O DIREITO PENAL DA IGREJA - REFLEXÕES E PROPOSTAS

download O DIREITO PENAL DA IGREJA - REFLEXÕES E PROPOSTAS

of 18

Transcript of O DIREITO PENAL DA IGREJA - REFLEXÕES E PROPOSTAS

  • 8/14/2019 O DIREITO PENAL DA IGREJA - REFLEXES E PROPOSTAS

    1/18

    O DIREITO PENAL DA IGREJA: REFLEXES E PROPOSTAS 1

    Paula Fracinetti Souto Maior2

    SUMRIO: 1 O PROBLEMA DA EFETIVAVALIDADE DO DIREITO PENAL ECLESIAL; 2QUESTES DE ESTRUTURA DE ORDEM

    DOGMTICO-JURDICA RELATIVAS RELAO DELICTUM PECADO GRAVE; 3ESTRUTURA DA IGREJA E REMISSO DAPENA.

    Parece notria a estranheza com que a opinio pblica vislumbra a relao entre

    direito penal e as normas cannicas, e, partindo desta premissa, Francesco Coccopalmerio

    aborda o quanto, mesmo contrariamente a esta primeira concepo, as duas espcies de

    normatividade esto arraigadas, explicitando, principalmente, as bases funcionais que

    sustentam a existncia do direito penal cannico, propondo uma viso crtica a respeito das

    seguintes problemticas: sua efetiva validade, questes de estrutura dogmtico-jurdica e de

    remisso de pena (COCCOPALMERIO, [s.d.], p. 229 e 230).

    De acordo com o referido autor, a inteno suscitar uma reflexo e uma

    discusso a cerca de problemas que se apresentam mais controversos, tanto no plano

    normativo como no plano doutrinal, no se tentando esgotar a temtica em solues pontuais

    (ibid., p. 230).

    1 Resenha do texto O Direito Penal da Igreja: reflexes e propostas, de Francesco Cocoopalmerio(resenha apresentada como requisito parcial para aprovao da disciplina Tpicos de Direito eProcesso Penal Cannico, ministrada pelo Dr. Francisco Caetano Pereira, no Curso de Especializao

    Lato Sensu em Cincias Criminais, da Universidade Catlica de Pernambuco trabalho avaliado comnota mxima).2 Advogada, ps-graduanda do Curso de Especializao Lato Sensu em Cincias Criminais, daUniversidade Catlica de Pernambuco.

    1

  • 8/14/2019 O DIREITO PENAL DA IGREJA - REFLEXES E PROPOSTAS

    2/18

    A Igreja apresenta uma dupla face, uma visvel, como ente histrico que ostenta

    uma estrutura palpvel, uma instituio dotada de rgos hierrquicos, que tem no direito

    cannico a fonte de controle necessrio, e, outra transcendental, impregnada de dons

    espirituais, centrada na salvao das almas, representando o prprio Deus na terra (PEREIRA,

    2004). importante salientar que, em uma explanao rpida e geral, as funes penais so

    importantes para a Igreja como instituio que , no sentido de que consubstanciam sua

    estrutura, portanto, uma vez presentes, ganham, logicamente, contornos prprios realidade

    ideolgica da Igreja, que como ente histrico emite influncias ao direito laico. Neste sentido,

    sabido o legado da Igreja Catlica no processo de humanizao e dulcificao do direito,

    bem como, mais especificamente, sua influncia no direito processual hodierno (PEREIRA,

    2004). No obstante, esta relevncia da normatizao penal no mbito das regras cannicas,

    no exclui o estranhamento da opinio pblica sobre esta interligao, at porque, admitir a

    necessidade do direito penal assumir a existncia de infraes e infratores penais no bojo do

    mundo da Igreja (SAMPEL, [s.d.]). Tal observao amenizada quando a Igreja

    simplesmente focada em sua face institucional, como ente histrico, considerando-se que a

    ausncia de normatividade ensejaria a desorganizao estrutural, e da a necessidade do

    controle proveniente do poderio normativo, mas, por outro lado, quando a Igreja

    compreendida em sua face transcendental, ornada com dons espirituais, a imperatividade da

    normatividade condiciona inquietaes, principalmente no que concerne s regras de naturezapenal, pois, aparentemente no soa to bem a idia de que a Igreja, como meio para salvao

    das almas, refgio mesmo da humanidade, venha a impor penalidades, e ainda, venha a impor

    penalidades aos que a formam, admitindo a existncia de infraes e infratores penais no seu

    conjunto, que representa a perfeio divina na terra.

