O Direitos de Ser Adolescente

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Situação da Adolescência Brasileira 2011 Oportunidade para reduzir vulnerabilidades e superar desigualdades O DIREITO DE SER ADOLESCENTE

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Situao da Adolescncia Brasileira 2011

O DIREITO DE SER ADOLESCENTEOportunidade para reduzir vulnerabilidades e superar desigualdades

REALIZAO Fundo das Naes Unidas para a Infncia (UNICEF)Marie-Pierre Poirier Representante do UNICEF no Brasil Antonella Scolamiero Representante-adjunta do UNICEF no Brasil Escritrio da Representante do UNICEF no Brasil SEPN 510, Bloco A, 2 Andar Braslia/DF 70750-521 www.unicef.org.br [email protected]

Situao da Adolescncia Brasileira 2011EQUIPE UNICEF Coordenao Geral: Ludimila Palazzo e Mrio Volpi Colaborao: Adriana Alvarenga, Alexandre Magno Amorim, Ana Cristina Matos, Ana Mrcia Lima, Andria Neri, Carla Perdiz, Casimira Benge, Claudia Fernandes, Cristina Albuquerque, Helena Silva, Ilaria Favero, Immaculada Pietro, Jacques Schwarzstein, Jane Santos, Jucilene Rocha, Jlia Ribeiro, Letcia Sobreira, Luciana Phebo, Lucio Gonalves, Maria de Salete Silva, Maria Estela Caparelli, Rui Aguiar, Ruy Pavan, Silvio Kaloustian Coordenao e edio: Patrcia Andrade e Rachel Mello Textos: Marta Avancini, Patrcia Andrade e Rachel Mello Reportagem: Ana Flvia Flres, Fernanda Peregrino e Patu Antunes Consultoria estatstica: Vanessa Nespoli Diagramao e arte final: Andr Cardoso Foto da Capa: Acervo Instituto Internacional para o Desenvolvimento da Cidadania (IIDAC)/Luqman Patel A reproduo desta publicao, na ntegra ou em parte, permitida desde que citada a fonte. Texto adaptado nova ortografia da Lngua Portuguesa. Fundo das Naes Unidas para a Infncia. Impresso no BrasilDADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAO NA PUBLICAO (CIP) (CMARA BRASILEIRA DO LIVRO, SP , BRASIL) O direito de ser adolescente: Oportunidade para reduzir vulnerabilidades e superar desigualdades / Fundo das Naes Unidas para a Infncia. Braslia, DF : UNICEF , 2011. 182pp. 1. Direito da criana e do adolescente. 2. Adolescncia. 3. Gravidez na adolescncia. 4. Crime contra o adolescente. I. Ttulo. II. Ttulo 2: Situao da Adolescncia Brasileira, 2011. F981d CDU: 362.7-053.6(81)

Fundo das Naes Unidas para a Infncia

Situao da Adolescncia Brasileira 2011

O DIREITO DE SER ADOLESCENTEOportunidade para reduzir vulnerabilidades e superar desigualdades

Braslia, 2011

APRESENTAOPor Marie-Pierre Poirier

Com este relatrio sobre a Situao da Adolescncia Brasileira 2011, o UNICEF convida para uma reflexo sobre um novo olhar para a adolescncia, que desloca o discurso que s v a adolescncia como um problema para v-la com uma oportunidade de desenvolvimento. Propomos aqui resgatar um direito, o direito de ser adolescente. Os estudos mais recentes sobre desenvolvimento cognitivo destacam a adolescncia como uma das mais ricas fases da vida humana, repleta de possibilidades de aprendizagem, de experimentao, de inovao. Uma etapa da vida que precisa ser vivida de forma plena, saudvel, estimulante, protegida pelos direitos assegurados na Conveno sobre os Direitos da Criana e, no Brasil, no Estatuto da Criana e do Adolescente. Os 21 milhes de adolescentes representam para o Pas um quadro singular de energias e possibilidades. Mas para realiz-las deve-se conhecer e reconhecer que um conjunto de vulnerabilidades, presentes na sociedade, afetam de maneira mais grave os adolescentes. Alm disso, o relatrio aponta as desigualdades que fazem com que, entre os adolescentes, h os que sofrem as maiores violaes aos seus direitos. Nascer branco, negro ou indgena, viver no Semirido, na Amaznia ou numa comunidade popular nos grandes centros urbanos, ser menino ou menina, ter deficincia ainda determinam de

Foto: Leonardo Ramos Chaves

forma cruel as possibilidades que os adolescentes tm de exercer seus direitos sade, educao, proteo integral, ao esporte, ao lazer, convivncia familiar e comunitria. Tais vulnerabilidades e desigualdades precisam ser enfrentadas e superadas. O Brasil no ser um pas de oportunidades para todos enquanto um adolescente negro continuar a conviver com a desigualdade que faz com que ele tenha quase quatro vezes mais possibilidades de ser assassinado do que um adolescente branco; enquanto os adolescentes indgenas continuarem tendo trs vezes mais possibilidades de ser analfabeto do que os outros meninos e meninas; ou ainda enquanto a mdia nacional das meninas de 12 a 17 anos que j engravidaram for de 2,8% e na Amaznia essa mdia continuar sendo de 4,6%. Enfrentar as desigualdades e reduzir as vulnerabilidades , portanto, uma tarefa urgente. Isso s se faz, com escala e sustentabilidade, por meio de polticas pblicas universais, para todos os adolescentes, e tambm de polticas especficas, desenhadas para essa fase especial da vida e para as diferentes condies de se viver as adolescncias que hoje temos no Brasil. Neste relatrio, apontamos algumas polticas j desenhadas e efetivadas no Pas, dirigidas aos adolescentes, como contribuio para a anlise de conquistas e desafios e para reafirmar a importncia dessas polticas. Tratamos ainda de uma condio fundamental para a realizao do direito de ser adolescente, o direito de cada menina e menino participao cidad. Uma participao que promove o conhecimento e a ao, a mobilizao e a transformao. Porque, alm de um direito, a participao uma poderosa aliada na gerao de oportunidades de desenvolvimento e de enfrentamento das vulnerabilidades. Tambm um caminho privilegiado para encontrarmos, junto com os adolescentes, respostas para as complexas questes que emergem para cada um de ns e para o mundo em que vivemos neste sculo 21. Este relatrio traz ainda um captulo denominado Chamada para a ao, uma contribuio para a identificao de temas e polticas que vo ajudar a fazer valer os direitos desses meninos e meninas com sua participao cidad. O Brasil j mostrou que sabe e pode faz-lo. Nos ltimos 20 anos, implementou polticas fundamentais para a melhoria das condies de vida na infncia, reduzindo a mortalidade infantil, combatendo a explorao da mo de obra de crianas e quase universalizando o acesso ao ensino fundamental. chegada a hora de se ampliar e de se aprofundar essas conquistas, incluindo na agenda de prioridades dada s crianas, os adolescentes. Para o UNICEF, no h tempo como este. O Brasil tem diante de si a possibilidade de uma escolha transformadora: garantir o direito de ser adolescente a esses 21 milhes de cidados assentar as bases para um Pas ainda mais forte, mais inovador e mais respeitado, porque mais justo e com mais equidade, na realizao dos direitos dos cidados de at 18 anos.

INTRODUO

O relatrio Situao da Adolescncia Brasileira 2011 O Direito de Ser Adolescente: Oportunidade para reduzir vulnerabilidades e superar desigualdades est estruturado em cinco captulos. O primeiro deles apresenta um convite para que a sociedade brasileira construa e lance um novo olhar adolescncia, compreendendo essa etapa como uma fase nica na vida, rica e cheia de potencialidades. Trata tambm do importante papel dos adultos, que devem orientar, incentivar e proteger os adolescentes, ajudando a criar relaes de dilogo, respeito e confiana entre geraes. E aponta a urgncia de se investir nessa fase da vida, consolidando os avanos obtidos nos ltimos anos em reas como educao, sade, incluso, proteo e participao. Afinal, o Brasil nunca teve e no voltar a ter to grande populao de adolescentes em sua histria. Por isso, o UNICEF prope um novo marco de direitos: o direito de ser adolescente, em toda a sua plenitude, com estmulo e segurana, em toda sua diversidade. No segundo captulo, o relatrio mostra como vulnerabilidades, produzidas pelo contexto social, e desigualdades, resultantes dos processos histricos de excluso e discriminao, ainda representam obstculos para o pleno desenvolvimento e para realizao dos direitos dos adolescentes brasileiros. Entre as vulnerabilidades apontadas aqui, esto a pobreza e pobreza extrema, a baixa escolaridade, a explorao no trabalho, a privao da convivncia familiar e comunitria, os homicdios, a gravidez na adolescncia, as doenas sexualmente transmissveis e aids, o abuso e a explorao sexual e o abuso de drogas. Essas vulnerabilidades afetam sobremaneira os adolescentes, seja por uma incidncia maior do que nas outras faixas etrias da populao brasileira, seja pelos impactos negativos que tm no processo de desenvolvimento desses meninos e meninas. Mas essas vulnerabilidades no afetam da mesma forma os 21 milhes de adolescentes brasileiros. Elas so agravadas por desigualdades: nascer branco, negro ou indgena, viver no Semirido, na Amaznia, ou em comunidades populares de grandes centros urbanos, ser menino ou menina, ter ou no deficincia so fatores que ainda determinam as oportunidades na vida desses adolescentes. urgente superar essas vulnerabilidades e desigualdades. O terceiro captulo apresenta um panorama e as tendncias das polticas pblicas atuais voltadas para a realizao dos direitos dos adolescentes educao, sade, proteo, ao lazer, ao esporte e cultura. Aqui so apresentados os principais desafios para a universalizao das polticas, para seu desenho e implementao, considerando as especificidades das demandas dos adolescentes e a necessidade de integrao dessas polticas. O ponto de

observao aqui a existncia no Pas de um dos mais complexos e completos sistemas de garantia de direitos voltados infncia e adolescncia em todo o mundo, e a necessidade latente de se integrar, especificar e universalizar polticas para realizar os direitos de cada um e de todos os adolescentes brasileiros. O captulo traz ainda uma entrevista indita e exclusiva, concedida a uma adolescente, pela ministra de Direitos Humanos, Maria do Rosrio, sobre polticas universais e integradas para os adolescentes. O quarto captulo aborda um direito crucial para os adolescentes: a participao cidad. Mostra como participao e cidadania so conceitos que se sobrepem no Brasil e analisa iniciativas, projetos e programas que tomam a participao como um direito, mas tambm como uma oportunidade para o desenvolvimento e para a superao de vulnerabilidades. O captulo est ilustrado por experincias que mostram como os direitos dos adolescentes tm sido efetivados no Pas, com a participao dos prprios meninos e meninas. E lembra como fortalecer esses canais de participao tarefa de todos e um desafio especial para o Poder Pblico, a sociedade civil organizada, educadores e famlias. No quinto e ltimo captulo, a chamada para a ao. Uma convocatria a adolescentes e adultos pais, educadores, gestores, autoridades sobre a importncia e a urgncia de se colocar em prtica uma nova pauta de prioridades, voltadas para a realizao do direito de ser adolescente de todos e de cada adolescente. Lembrando que, na construo dessa nova pauta e desse novo olhar, preciso reconhecer os adolescentes como um grupo em si, no so crianas grandes e nem pequenos adultos. So sujeitos de direito que vivem uma fase extraordinria de desenvolvimento que precisa ser vivida com apoio, estmulo e proteo. Apresentam-se assim estratgias para fazer valer o direito de ser adolescente e ainda aes imediatas que permitiriam a superao das violaes dos direitos de milhes de adolescentes brasileiros, entre elas, a adoo de polticas que possam dar respostas s situaes de grupos especficos de adolescentes mais vulnerveis a violaes de seus direitos. Esse captulo lembra ainda como a participao cidad dos adolescentes condio fundamental para a construo dessa nova agenda de prioridades para o Pas. Ao longo desses cinco captulos, possvel sentir e ver o inestimvel valor das contribuies dos 41 adolescentes, ouvidos ao longo do processo de desenvolvimento deste relatrio, suas palavras e opinies. So meninos e meninas de todas as partes do Pas, com diferentes histrias, conquistas e lutas para compartilhar. H ainda neste documento a contribuio de 72 especialistas e gestores de polticas pblicas ouvidos para esta publicao.

