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0 PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO – MESTRADO ÁREA DE CONCENTRAÇÃO EM DIREITOS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS Fabiane Giongo Conzatti Scaravonatti O DIREITO AO TRANSPORTE DA PESSOA IDOSA COMO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: uma análise constitucional Santa Cruz do Sul, novembro de 2007

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO – MESTRADO

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO EM

DIREITOS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS

Fabiane Giongo Conzatti Scaravonatti

O DIREITO AO TRANSPORTE DA PESSOA IDOSA COMO PRINCÍPIO DA

DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: uma análise constitucional

Santa Cruz do Sul, novembro de 2007

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Fabiane Giongo Conzatti Scaravonatti

O DIREITO AO TRANSPORTE DA PESSOA IDOSA COMO PRINCÍPIO DA

DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: uma análise constitucional

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito – Mestrado, Área de Concentração em Direitos Sociais e Políticas Públicas, Universidade de Santa Cruz do Sul-UNISC, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito. Orientador Prof. Dr. Clóvis Gorczevski

Santa Cruz do Sul, novembro de 2007

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Esta Dissertação foi submetida ao Programa de Pós-Graduação em Direito –

Mestrado, na Área de Concentração em Direitos Sociais e Políticas Públicas, da

Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC, como requisito parcial para obtenção

do título de Mestre em Direito.

_________________________________

Prof. Pós-Dr. Clovis Gorczevski

Professor Orientador

_________________________________

Profª. Drª. Marli Marlene Moraes da Costa

_________________________________

Prof. Dr. André Viana Custódio

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus pela fé que tenho e por dar-me forças para o cumprimento

desta missão; ao meu orientador, Clóvis Gorczevski, pelo carinho, incentivo e

irrestrito apoio, cujos reconhecidos méritos culturais e acadêmicos dignificam o

magistério jurídico, pelo privilégio de ter sido sua aluna e orientanda no Mestrado; ao

meu marido, Fábio, pela incondicionalidade de companheirismo e compreensão; ao

meu pai, José Carlos, de quem recebi incentivos para buscar o saber jurídico; à

minha mãe, Marlene, que com o seu exemplo sempre guiou-me para o caminho do

bem e da fé, fazendo com que eu perseguisse, acima de tudo, os valores e

princípios humanos; e, à minha irmã, Bruna, minha eterna amiga.

Meus sinceros agradecimentos.

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"TODOS NASCEM COM UMA ESTRELA. ALGUNS FAZEM DA ESTRELA

UM SOL. OUTROS, NEM CONSEGUEM VÊ-LA”.

NÓS VEREMOS! OBRIGADO.

Helena Kolody (Poeta Brasileira)

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RESUMO

O presente trabalho versa sobre a gratuidade dos transportes coletivos públicos urbanos à pessoa idosa, fundado no princípio da dignidade da pessoa humana. Tomando como referência a Constituição Federal de 1988, objetiva-se mais especificadamente verificar se esta, por si só, tem força normativa suficiente capaz de garantir a gratuidade dos transportes coletivos públicos urbanos à pessoa idosa, fundada no princípio da dignidade da pessoa humana mesmo após a promulgação do Estatuto do Idoso, de acordo com o entendimento jurisprudencial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal. Para tanto, dividiu-se o trabalho em três capítulos. O primeiro versa sobre a Constituição Federal de 1988 como marca identificadora da dignidade, o conteúdo e o significado da noção de dignidade, o caráter normativo que marca este princípio, bem como o princípio da dignidade humana e os direitos sociais. O segundo capítulo trata da pessoa idosa, visando caracterizar quem é o idoso, principalmente no contexto brasileiro, bem como apresentar um breve histórico sobre a velhice, a fim de analisar o idoso como sujeito de dignidade na ordem constitucional. Por fim, no terceiro capítulo, se analisa o direito ao transporte, especificamente com relação à pessoa idosa, para, após, fazer uma análise das decisões jurisprudenciais do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, de forma a verificar a importância do argumento constitucional na presente pesquisa. O método de abordagem da pesquisa é o hipotético-dedutivo; o de procedimento, histórico e comparativo; e, a técnica de pesquisa indireta e, eventualmente, direta, em virtude da análise jurisprudencial. A linha de pesquisa adotada é a do constitucionalismo contemporâneo, que se justifica diante da análise, numa perspectiva constitucional, da gratuidade dos transportes coletivos públicos urbanos à pessoa idosa, fundada no princípio da dignidade da pessoa humana.

Palavras-Chave: transporte – idoso – dignidade humana – direito fundamental.

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RESUMEN

Este estudio versa sobre la gratuidad de los transportes colectivos urbanos a los ancianos, apoyado en el principio de la dignidad de la persona humana. Como referencia se ha tomado la Constitución Federal de 1988 y se objetiva verificar si ésta, por si sólo, posee fuerza normativa capaz de garantizar la gratuidad de los transportes colectivos públicos urbanos a los ancianos, tras la publicación del Estatuto del Anciano, de acuerdo con el entendimiento jurisprudencial del Tribunal de Justicia del Estado de Rio Grande do Sul, Superior Tribunal de Justicia y Supremo Tribunal Federal. Para tanto, se partiu el trabajo em três capítulos. El primero capítulo versa sobre la Constituición Federal de 1988 como marca identificadora de la dignidad, el contenido y el significado de la noción de dignidad, el carácter normativo que marca este principio, bien como el principio de la dignidad y los derechos sociales. El segundo capítulo versa sobre los ancianos, principalmente em el contexto brasileño, así como presenta um breve histórico sobre la vejez, a fin de analizar el anciano como sujeto de dignidad em la ordem constitucional. Por fin, em el tercero capítulo, se analiza el derecho al transporte, especificadamente com relación a los ancianos, para, después, hacer uma análisis de las decisiones jurisprudenciales del Tribunal de Justicia del Estado de Rio Grande do Sul, Superior Tribunal de Justicia y Supremo Tribunal Federal, verificando el argumento constitucional em la investigación. El método de abordaje de la investigación es el hipotético-deductivo; el de procedimiento, histórico y comparativo; y la técnica de investigación indirecta y, a veces, directa, a causa del análisis de jurisprudencias. A linha de pesquisa adotada é a do constitucionalismo contemporâneo, que se justifica diante da análise, numa perspectiva constitucional, da gratuidade dos transportes coletivos públicos urbanos à pessoa idosa, fundada no princípio da dignidade da pessoa humana.

Palabras Clave: transporte – anciano – dignidad humana – derecho

fundamental.

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LISTA DE ABREVIATURAS

ANC Assembléia Nacional Constituinte

CF/88 Constituição Federal de 1988

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

INSS Instituto Nacional do Seguro Social

ONU Organização das Nações Unidas

PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios

SP São Paulo

STF Supremo Tribunal Federal

TJSP Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO........................................................................................................ 09 1 DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.................................... 13 1.1 Conteúdo e Significado da noção de dignidade da pessoa humana................. 13 1.2 O caráter normativo que marca o princípio da dignidade da pessoa humana.....................................................................................................................

30

1.3 O princípio da dignidade humana e os direitos sociais...................................... 44 1.4 A Constituição Federal de 1988 como marca identificadora da dignidade...... 60 2 DA PESSOA IDOSA.............................................................................................. 72 2.1 Definição de Velhice........................................................................................... 74 2.2 Incursões históricas sobre a velhice: a imagem do idoso através dos tempos . 89 2.3 O perfil atual dos idosos no Brasil...................................................................... 98 2.4 O idoso como sujeito de dignidade na ordem constitucional............................. 113 3 O DIREITO AO TRANSPORTE............................................................................ 126 3.1 O direito ao transporte da pessoa idosa............................................................ 129 3.2 Análise jurisprudencial....................................................................................... 140 3.2.1 Julgados do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul................. 141 3.2.2 Julgados do Superior Tribunal de Justiça....................................................... 153 3.2.3 Julgados do Supremo Tribunal Federal.......................................................... 158 3.3 A força normativa da Constituição Federal de 1988.......................................... 161 CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................... 173 REFERÊNCIAS........................................................................................................ 180

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INTRODUÇÃO

O trabalho que ora se inicia, tem como objeto de estudo a gratuidade dos

transportes coletivos públicos urbanos à pessoa idosa, fundado no princípio da

dignidade da pessoa humana.

A finalidade desta pesquisa é verificar se a Constituição Federal de 1988 tem,

por si só, força normativa suficiente capaz de garantir a gratuidade dos transportes

coletivos públicos urbanos à pessoa idosa, fundada no princípio da dignidade da

pessoa humana, mesmo após a promulgação do Estatuto do Idoso, de acordo com o

entendimento jurisprudencial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do

Sul, do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal.

A Constituição Federal de 1988 garante no artigo 230, § 2˚, aos maiores de

sessenta e cinco anos, a gratuidade dos transportes coletivos públicos urbanos. O

Estatuto do Idoso, por sua vez, Lei n˚ 10.741 de 01 de outubro de 2003, prevê no

artigo 39, aos maiores de sessenta e cinco anos, a gratuidade dos transportes

coletivos públicos urbanos e semi-urbanos.

Desta forma, se busca saber exatamente se a Constituição Federal de 1988,

tem força normativa suficiente, capaz de garantir a gratuidade dos transportes

coletivos públicos urbanos à pessoa idosa, com fundamento no princípio da

dignidade da pessoa humana, mesmo após a promulgação do Estatuto do Idoso.

Assim, diante de tais preceitos, ou a Constituição Federal de 1988, em

decorrência da sua força normativa, garante a gratuidade do transporte público

coletivo urbano ao idoso, com fundamento no princípio da dignidade da pessoa

humana, mesmo após a promulgação do Estatuto do Idoso; ou, por outro lado, há

uma ausência de normatividade da Constituição Federal de 1988, haja vista que

esta, por si só, não garante a gratuidade do transporte coletivo público urbano aos

maiores de sessenta e cinco anos, com fundamento no princípio da dignidade da

pessoa humana, fazendo-se necessário, portanto, a incidência do Estatuto do Idoso,

como forma de complementação.

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Para melhor situar e compreender o tema tratado dividiu-se o trabalho em três

capítulos.

O primeiro capítulo versa sobre a Constituição Federal de 1988 como marca

identificada da dignidade, na qual se busca compreender o conteúdo e o significado

da noção de dignidade, bem como o caráter normativo que marca este princípio.

Neste capítulo, se faz também um breve estudo sobre o princípio da dignidade

humana e os direitos sociais, justamente para que se possa no último capítulo

identificar o direito fundamental ao transporte como um direito social.

O segundo capítulo trata da pessoa idosa, visando caracterizar quem é o idoso,

principalmente no contexto brasileiro, bem como apresentar um breve histórico sobre

a velhice, a fim de analisar o idoso como sujeito de dignidade na ordem

constitucional.

Por fim, no terceiro capítulo, se analisa o direito ao transporte, especificamente

com relação à pessoa idosa, para, após, fazer uma análise das decisões

jurisprudenciais do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Superior

Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, de forma a verificar a

importância do argumento constitucional na presente pesquisa.

Neste último capítulo, também se analisam aspectos referentes à força

normativa da Constituição Federal de 1988, com o intuito de poder justamente saber,

com base nas decisões jurisprudenciais, se a Carta Magna, por si só, tem força

normativa capaz de garantir ao idoso a gratuidade do transporte coletivo público

urbano, com base no princípio da dignidade da pessoa humana.

A pesquisa sobre a gratuidade dos transportes coletivos públicos urbanos à

pessoa idosa, fundada no princípio da dignidade da pessoa humana se justifica, em

razão da necessidade de se fazer uma reflexão sobre a força normativa da

Constituição Federal de 1988, buscando identificar se esta, por si só, é capaz de

garantir tal direito ou se depende, para tanto, de uma complementação da lei

ordinária.

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Além disso, o idoso, por ser o grupo da população que mais vem crescendo em

nosso país, considerando-se o avanço da própria medicina, da melhoria da

qualidade de vida, merece, com toda a certeza, atenção especial, especialmente no

tocante à efetivação do seu direito fundamental ao transporte, direito este inerente a

toda pessoa humana.

Nestas circunstâncias, há sem dúvida um interesse social, de ordem pública,

na análise desta matéria, principalmente porque se vive num contexto de um mundo

globalizado, marcado por injustiças sociais.

A linha de pesquisa adotada é a do constitucionalismo contemporâneo, que se

justifica diante da análise, numa perspectiva constitucional, da gratuidade dos

transportes coletivos públicos urbanos à pessoa idosa, fundada no princípio da

dignidade da pessoa humana.

O método de abordagem da pesquisa é o hipotétivo-dedutivo, haja vista que se

parte de estudos mais gerais sobre o princípio da dignidade da pessoa humana e da

pessoa idosa, para, ao final, fazer um estudo mais específico e particular sobre o

direito ao transporte da pessoa idosa como princípio da dignidade da pessoa

humana.

Além disso, o método se justifica em razão de que se elege um conjunto de

proposições hipotéticas que se acredita serem viáveis como estratégia de

abordagem para se aproximar do objeto.

Por outro lado, o método de procedimento é histórico e comparativo. O

histórico se justifica em razão da investigação de conceitos tais como, da pessoa

idosa, do princípio da dignidade da pessoa humana, acontecimentos do passado

para verificar a sua influência na sociedade de hoje, pois as instituições alcançam

sua forma atual através de alterações, ao longo do tempo, influenciadas pelo

contexto cultural particular de cada época.

O comparativo, por sua vez, se justifica em razão da análise comparada da

legislação do idoso, no que tange ao seu direito ao transporte, na Constituição

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Federal e no Estatuto do Idoso, bem como do estudo comparativo que se faz das

decisões jurisprudenciais.

A técnica de pesquisa é indireta e, eventualmente, direta, em virtude da análise

jurisprudencial. No entanto, todos os acórdãos analisados são oficiais e trarão

sempre a fonte, o relator e outros elementos indispensáveis à sua identificação.

Cumpre destacar, ainda, que na elaboração de uma pesquisa, nem sempre é

possível definir claramente uma matriz teórica específica que lhe dê sustentação,

motivo pelo qual se utiliza, na presente pesquisa, marcos teórico-referenciais, a

partir de pensadores como Ingo Sarlet, Norberto Bobbio, Simone de Beauvoir e

Konrad Hesse, que, de forma muito clara, definem alguns pontos, objetos deste

trabalho.

Quanto à bibliografia, apesar de procurar levantá-la tanto quanto possível, de

forma que não houvesse omissões, evidentemente isto é impossível, tendo em vista

a magnitude que o tema encerra, bem como as suas múltiplas implicações. Tem-se

consciência, desta forma, que muitos pontos podem ter ficado em aberto, pois

apenas foram arrazoados aqueles aspectos que se reputou essenciais à apreensão

da proposta.

Assim, a presente pesquisa não teve a pretensão de esgotar a matéria,

sobretudo pela sua brevidade. No entanto, espera-se que este trabalho possa se

constituir num recurso válido e significativo para futuras pesquisas relativas ao tema

em questão, principalmente no que se refere à consolidação da dignidade e da

própria constituição.

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1 DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

A Constituição Federal Brasileira de 1988 transformou a dignidade da pessoa

humana em valor supremo da ordem jurídica, declarando-o, em seu artigo 1˚, inciso

III, como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, a qual se constitui

em Estado Democrático de Direito.

Assim, como fundamento da República Federativa do Brasil, fica claro que um

dos principais interesses públicos está em justamente assegurar a dignidade da

pessoa, bem como todos os direitos invioláveis que lhe são inerentes.

Por isso, é importante que se verifique, logo no início da pesquisa, qual o

conteúdo e o significado da noção de dignidade da pessoa humana, eis que, além

de ser fundamento da República Federativa do Brasil, é um dos objetivos específicos

desta pesquisa.

