O ENTE E O MEIO AMBIENTE · ambiente de forma funcional e prática em resposta ... cuidadosa o que...
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Thiago Lima [email protected]
Pró-Reitoria de Pesquisa, Tecnologia e Inovação - PACF/ UNIVERSIDADE FEEVALEGrupo de Pesquisa em Tecnologia e Gerenciamento Ambiental - Ambiente e Sociedade.
O ENTE E O MEIO AMBIENTEUM OLHAR SOCIO-FILOSÓFICO SOBRE O ENTE E SUA RELAÇÃO COM O MEIO
Introdução
A pré-suposição científica da situação emergencial de degradação e de inicio do
esgotamento dos recursos naturais, bem como, o evidente desenvolvimento do
industrialismo no fim dos anos 1960, foi o marco inicial na busca por uma
institucionalização sistemática da sociologia ambiental. Desde Erwin Schrödinger, que
embora fosse físico não hesitava em reconhecer que a vida é demasiadamente
complexa para ser reduzida a fenômenos biológicos, busca-se estudar a questão da
redutibilidade destes fenômenos a fatos físico-químicos, a partir de ensaios que
relatavam o quão importante seria a tentativa de interagir e conjecturar a vida em
termos dos conhecimentos da química, da biologia e da física na relação mecanismo e
organismo.
O presente trabalho propõe-se a focar as discussões a respeito de alguns dos processos
sociais da modernidade, tais como a modernização do risco nas sociedades
contemporâneas, a questão da responsabilidade, bem como a força de influência na
individualização e na desconstrução do senso de responsabilidade sob o meio ambiente.
Propõe o conceito natural de “ente” na relação parente, como Ser que é parte funcional
do meio e não apenas um Ser aquém e fruto das realidades e processos sociais. Por fim,
é desenvolvido na tentativa de promover a relação entre o ser-humano e o meio
ambiente de forma funcional e prática em resposta à realidade conceitual, especializada
e sistemática em voga. Realidade esta que vez por outra gera a incapacidade e a
impossibilidade de fundamentar escolhas em parâmetros de risco pessoais e globais.
Segundo Hannigan (2000), para os críticos técnicos desenvolvimentistas, focar os
estudos nos aspectos simplesmente ambientais, geográficos e biológicos, configurava
um desvio das questões cruciais da sociologia, algo que deixava incompleta a questão
do “ente” na relação sociedade com os recursos naturais. Relações estas, que em maior
ou menor escala trazem suas implicações e agravamentos nas relações sociais, bem
como, na análise da percepção de risco frente a situação comportamental
socioambiental.
Em sua tese1, o autor João Alcione Sganderla Figueiredo, retrata que as relações macro
e micro; e aqui entendamos a globalização como indicador do macro e o “ente” como
seu pressuposto micro, encontram-se em condição de implicações e mútuos reflexos:
A finales de los años setenta y en los años ochenta se intensifica la discusión
sobre el “micro y macro”; la polémica ha tenido como objetivo principal, entre
otros, analizar en un primer momento las relaciones sociales y el comportamiento
individual en los grupos; y en un segundo momento, la cuestión se centró en un
planteamiento de los nexos y mediaciones entre los procesos globales y los
comportamientos individuales del ser humano. Así, surgieron diversas
investigaciones para estudiar los macro y micro procesos y la relación entre ambos.
Para el análisis de la percepción del riesgo, la base que se utiliza comprende la
referencia conceptual constructivista, centrando la relación del “macro y micro” en
una construcción sociocultural de la sociedad, que influenciará los comportamientos
y las prácticas cotidianas de las personas.
Hannigan (1995) uno de los principales teóricos de la teoría constructivista,
plantea que los problemas ambientales deben ser analizados a partir de
construcciones sociales cognitivas, culturales y políticas. La intención del autor no
es negar los problemas ambientales objetivos, sino afirmar que no se pueden aceptar
los mismos de forma acrítica. Tratándose de los riesgos, solamente son procesados
socialmente si son cognitivamente construidos por agentes sociales; es decir, que
muchos de los problemas ambientales son invisibles y para llegar a la opinión
pública tienen que ser producidos por científicos, ambientalistas, medios de
comunicación, etc.
Neste sentido há a necessidade de uma resolução, ou ao menos o caminho para tal, daquestão principal em debate, isto é, de que formas os processos sociais da modernidade,a saber, a globalização, o desenraizamento, a desterritorialização, e adestradicionalização, dentre outros; tem força de influência na individualização e nadesconstrução do senso de responsabilidade individual sob o meio ambiente.
1 A versão completa deste trabalho foi apresentada na Universidade Complutense de Madrid, junto a Faculdad de Ciencias Políticasy Sociología no Programa: Estrutura Social, Cultura, Trabajo y Organizacione, intitulada ¿Indiferencia o necessidadesinsatisfechas? La cuestión del riesgo tecnológico em “Vale do Rio do Sinos” como tese de doutoramento, em setembro do ano de2008.
O ente e o ambiente social coletivo
Uma das questões cruciais de toda a história da humanidade tem sido dar peso e definir
a perspectiva de responsabilidade do papel do ser, do indivíduo, do Uno, do Self, do
“ente” em suas relações. Cirne-Lima (2001, p.65) referindo-se a questão platônica que
passou por Numênio, Amônio, Plotino, Agostinho, Proclo, Johannes Scotus Erígena,
Nicolaus Cusanus, Giordano Bruno, Baruch Espinosa, Fichte, Schelling, Hegel, Marx,
Teillard de Chardin e por todos que diante desta questão reservam alguma análise, diz:
“Não fiquem mudos! Ao menos a tarefa e a questão ainda em aberto têm que ser ditas,
ditas em voz alta, gritadas até, pois da síntese do Uno e do Múltiplo depende toda a
Filosofia, depende o sentido da vida, a maneira através da qual se vive neste mundo
com este corpo individual e com o sentido da morte, a nova maneira de nossa relação
com o Universo”.
