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GUIA DE LEITURA PARA O PROFESSOR A autora Susie Morgenstern nasceu na cidade norte-americana de Nova Jersey, em 18 de março de 1945. Estudou na Universidade Rutgers (EUA), na Universidade Hebraica de Jerusalém (Israel) e na Faculdade de Letras de Nice (França). Recebeu vários prêmios literários e condecorações, como o título de “chevalière” das Artes e das Letras, concedido pelo governo francês. Atualmente, sua obra é composta por mais de sessenta livros, dentre os quais Même les princesses doivent aller à l’école [Até as princesas devem ir à escola], 1991; Lettres d’amour de 0 à 10 ans [Cartas de amor de 0 a 10 anos], 1996; Joker [Coringa], 1999 e Emma, 2007. Em parceria com o ilustrador Chen Jiang Hong, já havia publicado, antes de O dom, Archimède, la recette pour être un génie [Arquimedes, receita para ser gênio], 2002, e Je ferai des miracles [Farei milagres], 2006. Mais informações sobre a autora podem ser encontradas em http://susie.morgenstern.free.fr/siteweb/ Bienvenue.htm O dom Susie Morgenstern Ilustrações Chen Jiang Hong Temas Judaísmo • Música • Vida comunitária • Carência e superação O ilustrador Chen Jiang Hong é pintor, ilustrador e escritor. Nasceu em Tianjin, China, em 1963 e cresceu durante a Revolução Cultural. Formado pela Escola de Belas-Artes de Pequim, vive em Paris, França, desde 1987. Começou a ilustrar livros infantis em 1994 e estreou como autor dois anos depois, com La Légende du cerf-volant [A lenda da pipa], 1999. Entre outros livros, ilustrou Oriyou et le pêcheur et autres contes de la Caraïbe [Oriyou e o pescador e outros contos do Caribe], 1999, de Praline Gay-Para; Contes de la mer Caspienne [Contos do mar Cáspio], 2003, de Anne-Marie Passaret; Hatchiko, chien de Tokyo [Hatchico, cão de Tóquio], 2003, de Claude Helft. Uma de suas obras mais conhecidas é Zhong Kui. La Terreur des forces du mal [Zhong Kui. O terror das forças do mal], 2001, cativante álbum sobre a Ópera de Pequim. Em Le Cheval magique de Han Gan [O cavalo mágico de Han Gan], 2005, conta a lenda do artista chinês Han Gan. A Revolução Cultural chinesa foi tema da narrativa autobiográfica Mao et moi [Mao e eu], 2008. Recebeu diversos prêmios internacionais, como os franceses Charles Oulmont (1992) e Prix Sorcières (2004) e o Deutscher Jugendliteraturpreis (2005). 48 páginas Acompanha CD 2400000224801

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Guia de leitura

para o professor

a autora Susie Morgenstern nasceu na cidade norte-americana de Nova Jersey, em 18 de março de 1945. Estudou na Universidade Rutgers (EUA), na Universidade Hebraica de Jerusalém (Israel) e na Faculdade de Letras de Nice (França).

Recebeu vários prêmios literários e condecorações, como o título de “chevalière” das Artes e das Letras, concedido pelo governo francês. Atualmente, sua obra é composta por mais de sessenta livros, dentre os quais Même les princesses doivent aller à l’école [Até as princesas devem ir à escola], 1991; Lettres d’amour de 0 à 10 ans [Cartas de amor de 0 a 10 anos], 1996; Joker [Coringa], 1999 e Emma, 2007.

Em parceria com o ilustrador Chen Jiang Hong, já havia publicado, antes de O dom, Archimède, la recette pour être un génie [Arquimedes, receita para ser gênio], 2002, e Je ferai des miracles[Farei milagres], 2006. Mais informações sobre a autora podem ser encontradas em http://susie.morgenstern.free.fr/siteweb/Bienvenue.htm

O domSusie Morgenstern

Ilustrações Chen Jiang HongTemas Judaísmo•Música•Vidacomunitária•Carênciaesuperação

o ilustrador Chen Jiang Hong é pintor, ilustrador e escritor. Nasceu em Tianjin, China, em 1963 e cresceu durante a Revolução Cultural. Formado pela Escola de Belas-Artes de Pequim, vive em Paris, França, desde 1987. Começou a ilustrar livros infantis em 1994 e estreou como autor dois anos depois, com La Légende du cerf-volant [A lenda da pipa], 1999.

