O ensino da literatura e a formação de leitores literários

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O ensino de literatura e a formao de leitores literrios: o que dizem os PCN e as orientaes curriculares para o ensino mdioRosivaldo Gomes UNIFAP [email protected] Josenir Sousa da Silva UNIFAP [email protected]: Neste texto apresentamos algumas reflexes a respeito de como apresentada a noo de texto literrio em dois documentos oficiais, mais especificadamente, nos Parmetros Curriculares Nacionais (1998) e nas Orientaes Curriculares para o Ensino Mdio (2006). Expomos tambm discusses de teorias que discutem as prticas de ensino/aprendizagem de literatura no ensino mdio e a questo da formao de leitores literrios na escola. PALAVRAS-CHAVE: ensino, prticas de leitura, texto literrio. RESUM: Dans cet article nous prsentons quelques rflexions sur la faon dont est prsente la notion de texte littraire dans deux documents officiels, notamment les Parmetros Curriculares Nacionais (1998) et les Orientaes Curriculares para Ensino Mdio (2006). Nous prsentons galement des discussions thoriques en discutant des pratiques denseignement/apprentissage de littrature dans lenseignement secondaire bien que la question de la formation de lecteurs littraires lcole. MOTS-CLS: enseignement, pratique de la lecture, textes littraires. 57

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IntroduoLer implica troca de sentido no s entre o escritor e o leitor, mas tambm com a sociedade onde ambos esto localizados, pois os sentidos so resultado de compartilhamentos de vises de mundo entre os homens no tempo e no espao (COSSON, 2006, p.27).

Atualmente possvel documentar uma srie de transformaes e mudanas que as instituies governamentais de ensino tm empreendido a favor de uma escola mais formadora e eficiente em relao a seus objetos de ensino. Tais aes, apesar de todos os limites, esto acontecendo tanto na rea de formao e capacitao dos professores como em outra, no menos significativa, a das avaliaes (ANTUNES, 2003, p. 21). De acordo com Barros-Mendes (2005), reconhece-se que tais mudanas no ocorreram de uma hora para outra, mas graas, aos grandes avanos das cincias da aprendizagem e das cincias da linguagem, bem como a (re)configurao que est ocorrendo com os currculos de formao de professores desde a dcada de 60, e as prprias exigncias sociais que impem a reviso de paradigmas (BATISTA, 2003). Essas mudanas que tm carter interdisciplinar fizeram com que as investigaes sobre leitura passassem a discutir com maior nfase a interao que existe entre autor-texto-leitor (KOCH & ELIAS, 2009), ou seja, nesse processo, o sentido de um texto construdo na interao texto-sujeitos. Assim, partindo-se desse vis, a concepo de leitura vigente concebe esse processo como uma atividade interativa altamente complexa de produo de sentidos (KOCH & ELIAS, 2009, p. 11).58 lRevista Eletrnica do Centro de Estudos em Educao e Linguagem

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Para Koch (2005), nessa perspectiva interacional - dialgica, o leitor passa a exercer papel de grande importncia, deixando de ser paciente para tornar-se agente desse processo de construo de sentidos. Desse modo, o ato de ler passa a ser compreendido como um processamento cognitivo complexo de informaes que so produzidas pelo leitorprodutor na sua interao com o autor-produtor, mediada pelo texto. No que diz respeito questo do ensino de literatura e a prtica da leitura, incluindo-se nessa a literria, tem-se apresentado nas ltimas dcadas diversas discusses por tericos da rea, cf. Soares (2002), Lajolo (2008), Nascimento (2001), propondo outras formas de trabalho com o texto literrio dentro da sala de aula no que se refere ao processo de escolarizao da leitura literria. Embora existam vrios avanos no que se refere ao processo de ensino-aprendizagem de literatura e da leitura literria como prtica a ser exercida dentro e fora da sala de aula, tem-se constatado ainda que quando se sai da esfera acadmica e entra-se na sala de aula da maioria das escolas brasileiras de ensino fundamental e mdio, encontramos uma prtica pedaggica de trabalho com o texto literrio que revela pouca ou quase nenhuma influncia de todas essas novas perspectivas de abordagem e dos documentos oficiais, os quais foram criados com a finalidade de propor parmetros didticos para a efetivao do ensino de literatura e da leitura literria, ou seja, a escolarizao da literatura acaba deixando de lado outros sentidos/significados que o texto possui (SOARES, 2001). Nesse sentido, objetivamos com este artigo estabelecermos algumas reflexes a respeito de como apresentada a noo de texto literrio nos documentos oficiais criados pelo Ministrio da Educao (MEC), mais especificamente, nos Parmetros Currculos Nacionais (1997/8) e nas Orientaes Curriculares para o Ensino Mdio (2006). Para isso,Vol. 1 - N 1 - Janeiro a Junho de 2011 l

