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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
VINICIUS CARVALHO LIMA
O ENSINO DE SOCIOLOGIA NO BRASIL: AS CONSTRUÇÕES DE SENTIDO DA
DISCIPLINA ENTRE OS ANOS 1920 E 1940
CAMPINAS
2018
VINICIUS CARVALHO LIMA
O ENSINO DE SOCIOLOGIA NO BRASIL: AS CONSTRUÇÕES DE SENTIDO DA
DISCIPLINA ENTRE OS ANOS 1920 E 1940
Tese apresentada ao Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas da Universidade Estadual
de Campinas como parte dos requisitos
exigidos para obtenção do título de Doutor em
Sociologia.
Orientadora: Profa. Dra. Mariana Miggiolaro Chaguri
ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À
VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA
PELO ALUNO VINICIUS CARVALHO
LIMA E ORIENTADA PELA PROFA. DRA.
MARIANA MIGGIOLARO CHAGURI.
CAMPINAS
2018
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
A Comissão Julgadora dos trabalhos de Defesa de Tese, composta pelos Professores Doutores
a seguir descritos, em sessão pública realizada em 14/12/2018, considerou o candidato Vinicius
Carvalho Lima aprovado.
Profa Dra Mariana Miggiolaro Chaguri (UNICAMP)
__________________________________________________
Prof Dr Alexandro Henrique Paixão (UNICAMP)
__________________________________________________
Prof Dr. Mário Augusto Medeiros da Silva (UNICAMP)
__________________________________________________
Profa Dra Anita Handfas (UFRJ)
__________________________________________________
Profa Dra Simone Meucci (UFPR)
__________________________________________________
A Ata de Defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de
vida acadêmica do aluno
Dedico esta tese a minha mãe, Solange Ferreira Carvalho, professora por natureza, que me
ensinou as agruras e, principalmente, as belezas de ser professor no Brasil.
Dedico também aos professores de Sociologia no Brasil que estão cotidianamente na luta pela
consolidação da disciplina e por uma educação pública, gratuita e de qualidade.
AGRADECIMENTOS
Esta dissertação não seria possível sem a ajuda e a compreensão dos que serão
citados abaixo. Corre-se sempre o risco de cometer injustiças, esquecer de prestigiar alguém,
que, por ventura auxiliou neste processo, mas vou me permitir tentar.
Agradeço, primeiramente, ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia da
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Estava em busca de novos ares para
continuar meu processo de reflexão e construção sociológicos, frente a decepções anteriores
encontrei na UNICAMP uma nova casa, um novo rumo e um novo espaço de estudos/debates,
além de desfrutar de uma fantástica estrutura, recursos, servidores e corpo docente. Serei
eternamente grato.
Agradeço especialmente à minha orientadora, Professora Dra. Mariana Chaguri,
pela ótima relação de orientação que estabelecemos, pela leitura atenciosa da tese, pelos
apontamentos sempre instigantes e respeitosos às ideias que apresentei nesse percurso de
pesquisa. Me sinto honrado por ter tido a oportunidade de dialogar com você durante esses anos
de produção da tese, o que pretendo dar continuidade nos meus próximos passos.
Agradeço aos professores Alexandro Paixão, Anita Handfas, Mário Silva e Simone
Meucci que aceitaram compor a banca de defesa, pela leitura atenta e apontamentos feitos à
tese. Agradeço especialmente a Simone e Alexandro pela participação na banca de qualificação,
fundamental para delimitar e enriquecer a tese apresentada.
Agradeço também ao Centro de Pesquisa e Documentação de História
Contemporânea do Brasil (CPDOC/FGV) e ao Arquivo Edgard Leuenroth
(AEL/IFCH/UNICAMP), especialmente seu corpo de funcionários e servidores por terem
aberto seus arquivos pacientemente para consulta – o que possibilitou a descoberta de
documentos fundamentais para tese.
No campo profissional, agradeço especialmente aos meus grandes amigos do Grupo
Interdisciplinar de Culturas e Linguagens (IECL/IFRJ) que compartilharam os momentos de
insegurança, dilemas da profissão, e, principalmente, as alegrias: Anderson Xavier, Alexandre
Visentin, Érica Bispo, Fernanda Tostes, João Escosteguy, Lionel Rodrigues, Leslie Mulico,
Rafael Castro e Stephanie Salgado.
No âmbito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – onde completei
minha formação anterior - agradeço a saudosa professora e amiga Ana Clara Torres Ribeiro,
pela oportunidade que foi me concedida de pesquisar Sociologia no LASTRO: sem isto não
haveria achado uma profissão e um caminho digno de existência, o que, no limite, é a razão
desta tese estar ganhando vida. Agradeço também às professoras Anita Handfas e Julia Polessa
pelo diálogo sempre profícuo que estabeleceram comigo no campo do Ensino de Sociologia,
pelo acolhimento no LABES e pelas oportunidades de dialogar com docentes e discentes da
disciplina, o que é fundamental na minha formação.
À minha mãe Solange e meu padrasto Jayme. Obrigado por todo investimento e
toda aposta, por sempre apoiarem desde jovem minha necessidade de seguir estudando. Sei o
quanto é difícil criar um filho no Brasil sendo professor e depois ver o filho seguindo pelo
mesmo caminho, permeado por ataques e incertezas. Vocês são exemplos de honestidade,
dignidade, integridade e retidão que levo comigo.
Agradeço a pessoa que, sem dúvida, mais me ajudou nessa caminhada. Sempre por
perto nos momentos mais tranquilos e felizes, mas principalmente, sempre por perto nos
momentos de insegurança. Sempre disposta a me ouvir em qualquer hora, sempre a postos com
seu carinho e compreensão das minhas ausências – mesmo com sua própria e exaustiva carga
mental. Obrigado Ariana, pela pessoa que é, pela honestidade e caráter que tens – uma
admiração que me faz correr atrás e dá forças para lutar pelo que eu acredito. Amo você e espero
retribuir de todas as formas.
E, por fim, agradeço as duas pessoas que me fizeram redimensionar a existência e
experimentar o maior amor que pode existir: Rafael e Gabriela, meus dois filhos, que vocês
sejam esperança e representem parte da mudança que este mundo precisa. Viva a vida!
A Sociologia possui o triste privilégio de ser incessantemente afrontada quanto à questão de
sua cientificidade. Somos mil vezes menos exigentes em relação à História ou à Etnologia, para
não falar da Geografia, da Filosofia ou da Arqueologia. Constantemente interrogado, o
sociólogo se interroga sem cessar. O que leva a crer num imperialismo sociológico: o que é esta
ciência iniciante, balbuciante, que se permite questionar as outras ciências? De fato, a
Sociologia apenas coloca às outras ciências, questões que são colocadas a si mesma de uma
forma particularmente aguda. Se a Sociologia é uma ciência crítica, talvez seja porque ela
mesma se encontra numa posição crítica. Contesta-se não apenas a sua existência enquanto
ciência, mas sua própria existência. Principalmente neste momento, em que algumas pessoas
que, infelizmente, têm poder para conseguir isto, trabalham para destruí-la ao mesmo tempo
em que reforçam por todos os meios a “Sociologia” edificante, isto em nome da ciência, e com
a cumplicidade ativa de certos “cientistas”. (Pierre Bourdieu - A ciência que perturba).
RESUMO
Esta tese investiga aspectos da institucionalização das Ciências Sociais no Brasil. Para tanto,
pesquisamos a relação entre a produção e a sistematização do conhecimento sociológico no
Brasil e os momentos de reconhecimento institucional da disciplina nos currículos escolar e
acadêmico. Especificamente - com a intenção de capturar sentidos do Ensino de Sociologia
entre as décadas de 1920-1940 - a pesquisa investiga e relaciona o debate em torno da presença
da disciplina na escola básica e seu surgimento no espaço acadêmico. No período destacado,
estabeleceu-se uma disputa em torno dos sentidos assumidos pela disciplina – conectados ora
à escola, ora à universidade - para sistematização do conhecimento sociológico no Brasil.
Buscamos os pontos de aproximação e de distanciamento entre tais sentidos e os porquês destas
movimentações. Em outras palavras, como operam os processos de aceitação ou recusa da
disciplinarização escolar e acadêmica da Sociologia, vistas a partir dos documentos curriculares
oficiais, das reformas do ensino secundário e do debate em torno do retorno da disciplina ao
currículo e como, de fato, tal processo se dá no período destacado. Identificamos - através do
mapeamento dos espaços de produção e debate, portanto da circulação das ideias - como
diferentes concepções de Sociologia e Educação acabaram por produzir diferentes sentidos em
disputa, sobre o ensino e a pesquisa em Sociologia – que analisamos em suas diferentes facetas.
Palavras-Chave: Sociologia - Estudo e ensino. Escolas. Universidades e faculdades Currículos.
Ciências sociais – Brasil.
ABSTRACT
This thesis investigates aspects of the institutionalization of social sciences in Brazil. For this,
we investigated the relationship between the production and the systematization of sociological
knowledge in Brazil and the moments of institutional recognition of the discipline in the scholar
and academic curricula. Specifically - with the intention of capturing meanings of Teaching
Sociology between the decades of 1920-1940 - the research investigates and relates the debate
around the presence of the discipline in the basic school and its emergence in the academic
space. In the period under review, a dispute was established around the meanings assumed by
the discipline - connected either to the school or to the university - to systematize sociological
knowledge in Brazil. We seek the points of approximation and distance between these senses
and the reasons for these movements. In other words, how do the processes of acceptance or
refusal of the academic and academic discipline of Sociology operate, seen this from the point
of official curricular documents, the reforms of the secondary education and the debate about
the return of the discipline to the curriculum and how this process takes place during the
highlighted period. We identify - through the mapping of spaces of production and debate,
therefore of the circulation of ideas - as different conceptions of Sociology and Education ended
up producing different meanings in dispute, about teaching and research in Sociology - that we
analyze in its different facets.
Keywords: Sociology - Study and teaching. Schools. Universities and colleges – Curriculum.
Social science - Brazil
LISTA DE TABELAS
Página
Tabela 1: Programa de Sociologia, Colégio Pedro II (1926-1928). 51
Tabela 2: Programa de Sociologia, Colégio Pedro II (1929). 52
Tabela 3: Estrutura do Ensino Secundário na Reforma Francisco Campos. 63
Tabela 4: Programa Integral de Sociologia dos Cursos Complementares (1939). 69
Tabela 5: Organização do livro Práticas de Sociologia (Delgado de Carvalho,
1939).
75
Tabela 6: “Distribuição da matéria para um programa de Sociologia”, Delgado de
Carvalho, 1938.
80
Tabela 7: Correspondências de Alceu Amoroso Lima com Gustavo Capanema
acerca diretrizes educacionais do Ministério da Educação.
98
Tabela 8: Fins e objetivos da universidade e composição da Universidade de São
Paulo (USP).
124
Tabela 9: Currículo do 1º Curso de Sociologia da Universidade do Brasil. 129
Tabela 10: Currículo do Curso de Ciências Sociais e Políticas da USP 131
SUMÁRIO
PÁG.
I. INTRODUÇÃO 15
1.1 Apresentação 15
1.2 Sobre a pesquisa 18
1.3 Metodologia 21
1.4 Estrutura da tese 23
II. CAPÍTULO 1: EM BUSCA DA CIÊNCIA: REFORMAS
EDUCACIONAIS E SOCIOLOGIA NOS ANOS 1920
25
1.1 O primeiro surgimento da Sociologia no Brasil: século XIX e as duas
primeiras décadas do século XX
25
1.2 A conjuntura nacional e os debates educacionais nos anos 1920 30
1.3 Reformas educacionais nos anos 1920 34
1.3.1. Reformas do ensino brasileiro na Primeira República 34
1.3.2. Reformas estaduais de ensino na primeira república: São Paulo 40
1.3.3. Reformas estaduais de ensino na primeira república: Rio de Janeiro 43
1.4 Institucionalização da Sociologia no espaço escolar: a experiência do
Colégio Pedro II
48
III. CAPÍTULO 2: A SOCIOLOGIA ESCOLAR NOS ANOS 1930 56
2.1 A ascensão de Getúlio Vargas: Revolução de 1930 e Estado Novo 56
2.2 Reforma Campos e a constituição da Sociologia como disciplina escolar
nos anos 1930
61
2.2.1. A Reforma Francisco Campos 61
2.3 O currículo de Sociologia no cerne da contradição 68
2.4 A reação de Delgado de Carvalho 72
2.5 A Igreja Católica, a Escola Nova e os embates no campo educacional 83
2.6 Educação nova e o papel dos primeiros sociólogos 85
2.7 A Reação Católica 91
2.8 Conflitos no ministério Capanema 94
2.9 A Reforma Capanema 101
2.9.1. A Sociologia Escolar na passagem dos anos 1930 aos 1940 105
IV. CAPÍTULO 3: SURGIMENTO DAS UNIVERSIDADES
BRASILEIRAS: QUAL A SOCIOLOGIA QUE SE PROPÕE NESTE
CAMPO?
108
3.1 Primórdios da universidade no Brasil 108
3.2 Ensino superior na República 109
3.3 Experiências nos anos 1930/1940: Universidade do Distrito Federal (UDF)
e Universidade de São Paulo (USP)
111
3.3.1. Autonomia universitária 111
3.3.2. A Universidade do Distrito Federal (UDF) e a autonomia
despedaçada se tornando a Universidade do Brasil
117
3.3.3. A Universidade de São Paulo (USP) nas franjas da autonomia 120
3.4 A Sociologia universitária/acadêmica: ciência ou diletantismo? 125
3.5 As Ciências Sociais no Rio de Janeiro: Universidade do Distrito Federal,
Universidade do Brasil e a formação da Faculdade Nacional de Filosofia
nos anos 1930 e 1940
128
3.6 As Ciências Sociais em São Paulo: A Universidade de São Paulo e a busca
pela sociologia científica
131
3.7 A Escola Livre de Sociologia e Política (ELSP) e a formação dos sociólogos
profissionais
135
3.7.1. Donald Pierson: ELSP, consolidação da Sociologia aplicada e
científica e a criação da pós-graduação
140
3.7.2. Estudos de pós-graduação na ELSP 143
V. CAPÍTULO 4: DESCOLAMENTO ENTRE AS SOCIOLOGIAS
ACADÊMICA E ESCOLAR: EM BUSCA DE RESPOSTAS
149
4.1 Currículo, cientificidade e história das disciplinas escolares e sua influência
no debate sobre as sociologias do Brasil nas décadas de 1930 e 1940
149
4.2 Saída da Sociologia da escola: esgotamento do processo de construção da
disciplina escolar e a reação no campo sociológico acadêmico à retirada
160
4.3 Diletantismo x ciência no debate acadêmico dos anos 1930/1940 168
4.4 Revista Sociologia: Didática e Científica (1939-1950) 172
4.5 Sociologia e ensino secundário: qual o papel da disciplina no debate
público?
176
4.6 Pós-graduação, pesquisa e “insulamento acadêmico” 183
VI. CONSIDERAÇÕES FINAIS: O PASSADO COMO BÚSSOLA PARA
O FUTURO
189
VII. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 195
VIII. ANEXOS 204
15
I. INTRODUÇÃO
1.1. Apresentação
Nenhum texto, mesmo os acadêmicos, nascem descolados de seus autores. Sendo
assim, acreditamos que esta pequena apresentação seja necessária para melhor situar o leitor
frente ao conjunto de expectativas, objetivos e condicionamentos que cercaram a concepção, a
produção desta tese e orientaram a formação acadêmica do pesquisador. Neste primeiro
movimento, utilizarei rapidamente a primeira pessoa do singular para a breve narração destas
motivações, retornando gradativamente à terceira pessoa nos movimentos posteriores.
Dito isto, acredito que esta tese, apresenta resultados de questionamentos
formulados, pensados e refletidos a partir de atuação docente da disciplina Sociologia no ensino
médio. Em outras palavras, as ideias que serão apresentadas representam anseios e reflexões -
para além de um sociólogo - de um professor de Sociologia na escola básica em atuação.
A minha trajetória nas Ciências Sociais, se inicia com a graduação (2005-2009),
realizada no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(IFCS/UFRJ). Esse período de formação foi amplamente marcado pela curiosidade relacionada
à temática dos movimentos sociais: meu interesse recaía sob o estudo de ações sociais de
reivindicação e protesto nas periferias das grandes metrópoles brasileiras, já que era (e ainda
sou) um habitante deste espaço urbano singular1.
Em 2006, ainda na graduação, atuei como Bolsista de Iniciação Científica no
Laboratório da Conjuntura Social: tecnologia e território (LASTRO)2 coordenado pela Profa
Dra. Ana Clara Torres Ribeiro no Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional
(IPPUR/UFRJ). Minha inserção neste grupo de pesquisa trouxe experiências acadêmicas
enriquecedoras relacionadas à pesquisa e atuação dos movimentos sociais que deram origem à
1 Sinalizo que sou morador da cidade de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, pois minha escolha pelas Ciências
Sociais e pelas pesquisas que decidi realizar são amplamente influenciadas pela vivência, experiência e
questionamentos relacionados à vida como morador deste espaço metropolitano. Isto porque, as maiores
dificuldades que tive que lidar enquanto pesquisador e cidadão são consequência da distância, em suas variadas
facetas: principalmente da distância física do centro da metrópole e da possibilidade de acesso gratuito e aos
equipamentos culturais e educacionais. 2 Desenvolvi uma série de atividades neste laboratório, destaco o trabalho com o Banco de Ações e Processos
Sociais (BAPS) - banco que armazena ações de reivindicação e protesto em metrópoles brasileiras coletadas da
mídia impressa. Trabalhei no preenchimento sistemático das ações (referente à região metropolitana do rio de
janeiro e Belém do Pará) e na revisão e posterior classificação dos novos tipos de ação social presentes no banco.
16
minha dissertação de mestrado intitulada Juventude e Política Cultural na Periferias do
Presente: O Caso de Nova Iguaçu defendida em 20123.
Paralelamente à formação como bacharel, realizei a licenciatura em Sociologia na
UFRJ. Neste curso sob orientação das professoras (Profa Dra) Julia Polessa e (Profa Dra) Anita
Handfas e a partir do ingresso como pesquisador no Laboratório de Ensino de Sociologia
Florestan Fernandes (LABES)4, pude ter contato com as questões relacionadas ao campo do
ensino de Sociologia. Realizei, assim, o estágio docente durante o ano de 2009, envolto nos
debates e pesquisas sobre o retorno da disciplina ao currículo da escola básica, o que fortaleceu
a intenção anterior de tornar-me professor da disciplina neste nível de ensino.
Um ano antes, em 2008, a disciplina tinha voltado a figurar – em âmbito nacional -
nos três anos do ensino médio e o debate sobre políticas curriculares e o papel efetivo da
disciplina na escola fervilhavam e me movimentavam intelectualmente, tendo influência
primordial os debates realizados no Encontro Estadual de Ensino de Sociologia (ENSOC-
UFRJ) e do I Encontro Nacional Ensino de Sociologia (ENESEB). No entanto, minha formação
em Ciências Sociais caminhou até o ano de 2011 relacionada à pesquisa sociológica. Ainda
neste ano e durante a realização do mestrado acadêmico, fui aprovado no concurso para
preenchimento de vagas de professor de Sociologia da Secretária Estadual de Educação do Rio
de Janeiro (SEEDUC/RJ).
Neste momento da trajetória e a partir do aprofundamento das minhas relações
como pesquisador no LABES/UFRJ, as questões sociológicas que trazia se deslocam
definitivamente dos movimentos sociais para o campo do Ensino de Sociologia. Uma das
primeiras questões motivadoras nesse campo de atuação profissional já apareceram nas
preparações das primeiras aulas: o que é, de fato, ensinar Sociologia? O que estou preparando
para lecionar, é de fato, Sociologia? Ou se constitui, de fato, como ciência?
Esses questionamentos continuariam a se repetir em toda entrada em sala de aula e
isso acontece porque me parece bastante complexo e desafiador (ainda hoje, e acredito que o
3 O objetivo desta pesquisa foi apreender como as políticas culturais chegavam à periferia urbana brasileira e qual
seu impacto na produção cultural da juventude desses espaços. Perceber o quanto estas políticas, tendo como mote
as teorias da ação social coletiva, estimulam a criação de novos projetos juvenis que contribuam para a formação
de sujeitos autônomos e emancipados. Entendo que este trabalho possibilitou aprofundar a compreensão das
distintas formas de participação dos indivíduos e coletividades no entendimento da organização/conflitos dos
movimentos sociais em sua faceta cultural. 4 O Laboratório de Ensino de Sociologia Florestan Fernandes (LABES) é um espaço para professores, estudantes
e pesquisadores terem acesso ao material disponível sobre o ensino de sociologia na educação básica. Legislação,
artigos, teses, dissertações, materiais didáticos, conteúdos programáticos, experiências didáticas estão à
disposição, fazendo com que o LABES se constitua numa importante ferramenta de trabalho a todos os
interessados na história, no ensino e na formação do professor de Sociologia. Site <http://www.labes.fe.ufrj.br/>.
17
será sempre), realizar uma transposição didática satisfatória das teorias e conceitos sociológicos
para sala de aula. O que causou necessariamente conflito entre a minha formação acadêmica
anterior, voltada para a pesquisa e o meu processo de formação prática docente ainda em curso
– parte da motivação em torno desta tese é a tentativa de continuar refletindo sobre estes
dilemas.
Acredito que em diversos níveis esta é uma questão inquietante para os alunos que
estão terminando a licenciatura e encontram-se frente à sua primeira experiência profissional:
sabemos e aprendemos que a Sociologia é um campo de saber fundamentalmente teórico-
conceitual, ancorado em ampla produção científica, mas é esta perspectiva que devemos utilizar
para nortear nossas aulas? Ou devemos encarar a presença da Sociologia na escola básica como
uma oportunidade de ensinar aos jovens como operacionalizar os conceitos sociológicos para
explicação, desnaturalização e estranhamento da dinâmica da vida social?
Nos anos posteriores pude participar como avaliador dos livros didáticos da
disciplina no Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD), uma experiência
enriquecedora que me fez ter contato com estudiosos no campo do ensino de Sociologia, além
de poder debater o que os estudantes de ensino médio iriam receber da disciplina no espaço
escolar – perspectiva que abracei nos últimos anos, publicando artigos5 que analisam os livros
didáticos.
Além disso, pude consolidar, minha contribuição ao campo no ensino de
Sociologia, seja com a publicação de artigos, mediação de mesas redondas e realização de
oficinas e participação nos encontros da área, como o supracitado Encontro Estadual de Ensino
de Sociologia (ENSOC-UFRJ), o Encontro Nacional Ensino de Sociologia (ENESEB) e o GT
de Ensino de Sociologia do Congresso da Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS).
Estas experiências possibilitaram a consolidação de meu objeto de pesquisa, e a
posterior a entrada no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UNICAMP. Falaremos
da pesquisa na próxima subseção, mas cabe destacar que esta foi iniciada em um período
esperançoso na vida pessoal – havia sido aprovado no concurso do Instituto Federal do Rio de
Janeiro (IFRJ) onde leciono hoje, pensando as idiossincrasias da disciplina em um novo campo,
5 LIMA, V. C. Ensinar sobre a luta ou ensinar a lutar? Uma análise preliminar dos movimentos sociais no livro
didático de sociologia. Revista Perspectiva Sociológica, N.º 13, 1º sem. 2014.
LIMA, V. C. Ensinar sobre a luta ou ensinar a lutar? Uma análise preliminar dos movimentos sociais no livro
didático de sociologia. In: HANDFAS, Anita; POLESSA, Julia; FRAGA, Alexandre. (org.). 1ed.rio de janeiro: 7
letras, 2015, v. 1, p. 323-336.
LIMA, V. C.; MACAIRA, J.P.; OLIVEIRA, D.R. Sociologia na escola: a abordagem de temáticas clássicas das
ciências sociais nos livros didáticos. Saberes em perspectiva, v. 4, p. 7-138, 2014.
18
o do ensino médio integrado ao técnico – e na nacional, pós jornadas de junho de 2013 e
eleições presidenciais no ano subsequente: a ideia inicial de pesquisa, inclusive, foi um balanço
destes 10 anos da volta da disciplina aos bancos escolares (2008-2018). No entanto, o tempo
presente - pós golpe parlamentar e constantes ataques a educação e pesquisa6 - são de luta para
manutenção da disciplina e suas discussões no currículo7, o que através da própria tese, como
poderemos ver, parece ser a sina da Sociologia no espaço escolar: luta constante pela sua
permanência, reconhecimento e consolidação, em outras palavras, a luta pela sua efetiva
institucionalização.
1.2. Sobre a pesquisa
As propostas de inclusão da Sociologia como disciplina nos sistemas educacionais
brasileiros datam do final do século XIX. No entanto, somente em 1925, com a reforma Rocha
Vaz, a Sociologia é incluída no ensino secundário e nas Escolas Normais de Recife e do Rio de
Janeiro. Neste mesmo ano, também é introduzida no currículo do Colégio Pedro II. Na reforma
Francisco Campos de 1931, permanece no currículo, sendo retirada em 1942 pela reforma
Gustavo Capanema e só retorna em 2008 por força da lei nº 11.684.
Essa recuperação histórica “relâmpago” da trajetória da disciplina no começo do
século XX para fins desta introdução nos mostra que estamos há quase um século da efetiva
entrada da disciplina na educação brasileira. No entanto, tirando períodos específicos da história
6 ESCOSTEGUY FILHO, J. C. Uma pequena história dos dias de hoje: considerações sobre a privatização da
educação no brasil. Painel acadêmico <http://painelacademico.uol.com.br/painel-academico/9975-uma-pequena-
historia-dos-dias-de-hoje>, acesso: 05 de fevereiro de 2018.
2. Os cortes na capes e o futuro da pesquisa científica no Brasil: <https://www.terra.com.br/noticias/os-cortes-na-
capes-e-o-futuro-da-pesquisa-cientifica-no-brasil,4a4aa494cf6dcab7eeb6cf130cbcff61zkxfglkm.html>, acesso:
10 de fevereiro de 2018. 7 A Reforma do Ensino Médio (Medida Provisória 746/2016 e Lei nº 13.415/2017), flexibiliza o conteúdo ensinado
aos alunos do ensino médio, muda a distribuição do conteúdo das disciplinas anteriormente existentes no currículo
do secundário ao longo dos três anos do ciclo. O currículo do ensino médio passa a ser definido pela Base Nacional
Comum Curricular (BNCC). A lei determina que o que será lecionado vai estar dentro de áreas, denominadas de
"itinerários formativos", tais como: 1. linguagens e suas tecnologias, 2. matemática e suas tecnologias, 3. ciências
da natureza e suas tecnologias, 4. ciências humanas e sociais aplicadas e 5. formação técnica e profissional. As
escolas não são obrigadas a oferecer aos alunos os cincos itinerários, mas deverão oferecer ao menos um destes.
A reforma foi amplamente criticada, dentre outros motivos, pois foi realizada através de medida provisória, sem
debate efetivo com a sociedade e com as comunidades escolares, além de ferir substancialmente a Lei de Diretrizes
e Bases da Educação (LDB), de 1996, pois modifica as exigências de conteúdos ali previstos, a formação de
docentes requeridas para ministrar aulas nessa etapa da Educação Básica e a metodologia de pactuação das
políticas educacionais prevista na Constituição Federal de 1988. Além disso as únicas disciplinas obrigatórias nos
três anos de Ensino Médio serão Língua Portuguesa e Matemática. Mas isso não quer dizer que a Sociologia,
necessariamente, deixará de ser ministrada. No entanto, a lei não garante carga horária mínima nem esclarece em
quais anos essas e outras disciplinas devem ser oferecidas, a decisão deve ficar a critério de cada estado e escola
– o que torna indefinido o papel da disciplina a partir de 2022, prazo final para adoção da Reforma.
19
das Ciências Sociais no Brasil, o Ensino de Sociologia escolar constituiu um objeto científico
oculto, com poucos debates e relativa invisibilidade pelo menos até os anos 2000 (HANDFAS
& MAÇAIRA, 2011), enquanto, nesse mesmo período, a Sociologia universitária diversificou
e ampliou seu escopo de ensino e pesquisa (SARANDY, 2007).
Ademais, o cenário acima relacionado diz respeito e faz sentido dentro de um
recorte verificado no interior do campo sociológico que privilegiou a formação e a
profissionalização do sociólogo voltada para o campo científico e de pesquisa, dando menor
peso, proporcionalmente, ao campo do ensino de Sociologia8.
No entanto, acreditamos que existam condicionantes e motivações anteriores à
década de 1950 que foram pouco explorados. Este é um dos objetivos desta tese: recuperar este
debate dentro de uma perspectiva que valorize o processo de disciplinarização escolar da
Sociologia, pois identificamos que este debate tem sido realizado através de uma perspectiva
que valoriza a trajetória da disciplina dentro do seu reconhecimento, importância e legitimidade
adquirida dentro do ambiente universitário.
Como deixam claro José Segatto e Edison Bariani (2010), embora não haja
consenso sobre a gênese histórica das Ciências Sociais no Brasil, a institucionalização
“científica” tem sido a referência para a maioria das interpretações sobre a institucionalização
da disciplina. Sendo assim, os autores identificaram as seguintes características nessas
interpretações:
Tais elementos supostos compreendem uma noção da Sociologia como ciência
empírico-indutiva, baseada no rigor metodológico e num elevado padrão de trabalho
científico, no distanciamento com relação a valores, na integração entre ensino e
pesquisa, no funcionamento regular de formas de pós-graduação, financiamento à
pesquisa, divisão do trabalho, quantidade e estabilidade da atuação, mormente em
regime integral numa comunidade marcada pelos ethos acadêmico e por meios
próprios de hierarquização, legitimação e divulgação/controle da produção.
(SEGATTO e BARIANI, 2010, p. 203).
A história da institucionalização das Ciências Sociais no Brasil tem sido contada,
portanto, essencialmente a partir de sua profissionalização para a pesquisa, uma vez que esta
teria eliminado a perspectiva bacharelesca, autodidata e diletante da disciplina verificada
sobretudo nos estudos produzidos antes da década de 1940. Essa perspectiva, no entanto, acaba
8 Consideramos nesta conjuntura, obviamente, a influência da ausência da disciplina na escola desde 1942, as
violações de liberdades e direitos da ditadura civil-militar iniciada em 1964 e a reforma universitária de 1968 como
incentivadores desse recorte verificado no interior do campo, destrincharemos a influência desses eventos
históricos no capítulo 4.
20
por desconsiderar os currículos e programas de ensino que foram gerados fora desses padrões
e lógicas, o que pretendemos retomar enquanto objetos de nossa investigação.
Nesse sentido, o ensino de Sociologia, tem sido responsável, desde o começo dos
anos 2000 por iniciar um renovado processo de investigação do processo de institucionalização
da disciplina. Essa retomada se dá primordialmente pela consideração e análise da produção
antes do “corte” entre o período “pré-científico” e o período “científico” da disciplina, trazendo
para o centro do debate a reflexão sobre a produção de ideias sociológicas - mesmo aquelas que
não foram produzidas no ambiente acadêmico.
A tese se filia à essa inflexão teórica. Analisamos o surgimento da disciplina a partir
do processo de sistematização do conhecimento sociológico, capturando assim os sentidos
assumidos pelo ensino de Sociologia em diferentes períodos históricos a partir de sua efetiva
implementação na década de 1930, sua consolidação escolar, sua saída da escola e os debates
para seu retorno a partir da década de 1940, e, primordialmente porque as sociologias escolar
e acadêmica perdem o fio que as tornara próximas na década de 1930.
O tema principal desta tese, portanto, consiste na investigação da
institucionalização das Ciências Sociais no Brasil tendo como enfoque principal a sua
disciplinarização escolar e acadêmica, para investigar o processo de descolamento entre essas
duas sociologias. Para tanto, nos interessa investigar a relação entre a produção e a
sistematização do conhecimento sociológico no Brasil – no período 1920-1942 – os momentos
de reconhecimento institucional da disciplina no currículo escolar, sua posterior retirada do
currículo e reconhecimento no mundo acadêmico.
Portanto, quando propomos analisar a sistematização do conhecimento sociológico
no Brasil via disciplinarização escolar e acadêmica, estamos propondo uma análise de como a
Sociologia se constituiu enquanto campo de saber dentro dos períodos analisados a partir de
seu surgimento, consolidação e reconhecimento além de quais as modificações, tensões e
mudanças de sentido provocadas em seu ensino a partir dos embates sociais, educacionais e
políticos.
Em suma, o que nos interessa é a relação estabelecida entre a Sociologia escolar e
a sua ciência de origem no Brasil e quais os rebatimentos do descolamento destas especialmente
após a década de 1940. Assim, não podemos realizar essa análise sem considerar os contextos
educacionais e políticos dos períodos referidos sob pena de não capturar a efetiva circulação
das ideias.
21
Por isso, nossa intenção não é comparar os sentidos atribuídos à disciplina nas
décadas escolhidas para análise, mas pensar a construção destes no período escolhido a partir
de uma perspectiva processual, ou seja: acompanhando a formulação das ideias, as idas e vindas
da disciplina no currículo, além de acompanhar alguns dos movimentos e debates chaves da
comunidade intelectual.
1.3. Metodologia
Ao invés de investigar a institucionalização da Sociologia via espaço escolar ou via
debate universitário da disciplina, o que pretendemos investigar são os debates em torno da
recusa ou aceitação da Sociologia, tendo em vista seu processo de disciplinarização a partir de
alguns pontos chaves: o debate sobre as reformas educacionais do período, a formulação dos
currículos da disciplina, o debate sobre cientificidade, além da formação para atuação
profissional no ensino e na pesquisa em Sociologia.
Para isto, retomamos um conjunto amplo de debates que envolve reformas
educacionais (e, portanto, legislação educacional), reflexões sobre a educação e o ensino (feitas
por sociológicos, por agentes do Estado, pela Igreja, entre outros atores), além de analisar os
sentidos de cientificidade em jogo no processo de construção do conhecimento sociológico9.
Deste modo, utilizamos o arcabouço teórico-metodológico de autores relacionados a estas
temáticas, tais como Antonio Gramsci, Max Weber, Helena Bomeny, Otaíza Romanelli,
Amaury Moraes, Fernando Limongi, Sérgio Miceli, Simone Meucci, Demerval Saviani, Simon
Schwartzman, Pierre Bourdieu, André Chervel e Ivor Goodson.
Desse modo, foram fundamentais pesquisas documentais, bibliográficas e nas teses
anteriormente realizadas de Soares (2009), Guelfi (2011) e Neuhold (2014), pois recuperaram
a trajetória da disciplina na primeira metade do século XX a partir de enfoques diversos.
Utilizamos estas teses como fonte documental secundária, principalmente para identificar a
formatação, os interesses e usos do currículo de Sociologia na década de 1930, além de
investigar a trajetória da Revista Sociologia.
Além disso, foram fundamentais as pesquisas realizadas presencialmente nos
arquivos do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil
9 Nos parece que a Sociologia até os anos 1930 tem como norma e prioridade a construção de conhecimento
conectada ao espaço escolar; perspectiva que se altera nos anos 1940 rumo à cientificidade. Investigamos isto a
partir do processo de construção desse ideário: como esse campo de construção teórica recusa ou às vezes se
aproxima da sua disciplinarização escolar e como isso se deu ao longo do período destacado.
22
(CPDOC/FGV), no Arquivo Edgard Leuenroth (IFCH/UNICAMP) e a Biblioteca Octávio
Ianni (IFCH/UNICAMP), em busca – e respectiva coleta - de documentos relevantes sobre o
período. Conseguimos realizar nestes três arquivos pesquisas em fontes primárias, sobre a
primeira pós-graduação em Ciências Sociais do Brasil, fundada na Escola Livre de Sociologia
e Política de São Paulo (ELSP) em 1941; o anais do primeiro I Congresso Brasileiro de
Sociologia; além da comunicação de Delgado de Carvalho com o presidente Getúlio Vargas
sobre o currículo de Sociologia em pleno Estado Novo.
A procura das fontes primárias neste caso se justifica pela necessidade de explorar
de forma renovada essas fontes, ou dar relevância e devida análise a novas descobertas. Nosso
interesse nessas buscas se deu principalmente pela necessidade de levantar evidências que
reforçassem a hipótese inicial de descolamento das sociologias escolar e acadêmica.
Procuramos o verbete “sociologia” nos dois arquivos, além de autores relevantes como
Francisco Campos, Gustavo Capanema, Getúlio Vargas, Alceu de Amoroso Lima, Anísio
Teixeira, Delgado de Carvalho e Fernando de Azevedo. No AEL, já tínhamos feito pesquisa
anterior e especificamente sobre a pós-graduação da ELSP e Donald Pierson, o que, por si só,
orientou nossa busca posterior.
Os documentos selecionados foram fotografados à medida que foram encontrados,
e, posteriormente, organizados e analisados. Procuramos concentrar a análise dos documentos
nos próprios capítulos e sua reprodução na íntegra no setor de anexos, ao final do texto da tese.
Outra opção metodológica que realizamos foi a edição de “mini currículos” dos agentes e
sujeitos presentes em notas de rodapé a medida que estes aparecem no texto da tese para que
os leitores conheçam as trajetórias dos personagens citados e tenham conhecimento, mesmo
que pouco aprofundado, de seu posicionamento político.
Por fim, nos cabe dizer que o processo de coleta destes documentos foi marcado
por dificuldades, desde de aspectos práticos como documentos com pouca legibilidade, quanto
a aspectos que dizem respeito as atribuições familiares e de trabalho do próprio pesquisador.
No entanto, apesar destas, acreditamos que trazemos um conjunto de documentos relevantes
para análise do período em tela, jogando luz a aspectos ainda pouco explorados nos estudos de
Ensino de Sociologia.
23
1.4. Estrutura da tese
Nossa pesquisa, objetiva investigar diferentes concepções sobre o ensino de
Sociologia estabelecendo nexos entre os conteúdos ministrados e os regimes em que foram
estabelecidos para esclarecer os rumos da produção do conhecimento sociológico.
Investigamos as condições de constituição desta área de conhecimento, seus agentes e
interesses, além de analisar as continuidades e rupturas no ideário sobre o ensino da disciplina.
Isto está refletido na tese e sua estrutura.
Com efeito, o capítulo 1, contextualiza a primeira entrada das Ciências Sociais no
Brasil, especificamente da disciplina Sociologia no ensino secundário. Nos interessa neste
explicar a questão das fronteiras disciplinares e identificar quais foram os saberes de referência
e a conjuntura de constituição da disciplina. Como fato relevante, podemos demarcar que nos
anos 1920 a disciplina é efetivamente incluída no currículo escolar brasileiro pela Reforma
Rocha Vaz (1925), antes, portanto, da criação dos primeiros cursos de graduação em Ciências
Sociais, ocorridos na década de 1930.
Sabemos que os processos de institucionalização de um campo científico
relacionam-se também com os processos de profissionalização e legitimação das disciplinas,
no entanto, o foco desse capítulo é tratar da questão da delimitação, demarcação e rupturas das
fronteiras disciplinares e a interface do campo da Sociologia com o campo da Educação, pois
essa recuperação histórica é fundamental para a compreensão plena da tese. Sendo assim,
recuperaremos a conjuntura educacional nos anos 1920 e tentaremos estabelecer conexões entre
esta, a Sociologia e seu currículo.
No capítulo 2, nos debruçamos sobre a trajetória da disciplina na escola durante os
anos 1930, já que esta permanece durante toda a década, sinalizando processos nacionais de
ruptura com a Primeira República, a ascensão de Getúlio Vargas, a consolidação de reformas
de Estado, do Ministério da Educação e florescimento da produção industrial e do Brasil
urbano. No campo educacional e sociológico, a década é marcada por disputas, principalmente
pela reação da Igreja Católica ao Manifesto dos Pioneiros e às diretrizes adotadas pela
Associação Brasileira de Educação no período; também teremos modificações no currículo
escolar e o florescimento da publicação na área sociológica. Por fim, já na década de 1940,
teremos a edição de uma nova reforma educacional, na qual a disciplina sai do currículo, o que
nos leva a questionar os sentidos assumidos pela Sociologia até aquele momento.
No capítulo 3, trazemos o surgimento da universidade no Brasil, tendo como foco
primordial os anos 1930, demarcado por disputas, geradas principalmente pela reação da Igreja
24
Católica ao ensino universitário carioca e as experiências universitárias paulistas. Analisaremos
esta conjuntura, de construção autônoma (ou nem tanto) das universidades, pois a Sociologia
emerge na academia neste período e adquire sentidos diferentes dos verificados até então, uma
diferença que será reconstruída analiticamente a partir do confronto, exposição e prática dos
projetos políticos-pedagógicos das instituições que analisaremos. Investigaremos, ainda, o
surgimento dos estudos pós-graduados da disciplina no Brasil no início da década de 1940.
E, no capítulo 4, investigamos as razões do descolamento entre as sociologias
acadêmica e escolar, ocorrido na década de 1940, já que a tendência verificada nesta década de
reorientação do saber sociológico se aprofunda no período imediatamente posterior. Para isto,
recorreremos, primeiramente, ao debate sobre cientificidade e história das disciplinas escolares
para, em seguida, investigar os movimentos feitos pela Sociologia e seu descolamento da
escola, pavimentando caminhos para entendimento do problema de pesquisa.
Por fim, ressaltamos que definimos como descolamento das sociologias, como o
processo no qual os sentidos, práticas e orientação voltados ao espaço escolar da disciplina,
tornaram-se sentidos, práticas e orientação voltados a sociologia científica e ao espaço
universitário. Analisamos este processo através da constituição do discurso científico, das
histórias das disciplinas escolares e do currículo, do próprio debate interno do campo e, por
fim, do insulamento acadêmico da disciplina. Em outras palavras, uma vez que a Sociologia se
constituiu como disciplina escolar, seu objetivo era ensinar/disciplinar quem? Para que? Onde?
A partir da inserção em quais diretrizes? Perguntas que pretendemos responder ao longo deste
texto.
25
II. CAPÍTULO 1: EM BUSCA DA CIÊNCIA: REFORMAS EDUCACIONAIS E
SOCIOLOGIA NOS ANOS 1920
Este capítulo será constituído pela análise e recuperação histórica dos primeiros
passos da Sociologia no Brasil, com o objetivo de refletir sobre a suas primeiras aparições em
nossas instituições escolares. A disciplina é efetivamente incluída no currículo escolar
brasileiro pela Reforma Rocha Vaz de 1925, antes, portanto, da criação dos primeiros cursos
de graduação em Ciências Sociais, ocorridos na década de 1930.
Sabemos que os processos de institucionalização de um campo científico
relacionam-se, também, com os processos de profissionalização e de legitimação das
disciplinas, no entanto, o foco do capítulo é tratar da questão da delimitação, demarcação e
rupturas das fronteiras disciplinares e das interfaces entre Sociologia e Educação. Sendo assim,
recuperaremos a conjuntura educacional nos anos 1920 e tentaremos estabelecer conexões entre
esta, a Sociologia e seu currículo.
1.1. O primeiro surgimento da Sociologia no Brasil: século XIX e as duas primeiras
décadas do século XX
A Sociologia tem seus primórdios no século XVIII no continente europeu e inicia
seu processo de desenvolvimento científico e disciplinar no século XIX como a “ciência da
crise” - dentro do escopo das transformações sociais, culturais e econômicas promovidas por
duas revoluções fundamentais para a história: a industrial e a francesa (GIDDENS, 2005). Entre
as modificações marcantes tivemos êxodo de grande vulto populacional do campo para as
cidades, acelerada expansão da malha urbana e novas relações de trabalho com o advento das
indústrias. Todos estes elementos modificaram a ordem social anteriormente vigente e,
consequentemente, alteraram as relações humanas no período recortado, e, do imediatamente
posterior (BERGER, 1976).
A disciplina10 surge, então, com o objetivo de compreender, analisar e refletir
cientificamente as mudanças ocorridas neste momento histórico, já que como destaca Musse “a
própria concepção de vida social alterou-se bruscamente. Não se tratava mais de seguir a
tradição, mas de situar-se em uma dinâmica social em constante transformação e movimento”
(MUSSE, 2012).
10 Cabe ressaltar que nesta tese utilizaremos duas nomenclaturas para falar sobre a ciência de referência: Sociologia
e Ciências Sociais. Utilizaremos estas duas formas porque a presença da disciplina na escola também compreende
a Antropologia e a Ciência Política.
26
Neste período inicial, as ideias de Augusto Comte (1798-1857), um dos fundadores
do positivismo (e da disciplina), ganham força. Comte defendeu a conjugação entre ciência e
saber público, na tentativa de implementar um projeto civilizador de sociedade harmônica, com
hierarquias socialmente consentidas, de modo que a manutenção da ordem social seria condição
fundamental para o reestabelecimento e funcionamento da sociedade. Nas palavras do próprio
autor:
Para explicar convenientemente a verdadeira natureza e o caráter próprio da filosofia
positiva, é indispensável ter, de início, uma visão geral sobre a marcha progressiva
do espírito humano, considerado em seu conjunto, pois uma concepção qualquer só
pode ser bem conhecida por sua história. Estudando, assim, o desenvolvimento total
da inteligência humana em suas diversas esferas de atividade, desde seu primeiro
voo mais simples até nossos dias, creio ter descoberto uma grande lei fundamental,
a que sujeita por uma necessidade invariável, e que me parece poder ser solidamente
estabelecida, quer na base de provas racionais fornecidas pelo conhecimento de
nossa organização, quer na base de verificações históricas resultantes dum exame
atento do passado. (COMTE, 1978, p.35-36).
No Brasil, a Sociologia se organiza no último quartel do século XIX – poucos anos,
portanto, após seu surgimento europeu - e encontra terreno fértil para sua implementação, já
que as transformações políticas, econômicas e sociais da recém proclamada República (1889)
se faziam sentir e, ao menos em tese, precisavam dos instrumentos científicos para seu melhor
entendimento.
O positivismo - que na Europa tornou-se o principal vértice ideológico dentre os
opositores da monarquia no fim do século XIX - foi apropriado, revisto e adaptado à realidade
nacional. A partir do racionalismo e da busca pela ordem que propunha, tornou-se uma das
pedras fundamentais de um projeto civilizador que daria ao país feições republicanas e
modernas (ALONSO, 1996). Na prática, reuniu sob sua égide, setores sociais dominantes
economicamente que ganhavam lugar na cena nacional e que passavam a ambicionar a criação
de um regime federativo que atendesse aos seus interesses, sem, porém, dispensar símbolos do
atraso característicos do Brasil11.
Segundo Alves e Costa (2006), e, Tomazini e Guimarães (2004), a Sociologia é
recebida neste cenário como novidade intelectual e elemento construtor de reformas que
ajudariam a ajustar o país à ordem social democrática12. Cabe destacar, portanto, que a
11 Demarcamos que o positivismo - na sua introdução no Brasil - assume uma faceta primordialmente política, de
modo a reforçar o estabelecimento de uma ordem e moral política oriunda uma determinada classe social. Seu
surgimento em terras brasileiras pouco teve a ver com o movimento científico verificado no âmbito europeu, que
dará origem à Sociologia. 12 Esta busca racional por uma identidade nacional e a ruptura com o atraso que nos marcava até o período
republicano permanecerá em franca ascensão até a década de 1940.
27
disciplina surge no período histórico em que o Estado nacional começava a desenhar uma ampla
reformulação de suas funções e natureza. Nesse sentido, é importante ressaltar que a trajetória
da disciplina no Brasil, como destacam MEUCCI, 2000; MORAES, 2003 e SANTOS 2004,
inicia-se efetivamente a partir dos bancos escolares em um período conturbado do ponto de
vista político, o que reverberará na trajetória histórica da disciplina entre nós.
História que se inicia em 1882, quando o deputado Rui Barbosa13 apresenta parecer
ao projeto de reforma educacional apresentado pelo conselheiro Rodolfo Dantas. Tal parecer
propõe uma ampla reestruturação do ensino, propondo mudanças na sua organização, etapas e
duração. Nesta proposta de reconfiguração aparece a primeira proposta de inclusão da
disciplina, ainda no primário, sob o nome de “Elementos de Sociologia”14.
O jurista propõe a substituição da disciplina de direito natural pela Sociologia. Esta
alternativa parecia-lhe adequada para substituição da ideologia legalista apegada a imperativos
intelectuais abstratos pelos resultados da investigação experimental que a Sociologia poderia
oferecer. Segundo Barbosa, a perspectiva científica auxiliaria os juristas a elaborarem as leis,
livrando-os das longas discussões metafísicas acerca da naturalidade lógica de certos princípios
jurídicos:
Ao Direito Natural, pois que é metafísica, antepomos a Sociologia, ainda não
rigorosamente científica, é certo, na maior parte dos seus resultados, mas científica
nos seus processos, nos seus intuitos, na sua influência sobre o desenvolvimento da
inteligência humana e a orientação dos estados superiores” (BARBOSA, 1947b, p.
106);
A ideia de inclusão da disciplina estava, portanto, conectada a propostas e
princípios de modernização do Estado e da instrução pública, inclusive porque Rui Barbosa
realizou estudos sobre educação acerca das experiências educacionais em alguns países
considerados “civilizados”:
A tendência universal dos fatos [...] reforça, e amplia, entre os povos mais
individualistas, com o assentimento caloroso dos publicistas mais liberais, o círculo
das instituições ensinantes alimentadas pelo erário geral; aduz todo dia o concurso de
13 Rui Barbosa (1849-1923), lutou, entre muitas das questões que defendia, em prol da instrução popular. Ele
sempre esteve presente nos mais diferentes “campos de luta” e, durante o Brasil Imperial até sua transição como
República, não foram poucas as questões que Rui Barbosa defendeu, entre elas: a luta pela libertação dos escravos,
a Reforma eleitoral, a Constituição Republicana, assim como a fervorosa defesa a favor da modernização do país.
Para melhor compreensão da atuação de Rui Barbosa, recomendamos as obras BARBOSA, Rui. Reforma do
ensino secundário e superior. Obras Completas. v. IX, t. 2. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1942
e MACHADO, Maria C. G. Rui Barbosa: Pensamento e ação. Campinas, SP: Autores Associados; Rio de Janeiro:
Casa de Rui Barbosa, 2002. 14 ANEXO 1: Sociologia no currículo proposto por Rui Barbosa.
28
novos argumentos em apoio da colação dos títulos universitários sob a garantia do
Estado, e reconhece, cada vez com mais força, a necessidade crescente de uma
organização nacional do ensino, desde a escola até as faculdades, profusamente
dotada nos orçamentos e adaptada a todos os gêneros de cultivo da inteligência
humana (BARBOSA, 1947b, p. 85).
Após um detalhado levantamento de como se encontrava a educação em países
como Estados Unidos, França, Inglaterra, Áustria, entre outros, comparou-os com a realidade
brasileira, não lhe restando dúvidas sobre a deplorável situação da educação no país, propondo
a constituição de um sistema educacional no qual a instrução deixaria de ser um privilégio das
classes abastadas.
Além da escola básica, Rui Barbosa propôs modificações no Ensino Superior, como
a introdução de novos cursos de caráter prático, atendendo às necessidades da transição para o
trabalho assalariado livre. Nas faculdades de Direito, por exemplo, propôs a supressão da
cadeira de higiene pública e a de direito eclesiástico - em virtude da não aceitação do abstrato
e da metafísica – e a inclusão de outras vinte cadeiras, entre elas a Sociologia.
Os pareceres de Rui Barbosa, no entanto, sofreram uma série de críticas ao longo
das décadas seguintes por parte de sociólogos profissionais. Costa Pinto alegava que a
justificativa para a inclusão da Sociologia nas escolas havia sido “infeliz e sectariamente
conservadora” (COSTA PINTO, 1947); para Fernando Azevedo o parecer fora muito bom, mas
não um “um plano de reforma ajustado à realidade” juntando vieses e instituições discordantes
(AZEVEDO, 1963); e, por fim, Amaury Moraes argumentará que embora pensado também
para a escola secundária, o projeto de Barbosa teria mais importância em termos de reflexão
aos cursos de Direito, ao sugerir a substituição do direito natural – uma abstração – pelo ensino
de Sociologia, “mais consentâneo com a ideia de origem social do Direito Positivo” (MORAES,
2011).
Nos primeiros anos da República, ainda no governo provisório de Deodoro da
Fonseca, com a Reforma Benjamin Constant em 189115, a disciplina é incluída como
obrigatória nos cursos médios, na cadeira de “Sociologia e Moral” a ser ministrada no último
15 Benjamin Constant (1836-1891) foi militar, engenheiro, professor e estadista. Exerceu grande influência na
difusão da filosofia de Augusto Comte, o que teve reflexo nas suas propostas educacionais. A Sociologia surge no
Brasil quase que simultaneamente aos escritos de Augusto Comte. Rui Barbosa e Benjamin Constant pensaram no
estabelecimento da disciplina na educação brasileira, antes mesmo de Durkheim implantá-la como disciplina
escolar na França, o que demarca mais uma vez a importância da experiência nacional.
29
ano do secundário. No entanto, nunca foi posta em prática, Adriano Giglio (1999) aponta os
motivos:
No período que durou até 1897 (ano do novo regulamento do Ginásio Nacional), a
nova cadeira, ou não foi posta em prática efetivamente, ou, por constar em apenas um
semestre, foi instituída somente no “papel”. Benjamin Constant ocupou o Ministério
do Telégrafo e da Instrução Pública no governo de Floriano Peixoto, e viria a falecer
no ano seguinte à promulgação da reforma que recebera seu nome – fato que guarda
em si uma outra possível explicação para tal reforma não ter sido levada a termo
(GIGLIO, 1999. p.37).
Moraes também demarca que a Reforma Constant “nem chegou a vingar devido a
desentendimentos entre o autor e o marechal-presidente, morrendo o ministro pouco depois de
se iniciar o governo constitucional do qual nem fez parte” (MORAES, 2011, p.361). Neste
primeiro momento, portanto, a disciplina existe em termos legislativos, mas encontra
dificuldades para se ancorar no sistema educacional vigente, sendo possível destacar dois
movimentos que serão fundamentais para seu desenvolvimento futuro.
O primeiro conecta-se à efetiva aparição no currículo formal e sua influência no
caráter positivista da proposta de reforma – não à toa a disciplina na legislação é nomeada de
“Sociologia e Moral”. Para além disso, algumas disciplinas foram suprimidas em favor da
construção de um currículo apoiado em disciplinas consideradas naquele momento técnicas e
científicas, que aproximariam o aluno de uma compreensão racional da vida e de um projeto
societário calcado na ideia de acesso, divulgação e produção do conhecimento científico. Nesse
sentido, ressaltamos que a Sociologia, representava, neste contexto, uma ferramenta científica
de acesso racional e compreensão de mundo no século XIX.
O segundo movimento refere-se ao fato de que embora a disciplina não tenha
entrado efetivamente na sala de aula no período, esta ganha força nas em propostas de atuação
a investigação dos problemas sociais brasileiros expressas na reflexão de autores como Alberto
Torres, Delgado de Carvalho, Euclides da Cunha, Gilberto Freyre, Pontes de Miranda, Oliveira
Vianna e Silvio Romero. Com efeito, vale destacar que não se trata de apontar protagonismos
isolados dos autores, mas sim que a sociedade vai, aos poucos, se constituindo como tema e
problema visto a partir da dinâmica social, movimento para o qual concorrem autores
supracitados16.
16 Para exemplificar nosso ponto, Elide Rugai Bastos ao analisar a obra de Oliveira Vianna aponta para três
momentos principais e estes demonstram como a questão societária vai moldando os interesses da intelligentsia
neste contexto: “o primeiro, representado pela formulação de uma explicação sobre a constituição da sociedade
brasileira, que corresponde à obra escrita até o final dos anos 1920. O segundo, correspondendo à interrupção
dessa pesquisa nos anos 1930, quando o autor passa a dedicar-se a questões jurídicas, principalmente relacionadas
30
Lembramos que a transformação das antigas províncias imperiais em estados
membros dos Estados Unidos do Brasil, criou uma federação que manteve a autonomia desses
mesmos estados em diversas áreas, notadamente a educação17. Desse modo, mesmo tendo sido
considerada componente curricular obrigatório na reforma, a obrigatoriedade da Sociologia
ficaria restrita a instituições federais e, portanto, à cidade do Rio de Janeiro, então Distrito
Federal e ao Colégio Pedro II, única instituição federal de ensino, que poderia servir de modelo,
mas nada poderia impor as escolas fora da capital (MORAES, 2011).
1.2. A conjuntura nacional e os debates educacionais nos anos 1920
Nesta subseção do capítulo pretendemos explorar o contexto no qual o ensino de
Sociologia tornou-se efetivamente escolarizado no Brasil. Se a disciplina entra nos currículos
nos fins do século XIX, sua oferta apenas é consolidada nas décadas de 1920 e 1930 por meio
de experiências singulares como as reformas estaduais dos sistemas de ensino.
O contexto dessas reformas educacionais ajudam a delinear os caminhos que
fomentaram o debate sobre a necessidade de um sistema educacional amplo, além de nos ajudar
a enxergar como o ensino de Sociologia esteve inserido na escola – através da influência do
movimento escolanovista e das tentativas de formular um currículo educacional de âmbito
nacional – enfim, como a Sociologia aparece, nesta conjuntura, relacionado a esforços de
racionalização.
Segundo Cano (2012), a década de 1920 representa para o Brasil um processo de
transição econômica e social, a partir do chamado modelo primário exportador, rumo a um novo
padrão de acumulação e de crescimento interno. Se a década começa com expectativas positivas
no cenário econômico, o insuficiente crescimento das exportações na década de 1920, manteve
a produção em níveis altos e gerou lucros suscetíveis a estimular uma expansão da economia,
da urbanização e da indústria. Isso explica, em grande parte, o elevado nível do investimento
industrial no período18. Tal expansão gerou maior complexidade social e econômica, ampliando
os conflitos de interesses, obrigando o Estado brasileiro a se fortalecer institucionalmente.
ao direito do trabalho. O terceiro momento, pós-1930, corresponde à retomada da reflexão interrompida, quando
redireciona algumas questões, como é o caso da questão racial.” (BASTOS, 1993, p. 405 e 406). 17 Falaremos mais a frente do “pacto federativo” constituído a partir da constituição de 1891. 18 Destacamos que a dinâmica de crescimento de São Paulo foi muito mais intensa e diversificada do que a do
restante do país, consolidando, a partir daí uma concentração industrial que só perderia seu ímpeto a partir da
década de 1970.
31
O conservadorismo das elites gerou o aumento considerável do aparelho repressor,
portanto, podemos pensar neste período, portanto, na diversificação social e econômica do país,
mas não em um encaminhamento democrático para a resolução dos conflitos oriundos destas,
como razões que os movimentos reivindicatórios chegaram à ruptura de 1930.
Sendo assim, embora se desenhasse a pacificação com a classe trabalhadora em vias
de organização, através do aumento do emprego, lucros e salários, os anos 1920 foram
marcados por inevitáveis conflitos oriundos do excesso de capacidade produtiva (café e alguns
setores industriais); conflitos de interesses entre frações da burguesia; reivindicações por mais
direitos sociais e expansão do movimento revolucionário tenentista, que culminaria nas
Revoluções de 1922, de 1924, na Coluna Prestes no mesmo ano.
O crescimento e a diversificação da economia tiveram outras importantes
implicações no campo educacional, como, por exemplo, o aumento da procura de trabalhadores
mais qualificados, a ampliação de serviços de apoio e o aumento dos nexos de interdependência
estrutural (agricultura-extração-indústria-serviços). Na década de 1920 o encontro entre
economia e educação, com a progressiva generalização do trabalho livre cria pressões para a
escola, ocasionando a tímida expansão de sua oferta e qualificação.
Nesse sentido, aliando aspectos econômicos e educacionais, podemos dizer que o
Estado estava acumulando recursos, o que pode ter gerado simpatia, impulso e justificativas
para as reformas educacionais19. No que se refere à disciplina, devemos lembrar que as reformas
educacionais dos anos 1920 foram realizadas sob a égide da constituição de 1891, que impôs
um pacto federativo descentralizado de inspiração no liberalismo inglês, na democracia
francesa e no federalismo norte-americano. Três foram as modificações significativas na
estrutura do Estado na Constituição de 1891, elas são: a mudança da forma de governo
monárquica para a republicana, do sistema parlamentarista para o presidencialista e, quanto à
forma de Estado, de unitário passou a ser Federal. Desde 1891 as sucessivas leis fundamentais
foram marcadas pela Federação e seu funcionamento foi objeto de reiterados reparos.
A Sociologia surge no currículo nesta conjuntura, em que no campo educacional
também se constituíam apelos para a centralização do conteúdo escolar. Não obstante, a mesma
lei que a introduziu no currículo também criou o Departamento Nacional do Ensino, órgão cuja
função seria regulamentar e fiscalizar o ensino secundário e superior, “tratava-se de uma
19 Inclusive as leis e a formação ambiciosa de professores de Fernando de Azevedo, que trataremos adiante, podem
ser explicadas por esse momento financeiro. Já que a consolidação da economia paulista nos anos 1920, como
principal lugar da acumulação nacional atraiu grandes empresas internacionais, que para lá foram produzir ou
montar produtos de maior complexidade tecnológica.
32
adequação às tendências de centralização administrativa, em atendimento às demandas do que
então se convencionou nomear de ‘organização’ nacional” (MEUCCI, 2015, p.252).
A disciplina, portanto, se consolida na escola em um período de críticas ao pacto
federativo e tentativa de centralização do ensino, tanto que, em 1926, seria objeto de reforma
no sentido de atender orientações centralizadoras do então presidente Arthur Bernardes
(Moraes, 2011, p. 362). Portanto, o decreto de 1925 relativo à educação buscava, constituir, se
não um sistema nacional de ensino, um conteúdo estável e uma estrutura administrativa regular
para o ensino secundário e superior em todo o país (MEUCCI, 2015).
O efetivo ensino de Sociologia entrará em vigor, portanto, em consonância com a
primeira necessidade de reformar, normatizar e controlar o ensino. Até a década de 1920, como
veremos abaixo as elites brasileiras conseguiram organizar e manter o ensino de forma
fragmentada, porém, essa classe deixou de ser a única a procurar a educação, já que as camadas
populares começaram a enxergar a educação como meio de ascensão social para aqueles
privados de posses (ROMANELLI, 2005).
Na década de 1920, portanto, a educação ganha status, pela primeira vez, de
“questão nacional”. A expectativa e pressão pela constituição de uma educação do povo,
expansão da instrução pública, as reformas do ensino público ganha contornos não vistos
anteriormente e se tornarão o caminho esperado para “civilização” o que aumentará as pressões
sobre o Estado. Os quadros administrativos ganham terreno, pois as modificações que podem
promover utilizam instrumentos da estrutura burocrática, o que poderia fazer a discussão acerca
da modernização brasileira ou a nossa entrada no mundo “civilizado” ganhar novos rumos.
Sendo assim, ganha força o ideário de reforma societária pela via educacional que
obteve sua primeira formulação nos pareceres de Rui Barbosa, mas que terá como mote
principal, o combate ao analfabetismo que atingia entre 70% e 80% da população brasileira no
período. No entanto, como veremos, o projeto educacional teve como objetivo – que alcançou
mais rapidamente – “reproduzir, ilustrar e modernizar” nossas elites (MARTINS, 1987).
Apesar de seu objetivo inicial não ter sido alçando (e sua orientação tenha sido a
reforma da nação), destacamos que o debate dos anos 1920 mexe em questões antes pouco
pensadas na educação nacional, pensadas como política de Estado, tais como: a formulação de
currículos para os diferentes de níveis de ensino, as concepções e práticas pedagógicas a serem
utilizadas nos mesmos e o ainda incipiente desejo de construir as universidades brasileiras.
Mais do que um diálogo econômico com as grandes potências, o que começa a se
consolidar amplamente na década de 1920, é o dialogo também dentro da esfera
33
cultural/ideológica com o mundo considerado àquela altura, “civilizado”, que se torna uma
obsessão20.
Nos anos 1920, esses intelectuais estarão reunidos na órbita da Associação
Brasileira de Educação (ABE), criada em 1924 na Escola Politécnica de São Paulo constituída
por um corpo de intelectuais que estavam representados na figura de médicos, engenheiros,
juristas, professores, escritores e jornalistas – firmando-se como associação que congregava
todos aqueles interessados em educação, o que é significativo em termos do que chamamos,
nos termos de Saviani (2006), da discussão educacional como “grande problema nacional”.
