O Direito Nas Sociedades Primitivas

download O Direito Nas Sociedades Primitivas

of 26

Transcript of O Direito Nas Sociedades Primitivas

  • 8/2/2019 O Direito Nas Sociedades Primitivas

    1/26

    O DIREITO NAS SOCIEDADES PRIMITIVAS: ALGUMAS CONSIDERAES

    Fernando Horta Tavares1

    1. Introduo histrica

    Segundo Cristiano da Paixo Arajo Pinto2, pode-se ilustrar a transio das

    formas arcaicas de sociedade para as primeiras civilizaes da Antiguidade

    mediante trs fatores histricos:

    a) o surgimento das cidades cuja origem pode-se situar no Paleoltico, na

    Mesopotmia. Pode-se dizer que o processo de destribalizao teve incio no sculo

    IV a . C. , tendo-se notcia da formao de cidades nos anos 3100-2900 a. C., na

    Baixa Mesopotmia, isto , regio designada por Sumria, nas margens do Rio

    Eufrates, mais prxima ao Golfo Prsico. No perodo histrico imediatamente

    subseqente (dinstico primitivo 2900-2334 a. C.) menciona-se a formao de

    outras cidades, entre as quais Nipuur e Ur;

    b) a inveno e domnio da escrita, estreitamente ligada ao surgimento das

    cidades, cujas primeiras manifestaes (cuneiformes) se deram na Mesopotmia,

    por volta de 3.100 a. C e

    c) o advento do comrcio e, numa etapa posterior, da moeda metlica, por umsistema de trocas de mercadorias, e venda em mercados ou na navegao. Na

    clssica lio de Engels3, a origem do comrcio localiza-se na diviso do trabalho

    gerada pela apropriao individual dos produtos antes distribudos no seio da

    comunidade; com a reteno do excedente, a criao de uma camada de

    1 Professor da Faculdade Mineira de Direito, da Pontifcia Universidade Catlica de Minas Gerais2 Direito e sociedades no oriente antigo, In: Fundamentos de histria do direito. Org. Antonio CarlosWolkmer. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 203A origem da famlia, da propriedade privada e do Estado. 3. ed. So Paulo: Global, 1986

    1

  • 8/2/2019 O Direito Nas Sociedades Primitivas

    2/26

    comerciantes e a atribuio de valor a determinados bens, o homem deixa de ser

    senhor do processo de produo. Inaugura-se, ento, ainda segundo Engels, uma

    assimetria no interior da comunidade, com a introduo da distino rico-pobre.

    A sntese desses trs elementos (cidades-escrita-comrcio), como esclarece

    o mencionado Cristiano da Paixo Arajo Pinto4

    representou a derrocada de uma sociedade fechada, organizada em tribos oucls, com pouca diferenciao de papis sociais e fortemente influenciada, noplano das mentalidades, por aspectos msticos ou religiosos. H, nestassociedades arcaicas, um direito ainda incipiente, bastante concreto,cognoscvel apenas pelo costume e que se confunde com a prpria religio.

    A construo de uma sociedade urbana, aberta a trocas polticas, mais

    dinmica e complexa, demandar, contudo, um novo direito, cujas primeiras

    manifestaes ocorrem na Mesopotmia e no Egito.

    J o perodo, em Roma, aquele conhecido como a Realeza (753 a . C. a510 a . C), o qual, em razo dos objetivos deste trabalho e da importncia do Direito

    Romano, no ser aqui estudado.

    No que se refere ao direito grego, o perodo que se inicia com o

    aparecimento dapolis, meados do sculo VIII a C. , e vai at o seu desaparecimento

    e surgimento dos reinos helensticos do sculo III a C., isto , "esse perodo de cinco

    sculos corresponde aos convencionalmente denominados poca arcaica (776 a

    480 a C., datas dos primeiros Jogos Olmpicos e batalha de Salamina,

    respectivamente) eperodo clssico (quinto e quarto sculos a C.)".5

    4 op. cit. p. 36-37,5 SOUZA, Raquel de. O direito grego antigo. In: Fundamentos de histria do direito, op. cit. p. 59-60.

    2

  • 8/2/2019 O Direito Nas Sociedades Primitivas

    3/26

    2. Introduo ao estudo da histria do Direito

    "Na maioria das sociedades remotas, a lei considerada parte nuclear de

    controle social, elemento material para prevenir, remediar ou castigar os desvios das

    regras prescritas. A lei expressa a presena de um direito ordenado na tradio e

    nas prticas costumeiras que mantm a coeso social", no dizer de Antonio Carlos

    Wolkmer.6

    Assim, falar em um direito arcaico ou primitivo implica, contudo, ter presente

    uma diferenciao da pr-histria e da histria do direito e ainda, quanto aos

    horizontes de diversas civilizaes, no sentido de precisar o surgimento dos

    primeiros textos jurdicos com o aparecimento da escrita, tudo dependendo do grau

    de evoluo e complexidade de cada povo.

    Por isso, prossegue Wolkmer7

    o direito arcaico pode ser interpretado a partir da compreenso do tipo desociedade que o gerou. Se a sociedade da pr-histria fundamenta-se noprincpio do parentesco, nada mais considerar que a base geradora dojurdico encontra-se, primeiramente, nos laos de consanginidade, nasprticas do convvio familiar de um mesmo grupo social, unido por crenas etradies.

    Relativamente aos princpios e regras que governaram a sociedade grega e a

    sociedade romana, por exemplo, aduz Fustel de Coulanges8

    que h uma conexontima entre as instituies destes povos, suas crenas religiosas e o direito privado.

    que

    a comparao das crenas e das leis demonstra que as famlias grega eromana foram constitudas por uma religio primitiva, que estabeleceu ocasamento e a autoridade paterna, fixou os graus de parentesco, consagrouo direito de propriedade e o direito de herana. Esta mesma religio, porhaver difundido e ampliado a famlia, formou uma associao maior, a

    6O direito nas sociedades primitivas. In: Fundamentos de histria do direito. Belo Horizonte: Del Rey,2001, p. 20.7 (op. cit. p. 21)8A cidade antiga. 2 ed. So Paulo: Edipro, 1999, p. 13-14.

