O DIREITO PENAL DA IGREJA - REFLEXÕES E PROPOSTAS
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8/14/2019 O DIREITO PENAL DA IGREJA - REFLEXES E PROPOSTAS
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O DIREITO PENAL DA IGREJA: REFLEXES E PROPOSTAS 1
Paula Fracinetti Souto Maior2
SUMRIO: 1 O PROBLEMA DA EFETIVAVALIDADE DO DIREITO PENAL ECLESIAL; 2QUESTES DE ESTRUTURA DE ORDEM
DOGMTICO-JURDICA RELATIVAS RELAO DELICTUM PECADO GRAVE; 3ESTRUTURA DA IGREJA E REMISSO DAPENA.
Parece notria a estranheza com que a opinio pblica vislumbra a relao entre
direito penal e as normas cannicas, e, partindo desta premissa, Francesco Coccopalmerio
aborda o quanto, mesmo contrariamente a esta primeira concepo, as duas espcies de
normatividade esto arraigadas, explicitando, principalmente, as bases funcionais que
sustentam a existncia do direito penal cannico, propondo uma viso crtica a respeito das
seguintes problemticas: sua efetiva validade, questes de estrutura dogmtico-jurdica e de
remisso de pena (COCCOPALMERIO, [s.d.], p. 229 e 230).
De acordo com o referido autor, a inteno suscitar uma reflexo e uma
discusso a cerca de problemas que se apresentam mais controversos, tanto no plano
normativo como no plano doutrinal, no se tentando esgotar a temtica em solues pontuais
(ibid., p. 230).
1 Resenha do texto O Direito Penal da Igreja: reflexes e propostas, de Francesco Cocoopalmerio(resenha apresentada como requisito parcial para aprovao da disciplina Tpicos de Direito eProcesso Penal Cannico, ministrada pelo Dr. Francisco Caetano Pereira, no Curso de Especializao
Lato Sensu em Cincias Criminais, da Universidade Catlica de Pernambuco trabalho avaliado comnota mxima).2 Advogada, ps-graduanda do Curso de Especializao Lato Sensu em Cincias Criminais, daUniversidade Catlica de Pernambuco.
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A Igreja apresenta uma dupla face, uma visvel, como ente histrico que ostenta
uma estrutura palpvel, uma instituio dotada de rgos hierrquicos, que tem no direito
cannico a fonte de controle necessrio, e, outra transcendental, impregnada de dons
espirituais, centrada na salvao das almas, representando o prprio Deus na terra (PEREIRA,
2004). importante salientar que, em uma explanao rpida e geral, as funes penais so
importantes para a Igreja como instituio que , no sentido de que consubstanciam sua
estrutura, portanto, uma vez presentes, ganham, logicamente, contornos prprios realidade
ideolgica da Igreja, que como ente histrico emite influncias ao direito laico. Neste sentido,
sabido o legado da Igreja Catlica no processo de humanizao e dulcificao do direito,
bem como, mais especificamente, sua influncia no direito processual hodierno (PEREIRA,
2004). No obstante, esta relevncia da normatizao penal no mbito das regras cannicas,
no exclui o estranhamento da opinio pblica sobre esta interligao, at porque, admitir a
necessidade do direito penal assumir a existncia de infraes e infratores penais no bojo do
mundo da Igreja (SAMPEL, [s.d.]). Tal observao amenizada quando a Igreja
simplesmente focada em sua face institucional, como ente histrico, considerando-se que a
ausncia de normatividade ensejaria a desorganizao estrutural, e da a necessidade do
controle proveniente do poderio normativo, mas, por outro lado, quando a Igreja
compreendida em sua face transcendental, ornada com dons espirituais, a imperatividade da
normatividade condiciona inquietaes, principalmente no que concerne s regras de naturezapenal, pois, aparentemente no soa to bem a idia de que a Igreja, como meio para salvao
das almas, refgio mesmo da humanidade, venha a impor penalidades, e ainda, venha a impor
penalidades aos que a formam, admitindo a existncia de infraes e infratores penais no seu
conjunto, que representa a perfeio divina na terra.