    Diante deste quadro, h o que se problematizar, discutir e refletir, para se entender

    o mecanismo engenhoso que envolve o direito penal cannico.

    2

  • 8/14/2019 O DIREITO PENAL DA IGREJA - REFLEXES E PROPOSTAS

    3/18

    1 O PROBLEMA DA EFETIVA VALIDADE DO DIREITO PENAL ECLESIAL

    Tratando do problema da efetiva validade do direito penal cannico, procura

    Francesco Coccopalmerio, analis-lo, primeiramente, abordando algumas linhas conceituais

    da interveno penal tpica da Igreja, e, posteriormente, fazer algumas reflexes em nvel de

    norma positiva e de estrutura dogmtica (COCCOPALMERIO, [s.d.], p. 230).

    1.1 Lineamentos do conceito de interveno penal prprio da Igreja

    O direito penal cannico revela-se com uma srie de fundamentos prprios, mas

    que, a seu modo, denotam semelhanas com os elementos do direito penal estatal.

    O direito penal estatal impe uma penalidade prtica de atos que determinou

    ilcitos, alcanando com isto os fins colimados imposio da pena. J a interveno penal

    tpica da Igreja, inflige uma privao de um bem eclesial, diante da verificao de uma aoque considerou antieclesial, objetivando com esta interveno a concretizao dos pretensos

    fins atribudos aplicao da pena (ibid., p. 230).

    Neste sentido, a privao entendida como a objeo fruio de um bem

    eclesial, sendo bem eclesial uma realidade caracterstica da Igreja (ibid., p. 230), ou seja, a

    privao mesmo como que uma penalidade.

    3

  • 8/14/2019 O DIREITO PENAL DA IGREJA - REFLEXES E PROPOSTAS

    4/18

    Ao antieclesial o agir contrrio ao modo comportamental que a Igreja indica e

    obriga a seus fiis (ibid., p. 230). Da mesma forma que o direito penal estatal escolhe

    condutas e as tipifica como crimes, atribuindo uma punio para quem as infringe, o direito

    penal cannico seleciona certos comportamentos como pecados graves, denominando-os

    tecnicamente de delicta, e tambm especifica uma pena para quem os transgride (ibid., p.

    230). A ao antieclesial pressupe algumas caractersticas, como por exemplo: ela deve ser

    externa, no necessariamente pblica, mas externa na concepo de perceptvel aos sentidos,

    os comportamentos interiores no constituem delicta; e, ela deve ser gravemente culpvel, ou

    seja, deve constituir um pecado grave, os comportamentos subjetivamente no culpveis no

    constituem delicta (ibid., p. 231).

    A pena tem um triplo fim, visando corrigir o autor da ao antieclesial,

    restabelecer a ordem burlada com a infrao, e prevenir futuras infraes ( ibid., p. 231).

    Apesar de Francesco Cccopalmerio distinguir um fim trplice imposio da pena, sua

    finalidade de preveno parece abraar e englobar a idia de correo do autor da infrao,

    que seria uma preveno especial, individualizada, e a idia de restabelecimento da ordem

    infringida, que seria uma preveno geral. Pois, como preconiza o prprio autor, o fim

    corretivo, ou a idia de correo do autor da infrao, funciona como mecanismo psicolgico

    onde ao infrator imposta uma privao de um direito, de um bem eclesial, e, em uma

    situao subjetivamente dolorosa, impelido, de maneira coativa, a efetuar uma escolha entrecontinuar suportando a pena ou abandonar a ao antieclesial, o que induziria a converso do

    infrator mesmo que forosamente, uma vez que, tendo em vista a possibilidade de aplicao

    da pena, evitar-se-ia o cometimento de infrao (ibid., p. 231). Assim, o fim corretivo seria

    mesmo que uma espcie de preveno especial, objetivando que aquele infrator especfico,

    que recebeu a punio, no venha a incorrer em novo deslize. J o fim de restabelecimento da

    ordem perturbada, ou a idia de restabelecimento da ordem infringida, entendido como a