    3

  • 8/2/2019 O Direito Nas Sociedades Primitivas

    4/26

    cidade, e nela reinou do mesmo modo que reinava na famlia. Desta seoriginaram todas as instituies como todo o direito privado dos antigos. Foidela que a cidade extraiu seus princpios, suas regras, seus usos e suamagistratura [....] mister, pois, estudar antes de tudo, as crenas destespovos.

    Coulanges est se referindo, nesta passagem, s crenas antigas sobre a

    Alma e sobre a Morte; ao Culto dos Mortos: ao Fogo Sagrado e Religio

    Domstica.

    Num tempo em que inexistiam legislaes escritas e cdigos formais, as

    prticas primrias de controle so transmitidas oralmente, marcadas por revelaes

    sagradas e divinas9, vale dizer, constata-se esse carter religioso do direito arcaico,

    imbudo de sanes rigorosas e repressoras, fato que levou os sacerdotes-

    legisladores a serem os intrpretes e executores destas leis (recebidas diretamente

    do Deus da cidade), onde o ilcito se confundia com a quebra da tradio e com

    infrao ao que a divindade havia proclamado.

    3. A formao do direito nas sociedades primitivas

    Como se v, no dizer de Wolkmer10, no se trata, na poca, de um direito

    escrito mas de um conjunto disperso de usos, prticas e costumes, reiterados por

    um longo perodo de tempo e publicamente aceitos. o tempo do direito

    consuetudinrio, em que no se conheceu a inveno da escrita, em que uma casta

    ou aristocracia "investida do poder judicial era o nico meio que poderia conservar,

    com algum rigor, os costumes da raa ou tribo"11.

    9 Wolkmer, op. cit. p. 2210 op. cit. p. 2311 Summer Maine, Henry. El derecho antiguo. Madrid: Alfredo Alonso, 1893, p.18-19. Apud: Wolkmer,Antonio Carlos, op. cit. P. 23

    4

  • 8/2/2019 O Direito Nas Sociedades Primitivas

    5/26

    Registre-se, contudo, que a inverso e a difuso da tcnica da escritura,

    somada compilao de costumes tradicionais, proporcionaram os primeiros

    Cdigos da Antiguidade, a saber, o de Hamurabi, o Cdigo de Manu, a Lei das XII

    Tbuas e, na Grcia, as legislaes de Dracon e de Slon.

    A seguir, pequeno resumo destas primeiras compilaes.

    3.1. O cdigo de Hamurabi

    Para parte das fontes histricas, o cdigo de Hamurabi teria sido promulgado

    aproximadamente em 1694 a . C., e contem dispositivos a respeito de todos os

    aspectos da vida da sociedade babilnica, isto : comrcio, famlia, propriedade,

    herana (art. 167 a 173), adoo (ex. art. 185 a 194), escravido, sendo os direitos

    acompanhados da respectiva punio, mas variando de acordo com a categoria

    social do infrator e da vtima.

    Leitura complementar:

    "O Cdigo de Hamurabi, achado em Susa em 1902, um dos mais belos

    documentos da histria universal. De um lado ele a codificao de um

    direito natural e consuetudinrio em vigor nos territrios conquistados e em

    via de evoluo: de outro a compilao de diversos cdigos sumerianos,

    obras de Urucagina e de Chulgui. Mais tarde um Cdigo assrio (as tabuletas

    A e B de Assur), achado em 1920, e datando dos sculos XV-XIII, mostra que

    o de Hamurabi o mais completo, com seus 282 artigos mais

    sistemtico que as leis sumerianas, mais evoludo e menos brbaro que as

    leis assrias, as quais, entretanto, nele se inspiraram.

    Segundo o Cdigo, a sociedade divide-se em trs classes desiguais (ex.

    Captulo XVIII), os homens livres (awilu), os subalternos ou inferiores

    5

  • 8/2/2019 O Direito Nas Sociedades Primitivas

    6/26

    (muchkenu) e os escravos (ex. art. 118, 175 a 176); a origem da classe

    intermediria (ex. art. 140) constituiu-se num problema: tratar-se-a de

    antigos servos presos gleba no tempo do regime senhorial e libertados

    pelos progressos do poder real, j na poca de Urucagina (2630 a . C.). O

    direito penal repousa no talio [(Captulos III (crimes de furtos e roubos) e

    XI (delitos e penas, leses corporais)], quando a vtima livre, [e] numa

    compensao em dinheiro, se ela pertence s classes inferiores (ex. art.

    214). O casamento (tinha natureza contratual? Ver art. 128) apia-se na

    inalienabilidade do dote (art. 138, 149, 156, 159 a 164), na represso brutal

    ao adultrio (Captulos IX e X, art. 129, 130; outros dispositivos: art. 131 a

    137) e no divrcio por iniciativa do marido (Captulos IX e X, art. 138 a

    148). As questes dos juros so minuciosamente tratadas (Captulo VII), o

    que atesta o papel do dinheiro e da terra nesta civilizao de produtores e

    de comerciantes: as disposies so precisas e eqitativas, os castigos

    expeditivos e matizados, com uma tendncia dureza comum a todas as

    civilizaes recentemente sadas da iniciativa privada (cf. Dracon, em

    Atenas). A partir de ento, a justia, em todos os setores, passa s mos de

    juzes de Estado, agindo sob inspirao do deus (Marduc ou Chamach),

    segundo um processo escrito (art. 3. a 5.), audio de testemunhas ( e

    recurso ao juramento, mais freqente do que o ordlio (embora previsto no

    art. 2.)" .12

    3.2. Cdigo de ManuSua data de promulgao situa-se aproximadamente entre os anos de 1300 a

    800 a. C. e foi redigido de forma potica: as regras so expostas em versos,

    composto de mais de cem mil dsticos (grupo de dez versos), mas que interessam,

    para efeito dos estudos jurdicos, os livros Oitavo e Nono.