Diante deste quadro, h o que se problematizar, discutir e refletir, para se entender
o mecanismo engenhoso que envolve o direito penal cannico.
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1 O PROBLEMA DA EFETIVA VALIDADE DO DIREITO PENAL ECLESIAL
Tratando do problema da efetiva validade do direito penal cannico, procura
Francesco Coccopalmerio, analis-lo, primeiramente, abordando algumas linhas conceituais
da interveno penal tpica da Igreja, e, posteriormente, fazer algumas reflexes em nvel de
norma positiva e de estrutura dogmtica (COCCOPALMERIO, [s.d.], p. 230).
1.1 Lineamentos do conceito de interveno penal prprio da Igreja
O direito penal cannico revela-se com uma srie de fundamentos prprios, mas
que, a seu modo, denotam semelhanas com os elementos do direito penal estatal.
O direito penal estatal impe uma penalidade prtica de atos que determinou
ilcitos, alcanando com isto os fins colimados imposio da pena. J a interveno penal
tpica da Igreja, inflige uma privao de um bem eclesial, diante da verificao de uma aoque considerou antieclesial, objetivando com esta interveno a concretizao dos pretensos
fins atribudos aplicao da pena (ibid., p. 230).
Neste sentido, a privao entendida como a objeo fruio de um bem
eclesial, sendo bem eclesial uma realidade caracterstica da Igreja (ibid., p. 230), ou seja, a
privao mesmo como que uma penalidade.
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Ao antieclesial o agir contrrio ao modo comportamental que a Igreja indica e
obriga a seus fiis (ibid., p. 230). Da mesma forma que o direito penal estatal escolhe
condutas e as tipifica como crimes, atribuindo uma punio para quem as infringe, o direito
penal cannico seleciona certos comportamentos como pecados graves, denominando-os
tecnicamente de delicta, e tambm especifica uma pena para quem os transgride (ibid., p.
230). A ao antieclesial pressupe algumas caractersticas, como por exemplo: ela deve ser
externa, no necessariamente pblica, mas externa na concepo de perceptvel aos sentidos,
os comportamentos interiores no constituem delicta; e, ela deve ser gravemente culpvel, ou
seja, deve constituir um pecado grave, os comportamentos subjetivamente no culpveis no
constituem delicta (ibid., p. 231).
A pena tem um triplo fim, visando corrigir o autor da ao antieclesial,
restabelecer a ordem burlada com a infrao, e prevenir futuras infraes ( ibid., p. 231).
Apesar de Francesco Cccopalmerio distinguir um fim trplice imposio da pena, sua
finalidade de preveno parece abraar e englobar a idia de correo do autor da infrao,
que seria uma preveno especial, individualizada, e a idia de restabelecimento da ordem
infringida, que seria uma preveno geral. Pois, como preconiza o prprio autor, o fim
corretivo, ou a idia de correo do autor da infrao, funciona como mecanismo psicolgico
onde ao infrator imposta uma privao de um direito, de um bem eclesial, e, em uma
situao subjetivamente dolorosa, impelido, de maneira coativa, a efetuar uma escolha entrecontinuar suportando a pena ou abandonar a ao antieclesial, o que induziria a converso do
infrator mesmo que forosamente, uma vez que, tendo em vista a possibilidade de aplicao
da pena, evitar-se-ia o cometimento de infrao (ibid., p. 231). Assim, o fim corretivo seria
mesmo que uma espcie de preveno especial, objetivando que aquele infrator especfico,
que recebeu a punio, no venha a incorrer em novo deslize. J o fim de restabelecimento da
ordem perturbada, ou a idia de restabelecimento da ordem infringida, entendido como a
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forma com que a Igreja atua no sentido de demonstrar sua insatisfao com a ao
antieclesial, notadamente contrria a seus preceitos e de proibida realizao, seja porque
danosa ao prprio autor, aos fiis em geral, ou mesmo Igreja, o meio pelo qual, do ponto
de vista magisterial, a Igreja demonstra no admitir a prtica de ato disforme da tica eclesial,
penalizando quem age de tal modo, d o exemplo opinio pblica externa e interna,
coibindo a prtica de infraes diante da imposio da pena, e proclamando o modo correto
de comportar-se na Igreja, responde desta maneira perante a infrao, restabelecendo a ordem,
por outro lado, do ponto de vista pastoral, esta sua resposta infrao denota a preocupao
no s com o infrator, mas tambm com os fiis, com toda a Igreja (ibid., p. 231), concluso,
neste sentido que o fim de restabelecimento da ordem perturbada ganha contornos de
preveno geral, intentando com que os fiis, devidamente exemplificados com a penalizao,
no venham a cometer delitos. Ressalte-se que, o fim de preveno da pena, especial e geral,
tambm verificado no direito penal estatal, o qual, segundo algumas teorias legitimadoras do
jus puniendi do Estado, ainda indica como finalidade da pena a retribuio e, em um patamar
mais controverso, a ressocializao, diferentemente, o direito penal cannico no procura
vislumbrar estas ltimas finalidades aplicao da pena, inclusive, e principalmente, no que
concerne questo da retribuio, nas palavras do autor em anlise, a imposio de pena [...]
