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O EMPREGO DO ALFABETO MANUAL (LIBRAS) NA ALFABETIZAÇÃO DOS PORTADORES DE NECESSIDADES EDUCATIVAS ESPECIAIS (DI) Aparecida Fátima de Oliveira Alencar 1 Resumo: A Alfabetização de educandos que apresentam déficit intelectual constitui realidade desafiadora para os profissionais que atuam na área. O trabalho a seguir baseia- se no uso do alfabeto datilológico, utilizado pelos surdos, como recurso alternativo para concretização e memorização das letras do alfabeto convencional, no início da Alfabetização desses indivíduos. Após vários estudos, a experiência aconteceu numa turma matriculada nesse programa escolar, e que possui alunos que não se expressavam oralmente. A implementação transcrita neste trabalho traz reflexões sobre o pensamento de Anna Maria Lunardi Padilha, considerando o ser humano enquanto ser simbólico e com isso justificando o uso de linguagem não-verbal: mímica, dramatizações, expressões faciais, soletração em LIBRAS, como ponto de partida do processo; e ainda agregando experiências próprias de Paulo Freire e outros autores, adotando posturas semelhantes enquanto se alfabetiza. Palavras-chave: alfabetização. recurso. memorização. alfabeto manual. alfabeto convencional. Abstract: Literacy of students that present intellectual deficit constitute challenging reality for professionals that act in this area. This study is based on use of manual (using hands) alphabet used by deaf, as alternative resource to realize and memorize the letters of the conventional alphabet, in the start of Literacy of these individuals. After several studies, the experience happened with a group enrolled in this school program with students that doesn’t show orally yourselves. The implementation in this study brings reflections about the thought by Anna Maria Lunardi Padilha, considering the human being while symbolic being and with this justifying the use of non-verbal language: mime, dramatizations, face expressions, spelling in LIBRAS, as initial point of process; and still joined own experiences of Paulo Freire and other authors, using similar posture during the Literacy. Key words: literacy. resource. memorization. manual alphabet. conventional alphabet. INTRODUÇÃO A Alfabetização das Pessoas com Necessidades Educativas Especiais (Deficientes Intelectuais) constitui-se um desafio a todos os profissionais que trabalham na área. Desvendar a leitura de palavras e pensamentos alheios contidos nos textos e a escrita de outros para registrar os próprios pensamentos é uma incógnita, para aqueles que possuem certo déficit. A memorização dos símbolos responsáveis pela tradução deste código é passo fundamental no processo. 1 Aparecida Fátima de Oliveira, professora da Rede, licenciada no curso de Letras Português/Inglês com Especialização em: Língua Portuguesa e Literaturas, Educação Especial. É participante da primeira turma do PDE (Programa de Desenvolvimento Educacional) do Estado do Paraná, cuja pesquisa faz parte dos pré-requisitos para galgar o último nível do Plano de Carreira do Magistério.

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O EMPREGO DO ALFABETO MANUAL (LIBRAS) NA ALFABETIZAÇÃO DOS

PORTADORES DE NECESSIDADES EDUCATIVAS ESPECIAIS (DI)

Aparecida Fátima de Oliveira Alencar 1

Resumo: A Alfabetização de educandos que apresentam déficit intelectual constituirealidade desafiadora para os profissionais que atuam na área. O trabalho a seguir baseia-se no uso do alfabeto datilológico, utilizado pelos surdos, como recurso alternativo paraconcretização e memorização das letras do alfabeto convencional, no início da Alfabetizaçãodesses indivíduos. Após vários estudos, a experiência aconteceu numa turma matriculadanesse programa escolar, e que possui alunos que não se expressavam oralmente. Aimplementação transcrita neste trabalho traz reflexões sobre o pensamento de Anna MariaLunardi Padilha, considerando o ser humano enquanto ser simbólico e com isso justificandoo uso de linguagem não-verbal: mímica, dramatizações, expressões faciais, soletração emLIBRAS, como ponto de partida do processo; e ainda agregando experiências próprias dePaulo Freire e outros autores, adotando posturas semelhantes enquanto se alfabetiza.

Palavras-chave: alfabetização. recurso. memorização. alfabeto manual. alfabetoconvencional.

Abstract: Literacy of students that present intellectual deficit constitute challenging reality forprofessionals that act in this area. This study is based on use of manual (using hands)alphabet used by deaf, as alternative resource to realize and memorize the letters of theconventional alphabet, in the start of Literacy of these individuals. After several studies, theexperience happened with a group enrolled in this school program with students that doesn’tshow orally yourselves. The implementation in this study brings reflections about the thoughtby Anna Maria Lunardi Padilha, considering the human being while symbolic being and withthis justifying the use of non-verbal language: mime, dramatizations, face expressions,spelling in LIBRAS, as initial point of process; and still joined own experiences of PauloFreire and other authors, using similar posture during the Literacy.

Key words: literacy. resource. memorization. manual alphabet. conventional alphabet.

INTRODUÇÃO

A Alfabetização das Pessoas com Necessidades Educativas Especiais

(Deficientes Intelectuais) constitui-se um desafio a todos os profissionais que

trabalham na área. Desvendar a leitura de palavras e pensamentos alheios contidos

nos textos e a escrita de outros para registrar os próprios pensamentos é uma

incógnita, para aqueles que possuem certo déficit. A memorização dos símbolos

responsáveis pela tradução deste código é passo fundamental no processo.

1Aparecida Fátima de Oliveira, professora da Rede, licenciada no curso de Letras Português/Inglês

com Especialização em: Língua Portuguesa e Literaturas, Educação Especial. É participante daprimeira turma do PDE (Programa de Desenvolvimento Educacional) do Estado do Paraná, cujapesquisa faz parte dos pré-requisitos para galgar o último nível do Plano de Carreira do Magistério.

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Sabendo-se do quanto é difícil, a essa clientela, reter uma informação nem sempre

interessante; e acreditando-se também que nessa área escolar, mais que nas

outras, se faz necessário variar caminhos para se chegar ao fim desejado, é que se

sugere o uso do Alfabeto Datilológico (usado pelos surdos) como facilitador dessa

memorização. Essa atitude é legítima quando se considera Vygotsky (1989 Apud

PADILHA, 2005, p. 122), "[...] quando estamos falando dos deficientes mentais... As

limitações são da ordem do biológico e da ordem do cultural.” E diz mais:

(...) é preciso criar instrumentos culturais (signos especiais), queconsigam tirar o deficiente do desenvolvimento limitado das funçõessuperiores. Para isso, os procedimentos pedagógicos devem serorganizados para que tal desenvolvimento se dê por vias indiretas,por outros caminhos "porque “a condição mais importante e decisivado desenvolvimento cultural é precisamente a capacidade deempregar os instrumentos psicológicos, que nessas crianças não éutilizada.