1.1 Conteúdo e significado da noção de dignidade da pessoa humana

Levando-se em consideração o fato de que qualquer conceito que seja, ainda

que jurídico, possui uma história, surge a necessidade, antes de adentrar

especificamente no conteúdo e na noção de dignidade da pessoa humana, retomar

a evolução desta, para que se possa compreender melhor o seu sentido.

Assim, de início é importante considerar que a idéia de valor intrínseco da

pessoa humana tem raízes no pensamento clássico e no ideário cristão. Tanto no

Antigo como no Novo Testamento encontram-se referências no sentido de que o ser

humano foi criado à imagem e semelhança de Deus, premissa da qual o

cristianismo1 extraiu a conseqüência de que os seres humanos, não apenas os

1Segundo afirma GÁLVEZ, Encarnación F. R. Igualdad y derechos humanos. Madrid: Tecnos, 2003, p. 27, El Cristianismo, por sua parte, va subrayar la igualdad esencial de todos los seres humanos ante Dios. Recoge, profundiza y universaliza la idea judía del ser humano creado a imagen de Dios. Ya desde los primeros siglos del cristianismo, los Padres de la Iglesia desarollan la noción de persona. Desde el punto de vista cristiano, la imago Dei y la condición personal dotan de un valor absoluto a todo ser humano por el mero hecho de serlo. Esta concepción personalista del hombre de inspiración cristiana es decisiva para una adecuada fundamentación de los derechos humanos y de su universalidad.

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cristãos, são dotados de um valor próprio e que lhes é intrínseco. No pensamento

filosófico e político da antiguidade clássica, verifica-se que a dignidade da pessoa

humana tinha relação com a posição social do indivíduo e com o seu grau de

reconhecimento pelos demais membros da comunidade.2

Por outro lado, no pensamento estóico3, a dignidade era tida como a qualidade

que, inerente ao ser humano, o distinguia das demais criaturas, no sentido de que

todos os seres humanos são dotados da mesma dignidade. Na verdade, enquanto

que no pensamento clássico admitia-se a existência de pessoas mais dignas ou

menos dignas, no pensamento estóico, tinha-se a idéia de que todos os seres

humanos eram iguais em dignidade. No período medievo, além desta concepção, a

cristã, também, continuou sendo sustentada. 4

Todavia, para a afirmação da noção de dignidade humana foi importantíssima a

figura do espanhol Francisco de Vitória5, quando, no século XVI, sustentou que os

indígenas, em função do seu direito natural e de sua natureza humana, e não pelo

fato de serem cristãos, católicos ou protestantes, eram em princípio livres e iguais,

devendo ser respeitados como sujeitos de direitos, proprietários e na condição de

signatários dos contratos firmados com a coroa espanhola. Depois, no século XVII e

XVIII, a concepção da dignidade da pessoa humana, assim como a idéia de direito

natural em si, passou por um processo de racionalização, mantendo-se, todavia, a

noção fundamental de igualdade de todos os homens em dignidade e liberdade.6

Neste período, destaca-se o nome de Immanuel Kant, que constrói sua

concepção de dignidade a partir da natureza racional do ser humano, parte da

autonomia ética do ser humano, considerando esta como fundamento da dignidade

2SARLET, Ingo W. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 30, passim. 3GÁLVEZ, Encarnación F. R. Igualdad y derechos humanos. Madrid: Tecnos, 2003, p. 26, El estoicismo afirma la unidad universal de los hombres. El origen de este universalismo o cosmopolitismo se encuentra em el estoicismo médio, concretamente em la obra de Panecio de Rodas em la que aparece por primera vez la conciencia de la igual dignidad de todos los hombres como algo prévio a su pertenencia a cualesquiera grupos y la necesidad de um idéntico respeto a todos ellos. 4SARLET, op.cit., p. 30, passim. 5Ver VITORIA, Francisco de. Los derechos humanos: antologia de Francisco de Vitória. Tradução de Ramón Hernández, 2. ed. Salamanca: San Esteban, 2003, p. 58. 6SARLET, op. cit., p. 32, passim.

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do homem. Sustentava ainda que o ser humano não pode ser tratado nem por ele

mesmo como objeto. A autonomia da vontade, trabalhada por Kant, é um atributo

encontrado apenas nos seres racionais, o que leva o homem a existir como um fim

em si mesmo, não simplesmente como meio para o uso arbitrário de alguma

vontade.7

Esta formulação de Kant sobre a dignidade que também tem servido de

fundamentação para os conceitos de muitos outros pensadores, encontra-se sujeita

a ser alvo de críticas.

Sarlet, por exemplo, evidencia que esta concepção sustentada por Kant,

principalmente no que diz respeito ao fato de que a dignidade é atributo exclusivo da

pessoa humana, notadamente com relação ao argumento de que a pessoa humana,

em função de sua racionalidade, ocupa um lugar privilegiado em relação aos demais

seres vivos, está sujeita, em tese, a críticas, haja vista que sempre há como se

sustentar a dignidade da própria vida de um modo geral, ainda mais numa época em

que o reconhecimento da proteção do meio ambiente como valor fundamental indica

que não mais está em causa apenas a vida humana, mas a preservação de todos os

recursos naturais, incluindo todas as formas de vida existentes no planeta.8

No entanto, é possível verificar pelas mais diversas definições trabalhadas

neste item, que é justamente neste pensamento de Kant que a doutrina jurídica mais

expressiva, ainda hoje, parece estar identificando as bases de sua fundamentação

e, inclusive, de certa forma, de uma conceituação sobre a dignidade humana.

Um dos seguidores do pensamento de Kant foi Humboldt9, pois, ao valorizar o

indivíduo em sua formação cultural, em sua subjetividade livre, elaborando os seus

sentimentos morais e o seu caráter, mantém, seguindo Kant, a razão como sendo

aquela faculdade capaz de tornar os indivíduos livres, aptos ao juízo moral.

7KANT, Immanuel. Fundamentos da Metafísica dos Costumes. In: Os Pensadores. Tradução de Tânia Maria Bernkopf, Paulo Quintela e Rubens Rodrigues Torres Filho. São Paulo: Abril Cultural, 1980, p. 134 e 141. 8SARLET, Ingo W. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 34-35, passim. 9HUMBOLDT, Wilhelm V. Os limites da ação do estado. Rio de Janeiro: Topbooks, 2004, p. 52-53.

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Humboldt, por sua vez, acabou influenciando Mill10.

Após traçada esta breve evolução no âmbito da construção de uma concepção

filosófica e secularizada de dignidade, que, como se viu, encontrou em Kant o seu

mais aclamado expoente, o fato é que a dignidade da pessoa humana continua,

talvez mais do que nunca, a ocupar um lugar de destaque, ou melhor, um lugar

central no pensamento filosófico, político e jurídico, em razão justamente da sua

qualificação reiterada como valor fundamental da ordem jurídica.

Tendo em vista o seu destaque na ordem jurídica, é importante, por oportuno,

que se verifique os antecedentes histórico-constitucionais do princípio da dignidade

da pessoa humana, até porque, como se sabe, não são poucas as constituições que

destinam parte de seus artigos ou proclamam em seu corpo jurídico este princípio.

Como objeto de reconhecimento explícito, nos mais importantes textos

internacionais sobre direitos da pessoa, tem-se como referência seu aparecimento

desde a metade do século XX.11

Assim, a positivação do princípio da dignidade da pessoa humana é

relativamente recente, haja vista que passou a ser reconhecida expressamente nas

Constituições, notadamente após ter sido consagrada pela Declaração Universal da

ONU de 1948.12

Como se aprofundará mais adiante, dentre os países da União Européia, por

exemplo, colhem-se os exemplos das Constituições da Alemanha13, Espanha,

10Consultar MILL, John S. A liberdade: utilitarismo. Tradução de Eunice Ostrensky. São Paulo: Martins, 2000. p. 05-25. 11ZIMMERMANN, Augusto. Curso de direito constitucional. 2 ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2002, p. 166. 12Tanto em seu primeiro considerando quanto em seu primeiro artigo: "Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo". E artigo 1˚: "Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade". Disponível em: http://www.dhnet.otg.br/direitos/deconu/textos/íntegra.htm. Acesso em: 22 out. 2007. 13Artigo 1: "A dignidade da pessoa humana é inviolável. Toda autoridade pública terá o dever de respeitá-la e protegê-la". CONSTITUIÇÃO DA ALEMANHA. Disponível em: http://www.brasilia.diplo.de/Vertretung/brasilia/pt/03/Constituição/art_01html. Acesso em: 24 out. 2007.

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Grécia, Irlanda e Portugal14, que consagram expressamente este princípio. Também

na Constituição da Itália encontra-se referência à dignidade, inobstante não tenha

sido expressamente a dignidade da pessoa humana. A Constituição da Bélgica,

quando da sua revisão em janeiro de 1994, passou a incluir dispositivo que assegura

aos belgas e estrangeiros que se encontrem em território belga o direito de levar

uma vida de acordo com a dignidade humana.15

Na França, "la dignidad de la persona no figura expresamente em ninguno de

sus textos constitucionales. Por eso se ha dicho que el principio del respeto de la

dignidad humana es uma creación jurisprudencial".16

Já nos países do Mercosul, apenas a Constituição do Brasil e a do Paraguai

guindaram o valor da dignidade ao status de norma fundamental. Na Argentina, a

Constituição não enumera este direito de forma explícita, a dignidade aparece

implicitamente no artigo 3317. No entanto, normas específicas sobre a dignidade

aparecem em documentos como, por exemplo, Convención Americana sobre

Derechos Humanos(Pacto de San José de Costa Rica)18, Declaración Americana de

los Derechos y Deberes Del Hombre19, Pacto Internacional de Derechos Civiles y

Políticos20.21

14Artigo 1˚: "Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária". Artigo 13, 1ª alínea: "Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei". CONSTITUIÇÃO PORTUGUESA. Disponível em: http://www.portugal.gov.pt/Portal/PT/Portugal/ Sistema_Político/Constituição/. Acesso em: 24 out. 2007. 15SARLET, Ingo W. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 64-65, passim. 16ÁLVAREZ, Tomás P. La dignidad de la persona. Cizur Menor(Navarra): Editorial Aranzadi, 2005, p. 172. 17Artigo 33 - Las declaraciones, derechos y garantías que enumera la constitución, no serán entendidos como negación de otros derechos y garantías no enumerados; pero que nacen del principio de la soberanía del pueblo y de la forma republicana de gobierno. Disponível em: http://biblioteca.afip.gov.ar/normas/constitucion_NACIONAL.html. Acesso em 23 ago.2007. 18Toda persona tiene derecho al respeto de su honra y al reconocimiento de su dignidad(art. 11.1). Disponível em: http://www.portaldafamilia.org/artigos/texto 065.shtml. Acesso em: 22 out. 2007. 19Toda persona tiene derecho a la protección de la ley contra los ataques abusivos a su honra, a su reputación y a su vida privada y familiar(art. V). Disponível em: http://www.cidh.oas.org/Basicos/Basicos1.htm. Acesso em: 22 out. 2007. 20Nadie será objeto de injerencias arbitrarias o ilegales em su vida privada, su família, su domicilio o su correspondência, ni de ataques ilegales a su honra y reputación(art. 17.1). Toda persona tiene derecho a la proteción de la ley contra esas injerencias o esos ataques(art. 17.2). Disponível em: http://www.unhchr.ch/spanish/html/menu3/b/a_ccpr_sp.html. Acesso em: 22 out. 2007. 21ZARINI, Helio J. Derecho Constitucional. 2. ed. atual. ampl. Buenos Aires: Astrea, 1999, p. 438-439.

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Cumpre citar, ainda, no que tange aos demais Estados Americanos, as

Constituições de Cuba e a da Venezuela, que fazem referência direta ao valor da

dignidade da pessoa humana, bem como a Constituição do Peru, a Carta Magna da

Bolívia e a Constituição Chilena.22

Assim, ainda que incompleto o quadro apresentado, os exemplos garimpados

demonstram que a dignidade da pessoa humana, como pressuposto de todos os

demais direitos, ou tem sido objeto de previsão constitucional, como na maioria dos

países, ou, como na França, onde não há uma previsão legal, tem sido alegada nas

decisões jurisprudenciais, na solução de casos concretos. No entanto, seja de uma

forma ou de outra, este princípio tem sido invocado na busca de que todo o ser

humano tenha seus direitos respeitados.

A busca pelos direitos respeitados tem uma vinculação direta com a própria

origem da expressão dignidade23, que remonta do termo latino dignitas, significando

respeitabilidade, prestígio, consideração, estima, nobreza, excelência, enfim, indica

qualidade daquilo que é digno e merece respeito ou reverência.

Especificamente em relação ao ser humano, a dignidade24 deve ser

reconhecida de forma fixa e constitutiva, que lhe corresponde a nível ontológico de

uma singular espécie, superior às demais por sua condição original ou inata, haja

vista que todos os homens e mulheres nascem pessoas, igualmente pessoas, ainda

que não pessoas iguais, independentemente de sua cooperação, de seus méritos e

deméritos.

Desta forma, percebe-se que a pessoa humana tem dignidade por ela mesma,

ou seja, deve ser respeitada e é sujeito de direitos por razões naturais. Nesta seara,

são as palavras transcritas a seguir:

La dignidad de la persona humana no quería decir nada si no significa que, através de la ley natural, la persona tiene derecho a ser respetada y que es

22SARLET, Ingo W. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 65, passim. 23ALVES, Cleber F. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: o enfoque da doutrina social da igreja. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 109, passim. 24Ibidem, p. 110.

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sujeto de derecho, posee derechos. Hay cosas que le son debidas al hombre por el hecho mismo de que es hombre.25

Assim, no momento em que se considera a dignidade própria do homem26,

como uma qualidade que lhe é inerente, ontológica, também é necessário considerar

que esta dignidade resulta inviolável. Entretanto, é preciso deixar claro que o

reconhecimento desta natural dignidade não é resultado de pensamentos

absolutamente pacíficos.

Álvarez, ao trabalhar a noção e o fundamento da dignidade humana, faz

referência aos diversos posicionamentos adotados. E, neste aspecto, preleciona

que, "la dignidad no es uma propriedad del ser humano, sino el resultado de um acto

constituyente...".27

Ocorre, porém, que independentemente da argumentação sustentada, o fato é

que a dignidade é um conceito que foi elaborado no decorrer da história, chegando

ao século XXI repleta de si mesma como um valor supremo. A dignidade da pessoa

humana pauta toda a evolução da humanidade e motiva a própria vida, constituindo-

se como um indicador de caminhos, servindo ao longo da história como um objetivo

a ser alcançado, sendo severamente repudiado (pelo senso comum) seu oposto. 28

No momento em que se define a dignidade humana como propriedade do ser

humano, pode-se levar em consideração que “[...] a dignidade é atributo intrínseco,

da essência da pessoa humana, único ser que compreende um valor interno,

superior a qualquer preço, que não admite substituição equivalente. Assim, a

dignidade entranha e se confunde com a própria natureza do ser humano”.29

Isto reflete diretamente na argumentação de que a dignidade nasce com o

indivíduo, com a pessoa, é inerente a sua essência, ou seja, é-lhe inata. Assim, toda

25ÁLVAREZ, Tomás P. La dignidad de la persona. Cizur Menor(Navarra): Editorial Aranzadi, 2005, p. 160. 26No decorrer da pesquisa, várias vezes se utilizará a expressão dignidade do homem. Todavia, estar-se-á referindo sempre a dignidade do ser humano, seja homem ou mulher. 27ÁLVAREZ, op. citt., p. 159. 28SANTIN, Janaína R. A dignidade da pessoa e os direitos sociais do idoso no Brasil.In: SANTIN, J. R; VIEIRA, P. S; FILHO, H. T. (Org.) Envelhecimento Humano: saúde e dignidade. Passo Fundo: UPF, 2005, p. 75-104. 29SILVA, José A. da. Comentário contextual à constituição. São Paulo: Malheiros, 2005, p.38.