Entre outros livros, ilustrou Oriyou et le pêcheur et autres contes de la Caraïbe [Oriyou e o pescador e outros contos do Caribe], 1999, de Praline Gay-Para; Contes de la mer Caspienne [Contos do mar Cáspio], 2003, de Anne-Marie Passaret; Hatchiko, chien de Tokyo [Hatchico, cão de Tóquio], 2003, de Claude Helft.

Uma de suas obras mais conhecidas é Zhong Kui. La Terreur des forces du mal [Zhong Kui. O terror das forças do mal], 2001, cativante álbum sobre a Ópera de Pequim. Em Le Cheval magique de Han Gan [O cavalo mágico de Han Gan], 2005, conta a lenda do artista chinês Han Gan. A Revolução Cultural chinesa foi tema da narrativa autobiográfica Mao et moi [Mao e eu], 2008.

Recebeu diversos prêmios internacionais, como os franceses Charles Oulmont (1992) e Prix Sorcières (2004) e o Deutscher Jugendliteraturpreis (2005).

48 páginas

Acompanha CD

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O dom SuSie MorgenStern

o álbum

NumapequenaaldeianaEuropaOrientalnasceOycher(“ri-

queza”,emiídiche),terceirofilhodosOifetzmil,judeuspobrese

esperançosos.Nodiadacircuncisãodobebê,umestranhobate

àportatrazendoumpresenteparaacriança:umacaixaquesó

poderiaserabertaquandoomeninocompletassetrêsanos.

Curiosos,osmoradoresdaaldeiatentamadivinharoconteú-

dodacaixa:dinheiro,passagensparaaAmérica,umaarmacon-

traosinimigos,umalinguagemuniversal.Orabino,porém,vê

commausolhostantaagitação,obstáculoaocumprimentodas

mitzvót,osmandamentosdivinos.

Enquantoisso,Oychercresceforteesadio,anãoserporum

detalhe:nãoaprendeafalar.Aosdoisanosemeio,nãofazsenão

repetir“gagagugu”.

Noentanto,umareviravoltaocorreporocasiãodeseuter-

ceiroaniversário:aaberturadacaixa,enfimautorizada, solta

a línguadomenino.Umviolino!– eisopresente tãoespera-

doeaprimeirapalavrapronunciadaporOycher.Apartirdaí,

elesededicatotalmenteaoaprendizadodamúsicaeacabapor

transformaremrealidadetodosossonhossuscitadospelacai-

xa:conquistadinheiro,obtémsucessoprofissionaleserealiza

pessoalmente.

leitura da obra

O cOndãO e O destinO

OparágrafoinicialdeO dom condensaumtraçofundamen-

taldanarrativa:afénasuperaçãodedificuldadespelaconfian-

çasimultâneanotrabalhohumanoeemforçasmisteriosas.Ele

começacomumadescriçãoqueconectaoconcretodointerior

doméstico–comseutetode“telhas,palhaesucata”–aoabstrato

exterior–a“confiável”eternidadedeestrelas“escrupulosas”.Há

aí,aomesmotempo,algodeproteçãoededesamparo,deforçae

deincerteza:acobertura,emboraremendada,serviadeteto,ao

passoqueasolidezdocéudependiadeconfiança,doconvívio

entreafragilidadedavidaeosmistériosdanatureza.Afinal,a

históriadeOychernãogiraexatamenteemtornodeumpresen-

teedeumavocação,dasorteedoesforçoassociadoscontraa

precariedade?

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explorações paralelas

referências judaicasNo livro há diversas referências à

cultura judaica (termos em iídiche

e hebraico, costumes rituais,

fatos históricos etc.), elucidadas

a seguir.

circuncisão (em hebraico, brit milá):

retirada cirúrgica do prepúcio de um

bebê, oito dias após o nascimento,

sinalizando sua inclusão na

comunidade judaica. A cerimônia

remonta à aliança de Deus com

Abraão.

iídiche: língua das comunidades

judaicas da Europa Central e Oriental,

baseada no alemão do século XIV,

com acréscimo de elementos

hebraicos e eslavos. Foi a língua mais

falada entre os judeus da Europa

Oriental até a Segunda Guerra

Mundial.