De acordo com Thomas Luckman, Peter Berger, e Edgar Morin, remetendo-nos ao
conceito básico do aspecto do particular da construção social da realidade, desde o
nascimento, adentramos em uma realidade onde potencialmente nos deparamos com
uma diversidade incontável de possíveis experiências. Diferente das correntes teóricas
da psicologia, de forma geral, e enfatizo, de forma geral, a sociologia dá ênfase a
maneira com que o self é socialmente moldado e sistematicamente controlado por meio
do processo de socialização, interação e, segundo John Scott, produção de identidade
biográfica. Geord Mead, seguindo os pilares da teoria social clássica e contemporânea,
ainda afirma que os seres humanos, diferente de outros animais, não apenas reagem
passivamente aos estímulos de seu meio ambiente, mas se envolvem ativamente na
criação do mundo social.
Porém, segundo John Scott (2010, p. 180), há a necessidade de se observar de maneira
cuidadosa o que teóricos da área das ciências sociais começam a repensar no conceito
de self:
Em anos mais recentes, os sociólogos passaram a considerar o destino do self numa
cultura que atravessa rápidas mudanças sociais, econômicas e políticas. Ürrich
Beck, por exemplo, identifica um clima crescente de percepção dos riscos que
parece permear as consciências dos atores sociais, enquanto Anthony Giddens
aponta para as “tribulações do self” na modernidade tardia. Como a globalização e
os sistemas de comunicação de massa estão enfraquecendo o senso de identidade
social, diz ele, as pessoas começaram a se voltar para dentro e se concentrar no self
e nos relacionamentos pessoais.
Logo, segundo Giddens, devido às “tribulações do self”, e ao seu incerto destino, há
uma descaracterização do conceito essencialista de self encontrado no pensamento
iluminista. Então partimos do ponto de que hoje, o self não tem apenas como
predominância, o reflexo da sociedade, mas sim, e de forma crescente, o que o ser é em
si. Propomos então o conceito de “ente”. Que a priori, sob a ótica sociológica
ambiental, trata-se do self autônomo, isto é, “ente” também como agente livre, e não
apenas como ser influenciável e aquém.
Luc Ferry (2009, p.38) voltado para a questão de uma ordem das relações
socioambientais rejeita a tendência do espírito zoófilo de segregação e busca
reorganizar a questão ambiental-ecológica citando: “Se a questão primordial […] é a da
capacidade de um humanismo não metafísico se encarregar das questões de meio
ambiente, é através do caso particular, porém paradigmático, do animal que é preciso
abrir a discussão”. Questões zoófilas paradigmáticas a parte, voltamos ao conceito do
“ente”, e a necessidade de uma recolocação do mesmo como parte do meio e não
apenas como agente interlocutor superior ou inferior. Dialogando nesta mesma direção,
Ferry fundamenta algumas diferenças funcionais fundamentais entre animais e o
“ente”, ao citar Rousseau:
Não vejo em nenhum animal senão uma máquina engenhosa a quem a natureza
dotou de sentidos para ela se recuperar por si mesma, e para se defender até certo
ponto de tudo que tende a destruí-la ou perturba-la. Percebo precisamente as
mesmas coisas na máquina humana; com a diferença de que a natureza sozinha faz
tudo nas ações do animal, ao passo de que o homem participa das suas na qualidade
de agente livre. Uma escolhe ou rejeita por instinto, e a outra por um ato de
liberdade: o que faz com que o animal não possa se afastar da regra que lhe é
prescrita, mesmo quando seria vantajoso para ele fazê-lo, e com que o homem se
afaste dela frequentemente para seu prejuízo. É assim que um pombo morreria de
fome perto de uma bacia cheia das melhores carnes, e um gato sobre um monte de
frutas ou grãos, embora um e outro pudessem muito bem se nutrir do alimento que
desdenham, caso se dessem ao trabalho de tentar. É assim que os homem dissolutos
se entregam a excessos que lhes causam a febre e a morte porque o espírito deprava
os sentidos, e a vontade continua a falar quando a natureza se cala.
Independente da perspectiva do “ente” em si e de suas condições reais de gerir ou não a
sua realidade, algo que me parece necessário ressaltar no conceito de Rousseau e Ferry,
é o fato de que o ser humano como ser animal, é identificado como o agente, “ente”
livre. José Eli da Veiga (2007, p. 129) diz, “Para que seja compreendida a relação
dialética que existe entre as temáticas do desenvolvimento e da sustentabilidade, ou do
crescimento econômico e da conservação ambiental, são necessários conhecimentos
sobre os comportamentos humanos (ciências sociais e humanas), sobre a evolução da
natureza (ciências biológicas, físicas e químicas) e sobre suas configurações territoriais.
Três âmbitos que interagem e se sobrepõem, afetando-se e condicionando-se
mutuamente”.