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a pessoa humana, pelo simples fato de existir, independentemente da sua situação

social, traz na sua superioridade racional a dignidade de todo ser.

Há que se considerar, todavia, que a palavra dignidade tem sido empregada

em diversos contextos, com sentidos qualificados. Fala-se em dignidade espiritual,

dignidade intelectual, dignidade social e dignidade moral. Mas a dignidade da

pessoa humana, objeto desta pesquisa, concebida pela Carta Magna como

fundamento do Estado Democrático de Direito, é de outra natureza, ou seja, tem um

valor e uma dimensão acima de tudo jurídico.30

De fato, observa-se que a palavra dignidade é empregada no sentido de forma

de comportar-se e no sentido de atributo intrínseco da pessoa humana, como um

valor de todo ser racional, independentemente da forma como se comporte. É com

esta segunda significação que a Constituição tutela a dignidade da pessoa humana,

de modo que nem um comportamento indigno priva a pessoa dos direitos

fundamentais que lhe são inerentes.

Um exemplo desta afirmativa é o caso de uma pessoa que comete um crime,

haja vista que por mais que venha a ser punida por seu ato, tem o seu direito à vida

preservado, bem como o seu direito à saúde, à alimentação etc.

A dignidade, portanto, nestes termos:

[...] independe das circunstâncias concretas, já que inerente a toda e qualquer pessoa humana, visto que, em princípio, todos – mesmo o maior criminoso – são iguais em dignidade, no sentido de serem reconhecidos

30Sobre a caracterização jurídica da dignidade da pessoa humana ler: AZEVEDO, Antonio J. de. Caracterização jurídica da dignidade da pessoa humana, Revista dos Tribunais, São Paulo, vol. 797, n.91, mar. 2002, p. 11-26. O autor refere que os conceitos jurídicos indeterminados podem ser descritivos ou normativos, sendo que, no caso da dignidade da pessoa humana, o conceito, além de normativo, é axiológico porque a dignidade humana é valor, ou seja, é expressão do valor da pessoa humana. A dignidade humana é um princípio jurídico, que exige como pressuposto a intangibilidade da vida humana, o que quer dizer que sem vida, não há pessoa, e sem pessoa, não há dignidade. A primeira conseqüência direta que se pode tirar deste princípio é o respeito à integridade física e psíquica da pessoa humana, que tem como ponto fundamental a obrigação de segurança. Outra conseqüência direta é o respeito às condições mínimas de vida(condições materiais de vida) e, por último, tem-se o respeito aos pressupostos mínimos de liberdade e convivência igualitária entre os homens(condições culturais).

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como pessoas – ainda que não se portem de forma igualmente digna nas suas relações com seus semelhantes, inclusive consigo mesmos.31

Como visto, a dignidade, mesmo daquelas pessoas que cometem as ações

mais indignas e infames, não poderá ser objeto de desconsideração.

Na verdade, poder-se-ia dizer que:

[...] é um verdadeiro supraprincípio constitucional que ilumina todos os demais princípios e normas constitucionais e infraconstitucionais. E por isso não pode o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana ser desconsiderado em nenhum ato de interpretação, aplicação ou criação de normas jurídicas.32

Este princípio, portanto, deve ser levado em conta sempre, em qualquer

situação.

Apesar de ser o principal direito fundamental constitucionalmente garantido, é

importante referir que não se pode conceituar a dignidade de maneira fixista, pois

trata-se de um conceito em permanente processo de construção e desenvolvimento,

já que foi sendo elaborado no decorrer da história.

Trata-se, como refere Álvarez33, de um conceito complexo, haja vista que o

desacordo começa, sem sombra de dúvida, quando a pretensão é justamente

precisar o conteúdo da dignidade humana ou quando se pretende investigar sua

fundamentação.

Reclama este conceito, entretanto, de condições mínimas de existência34,

existência digna conforme os ditames da justiça social, como fim da ordem

31SARLET, Ingo W. (Org.) Dimensões da dignidade: ensaios de filosofia do direito e direito constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 20. 32NUNES, Luiz A. R. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrina e jurisprudência. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 50-51. 33ÁLVAREZ, Tomás P. La dignidad de la persona. Cizur Menor(Navarra): Editorial Aranzadi, 2005, p. 158-159, passim. 34Sobre o conceito do que seja mínimo existencial, consultar: LEIVAS, Paulo G. C. Teoria dos direitos fundamentais sociais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 124;125-135. Para este autor, o direito ao mínimo existencial é o direito às necessidades ditas intermediárias, definidas por ele como sendo alimentos nutritivos, água limpa, moradia protegida, um ambiente laboral desprovido de riscos, um ambiente físico desprovido de riscos, atenção à saúde apropriada, segurança na infância, relações primárias significativas, segurança física, segurança econômica, educação apropriada, segurança no controle de nascimentos, na gravidez e no parto. Para ele, em qualquer cultura, a

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econômica e acompanha o homem até a sua morte, por ser da essência da natureza

humana.35

Protesta, igualmente, este conceito, pelo "[...] absoluto respeito aos seus

direitos fundamentais, assegurando-se condições dignas de existência para todos”.36

Como se percebe, efetivamente o postulado da dignidade humana, em virtude

da forte carga de abstração que encerra, não tem alcançado, quanto ao campo de

sua atuação objetiva, unanimidade entre os autores, muito embora se deva, desde

logo, ressaltar que as múltiplas opiniões se apresentam harmônicas e

complementares.

Silva, por exemplo, reconhece a dignidade da pessoa humana como atributo

intrínseco, da essência do ser humano, enquanto que, por exemplo, para a doutrina

social da Igreja Católica, o princípio da dignidade da pessoa humana consiste na

concepção do seu valor único, haja vista que o homem seria a única criatura sobre a

terra a ser querida por Deus por si mesma.37 Com efeito, além dos direitos que cada

homem adquire com o próprio trabalho, existem direitos que não são correlativos a

qualquer obra por ele realizada, mas derivam da sua dignidade essencial de pessoa.

Como já referido no início desta pesquisa, o princípio da dignidade da pessoa

humana possui a sua principal base de fundamentação teórica na doutrina social da

Igreja Católica, alegando-se por meio deste a chamada gratuidade divina, havendo

Deus de ter criado o homem à sua imagem e semelhança. Para a Igreja,

considerado o fato de que fomos criados por um mesmo Pai celestial, à sua imagem

e semelhança, somos todos, de um mesmo modo, irmãos uns dos outros, conquanto

seres igualmente racionais, conscientes e livres.38

saúde e a autonomia constituem as necessidades humanas mais elementares, formando as pré-condições básicas para evitar prejuízos graves. No entanto, o direito ao mínimo existencial parece mais dizer respeito aos direitos fundamentais básicos, que deveriam ter condições plenas de desenvolvimento. 35SILVA, José A. da. Comentário contextual à constituição. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 39. 36PINHO, Rodrigo C. R. Teoria geral da constituição e direitos fundamentais. 2. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2001. v. 17, p. 57. 37ZIMMERMANN, Augusto. Curso de direito constitucional. 2 ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2002, p. 202. 38Ibidem, p. 201.

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É importante fazer referência a argumentação de quem defende que “o termo

dignidade da pessoa visa a condenar práticas como a tortura, sob todas as suas

modalidades, o racismo e outras humilhações tão comuns no dia-a-dia de nosso

país.”39 Mas, é claro, a dignidade humana não se resume só a isto.

Embora conscientes de que a dignidade tem também um conteúdo moral,

parece que a preocupação maior do legislador, ao instituir tal princípio como um dos

fundamentos da República do Brasil, foi justamente a de ordem material, ou seja, a

de proporcionar às pessoas condições para uma vida digna, um mínimo existencial.

Porém, é de se considerar que a própria definição de mínimo existencial, de

vida digna, é altamente subjetivo, até porque o próprio padrão de vida mínimo

aceitável na Alemanha, por exemplo, não é o mesmo padrão aceitável no Brasil de

hoje.

Esta também tem sido a argumentação sustentada por Santin, quando revela

em sua obra que o princípio da dignidade da pessoa humana possui um “alto grau

de subjetivismo da matéria, demonstrando não ser somente uma conceituação

positiva de um agir, mas também negativa, no sentido de que o ser humano não

pode ser vítima de situações vexatórias ou humilhantes”.40

Por certo, o que não se pode deixar de afirmar é que de nada adiantaria a

simples menção ao princípio fundamental da dignidade da pessoa humana se a

Constituição de 1988 não garantisse um núcleo básico de direitos aos cidadãos.

Neste sentido, é o pensamento a seguir:

Na atual quadratura histórica, uma constituição que não institua um amplo catálogo de direitos fundamentais (ou sequer legitime a instituição pela ordem infraconstitucional, ainda que nela houvesse expressa menção ao princípio), não estaria positivando a dignidade da pessoa humana em fórmula capaz de normatividade e tampouco poderia ser considerada

39BASTOS, Celso R. Curso de direito constitucional. 22. ed. atual.São Paulo: Saraiva, 2001, p.166. 40SANTIN, Janaína R. A dignidade da pessoa e os direitos sociais do idoso no Brasil.In: SANTIN, J. R; VIEIRA, P. S; FILHO, H. T. (Org.) Envelhecimento Humano: saúde e dignidade. Passo Fundo: UPF, 2005, p. 75-104.

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democrática. No rol de direitos fundamentais de uma constituição se encontra a mais pura homenagem à dignidade da pessoa humana.41

Como se vê, o princípio da dignidade da pessoa humana está vinculado com

os próprios direitos da pessoa, apresentando-se como fundamento dos direitos

humanos, além de apresentar-se como fundamento da ordem política.

Ainda que as considerações até agora tecidas já possam ter lançado alguma

luz sobre o significado e o conteúdo da dignidade da pessoa humana, não há como

apresentar uma conceituação clara do que seja esta dignidade, haja vista se tratar

de conceito de contornos vagos e imprecisos, caracterizado por uma ambigüidade,

como já fora anunciado anteriormente. Neste sentido, “com efeito, não é a toa que já

se afirmou até mesmo ser mais fácil desvendar e dizer o que a dignidade não é do

que expressar o que ela é”. 42

Ao analisar a carga semântica da dignidade humana, Garcia tem entendido que

a noção de dignidade da pessoa humana encerra o que se convencionou denominar

de conceito jurídico indeterminado:43

Diz-se que o conceito é indeterminado quando a estrutura normativa, em razão do emprego de expressões vagas ou de termos que exijam a realização de uma operação valorativa para a sua integração, apresenta uma fluidez mais acentuada, do que resulta uma maior mobilidade ao operador do direito. Tal, longe de representar um elemento deflagrador do arbítrio, permite a célere adequação do padrão normativo aos valores subjacentes à coletividade no momento de sua aplicação. A disseminação desses conceitos, ainda que discreta, é um indicativo de que o direito escrito deve ser identificado, unicamente, como a parte visível da norma de conduta, com o qual devem coexistir os valores externos que a integram, ínsitos na comunidade por ela regulada.44

Entretanto, ainda que efetivamente não se possa adequar a dignidade humana

a um conceito fixo, estático, é importante que se destaque a sua importância,

principalmente neste final de século, notadamente em virtude dos avanços

41MARTINS, Flademir J. B. Dignidade da pessoa humana: princípio constitucional fundamental. Curitiba: Juruá, 2003, p.65. 42GIORGIS, Teixeira. A dignidade humana e a jurisprudência, ADV – Seleções Jurídicas, Rio de Janeiro, p. 44, jan./2006, p.38. 43Estes conceitos indeterminados podem derivar de uma imprecisão conceitual lingüística; da incerteza resultante da necessidade de formulação de um juízo de valor; ou, da exigência de realização de um juízo de prognose. 44GARCIA, Emerson. Dignidade da pessoa humana: referências metodológicas e regime jurídico, Revista de Direito Privado, São Paulo, n.21, p. 85-111, jan./mar. 2005, p. 91.

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tecnológicos e científicos experimentados pela humanidade, que potencializam de

forma intensa riscos e danos a que podem estar sujeitos os indivíduos, na sua vida

cotidiana, bem como em razão dos ajustes econômicos e do aumento da fragilidade

política.

Álvarez refere que, por proceder da natureza humana, ou seja, da eminência

ontológica da pessoa humana, há de se reconhecer à dignidade um núcleo

essencial e imutável, onde existe um mínimo de direitos, de liberdades

assegurados.45 Além de imutável, como qualidade intrínseca da pessoa humana,

também se caracteriza como irrenunciável e inalienável.46

Em palavras mais simples, poder-se-ia dizer que a dignidade, como elemento

que qualifica o ser humano como tal dele não pode ser destacado, retirado, ainda

que, em diversas situações, venha a sofrer algum tipo de violação.

Assim, "a dignidade necessariamente é algo que pertence a cada um e que

não pode ser perdido ou alienado, porquanto, deixando de existir, não haveria mais

limite a ser respeitado (este sendo considerado o elemento fixo e imutável da

dignidade)".47

Aspecto que merece ser comentado, por oportuno, diz respeito à moralidade

pública e à dignidade humana como limitadores do exercício de liberdades públicas.

Assim, quando os juristas falam da dignidade humana como um limite ao exercício

de direitos ou ainda como limitadora de seus conteúdos, o usual é que pense

unicamente na própria potencialidade limitadora, sobre os direitos próprios da

dignidade das outras pessoas.48

45ÁLVAREZ, Tomás P. La dignidad de la persona. Cizur Menor(Navarra): Editorial Aranzadi, 2005, p. 185-186, passim. 46SARLET, Ingo W. Dignidade da Pessoa Humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 129. 47Ibidem, p.32-33. 48ÁLVAREZ, op. cit., p. 199, passim.

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Nesta seara, observa-se que a dignidade humana aparece como fundamento

da própria ética pública49, estando conformada por quatro grandes valores, que

segundo Peces-Barba são: a liberdade, a igualdade, a solidariedade e a segurança

jurídica.

Estes, portanto, são inseparáveis da condição humana50, apresentando-se,

como o principal dos valores políticos e jurídicos da ética pública e da própria

modernidade, bem como dos princípios e direitos que deles derivam. Por isso, como

já referido, a idéia de dignidade constitui fundamento dos próprios direitos humanos

e se expressa como uma imprescindibilidade da própria condição humana.

A partir do momento em que se destaca a dignidade como fundamento dos

próprios direitos humanos, é de ser salientado, por oportuno, que uma pessoa, no

exercício de seus direitos, pode acabar colidindo com os limites que lhe impõem sua

própria dignidade, o que pode resultar, em muitos casos, na agressão à dignidade

de uma outra pessoa.