Mitzvót (plural de mitzvá,

mandamento em hebraico): empregado

originalmente para os mandamentos

divinos na Bíblia, tal termo passou

a referir-se a qualquer boa ação.

Segundo se lê no Talmud, o propósito

das mitzvót é aprimorar a natureza

do homem, disciplinando-o a seguir a

Deus e não a seus próprios desejos.

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O dom SuSie MorgenStern

Dom significadádivarecebidadeoutremetambémvocação

pessoalaserdescobertaeburilada.Sinônimodedom,apalavra

condão tem na origem o sentido de doar,eaestruturadahistória

criadaporMorgenstern lembra justamenteadealgunscontos

defadas.

Oestranhoquevisitaorecém-nascidonodiadesuacircunci-

sãolembraumpoucoasfadasportadorasdepresentesqueselam

o destinodaprincesaAuroraemA bela adormecida.Écomose

o inesperadovisitantetambémlevasseconsigoumavarinha de

condão capazde transformaropresentecontidonamisteriosa

caixaemprofecia:uminstrumentoquecoincidiriacomaapti-

dãodopequenoOycher.Areferênciaàsfadastambémaparece,

demodorápido,napassagememqueMalkaintervémcomo“a

últimafada(ouaprimeirabruxa).”Apalavrafadavemdolatim

fata,adeusadodestino,dofado.Massealgodeprovidênciadivi-

na torna o menino fadado aserviolinista,eletambémdevefazer

apartedele,aliandootalentoinatoaoesforçoparasetornarum

grandeartista.

sOnhO e realidade

Morgenstern liga o componente fantástico à representação

realistadavidanoshtetl,termoemiídicheparaascidadezinhas

judaicas na Europa Oriental, com sua história de sofrimentos

(porexemplo,ospogroms,perseguiçõesantissemitasnaRússia

tsarista),sonhos(comoodesejodeimigraçãoparaaAmérica),

tradições, crenças e, sobretudo, personagens típicos, como o

mascate,adonadapadaria,osapateiro,oferreiro,oescrivão,o

alfaiate,oaçougueiroeorabino.

Cumprenotarcomoocaráter,aprofissão,otemperamento,

avisãodemundodessespersonagensseprojetamnashipóte-

sesqueeleslevantamsobreoconteúdodacaixa.“Acostuma-

doapesarmercadorias”,omascatereduztudoadinheiro,ao

queopaideOycherretruca,enfatizandoaprimaziadoslaços

afetivosedainteligênciasobreariqueza:“Vocêdizquepode

comprarqualquercoisacomdinheiro,menospai,mãeeum

bomcérebro”.

Demaneirasimilar,anteodeslumbramentodadonadapa-

daria(quesonhacompassagensparaumlugarondeseapanha

ourodochão),amãedeOycherrespondecomproverbialsabe-

doria:“Ondehámel,hámoscas”.

Osonhodaimigraçãoparaa“douradaAmérica”eraemgran-

departemotivadopelospogroms,porisso,Beryl,oferreiro,ima-

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imigração: os pogroms, a penúria e a

superpopulação provocaram grande

êxodo dos judeus do Leste Europeu

nos séculos XIX e XX. Entre 1881 e

1930, mais de três milhões de judeus

da Rússia, do Império Austro-Húngaro,

Polônia e Romênia emigraram:

2,8 milhões para os Estados Unidos;

30 mil para o Brasil; 220 mil para a

Argentina (de 1881 até 1942).

Pogrom (tempestade, assalto,

destruição em russo): pilhagens,

agressões e assassinatos cometidos

contra os judeus na Rússia tsarista.

Por volta de 1881 houve uma onda

de pogroms, da Ucrânia para Odessa

e Kiev; em 1903, ocorreu um terrível

pogrom em Kishinev, então capital

da Bessarábia, hoje Moldávia, entre a

Ucrânia e a Romênia.

