O DRAGÃO VERMELHO

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  • 8/9/2019 O DRAGO VERMELHO

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    O DRAGO VERMELHOSebastio Carvalho

    Coincidncia?

    No!

    O acaso no existe! j para muitos uma verdade indiscutvel. Portanto, a leiturado Tao-Te-King que fiz de manh e, agora, a escolha do I-King para este exerccio decriatividade, tem fortssima conexo entre si... E acredito que o fato encerre algumpropsito oculto!...

    Estes pensamentos povoavam minha imaginao, ao tentar expressar o que pensava deuma carta do Orculo Chins, quando, numa pausa, olhei de soslaio para umacompanheira de turma. Ela tambm, aps alguns momentos contemplando a suapequena carta, deixava a caneta deslizar sobre a brancura imaculada do papel. Suasletras azuis iam formando as palavras que os pensamentos faziam brotar... Mas eisque, de repente, ela pra!... Fita mais uma vez a carta colorida e, voltando-se para mim,pergunta:

    Por que demorou tanto, KUNG-CHI?

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    No respondi. Limitei-me a fit-la com um ar entre inquiridor e surpreso. Fazia-me de desentendido para no quebrar o encanto do momento! Resolvi deixar a coisafluir...

    Na verdade, eu tinha uma tarefa pela frente: interpretar a carta cujo simbolismoera MONTANHA SOBRE FOGO, que escolhi dentre tantas outras.

    O ambiente era propcio. Todos concentrados em objetivos anlogos; msicaapropriada, composta por artistas que se inspiraram no Orculo para produzi-la;silencio e tranqilidade.

    Concentrei-me na estampa: a Montanha Azul avultava, imponente, sobre umaPlancie Extensa, iluminada por uma Fogueira Crepitante. Ouvi a Montanha. Ela medisse que no estava ali para sufocar mas sim para ocultar o Fogo Interior, de modoque se revele apenas no momento certo. Disse ainda que, para nela penetrar e chegaraos tesouros recnditos de seu interior, antes preciso subir aos seus pncaros e, l decima vislumbrando horizontes mais largos, dar asas incontida nsia de Perfeio!...

    Voltei-me para a Fogueira Crepitante, que iluminava a Plancie Extensa comsuas ardentes labaredas, e ela me disse: Eu Sou a chama que arde no corao de cadahomem e na essncia de cada estrela. Eu Sou Vida, e o que d a Vida. Eu Sou todoprazer e xtase e embriagues do mais oculto sentido. Sou a Serpente que dconhecimento e prazer e glria, e anima os coraes dos homens. Portanto, animai-vos,festejai, rejubilai!.

    Os dias que se seguiram foram de meditao sobre o significado profundo dasduas mensagens, que na verdade se concentram numa s. Tentei chegar a um resumo,mas achei grande dificuldade! Em tudo que escrevia parecia que faltava ou sobravaalguma coisa!...

    Na tarde anterior ao prximo encontro, lembrei-me da mulher que me fezaquela inslita indagao sobre haver demorado a aparecer... ou reaparecer! Resolviinvestigar. Seria uma pesquisa metafsica, com certeza!...

    Acomodando-me numa confortvel poltrona, iniciei os procedimentosnecessrios. Relaxando o corpo fsico e os demais veculos, concentrei o pensamentonaquele episdio e no nome por ela pronunciado: KUNG-CHI... KUNG-CHI... KUNG-CHI

    A mente redemoinhou numa espiral vertiginosa!... Imagens desencontradasperpassaram por minha memria... at que tudo se fixou numa imagem ntida e vvidacomo a mais palpvel realidade: estava eu na China, caminhando numa estreita emovimentada rua, cheia de gente, carroas e animais, em direo a uma construo altae imponente: um belo templo oriental, com um poderoso Drago Vermelho na entrada!

    Penetrei no templo com um forte sentimento devocional. Caminhavaresolutamente, como algum que sabia o que devia fazer! Logo uma voz se fez ouvir:Venha, Kung-Chi, est na hora da celebrao! Depressa!

    Era um dos sacerdotes do templo. Observei que usvamos roupas exatamenteiguais!

    Entrando com o sacerdote por uma passagem ao lado do altar, encontrei-menuma sala ampla, cheia de utenslios ritualsticos e de pessoas diferentemente trajadas.Uma bela sacerdotisa, toda paramentada, veio ao meu encontro, pressurosa. Ao fit-la,me assustei: era a mesma pessoa que me havia reconhecido h uma semana!

    Sempre me emociono ao relembrar essa viso maravilhosa que, como um filme,contou a histria dessa encarnao na longnqua China. Emociono-me ao reviver a

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    poca de MEI-LEE, esposa e sacerdotisa, com a qual realizei tantos rituais e vivi umverdadeiro amor.

    Mas nem tudo so amveis recordaes!... Houve graves problemas naquelapoca de lutas polticas e religiosas, de fanatismos exacerbados e paixes desenfreadas,de dios e violncia!

    Estvamos sob ameaa de um tirano, que no aceitava nossa posio de no-resistncia, oposta violncia e ganncia! Vrias ameaas haviam sido feitas aosseguidores de nossa religio. O medo imperava na cidade. Eu procurava estar ao ladode minha esposa a maior parte do tempo, para protege-la contra qualquer investida demalfeitores, to em voga naqueles dias!...

    Numa tarde, bateram nossa porta, pedindo ajuda para um casal que estava emdificuldades com seu reservatrio de gua. Fui ajudar, dizendo que no me demoraria.Lembro-me perfeitamente que MEI-LEE ficou apreensiva e pensou em deter-me.Todavia, no deixou que o que considerava egosmo preponderasse. Despedimo-noscom um beijo amoroso. Foi o ltimo!

    Quando retornei casa, cansado e tendo demorado mais do que calculara, noteialgo diferente!... A porta escancarada!

    Precipitei-me para o interior da casa e, chegando ao quarto, deparei-me comMEI-LEE estirada ao cho, um filete de sangue no canto da boca, o rosto plido, osolhos semicerrados!

    Horrorizado, gritei, sacudi-a, chamei-a freneticamente! Finalmente, ela, abrindoos olhos com esforo, fitou-me com um olhar profundo, cheio de dor, e com vozsussurrante, perguntou:

    Por que demorou tanto, KUNG-CHI?