Assim, é importante questionar, no caso de haver um conflito de dignidades

entre duas ou mais pessoas, qual seria a solução mais correta, mais justa, ou

melhor, menos injusta. E é justamente com o propósito de responder a este

questionamento que Nunes51 apresenta como solução o princípio da

49La ética pública configura uma organización jurídica y política donde cada uno puede establecer libremente sus planes de vida o elegir entre aquellos proyectos de planes de vida institucionalizados, por un grupo social, por una Iglesia o por una escuela filosófica, que parte de la libertad inicial o de elección, como dato proprio de la condición humana, y que se inspira y se fundamenta en el valor de la libertad social, de la seguridad, de la igualdad y de la solidariedad. Comentário de MARTÍNEZ, Gregorio P.B. Dignidad humana. In: TAMAYO, Juan J. 10 palabras clave sobre derechos humanos. Estella: Verbo Divino, 2005, p.55. 50Sobre a condição humana ver ARENDT, Hannah. A condição humana. Tradução de Roberto Raposo. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001. p. 15-26. Segundo a autora, a condição humana compreende algo mais que as condições nas quais a vida foi dada ao homem. Além destas condições e, até certo ponto, a partir delas, os homens constantemente criam as suas próprias condições que, a despeito de sua variabilidade e sua origem humana, possuem a mesma força condicionante das coisas naturais. Assim, tudo o que espontaneamente adentra o mundo humano, ou para ele é trazido pelo esforço humano, torna-se parte da condição humana. Entretanto, é importante verificar, segundo a autora, a fim de evitar erros de interpretação, que a condição humana não é o mesmo que a natureza humana. 51NUNES, Luiz A. R. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrina e jurisprudência. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 56-57. Segundo o autor, nestes casos, o intérprete deverá operar da seguinte forma: no exame do caso concreto ele verificará se algum direito ou princípio está em conflito com o da dignidade e este dirigirá o caminho para a solução, uma vez que a prevalência se dá pela dignidade. A proporcionalidade aí comparece para auxiliar na resolução, mas

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proporcionalidade, sob o argumento de que este está conectado diretamente ao

princípio da dignidade.

A própria lesão à dignidade individual já tem um certo valor para a sociedade, o

que é conseqüência da sua própria natureza social.52 Isto ocorre, certamente,

porque uma desatenção à dignidade da pessoa humana debilita o próprio

ordenamento e, até mesmo, a paz social. Assim, no momento em que se ataca a

dignidade de alguém, de um ser humano, há a existência de um dano que, além de

particular, também é geral.

Os autores vêm, por outro lado, destacando o caráter instrumental do princípio

fundamental da dignidade da pessoa humana, o que significa que este princípio

serve de parâmetro para a aplicação, interpretação e integração de todo o

ordenamento jurídico.

Neste sentido, Zimermann53 também refere que, no direito pátrio, o princípio da

dignidade da pessoa humana constitui critério para a integração da ordem

constitucional, prestando-se ao reconhecimento de direitos fundamentais, ainda que

não encontrem previsão explícita no texto constitucional.

Desta forma, percebe-se que os direitos fundamentais da pessoa, ainda que

não estejam, em sua totalidade, constitucionalmente previstos, devem estar

assentados de acordo com o princípio da dignidade da pessoa humana.

A dignidade, ainda, tem sido analisada quanto ao seu caráter, o que leva a

concluir que a mesma pode apresentar-se sob o ângulo de uma concepção absoluta

ou relativa, esta última também denominada de condicionada ou dependente.

sempre guiada pela luz da dignidade. Se, todavia, no exame do caso, este revelar um claro e completo conflito de dignidades, então, nessa hipótese, aqueles elementos que compõem o princípio da proporcionalidade voltam inteiros para possibilitar a solução do conflito. 52ÁLVAREZ, Tomás P. La dignidad de la persona. Cizur Menor(Navarra): Editorial Aranzadi, 2005, p. 208, passim. 53ZIMMERMANN, Augusto. Curso de direito constitucional. 2 ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2002, p. 200.

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A partir do momento em que o posicionamento é no sentido de que a dignidade

tem um caráter absoluto, "[...] su contenido y exigências se sitúan por encima del

campo del debate público".54 Poder-se-ia dizer, desta forma, que não só a ordem

pública e a dignidade da pessoa humana apresentam-se associados, como também

a dignidade se apresenta como um núcleo da ordem pública.

Ao contrário, no instante em que se defende um caráter relativo da dignidade,

se considera que há, na verdade, "[...] una confianza fundamental en la aptitud de

los indivíduos para em sus manos su destino, determinando libremente em qué

consiste su própria dignidad".55

Diante destas duas concepções e para que se possa, desde já, preterir a algum

dos posicionamentos, é importante lembrar que "a dignidade é garantida por um

princípio. Logo, é absoluta, plena, não pode sofrer arranhões nem ser vítima de

argumentos que a coloquem num relativismo".56 Por esta razão, vê-se que não há

como acatar o caráter relativo da dignidade.

Com base no que foi exposto até o momento, reduzir a uma fórmula abstrata e

genérica tudo aquilo que constitui o conteúdo possível da dignidade da pessoa

humana, em outras palavras, alcançar uma definição precisa do seu âmbito de

proteção ou de incidência, não parece ser possível, o que, por sua vez, não significa

que não se possa e não se deva buscar uma definição que melhor se coadune com

os interesses desta pesquisa.

Em razão disto, se dará uma atenção especial ao conceito a seguir descrito:

[...] tem-se por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais

54ÁLVAREZ, Tomás P. La dignidad de la persona. Cizur Menor(Navarra): Editorial Aranzadi, 2005, p. 184. 55Ibidem, p. 184-185. 56NUNES, Luiz A. R. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrina e jurisprudência. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 46.

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mínimas para uma vida saudável57, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.58

O que se percebe, por derradeiro, é que onde não houver respeito pela vida59 e

pela integridade física e moral do ser humano, onde as condições mínimas para uma

existência digna não forem asseguradas, onde não houver limitação do poder, enfim,

onde a liberdade e a autonomia, a igualdade e os direitos fundamentais não forem

reconhecidos e minimamente assegurados, não haverá espaço para a dignidade da

pessoa humana e esta, por sua vez, poderá não passar de mero objeto de arbítrio e

injustiças.

Feitas considerações em torno da definição e do conteúdo da noção da

dignidade da pessoa humana, é de ser observado que esta efetivamente apresenta

uma fundamentação jusnaturalista, seja natural, teológica ou racionalista60.

No entanto, como já informado anteriormente, o que efetivamente importa para

o presente estudo é o conceito jurídico de dignidade, ou seja, a sua apresentação

enquanto norma positivada. Desta forma, cumpre, na seqüência, analisar o status

57De conformidade com SARLET, Ingo W. (Org.) Dimensões da dignidade: ensaios de filosofia do direito e direito constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p.37, como critério aferidor do que seja uma vida saudável, o autor entende apropriado utiliza-se dos parâmetros estabelecidos pela Organização Mundial da Saúde, quando se refere a um completo bem-estar físico, mental e social, parâmetro este que, pelo seu reconhecimento amplo no âmbito da comunidade internacional, poderia igualmente servir como diretriz mínima a ser assegurada pelos Estados. 58Ibidem, p. 37-38. 59De acordo com GÁLVEZ, Encarnación F. R. Igualdad y derechos humanos. Madrid: Tecnos, 2003, p. 52-53, passim, la defensa de la dignidad humana exige que estén protegidos los bienes de la vida, la salud y la libertad. Así, el derecho a la vida incluiría el derecho a la vida en sentido estricto, como derecho de primera geración (derecho a no ser objeto de atentados directos contra la vida), y también los derechos de supervivencia humana (derecho a la alimentación, derecho al agua no contaminada, etc.), que ponen de relieve la necesidad de proteger la vida frente a los atentados indirectos contra la misma que representan el hambre, la sed y las situaciones de absoluta miseria en las que se carece del mínimo necesario para la subsistencia.El derecho a la salud y a la integridad física y mental se concretaría através del derecho a la integridad física y moral como derecho de primera generación, pero también através de un amplio grupo de derechos de segunda generación, como los relativos a la satisfacción de las necesidades materiales básicas (alimentación, vestido, vivienda); el derecho a la protección de la salud propriamente dicho, en toda la complejidad del mismo que abarca desde las medidas preventivas, hasta el derecho a la asistencia sanitaria y al tratamiento médico adecuado en caso de enfermedad; el derecho a la seguridad e higiene en el trabajo, etc. En cuanto al derecho a las libertades personales, éste se concreta através de toda una serie de libertades específicas que han ido tomando forma a lo largo de la historia de los derechos humanos y que, en la actualidad, se encuentran recogidas, en términos sustancialmente semejantes, en los diversos textos internos e internacionales. 60Sobre as teorias jusnaturalistas ver FERNÁNDEZ-LARGO, Antônio O. Pilares para a fundamentação dos direitos humanos. Tradução de Clóvis Gorczevski. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2006, p. 15 et seq.

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jurídico-normativo no âmbito do ordenamento constitucional da dignidade da pessoa

humana.

1.2 O caráter normativo que marca o princípio da dignidade da pessoa humana

A dignidade humana entrou no sistema brasileiro como um dos princípios

fundamentais do Estado Democrático de Direito. Não há como negar, contudo, que

outros princípios e regras dispersas pela Carta Maior remetem tanto diretamente

quando indiretamente à dignidade humana. Quanto às que se vinculam diretamente

a este princípio, pode-se dizer que perfazem o seu núcleo essencial.61

Assim, pode-se referir que tanto o Estado brasileiro quanto a sociedade

passaram a se estruturar a partir da dignidade da pessoa humana. Como norma de

direito jusfundamental que é, a dignidade humana assumiu o contorno de uma

norma-princípio. A natureza da norma de direito fundamental pode ser, portanto,

tanto uma regra quanto um princípio. 62

Observa-se que a dignidade humana, dentro do sistema constitucional

brasileiro, assume função bidimensional, pois, ao mesmo tempo em que é valor63 a

indicar o caminho a ser percorrido pela hermenêutica, também é norma instituidora

de direito material consubstanciado em norma-princípio ou norma-regra.64

61JACINTHO, Jussara M. M. Dignidade humana: princípio constitucional. Curitiba: Juruá, 2006, p. 33, passim. 62Ibidem, p. 47-50, passim. 63Para ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2002, p. 138-157, es fácil reconocer que los principios y los valores están estrechamente vinculados entre sí en un doble sentido: por una parte, de la misma manera que puede hablarse de una colisión de principios y de una ponderación de principios, puede también hablarse de una colisión de valores y de una ponderación de valores; por otra, el cumplimiento gradual de los principios tiene su equivalente en la realización gradual de los valores. 64NUNES, Luiz A. R. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrina e jurisprudência. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 05; 52; 55, diz que, antes de mais nada, é preciso deixar clara uma distinção entre princípio e valor, para buscar eliminar a confusão que se faz entre os conceitos na linguagem jurídica corrente. Segundo o autor, têm-se usado os dois termos indistintamente, como se tivessem o mesmo sentido semântico. Mas, o fato é que, enquanto o valor é sempre um relativo, na medida em que "vale", isto é, aponta uma relação, o princípio se impõem como absoluto, como algo que não comporta qualquer espécie de relativização. O princípio é, assim, um axioma inexorável e que, do ponto de vista do Direito, faz parte do próprio linguajar desse setor de conhecimento. Não é possível afastá-lo, portanto. O valor sofre toda a influência de componente histórico, geográfico, pessoal, social, local etc. e acaba se impondo mediante um comando de poder que estabelece regras de interpretação – jurídicas ou não. Por isso, há muitos valores e são indeterminadas as possibilidades de deles falar. Eles variarão na proporção da variação do tempo e

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Atualmente, no pensamento jurídico contemporâneo, existe unanimidade em se

reconhecer aos princípios jurídicos65 o status conceitual e positivo de norma de

direito, de norma jurídica. Assim, pode-se dizer que os princípios têm positividade,

vinculatividade, são normas, obrigam, têm eficácia positiva e negativa sobre

comportamentos públicos ou privados, bem como sobre a interpretação e a

aplicação de outras normas, como as regras e outros princípios derivados de

princípios de generalizações mais abstratas.66

Assegurando a afirmação de Espíndola, Pinho tem referido que “os princípios

são dotados de normatividade, ou seja, possuem efeito vinculante e constituem

regras jurídicas efetivas”.67

Esta normatividade dos princípios fez com que a antiqüíssima postura, que

conferia aos princípios a mera posição subsidiária em face dos atos de integração da

ordem jurídica, fosse superada; ou seja, antes os princípios só assumiam

importância quando houvesse lacunas.68

Atualmente, superada esta questão, “os princípios constitucionais69 como

diretivas normativas e hermenêuticas conferem e dão autoridade aos grandes

do espaço, na relação com a própria história corriqueira dos indivíduos. O princípio, não. Uma vez constatado, impõem-se sem alternativa de variação. Assim, a dignidade humana, de acordo com este autor, seria um valor preenchido a priori, isto é, todo ser humano tem dignidade só pelo fato de ser pessoa. Todavia, como o mais importante princípio constitucional, é ele que dá a diretriz para a harmonização dos demais princípios. 65Ver CANOTILHO, José J. G. Direito constitucional e teoria da constituição. 6. ed. Coimbra: Almedina, 2002, p. 1.147. O autor apresenta uma distinção envolvendo princípios jurídicos e princípios hermenêuticos. Enquanto estes desempenham uma função argumentativa, permitindo, por exemplo, revelar normas que não são expressas por qualquer enunciado legislativo, possibilitando, assim, aos juristas, sobretudo aos juízes, o desenvolvimento, integração e complementação do direito, àqueles são verdadeiras normas, distintas das regras jurídicas. São, na verdade, normas jurídicas e impositivas de uma optimização, com vários graus de concretização. Diferem das regras, por sua vez, porque estas são normas que prescrevem imperativamente uma exigência que é ou não cumprida. 66ESPÍNDOLA. Ruy S. Conceito de princípios constitucionais: elementos teóricos para uma formulação dogmática constitucionalmente adequada. 1.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 55. 67PINHO, Rodrigo C. R. Teoria geral da constituição e direitos fundamentais. 2. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 53. 68ESPÍNDOLA, Ruy S. A constituição como garantia da democracia: o papel dos princípios constitucionais. Revista de Direito Constitucional e Internacional, n.44, p.75-86, jul./set. 2003, passim. 69Sobre os princípios constitucionais consultar NUNES, Luiz A. R. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrina e jurisprudência. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 37-40. O autor refere que os princípios constitucionais são o ponto mais importante do sistema normativo, ou seja, dão estrutura e coesão ao edifício jurídico, razão pela qual, devem ser estritamente obedecidos,

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valores éticos, políticos e jurídicos da democracia contemporânea, da democracia

brasileira planejada em termos jurídicos pela nossa Constituição vigente.”70

Esta normatividade dos princípios, ou seja, a força imperativa dos princípios,

passou por três fases, ou melhor, por três momentos distintos71: a primeira,

chamada de fase jusnaturalista; a segunda, de positivista, e, a terceira, de pós-

positivista, esta última mais recente.

Na fase jusnaturalista, a normatividade dos princípios era de duvidosa

propriedade praxeológica. Os princípios jurídicos eram posicionados em esfera

abstrata e metafísica, como um conjunto de verdades objetivas derivadas da lei

divina e humana.72

No mesmo sentido, argumenta Pereira73 quando refere que os princípios, nesta

fase, possuíam um peso fortemente ético e não jurídico. Eles estavam impregnados

de um ideal próprio de justiça74, sendo verdadeiros axiomas jurídicos, normas que

tinham valores deduzidos pela reta “razão” e por isso pairavam em um nível

abstrato, valorativo, meramente informador e carente por completo de juridicidade,

sendo mero extrato de valores informadores da ordem jurídica.

sob pena de todo o ordenamento jurídico se corromper. Na realidade, o princípio funciona como vetor para o intérprete. E o jurista, na análise de qualquer problema jurídico, por mais trivial que ele possa ser, deve, preliminarmente, alçar-se ao nível dos grandes princípios, a fim de verificar em que direção eles apontam. Nenhuma interpretação será havida por jurídica se atritar com um princípio constitucional. 70ESPÍNDOLA, Ruy S. Conceito de princípios constitucionais: elementos teóricos para uma formulação dogmática constitucionalmente adequada. 1.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 83. 71Sobre a juridicidade dos princípios consultar GARCIA, Guiomari G. D. C. Estado democrático de direito e liberdade de expressão e informação. Revista dos Tribunais, n. 42, p. 261-265, jan./mar. 2003. 72BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 12. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 259-262, passim. 73PEREIRA, Rodolfo V. Hermenêutica filosófica e constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 128. 74De acordo com JACINTHO, Jussara M. M. Dignidade humana: princípio constitucional. Curitiba: Juruá, 2006, p. 52-53, para os jusnaturalistas, a idéia do justo é que dá sustentação à criação dos princípios gerais do direito, cujo papel era primordialmente o de orientar a interpretação jurídica, sem nenhum compromisso com a juridicidade de seus postulados. Enquanto os princípios obedeceram aos ditames jusnaturalistas, eles foram concebidos como máximas a orientar a reta razão e o bem-obrar, postos pela lei divina e humana a informar a construção de um direito justo. Na verdade, o jusnaturalismo, como se percebe, desenvolveu-se em duas fases bem pronunciadas. A primeira, assentada na idéia de que a lei era estabelecida pela vontade de Deus; a seguinte, a de que a lei era ditada pela razão. A primeira, atuante durante a Idade Média e, a segunda, predominando a partir da Idade Moderna.

