O EMPREGO DOMÉSTICO EM MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR: INFORMALIDADE E MARGINALIZAÇÃO

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  Curitiba, 05 a 08 de setembro de 2011 O EMPREGO DOMÉSTICO EM MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR: INFORMALIDADE E MARGINALIZAÇÃO Raphael Almeida Dal Pai 1  GT 5: Crise estrutural, desemprego e informalidade Introdução A partir da década de 1970 os estudos 2  que tomaram como objeto a realidade do trabalho doméstico no Brasil o caracterizaram como uma ocupação de  baixa remune ração em que a grande mai oria das trabalhadoras env olvidas possui apenas ensino fundamental até a 4ª série. Hildete de Melo observou que o emprego doméstico  possui a m aior taxa de anal fabetismo entre os trab alhadores urban os do Brasil : A análise dos trabalhadores domésticos, segundo os anos de estudo, revela que é alta a percentagem dos trabalhadores da categoria sem instrução, haja vista que apresentam a mais alta taxa de analfabetismo entre os trabalhadores urbanos, [...]. Para 1995, [...] encontram-se 72,10% desses trabalhadores apenas com o primeiro grau incompleto e tal número é mais gritante caso sejam considerados apenas os trabalhadores com o primeiro grau completo (oito anos), cuja taxa de  participação despenca para 6,54% d a categoria (MELO, p. 17, 1998). Apesar dos dados estudados por Hildete de Melo fazerem referência as PNADs (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) de 1985 e 1995, os elementos elencados acima trazem uma importante contribuição para a compreensão dos trabalhadores deste seguimento nestes últimos trinta anos. Nota-se que o percentual registrado é expressivo, bem como que a diferença entre o percentual de trabalhadores com primeiro grau completo e incompleto é, no mínimo, significativo. 1  Acadêmico do 4º ano do curso de História da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), e-mail: raphaelalmeidalpai@y ahoo.com.br 2  Saffioti (1978); Melo (1998); Bosi (2007).

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Artigo publicado nos Anais da XII Jornada do Trabalho em Curitiba\PR - 2011

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  • Curitiba, 05 a 08 de setembro de 2011

    O EMPREGO DOMSTICO EM MARECHAL CNDIDO RONDON/PR: INFORMALIDADE E MARGINALIZAO

    Raphael Almeida Dal Pai1 GT 5: Crise estrutural, desemprego e informalidade

    Introduo

    A partir da dcada de 1970 os estudos2 que tomaram como objeto a

    realidade do trabalho domstico no Brasil o caracterizaram como uma ocupao de

    baixa remunerao em que a grande maioria das trabalhadoras envolvidas possui apenas

    ensino fundamental at a 4 srie. Hildete de Melo observou que o emprego domstico

    possui a maior taxa de analfabetismo entre os trabalhadores urbanos do Brasil:

    A anlise dos trabalhadores domsticos, segundo os anos de estudo,

    revela que alta a percentagem dos trabalhadores da categoria sem

    instruo, haja vista que apresentam a mais alta taxa de analfabetismo

    entre os trabalhadores urbanos, [...]. Para 1995, [...] encontram-se 72,10% desses trabalhadores apenas com o primeiro grau incompleto

    e tal nmero mais gritante caso sejam considerados apenas os

    trabalhadores com o primeiro grau completo (oito anos), cuja taxa de participao despenca para 6,54% da categoria (MELO, p. 17, 1998).

    Apesar dos dados estudados por Hildete de Melo fazerem referncia

    as PNADs (Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios) de 1985 e 1995, os

    elementos elencados acima trazem uma importante contribuio para a compreenso

    dos trabalhadores deste seguimento nestes ltimos trinta anos. Nota-se que o percentual

    registrado expressivo, bem como que a diferena entre o percentual de trabalhadores

    com primeiro grau completo e incompleto , no mnimo, significativo.

    1 Acadmico do 4 ano do curso de Histria da Universidade Estadual do Oeste do Paran (UNIOESTE),

    e-mail: [email protected] 2 Saffioti (1978); Melo (1998); Bosi (2007).

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    Segundo Antnio Bosi, os dados sobre o trabalho domstico no sculo

    XXI apontam que no houve mudanas expressivas que o descaracterizasse:

    como uma ocupao feminina, sub-remunerada, majoritariamente informal, de baixa escolaridade e com extensas jornadas trabalhadas

    (BOSI, p. 15, 2007).

    Portanto, a partir da tica dos autores citados, o trabalho domstico

    ainda uma ocupao que aglutina trabalhadores no qualificados, com baixos nveis de

    instruo escolar que, por no conseguirem ocupaes com maior remunerao,

    sujeitam-se a realizar esta forma de trabalho.

    De acordo com os dados produzidos pelo DIEESE (Departamento

    Intersindical de Estatstica e Estudos Socioeconmicos), no ano de 2004, havia

    6,5milhes de trabalhadores domsticos no Brasil, sendo 95% do sexo feminino.

    Quando se verifica o nmero de trabalhadores com carteira assinada, passa para

    somente 1,6milhes em todo o territrio brasileiro. Destes, apenas 9.207 trabalhadores

    receberam Seguro-Desemprego3. Isto significa que apenas uma nfima minoria usufrui

    plenamente de todos os seus direitos. De acordo com esta mesma entidade, neste mesmo

    ano, na regio Sul, concentrava-se cerca de 888 mil trabalhadores, destes, apenas 269

    mil possuam registro em carteira (DIEESE, p.02, 2006), ou seja, o trabalho domstico

    uma ocupao majoritariamente composta por trabalhadores informais tanto

    nacionalmente quanto regionalmente.

    Mas o que dizer da realidade de Marechal Cndido Rondon? Em que medida a

    realidade caracterstica do emprego domstico local pode ser contemplada nesta anlise

    geral? Para responder a esta questo buscou-se realizar entrevistas, na cidade de

    Marechal Cndido Rondon, com pessoas que vivem desta ocupao. Atravs das

    trajetrias ocupacionais das mulheres entrevistadas, poderemos problematizar se o

    3Significa dizer que, se o recebimento do Seguro-Desemprego de exclusivo acesso apenas aos

    trabalhadores registrados no FGTS, e sendo este facultativo, uma parcela muito pequena tem direito a

    estes benefcios.

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    emprego domstico ainda uma ocupao destinada e exercida por trabalhadores no

    qualificados e com baixa escolaridade. Nesta direo, foi realizado um total de cinco

    entrevistas com trabalhadoras residentes na cidade de Marechal Cndido Rondon-PR, as

    quais tivessem ocupado, temporria ou permanentemente, a funo de empregada

    domstica entre 1970 e 2009.

    Para a realizao das entrevistas considerou-se como critrio mulheres

    que residem em Marechal Cndido Rondon desde 1970 at os dias atuais, e que em

    algum momento de suas vidas, trabalharam como empregadas domsticas. Os nomes

    utilizados so fictcios, tendo em vista que, apesar das entrevistadas terem concordado

    com a gravao, entendeu-se ser mais prudente proceder de maneira com que o trabalho

    garantisse um mnimo de anonimato possvel.

    As entrevistadas

    A primeira entrevistada foi D. Suzane, que reside no bairro

    Loteamento Ceval, bairro este considerado perifrico. Ela tem sessenta anos, casada,

    possui quatro filhos, vem de famlia de agricultores e natural do Rio Grande do Sul.

    Antes de morar em Marechal Cndido Rondon tambm morou em Santa Catarina.

    Tanto em Santa Catarina quanto no Rio Grande do Sul, D. Suzane e os outros membros

    da famlia trabalhavam como agregados ou arrendatrios. Ao mudar-se para Marechal

    Cndido Rondon, a mesma trabalhou como bia-fria at 1998 por no conseguir outro

    emprego, indo todos os dias para Entre Rios do Oeste, de caminho que a levava

    trabalhar plantando e colhendo mandioca. No mesmo ano D. Suzane comea a

    trabalhar de domstica, no lugar de sua vizinha que trabalhava como diarista ter

    fraturado o tornozelo. A partir de ento, D. Suzane seguiu trabalhando como domstica

    parando definitivamente de trabalhar por problemas de sade (bursite e artrite no

    joelho).

    D. Suzane comeou a trabalhar desde muito pequena ajudando os pais

    no campo, mais precisamente com dez anos de idade. Comeou a estudar com nove

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    anos de idade, cursou at a 4 srie e casou-se com dezesseis anos. Mora em casa

    prpria e atualmente encontra-se aposentada.