Sendo assim, no início dos anos 1970, inicia-se a busca por um estudo interdisciplinar
da problemática socioambiental, principalmente voltada à globalização dos riscos, ao
desenvolvimento sustentável, a modernização reflexiva, aos aspectos éticos
relacionados a essas questões e as suas diversas relações com o “ente”, como agente
livre. Na direção deste princípio de interdisciplinaridade o foco-agente em comum por
conseguinte é o “ente”, sendo fator determinante na formulação de uma nova proposta
interdisciplinar socioambiental. Para Jaques Delors (1999):
Não se trata de acrescentar uma nova disciplina […] ,mas de organizar os
ensinamentos de acordo com uma visão de conjunto dos laços que unem homens e
mulheres ao meio ambiente, recorrendo às ciências da natureza e às ciências sociais.
Logo, como parte das principais contribuições da escola europeia, tem-se em Anthony
Giddens e Ulrich Beck, o início fundamental voltado a uma proposta de resolução
socioambiental “parente”, isto é, de mútua interação entre o “ente” e seu meio.
Questões como política, tradição e estética nas inter-relações de ordem social moderna,
ocupam um lugar determinante na formulação da teoria, em grande parte partilhada,
por Giddens e Beck.
A tradição na experiência social, segundo Giddens, é o meio organizador da memória
social coletiva, onde não apenas o tempo conta, mas também a interpretação que liga
presente e passado. Assim, conforme Simone Weil (1996, p.347), o enraizamento é
talvez a necessidade mais importante e mais desconhecida do cerne da alma humana e
uma das mais difíceis de definir.
Giddens (1977, p.73) aborda este conceito ao enfatizar que vivemos uma época de
finalizações, e com isso, tanto no ocidente como no mundo todo o período é de
transição. Na observação de Giddens, como tema de ordem primordial, a
destradicionalização, não propõe a negação ou desprezo pelas tradições que lastreiam a
experiência social. Ela diz respeito a mudanças do lugar da tradição na vida do “ente” e
sua relação social. Para ele há de fato indícios objetivos de uma realidade “pós-
tradicional”, porém o conceito deve representar a polarização de alguns aspectos
fundamentais da vida social.
O “ente”, isto é, o ser humano, tem uma raiz por sua participação real, ativa e natural na
existência de uma coletividade que conserva vivos certos tesouros do passado e certos
pressentimentos do futuro. Logo, baseado no conceito de destradicionalização de
Giddens e no de enraizamento de Simone Weil, o “ente” deve desempenhar um papel
de pensamento introspectivo diante de sua realidade sociológica, e isso só é possível
com um grau significativo de autonomia sócio funcional, emocional e familiar.
Segundo Beck (1995, p.26), mesmo as tradições de casamento e da família, dependem
hoje de processos decisórios, devendo ser experimentadas como riscos pessoais, onde a
biografia padronizada torna-se fenômeno de “individualização”, ou biografia escolhida.
O ambiente social coletivo além-fronteiras
A ideia proposta de destradicionalizacao nos oferece a perspectiva central de que na
sociedade contemporânea a tradição deixou de ser o elemento constituinte de um lastro
de segurança para o “ente” e seu meio. Segundo Zygmunt Baumam (2000, p.119), hoje
temos uma realidade de compromisso social deveras superficial que se diferencia da
ideia de compromisso social tradicional. Zygmunt Baumam ainda alerta a respeito da
agravante multiplicação da superficialidade estratégica, do chamado “não-lugar”, em
acordo com a teoria de Marc Augé (1994, p.109).
Assim como Giddens e Beck, Augé identifica na modernidade atual uma ideia de
continuidade, onde se observam mais fatores de aceleração do que de ruptura. Marc
Augé (1994) abre novas perspectivas, propondo uma análise social da
supermodernidade que nos introduz ao que podemos, quem sabe, chamar de etnologia
do individualismo. O não-lugar é definido como um espaço-tempo de passagem
incapaz de por si só dar forma a qualquer tipo de identidade, é diretamente oposto ao
conceito de lar ou de espaço caracterizado e de projeção pessoal do “ente”. Fatores
estes que enfraquecem as referências sociais coletivas e geram um individualismo
descontrolado e sem identidade. Essencialmente o não-lugar é representado pelos
espaços públicos, realizações e institucionalizações do conceito de público ou pseudo-
público, que a priori não possuem em si o intuito de serem ou gerarem uma realidade
de interpessoalidade relacional, de identificação e de enraizamento e tradicionalização
históricos. Segundo Augé (1994, p.109, 110):
Em suas modalidades modestas, como em suas expressões luxuosas, a experiência
do não-lugar (indissociável de uma percepção mais ou menos clara da aceleração da
história e da redução do planeta) é hoje um componente essencial de toda existência
social. ...Não há mais análise social que possa fazer economia dos indivíduos, nem
análise dos indivíduos que possa ignorar os espaços por onde eles transitam.
Logo, segundo Augé, a partir de então tem-se um novo entendimento da categoria de
tempo. Que somado a concepção de mundo ultra-teletecnológico gera a realidade de
urgência e alta ciclicidade nos acontecimentos. O acelerado ritmo de consumo e
negociação de serviços e bens, as inúmeras mudanças espaciais, o alto fluxo social e o
grande tráfego de informações tem gerado uma impressão de aproximação exagerada
das realidades, o que nos leva a sensação de que o planeta por consequência da
poluição das fronteiras tem se reduzido. Hoje, o ontem já se tornou história, onde cada
evento é encarado como acontecimento histórico. Logo, por haver uma acessibilidade
tão grande a fatos e feitos, nada é caracterizado propriamente como acontecimento.