Discussão esta, que iniciará uma frente luta na educação brasileira que indagará o
Estado acerca de seu envolvimento na questão, principalmente no que diz respeito a oferta
educacional, em consonância com a nova demanda social que se delineara:
A luta pela reforma do ensino tem também uma significação adicional: ela abre à
intelligentsia uma via para a ação. Em 1924, cria-se no Rio de Janeiro a Associação
Brasileira da Educação (ABE), por intermédio do setor da intelligentsia representado
pelos "educadores reformadores" (Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira, Lourenço
Filho, entre outros). A ABE promove pesquisas entre os professores de todo o país e
organiza colóquios periódicos para a discussão das teses sobre a reforma do sistema
educacional. Essas iniciativas repercutem na imprensa, contribuindo para unificar o
espaço cultural. (MARTINS, 1987, p.82).
Ganha força a defesa do processo de modernização da sociedade brasileira que teria
como matriz a defesa da instituição do ensino gratuito, laico e público, da inclusão dos mais
pobres e questionadora dos privilégios de classe, que limitam o acesso à educação. O que
pressionará o Estado a abraçar o ensino e estimular as reformas necessárias nas primeiras
décadas do século XX.
20 Este diálogo terá sua forma bem-acabada com o movimento modernista em 1922: intelectuais envolvidos no
movimento conseguem chacoalhar a vida cultural brasileira, questionando a política e vida social. Dentro da
oposição que estabelecemos anteriormente, os modernistas foram os primeiros a aliarem a perspectiva da
necessidade de reformas com os problemas mais candentes na sociedade, além de pensar a um projeto de
modernização, que se aliasse à identidade nacional. Acreditamos que a Sociologia ganha força nesse contexto,
pois passa a ser vista também como a possibilidade de resolução da desconexão entre política e vida social. Não à
toa, o modernista Mário de Andrade, escreve no livro “O empalhador de passarinhos” (1955): “algum filosofo
indiano que desejasse saber o que é a sociologia, pelo que, com este nome, se faz entre nós, se sairia mais ou
menos com essa definição: “A sociologia é a arte de salvar rapidamente o Brasil”. Outro marco desta tentativa de
dialogar com teorias externas é o movimento da “Escola Nova” que trataremos no próximo capítulo, mas que
promove na década de 1920 aglutinação de intelectuais em torno das reformas educacionais, que serão espaços
para existência e permanência do debate sociológico nos currículos escolares e universitários.
34
1.3. Reformas educacionais nos anos 1920
Dados oficiais (BRASIL, 2002) apontam que o Brasil era um país com uma
população em crescimento que somava 17 milhões de habitantes em 1900. O incremento deste
número teve contribuições externas marcantes: o tráfico de africanos, que aqui tornavam-se
escravos até 1850 e o processo de imigração iniciado em 1870: portugueses, italianos,
espanhóis, alemães e japoneses foram os grupos mais numerosos, que, atraídos pela lavoura
cafeeira do Sudeste, e pelas áreas de colonização do sul do país, viram no país a possibilidade
de (re)construção de suas vidas.
Embora ainda majoritariamente rural21, o Brasil tomava contato com a aceleração
urbana e, simultaneamente, com a precariedade do investimento escolar. Como demarcamos
anteriormente, tornaram-se necessárias a qualificação para o trabalho industrial e urbano, já que
o mundo do trabalho passava à época por um processo de redefinição.
Neste contexto, o campo educacional se torna um instrumento para forjar o “país
moderno”, introduzindo modificações nos procedimentos, hábitos e visões, questionamentos
inéditos que trazem à tona novos atores e a problemática dos direitos e da participação social.
A oligarquia brasileira encontra-se diante da perspectiva de redefinir sua identidade social,
atribuindo-se um caráter missionário de pensar o país e rever suas mazelas (LAHUERTA,
1997).
A sociedade brasileira, portanto, adentrou o século XX, como uma sociedade com
perspectivas de poder e educação centralizados, mas estratificada economicamente e governada
por oligarquia em crise que detinha acesso pleno à educação. Estes foram os principais
elementos que justificaram as lutas e propostas de reforma na educação dos estados e de
investimento em educação na Primeira República, onde a disciplina dá seus primeiros passos.
1.3.1. Reformas do ensino brasileiro na Primeira República
Ao iniciar esta subseção, devemos alertar o leitor acerca do escopo das leituras que
faremos acerca das reformas educacionais. Embora o foco da tese seja a análise da Sociologia
como disciplina e sua institucionalização no Brasil, entendemos que tal processo não pode ser
21 Uma das questões principais recaía sobre a realização do trabalho no mundo rural, até então associado ao
escravo, mas agora tarefa de trabalhadores livres. Tomando como objeto central os escravos recém libertos, ou
seja, os que habitavam o mais baixo degrau da hierarquia social eram exatamente os menos protegidos contra
abusos e preconceitos de todo tipo que se manifestavam no atendimento dispensado pelo poder público
(CARVALHO, 2000).
35
capturado ou pensado sem interface com as questões educacionais do período, afinal a
disciplina e seus atores principais se relacionam amplamente com as questões da escola
primária e secundária.
O segundo ponto que deve ser ressaltado é que analisaremos as reformas estaduais
de ensino primário, notadamente as do Distrito Federal (à época o Rio de Janeiro) e de São
Paulo, já que estas instituem a Sociologia como instrumento da formação de professores, além
de sociólogos presente em suas formulações e implementações. Nossa intenção em recuperar
rapidamente estas duas reformas é pensar o quanto a inserção da Sociologia neste processo, nos
ajudam a identificar os pressupostos que orientaram a produção dos primeiros currículos da
disciplina, em outras palavras, quanto o debate educacional dos anos 1920 nos ajuda a entender
a dinâmica da disciplina, o que, de fato, se procurava responder com o advento da Sociologia.
É preciso, neste sentido, reconhecer a importância do Colégio Pedro II na educação
básica nacional. Desde 1837, a partir de decreto imperial, a instituição se tornou o paradigma
para o ensino secundário no país22. Com a criação do colégio, concluiu-se uma etapa de
implantação de instituições escolares voltadas para a formação dos filhos das classes
dominantes, bem como daqueles que ocupariam posições junto à burocracia estatal e postos de
direção na sociedade civil (imprensa, educação, postos eclesiásticos, entre outros).
Embora o Colégio Pedro II tenha sido criado para a formação dos filhos das
oligarquias, o projeto de expandir suas unidades para o conjunto das províncias fracassa, devido
à clientela escolar pouco numerosa, bem como à falta de professores habilitados a atender as
exigências impostas pela organização do trabalho didático proposta para o ensino secundário.
Estas dificuldades determinaram a pouca acolhida para as iniciativas voltadas à
criação de um ensino secundário público em algumas províncias, o que as leva a adoção de um
sistema preparatório para os exames parcelados necessários para a entrada nos ainda incipientes
cursos superiores23. Como destaca Haidar (2008) nos anos 1880, o próprio colégio seria
atingido pela influência da sistemática de exames parcelados.
Desde modo, enquanto se mostravam numerosas as matrículas nos primeiros anos,
rareavam nas últimas séries, visto que muitos alunos aptos a prestar os exames para o ensino
22 A história do ensino secundário no período imperial esteve intimamente relacionada ao Colégio de Pedro II,
visto ser essa a instituição educativa que contou com o reconhecimento e a chancela do governo imperial, enquanto
escola que serviria de referência para todo o país. 23 Durante o período imperial, qualquer estudante que pretendesse o certificado de conclusão do ensino secundário,
condição necessária ao ingresso no ensino superior e a aprovação nos exames parcelados deveria requerê-lo ao
Colégio Pedro II.
36
superior, abandonavam as instituições de ensino, voltando-se para os exames parcelados24. O
gargalo entre ensino primário e secundário explica a dificuldade em definir o sentido que
assumiria o ensino secundário e sua função25, já que este existia para pouquíssimos (HAIDAR,
2008).
O debate sobre a reconstrução da nação via escola primária e a leitura da
“decadência” do ensino público foram recorrentes nos anos posteriores à Proclamação da
República e a crítica mais contundente dirigia-se ao que considerava excessos do regime
federativo implantado. A situação do ensino primário teria se agravado ainda mais, pois, sob a
forma da federação, foi concedida a cada estado plena liberdade para gerir os negócios da
instrução pública.
Epitácio Pessoa promoveu, em 1901, uma reforma do ensino que propiciaria a
concretização do idealismo de Benjamin Constant, corrigindo e adaptando a reforma deste às
realidades regionais. Na proposta de Pessoa, a educação nacional deveria priorizar a formação
secundária, visando a consolidar a estrutura seriada do modelo educacional. Até aquele
momento, o ensino era desvinculado da frequência obrigatória, prevalecendo na prática os
exames preparatórios, que davam aos alunos a oportunidade de acesso ao conhecimento pela
via seriada ou através de estudos individualizados e orientados fora das escolas.
Tal proposição criava uma contraditória possibilidade de aquisição de
conhecimento, com ou sem escola, o que acabou enfraquecendo o próprio espírito reformador
proposto, ora afirmando o valor da instituição escolar, ora o negando pelo mesmo princípio.
Estendeu também o privilégio da equiparação ao Ginásio Nacional não mais apenas aos liceus,
mas a qualquer instituição de ensino secundário, estadual, municipal ou privado.
A Reforma Rivadavia Correia (Lei Orgânica do Ensino Superior e Fundamental,
decreto n° 8.659-1911) revogou formalmente a reforma anterior, eliminando a equiparação dos
estabelecimentos de ensino secundário ao Colégio Pedro II. Ficou estabelecido um ensino
completamente livre, e foi abolido o reconhecimento oficial de certificados dos cursos
secundários das escolas equiparadas. Foram também abolidos os certificados de conclusão do
Colégio Pedro II, expedidos por quase um século, e extintos os exames preparatórios parcelados
24 Ainda segundo Haidar (2008), essa discussão vai atravessar todo o final do século XIX, estando presente nas
reformas Paulino de Souza, de 1870; Leôncio de Carvalho, de 1878; e na reforma encabeçada por João Maurício
Wanderley, o Barão de Cotegipe que, em 1888, aboliu as matrículas avulsas, os exames vagos e a frequência livre
no Imperial Colégio de Pedro II 25 Lembramos que o sistema educacional do período estava assentado sob o pacto federativo que fundamentava a
determinação de que cabia aos estados e municípios a tarefa de criar e desenvolver o ensino primário e secundário
e à união a responsabilidade pelo ensino superior, além do ensino primário e secundário na capital do país,
atribuição que repartiria, em regime de colaboração e concorrência, com o poder municipal.
37
feitos junto às faculdades, que de certa maneira atestavam os estudos secundários. Dali em
diante, não seria mais preciso comprovar estudos secundários. As faculdades interessadas em
receber alunos promoveriam seu o exame de admissão. A Reforma ficou marcada como aquela
que resultou em desregulamentação excessiva, propiciando o caos na educação nacional com a
omissão completa do Estado em sua condução.
Já a Reforma Carlos Maximiliano (decreto nº 11.530-1915), revogou algumas
decisões tomadas pela Reforma Rivadavia Correia e estabeleceu outros tantos
encaminhamentos. Os pontos mais importantes desta podem ser assim sintetizados: foram
restaurados os certificados de conclusão do curso secundário expedidos pelo Colégio Pedro II
do Rio de Janeiro, reconhecidos pelo governo federal; foi reinstituída a possível equiparação
de outros estabelecimentos de ensino ao Pedro II, desde que fossem estabelecimentos públicos
estaduais; foram reinstituídos os exames preparatórios parcelados, pelos quais os estudantes
não matriculados em escolas oficiais poderiam obter certificados de estudos secundários
reconhecidos pela União; e foi mantida da reforma anterior apenas a eliminação dos privilégios
escolares. A Reforma Carlos Maximiliano, portanto, reestabeleceu a interferência do Estado
eliminada pela reforma anterior26.
É, no entanto, a Reforma Rocha Vaz (Decreto 16.782- 1925) a primeira a tentar
ampliar a abrangência da educação brasileira, tendo como foco a ampliação do atendimento do
ensino secundário público. Institui, por exemplo, o Departamento Nacional do Ensino, órgão
precursor do Ministério da Educação. O objetivo da reforma foi fazer a transição entre uma
educação preparatória para o ensino superior (de um número reduzido de discentes) rumo a
uma estrutura organizacional que permitisse o atendimento a um número significativo de
estudantes – além de formá-los satisfatoriamente para o mercado de trabalho (ROMANELLI,
2005; SAVIANI, 2006).
Esta reforma foi a última a afetar o ensino secundário na Primeira República. Suas
marcas foram, além da criação da disciplina de educação moral e cívica, a efetivação da
Sociologia no currículo, a continuidade do Colégio Pedro II como modelo e sua equiparação
apenas aos estabelecimentos de ensino secundário estaduais.
Ademais, foram instituídas juntas examinadoras nos colégios particulares para
exames de validade igual aos do Colégio Pedro II ou de estabelecimentos equiparados, sendo
assim, abolidos os exames preparatórios parcelados. Em seu lugar, foi instituída a
26 Além de possuir um certificado de conclusão reconhecido pela União ou um certificado de aprovação nos
exames preparatórios, para entrar no curso superior o aluno teria que prestar também um exame vestibular.
38
obrigatoriedade de um curso ginasial de seis anos de duração, seriado, e de frequência
obrigatória com o intuito de promover uma seriação racional das disciplinas e organizar o
ensino com programas e horários mais convenientes. Deste modo, a frequência a uma série
dependeria da aprovação na série anterior.
A intenção foi realçar o aspecto formativo do ensino secundário, o que foi
neutralizado por um conjunto de medidas tomadas pelo Congresso Nacional.
Consequentemente, a reforma não foi totalmente aplicada. Em 1929, ainda existiam escolas
com exames preparatórios, sem currículo definido. Seu efeito mais forte foi tentativa de
moralização do ensino (ROMANELLI, 2005)27.
Os primeiros anos da República foram marcados por uma intensa influência da
ideologia positivista associada à manutenção dos privilégios das classes dominantes. No
entanto, a partir da entrada no século XX o ideário liberal começa, mesmo que timidamente, a
mexer com o status quo vigente. A principal tentativa das reformas é fazer com que a educação
passasse a ser entendida como direito e instrumento primordial para rompimento do país com
seu atraso, há um ajuste do campo educacional ao projeto de nação e ideologia vigentes.
Tomemos, como exemplo, a própria Reforma Rocha Vaz (1925), nesta o secundário
era entendido como prolongamento do ensino primário, para fornecer a cultura média geral do
país, compreendendo um conjunto de estudos com a duração de seis anos. No sexto ano, de
acordo com esta reforma, era oferecida a disciplina Sociologia.
Ao estudante que fizesse o curso do sexto ano e fosse aprovado em todas as matérias
que o constituem, era conferido o grau de Bacharel em Ciências e Letras. O candidato ao
vestibular devia apresentar certificado de aprovação nas matérias do quinto ano do curso
secundário emitido pelo Colégio Pedro II ou institutos equiparados, mas aquele que cursasse o
sexto ano tinha preferência na matrícula, independente da ordem de classificação. Portanto, o
sexto ano do ensino secundário, no qual a Sociologia foi inserida, conferia um privilégio aos
alunos que o concluíssem.
Sendo assim, a perspectiva moralizante que orienta a reforma de 1925 se conecta
com a necessidade de repensar (e modificar) os padrões e metodologias de ensino e a própria
27 Lembramos que esta concepção educacional está assentada e tem como influência acontecimentos posteriores à
primeira guerra mundial como a realização da Semana de Arte Moderna, a fundação do Partido Comunista
Brasileiro, o tenentismo, a industrialização e urbanização crescentes e o florescimento de novos grupos sociais,
tais como burguesia industrial, classe média e operariado urbano. Grupos que vão reivindicar maior participação
política e direitos sociais, onde se encaixam as questões educacionais. Ressaltamos ainda, que na conjuntura
internacional, entre 1870 e 1930, a 2a Revolução Industrial se consolidava nos países centrais, e atingiria a fase
sua fase taylorista/fordista nos EUA: automóvel, eletricidade, rádio, cinema e telefone promovem intensas e
importantes transformações.
39
cultura escolar dentro das instituições de diversos níveis, de modo acelerar a formação e atacar
os entraves ao processo modernizador brasileiro para a inserção do país na esfera internacional
capitalista.
Um dos atos mais significativos, portanto, da Reforma Rocha Vaz foi, como
supracitado, a tentativa de redirecionar o escopo de atuação do Colégio Pedro II - até então
voltada para atuação como espécie preparatório do ensino superior – propondo o
reestabelecimento do curso de bacharelado em ciências e letras e a instituição de uma escola
normal superior federal, para a formação de professores secundários.
Essa formulação na prática, apesar das proposições legais, teve dificuldade para ser
implementada, uma vez que o Estado pouco expandiu a rede educacional pública estadual (não
havia nem mesmo sistema nacional de educação, somente poucas e isoladas instituições
primárias, secundárias e superiores, com os excluídos das vagas novamente apelando à
iniciativa privada); não fez avançar a reforma do currículo escolar (disciplinas excessivamente
teóricas e de pouco apelo prático foram mantidas); além de sucumbir ao projeto oligárquico
brasileiro que manteve a educação como seu privilégio excluindo a maior parte da população
deste processo – o que foi percebido pelos que ansiavam por melhores condições de inserção
profissional.
O governo federal a partir de 1926, na prática, controlava, regulamentava e se
preocupava com o acesso ao ensino superior, levando aos estabelecimentos secundários a se
adequarem as suas exigências. Aqueles estabelecimentos que seguissem as exigências federais
se equiparariam ao Colégio Pedro II – isto é, aqueles que estudassem nesses colégios poderiam
ir direto ao curso superior, sem passar por novos exames. O ensino secundário, assim, era visto
como etapa preparatória, alavanca e passagem para o ensino superior. No entanto, o ensino
superior continuava isolado e incipiente, com poucas faculdades, subordinadas à legislação
federal.
Uma das tentativas de corrigir estas distorções da Reforma foi o Decreto
18.564/1929 que modificou a seriação do ensino secundário e instituiu o “Curso
Complementar”, visando a adaptação do ensino recebido na escola secundária com algum tipo
de “função social” prática. Nesta etapa complementar de ensino em que a disciplina de
Sociologia será inserida e efetivamente aplicada. Sendo assim, os anos 1920 experimentaram
significativas reformas estaduais de ensino que traduziram as iniciativas e preocupações com a
educação, e o Ensino de Sociologia, como aponta Nagle (2001), teve papel fundamental neste
processo:
40
A presença da Sociologia, no currículo, constitui inovação muito significativa. (...)
[assim] a década de 1920, no domínio do “pensamento brasileiro”, caracterizou se
pela forte impregnação de preocupações de natureza “sociológica”. No mesmo
sentido deve ser interpretada a inclusão da sociologia nos estudos secundários (...). A
utilização e o desenvolvimento do pensamento social, na década, foram cada vez
maiores nos meios intelectuais, entre jornalistas, escritores, políticos ou estudiosos.
Por isso, nesse período, a sociologia poderia ser considerada a “arte de salvar
rapidamente o Brasil”, de acordo com a afirmação de Mário de Andrade (NAGLE,
2001, p. 197).
Cabe, pois, ressaltar que tais iniciativas estaduais se anteciparam, em muitos casos,
em relação às iniciativas do poder central, já que as reformas que analisamos nesse subitem são
federais e como não existia de fato uma rede federal de ensino ou mesmo de escolas federais
espalhadas igualmente pelo país, tais reformas tiveram cunho meramente organizacional. No
entanto, a força que aponta Nagle (2001) da Sociologia no “desenvolvimento do pensamento
social” na década, é evidente quando analisamos as reformas educacionais estaduais no período.
1.3.2. Reformas estaduais de ensino na primeira república: São Paulo
As reformas educacionais adquirem significação social ampla, com implicações
que não foram somente profissionais ou setoriais. Assim, podemos dizer que a Primeira
República é o momento histórico em que se questiona o modelo educacional herdado de forma
direta. Durante todo este período, haverá a manutenção de um sistema educacional dual:
enquanto o secundário e o superior eram controlados e vigiados pelo governo federal, os
governos estaduais detinham o ensino primário e profissional.
Nos aspectos de organização do Estado e de seu sistema federativo, o período
republicano acentuou também a crítica daqueles que observavam uma descentralização
excessiva e de um poder concentrado entre as lideranças locais e regionais. Essa engenharia de
poder desconcentrado significou o desenho de um modelo político em que a descentralização
não representaria a voz dos grupos sociais locais nos processos de decisão, mas ao contrário,
manifestou-se, local e regionalmente, o poder autoritário, do mandonismo e do controle político
frente à sociedade.
O debate educacional, será o epicentro de modificações nessa estrutura, como
vimos a criação da ABE estimulará debates sobre o projeto nacional e as responsabilidades da
educação em se pensar o país, com intelectuais preocupados com os destinos da nação seu
projeto de desenvolvimento político e econômico para o país. Em meio à crise estrutural e
41
sistêmica da República, os anos 1920 experimentaram significativas reformas estaduais de
ensino que traduziram as iniciativas e preocupações com a educação. Das ações estaduais
relativas às reformas de ensino e que ocorreram em território nacional:
Eram reformas regionais, parciais, portanto. Não faziam elas, parte de uma política
nacional de educação, estando, então, sujeitas a todas as consequências advindas de
reformas limitadas a segmentos do território e da população e sujeitas às instabilidades
do poder público local, e inseridas num contexto territorial, demográfico, econômico,
político e cultural desigualmente desenvolvido. (ROMANELLI, 2005, p. 130).
Das ações estaduais relativas às reformas de ensino e que ocorreram em território
nacional, destacaram-se: a do Ceará com Lourenço Filho (1923), a de Carneiro Leão em
Pernambuco (1928) e a de Anísio Teixeira na Bahia (1925). Para fins desta tese, nos
concentraremos em duas reformas estaduais, pois identificamos relações destas com as
instituições que foram pioneiras na adoção do ensino de Sociologia. As reformas que
analisaremos, de modo breve, serão as de São Paulo (1920) e Rio de Janeiro/Distrito Federal
(1922-1928), pois posteriormente falaremos dos debates em torno da Sociologia nos dois
estados e seu espaço universitário.
Sendo assim, a reforma implantada por Sampaio Dória28, no Estado de São Paulo,
é entendida como um marco nas reformas estaduais, já que sua implementação é de 1920, e sua
experiência e parâmetros; acertos e erros serviram como espécie de guia para as reformas
posteriores.
Como demarca Saviani, a reforma alterou a instrução pública em vários aspectos
como a ampliação da rede de escolas; o aparelhamento técnico administrativo; a melhoria das
condições de funcionamento; a reformulação curricular; o início da profissionalização do
magistério; a reorientação das práticas de ensino; e, mais para o final da década, a penetração
do ideário escolanovista (SAVIANI, 2006). O debate dos anos 1920 tem como um dos seus
vértices o ideário de modernização da nação através da educação e um dos pilares desse
movimento é a inclusão do maior número de crianças e jovens no espaço escolar, embora esta
não seja necessariamente uma preocupação do Estado.
28 Antônio de Sampaio Dória (Belo Monte, 1883 — São Paulo, 1964) foi um político, jurista e educador brasileiro.
Foi Diretor-Geral da Instrução Pública (1920-1924), coordenou várias reformas de ensino. Entrou em 1904 na
Faculdade de Direito de São Paulo, formando-se bacharel em ciências jurídicas e sociais em 1908. Em São Paulo
exerceu a advocacia de 1908 a 1920, e atuou na educação. Foi vice-diretor do Colégio Macedo Soares e professor
de psicologia, pedagogia e educação cívica na Escola Normal de São Paulo, e professor substituto concursado de
direito público constitucional e de direito internacional privado na Faculdade de Direito de São Paulo. Foi
assistente jurídico no Ministério da Justiça e procurador regional do Tribunal Eleitoral de São Paulo, de 1934 a
1937. Demitido das funções públicas pelo regime do Estado Novo (Brasil), também foi exonerado de suas
atividades docentes na Faculdade de Direito de São Paulo em 1939, por ter participado de manifestações contra o
regime. Recuperou seu cargo docente em 1941 e, com a deposição de Getúlio Vargas.
42
No entanto, essa questão motivava debates no começo da década, pois a qualidade
do trabalho pedagógico realizado nas escolas encontrava-se pressionada pela necessidade e
urgência da quantidade de alunos matriculados. Nosso modelo econômico-social não permitia
um bom equacionamento do problema e transformou em dilema o que poderia ter sido um
programa gradual de ampliação da escolarização (CAVALIERI, 2003).
Lembramos que o final da década anterior representou para São Paulo: crescimento
e fortalecimento das classes médias através de conflitos e dificuldades impostas para os
governos oligárquicos. Uma sucessão de greves, demonstrava que o movimento operário, havia
adquirido força significativa, por exemplo29. É nesse contexto de abalos na política tradicional
que São Paulo, sob o comando Washington Luís, escolhe como meta importante de sua gestão
o combate ao analfabetismo.
Sendo assim, para dirigir a Instrução Pública do Estado, é empossado Sampaio
Dória, que passa a elaborar a reforma do ensino, a qual se efetivaria logo depois. Sampaio Dória
representava à época a corrente liberal, a qual defendia a igualdade de oportunidades e a
evolução pela educação, fora vinculado à Liga Nacionalista de São Paulo e via o analfabetismo
como incompatível com a civilização – portanto, era um homem de seu tempo, conectado com
o ideário vigente no país.
Naquela conjuntura, propôs uma medida que aparentemente resolveria o gargalo
educacional: a redução da escolaridade primária obrigatória de quatro para dois anos estendida
a toda a população do estado, acelerando o processo de aprendizagem. Assim acreditava que se
resolveria o problema do número de escolas e criação de vagas, além de agradar aos governantes
paulistas no que diz respeito a contenção de despesas30.
Deste modo, acreditamos que se estabelece um contraponto frente às propostas
educacionais posteriores, como as de Anísio Teixeira, Francisco Campos, Lourenço Filho e
Carneiro Leão, pois, ao mesmo tempo que parte em defesa da importância da instrução
vinculada à meta de erradicação do analfabetismo, o faz aligeirando o ensino, diminuindo o
tempo do aluno no espaço escolar, ferindo a proposta inicial da Reforma.
Essa diminuição no tempo foi justificada pela busca de aplicação de um currículo
menos enciclopédico em relação aos anteriores, no entanto, a justificativa lança uma questão
29 Somente no período da greve geral de 1917 a 1920, ocorreram, no Rio de Janeiro e em São Paulo, mais de 200
greves operárias envolvendo cerca de 300 mil operários industriais (FAUSTO,1976) 30 Em mensagem ao legislativo, em 1920, Washington Luiz afirmou que para criar as escolas necessárias às
crianças paulistas que não as tinham, nos moldes então vigentes, seria necessário ampliar as despesas com
educação de 17% para 40% dos gastos públicos gerais (NAGLE, 1974).
43
que será trabalhada nas reformas posteriores: como tornar o currículo mais acessível ao aluno
sem diminuir seu tempo e sua relação com o espaço escolar.
O problema revelava, para além da imperativa implementação de uma gestão
burocrática, a necessidade latente de construção de uma cultura escolar democrática. Nesse
sentido, a reforma de Sampaio Dória parecia navegar ao mesmo tempo no campo conservador
e progressista, como destaca Cavalieri (2003):
A convicção de Sampaio Dória no papel social da escola parecia vir ao encontro das
necessidades e intenções do governo paulista. Essa identificação, entretanto, como
ficou provado mais tarde, era bastante superficial. Os liberais de então, engajados num
projeto antioligárquico de fortalecimento da nacionalidade e modernização da
sociedade brasileira, estavam marcados pela proposta autoritária de higienização e
regeneração física, moral e social da população brasileira, por meio da qual poderia
ser alcançada a disciplina social necessária ao mundo moderno em construção. Para
eles, a escola seria o elemento chave desse processo. Apesar do viés autoritário, o
sentido geral de suas ações era reformista e progressista, ao contrário das forças
oligárquicas no poder. (CAVALIERI, 2003, p. 32).
Apesar das questões anteriores, o argumento vencedor do debate foi aquele que
defendia a redução do tempo de escola, que se tornou admissível visto que, o analfabetismo foi
o problema considerado central e a ser atacado pelos reformadores, tornando a qualidade do
ensino uma perspectiva secundária. Notamos, deste modo, como a questão do analfabetismo
toma o lugar de destaque nesse debate.
1.3.3. Reformas estaduais de ensino na primeira república: Rio de Janeiro
A reforma do Distrito Federal foi inicialmente conduzida em 1922 por Carneiro
Leão31, que também será o responsável pela reforma em Pernambuco alguns anos depois. Entre
1922 e 1926, Carneiro Leão assumiu a Diretoria de Instrução Pública do Rio de Janeiro e
elaborou o Projeto de Reforma do Distrito Federal, que não foi aprovado pelo Conselho
Municipal. Portanto, sua reforma não teve a abrangência desejada, pois as mudanças propostas
foram implementadas vagarosamente e com pouco respaldo legal (PAULILO, 2003).
31 Antônio Arruda Carneiro Leão (1887-1966) concluiu seus estudos primário e secundário em Recife e iniciou o
curso de Direito. Publicou seu primeiro livro em 1909, A Educação, no qual sugeria a difusão do ensino pelo
Estado, bem como apresentava ideias para a renovação escolar. Concluiu, em 1911, seu curso superior na
Faculdade de Direito de Recife. Após sua formatura, passou a exercer o magistério e o jornalismo. Entre os anos
de 1915 a 1916, participou de conferências e discursos em diversos estados, assumindo que estava em campanha
a favor da educação popular. Como resultado de suas conferências, lançou, em 1917, O Brasil e a Educação
Popular, defendendo a importância da educação popular para o país e destacando a necessidade de uma nova
educação, voltada ao ensino prático e à formação para o trabalho e cidadania.
44
O posicionamento deste reformador é informativo sobre suas decisões e ações, já
que seu projeto para o Distrito Federal previa uma completa reorganização escolar, que teria
início nos campos político e administrativo para, então, prosseguir no campo pedagógico.
Em seu relato (LEÃO, 1926 apud PAULILO, 2003), fica clara sua preocupação
com o aumento dos anos escolares (e da escolarização) das massas operárias brasileiras. O dever
da instrução pública para Leão era buscar a causa do êxodo da população dos bancos escolares
para resolução do problema, uma clara oposição ao governo federal àquela altura que reforçava
políticas excludentes, com a adoção dos cursos complementares.
Uma das principais orientações de Leão foi a tentativa de investigar quem realmente
necessitava de ensino público, chegando assim a duas conclusões: que a gratuidade era
necessária e que a escola representava não apenas espaço de ensino na conjuntura dos anos
1920, mas também tinha importância no que diz respeito à assistência social. Sendo assim,
foram pensados e realizados esforços para ampliação da malha escolar e o estímulo a
transferência de professores das áreas centrais para os subúrbios (LEÃO, 1926 apud PAULILO,
2003).
Leão tentou promover, através das iniciativas da Diretoria Geral de Instrução
Pública criada por ele, ações em prol dos jovens que iniciavam sua trajetória no ensino público,
propondo renovação dos métodos de ensino que implicavam integração da escola nas realidades
cotidianas correntes, através da proximidade das escolas com suas respectivas comunidades. A
reforma também foi pensada “para dentro” já que foram tentadas – nem sempre com efeito
desejado - iniciativas para incrementar a formação e a remuneração dos docentes. Leão propôs
o cargo de diretor e catedráticos para as escolas e, quando necessário, professores adjuntos
(PAULILO, 2003).
Além do salário fixo, os professores adjuntos deveriam receber comissões quando
atuantes, e foi estipulado um valor de gratificação a ser oferecida aos diretores das escolas
urbanas e rurais; contribuindo assim para o aumento dos salários e revisão do quadro dos
professores. Tentou ampliar o foco de atuação e reflexão acerca do funcionamento escolar,
condições de trabalho nas escolas, espaços de atuação na educação e um valor social para
diferentes grupos profissionais ligados ao campo educacional. No campo pedagógico, procurou
divulgar para os professores da rede pública a pedagogia moderna, por intermédio de livros,
revistas e jornais técnicos vindos do exterior, além de filmes, conferências e reuniões. Apesar
da importância dada à reforma no ensino normal, defendeu a necessidade de preocupar-se com
45
a formação dos professores em atividade. Justificava esta medida pela demora na formação de
novos professores e pela dificuldade de inclusão destes nas escolas (PAULILO, 2003).
Ao chegarem às escolas, os novos professores estariam em número menor e seria
mais provável que seguissem as normas dos mais antigos. Defendia a necessidade de
professoras substitutas para evitar que as crianças ficassem sem aulas por falta de professores.
Como a prefeitura não queria aumentar o número de professores contratados, sugeriu a
contratação de professoras substitutas efetivas. Havia tentado incluir na formação do professor
um ensino mais científico, ou seja, propiciando uma formação geral seguida das disciplinas
específicas como Psicologia, Pedagogia, entre outras. Defendeu que os novos programas para
o ensino normal deveriam basear-se em três ciências: Pedagogia, Psicologia e Sociologia
(PAULILO, 2003).
Para o caso da Sociologia, o objetivo era ampliar os horizontes do professor em
formação e torná-lo um ator relevante na sociedade rumo a sua modificação. Foi conferido,
neste sentido, um papel missionário para a disciplina: auxiliar e acelerar as mudanças sociais
em curso:
Carneiro Leão, entendia que, por meio da sociologia, a escola se realizaria
efetivamente como instituição influente na elaboração do Estado e da sociedade.
Nesse sentido, a disciplina deveria permitir, sobretudo, o reconhecimento do que ele
chama de necessidades sociais do tempo e do meio. Os problemas relativos à família,
à pobreza, ao crime, a imigração é que deveriam constituir os temas sociológicos a
serem investigados pelos próprios alunos através de inquéritos sociais. O objetivo
seria, pois, ensiná-los a ver, a observar e disso tirar experiência. E, afinal, na escola
que, no entender de Carneiro Leão, se deveria, a um só tempo, conhecer o meio social,
reagir sobre ele, conduzi-lo, orientá-lo. (MEUCCI, 2007, p. 458).
Apesar de suas iniciativas em organizar o ensino no Distrito Federal, a falta de
recursos financeiros dificultou a efetiva organização da reforma. O próprio Leão (1926)
apontou essa dificuldade como a maior encontrada em sua administração. Admitia que as
dificuldades materiais das escolas não poderiam ser resolvidas apenas pela sua administração,
seria preciso transpor as barreiras políticas para que o governo ampliasse sua arrecadação, por
meio de uma taxação especial para o ensino. Mas, a cada ano, diminuía-se a porcentagem dos
investimentos destinados ao ensino, como destacam Silva e Machado (2004):
Leão em 1926, apresentou as porcentagens destinadas ao ensino primário no Distrito
Federal, que eram as mais baixas das duas últimas décadas: 1911 – 15,6%; 1915 –
18,3%; 1920 – 16,45%; 1924 – 13,8%; 1925 – 11,5%. E, ainda, destacou que o custo
por aluno era, em 1925, 30% menor do que em 1922. Os investimentos destinados ao
ensino haviam diminuído nos últimos anos. O que prejudicava a organização das
escolas pela falta de investimento em prédios e demais necessidades físicas da escola.
46
Havia falta de estabelecimentos de ensino e a prefeitura precisava alugar casas e
muitas delas estavam em estado precário de conservação. Com a falta de recursos para
os prédios escolares, salários de professores e investimentos pedagógicos foi
necessário manter dois turnos nas escolas, com quatro horas/aula, implantado desde
1919 (SILVA e MACHADO, 2004, p. 6-7).
A reforma do Distrito Federal foi marcada, no período 1922-1926, portanto, por um
chamado a escola para que se posicionasse diante da vida social e das exigências presentes e
futuras, com o estudante ajudando a reconstruir a realidade em proveito do meio social –
esbarrando na capacidade financeira do Distrito Federal para sua implementação. Com efeito,
o sentido assumido pela Sociologia, de necessidade de reformar o social, a partir dos critérios
científicos da disciplina, apontam para uma compreensão apurada do que precisa ser reformado
no ensino e na sociedade. A Sociologia nesta conjuntura, portanto, ajuda a construir pontes,
meios de contato entre educação e sociedade, entre o meio pedagógico e o social.
Neste caminho, a presença de Fernando de Azevedo na segunda parte da década e
sua atuação como diretor da instrução pública do Distrito Federal corroboram o sentido
assumido pela disciplina como produtor de conhecimento de se aproximar das questões sociais,
através de um diagnóstico sobre a Escola, sobre a Educação e sobre a Sociologia com uma
mediação que atravessa e está presente em um tempo histórico com possibilidade efetiva de
transformação, auxiliando o projeto de reforma social via campo da educação.
A nomeação de Azevedo refletia a rede que o acompanhava, já que ele havia sido
alçado à vida pública e política através de sua participação no jornal O Estado de São Paulo,
nas suas próprias palavras a publicação o preparou para função a ser exercida: “somente ao ser
provido no cargo é que avaliei, em todo o seu alcance, os serviços inestimáveis desse contato a
que me forçou a profissão de jornalista, com os fatos e os problemas da educação” (AZEVEDO,
1937, p.26). Ainda no jornal, Azevedo foi o articulador e responsável principal pelo Inquérito
sobre Educação Pública em São Paulo de 1926, que resultou em uma avaliação, em moldes
nunca realizados, dos problemas fundamentais do ensino de todos os graus e tipos, e serviu de
base para uma campanha nacional em favor de uma nova política de educação32.
O inquérito revelou um quadro preocupante da educação brasileira. A ausência de
diretrizes culturais, sociológicas ou científicas no ensino primário e normal, a inexistência de
articulação entre a prática educacional e as modernas teorias educacionais, a inércia ou
32 Três seções compunham o relatório. A primeira era dedicada ao ensino primário e normal; a segunda, ao ensino
técnico e profissional, e a última, ao ensino secundário e superior.
47
resistência a mudanças do corpo docente diante de renovações necessárias, pedagógicas e
metodológicas, foram os pontos de maior destaque.
Ao assumir o ensino na capital federal, Azevedo procurou estabelecer a mesma
metodologia traçar um quadro interpretativo da educação no Rio de Janeiro que viria a servir
como orientação para o conjunto de reformas a serem implantadas. Organizou, portanto, um
recenseamento, dividindo o público escolar por idade, sexo, e, principalmente, por distritos
escolares.
Na esteira das mudanças já propostas por Leão, Fernando de Azevedo reelaborou
um Projeto de Reforma do Ensino, que foi submetido à aprovação do Conselho Municipal,
gerando divergências, como a anterior, em alguns pontos como quanto às “inovações” a serem
apresentadas, no âmbito político e educacional, à sociedade carioca.
Foram motivo de grande polêmica, principalmente, os pontos referentes à
contratação de funcionários para diferentes cargos, pois Azevedo defendia a realização de
concursos públicos, ao que o Conselho Municipal queria acrescentar o sistema de nomeações
pelo prefeito; e ao sistema de promoção/unificação do magistério, que pleiteava o nivelamento
dos vencimentos, bem como o aperfeiçoamento dos mecanismos de ascensão profissional para
as classes dos professores adjuntos.
Devido às polêmicas, o projeto foi alterado novamente, e somente seria aprovado
em 1928. O principal objetivo de Azevedo, e também podemos dizer, de Leão, foi através do
estimulo ao fortalecimento da estrutura burocrática em torno da educação e da organização
técnica da direção do ensino “uma força para estimular, coordenar e orientar” (AZEVEDO,
1937, p. 158). As reformas do período 1922-1928 tiveram, portanto, orientação rumo à junção
de uma consciência moral, com inspiração no positivismo e nas ideias durkheimianas, também
havia a preocupação em se aproximar de novos métodos de ensino e de organização dos fazeres
escolares.
Foram investigados para as reformas – se levarmos em conta a bibliografia utilizada
por Leão e Azevedo – autores como Montessori, Decroly, Kerschensteiner, Sussekind de
Mendonça, Dewey, Lunatcharsky e Hartman. Além da referência positivista europeia, portanto,
havia uma tentativa de se aproximar do pensamento inovador liberal, um tipo de liberalismo
que o jornal O Estado de S. Paulo então representava. Em outras palavras, embora Durkheim
fosse o principal autor e a inspiração para as reformas, os reformadores dialogavam com sua
compreensão, revisão e questionamento da noção do autor da escola como reprodutora da
48
cultura da sociedade expressa pelo Estado – este ideário estava em conflito com pragmatismo
de Dewey, a razão kantiana, entre outras no campo da educação.
Outro objetivo foi conectar a escola pública ao ideário dos movimentos civis para
uma efetiva reforma da sociedade. Um sintoma disto é que as escolas foram pensadas como um
instrumento de reforma social: através da reforma do sistema escolar, poderia ser repensado
também o sistema produtivo, além de tornar possível o fomento de um civismo de cunho
nacionalista. Assim, a aposta das reformas dos anos 1920, sobretudo a carioca foi na
modernização via escola a partir de disputas com concepções sociais, econômicas e culturais
conservadas por quase quatro décadas de iniquidade política das oligarquias mandatárias. Como
política educacional, essa preocupação ganhou contornos específicos e os profissionais
envolvidos também se tornam atores na luta por um novo campo de direitos políticos e
educacionais.
1.4. Institucionalização da Sociologia no espaço escolar: a experiência do Colégio
Pedro II
A consolidação e o entendimento do que é o ensino secundário no Brasil passa
diretamente pela fundação do Colégio Pedro II. Não esmiuçaremos a história do colégio nos
seus primeiros anos, mas como deixam claro diversos autores (MENDONCA; LOPES;
SOARES e PATROCLO, 2013), as dificuldades encontradas nos seus primórdios estiveram
relacionadas no campo político às mudanças, adaptações (e readaptações) constantes exigidas
pelas reformas educacionais e no campo pedagógico e às dificuldades em lidar com o caráter
propedêutico e enciclopédico do ensino.
No caso específico da Sociologia, a conjuntura verificada acima tem papel
fundamental nas discussões sobre a implementação disciplina. A medida que o colégio é o
pioneiro na implementação do ensino secundário, podemos inferir que este foi também pioneiro
na inserção da Sociologia no currículo. Sendo assim, nosso esforço será dedicado a identificar
os atores e a conjuntura na qual os mesmos estão inseridos, na formatação da disciplina, e
posteriormente analisar os primeiros currículos da disciplina produzidos pela instituição33.
O ensino secundário, segundo a Reforma Rocha Vaz (1925), foi compreendido como
alongamento do ensino primário, para fornecer a cultura média geral do país, compreendendo
33 Ressaltamos, de antemão, que limitamos neste capítulo análise até currículo do ano de 1929 pelo fato dos
currículos posteriores passarem a ser expedidos pelo então Ministério da Educação e Saúde Pública, fugindo da
esfera exclusiva do Colégio Pedro II – estes currículos serão analisados posteriormente nos próximos capítulos.
49
um conjunto de estudos com a duração de seis anos. No sexto ano, de acordo com esta reforma,
era oferecida a disciplina Sociologia34. No entanto, no currículo inicial do colégio, a Sociologia
aparece apenas como indicação da disciplina, entendemos que isto ocorre, porque havia naquele
momento ausência de pressupostos metodológicos pelas próprias dificuldades de uma
disciplina escolar recente em estabelecer suas fronteiras e seus conteúdos. Neste espaço que
entra o Colégio Pedro II, que possuíra a figura professor catedrático efetivo responsável pela
elaboração do currículo da disciplina após dois anos da publicação do decreto.
Podemos afirmar que a Sociologia já aparece envolta em disputa curricular
influenciada pelo sistema de cátedras, criado pela Reforma Rocha Vaz. A figura do professor
catedrático foi naquela conjuntura representada a partir de um estudioso da disciplina, que
domina a sua área de conhecimento. Para ocupar este cargo/função era necessário realizar um
exame de cátedra defendendo alguma ideia inovadora no campo de atuação, publicar obras
científicas na sua área de ensino, além de ser nomeado pelo Departamento Nacional do Ensino.
Cumpridas todas estas etapas, a permanência na cátedra era vitalícia.
A congregação sugere ao governo republicano o aproveitamento na cadeira de
Sociologia do professor Adrien Delpech na condição de interino, já que este fora aprovado em
exames internos para cadeira. A cadeira é aprovada em 1926, e em abril do mesmo ano, é
aprovado também o primeiro programa da disciplina possivelmente elaborado pelo professor
(SOARES, 2009).
Algumas considerações podem ser feitas acerca da indicação de Adrien Delpech35
para a cadeira de Sociologia, já que professor fora inicialmente substituto da disciplina de
Francês, e a sua indicação para atuar como interino em outra disciplina visava aproveitar sua
aprovação no concurso interno, mas também conter gastos, já que o mesmo estava no quadro
interno da instituição dispensando seu pagamento como substituto (SOARES, 2009).
34 Aos estudantes que fizessem o curso do sexto ano e fosse aprovado em todas as matérias que o constituem, era
conferido o grau de Bacharel em Ciências e Letras. O candidato ao vestibular devia apresentar certificado de
aprovação nas matérias do quinto ano do curso secundário emitido pelo Colégio Pedro II ou institutos equiparados,
mas aquele que cursasse o sexto ano tinha preferência na matrícula, independente da ordem de classificação.
Portanto, o sexto ano do ensino secundário, no qual a Sociologia foi inserida, conferia um privilégio aos alunos
que o concluíssem. 35 Adrien Delpech nasceu no ano de 1867 na Bélgica. Encontramos indícios de que teria vindo para o Colégio
Pedro II diretamente da Sourbonne, a pedido do então diretor Professor Carlos de Laet. Delpech fez seus estudos
de todos os níveis em Paris. No ano de 1892, aos 25 anos de idade, chegou ao Brasil, onde se estabeleceu
definitivamente. No Rio de Janeiro ingressou no Colégio Pedro II, em seguida no Instituto de Educação e na Escola
Nacional de Música, lecionando Francês e Arte. Foi professor de várias disciplinas, inclusive Literatura Brasileira,
pela qual nutria especial predileção. Foi também escritor e jornalista, com publicações na Imprensa do Rio de
Janeiro. Como catedrático elaborou o primeiro programa da disciplina.
50
Ou seja, o surgimento da Sociologia levou a uma recomposição das cátedras do
Colégio Pedro II, tendo sido buscadas maneiras para acomodar a disciplina sem causar grandes
mudanças na composição do corpo docente. Delpech também não permaneceu nesta função por
muito tempo, devido ao fato, que sua atuação interina estava conectada a realização de um
concurso previsto para a cadeira de Sociologia em 1927, quando também haveria a
implementação do 6° ano, conforme previsto na reforma Rocha Vaz.
No entanto, visando a continuidade da disciplina no novo ano letivo, foram
aprovados em bloco os programas para as disciplinas do sexto ano, inclusive o de Sociologia,
com Delpech indicando os pontos do programa e os livros a serem utilizados. A mesma situação
repetiu-se em 1927, quando o programa da disciplina foi aprovado sem as discussões e
modificações que repetidas vezes apareceram na aprovação de outras matérias (SOARES,
2009).
A mudança nesta conjuntura só se consolidaria com a escolha de Carlos Miguel
Delgado de Carvalho36, no exame de 1927, para professor efetivo da cátedra da disciplina.
Carvalho havia apoiado em 1926 a indicação de Adrien Delpech a cátedra interina indicando
que não era de seu interesse naquele momento assumir a cadeira de Sociologia - já que era
catedrático da disciplina de Francês (BRITO, 2012).
Não podemos afirmar quais as motivações o fizeram modificar suas intenções, no
entanto, nos parece significativo o fato deste ter se tornado membro-fundador da ABE e
membro do Instituto de Educação atuando também na Escola Normal como professor da
disciplina, reunindo assim a atuação prática no ensino da mesma, além de participar das
discussões educacionais da década de 1920 onde a Sociologia foi encarada como uma disciplina
fundamental para superação do atraso brasileiro.
Para além disto, Carvalho se tornou, nos anos que se seguiram, um dos maiores
difusores do conhecimento sociológico no Brasil, porque como estabelecido na Reforma Rocha
Vaz, passou a ser responsável pela elaboração dos programas de Sociologia do Colégio Pedro
II37.
36 Delgado de Carvalho nasceu em 1884 na França, em razão do seu pai ser diplomata. Iniciou seus estudos na
Inglaterra e foi morar em Lyon, França, onde estudou dos onze aos dezoito anos no Externato Dominicano.
Bacharelou-se em Letras em 1905 pela Universidade de Lyon. Estudou Ciências Sociais na London School of
Economics. Falava inglês, francês e alemão; aprendeu o português apenas em 1906, quando voltou ao Brasil.
Tornou-se professor substituto de Inglês do Colégio Pedro II em 1920, foi promovido a Professor Catedrático em
24 de setembro de 1924, em substituição a Carlos Américo dos Santos. 37 Em 1927 Delgado de Carvalho passa a ser responsável pela elaboração dos programas de Sociologia do Colégio
Pedro II, instituição considerada padrão na época. Conforme a ata da Reunião da Congregação do Colégio Pedro
II de 26 de março de 1927, portanto, ainda com Delpech como catedrático interino, o programa de Sociologia foi
aprovado sem discussão. O mesmo teria ocorrido com o programa de 1928, segundo ata de 27 de março do mesmo
51
Nos interessa, sobretudo, a partir de agora lançar mão da análise dos currículos de
Sociologia produzidos no período. Neste primeiro capítulo, analisaremos os programas de 1926
e 192938 - inseridos, portanto, no contexto da Reforma Rocha Vaz. Nosso objetivo é pensar os
sentidos assumidos pela disciplina entre a década de 1920 e 1940, assim, nossa intenção não é
propriamente verificar se os programas foram aplicados na prática (pois isto seria impossível)
mas verificar e comparar os caminhos e posturas teórico-conceituais assumidos pela disciplina
na década de 1920. Dito isto, vamos aos programas:
Tabela 1: Programa de Sociologia, Colégio Pedro II (1926-1928)*
PARTE CONTEÚDO
1a SOCIOLOGIA TEÓRICA
I. Definição e limites — A Sociologia é uma ciência em formação. — Sua graduação na
escala dos conhecimentos humanos. — Sociologia teórica e Sociologia pratica. —
Estatística e dinâmica, Filosofia da História.
II. Métodos da Sociologia. — A base da Sociologia é o estudo dos factos positivos da
História. — Aplicação da lei da casualidade. — Redução dos fatos ás leis da estatística.
— Dificuldade da experimentação. — Observação, comparação e classificação. —
Concordâncias e diferenças. — Caracteres da explicação histórica. — Perigos da
dedução em matéria sociológica.
III. Sofismas e erros. — Crítica histórica.
IV. Constituição da família. — Estado primitivo de promiscuidade. — Poligamia e
monogamia. — Matrimonio: indissolúvel ou sujeito ao divórcio. Situação dos filhos
matriarcado e patriarcado. — Extensão e desenvolvimento do regime da família;
herança, seu caráter primitivamente religioso. Tentativas de volta ao regime da
promiscuidade: o falanstério. — Tendência mundial para a monogamia.
V. Formação das sociedades humanas. — Humanidade gregária. — A tribo. — Condições
necessárias para a fixidez. — A cidade. — A nação. — Os impérios.
VI. O Estado. — Formas do governo; monarquia, aristocracia, democracia; monarquia
absoluta, republica, governos constitucionais. — Divisão dos poderes executivo,
legislativo, judiciário. — Funções do Estado: Internas (policia, justiça, burocracia,
economia — moeda, regularização dos contratos, comunicações, transportes,
comércio, instrução). Externas (defesa, relações internacionais). —Abuso do
estatismo. — Centralização e descentralização.
VII. Misticismo das coletividades. — Dualidade do homem egoísta e social. — Interesses
e deveres revestem-se de fé mística. — Gênese dos sentimentos coletivos: patriotismo,
justiça. — A guerra. — As religiões e o Estado.
VIII. Trabalho, propriedade, riqueza. — Comunismo primitivo. — Individualismo e
coletivismo. — Regime agrário. — Regime industrial. — Escravidão, servidão,
ano. Em 14 de novembro de 1929, a comissão de ensino deu parecer de aprovação ao programa apresentado por
Delgado de Carvalho para o ano de 1930, que em quase nada diferia do anterior, acompanhado das respectivas
“instruções” (SOARES, 2009). Além da elaboração dos primeiros currículos da disciplina, foi um dos maiores
difusores da disciplina no país ao publicar alguns livros de caráter didático como “Sociologia: summários do curso
do 6° anno” (1931), “Sociologia Educacional” (1933), “Sociologia e Educação” (1934), “Sociologia
Experimental” (1934) e “Práticas de Sociologia” (1937). Falaremos mais dessas obras quando adentrarmos no
segundo capítulo e as disputas curriculares nos anos 1930. 38 O currículo de Sociologia de 1926, elaborado por Delpech, foi reaplicado nos anos de 1927 e 1928, assim cabe
lembrar que a reforma Rocha Vaz determinava a aplicação do currículo do ano anterior se não houvesse discussão
obre o currículo no ano anterior. Somente em 1929 apareceria um novo programa com Delgado de Carvalho
(BRITO, 2012).
52
trabalho livre — Federações sindicalistas. — Socialismo de estado. — Comunismo
doutrinário.
IX. Sistemas sociológicos. — Sociologia materialista e empírica; sociologia especulativa
e teleológica. — Exemplos da sistematização: Republica de Platão. — O contrato
social, Saint-Simonismo. Sociologia de Augusto Comte. — Marxismo. — A
Sociologia como arte. — Dificuldades das aplicações praticas.
2a FONTES HISTÓRICAS DA SOCIOLOGIA
X. Formação e evolução da civilização mediterrânea. — Origens asiáticas. — Civilização
egípcia. — Transição fenícia e egea. — Caracteres gerais da civilização mediterrânea.
Dissidência judaica.
XI. Caracteres da civilização grega. — A família, a educação. situação da mulher. — A
cidade, suas bases religiosas; sua extensão; colônias. — Solidariedades e rivalidades;
Amphyctionais. — A religião. — As organizações políticas. — Contrastes da
civilização grega e da civilização oriental. — O choque do V século. — A decadência.
XII. A civilização romana. — A organização familiar. — Rivalidade das classes e tendência
para o equilíbrio. — As lutas agrarias e a constituição do latifúndio. — Augusto e seus
esforços para a volta ás tradições. — Evolução da cidade para o imperialismo mundial.
— Poder e flexibilidade do direito romano. — Motivos da decadência.
XIII. O advento do cristianismo. Sua evolução nos Ires primeiros séculos e sua adaptação
ao regime social que acaba dominando. A absorção dos bárbaros na civilização
mediterrânea.
XIV. A Idade Média e o regime feudal. — A constituição das grandes nacionalidades. — O
equilíbrio dos dois gladios. — A luta do espiritual e do temporal. — A tendência para
o absolutismo político.
XV. Causas da Renascença. — Resultados econômicos e políticos das descobertas
marítimas. — Modificações nas crenças. — O Humanismo. — A Reforma. — O
triunfo do absolutismo. — O tradicionalismo familial e religioso.
XVI. O Século XVIII e o enciclopedismo. — As novas concepções sociais. — A crise
revolucionaria e a ditadura imperial. — A reação tradicionalista. — A vitória da
democracia.
XVII. Revolução econômica do século XIX. — A grande indústria e o poder da burguesia.
— A luta proletária.
XVIII. A crise de 1914. — A anarquia econômica e social contemporânea. — Tendência para
o individualismo na família e o socialismo no estado. — A experiencia russa. —
Resultados da política colonial do último século. — O esforço para a criação de uma
moral internacional.
XIX. Canalização da civilização mediterrânea na América Latina —Mentalidade dos
descobridores e conquistadores. — O aniquilamento das duas grandes civilizações
autoctonias. — O monopólio administrativo e comercial das metrópoles. — A
evolução da família no Novo Continente. — Formação econômica do espírito nativista
—Sua eclosão mística. — Sua realização revolucionaria. — Seu desenvolvimento
realista e pacífico. — Filiação mental ao espírito europeu na procura da originalidade
nacional, estética e social.
XX. Originalidade da formação brasileira. — A influência do meio extenso e variado. —
Organização da produção colonial; escravização índia do tipo duro e negra do tipo
branco e familiar. — O movimento constitucional do XIX século que redundou na
criação de uma monarquia americana já anacrônica. — A transformação republicana e
federativa. — Situação atual no concerto mundial.
* Programa adaptado para as normas vigentes da língua portuguesa, de maneira a facilitar a leitura. Elaborado
pelo autor, a partir das seguintes fontes:
1. SOARES, Jefferson da Costa. O Ensino de Sociologia no Colégio Pedro II (1925-1941). 2009. Dissertação
(Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação, Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, Rio
de Janeiro, 2009.
2. GUELFI, Wanirley. A Sociologia Como Disciplina Escolar no Ensino Secundário Brasileiro: 1925-1942.
2001. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade
Federal do Paraná, Curitiba, 2001.
53
Tabela 2: Programa de Sociologia, Colégio Pedro II (1929)* PARTE CONTEÚDO
I - As Teorias Sociológicas 1. Generalidades – Objeto e definições.
2. Os fundadores da Sociologia: Comte. Spencer
3. Principais escolas sociológicas modernas.
4. A teoria das forças sociais.
II – As Sociedades Humanas 5. Influências do meio.
6. Formação e fixação de grupos
7. Os problemas demográficos
8. A questão das raças
9. As migrações humanas – A imigração
III - A Psicologia Social
10. Evolução orgânica e cultural.
11. Psicologia coletiva
IV - As Instituições 12. A família – Origens e modalidades
13. A moral – A religião – A Igreja.
14. O Direito e a Lei
15. O Estado e suas funções
16. A linguagem – A arte, sua expressão
17. Estrutura econômica da Sociedade
V - Os problemas sociais
contemporâneos
18. Anormais, retardados e defeituosos.
19. Pauperismo e miséria
20. Alcoolismo – Vícios sociais.
21. A proteção dos menores – os delinquentes.
22. O crime e sua repressão
23. O trabalho e o desemprego – Acidentes
24. Migrações urbanas
25. Os problemas da comunidade
26. Saúde pública e higiene
27. Obras de melhoramento social.
28. O papel da educação.
29. Guerra, paz e internacionalismo
30. O progresso social.
* Programa adaptado para as normas vigentes da língua portuguesa, como maneira de facilitar a leitura.
Elaborado pelo autor, a partir das seguintes fontes:
1. SOARES, Jefferson da Costa. O Ensino de Sociologia no Colégio Pedro II (1925-1941). 2009. Dissertação
(Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação, Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, Rio
de Janeiro, 2009.
2. GUELFI, Wanirley. A Sociologia Como Disciplina Escolar no Ensino Secundário Brasileiro: 1925-1942.
2001. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade
Federal do Paraná, Curitiba, 2001.
De antemão, lembramos que esses programas representam a primeira aparição de
um currículo sistematizado da disciplina no Brasil que, de fato, fora aplicado com estudantes
de ensino secundário. Analisaremos, portanto, nas próximas linhas, as primeiras formulações
sobre o que foi disposto. O primeiro ponto da análise entre os dois currículos recairá sobre o
tamanho e abrangência dos currículos.
Como exposto na tabela 1, o primeiro programa da “Cadeira de Sociologia” do
Colégio Pedro II, entre 1926 e 1928, foi organizado em duas partes: Sociologia teórica e Fontes
históricas da Sociologia, cada uma delas é composta por conteúdos específicos. Como esta
constituiu a primeira aparição da disciplina no currículo escolar, há preocupação em mostrá-la
como uma ciência que detém especificidade, o que justificaria sua presença no currículo,
54
evocando suas teorias, definições, limites e metodologia. No entanto, a segunda parte é toda
dedicada as fontes históricas da Sociologia, de forma a focar na demarcação de mudanças
sociais ocorridas na história da humanidade, do que efetivamente analisar os processos em tela.
Outro dado interessante do currículo de 1926, é o aparecimento de conteúdos
pertencentes à História, à Filosofia, à Antropologia e à Ciência Política como auxiliares da
Sociologia. Portanto, embora houvesse na 1a parte uma tentativa de especificar a disciplina, seu
conteúdo aparece mediado na 2a parte pela interface com outros campos das Ciências Humanas
já consolidados no currículo do secundário.
Além da extensão e enciclopedismo do currículo, cabe ressaltar também a
preocupação em trazer, mesmo que final do programa, questões brasileiras para o debate, num
momento em que nem sequer existia uma geração consolidada de sociólogos brasileiros.
Acreditamos que esta inserção de questões nacionais no currículo estaria conectada às
dimensões de formação e intervenção que os reformadores pretendiam com a Sociologia:
aproximá-la das questões nacionais, para analisá-las, e, posteriormente pensar em
modificações. Nesse sentido, as dimensões reivindicadas no currículo da disciplina são histórias
e teóricas, não há demonstração de preocupação com efetiva aplicação prática do que fora
estudado no currículo. Não é indicada, mesmo que minimamente, a necessidade de pesquisa,
por exemplo.
O programa foi modificado em 1929 (Tabela 2) pelo decreto 18.564/1929, no
entanto, as modificações promovidas no curso secundário não alteraram a situação da
disciplina, que permaneceu no 6o ano do complementar. Mas, no que concerne ao programa do
ensino, comparadas com as do programa anterior, as alterações foram significativas. A
organização foi dividida em cinco temas compostos por uma determinada seleção de conteúdo.
Comparando-se o programa de 1925 com o de 1929, percebe-se que os conteúdos
propostos no último são mais próximos e específicos da Sociologia. Nesse programa,
predominaram conteúdos contemporâneos à época, identificando-se uma preocupação com os
problemas nacionais. Mas, uma preocupação que envolvia, não apenas as reflexões sobre os
problemas, mas prioridades e ações para enfrentá-los (GUELFI, 2001).
Neste currículo, a preocupação com os métodos da disciplina continua demarcada,
mas o enfoque histórico é transferido para os “problemas sociais contemporâneos”.
Acreditamos que estes “problemas sociais” sejam uma conjugação entre as questões analisadas
pela disciplina no início do século – a partir da microssociologia proposta pela da Escola de
55
Chicago: habitação, criminalidade, alcoolismo, imigração, entre outros – e a necessidade de
pensar como esses problemas estão postos na realidade social brasileira do período.
Examinando a conjuntura em que os currículos foram formulados a partir da
manutenção (e, aprofundamento) da defasagem existente entre o sistema educacional, da
expansão econômica das mudanças socioculturais por que passava a sociedade brasileira, fica
clara a necessidade de produção de estudos concretos sobre a realidade brasileira, nessa chave
que apontamos a ligação com o ideário da Escola de Chicago.
Mantendo o currículo somente em aspectos teórico-históricos se perde a prática
científica da Sociologia – formulação de métodos e a própria possibilidade de pesquisas serem
realizadas - não havendo, portanto, como promover as mudanças sonhadas e recuperar o Brasil
de seu atraso, sem considerar a possibilidade de pesquisa sociológica fundamentada.
As teorias e a história da disciplina, em certo sentido, só foram possíveis no Brasil
ou qualquer lugar do mundo, porque são levadas adiante por pessoas que trabalham em
organizações que perpetuam essas ideias e, principalmente, as colocam em práticas e
promovem a possibilidade de seu questionamento, o que é fundamental para o efetivo
equacionamento dos problemas sociais que afligem as sociedades.
No entanto, este desenvolvimento inicial da disciplina nos anos 1920, obteve
entraves, já que a maneira pela qual se desenrola as políticas educacionais e, portanto, o ensino,
reflete a luta existente entre os diversos setores das camadas dominantes, tornando possível
identificar “ora a conciliação das facções opostas, ora a predominância de uma delas, sendo a
tendência geral favorável às facções conservadoras” (ROMANELLI, 2005). Deste modo, nos
parece que a disciplina surge no Brasil com o caráter prescritivo, normativo e civilizador, já
que é preciso repensar o país e os problemas causados pela desigualdade social e a Sociologia
atuaria como espécie de bússola. No entanto, a resposta para saída destes nos parece mais
calcada neste primeiro momento, e não poderia deixar de ser, em referenciais estrangeiros como
Augusto Comte, Emile Durkheim e a supracitada Escola de Chicago: os pontos cardeais da
bússola já aparecem, portanto, pré-definidos.
Verificamos, portanto, que a Sociologia que se organiza no Brasil na Primeira
República é, fundamentalmente, uma disciplina conectada à moral, à ordem e à preocupação
com a coesão social. Alinhada à ideia de que se fossem preenchidos alguns pré-requisitos e se
reordenassem e/ou se constituíssem novos campos de produção de ideias sociais o país poderia
almejar a saída do atraso social. Sendo assim, observando o percurso da Sociologia como
disciplina escolar no período parece possível estabelecer algumas aproximações entre a lógica
56
da sua dinâmica e a lógica do contexto histórico-cultural abordado no qual se insere a disciplina,
as reformas estaduais privilegiam a disciplina, pois representa uma orientação frente as
processos de mudança que se deseja implementar.