no indica de forma alguma uma eventual finalidade de vingana por parte da Igreja com
relao a um de seus filhos errantes [...] (ibid., p. 231 e 232).
1.2 Reflexes
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Em nvel de norma positiva, passa o autor a suscitar algumas reflexes no que
concerne finalidade da pena e ao conceito de delictum (ibid., p. 232).
Relativamente finalidade da pena, no que se trata de seu fim corretivo, como j
explicitado, verifica-se a presena de um impulso psicolgico, que coage o infrator a no
praticar novos delitos, diante da possibilidade de lhe ser aplicada uma penalidade (ibid., p.
232).
Desta feita, a ameaa de imposio da pena seria o motivo principal da converso
do infrator, que no mais praticaria delitos em virtude de afligir-lhe a condio de penalidade
(ibid., p. 232). Assim, a ameaa de imposio da pena, ao promover a converso do infrator,
caracteriza a pena como um elemento medicinal, assemelhado ao fim de ressocializao da
pena no mbito do direito penal estatal. neste diapaso que submergem as indagaes, uma
vez que, uma converso extrada atravs da ameaa de imposio de uma pena, utilizando-se
da manipulao psicolgica, , no mnimo, pouco espontnea, o que no s vai de encontro
idia de converso, como agride a noo de liberdade e contraria os fomentos da condio de
fiel entendidos pela prpria Igreja. Admite o autor que a finalidade medicinal da pena
problemtica, mas que, quando presentes certos pressupostos espirituais-psicolgicos, ela
pode e deve ser perseguida (ibid., p. 234). Argumenta ainda que, o castigo por amor ou para
correo reconhecido principalmente porque, em suas palavras, [...] pode-se facilmente
constatar que o esprito humano, no excludo aquele do fiel, no goza de total facilidade deautodeterminao e por isso pode ser ajudado nas escolhas fundamentais, tambm atravs de
um procedimento de coao [...] (ibid., p. 232), justificando que o meio penal deve constituir
extrema ratio, s sendo requerido quando esgotadas todas as outras vias da convico e da
admoestao (ibid., p. 233). Respeitada a opinio do autor, no h como com ela no se
chocar, mesmo que este choque seja o mais humilde, s sobressaltando que, entender a
fragilidade da capacidade de autodeterminao do esprito humano plenamente plausvel,
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possivelmente provvel, no se verificando to somente em nvel de representaes, mas
admitir explicitamente a possibilidade de imposio coativa de escolhas, castrar por
completo o ideal de liberdade, luta da humanidade e da prpria Igreja. Em verdade, seria
muita hipocrisia negar que este tipo de procedimento ocorra, tendo em vista que ele ocorre
sempre, mesmo que mascarado, e decorrente do prprio controle social, alm de que, talvez
o ideal de liberdade seja mesmo mais um dentre tantos [...] idealismos fceis [...] ( ibid., p.
232), que o homem cria para amenizar os abismos que suas aes geram na sociedade,
todavia, cabe aqui a indagao: a Igreja deseja numerosos fiis alienados ou uma composio
substancial e livre de portadores da f?