Propõe-se então, o emprego dos dois alfabetos paralelamente, sendo o

alfabeto manual um recurso adicional na concretização do alfabeto convencional,

que será utilizado na aquisição dos mecanismos da leitura e da escrita.

Considerando-se a necessidade de encontrar um meio facilitador, através do

qual a Alfabetização do Portador de Necessidades Educativas Especiais (Deficientes

Intelectuais) fosse mais eficiente e produtiva, levou a nos deter na premissa de que

o ser humano é um ser simbólico por excelência, conforme Leslie White (Apud

PADILHA, 2005, p.15); trazendo a discussão, o papel do homem simbólico para o

campo da Educação:

(...) atribuir significados é a mais importante característica do homem.Só o homem pode criar e atribuir sentidos e a faculdade orgânica deusar símbolos resultou na gênese da ordem cultural. Se, de um lado,White atribuiu ao processo de simbolização a gênese do humano, eletambém afirma que “o comportamento humano é o comportamentosimbólico; se ele não é simbólico não é humano (idem, p.192).

Visando remover e/ou minimizar as barreiras encontradas na Alfabetização

desses indivíduos, toma-se por base, que no desenvolvimento individual da pessoa

(ontogênese) há uma repetição cultural do desenvolvimento da humanidade

(filogênese) e que foi preconizada por Freud (1969 Apud ROCCA, 2005, p.353) na

Conferência XIII,

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De um lado, a pré-história do indivíduo, sua infância; e, de outro, atéonde cada indivíduo de alguma maneira recapitula, em formaabreviada, todo o desenvolvimento da espécie humana, a pré-históriafilogenética.

Pode-se dizer, por essa via, que o emprego dos sinais como recurso

educacional para aquisição do código da leitura para qualquer pessoa, é fator

positivo; pois isso faz com que a pré-história do sujeito (sua infância) coincida com o

respectivo período da humanidade, época que a comunicação era gestual, de

acordo com Sacks (1990, p.102):

Mas também se pode dizer que fazer sinais e gestos, embora semuma estrutura lingüística complexa, remonta a nosso passadoremoto, pré-humano _ e que a fala é na verdade a recém-chegadaevolucionária; uma recém-chegada extremamente bem sucedida quepôde substituir as mãos, libertando-as para outros propósitos, não-comunicativos.

Ainda outras observações práticas da realidade podem ilustrar mais uma vez

essa verdade, de acordo com o autor citado acima:

Há intrigantes observações diretas sobre a comunicação gesticularentre mães (auditivas) e bebês antes da fala (ver Tronick, Brazelton eoutros, 1978) _ e se a ontogenia recapitula a filogenia, issorepresenta uma sugestão adicional de que a primeira linguagemhumana foi gesticular ou motora (SACKS, 1990, p.138).

Destacar o aspecto gestual, que pode ser visivelmente percebido na

aquisição de conteúdos acadêmicos, além de ser a recapitulação da filogênese,

cantada e decantada por muitos filósofos da educação, é também valorizar o canal

visual. De acordo com ZUNZUNEGUI (1995, p.21), sabe-se que esse canal é

responsável por 80% das apreensões humanas; o que justifica o seu uso através da

soletração do alfabeto digital (LIBRAS), para concretizar as letras que serão usadas

na decodificação das palavras, na leitura e na escrita. Numa simples e rápida

comparação, pode-se observar as similaridades existentes entre os posicionamentos

manuais, próprios dessa linguagem e as variadas formas como o alfabeto usual se

apresenta:

(...) mais de 94% das informações que o homem contemporâneo,habitante das grandes cidades, recebe, são analisadas através doprocesso visual e auditivo, mais de 80%, especificamente, através dapercepção visual – para reconhecer que a informação e a culturaexistentes na atualidade evidenciam um tratamentopredominantemente visual.

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Isso nos leva a privilegiar uma linguagem espaço-visual (ou parte dela), como

estratégia alternativa, que pode auxiliar o aluno ouvinte na memorização do alfabeto

convencional, principalmente para aquele com déficit intelectual, uma vez que o

mesmo possui dificuldade de abstração. Sendo assim, o recurso da soletração

digital através do alfabeto manual, por ser visual, surge como um ótimo recurso para

mostrar a esse aluno como se escreve uma palavra, tirar dúvidas quanto à escrita, e

também desta maneira, fixar o conhecimento do alfabeto de forma eficiente

e prazerosa, pois a percepção visual impõe com força, seu caráter imediato.

Além disso, é fundamental levar em conta a realidade do educando, conhecer

como é o alunado, para eleger quais estratégias (tecnologias) poderão ser úteis ao

nosso propósito, como comenta Saviani (1986, p.54):

Portanto, quando a ação educativa se fundamenta em princípioscientíficos, pode-se falar em tecnologia. Técnicas educativas taiscomo dinâmica de grupo (fundada na Psicologia Social), recursosaudio-visuais (fundados na Semiótica), etc., pertencem ao complexoda Tecnologia Educacional. Por fim, como o conhecimento darealidade revela que há casos especiais para os quais as técnicascomuns são ineficazes, surge a necessidade de se organizartécnicas específicas para esses casos.

Ainda, quando o assunto é alfabetização, cabe ao professor descobrir a

melhor maneira de introduzir os símbolos alfabéticos que facilitarão o processo.

Conforme ressalta o mesmo professor (1991), sobre “a necessidade do educador

criar suas próprias estratégias de trabalho a partir de sua práxis...”, busca-se o

auxílio do alfabeto datilológico (próprio da LIBRAS) como suporte facilitador na

memorização do alfabeto convencional para a decodificação das palavras e textos,

independentes da idade, e ou déficit intelectual que o aluno possa apresentar.

A partir disso, pode-se mediante um código gestual que já se mostrou

eficiente para outros indivíduos, concretizar a memorização dos símbolos

convencionais da leitura e da escrita. Para tanto, inicia-se privilegiando as

experiências e vivências pessoais trazidas pelo aluno, na escolha do repertório de

atividades que irão compor sua rotina, conforme o pensamento do educador Paulo

Freire quando diz que, “a leitura de mundo precede a leitura da palavra”.