57
III. CAPÍTULO 2: A SOCIOLOGIA ESCOLAR NOS ANOS 1930
Neste capítulo nos debruçaremos sobre a trajetória da disciplina na escola durante
os anos 1930. Presente no currículo escolar durante toda a década39, ajuda a compreender
aspectos importantes do período, como os processos nacionais de ruptura com a Primeira
República, a ascensão de Getúlio Vargas, a consolidação de reformas de Estado, a criação (e as
posteriores reorganizações) do Ministério da Educação e, por fim, o florescimento da produção
industrial e do Brasil urbano.
No terreno educacional e sociológico, a década é marcada por disputas, marcadas
principalmente pela reação da Igreja Católica ao Manifesto dos Pioneiros e às diretrizes
adotadas pela Associação Brasileira de Educação (ABE) no período; também teremos
modificações no currículo escolar e o florescimento da publicação na área sociológica. Por fim,
já na década de 1940, teremos a edição de uma nova reforma educacional, na qual a disciplina
sai do currículo, o que nos leva a questionar os sentidos assumidos pela Sociologia até o
momento em tela.
2.1. A ascensão de Getúlio Vargas: revolução de 1930 e Estado Novo
Antes de partirmos para uma análise detalhada sobre a presença da disciplina no
currículo nesta década e as implicações desta, devemos retornar rapidamente à conjuntura
brasileira na década de 1930. Como realizamos anteriormente com a década de 1920, o objetivo
não é detalhar de forma exaustiva os acontecimentos do período, mas situar o leitor acerca dos
condicionantes presentes do campo da Educação e da Sociologia: como estes se organizaram
internamente e construíram sentidos próprios.
O grande nó da primeira metade da década serão os rumos tomados a partir das
decisões do centro do poder, notadamente a presidência. Nos cabe ressaltar que desde a
proclamação da República, os candidatos “governistas” a presidente – em que pesem o
coronelismo e clientelismo presentes na vida política brasileira – eram eleitos, através do voto,
para dar continuidade aos trabalhos de seu antecessor.
A escolha do candidato que viria a vencer era realizada previamente mediante
acordos políticos intrapartidários, que “autorizavam” as máquinas eleitorais estaduais a
39 Levamos em consideração os períodos em que a Sociologia esteve presente no currículo nacional por força de
lei. Na sala de aula, efetivamente, o tempo foi de menor duração histórica.
58
trabalharem pelos resultados esperados - assim o sistema eleitoral funcionou sem alterações
significativas até o final de da década de 192040.
Será significativo, neste sentido, para nossa análise o fato de Getúlio Vargas ter
ascendido ao poder por meio de um golpe, que, por um lado, desestrutura as relações de poder
vigentes, mas que por outro, acionará o mesmo expediente para garantir sua continuidade no
poder, forçando-o a testar a correlação de forças políticas constantemente, o que terá
rebatimentos, como veremos, no campo educacional41.
Nesse sentido, a postura de Vargas atraiu líderes descontentes da Aliança Liberal,
embora alguns destes como patriarcas políticos do Rio Grande do Sul (Borges de Medeiros) e
de Minas Gerais (Antônio Carlos) permanecessem cautelosos quanto ao perigo de uma
revolução, apoiando Júlio Prestes e sua proposta de mudanças estruturais que poderiam
“dialogar com a ordem” (SKIDMORE, 2010). O acontecimento que aglutina de vez os
oposicionistas é o assassinato do ex-candidato à vice-presidência, João Pessoa, da Paraíba, que
fora assassinado pelas mãos de um filho de um inimigo local, nada atípico diante cenário
político naquela conjuntura. No entanto, o crime foi agravado considerando o apoio do
presidente em exercício, Washington Luís, à família do assassino.
Deste modo, a revolta militar de 1930 começou a ser organizada sob comando do
Coronel Góes Monteiro; e de outro lado, a aliança dos estados minaria o poder e a rede de
apoios ao presidente Washington Luís. Diante da revolta iminente, parte dos militares interveio
com o pedido de renúncia, solicitação tida como inútil diante da recusa do presidente. Este se
convenceu apenas depois que Cardeal Leme42 do Rio de Janeiro argumentou que sua posição
estava perdida e que deveria renunciar à sua pretensão de empossar Júlio Prestes (SKIDMORE,
2010). Notamos, deste modo, a influência da Igreja Católica desde os primeiros e capitais
momentos para constituição/construção do varguismo.
40 A presidência foi enxergada como consequência da disputa política vigente em cada conjuntura eleitoral
específica, visto que pela constituição de 1891 não havia a possibilidade de reeleição. 41 Caracterizamos como golpe a chegada de Getúlio ao poder, pois na segunda metade da década de 1920, o Brasil
fora governado por Washington Luiz (1926-1930) que conseguiria fazer seu sucessor, Júlio Prestes. No entanto o
candidato do governo apesar dos votos, não conseguiu tomar posse, já que a oposição liderada por Vargas, apoiou
a tomada do poder. Os resultados da eleição foram contestados pela Aliança Liberal que tinha também o apoio de
líderes políticos de Minas Gerais e Rio Grande do Sul indignados com a perspectiva da política paulista de
prolongar seu governo. Nos apoiamos na seguinte bibliografia: FAUSTO, Boris (org.). O Brasil Republicano:
economia e cultura (1930-1964). tomo 3, vol.4. Rio de Janeiro: Ed. Bertrand Brasil, 1995. (Col. História da
Civilização Brasileira) e “O Golpe do Estado Novo” (Verbete). Disponível em:
http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/anos30-37/GolpeEstadoNovo. Acessado em 24 jul. 2018. 42 Dom Sebastião Leme da Silveira Cintra, o Cardeal Leme GCC (1882-1942), foi o segundo cardeal brasileiro.
Foi Arcebispo de Olinda e Recife e Arcebispo do Rio de Janeiro. Exerceu relevante papel nos dias finais da
Revolução de 1930, quando convenceu o renitente presidente Washington Luís Pereira de Sousa a entregar o poder
aos revoltosos.
59
Com o movimento supracitado, assume o governo, por dez dias, uma junta militar
até a posse do novo presidente. A tomada do poder por Vargas demarca um novo período na
política brasileira marcada pelo incremento da máquina pública e pela reforma do estado, como
destaca Skidmore (2010): “na década e meia depois de Vargas ter assumido o poder,
praticamente todas as características do sistema político e da estrutura administrativa foram
objeto de zelo reformista” (SKIDMORE, 2010, p.25).
A Revolução de 1930, como ficou conhecida, representou um novo fato político na
luta entre as elites por posições no governo, mas as reformas oriundas dela tiveram impacto
maior: afetaram estruturalmente a dinâmica das relações políticas existentes até então que
acompanharam fatores externos como a conjuntura da economia mundial, a emergência de um
projeto de industrialização e de novos atores sociais urbanos.
As reformas, inclusive, seriam onde permaneceriam explícitos os consensos e
dissensos dentre os que apoiaram a revolução. Um exemplo desse panorama é a pressão dos
constitucionalistas liberais para que fosse feita uma reforma eleitoral, onde não houvessem mais
fraudes e para que fossem realizadas eleições diretas. E, de outro lado, os militares pressionando
para que ocorresse uma reforma econômica e social, pois o presidente não estaria cumprindo
os objetivos dos grupos que o apoiaram. Em outras palavras, haviam diferentes perspectivas
que vislumbravam mudanças para o país: de um lado um grupo que advogava mudanças
juridicamente formais na constituição; um segundo, que desejava mudanças profundas nas
relações sociais e no sistema político.
De forma a não dialogar com estas duas correntes e afastar a pressão, Vargas se
firmou no poder controlando o poder executivo e legislativo, até que ocorressem as eleições
para formar a Assembleia Constituinte (SKIDMORE, 2010). Com a demora em promover as
reformas prometidas do sistema eleitoral, os constitucionalistas liberais foram aqueles que
primeiro perceberam a orientação diferente do que Vargas havia proposto.
Pressionado, o presidente cria um tribunal para investigar os acusados de corrupção
na República Velha e um novo Ministério do Trabalho tentando aproximar a questão social da
responsabilidade do Estado. Fundamental perceber que o presidente realiza essas ações para
controlar seus opositores e ao mesmo tempo garantir apoio e permanecer no poder pelo máximo
período possível.
Em 1932, foi aprovado o novo código eleitoral, porém os constitucionalistas
insatisfeitos com a demora na eleição da Assembleia Constituinte, fizeram aumentar a oposição
ao governo Vargas. O presidente, neste cenário, operou habilidosamente sua base de apoio e
60
cedeu a alguns dos desejos de seus "aliados", estabelecendo em 1933 a eleição para a
Assembleia Constituinte. Deste modo, pode convencer os líderes de Minas Gerais e Rio Grande
do Sul a continuarem compondo sua base de apoio, argumentando que a conspiração paulista
não os beneficiaria, ajudando frear a oposição ao seu governo (SKIDMORE, 2010).
Em 1934, foram apresentadas as bases legais da nova Ordem Constitucional do
Brasil, atendendo aos objetivos tanto dos constitucionalistas liberais quanto pelos militares, foi
aprovada a garantia de eleições livres supervisionadas pelo Tribunal Eleitoral. Nesta nova
constituição, o governo passou a se responsabilizar pelas áreas de desenvolvimento econômico
e bem-estar social, além de estabelecer um novo sistema trabalhista, com o intuito de fixar o
valor do salário mínimo.
A Constituição de 1934 foi um marco também para educação, já que pela primeira
vez na história nacional, institui-se uma estrutura voltada ao balizamento do sistema
educacional, que inaugurava um capítulo específico para sua organização (ARBOLEYA,
2017). Com as medidas aprovadas, agradando as oligarquias e os militares, Vargas foi reeleito
pela Câmara dos Deputados para um novo mandato que se estenderia até as eleições diretas
marcadas para 1938.
Cabe ressaltar que nos 1930, surgiram ou reforçaram-se forças políticas no campo
político da esquerda: o Partido Comunista do Brasil (PCB), organizou um movimento de frente
popular, a Aliança Nacional Libertadora (ANL). No campo político da direita, o movimento
fascista integralista ganhava força. Neste cenário, Vargas foi até 1937 - na sua cruzada para
permanecer no poder para além do tempo demarcado - manipulando apoios e desagravos a essas
forças políticas, colocando-as permanentemente em confronto43.
Isto se tornará claro quando foram iniciados os preparativos para eleições a serem
realizadas no ano de 1938. Surgiram três candidatos, Armando de Salles Oliveira (São Paulo),
constitucionalista liberal, que acreditava no processo democrático do Brasil; José Américo de
Almeida (Paraíba), nacionalista autoritário considerado o candidato do governo, porém sem
43 Com efeito, em 1935 foi aprovada a Lei de Segurança Nacional que previa a repressão a qualquer atividade
política revolucionária - com um intuito de enfraquecer os movimentos de esquerda. Vargas argumentava que o
movimento de frente popular era organizado por comunistas, que deveriam ser combatidos e eliminados. Os
militares tentaram se rebelar, porém foram logo impedidos pelos comandos locais. Além disso, em 1935, os
deputados autorizaram o presidente a demitir qualquer servidor público, o que também reforçou o controle (e
trouxe novo revés) sobre os militares, além de conceder poderes provisórios de emergência. Mesmo o movimento
integralista teria sua atuação silenciada frente ao Estado Novo. A relação com os integralistas, demonstra para
além das inclinações políticas do presidente, sua busca consciente de medidas conciliatórias com os movimentos
de oposição, com a finalidade de fortalecer suas alianças.
61
apoio formal de Vargas; e por fim, o líder dos integralistas, Plínio Salgado, que acreditava que
teria o apoio de Vargas, que não manifestou em apoio ao candidato (FAUSTO, 1995).
Vargas a princípio parecia apoiar os preparativos para as eleições, porém já agia
para consolidar o golpe de Estado: com os militares conseguiu neutralizou e isolou a oposição
nos principais estados e conseguiu o apoio dos integralistas, forjando um plano de batalha de
uma revolução comunista. No entanto, essas alianças sazonais estavam longe de representar
comprometimento: os integralistas, por exemplo, acreditavam que poderiam se beneficiar com
o golpe, porém foram logo abolidos e colocados na clandestinidade junto aos outros
movimentos políticos existentes, deixando livre o caminho para que se firmasse o regime
ditatorial (FAUSTO, 1995).
O Estado Novo foi marcado por novas mudanças no que diz respeito às funções que
o governo federal passou a exercer, que passou a ter mais poderes na administração,
"aproximando o Brasil de um governo verdadeiramente nacional" (SKIDMORE, 2010). O
governo federal obteve neste contexto poderes ampliados, maiores que qualquer governo jamais
obteve antes de 1930, e o crescimento da intervenção do Estado na economia propiciou o
surgimento de agências federais, enfraquecendo ainda mais os poderes locais.
O governo também passou a assumir responsabilidades sociais, oferecendo
assistência médica e pensão com o intuito de fidelizar os operários ao governo, e garantir a
formação de sindicatos trabalhistas. Porém, somente eram legalizados, os que fossem ligados
ao Ministério do Trabalho, excluindo qualquer tipo de associação clandestina de militantes
operários independentes. Seria redundante afirmar que Vargas exerce vasto poder e controle
durante o período do Estado Novo.
Skidmore (2010) nos alerta ainda que Vargas percebera que seu governo ditatorial
não resistiria por muito tempo e previa a mudança no sistema de governo, que teria que ser
pautada em um processo eleitoral. De maneira a adiar esse processo e ampliar sua continuação
no poder, os processos supracitados relacionados a legislação sobre o bem-estar social e a
criação de sindicatos na esfera governamental, tinham como o intuito a construção de sua
imagem como líder "democrático" que largaria eleitoralmente na frente numa eventual abertura
democrática.
62
2.2. Reforma Campos e a constituição da Sociologia como disciplina escolar nos anos
1930
Os anos finais do século XIX e o início do século XX foram significativos para a
presença da Sociologia no Brasil via escola. Nos anos 1930, o que veremos é a consolidação da
disciplina nos bancos escolares e a sua entrada paulatina em outros espaços educacionais e
sociais44.
O direito à educação constitui uma das realizações mais significativas do processo
modernização em curso, o que se mostrava – para além da narrativa já vigente da superação do
atraso nacional – possível a partir da burocratização do Estado arquitetada por Vargas, além
das novas condições de sociabilidade geradas pelo arranjo econômico-industrial que se tentava
imprimir à sociedade brasileira. Neste sentido, o Estado foi fundamental para organizar uma
ideia de nação moderna que teve no incremento da educação um forte argumento.
Sendo assim, o governo provisório começa a criar a infraestrutura governamental
do novo regime pela criação dos ministérios, sendo um dos primeiros, o Ministério de Educação
e Saúde Pública em 1930 - a partir da nomeação de Francisco Campos como ministro45.
2.2.1. A Reforma Francisco Campos
A Reforma Francisco Campos (decreto 19.890 de 18 de abril de 1931) é um marco
ao organizar o sistema educacional brasileiro através de uma base/currículo comum. Isto
porque, até então, este campo tinha como base de sua organização as diretrizes estaduais, sem
ligação a um sistema central. Segundo Dallabrida (2009), a Reforma:
Imprimiu organicidade ao ensino secundário por meio de várias
estratégias escolares, como a seriação do currículo, a frequência
obrigatória dos alunos, a imposição de um detalhado e regular sistema
de avaliação discente e a reestruturação do sistema de inspeção federal
(DALLABRIDA, 2009, p.190).
44 Um momento histórico definidor desta década é como vimos é a “Revolução de 1930” que demarca um momento
de transição do Brasil de um modelo capitalista dependente agrário e exportador de herança colonial, pelo modelo,
igualmente capitalista e dependente, urbano-industrial. As iniciativas do Estado foram fundamentais para a
organização das estruturas de um estado-nação no país, através de intervenções que procuravam a conciliação
como condição de sua existência e progresso. Nesse sentido, retorna após a consolidação da revolução, o ideário
da educação como elemento fundamental de modernização da sociedade brasileira, com o secundário visto como
gargalo a ser resolvido (MORAES, 2000). 45 Foram criados também o Conselho Nacional de Educação (1931), organizado o ensino superior e o ensino
comercial.
63
No entanto, apesar da disposição em formular estas estratégias, a participação do
governo central, concentrava-se na fiscalização, inspeção e avaliação dos currículos escolares:
se estavam ou não em concordância com o currículo do Colégio Pedro II. No entanto, não
haviam informações precisas de que este projeto de adequação foi, de fato, efetivo
(ROMANELLI, 2005), vemos, portanto, como a participação do governo federal como ente
centralizador destas políticas foi diminuto. Em outras palavras, apesar da centralização via
ministério, não existia efetivamente uma política nacional de educação, no sentido de estimular
a criação de currículos, estratégias de expansão da rede de ensino e formação de professores –
pensando em conjunto estratégias pedagógicas de ensino-aprendizagem.
A Reforma Campos avança pouco neste sentido, já que, somente estruturou o
ensino básico e impôs essas mudanças em todo território nacional, a partir da criação de um
sistema de inspeção. As modificações curriculares que foram propostas inicialmente em 1931
visaram o ensino secundário ao estabelecerem o currículo seriado. Outro objetivo, diz respeito
ao estímulo ao uso desta etapa de ensino como preparatório para o ensino superior, o que não
conferia especificidade próprio ao ensino secundário. A reforma tinha como objetivo principal
separar o secundário em dois ciclos: fundamental e complementar, além de exigir habilitações
em ambos para futura entrada no ensino superior46.
Os programas do ensino secundário, bem como as instruções sobre os métodos de
ensino, eram expedidos pelo ministério e revistos, de três em três anos, por uma comissão
designada à qual deviam ser submetidas as propostas elaboradas pela Congregação do Colégio
Pedro II, bem como os resultados de inquéritos realizados pelo Departamento Nacional do
Ensino entre os professores dos estabelecimentos equiparados e sob o regime de inspeção. Com
isso, os professores catedráticos do Colégio Pedro II, embora pudessem elaborar propostas,
perderam o poder de elaborar os programas do ensino secundário, como vimos no capítulo 1.
Os dois ciclos ficaram estruturados da seguinte maneira:
46 A Reforma Campos ainda deu conta de outros aspectos que não vamos tratar nesta tese como a modificação na
carreira docente e a criação do cargo de inspetor, além disso adotou tornou a frequência nos cursos, obrigatória.
64
Tabela 3: Estrutura do Ensino Secundário na Reforma Francisco Campos
Ciclo Fundamental
Disciplinas (Séries)
Português (I, II, III, IV, V); Francês (I, II, III, IV); Inglês (II, III, IV); Latim (IV, V); Alemão (Facultativo);
História (I, II, III, IV, V); Geografia (I, II, III, IV, V); Matemática (Geografia); Ciências Físicas e Naturais (I,
II); Física (II, III, IV); Química (II, III, IV); História Natural (II, III, IV); Desenho (I, II, III, IV, V) e Música (I,
II, III)
Ciclo Complementar (Candidatos à Faculdade de Direito)
Disciplinas (Séries)
Latim (I, II); Literatura (I); História (I); Noções de Economia e Estatística (I); Biologia Geral (I); Psicologia e
Lógica (I); Geografia (II); Sociologia (II); Higiene (II) e História da Filosofia (II)
Ciclo Complementar (Candidatos à Faculdades de Medicina, Odontologia e Farmácia)
Disciplinas (Séries)
Alemão e Inglês (I, II); Matemática (I); Física (I, II); Química (I, II); História Natural (I, II); Psicologia e Lógica
(I); Sociologia (II).
Ciclo Complementar (para candidatos aos cursos de Engenharia e Arquitetura)
Disciplinas (Séries)
Matemática (I, II); Física (I,II); Química (I,II); História Natural (I,II); Geofísica e Cosmografia (I,II); Psicologia
e Lógica (I); Sociologia (II), Desenho (II)
Elaborado pelo autor, a partir das seguintes fontes:
1. SOARES, Jefferson da Costa. O Ensino de Sociologia no Colégio Pedro II (1925-1941). 2009. Dissertação
(Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação, Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, Rio
de Janeiro, 2009.
2. GUELFI, Wanirley. A Sociologia Como Disciplina Escolar no Ensino Secundário Brasileiro: 1925-1942.
2001. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal
do Paraná, Curitiba, 2001.
Podemos perceber através de uma análise da tabela, que no ciclo fundamental a
preocupação centrava-se em fornecer uma formação geral e mais ampla possível47, enquanto
que no curso complementar48 o objetivo era a preparação para formação futura e sua
configuração dependia do curso em questão.
Este currículo do secundário – apesar da tentativa de suprimir os preparatórios - foi
marcado por um caráter enciclopédico nos seus dois ciclos, o que limitou o pleno acesso de
outras camadas sociais além das elites neste49. Em outras palavras, caracterizamos este
currículo como enciclopédico50, pois orientado por uma lógica de catalogação e divulgação do
conhecimento, abarca várias disciplinas sem conectá-las. Analisados internamente, como
faremos com a Sociologia, nos parece que há uma tentativa de nominar seus conceitos e
conteúdos de forma que estes tenham espaço no currículo, mas sem de fato, operá-los.
47 Além das disciplinas que estão no currículo que fora instituído, as escolas secundárias poderiam ainda ministrar
o ensino facultativo em outras, desde que não fosse alterado a carga horária definida por lei. 48 O curso complementar era obrigatório para aqueles candidatos à matricula em institutos superiores, realizado
em dois anos de estudo intensivo focados na futura carreira. 49 O que nos aparece indicado com a tentativa de formular um currículo extenso e inexequível em sua plenitude. 50 O enciclopedismo foi um movimento de caráter cultural e filosófico, ocorrido na França, na segunda metade do
século XVIII, dentro do contexto do Iluminismo, representado pelos enciclopedistas como d’Alembert e Diderot.
65
O que de alguma forma se manifesta nas avaliações realizadas com base neste
mesmo currículo, já que a reforma ficou marcada por um sistema rígido de avaliação e inspeção
entre os ciclos, o que acabou por promover clivagens entre os estudantes, privilegiando aqueles
que foram considerados “melhores”, como deixa claro Romanelli (2005):
A seletividade do sistema manifesta-se aqui em dois pontos: dentro de cada ciclo, pela
relação entre ingresso e conclusão, e, de um ciclo para outro, pela relação entre
conclusões no ciclo fundamental e ingresso no ciclo complementar. Nesse sentido,
pode-se notar, por exemplo, que em 1937 concluíam o ciclo fundamental 10.997
alunos; em 1938, ingressavam no ciclo complementar 7.997 alunos, numa relação
percentual de 70,90%. Em 1941/1942 essa relação era de 53,85%. Finalmente a
seletividade total do sistema patenteia-se na relação entre ingresso na 1a série
fundamental e conclusão na 2a série do complementar. Essa relação era de 17,73% no
período 1933/1939, e de 14,46% no período de 1937/1943 (ROMANELLI, 2005, p.
137-138).
Vemos, portanto, que o segundo ciclo, devido ao extenso e enciclopédico currículo
acabou consolidando-se como o lugar daqueles que tinham tempo e/ou gostariam de se
aprofundar no conhecimento de área específica, o que não se constituía naquele momento como
uma possibilidade para a maioria da população em idade escolar.
Cabe ressaltar que a extensão do currículo não necessariamente deveria gerar de
forma obrigatória corte destas disciplinas ou diminuição de carga horária. A crítica aqui
formulada se baseia na ideia de que esse currículo pouco dialoga entre si e/ou pouco dialogaria
com a realidade concreta do estudante e/ou mesmo com a própria história da disciplina –
pensando que o próprio fazer sociológico pressupõe não a memorização dos conceitos
sociológicos, mas a operação destes conceitos frente à realidade social.
Como bem nos alerta Gramsci (2001) ao analisar as reformas no ensino primário e
secundário italiano, o currículo escolar trava uma luta contra uma concepção folclórica sobre o
mundo e a realidade social de modo a difundir uma concepção supostamente moderna da
realidade em que “a lei civil e estatal organiza os homens do modo historicamente mais
adequado a dominar as leis da natureza” (GRAMSCI, 2001, p. 42), isto é, “tornar mais fácil o
seu trabalho, que é a forma própria através da qual o homem participa ativamente na vida da
natureza, visando a transformá-la e socializá-la cada vez mais profunda e extensamente”
(GRAMSCI, 2001, p. 42-43).
O que a escola busca, portanto, é um equilíbrio entre ordem social e natural com
advento do trabalho, na atividade teórico-prática do homem que o libertaria de uma concepção
mágica do mundo e auxiliaria no desenvolvimento de uma concepção histórico-dialética– de
forma a pensar o trabalho na história, principalmente seus custos e efeitos futuros. No entanto,
66
Gramsci alerta que este processo foi atravessado no ambiente escolar pela diferenciação
estabelecida entre instrução e educação:
Não é completamente exato que a instrução não seja também educação: a insistência
exagerada nesta distinção foi um grave erro da pedagogia idealista, cujos efeitos já se
veem na escola reorganizada por esta pedagogia. Para que a instrução não fosse
igualmente educação, seria preciso que o discente fosse uma mera passividade, um
“recipiente mecânico” de noções abstratas, o que é absurdo, além de ser
“abstratamente” negado pelos defensores da pura educatividade precisamente contra
a mera instrução mecanicista. A consciência individual da esmagadora maioria das
crianças reflete relações civis e culturais diversas e antagônicas às que são refletidas
pelos programas escolares: o “certo” de uma cultura evoluída torna-se “verdadeiro”
nos quadros de uma cultura fossilizada e anacrônica, não existe unidade entre escola
e vida e, por isso, não existe unidade entre instrução e educação (GRAMSCI, 2001,
p. 43-44).
A partir desta formulação de Gramsci reforçamos nossa interpretação sobre o
enciclopedismo e extensão do currículo, nos parece que o currículo do secundário na Reforma
Campos se conforma de maneira expositiva, longa, a partir da nominação de conceitos e escolas
teóricas sem, de fato, adentrar ou aprofundar tais discussões, este currículo torna-se distante da
vida do alunado, à medida que na prática só se constitui retoricamente:
Esta degenerescência pode ser ainda melhor vista na escola média, nos cursos de
literatura e filosofia. Antes, pelo menos, os alunos formavam uma certa “ bagagem”
ou “provisão” (de acordo com os gostos) de noções concretas; agora, quando o
professor deve ser sobretudo um filósofo e um esteta, o aluno negligencia as noções
concretas e “enche a cabeça” com fórmulas e palavras que não têm para ele, na
maioria dos casos, nenhum sentido, e que são logo esquecidas. A luta contra a velha
escola era justa, mas a reforma não era uma coisa tão simples como parecia; não se
tratava de esquemas programáticos, mas de homens, e não imediatamente dos homens
que são professores, mas de todo o complexo social do qual os homens são expressão
(GRAMSCI, 2001, p.44).
Outro pensador que nos ajuda a pensar o enciclopedismo é Max Weber. Para ele, a
educação teria duas finalidades pedagógicas: 1) preparar o aluno para uma conduta de vida e 2)
transmitir o conhecimento especializado.
O primeiro Weber conceitua como “pedagogia do cultivo” (WEBER, 1982), esta
tem como objetivo educar um tipo de homem culto, isto é, prepará-lo culturalmente para a
camada social onde vive, fazendo com que ele adquira certos tipos de comportamentos
interiores (reflexidade) e exteriores (comportamento social) na vida. A pedagogia do cultivo foi
durante séculos a forma mais importante de educação da China. A qualificação para admissão
de funcionários administrativos, por exemplo, era realizada por exames que se preocupavam
em avaliavam o quanto de literatura o candidato possuía, e se ele tinha um modo de pensar
67
culto. Esses exames não comprovavam habilitações especiais, mas sim o quanto de carisma
tinha o candidato. Esses funcionários do governo chinês eram os “letrados” (WEBER, 1982).
A segunda finalidade da educação Weber (1982) conceitua como “pedagogia do
treinamento”, nesta a educação teria perdido o sentido próprio da palavra, já que tinha como
objetivo desenvolver os talentos humanos. No entanto, com o crescimento da burocratização,
da racionalização, da dominação política e das grandes corporações capitalistas privadas, a
educação passa a ter o objetivo de formar um homem cada vez mais especializado, que busca
apenas ascensão social e riqueza material e não o que busque sua liberdade. E para Weber, essa
racionalização é invencível.
Há uma clara diferenciação, portanto, entre instrução e educação, a qual
acreditamos que o enciclopedismo também possa ser explicado, já que este propicia aos alunos
contato com os conteúdos de forma ampla mas sem, de fato, cultivá-los ou enraizá-los na
vivência e problemas discentes.
Neste sentido, o currículo da Reforma Campos, excludente como vista na prática,
tem conexões com seu criador: o ministro acreditava que o Estado liberal e democrático estava
em declínio e que a criação de um novo Estado, de caráter totalitário seria a solução para o
problema de pensar um sistema educacional para as massas (SCHWARTZMAN, 2000), numa
interpretação problemática deste conceito, já que se tratava de uma educação de massas pensada
de cima pra baixo, com pouca participação realmente ativa do aluno nas discussões escolares,
que só poderia existir, de fato, se a escola e o currículo estivessem também conectados as
experiências vividas pelo corpo discente e não esperando desta mera passividade (GRAMSCI,
2001).
Na Reforma Campos, verifica-se a ascensão de um tipo de escola preocupado em
satisfazer interesses práticos imediatos, que deixa de lado a proposta de uma escola do cultivo,
formativa, imediatamente desinteressada. Embora essa escola para as massas tenha um verniz
democrático, na realidade, perpetua as diferenças sociais e fomenta a continuidade desta
disparidade social na escola brasileira.
Para Campos (1940), portanto, o campo educacional o pluralismo político iniciado
a partir das revoluções do século XIX estava em franca decadência e a impessoalidade dos
Estados nacionais deveria ser combatida. A função destes deveria ser aproximar a ordem legal
e a ordem real através das decisões impostas por um líder. No campo educacional, Campos
assevera que educar para a democracia teria se tornado um problema, a medida que a própria
democracia vinha sofrendo nas primeiras décadas do século XX uma revisão de seus termos. O
68
ministro via a educação como instrumento de comunhão das massas em torno de um
imaginário/ideário comum, além de se tornar seria responsável pela construção de um mundo
que unificasse desejos51 (SCHWARTZMAN, 2000).
Em outras palavras, no imaginário político e educacional do ministro é central a
ideia de que a reforma da sociedade se concretizaria mediante a reforma da escola, da formação
do cidadão/aluno e da modernização de uma classe social específica, que transferiria suas
normas, regras, valores e tradições via educação de massa, como demarcamos acima.
O cidadão/aluno das classes populares não era a prioridade, já que a elite reuniria
as qualidades para decidir quais deveriam ser os rumos da educação para os demais. A função
do grande líder do Estado deveria ser controlar os desejos de grupos em conflito e direcionar a
sociedade à modernização mediante aos valores defendidos pela elite mantendo o restante da
população em estado de irracionalidade, ou, em outros termos, a educação de massas passaria
pela obediência frente aos valores propagas pela elite brasileira, via espaço/currículo escolar.
Ainda conforme Schwartzman (2000) há um lugar privilegiado para a juventude no projeto
político-educacional de Campos:
Ao Estado caberia a responsabilidade de tutelar a juventude, modelando
seu pensamento, ajustando-a ao novo ambiente político, preparando-a,
enfim, para a convivência a ser estimulada no Estado totalitário. Era
indispensável, para que este plano fosse bem-sucedido, que houvesse
símbolos a serem difundidos e cultuados, mitos a serem exaltados e
proclamados, rituais a serem cumpridos. (SCHWARTZMAN
et.alli.,2000, p. 66).
Vimos, portanto, que a Reforma Campos, não representava uma ruptura frente a
educação promovida no país: seu currículo apontava para manutenção do status quo no que diz
respeito a manutenção de uma escola para poucos e seletiva quando diz respeito às avaliações.
Este processo foi racionalmente determinado tentando conciliar demandas por uma formação
ampla ao estudante e, ao mesmo tempo, um caráter nacional à organização da educação
brasileira – com a ideia de que esse currículo seria fundamental para todos os estudantes. No
entanto, na prática, reforçou um currículo já enciclopédico que pouco permitia o avanço
daqueles que pretendiam se formar na escola secundária.
51 Campos ainda propunha que a irracionalidade deveria ser um elemento dos que comandariam a ação política. A
irracionalidade deveria ser instrumento a ser fomentado para “controle da nação”: “O irracional é o instrumento
da integração política total, e o mito que é a sua expressão mais adequada, a técnica intelectual de utilização do
consciente coletivo para o controle político da nação” (CAMPOS, 1931 apud SCHWARTZMAN et.alli, 2000).
69
Sendo assim, apesar das justificativas – e um conjunto de intenções - afirmarem
que a educação deveria acompanhar e auxiliar a modernização do país, de fato, o que se
consolidou foi um conjunto de políticas que não romperam com a tradição até então
predominante de uma educação vinculada aos interesses elitistas.
2.3. O currículo de Sociologia no cerne da contradição
Partindo desta visão geral sobre a reforma, passamos agora para a análise do
currículo de Sociologia. De antemão podemos dizer que a presença da disciplina no currículo
apesar de garantida durante a década, está restrita aos cursos complementares, afastada da
formação geral dos estudantes, como deixa claro o artigo 4o do decreto promulgado em 1931:
O curso complementar é obrigatório para os candidatos a matrícula em determinados
institutos de ensino superior, será feito em dois anos de estudo intensivo, com
exercícios e trabalhos práticos individuais e compreenderá as seguintes matérias:
Alemão ou Inglês, Latim, Literatura, Geografia, Geofísica e Cosmografia, História
da Civilização, Matemática, Física, Química, História Natural, Biologia geral,
Higiene, Psicologia e Lógica, Sociologia, Noções de Economia e Estatística,
História da Filosofia e Desenho (BRASIL, 1931, grifo nosso).
Nos artigos posteriores, do 5o ao 7o, são expostos em qual ano e curso as disciplinas
seriam ministradas. A Sociologia está presente no 2o ano de todos os cursos do ciclo
complementar (Jurídico, Medicina, Farmácia, Odontologia, Engenharia e Arquitetura).
Acreditamos que existe uma visão implícita acerca da validade do conhecimento sociológico
na formação dos estudantes, de acordo com a legislação posta acima, quando esta fala que a
compressão das matérias se dará “com exercícios e trabalhos práticos individuais”, procura-se
conferir àquelas disciplinas do curso complementar um estatuto diferente das anteriores,
reforçando o caráter prático e instrumental das mesmas.
No caso da Sociologia, a presença da disciplina no currículo representava também
um duplo movimento: de um lado, esforço na tentativa de construir e fomentar um novo
ambiente intelectual diferente daquele marcado pelo bacharelismo, pelo pensamento formal,
pela cultura geral e vaga; no entanto, de outro, pouco se avança na interpretação e discussão
dos fenômenos sociais e de propostas de intervenção na realidade.
Não iremos nos aprofundar nas consequências dessa disposição curricular, mas
levando em consideração os dados supracitados sobre a permanência dos estudantes nos ciclos
70
do secundário, a Sociologia foi efetivamente aplicada durante 3 ou 4 anos52 somente para
aqueles que permaneciam na escola, por meio da escolha por um curso complementar. Em
outras palavras, o espaço ocupado pela disciplina foi reduzido, o que afeta, inclusive as
interpretações sobre os sentidos assumidos pela mesma, o que vamos tentar realizar através da
análise curricular.
Cabe lembrar que a Reforma Campos determinou que os programas de ensino
secundário, bem como as instruções sobre os métodos de ensino, fossem expedidos pelo
Ministério da Educação e Saúde Pública: o currículo de Sociologia, como não poderia ser
diferente, foi reformado novamente. Sendo assim, o currículo foi reorganizado e composto por
três grupos: “Introdução”, “Origens Sociais” e “Estrutura Social”, conforme disposto na tabela
abaixo:
Tabela 4: Programa Integral de Sociologia dos Cursos Complementares (1939) Parte Conteúdo
INTRODUÇÃO I - Sociologia: conceito e definição. A Sociologia no quadro geral dos conhecimentos
humanos.
II - Objeto da sociologia. Fato social: conceituação e definição. Classificação dos fatos
sociais.
III - Esboço histórico da sociologia, seus antecedentes. Desenvolvimento da sociologia
em Franca, na Inglaterra e na Alemanha. A Sociologia nos E.U. da América do Norte.
Literatura.
IV - Relações da sociologia com as ciências conexas. Filosofia social e sociologia.
Filosofia moral e Sociologia. Sociologia psicanalítica. Sociologismo e psicologismo.
V - Metodologia sociológica; natureza e processos. Escolas sociológicas: sua
classificação.
VI - Escolas positiva, evolucionista e socialista. Escola de Durkheim.
VII - Escolas de reforma social, de ciência social e economia social. Escola histórico-
cultural.
VIII - Sociólogos norte-americanos; variedade de tendências. Sociólogos brasileiros e
latino-americanos.
ORIGENS
SOCIAIS
IX - Exposição geral do problema da formação dos grupos sociais primitivos. Origem do
homem segundo a gênese. A monogamia como forma primitiva da família. Os patriarcas
e o regime da poligamia. Restabelecimento da monogamia pelo cristianismo.
X - Teorias evolucionistas sobre a origem do homem e a formação da família. Origem
das espécies, segundo o monismo. Promiscuidade primitiva humana. Matriarcado –
Patriarcado. A monogamia como produto da evolução social.
XI - as origens sociais à luz da etnologia moderna. A tese de Durkheim: sua conceituação
de família. Clan totêmica, ponto de partida da evolução da família. Doutrina da escola
histórico-cultural: sua base.
XII - A propriedade entre os povos primitivos. As formas primitivas da propriedade
segundo E. de Laveleye. Contestação da inexistência da propriedade privada entre os
povos primitivos.
52 Lembramos que esse currículo é publicado em 1931 e a reforma entre em vigor, após sua regulamentação em
1932 (decreto n. 21.241-1932), deste modo, levando em consideração que o ciclo fundamental tem duração de 4
anos, o estudante só teria contato com a disciplina no 6o ano do secundário. Além disso, o currículo da disciplina
só foi oficialmente reformado e regulamentado pelo Colégio Pedro II em 1939. Esta situação só modifica para os
ingressantes posteriores a 1931 que continuaram no currículo Rocha Vaz, mesmo assim o período de permanência
da Sociologia na escola, mantém-se fragmentado.
71
XIII - A religião entre os povos primitivos. Conceito da religião. Religião natural e
religião revelada. Classificação das religiões. A ciência das religiões comparadas e as
investigações sobre a religião da pré-história. Confrontos das teorias de Durkheim, de
Frazer, etc., e da escola histórico-cultural. (P. Schimidt – H. Pinard de la Boullaye, etc.).
XVI - A lei moral e os primitivos. A moralidade nos grupos sociais primitivos. Conexões
entre a moralidade primitiva e a religião. Divergência de apreciação dos dados
etnológicos pelas diversas escolas sociológicas quanto à moralidade dos povos
primitivos.
XV - Ciências especulativas e normativas. Moral e Sociologia. A ciência dos costumes
de Lévy-Bruhl: a firmação de conflito com a moral teórica. Crítica de Simon Deploige.
XVI - Postulados da Sociologia. Postulados e hipóteses. Postulados da Sociologia
católica segundo Spalding. Os postulados fundamentais de Durkheim. Postulados da
Sociologia naturalista.
ESTRUTURA
SOCIAL
XVII - Tipos de família monogâmica e poligâmica. A poliandria. Evolução histórica da
família romana. A família germânica. A família moderna.
XVIII - O casamento; base contratual. Seu caráter institucional. O casamento religioso e
o casamento civil; direitos e deveres recíprocos dos cônjuges; dos pais e dos filhos.
Indissolubilidade do vínculo matrimonial e divórcio.
XIX - Importância moral e social da família. A família e o Estado. O Eugenismo.
Educação eugênica. Seleção eugênica.
XX - Da propriedade. Propriedade individual e propriedade coletiva. Fundamento e
origem do direito de propriedade individual; seus caracteres essenciais. Modos de
aquisição da propriedade individual.
XXI - Natureza do direito de propriedade individual; seus limites morais, sociais e
jurídicos. A herança; liberdade de testar. Teorias coletivas. Evolução dos regimes de
propriedade.
XXII - Sociedade; conceito e definição. Sociedades humanas e sociedades animais. Os
sinais e linguagem. Elementos constitutivos da sociedade. Autoridade. Classificação das
sociedades. Princípios fundamentais do convívio humano; liberdade e responsabilidade:
cooperação e solidariedade; assistência.
XXIII - O homem e o ambiente social. Personalidade humana. Liberdade e determinismo.
Influência dos fatores geográficos, biológicos, econômicos, políticos, morais e religiosos
na vida humana e nos destinos dos grupos sociais. Invenções e descobertas, progresso da
civilização.
XXIV - Sociedade política; Nação e Estado. Elementos constitutivos do Estado – povo,
território, poder – Fins do Estado.
XXV - Origem do Estado. Teoria da formação natural e espontânea do Estado. Teorias
contratuais; Hobbes e Rousseau. Formação histórica dos Estados; migrações,
colonização.
XXVI - Formas do Estado. Teorias de Aristóteles, Machiavel, Montesquieu. Estado
unitário e composto; Confederação e Federação.
XXVII - Governo representativo – Sufrágio universal – Regimes eleitorais.
XXVIII - Grupos e classes sociais. Governantes e Governados. Psicologia política;
preconceitos, rivalidade e conflitos de grupos de classes sociais. Ódios de raça. As ideias
de luta e da cooperação de classes. Partidos políticos. Regionalismo.
XXIX - Regime constitucional. Estado corporativo. Ditaduras.
XXX - Órgãos e funções do Estado. Teoria da divisão dos poderes. Atribuição dos
Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.
XXI - Direitos e deveres do Estado; sua extensão e limites. XXXII - Garantias dos direitos
individuais. Liberdades públicas.
XXXIII - O direito; conceito e definição. Direito natural, direito costumeiro e direito
positivo. O direito e a moral. Divisão do Direito. Hierarquia das leis – Constituição. Os
códigos.
XXXIV - O direito internacional. Relações entre os Estados na paz e na guerra. Sociedade
das Nações.
XXXV - Organização econômica da sociedade. Fatores de produção. O trabalho;
definição e espécie. Obrigação, direito e liberdade de trabalho. Trabalho escravo e
trabalho livre; servidão, regime corporativo e salariado. Dignidade e valor do trabalho.
72
XXXVI - Papel do trabalho na produção. Divisão do trabalho. As máquinas. O trabalho
das mulheres. Contratos de trabalho; individual e coletivo. Conflitos do trabalho e do
capital; greves e “lockout”; A intervenção do Estado; legislação do trabalho.
XXXVII - Remuneração do trabalho; suas formas. O salário; suas categorias. Vantagens
e inconvenientes do salariado. O justo salário e o salário mínimo. Medidas de proteção
contra a insuficiência do salário. O desemprego e a assistência do Estado.
XXXVIII - Associações profissionais. Direito de associação. Sindicatos; obrigatórios,
livres. Unidade e pluralidade sindical; princípio de autonomia. Representações
profissionais e organização política do Estado. Cooperativas e mutualidades.
XXXIX - O capital; conceito e definição. Papel do capital na produção. Remuneração do
capital o regime capitalista. Abusos do capital; usura, especulação e agiotagem.
Conciliação dos direitos do capital e do trabalho; justiça social. Influência das
transformações econômicas.
XL - A Igreja e o Estado. União e separação da Igreja e do Estado; regime de colaboração
recíproca. As concordatas. Liberdade religiosa, cultor externo. As associações religiosas.
Influência social da religião. A religião e a ciência. A religião e as artes.
XLI - Instrução e educação. Direito à educação e dever de ministrá-la. Liberdade de
ensino. A família e a escola. O Estado e a Igreja no domínio da educação. Ensino religioso
e laicismo.
XLII - Valor da educação para o progresso social. A estrutura do ensino; ramos e graus.
Obrigatoriedade escolar. Gratuidade do ensino. Regulamentação do ensino pelo Estado.
XLIII - O problema da população e a teoria de Malthus. Tendência atual para o
decréscimo da natalidade e prolongamento da vida humana; suas causas e consequências.
Países superpovoados – emigração. Reivindicação de espaço (matérias primas) –
colonização. Países novos; política de povoamento do solo. Imigração e razões da sua
regulamentação restritiva.
XLIV - Sociologia criminal. O problema do crime e da pena. Responsabilidade moral e
responsabilidade social (determinismo). Causas do crime. Fundamento do direito de
punir. Finalidade da pena. Estatística criminal.
Elaborado pelo autor, a partir da seguinte fonte: GUELFI, Wanirley. A Sociologia Como Disciplina Escolar
no Ensino Secundário Brasileiro: 1925-1942. 2001. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-
Graduação em Educação, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2001.
Como analisamos anteriormente, os currículos da década de 1920 tiveram como
preocupação enredar a Sociologia teórico-historicamente, pensar fatos relevantes sob um viés
sociológico. Em 1939 (tabela 4), há um ensaio tímido de incorporação de uma perspectiva sobre
ensino de Sociologia (e usufruto da disciplina como instrumento de pesquisa/análise) na
contemporaneidade – principalmente na parte da Estrutura Social, que não existia nesses
moldes nos currículos anteriores. Isto mostra uma preocupação de ordem “prática” e/ou que
conecta o ensino de Sociologia ao social, já que aparecem com relevância neste movimento
temas como: família, igreja, educação, criminalidade e classes sociais.
O currículo da década de 1930, portanto, propõe uma abordagem mais ampla – no
que diz respeito a temas, conteúdos, conceitos, teorias e questões - do que os anteriores, mesmo
porque a Sociologia já havia intensificado sua atividade e temáticas, o que possibilitou a
exploração do que fora deixado de lado nos currículos anteriores53.
53 No entanto, acreditamos este movimento não diminui seu enciclopedismo – tanto que os temas aparecem já
prescritos aos estudantes, nos questionamos se era possível inserir questões nacionais e mesmo da experiência
cotidiana nas aulas de Sociologia. Nos parece pelo tamanho e pelo detalhamento que a perspectiva é que todos
73
Importante demarcar que, além do tamanho do currículo em termos de conteúdo,
ele se mostra pouco diverso em suas perspectivas ideológicas. Na “Introdução” e nas “Origens
Sociais” só aparecem autores de origem europeia e americana, destacamos também a
predominância de Durkheim como norteador da proposta, já que aparece como autor principal
da disciplina e o conceito de “fato social” como dominante. Verifica-se, por exemplo, a menção
aos conceitos de classes sociais, trabalho e capital, mas sem explicitar ou colocar no currículo
a teoria marxista.
Se analisarmos a reforma de uma maneira ampla, podemos chegar a algumas
interpretações sobre o currículo da disciplina, de forma particular. Primeiramente, à ideia de
que os currículos fossem o mais abrangente e enciclopédico possíveis, compreendessem
diversos aspectos da vida social e auxiliassem na formação do futuro profissional dos que
procuravam os ciclos complementares. No entanto, esta amplitude e o auxílio à formação
estudantil trazia consigo prescrições de cunho moral, tais como “princípios fundamentais do
convívio humano”, “liberdade e responsabilidade”, “direitos e deveres recíprocos dos
cônjuges”; e “indissolubilidade do vínculo matrimonial e divórcio”.
Havia, para além dos temas sociológicos, a tentativa de normatizar os futuros
profissionais: todas as questões apontadas acima são passíveis de discussão dentro do próprio
campo sociológico, no entanto, num currículo instrumental isto se torna uma perspectiva pouco
acessível. Como deixa claro Meucci:
Não obstante, não era apenas mero ornamento a Sociologia. Foi também uma
disciplina normativa, prescritiva de noções de civilidade, civismo e até higienismo.
Mais do que isso, ofereceu uma metáfora da sociedade: a metáfora orgânica, na qual
se ocultaram desigualdades sociais sob os argumentos da diferença, da
funcionalidade, solidariedade e autoridade. Com isso, a Sociologia escolar, cujo
conteúdo na forma de livro (como as demais disciplinas) estava sob o controle da
Comissão Nacional do Livro Didático, cumpriu um papel crucial para o período que
consiste em ser o locus da justificativa discursiva do Estado Novo. (MEUCCI, 2015,
p. 254).
Outro caminho interpretativo possível se conecta ao momento histórico e às
transformações ocorridas no mesmo período em que a reforma está inserida. A sociedade
brasileira passava por intensas mutações e o currículo de Sociologia demonstra uma
esses conteúdos fossem trabalhados, e, como fazê-lo no espaço de dois anos sem aligeirar as discussões ali
presentes? Ou num movimento contrário, como aprofundar os conteúdos que mobilizaram os estudantes? Nos
parece que se o objetivo foi cumprir o currículo exposto em sua totalidade, as duas opções tornam-se inviáveis.
Precisaríamos, neste sentido, de uma pesquisa histórico-sociológica de mais fôlego para responder a estes
questionamentos.
74
preocupação em explicar muitas delas, porém com pouca disposição para pensá-las além das
amarras do governo federal, tais como “conflitos do trabalho e do capital”, “greves e “lockout”,
“a intervenção do Estado” e “o justo salário e o salário mínimo”.
O currículo, portanto, expressa as contradições entre o tradicional e o moderno
presentes na década. Ao mesmo tempo em que se propõe amplo, abrangente e detentor de temas
relevantes para pensar o mundo contemporâneo, está circunscrito dentro de uma política e
sistema educacional que o torna – pelo volume de disciplinas que o estudante tem que lidar,
pelo seu caráter propedêutico e sua ligação com o ciclo complementar – longo e maçante, o que
desestimula a intervenção na realidade social, ou que se promovessem via escola iniciativas
neste sentido.
Deste modo, se constituiu uma contradição: a presença da Sociologia na escola
neste momento parece sempre atrelada – e justificada - à possibilidade de reforma do Estado a
partir de uma ciência social, através da ruptura com valores e regras morais aceitos e praticados
neste momento histórico que seriam os sintomas de atraso do Brasil frente a outras nações
desenvolvidas. No entanto, se a educação é um desses instrumentos de mudança e a Sociologia
está inserida no sexto ano de um currículo enciclopédico e reprodutor de desigualdades, a
disciplina tem limitadas suas exaltadas possibilidades de transformação/reflexão54.
Notamos que a preparação para o curso superior – através dos cursos
complementares - serviu também como narrativa para conferir ao ensino da disciplina uma
“utilidade” que dialoga com a contradição que expomos acima: a Sociologia ao ajudar a formar,
em dois anos, intensivamente, o estudante para o ensino superior promoveria o rompimento
com o atraso em duas esferas educacionais: secundária e superior, mas isto não tornou-se
verificável com a ascensão do Estado Novo, por exemplo.
Em suma, a disciplina teve que lidar com variados dilemas ao longo da década de
1930, embora estivesse presente na escola. A presença da disciplina não nos parece romper com
o caráter excludente da Reforma Campos, que tinha como base uma concepção oligárquica de
educação e sua parca expansão pelo território nacional. Sendo assim, a disciplina assume, ao
mesmo tempo, o papel de controle dos interesses conservadores nos costumes, à medida que
ajudava a normatizar a conduta estudantil (ao menos o currículo aponta pra isso); ao passo que
54 Ainda existem outros fatores a serem considerados no mesmo período, como a fragilidade dos manuais
pedagógicos no que diz respeito às orientações para a pesquisa sociológica; a falta de um ambiente institucional
próprio para a realização destas pesquisas: pouquíssimas foram as realizadas no Brasil até o momento da edição
da Reforma; além da própria proposta do ciclo complementar de estudos, que na prática constituiu-se como um
preparatório para ingresso no ensino superior, conjuntura na qual a Sociologia teve que se adaptar (MEUCCI,
2000).
75
remetia oficialmente ao uma tentativa de alinhamento à busca da “modernidade nacional”, ou
o papel de disciplina que legitimaria a luta contra o “atraso” da nação, tocando em temas que
deveriam ser discutidos, mas que nos parece, foram simplesmente prescritos no currículo.
2.4. A reação de Delgado de Carvalho
A perspectiva supracitada acerca do currículo/ensino de Sociologia, no entanto, não
passou a década de 1930 sem ser questionada. Foi problematizada inclusive por aquele que era
- até a década passada - responsável exclusivo pela elaboração deste currículo: Carlos Miguel
Delgado de Carvalho55. A partir do seu engajamento na construção de uma nova visão
educacional, sintetizada no manifesto dos pioneiros, Carvalho modificara sua concepção acerca
da formulação do currículo escolar da disciplina.
Um de seus movimentos será a edição do livro Práticas de Sociologia (1939), obra
destinada à distribuição aos alunos do Curso Complementar do Colégio Pedro II e que, nas
palavras do autor, poderia servir a outros candidatos ao exame de Sociologia no curso de
habilitação às escolas superiores. Outro movimento será a realização e o envio de uma carta à
Presidência da República para propor uma revisão do currículo da disciplina.
O conteúdo do livro corresponde em maior ou menor grau ao programa aprovado
pela Diretoria Geral do Departamento Nacional de Educação, mas também tem o objetivo de
questioná-lo. Os dezesseis pontos abordados por Carvalho na obra resumem um trabalho mais
completo que estava em processo de elaboração naquele momento, sob o nome de Sociologia
Elementar.
Segundo Carvalho, a Sociologia Elementar seria mais completa, em função das
divergências que o autor tinha em relação ao programa oficial, ao qual tinha que se conformar.
Tal desacordo era motivado, sobretudo, pela extensão do programa, abrangendo assuntos que,
segundo o catedrático, eram em sua maioria estranhos à Sociologia (Direito, Ciência Política,
55 Carlos Miguel Delgado de Carvalho (1884-1980), francês de pais brasileiros, fez seus primeiros estudos em
escolas da Suíça e aos 11 anos, mudou-se para a França para cursar o segundo grau em Lyon. Posteriormente
estudou Direito na Universidade de Lausanne e Ciências Políticas em Paris. Em seguida realizou estudos em
Diplomacia, com uma passagem pela London School of Economics. Chegou ao Brasil na primeira década do
século XX, visando escrever a sua tese de graduação à Escola de Ciências Políticas de Paris. Em 1910 lançou o
livro "Le Bresil Meridional", baseado em sua tese de doutorado e que se tornou uma importante referência para os
estudos geográficos no país. Atuou no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e na Sociedade Geográfica do
Rio de Janeiro (1920). Participou da fundação do Conselho Nacional de Geografia.No Magistério, lecionou nas
Escolas de Intendência e Estado Maior do Exército (1921), no Colégio Pedro II (Geografia, Sociologia e Inglês) e
na Escola Normal, vindo a organizar o Curso Livre Superior de Geografia (1926) destinado à atualização dos
professores do Ensino Fundamental.
76
Economia, entre outros); além disso, o programa tinha uma “preocupação exagerada em refutar
as teorias francesas de Durkheim, com as quais nada temos” (CARVALHO, 1939).
Como apontamos, o programa oficial tinha em vista fazer da Sociologia uma ciência
normativa, o que, para Carvalho, significava “dar-lhe a missão de outra disciplina, a Instrução
Moral e Cívica” (CARVALHO, 1939). Em outras palavras, tratava-se, para ele, de um desvio
do caminho da disciplina. Carvalho pontua, inclusive, que se era este o objetivo, o nome da
cadeira deveria ser mudado. Para o autor, o programa omitia as questões principais que
constituíam a Sociologia moderna daquele período (reflexões culturais, processos sociais,
trabalho, a contribuição da pesquisa, entre outros), ignorando, segundo ele, o que tinha sido
produzido no campo da Sociologia nos últimos quarenta anos.
Tendo em vista que com a Reforma Francisco Campos os catedráticos do Colégio
Pedro II deixaram de ser responsáveis pela elaboração dos programas das disciplinas, o que
passou a ser atribuição dos técnicos do Departamento Nacional de Ensino, Carvalho fazia votos
de que os responsáveis pelo programa viessem a se informar dos elementos e das discussões
acerca do que realmente constituísse a Sociologia.
Práticas de Sociologia apresenta, assim, as instruções relativas às provas de
Sociologia, dá conselhos sobre a preparação da dissertação sociológica e apresenta as provas
da disciplina realizadas no exame vestibular das escolas superiores do Rio de Janeiro, em 1938.
O autor organizou a publicação em 13 capítulos a seguir que listamos a seguir:
Tabela 5: Organização do livro Práticas de Sociologia (Delgado de Carvalho, 1939)
Capítulo 1 Sociologia, Conceito, definição, Métodos
Apêndice 1 – Esboço histórico da Sociologia
Capítulo 2 Formação e Fixação dos grupos
Apêndice - 2 – A Solidariedade
Capítulo 3 Influências do Meio
Capítulo 4 População e tipos étnicos
Apêndice 3 - A teoria de Malthus
Capítulo 5 Mobilidade Social
Apêndice 4 – Imigração e Colonização
Capítulo 6 Fatores culturais
A) Linguagem, Arte e Ciência
B) Moral e religião
Apêndice 5 – O Progresso
Capítulo 7 Áreas Culturais
Capítulo 8 Contratos Sociais
A) Concorrência e Conflito
B) Acomodação, Assimilação e Integração
Capítulo 9 Controle Social
Capítulo 10 A Família
Apêndice 6 – Casamento civil e casamento religioso
Capítulo 11 A Escola e a Educação
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Capítulo 12 O Trabalho e a Economia
Apêndice 7 – A Propriedade
Apêndice 8 – O Regime Capitalista
Capítulo 13 O Estado e a Igreja
A) O Estado
B) A Igreja
Apêndice 9 – Os poderes na Constituição Brasileira
Apêndice 10 – Os Códigos
Elaborado pelo autor, a partir da seguinte fonte: CARVALHO, Carlos Delgado. Práticas de sociologia. Porto
Alegre: Globo, 1939.
Ao final de cada capítulo, Delgado de Carvalho apresenta tópicos a serem
discutidos com os alunos, notas e documentação que podem contribuir para aprofundamentos
das questões discutidas56. Como destaca Soares (2009), Carvalho:
Procurou solucionar o paradoxo da inadequação dos programas oficiais às
expectativas em relação à contribuição do conhecimento sociológico, buscando inserir
nos temas impostos pelo programa oficial os poucos dados existentes na época acerca
da realidade brasileira. Relacionando-os à realidade brasileira, Delgado de Carvalho
esperava tornar o ensino da Sociologia um meio para divulgar suas crenças, seu
projeto de sociedade e ressaltar a importância de conhecermos a sociedade brasileira.
O autor faz referências ao seu esforço na fixação da relação entre as ideias
sociológicas e os fatos da vida social, afirmando ter procurado, em cada tema
sociológico discutido, examinar o ponto de vista brasileiro para destacar o interesse
nacional que nos prendia a tais discussões (SOARES, 2009, p.102).
Salientamos o entendimento do autor acerca do desenvolvimento de pesquisas
sociológicas, como parte das atividades didáticas dos cursos complementares. Estas teriam a
função de socializar os alunos, já que através da realização de análises sociológicas, vivendo a
experiência da pesquisa em grupo e, ao mesmo tempo, reconhecendo a racionalidade da vida
social, estariam treinando para a vida coletiva. Destacamos que esta perspectiva foi pouco
pensada até aquele momento no que tange ao ensino escolar de Sociologia, inaugurando,
praticamente, uma perspectiva de pesquisa.
O livro de Carvalho, reúne os posicionamentos contrários do autor ao programa
oficial de Sociologia, além de apresentar indícios de que a disciplina Sociologia no Colégio
Pedro II e as expectativas nela depositadas estariam relacionadas à preocupação, vista nos anos
1920 e presente nos escolanovistas, que veremos adiante, com o futuro do país e com os
56 Dentre as referências, os mais citados incluem: Manoel Bonfim, Silvio Romero, Aberto Torres, Euclides da
Cunha e Oliveira Vianna, pioneiros do pensamento social brasileiro; Auguste Comte, Emile Durkheim e John
Dewey, que influenciaram o pensamento de Delgado de Carvalho; Pontes de Miranda, Fernando de Azevedo,
Carneiro Leão e Gilberto Freyre, os primeiros difusores da Sociologia no Brasil; Henrique Doria, Raja Gabaglia e
Agliberto Xavier, estudiosos e professores do Colégio Pedro II; e outros intelectuais de grande porte como Tristão
de Ataíde, Arthur Ramos, Josué de Castro, Roquete Pinto, Nina Rodrigues, Joaquim Nabuco, Pedro Calmon,
Anísio Teixeira, Miguel Reale, Afonso Arinos de Melo Franco e Evaristo de Moraes.
78
problemas sociais da época. As críticas realizadas mostram a preocupação de Delgado de
Carvalho com o conhecimento da realidade brasileira.
Outro movimento questionador de Carvalho acerca do currículo escolar da
Sociologia se dará em 22 de junho de 1938, quando o catedrático de Sociologia submete a Luís
Vergara, então Secretário da Presidência da República, um relatório sobre o ensino da
disciplina, em que propõe, novamente, um enfoque distinto do programa elaborado pelo
Departamento Nacional de Ensino57. Destacamos esta comunicação - encontrada nos arquivos
do CPDOC/FGV – pois representa um dos principais personagens da disciplina naquele
momento levando a discussão sobre a mesma ao centro poder político, numa conjuntura já
pouco favorável à disciplina: cabe lembrar que em 1937 o Estado Novo fora instituído, temos
aprovado em 1938 uma comissão nacional dos livros didáticos58 controlando a produção do
conhecimento que chegava à escola, além disso a Universidade do Distrito Federal seria
fechada um ano depois.
O documento encontra-se no arquivo, datado de 22/06/1938, em duas partes, uma
primeira carta escrita e assinada a mão por Carvalho, em que ele pede que seu relatório seja
avaliado pelo presidente da república e se diz honrado pela possibilidade de uma futura
entrevista sobre o currículo e os rumos a serem assumidos pela disciplina.
No relatório em si, datilografado, Carvalho faz diversos apontamentos. Com
relação à finalidade de defender o ensino de Sociologia, Carvalho entendia que a disciplina não
devia ser considerada uma ciência normativa – pois seus ensinamentos deviam ser estudados
objetivamente e não em busca de argumentos a favor de alguma ideologia. Considerava,
também, que a Sociologia não era uma arma de combate, mas um instrumento de trabalho, uma
orientação racional para pesquisas no campo da vida social.
Outro ponto criticado foi, na opinião do catedrático, o prejuízo causado aos estudos
sociológicos brasileiros daquele momento histórico pela influência das diretrizes e modelos
franceses acerca do ensino da disciplina. Por exemplo, embora reconhecesse que a Sociologia
57 A carta completa está na seção de anexos, especificamente no Anexo 2: Carta de Delgado de Carvalho ao
Secretário da Presidência da República, Luís Vergara (com o programa oficial vigente com anotações). 58 A comissão nacional dos livros didáticos (CNLD) foi criada em 1938 pelo Decreto-lei n. 1006, de 30 de
dezembro, que estabeleceu as condições de produção, importação e utilização do livro didático, considerado como
compêndio ou livro de leitura de classe. A CNLD foi instituída pelo art. 9º da referida lei e deveria ser composta
por sete membros, “escolhidos dentre pessoas de notório preparo pedagógico e reconhecido valor moral”. As
atribuições previstas eram: a) examinar os livros didáticos apresentados para avaliação e proferir julgamento
favorável ou contrário à autorização de seu uso; b) estimular a produção e orientar a importação de livros didáticos;
c) indicar os livros didáticos estrangeiros de notável valor, que merecessem ser traduzidos pelos poderes públicos,
bem como sugerir-lhes a abertura de concurso para a produção de determinadas espécies de livros didáticos de
sensível necessidade; d) promover, periodicamente, a organização de exposições nacionais dos livros didáticos
com uso autorizado na forma desta lei. (Art. 10º).
79
de Durkheim, trouxesse interessantes formulações metodológicas, considerava que esta deveria
ser evitada, já que desviava os nossos estudos para o terreno religioso, predispunha a discussões
dogmáticas acerca de teorias que nada tinham de útil, de importante ou prático. Em outras
palavras, Carvalho aponta que Durkheim traria uma visão pronta de Sociologia, com métodos
e interpretações a serem seguidos, do que ele claramente discordava e/ou não achava que dariam
conta da análise da realidade social brasileira.
Com efeito, no outro polo, Carvalho entendia, ainda, que as tendências vigentes da
Sociologia americana naquele período eram mais relevantes para analisar nossa situação
porque, em vez de levantar problemas sobre assuntos controvertidos e discussões acadêmicas,
despertavam o interesse para o estudo e o conhecimento racional das estruturas sociais em que
vivíamos, através da produção de pesquisas, além de propor soluções para os seus problemas.