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Portanto, nesta primeira fase, o princípio era essencialmente abstrato, sem

qualquer grau de normatividade, porém com razoável reconhecimento como

representativo dos valores morais e da idéia de justa e reta razão.

Neste período, eram concebidos, lembra Jacintho75, como normas supralegais,

sem qualquer pretensão de imperatividade. Esta fase inicial perdurou até o advento

da Escola Histórica do Direito, no século XIX, quando então essa construção inicial

dos princípios, como instrumentos predominantemente hermenêuticos, e por isso

mesmo não obrigatórios, foi substituída por uma segunda fase.

Na fase positivista, os princípios entram nos códigos como fonte normativa

subsidiária. O valor dos princípios está no fato de derivarem de leis e não de um

ideal de justiça. Dessa forma, isso torna precária a normatividade dos mesmos, dado

o papel meramente subsidiário.76

É importante observar que esta segunda fase ocorreu em um momento

histórico propício ao surgimento de idéias pautadas pela proeminência da vontade

estatal sobre qualquer outra forma de regulação da sociedade. Aqui, os princípios já

estão acondicionados em textos legislativos, não lhes sendo até então conferida

uma conformação mais sólida, mas funcionando como mecanismo através do qual a

lei poderia ser arejada, a fim de que esta ressurgisse do processo mais imperial

ainda.77

Esta etapa é chamada de intermediária na afirmação da juridicidade dos

princípios e estes, por sua vez, decorrem do próprio direito positivo na medida em

que são considerados generalizações das regras jurídicas e não de um fictício direito

natural descoberto pela razão.78

75JACINTHO, Jussara M. M. Dignidade humana: princípio constitucional. Curitiba: Juruá, 2006, p. 52, passim. 76BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 12. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 235. 77JACINTHO, op. cit., p. 53-55, passim. 78PEREIRA, Rodolfo V. Hermenêutica filosófica e constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 128, passim.

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Assim como Bonavides, Pereira argumenta que os princípios são tidos como

fontes normativas secundárias, com funcionalidade meramente supletiva, integrando

o ordenamento jurídico no mais baixo grau de hierarquia.

A partir da segunda metade do século passado, as modernas constituições

passam a integrar os princípios em seus textos, posicionando-os como alicerces.

Simultaneamente, uma teoria dos princípios mais condizente e consistente vai sendo

formulada, a fim de fundamentar a sua aplicabilidade na solução das demandas

concretas.

É na terceira fase, nomeada de pós-positivista, que os princípios passam a dar

fundamento normativo ao ordenamento jurídico. E, assim, é diante desta concepção

de fundamento da ordem jurídica que os princípios, sendo normas, se tornam as

normas supremas do ordenamento.

Neste sentido, são as palavras transcritas a seguir:

É na fase pós-positivista, com as reiteradas críticas que o positivismo inflexível vai colecionando, que a doutrina dos princípios assume proporções até então inimagináveis, não apenas assumindo seu papel estruturante da ordem jurídica – simultaneamente com a sua vocação hermenêutica – como também passa a rivalizar em importância com a regra de direito, na sua função de comando dirigido à regulação direta da conduta humana.79

Como se percebe, com o positivismo contemporâneo, os princípios passam a

ter força normativa plena e são considerados normas dotadas de juridicidade

idêntica à das regras jurídicas.80 Há, portanto, a certeza da normatividade definitiva

dos princípios, já não mais gerais do direito, mas princípios constitucionais.

79JACINTHO, Jussara M. M. Dignidade humana: princípio constitucional. Curitiba: Juruá, 2006, p. 56. 80Quanto às características distintivas entre regras e princípios consultar ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2002, p.82-85. Ensina o autor que tanto las reglas como los principios son normas porque ambos dicen lo quedebe ser. La distinción entre reglas y principios es una distinción entre dos tipos de normas. Encuanto los principios son normas de un grado de generalidad relativamente alto, las reglas son normas con un nivelv relativamente gajo de generalidad. Un ejemplo de una norma con un nivel relativamente alto de generalidad es la norma que dice que cada cual goza de libertad religiosa y un ejemplo de una norma con un nivel grado relativamente bajo de generalidad es la norma según la cual todo preso tiene el derecho a convertir a otros presos.Son posibles tres tesis totalmente diferentes sobre la distinción entre reglas e principios, de acuerdo con Alexy: la primera reza: todo intento de dividir las normas en dos clases, la de las reglas y la de los principios, es vano debido a la pluralidad realmente existente. La segunda tesis es sostenida por quien considera que las normas pueden dividirse de una manera

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Nesta mesma linha de pensamento, Espíndola, ao trabalhar a questão da

normatividade dos princípios, preceitua que estes vêm “servindo de pautas ou

critérios por excelência para avaliação de todos os conteúdos constitucionais (e

infraconstitucionais) [...]”.81

Com base nas argumentações acima referidas, observando sempre a questão

da supremacia constitucional e considerando que os princípios constitucionais foram

expressamente inseridos no texto constitucional, a norma infraconstitucional que

viole qualquer um deles, previstos expressamente ou de forma implícita, é

inconstitucional e, portanto, deve ser retirada do mundo jurídico.

Deste modo, um dos movimentos mais fantásticos ocorridos nas Teorias do

Direito e da Constituição Contemporânea foi, sem dúvida, a afirmação da força

normativa dos princípios constitucionais.82

Analisando-se a força normativa dos princípios, vislumbra-se a necessidade de

referir que a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 1°, aponta cinco

fundamentos da organização do Estado Brasileiro, que devem ser interpretados

como os principais valores na organização da ordem social e jurídica brasileira. E,

dentre eles, está o princípio da dignidade da pessoa humana, que não foi incluído no

rol dos direitos e garantias fundamentais, mas consoante já frisado, à condição de

princípio (e valor) fundamental.

O dispositivo constitucional, no qual se encontra enunciada a dignidade da

pessoa humana, contém:

relevante en la clase de las reglas y la de los principios pero, señala que esta distinción es sólo de grado. Partidarios de esta tesis son, sobre todo, los numerosos autores que piensan que el grado de generalidad es el criterio decisivo. La tercera tesis dice que las normas pueden dividirse en reglas y principios y que entre reglas y principios existe sólo una diferencia gradual sino cualitativa. Esta tesis, dice Alexy, es correcta. Existe un criterio que permite distinguir con toda precisión entre reglas y principios. Consultar, da mesma forma, SILVA, Virgílio A. D. A constitucionalização do direito: os direitos fundamentais nas relações entre particulares. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 29-37 e STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 203-228. 81ESPÍNDOLA, Ruy S. Conceito de princípios constitucionais: elementos teóricos para uma formulação dogmática constitucionalmente adequada. 1.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 74. 82PEREIRA, Rodolfo V. Hermenêutica filosófica e constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 127.

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[...] não apenas mais de uma norma, mas que esta(s), para além de seu enquadramento na condição de princípio (e valor) fundamental. É (são) também fundamento de posições jurídico-subjetivas, isto é, norma(s) definidora(s) de direitos e garantias, mas também de deveres fundamentais. 83

Neste contexto, percebe-se que o dispositivo que reconhece a dignidade como

princípio fundamental encerra tanto normas que outorgam direitos subjetivos de

cunho negativo, ou seja, a não violação da dignidade, como também condutas

positivas no sentido de proteger e promover a dignidade.

É de ser observado que em cada direito fundamental se faz presente um

conteúdo ou, pelo menos, alguma projeção da dignidade da pessoa humana, haja

vista que este princípio é tido como fundante de todos os direitos e garantias

fundamentais.

Nesta linha de pensamento, ao serem tecidas considerações sobre a dignidade

da pessoa humana como condição de princípio normativo fundamental, já se está

assumindo um compromisso no sentido de que a dignidade da pessoa humana

confere a qualificação de norma jurídico-fundamental de uma determinada ordem.

E esta condição do princípio da dignidade da pessoa humana como princípio

fundamental traduz que:

[...] a qualificação da dignidade da pessoa humana como princípio fundamental traduz a certeza de que o artigo 1˚, inciso III, da nossa Lei Fundamental não contém apenas (embora também e acima de tudo) uma declaração de conteúdo ético e moral, mas que constitui norma jurídico-positiva dotada, em sua plenitude, de status constitucional formal e material e, como tal, inequivocadamente carregado de eficácia, alcançando, portanto, a condição de valor jurídico fundamental da comunidade.84

Como se percebe, importa considerar, neste contexto, que, na qualidade de

princípio fundamental, a dignidade da pessoa humana constitui valor-guia não

apenas dos direitos fundamentais, mas de toda a ordem jurídica, tanto constitucional

como infraconstitucional.

83SARLET, Ingo W. Dignidade da Pessoa Humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 71. 84Ibidem, p. 72.

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Importante, ainda, é que se deixe devidamente consignada a posição em prol

do caráter jurídico-normativo da dignidade da pessoa humana e, portanto, do

reconhecimento de sua plena eficácia na nossa ordem constitucional. Prova disto é

que a dignidade da pessoa humana tem sido reiteradamente considerada como

princípio (valor) de maior hierarquia de todas as ordens jurídicas que a reconhecem,

apesar de que o próprio Sarlet85 refere que também este valor não é absoluto, pois

precisa ceder em nome da dignidade de terceiros.

Como condição de valor - princípio fundamental tem atraído o conteúdo de

todos os direitos fundamentais, pressupondo o reconhecimento e proteção dos

direitos fundamentais de todas as gerações, como já anunciado anteriormente.

Por certo, não há como reconhecer que existe um direito fundamental à

dignidade, muito embora percebe-se que, ao menos em regra, os direitos

fundamentais encontram fundamento na dignidade da pessoa humana.

O que existe, na verdade, é uma ampla relação de reciprocidade entre o

princípio da dignidade humana com os direitos fundamentais, ou seja, "...o princípio

se concretiza através dos direitos fundamentais, e estes se explicam por sua união

perfeita com o princípio, temos que a dignidade da pessoa humana confere aos

direitos fundamentais intelegibilidade, coesão e unidade [...] "86.

No entanto, é importante deixar consignado que o reconhecimento da condição

normativa da dignidade, assumindo feição de princípio constitucional fundamental,

não afasta o seu papel como valor fundamental geral para toda a ordem jurídica. Por

outro lado, lembra Sarlet que o fato de o constituinte ter elencado a dignidade da

pessoa humana no rol dos princípios fundamentais não quer dizer que a dignidade

da pessoa, na condição de norma jurídica, não assume, para além de sua dimensão

principiológica, a feição de regra jurídica.87

85SARLET, Ingo W. Dignidade da Pessoa Humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007,p. 76. 86MARTINS, Flademir J. B. Dignidade da pessoa humana: princípio constitucional fundamental. Curitiba: Juruá, 2003, p. 68. 87SARLET, op. cit., p. 74, passim.

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Em linhas gerais, deve-se registrar que os princípios88 são, na verdade, os

elementos que servem para expressar os fins que devem ser perseguidos pelo

Estado, vinculando a todos os entes e valendo como um impositivo para o presente

e como um projeto para o futuro que se renova cotidianamente, constituindo-se

numa eterna construção da humanidade.

Esta perspectiva do sistema constitucional tendencialmente principialista é de

particular importância, não só porque fornece suportes rigorosos para solucionar

certos problemas metódicos, mas também porque permite respirar, legitimar,

enraizar e caminhar o próprio sistema. A respiração obtém-se através da textura

aberta dos princípios; a legitimidade entrevê-se na idéia de os princípios

consagrarem valores como liberdade, democracia e dignidade, fundamentadores da

ordem jurídica; o enraizamento prescruta-se na referência sociológica dos princípios

e valores, programas, funções e pessoas; a capacidade de caminhar obtém-se

através de instrumentos processuais e procedimentais adequados, possibilitadores

da concretização, densificação e realização prática das mensagens normativas da

constituição.89

Etimologicamente, o termo princípio, derivado do latim principium, encerra a

idéia de começo, origem, base, significando os pontos básicos, que servem de ponto

de partida ou de elementos vitais do próprio direito. Indicam o alicerce do direito. São

os princípios que conferem ao ordenamento jurídico estrutura e coesão.90

Por serem estes princípios os valores máximos expressos pelo pacto

constitucional, eles se apresentam, por conseguinte, como imperativos por ocasião

da elaboração da constituição jurídica, estando, assim, o Poder Legislativo

88Segundo JACINTHO, Jussara M. M. Dignidade humana: princípio constitucional. Curitiba: Juruá, 2006, p. 58-61, tanto princípios como regras são normas, porquanto são ambos comandos de dever ser, cujo operador deôntico expressa uma obrigação, uma proibição ou uma permissão. A regra se caracteriza por ser um comando definitivo, de tudo ou nada. Por ser expressão da necessidade da ordem jurídica de prover solução para as situações concretas e imediatas, é formulada em linguagem mais precisa, sem nenhum compromisso em expressar generalidades ou delinear opções quaisquer que o Estado tenha feito. É um comando definitivo, e neste particular distingue-se dos princípios, por ser este um comando prima facie, com aplicabilidade condicionada à reserva do possível. 89CANOTILHO, José J. G. Direito constitucional e teoria da constituição. 6. ed. Coimbra: Almedina, 2002, p. 1.149, passim. 90GARCIA, Guiomari G. D. C. Estado democrático de direito e liberdade de expressão e informação. Revista dos Tribunais, n. 42, p. 261-265, jan/març 2003, p. 259-261, passim.

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Constituinte a eles necessariamente obrigado, de modo que a ele somente cabe

transportá-los para o texto, razão pela qual se entende ser este momento

meramente de cunho declaratório, pois ao legislador não cabe a prerrogativa de

deliberar acerca deles.91

Sua liberdade de conformação encontra-se, portanto, neste aspecto, limitada

pelos princípios, dos quais ele não se pode furtar, sob pena de o produto de seu

trabalho, neste caso a constituição, carecer de legitimidade.

Assim, percebe-se que não só os princípios são essenciais para a ordem

jurídica, como também a sua positivação, o seu reconhecimento por essa mesma

ordem é essencial ao pleno desenvolvimento dos princípios, que passam a deter um

status de norma cogente.

O princípio da dignidade da pessoa humana, mais especificadamente, tido

como valor referencial máximo do ordenamento jurídico, como princípio material

supremo do ordenamento, tem conteúdo determinado por outros princípios

materiais, representados especialmente pelas diferentes gerações de direitos

fundamentais.