    4

  • 8/14/2019 O DIREITO PENAL DA IGREJA - REFLEXES E PROPOSTAS

    5/18

    forma com que a Igreja atua no sentido de demonstrar sua insatisfao com a ao

    antieclesial, notadamente contrria a seus preceitos e de proibida realizao, seja porque

    danosa ao prprio autor, aos fiis em geral, ou mesmo Igreja, o meio pelo qual, do ponto

    de vista magisterial, a Igreja demonstra no admitir a prtica de ato disforme da tica eclesial,

    penalizando quem age de tal modo, d o exemplo opinio pblica externa e interna,

    coibindo a prtica de infraes diante da imposio da pena, e proclamando o modo correto

    de comportar-se na Igreja, responde desta maneira perante a infrao, restabelecendo a ordem,

    por outro lado, do ponto de vista pastoral, esta sua resposta infrao denota a preocupao

    no s com o infrator, mas tambm com os fiis, com toda a Igreja (ibid., p. 231), concluso,

    neste sentido que o fim de restabelecimento da ordem perturbada ganha contornos de

    preveno geral, intentando com que os fiis, devidamente exemplificados com a penalizao,

    no venham a cometer delitos. Ressalte-se que, o fim de preveno da pena, especial e geral,

    tambm verificado no direito penal estatal, o qual, segundo algumas teorias legitimadoras do

    jus puniendi do Estado, ainda indica como finalidade da pena a retribuio e, em um patamar

    mais controverso, a ressocializao, diferentemente, o direito penal cannico no procura

    vislumbrar estas ltimas finalidades aplicao da pena, inclusive, e principalmente, no que

    concerne questo da retribuio, nas palavras do autor em anlise, a imposio de pena [...]

    no indica de forma alguma uma eventual finalidade de vingana por parte da Igreja com

    relao a um de seus filhos errantes [...] (ibid., p. 231 e 232).

    1.2 Reflexes

    5

  • 8/14/2019 O DIREITO PENAL DA IGREJA - REFLEXES E PROPOSTAS

    6/18

    Em nvel de norma positiva, passa o autor a suscitar algumas reflexes no que

    concerne finalidade da pena e ao conceito de delictum (ibid., p. 232).

    Relativamente finalidade da pena, no que se trata de seu fim corretivo, como j

    explicitado, verifica-se a presena de um impulso psicolgico, que coage o infrator a no

    praticar novos delitos, diante da possibilidade de lhe ser aplicada uma penalidade (ibid., p.

    232).

    Desta feita, a ameaa de imposio da pena seria o motivo principal da converso

    do infrator, que no mais praticaria delitos em virtude de afligir-lhe a condio de penalidade

    (ibid., p. 232). Assim, a ameaa de imposio da pena, ao promover a converso do infrator,

    caracteriza a pena como um elemento medicinal, assemelhado ao fim de ressocializao da

    pena no mbito do direito penal estatal. neste diapaso que submergem as indagaes, uma

    vez que, uma converso extrada atravs da ameaa de imposio de uma pena, utilizando-se

    da manipulao psicolgica, , no mnimo, pouco espontnea, o que no s vai de encontro

    idia de converso, como agride a noo de liberdade e contraria os fomentos da condio de

    fiel entendidos pela prpria Igreja. Admite o autor que a finalidade medicinal da pena

    problemtica, mas que, quando presentes certos pressupostos espirituais-psicolgicos, ela

    pode e deve ser perseguida (ibid., p. 234). Argumenta ainda que, o castigo por amor ou para

    correo reconhecido principalmente porque, em suas palavras, [...] pode-se facilmente

    constatar que o esprito humano, no excludo aquele do fiel, no goza de total facilidade deautodeterminao e por isso pode ser ajudado nas escolhas fundamentais, tambm atravs de

    um procedimento de coao [...] (ibid., p. 232), justificando que o meio penal deve constituir

    extrema ratio, s sendo requerido quando esgotadas todas as outras vias da convico e da

    admoestao (ibid., p. 233). Respeitada a opinio do autor, no h como com ela no se

    chocar, mesmo que este choque seja o mais humilde, s sobressaltando que, entender a

    fragilidade da capacidade de autodeterminao do esprito humano plenamente plausvel,