Nesse sentido, acreditava que a “missão” da Sociologia não era exaltar ou deprimir
instituições, mas sim as investigar e descrever, indicar as condições de seu perfeito ajuste – por
isso era ela a ciência do “ajustamento social”, sem rótulos filosóficos, ideológicos e/ou
doutrinários. Carvalho considerava que a Sociologia havia sido colocada em boa hora nos
programas de habilitação aos estudos superiores, para que a elite que estava sendo preparada
em nosso país tivesse uma noção sóbria, imparcial, científica dos mecanismos das nossas
instituições59.
Para isso, era necessária uma visão – principalmente das elites – acerca do que
seriam, na realidade, os fenômenos sociais, do que seriam as interrelações humanas, as
intercomunicações, os contextos diversos e as consequências dessas relações sociais. Para isso
também era essencial que a Sociologia fosse um campo de experiência que fornecesse os
métodos de pesquisas sociais e os inquéritos, os processos de estudo dos grupos rurais,
educacionais, econômicos, políticos e outros.
A Sociologia, portanto, deveria assumir um papel pragmático e não apenas teórico,
retórico e especulativo, como ocorria naquele momento; e deveria ajudar, por exemplo, na
compreensão do que acontecia com o país naquela conjuntura determinada – o Estado Novo.
Sobre o programa, Carvalho considerava discutível a utilidade de se começar os
estudos de Sociologia por uma “definição” ou um “conceito” de Sociologia. Entendia que talvez
59 Notemos que, apesar da discordância de Carvalho frente ao programa de 1939, sua crítica se aproxima
ideologicamente a ele, já que a elite permanece como a classe social que deve se aproximar e compreender a
realidade do país. Em que pese uma espécie de aproximação da Sociologia com os problemas práticos, o estudante
alvo deste ensino segue sendo o mesmo. Carvalho também valoriza a presença da disciplina nos cursos
complementares.
80
fosse mais indicado tentar uma definição no fim do curso, depois de percorrido praticamente
todo o conteúdo.
Entretanto, também aponta a necessidade de que fossem fixados, logo de início, os
objetivos do estudo sociológico, e que também fossem indicados os métodos a serem
empregados – com objetivo de utilizar a Sociologia em seu potencial científico e não apenas na
produção de teorias e dissertações filosóficas de retórica e de especulações. Este, inclusive, é o
motivo pelo qual a Sociologia não havia ainda logrado êxito no Brasil:
“O ensino de Sociologia ainda não entrou nos seus eixos no Brasil, porque é dado o
título de sociólogo a todos os intelectuais que estudaram uma questão de história, de
economia política ou de moral. Tudo é sociologia, quando não é matemática, física
ou biologia. Esse exagero nos prejudica porque adia o problema real deste ensino: a
compreensão clara do que seja verdadeiramente Sociologia. Se todos são sociólogos,
todos sabem sociologia e o problema está resolvido. O caso, infelizmente, é
exatamente o contrário. (CARVALHO, 1939, p.3).
Depois desta crítica à falta de especificidade da Sociologia entre nós, Carvalho
apresenta sua proposta de programa, com comentários acerca do programa apresentado. O
primeiro estudo era o da “matéria prima” que servia à Sociologia, o estudo dos grupos humanos
que se formam, se desloca e evolui sob influências diversas. Carvalho aponta a necessidade de
serem estudados os seguintes tópicos: a Formação dos Grupos Sociais; as Influências dos
Meios; a População; os Tipos Étnicos; a Mobilidade Social: a Migração. Não se tratava de
estudos antropológicos ou demográficos, mas dos dados que estas disciplinas poderiam
fornecer à Sociologia para análise; com isso se demarca a necessidade de discernimento e
critério na escolha dos dados essenciais, estritamente sociológicos, para que o campo alheio
não fosse invadido.
O segundo estudo proposto por Delgado de Carvalho foi o dos meios ou
“instrumentos” pelos quais os homens e os grupos entram em relação – é o estudo dos chamados
“fatores culturais”. Os pontos do estudo que deveriam ser estudados são: A Linguagem sob
todas as suas formas; a Arte, a Ciência; a Moral, o Direito, a Religião; as Áreas Sociais
Culturais. O estudo das “áreas culturais”, relaciona-se a Sociologia norte-americana, que
pretendia renovar a Sociologia por meio de quadros característicos nos diversos ambientes em
que se processavam os fenômenos sociais.
O terceiro estudo era o das diferentes modalidades de “contato social” – estudo da
interpenetração dos grupos e da interação dos homens e dos grupos. Duas atitudes divergentes
se apresentavam: o conflito e a cooperação. Os processos de interação a serem estudados
81
deveriam ser: os Contatos Sociais; o Conflito, a oposição, a concorrência; A Cooperação, a
acomodação, a assimilação.
Em um país de imigração, em uma sociedade nova, Carvalho considerava que estes
eram processos de singular importância a analisar e conhecer. Como destaca Soares (2015),
este é o componente mais sociológico do programa, pois os processos constituíam os contatos,
o objeto por excelência das inter-relações no plano mental (SOARES, 2015).
O quarto estudo era o da “interdependência” resultante dos contatos diversos
examinados no estudo anterior – era a parte estrutural e jurídica da Sociologia. Até aquele
momento, era a mais estudada porque ligava-se ao Direito – lembremos da presença da
Sociologia nos cursos complementares. As estruturas básicas que estabeleciam a
interdependência eram as “instituições”; eram estas que atraíam quase exclusivamente a
atenção dos programas franceses de Sociologia, os quais a simples reprodução sem o
questionamento necessário sofrem as críticas do autor demarcadas acima.
Além disso, considerava que as instituições básicas – Família, Economia, Estado e
Igreja – deveriam ser examinadas, mas não juridicamente e, sim, a partir das relações sociais.
Essas estruturas precisavam ser interpretadas em função das necessidades do grupo e do
mecanismo da vida moderna que enquadravam e regiam. Na opinião de Carvalho, as principais
estruturas básicas a estudar, sob o ponto de vista da interdependência que criam, eram: a
Família; a Industria e a Profissão; o Estado; a Igreja.
O quinto estudo era o que se chamava “Ajustamento Social”, que visava dar ao
estudante uma noção precisa do que vinha a ser a adaptação do indivíduo ao grupo, a integração
dos grupos entre si e, em consequência, uma ideia sóbria e imparcial dos problemas que podiam
surgir. Todas as chamadas “questões sociais” segundo o autor eram passíveis de investigação e
solução e nisto residia a contribuição da Sociologia, sua cientificidade e objetividade.
Como parte dos estudos da Sociologia, é sugerida atenção também aos “Métodos e
Processos da Pesquisa Social”, que revelavam como deviam ser feitos inquéritos nas unidades
regionais, urbanas, rurais, nacionais, nos ambientes coletivos típicos, a fim de investigar as suas
condições sociais e de colocar os seus problemas em termos científicos, qualitativos e
quantitativos. Esta parte complementar, segundo o autor, tornaria o cidadão menos suscetível a
interpretações sociais imprecisas e/ou somente qualitativas e às opiniões subjetivas que
demarcavam essas mesmas interpretações – critica o uso conceitos improvisados e sem
significação profunda, das normas sem conteúdo que, segundo ele, levam às falsas ideologias.
82
A proposta final do programa da disciplina se constituiu, portanto, de acordo com a tabela
abaixo:
Tabela 6: “Distribuição da matéria para um programa de Sociologia”, Delgado de
Carvalho, 1938. 1. Introdução - Objeto da Sociologia
- Métodos
2. Os grupos humanos a) Formação e fixação dos grupos.
b) Influência dos meios, físico e social.
c) População e Tipos étnicos.
d) Mobilidade social – Migração - Colonização.
3. Os fatores culturais da
Intercomunicação Social
a) A linguagem e suas diversas formas.
b) Arte, ciência e técnica.
c) Moral, direito e religião.
d) Áreas culturais.
4. Os processos de Interação
Social
a) Os contatos sociais.
b) Oposição, concorrência e conflito.
c) Cooperação, assimilação e acomodação.
d) O controle social.
5. As estruturas básicas de
interdependência social
a) A família e a sociedade doméstica.
b) A indústria, a profissão e a sociedade econômica.
c) O Estado e a sociedade política.
d) A igreja e a sociedade religiosa.
6. O ajustamento social a) Conceito de ajustamento social.
b) Tipos de desajustamento social da família, da condição, dos
sentidos, da saúde, da conduta, da economia, etc.
c) A pesquisa sociológica e seus métodos.
d) Os ambientes sociais coletivos, urbanos, rural, regional,
colonial.
e) O serviço social.
Fonte: CPDOC, FGV. Classificação: LVc1938.06.22. Série: c – Correspondência. Data de produção:
22/06/1938 (Data certa). Quantidade de documentos: 1 (17 folhas). A carta e resposta estão relacionadas no
Anexo 2, ao final da tese.
Anexada à carta de Carvalho que sintetiza tais críticas, explicações e a supracitada
proposta de um currículo de Sociologia considerado moderno por Carvalho, constam dois
documentos. O primeiro, o programa vigente de Sociologia com a seguinte inscrição: “eis o
programa oficial (criticado no relatório) para o necessário confronto” e inscrições com possíveis
dúvidas, riscos e apontamentos de problemas e elementos a serem eliminados no programa
feitas, possivelmente, pelo próprio Carvalho como “?”, riscos na página 53, “Direito” e
“Economia Política” de modo a apontar elementos de outras disciplinas no currículo de
Sociologia. O segundo documento é uma carta-resposta enviada ao Secretário Luís Vergara que
fora, segundo o Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil
(CPDOC/FGV)60, redigida por Getúlio Vargas. Trata-se de uma resposta/reação em tom
60 CPDOC, FGV. Classificação: LVc1938.06.22. Série: c – Correspondência. Data de produção: 22/06/1938 (Data
certa). Quantidade de documentos: 1 (17 folhas).
83
cordial, datilografado e sem assinatura, aos comentários do relatório sobre o programa oficial
de ensino de Sociologia e o novo programa proposto por Carvalho61.
Na resposta, Vargas aponta que considerava muito bem-feita a exposição de
Carvalho, e que parecia mesmo “à primeira vista” necessário reformar o ensino erudito da
Sociologia, seus cânones e sua prática, a aproximando do objetivo e do concreto, de acordo,
portanto com o apresentado no programa. Considerava também que, se naquele momento
ocupasse uma cátedra, seguramente preferiria o programa apresentado por Carvalho em lugar
do oficial.
No entanto, as convergências param por aí. Não seria necessário, segundo o
presidente, detalhar aspectos particulares de um programa brasileiro do estudo da Sociologia
em oposição ao americano – ou mesmo privilegiar o programa americano, o presidente traz de
volta o outrora criticado programa francês novamente como opção. Sendo assim, na contramão,
levanta a necessidade de contemplar no programa uma visão de conjunto, histórica, das fases
do estudo da Sociologia, sem preferência por nenhum modelo específico.
O presidente, por fim, se refere na carta a um “conflito fatal que arrastaria a
observação e pesquisa realista dos fatos sociológicos entre nós”. Embora não se aprofunde nesta
seara, nos parece claro que para o governo central certas constatações de Carvalho - se fossem
apoiadas em pesquisa - no que diz respeito à formação da família, à religião e à moral seriam,
“revolucionárias e insuportáveis”. Seria um mal, na visão do presidente, portanto, torná-las
oficiais.
Destacamos os questionamentos de Carvalho e a resposta de Vargas, porque
acreditamos que estes tiveram importância dentro dos anos 1930 e na trajetória da disciplina
até então por questionar o papel assumido pela disciplina na escola. Os currículos de Sociologia
produzidos até então são enciclopédicos/ normativos, tendo como essência um tipo de
Sociologia prescritiva. Não a toa, a distinção realizada por Carvalho entre Sociologia normativa
e científica é claramente rechaçada pelo governo central, assim como crítica à escola francesa:
acreditamos que estas duas críticas mexiam com a noção orgânica da sociedade à serviço da
ditadura do Estado Novo e podem ter contribuído para saída posterior da disciplina dos bancos
escolares.
Isto faz sentido, a medida em que o catedrático tenta fazer nos 1930 - apesar da
formulação dos currículos não estar mais sob sua alçada - é redirecionar o ensino da disciplina
61 Os dois documentos estão na sessão de anexos ao final da tese, especificamente no Anexo 3: Resposta enviada
a ao Secretário da Presidência da República, Luís Vergara, por Getúlio Vargas – de forma a responder os
questionamentos de Delgado de Carvalho.
84
rumo a uma abordagem que contemple as questões nacionais e contemporâneas, além de tentar
formular um currículo de menor extensão, tendo como norte a aplicação prática da disciplina.
Com efeito, não podemos dispensar as influências intelectuais de Carvalho naquela
conjuntura. Já haviam sido lançados Raízes do Brasil (1936) de Sérgio Buarque de Holanda e
Casa Grande & Senzala (1933) de Gilberto Freyre, que apontavam para uma visão acerca do
Brasil e da própria Sociologia diferentes dos anos 1920 – o entusiasmo da década anterior é
substituído por um realismo científico sobre a realidade brasileira. O caráter científico dessas
obras será questionado anos depois (BOTELHO, 2010), mas impactam Carvalho quanto à
incorporação das questões culturais brasileiras em seu livro e programa: há uma tentativa de
esmiuçar “fatores culturais” da vida nacional influenciada por Freyre, que por sua vez esteve
dialogando diretamente com a Sociologia Americana, uma das inspirações de Carvalho.
Há, ainda, a influência do movimento escolanovista62, já que Carvalho nota que
com o currículo extenso anterior e a falta de prática sociológica, não restaria muito para a
disciplina além de exprimir julgamentos acerca da vida social. Por fim, temos o surgimento e a
presença crescente no período, das universidades mexendo as peças até então em jogo com
renovados métodos, ideias, conceitos e teorias sociológicos, o que pode explicar a admiração e
ênfase dada por Carvalho ao campo da pesquisa.
Deste modo, podemos notar que nos anos 1930 o currículo da disciplina é alvo de
intensas especulações e propostas de reformulação, e pela primeira vez se questiona forte e
publicamente a atribuição de um sentido enciclopédico e normativo desta. Nos próprios anos
1930, se busca a formulação de outro voltado a pesquisa, a análise científica, a explicação do
mecanismo das instituições e a interpretação de suas funções. Em outras palavras, as disputas
no campo sociológico Brasil se direcionarão para a construção de um novo padrão de
normatividade. No entanto, esse movimento – não necessariamente organizado - que
objetivava mudanças curriculares terá pouco impacto nos programas oficiais, devido aos
embates ideológicos verificados no campo educacional.
2.5. A Igreja Católica, a Escola Nova e os embates no campo educacional
A Igreja Católica vai se tornar uma atriz social fundamental para entendimento do
campo educacional na década de 1930 frente aos debates na ABE, embora sua influência neste
campo tenha sido iniciada muito antes. Para melhor compreendermos esse papel - apesar da
62 O Movimento da Escola Nova será abordado mais a frente, no item 3.1.
85
presença do catolicismo na vida brasileira ser longa, assim como sua relação com o Estado – se
faz necessária a reconstrução desses pontos de contato entre as duas instituições para melhor
compreender os conflitos campo educacional nos anos 1930.
Nesse sentido, nesta subseção iremos nos apoiar em investigações já realizadas
acerca da história da educação brasileira do período, tais como Schwartzman (1986), Saviani
(2006) e Romanelli (2005) para investigar os movimentos católicos no campo educacional e
seus rebatimentos na trajetória escolar da Sociologia.
Como destaca Schwartzman (1986), se distanciando do senso comum acerca do
tema, o Brasil não fora um local de predomínio religioso totalizante da Igreja Católica,
principalmente no contexto imperial, apesar das relações íntimas entre ela, a metrópole e a então
colônia. No entanto, é marcante o fato da população brasileira sempre se declarar católica, e o
fato da Igreja - que detinha o monopólio dos principais atos cívicos que faziam parte da vida de
todos os cidadãos - proporcionar um código moral e ético específico.
A conexão entre a Igreja e o Estado significava, na prática, que as questões
religiosas foram tratadas como políticas de Estado e a religião foi utilizada para os fins políticos
do mesmo ente. Ocorria, portanto, um jogo de trocas, em que de um lado a Igreja matinha seu
poder, mas, pelo outro, permanecia sob as regras do Estado (SCHWARTZMAN, 1986).
No século XVIII, a Igreja começará a entender o campo educacional como meio de
expandir sua importância e influência na sociedade brasileira, neste contexto será fundamental
a atuação dos jesuítas63. No final do século XIX, a situação se aprofunda com a separação oficial
entre a Igreja e o Estado, institucionalizando, a adesão do país ao positivismo. Os intelectuais
que haviam defendido a bandeira do abolicionismo e o próprio republicanismo ficaram alijados
dos centros decisórios de poder e a questão educacional surge como objeto de atenção desta
intelectualidade que crescia de tamanho, mas se mantinha marginalizada pela estreiteza do
regime republicano (SCHWARTZMAN, 1986)64.
63 “Os jesuítas - que formavam uma casta sacerdotal organizada e fortemente hierarquizada que tinha condições
de disputar com a coroa portuguesa o domínio temporal sobre a colônia – vão iniciar a disputa católica no campo
educacional. Para eles, o controle da educação, que mantiveram no Império português de forma quase monopólica
até sua expulsão em 1759, era somente parte de um projeto hegemônico muito mais ambicioso, que ia do controle
doutrinário da Universidade de Coimbra à organização política e econômica dos índios na região das Missões. É
a grandiosidade e ambição deste projeto que explica, em última análise, o conflito da Ordem com o Estado
português, que leva à sua expulsão” (SCHWARTZMAN, 1986, p. 109). 64 No Brasil do século XVIII, com os jesuítas tínhamos dois tipos de educação: uma para os donos de terra e seus
filhos, levada a cabo pelos padres com os rituais católicos; e a educação das oligarquias, voltadas para realização
do curso superior em Coimbra e nas escolas de direito, medicina e engenharia das grandes cidades brasileiras.
Estes caminhos expõem bem como funcionava a educação e a produção de atividade intelectual na colônia, com
rebatimentos que persistiriam até a república: mesmo com movimentos como a Reforma Pombalina que buscaram
levar (com êxito) a elite luso-brasileira a se abrir para a modernidade, incorporando elementos das doutrinas
cientificistas e naturalistas então vigentes (SAVIANI, 2006). Caminhando para o fim do século XVIII encontra-
86
O debate educacional já floresce, portanto, a partir da reivindicação de expansão
das escolas, mas também da burocratização do campo educacional através da criação de novas
diretorias, secretarias e até mesmo um ministério - e desta forma lugares reconhecidos e
remunerados para os intelectuais. Isto explica o surgimento e a força da ABE, que promove
concorridas conferências nacionais para discutir estes temas e cria o clima para os grandes
projetos de reforma que se iniciariam ainda na década de 1920, para se intensificarem nos anos
1930.
Os intelectuais da educação, tinham em comum nesta conjuntura sua posição
marginal em relação ao regime, difundindo a ideia de que bastaria a modernização e
racionalização do sistema educacional para que seus problemas começassem a se resolver.
Além dos aspectos pedagógicos, ganham força a defesa da laicidade no ensino e a organização
deste em escala nacional, a partir de princípios e normas gerais fixados pela união. o que
desembocará no movimento escolanovista. Mais à frente, no entanto, como uma reação a este
ideário se insurgirá uma nova vertente do catolicismo militante que retomará o papel da Igreja
Católica no campo educacional.
2.6. Educação nova e o papel dos primeiros sociólogos
O "Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova" (1932) consolidava a visão de um
segmento da elite intelectual que, embora com diferentes posições ideológicas, vislumbrava a
possibilidade de interferir na organização da sociedade brasileira do ponto de vista da educação.
O texto foi assinado por 26 intelectuais, entre os quais Anísio Teixeira, Afrânio Peixoto,
Lourenço Filho, Roquette Pinto, Delgado de Carvalho, Hermes Lima e Cecília Meireles.
A partir da leitura do manifesto, fica clara a preocupação com a organização lógica,
coerente e eficaz do conjunto das atividades educacionais, além da tentativa de inserir
racionalidade científica no campo da educação brasileira e a defesa da escola pública65. A ABE
se um dilema: ao mesmo que a educação formal não significava muito para o conjunto da população brasileira,
que tinha deficiente formação, o campo científico aparece como possibilidade de adquirir habilidades necessárias
para a vida em sociedade na ordem capitalista. Há considerando este movimento, a implantação de escolas oficiais
e leigas para atender suprir este gargalo. No entanto, devido principalmente à expulsão dos jesuítas, a influência
da Igreja é pouco presente neste processo (ROMANELLI, 2005 e SAVIANI, 2006). 65 Saviani (2006) ressalta a condição do ideário da escola nova estar aglutinada à defesa da escola pública como
sendo uma originalidade do caso brasileiro, pois na Europa e Estados Unidos as iniciativas que integravam o
movimento da escola nova, em regra, deram-se no campo das escolas privadas, ficando à margem do sistema
público de ensino. Mais do que uma inovação brasileira a ligação entre escola nova e escola pública deve ser
apreendida dentro do conservadorismo como a escola pública foi vista no Brasil, sendo implantada através de um
ideário renovador que buscava antes de tudo, controlar e formatar as crescentes massas escolares através do
discurso neutro da ciência e seus resultados objetivos.
87
concentrava os debates sobre a educacional nacional desde 192466, em 1931 na IV Conferência
Nacional de Educação, Getúlio Vargas abre os trabalhos solicitando que os presentes
auxiliassem na formulação da nova política nacional. O impacto gerado pela solicitação de
Vargas, gera, como resposta, o texto do Manifesto divulgado em março de 1932 e provoca o
rompimento entre o grupo dos renovadores e o grupo católico de educadores, que decidiu
retirar-se da associação e fundar a Confederação Católica Brasileira de Educadores, em 1933
(SAVIANI, 2006).
Essas diferenças vão se acentuar a medida em que o movimento escolanovista se
organiza através do debate educacional relativo a dois pontos principais: a laicidade da
educação e a obrigatoriedade do Estado em garantir e assumir a função educadora
(ROMANELLI, 2005). O debate sobre a laicidade, inclusive, obteve relevância ainda no final
do século XIX, já que os intelectuais do movimento renovador lutaram para manter o texto
constitucional de 1891 em que o ensino religioso era considerado facultativo. Este debate tomou
tal força que se torna uma das pautas principais nas Conferências Nacionais de Educação desde
então, como observado por Romanelli (2005):
Três aspectos constituíram o pomo da discórdia entre os educadores que, pela
Associação Brasileira de Educação, acorriam às Conferências Nacionais de Educação.
Logo, dois grupos se definiriam: o dos que promoviam e lideravam as reformas e o
movimento renovador, e os dos que, em sua maioria católicos, combatiam.
(ROMANELLI, 2005, p.143).
Neste debate a Igreja Católica tem peso significativo – e talvez seja o marco inicial
de uma atuação contínua nos debates travados na primeira metade do século XX.
Monopolizando a oferta de ensino secundário no Brasil na modalidade privada, tal atuação será
marcada pela luta para modificar a constituição e sua definição sobre o ensino laico, modificar
a lei sobre o ensino religioso e frear um possível processo de ampliação da oferta escolar67
(BOMENY, 2003).
Nesse sentido, destacamos que dentro do movimento escolanovista existiam
divergências que não foram suficientemente exploradas que nos fazem questionar a noção de
otimismo pedagógico tal como formulada por Nagle (2001). Segundo Hilsdorf (2006), com
base em pesquisa documental acerca da ABE, é possível dizer que, nos anos 1920, essa entidade
tem em seu seio disputas entre um campo conservador/autoritário e o liberal68.
66 A ABE realizou também conferências nacionais em 1927, 1928 e 1929. 67 Investigaremos a relação entre o campo educacional e a igreja católica no Brasil no próximo capítulo. 68 Nos anos 1920, existirm várias correntes políticas na ABE e a que se demonstrou predominante foi a orientação
do grupo católico. Os grupos progressistas vão assumir o controle ideológico da ABE somente depois de 1932.
88
Sendo assim, nas reuniões da ABE e nos congressos nacionais por ela realizados o
que esteve em disputa não foi o aspecto técnico da educação, mas seu aspecto político. Isto
porque na medida em que a instituição faz parte de um projeto de moldagem da sociedade, tanto
liberais como católicos apresentam seus projetos de construção da “nação brasileira”.
Os escolanovistas e os dirigentes da educação nacional parecem, neste cenário,
convergir quando afirmam que a educação é o meio pelo qual o país poderia se desenvolver,
este é um objetivo, inclusive, da Reforma Vaz (e posteriormente, Campos). No entanto, seus
ideários eram diferentes, e o governo – apesar da forte influência das ideias positivistas que
ligava a educação ao progresso - pouco se movimentou para dialogar e forçar modificações na
tradição do ensino católico e privado direcionado para as elites. O que nunca foi, aliás, um
objetivo.
Os escolanovistas, ao contrário, se conectavam com as aspirações das classes média
e popular crescentes, que entre outras coisas, reivindicavam educação gratuita para inserção no
mercado de trabalho por conta da expansão industrial da década. Nesse rastro, a campanha pela
escola pública cresce nos anos 1920 e 1930 reforçando o ideário sobre a educação que a
considerava um direito pertencente a todos os cidadãos brasileiros e que deveria ser garantida
pelo Estado. No entanto, como destaca Bomeny (2003), apesar de os reformadores da educação
conseguirem ampla adesão ao movimento, suas diferenças de concepção educacional
atrapalharam as discussões nas conferências nacionais de educação:
O Movimento da Escola Nova no Brasil se empenha em questionar diretamente a
dispersão dos acontecimentos, a fragmentação das informações, a forma como se
conduziu a educação no Brasil do início da República. Mas o próprio movimento
reflete essa fragmentação [...] A fragmentação do movimento foi observada por
Fernando de Azevedo, um de seus líderes. Transitavam entre os educadores as
interpretações mais variadas das correntes e doutrinas pedagógicas sob a mesma sigla
de Escola Nova ou Educação Nova. [...] A preocupação com essa dispersão, com a
“confusão doutrinaria”, como a quis chamar Fernando de Azevedo, influiu muito na
participação efetiva dos pioneiros nos rumos da política nacional para a educação da
era Vargas. (BOMENY, 2003 p. 43-44).
O que os pioneiros tentaram tornar notável, e no que convergiam, foi no fato de que
a sociedade brasileira atravessava mudanças e que o modelo vigente não daria conta de incluir
a população de maneira ampla nos bancos escolares. O manifesto, portanto, foi o primeiro
documento a posicionar a educação como um problema social e vislumbrar um programa para
seu equacionamento. O que a conjuntura pedia naquele momento, é que a educação se
consolidasse como uma política de Estado e um direito acima dos interesses de classe.
89
Deste modo, as ações do grupo de intelectuais signatários do manifesto estiveram
concentradas em solicitar ações objetivas por parte do Estado. Sua primeira reivindicação diz
respeito à garantia da escola pública de modo que todas as classes sociais pudessem acessá-la.
Embora admita a educação privada e as dificuldades do Estado em assumir a tarefa de pronto,
os intelectuais procuraram pressionar o Estado para que este tomasse medidas que diminuíssem
a disparidade verificada entre as classes sociais, o que só poderia ser feito a partir da oferta de
oportunidades educacionais.
O manifesto também buscou garantir a igualdade de gênero69 nas ações
educacionais, reconhecendo as diferenças aptidões psicológicas e profissionais, mas
demarcando que as oportunidades deveriam ser iguais. Outra reivindicação do manifesto diz
respeito à necessidade de implementação de uma estrutura educacional única, principalmente
relacionada aos procedimentos pedagógicos centrados na figura do aluno, remuneração justa
dos professores, espaço físico das escolas, entre outros. No entanto, ao mesmo tempo que essa
estrutura deveria ser única, deveria ser garantido a cada espaço escolar sua autonomia
educacional, formulando estratégias educacionais próprias:
A organização da educação brasileira unitária sobre a base e os princípios do Estado,
no espírito da verdadeira comunidade popular e no cuidado da unidade nacional, não
implica um centralismo estéril e odioso, ao qual se opõem as condições geográficas
do país e a necessidade de adaptação crescente da escola aos interesses e às exigências
regionais. Unidade não significa uniformidade. A unidade pressupõe multiplicidade.
Por menos que pareça, à primeira vista, não é, pois, na centralização, mas na aplicação
da doutrina federativa e descentralizadora, que teremos de buscar o meio de levar a
cabo, em toda a República, uma obra metódica e coordenada, de acordo com um plano
comum, de completa eficiência, tanto em intensidade como em extensão
(MANIFESTO, 1932, p. 195).
Deixam claro, portanto, o papel do Estado, que mais do que fiscalizador, deveria
ser de garantir a implementação dos valores anteriormente acertados:
A União, na capital, e aos estados, nos seus respectivos territórios, é que deve
competir a educação em todos os graus, dentro dos princípios gerais fixados na nova
constituição, que deve conter, com a definição de atribuições e deveres, os
fundamentos da educação nacional. Ao governo central, pelo Ministério da Educação,
caberá vigiar sobre a obediência a esses princípios, fazendo executar as orientações e
os rumos gerais da função educacional, estabelecidos na carta constitucional e em leis
ordinárias, socorrendo onde haja deficiência de meios, facilitando o intercâmbio
pedagógico e cultural dos Estados e intensificando por todas as formas as suas
relações espirituais. A unidade educativa, - essa obra imensa que a União terá de
realizar sob pena de perecer como nacionalidade, se manifestará então como uma
força viva, um espírito comum, um estado de ânimo nacional, nesse regime livre de
69 O documento fala em “sexo”, mas optamos por utilizar a denominação gênero para que o leitor possa entender
de forma clara que o manifesto trata de oportunidades iguais independente do sexo biológico.
90
intercâmbio, solidariedade e cooperação que, levando os Estados a evitar todo
desperdício nas suas despesas escolares afim de produzir os maiores resultados com
as menores despesas, abrirá margem a uma sucessão ininterrupta de esforços fecundos
em criações e iniciativas. (MANIFESTO, 1932, p. 195)
Nosso objetivo ao recuperar alguns aspectos do Manifesto não é dissecá-lo, mas
verificar em que medida este documento e a mobilização dos intelectuais em torno dele
obtiveram impacto nas discussões sobre o ensino de Sociologia na escola. Sendo assim, o
manifesto apresenta-se antes de tudo, como um instrumento político que expressa a posição do
grupo de educadores que vislumbrava a oportunidade de vir a exercer o controle da educação
no país. O ensaio para isto foi a IV Conferência Nacional de Educação, mas suas definições
acerca da política educacional que deveria emergir no período não foram bem-sucedidas.
Indo além do impacto curricular e de sistema educacional mais evidente, o
manifesto teve grande impacto na comunidade sociológica ao proclamar e iniciar a luta para
garantir a educação com um direito (e não privilégio) a que todos devam ter acesso, e,
principalmente, por reivindicar que este direito estivesse ancorado em uma escola pública,
gratuita e laica70.
Além disso, ajuda a inaugurar na Sociologia brasileira espaços possíveis de análise
sobre as questões nacionais para além de postulados filosóficos ou de programas/reformas
baseados em “achismos” sobre a realidade brasileira. A busca pela autonomia no sistema
educacional também reflete a tentativa de desenvolver soluções educacionais singulares, além
da tentativa de fortalecer a luta contra o coronelismo ainda vigente que cerceava a liberdade de
expressão no âmbito escolar, mas não só nele.
Em termos de currículo, não há nada muito detalhado no manifesto, mas está
presente a proposta de substituição do sistema de ciclos complementares por uma estrutura
unificada que incluía uma base comum de 3 (três) anos com atividades diversificadas. É
proposta uma reforma no ensino secundário que não podemos afirmar que teria um caráter
menos bacharelesco ou enciclopédico do que a Reforma Rocha Vaz (ou Campos), mas que
parece ter como objetivo afastar definitivamente o ensino secundário de uma perspectiva
propedêutica, valorizando assim este nível de ensino e suas peculiaridades.
O manifesto também se debruça sobre questões relacionadas ao ensino superior,
que tiveram impactos também no ensino secundário. As propostas para este nível de ensino
70 Lembramos que a educação pública, laica é uma conquista do Estado burguês na Europa, com a ascensão da
burguesia e o desenvolvimento da vida urbana. No Brasil essa reivindicação só foi possível quando esse processo
de urbanização e desenvolvimento começou a acontecer no país na década de 1930.
91
reforçam a ideia de que o secundário não deveria ter como preocupação primordial a preparação
dos estudantes para entrada no ensino superior, cujo objetivo não deveria ser apenas a
preparação para o exercício de uma profissão, mas também uma aproximação do conhecimento
e da produção científica.
O Manifesto dos Pioneiros, porém, sofrerá vários reveses quando confrontado com
os educadores católicos. Por ora, cabe destacar que as mudanças e ideias propostas pelo foram
fundamentais para o desenvolvimento da Sociologia nas décadas seguintes. Começando pelos
reformadores estaduais, como Sampaio Dória, Carneiro Leão e Anísio Teixeira que, sociólogos
ou não, foram fundamentais para promover a Sociologia como parte da formação dos
professores. Nos cabe, ainda, destacar o papel de dois intelectuais que assinam o manifesto:
Delgado de Carvalho e Fernando de Azevedo.
Carvalho, como já assinalamos anteriormente, foi professor catedrático da
disciplina na década de 1920, 1930 e 1940 no Colégio Pedro II, responsável pela elaboração do
currículo da disciplina no maior período em que ela esteve no secundário e confrontou as
concepções vigentes sobre a disciplina. Possivelmente, a aproximação de Carvalho aos
escolanovistas trouxe questões que geraram modificações significativas ao currículo da
disciplina apresentado oficialmente e ao programa enviado à Vargas. Podemos perceber que
sua preocupação em articular questões brasileiras ao ensino da disciplina não acontece por
acaso, se relaciona ao ideário do manifesto que é pensar através da educação, os problemas
brasileiros.
Outro ator do manifesto que está relacionado ao ensino de Sociologia é Fernando
de Azevedo. Já destacamos seu protagonismo como reformador nos anos 1920 e no inquérito
de 1926, mas será na década de 1930 que este sociólogo, dono de currículo extenso71, assumirá
a liderança nos movimentos progressistas da educação nacional.
Então membro da diretoria da ABE quando do “racha” Azevedo redige o manifesto
e se coloca no centro das disputas que irão reconfigurar o campo educacional brasileiro. Ao
71 Fernando de Azevedo (02/04/1894 —18/091974) foi diretor geral da Instrução Pública do Distrito Federal
(1926-30), Diretor Geral da Instrução Pública do Estado de São Paulo (1933), Diretor da Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras de São Paulo (1941-42), e membro do Conselho Universitário por mais de doze anos, desde a
fundação da Universidade de São Paulo. Foi também Secretário da Educação e Saúde do Estado de São Paulo
(1947). Fundou em 1931, Companhia Editora Nacional. Foi o redator e o primeiro signatário do Manifesto dos
Pioneiros da Educação Nova (A reconstrução educacional no Brasil), em 1932, em que se lançaram as bases e
diretrizes de uma nova política de educação. Foi presidente da Associação Brasileira de Educação em 1938 e eleito
presidente da VIII Conferência Mundial de Educação que deveria realizar-se no Rio de Janeiro. Foi membro
correspondente da Comissão Internacional para uma História do Desenvolvimento Científico e Cultural da
humanidade (publicação da Unesco). Foi um dos fundadores da Sociedade Brasileira de Sociologia, de que foi
presidente, desde sua fundação (1935) até 1960. Foi também presidente da Associação Brasileira de Escritores
(seção de São Paulo).
92
marcar a posição dos renovadores da escola, Azevedo inaugura uma disputa em torno de duas
concepções de escola: renovadora e católica.
Nesta contraposição, abre-se caminho para a disciplina realizar-se como ciência que
intervisse, de fato na realidade social brasileira, e não como um manual prescritivo acerca dela
mesma. Os pressupostos defendidos pelos escolanovistas, podem não ter gerado impactos
diretos e imediatos na disciplina, mas pressionaram um movimento de reflexão e readequação
das ciências humanas, como destaca Nascimento (2010):
Para Fernando de Azevedo, a Sociologia consistiu em um conjunto de teorias e
metodologias que tinha como objeto de estudo a sociedade, a qual, no caso brasileiro,
este sociólogo buscou explicar bem como intervir. Para ele não existiria uma
Sociologia brasileira e, sim, uma Sociologia no Brasil – que dialoga com métodos e
teorias elaborados, aplicados e aperfeiçoados por e em diferentes países. O
reconhecimento do caráter “útil” desta ciência, pelo autor, deveu-se ao fato da
Sociologia ter lhe possibilitado desenvolver novas ideias e procedimentos que
orientaram ou reorientaram as formas de sociabilidade, o léxico científico e político e
a estrutura organizacional das instituições que fundou, dirigiu e/ou reformou no país,
assegurando-lhes maior racionalidade. Foi onde “[...] os desafios eram agressivos
demais para [deixar] de lhes dar respostas” (AZEVEDO, 1962, p.13), isto é, foi no
contexto de modernização institucional do país, desencadeada a partir da década de
1930, que se fizeram presentes as contribuições de Fernando de Azevedo, inclusive,
para a institucionalização da Sociologia. Este autor considerou a Sociologia como
condição para o progresso da sociedade brasileira ao imputar-lhe um papel
fundamental nos diagnósticos e nas soluções dos problemas nacionais.
(NASCIMENTO, 2010, p.164).
A disciplina e sua presença na escola básica, tornam-se, nesse contexto, elementos
de demarcação do novo, perspectiva que permanecerá no seu horizonte. Ao estimular a criação
do curso de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP) e da Sociedade Brasileira de
Sociologia (SBS)72, Azevedo garantiu lugares privilegiados para produção de pesquisas e
debate sociológicos no âmbito científico como nunca havia sido possível antes. Não iremos
nos alongar nessa perspectiva no momento - pois a relação entre as sociologias escolar e
universitária será analisada posteriormente - mas podemos apontar que as bases iniciais de uma
Sociologia “científica” foram estabelecidas já na década de 1930 e o Manifesto dos Pioneiros
teve impacto significativo neste processo.
A partir de sua interface com a educação, a Sociologia dá importantes passos no
que diz respeito a sua institucionalização enquanto disciplina escolar. Há crescimento da
72 Azevedo foi Diretor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São Paulo, um dos fundadores do curso de
Sociologia da Universidade de São Paulo (e catedrático na disciplina de Sociologia I), fundador e presidente da
Sociedade Brasileira da Sociologia (SBS).
93
demanda em torno desta, já que poderia propor com seus métodos de pesquisa alternativas para
o problema educacional brasileiro.
A Sociologia esteve, portanto, diretamente envolvida no projeto de construção de
uma nação moderna, onde o ideário educacional renovador como apresentado no manifesto -
em que, democracia, ciência e educação não se dissociariam de um projeto modernizador da
sociedade e do Estado brasileiro - se propagará entre os sociólogos brasileiros. Este processo
terá dupla-face: servirá tanto para o incremento das instituições de ensino superior quanto
originará e reforçará o debate em torno do retorno na disciplina ao ensino secundário a partir
da década de 1940.
2.7. A Reação Católica
Como oposição aos escolanovistas, Fernando de Azevedo, descreve a reação
católica como "o mais vigoroso movimento católico de nossa história, pela amplitude de sua
ação social, por uma nova interpretação da Igreja e do século, pelo renascimento do espírito
religioso e nacional a um tempo e pela combatividade" (AZEVEDO, 1963, p. 668). No entanto,
a Igreja Católica parecia ter perdido força política no começo do século XX, o que explica a
retomada de sua militância73.
No Brasil, a República, promove a separação dos poderes, o que inicialmente
prejudicou a atuação da Igreja Católica, que notadamente perde espaço institucional quando
comparamos com o período Imperial: desta aparente crise, abre-se o caminho para uma maior
organização e atuação em diferentes frentes74.
A hierarquia eclesiástica, ainda nos fins do século XIX, opta por aderir à ordem
vigente, o que leva, nas duas primeiras décadas da república, à uma relação morna entre Igreja
e Estado, com as duas instituições sociais tentando se adequar à nova ordem política. Principal
movimento de mudança nesta relação, será a carta pastoral de 1916 de Dom Leme, então
arcebispo da diocese de Olinda e Recife. Nesse documento estão relacionados os principais
73 Cabe lembrar que entre as décadas de 1920 e 1940, a Igreja tenta se reorganizar a partir de uma releitura de seu
papel na modernidade. Em um plano geral, o catolicismo enfrentava na Europa os desafios advindos das mudanças
socioeconômicas, do impacto da Revolução Russa e da crise do capitalismo como desafios políticos que se
afastavam das orientações espirituais da Igreja. 74 Apoiado no movimento de reordenação da Igreja através das encíclicas Rerum Novarum (1891) e Quadragésimo
Anno (1931) surgem no campo católico as primeiras propostas de modificar a conduta da Igreja, para torná-la
próxima da população a partir do afastamento frente aos poderes dominantes em prol de uma maior aproximação
com as massas.
94
fundamentos que governam o movimento que se estruturaria nos anos seguintes. Como nos
mostra Salem:
O pressuposto primeiro em que se baseia a pastoral é o da identificação do Brasil
como um país essencialmente católico. Embora constituindo a quase totalidade da
Nação, os católicos - acusados de se comportarem como um "grupo asfixiado e
inoperante" - tiveram solapada sua posição de direito na condução dos destinos
nacionais por uma minoria laica e descrente que encabeçava a república positivista.
Mais do que uma humilhação para a Igreja, essa situação é apontada como responsável
pelos conflitos e desordens que assolavam a sociedade brasileira naqueles anos.
Interpretando a fragilidade de nossa estrutura econômica, política e social como
decorrente, em última instância, de uma crise de ordem moral, D. Leme adverte que
somente a recristianização da sociedade seria capaz de restaurar a unidade espiritual
do país, devolvendo-lhe seu equilíbrio e harmonia naturais (SALEM, 1982, p.10).
Dom Leme tinha como estratégia reaproximar leigos e intelectuais da hierarquia
eclesiástica, sob forte subordinação à cúpula católica e exaltação do nacionalismo. O principal
rebatimento político dessa estratégia seria combater as bases agnósticas e laicas da República,
disseminando a doutrina cristã pela sociedade e suas instituições. Vemos, portanto, uma
mudança de rota já que enquanto a primeira reação católica tinha como objetivo o contato direto
com as massas, Leme defende que esse objetivo seria consolidado também a partir do contato
com a elite econômica e intelectual. Seu principal objetivo, em termos de participação dos fiéis,
foi estimular a participação dos católicos nos rituais e quebrar sua indiferença. Para isso
acreditava ser necessário combater o "catolicismo de sentimento" e fundamentar a fé religiosa
em um conhecimento mais aprofundado dos ensinamentos cristãos (SALEM, 1982).
Nesse contexto, identificamos o momento em que projeto de renovação do católico
encontra o problema educacional brasileiro. O posicionamento católico é primordialmente
marcado pela luta contra o ensino laico, através da proposta de introdução do ensino religioso
nas escolas oficiais. A argumentação para introdução da disciplina se baseava na cessão de um
direito à maioria católica da população, que deveria conhecer melhor as bases de sua religião.
Leme também reivindicou maior aplicação de recursos públicos nas escolas confessionais,
alertando também acerca da necessidade de criação de uma universidade católica.
Em 1921, já bispo auxiliar, Leme se transfere para o Rio de Janeiro e começa a
dialogar com o jornalista convertido Jackson de Figueiredo. O encontro de ambos faz com que
a reação católica ganhe força nacionalmente a partir da criação, em 1922, do Centro Dom Vital
do Rio de Janeiro. O ativismo de ambos foi basilar neste contexto, já que conseguem
espetacularizar momentos emblemáticos do catolicismo no Brasil: a inauguração da estátua do
Cristo Redentor e a consagração do país à Nossa Senhora de Aparecida, ambos em 1931,
95
reúnem multidões e mostram ao governo Vargas a força da Igreja e a necessidade de tomá-la
em consideração na nova ordem política que estava sendo construída75.
A estas ações da Igreja se soma um outro componente: os intelectuais, católicos
leigos e militantes, cujo representante principal é Alceu Amoroso Lima76. Como a maioria dos
intelectuais da época, estão profundamente insatisfeitos com o que qualificam como atraso do
país e a inabilidade do governo em resolver os problemas nacionais, e, também acreditam que
o caminho para a redenção da sociedade brasileira é a educação. Sua intenção, portanto, é
desempenhar um papel importante na reconstrução da educação nacional, porém,
diferentemente dos demais, os intelectuais católicos puderam acionar a capilaridade de uma
instituição secular.
Em termos ideológicos, Leme também se diferenciava, já que trazia à baila o que
havia de radicalmente mais conservador no pensamento católico: a defesa da ordem, da
hierarquia/autoridade religiosa, da educação guiada pelos princípios religiosos e controlada
pela autoridade eclesiástica e o ataque ao campo ideológico oposto77.
Os campos de batalha e o projeto ideológico da Igreja para a educação já estavam,
portanto, demarcados. Desde a chegada de Vargas ao poder, a Igreja Católica procurou se
reaproximar do Estado com o objetivo de garantir direitos políticos, usando para isso, os
discursos religiosos desenvolvidos por seus intelectuais78.
75 A Igreja também ampliou o número de dioceses a partir da convocação de sacerdotes estrangeiros; aumentou o
número de pastorais, criando inclusive para a classe média e para os intelectuais; incentivou-se a criação de centros
- como o próprio Dom Vital (1922), o Instituto Católico de Estudos Superiores (1932) e a Ação Católica
Universitária (1935). 76 Alceu Amoroso Lima (1893 - 1983) foi um crítico literário, professor, pensador, escritor e líder católico. Adotou
o pseudônimo literário de Tristão de Ataíde. cursou o Colégio Pedro II, formou-se em Ciências Jurídicas e Sociais
pela Faculdade Livre de Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro (1913), atual Faculdade Nacional de Direito
da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Após publicar seu primeiro livro, o ensaio Afonso Arinos em
1922, travou com Jackson de Figueiredo um famoso e fértil debate, do qual decorreu sua conversão ao catolicismo
em 1928. Tornou-se um líder da renovação católica no Brasil. Em 1932, fundou o Instituto Católico de Estudos
Superiores, e, em 1937, a Universidade Santa Úrsula. Após a morte de Jackson de Figueiredo, o substituiu na
direção do Centro Dom Vital e da revista A Ordem. Em 1941 participou da fundação da Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro, onde foi docente de literatura brasileira até a aposentadoria em 1963. Foi representante
brasileiro no Concílio Vaticano II, o que o marcaria profundamente. Foi um dos fundadores do Movimento
Democrata-Cristão no Brasil. Publicou dezenas de livros sobre os temas mais variados. Foi reitor da então
Universidade do Distrito Federal, atual Universidade do Estado do Rio de Janeiro e também membro do Conselho
Nacional de Educação. 77 Destacamos que Minas Gerais foi o estado onde esta política educacional foi primeiramente posta em prática.
Sob a liderança do Arcebispo de Mariana, Dom Silvério Gomes Pimenta, a Igreja desenvolve uma ampla ação de
combate ao ensino laico implantado pelo então governador João Pinheiro, que levou à introdução do ensino do
catecismo nas escolas públicas em todo o estado em 1928. (SCHWARTZMAN, 1986). 78 Neste caso é notável a revista A Ordem, uma publicação do centro Dom Vital que, por sua vez, concentrou o
pensamento de muitos intelectuais católicos da época, confere papel destaque aos intelectuais católicos, como
Jackson de Figueiredo e Alceu de Amoroso Lima, que eram “soldados” na luta pela hegemonia católica no Brasil.
A revista assume uma estratégia de aceitação subentendida do regime estabelecido por Vargas a partir da crença
de que, no momento da constitucionalização do país, alguns direitos católicos fossem novamente estabelecidos.
96
A Igreja buscava, portanto, restabelecer sua posição e direitos que acreditava ter
perdido quando da implantação da República. No decorrer dos anos 1930, a desconfiança e a
suspeita acerca da relação Igreja e o Estado já haviam se transformado em um pacto de
colaboração, que influenciou fortemente o campo educacional.
2.8. Conflitos no ministério Capanema
Minas Gerais esteve ao lado de Getúlio na Revolução de 1930, e participa do
governo provisório através de Francisco Campos, que assume em 1931 o novo Ministério da
Educação e Saúde, de onde articula seus planos para voos maiores. Por um lado, teria que
quebrar o poder da velha oligarquia, encastelada no Partido Republicano Mineiro sob a
liderança de Arthur Bernardes. De outro, haveria de constituir sua base de sustentação política
própria, que, partindo de Minas Gerais, pudesse se espraiar para todo o país. Para isto, o papel
da Igreja, mobilizada conta o ensino laico, seria fundamental
O que explica a defesa de Campos acerca da assinatura, por parte de Vargas, de um
decreto autorizando o ensino religioso nas escolas públicas? Essa defesa se explica a medida
que, na prática, aconteceu exatamente o contrário. Na justificativa do projeto, Campos acentua
que, "neste momento de grandes dificuldades, em que é absolutamente indispensável recorrer
ao concurso de todas as forças materiais e morais (...) determinará a mobilização de toda a
Igreja Católica do lado do governo" (CAMPOS, 1931 apud SCHWARTZMAN et.alli, 2000).
Em 30 de abril de 1931, Vargas promulga, a pedido do Ministro Campos, o
Decreto-Lei 19.441, que estabelece a reintrodução do ensino religioso nas escolas públicas. O
novo governo, portanto, em pouco tempo atende à reinvindicação católica, impedida legalmente
desde 1891 de ministrar o ensino religioso nas escolas públicas. Enxergamos como este pacto
se desenvolveu no campo educacional nos anos seguintes.
O Ministro Francisco Campos terá rápida passagem no comando do Ministério,
porém deixa uma reforma em curso, na qual o ensino religioso foi encarado como um possível
instrumento de formação moral da juventude, um mecanismo de anexação da Igreja Católica,
além de uma arma poderosa contra o liberalismo, bem como no processo de inculcação dos
valores que constituam a base de justificação ideológica do pensamento político autoritário
varguista.
Nesses termos, o campo educacional nos anos 1930, torna-se - a partir da influência
marcante da Igreja Católica - um instrumento ideológico útil para formação da mentalidade das
97
massas ao ponto de até mesmo conseguirem insensibilizá-las diante das desigualdades
anteriormente levantadas como causas do atraso nacional.
Como reação a este panorama, os escolanovistas se movimentavam para participar
dos processos decisórios da educação nacional, causando controvérsias no meio intelectual
católico, pois defendiam claramente a escola pública, obrigatória e laica, em confronto direto
com o pensamento católico e com o novo governo, ambos procurando manter distância dos
ideais democráticos.
Em síntese, a educação nos anos 1930 será definida a partir desse embate entre
liberais e católicos, com os primeiros conseguindo vitórias pontuais e os segundos pautando
majoritariamente as políticas educacionais.
O pacto entre Igreja e Estado permanece com a nomeação de Washington Ferreira
Pires79 para ministro em 1932, que permaneceu no cargo até o final do governo provisório, e se
acentuou, a partir da nomeação de Gustavo Capanema Filho80 em 1934 ao cargo no qual
permaneceu por onze anos.
Esta nomeação, segundo as observações de Schwartzman (2000), inclusive, seria
uma das evidências que sugerem que Capanema assumiu o Ministério da Educação e Saúde
como parte de um acordo entre Estado e Igreja. Capanema assumiu a função, em 1934,
pressionado por um cenário de grandes desafios provocados pela nova constituição:
A constituição de 1934 dá ao novo ministro ampla margem de ação. Segundo ela, pelo
seu artigo 150, caberia à União fixar o Plano Nacional de Educação para todos os
graus e ramos de ensino, comuns e especializados; a coordenação e fiscalização da
79 Washington Pereira Pires (1892-1970) foi médico e professor pela Faculdade de Medicina de Minas Gerais.
Passou a se dedicar à política, sendo eleito Deputado Estadual para o período 1923 a 1930 e, e, Deputado Federal
de 1930 a 1937. Durante a época em que foi Deputado Federal, a convite do presidente Getúlio Vargas, licenciou-
se da Câmara para assumir o Ministério da Educação e Saúde Pública, de 16 de setembro de 1932 a 25 de julho de
1934. Em julho de 1934, poucos dias antes de deixar o Ministério, conseguiu um decreto assinado pelo Presidente
dispondo sobre “a profilaxia mental, assistência e proteção à pessoa e aos bens dos psicopatas, e fiscalização dos
serviços psiquiátricos”. Exerceu também o cargo de Secretário de Saúde e Assistência do Estado de Minas Gerais
de 31 de janeiro de 1956 a 1º de agosto de 1958. Fonte: http://www.acadmedmg.org.br/ocupante/washington-
ferreira-pires/ 80 Gustavo Capanema Filho (1900-1985) foi o Ministro da Educação que mais tempo ficou no cargo em toda a
história do Brasil (totalizando, aproximadamente 11 anos contínuos). Formou-se pela Faculdade de Direito de
Minas Gerais, em 1923. Em 1927 iniciou sua vida política ao eleger-se vereador em sua cidade natal. Nas eleições
presidenciais realizadas em março de 1930 apoiou a candidatura presidencial de Getúlio Vargas, lançado pela
Aliança Liberal - coligação que reunia os líderes políticos de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraíba. Nomeado
ministro da educação em julho de 1934, permaneceria no cargo até o fim do Estado Novo, em outubro de 1945.
Sua gestão no ministério foi marcada pela centralização, a nível federal, das iniciativas no campo da educação e
saúde pública no Brasil. Na área educacional tomou parte do acirrado debate então travado entre o grupo
"renovador", que defendia um ensino laico e universalizante, sob a responsabilidade do Estado, e o grupo
"católico", que advogava um ensino livre da interferência estatal, e acabou conquistando maiores espaços na
política ministerial.
98
execução do plano em todo e território do país; e a organização do ensino secundário
e superior nos territórios e no distrito federal. (SCHWARTZMAN et.alli., 2000, p.49).
Capanema via na educação um meio para modernização da sociedade e
desenvolvimento do país, assim, por meio dela, seria obtida a formação do homem por completo
no aspecto moral e intelectual. Com esse intuito, o ministro estabeleceu algumas reformas
educacionais.
Um dos seus atos foi à implantação de um modelo de educação que propunha a
criação de duas redes de escolarização. A rede primaria profissional, na qual se incluíam o
ensino primário, o ensino técnico e a formação de professores para o ensino básico e a rede
secundária superior, que deveria preparar as elites81. Para a formação desse homem que se
moldasse a uma nova sociedade, uma disciplina seria imprescindível em todos os níveis
escolares:
A educação moral e cívica era objeto de regulamentação minuciosa. Ela deveria ser
ministrada obrigatoriamente em todos os ramos do ensino, sendo que no curso
secundário seria uma atribuição para o professor de história do Brasil. Ela deveria ter
uma parte teórica, que trataria dos fins, da vontade, dos atos do homem, das leis
naturais e civis, das regras supremas e próximas da moralidade, das paixões e das
virtudes; e uma parte prática, que incluiria desde o estudo da vida de “grandes homens
de virtudes heroica” até o trabalho de assistência social, que ensinasse aos alunos “a
prática efetiva do bem” (SCHWARTZMAN et.alli., 2000, p. 182-183).
O acordo entre Igreja e Estado se consolida nesta conjuntura através da aprovação,
pela Assembleia Constituinte de 1934, da disciplina “moral e cívica” e das chamadas “emendas
religiosas” que restabeleceram a legalidade do ensino religioso nas escolas públicas, não mais
por decreto mas pela carta constitucional (mesmo que em caráter facultativo) o que reforça o
acordo/pacto, agora sob a liderança do novo ministro82, empossado após negociações das quais
participou Alceu Amoroso Lima, que se transformaria daí por diante no mentor espiritual e
intelectual de toda a atividade educacional no país.
As ambições da Igreja Católica, representada por Alceu de Amoroso Lima, não se
limitavam ao que acabaram de ganhar no texto constitucional. Isto fica claro no texto que ele
81 “A escola secundária iria mais longe: ela deveria formar uma verdadeira ‘consciência patriótica’ própria de
homens portadores das concepções e atitudes espirituais que é preciso infundir nas massas que é preciso tornar
habituais entre o povo” (SCHWARTZMAN et.alli., 2000, p.194). 82 Capanema foi um importante articulador entre cultura e política e entre cultura e poder no Brasil. No ministério
da educação, esteve à frente de um setor ímpar em se tratando da incorporação e/ou exclusão de ideias, na definição
e orientação das mentalidades e valores, interferindo diretamente no mundo real da concepção de educação e
promoção dos valores nacionais e da moral defendida pelo regime do Estado Novo (QUADROS & MACHADO,
2013).
99
encaminha a Capanema em 1934, delineando o que a Igreja esperava do governo, onde a
educação do país deveria ser estruturada segundo princípios fundamentais católicos, que
serviriam, inclusive como critérios para a seleção dos professores das escolas e universidades.
O "ecletismo pedagógico" e o "bolchevismo'" deveriam ser rigorosamente excluídos; as
humanidades clássicas deveriam ter lugar predominante nas escolas; um plano nacional de
educação calcado em "filosofia sã" deveria ser elaborado, e para isto uma Convenção Nacional
das Sociedades de Educação deveria ser convocada, mas "com as bases principais previamente
assentadas" (SCHWARTZMAN et.alli., 2000).
Assim, durante a década de 1930, o Ministro trata de dar cumprimento a seu acordo
com a Igreja através de um projeto burocrático que buscou definir, o funcionamento presente e
futuro do sistema educacional do país. Todos os aspectos relacionados ao campo educacional
deveriam ser minuciosamente detalhados: como os currículos escolares, as plantas dos prédios,
os salários dos professores, as taxas de matrícula, entre outros deveria ser regulamentado e
controlado pelo Ministério. De modo a melhor compreender a extensão deste ambicioso
projeto, realizamos uma tabela com os pressupostos considerados por Alceu Lima nas suas
correspondências ao ministro Capanema:
100
Tabela 7: Correspondências de Alceu Amoroso Lima com Gustavo Capanema acerca
diretrizes educacionais do Ministério da Educação. 1934
1. Texto manuscrito e sem
assinatura, caligrafia de Alceu
Amoroso Lima, com anotação
de Capanema "P. - Prop.
antic.". Do texto constam ainda
breves referências ao "setor
defesa preventiva" e ao "setor
exterior". Arquivo Gustavo
Capanema, série i, assuntos
políticos, em fase de
organização.
No setor educação:
a) seleção do professorado e das administrações em todo o país;
b) seleção de um conjunto de princípios fundamentais da educação no
Brasil;
c) fundação de institutos superiores na base dessa seleção e orientação;
d) publicação de uma grande revista nacional de educação na base destes
princípios, com boa colaboração etc.; e rigorosa exclusão do ecletismo
pedagógico e muito menos do bolchevismo etc.;
e) publicação de pequenas ou grandes doutrinas anti-marxistas e de
documentação anti-soviética;
f) idem de obras sadias, construtivas, na base dos princípios de educação no
Brasil;
g) defesa das humanidades clássicas, latim e grego, e sua incorporação no
plano nacional de educação;
h) idem de uma filosofia sã;
i) convocação de uma Convenção Nacional das Sociedades de Educação,
para os fins de h, mas com as bases principais já previamente assentadas;
j) atenção muito particular com o espirito ainda dominante em certos meios
pedagógicos, particularmente em São Paulo;
1) entendimento com os estados para uma uniformidade na orientação
educativa;
m) elaboração do Plano Nacional de Educação nessas bases;
n) escolha dos futuros membros do Conselho Nacional de Educação tendo
em vista este objetivo;
o) elaboração dos programas para os cursos e complementares;
p) facilidades do ensino religioso em todo o país;
q) idem para a fundação da faculdade católica de teologia nas
Universidades;
r) idem para a realização de congressos católicos de educação nos vários
estados e em geral para os trabalhos sociais da Ação Católica Brasileira;
s) idem para a Universidade Católica do Rio de Janeiro;
t) entrega a uma orientação segura e uniforme e à direção dos católicos da
Escola de Serviço Social.
1935
2. Carta de Alceu Amoroso
Lima a Capanema, 16 de junho
de 1935. GC/Lima, A-A, doc.
15, série b.
1. Ordem pública, para permitir a livre e franca expansão de nossa
atividade religiosa na sociedade.
2. Paz social, de modo a estimular nosso trabalho de aproximação das
classes, que é, como você sabe, o grande método de ação social
recomendada invariavelmente pela Igreja.
3. Liberdade de ação para o bem, mas não para o mal, para a imoralidade,
para a preparação revolucionária, para a injúria pessoal.
4. Unidade de direção de modo a que a autoridade se manifeste uniforme
em sua atuação e firme em seus propósitos.
Elaborado pelo autor a partir da seguinte fonte: SCHWARTZMAN, Simon, BOMENY, Helena Maria
Bousquet, COSTA, Vanda Maria Ribeiro. Tempos de Capanema. 1ªed. São Paulo: Paz e Terra; Rio de Janeiro:
Fundação Getúlio Vargas, 2000.
A partir das reivindicações de “ordem pública”, de “unidade de direção”, de
“liberdade de ação para o bem” há a tentativa de organizar a educação com a imediata
colaboração da Igreja e da família, projeto que, através da esperança no direcionamento
varguista no campo educacional, buscavam consolidar. No entanto, o projeto católico apesar de
101
sobressair frente aos demais em pontos principais, sofrerá também com as aspirações
escolanovistas e do próprio governo
Tendo em vista tal conjuntura, Capanema inicia em 1936 um inquérito nacional na
forma de questionário83, sobre diversos aspectos educacionais e escolares: princípios,
finalidade, sentido, organização, administração, burocracia, conteúdo, didática, metodologia,
disciplina, engenharia, entre outros que fossem necessários para pensar a montagem e o
funcionamento de um sistema educacional e que o levassem a constituir um Plano Nacional de
Educação a ser apresentado à Câmara dos Deputados.
Vários setores sociais responderam a esse questionário: militares, intelectuais e
obviamente a própria Igreja. No entanto, o que fica claro a partir da leitura questionário é que
as perspectivas do campo educacional, haviam sido ampliadas por quem elaborou o mesmo,
tornando-se como uma arena de ampla disputa pública e interesses diversos em que se
movimentavam diversas concepções acerca da atuação do Estado neste campo específico.
Como vimos, os escolanovistas apoiavam a centralização e o controle estatal da
educação, em nome da democratização do ensino, da cultura e da igualdade social. Do outro
lado, o Ministério também ansiava por esta centralização, porém sua intenção primeira foi
montar a máquina burocrática, que lhe permitisse centralizar, coordenar e controlar a educação
em todo o território nacional. Posição da qual a Igreja Católica diverge - já que propõe a total
liberdade de ensino e a autonomia das escolas devido a sua inserção no mundo escolar privado
– mas depois se alinha ao defender a interferência total do Estado na educação moral e cívica
do cidadão, desde que subordinada à moral católica. Notemos que os dois setores ansiavam por
uma centralização na esfera educacional, mas divergiam amplamente das diretrizes desta e seus
desdobramentos.
A cisão entre os grupos, portanto, girava em torno do conflito conceitual acerca dos
significados (e efetiva aplicação) de conceitos tais como: universalização, gratuidade,
obrigatoriedade e laicidade do ensino, reivindicados pelos escolanovistas como fundamentais
para uma reformulação educacional ambientada no ideal de formação do sujeito para a
autonomia – com Anísio Teixeira e Fernando Azevedo emergindo como expoentes
representativos dessa disputa.
Do lado católico, a intelectualidade também partilhava o entendimento da função
educacional preponderante em criar o sentimento comum da nacionalidade, mas o eixo desse
83 O questionário está disponível no site do CPDOC (FGV), e pode ser acessado:
http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/arquivo-pessoal/GC/impresso/plano-nacional-de-educacao-questionario-para-
um-inquerito
102
movimento seria fixado a partir dos valores morais de disciplina, hierarquia e tradição. Este
grupo identificava os “excessos do cientificismo” e os ideais de modernização “antirreligiosos”
como elementos de desagregação social e defendiam o lugar historicamente ocupado pela Igreja
na difusão escolar, reclamando para ela e para a família a precedência na organização do ensino
e somente subsidiariamente ao Estado (SAVIANI, 2007; CARVALHO, 2003). Na prática, o
segundo grupo sai vitorioso do debate, mas as tensões permaneceriam com o advento do Estado
Novo.