A dignidade, como qualidade intrínseca da pessoa humana, não poderá ser ela

própria concedida pelo ordenamento jurídico. Assim, quando se fala em direito à

dignidade se está, em verdade, a considerar o direito ao reconhecimento, respeito,

proteção e até mesmo promoção e desenvolvimento da dignidade, podendo,

inclusive, falar-se de direito a uma existência digna, sem prejuízo de outros sentidos

que se possa atribuir aos direitos fundamentais relativos à dignidade humana.92

No momento em que o estudo recai sobre a dignidade da pessoa humana

como princípio constitucional, tem-se que atentar para o fato de que pode vir a

ocorrer uma eventual tensão entre princípios. E, nestes casos, a solução não se

dará com a exclusão do sistema do princípio desprestigiado naquela situação

91LEAL, Mônia C. H. A constituição como princípio: os limites da jurisdição constitucional brasileira. São Paulo: Manole, 2003, p. 50-51, passim. 92SARLET, Ingo W. Dignidade da Pessoa Humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 71-72.

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concreta93, mas com uma ponderação do peso94 que cada um deles obtém como

fator decisivo no caso real.

Sabe-se que as regras, ao contrário, no caso de antinomia, a solução se dará

sempre no plano da validade destas. Ou seja, o ordenamento não admite o

antagonismo, motivo pelo qual apenas uma delas tem que sobreviver, devendo, para

tanto, ser reputada como válida.

Ao assumir a condição da dignidade como princípio, estar-se-á enquadrando

numa das concepções já anteriormente exaradas. Desse modo, a dignidade humana

consubstancia-se como um comando de otimização95 que dependerá das

possibilidades fáticas e jurídicas – sendo estas os espaços vazios deixados pelos

princípios que se lhes contrapõem – para prevalecer, pelo menos em tese. Note-se

que o entrechoque de princípios outros com a dignidade humana vai ensejar – pelo

menos teoricamente – a ponderação de bens e interesses constitucionalmente

protegidos, determinando a prevalência de um sobre o outro, pelo menos na

situação concreta determinada.96

93É o que ensina, também, TAVARES, André R. A categoria dos preceitos fundamentais na Constituição Brasileira. Revista dos Tribunais, n, 34, p. 105-133, jan./mar. 2001. Segundo o autor, os princípios caracterizam-se por serem a base do sistema jurídico, os seus fundamentos últimos. Neste sentido é que se compreende a sua natureza normogenética, ou seja, o fato de serem fundamento de regras, constituindo a razão determinante da existência das demais regras. Como conseqüência, os princípios são responsáveis pela incorporação de valores fundamentais no sistema jurídico. Assim, acabam conferindo unidade ao sistema jurídico, porque seu fundamento. Não desencadeiam, pois, a eliminação de um em face de outro, no caso de colisão, tal como ocorreria às regras jurídicas. É preciso reter a idéia que os denominados princípios (constitucionais) são normas que consagram valores que servem de fundamento para todo o ordenamento jurídico e irradiam-se sobre este para transformá-lo em verdadeiro sistema, conferindo-lhe a necessária harmonia. 94Sobre o princípio da dignidade humana e a ponderabilidade do princípio consultar BORNHOLDT, Rodrigo M. Métodos para resolução do conflito entre direitos individuais. Revista dos Tribunais, p. 84-93, 2005. 95Consultar ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2002, p. 86-87(los princípios como mandato de optimización). Para Alexy, los princípios osn mandatos de optimización, que están caracterizados por el hecho de que pueden ser cumplidos en diferente grado y que la medida debida de su cumplimiento no sólo depende de las posibilidades reales sino también de las jurídicas. En cambio, las reglas son normas que sólo pueden ser cumplidas o no. Si una regla es válida, entonces de hacerse exactamente lo que ella exige, ni más ni menos. Por lo tanto, las reglas contienen determinaciones en el ámbito de lo fáctica y juridicamente posible. Esto significa que la diferencia entre reglas y principios es cualitativa y no de grado. Toda norma es o bien una regla o un principio. Asi, el punto decisivo para la distinción entre reglas y principios es que los principios son normas que ordenan que algo sea realizado en la mayor medida posible, dentro de las posibilidades jurídicas y reales existentes. 96JACINTHO, Jussara M. M. Dignidade humana: princípio constitucional. Curitiba: Juruá, 2006, p. 133-134.

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Assim, ao se considerar que a dignidade humana é expressa não apenas

através de um princípio, como também de regras, a solução para o conflito se

avizinha mais clara. Afinal, a dignidade como regra, que conflita com outra regra,

que não componha o conteúdo da dignidade, gera a aplicação da máxima do tudo

ou nada, ou seja, o conflito de regras se soluciona no âmbito da validade, enquanto

que a colisão de princípios, no âmbito do peso.97

Seguindo, desta forma, este raciocínio, tem-se que o direito à dignidade

quando expresso por meio de princípios vai pautar a solução dos seus conflitos

através da ponderação de bens.98

Simplificadamente, é possível descrever a estrutura da ponderação como um

processo em três etapas.99 Em uma primeira fase, se identificam os comandos

normativos ou as normas relevantes em conflito. É nesta primeira fase que as

diversas indicações normativas devem ser agrupadas em função da solução que

estejam sugerindo, ou seja, todas as informações que indicam a mesma solução

97Sobre colisão de princípios e conflitos de regras consultar ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2002, p. 87-98. Las colisiones de principios deben ser solucionadas de manera totalmente distinta. Cuando dos principios entran en colisión, uno de los dos principios tiene que ceder ante el otro. Pero, esto no significa declarar inválido al principio desplazado ni que en el principio desplazado haya que introducir una cláusula de excepción. Lo que sucede es que uno de los principios precede al otro. En los casos concretos los principios tienen diferente peso y prima el principio con mayor peso. Los conflictos de reglas se llevan a cabo en la dimensión de la validez; la colisión de principios, como sólo pueden entrar en colisión principios válidos, tiene lugar más allá de la dimensión de la validez, en la dimensión del peso. 98Ver LEONCY, Léo F. Colisão de direitos fundamentais a partir da Lei 6.075/97. Revista dos Tribunais, n.37, p.274-279, out./dez. 2001. O autor refere que o juízo de ponderação a ser feito deve necessariamente obedecer os parâmetros constitucionais, que em linhas gerais sugerem que ao sacrifício de um direito fundamental deve corresponder a salvaguarda de outro direito fundamental. Ver, também, BARCELLOS, Ana P. D. Alguns parâmetros normativos para a ponderação constitucional. In: BARROSO, L. R. (Org.). A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 55-57 e 59-67. Nesta obra, a ponderação pode ser descrita como uma técnica de decisão própria para casos difíceis (do inglês hard cases), em relação aos quais o raciocínio tradicional da subdunção não é adequado. Os casos típicos dos quais se ocupa a ponderação são aqueles nos quais se identificam confrontos de razões, de interesses, de valores ou de bens albergados por normas constitucionais. O propósito da ponderação é solucionar esses conflitos normativos da maneira menos traumática para o sistema como um todo, de modo que as normas em oposição continuem a conviver, sem a negação de qualquer delas, ainda que em determinado caso concreto elas possam ser aplicadas em intensidades diferentes. Além disso, nesta obra, resta distinguida as duas espécies de ponderação: a realizada em abstrato e a realizada em concreto, bem como as duas espécies de parâmetros cuja construção é possível: gerais e particulares. 99Ibidem, p.57-59.

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devem formar um conjunto de argumentos, cujo propósito é justamente facilitar o

trabalho posterior de comparação entre os elementos normativos em jogo.

Esta primeira etapa, onde devem ser analisados todos os elementos e

argumentos, da forma mais exaustiva possível, é trabalhada por Ávila100 com a

denominação de ponderação da ponderação.

Na segunda fase, cabe examinar as circunstâncias concretas do caso e suas

repercussões sobre os elementos normativos e, na terceira e última fase, chamada

de fase da decisão, se estará examinando conjuntamente os diferentes grupos de

normas e a repercussão dos fatos sobre eles, a fim de apurar os pesos que devem

ser atribuídos aos diferentes elementos em disputa.

Assim, diante da distribuição de pesos será possível definir, afinal, o grupo de

normas que deve prevalecer, para, em seguida, decidir quão intensamente esse

grupo de normas deve prevalecer em detrimentos das demais. Nesse ponto, o

princípio da proporcionalidade servirá de instrumento de suma importância,

principalmente na vedação de excessos.101

100ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 4. ed. rev. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 95. 101Ibidem, p. 97-101. O autor trabalha a proibição de excesso e refere que o postulado da proibição de excesso proíbe a restrição excessiva de qualquer direito fundamental. A proibição de excesso está presente, portanto, em qualquer contexto em que um direito fundamental esteja sendo restringido. Por isso, deve ser investigada separadamente do postulado da proporcionalidade: sua aplicação não pressupõe a existência de uma relação de causalidade entre um meio e um fim. O postulado da proibição de excesso depende, unicamente, de estar um direito fundamental sendo excessivamente restringido. A 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal(RE 18.331-SP, DJU 21.9.1951), decidiu por negar provimento a recurso extraordinário por entender excessiva e desproporcional a majoração do imposto de licença sobre as cabinas de banho. A recorrente aduziu que tal imposição poderia lhe cercear uma atividade lícita e, por isso, estaria colidindo com o princípio da liberdade de qualquer profissão (art. 141, § 14, da CF de 1946). O voto do Ministro Orozimbo Nonato faz referência a decisão da Suprema Corte Americana no sentido de que o poder de taxar somente pode ser exercido dentro dos limites que o tornem compatível com a liberdade de trabalho, de comércio e de indústria e com o direito de propriedade. Sendo assim, mesmo considerando o imposto imodesto, o Ministro reconheceu ser ele exigível, pois o mesmo não estaria aniquilando a atividade particular, fato de seria determinante para o reconhecimento do excesso de majoração. Noutro julgamento(Repr. 1.077-5-RJ, DJU 19.11.1981), o Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu por deferir medida liminar que suscitava a inconstitucionalidade de lei estadual que elevava os valores de taxa judiciária. Tal lei estadual estaria violando os arts. 153 §§ 30 e 32; 19, I; e 8˚, XVII,"c",da Constituição então vigente. O fato de a taxa judiciária ter sido elevada em 827% impediria o acesso ao judiciário de uma grande parcela da população. O relator Ministro Moreira Alves acolheu os argumentos do autor, sustentando, ainda, a necessidade de proteção ao interesse público (acesso à prestação jurisdicional) e, também, a possibilidade de danos irreparáveis caso não fosse concedida a medida liminar. Nestes dois casos, o Tribunal apenas verificou que nenhuma medida pode restringir excessivamente um direito

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A segunda etapa, onde se vai fundamentar a relação estabelecida entre os

elementos objeto de sopesamento, ou, no caso da ponderação de princípios, essa

deve indicar a relação de primazia entre um e outro, também é definida como

realização da ponderação. E a última e terceira etapa, como reconstrução da

ponderação.102

Como fica fácil constatar, o processo da ponderação acaba conferindo ao

órgão jurisdicional, em todas as etapas, imensos poderes, haja vista que as

avaliações possuem caráter subjetivo, que, por óbvio, poderão variar em função das

circunstâncias pessoais do intérprete e de tantas outras influências.

Analisados, assim, aspectos primordiais acerca do conteúdo aqui proposto, é

importante que se diga que, embora não seja este, inclusive pelos limites deste

estudo, o momento oportuno para aprofundar a questão, cumpre deixar registrado

que, a título de pressuposto teorético, adota-se a argumentação de que as normas

são classificadas em princípios e regras e que o reconhecimento da condição

normativa da dignidade, assumindo feição de princípio, e até mesmo como regra

constitucional fundamental, não afasta o seu papel como valor fundamental geral

para toda a ordem jurídica.

Diante destas premissas e tendo sempre presente o caráter normativo103 e,

portanto, vinculante da dignidade da pessoa humana, passa-se a partir de agora a

enfrentar alguns aspectos específicos com relação às funções exercidas pelo

princípio da dignidade da pessoa humana na ordem jurídica-constitucional brasileira,

no que se refere aos direitos sociais.

fundamental, sejam quais forem as razões que a motivem. Daí em se falar em proibição de excesso como limite. 102ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 4. ed. rev. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 96. 103Consultar JUNIOR, N.N; NERY, R.M.D.A. (Org). Dignidade da pessoa humana: referenciais metodológicos e regime jurídico. Revista dos Tribunais, n. 21, p.85-111, jan./mar. 2005. O autor diz que o reconhecimento do caráter normativo do princípio da dignidade da pessoa humana, desde que preservada a sua essência, conduzirá a um lugar comum, quer se parta de uma posição ativa (o direito em sentido lato), quer se parta de uma posição passiva (o dever).

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1.3 O princípio da dignidade humana e os direitos sociais

É importante registrar, inicialmente, que a Constituição Federal de 1988

dedicou um título, o de número dois, aos direitos e garantias fundamentais,

reforçados pelos próprios princípios elencados no título primeiro. Pode-se

mencionar, assim, que “a Constituição de 1988 apresenta inegáveis avanços no

reconhecimento dos direitos e garantias individuais e coletivas”.104

Dentro da sistemática adotada pela Constituição Brasileira, “o termo “direitos

fundamentais”105 é gênero, abrangendo as seguintes espécies: direitos individuais,

coletivos, sociais, nacionais e políticos [...]”.106

De fato, a declaração de direitos da Constituição de 1988 é bastante extensa,

não se limitando somente a consagrar os direitos individuais, mas também os

direitos coletivos, sociais. Todavia, é necessária.

Os direitos sociais, objeto específico da presente análise, são identificados pela

doutrina dentre as gerações107 de direitos fundamentais. Na verdade, "somente a

partir do reconhecimento e da consagração dos direitos fundamentais pelas

primeiras Constituições é que assume relevo a problemática das assim

denominadas "gerações" (ou dimensões) dos direitos fundamentais."108 Desta forma,

a fim de buscar uma melhor compreensão do que vem a ser efetivamente os direitos

104ZIMMERMANN, Augusto. Curso de direito constitucional. 2 ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2002, p. 218. 105Sobre a formação e a evolução histórica dos direitos fundamentais, consultar LUÑO, Antonio E. P. Los derechos fundamentales. 8. ed. Madrid:Tecnos, 2005, p. 29-43. 106PINHO, Rodrigo C. R. Teoria geral da constituição e direitos fundamentais. 2. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 60. 107SARLET, Ingo. W. A eficácia dos direitos fundamentais. 8. ed. rev. atual. Porto Alegre, 2007, p. 54. Há quem prefira o termo “dimensões” dos direitos fundamentais ao invés de “gerações”, alegando que o termo “gerações”, além de conter uma imprecisão terminológica, conduz ao entendimento equivocado de que os direitos fundamentais se substituem ao longo do tempo, não se encontrando em permanente processo de expansão, cumulação e fortalecimento. Esta é a posição adotada por Ingo Sarlet, apesar de ressaltar, todavia, que, em princípio, a discordância reside essencialmente na esfera terminológica, havendo consenso no que diz com o conteúdo das respectivas “dimensões” e “gerações” de direitos. 108Ibidem, p. 44.

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sociais, é importante que se faça, ainda que breve, uma análise sobre estas

gerações.109

Fala-se, inicialmente, na existência de três gerações de direitos. Entretanto, há

quem defenda a existência de uma quarta geração e até mesmo de uma quinta

geração110. Sarlet refere, inclusive, que há quem sustente a existência de até mesmo

uma sexta geração de direitos.111

Os direitos fundamentais, ao menos no âmbito de seu reconhecimento nas

primeiras Constituições escritas, são o produto peculiar do pensamento liberal-

burguês do século XVIII, de marcado cunho individualista, surgindo e afirmando-se

como direitos do indivíduo frente ao Estado, mais especificadamente como direitos

de defesa, demarcando uma zona de não-intervenção do Estado e uma esfera de

autonomia individual em face de seu poder. Assim, assumem particular relevo, no rol

desses direitos, os direitos à vida, à liberdade, à propriedade e à igualdade perante a

lei.112

Estes direitos, chamados de primeira geração são, portanto, os primeiros a

constarem do instrumento normativo constitucional, denominados, como se sabe, de

direitos civis e políticos. Têm por titular o indivíduo e são direitos de resistência ou de

oposição perante o Estado (negativos).