    6

  • 8/14/2019 O DIREITO PENAL DA IGREJA - REFLEXES E PROPOSTAS

    7/18

    possivelmente provvel, no se verificando to somente em nvel de representaes, mas

    admitir explicitamente a possibilidade de imposio coativa de escolhas, castrar por

    completo o ideal de liberdade, luta da humanidade e da prpria Igreja. Em verdade, seria

    muita hipocrisia negar que este tipo de procedimento ocorra, tendo em vista que ele ocorre

    sempre, mesmo que mascarado, e decorrente do prprio controle social, alm de que, talvez

    o ideal de liberdade seja mesmo mais um dentre tantos [...] idealismos fceis [...] ( ibid., p.

    232), que o homem cria para amenizar os abismos que suas aes geram na sociedade,

    todavia, cabe aqui a indagao: a Igreja deseja numerosos fiis alienados ou uma composio

    substancial e livre de portadores da f?

    Alm de que, praticamente falando, a aflio psicolgica presente na ameaa da

    imposio da pena, s ganhar fora, para converter o infrator e coagi-lo a no praticar novo

    delito, se a pena, ou a privao a qual ela corresponde, for uma condio essencial, ou seja, a

    pena s seria eficaz e desempenharia sua funo corretiva quando a aflio psicolgica

    relacionada a ela fosse subjetivamente percebida, diante da importncia dada pelo infrator ao

    bem passvel de privao (ibid., p. 233). Portanto, talvez aqui a imposio da pena relaxe em

    sua validade prtica, j no que diz respeito a construes conceituais, o ponto em questo no

    sofre qualquer dvida, pois resta subentendido que ao fiel, a privao de um bem eclesial lhe

    h de ser cara sempre.

    Assim, a aplicao de pena no mbito do mundo da Igreja, em sua face deinstituio, plenamente justificvel, possibilitando sua manuteno, mas a referida pena,

    suscita problemas quando intenta ser medicinal, contrariando o princpio da liberdade, no

    obstante, encontra suas razes na outra finalidade que dispe, qual seja, a preventiva.

    No que concerne finalidade da pena, em seu fim de restabelecimento da ordem

    perturbada, a pena vista como resposta da Igreja em contraposio ao antieclesial do

    infrator, e proclamao do modo de comportamento conforme seus preceitos (ibid., p. 233).

    7

  • 8/14/2019 O DIREITO PENAL DA IGREJA - REFLEXES E PROPOSTAS

    8/18

    No carece de discusso a reao da Igreja diante da ao antieclesial, pois no

    poderia omitir-se perante a prtica de comportamentos em desacordo com o que preconiza,

    caso o fizesse decairia em sua tarefa essencial, magisterial e pastoral (ibid., p. 233).

    Outrossim, uma vez estabelecida a reao da Igreja, diante da ao antieclesial, como

    essencial, h o que se discutir quanto essencialidade do meio de reao, a saber, a imposio

    da pena (ibid., p. 233). Sugere o autor que, tal reao poderia ser igualmente eficaz e alcanar

    o mesmo escopo, atravs de uma declarao pblica por parte de uma autoridade eclesial

    competente, reparando a ordem lesada (ibid., p. 233).

    Seguindo esta linha, a Igreja descartaria a imposio de pena, solucionando os

    conflitos insurgentes atravs de uma declarao pblica da ordem lesada, o que exigiria de

    seus fiis uma maior aproximao de sua condio, exaltaria o ideal de liberdade, e

    aproximaria ainda mais a Igreja como instituio da Igreja transcendental, no que pese o doce

    desejo, dificuldades prticas de sua realizao parecem lhe ser veementemente intrnsecas,

    particularmente quando a funcionalidade de uma instituio necessita de coao e funes

    penais que lhe vedem o arbtrio e a desorganizao.