Shtetl (aldeia em iídiche, plural

shtetlech): pequena comunidade de

judeus na Europa Oriental pré-moderna

(Rússia, Polônia, Lituânia e parte

leste do Império Austro-Húngaro).

Tendo por língua o iídiche, era um

microcosmo completo, com rabinos,

chazanim (cantores que oficiam o

serviço religioso), professores, ricos

comerciantes, vagabundos, mulheres

e crianças. Esse mundo foi destruído

pela Primeira Guerra Mundial, pelos

pogroms, pelas guerras civis da

Revolução Russa, pela Segunda Guerra

Mundial e a fúria nazista.

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ginavaqueacaixacontivesseumaarmacapazdecuraroódio

dosinimigos.JáFeivel,osapateiro,sempreàsvoltascomcalça-

dos,desejavaqueacaixacontivessealgoqueajudasseatrilharo

“caminhodaliberdade”.

É particularmente expressivo o contraste entre as opiniões

doescrivãoSchiaedoalfaiateMoische.Afeitoaotrabalhocom

palavras,oescrivãoapostaqueomenino,atéentãomudo,en-

contrarianobaúuma“linguagemuniversal”.Oalfaiate,porém,

incréduloquantoàpossibilidadedeseesconderumalínguaem

umacaixa,dizque“boasferramentas”seriamopresenteideal.O

violinoentãoconciliaambasasconjecturas:opequenoOycher

ganharaaoportunidadedeexercerumofício,massuaferramen-

taeraamúsica.

esperança, paixãO triste?Dentre os diversos personagens, destaca-se a figura do ra-

bino que, à diferença das suposições otimistas expressas pela

maioria(àexceçãodeMalka),vianacaixaumestojodevícios.

Ridicularizadoporsuaintolerânciaepelaretóricavazia,elere-

velaafacenegativadaesperançadepositadanacaixa,quesus-

citavamaisacuriosidadequeapráticadeboasações,ocum-

primentodasmitzvót.Écomoseaesperança tivesse também

umadimensãoalienante,quedetémoesperançosoeodesvia

daação.

TaldimensãoestápresentenaalusãoàcaixadePandora(ou

jarro, segundo algumas versões do mito), feita pelo escritor

Moacyr Scliar no posfácio do livro. O que fazia a esperança

dentrodeumacaixaquecontinha todososmalesdomundo?

Tratava-sedeumaespéciedearmadilhacriadaporZeuscomo

puniçãoaoshomens,aquemotitãPrometeuhaviadadoofogo

queroubaraaosdeuses.

Háatéquemconsidere“esperança”umatraduçãoparaomal

querestaranofundodacaixa,designadopelotermogrego ,ελπ′ ις

(elpís).Estetalvezfossemaisbemtraduzidopelapalavra“ansie-

dade”,receioantecipadodiantedeumbemquenãochegaouum

malquepodeadvir.

Baruch Espinosa(1632-1677),filósoforacionalistanasci-

do em Amsterdã (Holanda) numa família de judeus portu-

gueses, também se dedicou ao exame dessa face sombria da

esperança em sua obra fundamental, Ética, de 1677.Ali, ele

defineaesperançacomoumapaixão triste,quecompromete

acapacidadedeaçãodosujeitoeminasuaautonomia.

espinosa e as paixõesNa Ética de Espinosa, a alma e as

ideias não são causas dos movimentos

do corpo nem o corpo é causa das

ideias; ambos são modos distintos de

expressão de uma mesma essência,

denominada conatus, que é o

esforço para nos mantermos vivos e

nos realizarmos plenamente. Cada

qual pode aumentar o poder do

conatus pela ação e pelo intelecto ou

sofrer um decréscimo de potência,

deixando-se arrastar pelas paixões e

pela imaginação. A liberdade, porém,

não consiste em se livrar das paixões,

inerentes à natureza humana, mas

em se deixar influenciar por paixões

positivas, ou alegres, que têm objetos

mais ou menos reais. As paixões

tristes, em contrapartida, decorreriam

de objetos ausentes, remotos ou

contingentes. A esperança (spes) seria

para Espinosa uma paixão triste, uma

alegria instável voltada para objetos

incertos, dos quais se duvida. Do

mesmo modo, o medo (metus) definiria

uma tristeza instável, provocada pela

ideia de um mal igualmente incerto.