Alm de que, praticamente falando, a aflio psicolgica presente na ameaa da
imposio da pena, s ganhar fora, para converter o infrator e coagi-lo a no praticar novo
delito, se a pena, ou a privao a qual ela corresponde, for uma condio essencial, ou seja, a
pena s seria eficaz e desempenharia sua funo corretiva quando a aflio psicolgica
relacionada a ela fosse subjetivamente percebida, diante da importncia dada pelo infrator ao
bem passvel de privao (ibid., p. 233). Portanto, talvez aqui a imposio da pena relaxe em
sua validade prtica, j no que diz respeito a construes conceituais, o ponto em questo no
sofre qualquer dvida, pois resta subentendido que ao fiel, a privao de um bem eclesial lhe
h de ser cara sempre.
Assim, a aplicao de pena no mbito do mundo da Igreja, em sua face deinstituio, plenamente justificvel, possibilitando sua manuteno, mas a referida pena,
suscita problemas quando intenta ser medicinal, contrariando o princpio da liberdade, no
obstante, encontra suas razes na outra finalidade que dispe, qual seja, a preventiva.
No que concerne finalidade da pena, em seu fim de restabelecimento da ordem
perturbada, a pena vista como resposta da Igreja em contraposio ao antieclesial do
infrator, e proclamao do modo de comportamento conforme seus preceitos (ibid., p. 233).
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No carece de discusso a reao da Igreja diante da ao antieclesial, pois no
poderia omitir-se perante a prtica de comportamentos em desacordo com o que preconiza,
caso o fizesse decairia em sua tarefa essencial, magisterial e pastoral (ibid., p. 233).
Outrossim, uma vez estabelecida a reao da Igreja, diante da ao antieclesial, como
essencial, h o que se discutir quanto essencialidade do meio de reao, a saber, a imposio
da pena (ibid., p. 233). Sugere o autor que, tal reao poderia ser igualmente eficaz e alcanar
o mesmo escopo, atravs de uma declarao pblica por parte de uma autoridade eclesial
competente, reparando a ordem lesada (ibid., p. 233).
Seguindo esta linha, a Igreja descartaria a imposio de pena, solucionando os
conflitos insurgentes atravs de uma declarao pblica da ordem lesada, o que exigiria de
seus fiis uma maior aproximao de sua condio, exaltaria o ideal de liberdade, e
aproximaria ainda mais a Igreja como instituio da Igreja transcendental, no que pese o doce
desejo, dificuldades prticas de sua realizao parecem lhe ser veementemente intrnsecas,
particularmente quando a funcionalidade de uma instituio necessita de coao e funes
penais que lhe vedem o arbtrio e a desorganizao.
Quanto ao conceito de delictum, o mesmo deriva de uma ao antieclesial, de um
comportamento contrrio ao que indica e obriga a Igreja, devendo ainda, constituir-se a
conduta uma ao externa, no necessariamente pblica, e um pecado grave, subjetivamente
culpvel, como j fora explicitado anteriormente (ibid., p. 234).Dispe Francesco Coccopalmerio que, a conduta a caracterizar o delito deveria
constituir-se em um comportamento pblico, assim, externo e pblico, entendendo que o dano
proveniente de aes ocultas no incide enquanto tal na comunidade eclesial (ibid., p. 234).
Tambm compreende que, as condutas consideradas delito no devem se limitar a pecados
graves, que excluem aqueles comportamentos que, embora contrrios comunidade eclesial,
no so subjetivamente culpveis (ibid., p. 234).
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Em nvel de estrutura dogmtica, expe o autor que, a justificao da existncia e
permanncia das penas ou privaes na Igreja, est ligada s finalidades da pena abraadas
pela misso da prpria Igreja, no entanto, existem casos onde a privao de bens eclesiais no
deriva da imposio de uma pena ou de suas finalidades, mas do prprio ser da Igreja, estando
essencialmente relacionada com sua estrutura dogmtica, sendo uma espcie de interveno
penal de natureza declarativa e de carter necessrio (ibid., p. 235).