    Quanto ao conceito de delictum, o mesmo deriva de uma ao antieclesial, de um

    comportamento contrrio ao que indica e obriga a Igreja, devendo ainda, constituir-se a

    conduta uma ao externa, no necessariamente pblica, e um pecado grave, subjetivamente

    culpvel, como j fora explicitado anteriormente (ibid., p. 234).Dispe Francesco Coccopalmerio que, a conduta a caracterizar o delito deveria

    constituir-se em um comportamento pblico, assim, externo e pblico, entendendo que o dano

    proveniente de aes ocultas no incide enquanto tal na comunidade eclesial (ibid., p. 234).

    Tambm compreende que, as condutas consideradas delito no devem se limitar a pecados

    graves, que excluem aqueles comportamentos que, embora contrrios comunidade eclesial,

    no so subjetivamente culpveis (ibid., p. 234).

    8

  • 8/14/2019 O DIREITO PENAL DA IGREJA - REFLEXES E PROPOSTAS

    9/18

    Em nvel de estrutura dogmtica, expe o autor que, a justificao da existncia e

    permanncia das penas ou privaes na Igreja, est ligada s finalidades da pena abraadas

    pela misso da prpria Igreja, no entanto, existem casos onde a privao de bens eclesiais no

    deriva da imposio de uma pena ou de suas finalidades, mas do prprio ser da Igreja, estando

    essencialmente relacionada com sua estrutura dogmtica, sendo uma espcie de interveno

    penal de natureza declarativa e de carter necessrio (ibid., p. 235).

    2 QUESTES DE ESTRUTURA DA ORDEM DOGMTICO-JURDICA

    RELATIVAS RELAO DELICTUM PECADO GRAVE

    Neste ponto procura o autor refletir sobre a interveno penal cannica,

    materializada na imposio da pena, que deriva da prtica de um delictum, que por sua vez

    pressupe um pecado grave, no s objetivamente, mas inclusive subjetivamente verificado

    (ibid., p. 235).

    2.1 O pecado grave e a privao da Eucaristia no can. 856 do Cdigo de Direito Cannico

    9

  • 8/14/2019 O DIREITO PENAL DA IGREJA - REFLEXES E PROPOSTAS

    10/18

    Estabelece o can. 856 do Cdigo de Direito Cannico: Nemo quem conscientia

    peccati mortalis gravat, quantumeumque etiam se contritum existimet, sine praemissa

    sacramentali confessione ad sacram communionem accedat [...] (ibid., p. 236).

    Como do exposto, o pecado grave, hora intitulado mortal, motiva a privao da

    Eucaristia, levando o autor a considerar oportuna uma pesquisa sobre a conexo ou a

    conseqencialidade entre o pecado grave e a perda da plena comunho eclesial, e, a privao

    da Eucaristia (ibid., p. 236).

    2.2 O pecado grave e a perda da plena comunho eclesial na ConstituioLumen gentium, n.

    14,2

    A Constituio Lumen gentium, no n. 14,2, discorre a respeito da comunho

    eclesial:

    So incorporados, plenamente na sociedade, que a Igreja, todos os que,tendo o Esprito de Cristo, aceitam integralmente a organizao da mesma etodos os meios de salvao nela institudos, e que, alm disso, graas aosvnculos da profisso de f, dos sacramentos, do governo e da comunhoeclesial, permanecem unidos, no conjunto visvel da Igreja, com Cristo, quea rege por meio do Sumo Pontfice e dos Bispos. (ibid., p. 236).

    Assim, pelo que fora suscitado, para se ter a comunho eclesial necessrio ter o

    Esprito de Cristo e aceitar a estrutura da Igreja (ibid., p. 236). Incorrendo-se em pecado

    grave, quebra-se o elo que mantm a comunho eclesial, principalmente porque a condio de

    ter o Esprito de Cristo incompatvel com a prtica de pecado grave (ibid., p. 236 e 237). Tal

    disposio esclarece a relao de conseqencialidade entre o pecado grave e a perda da plena

    comunho eclesial (ibid., p. 237).