Marc Augé (1994, p.32) enfatiza:
O que é novo não é que o mundo não tenha ou tenha pouco ou menos sentido, é que
sentíamos explícita e intensamente a necessidade diária de dar-lhe um: de dar um
sentido ao mundo, não a determinada aldeia ou a determinada linhagem. Essa
necessidade de dar um sentido ao presente, senão ao passado, é o resgate da
superabundância factual que corresponde a uma situação que poderíamos dizer de
“supermodernidade” para dar conta de sua modalidade essencial: o excesso.
Cada um de nós tem, ou pensa ter, o emprego desse tempo sobrecarregado de
acontecimentos que atravancam tanto o presente quando o passado próximo.
Seguindo esta premissa, organizar o planeta a partir do conceito de tempo já não se
torna mais viável. Sendo assim, é real o tradicional desafio de uma experiência
comunitária permanece, porém, desde então e a partir de então, ele é visto de uma nova
maneira. O sentido atual da vivencia socioambiental, em geral, difere do valor dado a
experiência familiar e a vida em sociedade, isto é, da modelagem social clássica no
passado.
Para tal é necessário que se pense a cultura, a diversidade social e a própria
identificação pessoal sempre em movimento, e nunca de maneira fixa. Nenhuma
comunidade, cultura, ou mesmo estado, deveria considerar definitivo e imutável o
espaço e/ou ambiente que ocupa, e os recursos usados provenientes dele ou não, pois as
próprias civilizações são experiências transitórias e provisórias. Paul Virilio (1993)
coloca em questionamento: “...ao lado da poluição das substâncias que compõem nosso
meio ambiente..., não deveríamos entrever esta súbita poluição das distâncias e dos
períodos de tempo que degradam o espaço de nosso hábitat?”. Poluição esta que nada
mais é do que um espaço-tempo degradado pelas tele tecnologias da ação a distância.
Obviamente não colocamos em discussão as ações em si, mas sim, e como objeto de
reflexão a superficialidade proeminente da falta de identificação com um tempo, espaço
e lugar específicos. Algo que é resultante dos pensamentos e posicionamentos
individuais, que vez por outra tomam uma singular identificação com pensadores,
líderes e estado.
Giovana Mendes de Oliveira (2002, p. 22), ao traçar alguns elementos cruciais de sua
análise da gestão de território, estado e globalização no século XXI, cita:
O questionamento da modernidade é encontrado em vários autores. Habermas
(1990) faz referência à ruptura na tradição moderna e defende outra razão
fundamentada no pensamento pós-metafísico. Lyotard (1998) apresenta, em suas
obras, a constatação de que a era pós-industrial traz consigo as modificações no
estatuto da ciência e da verdade. Maffesoli (1997), um dos muitos que acreditam
que a modernidade acabou e que se entrou numa era pós-moderna, diz que “na
marcha em espiral das histórias humanas, quando a abstração racional tende a
triunfar, e a sociedade torna-se propriedade de alguns, assiste-se à sua implosão
[...]”. Mas mesmo certo que a sociedade racional implodiu, encontram-se
afirmações mais adiante, nessa mesma obra, de que essa nova sociedade está em
gestação, e, portanto, ainda dentro do período de crise. Giddens, Beck e Lash (1997)
afirmam as suas inquietações com a modernidade, procurando o conceito de
modernização reflexiva, um caminho para pensar a sociedade. Giddens (1991)
afirma categoricamente que se vive um período de crise, onde existe uma
agudização das consequências da modernidade. E mesmo em Stein (1991), um
partidário da modernidade, encontra-se afirmação que essa está sendo reavaliada, no
sentido de se saber que possibilidades ela ainda traz. Em outro partidário da
modernidade e crítico dos pós-modernos, Sérgio Paulo Rouanet (1987) também é
possível identificar essa consciência de crise, embora ele prefira falar em
consciência da modernidade e no desencanto com ela. Rouanet fala: “temos que
aceitar filosoficamente o fato de que na opinião de um grande número de pessoas,
nem todas lunáticas, entramos na era pós-moderna” para identificar que algo existe
de novo, e que embora ele não concorde com a era pós-moderna, adjetiva esse
período como uma era neomoderna, visando resgatar o projeto da modernidade em
suas origens.
É notória a percepção de que teóricos de diversas áreas das ciências humanas e sociais
tem se inclinado à necessidade de um horizonte que de forma aprofundada sistematize a
relação ente e seu meio.
Giddens enfatiza a necessidade de se pensar a sociedade. E é neste ensejo que nos
deparamos com a possibilidade, de uma ruptura com a tradição moderna, citada por
Habermas e confirmada por Beck e Lash na sensibilidade da agudização das
consequências da mesma. Um período de crise e reavaliação para Stein, que segundo
Lyotard trás modificações nos conceitos básicos da ciência e da própria verdade, sendo
esta polarizada e tornando-se propriedade de alguns para Maffesoli. Sendo assim, como
cita Rouanet, é evidente que nos deparamos com uma realidade em determinados
aspectos distinta, em partes moderada, em partes agudizada; mas será que podemos
tratar de uma real ruptura ou passagem para um novo momento histórico? Não
estaríamos vivendo uma relação não óbvia no que diz respeito a causa e efeito? Onde
entendamos que a causa seria a diversidade de realidades de países desenvolvidos e
sub-desenvolvidos e os efeitos a indiscriminada acessibilidade as tele tecnologias nos
mais diferentes níveis e condições.