O recurso proposto pode ser empregado como elemento mediador adicional

aos métodos e técnicas já existentes e aplicados nesta área. No início da

Alfabetização, como meio para introdução das letras; mas nada impede que em

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momentos posteriores, no decorrer de todo o processo, possam recorrer a ele na

soletração para tirar dúvidas ortográficas e na correção das atividades.

EXERCITANDO A MEMORIZAÇÃO DO ALFABETO CONVENCIONAL ATRAVÉS

DO ALFABETO DATILOLÓGICO

A implementação ocorreu na Escola de Educação Especial Irmã Dulce de

Vera Cruz do Oeste, durante o primeiro semestre de 2008. Como a professora

responsável pela experimentação já faz parte do quadro docente, no horário

destinado a mesma, revezavam-se: turmas e professores. Os encontros semanais

aconteceram nas 2ªs, 3ªs e 5ªs-feiras, num espaço temporal de 1:45 horas para

cada oficina. A turma, onde deu-se a intervenção, encontrava-se em fase de

Alfabetização, numa faixa etária de 7 à 11 anos, em que alguns alunos não

apresentavam linguagem oral e se comunicavam através de gestos, razão pela qual

foi escolhida para o trabalho.

Pensando nessa característica comum à maioria; o desenvolvimento do

projeto iniciou-se pela valorização da comunicação utilizada pelo grupo, o emprego

de expressão gestual. Embasados na afirmação de Facci (2004, p.224) quando diz

que: “Os conceitos espontâneos constituem a base dos conceitos científicos e estes,

uma vez assimilados, permitem a formação de novos conceitos espontâneos”, é que

salientando a gestualidade espontânea da turma, direcionou-se para o

conhecimento científico, a articulação de fonemas, e que projetará na Alfabetização.

Em outras palavras, de acordo com Vygotsky (2000, Apud FACCI, 2004)

analisando as condições existentes no desempenho desses alunos (zona de

desenvolvimento atual) as habilidades emergentes apresentadas individualmente;

pode-se induzir o desenvolvimento próximo, em processo de amadurecimento, a

Alfabetização. Esse pensamento, possibilitou o desenvolvimento do trabalho

educacional ao qual se propôs, proporcionando às crianças uma forma de agregar

significados aos símbolos historicamente convencionados.

A partir desse princípio, no decorrer do trabalho, buscou-se a transformação

do que era conceito espontâneo (zona real/atual, expressão não-verbal),

direcionando-se para a articulação e reconhecimento dos fonemas, sílabas e

palavras (zona potencial/proximal, conceito científico) que era o objetivo desejado.

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Acreditando nos elementos necessários à aprendizagem, que a brincadeira

simbólica do faz-de-conta pode representar para os alunos, as atividades foram

introduzidas natural, lúdica e informalmente; através de conversação sobre como

responder, dizer as coisas ou conceituá-las sem usar palavras, nas situações

diárias.

A oficina acontecia como se estivessem no recreio, como é natural na faixa

etária da turma. Brincavam sem perceber para onde estavam sendo conduzidos,

sem a responsabilidade de atingirem um objetivo pedagógico, visto que o poder da

encenação é uma característica nata do ser humano:

O trabalho pedagógico com as encenações deve considerar que elasestão presentes desde os primórdios da humanidade, nos ritos comoexpressão de diferentes culturas, nos gêneros (da tragédia, dacomédia, do drama, entre outros), nas correntes estéticas teatrais,nos festejos populares, nos rituais do cotidiano, na fantasia e nasbrincadeiras infantis, sendo as mesmas, manifestações quepertencem ao universo do conhecimento simbólico do ser humano(PARANÁ, 2008, p.29).

Aqui estão descritas duas das brincadeiras que foram praticadas durante a

implementação, com maior freqüência nas primeiras oficinas:

OLHO VIVO

Na sala de aula, elegia-se um aluno para ser o “OLHO VIVO”. Esse aluno

deveria sair da sala, enquanto o restante ficava e escolhia um líder. Esse líder era

responsável por mudar de gesto, de vez em quando, e os demais da turma deveriam

segui-lo discretamente com os mesmos gestos, para despistar o “OLHO VIVO”.

Após eleger-se o líder, o “OLHO VIVO” era chamado à sala. O líder iniciava os

gestos e o grupo repetia. O “OLHO VIVO” deveria reconhecer a pessoa que liderava,

abraçando-a.

Feito isso, o “OLHO VIVO” se retirava enquanto se escolhia outro líder.

Chamava-se novamente o OLHO VIVO e a operação se repetia.

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FAZ-DE-CONTA

Ao ar livre dividia-se a turma em dois: grupo 1 e grupo 2, tendo-se o cuidado

de separar falantes e não-falantes na composição de cada grupo. Delimitava-se

também três espaços: dois campos correspondentes para cada conjunto de alunos

(1 e 2) e um intermediário onde seria o PALCO.

Em segredo, cada grupo tratava uma atividade para que todos da equipe

executassem, em silêncio, e ao mesmo tempo, no PALCO, a ação que deveria ser

apresentada. Enquanto a equipe 1, por exemplo, se apresentava no PALCO, a outra

de número 2 no seu campo, deveria reconhecer o que estava sendo dramatizado, e

simultaneamente, agarrar no PALCO um dos elementos do primeiro grupo. Caso a

ação executada coincidisse com o que era dito pelo grupo 2, ganhava-se pontos

positivos e ainda a pessoa agarrada para somar-se a sua equipe. Caso fosse

reconhecido o gesto, mas os elementos fugissem a tempo do PALCO, para o seu

campo, o grupo 2 só ganharia o ponto. Enquanto não adivinhasse, a brincadeira

continuaria.

Então seria a vez do grupo 2 apresentar-se, e do grupo 1 reconhecer,

seguindo a rotina anterior.

Nesse clima lúdico, embora nem sempre tão organizado como se expôs

acima, e que seria o ideal, os alunos descontraidamente participavam das

pantomimas, sem maiores preocupações. Manifestavam suas idéias e opiniões

como podiam, e nem sempre empregando palavras. Utilizavam vocabulário próprio

(gestual) e nessas oportunidades também lhes era sugerido o traçado de desenhos.

Na informalidade, davam a entender que a linguagem por eles praticada era

eficiente para o que se propunha. Pouca falta faziam, as palavras, para essa

comunicação.