    A segunda entrevistada foi D. Lurdes; tambm reside no Loteamento

    Ceval, tem sessenta anos, casada, possui quatro filhos, tambm vem de famlia de

    agricultores e natural de Caxambu do Sul, Santa Catarina. Antes de mudar-se para

    Marechal, residiu em Prola do Oeste, Paran. Segundo ela, depois que se casou,

    mudou-se para a zona urbana de Caxambu do Sul, pois o marido trabalhava em uma

    madeireira, porm, aps um ano e meio, ela e seu marido comeam a trabalhar no

    campo. Passado algum tempo, se mudam para Prola do Oeste, pois o marido decidiu

    trabalhar na construo civil como pedreiro, juntamente com os irmos que j estavam

    na cidade em questo. E, de Prola do Oeste, D. Lurdes e a famlia vieram para

    Marechal Cndido Rondon.

    Durante o perodo de um ano e meio em que moram na cidade, D.

    Lurdes no trabalhou, como o marido voltou a trabalhar no campo, D. Lurdes volta a

    trabalhar tambm. Ao mudarem para Prola do Oeste, inicialmente D. Lurdes no

    trabalhava, mas o marido comeou a trabalhar menos por falta de servio ento D.

    Lurdes comea a trabalhar na cidade como domstica. Aps ter trabalhado de

    domstica, trabalhou tambm como auxiliar de cozinha, chegando at a exercer a funo

    de cozinheira nos ltimos tempos em que trabalhou em Prola do Oeste. Ao mudar-se

    para Marechal Cndido Rondon seguiu trabalhando de domstica como mensalista.

    Concluiu apenas o primeiro ano do segundo grau4, durante a maior parte dos estudos, D.

    Lurdes morou com a av em So Jos do Cedro, que foram interrompidos quando sua

    av muda-se da cidade para o campo. Nestas circunstncias parou de estudar, D. Lurdes

    volta a morar com os pais e no pde continuar seus estudos.

    Comeou a trabalhar com quatorze anos ajudando os pais no campo,

    pois, como foi exposto em linhas anteriores, com a mudana de sua av, D. Lurdes volta

    para a casa de seus pais. Mora em casa prpria. Atualmente D. Lurdes est aposentada.

    4 Na realidade, D. Lurdes estudou at o segundo ano do segundo grau, porm no completou, portanto,

    so levados em considerao apenas os anos completados pelas entrevistadas.

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    A terceira entrevistada foi D. Silvia; tambm reside no bairro

    Loteamento Ceval; tem quarenta e seis anos, casada, possui dois filhos, vem de famlia

    de agricultores, natural de Santa Catarina5. O marido e ela mudam-se de Santa

    Catarina para Marechal Cndido Rondon aps uma enchente onde perderam tudo o que

    tinham. O primeiro emprego de D. Silvia em Rondon foi de diarista, para famlias

    (diarista) e na limpeza em festas do municpio6. D. Silvia teve cncer de pele no nariz

    por trabalhar com produtos qumicos na limpeza de banheiros. Comeou a trabalhar

    com oito anos ajudando os pais na roa, aparentemente estudou at a quinta srie7,

    casou-se com dezesseis anos. Depois de casar parou de trabalhar por dez anos. Mora em

    casa prpria. Atualmente est desempregada.

    A quarta entrevistada foi D. Elisa; mora em uma regio considerada

    central da cidade; tem quarenta e trs anos, casada, possui trs filhos, seu pai era

    funcionrio de empresa, e sua me dona de casa, natural de Santiago, Rio Grande do

    Sul. D. Elisa e a famlia vieram para Marechal Cndido Rondon no ano de 2008

    procurando melhores condies de vida. Segundo seu depoimento, a famlia recebeu um

    convite para vir morar e trabalhar em Marechal Cndido Rondon, eles deixaram uma

    casa alugada com todos os seus pertences dentro, para, caso seus projetos em Rondon

    no sassem como o esperado, pudessem regressar para Santiago. Seu marido recebeu

    uma oferta de emprego em uma churrascaria da cidade, onde tambm conseguiu

    emprego para D. Silvia e seu filho. Com trinta anos ela comeou a trabalhar de

    domstica e de zeladora na URI (Universidade do Rio Grande). Seu primeiro emprego

    em Marechal Cndido Rondon foi na churrascaria j mencionada. Tem ensino

    fundamental completo8. Mora em casa alugada. Atualmente trabalha de domstica

    5 Como D. Silvia no menciona em sua entrevista que havia nascido em outra localidade, acredita-se que

    ela seja natural de Santa Catarina. 6 segundo seu depoimento, D. Silvia no era uma zeladora contratada, ela trabalhava nas festas quando a

    chamavam. Pode-se dizer que era uma zeladora diarista 7 Escreve-se aparentemente, pois a entrevistada no menciona at qual srie cursou, apenas que

    freqentou escola durante cinco anos. 8 Na entrevista D. Elisa fala que comeou duas vezes o primeiro ano do primeiro grau e parou de estudar.

    Tendo em vista que a entrevistada apenas iniciou o segundo grau, foi considerado apenas o ensino

    fundamental.

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    (diarista).

    A quinta entrevistada foi D. Ana; tem trinta e oito anos, trs filhas,

    separada, natural do Rio Grande do Sul (Trs Passos/ Padre Gonzales), mora no bairro

    Cipreste. Vem de famlia de agricultores.

    A vinda para Marechal Cndido Rondon foi decidida pelo pai que j

    tinha irmos morando na cidade, D. Ana fala que faz trinta anos aproximadamente que a

    famlia veio para Rondon. Seu primeiro emprego na cidade foi de domstica9. Aps um

    perodo de tempo ela pede demisso, e se muda para Foz do Iguau onde tinha uma

    irm, reside em Foz dos dezoito aos vinte e um anos quando retorna para Marechal

    Cndido Rondon.

    Em 2005 trabalhou na linha de corte no frigorfico da COPAGRIL

    (Cooperativa Agroindustrial) durante seis meses, fez cirurgia nas duas mos devida a

    Leso por Esforo Repetitivo (LER). Ao sair da COPAGRIL D. Ana retorna ao trabalho

    de domstica.

    Estudou at a 4 srie do ensino fundamental, se casou com vinte e

    dois anos, comeou a trabalhar com nove anos no campo ajudando os pais que

    trabalhavam por dia10

    . Mora em casa prpria11

    . Atualmente trabalha de domstica

    (diarista).

    Partindo dessas breves apresentaes das entrevistadas, podemos

    perceber alguns elementos importantes para a compreenso de um esboo geral do perfil

    das trabalhadoras domsticas da cidade de Marechal Cndido Rondon. Todas so

    migrantes dos Estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, que saem do campo a

    9 D. Ana conta que morava juntamente com a famlia onde trabalhava. 10 Provavelmente por ser trabalho dirio, quando moravam no Rio Grande do Sul, seus pais trabalhassem

    de bia-fria, porm utilizada a mesma denominao que a entrevistada. 11 Como D. Ana separada, ela passou a guarda de duas de suas filhas para o ex-marido. Antes disso,

    segundo seu depoimento, D. Ana tinha a preferncia jurdica de morar na casa por ter a guarda de todas e/ou a maioria das filhas. Porm, o quadro se alterou quando o ex-marido passou a possuir a guarda das filhas (tendo em vista que, das trs filhas de D. Ana, apenas duas so filhas de seu ex-marido) tambm levando em considerao que, uma de suas filhas que est com o ex-marido possui deficincia mental.

    Assim sendo, seu ex-marido tem a preferncia pela casa, e D. Ana est sendo expulsa, pois seu ex-marido

    mora em casa alugada, e legalmente, segundo D. Ana, ele tem a preferncia.

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    caminho das cidades. Nestes casos, o Paran aparece enquanto destino procurado por

    pessoas que originalmente residiam nos demais Estados da regio Sul do Brasil. Mais

    especificamente a regio Oeste do Paran, considerada como uma regio de urbanizao

    relativamente recente em relao s outras regies do Estado.

    A maioria delas ao fixarem-se em cidades, tem como primeira

    oportunidade de emprego o trabalho domstico12

    , sendo assim, este se mostra enquanto

    porta de entrada para o mercado de trabalho em grande parte da trajetria das

    entrevistadas quando mudam-se para a cidade . Lembrando que, segundo os dados

    apresentados do DIEESE o emprego domstico dominado essencialmente de

    trabalhadores femininos (DIEESE, p.02, 2006).