Em uma sociedade cada vez mais global em acessos e ações a distância (internet,
acesso global à informações sigilosas, mercados econômicos multinacionais, compras e
vendas, ataques digitais, etc...), e individualizada na busca por direitos e conquistas, o
fator responsabilidade tem sido colocado em segundo plano. O meio, de forma
crescente e agravante tem sido reduzido a espaço superficial, transitório e irrelevante
nas relações e na valorização do próprio “ente”. A falta de especificações claras dos
territórios e dos ambientes, a relocação do valor das tradições nas relações e o apelo do
capital, vez por outra, para não colocar de forma determinante, são hoje encarados
como fatores decisivos nas relações globais e por consequência, nas pseudo-relações
“ente” - ambiente. O imediatismo predominante tem se evidenciado nas crises
relacionadas essencialmente ao alto risco, cada vez maior, nas relações globais e seus
desdobramentos na relação consumo-ambiente.
Risco Global – Dissolução territorial e Sociedade
É neste sentido, da constatação de um período de crise, que o surgimento de uma
Sociedade de Risco é evidente para Ulrich Beck. Quer sejam os partidários da
modernidade, que justificam a crise como uma tomada de consciência da própria
modernidade, quer sejam seus contra-argumentadores que veem, na crise, o início da
transição para a sua própria ruína, é sabido que a crise moderna abrange todas as
esferas de relação do “ente”, dentre elas a social, a econômica e a política. Porém, é
necessária redobrada atenção no que diz respeito aos impactos reais relacionados ao
meio ambiente. É digno de atenção o fato de que muitas vezes estamos nos deparando
com uma realidade imposta por países com condições econômicas, em geral mais
favoráveis que, em se tomando como referencial, usam de seu poder e articulação para,
por meio de políticas e decisões estratégicas condicionarem países e realidades
distintamente diferentes.
O globalitarismo totalitário, conceito cunhado por Milton Santos, é algo próximo a
globalização do colonialismo, que se caracterizou primordialmente pela ocupação
territorial. Em que territórios foram ocupados e marcados arbitrariamente ignorando-se
povos, culturas, línguas e religiões, para naquele momento, facilitar a dominação e o
saque das riquezas pertinentes àqueles lugares. A globalização contemporânea por sua
vez, é marcada pela fragmentação dos territórios. “Nunca ouve uma oposição tão
grande entre um pequeno grupo de países e a maioria esmagadora dos países da
humanidade. Então nós temos um “terceiro-mundismo” muito mais forte do que antes.
E uma realidade da dependência em relação aos países de primeiro mundo, muito maior
do que antes. E é neste contexto que surgirá a possibilidade de se construir um mundo
de outra forma”, enfatizou em documentário, Milton Santos, um dos principais
geógrafos brasileiros.
Para Milton Santos, que defendia o cuidado e resistência à “essa globalização” que nos
levaria ao fim da crítica e da autocrítica, existem basicamente três formas de
enxergarmos o mundo. A primeira, a maneira como a própria modernidade nos impele a
vermos, isto é, a globalização como fábula. A segunda, seria ver o mundo como ele é,
isto é, a globalização como perversidade. E o terceiro seria ver o mundo como ele pode
ser, para Milton Santos (1994), uma outra globalização.
Juntamente com as iniciativas da difusão de um conceito mais adequado para a
concepção de desenvolvimento, caminhamos para um entendimento apropriado das
realidades globais. O teórico avanço das telectecnologias, das redes e relações globais,
embora tenham gerado um aparente crescimento econômico, não trouxe avanços
significativos na realidade ambiental de desenvolvimento. Em 2008, o produtivismo
consumista, ou consumismo produtivista eclodiu na maior crise econômica desde 1928,
fato este que trouxe à tona novamente a questão dos territórios além-fronteiras, e
principalmente as relações de responsabilidade pelo espaço comum não-lugar.
Segundo Giovana Mendes de Oliveira (2002), o cerne da discussão do que Paul Virilio
chama de poluição das distâncias, questiona primordialmente a natureza do Estado, a
sociedade global e a razão moderna. A partir daí, surgem propostas diferenciadas como
resolução de tais questionamentos. Porém algo em comum a essas propostas é que elas
surgem como fruto e alternativas de uma crise global que não é somente fiscal, mas
também, uma crise em relação a democracia, bem como relacionada à restruturação
produtiva do capital. Estas, por sua vez, e igualmente, são derivadas da globalização,
que desterritorializa e reterritorializa de forma global, ao que Haesbaert (2004)
denomina de multiterritorialidade. Frutos estes da crise da razão moderna, que hoje
começa a ser questionada em relação ao quão importante é a voz da minoria, isto é, o
quanto o indivíduo como “ente” é determinante na realidade social.
É interessante notar que Haesbaert (2009, p. 146) coloca como razão das questões que
dominam a multiterritorialidade, algumas possibilidades de uma nova leitura do
rompimento de uma época:
Para muitos, o pós-modernismo, ao romper com uma época, inaugura uma
nova sensibilidade, uma nova leitura e uma nova experiência de mundo, diretamente
vinculada aos nossos paradigmas tecnológicos que balançam as antigas certezas e os
antigos laços da sociedade como espaço. Ocorreria assim um descentramento do
indivíduo em relação a comunidades bem delimitadas, os contatos se fariam cada
vez mais a distância, prescindindo da contiguidade física. Este descentramento e
esta instabilidade “des-localizada” são, para alguns, uma marca essencial da pós-
modernidade.
Para outros, contudo, que entendem a pós-modernidade não a partir da ideia
de ruptura (como fazem Lyotard, 1986 [1979] e Vattimo, 1990), mas de
continuidade e mesmo dentro de uma radicalização das característica da
modernidade (como Habersma, 1990 [1985] e Giddens, 1991), estes traços já
estavam sendo gestados pela modernidade, esta era onde, desde a Revolução
Industrial, “tudo que é sólido” tende a se “desmanchar no ar”, como enfatizou
Berman (1986) retomando a famosa expressão cunhada por Marx.