Quem está suspenso pela esperança

imagina mil obstáculos à realização

do desejo e os teme; inversamente,

os que sentem medo imaginam que

o pior pode não acontecer e por

isso têm esperança. Dessa maneira,

afirma Espinosa, “não há esperança

sem medo, nem medo sem

esperança”. (Espinosa, Baruch. Ética,

Parte III, Da origem e da natureza

das afecções. São Paulo: Abril

Cultural, 1983, p. 214. Coleção Os

pensadores.).

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O shtetl em imagens

AsimagenscriadasporChenJiangHongpararepresentara

paisagem, os ambientes e os personagens da história de Mor-

gensterndistinguem-sepelagamareduzidadecores.Eleusaso-

bretudotonsdeocre,amareloecinza,numapaletameioesmae-

cida,porvezessoturna.Talopçãopareceacentuaropolorealista

deumanarrativaque,comodissemos,oscilaentreprudênciae

fantasia,trabalhoemagia,pobrezaeredenção.

Seria curioso comparar tais ilustrações com algumas das

imagensdopintorfrancêsdeorigemrussaMarcChagall(1887-

-1985), um dos maiores artistas do século XX. A pintura de

Chagall também se volta para a vida miúda dos habitantes de

shtetl:suastelassãopovoadasporrabinoseviolinistas,vivendo

emcasashumildes,entrecabrasegalinhas,violinosepreces.No

entanto,taiselementostemáticos,querevelamasraízesculturais

e afetivas do artista, recebem tratamento onírico, com suas fi-

gurasflutuantes,subversãodaperspectivaedacorrespondência

cromática, istoé,comseusburrosverdesegigantescos,noivas

quelevitamepaisagenssobrenaturais.

Acomparaçãoentreadiferençanotratamentopictóricode

temas semelhantes poderia render uma bela discussão com os

alunos.

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Violinistas de carne e ossoO violino, instrumento musical de fácil

transporte, tem sido associado à história

dos judeus, povo errante e afeito à arte.

Cumpre notar que muitos dos maiores

violinistas do mundo são judeus:

Mischa Elman (1891-1967), Jascha

Heifetz (1901-1987), Nathan Milstein

(1904-1992), David Oistrakh (1908-

-1974), Yehudi Menuhin (1916-1999),

Isaac Stern (1920-2001), Itzhak Perlman

(1945- ), entre outros.

Conhecer a trajetória do violinista

Isaac Stern amplia a compreensão de

O dom. Nascido em Kreminiecz, na

Rússia, em 1920, seus pais fugiram

da Revolução Russa e chegaram aos

Estados Unidos quando ele tinha dez

meses. Começou a tocar violino aos

oito anos e fez seu primeiro recital aos

treze. Vendo no talento dos jovens a

“arma secreta” de Israel, Isaac Stern

patrocinou muitos jovens violinistas

israelenses e também de outros países.

Cena inesquecível de seus cursos:

começava a tocar e se deixava levar

totalmente. Stern foi o solista do filme

Um violinista no telhado

(1971), de Norman

Jewison, baseado no

musical de Joseph

Stein e vencedor de três

prêmios Oscar.

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Os judeus e a música

Alémdeconstituiroprincipalassuntodanarrativa,amúsica

étambémparteintegrantedaobra,comootextoeasilustrações.

ElaestápresentenoCDqueacompanhaolivro,oqualcontém

peçasparaviolinodecompositoresconsagrados,comoJohann

SebastianBach(1685-1750)eNiccolòPaganini(1782-1840),e

vinhetasdeLouisDunoyerdeSegonzac(1959-),pertencentes

aogêneroklezmer.Talgênerodesignaumtipodemúsicafolcló-

rica,denaturezanãolitúrgica,desenvolvidaporjudeusdaEuropa

OrientalapartirdoséculoXV.