O direito de ser adolescente o direito de participar do Brasil, de tudo o que o Brasil constri, possui e de, com liberdade, opinar sobre a construo do Pas, de viver o hoje com direitos e de construir o amanh tambm com direitos. Maria do Rosrio Nunes, Ministra da Secretaria de Direitos Humanos, em entrevista adolescente Thalita de Oliveira, 17 anos, em junho de 2011

SUMRIO

CAPTULO 1 - ADOLESCNCIA: UM NOVO OLHAR.......................................12O DIREITO DE SER ADOLESCENTE........................................................................ 15 ADOLESCNCIAS..................................................................................................... 17 O PAPEL DOS ADULTOS...........................................................................................19 CONHECER PARA GARANTIR DIREITOS................................................................ 21

CAPTULO 2 - ENFRENTAR VULNERABILIDADES E DESIGUALDADES PARA REALIZAR DIREITOS.........................................................................................26VULNERABILIDADES, OBSTCULOS PARA O DESENVOLVIMENTO DOS ADOLESCENTES........28 POBREZA E EXTREMA POBREZA.................................................................................... 29 BAIXA ESCOLARIDADE..................................................................................................... 31 EXPLORAO DO TRABALHO.......................................................................................... 32 PRIVAO DA CONVIVNCIA FAMILIAR E COMUNITRIA........................................... 35 ASSASSINATO DE ADOLESCENTES................................................................................ 39 GRAVIDEZ NA ADOLESCNCIA....................................................................................... 41 EXPLORAO E ABUSO SEXUAL.................................................................................... 44 DOENAS SEXUALMENTE TRANSMISSVEIS E AIDS................................................... 46 ABUSO DE DROGAS......................................................................................................... 47 DESIGUALDADES APROFUNDAM VULNERABILIDADES.................................................. 50 O IMPACTO DA COR DA PELE.......................................................................................... 51 O IMPACTO DE SER MENINO OU MENINA..................................................................... 57 O IMPACTO DA CONDIO PESSOAL............................................................................. 58 O IMPACTO DO LUGAR ONDE SE VIVE........................................................................... 60 O DESAFIO DE SER ADOLESCENTE NO SEMIRIDO.................................................... 64 O DESAFIO DE SER ADOLESCENTE NA AMAZNIA..................................................... 67 O DESAFIO DE SER ADOLESCENTE NOS GRANDES CENTROS URBANOS............... 70

CAPTULO 3 - FAZER VALER OS DIREITOS DOS ADOLESCENTES.............. 74O DIREITO DE APRENDER DOS ADOLESCENTES........................................................................... 80 Ensino mdio COM CARA DE ADOLESCENTE........................................................................ 86 O DIREITO SADE DOS ADOLESCENTES.................................................................................... 90 O DIREITO DOS ADOLESCENTES PROTEO............................................................................. 94 A PROTEO DOS ADOLESCENTES CONTRA A EXPLORAO DO TRABALHO E O DIREITO FORMAO PROFISSIONAL................................................................................................ 95 A PROTEO DOS ADOLESCENTES DIANTE DA VIOLNCIA.................................................. 97 A PROTEO DOS ADOLESCENTES DIANTE DO ABUSO E DA EXPLORAO SEXUAL.. 99 A PROTEO DOS ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI...............................................103 O DIREITO DOS ADOLESCENTES AO ESPORTE, LAZER E CULTURA....................................105 ESPORTE SEGURO E INCLUSIVO.................................................................................................107 O DIREITO DOS ADOLESCENTES CULTURA..........................................................................112 CONSOLIDAR CONQUISTAS, SUPERAR DESAFIOS.................................................................115

CAPTULO 4 - PARTICIPAO CIDAD: UM DIREITO DOS ADOLESCENTES... 116TRS ABORDAGENS DA PARTICIPAO CIDAD............................................................ 121 UM DIREITO..................................................................................................................... 122 UMA OPORTUNIDADE PARA O DESENVOLVIMENTO................................................. 124 UMA ESTRATGIA PARA REDUZIR VULNERABILIDADES........................................... 126 A VOZ DOS ADOLESCENTES EM FRUNS INTERNACIONAIS DE DEBATE.................. 137 FORTALECER A PARTICIPAO, FORTALECER O DIREITO DE SER ADOLESCENTE............... 138

CAPTULO 5 - UMA AGENDA PARA A AO................................................140REFLEXO E AO: ESTRATGIAS PARA UM NOVO OLHAR......................................... 142 AES IMEDIATAS PARA SUPERAR AS VIOLAES DE DIREITOS............................... 144 OS ADOLESCENTES E A CONSTRUO DE UM PAS MELHOR..................................... 145

MAPAS E TABELAS................................................................................................................................... 146 LISTA DE FONTES E ORGANIZAES CONSULTADAS........................................................................ 170 ADOLESCENTES ENTREVISTADOS PARA ESTE RELATRIO................................................................174 NOTAS BIBLIOGRFICAS........................................................................................................................ 176 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS............................................................................................................ 180

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Situao da Adolescncia Brasileira 2011

ADOLESCNCIA: UM NOVO OLHARO Brasil vive hoje o que vem sendo chamado de bnus demogrfico. Com 11% de sua populao vivendo a adolescncia, o Pas tem uma oportunidade nica: nunca houve e no haver no futuro tamanho contingente de adolescentes. Um universo de 21.083.635 de meninos e meninas, um momento indito de possibilidades reais para se fortalecer os importantes avanos das ltimas duas dcadas nas reas da sade, da educao, da incluso, j realizadas para as crianas. Sem deixar de investir na garantia dos direitos da primeira e segunda infncia, chegada a hora de se avanar em conquistas para os adolescentes brasileiros. No h tempo como este. O presente do Brasil um presente.

Foto: IIDAC/Luqman Patel

O Direito de Ser Adolescente Oportunidade para reduzir vulnerabilidades e superar desigualdades

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s adolescentes de hoje integram a primeira gerao nascida sob a chamada revoluo de prioridades um conjunto de conquistas legais de grande relevo, formado, no mbito internacional, pela Conveno sobre os Direitos da Criana (1989), o documento de direitos humanos mais ratificado da histria; e, no mbito nacional, pela Constituio de 1988, que estabeleceu em seu artigo 227 a infncia e a adolescncia como prioridade absoluta e pelo Estatuto da Criana e do Adolescente, que consolidou os preceitos da Conveno e da Carta Magna brasileira. Esses meninos e meninas cresceram enquanto o Pas ampliava e fortalecia polticas pblicas voltadas primeira infncia e segunda infncia, ou seja, do nascimento ao 11 ano de vida. Eles foram beneficiados, por exemplo, pela reduo da taxa de mortalidade infantil de 52,4 bitos por mil nascidos vivos, em 1990, para 19,3 por mil, em 20072; pela queda nos ndices de explorao da mo de obra infanto-juvenil desde o incio da dcada de 1990, foram retirados do trabalho precoce cerca de 4 milhes de meninos e meninas3 ; e pelo aumento do acesso ao ensino fundamental, que atualmente alcana 97,9% das crianas e adolescentes entre 7 e 14 anos4 . Chegam, portanto, adolescncia, em sua maioria, mais saudveis e com maior escolaridade que as geraes anteriores. Representam, hoje, para o Brasil uma oportunidade singular. O Pas conta com a energia, a criatividade e a presena desses cidados, com idades entre 12 e 17 anos, para estabelecer novas prioridades, para criar novas relaes sociais, avanar em vises inovadoras sobre os desafios dos prximos anos, estabelecer novas formas de expresso, ampliar a conscincia de seus cidados sobre questes ambientais e da diversidade e para exercer, enfim, uma curiosidade mais agua14Situao da Adolescncia Brasileira 2011

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da tanto para inventar quanto para usufruir dos avanos nas tecnologias da informao e da comunicao. Para aproveitar esse momento, fundamental reconhecer que os adolescentes so um grupo em si. No so crianas grandes nem futuros adultos. Tm suas trajetrias, suas histrias. So cidados, sujeitos com direitos especficos, que vivem uma fase de desenvolvimento extraordinria. O que experimentam nessa etapa determinar sua vida adulta. Hoje, os adolescentes esto presentes na sociedade com um jeito prprio de ser, se expressar e conviver e, portanto, precisam ser vistos como o que so: adolescentes. So criativos, tm enorme vontade e capacidade de aprender e de contribuir.

fundamental reconhecer que os adolescentes so um grupo em si. No so crianas grandes nem futuros adultos. So cidados, sujeitos com direitos especficos, que vivem uma fase de desenvolvimento extraordinria. O que experimentam nessa etapa determinar sua vida adulta preciso ainda entender que, num pas to diverso, so muitas as formas de se viver a adolescncia e que, portanto, essas adolescncias so, acima de tudo, tempos de oportunidade. Oportunidade para os prprios adolescentes, que vivenciam uma fase de construo de autonomia, identidade, aprendizagens e descobertas. Oportunidade para as famlias, que tm a chance de se relacionar de uma maneira diferenciada com seus filhos, baseada no dilogo franco e aberto, na troca de ideias e na crescente participao dos adolescentes nas decises familiares, o que pode resultar num interessante processo

de amadurecimento para todos. Oportunidade tambm para as polticas pblicas, com a adoo de estratgias inovadoras, especficas e multissetoriais, capazes de enxergar os adolescentes como atores de sua prpria histria, e no como objeto da expectativa dos adultos. Oportunidade para se transformar o Pas sob o prisma da equidade.

No h tempo como este para a construo de um novo olhar sobre e para a adolescncia, e para os processos de desenvolvimento que acontecem nessa fase da vida. Um momento to especial e to importante que este relatrio apresenta a ideia de um direito at hoje no reconhecido plenamente: o direito de ser adolescente.