2 QUESTES DE ESTRUTURA DA ORDEM DOGMTICO-JURDICA
RELATIVAS RELAO DELICTUM PECADO GRAVE
Neste ponto procura o autor refletir sobre a interveno penal cannica,
materializada na imposio da pena, que deriva da prtica de um delictum, que por sua vez
pressupe um pecado grave, no s objetivamente, mas inclusive subjetivamente verificado
(ibid., p. 235).
2.1 O pecado grave e a privao da Eucaristia no can. 856 do Cdigo de Direito Cannico
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Estabelece o can. 856 do Cdigo de Direito Cannico: Nemo quem conscientia
peccati mortalis gravat, quantumeumque etiam se contritum existimet, sine praemissa
sacramentali confessione ad sacram communionem accedat [...] (ibid., p. 236).
Como do exposto, o pecado grave, hora intitulado mortal, motiva a privao da
Eucaristia, levando o autor a considerar oportuna uma pesquisa sobre a conexo ou a
conseqencialidade entre o pecado grave e a perda da plena comunho eclesial, e, a privao
da Eucaristia (ibid., p. 236).
2.2 O pecado grave e a perda da plena comunho eclesial na ConstituioLumen gentium, n.
14,2
A Constituio Lumen gentium, no n. 14,2, discorre a respeito da comunho
eclesial:
So incorporados, plenamente na sociedade, que a Igreja, todos os que,tendo o Esprito de Cristo, aceitam integralmente a organizao da mesma etodos os meios de salvao nela institudos, e que, alm disso, graas aosvnculos da profisso de f, dos sacramentos, do governo e da comunhoeclesial, permanecem unidos, no conjunto visvel da Igreja, com Cristo, quea rege por meio do Sumo Pontfice e dos Bispos. (ibid., p. 236).
Assim, pelo que fora suscitado, para se ter a comunho eclesial necessrio ter o
Esprito de Cristo e aceitar a estrutura da Igreja (ibid., p. 236). Incorrendo-se em pecado
grave, quebra-se o elo que mantm a comunho eclesial, principalmente porque a condio de
ter o Esprito de Cristo incompatvel com a prtica de pecado grave (ibid., p. 236 e 237). Tal
disposio esclarece a relao de conseqencialidade entre o pecado grave e a perda da plena
comunho eclesial (ibid., p. 237).
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2.3 O pecado grave, a perda da paz com a Igreja e a privao da Eucaristia na estrutura do
Sacramento da Penitncia
A estrutura do Sacramento da Penitncia, como disponibiliza a doutrina
tradicional, esclarece a inseparvel unio e ligao, de forma seqencial, entre o pecado
grave, a perda da plena comunho eclesial (perda da paz com a Igreja), e a privao da
Eucaristia (ibid., p. 237 e 238).
Tudo que fora relatado sobre a privao da Eucaristia, ante a perda da plena
comunho eclesial advinda do pecado grave, pode se aplicar a outras realidades eclesiais
(ibid., p. 238).
Conclusivamente, cabe explanar que, o pecado grave tem um efeito eclesial-social
(eclesialidade e socialidade do pecado grave), na medida do que vem a gerar (ibid., p. 238).
2.4 Eclesialidade e socialidade do pecado
O pecado tem um efeito eclesial-social, uma vez que, no se limita ao mbito da
relao pecador e Deus, mas, tambm, ao mbito da relao pecador e Igreja ( ibid., p. 238).
Alis, a prpria Igreja uma unidade ontolgico-interna e ao mesmo tempo visvel e social
(ibid., p. 238). Reiterando-se, o efeito do pecado no se limita ao mbito interno da relao
pecador e Deus, abrange ainda o mbito eclesial, visvel e social da relao pecador e Igreja
(ibid., p. 238 e 239). Pois, na prtica, so conseqncias do pecado, a perda da plena
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comunho eclesial e a privao de certos bens eclesiais, ambas, realidades no meramente
ontolgico-internas, mas efetivamente visveis e sociais (ibid., p. 239).
2.5 Natureza da negao, por parte da Igreja, depois de um pecado grave, do direito de
participar da Eucaristia e dos outros bens eclesiais
Como j disposto, de forma consequencial, o pecado grave causa a perda da plena
comunho eclesial, a privao da Eucaristia e de outros bens eclesiais, desta feita, a perda da
plena comunho eclesial e a privao da Eucaristia e de outros bens eclesiais, so um efeito de
natureza dogmtico-estrutural, determinado pelo prprio pecado grave (ibid., p. 239).