    3.3. Lei das XII Tbuas

    12 PETIT, Paul. Histria antiga. Traduo de Pedro Moacyr Campos. 8. ed. So Paulo/Rio de Janeiro:1976, p. 22. Acrescentou-se comentrios, Captulos e artigos do Cdigo, correspondentes aos temasmencionados no texto original.

    6

  • 8/2/2019 O Direito Nas Sociedades Primitivas

    7/26

    Proposta pelo tribuno Tarentlio Arasa, em 462 a . C. , mas elaborada pelos

    Decnviros (eleitos em 461 a . C. ), a Lei das XII Tbuas tambm chamada

    simplesmente de Lex, ou ainda Legis XII Tabularum ou Lex Decenvilaris - resultou

    num conjunto de 10 tbuas gravadas sobre bronze ou carvalho, em 451 a . C., as

    quais foram acrescidas mais duas tbuas no ano seguinte.

    considerada como a fonte de todo direito pblico e privado para os prprios

    romanos. Seu grande valor consiste em ter sido uma das primeiras leis que ditava

    normas eliminando as diferenas de classes, isto em funo de as leis do perodo

    monrquico no mais se adaptarem nova forma de governo, isto , Repblica; e

    por ter sido a que deu origem ao Direito Civil e s aes da lei, evidenciando-se o

    carter tipicamente romano (povo prtico, objetivo e imediatista).

    Apesar de terem sido destrudas as Tbuas originais em 390 a . C. durante a

    guerra contra os gauleses, o seu contedo havia sido divulgado de tal modo pelos

    autores latinos, que puderam ser reconstitudas em grande parte, atravs dos

    inmeros fragmentos restantes.

    Os principais dispositivos da Lei das XII Tbuas so os seguintes:13

    Tbua I

    Referia-se ao chamamento a juzo. A ningum era lcito fugir do chamamento

    judicial. No havia oficial de justia para o desempenho de tais funes, vez que oautor da demanda fazia a prpria citao do devedor.

    Tbua II

    A causa era suspensa por motivo de doena e estabelecia prazo para

    comparecimento, posteriormente, a juzo.

    13 VRAS NETO, Francisco Quintanilha. O direito romano clssico. In: WOLKMER, Antonio Carlos(org.). Fundamentos de histria do direito. 2a ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 128-129

    7

  • 8/2/2019 O Direito Nas Sociedades Primitivas

    8/26

    Tbua III

    O que hoje podemos chamar de processo de Execuo por quantia certa, aps

    condenado, o devedor tinha trinta dias de prazo para pagar. Caso no o fizesse,

    seria preso e levado presena do magistrado e, se ainda persistisse a dvida, o

    devedor seria preso por correias ou com ferro de 15 libras aos ps; se, ainda assim,

    o dbito no fosse honrado, podia o devedor ser morto, esquartejado de acordo com

    o nmero de escravos ou vendido como tal.

    Isto explicado, no perodo da Realeza (753 a.C. a 510 a.C.), porque se vivia

    situao precria, j que s depois o errio romano se enriqueceu com os saques e

    pilhagens de outros povos. Srvio Tlio, o sexto rei, mandou fazer cadastro de

    todos, sendo que os censores vasculhavam todos os cantos da cidade procura de

    riqueza, para que se pudesse pagar impostos e ampliar as receitas.

    Tbua IV

    Cuidava do poder paterno e de outras matrias relativas ao direito familiar ( in jure

    patrio): o filho monstruoso podia ser morto imediatamente, isto , ser enjeitado pelo

    pai, que tinha sobre o filho o direito de vida e morte, inclusive de flagelar, aprisionar,

    obrigar realizao de trabalhos rsticos, vender e matar o filho. Com o tempo, talpoder foi sendo amenizado e, mais tarde, esses casos deram margem destituio

    do ptrio poder.

    Tbua V

    Tratava da sucesso hereditria. As mulheres no podiam gerir seus prprios

    negcios civis, posto que permaneciam sob tutela perptua (de seu pai ou de seu

    8

  • 8/2/2019 O Direito Nas Sociedades Primitivas

    9/26

  • 8/2/2019 O Direito Nas Sociedades Primitivas

    10/26

    os plebeus que participavam das campanhas de xito recebiam como

    recompensa as terras conquistadas. Muitos dependentes das famlias

    dominantes eram, talvez, recompensados assim pelo servio militar

    prestado e tornavam-se com isso economicamente independentes. Aos

    poucos, cresceu entre os plebeus a noo dos interesses comuns e o

    desejo de organizao. Tiveram representantes, talvez inicialmente os

    comandantes das tropas plebias, recrutados segundo as divises

    territoriais, que eram chamadas "tribos", mas que no devem ser

    confundidas com as trs tribos patrcias "gentias". Esses representantes

    eram por isso chamados "tribunos" e chegaram a ser defensores de todos

    os plebeus. Quatro tribunos talvez fossem, no comeo, eleitos anualmente

    representavam as quatro tribos em que se dividia a cidade de Roma; mais

    tarde, esse nmero passou a dez. Sua primeira vitria, na luta de classes,

    foi conquistada quando foraram o Senado e os patrcios a preparar e

    publicar um cdigo de Direito Civil as Doze Tbuas cerca de 450 a C.

    Pouco depois, a lei de Canuleu (cerca de 445 a C.) levantou a proibio, que

    era um pouco religiosa e um pouco poltica, de casamentos entre patrcios e

    plebeus".14

    Texto segundo:

    "Segundo a verso tradicional (Tito Livio, Dionsio de Halicarnasso e Diodoro

    da Siclia), em 494 a. C., os plebeus, revoltados com sua situao de

    inferioridade, teriam se rebelado e se reunido no Monte Aventino ( poca

    desocupado), a fim de fundarem uma cidade. Segundo alguns, teriam sido

    soldados plebeus que se rebelaram e se retiraram para o Monte Aventino. Aeles foi enviado um representante dos patrcios, de nome Mennio, que

    para persuadi-los a voltar, narrou-lhes o aplogo do estmago e dos

    membros. Os membros se revoltaram contra o estmago, uma vez que s

    eles trabalhavam, enquanto aquele s comia e descansava. Aps a rebelio,

    o estmago morreu de forme, levando morte tambm os membros, que

    dele dependiam para sobreviver, para se alimentar.