Ocorre, porém, que o impacto da industrialização e os graves problemas

sociais e econômicos que a acompanharam, as doutrinas socialistas e a constatação

de que a consagração formal de liberdade e igualdade não gerava a garantia do seu

efetivo gozo, acabaram, no decorrer do século XIX gerando amplos movimentos

109A classificação aqui proposta, no que tange aos direitos de quinta geração, é trabalhada por ZIMMERMANN, Augusto. Curso de direito constitucional. 2 ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2002, p. 256. As de primeira, segunda, terceira e quarta geração também são trabalhadas por BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 12. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2002, p.516-526. 110As cinco gerações de direito são trabalhadas por GORCZEVSKI, Clóvis. Direitos humanos: dos primórdios da humanidade ao Brasil de hoje. Porto Alegre: Imprensa Livre, 2005, p. 74-82. 111SARLET, Ingo. W. A eficácia dos direitos fundamentais. 8. ed. rev. atual. Porto Alegre, 2007p. 54. 112Ibidem, p. 56, passim. Segundo o autor, dentre os direitos de liberdade, incluem-se liberdades de expressão, imprensa, manifestação, reunião, associação, dentre outros. Quanto ao direito de igualdade, entende-se algumas garantias processuais como, por exemplo, devido processo legal, hábeas corpus, direito de petição.

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reivindicatórios e o reconhecimento progressivo de direitos, atribuindo ao Estado

comportamento ativo na realização da justiça social.113 Por isso, a nota distintiva

destes direitos é a sua dimensão positiva, uma vez que não mais tende a evitar a

intervenção do Estado na esfera da liberdade individual.114

Estes direitos, por sua vez, denominados de segunda geração, dominaram o

século XX do mesmo modo como os direitos da primeira geração dominaram o

século retrasado. São os direitos sociais, culturais e econômicos bem como os

direitos coletivos ou de coletividades.

A segunda geração de direitos, no entender de Sampaio, consolida a

perspectiva de tratamento privilegiado do hipossuficiente econômica e

socialmente.115

Assim, se na fase da primeira geração os direitos fundamentais consistiam

essencialmente no estabelecimento das garantias fundamentais da liberdade, a

partir da segunda geração tais direitos passaram a compreender, além daquelas

garantias, também os critérios objetivos de valores, bem como os princípios básicos

que animam a lei maior, projetando-lhe a unidade e fazendo a congruência

fundamental de suas regras.

113Nesse mesmo sentido, sobre reconhecimento dos direitos fundamentais sociais consultar SCHÄFER, Jairo. Classificação dos direitos fundamentais: do sistema geracional ao sistema unitário: uma proposta de compreensão. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 26-27. O autor sustenta que o reconhecimento dos direitos sociais resultou do processo histórico de formação e consolidação do Estado Social, fenômeno possível em virtude da superveniência de dois relevantes eventos da época contemporânea, quais sejam, a industrialização e a democratização do poder político. Isso porque se, de um lado, a industrialização estimulou as diferenças entre as classes sociais, separando radicalmente trabalho de capital, por outro a democracia permitiu o exercício de pressões políticas dialéticas. A soma desses elementos deslocou a tradicional função do Estado, fazendo-o evoluir de uma função inerte para uma postura promocional perante o cidadão, sofrendo a matriz ideológica individualista. 114SARLET, Ingo. W. A eficácia dos direitos fundamentais. 8. ed. rev. atual. Porto Alegre, 2007, p. 56-57, passim. 115SAMPAIO, J. A. L; CRUZ, A. R. de S. Hermenêutica e jurisdição constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 209. Segundo o autor, a utilização da expressão social encontra justificativa na circunstância de que os direitos da segunda geração podem ser considerados uma densificação do princípio da justiça social, além de corresponderem à reivindicações das classes favorecidas como, por exemplo, da classe operária, em virtude da extrema desigualdade que caracterizava e, de certa forma, ainda caracteriza as relações com a classe empregadora, notadamente detentora de um maior ou menor grau de poder econômico.

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Com a introdução dos direitos fundamentais da segunda geração cresceu o

juízo de que esses direitos representam de certo modo uma ordem de valores. A

concepção de objetividade e de valores relativamente aos direitos fundamentais fez

com que o princípio da igualdade, tanto como o da liberdade, tomasse também um

sentido novo, deixando de ser mero direito individual para assumir uma dimensão

objetiva de garantia contra atos de arbítrio do Estado.

Por esta razão, “la utilización de conceptos como dignidad humana, libertad e

igualdad es imprescindible para el razonamiento que conduzca a entender la noción

de derechos fundamentales”. 116

Além destas duas gerações de direitos, há, ainda, uma terceira, que se assenta

sobre os direitos de fraternidade ou de solidariedade. Trazem como aspecto

distintivo o fato de se desprenderem, em princípio, da figura do homem-indivíduo

como seu titular, destinando-se à proteção de grupos humanos e, caracterizando-se,

conseqüentemente, como direitos de titularidade coletiva ou difusa. Dentro desta

perspectiva, refere-se o direito à paz117, à autodeterminação dos povos, ao

desenvolvimento, ao meio ambiente e qualidade de vida, bem como o direito à

conservação e utilização do patrimônio histórico e cultural e o direito de

comunicação.118

Como se percebe, a nota distintiva destes direitos da terceira geração reside

justamente na sua titularidade coletiva, o que se verifica especialmente no direito ao

meio ambiente e qualidade de vida, o qual, em que pese ficar preservada sua

dimensão individual, reclama técnicas de garantia e proteção.

116MARTINEZ, Gregório P. B. Derecho y derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1993, p. 326. 117De acordo com SCHÄFER, Jairo. Classificação dos direitos fundamentais: do sistema geracional ao sistema unitário: uma proposta de compreensão. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 15, o direito à paz mundial, geralmente invocado como sendo um direito de quarta geração, possui todas as características que o colocam adequadamente junto aos direitos de terceira geração, não obstante seja um direito que ultrapasse as fronteiras estaduais e somente possa a ser efetivado a partir da consciência de cidadania global. O mesmo fenômeno ocorre com o direito ao meio ambiente equilibrado – típico direito de terceira geração -, não sendo possível limitar os efeitos das agressões a este direito a um determinado território soberano, percebendo-se, nesses direitos, uma interligação entre as diversas dimensões. 118SARLET, Ingo. W. A eficácia dos direitos fundamentais. 8. ed. rev. atual. Porto Alegre, 2007, p. 58, passim.

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Estes direitos de solidariedade/fraternidade passam a ser o vértice maior da

tutela dos direitos fundamentais. Consiste no respeito à dignidade humana,

respeitando o direito à diferença e às peculiaridades das minorias étnicas e sociais

da humanidade. As diferenças do homem passam, desta forma, a merecer um

tratamento destacado. É nesse marco, segundo Sampaio, que a Constituição

Brasileira tutela os direitos da pessoa portadora de deficiência, os direitos do idoso,

e que os tribunais brasileiros finalmente reconhecem os direitos dos

homossexuais.119

Por outro lado, é de se referir que existe uma forte tendência em se reconhecer

a existência de uma quarta geração120 de direitos, que englobam o direito à

democracia, o direito à informação e o direito ao pluralismo. São, também, os

direitos de manipulação genética, relacionados à biotecnologia e bioengenharia, e

que tratam de questões sobre a vida e a morte e que requerem uma discussão ética

prévia.121

Por último, há posicionamentos favoráveis no sentido da existência de direitos

de quinta geração, que representam os advindos com a chamada realidade virtual, a

inteligência artificial, compreendendo o grande desenvolvimento da cibernética na

atualidade, implicando o rompimento de fronteiras, estabelecendo conflitos entre

países com realidades distintas, via Internet.122

Diante da análise acima, deve-se deixar claro que eventuais desencontros ou

contradições quanto à classificação de determinado direito em uma geração

específica são compreensíveis, considerando-se que o direito é produto do

desenvolvimento histórico, portanto, em constante evolução. Além disso, novos

direitos surgirão, bem como o surgimento de novas gerações de direitos fatalmente

119SAMPAIO, J. A. L; CRUZ, A. R. DE S. Hermenêutica e jurisdição constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 210-211, passim. 120Um dos que se posiciona favoravelmente a uma quarta geração de direitos é Paulo Bonavides, que apresenta e analisa os direitos de quarta geração em capítulo próprio. 121ZIMMERMANN, Augusto. Curso de direito constitucional. 2 ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2002, p. 220. Este autor, como se vê, trabalha os direitos de manipulação genética dentre os direitos de quarta geração. Todavia, é importante referir que este direito é igualmente considerado, por parte da doutrina, dentre os direitos de terceira geração. 122Ibidem, p. 220.

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ocorrerá, uma vez que os direitos do homem são um produto da evolução

histórica.123

Com base no que até aqui fora exposto, é possível perceber também que os

direitos fundamentais são o pilar de sustentação de qualquer atividade humana, seja

ela política, econômica, religiosa ou cultural.

A estrutura dos direitos fundamentais encobre uma estrutura complexa de

normas, garantidoras de direitos subjetivos e impositivas de deveres objetivos,

cumprindo uma função de direitos de defesa dos cidadãos sob uma dupla

perspectiva, pois constituem normas de competência negativa para os poderes

públicos, proibindo fundamentalmente as ingerências destes na esfera jurídica-

individual e implicam, num plano jurídico-subjetivo, o poder de exercer positivamente

direitos fundamentais e de exigir omissões dos poderes públicos, de forma a evitar

agressões lesivas por parte dos mesmos.124

Parece, com isto, que os direitos fundamentais são considerados como direitos

subjetivos, ou seja, posições jurídicas ocupadas pelo indivíduo de fazer valer sua

pretensão frente ao próprio Estado, reforçando o direito a que o Estado não elimine

determinadas posições jurídicas do titular do direito.

Esta é a linha de pensamento seguida por Moraes125, quando menciona que

direito fundamental deve ser conceituado como direito ou posição jurídica subjetiva

asseguradora de uma esfera de ação própria e livre, impondo limitação à atividade

estatal ou privada.

Desta forma, o que se vislumbra é que "para a concretização do princípio da

dignidade da pessoa humana, prelecionado como princípio fundamental do Estado

123GORCZEVSKI, Clóvis. Direitos humanos: dos primórdios da humanidade ao Brasil de hoje. Porto Alegre: Imprensa Livre, 2005, p. 80-81, passim. 124SCHÄFER, Jairo G. Direitos fundamentais: proteção e restrições. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 29. 125MORAES, Guilherme B. P. de. Dos direitos fundamentais: contribuição para uma teoria: parte geral. São Paulo: LTr, 1997, p. 24.

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de direito brasileiro, será preciso concretizar os direitos fundamentais relacionados

[...]".126

Não deveria haver, por exemplo, qualquer resquício de dúvida no que concerne

à importância do direito à saúde, à assistência, à previdência social, à educação,

tanto para o efetivo gozo dos direitos de vida, liberdade e igualdade, quanto para o

próprio princípio da dignidade da pessoa humana.

É importante observar, por oportuno, que os direitos fundamentais sociais,

conhecidos como direitos de segunda geração, têm se caracterizado como uma

inovação da Constituição Federal de 1988, porque esta tratou da matéria não no

capítulo dedicado à Ordem Econômica e Financeira ou à Ordem Social. Tratou como

verdadeiros direitos fundamentais sociais àqueles que estão contemplados no artigo

6˚, bem como no artigo 11, ou seja, o direito à proteção da saúde; o direito ao

trabalho; o direito ao lazer; o direito à moradia127; o direito à educação; o direito à

previdência; o direito à segurança; o direito à assistência aos desamparados; o

direito à proteção da infância e o direito à proteção da maternidade.

Deste modo, com base no tratamento reverenciado pela própria Constituição

vigente, é possível agrupar os direitos fundamentais sociais em cinco classes. A

primeira destinar-se-ia aos direitos sociais relativos ao trabalhador; a segunda, aos

direitos sociais relativos à seguridade, compreendendo os direitos à saúde, à

previdência e à assistência social; a terceira, direitos sociais relativos à educação e à

cultura; a quarta, direitos sociais relativos à família, criança, adolescente e idoso; e,

a quinta classe, compreenderia os direitos sociais relativos ao meio ambiente.128

126SANTIN, Janaína R. A dignidade da pessoa e os direitos sociais do idoso no Brasil.In: SANTIN, J. R; VIEIRA, P. S; FILHO, H. T. (Org.) Envelhecimento Humano: saúde e dignidade. Passo Fundo: UPF, 2005, p.88. 127Este direito foi incorporado pela Emenda Constitucional n˚ 26, de 14 de fevereiro de 2000. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituição/Emendas/Emc/emc26.htm. Acesso em: 22 out. 2007. 128SILVA, José A. da. Garantias econômicas, políticas e jurídicas da eficácia dos direitos sociais. Anais do IV Simpósio Nacional de Direito Constitucional. Revista da Academia de Direito Constitucional, Curitiba, vol.03, n. 03, 2003, p.305, passim. Como se vê, o autor agrupa os direitos fundamentais sociais relativos à família, criança, adolescente e idoso como sendo de quarta classe. Entretanto, defende-se aqui a posição de que estes direitos são de primeira classe, tendo em vista os objetivos desta pesquisa.

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Nesta seara, compreende-se que os direitos fundamentais sociais têm natureza

constitucional e, conseqüentemente, gozam de todas as garantias dos demais

direitos fundamentais, ou seja, a Constituição traz na sua concepção a idéia de que

os direitos sociais constituem direitos fundamentais da pessoa humana,

considerados como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem

preconceitos.

Como já visto, anteriormente, todos este direitos elencados nos artigos 6˚ e 11˚

"residem na Carta de 1988 por conta de uma demanda social, intransigente,

democrática, radical, que se expressou por meio de movimentos sociais e que

conseguiu convencer o Congresso Constituinte".129

Garantidos por meio de normas constitucionais, os direitos sociais acabam

vinculando os órgãos estatais como um todo. Quanto ao Poder Executivo,

certamente há de respeitar os direitos de defesa, e ao mesmo tempo propor e

realizar as políticas públicas necessárias à satisfação dos direitos prestacionais.130 O

Legislativo, por sua vez, há de legislar com a finalidade de proteger os direitos

fundamentais, normativamente, assim como, eventualmente, fiscalizar a atuação dos

demais poderes. Por fim, o Poder Judiciário, ao decidir, há, certamente, de levar em

conta os princípios, os objetivos e os direitos fundamentais.131

Neste sentido, são as palavras transcritas a seguir, que demonstram haver

efetivamente uma vinculação entre os direitos sociais e os órgãos estatais:

[...] conquanto a maior parte dos direitos fundamentais apareça numa primeira leitura, como direitos defensivos, protegendo os indivíduos contra a ação do Poder Público e impondo, a esse, deveres de abstenção, isto é, interditos ao exercício das liberdades públicas, percebe-se que, ao lado dessas garantias, surgem outros direitos, com outros efeitos – efeitos

129CLÈVE, Clèmerson M. O desafio da efetividade dos direitos fundamentais sociais. Anais do IV Simpósio Nacional de Direito Constitucional. Revista da Academia de Direito Constitucional, Curitiba, vol.03, n. 03, 2003, p.293. 130Sobre o conceito e a divisão dos direitos prestacionais, consultar ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2002, p. 427-435. De conformidade com o autor, todo direito a um ato positivo, ou seja, a uma ação do Estado, é um direito prestacional. As ações positivas do Estado que podem ser objeto de um direito prestacional se estende desde a proteção do cidadão frente a outros cidadãos até prestações em dinheiro ou em bens. O autor divide os direitos prestacionais em três grupos: os direitos a proteção, direitos a organização e procedimento e, por último, direitos prestacionais em sentido estrito. 131CLÈVE, op. cit.,p. 292-293, passim.