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expomos algumas discusses de tericos sobre as prticas de ensino/ aprendizagem da literatura no ensino mdio, abordando a questo da formao de leitores literrios na escola, posteriormente apresentamos discusses sobre o discurso do texto literrio presente nos PCN e nas Orientaes Curriculares para o Ensino Mdio, mostrando qual postura esses documentos adotam em relao a esse tema. Desse modo, este trabalho caracteriza-se como um artigo de reviso terica, atravs do qual buscamos apresentar algumas contribuies para as discusses j existentes em relao ao ensino de literatura e da leitura literria, tanto no ensino fundamental quanto no mdio. 1. A literatura no ensino mdio: que leitores literrios a escola tem formado?Vivemos o momento dos questionamentos sobre o que est congelado na tradio da homogeneidade que por longos tempos foi aceito /imposto; a ordem agora um mundo globalizante que exige razes e abre possibilidades de se libertar dos constrangimentos do passado, isso significa reconhecer que a face positiva da globalizao que nos leva a experimentar a heterogeneidade da vida humana de frente (MOITA-LOPES, 2006, p. 17).

Segundo Moita Lopes (2006) as mudanas culturais, sociais, econmicas, polticas e tecnolgicas que esto se efetivando atualmente no mundo tm gerado um foco bastante incisivo na temtica das identidades, tanto na mdia como nas academias. Segundo este autor, nas prticas cotidianas est havendo um questionamento constante dos modos de viver a vida social. Esse questionamento tem afetado a compreenso da classe social, do gnero, da sexualidade, da idade, da60 lRevista Eletrnica do Centro de Estudos em Educao e Linguagem

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raa e da nacionalidade; em sntese, a compreenso de quem somos na vida social contempornea (MOITA LOPES, 2006, p. 19-20). Com efeito, a escola no escapa dessas transformaes e se v obrigada a tomar decises e a alterar suas estratgias e objetos de ensino para responder s necessidades da sociedade. Durante a realizao de observaes de estgio supervisionado na disciplina Literatura Brasileira em turmas do ensino mdio, em uma escola da Rede Estadual de Macap, duas questes nos chamaram a ateno. A primeira diz respeito atitude de agentes passivos que os alunos assumiam diante dos textos literrios dentro de sala de aula apresentados pela professora, ou seja, raramente questionavam sobre o que liam ou apresentavam outra viso alm daquela proposta por ela ou pelo livro didtico. A segunda refere-se ao convencionalismo do ensino de literatura pautado em suas caractersticas estruturais e de estilo literrio de determinada poca, em detrimento de um verdadeiro ensino de literatura e de leitura literria nas prticas escolares. No que se refere primeira questo, o processo errneo e inadequado de escolarizao atribudo ao texto literrio, possivelmente seja uma das causas desse estado de inrcia que instaurou-se, e em alguns casos ainda persiste, como percebido por ns nas quatro turmas de ensino mdio, nas quais foram realizadas as observaes. Segundo Magda Soares (2001), a literatura infantil e nesse contexto insere-se tambm a geral passa por trs instncias de escolarizao: (i) a biblioteca escolar, (ii) a leitura e o estudo de livros de literatura e (iii) a leitura e o estudo de textos literrios nas aulas de Portugus. A primeira instncia, conforme a autora, escolariza, ao especificar um lugar para guardar os livros, sendo que neste lugar a criana deve ter atitudes distintas das que tm cotidianamente. A biblioteca escolar seria ento uma espcie de templo; escolariza tambm quando estabeleceVol. 1 - N 1 - Janeiro a Junho de 2011 l

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tempos para permanncia em seu interior e de leitura dos livros sob sua guarda; quando seleciona os livros que oferecer leitura; quando socializa a leitura, definindo quem indica e com que critrios indica determinado livro e, por fim, quando estabelece rituais de leitura. Nesse sentido, ao observarmos a realidade da maioria de nossas escolas, verificamos que praticamente as salas de leitura no exercem seu real papel, e na melhor das hipteses, quando exercem so espaos no to apropriados leitura, ou ento a visita a esse espao de interao limitado a um determinado dia e horrio, como se o templo a escola fosse o nico lugar possvel para que o culto o ato de ler fosse concretizado, excluindo-se desse modo os rituais pagos outras leituras feitas pelos alunos fora da escola. Essa excluso pode ser explicada por meio do processo de escolarizao da literatura, pois como esclarece (NASCIMENTO, 2001, p. 38):Essa imprpria escolarizao contribui para a deturpao, falsificao, distoro da literatura, uma vez que esvazia o texto literrio de seu potencial, congelando-o, por exemplo, em definies e classificaes que concorrem para afastar o aluno das prticas de leitura literria, desenvolvendo nele resistncia ou averso.