    14 M. Rostovtzeff. Histria de Roma. Traduo de Waltensir Dutra. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores,1973, p. 38. Grifou-se e destacou-se.

    10

  • 8/2/2019 O Direito Nas Sociedades Primitivas

    11/26

    Aplogo de lado, os plebeus cederam, mas com algumas conquistas:

    os tribunos e edis da plebe e uma lei escrita, genrica, que valesse para

    todos, patrcios e plebeus".15

    15 FIUZA, Csar. Direito civil: curso completo. 6a. ed. rev. atualizada e ampliada de acordo com o CdigoCivil de 2002. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 43. Parece ser certo que a Lei das XII Tbuas originou-se em virtude da luta entre as duas classes, patrcios e plebeus. Contudo, existem dvidas quanto

    sua origem e poca exata. Fiza, com base em Ettore Pais, esclarece que "a Lei das XII Tbuas noteria sido fruto de uma viagem Grcia (dos decnviros, com objetivo de estudar as leis gregas,principalmente as de Slon), nem dos esforos do decenvirato. Foram uma compilao de costumesque veio a lume no sculo IV a. C.". (op. cit. p. 44).

    11

  • 8/2/2019 O Direito Nas Sociedades Primitivas

    12/26

    3.4. O DIREITO GREGO ANTIGO (meados do sculo VIII a. C. a sculo III a. C.). As

    legislaes de Dracon e de Slon16

    3.4.1. Introduo

    Ao se iniciar o estudo da Grcia Antiga, costume dividir sua histria em

    vrios perodos, a saber: o arcaico (do oitavo ao sexto sculo a. C.), o clssico

    (quinto e quarto sculos a. C.), o helenstico (de Alexandre Magno conquista

    romana do Mediterrneo oriental), o romano (a partir da derrota de Antonio e

    Clepatra, por Augusto).

    O objeto do presente estudo se volta para o perodo iniciado com o

    aparecimento da polis (metade do sculo VIII a. C.) e vai at o sculo III a. C.

    (surgimento dos reinos helensticos), isto , um perodo de cinco sculos

    correspondente s denominadas poca arcaica (776 a 480 a. C, cujo marco histrico

    so os primeiros Jogos Olmpicos e a batalha de Salamina) e perodo clssico

    (quinto e quarto sculos a. C).

    O estudo sobre a Grcia ficar centrado nas instituies da cidade de Atenas,

    utilizada pelos historiadores como paradigma, dada a sua importncia: dela que setem mais informaes (Aristfanes; oradores ticos; historiadores e a Constituio

    de Atenas, deAristteles); Atenas foi onde a democracia melhor se desenvolveu e o

    direito atingiu sua mais perfeita forma quanto a legislao e processo.

    A poca arcaica um perodo de grandes transformaes, entre as quais a

    colonizao, o comrcio, o aparecimento da moeda, o surgimento de nova classe

    16 O presente item segue a orientao, preponderantemente, de Raquel de Souza (op. cit. p. 59-94) ede Fustel de Coulanges (op. cit. p. 257-260).

    12

  • 8/2/2019 O Direito Nas Sociedades Primitivas

    13/26

    social (plutocratas), a escrita e a obra dos legisladores (sabe-se que dois cdigos de

    leis foram redigidos em Atenas, separados por um perodo de 30 anos, o primeiro

    por Dracon, o segundo por Solon, como se ver mais adiante).

    Sobre a colonizao, pode-se dizer que foi uma prtica que continuou at o

    perodo helenstico (excesso de populao, secas ou chuvas em demasia,

    dificuldades de alimentar a populao, so motivos para se fundar uma apokia

    lugar distante). Foi dessa forma que os gregos se espalharam pelo mediterrneo.

    Alm de dispersarem geograficamente os gregos, a colonizao estimulou o

    comrcio e indstria (cermica, principalmente), atividades incrementadas com o

    aparecimento e adoo da moeda (Ldia, sculo VII a. C.), fatos que propiciaram,

    por sua vez, acumulao de riquezas e ao aparecimento de uma nova classe, a

    dos plutocratas.

    Com o surgimento dos plutocratas, a aristocracia perdeu o poder econmico,

    embora ainda mantivesse o poder poltico, por ela controlado mas, posteriormente,

    retirado com as reformas introduzidas pelos legisladores.

    3.4.2. a obra dos legisladores: Zaleuco, Dracon e Slon

    Retirar o poder das mos da aristocracia com leis escritas foi o papel doslegisladores, destacando-se, inicialmente, Zaleuco de Locros (650 a. C.), a quem

    atribudo o primeiro cdigo escrito de leis e ter sido o primeiro legislador a fixar

    penas determinadas para cada tipo de crime.

    Outro importante legislador da poca foi Drcon (620 a.C.), que fornece a

    Atenas seu primeiro cdigo de leis. Ficou conhecido por sua severidade, cuja lei

    relativa ao homicdio foi mantida pela reforma de Slon, sobrevivendo at nossos

    13

  • 8/2/2019 O Direito Nas Sociedades Primitivas

    14/26

    dias graas a uma inscrio em pedra. Foi ele o responsvel pela introduo de

    importante princpio do direito penal: a distino entre os diversos tipos de homicdio:

    voluntrio julgados pelo Arepago; homicdio involuntrio e em legtima defesa,

    julgados pelo Tribunal dos fetas, composto de 4 tribunais de 51 pessoas com mais

    de 50 anos e designadas por sorteio. O Arepago (mais antigo tribunal ateniense)

    enviava a esses tribunais os casos de homicdio involuntrio ou desculpvel.