A sano da Igreja pela prtica do pecado grave, consistente na privao da
Eucaristia e de outros bens eclesiais, na verdade uma sano declarativa, afinal a Igreja
conhece e reconhece uma privao que na realidade o comportamento antieclesial por si s j
causou, e necessria, pois cabe a Igreja decretar esta privao mesmo que o comportamento
antieclesial em si j a tenha efetivado (ibid., p. 239). Resta Igreja declarar necessariamente a
privao que na realidade estrutural-dogmtica j aconteceu (ibid., p. 239). Assim, esta
privao independe da vontade da Igreja, ou da imposio de norma positiva sua, de sanolivre e constitutiva, firmando-se na realidade como efeito dogmtico-estrutural (ibid., p. 239 e
240).
Todavia, como aqui j abordado, parece ainda difcil, praticamente falando,
acolher to somente esta sistemtica, e excluir a interveno penal do bojo da Igreja, at
porque o material com que a Igreja lida o humano, sempre passvel de falhas, para as quais a
Igreja precisa manter-se atenta, e no que tange a sua face institucional, a interveno penal
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ainda imprescindvel. Fica, no obstante, a sublimao e o desejo de que o controle
viabilizado pela interveno penal possa vir a se amenizar, aumentando o comprometimento
da condio de fiel e fomentando uma maior unio entre a Igreja como instituio e como
transcendncia.
2.6 Natureza da pena eclesial com base no conceito de delictum enquanto pressupe um
pecado grave
Tendo em vista que o delictum tem sua definio no pecado grave, considerado
objetiva e subjetivamente, ou seja, respectivamente causando efeito danoso comunidade e
ao prprio infrator, a reao da Igreja, materializada na imposio da pena, e, portanto, a
pena, tem natureza complexa, por um lado uma reao contra um comportamento lesivo
sociedade, e por outro lado uma reao declarativa e necessria, de carter estrutural ( ibid.,
p. 240).
2.7 Conseqncias
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Entendendo que o delictum pressupe um pecado grave, que viabiliza a
interveno da Igreja de natureza complexa, em um duplo aspecto, como acima suscitado,
indica o autor que, desta premissa emergem conseqncias lgicas (ibid., p. 241). A saber,
racionalmente no se sustenta a limitao da interveno da Igreja aos comportamentos
externos, pois os comportamentos internos igualmente produzem efeitos de ordem estrutural-
dogmtica, e, no h como abolir a interveno penal da Igreja, j que ela promove o
reconhecimento da estrutura dogmtica, neste passo irrenuncivel (ibid., p. 241).
3 ESTRUTURA DA IGREJA E REMISSO DA PENA
Prope Francesco Coccopalmerio algumas reflexes sobre a estrutura da Igreja e o
direito penal eclesial, mencionando a inovao da proposta de remisso de pena e sua
disposio perante o Sacramento da Penitncia (ibid., p. 241).
3.1 Dados
Coleciona o autor um conjunto de dados a respeito da questo, como pode se
observar. Documento Principia quae Codicis Iuris Canonici recognitionem dirigant, n. 2:
Fori externi et interni optima coordinatio in Codice Iuris Canonici existat opor tet, ut quilibet
conflictus inter utrumque vel dispareat vel ad minimum reducator. Quod in re sacramentali et
in iure poenali peculiariter curandum est. (ibid., p. 241e 242); e, n. 9: Mens est ut poenae
generatim sint ferendae sententiae et ia solo foro externo irrogentur et remittantur. ( ibid., p.
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242). Tambm, [...] totum ius poenale ad externum tantum forum limitatum est [...] (ibid.,
p. 242), e: Quo autem melius externum et internum forum, quantum fieri potest,
distinguantur, proponitur ut aboleatur vetitum recipiendi sacramentalem peccatorum
absolutionem, quod iure vigent ex excommunione et inderdicto personali conseguitur [...]