    Outro detalhe importante, que praticamente todas elas comeam suas

    trajetrias ocupacionais ainda crianas embora que, ainda atualmente seja

    socialmente aceitvel entre as famlias pobres que vivem no campo, introduzirem seus

    filhos no cotidiano do trabalho como forma de auxlio. Ou seja, suas infncias so

    marcadas por uma dualidade: trabalhar para ajudar sua famlia e cursar o ensino

    bsico13

    .

    Instruo e qualificao

    Acerca da escolaridade, nos resta fazer uma analise mais profunda dos

    depoimentos das entrevistadas. D. Suzane (60 anos) comeou a freqentar a escola com

    nove anos de idade. Quando questionada sobre o cotidiano de sua vida escolar D.

    Suzane responde:

    12 A no ser o caso de D. Suzane que trabalhou de bia-fria. Trabalho este que apesar de no ser

    comumente realizado nas cidades, sua mo de obra considerada urbana. Ver GONZALES, Elbio N.&

    BASTOS, Maria Ines. O trabalho volante na agricultura brasileira. In: PINSKY, Jaime (Org.). Capital e

    trabalho no campo. So Paulo, HUCITEC, 1977. 13 Leia-se ensino bsico, pois, a partir de 1996 o ensino mdio, pelo menos no campo legal, deixou de ser

    visto como um perodo de estudos que preparavam ou para o ensino profissionalizante ou para o ensino

    superior. Ver MAGALHES, Marcelo de Souza. Apontamentos para pensar o ensino de Histria hoje:

    reformas curriculares, Ensino Mdio e formao do professor. In: Revista Tempo/ Universidade

    Federal Fluminense, Departamento de Histria, Rio de Janeiro, Vol. 11, n 21, p. 59-74, jul. dez. 2006.

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    a gente a para escola, meio dia a gente vinha e meio dia agente a ajuda os pais n. bem diferente de agora n, a escola bem

    diferente, hoje em dia fica bem mais a vontade, t melhor eu

    acho1415.

    Nota-se que ao falar sobre sua vida escolar, a questo da necessidade

    de ajudar os pais j se faz presente, sua vida escolar se mistura com o trabalho. Diante

    do exposto, interessante perceber a comparao que ela faz com os dias atuais: hoje

    em dia fica bem mais a vontade, ta melhor eu acho. Parece que, este ficar mais a

    vontade talvez esteja relacionado com a possibilidade da criana, nos dias de hoje,

    poder se dedicar integralmente aos estudos. Ou ento, que no campo esta possibilidade

    exista somente para alguns, enquanto na cidade o acesso ao ensino se mostra mais

    facilitado. Sobre isto, pergunto a D. Suzane como ela fazia para ir escola: eu ia p,

    dava oito quilmetros16. Apesar de D. Suzane no contar com detalhes sobre a

    dificuldade de acesso escola, no muito difcil de imaginar que fazer o trajeto seja

    penoso, principalmente em dias chuvosos.

    Em seu depoimento D. Suzane chama ateno tambm para os

    motivos que a fizeram interromper com sua instruo. Ao perguntar a ela at que srie

    freqentou D. Suzane responde: at a quarta srie; em seguida questionada sobre o

    porqu de ter estudado por to pouco tempo, e ela responde:

    ah, naquela poca ali no tinha n, no interior, era escola de interior, no tinha mais aula n, at a quarta srie, da tinha que ir para a

    cidade, e o pai no tinha condies de pag para a gente ir na aula17

    .

    14Entrevista realizada com D. Suzane no dia 05/02/09. 15 Os erros de gramtica e ortografia persistem nos trechos dos depoimentos das entrevistadas, no intuito

    de reproduzir foneticamente o que foi dito pelas mesmas. 16Idem. 17Idem.

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    Percebe-se que, devido o acesso precrio ao ensino D. Suzane teve

    que interromper seus estudos. A questo de trabalhar nem mesmo citada, os dois

    principais motivos so: a carncia das escolas de interior em dar continuidade na

    instruo das crianas que vivem no campo; e a falta de condies de seus pais de

    pagarem para os filhos freqentarem a escola tendo em vista que a ao do Estado no

    campo no supria as necessidades das pessoas. Neste contexto, talvez a questo de ter

    que ajudar os pais se faa presente, por conta dos mesmos no poderem abrir mo do

    trabalho de seus filhos, muito menos serem capazes de sustentarem seus estudos.

    Esta forma de ensino precria e incompleta , segundo o depoimento

    de D. Suzane, dificulta a procura por um emprego. Ao question-la sobre a vontade de

    ter estudado mais ela responde: ah, eu gostaria de ter estudado mais18, logo em

    seguida lhe perguntado o (s) motivo (s):

    melhor n, at pra arrumar emprego, antes que... Antes era bem

    diferente n, nem pedia se t tinha estudo ou no n, hoje em dia j

    pede qu segundo grau n, eu gostaria de ter estudado mais, quando

    agente casou n da morou um tempo no interior n, da no tinha como ir na aula

    19.

    D. Suzane reconhece que seu baixo nvel de escolaridade dificultou a

    obteno de um emprego com uma maior remunerao. Podemos entender tambm, que

    uma maior instruo, parece somente ser justificada como forma de obter um emprego

    melhor. Segundo sua fala, o ensino tem apenas esta funo: possibilitar o alcance de

    empregos melhores.

    D. Lurdes comea freqentar a escola no campo por um curto perodo

    de tempo, pois parte-se da hiptese de que se a entrevistada comea a estudar com nem

    sete anos completos, provavelmente muda-se para casa av com dez anos

    aproximadamente, juntamente a isso, em seu depoimento como veremos mais

    18Idem. 19Idem.

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    detalhadamente D. Lurdes compara a escola de interior com a escola em que

    estudou durante o tempo que morou com sua av, de maneira que nos faz entender que

    ela estudou por algum perodo enquanto morava com os pais.

    Sobre sua vida escolar, D. Lurdes nos conta que:

    Ah, era diferente de hoje, mas no era tanto, porque era na cidade. No interior j era outra coisa, n? Que nem os meus irmos que

    freqentaram no interior, era tudo uma sala s. Eu j no, eu

    freqentei da um colgio de irms, um colgio catlico, n? [...] No interior era muito diferente. No interior era uma professora para

    quatro sries. Eu ainda tive esse privilgio de estudar em colgio um

    pouco melhor, n?20

    Nota-se no trecho do depoimento de D. Lurdes alguns elementos

    interessantes, sua instruo escolar diferenciada das demais entrevistadas com

    exceo de D. Elisa , como no depoimento de D. Suzane, D. Lurdes tambm ressalta a

    precariedade do ensino nas chamadas escolas de interior. Ao comparar as duas

    instituies, D. Lurdes procura estabelecer certo grau de qualidade do ensino na cidade

    em detrimento do interior. No fragmento acima, D. Lurdes evidencia a diferena entre

    as instituies. Procura tambm mostrar-se diferente de seus familiares ao ter tido o

    acesso a uma instruo mais prxima do ideal.

    D. Silvia (46 anos) chama ateno tambm, para as dificuldades de

    chegar escola onde estudava. A maior dificuldade apontada por ela estava na

    locomoo, quando a questiono se era difcil ir escola:

    era porque era longe. Voc tinha que ir at uma altura de p no cho, no tinha... Era treze filhos n, a at uma altura de p no cho, lavava

    os p no rio, carava a conga e a para a rua.21

    20Idem. 21Idem.

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    Partindo do pressuposto que, D. Suzane tambm freqentou as

    chamadas escolas de interior considerando tambm, a hiptese de que, apesar de por

    curto perodo, D. Lurdes tenha freqentado tambm podemos supor que esta

    dificuldade enfrentada por D. Silvia no seja um caso isolado, mas sim uma

    caracterstica de pessoas que viveram sua infncia no campo durante as dcadas de

    1970/80. Devido ao grande nmero de filhos, juntamente com a escassez financeira,

    somado com a defasagem do ensino no campo segundo as falas das entrevistadas e o

    fato de trabalharem junto com os pais, as condies do processo de aprendizagem esto

    longe de terem sido ideais.

    Sobre a importncia de estudar, D. Silvia ao falar sobre sua relevncia

    para adquirir um emprego melhor nos dias de hoje, tambm ressalta que gostaria de

    ter estudado mais:

    porque tem muita coisa que agente precisa de estudo e hoje no tem.