    Leitura complementar

    "Dracon era um euptrida17. Abrigava todos os sentimentos de sua

    casta e "era instrudo no direito religioso". Parece ter se limitado a registrar

    por escrito os velhos costumes, sem nada mudar. Sua primeira lei a

    seguinte: "Dever-se- honrar os deuses e os heris do pas e oferecer-lhes

    sacrifcios anuais sem afastar-se dos ritos seguidos pelos ancestrais". Foi

    conservada a lembrana de suas leis sobre o assassnio. Prescrevem que o

    culpado seja afastado dos templos, e o probem de tocar a gua lustral e os

    vasos das cerimnias.

    Suas leis pareceram cruis s geraes subseqentes. Eram, de fato,

    ditadas por uma religio implacvel, que via em toda falta uma ofensa

    divindade, e em toda ofensa divindade um crime irremissvel. O roubo era

    punido com a morte, porque o roubo era um atentado religio da

    propriedade.

    Um curioso artigo que nos foi conservado dessa legislao mostra

    dentro de que esprito foi concebida. Apenas proporcionava o direito de

    demandar em justia por um crime aos parentes do morto e aos membros

    de sua gens. Vemos por isto quanto a gens era ainda poderosa nessa

    poca, j que no permitia cidade intervir por dever de ofcio nos seus

    negcios, mesmo que fosse para vinga-la. O homem pertencia ainda mais

    famlia que cidade.

    Examinando tudo que a ns chegou dessa legislao, constatamos

    que nada mais fez seno reproduzir o direito antigo. Possua dureza e a17 Do grego eupatrides, de nascimento nobre. Membros da classe nobre, na tica, que exerceram umpoder oligrquico sobre Atenas nos sculos VIII a VII a. C. (nota em complemento ao texto original).

    14

  • 8/2/2019 O Direito Nas Sociedades Primitivas

    15/26

    rigidez da velha lei no escrita. Pode-se crer que estabelecia uma

    demarcao bem profunda entre as classes, pois a classe inferior sempre a

    detestou, e ao cabo de trinta anos reclamava uma legislao nova".18

    Trinta anos depois da legislatura draconiana, Slon (594-593 a.C.) no s

    cria um cdigo de leis (alterando o cdigo de Dracon) como, tambm, promove uma

    reforma institucional, econmica (reorganizando a agricultura, incentivando a cultura

    da oliveira e da vinha e exportao do azeite) e social (obrigao dos pais a

    ensinarem um ofcio a seus filhos, os quais, caso contrrio, ficariam desobrigados de

    ampara-los na velhice; eliminao de hipotecas e libertao dos escravos e por

    dvidas; acaba com a diviso da sociedade em classes societrias). Atrai, tambm,

    artfices estrangeiros com a promessa de concesso de cidadania.

    Manteve, contudo, com alteraes, algumas instituies gregas: os Arcontes,

    o Arepogo e a Assemblia, tendo criado, ainda, a Boul (Conselho paralelo ao

    Arepago, tambm denominado de Conselho dos 500) e o Tribunal da Heliaia (ao

    qual qualquer pessoa podia apelar das decises dos tribunais, no sentido de que "a

    lei se encontrava acima do magistrado que tinha a cargo sua aplicao").

    Leitura complementar

    "O Cdigo de Slon completamente diferente. V-se quecorresponde a uma grande revoluo social. A primeira coisa que a se

    observa que as leis so as mesmas para todos. No estabelecem

    distino entre o euptrida, o simples homem livre e o teta. Estes nomes

    nem sequer figuram em nenhum dos artigos que nos foram conservados.

    Slon se vangloria nos seus versos de ter escrito as mesmas leis para os

    grandes e para os pequenos.

    [...]18 Fustel de Coulanges, op. cit. p. 258-259. Esta nova legislao, a que se refere o autor no ltimopargrafo do texto, o Cdigo de Slon.

    15

  • 8/2/2019 O Direito Nas Sociedades Primitivas

    16/26

    O direito antigo prescrevia que o filho primognito fosse o nico

    herdeiro. A lei de Slon se distancia disso e afirma em termos formais: "Os

    irmos repartiro o patrimnio". Mas o legislador no se afasta ainda do

    direito primitivo a ponto de conferir irm uma parcela da sucesso. "A

    partilha diz ele se far entre os filhos". E h mais: se um pai deixa

    apenas uma filha, esta filha nica, no pode ser herdeira; sempre o

    agnado mais prximo que detm a sucesso. Nisto Slon se conforma ao

    antigo direito. Ao menos, consegue dar filha o gozo do patrimnio

    forando o herdeiro a desposa-la.

    O parentesco entre as mulheres era desconhecido no antigo direito.

    Slon o admite no direito novo, mas colocando-o abaixo do parentesco por

    via masculina ["Se um pai morre intestado deixando apenas uma filha, o

    agnado mais prximo herda desposando essa filha. Se no deixar filho

    algum, seu irmo herdar e no sua irm; e seu irmo germano ou

    consangneo, e no seu irmo uterino. falta de irmos, ou de filhos dos

    irmos, a sucesso passar a sua irm. Se no houver nem irmos, nem

    irms, nem sobrinhos, os primos e seus filhos do lado paterno herdaro. Se

    no houver primos no lado paterno (ou seja, entre os agnados), a sucesso

    ser deferida aos colaterais do lado materno (quer dizer, aos cognados"].

    [...]

    Slon introduz ainda na legislao ateniense algo de muito novo, o

    testamento (lembre-se que, antes, os bens pertenciam ao indivduo, mas

    sim famlia). O legislador permite, ento, ao homem dispor de sua fortuna

    e escolher seu legatrio [mas] o filho foi conservado como herdeiro

    necessrio. Se o morto deixasse somente uma filha, no podia escolher seuherdeiro a no ser sob a condio de tal herdeiro desposar sua filha;

    sem filhos, o homem era livre para testar como quisesse (regra

    absolutamente nova no direito ateniense).