No decorrer dessas atividades esclareceu-se a respeito das distinções entre

fala, gesto, desenho e escrita; e que esses eram formas das pessoas “se

pronunciarem” para manifestar seus pensamentos. E é importante, como cita

(SILVA, 1991, p.70) que a criança possa perceber esse processo e que se ressalte a

necessidade de oportunizar essa reflexão sobre a fala e as diferentes formas de

representar a linguagem oral:

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A fala é um modo de expressar essa representação, e a criança deveter oportunidade de refletir sobre ela, pois o verdadeiro caminho paraa formação do conhecimento da língua escrita pela criança é areflexão. Daí a importância de, num trabalho de alfabetização, levar acriança a perceber e utilizar diferentes formas de representar alinguagem oral, como desenho, mímica, dramatização, música, ritmoetc. Partindo disto a criança construirá o conceito de que a escritatambém é uma forma de representar.Nossa idéia é criar oportunidades para que, a partir daí, surja odesejo de expressar também por escrito aquilo que a criança podefalar, desde seu nome até outras palavras que lhe sejamsignificativas.

Alternadamente expressava-se batendo palmas, e/ou sacudindo a cabeça e

os dedos, mostrando sinais já convencionados como “positivo”, fazendo desenhos

no ar e outras atividades descritas neste trabalho, valorizando-se signos naturais e

outros mais elaborados, de forma que variavam na comunicação das idéias,

conforme apresenta a classificação de Condillac (s.d. Apud SOUZA, 1998, p.137):

Signos naturais - Expressões que a própria natureza estabeleceupara os sentimentos de alegria, de dor, de desespero, etc. (como ogrito, o riso, os gestos expressivos);Signos instrucionais - Signos produzidos pelos homens e mantidospor convenção entre eles. Um signo instrucional possuiria ligaçãoarbitrária com a idéia que representasse.

Exercitou-se coletiva e individualmente em situações e formas variadas,

expressões como: sim, não, em cima, em baixo, lá, aqui, idéias de posse, entre

outros. Fez-se desenhos com os dedos indicadores no ar, como corações, figuras

geométricas, e outros objetos solicitados: porta e cesto de lixo. Brincou-se de imitar

pessoas como “os sombras”, imitou-se ações que deveriam ser adivinhadas pela

classe; outras vezes, encomendava-se uma ação e os colegas tinham que

dramatizá-la instantaneamente, sem muito treino. Algumas ações mais simples

aconteceram espontaneamente, sem ensaios, outras mais complexas, necessitavam

de auxílio para sua execução.

Essas ações aconteciam em paralelo com a justificativa e descrições orais

das mesmas pela professora, que os incentivava. Esses foram atos freqüentes que

acompanharam o percurso da implementação. Inicialmente como atividade principal,

e posteriormente, à medida que se percebia progresso na aquisição esperada na

Alfabetização, tornava-se gradativamente como atividade recreativa e/ou

relaxamento nos finais das oficinas, e sempre com o intuito de valorizar o trabalho

com gestos.

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A Alfabetização propriamente dita, iniciou-se no decorrer da segunda semana.

A priori foram apresentadas as letras do alfabeto como um todo (os cartazes

continham todos os tipos de letras possíveis) não se deteve em nenhuma delas. A

apresentação deu-se enquanto a professora prendia as letras do alfabeto nos

respectivos bolsos do avental, construído para esse fim e que permaneceria sempre

na sala. Elas ficaram posicionadas em ordem alfabética. Justificou-se o uso desses

símbolos (sinais viso-espaciais e gráficos) como capazes de traduzir os desejos e

pensamentos das pessoas na expressão oral.

Nas oficinas seguintes, omitiu-se o conjunto de letras visivelmente expostas,

para salientar as vogais, agora de forma mais sistematizada. Passou-se a tratar todo

o conjunto com indiferença. Nas próximas oficinas, só salientaríamos a(s) vogal(is)

que estivesse na pauta de estudo.

A apresentação das vogais deu-se de forma convencional e

datilologicamente, enfatizava-se o segundo código através da apresentação de

cartaz e posicionamento da(s) mão(s) com a respectiva configuração manual,

juntamente com a pronúncia da mesma. Para não causar constrangimento e gerar

rápida satisfação aos alunos, escolheu-se as vogais (que no ponto de vista da

professora) eram mais fáceis de se emitir oralmente e também de se sinalizar, como

o “A” e o “I”. Necessitou-se de muito treino e mímicas, seguindo o modelo (no caso a

professora), e no espelho, ajuda física no posicionamento dos lábios, observação da

respiração, entre outros; para que o som desejado surgisse. Quando se conseguia a

articulação esperada, era grande a comemoração (reforço positivo).

As vogais foram trabalhadas na seguinte ordem: ”A”, “I”, “O”, “U” e “E”;

seguindo a rotina inicial: a forma convencional e a datilológica, a referência a vogal

fixada no avental, o exercício do posicionamento da(s) mão(s) e mais a emissão da

pronúncia. Notou-se que conforme iam conseguindo sucesso na articulação e

reconhecimento das primeiras letras, maior era o interesse e a autoconfiança para

continuar se arriscando em novas aventuras. A princípio com uma vogal, e na

seqüência, à medida que ia-se conseguindo o reconhecimento daquela, ia-se

também ampliando a oferta de outra vogal, mais outra e mais outra; até que todas

fossem conhecidas. Comemorava-se a cada conquista, fosse ela individual ou

coletiva. Premiava-se com abraços todo progresso apresentado.

Aproveitando-se o som inicial (vogal) de algumas palavras que nomeavam

objetos do conhecimento dos alunos, foi trabalhando-se com fichas ilustradas

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(pseudoleitura); por exemplo: arara, abelha e avião para ilustrar a vogal “A”; Edvaldo

(aluno da Escola) para o “E”; Isabel (mãe de um aluno), índio e irmã para o ”I”; ovo,

onça e óculos para a vogal “O”; urubu e urso para o “U”. Pretendia-se com a

pseudoleitura, uma simulação de leitura, a fixação da vogal em destaque no início da

palavra, mas também incentivar um maior esforço no sentido da ampliação do

vocabulário. Esse procedimento ocorreu paralelamente à apresentação e trabalho

com cada uma das vogais, para produzir a memorização das mesmas. Aqui notou-

se que, mesmo os alunos mais comprometidos foram capazes de relacionar (colocar

no bolso) a palavra ilustrada correspondente à letra representada datilologicamente

e fixada no avental; evidenciando a compreensão da linguagem, conforme

Vygotsky,(1993 Apud PADILHA, 2005, p.154) “O desenvolvimento do pensamento é

determinado pela linguagem, isto é, pelos instrumentos lingüísticos do pensamento e

pela experiência sócio cultural...”.