    Mesmo para trabalha, nem que seja qualquer coisa voc tem que ter

    estudo hoje.22

    Nota-se que ao ressaltar a necessidade do estudo hoje, D. Silvia v a

    instruo escolar como apenas uma forma de qualificao de mo de obra, ou seja,

    instruo e qualificao se confundem, so sinnimos uma da outra.

    Com relao ao perodo em que freqentou a escola, o depoimento de

    D. Elisa (43 anos) difere das demais entrevistadas. Ela nos revela que comeou a

    estudar na faixa etria correta (seis anos de idade), apesar de D. Elisa falar que no

    gostava de estudar, nos parece que este no gostar est relacionado e determinadas

    matrias, pois ela coloca que determinadas matrias gostava (Redao, Biologia e

    Portugus), porm no gostava de Matemtica e Fsica. provvel que D. Elisa teve

    que para de estudar por no conseguir passar nas matrias que no gostava, afinal, para

    poder continuar teria de passar em todas as matrias da srie em que estava:

    22Idem.

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    sim, eu entrei na escola na... com a idade normal, com seis anos na primeira srie, direto a gente aprendia a ler e escrever em casa para

    depois ir para a escola. [...] no gosto de estudar [risos]. Nunca gostei

    da matemtica e da fsica, mas portugus, redao, biologia, essas matrias assim menos matemtica e fsica no entra na minha cabea,

    tive que parar.23

    O depoimento de D. Ana (38 anos) traz tambm elementos

    interessantes para compreender a relao entre escolaridade e qualificao profissional.

    Como a maioria das entrevistadas, D. Ana tambm no conseguiu avanar para alm do

    ensino fundamental24

    . Assim como D. Elisa, D. Ana parece ter parado de estudar por

    vontade prpria. Quando a questiono sobre com quantos anos comeou a freqentar a

    escola, D. Ana responde:

    comecei a freqentar a escola quando eu tinha seis anos de idade. Fui estudando, reprovei vrias vezes, no prestava ateno n, ia mais na

    baguna, a ia pro castigo... de baixo de pedrinha, tampinha de

    garrafa, gro de milho, toda essa poca agente tinha essas regras n.

    Ento eu estudei at a quarta srie e no estudei mais.25

    Em seu depoimento, D. Ana no fala qual ou quais motivos que a

    levaram a parar de estudar, entretanto, a partir deste trecho, parece que o principal

    motivo est relacionado com a prpria postura dela quando criana. Ao atingir certo

    ponto, os pais de D. Ana ou ento ela mesma chegaram concluso de que no

    haveria motivo algum para continuar a freqentar a escolas se ela no quisesse estudar.

    J casada, D. Ana volta a estudar e pra novamente, mas desta vez, os motivos so

    outros.

    23Entrevista realizada com D. Elisa no dia 03/03/09. 24D. Ana parou de estudar na 4 srie. 25Entrevista realizada com D. Ana no dia 12/03/09.

  • Curitiba, 05 a 08 de setembro de 2011

    O caso de D. Ana o nico dentre todas as entrevistadas em que,

    apesar de no ter completado seus estudos, tenta voltar a estudar, e mesmo no tendo

    conseguido, pretende terminar a chamada educao bsica. Todas as demais

    entrevistadas, apesar de mostrarem certo arrependimento, no procuraram terminar os

    estudos.

    Com relao escolaridade, todas percebem que, em grande medida,

    o fato de serem domsticas est relacionado com o nvel de instruo por elas atingido.

    Qualificao e instruo aparecem como sinnimos. Em seus depoimentos,

    desconsiderado, por exemplo, que um trabalhador fabril no necessariamente possui um

    alto grau de instruo, porm seu trabalho exige certo grau de qualificao. Um torneiro

    mecnico no precisa possuir ensino mdio completo para operar um torno, entretanto,

    o que faz dele um bom profissional possuir um completo domnio tcnico do

    maquinrio que manuseia. Tanto o , que uma pessoa que esteja cursando o ensino

    superior para tornar-se mdico, no ter o conhecimento necessrio para operar um

    torno.

    Qualificao pressupe um conhecimento tcnico e prtico da tarefa a

    ser desempenhada, em outras palavras, uma habilidade que, como no caso do torneiro,

    tambm o tcnico. Neste sentido, o prprio trabalho domstico uma ocupao que

    exige da pessoa que a exerce certo grau de qualificao (ora, afinal ningum contrataria

    uma empregada domstica que no saiba minimamente e muitas vezes nem

    minimamente lavar uma pea de roupa. Ou ento compreender o funcionamento de

    um aspirador de p, por exemplo).

    Com o aumento do numero de tarefas a serem desempenhadas lava

    roupa, limpar banheiro, fazer comida e a compresso do tempo gasto para a concluso

    das mesmas, estas trabalhadoras tambm devem adaptar-se a estas novas exigncias

    tendo o mnimo de qualificao necessria para tanto. No entanto, ao ouvir os

    depoimentos destas mulheres, parece que elas mesmas no vm seu trabalho como algo

    que exija qualificao.

  • Curitiba, 05 a 08 de setembro de 2011

    Nota-se que D. Elisa, no trecho de seu depoimento exposto

    anteriormente, considera o que faz como algo trivial, algo que toda mulher sabe fazer

    por ser encarregada dos afazeres domsticos em sua prpria casa. Porm, uma questo

    para se pensar que muitas dessas mulheres que trabalham como domsticas vm do

    campo, ao migrarem para a cidade, defrontaram-se com um modo de viver sui generis,

    apesar de saberem realizar os afazeres domsticos, no tm prtica para lidar com

    eletrodomsticos (pois, as famlias dessas mulheres, muitas vezes eram de pequenos

    agricultores bia-fria, agregados, pees, entre outros e devido s condies

    financeiras no poderiam adquirir tais aparelhos). Portanto, ao deparar-se com a vida

    urbana, estas mulheres tambm tiveram que aprender e adaptar-se a estas novas

    condies, ou seja, se toda mulher sabe fazer os trabalhos domsticos, por desde

    pequena ajudar sua me, por exemplo, mudando-se para a cidade seus conhecimentos

    tornam-se ultrapassados.

    Em relao baixa escolaridade, o quadro elencado aqui, no diverge da

    realidade brasileira. Segundo estudos realizados a partir da dcada de 1970 at

    atualmente26

    , o emprego domstico considerado uma ocupao de baixa remunerao

    (BOSI, p. 14, 2007)27

    , onde a grande maioria das trabalhadoras envolvidas possui

    apenas ensino fundamental at a 4 srie conforme nos mostra Hildete de Melo em seu

    estudo sobre o emprego domstico (MELO, p. 17, 1998).

    Em resumo, como conseqncia de terem vivido durante grande parte da

    infncia no campo, a maioria das entrevistadas obteve um acesso precrio ao ensino

    bsico. Portanto, a baixa escolaridade destas trabalhadoras, se deve ao mau acesso

    educao em funo da prpria falta de estrutura das instituies que freqentaram, bem

    como da baixa condio financeira de suas famlias.

    26Saffioti (1978); Melo (1998); Bosi (2007). 27O artigo em questo traz dados da PNAD/IBGE sobre 2004 onde consta que, 75% das trabalhadoras

    domsticas trabalham sem carteira assinada recebendo aproximadamente menos de um salrio mnino.

  • Curitiba, 05 a 08 de setembro de 2011

    Formalidade e informalidade no emprego domstico

    Juridicamente, no Brasil, o trabalho domstico regulamentado de

    maneira diferenciada das demais ocupaes. Seu amparo legal no se efetua atravs da

    Consolidao das Leis Trabalhistas (CLT), mas sim em Lei Especial - Lei 5.859/72.

    (BRASIL, p.08, 2006). De acordo com esta lei o trabalho domstico constitui:

    cozinheiro (a), governanta, bab, lavadeira, faxineiro (a), vigia, motorista particular,

    jardineiro (a), acompanhante de idosos (as), entre outras. O (a) caseiro (a) tambm

    considerado (a) empregado (a) domstico (a), quando o stio ou local onde exerce a sua

    atividade no possui finalidade lucrativa (BRASIL, p.06, 2007)

    Atualmente os direitos do trabalhador deste segmento so 1) Carteira

    de Trabalho e Previdncia Social devidamente anotada; 2) Salrio mnimo fixado em

    Lei; 3) Irredutibilidade salarial; 4) 13 (dcimo terceiro) salrio; 5) Repouso semanal

    remunerado, preferencialmente aos domingos 6) Feriados civis e religiosos; 7) frias de

    30 (trinta) dias remuneradas; 8) Frias proporcionais, no trmino do trabalho; 9)

    Estabilidade no emprego em razo da gravidez; 10) Licena a gestante, sem prejuzo do

    emprego e do salrio; 11) Licena-paternidade de 5 dias corridos, 12) Auxlio doena

    pago pelo INSS; 13) Aviso prvio de, no mnimo, 30 dias; 14) aposentadoria; 15)

    Integrao Previdncia Social; 16) Vale transporte; 17) Fundo de Garantia por Tempo

    de Servio28

    (opcional); 18) Seguro-Desemprego concedido, exclusivamente, ao ()

    empregado (a) includo (a) no FGTS (BRASIL, p. 07, 2007).