    Sabe-se que Slon proibiu o pai de vender a filha [a religio primitiva

    o permitia], a no ser que ela tivesse cometido um delito grave.

    verossmil que a mesma proibio protegesse o filho, [permitindo a este]

    que chegou a uma certa idade que escape do poder paterno. Os costumes,

    16

  • 8/2/2019 O Direito Nas Sociedades Primitivas

    17/26

    seno as leis, passaram de modo pouco perceptvel a estabelecer a

    maioridade do filho, mesmo que o pai ainda estivesse vivo.

    Para a mulher a lei de Slon se conformava ainda ao direito antigo,

    proibindo-a de fazer testamento, porque a mulher jamais fora realmente

    proprietria, podendo ter apenas em usufruto. Mas a lei de Slon se afasta

    desse direito antigo ao permitir mulher que retome seu dote.

    Havia ainda outras novidades nesse cdigo. Em oposio a Drcon,

    que concedera o direito de demandar em justia um crime somente

    famlia da vtima, Slon o concedeu a todo cidado. Mais uma regra do

    velho direito patriarcal a desaparecer".19

    Ainda no mesmo perodo ora estudado pode-se apontar o aparecimento de

    tiranos (640-630 a.C.), entre os quais Pisstrato (546-510), dspota esclarecido cujo

    perodo coincide com importante fase de desenvolvimento econmico de Atenas

    (so desta fase as famosas moedas de prata com a imagem da coruja, smbolo da

    deusa protetora da cidade). Este tirano mantm o que Slon tinha estabelecido.Por vontade do povo, eleito Clstenes (510 a.C.), considerado o pai da

    democracia grega porque, atuando como legislador, realizou verdadeira reforma e

    instaurando nova Constituio.

    Posteriormente, com as guerras prsicas (490 e 489-479 a.C.), inicia-se a era

    clssica da Grcia (sculos V e IV a.C.), destacando-se generais gregos (Milcades,

    com a vitria em Maratona); Temstocles, com a vitria naval de Salamina; Elfates

    (retira a maioria dos poderes do Aerpago) e, finalmente, Pricles, que estabelece a

    remunerao para o tempo a servio dapolis.

    na poca clssica que se consolidam as principais instituies gregas: a

    Assemblia, o Conselho dos Quinhentos (boul) e os Tribunais da Heliaia. Por volta

    de 430 a.C. (Guerra do Peloponeso), estima-se que Atenas tivesse cerca de 300 mil

    19 Fustel de Coulanges, op. cit. p. 259-260.

    17

  • 8/2/2019 O Direito Nas Sociedades Primitivas

    18/26

    habitantes,dos quais 30 a 40 mil eram cidados e de 100 a 150 mil eram escravos

    (democracia escravagista?), mas pode-se dizer que Atenas atingiu sua maioridade e

    elevado grau de democracia (e que foi estendido para outras cidades gregas). A

    Assemblia do Povo era a principal das instituies e eram onde as decises eram

    efetivamente tomadas.

    3.4.3. A escrita grega. A lei grega escrita como fonte de poder

    consenso que os historiadores tm dado pouca importncia ao direito grego

    por que seu estudo tem sido feito mais por parte dos filsofos (que no se

    preocupavam muito com a verdade jurdica) e por romanistas, que permaneceram

    fechados em suas categorias tradicionais. Pode-se adicionar outra razo: a de que a

    escrita grega surgiu e se desenvolveu ao longo da histria da civilizao grega,

    tendo atingido sua maturidade somente aps o ocaso dessa civilizao.

    Estivessem a escrita, os meios de escrita e a tecnologia da produo de livros

    em adiantado estgio quando a civilizao grega atingiu seu auge, como foi o caso

    da civilizao romana, talvez teramos outra histria quanto ao direito grego: que

    direito e escrita se interelacionam e se confundem com a prpria histria da

    civilizao grega.A escrita surge como nova tecnologia, permitindo a codificao das leis e sua

    divulgao (em que os legisladores exerceram papel destacado), o que levou

    participao do povo e da, perda do monoplio da aplicao do direito, ento nas

    mos da aristocracia.

    Sabe-se que as grandes obras de Atenas do sculo V a.C. foram escritas em

    dialeto tico, mas a Odissia, datada do sculo VIII a.C. foi escrita em dialeto jnico.

    18

  • 8/2/2019 O Direito Nas Sociedades Primitivas

    19/26

    O alfabeto fontico grego data de 776 a.C. (data em que se aponta como a

    realizao da Primeira Olimpada).

    Duas outras caractersticas podem ter contribudo, ainda, para

    obscurecimento do direito grego, ao longo da histria:

    a) a recusa do grego em aceitar a profissionalizao do direito e da figura do

    advogado (que, quando existia, no podia receber pagamento) e

    b) os gregos preferiam falar e ouvir a escrever: Herdoto, fez leituras pblicas da

    sua Histria; os filsofos ensinavam mediante o discurso e a discusso; Plato (que

    escreveu em forma de dilogos) exprimiu abertamente sua desconfiana dos livros

    (no podem ser inquiridos e, por conseguinte, as suas idias esto fechadas a

    correo ou ao maior aperfeioamento e, alm disso, "enfraquecem a memria");

    Scrates conseguiu sua reputao apenas com uma longa vida de conversao, j

    que no escreveu uma linha sequer.

    A preferncia dos gregos fala tambm reforada pelas dificuldades que a

    escrita ainda apresentava (sc. V a. C.), como a pouca disponibilidade e o alto custo

    do material para escrita e produo de obras para consumo (o papiro foi introduzido

    no sculo IV a. C., vindo de Cartago; o pergaminho teve sua utilizao coincidente

    no momento em o apogeu da Grcia j tinha passado e Roma dominava).