(ibid., p. 242), ambas, citaes do relatrio sobre o trabalho da comisso de consultores para a
reviso do direito penal.
Destes dados o autor extrai duas concluses, a primeira que, conveniente que a
remisso das penas ocorra no foro externo e no, particularmente, no Sacramento da
Penitncia, e a segunda refere-se ao fato de que a excomunho impede a participao nos
Sacramentos, mas no no Sacramento da Penitncia (ibid., p. 242). De tal forma, o pecador
excomungado pode ter sua absolvio atravs do Sacramento da Penitncia, j que a
excomunho no impede a participao especfica neste Sacramento, mas, apesar disto,
permanece sem a remisso da pena e, portanto, no absolvido no foro externo (ibid., p. 242).
3.2 Reflexes
Reitere-se, o pecador excomungado pode ter sua absolvio por meio doSacramento da Penitncia, haja vista que a excomunho no impossibilita tal feito, no
obstante, o pecador permanece excomungado, no obtendo a remisso da pena, no sendo
absolvido no foro externo, uma vez que, o Sacramento da Penitncia no viabiliza a remisso
das penas (ibid., p. 242). Ou seja, obter a absolvio no Sacramento da Penitncia
corresponde a obter a paz com Deus e com a Igreja, outrossim, a excomunho indica a
negao da paz com a Igreja, portanto, se um pecador absolvido no Sacramento da
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Penitncia, mas permanece excomungado, recebe a paz com Deus, mas no com a Igreja
(ibid., p. 242). Seguindo esta linha, a natureza do Sacramento da Penitncia parece
comprometida, pois subentende a persecuo da paz com Deus e com a Igreja, no entanto, a
verificao desta ltima, parece contrria proposta de remisso de pena (ibid., p. 242 e 243).
O autor disponibiliza duas diferentes interpretaes para esta questo.
Primeiramente, considera que o Sacramento da Penitncia gravemente lesado em sua
essncia, tendo em vista que a paz com Deus no pode deixar de estar interligada paz com a
Igreja, at mesmo porque a Igreja representa a forma visvel da salvao e da graa, por outro
lado, posteriormente, entende que a manuteno da excomunho no indica, uma vez recebido
o Sacramento da Penitncia, a negao da paz com a Igreja, admitindo a possibilidade de
coexistncia entre a paz com a Igreja e a privao de um bem eclesial (ibid., p. 243), visto que
seria dogmaticamente inadmissvel receber o Sacramento da Penitncia, de uma natural
urgncia necessria pelo perdo dos pecados, e conceber-se no concedida a paz com a Igreja,
s permanecendo a excomunho por motivos diversos, por razes de bem comum (ibid., p.
244).
3.3 Dificuldades e crticas
Ressalta Francesco Coccopalmerio as dificuldades e crticas com que vislumbra a
sistemtica acima exposta. Em primeiro lugar, o que parece admissvel diante dos princpios
de dogmtica eclesial, a saber, a coexistncia da concesso do perdo e da negao da
Eucaristia, no indica conformidade com a prtica tradicional, segundo a qual conceder a
absolvio admitir a Eucaristia (ibid., p. 245). Outrossim, mesmo com a justificao de que
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a no admisso Eucaristia no enseja a negao da paz com a Igreja, em nvel de impresso
espontnea, pode-se gerar um falso juzo doutrinal e eclesiolgico de que o perdo concedido
no Sacramento da Penitncia consista s e to somente na obteno da paz com Deus ( ibid., p.
245). Alm de que, cabe ao direito penal da Igreja, providenciar meios que evidenciem o
aspecto essencial da relao entre a paz com Deus e a paz com a Igreja, intentando a obteno
de ambas perante a absolvio (ibid., p. 245). No mais, a natureza urgente do perdo dos
pecados no deve colocar em desalinho a prpria essncia do Sacramento da Penitncia (ibid.,
p. 245). Portanto, conclusivamente, a remisso da pena de excomunho, no foro externo, deve
antecipar-se a absolvio sacramental do pecado (ibid., p. 245 e 246).
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
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8/14/2019 O DIREITO PENAL DA IGREJA - REFLEXES E PROPOSTAS
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