    Assim, diferentemente da CLT a Lei especial no prev ao empregado

    domstico jornada de trabalho fixada em lei, horas extra e adicional noturno (BRASIL,

    p.20, 2007). Entre outros direitos, o trabalhador domstico no tem: 1) Recebimento do

    abono salarial relativo ao PIS por no ser contribuinte deste programa; 2) Salrio-

    Famlia; 3) Benefcios por acidente de trabalho; 4) Adicional de periculosidade e

    insalubridade; 5) Horas extras; 6) Adicional noturno (BRASIL, p.20, 2007).

    28 Apesar do FGTS ser colocado enquanto um direito conquistado, o consideramos no o sendo

    plenamente. Afinal, o mesmo facultativo e no obrigatrio. Esta questo um bom exemplo de como,

    apesar das recentes conquistas na legislao, o emprego domstico ainda extremamente precarizado.

  • Curitiba, 05 a 08 de setembro de 2011

    a partir de 1972, que se inicia o processo de regulamentao do

    emprego domstico (Lei n 5.859 de 11 de dezembro de 1972, que dispe sobre a

    profisso do(a) empregado(a) domstico(a), conceituando-lhe e atribuindo-lhe direitos

    (BRASIL, p.06, 2007)). Diante disso, o governo brasileiro, vem procurando incentivar a

    formalizao devida os altos ndices de trabalhadores na informalidade. Entretanto este

    processo de regulamentao, tambm no pode ser compreendido como presente por

    parte do governo devida sua empatia para com as trabalhadoras domsticas. Afinal, este

    processo , em grande medida, resultado da luta destas trabalhadoras pelo

    reconhecimento profissional a partir do campo jurdico. Como nos lembra Antnio

    Bosi:

    Com algum cuidado pode-se afirmar que, de forma bastante similar ampliao e intensificao das lutas sociais ao longo das dcadas de 1970 e 1980 no pas, as empregadas domsticas pautaram sua existncia profissional no cenrio poltico nacional estabelecendo como prioridade a incluso de seu trabalho no campo do direito. Suas reivindicaes emparelhavam com as lutas de trabalhadores cujas relaes de trabalho j contavam com a formalizao da Lei. (BOSI, p. 10, 2007)

    Em outras palavras, este processo de formalizao no foi dado as

    empregadas domsticas, pelo contrrio, o processo de formalizao produto tambm

    das lutas destas trabalhadoras por uma regularizao de sua profisso, bem como um

    esforo de construo de uma identidade positiva sobre si mesmas (BOSI, p. 09,

    2007). Nesse sentido, este tambm um processo do fazer-se das trabalhadoras desta

    categoria, pois ao conquistar e lutar por direitos, tambm formam uma conscincia de

    classe e uma identidade.

    tambm a partir deste momento que comea a surgir uma nova modalidade de

    trabalho no emprego domstico: a diarista. Este fenmeno no foi percebido de

    imediato por socilogos e intelectuais contemporneos poca, menos ainda enquanto

  • Curitiba, 05 a 08 de setembro de 2011

    uma tendncia que estava se estabelecendo a partir da dcada de 197029

    . senso

    comum que o trabalho domstico sustenta, grosso modo, duas categorias que se

    distinguem de acordo com a forma de pagamento pelo seu servio30

    , seriam estas a

    mensalista e a diarista. O primeiro leva tal denominao por receber seu pagamento

    mensalmente. J o segundo, tem sua remunerao paga ao trmino do labor dirio da

    trabalhadora (ou seja, seus servios so pagos por dispndio dirio de fora de trabalho).

    Uma das principais caractersticas da mensalista a estabilidade.

    Basicamente, ela trabalha para uma nica pessoa porm, por no possuir uma jornada

    de trabalho fixada em Lei, nada lhe impede se trabalhar somente meio perodo de

    possuir mais de um patro recebendo, portanto, mensalmente, bem como, tendo seus

    direitos trabalhistas assegurados por Lei. Embora, estatisticamente (como foi exposto

    anteriormente), seja uma minoria que desfrute de seus direitos31

    .

    J a modalidade diarista tem como caracterstica a informalidade e

    instabilidade. Se um patro desejar demiti-la por um dado motivo, no h amparo legal

    que permita que a domstica acione a justia, pois segundo deciso do TST (Tribunal

    Superior do Trabalho) no h vinculo empregatcio nas relaes de trabalho firmadas

    nesta modalidade:

    Recurso de Revista 776.500/2001

    DIARISTA QUE PRESTA SERVIOS EM RESIDNCIA

    APENAS EM TRS DIAS DA SEMANA INEXISTNCIA DE VNCULO EMPREGATCIO. O reconhecimento do vnculo

    empregatcio do domstico est condicionado continuidade na prestao dos servios, no se prestando ao reconhecimento do liame

    a realizao de trabalho durante alguns dias da semana (in casu trs),

    considerando-se que, para o domstico com vnculo de emprego

    29 Saffioti ao escrever sobre o emprego domstico apenas menciona a existncia de trabalhadoras por dia.

    No entanto, no se ocupa em problematizar ou mesmo discutir o assunto (SAFFIOTI, 1978). 30Poder-se-ia levar em considerao as empregadas domsticas que residem nas casas em que trabalham,

    no entanto, juridicamente, no h distino legal entre esta modalidade e a forma mensalista, sendo a

    distino apenas referente forma de relao de trabalho. 31Porm, o fato de terem carteira assinada no que dizer que a trabalhadora gozara plenamente de seus

    direitos. Tendo em vista que alguns so facultativos e outros, como foi exposto anteriormente, a

    domstica no tem direitos como uma trabalhadora urbana em relao s demais ocupaes da cidade.

  • Curitiba, 05 a 08 de setembro de 2011

    permanente, a sua jornada de trabalho, geral e normalmente,

    executada de segunda-feira a sbado, ou seja, seis dias na semana, at

    porque foi assegurado ao domstico o descanso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos (CF, art. 7, XV, pargrafo nico).

    No caso, incontroverso que a Reclamante somente trabalhava trs

    vezes por semana para a Reclamada, no havendo como reconhecer-

    lhe o vnculo empregatcio com a ora Recorrida, pois, nessa hiptese, estamos diante de servio prestado na modalidade de empregado

    diarista. O carter de eventualidade do qual se reveste o trabalho do

    diarista decorre da inexistncia de garantia de continuidade da relao. O diarista presta servio e recebe no mesmo dia a

    remunerao do seu labor, geralmente superior quilo que faria jus se

    laborasse continuadamente para o mesmo empregador, pois nele restam englobados e pagos diretamente ao trabalhador os encargos

    sociais que seriam recolhidos a terceiros. Se no quiser mais prestar

    servios para este ou aquele tomador dos seus servios no precisar

    avis-lo com antecedncia ou submeter-se a nenhuma formalidade, j que de sua convenincia, pela flexibilidade de que goza no manter

    um vnculo estvel e permanente com um nico empregador, pois

    tem variadas fontes de renda, provenientes dos vrios postos de servios que mantm. Recurso de Revista conhecido e desprovido

    Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista n

    TST-RR-776.500/2001.732

    (BRASIL, p. 24 25, 2007).

    Neste trecho acima, podemos perceber que com o surgimento da

    diarista ocorrem importantes mudanas no mbito do emprego domstico. Pois por

    conta do no reconhecimento, a modalidade de diarista continuou a existir. Tambm

    podemos levar em considerao que esta, atualmente, a modalidade de trabalho que

    mais absorve trabalhadoras domsticas. Desta maneira podemos perceber que esta foi

    uma mudana de extrema importncia.