O direito de ser adolescenteFoto: Rafaela Felicciano

preciso garantir a cada adolescente brasileiro o direito de viver essa fase sob a lgica da equidadeO Direito de Ser Adolescente Oportunidade para reduzir vulnerabilidades e superar desigualdades

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Cada adolescente, estabelece o Estatuto da Criana e do Adolescente, tem direito sade, educao, ao esporte, ao lazer e cultura, formao para o trabalho, convivncia familiar e comunitria, proteo especial. Tem direito de viver essa etapa da vida de forma plena, e de ter oportunidades para canalizar positivamente sua energia, sua capacidade crtica e seu desejo de transformar a realidade em que vive. Ao reafirmar esses direitos, o UNICEF convoca o Estado, a sociedade brasileira e as famlias a garantirem para cada um desses meninos e meninas o direito de viver essa etapa de sua vida sob a lgica da equidade. Ou seja: livres da desigualdade, mas cele-

brando a diversidade que torna cada ser humano nico, sujeito de direitos. O reconhecimento da importncia dos processos de desenvolvimento que ocorrem na adolescncia, da oportunidade que a adolescncia representa para o Pas, do benefcio que as vivncias da adolescncia representam tanto para sua vida presente quanto, posteriormente, para sua vida de adulto, resulta na afirmao de que esses meninos e meninas so detentores do direito de ser adolescente. O que significa, sob a tica da cidadania, o direito de ter direitos, de conhecer seus direitos, de criar novos direitos, de participar da conquista dos seus direitos.

Foto: Rafaela Felicciano

Aline Czezacki comentou

Aline Czezacki 16 anos Ponta Grossa - PR

O maior desafio da adolescncia ser adolescente. no pensar tanto no futuro. no ter tanto medo do futuro, do que vamos ser amanh, quando crescermos. aproveitar toda essa alegria que temos, falar, se divertir, sair, brincar, ter responsabilidade tambm. aproveitar toda essa fase maravilhosa, essa poca em que a gente pode fazer o que quer, mas agindo de forma a respeitar as pessoas mais velhas, agindo de forma a no prejudicar ningum.

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AdolescnciasFoto: IIDAC/Luqman Patel

As experincias de ser adolescente so distintas para cada menino e menina

Para que esse direito seja realizado, so fundamentais superar as desigualdades e reduzir vulnerabilidades que limitam o desenvolvimento de uma adolescncia plena e a construo de um novo olhar sobre a adolescncia, que compreenda, sem estigmas e esteretipos, que ser adolescente mais do que um processo biolgico e psquico. Isso no quer dizer que aquilo que acontece no corpo e na mente de meninos e meninas nessa etapa da vida seja irrelevante. De forma alguma. Hoje se sabe que o crebro, ao contrrio do que se pensava antes, ainda no est pronto quando termina a infncia. Na adolescncia, ele passa por uma nova onda de transformaes, que faz com que se sinta necessidade de criar coisas novas e de aprender. Outras modificaes em regies do crtex que esto relacionadas com o raciocnio e a memria conferem aos adolescentes uma enorme capacidade de lidar com informaes. O que se sabe hoje sobre esse perodo traz novas perspectivas. Caractersticas associadas adolescncia e geralmente tomadas sob o ponto de vista negativo, como impulsividade, desejos de mudana e de extrapolar limites, extrema curiosidade pelo novo, intransigncia com suas opinies e atitudes, tornam-se, na verda-

de, oportunidades de aprendizagem e inovao para escolas, famlias, comunidades e para os prprios adolescentes. Mas, atualmente, para alm das transformaes biolgicas e psquicas, o conceito de adolescncia incorpora a ideia de uma construo social dessa etapa da vida e diz respeito multiplicidade de formas como ela vivenciada. No se fala mais da adolescncia, no singular, mas de adolescncias, no plural. Isso porque as experincias de ser adolescente, sejam no plano fsico, psquico ou social, so distintas para cada menino ou menina, por vrios fatores: o lugar onde se vive, por exemplo, ou tambm a forma pelo qual o adolescente interage e participa, seja da vida familiar, na escola, no bairro onde vive, na cidade onde mora. Afinal, diferente ser adolescente em uma aldeia indgena, na periferia de uma grande cidade, no serto, ou ainda em famlia, num abrigo, nas ruas, frequentando ou no uma escola. Num Pas com tamanha diversidade e disparidades regionais, tnicas, culturais e socioeconmicas, essas adolescncias renem uma pluralidade de possibilidades, expectativas, experincias, significados e desafios para a garantia do direito de ser adolescente.17

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A adolescncia como construo socialAutor do livro Adolescncias construdas: a viso da psicologia scio-histrica, o psiclogo Srgio Ozella, da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, critica o enfoque tradicional dos especialistas e da prpria sociedade sobre a adolescncia, que costuma ser vista como uma fase problemtica, um momento de crise e conflitos, caracterizado apenas pela famosa exploso de hormnios. Para ele, o conceito de adolescncia , na verdade, uma construo histrica e social, e no algo natural e universal como alguns estudiosos tm defendido ao longo dos anos. A adolescncia continua sendo vista como um problema no Brasil ou houve avanos? A viso do nosso grupo de trabalho um contraponto abordagem que encara o adolescente como problemtico. Vamos na direo contrria da literatura que impera desde o comeo do sculo 20. Na viso tradicional da psicologia, que reforada pela mdia, adolescncia um momento de crise e conflito. Defendemos que no se trata de um conflito natural, e sim de uma construo social. Ou seja, a adolescncia existe como concepo social, no como algo natural. Na sociedade, existe at uma procura de aspectos positivos. O adolescente o futuro do Pas , por exemplo. Mas, acredita-se, ao mesmo tempo, que ele no tenha condies de lidar com isso, esteja sempre em conflitos, esteja sempre em problemas. O prprio adolescente acaba incorporando essa perspectiva. Nos meus ltimos estudos, ouvimos o famoso voc tem que me aguentar, eu sou adolescente . O que ser adolescente nesta primeira dcada do sculo 21? Que condies, desafios e fortalezas voc observa?18Situao da Adolescncia Brasileira 2011

Foto: Arquivo pessoal

Meu foco no no adolescente, mas nas suas condies de vida. E infelizmente a viso sobre o adolescente no mudou do sculo passado para este. Ele continua sendo visto como um problema. E, claro, se no tem espao para agir, vai reagir s tentativas de controle. A famlia, a escola, a sociedade so importantes, mas o adolescente hoje tem poucas sadas. H um processo de poder em cima do adolescente, de a sociedade no encar-lo como algum com potencial e com responsabilidade. E como os jovens se veem? Em 2008, publiquei uma pesquisa, com quase mil jovens, de classes A a E, de diferentes raas/etnias, meninos e meninas. H uma diferena muito grande entre jovens de origens diferentes; so adolescentes completamente diferentes, ainda mais se considerados gnero e classe social. Em relao classe social, voc encontra formas diferentes de viver a adolescncia. Jovens de classes A e B reafirmam que o adolescente em geral irresponsvel. Mas, nas classes C, D e E, quando voc pergunta como o adolescente , ele completamente diferente preocupado com a

famlia, com o trabalho. Ele tem uma viso de adolescente construda na prpria vida, no a tradicional da literatura. Essa viso do adolescente cuca-fresca passa para os adolescentes de classe baixa um sofrimento eles sofrem porque no so como os adolescentes mostrados na televiso. O jovem de classe baixa tem a carncia de no ter vivido o que parece ser a adolescncia. Ele sofre com isso. Eles dizem claramente: Eu no tive adolescncia, no consegui ser assim, no tive essa liberdade que a gente v . Na classe D, o adolescente tem que ser responsvel, tem que comear a trabalhar, pensar na sua famlia. Ele j coloca na vida dele o trabalho como uma funo do jovem.

O conflito de geraes algo universal? No, um processo que se constri no dia a dia. Rotular o adolescente no traz nenhuma contribuio. Os prprios professores tratam o adolescente como um fator de conflito sem sada. Adolescncia um problema srio, mas que vai passar um conceito ainda muito arraigado hoje em dia. E tanto a literatura quanto a mdia no entram em detalhes sobre as condies concretas que levam a essa passagem do jovem para o adulto. H um vcuo que permite entender que de repente , com o passar do tempo , de maneira quase mgica o jovem passa a ser um adulto.

O papel dos adultosPara assegurar esse direito de ser adolescente de forma saudvel, estimulante e protegida, a presena dos adultos crucial. Sejam eles pais, educadores, parentes, amigos, vizinhos, autoridades ou pessoas que de alguma forma convivem com essas garotas e garotos, os adultos precisam assumir uma perspectiva pedaggica, de dilogo, de respeito e de referncia para a construo de limites e de cuidados para com os adolescentes, assegurando seu desenvolvimento integral. No h melhor tempo que este, a adolescncia, para proporcionar a meninos e meninas experincias que os ajudem nas escolhas sobre sua vida, que os orientem sobre como se proteger e proteger o outro, que os estimulem a construir sua autonomia, mas tambm sua alteridade. Em casa, na escola, na rua, no posto de sade, em qualquer lugar, nem o autoritarismo, que reprime a construo da autonomia, nem a ausncia da orientao e a falta de limites, que normalmente resultam em negligncia, contribuem para a realizao do potencial de desenvolvimento dos adolescentes como cidados e cidads. A presena adulta na vida dos adolescentes deve ajudar a promover o dilogo entre geraes e a transformar ideias em propostas. Se os adolescentes tm muita energia e criatividade, os adultos tm mais repertrio, maior leque de prticas e devem assumir perante os adolescentes uma postura de troca de histrias e experincias. Os adolescentes esperam dos adultos esse papel de guiar e conversar. Quando se manifestam, em conferncias, plenrias, eventos e mesmo quando so ouvidos em pesquisas, meninos e meninas afirmam com clareza a importncia que do pre19

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sena dos mais velhos em seu processo de desenvolvimento. Realizada pelo UNICEF nos anos de 2003 e 2007, a pesquisa Voz dos Adolescentes revelou que mais de 90% dos5

rendo parecer com a gente, disseram os meninos e meninas. O dilogo intergeracional ainda elemento crucial para assegurar aos adolescentes o direito participao na famlia, na escola, no bairro, na cidade, de forma autntica, sustentvel, significativa e relevante para sua vida e tambm para suas comunidades e para o Pas, contribuindo para a reduo de vulnerabilidades especficas dessa fase da vida (o captulo 2 deste relatrio aprofunda a questo das vulnerabilidades), com toda a fora renovadora dos adolescentes. Quando adultos reconhecem que adolescentes so atores sociais e polticos fundamentais para a construo de uma sociedade menos desigual e mais democrtica e os adolescentes, que os adultos tm mais longas experincias e tambm precisam ser ouvidos e respeitados, ganham as famlias, as comunidades, a sociedade e o Pas.

adolescentes tm na famlia sua principal referncia. Receber apoio e limites visto pelos adolescentes como uma forma de cuidado que os pais tm por eles. Segundo os prprios adolescentes, quando o dilogo feito com respeito e com orientaes claras, h mais segurana e confiana. Ao lado dos pais, os professores. Durante o Encontro Nacional de Adolescentes do Ensino Mdio realizado em Braslia em 2010, o tema do papel do professor apareceu com destaque nos debates. Para os estudantes, o professor representa uma referncia positiva se, alm de dar o contedo, ele ajuda a refletir sobre as questes da vida, est aberto para ouvir, mas, principalmente, se contribui com sua experincia de vida e suas reflexes, e no quer dar uma de descolado, e ficar que-

Foto: Rafaela Felicciano

Diego Gomes de Moraes comentou

Diego Gomes de Moraes 17 anos Helipolis - SP

No papel, est lindo, o direito do adolescente a se expressar. Mas, na prtica, acham que o adolescente no tem nada de til, que no tem nada de bom para oferecer. Na verdade, a gente tem muito a contribuir. Apesar da pouca experincia e idade, ns vivemos muito e de tudo um pouco, e tentamos encaixar as vivncias e experincias em qualquer situao.