Em 1937, a partir do retorno do questionário, o Plano Nacional de Educação foi
editado pelo Conselho Nacional de Educação e enviado pelo presidente ao congresso
respeitando o que havia sido registrado, tentando agradar e buscar consenso dentre as várias
partes em disputa neste processo. O plano, ao mesmo tempo que almejava cuidar de arenas
educativas, também focava nas espirituais, ao mesmo tempo que garantia liberdade de cátedra
a limitava via fiscalização, numa clara tentativa de acomodar, como foi característico dos
governos varguistas, ideais escolanovistas, governistas e católicos.
Essa confusão e/ou guerra de conceitos foi até mesmo percebida pelo deputado
relator do plano Raul Bittencourt84 que se manifestou considerando a proposta do governo
inadmissível, pois ao se ater apenas nos resultados dos questionários tentava dar soluções
imediatas a profundas controvérsias, invadia áreas de jurisdição dos estados, além de ir contra
os princípios da própria Constituição. Bittencourt mostra também que as inovações que o plano
pretendia introduzir em todos os níveis da educação nacional eram utópicos, o que guardava
relação com os ideais a serem acomodados.
Tendo em vista as críticas do relator, o parecer não é aprovado e o plano não voltaria
a tramitar com a velocidade esperada. O próprio Congresso terminaria sendo fechado em 1937
antes que o plano fosse revisto e aprovado. Assim, o Ministério ficaria livre para realizar o que
bem entendesse, ou, o que pudesse. O projeto de implantação do ensino industrial e,
84 Raul Jobim Bittencourt (1902-1985), formou-se em 1923 pela Faculdade de Medicina de Porto Alegre,
começando ainda no mesmo ano a exercer a profissão na Companhia Carbonífera Brasileira, em São Jerônimo
(RS). Iniciou sua carreira política em 1929, elegendo-se deputado à Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul
na legenda do Partido Republicano Rio-Grandense (PRR). Em seguida, aderiu às forças de oposição ao governo
de Washington Luís que, diante das eleições presidenciais marcadas para março de 1930, articularam-se na Aliança
Liberal lançando a candidatura de Getúlio Vargas. Com a vitória da Revolução de 1930 e a instalação do Governo
Provisório de Getúlio Vargas, Raul Bittencourt consolidou sua atuação política nas áreas de educação e saúde,
tornando-se em 1931 secretário do ministro da Educação e Saúde Pública, Belisário Pena. Foi também autor da
maior parte dos artigos referentes à educação no texto da nova Constituição, promulgada em julho de 1934. Em
outubro de 1934, Raul Bittencourt elegeu-se deputado federal pelo Rio Grande do Sul na legenda do PRL.
Assumindo o mandato em maio do ano seguinte, participou da Comissão de Educação e Cultura da Câmara e foi
relator de diversos projetos voltados para a educação, continuando a exercer suas atividades pedagógicas na capital
federal. Fonte: http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/raul-jobim-bittencourt
103
principalmente, a reforma do ensino secundário de 1942 seriam as principais tentativas de levar
a cabo as grandes ideias do plano inicial.
2.9. A Reforma Capanema
No fim dos anos 1930, a predileção de Capanema – e o lugar onde sua marca estará
mais presente – será o ensino secundário. Devemos lembrar que o ensino primário ainda
permanecia como uma atribuição de estados e municípios, onde havia pouca possibilidade de
ingerência, e as universidades passavam a época por intensa reformulação de suas reflexões,
atribuições e funções que discutiremos no próximo capítulo.
No início dos 1940, Capanema busca reaquecer o debate reafirmando os principais
objetivos do plano nacional de educação anterior, focando notadamente na ideia de que a
educação deveria servir ao desenvolvimento de habilidades e mentalidades de acordo com os
diversos papéis atribuídos às diversas classes ou categorias sociais:
Teríamos, assim, a educação superior, a educação secundária, a
educação primária, a educação profissional e a educação feminina; uma
educação destinada à elite da elite, outra educação para a elite urbana,
uma outra para os jovens que comporiam o grande "exército de
trabalhadores necessários à utilização da riqueza potencial da nação" e
outra ainda para as mulheres. A educação deveria estar, antes de tudo,
a serviço da nação, "realidade moral, política e econômica" a ser
constituída (SCHWARTZMAN et alii, 2000, p. 204-215).
A Reforma Capanema, realizada através da Lei Orgânica do Ensino Secundário (nº
4.244, de 9 de abril de 1942), foi responsável por estabelecer esta nova organização do ensino
secundário, que passa a ter como finalidade formar a personalidade integral dos jovens, além
de acentuar e elevar sua formação espiritual, a sua consciência patriótica e humanística; conferir
preparação intelectual geral que possa servir de base a estudos mais elevados de formação
especial (BRASIL, 1942).
O ensino secundário passou a ser ministrado em dois ciclos. O primeiro
compreendia um só curso: o ginasial. O segundo compreendia dois cursos paralelos: o clássico
e o científico. Essa organização estrutural para o secundário esteve vigente na educação
nacional por quase três décadas.
O curso ginasial, que tinha duração de quatro anos, destinava-se a dar aos
adolescentes aqueles que foram considerados elementos fundamentais do ensino secundário. O
104
clássico e o científico, cada um com duração de três anos, tinham como objetivo aprofundar e
desenvolver a educação do ginasial.
Além disso, no curso clássico, havia maior peso no currículo de conhecimento
filosófico e letras antigas (grego e latim); no científico, a formação conferia peso maior às
ciências. A conclusão dos cursos acima possibilitava o acesso, mediante a realização de
vestibular, a qualquer curso superior, rompendo com o direcionando dado pelos cursos
complementares na Reforma Campos.
A Reforma também estabeleceu a separação dos estabelecimentos escolares em
dois tipos: ginásio e colégio. O primeiro fora o espaço destinado a conferir, além do curso
próprio de ginásio, os dois cursos do segundo ciclo; o segundo não poderia deixar de ministrar
qualquer um dos cursos mencionados.
Em relação à estrutura, o curso ginasial conferia o ensino das seguintes disciplinas:
Línguas (Português, Latim, Francês e Inglês); Ciências (Matemática, Ciências Naturais,
História Geral, História do Brasil, Geografia Geral e Geografia do Brasil; e as Artes (Trabalhos
Manuais; Desenho e Canto Orfeônico).
Os cursos clássico e científico detinham as seguintes disciplinas: Línguas
(Português, Latim, Grego, Francês, Espanhol e Inglês); Ciências e Filosofia (Matemática,
Física, Química, Biologia, História Geral, História do Brasil, Geografia Geral e Geografia do
Brasil e Filosofia; e as Artes (Desenho).
O texto da lei da Reforma Capanema aconselhava que os programas das disciplinas
deveriam ser simples, claros, flexíveis, além de indicar, para cada disciplina, seu sumário e
diretrizes essenciais. Os programas deveriam ser sempre organizados por uma comissão geral
ou por comissões especiais, designadas pelo ministro, que os devia publicar. Destacamos a
quebra com a obrigatoriedade de formulação desses programas por parte do Colégio Pedro II.
A Reforma Capanema, diferentemente da anterior, desassociou o ensino secundário
da preparação obrigatória para as carreiras superiores. Com a extinção dos cursos
complementares, Capanema quis conferir ao secundário um projeto político-pedagógico
próprio.
Na virada dos anos 1940, portanto ganhará força o ideário acerca da necessidade de
reformular o currículo rumo a conteúdos essencialmente humanísticos e a adoção de
procedimentos bastante rígidos de controle (e inspeção) de qualidade. Portanto, a concepção
geral de ensino pouco se altera se consideramos que continua presente a ideia de que o
secundário deveria formar jovens para a entrada na universidade.
105
Em suma, o secundário – do ponto de vista da promoção da mobilidade social -
continuava a proporcionar restritas oportunidades. Talvez este seja o ponto de encontro do
debate entre escolanovistas e católicos - frente as pressões e tentativas para a superação do
atraso brasileiro – se pensava e trabalhava pela centralização do sistema de ensino, mas pouco
se caminhou na direção de torná-lo maior e inclusivo.
Em termos curriculares, a principal mudança da reforma do ensino secundário foi
a ênfase no ensino humanístico de tipo clássico, em detrimento da formação técnica. Há
tentativa, neste momento, de romper com o enciclopedismo verificado nas reformas anteriores,
porém o sucesso desta empreitada é relativo. Embora existisse a tentativa de estabelecer uma
relação equilibrada entre as humanidades e as ciências exatas, as prescrições de comportamento
continuaram presentes.
Capanema afirmara que o curso secundário, tal como o concebia, não era um
simples desenvolvimento de um sistema antigo, mas "uma coisa nova. Esta novidade pode ser
definida em primeiro lugar pelos temas: consciência humanística e consciência patriótica"
(SCHWARTZMAN et.alli., 2000). Na própria lei orgânica, fica clara a intenção de enfatizar
uma cultura de tipo humanístico. Sobre o ensino do latim e do grego no curso secundário85,
Capanema aponta:
O ponto essencial é que não é possível desconhecer a irremovível vinculação de nossa
cultura com as origens helênicas e latinas. Não seria conveniente romper com estas
fontes. Com este rompimento perderíamos o contato e a influência de uma velha
cultura que consubstanciou e elevou os valores espirituais maiores da antiguidade.
Perderíamos por outro lado os mais nobres vínculos de parentesco da cultura nacional
com as mais ilustres culturas de nosso tempo (...). Os estudos antigos constituem uma
base e um título das culturas do ocidente; eles serão sempre, conforme o expressivo
dizer de um escritor moderno, um elemento inalienável da dignidade ocidental
(CAPANEMA, Gustavo. Exposição de Motivos da Lei Orgânica do Ensino
Secundário de 1/4/1942. CPDOC FGV: GC 36.03.24/1, pasta 1K, doc. 1.).
O ensino secundário deveria ainda estar impregnado daquelas "práticas educativas"
que transmitissem aos alunos uma formação moral e ética, consubstanciada na crença em Deus,
na religião, na família e na pátria. Esta não era, evidentemente, uma atribuição somente do
ensino secundário, já que deveria permear todo o sistema educacional. Não à toa, o debate
acerca das disciplinas de moral e cívica ganha força neste contexto, sua intenção se coaduna
com os objetivos de conduzir ou propor novos caminhos para nação através do campo
85 Lembramos que a função primordial desse restrito secundário foi formar líderes para nação e o ministro aponta
para a formação humanística e a patriótica como possíveis instrumentos de aprendizagem para aqueles que viriam
a organizar o Estado e suas instituições.
106
educacional – nesse sentido o currículo nunca deixou de ser enciclopédico, pois sua intenção
fora tentar formatar práticas sociais para além das questões educacionais.
Como deixa claro Schwarztmann (2000), a escola secundária deveria, segundo os
reformadores, formar uma verdadeira "consciência patriótica" própria de homens portadores
das concepções e atitudes espirituais que é preciso infundir nas massas, que é preciso tornar
habituais entre o povo. Apesar das disciplinas não terem vingado como obrigatórias na reforma,
naquele contexto histórico, esse debate permaneceu e foi difundido através dos estudos de
História e Geografia, sob pretexto de veiculação de valores nacionais, espécie de código de
ética a ser seguido fielmente pelos estudantes.
Nesta transmissão de valores para a formatação da consciência patriótica, o ensino
pré-militar, a ser ministrado de forma obrigatória simultaneamente ao ensino secundário, foi
fundamental.
A partir destes fatores, a Reforma Capanema, mais do que se diferenciar das
anteriores quanto a sua implementação, se mostrou bastante eficaz em reforçar e difundir um
conjunto de ideias bem definidos ligados à pátria e à religião. A função da educação neste
processo seria compor uma espécie de “chão comum” autoritário que visava a continuidade e
reprodução da elite católica, masculina e militar que deveria conduzir as massas, se fazendo
valer do ensino que recebera.
Um projeto calcado na burocracia crescente do sistema de inspeção e controle, e
por um conjunto de estabelecimentos privados que não tinham, com algumas exceções, outra
intenção do que a de atender ao mercado crescente de ensino médio com a ajuda dos recursos
financeiros do governo. Estes elementos - a legislação casuística, rígida, os currículos de
conteúdo classicista, uma burocracia ministerial cada vez mais rotinizada e um forte lobby de
diretores de colégio - dariam o tom do ensino secundário brasileiro nas décadas seguintes.
Voltando rapidamente ao debate ideológico do período, nos anos 1940, católicos
conseguiram estabelecer de forma plena seu pacto de mútuo auxílio com Vargas, se sobrepondo
aos escolanovistas. A maior influência dos primeiros sobre o governo fica evidente na dualidade
adotada pelo sistema educacional brasileiro: uma escola secundária cuja missão seria preparar
as elites dirigentes; e a profissional, destinada às massas – cujo destino também estaria traçado.
Isto se deu, pois apesar das divergências, os grupos em conflito representavam a mesma classe:
a dominante. Nenhum deles defendia e/ou atendia as reivindicações das classes populares.
Luiz Antônio Cunha, nos alerta que Capanema tem uma diretriz pragmática que se
orientava para fazer do catolicismo tradicional e do culto à pátria, a base do Estado. Em suma,
107
a constituição da nacionalidade seria o fim almejado pelo ministério em sua atuação para
conferir um conteúdo nacional à educação, a partir do modernismo ufanista, do culto à
nacionalidade, da unificação linguística e da ênfase no catolicismo; da padronização e
universalismo, currículo mínimo correspondia ao ideal centralizador que movia o regime
varguista; e da erradicação das minorias étnicas e culturais, vinculada à segurança nacional.
2.9.1. A Sociologia Escolar na passagem dos anos 1930 aos 1940
A Sociologia permanece no currículo ao longo dos anos 1930, saindo apenas
durante a Reforma Capanema. Indo além da interpretação já consolidada acerca da presença
disciplina no secundário a partir da tese de sua presença intermitente (MACHADO, 1987),
temos que considerar que os períodos estudados, especialmente o período compreendido entre
1931-1942, não são monolíticos
Embora sua entrada efetiva no secundário seja nos 1920, não há registros suficientes
sobre a abrangência da aplicação da disciplina, não há clareza acerca de quanto alunos,
professores, escolas e estados tiveram efetivo contato e/ou aplicaram a disciplina. Neste
cenário, ainda podemos apontar a inexistência de cursos superiores que formassem professores
de Sociologia, fazendo com que profissionais de outras áreas assumissem a disciplina.
Com efeito, a Sociologia estava garantida na escola, mas pelo que vimos e pela
construção feita no capítulo, nos perguntamos com qual caráter/abordagem e qual a influência
do período autoritário nisto.
Nos parece que a disciplina no período, em termos curriculares, corrobora o regime
varguista e a visão dos ministros que ocuparam a pasta educacional. Tendo em vista que a
disciplina não tem um sentido contido nela mesma, mas que estes são disputados socialmente,
não há como escapar da interpretação de que a presença da disciplina na escola nesse período
reforça ideais nacionalistas, além de uma concepção educacional calcada na “moral e cívica” e
sua “função” é demarcada também como um saber necessário para a entrada nos cursos
superiores.
Sociologia não significava, portanto, necessariamente, produção de ciência,
questionamento acerca da realidade e investigação dos problemas sociais brasileiros, mas uma
ferramenta para reprodução das desigualdades no campo educacional, à medida que está
presente na escola, mas como saber restrito e destinado aos estudantes que chegassem aos
cursos complementares. Neste sentido, que demarcamos que debater a presença/ausência da
108
disciplina, por si só, é insuficiente, acreditamos que o movimento para melhor compreender as
idas e vindas da Sociologia no currículo é a investigação acerca da produção de sentidos sobre
a disciplina e as narrativas que acompanham essa movimentação.
A Reforma Capanema, retira a Sociologia da escola, algumas interpretações sobre
esta saída (COSTA PINTO, 1949 e FERNANDES, 1955) – nos levaram a compreensão de que
esta saída atendia à orientação política-ideológica do ministro Capanema. De fato - se
considerarmos sua conexão com a Igreja Católica no período, conectada a vitória ideológica
frente aos escolanovistas - podemos considerar fortemente a hipótese supracitada.
No entanto, acreditamos que existem indícios que nos mostram também a
fragilidade desta hipótese. Como vimos, desde sua chegada à Câmara dos Deputados, a
Reforma Capanema foi bastante criticada e modificada - por não representar soluções práticas
à situação educacional do período e por ser considerada utópica em seus ideais – o que gerou
um texto onde ênfase está no enxugamento e reformulação do currículo, da estrutura burocrática
do campo educacional, além dos ideais morais e éticos esperados - estes últimos colocados de
forma ampla, sem afetar diretamente o currículo das disciplinas, havia um foco difuso no
humanismo e na manutenção dos valores da pátria.
Em outras palavras, a hipótese sobre o conflito ideológico acerca da saída da
disciplina pode ser considerada, ao mesmo tempo em que a simples readequação/reordenação
do currículo possa ser uma alternativa também plausível. O sentido que a disciplina assumiu
nos anos 1930, poderia ser adaptado de forma satisfatória e a mesma permanecer no currículo.
Essa permanência acreditamos que foi colocada em xeque pela sua dificuldade de adequação
aos tipos de ensino propostas pela reforma clássico ou científico, como aponta Azevedo (1955):
Confesso, porém, que, dada a complexidade de nossa ciência e o grau insuficiente de
sistematização de conhecimentos sociológicos no estado atual e em razão dos perigos
de deturpação a que ainda está exposto o seu ensino entre nós, seria preferível
conceder lugar preponderante, no currículo do ensino secundário, às ciências físicas
e experimentais, já constituídas e mais avançadas, que já atingiram um alto grau de
precisão nos seus conceitos e nos seus métodos, e cujo papel na educação geral dos
espíritos se exerceria mais facilmente pela compreensão das leis essenciais que
governam a natureza e pela explicação dos mais simples desses fenômenos e dos
princípios fundamentais de teorias mais ao alcance de adolescentes. (AZEVEDO,
1955, p. 64).
Como podemos perceber através da observação de Azevedo, a disciplina se
ressentia de status científico até o início da década de 1940, o que contribui para indefinição
quanto ao seu papel que poderia exercer no novo currículo. Soma-se a isto o incremento da
109
máquina estatal de educação a partir de uma burocracia mais técnica e exigente, como destaca
Moraes (2011):
Entendemos que a exclusão da Sociologia do currículo prende-se menos a
preconceitos ideológicos e mais à indefinição do papel dessa disciplina no contexto
de uma formação que se definia mais orgânica, resultado do estabelecimento de uma
burocracia mais técnica e mais exigente ou convicta em relação à concepção de
educação. De certa forma, pode-se dizer que os defensores da Sociologia não
conseguiram convencer essa burocracia educacional quanto à necessidade de sua
presença nos currículos. Assim, enquanto o clássico era uma forma de manter ou não
contrariar interesses humanistas, a inovação representada pelo científico já indicava
uma guinada na concepção curricular, que tardiamente trazia para a educação a
modernização, marca dos anos de 1920 e 1930 no Brasil, projeto sempre perseguido...
No limite, o que temos é uma consagração da concepção de escola secundária,
sobretudo agora do colegial, como preparatória para o ensino superior, um curso
propedêutico, aliás, como vinha sendo definido desde que surgiram os cursos
superiores no Brasil e precisou-se de uma “preparação” – não dada pela escola
primária – mais voltada para a especificidade dos cursos superiores. Nesse sentido, a
Sociologia, definindo-se cada vez mais como uma disciplina “formativa” e não
preparatória – propedêutica – não tinha mais lugar nessa nova configuração
(MORAES, 2011, p. 365).
Com efeito, notemos que o conhecimento sociológico escolar sai dos bancos
escolares quando o Estado Novo está no seu auge, mas o discurso sobre o atraso nacional
começa a perder força. Como aponta Moraes (2011) – numa conjuntura onde o esgotamento do
cenário relacionado à crise do pacto republicano e à aspiração por uma organização nacional
antiliberal mostrava-se claro – o currículo dos anos 1940, não teve lugar para acomodar a
Sociologia já que a disciplina não tinha ainda nem legitimidade científica, tampouco era
considerada uma área de formação literária e filosófica. Não era reconhecida nem como
clássica, nem como científica – como justificar ou adequar sua permanência no currículo
escolar? Retomamos também a comunicação de Delgado de Carvalho com Vargas, que
reforçava a necessidade da construção de uma Sociologia não normativa: como adequar no
currículo uma disciplina que não propõe valores normatizadores no auge de uma ditadura?
Em suma, ainda que sua reintrodução após a democratização tenha sido objeto de
discussão, a principal questão a ser atacada seria a tarefa de repensar ou reordenar seu conteúdo
escolar autoritário e normativo que fora interrompido. O que foi feito no campo acadêmico,
mas no campo escolar esta movimentação não obteve a mesma intensidade.
Isto se deve ao fato que a Sociologia escolar nunca foi uma disciplina escolar
comprometida com os valores do igualitarismo e da democracia. Por isso, ainda que tenha saído
do currículo das escolas de ensino médio em 1942, o mesmo conteúdo reapareceu sob outras
rubricas entre as quais, Estudos Sociais, Moral e Cívica, Estudos dos Problemas Brasileiros –
110
o que, acreditamos, represou a possibilidade de construção de novos sentidos para disciplina no
campo escolar naquela conjuntura.
111
IV. CAPÍTULO 3: SURGIMENTO DAS UNIVERSIDADES BRASILEIRAS:
QUAL A SOCIOLOGIA QUE SE PROPÕE NESTE CAMPO?
Neste capítulo contextualizaremos o surgimento da universidade no Brasil, tendo
como foco os anos 1930, demarcado por disputas, geradas principalmente pela reação da Igreja
Católica ao ensino universitário carioca e às experiências universitárias paulistas.
Analisaremos esta conjuntura de construção autônoma (ou nem tanto) das
universidades, pois a emergência da Sociologia na academia adquire sentidos diferentes dos
verificados até então, diferença que será reconstruída analiticamente a partir do confronto,
exposição e prática dos projetos políticos-pedagógicos das instituições que analisaremos. Por
fim, investigaremos o surgimento dos estudos pós-graduados da disciplina no Brasil no início
da década de 1940.
3.1. Primórdios da universidade no Brasil
As universidades, de modo geral, a partir doo século XVIII resistiram às
transformações à sua volta - conservaram seus métodos e suas tradições medievais - recusaram
as doutrinas cartesianas e mantiveram-se inertes. Enquanto os colégios prosperavam, as
universidades permaneciam à margem das atividades intelectuais e científicas. No fim do século
XIX, com efeito, criaram-se academias científicas que de forma renovada reposicionam
novamente o papel da universidade. Esta universidade é a que chega ao território brasileiro,
com concepções e contradições que vão adquirir novos sentidos em solo nacional.
Para pensar o embrião do ensino superior brasileiro, adotaremos a definição de Luís
Antônio Cunha na qual "ensino superior é aquele que visa ministrar um saber superior"
(CUNHA, 2007, p. 18). Isto porque, embora não houvessem universidades no Brasil, existiam
já no período colonial, iniciativas de formação dedicados à qualificação das elites, ainda que os
núcleos educacionais mais importantes fossem os colégios jesuítas espalhados pelo país86.
86 No século XVI, o ensino jesuíta tinha como funções formar padres para a atividade missionária na colônia;
prover os quadros do aparelho repressivo dominante e ilustrar os homens das classes dominantes. Assim, o
aparelho escolar estava a serviço do aparelho repressor da metrópole e o viabilizava; que por sua vez, estava
conectado à Igreja Católica cuja burocracia estava integrada ao funcionalismo do Estado. Os jesuítas fundaram na
colônia dezessete colégios com alguma modalidade de ensino superior, além de outros colégios menores. O
primeiro foi o Colégio Central da Bahia, fundado em 1550, e que serviu de modelo e inspiração para todos os
demais. Em 1759, foi feito ministro do rei de Portugal, Sebastião José de Carvalho e Mello, Marquês de Pombal,
que combateu duramente o monopólio da educação, na metrópole e na colônia, pelos jesuítas. Marquês de Pombal
foi influenciado pelos trabalhos e pelas ideias do educador Luiz Antônio Verney, que combatia os métodos de
ensino e o humanismo dos jesuítas, propondo um novo método baseado na ciência operativa com o saber
112
Sendo assim, ocorreram profundas transformações no ambiente escolar da colônia
com a implantação de novos currículos, métodos e estruturas escolares. Ocorreram, nesta
conjuntura, a completa desestruturação do sistema escolar e a criação de cursos superiores
estruturados no Rio de Janeiro, em 1776, pelos franciscanos e o Seminário de Olinda, pelo bispo
Azevedo Coutinho, em 1798. Tais cursos foram criados nos moldes da Universidade de
Coimbra.
De fato, o ensino superior nasce no Brasil com a transferência da sede da corte, da
elite portuguesa para o Rio de Janeiro, em 1808. Os cursos de Ensino Superior foram criados
para atender, predominantemente, às necessidades do Estado então nascente: formação dos seus
burocratas, de especialistas na produção de bens de consumo das classes dominantes e de um
quadro complementar de profissionais liberais.
Os primeiros institutos superiores foram criados no Rio de Janeiro, em 1810: a
Academia Real da Marinha e a Academia Real Militar que se divide, posteriormente, na escola
Militar e na Escola Central, tendo sido esta a primeira Escola de Engenharia do Brasil. O
primeiro curso de Medicina foi criado em 1812, na Bahia. Em 1827, foram criados cursos
jurídicos em São Paulo e em Recife os quais, em 1854, foram transformados em Faculdades de
Direito. Durante a Regência (1831-1840), ocorreram as reformas nos cursos de Engenharia
Civil, Militar e Naval, em 1833, e a criação, em 1837, do Colégio Pedro II.
Nota-se que os cursos superiores estavam circunscritos à órbita das escolas
superiores, pouco avançando o ideário da universidade neste período, o que pode ser explicado
pelo desprezo da elite brasileira em relação à criação da universidade brasileira, incentivando
o caráter profissionalizante dos estabelecimentos de ensino superior existentes (CUNHA,
1980). A experiência das escolas não pode ser desprezada, veremos que as universidades foram
constituídas, em grande parte, pela composição destas instituições isoladas.
3.2. Ensino superior na República
O movimento de expansão do ensino superior, durante a República, teve dois
destaques no final do século XIX: a criação da Escola de Engenharia do Mackenzie College,
em 1896, com orientação presbiteriana; e a criação da Escola de Engenharia de Porto Alegre,
no mesmo ano, de iniciativa privada e sem orientação religiosa. Sendo assim, entre 1891 e 1910
assumindo uma característica civil e social. Antes de promover a reforma da Universidade de Coimbra, em 1772,
expulsou os jesuítas do império português, fechando 27 colégios em Portugal e 36 no Brasil.
113
foram criadas vinte e sete escolas superiores, nove de Medicina, Obstetrícia, Odontologia e
Farmácia; oito de Direito, quatro de Engenharia, três de Economia e três de Agronomia.
Em 1910, o presidente Hermes da Fonseca decreta a Lei Orgânica do Ensino
Superior e do Fundamental na República87 que contemplava, entre outros pontos, os exames de
admissão aos cursos superiores, a liberdade curricular e o fim da fiscalização federal nas escolas
superiores estaduais e privadas.
Sendo assim, entre 1911 e 1915, aumentou-se a oferta de ensino superior e,
consequentemente, a expedição de títulos acadêmicos que, aos poucos, foi perdendo valor,
gerando um período de resistência tanto à diplomação livre pelas escolas quanto à liberdade
profissional, com muitas mudanças na legislação escolar e na carreira docente (SOUZA, 1996).
Uma nova reorganização do ensino superior acontece com a Reforma Carlos
Maximiliano (1915), que acrescentou à exigência dos vestibulares (exames de admissão) para
o ingresso no ensino superior a apresentação dos certificados de conclusão do ensino
secundário. A Reforma Rocha Vaz (1925), por sua vez, introduziu a limitação de vagas e o
critério de classificação para o ingresso.
Algumas universidades brasileiras nasceram durante a Primeira República, mas não
vingaram nesse período. Como exemplo, em 1909 foi criada a Universidade de Manaus, em
pleno período de prosperidade da região com a exploração da borracha, e em 1926, sofrendo de
falta de alunos e de recursos estatais em razão do declínio do ciclo da borracha, foi dissolvida.
Em 1911, foi fundada a Universidade de São Paulo, de forma privada, para oferecer ensino de
todos os graus: primário, secundário e superior; a primeira instituição de ensino superior do
país a promover e realizar atividades de extensão universitária. Adotando metodologias de
ensino modernos, não poupou críticas às escolas superiores existentes e aos seus professores88.
Algumas universidades fundadas durante na Primeira República sobreviveram,
entre elas a Universidade do Rio de Janeiro (URJ), criada em 1920 pela aglutinação da Escola
Politécnica, da Escola de Medicina e da Faculdade de Direito, além da Universidade de Minas
Gerais e da Universidade do Rio Grande do Sul, ambas de 1927. Tais universidades também
foram alvo da crítica dos escolanovistas que formularam proposta de organização do ensino
superior no Brasil para a criação de "verdadeiras universidades" (CUNHA, 1980).
87 Já fizemos menção a Reforma Rivadavia Correia no capítulo 1 desta tese, agora tratamos do ensino superior.
Movimento que faremos de forma não exaustiva com as demais reformas. 88 A reação veio do próprio Governo do Estado, criando uma escola de Medicina em 1912 e aprovando uma lei da
Assembleia Legislativa, a qual só permitia a odontólogos formados em faculdades oficiais o exercício da profissão,
tais medidas decretaram o desaparecimento desta versão da Universidade de São Paulo, por volta de 1917
(CUNHA, 2007).
114
No entanto, foi somente após a revolução de 1930, que foram realizadas sensíveis
mudanças em relação à construção de uma política efetiva de ensino superior. Francisco
Campos com a Associação Brasileira de Educação, em 1931, elabora o Estatuto das
Universidades Brasileiras, que ditava, com algumas variações regionais, a organização
didático-administrativa do ensino superior brasileiro, sob a fiscalização do Ministério da
Educação. Esse modelo de universidade constituiu uma das medidas da política autoritária do
governo Getúlio Vargas.
3.3. Experiências nos anos 1930/1940: Universidade do Distrito Federal (UDF) e
Universidade de São Paulo (USP)
3.3.1. Autonomia universitária
Antes de adentrar propriamente na experiência das universidades, acreditamos que
nos cabe tocar rapidamente na questão da autonomia universitária. Isto porque este debate
definirá os rumos e o funcionamento destas instituições de ensino, além de moldar os sentidos
assumidos pela Sociologia no espaço universitário – quanto maior ou menor for a liberdade de
cátedra e autonomia para a realização de pesquisas, maior ou menor, nos parece, se dará o
desenvolvimento da disciplina no espaço acadêmico.
Neste sentido, Paim (1982) nos alerta que a questão da autonomia universitária
ganha vulto já na década de 1920, quando, em reação aos positivistas, professores da Escola
Politécnica do Rio de Janeiro criam, no interior da Academia Brasileira de Ciências, um
movimento em defesa da universidade como instituição autônoma, que desembocará na
formulação do inquérito sobre o problema universitário brasileiro realizado em 1927, pela
Seção de Ensino Técnico e Superior da ABE e aplicado pela própria instituição com apoio do
“Jornal do Comércio” e de “O Estado de São Paulo. As principais questões elaboradas foram
as seguintes:
I - Que tipo universitário adotar no Brasil? Deve ser único? Que funções deverão caber
às universidades brasileiras?; II - Não conviria, para solução de nosso problema
universitário, aproveitar os elementos existentes como observatórios, museus,
bibliotecas, promovendo a sua articulação no conjunto universitário?; III - Não é
oportuno realizar, dentro do regime universitário, uma obra concomitantemente
nacionalizada do espírito de nossa mocidade?; IV - Não seria de todo útil que os
governos estaduais auxiliassem ao governo federal na organização universitária?; V -
Não convém estabelecer mais íntimo contato entre o professor e o aluno?; VI - Não
convém a adoção, onde possível, do livro texto (sistema norte-americano) em
115
substituição gradual do ensino oral?; VII - É satisfatória a situação financeira do
professor universitário? Não se impõem medidas reparadoras? (PAIM, 1982, p.41).
Estas questões foram encaminhadas a personalidades representativas: a ABE e seus
membros ficaram responsáveis por analisar os resultados. Responderam ao inquérito 33
professores de 5 estados (Rio de Janeiro, São Paulo, Pernambuco, Paraná e Rio Grande do Sul),
além do Conselho Universitário da Universidade de Minas Gerais. O grande objetivo do
inquérito, além da óbvia investigação sobre a universidade, foi encontrar consensos frente aos
interesses docentes, superar o vício das reformas precedentes e estreitar laços com a nascente
elite acadêmica (PAIM, 1982).
Tendo como base os resultados do inquérito, o problema universitário foi discutido
no Congresso de Ensino Superior realizado no Rio de Janeiro de 11 a 20 de agosto de 1927.
Segundo Paim (1982), o tema foi considerado de diversos ângulos pelos participantes do
inquérito, razão pela qual as teses apresentadas figuram igualmente na publicação que lhe foi
dedicada89. Foram abordados no Congresso os seguintes aspectos: definição do tipo de
universidade que mais se adapta às condições do Brasil, requisitos indispensáveis para a criação
de universidade, exame da oportunidade da criação de universidades livres e/ou autônomas, o
desenvolvimento do espírito universitário e o papel dos seminários ou institutos de investigação
científica na vida universitária. Dentre os temas frequentemente discutidos se destacam:
a) que funções deve ter a universidade, isto é, que modalidade de ensino incumbe-lhe
ministrar e que formação dará àqueles que frequentem seus cursos; b) qual a
vinculação a ser estabelecida com a entidade mantenedora, ou, mais explicitamente,
de que níveis de autonomia deve desfrutar e c) como se deve estruturar o seu governo.
Às funções da universidade vincula-se a definição dos institutos que a compõem.
Tratou-se igualmente da didática do ensino, da formação e aperfeiçoamento dos
professores e da importância do campus universitário. (PAIM, 1982, p.36).
O congresso, portanto, apresenta como linhas mestras de discussão, a questão da
autonomia e liberdade universitárias; e da elaboração de um status científico e/ou de formação
profissional, como revelam as fortes críticas à concepção de universidade dentro do escopo
meramente técnico. Em outras palavras, de um modelo voltado para a formação profissional,
nos moldes em que foi praticada desde as primeiras décadas do século XIX (PAIM, 1982).
Como alternativa a este modelo, prevalece nos debates a necessidade do ideário
universitário conectado à criação de centros de cultura científica e centros de cultura
89 As respostas, juntamente com as teses da ABE organizadora foram publicados em livro: “O problema
universitário brasileiro: Inquérito promovido pela Secção de Ensino Technico e Superior da Associação Brasileira
de Educação. Rio de Janeiro: Encadernadora, 1929”.
116
humanística, de modo a valorizar a pesquisa. São lembrados a pouca originalidade da pesquisa
brasileira até então, que com escassez de recursos poderia se extinguir e/ou ficar isolada em seu
autodidatismo. Solução aventada nesta conjuntura seria a autonomia didática e administrativa
a ser conquistada pelas universidades em relação ao Estado. A grande crítica em relação à
atuação deste último seria a possibilidade de burocratização e asfixia das instituições. O ponto
polêmico residia na ingerência da entidade mantenedora no processo de escolha do reitor,
parecendo essencial que se devesse, antes de tudo, gozar da confiança de seus pares (PAIM,
1982).
Esse debate tem novo capítulo relevante após a revolução de 1930, onde os conflitos
sociais permitiram a adoção concomitante de políticas educacionais autoritárias e liberais num
contexto no qual o governo Vargas não tinha proposta concreta para o ensino universitário.
Sendo assim, em 1931, na IV Conferência Nacional de Educação, o governo lidando com esses
dois grupos consegue aprovar junto à ABE o Estatuto das Universidades Brasileiras (PAIM,
1982; FÁVERO, 2001).
Na edição desta reforma do ensino superior, Campos revela, na exposição de
motivos, que a intenção foi manter “um estado de equilíbrio entre tendências opostas” e não
determinar uma brusca ruptura com o presente” (BRASIL, 1931), de forma a tentar dialogar
com os interesses opostos em jogo, o que acaba por levar a adoção de princípios ambíguos.
A ação norteadora do decreto decreto-lei n.19.852/1931 foi tornar a Universidade
do Distrito Federal, o modelo para as demais universidades brasileiras, em movimento
semelhante ao realizado com o secundário, a partir do Colégio Pedro II. No campo universitário,
como vimos acima, a questão perpassa debates ligados a expedientes complexos ligados ao
funcionamento de seus institutos congregados e recursos didáticos e financeiros.
Discussão ofuscada neste primeiro momento por esta definição/adequação a um
padrão pré-estabelecido, como deixa claro o artigo 5º:
A Constituição de uma universidade brasileira deverá atender às: seguintes
exigências:
I. congregar em unidade universitária pelo menos três dos seguintes institutos de ensino
superior: Faculdade de direito, Faculdade de Medicina, Escola de Engenharia e
Faculdade de Educação, Ciências e letras;
II. dispor de capacidade didática, aí compreendidos professores, laboratórios e demais
condições necessárias ao ensino eficiente;
III. dispor de recursos financeiros concedidos pelos governos por instituições privadas e
por particulares, que garantam o funcionamento normal dos cursos e a plena eficiência
da atividade universitária;
IV. IV submeter-se às normas gerais instituídas neste Estatuto.
(BRASIL, 1931).
117
Tais exigências poderiam ser cumpridas rapidamente pelas universidades, o que
facilitava a instalação e adequação daquelas já existentes. A exposição de motivos e os três
decretos da reforma, objetivam estruturar a universidade brasileira tanto no campo da
organização administrativa, como na didática, definindo, no estatuto, os órgãos administrativos
e os princípios gerais da organização didática.
No que diz respeito à autonomia universitária, percebemos movimentos de
aceitação e recusa. Na exposição de motivos, Campos reconhece a importância da autonomia
na constituição da universidade, contudo, considerava “inconveniente e mesmo
contraproducente” (BRASIL, 1931) que, naquele momento, ela fosse concedida. No 9º artigo
do estatuto, por exemplo, foi previsto que as “universidades gozarão de personalidade jurídica
e de autonomia administrativa, didática e disciplinar” com a ressalva de que ela seria limitada
pelo estatuto. Ressaltamos que a autonomia financeira não estava prevista no decreto, apesar
de ter sido atribuído aos reitores a função de administrarem as finanças das universidades.
A nomeação para os cargos de reitor, de diretor e de membro do Conselho Técnico-
Administrativo dependeria da escolha do “governo” ou do ministro da Educação e Saúde
Pública dentro uma lista de nomes apresentados pelos órgãos universitários. O artigo 276 do
decreto-lei da Organização da Universidade do Rio de Janeiro, mostra algumas fraturas na
autonomia acima, já que foi previsto que o Conselho Universitário apresentaria ao ministro da
Educação e Saúde Pública o regimento da universidade.
Em suma, a autonomia equivalia à liberdade de propor mudanças ou práticas
administrativas e didáticas que, no entanto, sempre encontravam entraves em atos do governo
federal. Por exemplo, no artigo 11, era facultado às universidades ampliarem as suas atividades,
criando novos institutos, mas a sua incorporação dependia, nos casos das federais, de decreto
do governo.
No que diz respeito ao dilema da universidade como lugar da formação profissional
ou como lócus da ciência e da pesquisa, a reforma buscou arregimentar um caminho
conciliatório. Na exposição de motivos, o ministro aponta que dos quatro institutos que
caracterizariam uma universidade (Direito, Medicina, Engenharia e Educação, Ciências e
Letras), os três primeiros seriam faculdades, nas quais seria formada a elite profissional
brasileira, e o último estaria destinado à realização da investigação desinteressada, dessa forma,
as funções da universidade seriam cumpridas em locais diferentes (BRASIL, 1931).
Em relação à pesquisa científica, foi prevista sua inserção nos três cursos
profissionais que caracterizavam a universidade. Com isto, a formação profissional novamente
118
estava colocada em conjunto com a investigação científica. Essas duas funções conviveriam na
universidade, a partir da dificuldade de dissociar ensino e pesquisa.
A confusão atingiu a definição das atribuições das Faculdades de Educação,
Ciências e Letras, pois estas seriam as responsáveis pela introdução, na universidade brasileira,
dos mais altos níveis de cultura e da formação do espírito de investigação; mas teriam, também,
caráter pragmático: o de formar os professores. O que impactará como veremos posteriormente
o ensino de Sociologia, já que, as faculdades de ensino “desinteressado” não poderiam se
constituir como tão “desinteressadas” quanto se esperava90.
A história da universidade brasileira remonta um quadro contraditório, já que o
modelo adotado no país foi um modelo descontextualizado do momento político, econômico e
social do Estado, desvinculado de qualquer projeto de desenvolvimento nacional, embora em
todos os momentos esse projeto tenha sido invocado e referido sem nunca ter existido de fato,
orgânico e articulado. Diferentemente do que acontece com a escola básica, foco do projeto de
superação do atraso nacional, o ensino superior se desenvolve longe deste debate. Não foi,
portanto, concebida no seio de um projeto educacional vinculado a um projeto de
desenvolvimento nacional.
Mesmo assim, nos momentos de esperança ou pelo menos de perspectivas mais
definidas, a mão da autoridade foi mais forte do que as necessidades reais da sociedade e os
projetos foram desviados, novamente, para atender a qualificação das elites e sustentar o poder
dominante. Como aponta Darcy Ribeiro analisando as contradições da nossa universidade:
De fato, somos herdeiros de um legado e de um fardo. Um legado positivo - muito
pouco utilizado – de antecedentes que mostram como, em certas circunstâncias
algumas universidades fizeram-se promotoras da renovação e do progresso; e um
legado negativo - o nosso fardo - implícito nos procedimentos pelos quais outras
universidades foram levadas a atuar, principalmente, como agentes de consolidação
do "status quo". Até agora, na América Latina, as universidades atuaram
especialmente como agentes da manutenção da ordem instituídas ou, no máximo, da
modernização reflexa de suas sociedades (RIBEIRO, 1982, p.78).
90 Vemos que Campos com sua postura de não ruptura com os diferentes grupos de interesse elaborou uma reforma
que apresentava princípios fundamentais, mas pouco avança em novas proposições acerca do ensino universitário,
além de deixar questões ambíguas. As certezas da reforma aparecem quanto a crença do ministro de que a reforma
da sociedade se faz mediante a reforma da escola e de que ao Estado cabe a responsabilidade e o controle da
educação. Isto posto, é possível notar que Campos foi ambíguo em relação ao papel das Faculdades de Educação,
por querer exaltar a importância das mesmas utilizando como recurso argumentativo a sua vinculação com a
introdução dos altos níveis de cultura. Assim, as Faculdades de Educação teriam o mesmo status que as de Direito,
Engenharia e de Medicina, podendo, também, expedir o diploma de doutor.
119
Por fim, quanto à autonomia universitária, vale observar ainda que, ao instituir a
Universidade do Brasil, a Lei nº 452 de 1937 não faz referência ao princípio de autonomia em
suas disposições gerais. Essa lei dispõe que tanto o reitor como os diretores dos
estabelecimentos de ensino seriam escolhidos pelo presidente da república, dentre os
respectivos catedráticos e nomeados em comissão.
Por outro lado, torna-se expressamente proibida, aos professores e alunos da
universidade, qualquer atitude de caráter político-partidário ou comparecer às atividades
universitárias com uniforme ou emblema de partidos políticos. Essas determinações não seriam
de estranhar, considerando-se o contexto em que elas são elaboradas.
A situação apenas se modifica com a deposição de Vargas, em outubro de 1945, e
o fim do Estado Novo, em que se inicia um movimento para repensar o que estava identificado
com o regime autoritário até então vigente. A chamada “redemocratização do país” é
consubstanciada na promulgação de uma nova Constituição, em 16 de setembro de 1946, que
se caracterizou, de modo geral, pelo caráter liberal de seus enunciados, como se pode observar
no capítulo “Da declaração de direitos” e especialmente no que trata “dos direitos e das
garantias individuais” (BRASIL, 1946).
Cabe lembrar que, ainda no Governo Provisório instalado após a queda do Estado
Novo, sendo ministro da educação Raul Leitão da Cunha, o Presidente José Linhares sanciona
o Decreto-Lei nº 8.393, em 17/12/1945, que “concede autonomia administrativa, financeira,
didática e disciplinar à UB, e dá outras providências”. Em cumprimento a esse dispositivo, o
reitor passa a ser “nomeado pelo Presidente da República, dentre os professores catedráticos
efetivos, em exercício ou aposentados, eleitos em lista tríplice e por votação uninominal pelo
Conselho Universitário” (BRASIL, 1945).
Em cumprimento a esse dispositivo, a administração superior da Universidade
passa a ser exercida não apenas pelo Conselho Universitário e pela Reitoria, mas também pelo
Conselho de Curadores. No que tange à autonomia outorgada à Universidade do Brasil, dados
obtidos da análise de documentos da instituição a autonomia administrativa, financeira, didática
e disciplinar, outorgada à universidade, não chegou a ser implementada (FÁVERO, 2006).
No final dos anos 1940, começam a esboçar-se nas universidades algumas
tentativas de luta por uma autonomia universitária, tanto externa como interna. Todavia, a
situação é complexa. A propósito, Raul Bittencourt observa: “mesmo depois do Estado Novo,
quando essa Universidade se torna autônoma por decreto, a situação não muda muito”
(BITTENCOURT, 1946, p. 562).
120
3.3.2. A Universidade do Distrito Federal (UDF) e a autonomia despedaçada se tornando
a Universidade do Brasil
A Universidade do Distrito Federal (UDF) é instituída no Rio de Janeiro, capital da
República, pelo Decreto Municipal nº 5.513/35, como parte de um programa integrado de
Instrução Pública para o Distrito Federal, liderado por Anísio Teixeira, entre 1931 e 1935.
À frente da Secretaria de Instrução Pública, nesse período, Anísio organiza uma
rede municipal que vai da escola primária à universidade. Suas iniciativas tiveram não só um
caráter de ampliação e consolidação do legado que recebera dos anos 1920, em termos de
modernização do sistema escolar, iniciado nas administrações anteriores, mas foram marcadas
também por características muito peculiares na consecução dos seus objetivos, o que provocou
oposições radicais, mas também apoio respeitáveis do magistério carioca.
A estruturação do sistema público de ensino se fez perpassada por conflitos que se
aguçam, sobretudo, com a criação da universidade, que para Anísio, se apresenta como o ápice
da política educacional do Distrito Federal. A universidade, portanto, nasce sob fogo cruzado:
de um lado, atacada pelos integralistas com o argumento de que ela seria de esquerda, senão
comunista e; de outro, pelos católicos, que qualificavam qualquer iniciativa ou atitude
inconveniente aos princípios morais e educacionais por eles defendidos (FÁVERO, 2001).
A oposição católica à Anísio Teixeira, transforma-se em acusação aberta a partir de
1935, quando os dois apontamentos críticos supracitados se coadunam. Alceu Amoroso Lima
escreve ao Ministro Capanema afirmando a posição dos católicos e deixa claro que eles esperam
do governo uma atitude enérgica de repressão ao comunismo. Nesta carta assinala que "para
garantir a estabilidade das instituições e a paz social" era preciso o governo "organizar a
educação e entregar os postos de responsabilidade nesse setor importantíssimo a homens de
toda a confiança moral e capacidade técnica (e não a socialistas como o Diretor do
Departamento Municipal de Educação)"91 (SCHWARTZMAN, 2000, p. 176).
A fundação de uma universidade municipal, com a nomeação de diretores que não
esconderiam suas convicções comunistas, teria sido, como denota Fávero (2001), a gota d'água
que fez transbordar a grande inquietação dos católicos. Mesmo com os problemas enfrentados
por essa universidade, efetua-se, de 1935 a 1936, a constituição de seu corpo docente e a
91 Notemos que, embora, o movimento do governo seja limitar a autonomia da UDF, a reivindicação católica
demonstra que o problema para este não foi a falta de autonomia, foi considerar que a UDF tem autonomia em
excesso.
121
organização de seus cursos. Com essa preocupação, buscam-se na Europa professores para
aquelas áreas em que se considerava não haver, no Brasil, profissionais suficientemente
preparados.
Apesar de ter existido por menos de quatro anos, a UDF marca significativamente
a história da universidade no Brasil, sobretudo levando-se em conta o contexto em que se dá
sua criação (1935) e sua extinção (1939), em pleno Estado Novo, por meio do Decreto Federal
nº 1.063/39. Em termos de projeto, é de se destacar a dimensão cultural atribuída à UDF, contida
nos "considerando introdutórios" ao Decreto nº 5.513/35, por intermédio dos quais se justifica
a necessidade de sua instalação:
A cidade do Rio de Janeiro constituiu um centro de cultura nacional de ampla
irradiação sobre todo o País. O desenvolvimento da cultura filosófica, científica,
literária e artística é essencial para o aperfeiçoamento e o progresso da comunidade
local e nacional. À cidade do Rio de Janeiro compete o dever de promover a cultura
brasileira do modo mais profundo que for possível. O número de estudantes do
Distrito Federal e o dos que afluem dos outros Estados ao Centro de Cultura do País
é de tal ordem, que justifica a existência de mais de uma universidade. Em
consequência, considera-se ser, assim, dever do Estado a fundação da Universidade
do Distrito Federal e, além disso, essa é a forma de consagrar pela autonomia cultural
a atual autonomia política (RIO DE JANEIRO, 1935).
Em consonância com os pressupostos acima, Anísio Teixeira acredita que as
universidades estão "dedicadas à cultura e à liberdade, estão sob um signo sagrado que as faz
trabalhar e lutar por um mundo de amanhã, fiel às grandes tradições liberais da humanidade"
(TEIXEIRA, 1936), além de serem um passo importante para constituição de uma cultura de
acesso ao conhecimento, já que na sua visão “em países de tradição universitária, a cultura une,
socializa e coordena o pensamento e a ação. No Brasil, a cultura isola, diferencia, separa"
(TEIXEIRA 1936).
Ainda na perspectiva de Teixeira, trata-se menos de preparar quadros - formados
por indivíduos com domínio do saber existente e da experiência humana acumulada ou formar
pessoas competentes em ofícios úteis - mas criar um ambiente de saber, facilitador da
participação de todos na formação intelectual da experiência humana (FÁVERO, 2001). Assim,
a heterogeneidade e a deficiência dessas diferentes culturas individuais e individualistas fazem
com que o campo de ação intelectual e pública se constitua num campo de lutas mesquinhas e
pessoais entre os intelectuais no contexto nacional. A universidade que se inaugura, então, teria
como uma de suas preocupações preparar quadros intelectuais e profissionais para atacar o
isolamento verificado.
122
No entanto, ressaltamos que para cumprimento do projeto outrora idealizado por
Teixeira, seria fundamental a efetivação da autonomia universitária Aí que residem os
problemas para as pretensões contidas neste projeto universitário. Em 1935, Pedro Ernesto,
então prefeito do Rio de Janeiro cede à pressão dos grupos de interesse (educadores
conservadores, sobretudo católicos) e afasta Anísio Teixeira. Como desfecho, em 1º de
dezembro de 1935, Anísio pede exoneração do cargo, aceita por Pedro Ernesto, após tecer-lhe
grandes elogios e agradecer o trabalho desenvolvido pelo educador à frente da secretaria92.
No que diz respeito ao campo acadêmico, a ênfase na ciência básica e em um saber
"desinteressado" marcará as pretensões da UDF93. Para isto, fez-se necessário recorrer às
missões estrangeiras de professores juntamente com professores brasileiros para formação da
equipe de docentes. No entanto, a atuação dos primeiros, mesmo por um período curto, esteve,
em geral, voltada para a formação de pesquisadores. Há registros da presença e da atuação de
professores franceses na UDF, em 1936, lecionando nas Escolas de Economia e Direito e de
Filosofia e Letras. Vemos a partir da chegada destes professores, que mesmo com a saída de
Teixeira e das demissões e prisões de professores, a universidade continuou a funcionar
regularmente em 1936.
No entanto, esta conjuntura não se repetiria nos anos seguintes: as ofensivas do
governo federal serão decisivas para sua extinção. Na concepção do Ministério da Educação
(MEC), a existência da UDF passa a constituir uma situação de indisciplina e de desordem no
seio da administração pública do país, e, embora o ministro tenha se cercado de argumentos
baseados em decretos e lei - notadamente o Estatuto das Universidades Brasileiras - o que
acontece na prática é que a presença da UDF era incômoda justamente pela autonomia
intelectual que reclamava, e que nos seus momentos iniciais, obteve.
Isto por se tratar de uma instituição universitária constituída de escolas e institutos
voltados principalmente para as ciências humanas, tendo uma linha de pesquisa e de confrontos
com a realidade e não com um objetivo de ser mera agência de ensino, preocupada com a
transmissão ou repetição de um saber constituído e a manutenção da conjuntura vigente.
92 Exonerado do cargo de Secretário, Anísio recebe o imediato apoio de colaboradores nos serviços de educação
do Distrito Federal, alguns dos quais integrantes dos quadros da Universidades e também demissionários. A partir
de 1936, professores da Universidade, juntamente com outros intelectuais e educadores, são presos e demitidos,
como: Hermes Lima, também diretor da Escola de Economia e Direito, Castro Rabello, Leônidas Rezende e Luiz
Carpentier (PAIM, 1982). 93 Veremos quando falarmos de Sociologia na USP e UDF que esse objetivo se consolidou de maneira diferente
nas duas universidades.
123
O fechamento da UDF ocorre justamente quando a força política se fortaleceu ao
ponto de englobar a autonomia aos intelectuais. A UDF nasce num momento em que o país
caminhava a largos passos para um recrudescimento ideológico e para a implantação declarada
de um regime autoritário, que fez com que sua presença, enquanto instituição se tornasse
incômoda. Com efeito, em nome da disciplina e da ordem, o Ministro Capanema encaminha ao
presidente exposição de motivos que acompanha o decreto de extinção (Decreto 1.063, de 20
de janeiro), justificando a extinção da UDF.
Não se trata de simples incorporação dos cursos da UDF pela Universidade do
Brasil (UB), na verdade, a UDF é efetivamente extinta e seus cursos são transferidos para a UB,
em 1939. Fávero (2001), considera a extinção da UDF como extinção de uma utopia:
Por ter representado, em matéria de instituição universitária, uma ruptura em relação
ao modelo estabelecido. Como parte de um programa integrado de educação pública
para a capital do País, ela surge como um projeto de Universidade a ser construído,
em direção a uma nova realidade. Surge com a preocupação de ser um centro de
estudos, de produção de saber e de cultura, marcada pela liberdade de expressão e de
pensamento, o que lhe dá ao menos potencialmente caráter de uma instituição crítica
e inovadora. (FÁVERO, 2001, p.4).
Destacamos este trecho ao final desta subseção, pois a Universidade de São Paulo
(USP) que veremos a seguir acabou por conseguir através de uma autonomia relativa ao
governo federal, se manter ativa e atingir, mesmos com momentos tortuosos.
3.3.3. A Universidade de São Paulo (USP) nas franjas da autonomia
A Universidade de São Paulo (USP) tem seu nascedouro a partir do começo da
década de 1930, com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder, no processo no qual são nomeados
interventores militares para o estado de São Paulo sem quaisquer vínculos com a oligarquia
local, com objetivo de enfraquecer o poder político da classe dirigente local.
“Vencidos pelas armas, sabíamos perfeitamente que só pela ciência e pela
perseverança no esforço voltaríamos a exercer a hegemonia que durante longas décadas
desfrutáramos no seio da federação”, a frase de Júlio de Mesquita Filho94 (1969, p.199),
94 Julio César Ferreira de Mesquita Filho (1892-1969) foi jornalista, seguiu os passos de seu pai, Júlio de Mesquita,
proprietário do jornal O Estado de S. Paulo. Em 1927 e engaja-se ao término do governo Washington Luís na
candidatura de Getúlio Vargas, que em sua Aliança Liberal apresenta um programa de reformas institucionais, tais
como o voto secreto e o fim da política dos governadores. Apoia, portanto a revolução de 1930, mas decepciona-
se com o descumprimento das promessas iniciais de Getúlio Vargas. Organiza dois anos depois o movimento
conhecido por Revolução Constitucionalista de 1932 que exigia do governo provisório o estabelecimento de uma
nova Carta ao País e o resgate das promessas perdidas de 1930. Exilado pela primeira vez após a derrota da
124
proprietário do jornal O Estado de S. Paulo, deixa clara a conjuntura paulista pós-revolução de
1930: o estado economicamente mais forte da federação queria retomar sua hegemonia política,
e o campo da educação se mostrava como alternativa e caminho possível para que isto se
consolidasse.
No ambiente intelectual – num movimento anterior as medidas legais organizadoras
da universidade brasileira e a constituição das primeiras instituições orientadas por esses
dispositivos - o debate sobre a universidade já fazia presente e se espraiava através da imprensa
e circulava em conferências, palestras e debates fomentados por entidades da sociedade civil.
Sendo assim, o grupo do jornal O Estado de S. Paulo elege a reforma educacional
como tarefa política prioritária e indispensável para a “regeneração política” do país95. Para
Mesquita Filho, as classes cultas do país padeciam de “insuficiência intelectual”, em nada
semelhante aos países em que “o político, o jornalista e todos os que direta ou indiretamente
intervêm na direção dos negócios públicos, atuam no terreno das realizações práticas sob as
vistas vigilantes das elites intelectuais” (MESQUITA FILHO, 1925, p. 17-19).
Ainda segundo o empresário, na ausência de um centro de cultura superior no
Brasil, imperava uma “anarquia mental” favorável à intervenção de agitadores e oligarcas,
enquanto as elites intelectuais se encontravam afastadas da política, refugiadas nas carreiras
liberais, na indústria e na agricultura. A universidade proveria quadros capazes de reformar a
mentalidade média dos jovens no ensino secundário, assim como reuniria os melhores espíritos
para “formular o problema brasileiro”, refundindo sua cultura em altos estudos (MESQUITA
FILHO, 1925).
Armando de Salles Oliveira96 é nomeado interventor por Vargas em agosto de 1933,
cunhado de Júlio de Mesquita Filho e herdeiro das antigas dissidências, é o principal
responsável pela reunificação em torno das forças políticas oligárquicas. Como desta Miceli:
Revolução, Mesquita Filho volta a São Paulo ainda a tempo de fundar, com seu cunhado Armando de Salles
Oliveira, então interventor de São Paulo, a Universidade de São Paulo, vista pelo jornalista como essencial para a
formação de uma nova elite política e cultural para o Brasil. A partir do golpe do Estado Novo, em 1937, Julio de
Mesquita Filho é preso e levado ao exílio pela ditadura. O Estado de S. Paulo é expropriado da família em 1940
e, somente em 1945, ante uma decisão do Supremo Tribunal Federal, é devolvido a seus legítimos proprietários. 95 Esse debate também tem como fator motivador, a Liga Nacionalista, “onde se plasmam os apelos doutrinários
e principais objetivos políticos que marcarão a atuação futura da maioria dos membros desse grupo” (LIMONGI,
1989, p.113). A Liga, sem se desconectar de aspectos patrióticos e militaristas, concentrou sua ação em três frentes:
a necessidade de reformas políticas, com a adoção do voto secreto e obrigatório; a erradicação do analfabetismo e
a assimilação do imigrante. 96 Armando de Salles Oliveira (1887-1945) foi um engenheiro e político, interventor federal em São Paulo entre
21 de agosto de 1933 a 11 de abril de 1935 e governador (eleito pela Assembléia Constituinte) de 11 de abril de
1935 a 29 de dezembro de 1936. Salles Oliveira apoiou a Revolução de 1930 juntamente com o jornal O Estado
de S. Paulo, do qual era sócio. Em 1937, Salles Oliveira deixou o governo de São Paulo para ser candidato ao
cargo de Presidente da República, nas eleições marcadas para janeiro de 1938, eleições estas que não ocorreram
125
Ao invés de se darem conta da emergência de demandas sociais que haviam sido
represadas por falta de canais de expressão e participação, os dirigentes da oligarquia
paulista atribuem as derrotas sofridas em 1930 e 1932 à carência de quadros
especializados para o trabalho político e cultural e, escorados nesse diagnóstico,
passam a condicionar suas pretensões de mando no plano federal à criação de novos
instrumentos de luta: a Escola de Sociologia e Política, a Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras no contexto da nova Universidade de São Paulo, o Departamento
Municipal de Cultura, são iniciativas que se inscrevem nesse projeto (MICELI, 1979,
p. 20-21).
Mesquita Filho então se convence da necessidade da criação, antes da universidade,
de um liceu de alto nível que suprisse as lacunas do secundário e onde se pudesse preparar os
futuros professores. Na segunda metade de 1927, o jornal O Estado de S. Paulo publica uma
série de conferências de Paul Fauconett, também da Sorbonne, e um artigo de Dumas, onde se
defende a constituição em São Paulo de uma Faculdade de Filosofia e Letras e de uma
Faculdade de Ciências. Ainda em 1926, é realizado o inquérito coordenado por Fernando de
Azevedo e publicado ao longo de vários meses, que é considerado o grande marco do
movimento que acabou resultando na criação da universidade.
No inquérito, Azevedo articula as problemáticas que articulam os ensinos
secundário e superior. A interpretação que faz das finalidades de um e de outro converge para
as teses políticas de seu mentor. Para Azevedo (1957, p.189), “não há democracias que possam
subsistir sem uma classe média, cada vez mais larga e difundida, empregada como elemento
assimilador e propagador de ideias e de opinião”. A incumbência de “criar e desenvolver essa
cultura geral e desinteressada” caberia ao ensino secundário; por sua vez, seria tarefa das
universidades criar para os ginásios e os colégios um corpo de professores, “educados sob as
sugestões de um mesmo ambiente, segundo uma orientação uniforme e animados por ideias
comuns” (AZEVEDO, 1957, p.190).
Além de fazer do corpo de professores um “organismo de sangue vivo e
constantemente renovado”, os centros de alta cultura e de pesquisas científicas teriam como
função preparar e aperfeiçoar as classes dirigentes (AZEVEDO, 1957). Daí se estabelecem
pontos de contato: a universidade viria resolver, pela qualificação dos professores, a formação
porque Getúlio Vargas deu um golpe de estado que implantou no Brasil o Estado Novo, em 10 de novembro de
1937. Em 1940 o jornal O Estado de S. Paulo foi confiscado. Salles permaneceu cerca de um ano em prisão
domiciliar, exilando-se para a França em novembro de 1938. O nome de Armando de Salles Oliveira está associado
à criação da Universidade de São Paulo, em 1934, já que foi nomeado como primeiro interventor da universidade
por seu cunhado Júlio de Mesquita Filho. A cidade universitária do campus da USP na capital paulista, recebeu
seu nome.
126
da cultura média; na ponta mais avançada, produziria o progresso do saber humano, substância
da opinião pública que sustentaria as democracias.
No inquérito, a ideia de universidade prendeu-se predominantemente ao
regionalismo paulista, seja pela consideração quase unânime de que aquele estado já possuiria
as condições para a fundação e o desenvolvimento de altos estudos, seja porque havia a
expectativa política de frações dissidentes da oligarquia – como a organizada em torno de
Mesquita Filho e sua empresa jornalística – de galgar o poder republicano, sustentada no voto
secreto de uma classe média esclarecida, isto é, politicamente orientada por uma elite de
homens superiormente formados em altos estudos culturais e pesquisas científicas.
Assim como no inquérito da ABE, ressalta-se a vinculação estreita entre
universidade, formação de elites e democracia, desembocando esse círculo virtuoso em
progresso moral e político. Se nas respostas dos entrevistados por Fernando de Azevedo a fala
política é mitigada com relação aos respondentes da ABE, ele próprio não se exime de afirmar
que, ao sumariar as conclusões do inquérito que o alto grau de civilização “foi marcado pelo
valor de suas classes dirigentes” (AZEVEDO, 1957, p.191). Como consequência, o interventor
Armando Salles de Oliveira cria a comissão para estudar a fundação da Universidade de São
Paulo, a Universidade de Comunhão Paulista como foi chamada porque representava um
projeto de reconstrução educacional da nacionalidade.
A liderança política da comissão ficou a cargo de Júlio de Mesquita Filho, e a
liderança pedagógica, foi conferida à Fernando de Azevedo97, membros estes das famílias da
elite paulistana, ansiosa para reconquistar a hegemonia perdida no cenário nacional. A criação
da Universidade de São Paulo (USP), em 25/01/1934, através do decreto estadual 6283/34,
integra o projeto político dos paulistas na formação de uma elite dirigente dotada de altos
conhecimentos culturais, científicos, literários e artísticos.