Tanto Marx quanto Giddens focam seus apontamentos no antagonismo da evolução
econômica de capital. Neste ciclo processual de nascimento, desenvolvimento e morte,
estão condicionadas as relações sociológicas, filosóficas, ideológicas, governamentais,
bem como, os meios e modos de produção em massa. Assim como Marx acreditava que
o capitalismo teria o seu fim, não derrotado por outro modelo, mas em si mesmo,
Giddens acredita no condicionamento da modernidade à mesma fatalidade.
Baseados neste mesmo conceito, de auto-degradação, Deleuze e Guattari defendem o
estudo fundamentado na estruturação dependente e correlativa de uma geografia do
socius. Onde há a necessidade do cuidado e maior atenção aos movimentos
corporativos capitalistas de desterritorialização, sua intensidade, suas combinações de
fluxo e seus impactos. Em o Anti-Édipo Deleuze e Guattari (2010, p. 254, 255) se
remetem a Nietzsche quando o mesmo cita o exemplo de máquina que não observa
questões sociais, territoriais e ambientais, quando o cita de forma enfática:
[…] Nietzsche sugere qual é o procedimento do novo socius: um terror sem
precedentes em relação ao qual o antigo sistema da crueldade, as formas de
adestramento e castigo primitivas nada são. Uma destruição combinada de todas as
codificações primitivas ou, pior ainda, sua irrisória conservação, sua redução ao
nível de peças secundárias da nova máquina e novo aparelho de recalcamento. O
que era essencial na máquina de inscrição primitiva, os blocos de dívidas móveis,
abertos e finitos, “parcelas do destino”, tudo isso é capturado numa engrenagem
imensa que torna a dívida infinita e forma uma única e mesma fatalidade
esmagadora: “Será preciso, desde então, que a perspectiva de uma libertação
desapareça de uma vez por todas na bruma pessimista, será preciso, desde então,
que o olhar desesperado se desencoraje diante de uma impossibilidade de ferro...”.
A terra devém um asilo de alienados.
É possível que o desespero e a auto-destruição, por consequência, a falta de
responsabilidade e identificação pessoal e positiva com um território claro e definido,
bem como, a presença de uma poluição territorial de fronteiras baseada nas
possibilidades de avanço de conquista de capital, sejam o motivo de tais consequências
sociais, políticas, econômicas e ambientais. Relações de poder cada vez mais globais e
centradas no acúmulo de capital, e condições facilitadas de comunicação e troca de
informações tem nos condicionado a uma superficialidade no que diz respeito a
responsabilidade consigo, com seu semelhante e com o seu meio. Todos, como “entes”,
somos tanto devedores como credores do meio, isto é, credores e devedores do planeta
Terra. Planeta este, que por gerações sofre as consequências do descaso particular,
global, privado e Estatal por conta, primordialmente da busca do acumulo de capital, o
que em tese viabilizaria o desenvolvimento.
Neste viés, Ulrich Beck (1997, p.12) trás as questões sócio-política e sócio-econômica
como pano de fundo à uma cura paliativa da sociedade destrutiva industrial. A
modernização reflexiva é em determinado sentido uma (auto) destruição criativa que
promove esta cura, estabelecendo por exemplo, a incansável busca de um consenso
entre a indústria, a política e o “ente” coletivo, isto é, o povo (1997, p.42). O que por
princípio contradiz fundamentalmente a atitude de surpresa da modernização simples e
seu otimismo sem medidas em relação à possibilidade de controle predeterminado das
coisas e fenômenos incontroláveis, tais como os da natureza.
Ulrich Beck ainda aponta para a urgente necessidade de perceber-se a ciclicidade do
tempo histórico, isto é, a transição do período industrial para o período de risco da
modernidade, estabelecido pelos processos próprios de modernização, o que ele
denomina Sociedade de Risco. Um processo de ruptura, em andamento, não além, mas
no interior da própria modernidade. Segundo ele, Sociedade de Risco não é uma opção
que se pode escolher ou rejeitar no decorrer de disputas políticas (1997, p.16).
Tal impacto que se traduz no embate territorial, político e econômico é de tão grande
preocupação que para Daniel Cohen (2010, p.153) existe a possibilidade, e porque não
dizer a probabilidade, de uma nova revolução industrial:
O debate coloca frente a frente, com frequência os partidários do crescimento
e os do decrescimento. Quando o crescimento é o mecanismo que permite produzir
bens a menor custo ou criar novos bens que tornem melhor a vida humana, ele
aparece como a solução do problema. No entanto, é necessário que seja direcionado
para um caminho socialmente útil, e não fútil. Um dos mal-entendidos sobre o
crescimento moderno é o seguinte: ele melhora constantemente a produtividade
industrial, o que reduz o número de horas necessárias à produção de objetos e,
consequentemente, seus preços. Mas o volume de objetos não diminui. Seus preços
ficam mais baixos, fazendo com que o número de objetos aumente cada vez mais
rápido. Os preços cada vez mais baixos explicam o desenvolvimento de uma
“economia do descartável”.