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Situao da Adolescncia Brasileira 2011

Conhecer para garantir direitosO Brasil tem diante de si uma enorme oportunidade. Com um novo olhar, que reconhece o quanto rico ter 21 milhes de cidados com idades entre 12 e 17 anos, o Pas pode transformar potencial em realidade, aprofundando o saber sobre esses meninos e meninas, reconhecendo as diversas formas de se viver a adolescncia, e construindo novas relaes baseadas no dilogo, no respeito ao outro. Para isso, famlias, sociedade e governos precisam descobrir a adolescncia sob a perspectiva da equidade e promover o seu desenvolvimento a partir de uma abordagem de reduo das vulnerabilidades e desigualdades que impactam as adolescncias. Devem promover polticas pblicas que sejam, ao mesmo tempo, universais e focadas nas demandas e necessidades dos adolescentes. Polticas multissetoriais, baseadas nesse novo olhar sobre a adolescncia e que promovam e levem em conta a voz desses meninos e meninas. Afinal, para se garantir o direito de ser adolescente a cada um desses brasileiros, essencial que se conheam e se enfrentem tais vulnerabilidades e desigualdades, transformando-as em oportunidades, por meio de polticas pblicas e da participao cidad. Somente assim, ser possvel garantir o direito de ser adolescente a cada um desses meninos e meninas.

Onde vivem os 21 milhes de adolescentes brasileiros, por macrorregio

9% 7%10.367.477Meninas

31%

38% 14%

10.716.158

MeninosFonte:IBGE/Pnad, 2009

O Direito de Ser Adolescente Oportunidade para reduzir vulnerabilidades e superar desigualdades

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O olhar da mdia sobre a adolescnciaUNICEF/Giacomo Pirozzi

Apesar do crescente engajamento dos adolescentes em projetos de comunicao, a participao de meninos e meninas ainda no ganhou destaque na mdia nacional. Estudo realizado pela ANDI Comunicao e Direitos mostra que, da quantidade total de notcias sobre infncia e adolescncia publicadas por 53 dirios das diversas regies do Pas em 2009, apenas 6,1% citam o adolescente como fonte de informao e/ou colocam em evidncia caractersticas de participao e a liderana juvenil. So textos que, em vez de enfatizar a vulnerabilidade de meninos e meninas perante situaes de risco, ressaltam sua capacidade de tomar a iniciativa, formular solues e desenvolver habilidades. Entre os assuntos mais presentes nas notcias que ouvem adolescentes ou mencionam aes de participao de adolescentes, uma nova temtica conquista espao: esportes e lazer. De acordo com o estudo22Situao da Adolescncia Brasileira 2011

conduzido pela ANDI, o tema foco de 16,9% dos textos que mencionam esse grupo especfico, ocupando a segunda posio no que se refere aos assuntos mais abordados. Em primeiro lugar, est a educao (com 26,3% dos textos) e, em terceiro, a violncia (com 13,2%). Segundo o levantamento, aspectos como qualidade do ensino, acesso educao e greves ou reivindicaes esto entre os mais abordados quando est em foco a educao. O Exame Nacional do Ensino Mdio (Enem) foi citado em 23% de todos os textos sobre educao nos quais os adolescentes foram ouvidos. Na cobertura em geral, esse ndice de pouco mais de 15%, o que denota ser esse um tema que mobiliza e abre espao para a voz do jovem na mdia. Tambm chama ateno a referncia a aes complementares: atividades que auxiliam no desenvolvimento do aprendizado, como exposies, passeios, feiras de cin-

cias e campeonatos esportivos. Enquanto na cobertura em geral a meno a essas iniciativas de cerca de 3%, nos textos que ouvem o adolescente ou mencionam ao de participao, o ndice de 10,3%. Assim como ocorre na cobertura em geral sobre infncia e adolescncia, algumas temticas importantes para essa populao ficam de fora quando protagonistas e/ou adolescentes esto na construo da notcia. As discusses de gnero e etnia permanecem esquecidas na abordagem jornalstica sobre infncia e adolescncia. Tanto na cobertura em geral quanto na que ouve adolescentes, a referncia a tais questes de menos de 1%. Tambm est fora da pauta a discusso de questes relevantes como s relacionadas deficincia (0,9% na cobertura que ouve o adolescente e 0,6% na geral), ao exerccio da sexualidade (1,0% e 0,4%) e ao trabalho infantil (1,4% e 0,4%). Embora tenha percentual um pouco maior (2,3% na cobertura especfica e 1,7% na cobertura

em geral), o debate sobre drogas continua sendo um desafio tambm para o noticirio que abre espao a adolescentes e jovens protagonistas. Em relao s fontes de informao, ao contrrio do usualmente verificado na cobertura em geral sobre infncia e adolescncia cuja prevalncia est nas vozes institucionais , as notcias que ouvem adolescentes e/ou mencionam aes protagonistas abrem maior espao para a opinio da sociedade civil. Segundo o estudo realizado pela ANDI, a famlia e a comunidade escolar tambm so mais ouvidas quando analisado esse recorte especfico, como podemos ver no grfico abaixo. Outro destaque positivo diz respeito diversidade de fontes ouvidas importante elemento de qualificao da notcia. De acordo com os dados coletados, enquanto a cobertura em geral registra a mdia de 1,5 fonte por notcia, os textos que ouvem adolescentes protagonistas apresentam, em mdia, 4,2 fontes mencionadas.

Fontes de informao Percentual sobre o total de notcias sobre Infncia e Adolescncia em 2009 e sobre notcias que citam adolescentes como protagonistas ou como fonte de informao*

Fonte: ANDI - Comunicao e Direitos, 2011 *Varivel de marcao mltipla.O Direito de Ser Adolescente Oportunidade para reduzir vulnerabilidades e superar desigualdades

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VIOLNCIAPor outro lado, quando se amplia o escopo de anlise para todas as matrias que mencionam explicitamente os termos adolescente e adolescncia ou focam as idades entre 12 e 17 anos, o estudo da ANDI aponta que o tpico mais abordado a violncia. Para essa faixa etria, o foco nos atos violentos supera a ateno dada s questes de educao, historicamente o assunto mais coberto pela mdia ao priorizar aspectos relacionados ao universo de crianas e adolescentes. Dados da ANDI estimam que, em 2009, os jornais impressos brasileiros publicaram 159.324 notcias sobre infncia e adolescncia. De acordo com o monitoramento de mdia realizado pela organizao, cada um dos 53 dirios analisados publicou, em mdia, 3.006 textos sobre a temtica. Em 2009, cerca de um quarto da cobertura geral tratava da educao. Esse percentual, porm, cai para 12,2% das notcias que dizem respeito textualmente aos adolescentes. Segundo a ANDI, isso ocorre porque boa parte das matrias sobre educao no menciona qualquer faixa etria especfica. Desses textos que no focalizam qualquer segmento etrio, 25% discutem o acesso ao ensino superior e 15,3%, o ensino mdio, assuntos que esto diretamente ligados ao cotidiano dos adolescentes. Em contrapartida, a violncia foi tema de 30,7% das reportagens que mencionaram explicitamente os adolescentes. Essa participao significativamente superior ao que ocorre no ranking de assuntos das demais faixas etrias pesquisadas: 19,7% na primeira infncia, 17,5% de 7 a 11 anos, e 17,8% na amostra total. Apesar disso, o estudo da ANDI faz uma ressalva: a de que a prevalncia do tema da violncia deve ser relativizada, j que nesse tipo de noticirio, geralmente factual, mais frequente a meno faixa etria de algum ator envolvido.

Retrato etrio Percentual sobre o total de notcias sobre Infncia e Adolescncia em 2009*

Fonte: ANDI - Comunicao e Direitos, 2011 *Varivel de marcao mltipla. 24Situao da Adolescncia Brasileira 2011

Os tipos de violncia mais enfocados na cobertura sobre adolescncia so: violncia nas ruas e comunidade (29,1%), abuso sexual (21,1%) e violncia domstica (8,3%). O levantamento da ANDI chama ateno para o fato de que, independentemente da faixa etria, poucas matrias procuram promover uma reflexo mais profunda a respeito de causas e consequncias desse fenmeno: 9,9% das reportagens sobre adolescncia e 9,7% da cobertura sobre infncia de modo geral. Portanto, ainda grande o desafio de qualificar o olhar da mdia no que diz respeito abordagem de um tema to complexo e que afeta de forma to contundente os adolescentes. A educao vem em seguida para a faixa de tpicos que focalizam o pblico adolescente, com 12,2%. O nmero est prximo ao verificado para o grupo de 7 a 11 anos (12,0%) e o de 0 a 6 anos (9,5%). Entretanto, esse o tema mais coberto (46,6%) quando se fala de crianas e adolescentes de modo generalista, sem determinar a idade focando em qualidade da educao e polticas pblicas, por exemplo, em vez de identificar casos especficos. Em terceiro lugar, aparecem as questes ligadas ao esporte e ao

lazer. Apesar de aparecer sempre entre os 10 primeiros assuntos tratados pela mdia, independente de idade, esse tema mais destacado medida que o indivduo vai crescendo: 3,9% para 0 a 6 anos, 6,8% para 7 a 11 anos, e 9,3% para 12 a 17 anos. No tocante qualidade da cobertura, o estudo da ANDI observa que a tica investigativa, que mapeia o esforo jornalstico em ultrapassar o relato factual, denunciando omisses e discutindo solues, bastante similar para a cobertura geral e a dos adolescentes: 7 ,3% e 7 ,6%, respectivamente. Os dados de contextualizao tambm no apresentam diferenas sensveis entre a cobertura em geral e a abordagem sobre adolescentes. A referncia a fontes estatsticas alcana 8,1% na cobertura geral e 9,1% no enfoque para adolescentes. A meno legislao de qualquer tipo de 5,7% (cobertura geral) e 6,7% (adolescentes). E a de polticas pblicas inferior para as matrias que ouvem adolescentes: 7 ,7% contra 12,5%. Percebe-se, assim, que os desafios de qualificao das reportagens que falam sobre os adolescentes so, em boa parte, similares aos enfrentados na cobertura da infncia e adolescncia como um todo, segundo a ANDI.

Os temas das notcias (Tema principal) Percentual sobre o total de notcias sobre Infncia e Adolescncia e sobre notcias que citam explicitamente a faixa etria dos adolescentes 12 a 17 anos, 2009*

Fonte: ANDI - Comunicao e Direitos, 2011 *Varivel de marcao mltipla.O Direito de Ser Adolescente Oportunidade para reduzir vulnerabilidades e superar desigualdades

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Situao da Adolescncia Brasileira 2011

ENFRENTAR VULNERABILIDADES E DESIGUALDADES PARA REALIZAR DIREITOSPara o Brasil, os adolescentes representam uma grande oportunidade. Porm, dois fatores afetam sobremaneira o desenvolvimento desses meninos e meninas: as vulnerabilidades produzidas pelo contexto social e as desigualdades resultantes dos processos histricos de excluso e discriminao. preciso super-las. Somente assim possvel assegurar o direito de ser adolescente a cada menino e menina no Pas.