A segunda instncia escolariza a literatura quando, nas aulas de Portugus, a leitura de livros literrios assume a configurao (inevitvel) de tarefa escolar e passa a ser avaliada por meio de instrumentos diversos, com objetivos tambm variados e que iro servir posteriormente como critrio avaliativo, despertando assim no aluno, o no interesse pela leitura principalmente a literria - ou seja, o problema que os rituais de iniciao propostos os nefitos no parecem agradar: o texto literrio, objeto de um nem sempre discreto,62 lRevista Eletrnica do Centro de Estudos em Educao e Linguagem

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mas sempre incmodo desinteresse enfado dos fiis infidelssimos, alis que no pediram para ali estar (LAJOLO, 2008, p.12). Finalmente, a terceira instncia que diz respeito ao uso de fragmentos de textos literrios para serem lidos, compreendidos e interpretados. Tais fragmentos encontram-se, em sua maioria, em livros didticos, livros esses que s vezes constituem-se como o nico material de leitura dos alunos (e at mesmo de muitos professores) e suporte (e norte) do trabalho do professor. Em relao segunda questo, como bem explica Lajolo (2008) o uso do texto literrio em sala de aula funda-se, ou deveria fundar-se em uma concepo de literatura muitas vezes deixada de lado em discusses pedaggicas, isto , em que a escola, por no saber exatamente como explorar o texto literrio, acaba atribuindo a esse um lugar secundrio, passando ento a literatura a ser tratada como pretexto e estratgia para o estudo de outros objetos. Nesse sentido, o texto literrio passa a ser o protagonista do ensino da escrita, da estrutura da lngua e de uma leitura quase sempre reduzida a uma leitura no literria, que ao invs de permitir ao aluno liberdade de compreenso e possibilidades de inferncias de sentidos, acaba se transformado em uma leitura que no permite a produo de mais de um sentido se no o ditado pelo professor ou pelo livro didtico. Isso pode ser constatado em muitas prticas escolares como a do tipo: o que o autor que dizer com isso? Presentes ainda na cobrana de interpretaes de um texto que literrio, esquecendo-se que este possui sua singularidade com relao aos demais textos, se assim , porque ainda continuamos propondo tais questes aos alunos? J que de qualquer forma e em qualquer contexto, o autor ainda que queira, no pode influir na leitura que se faz de seu texto depois de pronto.Vol. 1 - N 1 - Janeiro a Junho de 2011 l

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Sabemos que a escola pode ensinar a ler, e tambm desenvolver um ensino de literatura que priorize o desenvolvimento de competncias e habilidades relacionadas com o letramento literrio, mas para que isso ocorra necessrio que ela se atualize, dando espao para prticas culturais contemporneas que so muito mais dinmicas. necessrio, portanto, refletirmos sobre quais leitores literrios a escola est formando, quais prticas de letramentos literrios tm-se priorizado em sala de aula, pois:[...] devemos compreender que o letramento literrio uma prtica social e, como tal, responsabilidade da escola. A questo a ser enfrentada no se a escola deve ou no escolarizar a literatura, como bem nos alerta Magda Soares, mas sim como fazer essa escolarizao sem descaracterizla, sem transform-la em um simulacro de si mesma que mais nega do que confirma seu poder de humanizao (COSSON, 2006, p. 23).