    O que levou os gregos a utilizarem a escrita para publicar suas leis tem sidoobjeto de controvrsias. Acredita-se que em determinado ponto da histria (por volta

    do sc. VII a. C.), o povo comeou a exigir leis escritas para assegurar melhor sua

    forma de aplicao.

    provvel, tambm, que as primeiras leis escritas reduziram as contendas

    entre os membros da polis, aumentaram o alcance e a eficincia do sistema

    19

  • 8/2/2019 O Direito Nas Sociedades Primitivas

    20/26

    judicirio e culminaram, por fim, por aumentar gradualmente o poder das cidades, s

    custas das famlias e dos indivduos.

    3.4.5. O direito grego e suas fontes. A retrica grega como instrumento de

    persuaso jurdica

    Os gregos no elaboram tratados sobre o direito, limitando-se apenas tarefa

    de legislar (criao das leis) e administrar a justia pela resoluo de conflitos

    (direito processual).

    Tem-se notcia de que os assassinatos eram resolvidos pelos membros das

    famlias das vtimas, que buscavam e matavam o assassino, dando incio a disputas

    sangrentas sem fim. Somente no meio do sculo VII a. C., estabeleceram os gregos

    suas primeiras leis codificadas oficiais20.

    As fontes das leis escritas so encontradas em inseres em pedra, madeiras

    e bronze, mas no chegaram at ns como os escritos da filosofia, literatura e

    histria porque estes foram constantemente citados, copiados, o que no ocorreu

    com as leis gregas.

    Os gregos tinham muito clara a distino (superada, neste sculo XXI, com o

    advento dos Estados Democrticos de Direito,) entre lei substantiva (o prprio fimque a administrao da justia busca; determina a conduta e as relaes com

    respeito aos assuntos litigados) e lei processual (trata dos meios e dos instrumentos

    pelos quais o fim deve ser atingido, regulando a conduta e as relaes dos tribunais

    e dos litigantes com respeito litigao em si).

    Como forma de soluo de controvrsias havia rbitros pblicos (visava

    reduzir a carga dos dikastas: o rbitro era designado pelo magistrado e tinha como

    20 Raquel de Souza, op. cit. p. 74.

    20

  • 8/2/2019 O Direito Nas Sociedades Primitivas

    21/26

    principal caracterstica a emisso de um julgamento correspondente moderna

    arbitragem, mas que deu origem jurisdio, tal como em Roma) e rbitros

    privados (meio alternativo mais simples e mais rpido, realizado fora do tribunal,

    para se resolver um litgio, em que as prprias partes escolhiam os rbitros entre

    pessoas de sua confiana. Buscava-se a equidade).

    Por outro lado, embora no chegassem a diferenciar o direito civil do penal ou

    o direito pblico do privado, havia uma forma de mover uma ao: ao pblica

    (graph) por cidados que se considerassem prejudicados pelo Estado e ao

    privada (dik) um debate judicirio entre dois litigantes, reivindicando um direito ou

    apresentando uma defesa, adstrito s partes (exemplos: assassinato, propriedade,

    assalto, violncia sexual, roubo, etc.).

    Cabia pessoa lesada ou a seu representante legal intentar a ao, fazer a

    citao, tomar a palavra na audincia, sem auxlio do advogado. No havia, tambm

    juzes e promotores, apenas dois litigantes dirigindo-se a centenas de jurados

    (cidados comuns, os heliastas, sorteados anualmente), com julgamentos

    completados em um ou dois dias. Os juzes dos demos tinham a responsabilidade

    da investigao preliminar, facilitando a vida dos cidados no campo.

    Particular caracterstica dessa poca era a utilizao da retrica como

    instrumento de persuaso dos litigantes gregos, em sesses de trabalho para julgaros casos apresentados junto heliaia (grande demonstrao de que o povo era

    soberano em matria judiciria, era o grande tribunal popular e onde a cidade se

    reunia para julgar todas as causas, tanto pblicas quanto privadas, exceo dos

    crimes de sangue que ficavam sob a alada do arepago, o mais antigo tribunal de

    Atenas: seus membros eram os ex-arcontes).

    21

  • 8/2/2019 O Direito Nas Sociedades Primitivas

    22/26

    Os litigantes dirigiam-se diretamente aos jurados atravs de um discurso

    (ajudados algumas vezes por amigos e parentes), sendo o julgamento um exerccio

    de retrica e persuaso, para convencer a maior parte de jurados.

    No havia advogado profissional, porque nenhum litigante corria o risco de

    admitir que seu discurso era na realidade um discurso fantasma, feito por um orador

    profissional. Como bem apontado por Raquel de Souza, as pessoas em Atenas que

    correspondem mais de perto nossa idia de advogado, no eram os oradores nos

    tribunais, mas aqueles que forneciam discursos para os clientes (loggrafos) para

    serem apresentados pelas partes em seu prprio benefcio.21

    Os loggrafos eram pessoas com considervel familiaridade com as leis e o

    processo, e se utilizavam da retrica como meio eficaz de persuaso (no sentido

    grego original, a palavra retrica significava orador e se referia arte de dizer, de

    eloqncia, e tinha como objetivo original persuadir com a fora dos argumentos e

    com a convenincia da expresso)

    3.4.5. As instituies gregas

    As instituies gregas e que se consolidaram na poca clssica, podem ser

    classificadas em instituies polticas de governo da cidade e instituies relativas administrao da justia, entre as quais os tribunais (organizados em justia criminal

    oArepago e os Efetas e justia civil os rbitros, os heliastas e os juzes dos

    tribunais martimos).

    Assim, temos entre as primeiras (governo da cidade):

    21 FORSYTH, William. The history of lawyers: ancient and modern. Boston: Estes & Lauriat, 1875, p. 22.apud Raquel de Souza, op. cit. p. 83)

    22

  • 8/2/2019 O Direito Nas Sociedades Primitivas

    23/26

    Assemblia do Povo (ekklsia), composta por todos os cidados acima de

    20 anos e de posse de seus direitos polticos; se reuniam na praa pblica (gora)

    ou no grande teatro de Dionsio (quarto sculo), que delibera, decide, elege e julga.