Abaixo confeccionamos uma tabela que resume os princípios, as concepções e as
motivações da sua criação e seus primeiros cursos. Salientamos que diferentemente do Estatuto
das Universidades, o decreto de criação da USP deixa clara suas intenções, além de conter logo
em sua fundação os cursos necessários segundo a lei:
97 Para Mesquita, “as universidades têm o objetivo de cultivar as ciências, ajudar o progresso do espírito humano
e dar às sociedades elementos para a renovação incessante de seus quadros científicos, técnicos e políticos”, são
“o próprio cérebro da nacionalidade, o centro regulador de toda a sua vida psíquica”. A USP vinha como parte “de
uma vigorosa política educacional, único meio de se evitar a catástrofe final” (MESQUITA FILHO, 1925).
Interessante notar a semelhança destas considerações com as de Anísio Teixeira sobre a UDF.
127
Tabela 8: Fins e objetivos da universidade e composição da Universidade de São Paulo
(USP) FINS E OBJETIVOS DA UNIVERSIDADE COMPOSIÇÃO DA INSTITUIÇÃO
a) promover pela pesquisa, o progresso da ciência;
b) transmitir, pelo ensino, conhecimentos que
enriqueçam ou desenvolvam o espírito ou sejam úteis
à vida;
c) formar especialistas em todos os ramos da cultura,
e técnicos e profissionais em todas as profissões de
base científica ou artística;
d) realizar a obra social de vulgarização das ciências,
das letras e das artes, por meios de cursos sintéticos,
conferências, palestras, difusão pelo rádio, filmes
científicos e congêneres.
A instituição é criada pela composição de 10 unidades
de ensino:
1 - Faculdade de Direito, criada em 1827;
2 - Faculdade de Medicina, criada em 1913;
3 - Faculdade de Farmácia e Odontologia, criada em
1899;
4 - Escola Politécnica, criada em 1894;
5 - Instituto de Educação, antigo Instituto Caetano de
Campos, transformado em Instituto de Educação em
1933;
6 - Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, criada
pelo Decreto de sua fundação;
7 - Instituto de Ciências Econômicas e Comerciais,
criado apenas em 1946;
8 - Escola de Medicina Veterinária, criada em 1928;
9 - Escola Superior de Agricultura, criada em 1899;
10- Escola de Belas Artes, que deveria ser instalada
posteriormente.
Fonte: ESTADO DE SÃO PAULO. Decreto nº 6.283, de 25/01/1934. Tabela elabora pelo autor.
No projeto dos idealizadores da USP, a ciência moderna se caracterizaria por estar
a serviço do ensino voltado para a formação de professores secundários, mas, principalmente,
para a formação de especialista, para o desenvolvimento de pesquisas “desinteressadas”, de
“pesquisa pura”, não aplicável imediatamente (ao contrário dos conhecimentos voltados para
as áreas de formação profissional). Desta forma, estaria garantida a criação da “alta cultura”
brasileira, que seria levada ao resto da população através dos professores secundaristas, de
conferências e cursos de pesquisa e extensão universitária, como destaca Cunha (1989):
Desde a sua instalação como universidade, a USP esteve sempre em busca de uma
estruturação que permitisse organizar-se e funcionar como autêntica universidade
liberal". O seu núcleo seria a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, considerada
por Júlio de Mesquita Filho como a "elite dentro dos próprios domínios da nossa
universidade, a instituição cuja principal missão seria a de criar um "ideal", uma
consciência coletiva", uma "mística nacional", dentro da concepção de que a cultura
desinteressada é um "apanágio dos eleitos", conforme relata Irene Cardoso em "A
Universidade da Comunhão Paulista"38.Segundo o mesmo registro de Irene Cardoso,
"Armando de Salles Oliveira, dentro de sua concepção de universidade como cérebro
da nacionalidade, centro regulador de sua vida psíquica, atribuía à Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras o lugar de crítica e da síntese, dentro do sistema
universitário". Finalmente, no caso da USP, é significativo citar os três princípios
básicos do projeto de criação da universidade: universidade caracterizada pela criação
da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras como núcleo universitário; Integração do
ensino superior paulista; autonomia universitária para o pleno exercício de suas
atividades e funções (CUNHA, 2007, p.15).
Nota-se que, quanto a autonomia, a USP obteve mais sucesso que a UDF na criação
de cursos, contratação de professores, além do desenvolvimento do seu instituto vinculado às
128
ciências humanas. Acreditamos que isto se deve primordialmente ao enfraquecimento dos
políticos paulistas que abriram maiores concessões aos intelectuais no momento da fundação
da universidade, na esperança de retomada deste espaço político enfraquecido.
O contrário ocorreu no Rio de Janeiro, em que a classe política – principalmente o
grupo de oposição ao modelo vigente de universidade - se fortalecia cada vez mais. Ou seja, os
interesses dos intelectuais estão presentes nos dois casos, mas encontram possibilidades
diferentes de afirmação. Investigaremos agora como a Sociologia, enquanto disciplina
universitária e/ou “científica”, se desenvolveu nesta conjuntura.
3.4. A Sociologia universitária/acadêmica: ciência ou diletantismo?
Discutir os rumos da Sociologia acadêmica, significa pensar seu processo de
institucionalização, e este, nos leva a diferentes caminhos interpretativos e delimitações
históricas, embora exista consenso que os anos 1930 cumprem papel crucial nesta trajetória.
A criação das faculdades e cursos de Ciências Sociais (na Escola Livre de
Sociologia e Política, em 1933, na Universidade de São Paulo, na cidade de São Paulo, e na
Universidade do Distrito Federal, no Rio de Janeiro, ambos em 1934) será considerado o marco
inicial da produção científica, amadurecimento e desenvolvimento da Sociologia no Brasil,
período no qual os estudos teriam adquirido tom científico dando início à fase moderna da
sociologia brasileira.
Nos anos 1930 e 1940, terá início o processo de institucionalização da Sociologia
no campo acadêmico. Elide Rugai Bastos (1998), por exemplo, localiza o início deste processo,
com a obra Casa Grande & Senzala, de Gilberto Freyre, que representaria “um ponto de
inflexão, o fechamento de um ciclo: marca o momento em que a teoria social deixa de se
apresentar como manifestação dispersa e surge como um sistema: a Sociologia” (BASTOS,
1998, p.146). Esse fato ilustraria “o abandono do discurso jurídico” e a “incorporação do
discurso sociológico”, de forma que a “metamorfose do jurídico ao sociológico é o componente
fundamental do processo de institucionalização das Ciências Sociais no Brasil” (BASTOS,
1998, p.146).
Outro que vê esse amadurecimento da teoria sociológica em outro período é Renato
Ortiz (2002) que delimita esse processo na emergência da geração de sociólogos da
Universidade de São Paulo (USP) na década de 1940, quando a Sociologia emerge como
129
“ciência”, ou quando o trabalho intelectual passa a ser pautado por normas, valores e ideais do
saber científico.
Isto teria significado “uma ruptura em relação ao senso comum, o discurso dos
juristas, jornalistas e críticos literários” por um lado, e por outro “um distanciamento em relação
à aplicação imediata do método sociológico para a resolução dos problemas sociais: uma crítica
de sua utilidade” (ORTIZ, 2002, p.182). Como explicam Segatto e Bariani (2009), a Sociologia
passa a ser considerada efetivamente uma ciência no Brasil, pois passou a atender a alguns
critérios específicos antes não verificados:
As interpretações que consideram a institucionalização como marco inicial ou ponto
de mutação das ciências sociais no Brasil, em geral, compreendem alguns elementos
comuns ou frequentes que, para efeito de interpretação, consideraremos como uma
construção conceitual tipológica relativamente ideal. Tais elementos supostos
compreendem uma noção da sociologia como ciência empírico-indutiva, baseada no
rigor metodológico e num elevado padrão de trabalho científico, no distanciamento
com relação a valores, na integração entre ensino e pesquisa, no funcionamento
regular de formas de pós-graduação, financiamento à pesquisa, divisão do trabalho,
quantidade e estabilidade da atuação, mormente em regime integral numa comunidade
marcada pelos ethos acadêmico e por meios próprios de hierarquização, legitimação
e divulgação/controle da produção (SEGATTO e BARIANI, 2009, p. 8).
Partindo das demarcações acima, o espaço universitário será entendido como
elemento forjador de um profissional, a partir da consolidação de um mercado capaz de
absorvê-lo e da entrada da disciplina no debate público. Havia necessidade de um novo tipo de
cientista social capaz de adquirir conhecimento especializado referente a sociedade brasileira,
conhecimento este capaz de auxiliar na resolução dos impasses que se colocavam a sociedade.
Como deixa claro Arruda (1995):
A universidade erigiu (...) uma nova modalidade cultural, implicando num tipo de
reflexão constante e pontuado de exigências próprias, respaldado tanto na produção
de um conhecimento voltado para a carreira, quanto num saber que exigia as
preocupações com a transmissão. O profissional universitário é, ao mesmo tempo,
professor. A transmissão dos conteúdos gera o esforço de sistematização dos sistemas
de pensamento expresso em grandes sínteses, frequentemente apoiado em grandes
discursos sobre o método. Procedimentos desta natureza são típicos da academia: o
homo academicus gosta do acabado. Daí a permanente discussão teórica como
resultado do papel professoral. (ARRUDA, 1995, p. 116).
A construção de um campo disciplinar acontece a partir da definição de um objeto
próprio e do estabelecimento de uma autonomia que envolve a diferenciação em relação aos
130
campos correlatos98. Precisamos, portanto, para melhor entendermos este processo, investigar
as relações entre a configuração deste saber e o processo de racionalização que avança na
sociedade. A análise do surgimento da Sociologia passa por investigar as tensões e lutas
empreendidas por seus praticantes frente ao universo cultural da sociedade na qual a disciplina
está sendo implementada.
Acreditamos que grande parte das razões deste descolamento da escola para a
universidade se desenvolvem a partir do meio da década de 1930 e início das 1940 com o
surgimento dos primeiros cursos de Ciências Sociais no Brasil, estabelecidos no Rio de Janeiro
e em São Paulo, que iremos privilegiar em nossa análise, já que existem diferenças
significativas entre as experiências nas duas cidades, como nos aponta Miceli:
Tais diferenças estão na raiz de definições bastante contrastantes do que seja a ciência
social, prevalecendo no Rio de Janeiro uma concepção “intervencionista”, “militante”
e “aplicada”, cuja expressão intelectualmente acabada são as teorias
desenvolvimentistas, enquanto em São Paulo parece se impor uma preocupação
marcante com o treinamento metodológico, as leituras dos clássicos, o trabalho de
campo individual e/ou em equipe e toda uma socialização acadêmico-disciplinar
então sob hegemonia do paradigma sociológico funcionalista. (MICELI, 1987, p.
92).
Embora nosso movimento seja destacar idiossincrasias de cada processo, cabe nos
lembrar que tanto na USP, como posteriormente na Universidade do Brasil (UB), as Ciências
Sociais se originaram dentro das faculdades de Filosofia (excetuando a ELSP – da qual
falaremos adiante), ou seja, faculdades que formavam professores para o ensino secundário. O
grande impulso, portanto, desses cursos em termos de institucionalização seria o magistério
secundário, que irá sofrer grande revés com a Reforma Capanema. O que redirecionará os
cursos para valorização da formação especializada, científica, para o bom desempenho
profissional e a considerar de forma renovada o mercado de trabalho e as fontes de
financiamento.
98 Este complexo processo não está desligado de acontecimentos políticos, econômicos e sociais. Há, portanto,
uma variedade de grupos envolvidos neste empreendimento: grupos doutrinários, como os ligados à Igreja
Católica; grupos já inseridos na estrutura do ensino secundário, como os catedráticos do Colégio Pedro II; ou do
ensino superior, como os professores das Escolas Superiores e da extinta UDF; a elite paulistana no caso uspiano;
técnicos já pertencentes a burocracia do Estado, ligados a órgãos como o DASP, o IBGE, o Museu Nacional;
quadros do Ministério da Educação, como o próprio ministro Capanema; além do próprio presidente Vargas,
estiveram envolvidos no momento inicial da montagem destas instituições e cursos.
131
3.5. As Ciências Sociais no Rio de Janeiro: Universidade do Distrito Federal,
Universidade do Brasil e a formação da Faculdade Nacional de Filosofia nos anos
1930 e 1940.
A UDF esteve no centro da disputa entre escolanovistas e católicos. Um grande
revés para os primeiros foi a ascensão de Alceu Amoroso Lima como reitor da universidade em
1938, acelerando seu processo de extinção. A argumentação em torno da extinção da UDF teve
como aspecto a argumentação legalista, a partir de sua suposta não adequação ao modelo do
Ministério da Educação:
Os argumentos levam em conta que o decreto municipal que definia a organização da
UDF era inconstitucional por faltar competência ao prefeito; que seus estatutos
também haviam sido aprovados pelo prefeito e não pelo ministério da educação, e,
por fim, que a UDF não tinha todos os institutos previstos na Lei Federal para este
tipo de instituição (OLIVEIRA, 1995, p.242).
O próximo passo no ministério foi a criação da Universidade do Brasil já prevista
no Decreto-lei de 5 de julho de 1937 e regulamentada pelo Decreto-lei nº.1.190, de 4 de abril
de 1939; o mesmo em que a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, passa a denominar-se
Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi). Esse instrumento legal estabeleceu que seriam as
seguintes as suas finalidades: a) preparar trabalhadores intelectuais para o exercício das altas
atividades culturais de ordem desinteressada ou técnica; b) preparar candidatos ao magistério
do ensino secundário e normal; c) realizar pesquisas nos vários domínios da cultura, que
constituam objeto de seu ensino (BRASIL, 1939).
A FNFi inaugurou em 1939 seus cursos ordinários, que conferiam o título de
bacharel ou de licenciado, e seus cursos extraordinários, de aperfeiçoamento, especialização e
doutorado, em quatro seções fundamentais: Filosofia, Ciências, Letras e Pedagogia, além do
setor de Didática. Para assegurar o seu imediato funcionamento, a prefeitura cedeu o prédio em
que funcionava a UDF, a antiga Escola José de Alencar, no Largo do Machado.
No período que vai de 1935 a 1945, a FNFi não apenas formou os docentes de
ciências humanas que iriam tomar em suas mãos o ensino dessas disciplinas, como preparou
diversos pesquisadores que passaram a integrar os quadros das instituições públicas99. Nesse
mesmo ciclo iniciaria o programa de formação de professores para o ensino secundário. A
História, a Sociologia e a Antropologia também adquirem, portanto, a possibilidade de
institucionalizar seu ensino de modo autônomo.
99 Que incluem o Instituto Oswaldo Cruz, do Museu Nacional, do Departamento Nacional da Produção Mineral e
do Instituto Nacional de Tecnologia.
132
Deste modo, a FNFi deu forma nova a uma tradição emergente, denunciando os
“defeitos” de formação de sucessivas gerações de professores, em especial o autodidatismo e a
improvisação. A pesquisa que era igualmente privilégio de umas poucas instituições passa a
integrar a formação curricular. Como reação procura-se incorporar institucionalmente o
intercâmbio com instituições estrangeiras, a coleta sistemática de bibliografia e a realização de
simpósios e seminários como ferramentas de trabalho dos cientistas e pesquisadores brasileiros
(PAIM, 1982).
O primeiro curso de Ciências Sociais da cidade do Rio de Janeiro, portanto não
ganha vida dentro da Universidade do Brasil (UB), mas no âmbito da FNFi, em 1939. Segundo
o artigo 15, do decreto supracitado, o curso de Ciências Sociais será de três anos e terá a seguinte
estrutura disciplinar:
Tabela 9: Currículo do 1º Curso de Sociologia da Universidade do Brasil Primeira série 1. Complementos de matemática.
2. Sociologia.
3. Economia política.
4. História da filosofia.
Segunda série 1. Estatística geral.
2. Sociologia.
3. Economia política.
4. Ética.
Terceira série 1. Sociologia.
2. História das doutrinas econômicas.
3. Política.
4. Antropologia e etnografia.
5. Estatística aplicada.
Fonte: Decreto-lei nº.1.190, de 4 de abril de 1939. Tabela elaborada pelo autor.
O curso de Ciências Sociais iniciou suas atividades com um total de trinta alunos e
parte da turma provinha da UDF. Alguns estudantes trabalhavam e tinham idade bem acima da
média dos jovens oriundos de famílias abastadas, que também começavam sua formação
universitária. Aqueles que testemunharam sua abertura em 1939 não poderiam prever que o ato
desencadeasse uma prática de ensino e formação, cuja regularidade se impôs até o dia de hoje,
com Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Instituto de Filosofia e Ciências Sociais
(IFCS) (VILLAS BÔAS, 1993).
Nos anos 1930 e 1940, este curso será herdeiro direto do legado da UDF no que diz
respeito às disputas internas. Exemplo disto é que a Igreja Católica e o Ministério da Educação
se unem para a montagem do curso e do quadro docente da FNFi. Convidado para dirigir a
FNFi – de modo a dar prosseguimento ao trabalho iniciado na UDF - Alceu condiciona sua
aceitação a não incorporação dos profissionais da extinta universidade. Como isto não pode ser
133
atendido integralmente, em 23 de dezembro de 1941, assume como reitor Francisco Clementino
San Tiago Dantas, por indicação do ministro Capanema, mantendo a hegemonia católica.
A montagem do quadro docente não foi pacífica: os primeiros problemas surgem já
seleção e chegada de professores estrangeiros - contratados para iniciar o departamento de
Ciências Sociais - que provocaram a reação dos que aqui se julgavam capacitados a assumir as
cátedras, o que obrigou o próprio ministro Capanema a argumentar e justificar esta presença,
vista como uma intrusão.
Este problema inicial foi revelador do que estaria por vir, envolvendo problemas
como conciliar múltiplos pretendentes as cátedras, agregar professores que já ocupavam as
cadeiras da UDF; além da tarefa árdua harmonizar candidatos nacionais e estrangeiros a partir
do problemático contato inicial. As confluências de critérios múltiplos, nem todos de cunho
acadêmico, no momento de fundação da FNFi, inclusive pela ingerência do presidente da
república e do ministro da educação, certamente deixaram marcas na vida de uma instituição
que pretendia ter autonomia que sua antecessora alcançou apenas por um breve período.
O complexo processo através do qual um profissional era indicado professor
catedrático ou auxiliar sofria influências múltiplas de dentro e de fora da universidade. A
carreira também seguia as mais diferentes trilhas, que se definiam pela presença ou ausência de
obstáculos de ordem diversa, como catedráticos interinos que permaneciam como tal até a
aposentadoria e a não realização de concursos. Este processo de constituição confuso, causou
problemas e perseguição aos aspirantes as cadeiras na universidade, a fez também perder
quadros para instituições nascentes de pesquisa do estado (OLIVEIRA, 1995).
Nos anos 1930, portanto, nos parece que a universidade não foi no Rio de Janeiro
locus de debate acadêmico, já que não foi criada a partir dela uma cultura organizacional capaz
de fazê-la conviver com o acirramento das lutas políticas. A vida intelectual de fato se
concentrou em institutos de pesquisa como o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB)
e o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE) que podem ser tomados como espaços
de debate político-ideológico, mas não como instituições acadêmicas ou universitárias que
objetivavam o ensino ou a pesquisa na área das Ciências Sociais. Os institutos de pesquisa se
tornaram alternativa frente aos problemas que a universidade vivia, já que possuíram recursos
da UNESCO e Fundação Ford, por exemplo.
Esta rápida visão da montagem inicial da FNFi nos alerta sobre a complexa relação
entre instâncias políticas e a organização de uma faculdade de Filosofia que pretendia ser o
padrão das demais no Brasil. Porém, a parca autonomia didática e administrativa, a ausência de
134
critérios explícitos ou mesmo a não obediência aos implícitos por ocasião de formação de
quadros novos levaram de fato à ausência de uma carreira universitária nas Ciências Sociais do
Rio de Janeiro e, principalmente, a falta de um espaço social onde deveria acontecer a vida
acadêmica. Não houve, nos anos 1930 e início dos 1940, a construção de um espaço intelectual
universitário onde quadros de referência do conhecimento sociológico fossem relacionados,
aprendidos e transmitidos (OLIVEIRA, 1995).
3.6. As Ciências Sociais em São Paulo: A Universidade de São Paulo e a busca pela
sociologia científica
A criação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL) foi fundamental no
contexto uspiano, já que representava os valores dos fundadores da mesma, nos quais a
instituição deveria conter todas as virtudes que eram atribuídas à universidade como o lugar do
refúgio do espírito crítico e objetivo, promoção da ciência e da cultura livre. Ela era entendida
como o local onde seriam formados os novos quadros de dirigentes capazes de ultrapassar a
visão profissional e técnica restrita que caracterizava os cursos superiores dominantes até então
(HEY E CATANI, 2006). O curso de Ciências Sociais, será criado neste contexto, a partir com
a seguinte grade curricular:
Tabela 10: Currículo do Curso de Ciências Sociais e Políticas da USP 1º ano História da Civilização, Sociologia Geral Psicologia Social, Antropologia Social;
2º ano História da Civilização Brasileira (interpretação econômica), Sociologia Política, Economia
Política;
3º ano Estatística Econômica História das Doutrinas Econômicas, Direito Político.
Fonte: Decreto nº 6.283 de 25 de janeiro de 1934. Tabela elaborada pelo autor.
As Ciências Sociais no Brasil foram marcadas, até a década de 1930, por uma
carência de quadros formados cientificamente para atuação na área. Desta forma, uma das
maneiras encontradas pelos criadores da USP para realizarem a contento este projeto ideológico
e político foi o mesmo da UDF/FNFi: recorrer a contratação de professores estrangeiros para
as primeiras cadeiras da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. Razões de ordem política,
ideológica e científica podem ser apontadas neste movimento:
Parte-se implicitamente do princípio de que o Brasil, tendo entrado tarde para o
conjunto das nações de civilização ocidental, entre as quais floresceram as ciências,
se vira impedido de desenvolver proposições cientificamente válidas, a não ser
quando ensinadas por mestres vindos do exterior; dessa forma, antes da organização
do ensino sistemático na área do conhecimento que se chamou das ciências humanas
e sociais, nenhuma contribuição nacional teria sido efetivamente válida. Os cientistas
135
estrangeiros, isso sim, haviam trazido consigo conhecimentos de valor e práticas
inovadoras, que transmitiam aos nacionais, capacitando-os a analisar os dados do real
para diagnosticar com mais acerto processos sociais em curso e talvez, aventar alguma
solução possível a problemas intrincados (QUEIROZ, 1996, p. 229-230).
De acordo com o anuário de 1934-1935, para a composição do corpo docente da
FFCL entendeu-se que seria preciso buscar professores estrangeiros, além dos nacionais.
“Contratados pelo Governo de São Paulo, vieram ocupar as suas cátedras eminentes professores
nacionais e estrangeiros, aos quais coube a tarefa de dar vida à recém-criada Faculdade” (USP,
1937). Com efeito, professores estrangeiros constituíram a maior parte do corpo docente da
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL) durante os primeiros anos da USP”
(PETITJEAN, 1996).
Os especialistas estrangeiros (Emílio Willems, Donald Pierson, Roger Bastide,
Horace Davis, T. Lynn Smith, Claude Lévi-Strauss, Paul Arbouse-Bastide, entre outros) foram
contratados para ajudar na tarefa de introduzir a investigação de campo e fazer a disciplina
caminhar na direção dos padrões e ideais do trabalho científico. Em outras palavras, o alcance
de um status de disciplina científica envolveria a transformação da análise histórico-sociológica
em investigação positiva e a introdução da pesquisa de campo como recurso sistemático de
trabalho.
A busca por conhecimento especializado envolveu uma crítica àqueles que até
então se dedicavam a pensar e a escrever sobre as coisas brasileiras. Atacava-se o antigo,
literato, jurista, pensador, ensaísta, oriundo de família abonada, que podia se dedicar as
atividades do pensamento de forma diletante (OLIVEIRA, 1995). Com efeito, os cientistas
estrangeiros gozavam de uma posição específica no campo científico nacional, foi a eles
creditado um capital científico superior aos da maior parte dos professores nacionais, que no
geral se caracterizam pelo autodidatismo e pela formação apenas secundária. Os estrangeiros
seriam, neste contexto, mais preparados, pois estudaram e se formaram em escolas superiores.
Eles eram capacitados a realizar um ensino satisfatório, mas principalmente, a orientar e formar
uma elite intelectual brasileira por meio do desenvolvimento de pesquisas “desinteressadas”.
Embora, não tenha funcionado exatamente como uma máquina bem azeitada100, o
sistema se completaria com a absorção destes conhecimentos e métodos pelos professores
100 Irene Cardoso (1982, p. 183) fornece explicação abrangente a respeito. A partir de entrevista com Roger Bastide
constatou que havia um clima hostil à missão francesa por parte dos católicos, “que julgavam os professores
franceses de esquerda; por parte das escolas profissionais, que achavam que o Brasil não precisava de humanismo,
mas de técnicos para o seu progresso econômico; por parte dos integralistas, que defendiam um nacionalismo de
direita e julgavam dispensável a presença de professores franceses na Faculdade. Conforme entrevista com Cruz
Costa, o jornal A Gazeta teria combatido intensamente a Universidade, especialmente a vinda dos professores
136
assistentes brasileiros, encarregados de propagá-los e de no futuro substituir seus mestres nas
cátedras das universidades.
Desta forma, o projeto liberal de “regeneração política” nacional da Comunhão
Paulista estaria alicerçado e seria progressivamente implantado pelas mãos dos jovens
licenciados, pesquisadores e professores formados pela filosofia e pelo conhecimento
difundidos na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP. Os professores franceses foram
peça chave para que os projetos de universidade e de nação criados pelos fundadores da USP
entrem em funcionamento e se disseminem nos campos científico e político brasileiros.
Lembremos que a USP – ao contrário da UDF que estava no centro do governo
federal e em conflito com ele, a partir do embate de Anísio Teixeira e a Igreja Católica101 -
estava no centro do poder econômico e social, tendo seu nascedouro na elite paulista. A
universidade pôde aí encontrar situação fértil para consolidar-se e desenvolver-se e como
destaca Miceli (1987), “logo enveredou por um processo acelerado de profissionalização, e, por
conseguinte, dando margem a constituição de uma cultura acadêmica como substituto
envolvente de uma ideologia meramente corporativa ou profissional” MICELI (1987, p. 8)
No campo profissional, o cenário para os primeiros formados pela universidade era
incerto, somente a partir de 1943 surgiram oportunidades para os licenciados, com a abertura
de concursos para a já crescente rede de ensino secundário oficial paulista. Não parece
exagerado afirmar que a retribuição da ofertada pela FFCL foi, nos seus primeiros anos, para
muitos estudantes, de caráter simbólico.
No entanto, os intelectuais formados, que se tornaram diretamente vinculados à
FFCL, representam ao mesmo tempo a força e a fraqueza do projeto original. A força reside no
fato de serem especialistas em vários ramos da cultura, preparados na própria instituição e que
se encontravam no momento trabalhando para o desenvolvimento da ciência como docentes e
investigadores; a fraqueza é apontada pois se “sucedeu em São Paulo uma colisão entre o
‘projeto iluminista’ das elites locais e a irresistível profissionalização de setores médios em
ascensão social” (MICELI, 1987, p.10).
franceses para a Faculdade. A reação das faculdades profissionais da própria Universidade expressava a luta
interna que foi travada para a implantação da FFCL, expressa nos debates do Conselho Universitário, contra a
ideia da integração naquela Faculdade de todas as cadeiras de conteúdo não profissionalizante da Universidade. 101 “Semelhante à USP na concepção, a UDF não dispunha, contudo, da mesma rede social de apoio. A instituição
paulista foi percebida, pelas elites locais, como parte de um projeto de redenção política através da afirmação da
hegemonia cultural paulista. E, como tal, legitimou-se e pode ficar relativamente ao abrigo de tempestades
políticas”. (ALMEIDA, 1987, p. 140)
137
Neste sentido, apesar da abertura nas escolhas intelectuais, a preocupação em
construir uma reflexão pautada pelos cânones científicos isolou esses professores dos
problemas candentes do Brasil. Houve conflito entre o modelo francês de aprendizado, sem
muita conexão com a realidade e a necessidade de se olhar a realidade brasileira, os problemas
conceituais e acadêmicos importavam muito mais que um projeto de nação. As grandes
questões dos anos 1930 em relação a composição de um ideário nacional através da educação
parecem ter encontrado um ponto de limite/estrangulamento na FFCL, embora as contradições
e estudos conceituais abrissem caminhos metodológicos a partir do crescimento dos
profissionais qualificados e atualizados.
Sendo assim, Limongi (1989) esclarece que, embora os mentores da FFCL a
imaginassem como o destino natural das elites de São Paulo, a faculdade rapidamente assumiria
feições diferentes destas. Os alunos que se encaminhavam para a FFCL e para as faculdades
profissionais já existentes, tinham perfis sociais claramente distintos. Para estas últimas,
encaminhavam se os filhos das elites, os possuidores de diplomas secundários obtidos nas
melhores escolas, aqueles que saíam diretamente do secundário para a faculdade, alunos desse
segundo tipo eram raros na FFCL.
Se o objetivo era se constituir em uma alternativa às escolas existentes para formar
“elites”, se, portanto, pretendia “concorrer” com estas, os anos iniciais da FFCL acumulam
sinais do fracasso destas pretensões. Os filhos da elite continuaram a se encaminhar para as
mesmas faculdades que seus pais e estas continuaram a ser responsáveis pela formação das
‘elites’102 (LIMONGI, 1989).
3.7. A Escola Livre de Sociologia e Política (ELSP) e a formação dos sociólogos
profissionais
Na mesma conjuntura em que foram criadas USP, UDF e UB, nasce também em
São Paulo, em 1933, a Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo (ELSP). Concebida
como escola isolada, essa instituição teve por objetivo contribuir para a formação de uma elite
102 Fruto destas contradições é a figura de Florestan Fernandes, que é em si mesmo um ponto de encontro de duas
tradições sociológicas brasileiras: uma acadêmica que seguia os preceitos científicos e um tipo de formação voltada
para empiria; e a tradição “engajada” ligada a investigação e enfrentamento das grandes questões nacionais, uma
“sociologia ativa”. Além disso, não era herdeiro direto da elite paulistana, ganhando espaço, força e tamanho na
própria academia com os acostumados acerca do discurso acadêmico. Florestan assentou no Brasil, as bases da
Sociologia acadêmica ao impor novos padrões de feitura das obras e transmiti-los aos seus discípulos, rompendo
os modelos do passado. O que vai causar, nos anos 1950, debates com os sociólogos até então estabelecidos, como
Gilberto Freyre e Guerreiro Ramos.
138
numerosa, instruída segundo a moderna ciência e com capacidade de compreender antes de
agir, o meio social em que vivemos (ELSP, 1933).
A criação da Escola está situada historicamente também nos conflitos oriundos da
ascensão varguista, contribuindo para a articulação de um grupo de jovens ligados aos
movimentos renovadores dos anos 1920 no do Partido Republicano Paulista para estimular a
música e as artes plásticas pela concessão de bolsas de estudo na Europa a jovens artistas
nacionais (BERLINCK, 1973).
Como veremos, a escola terá como norte primordial a formação de cientistas
sociais, além da Sociologia e a Antropologia como disciplinas norteadoras de seu currículo. No
entanto, se diferenciará da experiência da UDF e da USP, criando sentido próprio para
disciplina e para atuação do cientista social/sociólogo no Brasil. Tendo como base seu
documento de fundação, vemos que já está presente a demarcação da ELSP como formadora
da elite paulista, o que desemboca na formação acadêmica oferecida. A necessidade de formar
elites está acima da necessidade de formar profissionais para educação básica, por exemplo.
Para seus signatários, a história registra “grandes civilizações construídas sem base
na instrução popular. Mas não há exemplo de civilização alguma que não tivesse por alicerce
elites intelectuais sábia e poderosamente constituídas” (ELSP, 1933). Estas elites também
deveriam ser formadas para a ação política e social, ou seja, a escola seria uma tentativa de
formar profissionais para o corpo dirigente da sociedade, seja à frente dos empreendimentos
privados, e sobretudo, para a atuação na área pública103. O próprio conceito de atuação nos diz
bastante sobre a ELSP, a ideia não eraatuar dentro da esfera pública de forma passiva, mas sim
pensar e atuar em intervenções práticas na vida social.
A atenção à questão social colocava-se assim no centro da inovação representada
pela ELSP. Concebida como escola que unia a compreensão científica mais atualizada possível
aos requisitos da intervenção nos problemas investigados, a ELSP deveria cumprir uma função
ainda ausente no nosso aparelho educacional, qual seja a de formar governantes e
administradores públicos de nível superior. (ELSP, 1933).
A missão de qualificar os futuros governantes associava-se ao tratamento científico
da questão social. Estas duas orientações – qualificar os futuros “homens de governo” e o
tratamento científico da questão social – indicam a identidade da ELSP no momento de sua
criação. Por um lado, a atenção à esfera pública, ao Estado, por outro, a questão da
103 O mesmo Manifesto prega que a nova escola ofereça àqueles que a frequentem “[...] preparo indispensável para
eficiente atuação na vida social” (ELSP, 1933).
139
industrialização tomada por um prisma que contempla muito mais do que a simples expansão
desse setor, mas privilegia o tratamento da questão social através da resolução dos
desequilíbrios gerados nesse processo104 (DEL VECCHIO, 2009).
Na prática, a ELSP se dedicou menos para as preocupações teóricas e conceituais
num primeiro momento, e muito mais para a compreensão das transformações por que passava
o país. Se a questão fora o Brasil, ou a sociedade brasileira, para além de formar quadros para
nessa realidade atuar, a ideia dos dirigentes da ELSP foi pensar e tornar a Sociologia a disciplina
científica mais competente para gerar o conhecimento necessário que fizesse jus a tais
pretensões, cabia definir a maneira pela qual a ciência social seria praticada de desenvolvida na
instituição (DEL VECCHIO, 2009).
Em “Rumo à Verdade”, título que deu ao seu discurso quando da inauguração da
ELSP, Simonsen afirmou sua afinidade com a obra de Le Play, pois em seu entendimento, esse
autor seria o pioneiro da sociologia aplicada, dirigida especificamente para a solução de uma
questão concreta, adequada, portanto, a seu entendimento sobre as ciências sociais
(SIMONSEN, 1933).
Temos, portanto, uma declaração de afinidade com determinada modalidade de
Sociologia, que busca intervir diretamente na realidade estudada, no sentido de apresentar
soluções aplicáveis à resolução dos problemas de que trata. Em seu pronunciamento, Simonsen
(1933) conclui que “uma escola como a que imaginamos, visa promover e sistematizar no Brasil
o estudo da sociologia nacional, em harmonia com pesquisas orientadoras das instituições
políticas, jurídicas e econômicas mais adequadas ao nosso meio e à nossa raça” (SIMONSEN,
1933).
Esta Sociologia deveria, segundo ele, evitar o “didatismo” e, ao mesmo tempo, não
recair nas infindáveis contendas “dialéticas”. Interessante notar como se materializa a crítica
aos dois modelos que vimos acima, tanto do diletantismo dos primeiros sociólogos da era “pré-
científica”, quando das discussões infindáveis na universidade “científica”. Portanto, podemos
dizer, que uma fuga deliberada, em termos do sociológicos, do que fora produzido aqui e dos
padrões europeus, notadamente da escola francesa105 (DEL VECCHIO; DIÉGUEZ, 2008). Em
104 A tentativa da escola era pensar em conjunto questões de Estado e de desenvolvimento, ao esboçar crítica à
“escola econômica liberal que “procurou sempre separar as funções de governo dos problemas econômicos;
entretanto já verificamos hoje a crescente reação, clamando pela intervenção do Estado nessa matéria”.
(SIMONSEN, 1933). 105 Isto se reflete, inclusive, nas primeiras pesquisas feitas na ELSP. Buscou-se de primeira, temas pungentes na
realidade social, o que se materializou na pesquisa sobre o padrão de vida dos trabalhadores urbanos de São Paulo,
dirigida pelo professor Horace Brancoft Davis, e noutra posterior, iniciada em 1936 e dirigida pelo também
professor da Escola, Samuel Lowrie.
140
outras palavras, buscava-se uma sociologia brasileira e aplicada à resolução de questões
concretas do desenvolvimento nacional.
Este movimento levou a conformação de práticas pedagógicas que apontavam para
um claro perfil do graduado, e, posteriormente, pós-graduado, com pesquisas acerca de temas
e método determinados. A própria forma institucional da ELSP se adequava aos objetivos
anunciados, já que está dentro do debate sobre ensino superior no Brasil, no entanto, seus
fundadores investem numa “escola livre”106, que, como expressa o seu manifesto de fundação,
que se propunha um centro de cultura político-social que não teria vínculo com a universidade.
Essa denominação como escola livre, se deve também ao seu direcionamento
pedagógico e ideológico. Embora Simonsen (1933) não tenha declarado predileção ou afiliação
a qualquer escola sociológica e a nenhum autor específico, sua exposição revela apreço pelo
debate científico com peso óbvio do campo sociológico. No entanto, o debate que resulta do
confronto e/ou sobreposição de determinadas correntes sobre outras teria para ele menor
importância, sua visão da ciência era cumulativa, de tal modo que as novas contribuições se
somavam às anteriores e, ao mesmo tempo, as superavam, mas não as anulavam ou tornavam
seu aprendizado desprezível.
Esta linha de atuação é determinante para não implementação da Sociologia
europeia na ELSP. Em rápida investigação acerca da produção dos sociólogos europeus,
Simonsen reconheceu que suas obras desenvolveram a disciplina a partir de seu aspecto
objetivo e pelo diálogo com outros campos das ciências humanas como a psicologia, a história
e a filosofia. Esse caráter interdisciplinar fugia em grande parte ao campo da Sociologia
aplicada que havia sido delineado para a escola livre; o modelo buscado e que mais se adequava,
portanto, foi o norte americano – oposto ao movimento realizado por USP e UDF.
Simonsen era entusiasta da maneira pela qual os norte-americanos resolviam os
problemas do desenvolvimento (SIMONSEN, 1933), concentrava-se na admiração acerca da
experiência de construção do capitalismo industrial e estendeu-se à esfera do conhecimento e
da ciência daquele país. Para ele, o mérito até então inigualável da Sociologia norte-americana
seria a construção de um conjunto de pesquisas onde predominava o “estudo mais objetivo e
comparativo dos fenômenos do grupo social, tornando ao mesmo tempo salientes os fatos da
106 Cabe ressaltar que, mesmo sendo entes privados, as escolas livres, ao modo dos estabelecimentos similares
mantidos pelo poder público, estavam sujeitas à “inspeção do Governo Federal, que para esse fim nomeará
delegados que tenham o grau de doutor ou bacharel pelos estabelecimentos que devam fiscalizar ou por outros
aqueles equiparados”. (BRASIL, 1892).
141
psicologia social” (SIMONSEN, 1933); esta objetividade seria condição necessária para a
transposição das conclusões e descobertas da ciência social para a prática de reforma social.
A busca por um modelo que privilegiasse os critérios acima, aponta diretamente
para a Sociologia norte-americana, já que a disciplina ganha status científico e lugar na
universidade naquele país para também pensar formas de resolver objetivamente seus
problemas sociais, oriundos dos conflitos entre o norte e o sul do país.
Como destaca Del Vecchio (2009), essa adoção do modelo americano mostrava-se
inadequada se transposto sem críticas à realidade brasileira, já que a sociedade norte-americana
dos anos 1930 não só era bastante diferente, como a reprodução de seu processo de
desenvolvimento só poderia servir de modelo para empreendedores brasileiros de origem
abastada, tais como Simonsen, um admirador confesso do capitalismo ianque.
Ao adicionarmos a influência americana nos anos 1930107, podemos asseverar que
a Sociologia brasileira constrói seu sentido a partir da combinação/contato de múltiplas
referências e modelos. Levando em conta que o processo de constituição da disciplina científica
obedece a esse percurso histórico singular, não podemos dizer o mesmo sobre as questões com
que se defronta e para as quais deve apresentar soluções de natureza diferente. Como vimos,
desde o fim do Império, a Sociologia no Brasil assumiu (ou foi assumida) como a ciência que
ajudaria a construir e unificar a nação, de modo racional. Como destaca, Glaucia Villas Bôas:
Quando a Sociologia surge no Brasil como disciplina acadêmico-científica, não
indaga o fundamento da associação entre os homens, à maneira dos franceses, nem a
possibilidade teórica e metodológica de conhecer a sociedade, à maneira dos alemães.
Tampouco a ela interessam as reformas sociais ou a integração de grupos de diferentes
origens étnicas, a exemplo dos sociólogos norte-americanos que fundaram o
Departamento de Sociologia da Universidade de Chicago. A pergunta que funda a
disciplina já estava inscrita na tradição sobre o Brasil e dizia respeito à identidade da
sociedade brasileira. Interessava investigar os problemas concretos do país,
principalmente conhecer suas peculiaridades e para saber de suas possibilidades de
integrar-se ao concerto das nações modernas (VILLAS BÔAS, 1997, p. 74).
Este processo, portanto, não se deu como nos países centrais, onde a ciência
preocupava em estudar a sociedade industrial e como setores ou grupos se adaptam a ela. Seu
objetivo em solo brasileiro se conectou, até a década de 1930 a construção do tecido social para
a afirmação da nação. A ELSP, desse modo, aparece como elemento a bagunçar essa estrutura,
107 Como demarcamos, nos anos 1930, a posição ocupada pelo Departamento de Sociologia de Chicago era de
liderança e hegemonia incontrastáveis no meio acadêmico americano. Os famosos estudos de ecologia humana,
que tiveram por origem a pesquisa e intervenção em situações de inadaptação social na Chicago das três primeiras
décadas do século passado projetavam os sociólogos de Chicago em escala mundial, influenciando em terras
brasileiras, não só a ELSP, como também Gilberto Freyre (VIANNA, 2007).
142
já que questiona, mesmo que de forma não intencionada, a disciplina como elemento de
edificação da nação, a partir da reivindicação de uma constituição dela mesma como ciência,
recorrendo à investigação e à intervenção frente aos problemas nacionais. Em suma, os
problemas brasileiros levam a Sociologia a percorrer um caminho diferente daqueles trilhados
pelas sociologias estrangeiras, porém, com o auxílio de mestres fundadores oriundos desses
países.
Deste modo, se explicam as razões que levaram os primeiros mestres estrangeiros,
os norte-americanos Horace Davis e Samuel Lowrie, a aportarem em terras paulistanas em 1934
para lecionar na ELSP. Estes professores, além de Sérgio Milliet e Bruno Rudolfer, exerciam,
em mais de um posto, essa militância pela institucionalização das ciências humanas que se
operava de forma intensa na São Paulo dos anos 1930108.
Esses cientistas participavam, não só da construção de um complexo aparato de
produção e difusão das “humanidades”, mas também da empreitada de desenvolvimento de
uma modalidade de Sociologia até então não praticada no país, fundada em métodos e técnicas
que incorporavam o tratamento quantitativo e que apontava para a resolução prática dos
problemas estudados. Nesse contexto, a formação dos profissionais da área de ciências humanas
e, em especial, das ciências sociais, ocorria no ambiente formado por um complexo de
instituições às quais os pesquisadores vinculavam-se de modo cumulativo.
Neste primeiro momento, a ELSP concentrava-se na pesquisa predominantemente
empírica e voltada para a proposição de ações que superassem problemas claramente
delimitados no sentido de proporcionar maior desenvolvimento social. A atuação dos mestres
estrangeiros e a formação dos novos cientistas ocorriam em projetos e pesquisas que
informavam intervenções, mormente públicas, e que articulavam estreitamente a ELSP e a
Subdivisão de Documentação Social e Estatísticas Municipais, de forma a torná-las em algum
nível conectadas. O ensino e a prática da Sociologia Aplicada estavam relacionados tanto ao
campo das atividades didáticas e ao efetivo exercício da profissão.
Esta primeira dupla de sociólogos americanos na ELSP terá peso e atuação
diferente. Enquanto Davies teve curta estadia no país, retornando aos Estados Unidos logo após
a conclusão do inquérito sobre condições de vida dos operários paulistanos. Lowrie, por outro
lado, permanece até 1939, recrutando docentes e pesquisadores já treinados nas investigações
108 Além de serem da primeira equipe de professores contratados pela ELSP, integravam os quadros da Subdivisão
de Documentação Social e Estatísticas Municipais do Departamento de Cultura desde a sua implantação, em 1935.
Além deles, alunos da ELSP ali atuavam como pesquisadores permanentes, integrantes do grupo de investigação
sobre o padrão de vida dos trabalhadores na Limpeza Pública.
143
da escola. Lowrie é quem convida Donald Pierson, para que este atue como professor na ELSP
e o substituísse não só nas atividades docentes, mas também para que se constituísse na nova
liderança intelectual da Escola, processo que investigaremos adiante.
3.7.1. Donald Pierson: ELSP, consolidação da Sociologia aplicada e científica e a criação
da pós-graduação.
O convite a Pierson, para integrar a ELSP veio em 1939, ele já estivera no Brasil
anteriormente, entre 1935 e 1937, quando realizou levantamentos para sua tese de doutorado
junto à população negra da Bahia, sob a orientação de Robert Park na escola de Chicago.
Naquele momento atuava também como docente na Universidade de Fisk, Tennessee.
Lowrie e Pierson trocaram correspondências entre abril e agosto de 1939 para
acertar sua vinda, tanto que Berlinck, então diretor da ELSP, informa que havia “contatado por
intermédio do referido Dr. Lowrie, um novo professor, o Dr. Donald Pierson, já conhecido no
Brasil, onde realizara pesquisa sobre a população afro-brasileira da Bahia, e falava bem o
português” (BERLINCK, 1973). Pierson terá papel determinante na ELSP, como destaca
Limongi, sobre o profissional que trouxe:
Novos rumos ao “projeto”, dotando-o de uma base acadêmica de que não dispunha.
Isto é, a formação e o conhecimento produzidos pela Escola passam a se inscrever no
interior do mundo acadêmico e deixam de se referir ao Estado. A preocupação em
formar elites técnicas cede lugar à insistência em treinar e formar sociólogos
profissionais. A necessidade e essencialidade da pesquisa empírica são mantidas. O
intervencionismo e aplicação postergados. E é por estruturar seu apelo neste campo
que o “projeto” de Pierson foi capaz de obter sucesso nos meios acadêmicos em
formação. (LIMONGI, 2001, p.263).
Diante do relatado acima, podemos dizer que Pierson se diferenciou dos sociólogos
que haviam chegado ao Brasil anos antes: enquanto os profissionais que vieram anteriormente
focaram sua atuação na docência e em métodos de pesquisa já consolidados externamente,
Pierson, a partir de seus métodos de trabalho representou a transformação da análise histórico-
sociológica em investigação positiva e a introdução da pesquisa de campo controlada como
recurso sistemático de trabalho, inaugurando uma nova tradição na Sociologia nacional com
um renovado padrão de cientificidade. Tradição esta que estava em confronto com o que fora
sociologicamente produzido antes dela, e passou a considerar atrasado o pensamento social até
então produzido.
Esta consideração aparece consolidada na uma bibliografia comentada sobre a
Sociologia no Brasil, redigida por Pierson, que compõe o capítulo “Sociologia” do Manual
144
Bibliográfico de Estudos Brasileiros publicado em 1949, sob a direção de Rubens Borba de
Moraes e William Berrien. Segundo Pierson, duas conclusões contraditórias e inexatas marcam
os trabalhos que fazem um inventário das obras sociológicas escritas no Brasil: a primeira é de
que essas obras existem em profusão, e a segunda, de que elas são virtualmente inexistentes
(PIERSON, 1945).
Circunstâncias especiais explicaram tal desencontro. Uma delas seria o fato de o
“material sociológico” estar disperso em diferentes obras sob títulos que ocultam seu conteúdo:
obras de História, Geografia, Economia, Ciência Política e Etnologia, o que demonstra a falta
de especialização no campo das Ciências Sociais, ou seja, que a Sociologia no Brasil se acha
em sua infância. Soma-se a isso, a falta de bibliotecas e de compreensão dos responsáveis por
arquivos públicos dificulta o trabalho dos pesquisadores. Notamos como a visão de Pierson e
Simonsen converge no que diz respeito a pouca especialização do sociólogo no Brasil e a
interdisciplinaridade, que seria maléfica à disciplina.
Pierson realizará este movimento na ELSP, procurando marcar a especificidade da
Sociologia através da reafirmação de sua identidade em contraste com as fronteiras
disciplinares, tentando definir de forma mais aguçada do que verificado até então, o objeto
científico da Sociologia.
Neste empreendimento, a influência da Escola de Chicago será marcante,
principalmente no que ficou conhecido como campo da “Ecologia Humana”. Pierson partirá
para a tentativa de compreensão sociológica mais ampla possível da realidade brasileira em sua
densidade (WIRTH, 1967), realizando levantamentos sobre as características físicas da
população brasileira, os processos de povoamento, de amalgamação e de formação de novas
raças; a competição biótica; o imperialismo ecológico; a imigração europeia e asiática; a
importação de africanos; a utilização de terras, e a origem e os tipos de cidades (PIERSON,
1945).
Outro campo explorado por Pierson, também por influência de Chicago é da
organização social e o papel das instituições sociais como família, religião, a influência da
escravidão, das relações de raça, miscigenação, conflito e controle social, movimentos sociais,
acomodação, assimilação, aculturação, isolamento, comunicação, solidariedade, divisão do
trabalho, relações entre classes, status, papel da mulher e da criança, entre outros (PIERSON,
1945).
Como material para suas pesquisas Pierson utilizou, contraditoriamente, a produção
dos estudiosos brasileiros como Sílvio Romero, Euclides da Cunha, Alberto Torres, Nina
145
Rodrigues, Monteiro Lobato, Oliveira Viana e Gilberto Freyre. No entanto, faz questão de
diferenciar sua perspectiva de investigação daqueles sociólogos:
A sociologia ainda é em grande parte definida no Brasil conforme conceberam-na
Comte e Spencer, antes de sugerirem disciplinas especiais como a psicologia, a
economia e a ciência política e antes de ser desenvolvido por parte da sociologia
propriamente dita um caráter específico e limitado através dos trabalhos de Simmel,
Durkheim e Summer. Apenas pouco antes de encerrar-se o período ora sob survey é
que começou a ser conhecida no Brasil a mais ou menos recente verificação e
reformulação da teoria sociológica nos Estados Unidos (PIERSON, 1945, p. 794).
Pierson também critica a prevalência no Brasil dos autores frente à disciplina
sociológica. Isto representaria uma perspectiva atrasada, pré-científica, do tempo em que os
“grandes nomes” dominavam as disciplinas sociais. Em sua visão, deveriam ser privilegiados
os problemas, os conceitos e a metodologia que concentram o principal interesse.
Este movimento estará presente ao longo de sua passagem pelo Brasil e reverberará
no destaque aos estudos coletivos, de comunidade, nos quais, segundo sua perspectiva,
deveriam ser valorizados como metodologia o estudo de caso e a observação participante. Neste
sentido, considera a realidade como um dado a ser apreendido, novamente trazendo à baila a
característica fundante da ELSP de deslocamento dos problemas do grande campo da edificação
nacional, para a pesquisa cotidiana, investigação das questões sociais básicas - o treinamento
profissional dos novos sociólogos deveria passar amplamente por isso. O desenvolvimento da
Sociologia e a valorização do trabalho de campo com o momento privilegiado da formação
profissional começam a encontrar aceitação nos meios acadêmicos em constituição
(LIMONGI, 2001).
A formação profissional dos egressos da ELSP, como veremos, também é um
elemento que a diferencia no campo das ciências sociais. Devido a sua ligação intima com os
departamentos municipais paulistas e sua formação voltada para pesquisa, a instituição
contribuiu para formação e aperfeiçoamento dos servidores públicos, preparando especialistas
em atuação em áreas especificas, se distanciando do modelo uspiano na década de 1930, cujo
objetivo era formar professores para as escolas secundária especializados nas ciências básicas
com alta cultura geral.
No entanto, este comprometimento acadêmico com o campo da pesquisa e do
ensino acabaria por aproximar ELSP e USP, a partir da criação da seção de pós-graduação da
ELSP em 1941. A inovação institucional representada pela pós-graduação encontrou apoio da
146
unidade científica em formação que buscava no aprimoramento próprio de sua especialização
os recursos para sua autoafirmação (LIMONGI, 2001).
3.7.2. Estudos de pós-graduação ELSP
Desde sua chegada a ELSP, Donald Pierson vinha se tornando um defensor da
Sociologia aplicada e científica, tentando repensar a aplicação das ciências sociais no Brasil, se
destaca nesse empreendimento os estudos de comunidade e a valorização da empiria como
método de análise. Na ELSP, Pierson organizou e dirigiu o Departamento de Sociologia e
Antropologia Social, instituindo um seminário extracurricular de Métodos e Técnicas de
Pesquisa, além de promover levantamentos referentes à alimentação e à habitação na cidade de
São Paulo com o objetivo de treinar alunos no uso de instrumental de pesquisa.
A década de 1940 foi especialmente frutífera já que atuou como docente,
orientador, editor da Revista Sociologia, tradutor, pesquisador, além representante de
instituições de fomento e financiamento à pesquisa, estrangeiros109. Para os objetivos desta tese,
consideramos, no entanto, um dos papeis mais notáveis que exerceu nessa década foi de
responsável pela criação - além de atuar docente orientador - do primeiro curso de pós-
graduação em Ciências Sociais no Brasil, em 1941, junto a Herbert Baldus e Emílio Willems,
a primeira Seção de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais do país.
O curso de pós-graduação representava a consolidação do projeto de Pierson para
a instituição, que em vários níveis o questionamento do projeto original da instituição, fundada
por médicos, engenheiros e intelectuais oriundos das elites políticas e econômicas de São Paulo.
O enfoque da escola torna-se o treinamento profissional e a produção de conhecimento referidos
ao mundo acadêmico (LIMONGI, 2001). Pierson conferiu peso à coleta de dados primários e à
imersão do pesquisador no campo, na esteira dos estudos que se desenvolveram em Chicago
sob a orientação de Robert Park e Ernest Burgess.
Formado em uma tradição disciplinar que valorizava a associação estreita entre
Sociologia e Antropologia Social, Pierson mostrava preferência por um modelo investigativo
109 Em 1945, tornou-se o responsável no Brasil pelo Programa do Instituto de Antropologia Social do Smithsonian
Institution, conseguindo atrair recursos para projetos de pesquisa. Realizou levantamentos prévios em cidades no
interior de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro e, entre 1947 e 1948, sempre assistido por alunos, conduziu
um estudo de comunidade em Araçariguama, cujos resultados deram origem, em 1951, à publicação de Cruz das
Almas: A Brazilian Village (Pierson, 1951). No início dos anos 1950, coordenando diferentes equipes de
pesquisadores, Pierson promoveu amplo projeto de investigação em localidades distribuídas pelo Vale do São
Francisco.
147
de cunho etnográfico sem aderir, contudo, a uma visão ingênua de objetividade segundo a qual
os fatos falariam por si mesmos. Buscando se afastar do empiricismo, o sociólogo sublinhava
a importância da teoria na observação da realidade aproximando-se da tradição antropológica
da pesquisa etnográfica (CAVALCANTI, 1999).
Na visão de Pierson, o “fact-finding”, isto é, o acúmulo de fatos avulsos sem
referência a um quadro teórico ou a hipóteses de pesquisa, constituía, tanto quanto a
especulação filosófica vazia, ameaça ao desenvolvimento do conhecimento sociológico
(PIERSON, 1945). Além de instituir a pesquisa, os sociólogos norte-americanos haviam
travado contato com a produção intelectual europeia, rompendo as fronteiras nacionais que
poderiam restringir o alcance de suas teorias. Pierson afirmava que este cosmopolitismo
intelectual era condição indispensável para a consolidação da sociologia enquanto ciência:
Quando o isolamento (cultural) desaparecer completamente em todos os países e for
possível uma comunicação livre e desembaraçada entre todos os sociólogos do
mundo, o desenvolvimento de um corpo comum de conhecimentos sociológicos será
questão de tempo relativamente curto (Pierson, 1945a, p.95).
Pierson observa que a falta de profissionais treinados em pesquisa, capazes de
trabalhar de forma conjunta e coordenada em torno de uma mesma linguagem conceitual, era,
em grande parte, responsável pelo estágio pré-científico da produção intelectual local. A
pesquisa sociológica no Brasil estava dominada em geral por médicos, engenheiros e advogados
de formação que se limitavam a compor textos a partir da combinação de pontos de vista e
teorias heterogêneas e da livre manipulação de ideias sem o respaldo da empiria. O esforço da
escola também passar por criar uma cultura institucional e profissional de pós-graduação e:
Nos princípios de 1941, o diretor Cyro Berlink, da então “livre” Escola de Sociologia
e Política de São Paulo, gentilmente acedendo ao meu pedido, deu-me permissão para
organizar aulas pós-graduadas, no “Departamento de Sociologia e Antropologia” que,
ao convite dele, eu estava organizando naquele ano. O interesse nisso veio da minha
observação que estava faltando tempo para nossos alunos, enquanto frequentaram o
curso sub-graduado, receberem instrução quanto a uma grande parte do acervo de
ciência social já desenvolvido, naquele tempo. [...] Nestes primeiros meses de uma
inciativa “pioneira” no nosso querido Brasil, esforçamos para explicar aos alunos, à
administração da Escola, e à alguns professores para as quais era o novo
empreendimento, as características e o valor deste tipo de ensino. [...] Assim, nestes
primeiros anos, as aulas pós-graduadas tinham aumentadas em número até o ponto
onde nos foi concedido permissão para organizar, uma “Divisão de Estudos Pós-
graduados” que, depois, dirigi durante vários anos até eu ter de deixar o Brasil, por
razões de saúde (PIERSON, 1946, p. 1-2).
148
Este movimento foi interpretado por ele como uma redução eclética e sem método
da pesquisa se passava por Sociologia, em um expediente característico das ciências sociais em
processo de institucionalização, cujos atores muitas vezes se valeram de ensaios sobre a
realidade social para designar as atividades intelectuais das quais buscavam se diferenciar
(BOTELHO, 2010). Neste contexto, nasce o curso de pós-graduação, para melhorar e
intensificar o processo de formação desses cientistas sociais, a partir do apoio as pesquisas
empíricas:
Logo depois de iniciar os trabalhos em São Paulo, observei que estava faltando a meus
alunos, enquanto frequentavam o curso de graduação, tempo para receberem instrução
sobre uma parte considerável do acervo em Ciência Social já desenvolvido naquele
tempo e disponível aos alunos, ao menos em outras línguas. Fiquei mui satisfeito,
então, quando o diretor Berlinck, gentilmente aprovando meu pedido a respeito, deu-
me permissão, no início de 1941, para oferecer algumas aulas pós-graduadas no
“Departamento de Sociologia e Antropologia”, que, com a permissão também dele,
eu já estava organizando naquele ano na Escola (PIERSON apud CORRÊA, 1987,
p.55)
O corpo docente da pós-graduação110 combinando professores especialistas em
diversas áreas das ciências humanas possibilitou uma formação interdisciplinar auxiliou
posteriormente na disseminação dos trabalhos dos alunos então formados, estavam nesta equipe
Sérgio Milliet, Noemy da Silveira Rudolfer, Cecília Castro da Silva, Pedro Egydio de Carvalho,
Mário Wagner Vieira da Cunha, Emílio Willems e Herbert Baldus.
Sendo este o primeiro curso de pós-graduação na área, nota-se um incremento nas
disciplinas já nos dois primeiros anos, além da quantidade de aulas com temas diversos, entre
estas destacam-se: “Os Tapirapé do Brasil” (Baldus); “O Estudo da Sociedade” (Pierson);
“Assimilação e Aculturação entre os Imigrantes Alemães no Brasil Meridional” (Willems) e
“O Negro no Brasil” (Pierson).
Além disso, juntou-se ao curso no segundo, o conhecido antropólogo inglês
Radcliffe-Brown111, da Universidade de Oxford, professor visitante da ELSP, que, a princípio,
deu aulas pós-graduadas sobre três matérias: “Princípios de Antropologia Social”,
“Organização Social” e “Desenvolvimento do Direito” e permanece até 1994; bem como,
durante um semestre, o sociólogo norte-americano, professor T. Lynn Smith, da Louisiana State
University, especialista em estudos rurais, em viagem de estudos no Brasil, que embora com
110 Análise do Programa do Curso, presente no Anexo 3: Princípios curriculares e organizativos do Primeiro Curso
de Pós-Graduação da ELSP. 111 Anexo 5: Carta de Donald Pierson a Radcliffe-Brown.
149
mesa na embaixada norte-americana no Rio, veio periodicamente a São Paulo, a fim de orientar
a coleta de dados de seu interesse por alunos cursando o Seminário dele sobre “Pesquisas nas
Comunidades Rurais do Brasil”.
O curso se subdividia em 5 seções: 1) Sociologia e Antropologia, 2) Economia, que
constituem o cerne do curso, e três seções “oportunamente adicionadas” tais como 3) Política,
4) Psicologia, e 5) Estatística. Cada seção ministraria oito disciplinas, com duração de um
semestre cada uma, sendo livre a possibilidade de adição, no futuro, de outras. Na seção 1, as
disciplinas foram a) Origens e desenvolvimento da sociologia na Europa e américa, b) Origens
e desenvolvimento da Antropologia na Europa e américa, c) Estudos da sociedade, d) Raça e
Cultura, e) Personalidade, f) Seminário sobre Antropologia e Sociologia, g) Pesquisas no Brasil,
h) Índios na América do Sul. Cada seção teria um Decano e um subdecano para formulação e
aplicação de atividades formativas aos discentes. Produzimos
Sendo assim, na década de 1940 a divisão de pós-graduação foi tomando corpo,
novos professores e disciplinas se congregaram a ela possibilitando a formação de uma nova
geração de mestres em ciências sociais em uma instituição brasileira. Formam-se entre outros
Oracy Nogueira, Virgínia Leone Bicudo, Gioconda Mussolini, Florestan Fernandes e Fernando
Altenfelder Silva, Levy Cruz112. Interessante notar que a escola estabelece como objetivo da
divisão, o que se consolidou em maior ou menor grau na carreira de seus egressos113:
a. Dar ao aluno conhecimentos mais amplos e profundos sobre a natureza do homem
e a atuação dos processos sociais, preparando-o especialmente para realizar e difundir
pesquisas.
b. Levar efeito a investigações sobre problemas fundamentais, tanto teóricos como
práticos, da vida coletiva. (ELSP, 1941).
A partir da criação na ELSP, vemos um movimento já explorado frente a um novo
modelo de fazer Sociologia, que havia sido descrito como um modelo “profissionalizante” de
Sociologia. Esse movimento ganha novos contornos com a pós-graduação, isto porque apesar
da formação da ELSP na graduação primar por um padrão teórico e temático “moderna e
científica” voltado para prática, na pós-graduação e na formação que esta oferece passa a ser
sobretudo, acadêmico – inaugurando assim um novo sentido para disciplina, marcando sua
história.
112 Na década de 1950 ainda se formam David Maybury Lewis e Sérgio Buarque de Holanda, por exemplo. 113 Anexo 6: Finalidades/Admissão de Alunos/Organização da Pós da ELSP.
150
Como nos mostra, por exemplo o documento “RESPONSABILITIES OF THE
DEAN OF GRADUTE WORK”114, produzido por Pierson em 1943, em que o coordenador do
curso de pós define as responsabilidades dos alunos no curso: seu principal objetivo seria achar
com seu orientador um tema de tese, definição de seu seu problema, bibliografia e métodos.
Entre as obrigações da escola, estaria estimular o interesse dos alunos a continuar seus estudos
(PIERSON, 1943). Percebemos que, enquanto a UDF e a UB no Rio de Janeiro pouco
avançaram, seja no ensino ou pesquisa; e a USP, nos seus primeiros passos, avança na formação
para o magistério (pelo menos em intenção), a ELSP avança na formação acadêmica científica
especializada. Para obtenção do título de mestre ou doutor, o aluno teria que mostrar sua
“capacidade de fazer pesquisas”115. Notemos que os horizontes teóricos e expectativas em
relação à Sociologia que confluíam na direção que o Delgado de Carvalho tinha apontando no
Rio de Janeiro alguns anos antes, na construção de uma disciplina científica, de corpo trabalho
definido, que pudesse se afastar de análises e condutas normativas.