    Alm das mudanas no campo do direito, preciso pensar tambm

    como o universo do trabalho domstico em Marechal Cndido Rondon foi afetado pelas

    mudanas ocorridas nas formas de organizao deste nos trinta anos. Como foi colocado

    anteriormente, durante a dcada de 1970 que temos o surgimento de uma nova

    32Esta determinao foi extrada de: BRASIL. Trabalho domstico: direitos e deveres: orientaes. 3

    Ed, Braslia: MTE, SIT, 2007. http://www.mte.gov.br/fisca_trab/Cartilha.pdf. Acesso dia 26/03/09.

    Segundo a fonte, esta deciso foi retirada de uma publicao do Dirio de Justia, em 02 de Abril de

    2004.

  • Curitiba, 05 a 08 de setembro de 2011

    modalidade do emprego domstico, a diarista. Uma das hipteses j apresentadas para

    este surgimento foi a prpria legislao trabalhista.

    Outro aspecto a ser considerado a remunerao imediata que esta

    modalidade percebe. Por remunerao imediata, queremos dizer que, em modalidades

    de trabalho pagas pelo dispndio dirio de fora de trabalho, os trabalhadores em grande

    medida, por receberem diariamente, consideram mais lucrativo justamente por

    receberem uma remunerao imediata.

    Ao questionar D. Lurdes sobre a diferena entre mensalista e diarista,

    ela responde:

    Tem diferena sim. Tem diferena porque a diarista pode at ganhar mais que a mensalista, s que mais difcil, mais pesado, porque

    fica com a pior parte, no caso 33

    .

    D. Lurdes identifica a diferena entre a diarista e domstica a partir de

    dois aspectos. O primeiro refere-se remunerao, o segundo refere-se ao volume de

    trabalho. A diarista tem um salrio mais alto, porm trabalha mais. Parece-nos que ela

    faz um balano um pouco negativo sobre a diarista, ganha bem, mas o trabalho

    pesado.

    Mencionamos anteriormente que, uma das caractersticas da

    modalidade diarista, a instabilidade. Podemos tambm destacar, que segundo as falas

    das trabalhadoras entrevistadas, a diarista possui uma carga de tarefas maior que a

    mensalista.

    D. Silvia:

    A diarista braal, tudo que tiver encardido tem que fazer n, desde roupa, calada, parede, o que tiver imundo a diarista faz n... A

    mensalista, ela s continua ficar limpo... Essa a diferena34

    .

    33Entrevista realizada com D. Lurdes no dia 06/02/09. 34Entrevista realizada com D. Silvia no dia 06/02/09.

  • Curitiba, 05 a 08 de setembro de 2011

    D. Elisa:

    H, diarista tu cansa mais que mensalista, tu limpa bem hoje, amanh

    tu limpa male-male, e a diarista tu tem que limp bem que s aquele dia n, pensa contigo, eu penso assim, de mensalista o que tu no

    quiser amanh tu faz [...]35

    Neste trecho tambm, D. Elisa aponta que a carga de trabalho da

    diarista maior que da mensalista. Portanto, quando D. Lurdes diz que a diarista pode

    at ganhar mais que a mensalista, s que mais difcil, mais pesado, porque fica com

    a pior parte, no caso, se remete justamente por no trabalhar de forma continua, ou

    seja, mais pesado, pois ao ser contratada para limpar, as tarefas se tornam mais

    penosas de serem realizadas, ao passo que a mensalista aps trabalhar pela primeira vez,

    precisa apenas fazer a manuteno da casa.

    O aspecto salarial destaca-se tambm na fala de D. Ana. Ela observa

    que o trabalho de diarista atraente porque ao final do ms a remunerao maior se

    comparada com a mensalista. Segundo D. Ana:

    Compensa trabalha mais de diarista, diarista voc... Tm amigas minhas em torno de R$ 25,00 a R$ 30,00 reais n, domstica no,

    voc tem o valor fixo, voc vai receber aquele valor, diarista no

    quanto mais voc trabalhar trs vezes por semana voc vai receber

    um valor... E quanto mais voc trabalhar por ms de diarista mas voc vai estar recebendo

    36.

    Considerando que as diaristas costumam trabalhar para mais de uma

    pessoa durante estas trs vezes por semana, percebe-se que o montante recebido

    maior. Por exemplo, digamos que uma determinada diarista trabalhe para duas famlias,

    35 Entrevista com realizada com D. Elisa no dia 03/03/09. 36Entrevista realizada com D. Ana no dia 12/03/09.

  • Curitiba, 05 a 08 de setembro de 2011

    no mnimo, trs vezes por semana recebendo R$ 25,00 reais. Na sua primeira semana de

    trabalho, ela ir receber R$ 150,00 reais, e no fim da terceira semana, ela ter recebido

    R$ 450,00. Enquanto a mensalista receberia o salrio mnimo trabalhando todos os dias.

    De acordo com a avaliao de D. Ana, uma diarista que trabalha em

    duas residncias trs vezes por semana, receber no final do ms de quatro semanas, R$

    600,00 reais. Se compararmos esta lgica com o raciocnio de D. Ana, a diarista

    receberia mais que a mensalista com carteira assinada. Pois o salrio mnimo no Paran

    de R$ 530,00 reais37

    . Ademais, D. Lurdes nos revela que poucas mensalistas recebem

    o salrio mnimo integralmente. Pergunto a ela como era trabalhar de domstica durante

    o perodo que trabalhou e D. Lurdes responde:

    Naquela poca no tinha carteira de trabalho, no tinha nada. Era assim. Em muitos lugares que trabalhava eles queriam que fosse

    trabalhar at no domingo de manh. E s vezes a gente se sujeitava,

    porque precisava, n? Crianas pequenas precisando de material pra

    aula, e tudo. E da. E salrio era mnimo. Isso ainda que eu sempre tive sorte de arrumar servio que ganhava salrio mnimo, porque

    muitas no ganhavam salrio mnimo no38

    .

    Neste trecho podemos perceber, para alm das sujeies dessas

    trabalhadoras a formas que demonstram claramente o estado de precarizado das relaes

    de trabalho do emprego domstico, vemos que de acordo com D. Lurdes so poucas as

    mensalistas que recebiam o salrio mnimo. Ainda pergunto a ela qual seria o valor

    recebido pelas domsticas, ento D. Lurdes responde que:

    Sempre dependia da patroa, do lugar que trabalhava. As vezes muitas

    at trabalhavam por meio salrio, pouquinho mais. Como at hoje

    ainda, tem muitos que eu sei que trabalham...39

    37 Como a pesquisa foi desenvolvida antes do reajuste do salrio mnimo, foram mantidos os valores

    anteriores a 2011. 38Entrevista realizada com D. Lurdes no dia 02/06/09. 39Idem.

  • Curitiba, 05 a 08 de setembro de 2011

    Sendo assim, de acordo com a fala de D. Lurdes, as mensalistas, alm

    de receberem um valor menor que as diaristas, em sua maioria, recebem menos ainda

    por conta de perceberem um valor inferior ao salrio mnimo.

    Apesar de D. Ana considerar que a diarista recebe mais que a

    mensalista, ressalva que mesmo assim, sua preferncia trabalhar de mensalista:

    uma segurana que voc tem para voc n, uma segurana que voc vai ter at o futuro mais tarde, eu preferia sempre trabalhar de

    carteira assinada40

    .

    Para alm de D. Ana preferir trabalhar com carteira assinada, por

    considerar que isto ir fazer diferena em sua vida posteriormente, isto tambm tem

    relao com sua prpria trajetria enquanto trabalhadora. D. Ana trabalhou na linha de

    empacotamento da Unidade Industrial de Aves da COPAGRIL (Cooperativa

    Agroindustrial) em 2005. Sendo assim, sua funo era embalar os produtos para serem

    distribudos. Aps trabalhar por seis meses acabou desenvolvendo Leso por Esforo

    Repetitivo (LER) nos dois pulsos, tendo assim que passar por procedimento cirrgico.

    Portanto, D. Ana reconhece a importncia de possuir carteira assinada, pois, em caso de

    algum acidente, poder contar com o seguro para arcar com quaisquer possveis

    problemas mdicos.

    D. Suzane tambm partilha deste pensamento:

    Eu acho que no tem muita diferena porque de carteira assinada melhor porque agente sabe o que agente... Se acontece alguma coisa, doena alguma coisa voc tem da tem o INSS. [a diarista] , ganha

    bem melhor ixi! S que se voc t de carteira assinada melhor

    porque da tu fica mais tranqila n, e t valendo pra aposentadoria

    depois n41.

    40Entrevista realizada com D. Ana no dia 12/03/09. 41Entrevista com D. Lurdes realizada no dia 05/02/09.