Conforme ia acontecendo a memorização das vogais, ia-se fazendo a

associação das mesmas, formando interjeições à vista de cenas ilustrativas. Essas

associações, como não podiam ser diferentes, eram feitas com sinal manual e

alfabeto convencional, no cartaz; além do posicionamento manual concreto e do

alfabeto móvel convencional. À medida que as vogais eram assimiladas,

consecutivamente crescia-se o repertório de junções que podiam ser lidas,

soletradas através de sinais e com o alfabeto móvel. Fichas para servir de material

de leitura e pseudoleitura que podiam ser manuseadas, foram confeccionadas nos

variados códigos em ação.

Para a fixação das letras em geral, usou-se cartazes maiores, anteriormente

citados; e reduziu-se o tamanho dos mesmos para os jogos: de memória e dominó.

A realização prática dos jogos, tanto de memória como dominó, acontecia

como atividade regular da sala e como alternativa para variação das atividades. Nos

primeiros contatos, jogava-se com menos cartas, estimulando um bom desempenho.

No decorrer dos encontros, ia-se acrescentando outras, forçando a atenção. Mas até

o final do projeto, não foi possível ampliá-los dentro do que estava planejado, pois

enquanto se fazia o monitoramento geral da turma, sempre algum participante se

distraía. Os jogos não foram suficientes para chamar atenção dos alunos, enquanto

jogos. Reconheciam o sinal, copiavam-no e pronunciavam, porém não conseguiam

fixar a atenção pelo tempo necessário para sua conclusão do mesmo.

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Todo e qualquer passo no reconhecimento e na decifração de letra, sílaba

e/ou palavra, além do alfabeto digital, era acompanhado com o alfabeto móvel,

mesmo porque o traçado das respectivas letras ainda estava sendo imposto. Outras

vezes, usou-se também o alfabeto convencional, confeccionado em lixa, com a

intenção de se utilizar mais um canal sensorial na fixação do conteúdo.

A apresentação da escrita, como representação dos sons das letras

estudadas teve a princípio, o caráter pictórico (ilustrativo), desenhou-se a boca no

momento da enunciação e o sinal convencional, em maiúsculo. Mas até mesmo os

rabiscos saiam com dificuldade. Esse processo, para alguns alunos era tão

trabalhoso! Precisava-se muita persistência, incentivo e apoio; para aproximar-se do

que poderá vir a ter algum significado como letra. Mesmo com muita motivação o

que se nota é que alguns alunos não foram capazes de traçar letras. Incentivou-se

então o uso do desenho, como forma de registro e expressão do pensamento,

baseando-se no pensamento de Cagliari (1993, p.105): “Assim como os povos

antigos, as crianças usam os desenhos como forma de representação gráfica e são

capazes de contar uma historia longa como significação de alguns traços por ela

desenhados...”

Enquanto desenho era possível aceitar seus traçados tal qual iam surgindo.

Porém era preciso insistir no traçado das letras. Por ser uma atividade que reunia

muitas dificuldades psicomotoras, por parte de alguns alunos; aconteceu em papel

quadriculado (2X2 cm), onde foi possível notar que, o educando mesmo dentro de

seu comprometimento, se sentia um pouco mais seguro para arriscar o desenho da

letra solicitada, em escrita caixa alta.

Até o término das oficinas, apesar do auxílio prestado pela professora, ainda

persistiam as dificuldades nesses traçados, exigindo domínio de psicomotricidade

perfeita dos movimentos para sua realização. Tal coordenação ainda representa um

esforço muito grande para algumas das crianças matriculadas no programa. Por

isso, privilegiou-se o uso do alfabeto móvel para a escrita desses alunos.

O próprio nome é o texto mais significativo dentro do universo vocabular do

aluno, e por isso deve ocupar lugar de destaque na alfabetização, conforme Freire

(2005, p.20):

Refiro-me a que a leitura do mundo precede sempre a leitura dapalavra e a leitura desta implica a continuidade da leitura daquele. Aproposta a que me referi acima, este movimento do mundo à palavra

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e da palavra ao mundo está sempre presente. Movimento em que apalavra dita flui do mundo mesmo através da leitura que delefazemos. De alguma maneira, porém, podemos ir mais longe e dizerque a leitura da palavra não e apenas precedida pela leitura domundo, mas por uma certa forma de “escrevê-lo”, ou de “reescrevê-lo”, quer dizer, de transformá-lo através de nossa prática consciente.Este momento dinâmico é um dos aspectos centrais, para mim, doprocesso de alfabetização. Daí que sempre tenha insistido em que aspalavras com que organizar o programa da alfabetização deveriamvir do universo vocabular dos grupos populares, expressando a suareal linguagem, os seus anseios, as suas inquietações, as suasreivindicações, os seus sonhos. Deveriam vir carregadas dasignificação de sua experiência existencial e não da experiência doeducador.

Nesta perspectiva, à medida que a turma ia dominando as vogais, trabalhou-

se a ficha pessoal de cada aluno (foto, nome, data do aniversário, e outros dados

importantes para eles). No começo destacando-se as vogais contidas em cada

nome e num segundo momento, a sílaba inicial dos nomes de cada um deles

(consoante ou vogal) ora usando o alfabeto convencional, ora o alfabeto manual e

na seqüência a pronúncia da mesma. Tudo gradativamente, o nome de apenas um

dos alunos para cada oficina, para que a memorização fosse facilitada. Primeiro a

letra inicial, depois a sílaba, seguidos das pronúncias e dos sinais correspondentes.