    10

  • 8/14/2019 O DIREITO PENAL DA IGREJA - REFLEXES E PROPOSTAS

    11/18

    2.3 O pecado grave, a perda da paz com a Igreja e a privao da Eucaristia na estrutura do

    Sacramento da Penitncia

    A estrutura do Sacramento da Penitncia, como disponibiliza a doutrina

    tradicional, esclarece a inseparvel unio e ligao, de forma seqencial, entre o pecado

    grave, a perda da plena comunho eclesial (perda da paz com a Igreja), e a privao da

    Eucaristia (ibid., p. 237 e 238).

    Tudo que fora relatado sobre a privao da Eucaristia, ante a perda da plena

    comunho eclesial advinda do pecado grave, pode se aplicar a outras realidades eclesiais

    (ibid., p. 238).

    Conclusivamente, cabe explanar que, o pecado grave tem um efeito eclesial-social

    (eclesialidade e socialidade do pecado grave), na medida do que vem a gerar (ibid., p. 238).

    2.4 Eclesialidade e socialidade do pecado

    O pecado tem um efeito eclesial-social, uma vez que, no se limita ao mbito da

    relao pecador e Deus, mas, tambm, ao mbito da relao pecador e Igreja ( ibid., p. 238).

    Alis, a prpria Igreja uma unidade ontolgico-interna e ao mesmo tempo visvel e social

    (ibid., p. 238). Reiterando-se, o efeito do pecado no se limita ao mbito interno da relao

    pecador e Deus, abrange ainda o mbito eclesial, visvel e social da relao pecador e Igreja

    (ibid., p. 238 e 239). Pois, na prtica, so conseqncias do pecado, a perda da plena

    11

  • 8/14/2019 O DIREITO PENAL DA IGREJA - REFLEXES E PROPOSTAS

    12/18

    comunho eclesial e a privao de certos bens eclesiais, ambas, realidades no meramente

    ontolgico-internas, mas efetivamente visveis e sociais (ibid., p. 239).

    2.5 Natureza da negao, por parte da Igreja, depois de um pecado grave, do direito de

    participar da Eucaristia e dos outros bens eclesiais

    Como j disposto, de forma consequencial, o pecado grave causa a perda da plena

    comunho eclesial, a privao da Eucaristia e de outros bens eclesiais, desta feita, a perda da

    plena comunho eclesial e a privao da Eucaristia e de outros bens eclesiais, so um efeito de

    natureza dogmtico-estrutural, determinado pelo prprio pecado grave (ibid., p. 239).

    A sano da Igreja pela prtica do pecado grave, consistente na privao da

    Eucaristia e de outros bens eclesiais, na verdade uma sano declarativa, afinal a Igreja

    conhece e reconhece uma privao que na realidade o comportamento antieclesial por si s j

    causou, e necessria, pois cabe a Igreja decretar esta privao mesmo que o comportamento

    antieclesial em si j a tenha efetivado (ibid., p. 239). Resta Igreja declarar necessariamente a

    privao que na realidade estrutural-dogmtica j aconteceu (ibid., p. 239). Assim, esta

    privao independe da vontade da Igreja, ou da imposio de norma positiva sua, de sanolivre e constitutiva, firmando-se na realidade como efeito dogmtico-estrutural (ibid., p. 239 e

    240).

    Todavia, como aqui j abordado, parece ainda difcil, praticamente falando,

    acolher to somente esta sistemtica, e excluir a interveno penal do bojo da Igreja, at

    porque o material com que a Igreja lida o humano, sempre passvel de falhas, para as quais a

    Igreja precisa manter-se atenta, e no que tange a sua face institucional, a interveno penal

    12

  • 8/14/2019 O DIREITO PENAL DA IGREJA - REFLEXES E PROPOSTAS

    13/18

    ainda imprescindvel. Fica, no obstante, a sublimao e o desejo de que o controle

    viabilizado pela interveno penal possa vir a se amenizar, aumentando o comprometimento

    da condio de fiel e fomentando uma maior unio entre a Igreja como instituio e como

    transcendncia.