    Constitua-se no rgo de maior autoridade;

    O Conselho dos Quinhentos (boul): composto de 500 cidados (50 para

    dada tribo), com idade acima de 30 anos e escolhidos por sorteio a partir de

    candidatura prvia. Eram submetidos a exame moral prvio pelos conselheiros

    antigos. O papel do Conselho, devido sua dedicao total atividade pblica, era

    o de auxiliar da Assemblia. Assim, examinava, preparava as leis e as controlava;

    Os Estrategos (501 a. C.), em nmero de 10 eleitos pela Assemblia, eram

    eleitos e reeleitos indefinidamente. Tinham que ser cidados natos, casados

    legitimamente (no eram elegveis os solteiros) e possuir uma propriedade financeira

    na tica que assegurassem alguma renda.

    Sua atividade principal era administrar a guerra, distribuir os impostos e dirigir

    a polcia de Atenas e a defesa nacional. Foram aos poucos substituindo os arcontes

    como verdadeiros chefes do poder executivo;

    Os Magistrados eram sorteados dentre os candidatos eleitos (no poderiam

    ser reeleitos). Havia vrios tipos de magistraturas, quase sempre agrupadas em

    colegiado, sendo o grupo mais importante o dos arcontes.

    o arconte rei (basileu) tinha funes religiosas e presidia os tribunais do

    Arepago. Seis arcontes, denominados tesmtetas (thesmothtai) eram os

    presidentes de tribunais e, a partir do quarto sculo a. C., passaram a revisar e

    coordenar anualmente as leis.

    23

  • 8/2/2019 O Direito Nas Sociedades Primitivas

    24/26

    Resumindo, instruam os processos, ocupavam-se dos cultos e exerciam as

    funes municipais.

    5. Concluso: caractersticas e fontes do direito arcaico

    Segundo Jonh Gilissen22, pode-se distinguir algumas caractersticas do direito

    nas sociedades arcaicas, a saber:

    a) o direito no era legislado, vez que as populaes no conheciam a escritura

    formal e suas regras de regulamentao mantinham-se e conservavam-se pela

    tradio, isto , os costumes eram transmitidos oralmente, de gerao para gerao;

    b) cada organizao social possua um direito nico, que no se confundia com o de

    outras formas de associao, com suas prprias regras, vivendo com autonomia e

    tendo pouco contato com outros povos (a no ser pelas guerras), fato explicado

    talvez pelas longas distncias e, principalmente, pelas caractersticas geogrficas de

    cada lugar;

    c) corolrio deste pensamento que h uma diversidade destes direitos no escritosdiante de uma gama de sociedades atuantes, advinda da especificidade para cada

    um dos costumes jurdicos concomitantes e de possveis e inmeras semelhanas

    ou aproximaes de um para outro sistema primitivo.

    De todo modo, pode-se dizer (com o mesmo Gilissen) que o direito arcaico

    est profundamente contaminado pela prtica religiosa, isto , o direito estava

    22 Introduo histrica do direito: Lisboa: Fundao Calouste Gulbekian, 1988, p. 38. Pesquisou-sediretamente na fonte, embora Wolkmer (op. cit. p. 12) tambm mencione-o.

    24

  • 8/2/2019 O Direito Nas Sociedades Primitivas

    25/26

    totalmente subordinado imposio de crenas dos antepassados, ao ritualismo

    simblico e fora das divindades. Um sincretismo nebuloso mesclava e integrava,

    no religioso, as regras de cunho social, moral e poltico e

    d) o que jurdico, nos dias de hoje, no pode ser aplicado s sociedades da pr-

    histria, onde no havia uma diferenciao efetiva entre o que jurdico do que no

    jurdico, embora este carter tivesse sido implantado paulatinamente (variando no

    tempo e no espao) na medida em que, constrangendo (no sentido de se sentir

    obrigado), garantiu o cumprimento das normas de comportamento.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    ARIS, Philippe e DUBY, Georges. Histria da vida privada. V. I. So Paulo:Companhia das Letras, 1989.

    CDIGO DE HAMURABI. Cdigo de Manu. Lei das XII Tbuas. Superviso editorial:Jair Lot Vieira. Bauru e So Paulo: Edipro, 1994.

    FIUZA, Csar. Direito civil: curso completo. 6a. ed. Revista, ampliada e atualizada deacordo com o Cdigo Civil de 2002. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.

    FUSTEL DE COULANGES, Numa Denis.A cidade antiga. Traduo de Edison Beni.2a. ed. Bauru e So Paulo: Edipro, 1999.

    GILISSEN, John. Introduo histrica ao direito. Lisboa: Fundao CalousteGolbekian, 1988.

    M. ROSTOVTZEFF. Histria de Roma. Traduo de Waltensir Dutra. 3a. ed. Rio deJaneiro: Zahar, 1973.

    PETIT, Paulo. Histria antiga. Traduo de Pedro Moacyr Campos. 3a. ed. SoPaulo e Rio de Janeiro: Difel, 1976.

    PINTO, Cristiano Paixo Arajo. Direitos e sociedade no oriente antigo:mesopotmia e Egito. In: Fundamentos de histria do direito. Wolkmer, AntonioCarlos (org.). 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.

    SOUZA, Raquel de. O direito grego antigo. In: Fundamentos de histria do direito.Wolkmer, Antonio Carlos (org.). 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.

    25

  • 8/2/2019 O Direito Nas Sociedades Primitivas

    26/26

    VRAS NETO, Francisco Quintanilha. Direito romano clssico: seus institutosjurdicos e seu legado. In: Fundamentos de histria do direito. Wolkmer, AntonioCarlos (org.). 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.

    WOLKMER, Antonio Carlos. Fundamentos de histria do direito. 2a

    . ed. BeloHorizonte: Del Rey, 2001.

    26