Outras vezes ainda, relacionou-se um sinal que identificasse a pessoa do colega

como um todo. Estas analogias entre gestos, sílabas, palavras aconteceu de forma

gradativa e como já foi dito por Freire (s.d. Apud SILVA, 1991, p.187-188), se

aplicadas ao cotidiano do aluno tornam-se mais eficiente:

(...) quem julga importante primeiro ensinar letras ou silabas tambémaposta na memória. É preciso, igualmente, que o aluno tenhamemorizado imagens gráficas para uni-las a outras, formando entãoas palavras. A memória é um aspecto essencial para oconhecimento, embora não seja o único. O importante é que aquiloque é lembrado tenha sentido e esteja ligado à experiência dosujeito; experiência decorrente da ação e da reflexão desse sujeitosobre os objetos a serem lembrados. Palavras escritas, que remetema algo assim conhecido, são bem mais significativas do que sílabas eletras isoladas que remetem a coisa nenhuma. Em qualquersituação, todos significativos que são capazes de ser lembrados,podem ser combinados com outros todos significativos, formandocadeias significantes mais amplas ou quadros significativos maiscomplexos.

Assim, iniciou-se o trabalho da primeira sílaba dos seus respectivos nomes.

Nesta etapa do trabalho, valorizou-se diferenciadamente a letra que era peculiar a

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cada um deles. Depois de certo grau de familiaridade, é que se tinha feito a

socialização dos nomes, as fichas foram expostas na sala.

Continuando a oficina no segundo semestre, tem-se a intenção de, a partir da

primeira sílaba de cada nome desses alunos, introduzir a respectiva família silábica.

Incentivar pseudoleituras por meio de fichas ilustradas, destacando as sílabas

iniciais, e utilizando todas as possibilidades que as famílias silábicas permitirem.

Repetir com as famílias silábicas todo o ritual empregado na fixação das vogais,

privilegiando também aqui, a utilização dos sinais manuais como facilitador da

memorização das consoantes e sílabas em questão. A seqüência na construção do

alfabeto ilustrado continuará sendo confeccionado aos poucos, à medida que as

consoantes forem sendo trabalhadas, até completar todo o alfabeto.

Durante todo o processo fez-se uso de atividades repetitivas e rotineiras

(pseudoleituras) para que se fixasse os sinais e a leitura correspondente, bem como

o treino da pronúncia, visto que a dificuldade na articulação oral era comum para

muitos desses alunos.

Variando a estratégia de trabalho, utilizou-se a música: Abecedário da Xuxa,

em que cada letra citada aparece escrita e sinalizada em LIBRAS. As atividades

com o vídeo (canto e imitação) se tornaram interessantes para a faixa etária da

turma, conseguindo despertar a atenção e o interesse em gesticular acompanhando

a cantora. Novamente alguns alunos nos surpreenderam, repetindo alguns sinais

apresentados no decorrer da música, demonstrando estar associando a letra ao

sinal, apesar de suas limitações. O sucesso poderia ter sido maior, caso a música

fosse mais lenta. Embora sentissem atraídos por ela, não conseguiam acompanhar

todas as letras sinalizando. Sempre que se apresentou esse DVD, os alunos não

queriam que finalizasse a atividade, queriam que ficasse repetindo.

Como fixação e avaliação do conteúdo, organizou-se uma atividade com três

colunas: vogais nas colunas à esquerda e à direita da folha de papel em disposições

diferentes (sempre em caixa alta) com uma coluna de sinais equivalentes às

mesmas, no meio. Os alunos deveriam ligar com traços relacionando as três colunas

entre si, observando o respectivo significado.

A mesma atividade foi organizada também com as consoantes iniciais dos

nomes de cada um dos alunos, e que estavam sendo trabalhadas. Eles deveriam

fazer a relação entre as colunas, ligando-as. A primeira atividade, que envolvia

vogais, mostrou maior grau de acertos e satisfação dos educandos, comparando-se

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com essa última. Conforme as oficinas forem acontecendo, as referidas atividades

deverão ser retomadas, a título de revisão e fixação. À medida que outras

consoantes forem exploradas também deverão constar de atividades no mesmo

molde.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trabalho desenvolvido no primeiro semestre do ano letivo de 2008, ocorreu

de acordo com o planejado na turma de Alfabetização, previamente escolhida. A

participação da professora em todas as etapas do desenvolvimento do projeto foi e

continua sendo muito importante para o seu sucesso. Daí a importância do educador

conhecer os alunos ou pelo menos fazer um bom diagnóstico da turma, para facilitar

a aquisição do conhecimento:

O processo de alfabetização inclui muitos fatores, e, quanto maisciente estiver o professor de como se dá o processo de aquisição doconhecimento, de como a criança se situa em termos dedesenvolvimento emocional, de como vem evoluindo o seu processode interação social, da natureza da realidade lingüística envolvida nomomento em que está acontecendo a alfabetização, mais condiçõesterá esse professor de encaminhar de forma agradável e produtiva oprocesso de aprendizagem, sem os sofrimentos habituais(CAGLIARI, 1993, p.105).

A união entre professor e escola também foi fundamental para que se

pudesse provar a importância da utilização de diferentes linguagens, no caso o

alfabeto datilológico, para a construção do conhecimento de Edler Carvalho (2001

Apud MATISKEI, 2004, p.192):

(...) especiais devem ser consideradas as alternativas educativas quea escola precisa organizar, para que qualquer aluno tenha sucesso;especiais são as estratégias que a prática pedagógica deve assumirpara remover barreiras para a aprendizagem.

Conforme o idealizado, o recurso experimentado foi claro, enxuto, prático,

funcional, objetivo, mostrando ser eficiente para qualquer clientela; mesmo para

aqueles que não foram estimulados por qualquer motivo: porque são muito jovens,

porque o ambiente onde viveram não foi rico o suficiente e/ou porque são pessoas

com algum déficit nas áreas mentais. Pelo seu caráter lúdico e simbólico pode ser

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recomendado também para as turmas de Educação Infantil, com bom

aproveitamento.

Durante as intervenções houve interações sociais, entre os alunos do grupo

(5). Notou-se ganhos positivos para todos os alunos, principalmente para aqueles

que não apresentavam linguagem oral. Foi possível ampliar o desempenho na

decifração das letras e sílabas trabalhadas, mas o mais notável mesmo ocorreu no

empenho em articular palavras ou partes delas, nas práticas em geral.

Durante a vigência do projeto, não se tinha obrigatoriedade da escrita

acompanhar a leitura, embora se tenha incentivado. Conforme Cagliari (1993, p.168)

é dispensável a preocupação com a escrita, num primeiro momento. Seria mais

proveitoso dedicar maior atenção e tempo na leitura para cativar o aluno na escola:

“Dados os problemas sérios de repetição e evasão escolar, seria bom que a escola

se preocupasse menos com a escrita, especialmente com a ortografia, e desse

maior ênfase à leitura, desde a alfabetização.”