Em outras palavras, a geração formada pela ELSP criou uma nova mentalidade,
desenvolveu linhas de pesquisa que marcaram projetos e instituições posteriores. Este novo
modelo sociológico foi absorvido supondo que suas teorias eram científicas, o que significava
estarem libertas do tempo e do espaço em que foram elaboradas. Isto levou a alguns
“abandonos”, pensando os caminhos do ensino, sentidos e na história da própria disciplina no
Brasil, já que autores e análises foram deixadas de lado porque não atendiam a determinados
cânones acadêmicos, e passaram a não fazer parte da “tradição” sociológica.
Este debate só será retomado no final da década de 1960 e início da de 1970, a partir
da demarcação das diferenças entre as duas escolas realizada por Florestan Fernandes, que
demonstrará que ELSP e USP116 se diferenciaram pelo seus métodos de ensino, aprendizagem
e pesquisa baseados de um lado na empiria (apoiada em modelo indutivo) ou na teórica
(apoiada em modelo dedutivo) dos programas de pesquisa desenvolvidos por elas.
Por fim, podemos dizer que a Sociologia se desenvolve na universidade nos anos
1930/1940 a partir de caminhos tortuosos, mas de maneira geral, a disciplina percorre um
114 Anexo 6: Finalidades/Admissão de Alunos/Organização da Pós da ELSP. 115 Anexo 4: Princípios curriculares e organizativos do Primeiro Curso de Pós-Graduação da ELSP 116 As duas instituições distanciavam-se também politicamente: a ELSP representava, do ponto de vista dos
sociólogos formados na USP, um projeto político e acadêmico conservador. O que Florestan contrapõe, mostrando
o que ansiava a Sociologia uspiana: a compreensão de uma “sociologia do desenvolvimento” brasileiro,
sintonizada com o contexto intelectual e político do pós-guerra. Ou, como esta se consolidou, a partir do estudo
das “relações raciais”, temática a que Florestan seria conduzido por Roger Bastide na conhecida pesquisa
patrocinada pela Unesco, que ele e seus dois principais discípulos, Fernando Henrique Cardoso e Octavio Ianni,
dariam os primeiros passos concretos em direção ao projeto “Economia e sociedade no Brasil”, encampado pelo
grupo no início dos anos de 1960.
151
caminho que a torna científica e acadêmica – o que ajuda a romper com seus ideais nacionalistas
e positivistas, mas a afasta da docência no secundário e de uma aproximação com as classes
populares e do debate público que anteriormente travava.
152
V. CAPÍTULO 4: DESCOLAMENTO ENTRE AS SOCIOLOGIAS
ACADÊMICA E ESCOLAR: EM BUSCA DE RESPOSTAS
Ao longo dos últimos capítulos, contextualizamos e investigamos os rumos da
Sociologia em dois campos/instituições distintos de saber: a universidade e a escola. Vimos
que, neste processo, a referida disciplina formatou e adquiriu novos sentidos até sua saída
definitiva do ambiente escolar e ascendência no mundo acadêmico, com a criação dos primeiros
cursos acadêmicos – inclusive de pós-graduação - e realização das primeiras pesquisas. A partir
de 1942 e nas décadas seguintes (até os anos 2000 na legislação federal) a disciplina esteve fora
da escola.
Nosso objetivo neste capítulo é investigar quais as razões deste descolamento entre
as sociologias, ocorrido na década de 1940, já que a tendência verificada nesta década de
reorientação do saber sociológico se aprofunda no período imediatamente posterior. Para isto,
recorreremos, primeiramente ao debate sobre cientificidade e história das disciplinas escolares
para depois investigar os movimentos feitos pela Sociologia e seu descolamento da escola,
trazendo caminhos para entendimento do problema de pesquisa.
Definimos como descolamento das sociologias, como o processo no qual os
sentidos, práticas e orientação voltados ao espaço escolar da disciplina, tornaram-se sentidos,
práticas e orientação voltados a sociologia cientifica e ao espaço universitário. Pretendemos
analisar este processo através da constituição do discurso científico, das histórias das disciplinas
escolares e do currículo, do próprio debate interno do campo e, por fim, do insulamento
acadêmico da disciplina. Entre outras palavras, uma vez que a Sociologia se constituiu como
disciplina escolar, seu objetivo era ensinar/disciplinar quem? Para que? Onde? A partir da
inserção em quais diretrizes?
4.1. Currículo, cientificidade e história das disciplinas escolares e sua influência no
debate sobre as sociologias do Brasil nas décadas de 1930 e 1940
A História das Disciplinas Escolares é um dos campos da história da educação que
busca produzir conhecimento sobre a historicidade dos saberes que, em determinado momento,
constituem-se em disciplinas escolares e os modos como estas contribuem para a realização do
processo de escolarização nos diferentes tempos históricos e lugares nos quais são aprendidas
e ensinadas.
153
Como podemos entender o processo de disciplinarização escolar? Esse conceito diz
respeito à presença, legitimidade e consolidação das disciplinas no espaço escolar. Como nos
alerta Chervel (1990), apesar de termos consolidada uma história do ensino escolar, o
detalhamento das disciplinas do ensino secundário e sua relação com dinâmicas externas a este
ainda carece de investigação nas diferentes políticas e ambientes escolares.
Segundo o autor, as disciplinas escolares têm sido vistas historicamente como
“aquilo que se ensina e ponto final” (CHERVEL, 1990), sendo importante questionar esse
paradigma para verificação precisa do processo de formulação dos conteúdos presentes no
interior dessas disciplinas. O autor destaca que após a primeira guerra mundial (1914-1918) as
disciplinas escolares passaram cada vez mais a serem vistas como algo próprio e restrito ao
ambiente escolar:
Logo após a primeira guerra mundial, enfim o termo “disciplina” vai perder a força
que o caracterizava até então. Torna-se uma simples e pura rubrica que classifica as
matérias de ensino, fora de qualquer referência às exigências da formação do espírito.
Basta dizer que o quanto é recente o termo que utilizamos atualmente: no máximo uns
sessenta anos. Mas, ainda que esteja enfraquecido na linguagem atual, ele não deixou
de conservar e trazer à língua um valor específico ao qual nós, queiramos ou não,
fazemos inevitavelmente apelo quando o empregamos. Com ele, os conteúdos de
ensino são concebidos como entidades sui generis, próprios da classe escolar,
independentes, em uma certa medida de toda realidade cultural exterior à escola, e
desfrutando de uma organização, de uma economia interna e de uma eficácia que elas
não parecem dever a nada além delas mesmas, quer dizer a sua própria história. Além
do mais não tem sido rompido o contato com o verbo disciplinar, o valor forte do
termo está sempre disponível. Uma “disciplina”, é igualmente, para nós, em qualquer
campo que se encontre, um modo de disciplinar o espírito, quer dizer de lhe dar os
métodos e as regras para abordar os diferentes domínios do pensamento (CHERVEL,
1990, p: 180).
Foi no final do século XIX e primeiros anos do XX, momento em que já se discutia
a renovação do ensino fundamental e médio, que a palavra disciplina adquiriu novo sentido.
Derivada do verbo “disciplinar”, passou a significar também “ginástica intelectual”, transitando
entre a perspectiva de inculcar conhecimentos e comportamentos nas crianças para a ideia de
disciplinar suas inteligências, desenvolvendo o julgamento, a razão, a faculdade de combinação
e invenção (CHERVEL, 1990).
No início do século XX, a noção de disciplina escolar já remetia às disciplinas, no
plural, vistas como matérias de ensino que favoreciam o exercício intelectual No ensino
secundário, contudo, a ideia de pluralidade de disciplinas não fez sentido até que o currículo
centrado nas humanidades (e quase estritamente nas línguas antigas) passasse a conviver com
um currículo científico (CHERVEL, 1990).
154
Logo depois da Primeira Guerra Mundial, o termo “disciplinas escolares”, apesar
de enfraquecido, ainda preservou seu valor ao aludir aos conteúdos de ensino como uma
formação própria da escola e, de algum modo, independente da realidade cultural exterior
(CHERVEL, 1990). Percorrendo um trajeto que vai desde os termos ambíguos dos séculos
XVIII e XIX até o pós-guerra, o autor termina por identificar a palavra disciplina como uma
entidade própria da escola de forma que estudá-la e compreendê-la ajuda a estudar e
compreender a própria escola, mas sob um foco diferente: a escola por meio dos saberes que
ela transmite em cada época e em cada contexto117 (CHERVEL, 1990).
A história das disciplinas escolares, não viria apenas preencher uma lacuna: trata-
se de uma nova categoria historiográfica que precisa dar conta de três problemas: a gênese das
disciplinas (como a escola age para produzi-las); a função (para que servem as disciplinas
escolares) e o seu funcionamento (como elas agem sobre os alunos) (CHERVEL, 1990).
Ao encarar a história das disciplinas escolares desta maneira, o autor evidencia o
caráter criativo da escola, que ao produzir as disciplinas produz também uma cultura própria,
as culturas escolares. Assim, Chervel propõe considerar no estudo histórico das disciplinas
escolares que cada uma delas é portadora de uma problemática própria, o que, contudo não
impede de estabelecer traços comuns para a análise: o conteúdo central da história de qualquer
disciplina é a história dos conteúdos a serem ensinados ao passo que o objetivo desse estudo
deve ser o de realizar a relação entre as finalidades que originam cada disciplina e os resultados
concretos a que elas chegam interna (CHERVEL, 1990).
Ressaltamos que na abordagem por ele proposta, ainda que se leve em conta os
fatores externos, a história do que efetivamente se processa no interior da escola é pouco
considerada – o que irá se modificar nas acepções contemporâneas sobre currículo e disciplinas.
Por enxergar na diferença própria de cada disciplina um grau de inteligibilidade, é que ele
propõe uma estrutura de investigação historiográfica das disciplinas escolares, por meio do tripé
finalidades-práticas-efeitos.
Considerando-se que em cada época a escola se coloca a serviço de diferentes
finalidades que no seu conjunto fornecem a esta instituição o seu caráter educativo, é por meio
das disciplinas escolares que ela sempre vai colocar um conteúdo de instrução a serviço de uma
finalidade educativa. Conforme mudam as finalidades educativas, vão modificando-se também
117 Até o século XIX, a noção de disciplina resumia-se, na escola, à parte da educação dos alunos direcionada à
repressão de condutas tidas como prejudiciais à boa ordem, não encontrou uma única acepção da palavra associada
aos conteúdos de ensino. A inexistência desse termo resultou na profusão de “fórmulas confusas”, abarcando
nomenclaturas como “faculdades”, “objetos”, “partes”, “ramos” e “matérias de ensino” e expressões como “lista
de cursos agrupados por analogia de ensino” (CHERVEL, 1990).
155
os conteúdos de instrução a serem ensinados. As disciplinas portadoras destes conteúdos serão
as que alcançarão maior visibilidade e com “útil” finalidade em cada período e as que deixam
de satisfazer a essas finalidades são as que tendem a cair no abandono (CHERVEL, 1990).
As fontes a serem utilizadas para compreender as finalidades de uma disciplina são,
segundo o autor, “a série de textos oficiais programáticos, discursos ministeriais, leis, ordens,
decretos, acordos, instruções, circulares fixando o plano de estudos, os programas, os métodos,
os exercícios” (CHERVEL, 1990). Entretanto tal documentação, só dá conta de um aspecto do
problema, o das finalidades inscritas. Para se chegar às finalidades reais, as que realmente se
atingiram, será necessário percorrer a literatura produzida sobre o sistema educacional:
“relatórios de inspeção, projetos de reforma, artigos ou manuais de didática, prefácios de
manuais, polêmicas diversas, relatórios de presidentes de bancas, debates parlamentares, etc.”
(CHERVEL, 1990).
O modo como Chervel propõe a abordagem sobre a histórias das disciplinas
escolares, nos permite evidenciar o quanto a escola é um fundamental sujeito sociológico, já
que, a partir do diálogo com as demandas advindas dos grupos sociais aos quais serve, produz
novas realidades, novas culturas, das quais as disciplinas escolares são, de certa maneira, uma
de suas produções e/ou reproduções.
Por fim, Chervel destaca que disciplinas escolares têm proporcionado aos jovens
estudantes versões vulgarizadas e simplificadas de suas ciências de origem, tendo como
objetivo não apresentar a ciência de maneira integra, mas a partir de métodos que permitam que
os alunos assimilem o mais rápido possível, porções da ciência de referência (CHERVEL,
1990).
Sendo assim, a presença de algumas disciplinas nos currículos escolares foi
revestida de certa naturalidade e inquestionável relevância, como se tivessem sido estabelecidas
ali desde o início dos tempos (BITTENCOURT, 2003). Com efeito, desde a década de 1970,
os estudos do campo da nova Sociologia da Educação e da História das Disciplinas escolares
não apenas repensaram a presença das disciplinas no currículo, como também a analisaram para
além de questões epistemológicas e didáticas.
Esses estudos reconheceram o papel político de diferentes agentes – como Estado,
parlamento, sindicatos, associações científicas, professores, estudantes, entre outros – que se
posicionavam diante da validade dos saberes estabelecidos no currículo e delimitavam a sua
legitimidade em cada contexto educacional (FORQUIN, 1992). Neste sentido, a seleção do
conhecimento escolar não é um ato desinteressado e neutro: é resultado de lutas, conflitos e
156
negociações. Assim, entende-se que o currículo é culturalmente determinado, historicamente
situado e não pode ser desvinculado da realidade social.
Ivor Goodson, por exemplo, a partir da investigação nos currículos oficiais de
ensino, propôs novas formas de encarar as imposições curriculares, tomando-as como ponto
culminante de um conflito extenso e contínuo em torno dos objetivos da escolarização conforme
concebidos por grupos externos que além de estarem em disputa com os que atuam no interior
da escola e a ela estão sujeitos, realizam negociações também entre si (GOODSON, 1997).
A partir do currículo oficial é possível avançar diacronicamente na compreensão
das experiências históricas em torno dele. Para Goodson (1997), a produção do currículo não
se dá por meio de acomodações, mas disputas ocorridas tanto entre agentes no interior da escola
como externos a ela. Da mesma forma que o currículo, as disciplinas que o compõem são
tomadas por este pesquisador como o resultado de disputas e negociações. O autor chama a
atenção para fatores internos e externos que atuam durante o processo de estabelecimento das
disciplinas escolares no currículo oficial e também estabelece uma relação entre estas e as
matérias acadêmicas, que da mesma forma são construídas socialmente. Nestas últimas se
transmite o “saber sabido” enquanto as primeiras transmitem o “saber ensinado” (GOODSON,
1997).
Ao contrário do que até então se imaginava, ou seja, que as disciplinas acadêmicas
vinham antes das escolares, Goodson (1995) demonstra que cada disciplina é resultado de um
processo onde, às vezes, as disciplinas escolares precedem as suas disciplinas acadêmicas,
como ocorreu com a Sociologia no caso brasileiro, por exemplo.
Quanto à esta construção das disciplinas escolares, o autor identifica um movimento
de ordem interna é o que chama de invenção. Estas invenções podem surgir dos próprios
professores que ensaiam novas ideias ou práticas; ou podem ser às vezes o resultado das
demandas do alunado ou de sua resistência às formas existentes; ou podem, ainda, surgir como
uma resposta a novos estados de opinião (GOODSON, 1995).
O conjunto de relações externas que atuam na construção das disciplinas escolares
pode ser caracterizado por grupos de interesses que surgem na sociedade em cada época, até
mesmo sem relação direta com o ambiente escolar, e que interferem na seleção das disciplinas
escolares e às vezes até mais do que as relações internas. Goodson demonstra isso, por exemplo,
assinalando a influência que interesses industriais e comerciais podem exercer em determinados
momentos históricos por meio de discursos e retóricas de legitimação (GOODSON, 1995).
157
Podemos, seguindo a linha do autor, exemplificar com a conjuntura em que o ensino
de Sociologia entra e sai da escola nas primeiras décadas do século XX: enquanto servia a uma
narrativa nacional reformadora a disciplina esteve na escola, quando essa mesma narrativa se
esgota, a disciplina é retirada dos bancos escolares.
O ponto culminante para a definição das disciplinas escolares para o autor seriam o
seu assentamento acadêmico, caracterizado por quatro momentos: invenção (semelhante à
ocorrida com as matérias escolares), a promoção por parte de educadores (com interesses
análogos aos da fase de coalizão da matéria escolar), a legislação quando se estabiliza a
constituição da disciplina acadêmica (GOODSON, 1995).
Esses momentos revelam o jogo de interesses presente no processo de construção
de uma disciplina e os modos como esses interesses se correspondem: interesses surgidos no
interior e exterior da escola (como os mesmos dialogam) e das relações estabelecidas entre a
escola e a universidade, já que um saber - por mais que este se torne necessário pelas demandas
internas de constituição da disciplina - só será, segundo o autor, plenamente legitimado quando
for alçado à condição de saber acadêmico. O que por si só não impede a sua existência, mas
demarca o grau de importância que ocupará dentro do currículo prescrito (GOODSON, 1995).
A legitimação plena se dá em dois planos: o da legislação, que após uma fase de
lutas e experimentações incorpora uma disciplina ao currículo prescrito e o da universidade,
que concentra os direitos em torno de determinado ramo de conhecimento. O jogo de poder se
opera em diversos graus e escalas: professores, alunos, setores da sociedade, políticas de
governo e universidade. Em suma, cada um desses graus é uma camada, um elemento que o
autor propõe que sejam considerados pelos pesquisadores das disciplinas escolares na
investigação de seu objeto de estudo (GOODSON, 1997).
Assim, enquanto Chervel (1990) conferia um peso maior ao que acontecia no
interior do espaço escolar para determinação do rumo das disciplinas escolares. Goodson (1997)
nos traz como objeto importante de estudo as práticas educacionais, contribuindo para situar o
conjunto de agentes constituintes do saber escolar, especialmente professores, alunos e
comunidade escolar frente a arbitrariedade presente nos processos de seleção e organização dos
conteúdos de ensino, por meio justamente da historicização do currículo. Em suma, Goodson
investigou a fabricação do currículo, portanto, entendendo-o não como um dado neutro da
realidade, mas, antes, como “um artefato social, concebido para realizar determinados objetivos
humanos específicos” (GOODSON, 1997), sujeito a constantes modificações e tendo sua
158
interpretação condicionada à da dinâmica social que o moldou e não da mera descrição da sua
organização como conhecimento escolar em certo período da história118.
Sendo assim, o currículo que tem como base as disciplinas foi apenas uma entre
diversas alternativas de estruturar a educação escolar ao longo da história do ensino. As
instituições de ensino submeteram-se então a uma “reestratificação de acordo com um currículo
que tinha como núcleo as disciplinas” (GOODSON, 2008) que representou tanto a
fragmentação (dada a divisão do conhecimento em diferentes disciplinas) quanto a
internalização (visto que os debates extrapolaram a escola, para serem desenvolvidos nos
limites das disciplinas) das lutas em prol do ensino público (GOODSON, 2008).
Quando analisamos o caso específico da Sociologia escolar/acadêmica frente a
discussão curricular e histórica das disciplinas, tentando identificar razões do descolamento
entre as sociologias acadêmica e escolar, a pergunta inevitável é: uma vez que a Sociologia se
constituiu como disciplina escolar, seu objetivo era ensinar/disciplinar quem? Para que? Onde?
A partir da inserção em quais diretrizes?
Respondendo a essas perguntas, podemos dizer que os conflitos em torno da
introdução, retirada e permanência da disciplina da escola brasileira exemplificam bem as
relações e embates entre o campo científico e escolar (nos quais se forma a disciplina), de um
lado, e da esfera política, de outro, presentes no processo de constituição de uma disciplina
escolar.
Com efeito, as relações sociais estabelecidas no processo de produção da
cientificidade da disciplina são complexas e devem ser constantemente (re)analisadas. Questões
epistemológicas como a tendência para a individualização da explicação dos fenômenos sociais
e a relação de tensão permanente entre os problemas sociais e os problemas sociológicos, que
por vezes nos levam a desconstruir categorias e ângulos de visão normativos sobre os quais
questionamos a realidade, são questões de grande importância para a investigação sociológica
acadêmica, mas também para a prática profissional dos sociólogos. Se os obstáculos
epistemológicos à produção de conhecimento em Sociologia devem ser constantemente
pensados, também a discussão sobre a escolarização e cientificidade da Sociologia é uma
discussão que, de fato, não pode ser deixada de lado.
Como apontam autores como Meucci (2011), Soares (2009) e Sarandy (2012), as
pesquisas no campo sociológico nacional no começo do século XX são rudimentares, feitas por
118 Goodson (2001) já alertava para a necessidade de não compreender o currículo como um processo evolutivo
de progressivo aperfeiçoamento. Antes, caberia ao pesquisador diagnosticar rupturas e captar os diferentes
significados a ele atribuídos (GOODSON, 2001).
159
poucos especialistas que incentivavam seus alunos a realizarem levantamentos, e estas por si
só foram poucos criticadas dentro dos padrões cientificamente vigentes, o que só começa a
acontecer com a fundação das primeiras universidades e cursos.
Poucas possibilidades existiam, portanto, para questionar a produção sociológica
vigente naquele período. Conforme a Sociologia se consolida como ciência a partir do
surgimento das universidades, há possibilidade de estabelecimento de um campo científico
sistemático para exposição e possível falseabilidade e ou refutação das teorias, conceitos e
pesquisas sociológicas e construção/desconstrução de paradigmas.
Falando especificamente da Sociologia, devemos lembrar de outro aspecto: a
construção da cientificidade no campo das ciências humanas. Esta se realiza através da
transição para um padrão científico de conhecimento que se realizou primeiro no âmbito das
ciências da natureza, no século XVII e só no século XIX ela se processa nas ciências humanas,
fruto de uma transposição metodológica das ciências naturais. O projeto de construção da
autonomia científica das ciências humanas conduziu, intencionalmente, a um distanciamento
da filosofia – lugar originário da reflexão racional sobre o homem no mundo ocidental – e das
ideologias, consideradas ambas como discursos não científicos. Ao eleger os parâmetros de
cientificidade como critério único de verdade (RODRIGO, 2007).
Na dianteira deste processo, estava o positivismo comtiano que atribuiu à ciência o
monopólio cognitivo da totalidade do real – natureza e cultura humana –, classificando a
tradição filosófica como etapa ultrapassada de uma ciência imatura. Por isso, quando no século
XIX o conhecimento sobre o homem passou a situar-se no plano positivista, os discursos
anteriores foram considerados ideológicos, representações pré-científicas. As teorias
positivistas constituíram os primeiros esboços de uma teoria geral das ciências humanas,
assinala o fim da teoria do conhecimento, instalando em seu lugar uma teoria da ciência.
O objetivismo inerente a essa posição teórica reduziu o conhecimento científico a
um conjunto de fatos estruturados por leis, sem se dar ao trabalho de problematizar o ato mesmo
de constituição dos fatos ou a participação do sujeito cognoscente nesse processo. Este processo
atinge a produção sociológica, se pensarmos no contexto brasileiro, já que como vimos o
currículo escolar da Sociologia é confeccionado a partir das teorias positivistas, através de um
currículo enciclopédico e pouco problematizado a partir de um debate amplo com os
especialistas na disciplina, além dos docentes e discentes da mesma119.
119 Nessa perspectiva, Habermas afirma que “a postura positivista mascara a problemática da constituição de
mundo. O sentido do próprio conhecimento torna-se irracional, e isso em nome de um conhecimento exato.”
(HABERMAS, 1982, p.94). A indagação sobre o sentido do conhecimento é substituída pela questão positivista
160
Comte substitui o conceito filosófico do conhecimento por uma explicação do
sentido da ciência; com isso, a objetividade do conhecimento deixa de ser pensada a partir do
horizonte do sujeito, passando a ser compreendida como derivada exclusivamente da área do
objeto. Podemos afirmar que, nos termos em que foi posta no século XIX, a questão da
cientificidade dos estudos sobre o homem viveu e vive até hoje uma situação paradoxal: as
ciências humanas não conseguem realizar inteiramente o modelo de positividade emprestado
das ciências da natureza, mas também não se decidem a abandoná-lo, com receio de perderem
seu direito de acesso à positividade e/ou objetividade.
O positivismo comteano pode ser considerado o grande responsável pela
formulação de uma metodologia derivada das ciências da natureza. Essa transposição foi
justificada com base na premissa de que a sociedade é regida por leis naturais, isto é, leis
invariáveis e independentes da vontade e da ação humanas. Sendo assim, o mesmo método de
estudo poderia ser aplicado ao estudo tanto da natureza como da sociedade. Os positivistas
julgavam que nas ciências sociais se deveria proceder como nas ciências da natureza, isto é,
deixar de lado as pressuposições, separar os julgamentos de fato dos julgamentos de valor, a
ciência da ideologia, visando alcançar um conhecimento inteiramente objetivo.
Durkheim, por exemplo, assevera que a interferência de juízos de valor na
investigação sociológica apenas revelaria a imaturidade dessa ciência em relação à matemática
e às ciências exatas. Não à toa, ele pede ao sociólogo que estude os fatos sociais como “coisas”:
o que se reclama do sociólogo é que adote o estado de espírito em que
se colocam os físicos, químicos ou fisiologistas, quando se embrenham
numa região ainda inexplorada do seu domínio científico. Ora, falta à
sociologia atingir este grau de maturidade intelectual (DURKHEIM,
1973, p.379).
Pela primeira vez, as ciências humanas procurariam preservar seu direito de acesso
à positividade e/ou objetividade, submetendo-se aos parâmetros de cientificidade que vigoram
no âmbito das ciências da natureza, embora reconhecendo seus limites, na medida em que o
processo de objetivação só é aplicável a uma parte do fenômeno humano. As ciências humanas
podem, portanto, empregar procedimentos científicos, sem que isso implique a redução do
acerca do sentido dos fatos. Embora Habermas, não considere Comte um pensador original no plano metodológico
- uma vez que este último elabora sua teoria com base numa combinação eclética de elementos da tradição
empirista e racionalista pré-crítica - reconhece que esse pensador produz uma inovação na postura filosófica frente
às ciências ao formular “uma metodologia científica que põe, em lugar do sujeito da teoria do conhecimento, o
progresso técnico-científico como sujeito de uma filosofia cientificista da história” (HABERMAS, 1982, p. 94).
161
homem a essa forma de estudo. Existem, obviamente, processos e fenômenos humanos
objetiváveis, mas o homem não é inteiramente objetivável. No âmbito das ciências humanas,
não há como evitar inteiramente as conotações valorativas, ideológicas, subjetivas; a identidade
parcial entre o sujeito e o objeto de estudo por si só já inviabiliza a efetivação do ideal positivista
de objetividade. O sociólogo não pode se colocar de fora da sociedade para estudá-la; o mesmo
acontece com o historiador em relação à história, com o linguista em relação à língua, e assim
por diante o elemento subjetivo é parte fundamental das ciências humanas, embora precisemos
de critérios objetivos para sua produção.
Uma alternativa a este panorama, seria defender a autonomia metodológica das
ciências humanas, criando uma forma própria e específica de acesso à positividade. Não se
trataria, na verdade, de abrir mão da possibilidade de cientificidade, mas de abdicar do padrão
positivista de ciência para construir um modelo próprio, adequado ao seu domínio de
investigação e epistemologicamente viável. Esta alternativa implicaria assumir um
posicionamento contrário à negação positivista da especificidade metodológica das ciências
humanas em relação às ciências da natureza, que desqualifica o conhecimento produzido pelas
primeiras em nome de um ideal unitário e homogêneo de cientificidade. Nas ciências humanas
não se trataria de eliminar totalmente a influência de determinações sociais e juízos de valor
em nome de um conhecimento neutro, mas, como propõe Lucien Goldmann, de tornar
conscientes tais interferências e integrá-las na investigação científica para evitar, ou reduzir ao
mínimo, sua ação deformante (GOLDMANN, 1986).
Em certa medida, assumimos que, mesmo que seja impossível produzir um
conhecimento neutro, alguma forma de objetividade se revela viável: não aquela de caráter
positivista, mas um discurso apropriado à compreensão do fenômeno humano como tal, que
não condena a priori toda e qualquer forma de subjetividade, porque se recusa a admiti-la
incompatível com a elaboração de um conhecimento objetivo sobre o homem.
Neste sentido, na primeira metade do século XX, a Sociologia foi atrelada ao ideário
de modernização e democratização do Brasil, sobretudo pela possibilidade de construir novos
parâmetros para pensar e intervir de modo racional na realidade e superação do suposto atraso
nacional. Sua presença na forma de disciplina escolar fazia coro com a promessa de renovação
intelectual e de formação de cidadãos para atuar em um país moderno, mas sem abrir mão da
ordem social.
Basta lembrar que a Sociologia surge como disciplina obrigatória apenas para os
candidatos ao ensino superior – um conhecimento julgado necessário para parcela privilegiada
162
da sociedade que realizaria ensino superior e que teria o monopólio do discurso sobre o social.
Um discurso que era, como vimos, enciclopédico e de acesso restrito.
Apesar de no campo ideológico estar ligada à “reconstrução” do país, de fato e na
prática, a disciplina assumiu um papel normativo, prescritivo de noções de civilidade, civismo
e até mesmo higienismo e, de forma, quase imperceptível fez parte de um processo de
reconstrução dos ideais nacionais; sua contribuição inclusive pode ser sentida, no sentido
oposto, de reafirmação das noções acima.
Indo além, a Sociologia ofereceu uma metáfora completa de sociedade, a partir do
positivismo comteano e durkheimiano: a metáfora do funcionamento orgânico, na qual se
ocultaram desigualdades sociais sob os argumentos da funcionalidade, solidariedade e
autoridade – já que este como vimos, foi o sentido formulado e/ou conferido a ciência
sociológica que se constituía entre nós. Indo mais à frente. Meucci (2001) argumenta, inclusive,
que a Sociologia escolar, cumpriu um papel crucial para o período que consiste em ser o de
justificativa discursiva do Estado Novo.
Não é difícil de notar que a Sociologia não constituiu um projeto público de
educação: a disciplina no início do século XX tornou-se objeto de disputa entre intelectuais
com diferentes posicionamentos ideológicos (positivistas, conservadores, liberais e humanistas)
que concorriam pelo “monopólio da explicação legítima sobre a natureza da sociedade e de
suas instituições” (MEUCCI, 2011) e que pareciam aspirar pela consolidação do conhecimento
sociológico para compreender a sociedade, reorganizar o Estado e prescrever a ordem social ao
seu modo.
É notável o fato de que o conhecimento sociológico escolar tenha se tornado
dispensável exatamente no momento dos primeiros sinais de esgotamento do pacto que deu
origem ao Estado Novo, quando as bases do nacionalismo que o fundamentaram também se
abalaram pelo curso da Segunda Guerra Mundial. Com efeito, considerando que a Sociologia
escolar teve grande êxito relacionado à crise do pacto republicano e à aspiração por uma
organização nacional antiliberal, o esgotamento desses fundamentos logo nos primeiros anos
da década de 1940 fez com que ela desaparecesse da escola120.
Com efeito, ainda que sua reintrodução após a democratização tenha sido tema de
discussão, não houve mais uma agenda propositiva para redefinição de sua importância
120 Moraes (2011) tematizou essa questão da saída da Sociologia do ensino secundário sugerindo outro elemento
importante para a compreensão dessa exclusão. Para ele, a Sociologia, nesse novo plano curricular, não teve um
lugar para se acomodar posto que não tinha ainda nem legitimidade científica, tampouco era considerada uma área
de formação literária e filosófica. Não era reconhecida nem como clássica, nem como científica.
163
curricular capaz de exorcizar o seu conteúdo escolar autoritário e normativo recentemente
interrompido. Ao passo que, rompendo essa experiência escolar, nas principais universidades
brasileiras naquele período, a Sociologia foi representada como uma das mais contribuições
necessárias aos processos de racionalização do pensamento comprometida com uma agenda de
modernização e democratização – tarefa necessária que, não obstante, parecia ser
intelectualmente complexa para as condições do ambiente escolar, como veremos adiante.
Notamos como este debate, sobre objetividade e subjetividade, gestado na
conjuntura europeia do século XIX, só começa a ser assimilado no Brasil a partir da metade da
década de 1930. Na passagem da década de 1930 para 1940, portanto, a Sociologia se viu objeto
de representações contraditórias: por um lado, seu passado escolar a condenava pelo que tinha
de antidemocrática, enciclopédica, diletante e conservadora, e, por outro, sua atualidade
acadêmica, universitária e científica reconhecia sua contribuição para a democratização, mas
pouco esteve presente no debate público. Esse fenômeno pode ter favorecido para que não se
constituíssem, no período, agentes e sujeitos sociais capazes de protagonizar sua reintrodução
no ensino secundário, dilema que exploraremos na próxima sessão.
4.2. Saída da Sociologia da escola: esgotamento do processo de construção da
disciplina escolar e a reação no campo sociológico acadêmico à retirada
O sentido conferido à Sociologia, como vimos, nos anos 1930, esteve conectado a
um ideário e suposto papel “missionário” que viria a ser assumido pela disciplina com objetivo
de interpretar/compreender racionalmente a sociedade brasileira, além de auxiliar sua ruptura
com seu atraso e os problemas oriundos deste. Seu ensino, nas escolas secundaristas, fora
encarado como um instrumento para “elevar o nível intelectual das grandes massas”
(FERNANDES, 1977) e um efetivo instrumento de mudança social e democratização da
sociedade brasileira, pois produziria respostas aos problemas sociais existentes.
Não à toa, Meucci (2011), ao investigar as influências teóricas dos primeiros livros
didáticos de Sociologia, observa a influência de Herbert Spencer. Segundo o autor inglês, os
organismos vivos, bem como as sociedades humanas, estão igualmente submetidos a uma lei
inexorável da natureza (SPENCER, 1939)121.
A ideia de progresso que fora apropriada pelos primeiros sistematizadores da
disciplina estivera associada à evolução orgânica, que corresponderia acumulativa e
121 Lei esta que comandaria um processo de evolução que conduz os organismos vivos e as sociedades à um
crescente heterogeneização de suas respectivas funções, orgânicas ou sociais (SPENCER, 1939).
164
progressivamente à complexidade conferida a crescente da divisão do trabalho social, causada
pela diferenciação das funções dos grupos membros da mesma sociedade122.
A partir desta perspectiva fica clara, para os intelectuais que sistematizavam a
disciplina, a inexistência de uma forma de vida social organizada no Brasil. Estes
compreendiam que a sociedade brasileira sofrera um processo de dissolução particularmente
após a abolição do trabalho escravo e que esta representara a dissolução da divisão do trabalho
social tal como institucionalizada entre nós e, por conseguinte, conduzira a uma total
desorganização da vida social. A Sociologia se torna a resposta para pensar a reorganização e
a evolução social.
Na metade da década de 1930 e início da de 1940, à medida que as disputas dentro
do campo sociológico se aprofundam, mais a disciplina se afasta da escola. Ainda no campo
dos manuais, como aponta Meucci (2001), ganha força na década supracitada a teoria
funcionalista dos autores norte-americanos que passaram a considerar fatores psicológicos e
ambientais na determinação do progresso de uma sociedade, uma quebra frente ao padrão
anterior. Conceitos como adaptação, assimilação, cooperação e competição social, inspiram-se
numa compreensão funcionalista da sociedade fundamentada/legitimada pelas pesquisas
sociológicas desenvolvidas naquele país e amplamente difundidas entre nossos autores.
As propostas apresentadas pelos cursos acadêmicos de Ciências Sociais estavam se
modificando e conectando à possibilidade de compreensão aluno da realidade brasileira, a partir
da interface com as teorias sociológicas (e não o contrário), o que deixa clara a necessidade de
formulação de um novo sentido para Sociologia escolar, objetivo, que sabemos, não fora
plenamente atendido. Como exemplifica Glaucia Villas Bôas, a partir da metade da década de
1940, a conjuntura se modifica de forma contundente:
Nos 20 anos transcorridos entre 1945 e 1964 (...) um conjunto de livros, grande parte
de autoria dos recém-formados cientistas sociais egressos das faculdades de Filosofia,
circulou nos meios intelectuais e universitários, trazendo para o cerne dos debates a
construção de uma sociedade de classes, secularizada, democrática, sujeita a uma
ordem burocrática, impessoal, legal. A imagem do futuro inscrita nesses livros, tivesse
por fundamento uma filosofia defensora das leis determinantes da história (como a
hegeliana ou a marxista), tivesse por fundamento simplesmente a ideia burguesa de
progresso, apoiava-se em uma visão linear e evolucionista da história e em uma
concepção universalista do mundo. Recebida e adotada nos meios intelectuais e
políticos, tornou-se parâmetro para interpretar a sociedade brasileira. (VILLAS
BÔAS, 2006, p. 61).
122 O conceito de solidariedade orgânica formulado por Durkheim (2008) também fora bastante acionado nesta
conjuntura.
165
De modo a realizar um rápido movimento didático rumo às décadas de 1940 e 1950,
para investigação desta mudança de postura, encontramos a edição de setembro de 1949 da
Revista Sociologia – Didática e Científica que é representativa deste debate e apresenta os
textos oriundos do “Symposium sobre o ensino de sociologia e etnologia no Brasil” ocorrido
no mesmo ano. Com contribuições de Antônio Candido, Costa Pinto, José Artur Rios, Donald
Pierson e Octavio da Costa Eduardo, os textos refletem sobre as condições do ensino desses
temas no Brasil até a década de 1940.
O texto de Costa Pinto, em particular, sua tese de livre docência, se mostra singular,
o autor defende a educação como processo social e faz uma análise da educação no país, do
processo de escolarização dos jovens e das reformas educacionais, criticando a reforma
Capanema de 1942; e, por último, defende o lugar da sociologia no nível secundário,
ressaltando que:
O essencial é desenvolver no estudante a capacidade de analisar e compreender a vida
social como parte da realidade objetiva, na qual ele vai intervir como sujeito e não
apenas sofrer a ação como objeto. O fundamental é capacitá-lo, por meio do estudo
objetivo dos processos sociais básicos, a tomar consciência do processo histórico geral
de transformação da sociedade que ocorre em seu derredor e do qual deve participar
como socius consciente (COSTA PINTO, 1949, p. 306).
Como podemos perceber, a concepção acerca da Sociologia escolar apresenta
modificações na década de 1940 em relação ao verificado na década de 1930. Chama atenção
a necessidade proclamada de “estudo objetivo dos processos sociais básicos” (COSTA PINTO,
1949) pelo estudante; reparemos que o autor se diferencia do ideário de progresso e se aproxima
do campo da investigação sociológica, propondo, inclusive, como caminho para tomada de
consciência e transformação, já que a disciplina poderia oferecer um conjunto de noções básicas
e operativas, além de ensinar técnicas, suscitar atitudes mentais, o espírito crítico e a vigilância
intelectual.
Verificamos também em Costa Pinto uma preocupação com a inserção profissional
dos cientistas sociais. O autor enxergava que a retomada da Sociologia no espaço escolar
poderia tornar a docência um vislumbre/alternativa ambicionada pelos setores emergentes da
sociedade representada pelo formado em Ciências Sociais (COSTA PINTO, 1949)123.
123 Isto torna complexa a relação universidade x escola já que esta última não constituía apenas o lugar cuja função
principal era depositar a mão-de-obra recém-diplomada, mas possuía de fato oportunidades permanentes de
colocação, garantindo o sustento material de postulantes e candidatos ao ensino superior, já que concentrando-se
no perfil social e nas trajetórias dos egressos das recém-criadas instituições de ensino superior Neste sentido, a
importância dada a disciplina se conecta em um primeiro momento à ideia da profissionalização via ensino e não
para pesquisa. perspectiva que se modifica fortemente no final da década de 1930 quando o público alvo principal
do curso se torna a elite paulistana que o redireciona para análise de grandes temas e problemas sociais – o que
166
Ainda na edição de 1949 da Revista Sociologia, há posicionamentos que reforçam
o aprofundamento das diferenças entre as sociologias no período, o que fica claro na fala de
Antônio Candido, que discorda do reestabelecimento da Sociologia na escola secundária:
Não nos parece, contrariamente à opinião predominante entre sociólogos, que deva o
seu ensino ser reestabelecido no curso colegial, de onde o retirou a reforma Capanema,
juntamente com a economia e a estatística. Com efeito, não apenas o currículo do
curso secundário, em ambos os ciclos, padece de sobrecarga, como a sociologia é
matéria que pressupõe conhecimentos de história, geografia e filosofia. Seria de toda
conveniência iniciar o seu estudo depois de alguns anos dessas disciplinas, elas sim
indispensáveis à formação secundária (CANDIDO, 1949, p. 283).
A ciência sociológica deve ser encarada, para Candido, segundo seus três aspectos
essenciais: como ponto de vista, como técnica social e como ciência dos fatos sociais. Assim,
para este autor, os objetivos do ensino de sociologia devem ser:
(...) munir o estudante de instrumentos de análise objetiva da realidade social; mas
também, complementarmente, o de sugerir-lhe pontos de vista mediante os quais
possa compreender o seu tempo, e normas com que poderá construir a sua atividade
na vida social (CANDIDO, 1949, p. 279).
A posição de Candido no debate indica elementos sobre a retirada de
reconhecimento institucional da disciplina em sua faceta escolar, à medida que a disciplina não
seria indispensável para formação do estudante, bem como seu aprendizado requereria
maturidade que supostamente não existiria nesse nível de ensino, concentrá-lo no ensino
superior seria, portanto, o melhor caminho.
O ensino de Sociologia foi tema de debate ainda, na década de 1950, a partir da
realização do I Congresso Brasileiro de Sociologia, promovido em 1954 pela Sociedade
Brasileira de Sociologia (SBS). Lembremos que o primeiro congresso da SBS é influenciado
pelas mudanças ocorridas no interior do campo sociológico e educacional brasileiro, o próprio
tema do congresso “O ensino e as pesquisas sociológicas; organização social; mudança social”,
evidencia a preocupação com as dimensões científica e profissional da entidade e registrou o
posicionamento político propositor e interventor destes intelectuais em uma conjuntura
marcada por intensas disputas internas e externas pelos rumos da educação, da política e da
economia no país.
Não temos o objetivo de cobrir o debate dos anos 1950, mas percebemos que a
reivindicação pela volta da disciplina ao currículo reaparece e/ou permanece. Em um contexto
Costa Pinto pretendia retomar, embora o sistema escolar de então era bastante concentrado, quase um terço das
escolas secundárias, por exemplo, estava em São Paulo.
167
no qual a Sociologia acadêmica/universitária/científica incrementa sua importância e o
imaginário ligado à modernização como resolução do atraso da nação sofre uma reviravolta124.
Nessa lógica, a comunicação de Florestan Fernandes no congresso torna-se
marcante já que o autor propôs uma análise sobre as possibilidades da reintrodução da
Sociologia no ensino secundário, partindo da avaliação da posição deste nível de ensino no
sistema educacional, considerando este sistema em relação às condições socioculturais que o
suportam para, por fim, analisar os efeitos da introdução da disciplina neste contexto.
O autor sustenta que o ensino secundário brasileiro dos anos 1950 seria definido
por um tipo de educação estática que visa unicamente à conservação da ordem social,
impossibilitado de “tornar-se um instrumento consciente de progresso social”, de uma educação
dinâmica125 (CONGRESSO BRASILEIRO DE SOCIOLOGIA, 1955). Notamos que para
Fernandes, portanto, o sistema educacional na década de 1950, apesar de sua relativa expansão
nos anos anteriores, basicamente padecia dos mesmos problemas da década de 1930 e vira
objeto anexo de sua formulação crítica. O autor assevera que neste sistema educacional de tipo
estático, as Ciências Sociais não poderiam exercer nenhum papel, fato que lamenta levando em
consideração as condições de formação da sociedade brasileira126.
Na sua perspectiva, em face de todas as mudanças sociais da sociedade brasileira,
à escola não foi dado nenhum papel construtivo na “formação da consciência cívica dos
cidadãos”; Fernandes, deste modo, defende a legitimidade do ensino de Sociologia na escola
secundária contribuindo justamente para a “formação de atitudes cívicas e para a constituição
de uma consciência política definida em torno da compreensão dos direitos e dos deveres dos
cidadãos” (CONGRESSO BRASILEIRO DE SOCIOLOGIA, 1955).
Os estudos sobre ensino de Sociologia tendem a enfocar de forma significativa a
fala de Fernandes em si e para si, mas sem mencionar que a mesma foi alvo de discussão durante
todo o congresso. A comunicação teve recepção mista por parte dos seus pares com Oracy
124 Como deixa claro VILLAS BÔAS (2006), o modernismo sociológico dos anos 1950, renuncia à procura de um
espírito nacional a caminho de si mesmo e, nos seus contornos próprios, tenta romper com o círculo de ferro
imposto pela herança dos modelos interpretativos anteriores, para legitimar, no seu próprio tempo, ideias que
aparecem como novas. As concepções igualitárias, universalistas e progressistas tiveram de se defrontar com a
eficácia simbólica das interpretações do caráter nacional brasileiro, sobretudo com uma visão da imutabilidade da
vida social que aquelas interpretações contêm, uma vez que se apoiam em características supostamente constantes
de grupos sociais ao longo do tempo. O pensamento sociológico dos anos 1950 questionou a naturalização da vida
social difundida pela ideia do ethos brasileiro e aportou novas categorias de entendimento para a compreensão de
uma sociedade “em mudança”. (VILLAS BÔAS, 2006, p. 62). 125 Ainda carecemos de investigação, mas cabe lembrar preliminarmente, que a própria Sociologia escolar quando
ainda presente no currículo visava também a conservação da ordem social. 126 O processo emperrado de democratização do ensino com a ampliação do acesso à escola, de desagregação da
ordem escravocrata, a instauração da democracia, a formação das classes sociais e dos partidos políticos.
168
Nogueira, Nelson Pesciotta, Arthur Rios, Costa Pinto e Donald Pierson defendendo a inserção
da disciplina na escola, enquanto que Lourival Machado, Guerreiro Ramos, Lucila Hermann
apresentaram argumentos contrários.
Podemos dizer que Fernandes estava preocupado com a reforma do sistema
educacional brasileiro, manifestando uma noção clara do papel que a Sociologia poderia
desempenhar neste contexto, já que a visão reivindicada por ele estabelece contato com os
progressos teórico-metodológicos realizados pela Sociologia até então. Em outras palavras,
embora considerasse a importância que os cidadãos compreendessem seus direitos e deveres,
a disciplina, na sua visão, poderia conferir – a partir dos instrumentos já consolidados em sua
vida acadêmica de 20 anos e do debate candente sobre “mudança social” - um elemento para
embasada tomada de consciência no espaço escolar e disrupção frente a realidade social para
além do mesmo.
No entanto, nos chama a atenção, sobretudo, a fala de Lourival Machado que,
posicionou-se contrariamente à presença da Sociologia como disciplina do ensino secundário
já que em vez “de elemento de mudança, a disciplina seria convertida em instrumento de
conservação, sendo usada por aqueles que se opunham à renovação” (CONGRESSO
BRASILEIRO DE SOCIOLOGIA, 1955), evocando a própria história da disciplina no
secundário até então. Destacamos esta fala pois nos parece significativa a preocupação de que
a Sociologia pudesse assumir, num eventual retorno à escola, o sentido assumido na década de
1930 e 1940 quando fortemente influenciada pela Igreja Católica e pelos governos autoritários
de Getúlio Vargas.
Reforçamos, nesse sentido, nosso argumento que a disciplina se constituiu como
ciência a partir de seu distanciamento do espaço escolar e isso impacta seu reconhecimento
institucional127, o retorno da Sociologia à escola também foi encarado como um processo que
poderia ocasionar perdas no caminho científico traçado até então. Florestan Fernandes no ano
de 1977, no prefácio à A Sociologia no Brasil em que foram compilados textos de sua autoria
que versam sobre a inserção da disciplina no país, relembra o debate dos anos 1950 (remetendo-
se sobre a comunicação no I Congresso da SBS):
127 Apesar disso, ressaltamos que existe a necessidade de uma pesquisa de maior vulto sobre o I Congresso
Brasileiro de Sociologia. Este é o momento em que a geração profissionalizada na academia retoma a discussão
sobre os sentidos escolares da sociologia. É preciso ainda aumentar o horizonte cronológico e retomar esse debate.
Acreditamos que não é possível explicar o congresso apenas a luz dos anos de 1930 e 1940, mas deve-se investigar
também os anos de 1950: por que sociologia não retorna à escola com a democratização? Apenas assim poderíamos
confirmar o novo sentido do conhecimento sociológico, o que ressaltamos, não foi o objetivo da tese.
169
O outro capítulo, sobre “o ensino de sociologia na escola secundária brasileira”,
possui um sabor amargo. Ele documenta o quanto avançamos rapidamente para trás.
Na década de 1950 discutíamos qual seria a importância pedagógica da sociologia na
formação adolescente. Hoje nos vemos diante de pressões que visam extirpar as
ciências sociais mesmo do ensino superior e eliminar a sociologia de todos os nichos
que ela já conquistou! Por “irresponsabilidade do sociólogo” como querem alguns, ou
porque a “reação burguesa” gerou os seus próprios ritmos históricos, sufocantes e
destrutivos? (FERNANDES, 1977, p.14).
Esta fala de Fernandes denota uma decepção com os rumos tomados pelo país e
pelo debate anteriormente travado na década de 1940. As Ciências Sociais, apesar de terem
saído do currículo do secundário em 1942, construíram a partir da década de 1940/1950 um
lugar respeitado na academia, mas Fernandes reivindica que os sociólogos da sua geração
apesar de primar pela construção de um arcabouço científico para a disciplina, não procuraram
incorporar as elites culturais do país uma nova interpretação sobre a realidade nacional:
Postos diante das expectativas conservadoras dos ‘donos do poder’, eu e meus
companheiros de geração não procuramos nos incorporar às elites culturais do país;
apegamo-nos a um radicalismo científico, que servisse, ao mesmo tempo, como um
escudo protetor e um recurso de autoafirmação. Portanto, não cerramos fileiras com
o “liberalismo esclarecido, que via, na criação da Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras ou da Escola Livre de Sociologia e Política, um mecanismo de renovação do
poder os estratos dirigentes das classes dominantes, empenhados na defesa da
hegemonia paulista. Procuramos legitimar uma área própria de autonomia intelectual
e o fizemos em nome da ‘ciência’ e da ‘solução racional’ dos problemas sociais
(FERNANDES, 1977, p.14).
O impacto da retirada da Sociologia dos cursos secundários exigiu novo
redirecionamento e acelerou mudanças dos cursos acadêmicos antes voltados particularmente
para a preparação de professores mais do que pesquisadores propriamente ditos. Uma dessas
mudanças diz respeito ao redirecionamento das Ciências Sociais para a temática da “mudança
social” já que questões fundamentais da realidade brasileira como a questão racial, educacional,
desigualdades sociais e a própria atuação dos intelectuais na vida política brasileira foram
ganhando terreno e pesquisas cientificas de grande escopo.
É interessante notar que na década de 1930 e início dos 1940 temos um processo de
sistematização da disciplina que acompanha e “respeita” a disciplinarização escolar da
Sociologia. As sociologias escolar e acadêmica andam juntas, portanto, até 1942, pois uma
precisa da legitimidade - em processo de construção - da outra. A medida que a sociologia
acadêmica avança, com ascensão da metodologia científica, a sociologia escolar desanda.
Nessa acepção, como apontam Luiz de Aguiar Costa Pinto e Edison Carneiro
(1955) - a Reforma Francisco Campos, ao tornar obrigatório o estudo da Sociologia no ensino
170
secundário, ao conferir “a essas ciências o papel fundamental de uma nova atitude diante da
vida, base de um novo humanismo, elemento essencial da integração do homem moderno na
sociedade moderna” (COSTA PINTO e CARNEIRO, 1995), poderia dado “uma resposta da
inteligência nacional ao desafio representado pelos problemas colocados diante dela pelas
mudanças sociais em processo, problemas que o movimento revolucionário que inaugurou o
decênio tinha que, como tarefa histórica, atacar de frente” (COSTA PINTO e CARNEIRO,
1995).
No entanto, estes mesmos autores concluiriam que a reforma não rendeu os frutos
prometidos. Os programas de Sociologia, foram entregues inicialmente a pessoas alheias aos
debates das Ciências Sociais e o próprio Campos mostrou-se como uma figura com posições
contraditórias: ao mesmo tempo em que tentou implementar uma política educacional de caráter
nacional e ratificou a permanência da Sociologia no ensino secundário, em uma reforma
revestida de caráter modernizante e democrático, estabeleceu o ensino religioso nas escolas
públicas e redigiu a Constituição Federal que instituiu o Estado Novo (SAVIANI, 2010).
Problemas que segundo Costa Pinto e Edison Carneiro (1955), se adensaram no
contexto pós-Reforma Capanema e representaram um retrocesso no desenvolvimento da
Sociologia escolar, à medida que diminuíram a atração do curso/diploma destituído de um dos
seus principais sentidos profissionais. Estes assinalam ainda que a maioria dos que procuravam
os cursos de Ciências Sociais, buscavam candidatar-se ao magistério secundário e não fazia
sentido – em um meio em que o mercado de trabalho era tão restrito – que um curso
universitário existisse como esforço isolado para a formação de técnicos e pesquisadores de
alto nível em Ciências Sociais.
Sua defesa da Sociologia na escola básica aparece então, novamente, vinculada à
igual defesa de um “mercado de trabalho intelectual” (COSTA PINTO & CARNEIRO,1955)
sólido para os egressos dos cursos de ciências sociais que poderia, inclusive, contribuir para
aprimorar sua formação acadêmica128 – o que acabou por não se realizar em larga escala129.
128 Como aponta Meucci (2001) o desaparecimento da Sociologia dos cursos complementares causou impacto
negativo na produção de obras didáticas. Após 1942 foram elaborados apenas dois novos compêndios de
sociologia que são obras que compõe uma nova ‘safra’ dedicada especialmente (ainda que não exclusivamente)
ao ensino superior. Teoria e Pesquisa em Sociologia de Donald Pierson e Sociologia: uma introdução aos seus
princípios de Gilberto Freyre estavam certamente voltados ao público dos estudantes de graduação em ciências
sociais. O que nos permite dizer que a preocupação quanto ao que ensinar no ensino secundário, já havia de várias
maneiras minguado, enquanto florescem alternativas para disciplina acadêmica 129 Importante destacar que Florestan Fernandes, Costa Pinto e Antonio Candido não foram os únicos expoentes
da academia a tomar parte nos debates sobre a Sociologia enquanto disciplina escolar. Já versamos sobre a
importância de Delgado de Carvalho e Fernando de Azevedo na década de 1920 e 1930, além dele se destacam
Antonio Carneiro Leão, professor da Universidade do Brasil, criou a cadeira de Sociologia na Escola Normal de
Pernambuco, que teve como titular, entre 1929 e 1930 onde atuou Gilberto Freyre; Roger Bastide, da Universidade
171
4.3. Diletantismo x ciência no debate acadêmico dos anos 1930/1940
Uma das razões do descolamento entre as sociologias escolar e acadêmica também
passa pela consolidação de uma nova geração de sociólogos que modificou a maneira que a
disciplina se apresentava entre nós, a partir de um debate interno ao campo acerca das diretrizes
da disciplina. Antes de entrarmos na análise das oposições ocorridas entre as gerações de
sociólogos, nos cabe lembrar que processos de ruptura no que diz respeito a relação da
Sociologia com outros campos disciplinares/científicos aconteceram desde o século XIX.
Uma dessas primeiras rupturas se deu no campo do Direito. Como destaca Cigales
(2016), os primeiros cursos de Direito no Brasil (em 1827, em São Paulo, e em Olinda,
posteriormente Recife, em 1854) surgiram concomitantemente ao processo de independência
do país e a construção do Estado nacional, tendo duas funções demarcadas: ser polo de
sistematização e irradiação do liberalismo enquanto nova ideologia político-jurídica capaz de
defender e integrar a sociedade, e, ao mesmo tempo, dar condições institucionais ao liberalismo,
ao formar o quadro administrativo-profissional, ou seja, a burocracia local.
Sendo assim, as escolas de Direito, a partir da segunda metade do século XIX,
recepcionaram um discurso secular que possibilitava uma diversidade temática entrelaçada ao
discurso jurídico, como a Biologia, História e Sociologia, representando uma vanguarda
científica no país (ENGERROFF e CIGALES, 2017)130.
No entanto, as discussões acerca do ensino jurídico eram intensas, aprimorando-se
a defesa por reformas das academias no início do século XX, especialmente pela crise do
bacharelismo. Assim, a Sociologia é invocada de modo a propiciar a renovação intelectual das
faculdades de Direito, dando um suporte científico a estas, como destaca Meucci:
Se não foi nas faculdades de Direito que a disciplina sociológica ganhou espaço
institucional, autonomia epistemológica e, sobretudo, prática de pesquisa, foi, porém,
de São Paulo, e Donald Pierson, da Escola de Sociologia e Política, estiveram envolvidos com o Instituto de
Educação de Florianópolis, quando a Sociologia foi elevada a disciplina do curso normal de formação de
professores para o ensino primário. Emílio Willems foi professor da Escola de Sociologia e Política e da
Universidade de São Paulo, lecionou no ensino secundário e em escolas normais, em Santa Catarina e São Paulo,
ao longo de uma década, antes de se estabelecer no ensino superior. 130 Além disso, ainda que a formação nestas escolas indicasse o título de bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais,
a Sociologia não integrava diretamente os currículos escolares. De todo modo, mesmo com críticas acerca da baixa
qualidade do ensino, das precárias estruturas e do autodidatismo nas escolas de Direito, estas faculdades e seu
entorno se constituíram de ponto estratégico para a ampla formação da classe dirigente nos quais a ordem jurídica
vindicava o preparo metódico de noções antropológicas e sociológicas para alargar os horizontes dos estudantes,
dando-lhes elementos para entender o homem e a sociedade, mas sem compreender um conhecimento sociológico
ordenado (ENGERROFF e CIGALES, 2017).
172
sob as arcadas que obteve significação capaz de mobilizar esforços intelectuais para
sua ampla repercussão. Depositária da expectativa de renovas a vida do país, com uma
tarefa civilizadora, a Sociologia, com efeito, ganhara legitimidade para se estabelecer
no sistema de ensino brasileiro (MEUCCI, 2000, p. 31).
No entanto, a partir dos anos 1930, a partir do discurso já trabalhado de ruptura do
Brasil com sua origem arcaica, a Sociologia se descola do Direito. Já que para modificar o
Brasil, era preciso conhecê-lo a fundo, direcionar-se a resolução dos problemas presentas na
“realidade brasileira”. O conhecimento acerca da realidade social passou, então, a ser
compreendido como um imperativo, condição necessária para celebração de um novo acordo
político capaz de nos conduzir a um melhor destino. Neste período, houve, simultaneamente, a
crítica severa à formação dos juristas e o estímulo à repercussão do conhecimento sociológico.
Entendia-se que os bacharéis em direito acumulavam saber literário e
enciclopédico, empolgavam-se pela abstração teórica sem estabelecer nexos com o curso da
vida social. A Sociologia, por sua vez, parece então ter representado uma porta de entrada para
uma nova atitude na qual o conhecimento estaria duplamente ligado à realidade: de um lado, a
produção do saber sociológico teria a sua origem na observação de fatos, de outro, o
conhecimento, assim produzido, resultaria em intervenções eficientemente planejadas e
controladas país (ENGERROFF e CIGALES, 2017).
A expectativa era de que o conhecimento sociológico - originário da observação
empírica - permitisse que a transformação da realidade fosse possível sobre bases concretas e
factíveis. Assim se imaginava uma conciliação entre as ideias e os fatos, entre as leis e o
processo social, entre Estado e Sociedade. A Sociologia foi compreendida como uma novidade
na vida intelectual que contrastava com o idealismo imobilista da perspectiva jurídica
(MEUCCI, 2000).
Esta crítica ao imobilismo jurídico terá repercussões nos debates do interior do
próprio campo. A reivindicada relação com a realidade social foi compreendida como oposição
à “ficção literária”, à “erudição”, ao “diletantismo”, ao “proselitismo”. A Sociologia foi então
representada como um conhecimento “exato”, “imparcial” e “aplicável”. Diletantismo,
proselitismo e enciclopedismo foram compreendidos como atitudes a serem combatidas. Não
se queria, principalmente, ver a sociologia como uma disciplina objeto do exercício intelectual
de diletantes.
Esta oposição dará origem a já debatida conexão com o campo educacional,
sobretudo os autores ligados à Escola Nova, que entre outros aspectos, criticavam o ensino
superior existente, centrado nas profissões liberais, para defender a criação de faculdades de
173
Ciências Sociais e Econômicas, Matemáticas, Físicas e Naturais, e de Filosofia e Letras. Estes
criticavam também à formação de professores, até então recrutados entre pessoas sem
preparação profissional adequada para lecionar no ensino secundário ou entre os egressos de
escolas normais que não ofereciam a necessária preparação geral e pedagógica para o
magistério.
Esses debates não impulsionaram mudanças efetivas no campo escolar, mas foram
fundamentais para fundar os primeiros cursos de graduação em Ciências Sociais no Brasil. A
partir da fundação das universidades e dos cursos, a luta contra a tradição sociológica anterior
se adensa. Há uma clara ruptura entre os cientistas sociais paulistas – especialmente na
Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (FFCL-USP) – em
relação aos intelectuais não acadêmicos dos anos de 1930 e 1940, que se expressavam,
sobretudo, através do ensaio histórico/sociológico – gênero indefinido entre Literatura,
Sociologia e História – interpretando de forma abrangente o processo de formação da sociedade
e da nação, em meio à radicalização política que seguiu a Revolução de 1930.
Livros até então considerados clássicos da literatura sociológica brasileira131 são
questionados quanto a sua validade científica, sobretudo quanto suas supostas
abordagens/interpretações generalistas e pouco apreço aos dados empíricos e recursos
analíticos. A busca de cientificidade passa a ser encarada como etapa indispensável ao
desenvolvimento da sociologia no Brasil (JACKSON, 2007).
Em outras palavras, a descontinuidade verificada na recorrência de temas e linhas
de interpretação de uma geração para outra representava uma renovação de métodos, teorias e
fundamentos empíricos. Como nos orienta Jackson (2007), a oposição entre um modelo
ensaístico e o científico deve ser pensada como relação complexa, em torno da qual
diferenciavam-se personagens e grupos, mais ou menos envolvidos no projeto de opor a
Sociologia como ciência ao ensaio, isto porque ninguém na universidade poderia fugir a essa
orientação geral, decorrente do processo abrangente de legitimação das Ciências Sociais no
período. Esta conjuntura, por exemplo, foi essencial para a construção de uma identidade
profissional específica, na qual se incorporam teorias e técnicas de pesquisa trazidas pelos
professores estrangeiros, além de novas formas de organização e avaliação do trabalho
intelectual, tornando quase inevitável o fortalecimento de nova geração com nova forma
expressiva de pensar ciência, em oposição à precedente, legitimada progressivamente.
131 Notadamente, Casa Grande & senzala (FREYRE, 1933) e Raízes do Brasil (BUARQUE DE HOLANDA,
1936).
174
Figura proeminente nesta movimentação teórico-metodológica foi Roger Bastide,
que assume a cadeira de Sociologia II, substituindo Lévi-Strauss, e se interessa imediatamente
pela leitura de autores brasileiros, indignando-se com a ignorância de muitos alunos a esse
respeito e insistindo para que os estudassem: entre estes estavam Florestan Fernandes e Antonio
Candido. Enquanto o primeiro reivindicou a prática e a consolidação da sociológica de cunho
científico; o segundo dividiu-se entre a Sociologia e a Literatura, pelo menos até o final dos
anos de 1950, o que teve impactos em sua compreensão acerca do campo, como verificamos
em textos como “A Sociologia no Brasil” e “Literatura e cultura de 1900 a 1945”, nos quais o
autor destaca, como forma típica de expressão do nosso pensamento, o “sincretismo” entre os
dois campos.
Esse debate ganha contorno intenso nas décadas posteriores com eco nos embates
entre Octavio Ianni e Gilberto Freyre, com o primeiro discutindo a concepção sociológica do
autor no livro “Sociologia, introdução ao estudo de seus princípios” (FREYRE, 1945)
criticando-o por confundir linguagens distintas, como arte e ciência. Novamente, buscava-se
afirmar o projeto do grupo, de constituir em bases sólidas a Sociologia como ciência, já que
separação radical entre os domínios da ciência e da arte, proposta defendida por Ianni (1958),
apoia-se no pressuposto de que somente a ciência dispõe de meios para afastar-se do mundo
dos valores, nisso consistindo a diferença de abstração que a separa da literatura.