Essa “economia descartável está em rota de colisão frontal com os limites
geológicos do planeta”. Os custos de retirada de dejetos das regiões urbanas não
param de aumentar. Nova York foi uma das primeiras grandes cidades a saturar seus
depósitos de lixo. Doze mil toneladas de lixo são produzidas diariamente. São
necessários 600 caminhões por dia para retirar a sujeira da cidade. Nessas
condições, o preço dos objetos torna-se, em um número crescente de casos, inferior
aos custos ambientais que eles provocam. Oystein Dahle, o antigo presidente da
Exxon para a Noruega, citado por Lester Brown, resumia assim o problema: “O
socialismo ruiu porque não autorizava o mercado a dizer a verdade econômica. É
possível que o capitalismo entre em colapso porque não permite que seja dita a
verdade ecológica.”
Daniel Cohen (2010, p.155) enfatiza a existência de uma série de fatores comuns à
diversas civilizações que foram aniquiladas em virtude de auto-desastres ecológicos.
Baseado em Jared Diamond enumera quatro principais fatores: a incapacidade de
prever os problemas gerados, de identificá-los corretamente quando surgem, de
manifestar a vontade de solucioná-los, quando identificados, e de conseguir encará-los,
uma vez que o desejo de solucioná-los seja manifestado. A diferença entre Beck e
Cohen se dá no fato de que mesmo com problemas sendo previstos parcialmente, hoje
os mesmos estão identificados de uma forma tão agravada que podemos ser
classificados como uma sociedade de risco. Para Ulrich Beck este espaço de tempo na
história, esta era, é tema e problema em si e para si mesma, onde não há uma
possibilidade de prevenção e previsão.
Baseados nisso, constatamos que a Sociedade de Risco surge como consequência dos
processos de modernização, que são totalmente insensíveis aos seus próprios efeitos,
fragilidades e ameaças. De acordo com José Eli da Veiga (2007, p. 128) a ideia de
desenvolvimento material e prosperidade passou a ser vista como politicamente
incorreta desde o final do século passado. Conceito este que foi simultaneamente
paralelo à adoção da expressão “desenvolvimento humano” pela Organização das
Nações Unidas. Em ambos os casos há a preocupação e o cuidado de contrapor e
controlar a ideia de desenvolvimento e a sua relação ao crescimento econômico. Uma
sociedade de risco que vive as pseudo-vitórias do capitalismo que produzem esta nova
forma social.
Logo, Não se trata expressamente de uma luta de classes ou de uma luta de resistência
por uma sobrevivência social, mas sim em relação a modernização que potencializa os
resultados da sociedade industrial e reflete as escolhas da modernidade. Por isso
entende-se por modernização reflexiva uma mudança na sociedade industrial, isto é a
radicalização da modernidade. Um novo estágio em que o desenvolvimento pode se
transformar em autodestruição, onde um modelo de modernização, domina, sobrepõe e
destrói o outro, o que Ulrich Beck chama de etapa de modernização reflexiva.
Anthony Giddens e Ulrich Beck, assim como Frederick H. Buttel, (2000) observam
algumas tendências na cultura socioambiental, particularmente o despojar das teorias
sobre pós-modernidade e a aplicação de uma perspectiva particular chamada de
modernização reflexiva, aos problemas da relação entre sociedade e ambiente. Neste
caso ambos, asseveram que a discussão sobre questões conceituais a respeito da
modernidade versus pós-modernidade tornou-se improdutiva e a proposição da
modernidade reflexiva pretende manter a possibilidade da inovação conceitual.
O conceito de modernização reflexiva não implica na reflexão (como adjetivo), mas
sim no princípio de auto-confrontação, com os efeitos da sociedade de risco que não
podem ser tratados e assimilados no sistema da sociedade industrial. Com o advento da
sociedade de risco, os constantes embates por distribuição de bens e riquezas são
encobertos pelos embates de distribuição dos “malefícios”. As questões ecológicas,
que não se restringem só ao meio ambiente, mas ao meio onde as relações sociais
ocorrem, são outras preocupações na proposta de Anthony Giddens e Ulrich Beck. As
realidades, social e natural estão irreversivelmente afetadas pelo conhecimento
humano reflexivo e expostos a dimensão pública.
Sendo assim, a modernização reflexiva tem como referência um espaço de tempo na
história, fruto e decorrente da modernidade. Tempo histórico este, que é resultado e
meio dos efeitos único e exclusivamente do processo histórico da sociedade industrial.
Logo, tem-se na modernização reflexiva o processo de uma mudança conceitual da
sociedade industrial em uma sociedade moderna, e por consequência, o
desencadeamento das questões da sociedade industrial de forma potencializada.
A partir daí, no que tange aos aspectos da sociologia ambiental, entendemos uma co-
relação entre o “ente” e seu meio; assim como Erwin Schrödinger (1977, p.95) o faz
entre mecanismo e organismo nos aspectos voltados a questões da química e da física,
em especial aos aspectos quânticos e termodinâmicos. Nesta relação cíclica de
condicionamento, causa e efeito social, vislumbramos o entendimento inicial de
algumas questões socioambientais e suas implicações globais, econômicas, estatais e de
possível desenvolvimento.
