor Lebow, no artigo "The Real Meaning of Consumer Demand" para o

Journal of Retailing escreve:

“Our enormously productive economy demands that we make consumption our

way of life, that we convert the buying and use of goods into rituals, that we seek

our spiritual satisfactions, our ego satisfactions, in consumption. The measure of

social status, of social acceptance, of prestige, is now to be found in our

consumptive patterns. The very meaning and significance of our lives today

expressed in consumptive terms. The greater the pressures upon the individual to

conform to safe and accepted social standards, the more does he tend to express his

aspirations and his individuality in terms of what he wears, drives, eats- his home,

his car, his pattern of food serving, his hobbies.

These commodities and services must be offered to the consumer with a special

urgency. We require not only “forced draft” consumption, but “expensive”

consumption as well. We need things consumed, burned up, worn out, replaced, and

discarded at an ever increasing pace. We need to have people eat, drink, dress, ride,

live, with ever more complicated and, therefore, constantly more expensive

consumption. The home power tools and the whole “do-it-yourself” movement are

excellent examples of “expensive” consumption.”

A incompatibilidade de um sistema de extração produtivo linear em um planeta de

recursos finitos, trás a necessidade da observância à interação do “ente” e seu meio. A

má gestão e a erosão dos eco-sistemas, bem como das economias locais, subsidia o

fluxo de pessoas sem alternativas e sem identificação com meio algum, causando em

partes o desenraizamento e por consequência uma imediata destradicionalização. Neste

tipo de sistema, moldado ao início dos anos 1950, existe uma perda em todos os

processos. Isto é, não só os recursos do meio ambiente são usados de maneira

descartável, mas também “entes”, comunidades, culturas e sociedades.

A degradação é inerente, porém não apenas ao meio ambiente. Existe um evidente

prejuízo que vai além das questões da natureza em si, e adentra à relação meio

ambiente, ente e semelhante, e por consequência sua qualidade. Prejuízo este que é

fruto da degradação do espaço das relações. A partir daí, vemos a alteração na relação

do “ente” com o meio; em que o “ente” tem se adequado de forma pouco apropriada ao

meio degradado. Um irônico desfrute meio a produtividade não processada, lê-se, meio

ao lixo; em casas que podem ser identificados como depósitos aparentemente cada vez

mais sofisticados do mesmo.

Hoje encaramos uma realidade em que o “ente” acabou se adequando e se submetendo

ao próprio meio que esta reinventando de forma desordenada. Uma realidade de risco

onde cada vez há menos espaço para o “ente” e para o meio natural, em contra partida

um exagerado condicionamento ao meio artificial produzido de forma instantânea e

descartável.

É imediata a necessidade de uma reconstrução conceitual na mentalidade do “ente” e

seu meio. O conceito contemporâneo de usar e jogar fora tem força determinante de

influência na particularização e na desconstrução do senso de responsabilidade

individual sob o meio. Contrapor a exteriorização do verdadeiro custo da produção e do

consumo, e transformar este sistema linear em um sistema que não descarte e/ou

desperdice recursos ou pessoas, deve ser o objetivo central do pensar uma sociologia da

relação “ente” e meio ambiente.

Por fim, percebemos que para que haja uma equalizada relação “ente” e meio ambiente

é necessário uma nova perspectiva de produção e consumo, que exerce um papel

fundamental na construção de um meio ambiente saudável e equilibrado. A ausência

dessa perspectiva traz consideráveis prejuízos para o “ente” e sua qualidade real e

experimental de existência. Sabemos que a sociologia em si responde as mais diferentes

correntes que orientam os diagnósticos da sociologia ambiental em cada experiência,

quer seja positiva, quer seja negativa. Faz-se necessário à sociologia analisar as

propostas ambientais buscando alertar e equilibrar uma real relação entre planeta Terra

e ser humano. Condições estas que viabilizam a otimização das relações território,

meio, Estado, globalização e a priori “ente”, bem como seus desdobramentos de efetiva

mudança social, ao que Francisco denomina “conversão ecológica”.

Conclusões

Como proposto neste artigo, os questionamentos em foco não trataram dos riscos

globais, mas sim, do risco em si, tomando como base a responsabilidade do indivíduo e

o reflexo no ambiente social coletivo bem como no meio ambiente. Neste ambiente

concluímos que existe, dentre outros, um fator influenciador determinante relacionado

a aspectos que podem configurar uma crise moderna em geral e global. Fator este que

abrange todas as esferas da relação do “ente”, dentre elas a social, a econômica e a

política, bem como seus impactos diretos ao meio ambiente, a saber, a suposta relação

entre desenvolvimento material e prosperidade funcional econômica. É neste contexto

de relação com o meio que identificamos a possibilidade deste estar sendo minimizado

a simples espaço de transição.

Mais do que tema e problema em si e para si mesmo, como Beck menciona, este espaço

de tempo caracterizado pela individualidade do ser e o descaso com o meio trás consigo

a realidade de uma irresponsabilidade organizada. Como fruto desde conceito

destorcido de meio ambiente há a separação sistemática do “ente” em relação ao seu

meio. Porém, tal perspectiva se faz potencialmente inconsistente, uma vez que o “ente”

usufrui do meio enquanto parte dele. Neste sentido, toda e qualquer relação parente

com o meio trás a necessidade de uma reciprocidade funcional.

Sendo assim, como ponto principal e conclusivo, propõe-se então uma possível

verificação mais cuidadosa na relação funcional voltada para uma revisão conceitual do

lugar do ente em seu meio e suas relações de dependência.

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