    2.6 Natureza da pena eclesial com base no conceito de delictum enquanto pressupe um

    pecado grave

    Tendo em vista que o delictum tem sua definio no pecado grave, considerado

    objetiva e subjetivamente, ou seja, respectivamente causando efeito danoso comunidade e

    ao prprio infrator, a reao da Igreja, materializada na imposio da pena, e, portanto, a

    pena, tem natureza complexa, por um lado uma reao contra um comportamento lesivo

    sociedade, e por outro lado uma reao declarativa e necessria, de carter estrutural ( ibid.,

    p. 240).

    2.7 Conseqncias

    13

  • 8/14/2019 O DIREITO PENAL DA IGREJA - REFLEXES E PROPOSTAS

    14/18

    Entendendo que o delictum pressupe um pecado grave, que viabiliza a

    interveno da Igreja de natureza complexa, em um duplo aspecto, como acima suscitado,

    indica o autor que, desta premissa emergem conseqncias lgicas (ibid., p. 241). A saber,

    racionalmente no se sustenta a limitao da interveno da Igreja aos comportamentos

    externos, pois os comportamentos internos igualmente produzem efeitos de ordem estrutural-

    dogmtica, e, no h como abolir a interveno penal da Igreja, j que ela promove o

    reconhecimento da estrutura dogmtica, neste passo irrenuncivel (ibid., p. 241).

    3 ESTRUTURA DA IGREJA E REMISSO DA PENA

    Prope Francesco Coccopalmerio algumas reflexes sobre a estrutura da Igreja e o

    direito penal eclesial, mencionando a inovao da proposta de remisso de pena e sua

    disposio perante o Sacramento da Penitncia (ibid., p. 241).

    3.1 Dados

    Coleciona o autor um conjunto de dados a respeito da questo, como pode se

    observar. Documento Principia quae Codicis Iuris Canonici recognitionem dirigant, n. 2:

    Fori externi et interni optima coordinatio in Codice Iuris Canonici existat opor tet, ut quilibet

    conflictus inter utrumque vel dispareat vel ad minimum reducator. Quod in re sacramentali et

    in iure poenali peculiariter curandum est. (ibid., p. 241e 242); e, n. 9: Mens est ut poenae

    generatim sint ferendae sententiae et ia solo foro externo irrogentur et remittantur. ( ibid., p.

    14

  • 8/14/2019 O DIREITO PENAL DA IGREJA - REFLEXES E PROPOSTAS

    15/18

    242). Tambm, [...] totum ius poenale ad externum tantum forum limitatum est [...] (ibid.,

    p. 242), e: Quo autem melius externum et internum forum, quantum fieri potest,

    distinguantur, proponitur ut aboleatur vetitum recipiendi sacramentalem peccatorum

    absolutionem, quod iure vigent ex excommunione et inderdicto personali conseguitur [...]

    (ibid., p. 242), ambas, citaes do relatrio sobre o trabalho da comisso de consultores para a

    reviso do direito penal.

    Destes dados o autor extrai duas concluses, a primeira que, conveniente que a

    remisso das penas ocorra no foro externo e no, particularmente, no Sacramento da

    Penitncia, e a segunda refere-se ao fato de que a excomunho impede a participao nos

    Sacramentos, mas no no Sacramento da Penitncia (ibid., p. 242). De tal forma, o pecador

    excomungado pode ter sua absolvio atravs do Sacramento da Penitncia, j que a

    excomunho no impede a participao especfica neste Sacramento, mas, apesar disto,

    permanece sem a remisso da pena e, portanto, no absolvido no foro externo (ibid., p. 242).