Desse modo, no letramento literrio no podemos simplesmente exigir que o aluno leia a obra e ao final faa uma prova ou ficha. necessrio e permissvel que se possa ir alm dos sentido/significados estabelecidos pelo discurso do professor ou do livro didtico para que a inrcia seja quebrada e se possam desenvolver capacidades leitoras proficientes, tanto para o ensino de literatura quanto para a prtica da leitura literria. 2. O discurso sobre o texto literrio nos Parmetros Curriculares Nacionais e nas Orientaes Curriculares para o Ensino Mdio. Amplamente divulgados desde o momento de sua publicao, em 1997 os Parmetros Curriculares Nacionais do ensino fundamental64 lRevista Eletrnica do Centro de Estudos em Educao e Linguagem

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(doravante PCN), foram elaborados com o objetivo de propiciar aos sistemas de ensino e particularmente aos professores subsdios elaborao e/ou (re)elaborao dos currculos escolares, servindo ainda como eixo norteador para construo e consolidao de um projeto pedaggico que buscasse a efetivao da cidadania do aluno. Esses documentos so resultado de um longo trabalho que foi inicialmente elaborado em verses preliminares para serem analisados e debatidos por professores que atuavam em diferentes reas e nveis de ensino brasileiro. Nesse sentido, os PCN de maneira significativa influenciaram e ainda influenciam fortemente o processo de ensino-aprendizagem nas escolas brasileiras, tanto nas atitudes pedaggicas dos professores, sejam eles contrrios ou no s propostas oferecidas por esse documento quanto na maneira de olhar/ensinar determinados objetos de ensino. sabido que em seu primeiro estgio, esses parmetros sacudiram bastante a cabea dos professores mais interessados e provocaram mudanas significativas na elaborao, na escolha dos livros didticos e no prprio ensino de lngua e literatura na sala de aula. No contexto atual do ensino brasileiro possvel percebermos no discurso de muitos professores marcas, s vezes profundamente aliceradas, outras apenas superficiais, do discurso dos parmetros curriculares, ou seja, alguns tomaram para si os PCN como sendo a bblia escolar, ou o fio condutor de todo o processo de ensinoaprendizagem, outros, no entanto, conseguem olh-los apenas pelo vis de uma inveno educacional. Assim, cabe aqui traarmos uma discusso sobre como o texto literrio visto/compreendido por este documento. De acordo com os PCN (1997), sugere-se que o texto literrio deve ser aliado s demais prticas cotidianas da sala de aula, pois se trata de uma forma de conhecimento especifico, j que, em seu estudo,Vol. 1 - N 1 - Janeiro a Junho de 2011 l

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devem ser mostradas suas propriedades, bem como debatidas e analisadas quando se trata de ler as diferentes manifestaes assentadas sobe a rubrica geral de texto literrio. Porm, Cosson (2006, p.21) esclarece que a literatura tem um sentido muito extenso, o que inevitavelmente tem ocasionado o englobamento de qualquer texto escrito, que aparentado parentesco com a poesia e fico passam a serem rotulados com literrios. Ainda conforme os PCN, a literatura e consequentemente o texto literrio no devem ser vistos como a cpia do real, nem como puro exerccio de linguagem, muito menos como mera fantasia que se asilou dos sentidos do mundo, de modo que o texto literrio deve ser compreendido como um texto construdo/constitudo em prticas scio-histricas e culturais. No discurso do referido documento, a questo do ensino da literatura e da leitura literria envolve, alm de elementos estruturais, um exerccio de reconhecimento das singularidades e das propriedades compositivas que matizam um tipo particular de escrita, negando-se dessa forma o uso do texto literrio com a finalidade de servir ao ensino das boas maneiras, dos hbitos de higiene, dos deveres de cidado e dos tpicos gramaticais. Desse modo, tais procedimentos postos de forma descontextualizada, pouco ou nada ajudam para a formao de leitores capazes de reconhecer as peculiaridades que o texto literrio possui e os diversos sentidos que dele podem surgir, isto , os sentidos no esto no texto, disposio do leitor, nem nas possveis intenes do autor ao escrevlo, antes sim, este sentido construdo pelo leitor ao longo do ato da leitura, dentro dos limites de sua enciclopdia e do prprio objeto escrito, ou seja, o sentido no est no texto, mas se constri a partir dele, no curso de uma interao (KOCH, 2005, p. 25).66 lRevista Eletrnica do Centro de Estudos em Educao e Linguagem

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No que se refere s Orientaes Curriculares para o Ensino Mdio (2006), esses documentos igualmente aos PCN estabelecem que a literatura no deve ser trabalhada em sala de aula de forma descontextualizada, com a inteno apenas de explorar as caractersticas que o texto literrio apresenta, sobre um determinado estilo literrio, j que este difere-se dos demais que esto presentes na sala de aula, como destaca o referido documentoDecorre, diferentemente dos outros, de um modo de construo que vai alm das elaboraes lingusticas usuais, porque de todos os discursos o menos pragmticos, o que menos visa aplicao prticas. Uma de suas marcas sua condio limtrofe, que outros denominam transgresso, que garante ao participante do jogo da leitura literria o exerccio da liberdade, e que pode levar a limites extremos as possibilidades da lngua. (OCEM, 2006, p. 49)