Foto: Rafaela Felicciano

O Direito de Ser Adolescente Oportunidade para reduzir vulnerabilidades e superar desigualdades

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direito de ser adolescente vem sendo violado por vulnerabilidades e desigualdades que marcam o cotidiano de milhes de meninos e meninas em todo o Brasil. Quando se lana um olhar para o conjunto da populao brasileira para comparar a situao dos adolescentes com os demais segmentos etrios, observa-se que eles e elas formam um grupo que sofre mais fortemente o impacto de vulnerabilidades, como a pobreza, a violncia, a explorao sexual, a baixa escolaridade, a explorao do trabalho, a gravidez, as DST/aids, o abuso de drogas e a privao da convivncia familiar e comunitria. Essas vulnerabilidades, entretanto, no afetam os 21 milhes de adolescentes brasileiros da mesma maneira. O que diferencia a forma pela qual os adolescentes vo ser atin-

O

gidos por tais vulnerabilidades so as desigualdades sociais construdas historicamente no Brasil, constitudas com base em preconceitos e nas mais diferentes manifestaes de discriminao. Situaes especficas tornam ainda mais agudas as vulnerabilidades e estabelecem obstculos para a realizao do direito de ser adolescente desses brasileiros. As desigualdades, determinadas, entre outros fatores, pela origem e identidade tnico-racial, pelo fato de ser menino ou menina, por sua condio pessoal relacionada a ter ou no alguma deficincia e pelo local onde vivem. Sem conhecer, reconhecer e enfrentar essas vulnerabilidades e desigualdades, no possvel garantir que os adolescentes vivam to importante fase da vida de forma plena, estimulante e segura, de forma cidad, enfim.

Vulnerabilidades, obstculos para o desenvolvimento dos adolescentesO simples fato de ser adolescente faz com que determinadas situaes de vulnerabilidade incidam mais fortemente sobre esses meninos e meninas, quando os comparamos a outros grupos da populao no Pas. A seguir, so apresentados dados, indicadores e anlises sobre como nove fenmenos sociais comprometem de forma grave o desenvolvimento dos adolescentes brasileiros. So eles:

1. a pobreza e a pobreza extrema; 2. a baixa escolaridade; 3. a explorao do trabalho; 4. a privao da convivncia familiar e comunitria; 5. a violncia que resulta em assassinatos de adolescentes; 6. a gravidez; 7. a explorao e o abuso sexual; 8. as DST/aids; 9. o abuso de drogas.

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Situao da Adolescncia Brasileira 2011

Pobreza e extrema pobrezaA pobreza nega aos adolescentes seus direitos. Ela representa uma situao de vulnerabilidade que potencializa outras vulnerabilidades. Torna mais frgeis o que poderiam ser ambientes de proteo e segurana de meninos e meninas, aumenta os riscos de abuso e explorao. Faz com que esses adolescentes fiquem mais expostos a doenas, m alimentao. Alm disso, a situao de pobreza, muitas vezes, mina a confiana dos adolescentes em seu prprio futuro e no futuro de suas comunidades e de seu pas. Essa ainda uma vulnerabilidade que se transmite de gerao a gerao, criando ciclos intergeracionais de excluso. No Brasil, a pobreza e a pobreza extrema tm rosto de criana e de adolescente. Dados preliminares do Censo 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE), indicam que quatro em cada dez brasileiros (40%) que vivem na misria so meninas e meninos de at 14 anos. Depois das crianas, o segundo grupo etrio com maior percentual de pessoas vivendo em famlias pobres so os adolescentes. O nmero de adolescentes brasileiros de 12 a 17 anos de idade que vivem em famlias com renda inferior a salrio mnimo per capita 7,9 milhes. Isso significa dizer que 38% dos adolescentes brasileiros esto em condio de pobreza. Praticamente um a cada trs adolescentes brasileiros pertence ao quintil mais pobre da populao brasileira (ou seja, os 20% mais pobres do Pas): 28,9% dos garotos e garotas entre 15 e 17 anos esto nesse grupo de renda.

Os mais pobres Proporo da populao vivendo na pobreza, por idade

Fonte: IBGE/Pnad, 2009O Direito de Ser Adolescente Oportunidade para reduzir vulnerabilidades e superar desigualdades

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A nova linha da extrema pobreza no BrasilO IBGE, a partir dos dados do Censo 2010, identificou no Pas 16 milhes de pessoas que vivem com renda per capita mensal de at R$ 70. Essa a linha da extrema pobreza definida pelo governo federal, que embasa o programa Brasil sem Misria. Embora o governo brasileiro tenha adotado esse recorte de extrema pobreza, optamos por utilizar, neste relatrio, dados do IBGE sobre famlias extremamente pobres cuja renda per capita inferior a do salrio mnimo (o que, em valores de 2011, representa renda per capita menor que R$ 128,50). O objetivo fazer a desagregao por idade, uma vez que os dados relativos ao novo conceito definido pelo governo somente esto disponveis para o ano de 2010 e por grupos etrios previamente agregados.

Atualmente no Brasil, 3,7 milhes de garotas e garotos com idades entre 12 e 17 anos (17,6% dos adolescentes do Pas) vivem em famlias extremamente pobres, ou seja, que sobrevivem com at de salrio mnimo por ms, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios (Pnad) de 2009. O rosto adolescente da pobreza no Pas torna-se ainda mais evidente quando notamos que, apesar de a desigualdade de renda estar caindo no Pas nos ltimos

seis anos, tendo atingido em 2011 o nvel mais baixo desde 1960, segundo pesquisa da Fundao Getlio Vargas (FGV) 6, o percentual de adolescentes vivendo em famlias extremamente pobres cresceu entre 2004 e 2009, passando de 16,3% para os atuais 17,6%. Ou seja, a pobreza recua na populao brasileira em geral, mas cresce entre seus meninos e meninas. Romper o ciclo da pobreza no simples, mas fundamental para reduzir outras vulnerabilidades.

Extrema pobreza Percentual de adolescentes que vivem em famlias extremamente pobres

Fonte: IBGE/Pnad, 2009 30Situao da Adolescncia Brasileira 2011

baixa escolaridadeSe a pobreza uma vulnerabilidade determinada por geraes, a baixa escolaridade resulta de um processo de excluso que tem suas origens nos primeiros anos de vida dos adolescentes. Quem hoje est na faixa etria de 12 a 17 anos e poucos anos de estudo tem, quase sempre, uma trajetria de educao marcada pela falta de acesso educao infantil e pela precariedade do ensino fundamental. Desde a aprovao do Estatuto da Criana e do Adolescente, o Pas fez importantes avanos em direo universalizao do acesso ao ensino fundamental. Em 2009, 97,9% das crianas e adolescentes de 7 a 14 estavam matriculadas nessa etapa da educao7. Porm, o acesso apenas o primeiro passo para a garantia do direito de aprender de meninos e meninas. As crianas e adolescentes chegam escola, mas muitos deles no conseguem aprender e conquistar avanos em sua escolaridade por uma srie de fatores relacionados qualidade da educao e precariedade do ambiente de aprendizagem. Pouco estimulados e apoiados, algumas vezes pressionados a contribuir para a renda familiar, crianas e adolescentes iniciam um ciclo de repetncias e acabam abandonando os estudos. medida que as sries escolares avanam, aumentam os ndices de distoro idade-srie e de evaso. A baixa escolaridade uma vulnerabilidade, porque impe limites s oportunidades que tm e tero os adolescentes ao longo de toda a sua vida. Afinal a educao um direito humano fundamental e toda criana e todo adolescente tm direito a ela. Receber educao de qualidade condio sine qua non para o desenvolvimento das pessoas e das sociedades e ajuda a pavimentar o caminho para o presente e para um futuro produtivo e cidado. Quando se assegura a cada criana o direito a uma educao adequada, baseada em direitos, cria-se um efeito multiplicador de oportunidades para ela e para as geraes futuras. Se a educao transforma vidas, a baixa escolaridade restringe transformaes, pessoais e sociais. Se a educao um direito poderoso para pr fim ao ciclo de pobreza intergeracional e prover os fundamentos para um desenvolvimento sustentvel, a baixa escolaridade parte da engrenagem que gera pobreza e limita o desenvolvimento. No Brasil, em 2009, do total de meninos e meninas de 15 a 17 anos, 85,2% estavam matriculados na escola. Porm, apenas pouco mais da metade deles (50,9%) estava no nvel adequado para a sua idade: o ensino mdio8. Os demais ainda cursavam o ensino fundamental. Alm disso, 1,4 milho de meninos e meninas dessa faixa etria j haviam abandonado os estudos e estavam fora das salas de aula em 20099. O abandono est diretamente ligado trajetria de repetncias que cria a chamada distoro idade-srie, ou seja, crianas e adolescentes que cursam uma srie escolar diferente daquela prevista para sua idade. O ciclo comea, quase sempre, j nas primeiras sries do ensino fundamental e vai se tornando mais grave nas sries mais avanadas, at limitar o acesso ao nvel mdio de educao. Em 2009, 13% das crianas e adolescentes de 10 a 14 anos tinham atraso escolar superior a dois anos. No mesmo ano, do total dos 2,3 milhes de concluintes do ensino fundamental, 1,09 milho (ou mais de 47%) tinham entre 15 e 17 anos: encontravam-se atrasados em seus estudos10.31

O Direito de Ser Adolescente Oportunidade para reduzir vulnerabilidades e superar desigualdades

O acmulo de repetncias e abandono faz com que a escolaridade mdia de um adolescente brasileiro de 15 a 17 anos seja de 7,3 anos de estudo. Isso quer dizer que, em mdia, os brasileiros nessa faixa etria sequer

completaram o nvel fundamental de ensino, que implica nove anos de estudos. O quadro um pouco melhor, entretanto, que o de 2004, quando a mdia de anos de estudo era de 6,911, como podemos ver no grfico abaixo.

Baixa escolaridade Mdia de anos de estudo de adolescentes de 15 a 17 anos

7,1 6,9 7,1

7,2

7,3

7,3

2004Fonte: IBGE/Pnad, 2009

2005

2006

2007

2008

2009

explorao do trabalho na adolescncia que a explorao do trabalho incide mais gravemente. Dos 4,3 milhes de brasileiros com idades entre 5 e 17 anos que exercem algum tipo de atividade laboral, 77% ou 3,3 milhes so adolescentes de 14 a 17 anos de idade12. A legislao brasileira probe o trabalho formal at os 16 anos, exceto como aprendiz a partir dos 14 anos. A explorao do trabalho adolescente uma vulnerabilidade porque o trabalho quase sempre interfere na educao desses meninos e meninas, alm de submet-los a riscos fsicos e psicolgicos, como acidentes, exposio a substncias txicas, a movimentos repetitivos que comprometem a sade desses adolescentes, ainda em fase de desenvolvimento. Alm disso, por ser quase sempre ilegal (estima-se que 80% dos adolescentes que trabalham o fazem sem registro na carteira de trabalho), o trabalho dos adolescentes acontece de maneira desprotegida, sem a co32Situao da Adolescncia Brasileira 2011

bertura da legislao trabalhista e da vigilncia de esferas governamentais e da sociedade civil organizada, como sindicatos e ONGs. Como em outras situaes de vulnerabilidade apresentadas aqui, tem havido avanos no Pas no enfrentamento explorao da mo de obra de crianas e adolescentes, graas a um conjunto de polticas pblicas e mobilizaes em favor dos direitos de meninas e meninos. A srie histrica da Pesquisa Nacional por Amostragem de Domiclios (Pnad) mostra que, em 1999, 14,9% das crianas de 10 a 14 anos trabalhavam. Em 2009, essa taxa havia recuado para 6,9%. No mesmo perodo, o nvel de ocupao no grupo de 15 a 17 anos baixou de forma mais lenta, de 34,5% para 27,4% (no captulo 3 deste relatrio, apresentamos a anlise sobre as polticas pblicas voltadas para a adolescncia, entre elas, aquelas dirigidas erradicao do trabalho infanto-juvenil).