    3.2 Reflexes

    Reitere-se, o pecador excomungado pode ter sua absolvio por meio doSacramento da Penitncia, haja vista que a excomunho no impossibilita tal feito, no

    obstante, o pecador permanece excomungado, no obtendo a remisso da pena, no sendo

    absolvido no foro externo, uma vez que, o Sacramento da Penitncia no viabiliza a remisso

    das penas (ibid., p. 242). Ou seja, obter a absolvio no Sacramento da Penitncia

    corresponde a obter a paz com Deus e com a Igreja, outrossim, a excomunho indica a

    negao da paz com a Igreja, portanto, se um pecador absolvido no Sacramento da

    15

  • 8/14/2019 O DIREITO PENAL DA IGREJA - REFLEXES E PROPOSTAS

    16/18

    Penitncia, mas permanece excomungado, recebe a paz com Deus, mas no com a Igreja

    (ibid., p. 242). Seguindo esta linha, a natureza do Sacramento da Penitncia parece

    comprometida, pois subentende a persecuo da paz com Deus e com a Igreja, no entanto, a

    verificao desta ltima, parece contrria proposta de remisso de pena (ibid., p. 242 e 243).

    O autor disponibiliza duas diferentes interpretaes para esta questo.

    Primeiramente, considera que o Sacramento da Penitncia gravemente lesado em sua

    essncia, tendo em vista que a paz com Deus no pode deixar de estar interligada paz com a

    Igreja, at mesmo porque a Igreja representa a forma visvel da salvao e da graa, por outro

    lado, posteriormente, entende que a manuteno da excomunho no indica, uma vez recebido

    o Sacramento da Penitncia, a negao da paz com a Igreja, admitindo a possibilidade de

    coexistncia entre a paz com a Igreja e a privao de um bem eclesial (ibid., p. 243), visto que

    seria dogmaticamente inadmissvel receber o Sacramento da Penitncia, de uma natural

    urgncia necessria pelo perdo dos pecados, e conceber-se no concedida a paz com a Igreja,

    s permanecendo a excomunho por motivos diversos, por razes de bem comum (ibid., p.

    244).

    3.3 Dificuldades e crticas

    Ressalta Francesco Coccopalmerio as dificuldades e crticas com que vislumbra a

    sistemtica acima exposta. Em primeiro lugar, o que parece admissvel diante dos princpios

    de dogmtica eclesial, a saber, a coexistncia da concesso do perdo e da negao da

    Eucaristia, no indica conformidade com a prtica tradicional, segundo a qual conceder a

    absolvio admitir a Eucaristia (ibid., p. 245). Outrossim, mesmo com a justificao de que

    16

  • 8/14/2019 O DIREITO PENAL DA IGREJA - REFLEXES E PROPOSTAS

    17/18

    a no admisso Eucaristia no enseja a negao da paz com a Igreja, em nvel de impresso

    espontnea, pode-se gerar um falso juzo doutrinal e eclesiolgico de que o perdo concedido

    no Sacramento da Penitncia consista s e to somente na obteno da paz com Deus ( ibid., p.

    245). Alm de que, cabe ao direito penal da Igreja, providenciar meios que evidenciem o

    aspecto essencial da relao entre a paz com Deus e a paz com a Igreja, intentando a obteno

    de ambas perante a absolvio (ibid., p. 245). No mais, a natureza urgente do perdo dos

    pecados no deve colocar em desalinho a prpria essncia do Sacramento da Penitncia (ibid.,

    p. 245). Portanto, conclusivamente, a remisso da pena de excomunho, no foro externo, deve

    antecipar-se a absolvio sacramental do pecado (ibid., p. 245 e 246).

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    17

  • 8/14/2019 O DIREITO PENAL DA IGREJA - REFLEXES E PROPOSTAS

    18/18

    COCCOPALMERIO, Francesco. O Direito Penal da Igreja : reflexes e propostas. InCAPPELLINI, Ernesto. Problemas e Perspectivas de Direito Cannico. [S.l. : s.n.], [s.d.].

    PEREIRA, Francisco Caetano. Subsdios Cannicos ao Direito Processual. RevistaInternacional de Direito da UNICAP. Recife, n. 1, 2004. Disponvel em:http://www.unicap.br/rid . Acesso em: 15.01.2007.

    SAMPEL, Edson Luiz. Direito Penal Cannico. [S.l. : s.n.], [s.d.]. Disponvel em:http://www.espacovital.com.br. Acesso em: 15.01.2007.

    18

    http://www.unicap.br/ridhttp://www.espacovital.com.br/http://www.unicap.br/ridhttp://www.espacovital.com.br/