Ao longo de outras passagens, o referido documento discute como o ensino da Literatura pode ser encaminhado no ensino mdio, partindo-se das especificidades e da insero da literatura nos currculos do ensino mdio (p.49). Discute-se ainda que o ensino de literatura (e de outras disciplinas) tenha como objeto principal, como estabelece a LDB, ao aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formao tica e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crtica. (LDBEN, 1996). As OCEM (2006) defendem tambm que para se chegar ao desenvolvimento desse objetivo leitura literria - no se deve sobrecarregar o aluno com informaes sobre pocas, estilos, caractersticas descontextualizadas de escolas literrias. Tal questo j era discutida desde os PCN, principalmente nos (PCN+) que afirmamVol. 1 - N 1 - Janeiro a Junho de 2011 l

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que essas informaes devem ter carter secundrio no ensino de literatura, pois, trata-se, prioritariamente, de forma leitores literrios, em outras palavras, de letrar literariamente o aluno, fazendo-o apropriar-se daquilo a que tem direito (PCN+, 2002, p.55). Todavia, apesar desse documento chamar ateno para essa questo, (COSSON, 2006, p. 21), em seus trabalhos a respeito do papel da literatura na escola, nos esclarece que no ensino mdio, o ensino da literatura limita-se literatura brasileira, ou na melhor das hipteses, histria da literatura brasileira, usualmente na forma mais indigente, ou seja, as aulas de literatura esto servindo muito mais ao ensino da historicidade da literatura do que propriamente da literatura, o que implica evidentemente dizer que a leitura literria fica em segundo plano, uma vez que os textos literrios, quando comparecem na sala de aula, so fragmentados e servem prioritariamente para comprovar as caractersticas dos perodos literrios. Com base nas colocaes de Soares (2002,) sobre a noo de letramento, as orientaes curriculares estabelecem que o Letramento Literrio seria visto, ento, como estado ou condio de quem no apenas capaz de ler poesia ou drama, mas dele se apropriar efetivamente por meio da experincia esttica. Entretanto, a trajetria de formao do leitor de Literatura na escola, sempre privilegiou os fragmentos literrios, pois como destaca Pinheiro (2006, p.24) o leitor que se pretende formar nas prticas de leitura deve ler o que permitido, seguindo os valores transmitidos por essa importante formadora da comunidade de leitores, ou seja, esses valores so veiculados, principalmente, na escola e atravs do livro didtico, que costuma guiar as prticas de leitura realizadas na sala de aula. A partir do exposto, compreende-se ento que o letramento literrio se d atravs das prticas sociais de uso da escrita literria, sobretudo68 lRevista Eletrnica do Centro de Estudos em Educao e Linguagem

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todas as prticas sociais de uso da escrita ficcional com a finalidade de se obter prazer, despertar sentidos e gosto por aquilo que se ler. Algumas consideraes Podemos perceber diante das reflexes e anlises apresentadas que o trabalho com o ensino de literatura e de leitura literrias tem-se apresentado com uma tarefa complexa, j que em se tratando da leitura do texto literrio, importante refletirmos, como defende Paulino (2005), sobre as especificidades que esse possui, sem deixarmos de levar em conta o que h de comum (as semelhanas) entre essa leitura e a de textos no-literrios, pois na perspectiva contempornea, todos os domnios discursivos, sem exceo, passaram a exigir e desenvolver habilidades complexas e competncias sociais de seus leitores (PAULINO, 2005, p. 61). Habilidades e competncias essas que aos pouco esto sendo desenvolvidas pela escola, e nessa direo que os documentos oficiais tm empreendidos esforos para que o ensino de literatura e da leitura literria possa se concretizar em sala de aula de maneira mais eficaz. Portanto, possivelmente a certeza acerca de como o professor poder desenvolver a prtica da leitura, em especial da leitura literria, de modo que esta se apresente significativa para os alunos, sem levar em conta apenas aspectos de estilo e caractersticas literrias, demandar uma mudana que dever englobar alm de materiais didticos e outras metodologias, o modo como a escola est vendo/trabalhando esse objeto de ensino o texto literrio e a concepo que o professor tem sobre ele.

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