Desde o final dos anos 1950 existe um preocupação em se produzir e se consumir o que
é produzido em grande escala, como incentivo de um pseudo-desenvolvimento, em
detrimento da integridade do “ente”. Desde lá o foco da mídia, dos economistas, dos
profissionais do até então em desenvolvimento design, e das áreas ligadas ao comércio,
ao varejo e ao consumo, tem se debruçado em fomentar um ritmo acelerado e uma
cultura de dependência entre “ente” e produção. Em 1955, respaldado pelo princípio de
obsolência, ao conceituar uma nova visão de consumo, o economista e analista de
varejo Victor Lebow, no artigo "The Real Meaning of Consumer Demand" para o
Journal of Retailing escreve:
“Our enormously productive economy demands that we make consumption our
way of life, that we convert the buying and use of goods into rituals, that we seek
our spiritual satisfactions, our ego satisfactions, in consumption. The measure of
social status, of social acceptance, of prestige, is now to be found in our
consumptive patterns. The very meaning and significance of our lives today
expressed in consumptive terms. The greater the pressures upon the individual to
conform to safe and accepted social standards, the more does he tend to express his
aspirations and his individuality in terms of what he wears, drives, eats- his home,
his car, his pattern of food serving, his hobbies.
These commodities and services must be offered to the consumer with a special
urgency. We require not only “forced draft” consumption, but “expensive”
consumption as well. We need things consumed, burned up, worn out, replaced, and
discarded at an ever increasing pace. We need to have people eat, drink, dress, ride,
live, with ever more complicated and, therefore, constantly more expensive
consumption. The home power tools and the whole “do-it-yourself” movement are
excellent examples of “expensive” consumption.”
A incompatibilidade de um sistema de extração produtivo linear em um planeta de
recursos finitos, trás a necessidade da observância à interação do “ente” e seu meio. A
má gestão e a erosão dos eco-sistemas, bem como das economias locais, subsidia o
fluxo de pessoas sem alternativas e sem identificação com meio algum, causando em
partes o desenraizamento e por consequência uma imediata destradicionalização. Neste
tipo de sistema, moldado ao início dos anos 1950, existe uma perda em todos os
processos. Isto é, não só os recursos do meio ambiente são usados de maneira
descartável, mas também “entes”, comunidades, culturas e sociedades.
A degradação é inerente, porém não apenas ao meio ambiente. Existe um evidente
prejuízo que vai além das questões da natureza em si, e adentra à relação meio
ambiente, ente e semelhante, e por consequência sua qualidade. Prejuízo este que é
fruto da degradação do espaço das relações. A partir daí, vemos a alteração na relação
do “ente” com o meio; em que o “ente” tem se adequado de forma pouco apropriada ao
meio degradado. Um irônico desfrute meio a produtividade não processada, lê-se, meio
ao lixo; em casas que podem ser identificados como depósitos aparentemente cada vez
mais sofisticados do mesmo.
Hoje encaramos uma realidade em que o “ente” acabou se adequando e se submetendo
ao próprio meio que esta reinventando de forma desordenada. Uma realidade de risco
onde cada vez há menos espaço para o “ente” e para o meio natural, em contra partida
um exagerado condicionamento ao meio artificial produzido de forma instantânea e
descartável.
É imediata a necessidade de uma reconstrução conceitual na mentalidade do “ente” e
seu meio. O conceito contemporâneo de usar e jogar fora tem força determinante de
influência na particularização e na desconstrução do senso de responsabilidade
individual sob o meio. Contrapor a exteriorização do verdadeiro custo da produção e do
consumo, e transformar este sistema linear em um sistema que não descarte e/ou
desperdice recursos ou pessoas, deve ser o objetivo central do pensar uma sociologia da
relação “ente” e meio ambiente.
Por fim, percebemos que para que haja uma equalizada relação “ente” e meio ambiente
é necessário uma nova perspectiva de produção e consumo, que exerce um papel
fundamental na construção de um meio ambiente saudável e equilibrado. A ausência
dessa perspectiva traz consideráveis prejuízos para o “ente” e sua qualidade real e
experimental de existência. Sabemos que a sociologia em si responde as mais diferentes
correntes que orientam os diagnósticos da sociologia ambiental em cada experiência,
quer seja positiva, quer seja negativa. Faz-se necessário à sociologia analisar as
propostas ambientais buscando alertar e equilibrar uma real relação entre planeta Terra
e ser humano. Condições estas que viabilizam a otimização das relações território,
meio, Estado, globalização e a priori “ente”, bem como seus desdobramentos de efetiva
mudança social, ao que Francisco denomina “conversão ecológica”.
Conclusões
Como proposto neste artigo, os questionamentos em foco não trataram dos riscos
globais, mas sim, do risco em si, tomando como base a responsabilidade do indivíduo e
o reflexo no ambiente social coletivo bem como no meio ambiente. Neste ambiente
concluímos que existe, dentre outros, um fator influenciador determinante relacionado
a aspectos que podem configurar uma crise moderna em geral e global. Fator este que
abrange todas as esferas da relação do “ente”, dentre elas a social, a econômica e a
política, bem como seus impactos diretos ao meio ambiente, a saber, a suposta relação
entre desenvolvimento material e prosperidade funcional econômica. É neste contexto
de relação com o meio que identificamos a possibilidade deste estar sendo minimizado
a simples espaço de transição.
Mais do que tema e problema em si e para si mesmo, como Beck menciona, este espaço
de tempo caracterizado pela individualidade do ser e o descaso com o meio trás consigo
a realidade de uma irresponsabilidade organizada. Como fruto desde conceito
destorcido de meio ambiente há a separação sistemática do “ente” em relação ao seu
meio. Porém, tal perspectiva se faz potencialmente inconsistente, uma vez que o “ente”
usufrui do meio enquanto parte dele. Neste sentido, toda e qualquer relação parente
com o meio trás a necessidade de uma reciprocidade funcional.
Sendo assim, como ponto principal e conclusivo, propõe-se então uma possível
verificação mais cuidadosa na relação funcional voltada para uma revisão conceitual do
lugar do ente em seu meio e suas relações de dependência.
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