Foto: Rafaela Felicciano

Rafael Faria da Silva

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Rafael Faria da Silva 16 anos So Paulo - SP

Eu trabalho com bolivianos todo domingo, ajudando a desmontar barracas na feira. Ganho R$ 10 por barraca. Todo o dinheiro que eu ganho divido meio a meio em casa. E ainda ajudo a cuidar da casa.

Aline Czezackicomentou

Foto: Rafaela Felicciano

Aline Czezacki 16 anos Ponta Grossa - PR

Os jovens comeam muito cedo a trabalhar com os pais, com 15 ou 16 anos, nem que seja para fazer fotocpia, mas para trabalhar mesmo. uma cultura: a maioria dos pais no cresceu rico e foi crescendo no trabalho e eles no entendem que mudou e querem que os filhos tenham a mesma educao, nos mesmos moldes.

Entre os adolescentes que trabalham, a situao mais comum a de combinao trabalho e estudo. Dos meninos e meninas de 12 a 17 anos que trabalham, 82% deles tambm esto matriculados na escola. Entretanto, como vimos acima, a matrcula apenas um primeiro passo no processo de educao de um adolescente. Estudos e pesquisas mostram que adolescentes que trabalham e

estudam esto mais vulnerveis ao mau desempenho na escola, repetncia e evaso. Num mundo e num Pas com demandas crescentes em qualificao em todos os campos de atuao profissional, a combinao da entrada precoce e precria no mercado de trabalho com baixa escolaridade resulta, quase sempre, em restries permanentes na capacidade dos adolescentes de se aper33

O Direito de Ser Adolescente Oportunidade para reduzir vulnerabilidades e superar desigualdades

feioarem, e, portanto, na limitao de sua atuao profissional no mercado de trabalho informal e de baixa remunerao (dados da

Pnad mostram que 30% das crianas e adolescentes que exerciam alguma ocupao no recebiam contrapartida de remunerao).

Foto: Rafaela Felicciano

Carlos Eduardo da Silva

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Carlos Eduardo da Silva 15 anos Cabo de Santo Agostinho - PE

Vrios de meus colegas trocaram o turno da manh na escola pelo noturno por causa dos empregos. Trabalham de segunda a segunda pra ganhar uma merreca. Chegam acabados na escola. A querem ter um trabalho melhor, mas como vo conseguir sem estudo? Como vo conseguir passar de srie?

Ainda mais grave a situao dos adolescentes trabalhadores que j abandonaram a escola 3,4% do total de meninos e meninas entre 12 e 17 anos13. So adolescentes com situaes ainda mais frgeis em termos de proteo e oportunidades: trabalham no comrcio de rua, como ambulantes ou prestadores de servios como engraxates, so meninas empregadas domsticas, ou coletam frutos em atividades extrativistas de baixo valor agregado, como em culturas de aa, babau, moluscos e mariscos, entre outras. Esses ga-

rotos e garotas tambm tm mais chances de se envolver com o trabalho ilcito no trfico de drogas e outras atividades criminosas, e na explorao sexual. Eles so em sua maioria meninos, embora as meninas sejam as principais vtimas da explorao em atividades como o trabalho domstico e relacionadas explorao sexual, como veremos ainda neste captulo. Esto em sua maioria em zonas urbanas, embora em algumas regies do Pas, a mo de obra de adolescente seja importante na agricultura.

Meninos urbanos Pessoas de 10 a 14 anos e de 15 a 17 anos ocupadas na semana de referncia por sexo e situao de domiclio (por 1.000) 10-14 anos 15-17 anos Total 1.258 2.870 Masculino 856 1.861 Feminino 403 1.009 Urbano 659 2.056 Rural 599 814

Fonte: IBGE/Pnad, 2009 (Adaptao) 34Situao da Adolescncia Brasileira 2011

Palavra de especialistaEles abandonam a escola precocemente e no concluem o ensino fundamental. Quando tentam se inserir no mercado de trabalho, no conseguem: eles no tm experincia, no tm escolarizao e nenhuma qualificao profissional. Ento, ficam excludos, numa situao que favorece que sejam aliciados pelas redes de crime organizado, tanto trfico de drogas quanto explorao sexual. um quadro muito perverso. Numa idade em que a pessoa est cheia de expectativas, lhe negada qualquer oportunidade de uma vida digna . Isa Maria de Oliveira, coordenadora do Frum Nacional de Preveno e Erradicao do Trabalho Infantil. A precariedade do trabalho do adolescente uma realidade, mesmo quando a atividade supostamente desempenhada em conformidade com a legislao. A lei estabelece trs modalidades de trabalho regular para o adolescente brasileiro, a partir de 14 anos: a aprendizagem, o estgio e o trabalho educativo. Ainda assim, relatrios do Ministrio do Trabalho e Emprego apontam o quanto comum o descumprimento das disposies legais: a falta de registro em carteira de trabalho, a realizao de tarefas penosas, degradantes e perigosas fazem parte do cotidiano do adolescente que trabalha. A baixa adeso Lei do Aprendiz seja por falta de experincia das empresas ou pouco investimento na qualificao dos aprendizes outra evidncia da dificuldade para difundir o trabalho decente para adolescentes no Brasil. Dados da Relao Anual de Informaes Sociais (Rais)14 mostram que, em 2009, havia 155,1 mil aprendizes contratados um aumento significativo se comparado situao em 2005, quando havia 59,3 mil adolescentes nessa situao. Mesmo assim, esses nmeros ainda esto distantes do potencial, calculado em 1,2 milho de adolescentes pelo Ministrio do Trabalho e Emprego, em 2010. Perigoso, insalubre, pouco ou nada remunerado, frgil em suas relaes, o trabalho do adolescente no Pas representa uma vulnerabilidade que vem cedendo apenas aos poucos, ao longo dos anos, e parece sempre se alimentar de uma cultura da precariedade, gerando mais um ciclo de excluso e violao de direitos, de desproteo e insegurana.

Privao da convivncia familiar e comunitriaSentir-se seguro. Eis uma experincia fundamental para os adolescentes. Ela comea na convivncia familiar e comunitria, que, se vivida de forma saudvel, crucial para oferecer as bases necessrias ao amadurecimento e constituio de uma vida adulta tambm saudvel, para a garantia do direito de ser adolescente. Por isso, a privao do direito convivncia familiar e comunitria, assim como a pobreza, a excluso da escola e a explorao do trabalho, deixa os adolescentes desprotegidos e representa enormes riscos para meninos e meninas.35

O Direito de Ser Adolescente Oportunidade para reduzir vulnerabilidades e superar desigualdades

Nos abrigosEm seu artigo 19, o Estatuto da Criana e do Adolescente garante o direito de todo adolescente a ser criado e educado num ambiente familiar e comunitrio de proteo. Mas milhares de adolescentes brasileiros passam boa parte de sua infncia e adolescncia em abrigos. Dados do Levantamento Nacional de Crianas e Adolescentes em Servios de Acolhimento, do Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate Fome, estimam que, em 2009, 54 mil crianas e adolescentes viviam nessas instituies no Brasil15. Ali, veem-se privados da convivncia com os pais, irmos, avs e outras pessoas que com eles troquem afeto, que os protejam e os apoiem em seu processo de construo de suas identidades. No caso especfico dos adolescentes em abrigo, a situao especialmente complexa. Afinal, medida que aumenta a idade, diminuem as possibilidades de retorno convivncia familiar (pesquisas sobre o tema indicam que a reintegrao na famlia, a adoo, a colocao em famlia substituta ou outras formas de acolhimento so mais comuns para as crianas mais novas). E ainda no existem experincias sustentveis de abrigos que consigam desenvolver estratgias eficientes para a garantia do direito a uma famlia ou mesmo para buscar alternativas que apoiem os adolescentes que crescem nessas instituies a fim de que desenvolvam um projeto de vida, estabeleam autonomia e construam redes afetivas. O resultado que, ao alcanar os 18 anos, os adolescentes tm que deixar os abrigos e, muitas vezes, no esto preparados para morar sozinhos ou no construram relaes com seus pares que constituam alternativas como repblicas ou36Situao da Adolescncia Brasileira 2011

outras formas de convivncia. Assim, sentem-se obrigados a permanecer em torno da instituio que os acolheu.

Nas ruasAlm dos meninos e meninas internados em abrigos, entre os adolescentes privados do direito convivncia familiar e comunitria, esto os 24 mil meninos e meninas em situao de rua no Brasil, segundo dados de um estudo do Conselho Nacional dos Direitos da Criana e do Adolescente (Conanda), em parceria com a Secretaria de Direitos Humanos, divulgado em 201116.Foto: UNICEF/Joo Ripper

Entre eles, 70% so meninos. Vendem balas e frutas, engraxam sapatos, lavam carros, separam material reciclvel no lixo, pedem dinheiro ou simplesmente perambulam pelos centros das mdias e grandes cidades do Pas. Esto expostos a todo tipo de violao de seus direitos. Segundo a pesquisa do Conanda, quase metade deles (45,1%) tem entre 12 e 15 anos, 49,2% se declararam de cor parda e 23,6%, negros. O levantamento do Conanda mostrou ainda que, do total de meninos e meninas vivendo nessas condies, 59,1% dormem na

Sentir-se seguro na famlia e na comunidade fundamental para os adolescentes

casa de seus familiares e trabalham nas ruas; 23,2% dormem nas ruas; 2,9% dormem temporariamente em instituies de acolhimento e 14,8% circulam entre esses espaos. Segundo os prprios meninos e meninas, a principal razo para estar nas ruas a violncia domstica, responsvel por 70% das citaes sobre os motivos que os levaram a sair de casa. A pesquisa mostrou tambm que 13,8% desses meninos sequer se alimentam todos os dias e que, embora a maioria dessas crianas e adolescentes esteja em idade escolar,

59,4% no estudam. Mais do que excludos, esses meninos e meninas so banidos, por preconceito e discriminao, mesmo por instituies que deveriam acolh-los. De acordo com o levantamento do Conanda, 12,9% dos entrevistados j haviam sido impedidos de receber atendimento na rede de sade e 6,5% de emitir documentos; 36,8% deles tinham sido impedidos de entrar em algum estabelecimento comercial; 31,3%, de usar transporte coletivo; 27,4%, de entrar em bancos; e 20,1%, de entrar em algum rgo pblico.