Essa oposição também se manifesta no campo do ensino já que os uspianos também
defendiam um tipo de ensino da Sociologia que fosse “verdadeiramente científico”, isto é,
centrado na análise dos processos sociais efetivos e não na história das ideias sociológicas, esta
considerada característica dos períodos pré-científicos da disciplina (JACKSON, 2007).
Percebemos que a Sociologia, a partir dessas oposições expostas acima, inicia um movimento
de consideração de seus próprios problemas e debates acadêmicos internos, se afastando do
debate público, e, consequentemente do espaço e debate escolar, perspectiva que valorizava
anteriormente em publicações como a Revista Sociologia.
4.4. Revista Sociologia: Didática e Científica (1939-1950)
A Revista Sociologia foi publicada entre 1939 e 1966 e é considerada um dos mais
antigos periódicos brasileiros, pois acompanhou o movimento de institucionalização das
Ciências Sociais no Brasil, a partir da criação dos primeiros cursos superiores de Ciências
Sociais, na ELSP e na USP. Como apontaram Almeida e Silva (2015) “em 27 anos de
175
existência, foram editados pouco mais de 100 números que contabilizam milhares de artigos e
dezenas de assuntos e temas relacionados à grande área das Ciências Sociais”.
A revista não será responsável direta pelo descolamento das sociologias, mas sua
trajetória - reconstruída aqui com auxílio de Almeida e Silva (2015), Jackson (2007) e Neuhold
(2014) - ajuda a compreender o movimento delineado acima, principalmente quando a revista
deixa o complemento “Didática e Científica” de sua apresentação. Durante os primeiros anos a
revista tenta estabelecer uma conexão entre
A revista tornou-se rapidamente o maior periódico brasileiro especializado em
Sociologia e não tardou a ser reconhecida, dentro e fora do país, como importante divulgador
das Ciências Sociais, desde os seus primórdios, no entanto, enfrentou dificuldades financeiras,
para as quais encontrou solução definitiva na incorporação, em 1947, à ELSP – tendo como
editores os professores Emílio Willems e Romano Barreto.
A relação com a ELSP, inclusive, é marcante, sobretudo sua relação com os três
professores que lideraram a criação do programa de pós-graduação em Sociologia e Política:
Emílio Willems, Donald Pierson e Herbert Baldus. Willems, que desde 1941 lecionava na USP,
respondia pelas disciplinas de Sociologia e Antropologia na ELSP, foi o maior colaborador do
periódico, ao lado de Pierson, entre 1939 e 1949, quando deixou o Brasil.
Pierson assinava a seção “Notas sociológicas” e dirigiu a revista entre 1950 e 1957.
Herbert Baldus por sua vez, que a partir de 1947 também editaria a Revista do Museu Paulista
(JACKSON, 2007), mantinha Sociologia atualizada no que de mais recente se produzia na
Antropologia Social. Coordenava também a “Seção etnológica” onde publicava textos próprios,
traduções e materiais de outros autores. Essa participação decisiva de professores da ELSP no
periódico desde as suas origens, porém, não anulou o fato de a revista ter nascido de iniciativa
particular e mantido existência autônoma daquela instituição entre 1939 e 1947 (NEUHOLD,
2014).
Com relação a sua proposta/linha editorial, podemos dizer que a revista teve duas
fases: entre 1939 e meados de 1950, quando Sociologia nomeadamente se caracterizou como
uma “revista didática e científica”; e a partir de 1950, quando renunciou definitivamente à sua
preocupação didática para se apresentar apenas como revista de divulgação científica
(NEUHOLD, 2014).
A proposta original de Sociologia encontrava-se intimamente relacionada à
trajetória acadêmica e profissional de seus fundadores/editores. Como seus currículos deixam
176
claro 132, portanto, ambos fundadores/editores da revista lecionavam no magistério secundário
e escola normal. Como aponta Willems, o ensino secundário representa dificuldades quanto ao
ensino da disciplina já que “inegavelmente, a Sociologia como sendo a ciência mais complexa
de todas quantas se ensinam nos cursos profissionais e complementares, coloca o professor
diante de problemas didáticos de difícil solução” (WILLEMS, 1940, p.83). Ao mesmo tempo,
as dificuldades com o magistério despertaram o interesse dos autores em experimentar e
difundir suas experiências didáticas, com intenção de formar uma rede de colaboração e
divulgação de práticas de ensino de Sociologia.
Definida por seus diretores como “revista e compêndio ao mesmo tempo”
(SOCIOLOGIA, 1939 apud NEUHOLD, 2014), a revista foi originalmente criada como uma
publicação didática destinada a docentes e alunos das escolas normais, do ensino secundário e
superior. Nos números iniciais, mostrava interesse pelos estudantes do ensino secundário e
normal, anunciando a intenção de lhes fornecer subsídios para o estudo dessa nova disciplina
dos programas das escolas normais e do curso complementar do ensino secundário: “Sociologia
pretende ir ao encontro dos que desejam conhecer seriamente essa disciplina e, nesse sentido,
propõe-se como programa acompanhar o estudante, proporcionando-lhe a ajuda necessária para
o enriquecimento e organização de sua cultura” (SOCIOLOGIA, 1939 apud NEUHOLD,
2014).
No número de estreia (v. 1, n. 1, 1939), seus diretores declaravam que o periódico
não era “a primeira revista de caráter científico entre as que aparecem em São Paulo”, mas que
seria “a primeira revista didática destinada aos cursos secundários, profissional e superior”
(SOCIOLOGIA, 1939a, p. 5). O objetivo era levar a revista a quem quisesse conhecê-la, em
um formato mais flexível que o do livro, podendo ser constantemente aperfeiçoado e renovado.
132 Romano Barreto lecionava no Colégio Universitário anexo à Faculdade de Direito da Universidade de São
Paulo (USP). Era professor efetivo de Sociologia do curso complementar do ensino secundário, destinado aos
candidatos à Faculdade de Direito e à seção de Filosofia, Ciências Sociais e Políticas, Geografia e História da
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. Segundo Antonio Candido (1993 apud NEUHOLD, 2014), antigo aluno
do colégio, os professores formavam um “corpo especial”: não eram os mesmos dos cursos da universidade, mas
ministravam aulas nas próprias unidades da USP. Enquanto, Emílio Willems também ministrava aulas no ensino
secundário e na escola normal, ofício ao qual se dedicou durante uma década, entre 1931, quando chegou ao Brasil,
até 1941, quando foi nomeado professor de Antropologia da USP. Conforme apontado anteriormente, apesar de
não falar com entusiasmo sobre sua carreira no ensino secundário, Willems dividia suas atividades no ensino
superior como assistente no Instituto de Educação com o magistério no Liceu Nacional Rio Branco, escola
particular de São Paulo. Em São Paulo, Willems iniciou suas atividades na Universidade de São Paulo a convite
de Fernando de Azevedo, lecionando Sociologia. Em 1941, assumiu a disciplina de Antropologia que, até então
oferecida de forma intermitente, tornou-se obrigatória para os cursos de Ciências Sociais, História e Geografia.
Sob sua influência, a área de Antropologia transformou-se em uma especialização do curso de Ciências Sociais,
ao lado da Sociologia e Ciência Política, e, em 1948, em uma cadeira.
177
Na “carta os nossos leitores” (v. 1, n. 2, 1939b), Willems e Barreto explicitavam a linha editorial
da revista:
Sociologia é uma revista e compêndio a um tempo. Entendendo que uma ciência tão
ligada à realidade social e à necessidade de observação e investigação incessantes não
pode ser condensada apenas em livros, resolvemos dar-lhe uma apresentação mais
plástica, suscetível de ser renovada e aperfeiçoada continuamente. Além de
proporcionar ao estudante o contato com a matéria dos programas oficiais, Sociologia
pretende incentivar, mediante suas seções de consultas e pesquisas, o “trabalho de
campo”, a observação direta e a investigação de fatos concretos para lançar, desse
modo, os fundamentos de uma Sociologia brasileira, isto é, uma Sociologia das
realidades sociais do nosso país (SOCIOLOGIA, 1939b, p. 7). [...] Assim é que, em
cada número, publicará matéria não só dos dois anos do curso de formação
profissional do professor das escolas normais, como do curso complementar e Colégio
Universitário, contando para isso com a colaboração dos professores de Sociologia
(SOCIOLOGIA, 1939b, p. 6).
Ainda na carta aos leitores, os diretores convocavam professores a contribuir com
um suplemento que forneceria “subsídios para a didática da Sociologia” (SOCIOLOGIA,
1939b). Pediam, neste sentido, a colaboração dos professores, para que remetessem relatórios
acerca de suas experiências didáticas, planos e resumo de aulas sobre determinados assuntos
dos “programas oficiais, aulas-modelos, reportagens sociais, observações que possam servir de
exemplos didáticos, trabalhos de alunos, sugestões acerca da organização de pesquisas, planos
detalhados de investigações, etc.” (SOCIOLOGIA, 1939b, p.7).
Sendo assim, a carta ao leitor evidenciava alguns aspectos do projeto original de
Sociologia: interlocução com estudantes e professores; discussão de assuntos presentes nos
programas de ensino das escolas normais e do ensino secundário; foco na pesquisa empírica;
produção colaborativa com professores do ensino secundário, normal e superior. Os quatro
números lançados em 1939, inclusive, foram compostos pelos conteúdos e programas das
escolas normais e dos cursos complementares do ensino secundário ministrados no Colégio
Universitário da USP e trouxeram ainda artigos sobre sociólogos e suas teorias, quase todos
com manifesta preocupação didática (NEUHOLD, 2014).
Este panorama, no entanto, começa a se modificar na década de 1940, os sumários
dos dois primeiros números de Sociologia iniciavam com a inscrição: “Subsídios para o estudo
da Sociologia nas escolas normais, Colégio Universitário e cursos complementares; o que se
modifica a partir do terceiro número de Sociologia deste mesmo ano, em que o sumário deixou
de conter a inscrição “Subsídios para o estudo da Sociologia nas escolas normais, Colégio
Universitário e cursos complementares”. Os planos e programas não foram mais publicados
regularmente, havendo apenas mais uma ocorrência em 1943, com os “Programas de
178
Sociologia”, de José Querino Ribeiro (v. 3, n. 4, 1941). No primeiro número de 1942, a “Seção
didática” já estava extinta (NEUHOLD, 2014).
Embora os assuntos pertinentes ao ensino de Sociologia tenham sido retomados
esporadicamente nos volumes posteriores, voltaram a ter proeminência somente na já destacada
edição de 1949 com os artigos do Symposium onde os autores133 discutiam as possibilidades e
dificuldades envoltas no ensino de Sociologia e Etnologia, nas escolas normais, no ensino
secundário e superior. Talvez esse tenha sido o ato final dos esforços daquela revista de manter
sua vocação original de fornecer subsídios didáticos para aqueles que ensinavam e aprendiam
Sociologia. Depois disto, a revista modifica sua trajetória, como aponta Neuhold (2014),
analisando declarações dos diretores da revista:
Em 1954, ao traçar, uma história de Sociologia antes de sua incorporação à Escola
Livre de Sociologia e Política, Romano Barreto (1954, p. 8) recordou o “desejo de
tornar didática a revista”. Lembrou que o “Suplemento” foi lançado em 1939,
“visando tornar clara nossa ideia e mostrar o que pretendíamos para os estudiosos de
Sociologia com a colaboração deles mesmos. Não foi possível publicar mais nenhum
suplemento...”. As reticências que finalizaram o relato de Barreto não permitem
responder por que aquele suplemento para a didática da Sociologia não teve
continuidade ou por que a revista logo deixou de ter a didática como foco de sua
produção. Algumas pistas, porém, foram encontradas em depoimento de Emílio
Willems (1987) e nas próprias chamadas publicadas nos primeiros números do
periódico. Dessas pistas sobre o enfraquecimento da vocação didática de Sociologia
foi possível extrair uma hipótese: a revista nasceu com o propósito de difundir
conhecimentos sociológicos e, sobretudo, criar um espaço colaborativo de troca de
experiências didáticas relacionadas ao ensino da Sociologia que se estabelecia como
disciplina escolar (desde os decretos 2.940/1928, 19.890/1931 e 21.241/1932) e
acadêmica (desde a fundação da Escola Livre de Sociologia e Política e da
Universidade de São Paulo); porém, Sociologia não recebeu participações constantes
e suficientes de professores e estudantes do ensino secundário e das escolas normais
como planejado originalmente, tendo conquistado apoio de antropólogos e sociólogos
que lecionavam no ensino superior (com destaque para Donald Pierson e Herbert
Baldus) e que acabaram imprimindo-lhe características associadas mais à divulgação
científica e ao meio acadêmico do que propriamente à didática da Sociologia no
âmbito escolar (NEUHOLD, 2014, p. 206-207).
De fato, foram diversas tentativas dos diretores de Sociologia, no seu primeiro ano
de existência, para conseguir o apoio de estudantes e professores. Além dos anúncios na própria
revista, os diretores também explicitaram a intenção de tornar o periódico “um centro de
convergência das atividades escolares no que diz respeito à Sociologia, razão por que destinará
parte de suas páginas às publicações de trabalhos dos estudantes da matéria” (SOCIOLOGIA,
1939a, p. 6). Assim, esperavam que a revista fosse “aceita por mestres e alunos e, mais, por
quantos se interessem” (SOCIOLOGIA, 1939a, p.6). Apesar das tentativas para angariar apoio,
133 Antonio Candido, Luiz de Aguiar Costa Pinto, José Arthur Rios, Donald Pierson e Octavio da Costa Eduardo.
179
foi, segundo Willems (apud CORRÊA, 1987, p. 119), “sumamente difícil conseguir
colaboração”.
São sintomáticas as influências neste processo da virada do campo científico e da
Reforma Capanema, já que a Sociologia ganhou maior importância/relevância acadêmica e
precisava de uma revista para publicação dos trabalhos produzidos na universidade, enquanto
que a produção didática perde força. Basta tomar como exemplo, novamente, a atuação dos
próprios editores. Willems se estabeleceu no ensino superior a partir de 1941, deixando de
lecionar definitivamente em escolas, o que pode ter contribuído para perder o interesse em
abordar questões associadas àquele nível de ensino; e o Colégio Universitário da USP, onde
lecionava Barreto, funcionou apenas até 1943 (NEUHOLD, 2014).
Por fim, não é possível ignorar que o ensino secundário e o normal abarcavam uma
parcela mínima da população e, embora não haja dados sobre o efetivo de professores de
Sociologia na ativa naquela conjuntura, é muito provável que não reunissem muitos potenciais
autores que por ventura, alimentariam as páginas da revista. As dificuldades para conseguir
colaboradores regulares entre professores do ensino secundário e das escolas normais e o perfil
científico dos autores que se tornaram assíduos na revista, somados à Reforma Capanema e à
própria trajetória acadêmica e profissional de Willems, contribuíram para que Sociologia
ganhasse, aos poucos, feições que não estavam centradas unicamente na didática da disciplina
na escola.
4.5 . Sociologia e ensino secundário: qual o papel da disciplina no debate público?
Como indica Romanelli (2005), em 1940 as taxas de escolarização no ensino
secundário no Brasil eram de, em média, 2% da população. As escolas particulares respondiam
pela maior parte das matrículas, sendo que, em 1920, contabilizavam 9 mil contra 764
registradas nos ginásios públicos. Segundo Limongi (2001), o ensino secundário em 1930, no
Estado de São Paulo (o maior em termos econômicos da nação), era oferecido somente por três
ginásios públicos, um deles localizado na capital e os outros dois no interior, nas cidades de
Ribeirão Preto e Campinas. O sistema escolar, reduzido ao mínimo necessário, resumia-se à
educação básica e ao ensino normal.
No Rio de Janeiro, os reformadores da educação (Anísio Teixeira, Fernando de
Azevedo, Carneiro Leão, Francisco Campos e Lourenço Filho) enfatizam, em suas reformas, a
preocupação com o trabalho intelectual e pedagógico dos professores. Fernando de Azevedo,
Diretor de Instrução Pública no Rio de Janeiro (1927-1930), em um momento caracterizado
180
pelo surgimento de grande efervescência cultural, social, econômica e política, convive com a
visão da educação como fator de desenvolvimento que provoca a ampliação dos estudos
brasileiros.
A discussão da modernidade e de projetos político-educativos, as visões acerca das
relações Estado, sociedade e educação, os impasses da construção da cidadania, as alternativas
de organização da cultura e da educação na sociedade civil e no Estado que desenvolvem os
intelectuais da cidade, mostram que a conjuntura propiciava projetos de mudança e
transformação social. Dessa forma, a preocupação com a competência profissional do
professor, reveste-se de importância pela possibilidade de impulsionar o movimento de
profissionalização do educador brasileiro.
Os dados e as intenções expostos acima demonstram que, de um lado, havia a
necessidade de ampliar a rede educacional brasileira e, de outro, fomentar a qualificação dos
profissionais para atuação nessas unidades, o que se coadunaria com o surgimento de novas
universidades e a ampliação da formação do Ensino de Sociologia134. No entanto, a empolgação
com o campo educacional, visto da segunda metade da década de 1920 até o manifesto dos
pioneiros em 1932, havia perdido força. A educação, entendida como atividade ou projeto, não
possuía os recursos necessários que a situação exigia. No campo sociológico, a questão
educacional e do próprio ensino da disciplina se esvai frente à ambição que tomou a frente: a
consolidação do campo na academia e seu reconhecimento enquanto ciência instituída nos
modernos quadros da divisão disciplinar.
Nesse sentido, acreditamos que este processo acabou por gerar uma cisão dentro da
própria ciência social brasileira que nos ajuda a explicar o descolamento entre as duas
concepções de Sociologia que investigamos. Como sabemos quem mais sofre com esse
descolamento é a escola secundária, e, também, de forma anexa, a escola normal. Lembramos
desta segunda para reforçar nosso argumento, pois estas também demarcam/demonstram o
processo de desvalorização do campo educacional, que atinge também a sociologia escolar.
Lembramos que nos anos 1920, as escolas normais estavam em franca expansão
devido a introdução do curso normal nas iniciativas privada e pública, com o qual se procurava
compensar a escassez de estabelecimentos oficiais na maioria dos estados. As escolas normais,
portanto, já haviam ampliado a duração e o nível de seus estudos, possibilitando, via de regra,
134 Mas, na prática, isto não aconteceu, pois, a década de 1930 é marcada pela disputa que envolve explicações
escolares e católicas frente as explicações científicas no campo da educação. O debate sociológico neste contexto
vai começar a deixar de lado o debate no campo amplo da educação, a própria Revista Sociologia como vimos
anteriormente abandona o campo da educação como espaço dialógico.
181
articulação com o curso secundário e alargando a formação profissional propriamente dita,
graças à introdução de disciplinas, princípios e práticas inspirados no escolanovismo
(TANURI, 1970 e 1979).
Como vimos, a literatura didático-pedagógica, até então voltada quase que
exclusivamente para uma abordagem ampla dos problemas educacionais brasileiros, partindo
de uma perspectiva social e política determinada, passa a tratar os problemas educacionais de
um ponto de vista técnico, “científico”, e a contemplar, desde questões teóricas e práticas do
âmbito intraescolar, até abordagens pedagógicas mais amplas, da perspectiva da escola
renovada.
O modelo de escola normal vigente até então começa a ser criticado por
supostamente delimitar os problemas educacionais a uma abordagem estritamente técnica que
foi apontada como responsável por uma visão ingênua e tecnicista da educação, isolada de seu
contexto histórico-social, que faria carreira na educação brasileira a partir de então e da qual
resultaria uma ampliação da ênfase nos conteúdos pedagógicos, no caráter “científico” e
“quantitativo” da educação e na suposta “neutralidade” ou “imparcialidade” dos procedimentos
didáticos (NAGLE, 2001 e SAVIANI, 2010). O campo educacional, portanto, também é
atingido pelo debate sobre cientificidade, o que acaba por distanciar as duas áreas que detinham
intimo contato.
Significativo nesse sentido, será o movimento do governo federal, a partir da
Reforma Campos em transformar a Escola Normal do Distrito Federal em Instituto de
Educação, constituído de quatro escolas: Escola de Professores, Escola Secundária, Escola
Primária e Jardim-de-infância. Em 1935, a Escola de Professores foi incorporada à então criada
Universidade do Distrito Federal, com o nome de Faculdade de Educação, passando a conceder
a licença magistral àqueles que obtivessem na universidade a licença cultural. Em 1939, com a
extinção da UDF e a anexação de seus cursos à Universidade do Brasil, a Escola voltaria a ser
integrada ao Instituto de Educação, mas existiria duas maneiras de formar professores, via
escola secundária e cursos universitários.
À medida que a educação ganhava importância como área técnico-profissional,
diversificavam-se as funções educativas, surgindo cursos especificamente destinados à
preparação de pessoal para desempenhá-las. Cursos regulares de aperfeiçoamento do
magistério e de formação de administradores escolares apareceram, nos primeiros anos da
década de 1930, no estado de São Paulo e no Rio de Janeiro e, posteriormente, em outras
182
unidades da Federação, como no Rio Grande do Sul, em Pernambuco, na Bahia, em Minas
Gerais, em Sergipe, no Ceará, no Maranhão, no Rio de Janeiro (BARBIERI, 1973).
Em 1939, surgia o curso de Pedagogia, inicialmente criado na Faculdade Nacional
de Filosofia da Universidade do Brasil (Decreto 1.190, de 4/4/1939), visando à dupla função de
formar bacharéis, para atuar como técnicos de educação, e licenciados, destinados à docência
nos cursos normais. Iniciava-se um esquema de licenciatura que passou a ser conhecido como
“3 + 1”, ou seja, três anos dedicados às disciplinas de conteúdo – no caso da Pedagogia, os
próprios “fundamentos da educação” – e um ano do curso de Didática, para a formação do
licenciado (SILVA, 1999).
O ensino normal sofreu a primeira regulamentação do governo central em
decorrência da orientação centralizadora do Estado Novo. A constituição outorgada em 1937
não conferia aos estados atribuição expressa quanto à organização de seus sistemas de ensino -
atribuição essa consagrada pela Carta de 1934 - mas incumbia à União a competência de “fixar
as bases e determinar os quadros da educação nacional, traçando as diretrizes a que deve
obedecer a formação física, intelectual e moral da infância e da juventude” (art. 15, inciso IX).
Em consonância com essa orientação, a política educacional centralizadora traduziu-se na
tentativa de regulamentar minuciosamente em âmbito federal a organização e o funcionamento
de todos os tipos de ensino no país, mediante “Leis Orgânicas do Ensino”, decretos-leis federais
promulgados de 1942 a 1946. Fizemos este pequeno recorte sobre a escola normal no período
analisado, pois esta demarca o lugar onde a Sociologia escolar continua presente, apesar de sua
saída formal do secundário: na formação de professores, sem avançar, no entanto, de forma
significativa.
Com efeito, como observa Cunha (1992) enquanto a produção sociológica da USP
em Sociologia da educação parecia florescer, sobretudo pela produção de Sociologia
Educacional (1940), Fernando de Azevedo escolheu como assistentes jovens intelectuais
promissores como: Florestan Fernandes, Marialice Foracchi e Luiz Pereira, que depois desse
contato inicial com o tema só vão retomá-lo na Campanha de Defesa da Escola Pública, por
ocasião da tramitação no Congresso Nacional do projeto da primeira Lei de Diretrizes e Bases
(LDB). A educação deixa de ser um tema proeminente nos estudos sociológicos brasileiros.
Cunha (1992) destaca que este distanciamento entre Sociologia e Educação foi
sentido no campo universitário, já que paulatinamente, as Faculdades de Educação para
comporem seus currículos, foram criando disciplinas próprias para o ensino das ciências sociais
e humanas. Alguns chegaram a criar departamentos de Ciências Sociais Aplicadas à Educação,
183
que ofereciam, até mesmo, introdução à Sociologia como disciplina obrigatória para os alunos
do curso de pedagogia. No entanto, como destaca o autor, esse distanciamento gera um desvio
temático no campo sociológico, além de um recorte profissional:
Primeiramente, vale retomar a proposição do princípio deste texto, a propósito da
importância da indução governamental (Anísio Teixeira na rede INEP) para as
pesquisas em sociologia da educação. Por que será que essa indução é assim tão vital
a ponto de os sociólogos a tomarem com objeto? Outros temas prescindem de indução
governamental para terem nossa atenção: militares, sindicatos, partidos políticos,
minorias, movimentos sociais, e tantos outros. Com efeito, são temas que adquiriram
importância no meio acadêmico devido à sua relevância social. Mas, isso só foi
possível porque os sociólogos os consideraram relevantes. Quanto à educação, não
me resta dúvida da importância a ela conferida por toda a população. Seja vista como
requisito para a obtenção de ocupação remunerada, seja como meio de fixar o homem
à terra, seja como disciplinadora dos desviantes, seja como libertadora, a educação
está posta como um dos mais graves "problemas nacionais". Por que será que os
sociólogos particularmente os universitários a desprezam? Gostaria de oferecer à
discussão uma hipótese para responder à questão. Com exceção dos pedagogos, os
professores universitários inclusive os sociólogos não se veem como educadores. Para
eles, somente o são os professores da faculdade (centro ou departamento) de
educação. Quantas vezes não teremos ouvido o vocativo: "vocês, educadores..."? A
questão da identidade profissional dos educadores universitários, que não se entendem
como tais, é um importante tema de pesquisa sociológica: como se ajustam (?) práticas
cada vez mais formalizadas e pré-configuradas para a formação do lado, digamos
técnico do professor/pesquisador universitário (como biólogo, psicólogo, engenheiro,
filósofo etc) e as práticas "inconscientes'' para a formação do lado docente? Para um
lado, a profissionalização cada vez mais sofisticada, para outro, o diletantismo
resistente ou complacente (CUNHA, 1992, p. 9).
Retomamos a questão do ensino normal já que este está na intersecção entre as duas
sociologias que investigamos. Já que, embora tenha permanecido no curso normal, a Sociologia
assume um caráter ligado a educação e formação de professores, o que a difere na questão
identitária profissional dos educadores que se formam na universidade, ligados a pesquisa, que
teoricamente dominam a ciência sociológica, mas desprezam a formação de professores.
Ocorre, portanto, uma inversão daquilo que estudamos na tese: na década de
1920/1930 acusavam os professores da disciplina, enquanto produtores de conhecimento, como
diletantes quanto a produção de pesquisas sociológicas; com a fundação das universidades
vemos a crescente atuação de professores diletantes, que por vezes não dominam a discussão
teórica sobre o ensino, somente focando na sua área sociológica de atuação, o que por fim, gera,
segundo Cunha (1982), uma reprodução da lógica elitista no campo educacional:
Sem o embargo de sua origem elitista, enraizada na cultura tradicional dos bacharéis
do Brasil arcaico, será que o diletantismo docente resulta, ou, pelo menos é reforçado
pela rejeição das disciplinas didático-pedagógicas conhecidas durante a licenciatura?
Mas, como se produziria essa rejeição no caso dos profissionais que não as
experimentaram nem tiveram contato com seus colegas dessa área, em universidades
184
ainda muito compartimentadas? Longe de mim sugerir que a licenciatura a que aí está
seja requisito para o magistério superior. Mas, convenhamos: será que não faz falta
um aprendizado sistematizado sobre os procedimentos didáticos mais elementares,
ainda que fosse a mera crítica dos casos horripilantes de que estão cheios os cursos
superiores das nossas melhores universidades? (CUNHA, 1982, p. 9-10).
Se analisarmos o Ensino de Sociologia na escola no período considerado pela tese,
vemos que este distanciamento profissional, acadêmico e/ou pedagógico tem como origem
principal, na diferenciação de classe social ou status entre ensino secundário e superior, a partir
da consolidação do último. Se analisarmos o próprio currículo do Colégio Pedro II veremos um
ponto de partida interessante para pensarmos a diferenciação anunciada acima. A Sociologia
no currículo da instituição é pensado de forma enciclopédica dentro de um curso de nível médio,
que atuava para preparar o estudante para o ensino superior.
Não há naquele momento uma preocupação com o ensino ou formação secundária,
este tinha poucos alunos que fariam somente a passagem para o ensino superior. O ensino
secundário no Brasil, portanto, interessava e fazia diferença, de fato, para as classes populares
e trabalhadores, aqueles que realmente precisavam do ensino fornecido neste estágio de
aprendizado para qualificação profissional e que não estavam sendo plenamente atingidos.
Deste modo, um ensino enciclopédico e bacharelesco de Sociologia na escola nos anos 1930,
este tem força neste contexto em que o ensino secundário atinge a poucos e não constitui nada
mais do que um lugar de passagem para chegar no ensino superior, onde as elites ansiavam
chegar.
Interessante notar como Miceli (1987) concentrando-se no perfil social e nas
trajetórias dos egressos das recém-criadas instituições de ensino superior, mostra que muitos
desses egressos buscavam inserção profissional pela via do magistério no ensino secundário,
não somente pelo fato deste ser uma alternativa decisiva, num mercado de trabalho então com
poucas opções, mas pelo fato do magistério “liberar” seus docentes para realização do curso
superior.
De todo modo, era fato que o magistério no ensino secundário se constituía numa
possibilidade real de inserção dos egressos e segundo o autor, talvez este seja um dos motivos
para atrair jovens imigrantes e mulheres aos cursos de Ciências Sociais. No entanto, vemos que
nas décadas posteriores essa primeira “vocação” do curso não se confirma à medida em que as
ciências sociais vão ganhando contornos mais científicos, o Ensino de Sociologia neste grau de
ensino vai perdendo espaço para práticas científicas em instituições de pesquisa e instituições
de ensino superior (MICELI, 1987). Isto acontece, a nosso ver, pois, apesar de demonstrar uma
185
preocupação inicial com a questão do magistério, este permaneceu talvez apenas como rótulo
dos primeiros anos de fundação dos cursos da USP e ELSP.
O ensino secundário permanece, inclusive até hoje, como uma necessidade das
classes trabalhadoras mesmo que essa definição de classe social e status no Brasil fomente
diversas discussões, mas o abismo entre as classes é crescente e o investimento no secundário
para equiparar isto ficou aquém do esperado. Basta olhar, como fizemos, para as reformas
educacionais do século XIX até 1942, pouca coisa se realiza de forma efetiva no
desenvolvimento do ensino secundário. Deste modo, podemos dizer que a Sociologia na escola
ou na academia nunca constituiu de fato um projeto popular de ensino das massas, tanto que o
discurso sobre atraso, civilização, normatividade, atitude científica e ensino superior tem sua
origem naqueles que conceberam esta lógica no próprio campo acadêmico.
O lugar do qual a Sociologia foi retirada concentra, portanto, problema: o ensino
secundário, técnico e o normal. Problema este e necessidade das classes trabalhadoras. A
Sociologia, sempre fez parte, seja na escola ou na academia do “cardápio” das elites letradas
brasileiras, a saída da Sociologia da escola em 1942, mesmo que ela estivesse num processo de
reconstrução de suas bases teórico-conceituais e a própria escola secundária ainda fosse restrita
em termos de rede e atuação, representa um baque na trajetória da disciplina, se entendermos
que a mesma estaria longe do debate com as classes populares e do cotidiano escolar – distante,
portanto, do debate público.
O universo de sentido ou sentidos “oficiais” da Sociologia foi construído no Brasil,
portanto, historicamente pelas elites letradas, urbanas e rurais brasileiras, não é um universo de
sentido construído pela classe trabalhadora, que com a disciplina poderia neste embate entre
poderia questionar a estrutura de classe brasileira ou, pelo menos, conhece-la de forma
qualificada. A questão da escola normal nesta conjuntura é marcante, já que surge no Brasil
para atender necessidades das classes trabalhadoras, não das elites letradas, sendo assim nos
parece um motivo razoável para que a disciplina nunca tenha desaparecido da escola normal.
O que nos leva ao questionamento de qual Sociologia estava lá, de fato? Uma
pergunta com muitos matizes e necessidade de uma pesquisa dedicada, mas que de antemão
acreditamos que podemos dizer que não atendia aos cânones acadêmicos estabelecidos nas
universidades, mas que se desenvolve no magistério, um caminho próprio, cabe aos
pesquisadores investigarem se a disciplina se desenvolveu de forma próxima aos trabalhadores
ou constituiu apenas uma versão escolarizada da ciência de origem. Defendemos novamente,
que seja por um caminho ou por outro, que a Sociologia não constituiu um projeto de ensino
186
popular, pois a própria educação brasileira e a saída da disciplina da escola impediram que isto
acontecesse, mesmo identifiquemos mudanças de rota verificada quanto a cientificidade e a
abordagem da disciplina na década de 1930/1940.
4.6. Pós-graduação, pesquisa e “insulamento acadêmico”
Neste subitem trataremos do processo de insulamento acadêmico da Sociologia.
Tratamos deste tema por último, pois não se trata de uma hipótese original, mas advinda da
reflexão de dois outros autores do campo do ensino de Sociologia: Amaury Morares (2011) e
Flávio Sarandy (2012). Além disso, o movimento feito pelos autores busca um enfoque dos
processos e construção de sentido da disciplina nos anos 1950/1960 com a ditadura militar, o
que não constituiu o tema principal da tese. No entanto, resolvemos trazer esta discussão,
mesmo que rapidamente, para ilustrar os rumos tomados e sentidos estabelecidos pela disciplina
frente a conjuntura política e adensamento de sua cientificidade.
Como vimos, autores como Costa Pinto, Fernandes, Pierson e Rios propõem o
retorno da Sociologia aos bancos escolares entre a década de 1940 e 1950, tendo como tarefa
dar aos jovens elementos intelectuais de uma “cidadania consciente” (COSTA PINTO, 1949,
p. 62) e porque “a ciência operava num mundo que se transformava para o moderno e a
sociologia ensinaria ao indivíduo a ‘como pensar’ as situações sociais complexas que o rodeiam
com um método rigorosamente científico” (COSTA PINTO, 1949, p.63).
Pierson, no artigo “Difusão da ciência sociológica nas escolas” (1949), discorreu
sobre a urgência de definir o que ensinar em Sociologia e de quais maneiras, defendeu a
comunicação efetiva entre professores e alunos, a consideração dos conhecimentos prévios dos
discentes, entre outras estratégias que dialogavam com o debate pedagógico da época,
assentado na Escola Nova.
Segundo o autor, conhecer a Sociologia ajudaria o aluno a compreender a natureza
humana, orientar sua atuação nos processos sociais, continuar estudando por meio da pesquisa,
desenvolver o espírito crítico, reconhecer generalizações e aprender como fazê-las, diferenciar
fato e opinião e identificar o valor dos fatos e suas limitações, tomando-os como instrumentos
a serviço da compreensão e não como fins em si mesmos (PIERSON, 1949).
Rios em seu artigo “Contribuição para uma didática da Sociologia” (RIOS, 1949)
argumentava que Sociologia no ensino secundário poderia contribuir para crítica a “ideia
errônea” difundida no Brasil de que essa disciplina era assunto somente para sociólogos.
187
Argumentou nesse sentido, dizendo que nos Estados Unidos o papel da Sociologia como
matéria básica, em qualquer currículo, já seria assunto pacífico e que se sabia do vasto número
de profissões que requeriam seus conhecimentos. Classificou como um retrocesso a exclusão
da disciplina do ensino secundário pela Reforma Capanema, considerando inaceitável que
jovens destinados às profissões liberais não tivessem conhecimentos sociológicos (RIOS,
1949).
No entanto, como vimos, a defesa da Sociologia na escola, não se pautava mais
pelo momento cívico e/ou foi talhado pelo questionamento do atraso brasileiro, que já havia
perdido força. Como bem exemplifica Willems (1940c), a discussão girava em torno de pensar
outras maneiras de ensinar a disciplina já que os programas de ensino das escolas eram
diferentes dos programas do ensino superior que formavam especialistas. A questão, portanto,
se centrava num debate sobre mediação didática, na ideia que os fenômenos básicos da vida
social poderiam discutidos na sala de aula por meio de exemplos concretos, com ênfase na
pesquisa empírica e liberdade didática do professor para organizar os conteúdos, selecionando-
os e definindo uma ordem para abordá-los135; estratégias como leituras rápidas para
exemplificação e análise suplementar, desenvolvimento de forma concisa do programa oficial,
enriquecendo-o com “tópicos para discussão em classe, questionários, sugestões e planos para
aulas suplementares e trabalhos de pesquisa” (WILLEMS, 1940c).
Naquela conjuntura o discurso científico já ganhara o debate e um movimento de
concentração da Sociologia no campo acadêmico, se consolidava/aprofundava. Este
distanciamento, já iniciara com a Reforma Campos que dificultou a realização do projeto
escolanovista, fato que possivelmente acabou contribuindo para a busca de um “escudo de
autoafirmação” da disciplina no meio acadêmico que nos descreve Fernandes (1977). A
academia tornou-se lugar de consolidação profissional e de produção de pesquisa, o que gerou
gradual afastamento que as gerações de cientistas sociais da escola e do debate público, com
consequências diretas para as reflexões sobre Ensino de Sociologia (SARANDY, 2012).
Como Moraes (2011) aponta, como a Sociologia como disciplina do secundário
nasce décadas antes da sociológica acadêmica, permanecerá por décadas uma distinção136 entre
os cursos superiores (Ciências Sociais) e a disciplina de nível médio (Sociologia). Enquanto a
135 Guerreiro Ramos (1955) também aponta este caminho, argumentando que a disciplina se mostrava “alienada
da realidade nacional”, refletindo apenas sobre problemas de outros países; e, mesmo no caso de ser superada tal
“alienação”, não existiam especialistas em número suficiente para que houvesse o “ensino proveitoso da
Sociologia” (CONGRESSO BRASILEIRO DE SOCIOLOGIA, 1955). 136 Distinção entendida no sentido conferido por Pierre Bourdieu (1979), a ideia de que agentes sociais tendem a
ter gostos relacionados com suas condições econômicas e sociais, produtos do habitus.
188
segunda tem como destino fundamental o trabalho como professor, colocando de lado a
formação acadêmica objetiva de lado; a primeira contribui para formação de quadros para a
burocracia estatal e privada e/ou formação de pesquisadores (MOARES, 2011). No entanto,
Moraes (2011) nos aponta que a saída da Sociologia dos bancos escolares, talvez não tenha
atendido somente a questões profissionais ou ideológicas:
Pela leitura do Decreto n. 4.244/1942, não fica clara a orientação político-ideológica
da Reforma e somente a partir de certas observações – por exemplo, de Costa Pinto
(1949) – fica-se com a impressão de que o caráter da exclusão da Sociologia do
currículo secundário atendia a razões ideológicas. Mas é de se questionar se, de ambos
os lados – os que são contra e os que são a favor da presença da Sociologia –, não há
mesmo certo parti-pris ideológico ou no mínimo preconceitos recíprocos. Pode-se,
no entanto, aventar uma hipótese de interpretação bastante diversa e que daria conta
também de explicar a exclusão da Sociologia do currículo do colegial, quer clássico,
quer científico. A esta altura, 1942, as Ciências Sociais, em geral, e a Sociologia, em
particular, ainda não tinham ganhado legitimidade para figurar como uma ciência e
não se assumiam como uma possível alternativa a isso – Literatura –, de modo que
não cumpriam, de certa forma, os quesitos necessários para se enquadrarem no
currículo do clássico ou do científico (MORAES, 2011, p. 364).
O autor argumenta que a exclusão da Sociologia do currículo escolar está menos
relacionada a preconceitos ideológicos e mais à indefinição do papel dessa disciplina no
contexto de uma formação que se definia mais orgânica, resultado do estabelecimento de uma
burocracia mais técnica e mais exigente ou convicta em relação à concepção de educação:
De certa forma, pode-se dizer que os defensores da Sociologia não conseguiram
convencer essa burocracia educacional quanto à necessidade de sua presença nos
currículos. Assim, enquanto o clássico era uma forma de manter ou não contrariar
interesses humanistas, a inovação representada pelo científico já indicava uma
guinada na concepção curricular, que tardiamente trazia para a educação a
modernização, marca dos anos de 1920 e 1930 no Brasil, projeto sempre perseguido...
No limite, o que temos é uma consagração da concepção de escola secundá- ria,
sobretudo agora do colegial, como preparatória para o ensino superior, um curso
propedêutico, aliás, como vinha sendo definido desde que surgiram os cursos
superiores no Brasil e precisou-se de uma “preparação” – não dada pela escola
primária – mais voltada para a especificidade dos cursos superiores. Nesse sentido, a
Sociologia, definindo-se cada vez mais como uma disciplina “formativa” e não
preparatória – propedêutica – não tinha mais lugar nessa nova configuração
(MORAES, 2011).
Dois movimentos são significativos nesta conjuntura: o primeiro é a
institucionalização da disciplina via cursos de pós stricto sensu, vai começar em 1941 com a
ELSP que vai ter impacto decisivo no desenvolvimento da Sociologia entre nós, no entanto,
contribuirá de forma decisiva para o afastamento da disciplina da escola; o segundo a aprovação
da Lei de Diretrizes e Bases, n. 4.024/1961, que apesar de ter sido aprovada após 13 anos de
tramitação no Congresso Nacional, fruto de amplos debates, pressões e negociações, num
189
período democrático (a partir de 1946), não previu o retorno da Sociologia para o secundário e
não propôs/realizou alterações profundas ao estabelecido na Reforma Capanema. Desse jeito,
a Sociologia tornou-se uma disciplina opcional, mantendo-se excluída do currículo.
Da primeira, segundo Sarandy (2012), decorre a segunda. A expansão da pós-
graduação constituiu um caminho para pensarmos o descolamento das duas sociologias. A
constituição dos cursos de pós-graduação em Sociologia acontece, justamente, no momento em
que o discurso científico sobre a disciplina havia se consolidado, a Revista Sociologia já havia
mudado seus rumos, a inserção da disciplina no secundário e a produção dos seus primeiros
manuais e textos de reflexão voltados para o ensino médio tornavam-se um passado recente e
pré-científico, do qual já era necessário esquecer para avançar.
A institucionalização da disciplina tornara-se uma consequência de sua
consolidação enquanto prática científica e crescente inserção na universidade pública e
constantes rearranjos institucionais e burocráticos. Com a ascensão da pós-graduação se
consolida no campo - para além da dicotomia professor do ensino secundário x professor
acadêmica a dicotomia ensino x pesquisa, ou professores x pesquisadores, tornando a produção
científica, o recorte.
Este processo de (re)institucionalização da ciência, deixa marcas profundas nas
Ciências Sociais, produzindo intelectuais comprometidos com a lógica da carreira e da
institucionalização da atividade intelectual e a confirmação de um sistema de orientação que os
afastou das controvérsias políticas e da vida pública. Ainda segundo Melo (1999), foi
prejudicial o fato de ter imposto aos cientistas sociais mais jovens um padrão de formação e de
institucionalização desprovido de conexões efetivas com a sociedade e a vida pública, dado o
contexto geral de restrições à liberdade (MELO, 1999).
Situação esta que irá se adensar nas décadas de 1960/1970, as quais não
analisaremos em detalhes, mas que fomentaram no Brasil, uma mudança de rota na história da
disciplina com “uma ciência social impedida de estabelecer conexões efetivas com a sociedade
e, simultaneamente, isolada da vida universitária” (MELO, 1999, p.212). Portanto, uma nova
condição para a prática científica já estava dada com a implantação da pós-graduação, de
padrões mais rígidos de pesquisa empírica, com a renovação dos quadros por novas gerações
de cientistas acadêmicos e pelo relativo distanciamento das ciências sociais em relação à vida
pública. O que se pode dizer a respeito desse período de institucionalização das Ciências Sociais
é que sua profissionalização e especialização crescentes lhe impuseram uma condição de
elevado insulamento, causado segundo Sarandy (2012), por três fatores principais:
190
Acentuada divisão racional do trabalho intelectual; um relativo fechamento em “ilhas
burocráticas” de especialistas detentores de informação privilegiada e com um
mínimo de influência externa; por fim, um caráter setorial, aplicado à gestão racional
e eficiente de um setor específico da vida pública, sem incursões generalizadas no
debate dos grandes temas – há mesmo uma indiferença pela agenda pública vista em
sua totalidade. A participação ativa por parte de nossos intelectuais, de caráter até
mesmo missionário, interessada na modernização da sociedade brasileira, foi
substituída pelo desempenho profissional, constituído por um ethos científico
(SARANDY, 2012, p. 7-8).
O insulamento universitário se relaciona com a profissionalização das Ciências
Sociais e o investimento da comunidade dos cientistas sociais na academia e na pesquisa, que
aliás teve seu início já na década de 1940, após a Reforma Capanema (de 1942), que logrou
enfraquecer os debates acerca da modernização da sociedade brasileira por meio da educação,
ou pelo menos, na relação educação x sociologia (SARANDY, 2012).
Este panorama só será modificado, como sabemos na década de 1980, com a
retomada da luta pela inserção da disciplina na escola básica. No entanto, acreditamos que a
dicotomia ensino x pesquisa e seus espraiamentos institucionais, nunca foi muito bem
equacionada pelas Ciências Sociais brasileiras, visto que hoje, temos associações profissionais
estanques de pesquisa e ensino de ciências no Brasil137, cursos de licenciatura na área que pouco
dialogam com os bacharelados e um recorte profissional que precisa ser melhor compreendido
entre pesquisadores e professores acadêmicos e professores do ensino secundário no campo
cientifico.
Acreditamos que o distanciamento dos sociólogos da escola e das questões
escolares, a partir da saída da disciplina causou impactos na maneira como o profissional de
Ciências Sociais enxerga sua atuação no espaço escolar, mas para analisarmos isto
precisaríamos de uma pesquisa detalhada. Fato é, que ao mesmo tempo em que se descolam as
sociologias escolar e acadêmica, se descola o sociólogo do professor secundário e ainda não
achamos meios efetivos para reconectar estas instâncias.
Esta hipótese do insulamento também é passível de críticas, já que a sociologia
escolar não teve o movimento de aderir à crítica social e aos pressupostos democráticos pois
isto não era possível num contexto ditatorial. Isto, inclusive após o fim do Estado Novo, pois
houve reposicionamento dos fundamentos do regime, mas acreditamos que não houve de
imediato um enfraquecimento de seus instrumentos autoritários. Nesse sentido, a sociologia
137 Menção honrosa devemos fazer a Sociedade Brasileira de Sociologia, que vem ao longo dos últimos 10 anos
estabelecer linhas de contato entre os dois campos.
191
escolar não poderia ter sido democrática sob o duro regime de Vargas. Não podia ser
racionalista sob o controle institucional dos setores católicos. Além disso, precisamos pensar
sobre a repressão sobre os agentes que eram portadores dos ideais de sociedade mais
democráticos, racionalizadores e universalizantes.
Outra crítica possível seria ao fato de que a sociologia ficaria isolada da sociedade
quando sai da escola. Acreditamos que existem outras formas de conexão possível entre um
campo de conhecimento e a sociedade. Campos que não possuem institucionalização escolar
não são desconectados da sociedade, como a economia, por exemplo. Acreditamos que cabe a
uma pesquisa mais detalhadas sobre os anos 1950, se perguntar quais seriam as formas
disponíveis de conexão possível da sociologia com a sociedade no período; se a sociologia e os
sociólogos tomaram parte do projeto democrático pós Estado Novo; quais foram as zonas
alternativas de repercussão do conhecimento sociológico; e, por fim, qual o papel dos
equipamentos culturais e da imprensa. Em outras palavras, acreditamos que ainda caiba
investigar quais os pressupostos adotados nas conexões entre escola, sociedade, conhecimento
sociológico e universidade.
192
VI. CONSIDERAÇÕES FINAIS: O PASSADO COMO BÚSSOLA PARA O
FUTURO
Neste percurso de pesquisa, optamos por nos apoiar no campo do ensino de
Sociologia: investigar de forma renovada a institucionalização da disciplina na vida educacional
e acadêmica brasileira (SARANDY, F.M.S, 2004; MEUCCI, 2000, MORAES, 2011.
Tentamos, assim, nos afastar das análises e debates que atribuem as idas e vindas da disciplina
no currículo a um processo de intermitência ligado à emergência de regimes mais ou menos
democráticos (MACHADO, 1987; COSTA PINTO, 1949; AZEVEDO, 1955), não
considerando isto por si só uma explicação sobre o campo.
Como colocado acima, trata-se de se afastar, mas não, negar. Nos parece óbvio que
a história da disciplina na escola pode ser explicada por sua presença intermitente, mas
procuramos qualificar a forma como se entende esta intermitência.
A periodização realizada por Machado (1987) permitiu ao campo do Ensino de
Sociologia reconstruir uma parte relevante da história de institucionalização da Sociologia no
Brasil, demonstrando como esta chega primeiro à educação básica, para só depois se constituir
na academia. Esta interpretação teve ampla aceitação no campo, como nos aponta Handfas
(2017): dissertações e teses sobre o ensino de Sociologia, produzidas na pós-graduação
brasileira a partir da década de 1990, seguiram a perspectiva de reconstituição histórica da
disciplina e buscaram encontrar no passado razões para legitimá-la no presente (HANDFAS,
2017).
Esta perspectiva é relevante para separar períodos históricos de presença/ausência
da disciplina no currículo e nos ajuda a identificar recortes para o estudo da história da
disciplina, como, por exemplo os períodos de institucionalização (1890 -1941), exclusão (1942-
1981), luta pela reinserção (1982-2007) e o retorno obrigatório (2008). No entanto, é possível
também formular uma leitura crítica sobre esta periodização, já que esta por si só não elucida
os diferentes sentidos atribuídos à Sociologia ao longo do tempo e as percepções dos atores
sociais que se movimentaram pela sua manutenção ou supressão em um cada dos períodos
históricos relacionados acima.
Exemplo disto, é a presença da disciplina na escola até os anos 1940. Como vimos,
a disciplina em seus primórdios não esteve desconectada da conjuntura política a sua volta,
pensada inclusive como um dos vértices para superação do atraso brasileiro, mas na prática
tornou-se ao mesmo tempo um espelho desta: enciclopédica, conservadora e elitista. Nesse
193
sentido, como apontamos, poderia ter continuado na escola básica, mesmo com o advento da
Reforma Capanema.
Na década de 1930, permanece na escola com o advento da Reforma Campos, mas
quase como uma honraria, dentro de cursos complementares acessados somente por estudantes
de elite, dentro da excludente educação nacional. Quando consegue se descolar do cenário
acima, valorizando sua construção como área científica de conhecimento, sai da escola – através
de intenso debate com os grupos conservadores católicos.
Na universidade, por meio especialmente, das experiências da USP e da ELSP,
atinge os padrões esperados academicamente e, progressivamente, se distancia do debate
público. Enquanto esteve no espaço escolar, a disciplina foi ponta de lança no processo de
superação do atraso brasileiro. A medida que investiga, de fato, as mazelas brasileiras, as torna
visíveis, perde espaço no debate público, o que se acentua a partir da Reforma Universitária de
1968. Identificamos aqui, de fato, o descolamento138 das duas sociologias, à medida em que as
universidades vão ganhando força, as pós-graduações e pesquisam assumem espaço
fundamental na vida da disciplina esta acaba se afastando da escola, em outras palavras, o
critério científico se torna central no debate.
Esse afastamento da escola debate público foi timidamente percebido e refutado no
final dos anos 1940 e nos anos 1950, são significativas, neste sentido, as edições da Revista
Sociologia no período e o 1º Congresso Brasileiro de Sociologia. Embora estes movimentos
não tenham gerado grande repercussão e/ou movimentações fortes o bastante que exigissem a
volta da disciplina aos bancos escolares, estes acentuaram o ideário acerca da “função” da
disciplina conectada a produção de um saber acadêmico139.
Os debates da década de 1950, no entanto, sobre o retorno tiveram impacto
significativo sobre as gerações posteriores, especialmente o debate sobre a “formação de
atitudes cívicas e para a constituição de uma consciência política” (FERNANDES, 1977), que
ressoou na luta pela volta da disciplina ao currículo, a partir dos anos 1980.
A partir de meados dos anos de 1980, na luta pela reintrodução da disciplina, seja
em âmbitos estaduais ou nacional, foram utilizadas saberes e informações acumuladas sobre a
trajetória histórica. Com efeito, importante observar que os debates em torno da Constituinte
de 1988 e o ordenamento constitucional que ela prevê ajudaram a gestar um novo sentido para
138 O descolamento, como vimos, foi causado por diversas razões tais como a inadequação do currículo e a
construção de uma cientificidade acadêmica que não se conectava com a escola, causando causou o esgotamento
das possibilidades de construção de um novo caminho para disciplina neste espaço. 139 Lembramos, que nos bancos escolas, apenas permanece a disciplina de “Sociologia da Educação”, restrita às
escolas normais
194
a presença da Sociologia na educação básica, associado, deste vez, a um novo padrão de
normatividade: a associação do ensino de Sociologia à desnaturalização e estranhamento da
realidade social, consolidado nas Orientações Curriculares Nacionais (BRASIL, 2006) como
fator importante para construção de uma cultura democrática e respeito à diversidade – embora,
acreditemos, que há ainda pouca clareza na construção deste ideário ligado a democracia,
cidadania e diversidade.
No entanto, não há como negar, que esta construção discursiva remete ao passado:
a saída da disciplina no currículo em períodos autoritários foi efetiva para mobilizar o debate
em torno da volta da disciplina ao currículo, mas parece pouco para pensar a efetiva
contribuição da disciplina ao ensino escolar. Pouco foram pensados os condicionantes da
presença ou não da disciplina no currículo, e, principalmente quais relações a disciplina, de
fato, estabeleceu com a dinâmica escolar:
Sobretudo nos estudos voltados para a Sociologia no ensino médio, há uma tendência
de privilegiar a história da legislação, sem uma pesquisa mais detalhada dos agentes
que produziram a legislação e o movimento dos vários sujeitos em torno dessas
legislações e, especificamente, do processo de inclusão dessa disciplina nos currículos
das escolas. (...) não se verificam análises que contemplem como esses espaços foram
formados e a partir de quais sujeitos/agentes, ou seja, quem se movimentou, em quais
sentidos, junto e a partir de quais estruturas/instituições para criar a possibilidade de
constituição da Sociologia como disciplina escolar (SILVA, 2006, p. 40-41).
Seria um procedimento metodológico equivocado de nossa parte limitar a análise da
trajetória da Sociologia no Ensino Secundário aos momentos em que ela esteve
presente ou ausente do contexto escolar. Uma direção mais pertinente é a de
identificar as forças políticas hegemônicas que atuaram nesse processo, de modo a
confrontar as diferentes motivações e sentidos dados à Sociologia no contexto escolar
(HANDFAS, FRANÇA e SOUZA, 2012, p. 111).
Com efeito, olhando o passado para projetar o futuro, analisando o que vimos até a
década de 1940, nos parece ainda existir alguns desafios para consolidação da disciplina no
currículo e para o próprio campo do ensino de Sociologia: o primeiro se conecta à interpretação
anterior sobre a intermitência e o que trouxemos sobre a história das disciplinas escolares:
garantir que a disciplina tenha espaço no currículo para efetivamente se desenvolver e realizar
seus processos de transposição didática.
Acreditamos que isto tenha se consolidado nos últimos 10 anos: com sua presença
na escola, com os eventos voltados para área do Ensino de Sociologia, com a presença da
disciplina nos exames nacionais do ensino médio e a produção de materiais voltados para o
espaço escolar. Todos os fatores acima ajudam a criar uma incipiente, mas presente “tradição”
da disciplina no ensino médio, mas esta não ajudou a consolidar a presença e/ou garantir sua
195
continuidade no currículo: na maioria das redes estaduais, a disciplina conta com um tempo de
aula e é lecionada por profissionais não formados na área, além disso não sabemos qual será o
efetivo espaço da disciplina no ciclo de humanidades da nova Reforma do Ensino Médio.
Outro desafio do campo do Ensino de Sociologia é conseguir estreitar os laços do
campo da sociologia acadêmica com o campo educacional. De forma a deixar claro nosso
ponto, não se trata de aproximar o campo da Sociologia que pesquisa quantitativamente e
qualitativamente o espaço escolar, não tratamos aqui da Sociologia que analisa a escola “de
fora” a partir de grandes estatísticas, rendimento e evasão escolares – a Sociologia brasileira já
analisava a escola a partir destas perspectivas analíticas.
No entanto, tem se acentuado nos últimos anos o caminhar para a produção de uma
Sociologia “de dentro” do espaço escolar, na produção de currículo, escuta e compreensão do
corpo docente e discente, compreensão do papel da disciplina no espaço escolar e como se dá
sua efetiva implementação. Acreditamos, que esta segunda forma de fazer Sociologia, como
nos aponta Cunha (1992) sofre com a falta de conexão com a vida profissional do sociólogo
formado no Brasil, o campo da educação penando a partir do “chão da escola” permanece como
um objeto rejeitado nas formulações sociológicas. Isto é preocupante, já que utilizamos pouco
os conceitos, teorias e abordagens sociológicas em diálogo com a educação para analisar um
espaço onde a disciplina está presente de forma ampla.
Segundo dados do MEC, o ensino médio é oferecido em 28,5 mil instituições de
ensino que atendem 7,9 milhões de matriculados, dos quais 7,9% têm atividades em tempo
integral140, mas pouco pesquisamos qual é o impacto da presença da disciplina na vida destes
milhões de jovens, abrindo caminho inclusive para interpretações obscurantistas141. Como
demarcamos no capítulo 4, isto se deve a persistência do ideário ligado a um status profissional,
iniciado na década de 1940 ligado a oposição entre o pesquisador e o professor de Sociologia,
que acreditamos, que se confrontado, pode ajudar a destravar e complexificar o debate sobre a
presença e o caráter do ensino de Sociologia na escola.
Nos parece que há um campo de investigação parcialmente inexplorado que se
debruça nas relações socias que constituem, de fato, as efetivas experiências de ensino-
140 MEC divulga dados do Censo Escolar da educação básica:
https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/eu-
estudante/ensino_educacaobasica/2018/01/31/ensino_educacaobasica_interna,656887/mec-divulga-pesquisa-
sobre-censo-escolar-da-educacao-basica.shtml 141 Filosofia e sociologia obrigatórias derrubam notas em matemática:
https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2018/04/filosofia-e-sociologia-obrigatorias-derrubam-notas-em-
matematica.shtml
196
aprendizagem de Sociologia. As pesquisas tem se aberto aos poucos para investigação de
diversos vértices de análise como: atuação dos professores, as instituições e programas
escolares e acadêmicos, livros didáticos, conteúdos e questões das provas nacionais,
entendimento da conjuntura político-social das épocas em que disciplina esteve presente
(identificando grupos sociais com posições contrárias ou favoráveis à disciplina, que fizeram
parte desse percurso, seus interesses e estratégias de mobilização e ação; e a compreensão dos
distintos sentidos conferidos à Sociologia no tempo histórico – movimento de necessário
aprofundamento.
Deste modo, acreditamos que exista, por fim, um último desafio, dentre tantos
outros: como vimos alguns sentidos foram atribuídos à disciplina ao longo do século XX e no
início do século XXI, conformando uma disputa por normatividade entre as sociologias escolar,
da educação, da acadêmica e do campo sociológico pós-graduado, voltado para pesquisa. No
entanto, a partir dos anos 1980, o campo sociológico tem se debruçado na análise e reconstrução
de si mesmo, destacamos, neste campo a noção bourdiana de reflexividade (BOURDIEU,
1999).
O projeto de uma sociologia reflexiva, se assentaria na possibilidade de que
disposições impensadas de pensamento e comportamento possam ser racionalmente
controladas ao acederem ao nível da consciência. No âmbito epistemológico, trata-se de uma
atualização sociológica da noção kantiana de crítica, originalmente concebida como a
capacidade de reflexão do pensamento ou razão acerca de seus próprios pressupostos e limites
(PETERS, 2017).
Bourdieu sustenta a importância da reflexividade sobretudo como uma ferramenta
metodológica indispensável ao trabalho socio-científico, ele também veio a atribuir a esta um
valioso papel ético-político, pois tratara-se de conscientizar os atores e sujeitos sociais sobre os
determinismos que pesam, externa e internamente, sobre suas condutas, abrindo aos mesmos a
“possibilidade de uma emancipação fundada na consciência” fundamentando “novos
condicionamentos duravelmente cunhados para contrabalançar efeitos de uma socialização
anterior” (Bourdieu, 1999, p. 340).
Não iremos nos debruçar no amplo debate sobre o conceito de reflexividade, mas
acreditamos que esta tese pretende contribuir para investigar as relações sociais de dominação,
presentes como supostas verdades históricas contingentes e travestidas como ordenamentos
naturais das coisas para a consciência comum. Caminhando assim para pensar numa proposta
de ensino de Sociologia que se proponha reflexiva, ou seja, se repense constantemente e
197
questione a construção de seu sentido, seus padrões normativos, seu processo de construção de
“verdade”, sua passagem e construção enquanto ciência de origem para escola, sua forma de
enxergar sua relação ensino-aprendizagem e o próprio espaço escolar, dentre outros.
Neste sentido, o que tentamos fazer nesta tese foi estabelecer relações entre os
campos da educação, história e sociologia de modo que elas funcionassem como um corpus
analítico e reflexivo estruturado, pensando os agentes, sujeitos e o debate acerca da construção
de sentidos para as sociologias na primeira metade do século XX, investigando a produção
destes ideários e os relacionando as políticas nacionais e institucionais, e, como estes entram
em disputa no campo científico de maior escopo.
Com isto, acreditamos que podemos avançar em relação a conceituação de que o
processo de produção de ideias e sentidos sociológicos se relacionam aos períodos que
estudamos, isto nos parece claro. No entanto, a reiterada investigação da produção destes
sentidos, pode nos ajudar a refletir sobre o tempo presente, sob pena de não avançarmos no
debate sobre o papel da Sociologia na escola.
Nos capítulos 1 e 2 da tese, por exemplo, vimos que a Sociologia esteve conectada
a um projeto nacional de superação do atraso, e, em pleno século XXI, enquanto concluímos a
tese são pensadas e implementadas reformas na educação, na economia, na política e na
previdência social que são justificadas, quase sempre, sob o argumento de sincronizar o Brasil
com as nações “modernas do mundo” e “abrir fronteiras” – o que pode nos indicar que se não
se estabelece e se avança numa perspectiva reflexiva sobre a realidade social, os mesmos
debates se repetem e a busca pelo futuro corre o risco de se tornar a reificação do passado.
Sendo assim, acreditamos que o debate sobre a intermitência da Sociologia na
escola básica deve ser efetivamente recuperado não como instrumento retórico e/ou somente
para realizar uma reconstituição histórica repetida da disciplina nas análises sobre a mesma,
mas, como ferramenta para imersão nas conjunturas sociais, políticas e históricas desses
períodos, revelando seus avanços e limites de forma ativa para que consigamos repensar e
construir um Ensino de Sociologia radicalmente reflexivo, que, de fato, consiga desatar os nós
impostos pelo presente e futuros momentos históricos.
Acreditamos que esse movimento talvez se mostre necessário, especialmente para
o tempo futuro, que não parece ser especialmente amigável para as reflexões das Ciências
Humanas e, em especial, para o Ensino de Sociologia. Mas isto, só o tempo, nos dirá.
198
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VIII. ANEXOS
ANEXO 1: Sociologia no currículo proposto por Rui Barbosa.
Fonte: Reforma do Ensino Primário e várias instituições complementares de Instrução
Pública. In: BARBOSA, Rui. Obras completas de Rui Barbosa. Rio de Janeiro: Ministério
de Educação e Saúde, 1947a. v.X, t.I, II, III, IV. P. 182.
208
ANEXO 2: Carta de Delgado de Carvalho ao Secretário da Presidência da República, Luís
Vergara (com o programa oficial vigente com anotações).
209
210
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212
213
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215
216
217
218
219
220
221
222
223
224
225
Fonte: CPDOC, FGV. Classificação: LV c 1938.06.22. Série: c – Correspondência. Data de
produção: 22/06/1938. Quantidade de documentos: 1 (17 folhas).
226
ANEXO 3: Resposta enviada a ao Secretário da Presidência da República, Luís Vergara, por
Getúlio Vargas – de forma a responder os questionamentos de Delgado de Carvalho.
227
228
229
ANEXO 4: Princípios curriculares e organizativos do Primeiro Curso de Pós-Graduação da
ELSP.
230
231
Fonte: Arquivo Edgard Leurenroth, 2016, Donald Pierson – Pasta 21
232
ANEXO 5: Carta de Donald Pierson a Radcliffe-Brown.
Fonte: Arquivo Edgard Leurenroth, 2016, Donald Pierson – Pasta 21
233
ANEXO 6: Finalidades/Admissão de Alunos/Organização da Pós da ELSP
234
235
236
Fonte: Arquivo Edgard Leurenroth, 2016, Donald Pierson – Pasta 21