  • Curitiba, 05 a 08 de setembro de 2011

    D. Suzane tambm faz um balano a favor de trabalhar com carteira

    assinada, pois atualmente aposentada, e conseqentemente, por ter trabalhado com

    carteira assinada, conseguiu se aposentar. Estes dois trechos dos depoimentos destas

    duas trabalhadoras tambm nos revelam que, de certa forma existe certa resistncia ao

    trabalho de diarista, afinal, apesar da maior remunerao percebida pela diarista, julgam

    que isto pouco acrescenta nas suas vidas laborais, em relao segurana de trabalhar

    com carteira assinada.

    Emprego domstico: profisso socialmente discriminada

    Apesar dos ganhos alcanados no campo do direito as situaes

    vividas concretamente pelos trabalhadores indicam que este trabalho ainda permanece

    muito desvalorizado socialmente. A partir das entrevistas com trabalhadoras

    domsticas, poderemos confrontar estas caracterizaes gerais e traar uma

    aproximao da realidade do emprego domstico na cidade de Marechal Cndido

    Rondon. Acerca da desvalorizao, todas as entrevistadas partilham do mesmo ponto de

    vista: que o emprego domstico pouco valorizado socialmente.

    Ao questionar D. Lurdes sobre o porqu que considera o emprego

    domstico pouco valorizado ela responde que:

    Eu no sei por qu, mas ele pouco valorizado. Pelo trabalho que ,

    pela dificuldade do trabalho, ele pouco valorizado, porque

    geralmente assim, quando a gente vai ser contratado por um servio eles ficam especulando o preo, sabe, assim, sempre muitos, n, no

    todo mundo, achando que tem bastante gente que faz esse tipo de

    servio, que no, que no valorizado, no caso42

    .

    Neste fragmento, podemos perceber alguns elementos importantes. A

    falta de reconhecimento da dificuldade do trabalho domstico, a resistncia das famlias

    42Entrevista realizada com D. Lurdes no dia 05/02/09.

  • Curitiba, 05 a 08 de setembro de 2011

    empregadoras em aceitar o pagamento integral do salrio e o desprezo em virtude das

    mesmas considerarem que esta uma modalidade de emprego que dispem de grande

    mo de obra disponvel. Os argumentos apresentados por D. Lurdes apontam situaes

    concretas que explicitam a desvalorizao social do trabalho domstico. Ao dizer que os

    patres pensam que tem bastante gente que faz esse tipo de servio, ela expe que,

    por conta do trabalho domstico mostrar-se corriqueiro, as famlias empregadoras

    chegam a concluso que exista um grande nmero de trabalhadoras dispostas a realizar

    este tipo de trabalho (sendo que, se eles contratam domsticas, significa que este

    trabalho corriqueiro, no realizado pelas famlias empregadoras).

    J D. Suzane nos aponta outros elementos que fazem em sua opinio

    do emprego domstico uma ocupao pouco valorizada:

    porque a domstica no sei se agora mas antes no tinha o direito de receber seguro desemprego e muitas coisa que no tinha direito n, saa e no ganhava nada, nem seguro desemprego, nada n. Da muito pouco valorizado43.

    Na fala de Suzane, mais uma vez os argumentos que explicam a

    desvalorizao social do trabalho domstico so concretos. Enquanto todos os outros

    trabalhadores tm acesso o seguro desemprego, a empregada domstica que tambm

    uma trabalhadora no tem. A ausncia deste direito a expresso real do pouco valor

    dado ao seu trabalho. Em sua opinio o emprego domstico compreendido como

    sendo inferior ou mesmo menor socialmente; frente s demais modalidades de

    emprego existentes.

    De certa forma, isto est relacionado com a prpria constituio do

    trabalho livre no Brasil e o papel histrico do emprego domstico neste contexto44

    .

    43Entrevista realizada com D. Suzane no dia 06/02/09. 44Para uma analise mais aprofundada sobre a constituio do emprego domstico no Brasil ver: BOSI,

    Antnio de Pdua. Mudanas no mundo do trabalho das empregadas domsticas no Brasil (1970-

    2005). In: III Seminrio Internacional de Histria, 2007, Maring. III Seminrio Internacional de

    Histria, 2007. p. 1-8.

  • Curitiba, 05 a 08 de setembro de 2011

    Historicamente, o trabalho domstico marcado por sua descendncia escrava

    alicerada na negatividade do trabalho, onde afazeres domsticos, e grosso modo

    trabalhos estritamente braais, eram desempenhados por escravos. A adoo do trabalho

    livre no modificou substancialmente a realidade do trabalho domstico, porque muitas

    famlias o consideravam como uma forma de favor prestado a algum parente distante

    que procura uma melhoria das condies materiais para as filhas (educao mais

    adequada, por exemplo), ou ento, uma famlia sem condies financeiras de cri-las

    (BOSI, p 02, 2007).

    Devido a esta herana, o trabalho domstico era interpretado como

    uma espcie de favor, sendo oferecida em troca de alimentao, moradia e/ou

    vestimenta. A partir disto, o trabalho domstico passa a ser compreendido como um

    trabalho menor em relao s outras modalidades de emprego (BOSI, p. 04, 2007).

    Este estigma de ser uma modalidade de emprego inferiorizada socialmente de certo

    modo, afeta a interpretao que estas mulheres constroem sobre o trabalho que exercem.

    Na viso de D. Silvia a desvalorizao do trabalho domstico se

    apresenta como uma discriminao:

    Ele descriminado [...] H, porque domstica ganha uma mixaria por

    ms, no tem direito a porcaria nenhuma! O dela s. Esfregar, fazer

    comida, e cuidar dos filhos dos patres, ainda fazer o servio l no

    servio dela, tem que chegar em casa e fazer o dela tudo de novo, pra mim muito mal pago, muito mal valorizado

    45.

    D. Silvia faz um protesto sobre os baixos salrios e a falta de direitos,

    nos mostra que conhece e sabe identificar os problemas enfrentados pelas trabalhadoras

    domsticas. Mais uma vez, os problemas levantados so concretos, baixos salrios e

    falta de direitos. Ao que nos parece, na opinio de D. Silvia, a desvalorizao tamanha

    que considera o trabalho domstico uma ocupao que sofre descriminao. D. Silvia

    acrescenta tambm uma questo que provavelmente afete todas as mulheres. A dupla

    45Entrevista realizada com D. Silvia no dia 06/02/09.

  • Curitiba, 05 a 08 de setembro de 2011

    jornada de trabalho. Alm de ter que trabalhar de domstica na casa de outras famlias,

    deve tambm exercer os afazeres domsticos em sua prpria casa. Sua rotina de trabalho

    no pra aps chegar a casa.

    D. Elisa tambm nos mostra as razes que a fazem considerar o

    emprego domstico pouco valorizado:

    H... Porque acham que bem fcil de fazer, s que no fazem n. bem fcil, s lavar uma loua que envolve tu esfregar, tu arear, tu

    limpar, tu no misturar gordura com o copo... Acha que fcil fazer,

    mas no ... Que simples de fazer s que no fazem, quando vo

    fazer e v que no n, falam: , eu pago tanto pra essa empregada no sei o que, mas no assim no, sentar e olhar tudo prontinho,

    trabalho [...]46

    primeira vista o depoimento de D. Elisa, parece seguir no sentido de

    considerar o emprego domstico penoso: acha que fcil fazer, mas no . Critica as

    pessoas que no vm dificuldade de realizar as tarefas domsticas: quando vo fazer

    e v que no [simples] n, falam: , eu pago tanto pra essa empregada. Para alm

    de D. Elisa estar afirmando que o trabalho domstico penoso, seu depoimento segue

    no sentido de afirmar-se enquanto trabalhadora. Ou seja, o trabalho por ela prestado

    deve ser compreendido enquanto tal. Em outras palavras, D. Elisa no trabalha de

    domstica em troca de alguma espcie de favor, mas sim, pois este o seu trabalho,

    portanto enquanto trabalhadora, sua ocupao deve minimamente ser respeitada.

    D. Ana tambm expressa sua interpretao sobre a desvalorizao do

    emprego domstico:

    Muito valorizado no mais... Poderia dar um pouco mais de valor

    pras empregadas n, porque elas s tem direito a frias e a 13, elas deveriam ter um pouco mais de valorizao, porque ela uma pessoa

    que tem que fazer tudo completamente n, a patroa manda voc tem

    46Entrevista realizada com D. Elisa no dia 03/03/09.