Sofrendoinfluênciadamúsicacigana,ascomposiçõesklezmer

animavamasfestasnosshtetlech.Feitasparaadança,eramexecu-

tadassempartituraecomportavamaltasdosesdeimprovisação.

Deinício,osgruposdeklezmereramconstituídosbasicamente

porinstrumentosdecorda,comlugardedestaqueparaovio-

lino.Apartirdoflorescimentodasbandasmilitares,noséculo

XIX,instrumentosdesoproepercussãoforamacrescentadosà

formaçãooriginal.

ValeaindalembrarqueahistóriadeOycherterminacom

umaalusãoao reiDavi,que tambémeramúsicoe constru-

tordeinstrumentos.Atribui-seaDaviumareorganizaçãodo

serviçoreligiosoemqueamúsicapassaadesempenharfun-

çãocentralnolouvoraDeus.SegundoafirmaoAntigo

Testamento,foiDaviquemorganizouossacerdo-

teslevitasparadirigirocantonacasadoSenhor,

profetizandocomharpas,címbalose

saltérios(1Crônicas,25:1-7).

Dessamaneira,Oycher

sefiliaaumalongatra-

diçãoquevaidostemposbíblicosaos

tempos atuais e até a musicais como

Um violinista no telhado.Esseespetáculo,

que alcançou enorme sucesso na Broadway

convertendo-seposteriormenteemfilme,foiba-

seadoemumaobradoescritorjudeuScholemAleichem

(1859-1916),anovelaTobias, o leiteiro,quetambémtra-

tadeperseguiçõesantissemitasedosonhodeimigração

paraaAmérica.

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na sala de aula

antes da leituraNumprimeiromomento,antecipandoqueapresentaráuma

históriadeadivinhação,oprofessorpodeestimularosalunosa

imaginaroconteúdodaobrainspiradospelotítulo.Então,seria

interessanterefletirsobreaduplicidadedosignificadodapalavra

dom,conformeseindicouanteriormente.

durante a leituraAoiniciaraleitura,oprofessorchamaaatençãodosalunos

paraasimagensdolivro:aquelasconstruídasporpalavraseas

desenhadas.

Pode-se pedir que observem o primeiro parágrafo, pergun-

tando-lhescomointerpretamasimagensdotetoedocéu,cujos

significados latentes (pobreza, desamparo, fragilidade e força,

proteção,mistério)servirãodeguiaparaorestantedahistória.

Quandoacaixamisteriosaentraemcena(p.12-14),osalunos

sãoinstadosaformularhipótesessobreseuconteúdo.Apóscon-

jecturar livremente, eles devem mergulhar no texto, anotando

osdiversosmodosdesereferiràcaixa(“oferenda‘envenenada’”,

“presente que queima”,“caixa duvidosa”,“estojo impenetrável”

etc.)einvestigandotambémpormeiodasilustraçõesacaracte-

rizaçãodeváriospersonagens(“obenfeitorfarsante”,“orabino

cético”etc.).

Outraatividadepossívelconsisteemdestacar frasesprover-

biaisquerelativizamossentidosdepobrezaeriqueza,compa-

rando-ascomprovérbiosbrasileirosdesentidosemelhante.Eis

algunsexemplos:

• Eles sabiam que ninguém é tão pobre quanto o ignorante. E, de

qualquer modo, ricos ou pobres, no fim todos se encontram sob a

mesma terra.

• Você diz que pode comprar qualquer coisa com dinheiro, me-

nos pai, mãe e um bom cérebro.

• Onde há mel, há moscas.

• (...) se os ricos levam Deus nos bolsos, ela o levava em seu

coração.

• Ter uma profissão é possuir um reino. Uma profissão é um

escudo contra a pobreza.

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depois da leitura• Recuperarossignificadosdapalavradom econsiderarafor-

macomo,porfim,todasashipótesesseconfirmam.Perceber

arelatividadedasperspectivaseanecessidadedetolerância;

afinal,egoisticamente,todostêmrazão.Reconheceraespe-

cificidade da ambientação judaica do livro e, ao mesmo

tempo,auniversalidadedasrelaçõesnelerepresentadas.