Palavra de especialistaOs meninos e meninas em situao de rua esto no auge, na ltima etapa do processo de excluso social, pois tm acesso a nenhum ou a poucos direitos das crianas e adolescentes e so pouqussimas as polticas pblicas direcionadas para esse estrato da populao brasileira . JooBatista do Esprito Santo Jnior, coordenador adjunto do Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua de Pernambuco (MNMMR-PE). O problema dos meninos e meninas de rua no nenhuma novidade para o Brasil. Desde a dcada de 1970, quando comeou a ganhar visibilidade, com o crescimento das cidades e ondas de migrao, o Pas no consegue dar prioridade ao fenmeno e desenvolver polticas pblicas eficientes para proteger esses adolescentes, garantindo-lhes o direito convivncia familiar e comunitria. Nos anos 1980, com a redemocratizao do Pas, vrias organizaes dedicadas luta pelos direitos de crianas e adolescentes voltaram seu foco de trabalho para esses meninos e meninas em situao de rua. Entre eles, o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, criado em 1985. Porm, apesar da mobilizao social em torno dessa causa e das conquistas obtidas com a aprovao do Estatuto da Criana e do Adolescente, nas reas de sade, educao e proteo, os meninos e meninas em situao de rua, esto entre aqueles deixados para trs, argumenta o estudo do Conanda. Os municpios, principais responsveis pelas polticas de atendimento a crianas e adolescentes, tambm no esto preparados. Em 2009, apontam os dados do suplemento de Assistncia Social da Pesquisa de Informaes Bsicas Municipais (Munic 2009), realizada pelo IBGE em parceria com o Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate Fome e o Conanda, dos 5.565 municpios brasileiros, apenas 5,2% tinham servios de acolhimento para essas crianas e adolescentes; 22,3% contavam com iniciativas de abordagem social nas ruas; e 13% disseram ofertar outros servios para atendimento desse segmento17.37

O Direito de Ser Adolescente Oportunidade para reduzir vulnerabilidades e superar desigualdades

Adolescentes chefes de famlia18Como viver a adolescncia, usufruir dos processos de desenvolvimento que ocorrem nessa fase da vida, conviver com adultos que lhe d apoio e construir sua rede de relaes com seus pares se preciso assumir responsabilidades de adulto aos 12, 14, 16 anos? Essa uma realidade em 132 mil domiclios onde meninos e meninas de 10 a 14 anos so os principais responsveis pela casa, mostram os dados do Censo 2010, do IBGE, que revelam ainda que outros 661 mil lares so chefiados por adolescentes com idades entre 15 e 19 anos. Se o nmero em si alarmante, sua srie histrica ainda mais assustadora. Na comparao do ltimo Censo de 2010 com o anterior, realizado em 2000, observa-se que o nmero de lares chefiados por crianas e adolescentes de 10 a 19 anos mais que dobrou na dcada, apesar do grande crescimento econmico do Brasil e da importante reduo na desigualdade de renda no Pas, conquistados nos ltimos anos. Quando se tornam chefes de famlia, adolescentes veem ser trocados os papis dentro de casa: assumem responsabilidades incompatveis com sua idade e sua condio especial de sujeitos em desenvolvimento. Trabalham, lidam com situaes complexas demais para seu grau de maturidade, colocam em risco a sade fsica e psquica, a educao, as oportunidades de praticar esporte, de brincar, de usufruir de momentos de lazer a que tm direito simplesmente por ser detentores do direito de ser adolescentes.

Milhares de meninos e meninas brasileiros assumem responsabilidades incompatveis com sua idade e sua condio de desenvolvimentoFalta de capacidade de inovao e articulao nas respostas para os adolescentes em abrigos ou nas ruas e crescimento do nmero de adolescentes chefes de famlia so tendncias que violam o direito de ser adolescente e, assim, ampliam a vulnerabilidade de milhares de adolescentes brasileiros.

Foto: Rafaela Felicciano

Renata Fernandes Caldas

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Renata Fernandes Caldas 17 anos Fortaleza - CE

Vou comear a trabalhar agora para ajudar em casa. Acabei de terminar o ensino mdio, mas acho que terei de adiar o sonho de estudar Psicologia numa universidade pblica. S a galera que estudou em escola particular, que no teve greve, nem material faltando, consegue uma vaga na universidade pblica.

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Situao da Adolescncia Brasileira 2011

assassinato de adolescentesPelo simples fato de ser adolescentes, meninos e meninas brasileiros tambm esto especialmente vulnerveis violncia em sua forma mais aguda, a violncia que tira vidas, o homicdio. No Brasil, ao contrrio de na maioria dos outros pases, os homicdios superam os acidentes de trnsito como primeira causa de mortalidade na adolescncia. Segundo dados do Sistema de Informao sobre Mortalidade (SIM), do Ministrio da Sade, 19,1 meninos e meninas de 12 a 17 anos em cada grupo de 100 mil pessoas da mesma faixa etria morreram vtimas de homicdio em 2009. Isso significa dizer que, em mdia, a cada dia, so assassinados 11 adolescentes no Brasil.

Assassinados Comparativo das principais causas de morte na populao total e dos adolescentes entre 12 e 17 anos de idade. Percentual por tipo de morte

Fonte: Ministrio da Sade/SIM, 2009

No Brasil, homicdios superam acidentes de trnsito como primeira causa de mortalidade na adolescnciaSe os nmeros correspondentes adolescncia j representam em si uma tragdia, quando se avana para analisar a faixa de idade de 15 a 19 anos, percebe-se a gravidade da situao. Segundo dados do Sistema de Informaes sobre Mortalidade (SIM) do Ministrio da Sade, em 2009, a taxa de mortalidade por homicdios entre adolescentes de 15 a 19 anos era de 43,2 em cada grupo de 100 mil adolescentes da mesma faixa etria. Isso representa dizer que a morte por homicdio provoca, em mdia, a

perda de 19 vidas por dia. No Pas, a mdia para a populao como um todo de 20 homicdios por 100 mil. Ou seja, o ndice para os meninos e meninas nos anos finais da adolescncia maior do que o dobro da mdia para a populao brasileira. Dados e estudos demonstram ainda que o risco de homicdio aumenta progressivamente at a faixa de 20-24 anos, quando atinge o pico para depois declinar. Nos ltimos anos, houve alguns importantes avanos no enfrentamento dos homicdios em vrias Unidades da Federao brasileira. Porm, o indicador nacional para os assassinatos de adolescentes tem se mantido estvel no mesmo perodo, como vemos no grfico a seguir.39

O Direito de Ser Adolescente Oportunidade para reduzir vulnerabilidades e superar desigualdades

Violncia estvel Taxa de homicdios entre adolescentes de 12 a 17 anos (por 100 mil adolescentes)

Fonte: Ministrio da Sade/SIM, 2009

Foto: Rafaela Felicciano

Landerson Siqueira Soares

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Landerson Siqueira 18 anos Rio de Janeiro - RJ

Quando h um conflito no nosso bairro, a gente fica sem acesso informao, educao, sade, ao lazer e prpria circulao dentro da comunidade. Ficamos sem acesso aos servios pblicos.

O Estatuto da Criana e do Adolescente assegura que nenhuma criana ou adolescente deve ser objeto de discriminao, negligncia, explorao, violncia, crueldade ou agresso dentro ou fora da famlia. No entanto, essa no a realidade vivenciada por parcelas40Situao da Adolescncia Brasileira 2011

significativas da adolescncia brasileira que se veem frente a frente com violaes de direitos, violncia domstica, violncia de gnero, acidentes de trnsito, violncia sexual e, sobretudo, a violncia letal que atinge os adolescentes na forma de homicdio.

Foto: UNICEF/NYHQ2010-0697/Markisz

Palavra de especialistaNo Brasil, as redues na taxa de mortalidade infantil entre 1998 e 2008 mostram que foi possvel preservar a vida de mais de 26 mil crianas. No entanto, no mesmo perodo, 81 mil adolescentes brasileiros, entre 15 e 19 anos de idade, foram assassinados. Com certeza, no queremos salvar crianas em sua primeira dcada de vida para perd-las na dcada seguinte .Anthony Lake, Diretor Executivo do UNICEF.

Gravidez na adolescnciaA gravidez outra situao de vulnerabilidade com impactos profundos na vida dos adolescentes: em sua sade, no seu desempenho escolar, nas suas oportunidades de formao para o trabalho. Como a pobreza, a baixa escolaridade e a entrada precoce e precria no mercado de trabalho, a gravidez na adolescncia um dos mais importantes fatores para a perpetuao de ciclos intergeracionais de pobreza e excluso. E essas vulnerabilidades se sobrepem. Vejamos, por exemplo, o impacto da gravidez na adolescncia no direito educao das meninas. Estudos do Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada (Ipea)19

mostram que, no Brasil, entre as meninas com idade entre 10 e 17 anos sem filhos, 6,1% no estudavam, no ano de 2008. Na mesma faixa etria, entre as adolescentes que tinham filhos, essa proporo chegava a impressionantes 75,7%. Entre essas mesmas meninas que j eram mes, 57,8% delas no estudavam nem trabalhavam. No Brasil, 2,8% das meninas entre 12 e 17 anos j tiveram filhos, segundo dados do Sistema Nacional de Nascidos Vivos (Sinasc), do Ministrio da Sade20. Isso significa um contingente de nada menos do que 290 mil adolescentes. A taxa vem apresentando queda nos ltimos anos. Em 2004, esse ndice estava em 3,1%.

Meninas mes Percentual de adolescentes de 12 a 17 anos que j tiveram filhos

2004

2005

2006

2007

2008

2009

Fonte: Ministrio da Sade/Sinasc, 2009O Direito de Ser Adolescente Oportunidade para reduzir vulnerabilidades e superar desigualdades

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A queda se d porque o nmero de nascidos vivos de mes de 15 a 17 anos vem caindo, ano a ano (de 2000 a 2009, o nmero de partos de adolescentes diminuiu 34,6%, segundo dados do Ministrio da Sade). Porm, entre as meninas de at 15 anos, conforme demonstram os dados do Sinasc, a tendncia oposta: a taxa de

fecundidade vem crescendo nos ltimos anos. Em 2004, eram 8,6 nascidos vivos por grupo de mil. Cinco anos mais tarde, a taxa verificada foi de 9,6 por mil vale lembrar aqui que, pela legislao brasileira em vigncia, as relaes sexuais antes dos 14 anos so classificadas como estupro de vulnervel21.

Mes de at 15 Nascidos vivos de crianas e adolescentes menores de 15 anos (por mil nascidos vivos)

Fonte: Ministrio da Sade/Sinasc, 2009

Vulnerveis entre as vulnerveis, nesse grupo de meninas com idade at 15 anos, apenas 38% delas tiveram pelo menos sete consultas pr-natais. Quando se analisa o grupo etrio completo das adolescentes de 12 a 17 anos , esse ndice sobe para 43,5%22. Como em outros fatores de vulnerabilidade que afetam os adolescentes brasileiros, a gravidez na adolescncia um fenmeno complexo, com mltiplas causas e consequncias. Muitas vezes resultado de uma trajetria de excluso e de imputao de responsabilidades sobre as meninas desde muito cedo, quando comeam a cuidar da casa e de seus irmos mais novos. Pesquisas recentes, feitas principalmente por especialistas em psicologia e antropologia, apontam que a gravidez pode ser uma42Situao da Adolescncia Brasileira 2011

opo das prprias meninas, numa busca distorcida por autonomia, autoridade, reconhecimento social por parte das prprias famlias e de seus amigos e colegas. Alm disso, apesar de afetar principalmente as adolescentes mais pobres, um fenmeno tambm presente entre as meninas de classe mdia e classe mdia alta. Por tudo isso, essa vulnerabilidade que impacta de forma to contundente a vida das adolescentes demanda respostas multissetoriais, capazes de olhar para alm dos preconceitos. Respostas que permitam proteo s meninas mais novas, apoio a essas meninas-mes, estmulos para que continuem estudando e sejam capazes de garantir uma vida melhor para si e para seus filhos.