Esse pensamento é comungado por Moura (2006, p.181)

Hoje, estamos conscientes de que, para aprender a ler, a criançaprecisa conviver com a leitura, sabemos que é preciso ter um nívelde desenvolvimento que lhe permita dar sentido a ela, o que implicadesenvolvimento da função simbólica, por meio da compreensão eda possibilidade de uso de signos para representar objetos de suarealidade. Tendo chegado a esse nível de desenvolvimento mental, acriança pode interagir com o objeto de conhecimento língua escrita,desde que esse objeto esteja à sua disposição e seja por eladesejado.

Nesse sentido, as manifestações de experiências foram registradas através

de desenhos, de dramatizações e das respostas construídas com alfabeto móvel em

forma de ditado.

O fato da não obrigatoriedade em traçar as letras facilitou a aquisição das

pessoas portadoras de paralisia cerebral que não tinham domínio suficiente dos

movimentos dos membros superiores.

A avaliação da aprendizagem foi observada pela demonstração do fonema

e/ou da sílaba cobrados, a partir do alfabeto móvel; da colocação das fichas no

bolso do avental, afixado na parede da sala. Nele havia a identificação feita por um

cartaz em que figuravam, além da mão posicionada, os vários tipos de letras

possíveis para representá-la. As fichas, utilizadas para esse fim, continham

alternadamente letras, sílabas e/ou palavras ilustradas, de acordo com a ocasião.

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Durante todo o experimento, notou-se que conforme os alunos iam

conseguindo sucesso na articulação e reconhecimento de letras, e sílabas; e na

pseudoleitura das palavras ilustradas, maior era o interesse e a autoconfiança para

continuar se arriscando nas novas atividades que lhes eram propostas, conforme

Silva (1991, p.169):

Nossa prática tem demonstrado que esse aluno, ao se percebercapaz de descobrir regras e convenções, decifrar códigos de leitura eescrita, isto é, de construir e dominar um conhecimento, torna-semais feliz, mais espontâneo e disposto a aceitar desafios e a seaventurar numa aprendizagem diante da qual antes apresentavagraves bloqueios.

Priorizando as características próprias do grupo de crianças, atingiu-se ponto

importante para sua alfabetização, onde foi sensível o progresso no reconhecimento

e na articulação dos fonemas trabalhados. O aproveitamento, no geral, foi bastante

positivo, todos tiveram ganhos, uns mais outros menos, pois cada um tem seu

próprio ritmo de trabalho.

Por valorizar a variedade de comunicação praticada por eles, o trabalho

motivou o grupo de alunos da turma escolhida. Gostaram tanto das oficinas que

mesmo fora do cronograma, queriam que a professora fosse até a sala deles. Um

dos alunos, a princípio um daqueles que não se expressava oralmente, ao participar

da oficina não só passou a articular os fonemas trabalhados, como às vezes, era

flagrado ensinando um colega mais comprometido que ele. O seu esforço era no

sentido de posicionar sua mão e/ou de ajudá-lo a articular o fonema (massageando

com as mãos suas bochechas) representado pela letra do alfabeto móvel, que ele

indicava.

O acompanhamento desse trabalho pelos outros professores da escola,

possibilitou troca de experiências, contatos, socializações e parcerias,

proporcionando ampliação de conceitos e novos saberes para todos, demonstrando

assim que o objetivo foi alcançado.

A utilização de recursos que valorizem os gestos e expressões corporais,

como os apresentados no “alfabeto manual” (LIBRAS), associado aos métodos e

teorias lingüísticas já existentes, com a devida adaptação e de forma planejada;

demonstrou ser um instrumento a mais na tarefa de alfabetizar a todo e qualquer

cidadão, que atuará de forma mais consciente na realidade em que está inserido,

independente de qualquer classificação que possa ter.

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Confirmando os resultados obtidos, colocamos aqui o depoimento de uma

professora moradora da zona rural do município de Ivaí, na localidade chamada

Tanque e que participando do GTR (2007) sobre o tema, também aplicou o Projeto

de Implementação junto aos seus alunos. Disse ter aplicado o presente projeto junto

aos alunos da Educação Infantil:

Como não foi possível realizar o trabalho numa turma dealfabetização a turma onde foi implementado o presente plano detrabalho encontra-se na Educação Infantil. Essa turma é compostade seis educandos, com faixa etária entre seis e sete anos, e cadaum participa de acordo com as suas possibilidades.

A referida professora no dia 10 junho de 2008, no Fórum de número 6, revela

seu interesse pelo recurso proposto, mesmo não estando aplicando a

implementação do projeto no programa indicado, observa sucesso no desempenho

de alguns alunos. Eis aqui a colocação feita por ela:

Não houve implementação da proposta de intervenção em minhaescola por parte de outros professores. Acredito que isso ocorreu porser um trabalho inusitado em nosso meio, sendo assim, há falta deconhecimento teórico e prático dos profissionais sobre o assunto.Para mim tornou-se difícil implementá-lo por trabalhar com aeducação infantil, no entanto, estou tentando implementar dentro daspossibilidades da turma, utilizando-se da música, vídeo e imitação,fazendo com que as atividades se tornem interessantes para a faixaetária da turma que está entre seis e sete anos de idade.Até a presente data, me surpreendi com um aluno de sete anos, comsíndrome de down, que ainda não adquiriu a linguagem oral, motivoeste que ainda está na turma da educação infantil, ao imitarrepetindo cada sinal apresentado e com outro que tem paralisiacerebral, que veio transferido, com conhecimento de várias letras doalfabeto, que está conseguindo associar a letra ao sinal e representá-las em LIBRAS, apesar de suas dificuldades.Apesar das dificuldades, estou gostando de aplicar está proposta deintervenção.