• Paraampliarorepertóriodosalunos,oprofessorpodesu-

gerirquefaçampesquisassobreostemasdanarrativa.O

resultadodelas, realizadasemgrupo,pode serposterior-

mentesocializadocomsemináriosouexposiçõesmurais.

Tópicossugeridos:

a)rituais,costumesehistóriadopovojudeu;

b)fazeraAmérica:imigranteseuropeusnoNovoMundo;

c)acaixa(oujarro)dePandora.

Reportar-seaosversosdopoetagregoHesíodo(demea-

dosdoséculoVIIIa.C.)emOs trabalhos e os dias.Texto

disponívelem:www.fflch.usp.br/dh/heros/traductiones/

hesiodo/erga/pandora.html

(Hesíodo.Os trabalhos e os dias.SãoPaulo:Iluminuras,1990,p.27-

29,versos42-106).

• Emcolaboraçãocomoprofessordeartes,sugerem-seduas

atividades:

a)ExploraçãodasraízesjudaicasnapinturadeMarcCha-

gallecomparaçãodealgumasdesuaspinturas(disponí-

veisemdiversossites)comasilustraçõesdeChenJiang

Hong em O dom.Pode-secompararomotivodovioli-

nistaemChagall–emtelascomoO violinista(1911),O

violinista verde(1923-24)eO violinista azul(1947)–à

ilustração de Hong na p. 45.Após discutir as diferen-

çasentreosdoisartistas(mododecomposição, técni-

cas,paletadecores,usoda luzetc.),osalunospodem

serestimuladosaproduzirumdesenhorevisitandoesse

mesmomotivoasuamaneira.

b)Adescriçãodaanatomiadoviolinonap.29poderiaense-

jarumapesquisasobreahistóriadesseinstrumento(ori-

gem,transformações,fabricantes)edeseusintérpretes.

• Com base nas informações obtidas mediante pesquisa e

inspiradospeladiscussãoemtornodasquestõessuscitadas

pelaleitura,propõe-seaosalunosumexercíciodeprodu-

çãotextual:escreverumanarrativabrevesobrearelação

entredádiva,trabalhoetalento.

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• Porfim,apósouviranarraçãodeCacoCioclernoCD,os

alunospoderiamlerasprópriasredaçõesemvozaltaetal-

vezaté, lançandomãodealgumaparatocênico(cenário,

figurinos,iluminação,sonoplastiaetc.),transformaranar-

rativadeO domemumtextodramático,aserencenado

paratodaaescola.

Elaboração do guia iEda LEbEnsztayn – doutora Em LitEratura brasiLEira pELa FacuLdadE dE FiLosoFia, LEtras E ciências Humanas da usp; PrEParação Fabio WEintraub, rEvisão carLa mELLo morEira.

suGestões de liVros e filmes

para Os alunOs

liVros• LandMann,Bimba.Como me tornei Marc Chagall.SãoPaulo:

EdiçõesSM,2006.

• ScLiar,Moacyr.ABC do mundo judaico.SãoPaulo:Edições

SM,2007.

• ZiMet,Ben.O Colombo de Chelem e outras histórias judaicas.

SãoPaulo:EdiçõesSM,2007.

filme• Um violinista no telhado (Fiddler on the roof).EstadosUnidos,

1971.Direção:NormanJewison.Colorido.179min.Elenco:

Topol,Norma Crane,LeonardFrey,entreoutros.Distribui-

ção:FoxHomeEntertainment.Lançamento:2005.

OcasamentodeTzeiteleHodel,asduasfilhasmaisvelhas

deTevye,oleiteiro,acabacomosossegodopobrehomem,

quejátinhatudoarranjadoparaelas.Ambascontrariamas

escolhasdopai,easituaçãoseagravaaindamaisquando

umaterceirafilha,Chava,decidecasar-secomumnãoju-

deu.Parapiorarascoisas,oTsarexpulsatodososjudeusda

Rússia,condenandoaoexílioTevyeesuafamília.

para O prOfessOr

liVros• aLeicheM,Scholem.A paz seja convosco.SãoPaulo:

Perspectiva,1966.

• unterMan, Alan. Dicionário judaico de lendas e tradições:

222ilustrações.RiodeJaneiro:JorgeZahar,1992.