Foto: Rafaela Felicciano

Denise Fernandes comentou

Denise Fernandes 14 anos Palmas - TO

Eu vejo de perto o problema da gravidez na adolescncia. Na faixa etria de 12 a 15 anos, muitas meninas j esto grvidas, principalmente no meu bairro. L, elas engravidam bem cedo. Na maioria das vezes, acho que por falta de orientao dos pais, falta de ateno da famlia. Os filhos, muitas vezes, sentem falta de aconchego.

A invisibilidade dos meninosUma dimenso que costuma ser relegada a um plano secundrio quando a questo a gravidez na adolescncia a participao do pai. O psiclogo Jorge Lyra, um dos fundadores do Instituto Papai, em Recife, chama a ateno para o fato de que fala-se muito sobre a menina, mas no sobre o pai . O pai, diz ele, um ator que costuma ser deixado fora da cena da gravidez; quando trazido, entra com a pecha de ser uma figura ausente, que no assume a situao. No entanto, em sua experincia no tema desde meados da dcada de 1990, Lyra constatou que, quando os pais so ouvidos, percebe-se que eles esto presentes, ainda que na sala de espera . E isso vai construindo situaes que se tornam realidade, ausentando esse menino do campo dos direitos e da sua responsabilidade. Ou seja, nem todo adolescente nega a paternidade quando ela ocorre. A experincia do Instituto Papai indica que h um universo que deseja, sim, participar, que quer fazer valer seus direitos e busca meios para viabilizar sua vida dentro das novas condies. Quando o casal vem at o Papai, menino e menina chegam juntos, minimamente esto tentando ser pais. O jovem pai vem aqui saber que direitos tem, como pode participar e fala tambm dos problemas, da falta de dinheiro, de trabalho . No h dvidas de que existe uma invisibilidade dos pais no s dos adolescentes, mas tambm dos adultos. Isso no prerrogativa do adolescente. Mas, ao adolescente, se atribui a ideia de que ele incompetente, irresponsvel, agregando mais uma caracterstica negativa atribuda adolescncia, em outras palavras ocorre uma discriminao de gnero e de geraO Direito de Ser Adolescente Oportunidade para reduzir vulnerabilidades e superar desigualdades

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o. No servio de sade, incomum haver uma postura de acolhimento , afirma o cofundador do Instituto Papai. Na histria da Estratgia Sade da Famlia (ESF), por exemplo, a gente foi tentando buscar esses pais. E j vimos situaes em que as agentes comunitrias de sade conheciam os meninos do seu bairro, mas no sabiam que eles eram os pais daqueles

bebs acompanhados. Ao ir s casas, elas sempre perguntam pelas mes. Assim, o adolescente j desqualificado a priori , destaca. Ultrapassar a barreira da invisibilidade dos pais de fundamental importncia para garantir que meninos e meninas vivenciem esse processo de uma forma tranquila e saudvel, garantindo dessa maneira, seus direitos sexuais e reprodutivos.

Explorao e abuso sexualOutra situao de vulnerabilidade a que adolescentes brasileiros esto submetidos em seu cotidiano a explorao e o abuso sexual, que deixam marcas profundas em meninas e meninos, comprometendo sua integridade, sua autoestima, sua capacidade de confiana. Os crimes sexuais cometidos contra crianas e adolescentes geralmente esto cercados por preconceitos, tabus e pelo silncio e, portanto, muitas vezes sequer so denunciados. Da, a dificuldade de se conhecer e dimensionar o problema, principalmente os casos de abuso sexual. Como outras vulnerabilidades que vemos aqui, a explorao e o abuso sexual so fenmenos multifacetados. No esto ligados somente a situaes de pobreza, pobreza extrema e excluso social, mas tambm a fatores como as relaes de poder exercidas pelos adultos sobre os adolescentes e por homens sobre mulheres, o uso da violncia como forma de disciplina, a submisso de crianas e adolescentes como objetos da manipulao dos mais velhos. Embora escassos e, em sua maioria, localizados, estudos apontam algumas caractersticas em comum nos casos de abuso e explorao sexual. A primeira delas que, na maior parte das vezes, o sujeito da explorao conhecido do/da adolescente: pais, padrastos, tios, vizinhos esto envolvidos em boa parte dos casos. A segunda que as meninas correm mais riscos de ser vtimas da violncia sexual, embora seja importante ressaltar que esse tipo de violao tambm atinge os meninos.

Meninas em risco Sexo das vtimas, em percentual, por tipo de violncia sexual20 26 21 27

80

74

79

73

Fonte: Secretaria de Direitos Humanos/Disque Denncia Nacional, 2010 44Situao da Adolescncia Brasileira 2011

Dados sobre casos relatados ao Disque Denncia Nacional mostram que 80% das denncias de explorao sexual, feitas no primeiro semestre de 2010, referiam-se a crianas e adolescentes do sexo feminino. O Disque Denncia um servio de chamadas gratuitas e annimas, onde possvel denunciar casos de violncia contra crianas e adolescentes, mantido pela Secretaria de Direitos Humanos, do governo federal. No servio de denncias, o maior nmero de relatos diz respeito violncia sexual e psicolgica. Entre janeiro e julho de 2010, por exemplo, foram 7,2 mil denncias reportadas. No mesmo perodo, a negligncia representava o segundo tipo de violncia mais comum, com quase 5,8 mil casos. O abuso sexual era o terceiro tipo de denncia mais comum, totalizando 4,7 mil casos relatados, no mesmo perodo. Entre os tipos de violncia sexual, a mais frequente no conjunto de denncias o abuso sexual (que representava 65% do

total de casos), seguida da explorao sexual (34% do total). A anlise por tipo de violncia refora a tendncia de vitimizao das meninas: elas respondem por 59% dos casos de violncia sexual, 50% dos de negligncia e 51% das ocorrncias de violncia fsica e psicolgica. As meninas tambm so maioria entre as vtimas de trfico para fins sexuais (74% dos casos tm as meninas como vtimas), abuso sexual (em 79% dos casos, so as meninas as vtimas) e pornografia (73% dos casos envolvem meninas) com crianas e adolescentes. H avanos no Pas no enfrentamento mais estruturado desse fenmeno cruel: alteraes na legislao para torn-la mais dura com os abusadores e exploradores; pesquisas para o mapeamento de reas e locais de risco especial; redes de apoio, mas quebrar o silncio ainda o maior desafio no enfrentamento do abuso e da explorao sexual de meninas e meninos.

Foto: Rafaela Felicciano

Marcos Vincius Cumacurracomentou

Marcos Vincius Cumacurra 18 anos Carap - MS

Na minha cidade, aumentou a taxa de abuso e explorao sexual. Com a vinda de uma empresa sucroalcooleira, cresceu o nmero de trabalhadores de fora. Eles vm sem famlia e se instalam na cidade, trabalham um determinado tempo e depois vo embora. Eles vm para c e se aproveitam das meninas da cidade. Cresceram, ento, as taxas de gravidez na adolescncia e de violncia sexual. Isso muito ruim, mas a realidade.

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O Direito de Ser Adolescente Oportunidade para reduzir vulnerabilidades e superar desigualdades

Doenas sexualmente transmissveis e aidsOs efeitos da epidemia do hiv/aids perpassam todos os aspectos da vida dos adolescentes que com ela convivem: seu bem-estar emocional, sua segurana fsica, seu desenvolvimento e sua sade, em geral. Em muitos casos, meninos e meninas precisam deixar a escola ou at mesmo suas famlias, tornam-se mais expostos a violaes de seus direitos, como a explorao, o abuso, o abandono. Esto vulnerveis. Segundo dados do Programa Conjunto das Naes Unidas sobre HIV/aids (Unaids), 1/3 dos 40 milhes de pessoas infectadas pelo HIV no mundo tem menos de 24 anos. Metade das novas infeces registradas todos os anos acontece entre os jovens uma a cada 15 segundos; sendo que 2/3 desse total esto concentrados entre meninas de 15 a 24 anos. A maioria dos jovens infectados pelo hiv no sabe que tem a doena23. No Brasil, os nmeros mais recentes da epidemia mostram que o hiv/aids tem uma dinmica diferente quando se trata dos adolescentes e jovens. Na populao geral, a maior parte dos casos de hiv/aids ocorre entre homens e, entre eles, a principal forma de transmisso a heterossexual. Considerando somente a faixa etria dos 13 aos 24 anos, a realidade outra. Na faixa etria de 13 a 19 anos, a maior parte dos registros da doena est entre as adolescentes mulheres. Segundo dados do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do Ministrio da Sade24, na faixa etria entre 13 e 19 anos, para cada oito casos em meninos, existem 10 em meninas uma inverso que ocorreu em 1998 e se mantem at hoje. A Pesquisa de Conhecimentos, Atitudes e Prticas da Populao Brasileira25, lanada pelo Ministrio da Sade em 2009, ajuda a explicar a vulnerabilidade das garotas infeco pelo HIV. De acordo com o estudo,46Situao da Adolescncia Brasileira 2011

64,8% das entrevistadas entre 15 e 24 anos eram sexualmente ativas (haviam tido relaes sexuais nos 12 meses anteriores pesquisa). Dessas, apenas 33,6% usaram preservativos em todas as relaes casuais, as que apresentam maior risco de infeco. Tambm diferente da epidemia entre os adultos, para os garotos dos 13 aos 24 anos, a principal forma de transmisso do hiv a homossexual (responsvel por 39,2% dos casos quando na populao adulta, esse ndice de 27,4%). E a, novamente, diversos fatores explicam a maior vulnerabilidade dos jovens para a infeco pelo HIV. Entre as meninas, as relaes desiguais de gnero e o no reconhecimento de seus direitos, incluindo a legitimidade do exerccio da sexualidade, so algumas dessas razes. No caso dos jovens homossexuais, falar sobre a discriminao e o preconceito criam barreiras importantes para a autoproteo. Entre os adolescentes e jovens homens, 69,7% dos entrevistados eram sexualmente ativos. Entre eles, porm, o uso da camisinha maior: 57,4% afirmaram ter usado em todas as relaes com parceiros ou parceiras casuais.

A boa notcia que os adolescentes esto tendo mais acesso informao sobre o hiv/aidsA boa notcia nesse caso que os adolescentes esto tendo mais acesso informao sobre o hiv/aids e outras doenas sexualmente transmissveis. Dados da Pesquisa Nacional de Sade do Escolar26 (PeNSE), uma parceria do IBGE, Ministrio da Educao e Ministrio da Sade, em 2009, mostram que 87,5% dos alunos da rede pblica e 89,4% dos estudantes da rede privada haviam recebido informaes sobre aids ou outras doenas sexualmente transmissveis em atividades na escola

ou em suas comunidades. A grande maioria tambm recebeu informaes sobre preveno de gravidez (82,1% nas escolas privadas e 81