  • Curitiba, 05 a 08 de setembro de 2011

    que fazer o que a patroa mandar n, elas deveriam ser mais

    valorizadas 47

    .

    No depoimento de D. Ana aparece tambm a questo da falta de mais

    direitos e a grande carga de tarefas a serem cumpridas pelas domsticas (porque ela

    uma pessoa que tem que fazer tudo completamente). A sua maneira, D. Ana tambm

    levanta questes concretas acerca da desvalorizao social das empregadas domsticas

    Embora, como mostramos anteriormente sobre a legislao do trabalho domstico, h

    vrios outros direitos que contemplam o emprego domstico. Sendo assim, nossa

    concluso de que estes direitos no so cumpridos pelas famlias empregadoras de

    Marechal Cndido Rondon. Ou seja, apesar das mudanas ocorridas no plano legal, as

    domsticas no percebem grandes mudanas no que diz respeito a leis trabalhistas.

    Concluso

    A partir das entrevistas, e das mudanas na legislao apresentadas at

    o momento, percebe-se que, as mudanas na legislao, pouco tiveram influncia em

    ralao a incentivar a valorizao do emprego domstico perante a sociedade.

    Como vimos nas entrevistas das trabalhadoras, o emprego domstico

    ainda compreendido socialmente enquanto uma profisso inferior maioria das

    demais, e apesar das mudanas na legislao, os depoimentos das trabalhadoras ainda

    apontam que a prpria legislao no levada em considerao pelas famlias

    empregadoras.

    O prprio reconhecimento tardio por parte do governo brasileiro

    tambm uma expresso disso, afinal, como vimos, quando as trabalhadoras

    domsticas comeam a pautar a sua existncia no campo do direito, por volta da dcada

    de 1970, enquanto os trabalhadores de ocupaes mais consolidadas lutavam por

    melhores salrios, reduo de jornada de trabalho, por exemplo; as trabalhadoras

    47Entrevista realizada com D. Ana no dia 12/03/09.

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    domsticas, ainda procuravam pautar o reconhecimento do trabalho domstico, de fato,

    enquanto trabalho (salrio fixado em Lei, frias, Carteira de Trabalho e Previdncia

    Social, por exemplo).

    Outra mudana significava apresentada, o surgimento de uma

    modalidade inteiramente nova: a diarista. Com o surgimento desta nova modalidade, as

    trabalhadoras domsticas que antes do primeiro avano significativo na legislao em

    1972, se encontravam entre a legalidade e a ilegalidade, vm-se agora frente a uma nova

    situao.

    A diarista se apresenta a elas como uma forma mais rpida e lucrativa

    de garantir a reproduo de sua existncia, porm, tambm uma modalidade de

    trabalho mais pesada que a mensalista e sem nenhuma garantia dos direitos

    trabalhistas. Para as trabalhadoras domsticas, o grande atrativo da diarista

    justamente essa margem de ganho mais elevado que a mensalista. No entanto, isto no

    significa que no haja resistncia a essa modalidade de emprego. Afinal, como pudemos

    ver nas falas de D. Suzane e D. Ana, apesar das vantagens financeiras da diarista, elas

    preferem trabalhar recebendo seus direitos trabalhistas.

    A partir das questes apontadas e discutidas, o emprego domstico

    continua a ser uma ocupao aglutinadora de trabalhadoras com baixa escolaridade e

    baixa qualificao. Entretanto, por baixa qualificao entendemos como sendo para

    realizar outras ocupaes, afinal, como foi exposto, ser domstica tambm exige que

    estas trabalhadoras sejam qualificadas para o exerccio do trabalho domstico, pois para

    executar as tarefas, precisam saber minimamente lavar roupas (incluindo tambm peas

    que necessitam de maior cuidado na lavagem), operar mquinas eletro-domstico,

    utilizar produtos de limpeza corretamente, lidar com objetos frgeis, entre outros.

    Percebe-se tambm, que a maioria das trabalhadoras entrevistadas

    migrou do campo para a cidade em busca de melhores condies de vida, vindas dos

    estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Das cinco trabalhadoras entrevistadas,

    apenas D. Elisa migrou da cidade para Marechal Cndido Rondon. Como conseqncia

    de terem vivido durante grande parte da infncia no campo, grande parte das

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    entrevistadas estudaram nas escolas de interior onde obtiveram um acesso precrio ao

    ensino bsico.

    As condies de acesso a este ensino tambm influenciaram na baixa

    escolaridade. Como as escolas que freqentaram, normalmente situavam-se longe de

    suas casas, e suas famlias no tinham nenhum meio de levar seus filhos, as

    entrevistadas tinham que andar por quilmetros at chegarem escola. Somado a isto,

    podemos incluir que todas as entrevistadas, durante suas infncias no campo tiveram

    que ajudar suas famlias nos afazeres rurais.

    Diante do exposto, podemos concluir que a baixa escolaridade destas

    trabalhadoras, se deve ao mau acesso educao em funo da prpria falta de estrutura

    das instituies que freqentaram, bem como, da baixa condio financeira de suas

    famlias.

    Apesar das mudanas no campo do direito, as mudanas na legislao

    pouco influenciou no que concerne a valorizao do emprego domstico na sociedade,

    pois conforme foi exposto, os depoimentos das trabalhadoras apontaram para um

    balano de desvalorizao social do emprego domstico que reflete no cumprimento da

    legislao trabalhista do emprego domstico.

    Ademais, ainda que as mudanas no campo do direito tenham sido

    significativas, o emprego domstico no prev a regulamentao da diarista. Vale

    lembrar tambm, que o emprego domstico no possui direitos elementares que demais

    ocupaes possuem (jornada de trabalho fixada em Lei, recebimento de horas extras

    trabalhadas, adicional noturno, benefcios por acidente de trabalho, entre outros), isto

    tambm uma expresso de que o trabalho domstico possui resistncia a ser

    compreendido enquanto trabalho, ou seja, digno dos mesmos direitos que as demais

    ocupaes previstas em Lei.

    Com base nos depoimentos das trabalhadoras entrevistadas,

    percebemos tambm, que a modalidade diarista, de fato se apresenta enquanto uma

    forma mais eficiente de conseguir maiores rendimentos trabalhando de domstica,

    bem como uma forma de evitar o pagamento dos encargos trabalhistas por parte das

  • Curitiba, 05 a 08 de setembro de 2011

    famlias empregadoras. No entanto, encontramos no depoimento de D. Ana e D.

    Suzane, certa resistncia a esta modalidade de emprego em detrimento da estabilidade e

    segurana futura proporcionadas pela anotao da Carteira de Trabalho. Isto tambm

    um indicativo de que as trabalhadoras entrevistadas interpretam a realidade do trabalho

    domstico de forma coerente e concreta.

    A trajetria ocupacional das trabalhadoras entrevistadas apesar de

    distintas em certos pontos possuem um lugar comum um tanto que preocupante. Das

    cinco entrevistadas, trs apresentaram problemas de sade causados pelas atividades por

    elas exercidas. D. Suzane, que trabalhou intensamente antes de conseguir aposentadoria,

    contraiu bursite e artrite em um dos joelhos. D. Silvia desenvolveu um cncer de pele no

    nariz por conta de trabalhar utilizando produtos qumicos de limpeza. E por fim, D. Ana

    que poca da entrevista possua 38 anos teve que passar por um procedimento

    cirrgico em ambos os braos ao contrair LER trabalhando na linha de corte no

    frigorfico da COPAGRIL.

    Ou seja, estas trabalhadoras so marcadas por um regime intenso de

    trabalho que comea j na infncia e continua a estender-se ao longo de suas vidas

    lembrando que no caso de trs das entrevistadas, elas ainda tm resultando em

    problemas srios de sade mesmo aps conseguirem aposentadoria, como o caso de

    D. Suzane. Durante grande parte de sua vida laboral, estas trabalhadoras exerceram

    ocupaes tanto informais quanto precrias, reafirmando que a situao da mulher no

    mercado de trabalho perpassa na maioria dos casos, a informalidade e sub-remunerao

    em relao mo de obra masculina.48

    Referncias

    ANTUNES, Ricardo. O caracol e a sua concha: ensaios sobre a nova morfologia do

    48 HIRATA, Helena; KERGOAT, Danile. Novas Configuraes da Diviso Sexual do

    Trabalho. In: Cadernos de Pesquisa, on-line, So Paulo, n.132, set-dezembro, 2007. ISSN 0100-1574.

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  • Curitiba, 05 a 08 de setembro de 2011

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