No final do período de implementação, após a execução do projeto; a mesma

professora relatou sua experiência, fazendo a seguinte conclusão:

Relatório de implementação do GTRComo não foi possível realizar o trabalho numa turma dealfabetização a turma onde foi implementado o presente plano detrabalho encontra-se na Educação Infantil. Essa turma é compostade seis educandos, com faixa etária entre seis e sete anos, e cadaum participa de acordo com as suas possibilidades.Dois educandos têm síndrome de down, a menina apesar de ter senegado a participar de todas as atividades propostas, se interessoupela música, pintura das letras e vídeo o que representa indício que

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venha a participar. O menino foi um dos educandos que demonstroumais progresso durante o desenvolvimento das atividades, poismesmo sem ter adquirido a fala (possui fala pouco compreensível),gosta de repetir os sinais em LIBRAS representados pela professora.Também já está demonstrando compreender que as letras possuemnomes diferentes uma vez que repete a leitura feita pela professora equando manipula as letras, sozinho, dá nome às letras, mesmo quede forma incorreta. Duas alunas são bem mais comprometidas,mesmo assim, gostaram de ouvir a música e assistir ao vídeoapresentado, a aluna que já adquiriu a fala canta, tentandoacompanhar o ritmo da música. Outro educando apenas pintou asletras e gosta de assistir ao vídeo, ele não repete os sinais, apenasobserva quando está sendo trabalhado. E há, também, outroeducando com paralisia cerebral, onde o trabalho com o alfabeto emLIBRAS além de ajudá-lo a terminar a aquisição do alfabeto, estáajudando muito sua coordenação motora, uma vez que este gosta derealizar os sinais e está fazendo com que movimente as mãos.

Embora a mesma professora não tenha aplicado a implementação no

programa esperado, relata ter conseguido progresso significativo com um aluno

paralisado cerebral e dois (um casal) de portadores de Síndrome de Down. Salienta-

se aqui, o caso desses dois últimos alunos, por coincidir com o trabalho

experimental realizado pela pesquisadora, dentro deste projeto. O maior sucesso

alcançado, tanto na sinalização quanto na articulação dos fonemas e sílabas;

aconteceu com um aluno portador dessa mesma síndrome. Isso evidencia que o

emprego da soletração em LIBRAS como recurso para a memorização do alfabeto

convencional demonstra ser eficiente, capaz de preencher a lacuna na

Alfabetização, se não de todos os indivíduos, pelo menos, no caso particular desses

educandos, ou seja, dos alunos com síndrome de Down.

Além dos ganhos positivos apresentados recentemente com a clientela

supracitada, há também a afirmação de Sacks (1990, p.129) quanto ao emprego dos

Sinais na Educação de todos os alunos, demonstrando o que se poderia conseguir,

se seu uso fosse universalizado nas nossas escolas:

Houve recentemente uma experiência educacional no Condado dePrince George, em Maryland, com a introdução de Sinal na primeirasérie e na educação pré-primaria, entre crianças auditivas normais.As crianças o adquiriram prontamente e gostaram dele, e à medidaque usam Sinal há uma significativa melhoria nas faculdades deleitura e outras. É possível que essa facilitação da leitura, dacapacidade de reconhecer as formas de palavras e letras,acompanhe o aumento da capacidade espacial-analítica que ocorrecom o aprendizado de Sinal.

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Uma adesão nesse sentido, além de ser uma conquista na ampliação do

desenvolvimento das funções psicológicas superiores, pelos estudantes; seria mais

um passo ao encontro da integração entre surdos e ouvintes, visto que essa variante

funcionaria como fator de aproximação e/ou inclusão dos indivíduos.

Apesar do empenho em levar avante a presente pesquisa, que valoriza os

sinais de uma linguagem espaço-visual na aquisição da leitura e da escrita para os

deficientes intelectuais, é possível afirmar que o campo da Alfabetização desses

estudantes, bem como a exploração do alfabeto datilológico na educação do

alunado em geral; ainda tem muito a ser estudado e pode servir de objeto de estudo

e pesquisa a outros professores/pesquisadores.

REFERÊNCIAS

CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetização & lingüística. São Paulo: Scipione,1993.

FACCI, Marilda G. D. Valorização ou esvaziamento do trabalho do professor?

um estudo crítico-comparativo da teoria do professor reflexivo, do construtivismo e

da psicologia vigotskiana, Campinas, SP: Autores associados, 2004.

FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: três artigos que se completam. 46.ed.

São Paulo: Cortez, 2005.

MATISKEI, Angelina Carmela Romão Mattar. Políticas públicas de inclusão

educacional: desafios e perspectivas. 2004. Disponível em:

<http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/educar/article/viewFile/2159/1811>. Acesso

em: 02 nov. 2008.

MOURA, Tania Maria de Melo. A prática pedagógica dos alfabetizadores de

jovens e adultos: contribuições de Freire, Ferreiro e Vygotsky. 4 ed. Maceió:

EDUFAL, 2006.

PADILHA, A. M. Lunardi. Práticas pedagógicas na Educação Especial: a

capacidade de significar o mundo e a inserção do deficiente mental. 2 ed. Campinas:

FAPESP, 2005.

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PARANÁ, Secretaria do Estado de Educação. Diretrizes Curriculares de Arte para

os anos finais do Ensino Fundamental e para o Ensino Médio. Curitiba, 2008.

ROCCA, Francisco Verardi. Investigação acerca de simbolismo no interior da

psicanálise. 2005. Disponível em: <http://revistas.ufg.br/index.php/interacao/article/

view/1317/1360>. Acesso em: 20 set. 2008.

SACKS, Oliver W. Vendovozes: uma jornada pelo mundo dos surdos. Rio de

Janeiro: Imago, 1990.

SAVIANI, Demerval. Pedagogia Histórico-crítica. São Paulo: Cortez, 1991.

SAVIANI, Dermeval. Educação: do senso comum à consciência filosófica. São

Paulo: Cortez. 1986.

SILVA, Dinorá Fraga da – org. Para uma política educacional da Alfabetização

Campinas, SP: Papirus,1991 – (Coleção magistério: Formação e trabalho

pedagógico) Vários autores.

SOUZA, Regina Maria. Que palavra te falta?: Linguística, educação: considerações

epistemológicas a partir da surdez. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

ZUNZUNEGUI, Santos. Pensar La Imagem. Madrid: Catedra/Universidad Del Pais

Vasco, 1995.

AGRADECIMENTOS

A Deus, Mestre supremo, princípio e fim de todo conhecimento;

À Secretaria de Estado da Educação do Paraná, pela oportunidade de voltar aos

bancos escolares;

À UNIOESTE e seus professores que foram a ponte para o aprendizado,

principalmente à professora Zelina, orientadora desse Trabalho;

Às colegas PDE, que amparando-se mutuamente alcançaram êxito na caminhada;

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À Escola, local de realização da intervenção prática, e aos alunos diretamente

envolvidos;

Ao meu marido (in memoriam) particular incentivador, que não conseguiu finalizar

comigo essa etapa

e aos nossos filhos.

A todos, os meus mais sinceros agradecimentos.

Obrigada!