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positivos – impondo ao Poder Público não só deveres de abstenção, mas também deveres de proteção, consistente numa obrigação positiva para o Estado de adotar medidas hábeis a assegurar a proteção ou a promoção do exercício das liberdades civis e dos demais Direitos Fundamentais.132

Assim, ainda que os direitos fundamentais, na condição de direitos de

defesa133, objetivem a limitação do poder estatal, assegurando ao indivíduo uma

esfera de liberdade e outorgando-lhe um direito subjetivo que permita evitar

interferências indevidas no âmbito de proteção do direito fundamental ou mesmo a

eliminação de agressões que esteja sofrendo em sua esfera de autonomia pessoal,

é de ser observado, que "esta função defensiva dos direitos fundamentais não

implica, na verdade, a exclusão total do Estado, mas, sim, a formalização e limitação

de sua intervenção [...]".134.

Por outro lado, como se vê, os direitos fundamentais como direitos a

prestações, partem da premissa de que o indivíduo depende em muito de uma

postura ativa dos poderes públicos, no sentido de que o Estado se encontra

obrigado a colocar à disposição dos indivíduos prestações de natureza jurídica e

material.

Diante de todas as informações até agora tecidas, torna-se fácil definir os

direitos fundamentais sociais, visualizar suas características e principais

especificidades. Todavia, utilizar-se-á o conceito exposto abaixo, que se encontra de

132SARLET, Ingo Wolfgang (Org). Constituição, direitos fundamentais e direito privado. 2.ed. rev. ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 72. 133Com relação aos direitos de defesa, consultar ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2002, p. 189-194. O autor entende que os direitos de defesa, que são direitos do cidadão frente a ações negativas do Estado, podem dividir-se em três grupos: o primeiro é constituído por direitos a que o Estado não impeça determinadas ações do titular do direito como, por exemplo, liberdade de movimento, manifestação da fé, expressão da opinião, a crença em alguma obra de arte, a educação dos filhos, a eleição de uma profissão, dentre outros. O segundo, por direitos a que o Estado não afete determinadas propriedades ou situações do titular do direito. Um exemplo desta situação é a inviolabilidade de domicílio. O último grupo é constituído por direitos a que o Estado não elimine determinadas posições jurídicas do titular do direito. 134SARLET, Ingo. W. A eficácia dos direitos fundamentais. 8. ed. rev. atual. Porto Alegre, 2007, p. 198. O autor refere, portanto, que o próprio conceito de direitos fundamentais sociais no direito constitucional pátrio é um conceito amplo, incluindo tanto posições jurídicas tipicamente prestacionais como, por exemplo, o direito à saúde, educação, assistência social, quanto uma gama diversa de direitos de defesa. Como típicos direitos de defesa tem-se a limitação da jornada de trabalho (art. 7˚, incs. XIII e XIV), do reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho (art. 7˚, inc. XXVI), das normas relativas à prescrição (art. 7˚, inc. XXIX), da liberdade de associação sindical (art. 8˚), bem como do direito de greve (art. 9˚), dentre muitos outros.

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conformidade com a análise realizada até o momento. Desta forma, os direitos

fundamentais sociais podem ser conceituados da seguinte forma:

[...] eles são, em sentido material, direitos a ações positivas fáticas, que, se o indivíduo tivesse condições financeiras e encontrasse no mercado oferta suficiente, poderia obtê-las de particulares, porém, na ausência destas condições e, considerando a importância destas prestações, cuja outorga ou não-outorga não pode permanecer na mãos da simples maioria parlamentar, podem ser dirigidas contra o Estado por força de disposição constitucional.135

No momento em que se adota a definição proposta por Leivas, é possível

perceber que as características dos direitos fundamentais sociais são as de serem

direitos a ações positivas, o que representa uma mudança causal de situações ou

processos na realidade e a de demandarem recursos financeiros para a sua

execução, o que exige, em contrapartida, previsão em lei orçamentária.

No entanto, como já referido anteriormente, podem ações negativas,

entendidas como uma não-mudança de situações ou processos na realidade,

embora fosse possível a mudança, serem objeto de um direito fundamental social.

Mas, o que deve ficar consignado aqui é que os direitos fundamentais sociais,

apesar de, em regra, serem direitos a ações positivas fáticas, não são, porém,

quaisquer ações fáticas, mas aquelas que, se o indivíduo possuísse meios

financeiros suficientes, poderia obtê-las também de particulares.

Percebe-se, pois, que ao se falar em direitos fundamentais sociais,

especialmente aqueles exigentes de uma atuação positiva do poder público, fala-se

também de constituição, democracia, igualdade, separação de poderes, enfim, fala-

se de Estado de Direito. Isto ocorre, inclusive, porque os direitos sociais têm como

principal objeto "asegurar la participación em la vida política, econômica, cultural e

social de las personas individuales, así como de los grupos em los que se

integran”.136

135LEIVAS, Paulo G. C. Teoria dos direitos fundamentais sociais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 89. 136LUÑO, Antonio. E. P. Los derechos fundamentales. 8. ed. Madrid: Tecnos, 2005, p. 183.

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É de ser observado, por oportuno, a possibilidade de haver uma colisão entre

princípios, envolvendo um determinado direito fundamental social e a necessidade

de recursos financeiros para a sua execução.

Os exemplos que aqui poderiam constar são muitos. Todavia, utilizar-se-á, a

fim de esclarecer o conteúdo ora analisado, dois casos julgados pelo Supremo

Tribunal Federal, um que envolve o direito fundamental à saúde, no que tange ao

fornecimento gratuito de medicamentos e, outro, envolvendo o direito fundamental à

educação infantil, no que se refere ao atendimento em creche e em pré-escola.137

A primeira decisão, envolvendo o direito fundamental à saúde, restou

ementada da seguinte forma:

PACIENTE COM HIV-AIDS-PESSOA DESTITUÍDA DE RECURSOS FINANCEIROS. DIREITO À VIDA E À SAÚDE – FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS – DEVER CONSTITUCIONAL DO PODER PÚBLICO (CF ARTIGOS 5˚, CAPUT, E 196) PRECEDENTES (STF) – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. O DIREITO À SAÚDE REPRESENTA CONSEQÜÊNCIA CONSTITUCIONAL INDISSOCIÁVEL DO DIREITO À VIDA. -O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (artigo 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o poder público, a quem incumbe formular – e implementar – políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, inclusive aqueles portadores do vírus HIV, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico hospitalar. -O direito à saúde-além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas – representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atenção no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE TRANSFORMÁ-LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQÜENTE. -O caráter programático da regra inscrita no artigo 196 da carta política – que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro – não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o poder público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira e ilegítima, o cumprimento de seu

137BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário. n. 271.286-8: relator. Ministro Celso de Mello. 24 de novembro de 2000 e BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário. n. 436.996-6: relator. Ministro Celso de Mello. 03 de fevereiro de 2006.

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impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA DE MEDICAMENTOS A PESSOAS CARENTES. -O reconhecimento judicial da validade jurídica dos programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes, inclusive àquelas portadoras do vírus HIV/AIDS, dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5˚, caput, e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade. Precedentes do STF.

Trata-se, na verdade, de um recurso extraordinário interposto pelo Município de

Porto Alegre contra acórdão emanado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul

que reconhece incumbir ao recorrente, solidariamente com o Estado do Rio Grande

do Sul, obrigação de ambos fornecerem, gratuitamente, medicamentos que

envolvessem pacientes destituídos de recursos financeiros e que fossem portadores

do vírus HIV.

Sustenta o recorrente que a decisão do tribunal a quo viola o art. 167, I, da

Constituição Federal, que veda o início de programas e projetos não incluídos em lei

orçamentária anual, bem como ofende o princípio da separação de poderes.

Nesse caso, já estava em vigor uma lei ainda não regulamentada, que

estabelecia a obrigação do fornecimento do medicamento, e o Supremo Tribunal

Federal avançou para afirmar a existência de um direito subjetivo público à saúde:

"O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível

assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República".

Neste contexto, fica evidenciado que não se trata, apenas, de um direito

fundamentado em norma emanada de lei ordinária que obriga o Estado ao

fornecimento de medicamento, mas um direito subjetivo público assegurado pela

própria Constituição vigente.

Além disso, é importante observar que esse tribunal, em uma ponderação entre

o direito à vida e à saúde, de um lado, e o interesse financeiro e secundário do

Estado, de outro, entendeu pela primazia do primeiro, o que demonstra que, no caso

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de colisão de princípios, o direito fundamental à saúde prevalece sobre a

competência orçamentária do legislador.

Por outro lado, é de se verificar também que, em novembro de 2005, o

Supremo Tribunal Federal julgou improcedente um recurso de agravo contra decisão

que conheceu e deu provimento ao recurso extraordinário deduzido pelo Ministério

Público do Estado de São Paulo contra acórdão do Tribunal de Justiça de São

Paulo.

Deste modo, foi mantida a decisão monocrática que deu provimento ao recurso

extraordinário no qual o STF reformou decisão do TJSP para o fim de restabelecer

sentença de primeiro grau que julgou procedente ação civil pública proposta com o

objetivo de garantir o atendimento a crianças em creches e escolas de educação

infantil no Município de Santo André/SP. O acórdão foi assim ementado:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO – CRIANÇA DE ATÉ SEIS ANOS DE IDADE – ATENDIMENTO EM CRECHE E EM PRÉ-ESCOLA – EDUCAÇÃO INFANTIL – DIREITO ASSEGURADO PELO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL (CF, ART. 208, IV) – COMPREENSÃO GLOBAL DO DIREITO CONSTITUCIONAL À EDUCAÇÃO – DEVER JURÍDICO CUJA EXECUÇÃO SE IMPÕE AO PODER PÚBLICO, NOTADAMENTE AO MUNICÍPIO (CF, ART. 211, §2˚) – RECURSO IMPROVIDO. – A educação infantil representa prerrogativa constitucional indisponível, que deferida às crianças, a estas assegura, para efeito de seu desenvolvimento integral, e como primeira etapa do processo de educação básica, o atendimento em creche e o acesso à pré-escola (CF, art. 208, IV). – Essa prerrogativa jurídica, em conseqüência, impõe, ao Estado, por efeito da alta significação social de que se reveste a educação infantil, a obrigação constitucional de criar condições objetivas que possibilitem, de maneira concreta, em favor das crianças de zero a seis anos de idade (CF, art. 208, IV), o efetivo acesso e atendimento em creches e unidades de pré-escola, sob pena de configurar-se inaceitável omissão governamental, apta a frustrar, injustamente, por inércia, o integral adimplemento, pelo Poder Público, de prestação estatal que lhe impôs o próprio texto da Constituição Federal. – A educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda a criança, não se expõe, em seu processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da Administração Pública, nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental. – Os Municípios – que atuarão, prioritariamente, no ensino fundamental e na educação infantil (CF, art. 211, §2˚) – não poderão demitir-se do mandato constitucional, juridicamente vinculante, que lhes foi outorgado pelo art. 208, IV, da Lei Fundamental da República, e que representa fator de limitação da discricionariedade político-administrativa dos entes municipais, cujas opções, tratando-se do atendimento das crianças em creche (CF, art. 208, IV), não podem ser exercidas de modo a comprometer, com apoio em juízo de simples conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia desse direito básico de índole social. – Embora resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas

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públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário, determinar, ainda que em bases excepcionais, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas pelos órgãos estatais inadimplentes, cuja omissão – por importar em descumprimento dos encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório – mostra-se apta a comprometer a eficácia e a integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional. A questão pertinente à reserva do possível.

Do acórdão analisado pode-se deduzir que a educação infantil é um direito

fundamental cujo adimplemento impõe e exige prestações estatais positivas,

residindo primariamente nos Poderes Legislativo e Executivo a prerrogativa de

formular e executar políticas públicas concretizadoras de tais direitos e, ao Poder

Judiciário, em caráter excepcional, determinar sejam essas políticas implementadas.

Os direitos sociais, econômicos e culturais caracterizam-se pela gradualidade

de seu processo de concretização e dependem de um vínculo financeiro

subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado e, entre as razões

inescusáveis, opostas pelo Estado ao adimplemento dessas obrigações

constitucionais, estão as alegações de mera conveniência, oportunidade, deficiência

econômica e falta de normas de regulamentação. No entanto, a cláusula da reserva

do possível só pode ser invocada, com o objetivo de o Estado exonerar-se de suas

obrigações constitucionais, na ocorrência de justo motivo objetivamente aferível.

Fazendo uma análise comparativa entre os acórdãos acima analisados,

percebe-se que o Supremo Tribunal Federal está efetivamente atento aos debates

doutrinários atuais acerca dos direitos fundamentais sociais. Na primeira decisão, ele

reconhece que o direito à saúde, embora de aplicabilidade imediata e vinculativo, é

uma norma programática138, enquanto, na segunda decisão, foi abandonado o

conceito de norma programática e incorporado o conceito de reserva do possível.139

138Sobre a eficácia dos direitos sociais no âmbito de sua dimensão programática, consultar SARLET, Ingo W. A eficácia dos direitos fundamentais. 8. ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 308-317. Segundo o autor, normas de cunha programático apresentam como característica comum uma baixa densidade normativa, ou seja, uma normatividade insuficiente para alcançarem plena eficácia, porquanto se trata de normas que estabelecem programas, finalidades e tarefas a serem implementadas pelo Estado, ou que contêm determinadas imposições de maior ou menor concretude dirgidas ao Legislador. 139Ibidem, p.304. De acordo com o autor, há como sustentar que a assim designada reserva do possível apresenta pelo menos uma dimensão tríplice, que abrange a) a efetiva disponibilidade fática dos recursos para a efetivação dos direitos fundamentais; b) a disponibilidade jurídica dos recursos materiais e humanos, que guarda íntima conexão com a distribuição das receitas e competências tributárias, orçamentárias, legislativas e administrativas, entre outras, e que, além disso, reclama

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A Corte Máxima Brasileira reconhece a justiciabilidade dos direitos

fundamentais sociais e fornece, embora de maneira pouco clara, elementos

conceituais e estruturais acerca da concretização desses direitos. Reconhece que a

competência orçamentária não é um princípio absoluto e que, em detrimento deste,

os direitos fundamentais sociais podem ter um peso maior, aplicando o preceito da

proporcionalidade em sentido estrito aos casos de direitos fundamentais sociais.

É de ser observado, por outro lado, que o artigo 5˚, § 1˚ da Constituição, estatui

que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação

imediata. Isso abrange, pelo visto, as normas que revelam os direitos sociais.140

Contudo, a Constituição faz depender de legislação ulterior à aplicabilidade de

algumas normas definidoras de direitos sociais e coletivos.

Por regra, as normas que substanciam os direitos fundamentais democráticos e

individuais são de aplicabilidade imediata, enquanto as que definem os direitos

sociais tendem a sê-lo também na Constituição vigente, mas algumas,

especialmente as que mencionam uma lei integradora, são de eficácia limitada e

aplicabilidade indireta. Então, em face dessas normas, poder-se-ia questionar que

valor tem o § 1˚ do artigo 5˚ da Constituição, que declara todas de aplicação

imediata.141

O que se pode dizer, na verdade, como resposta a este questionamento, é que

essas normas são aplicáveis até onde possam, até onde as instituições ofereçam

condições para seu atendimento. Além disso, significa que o poder judiciário, sendo

equacionamento, notadamente no caso do Brasil, no contexto do sistema constitucional federativo; c) já na perspectiva (também) do eventual titular de um direito a prestações sociais, a reserva do possível envolve o problema da proporcionalidade da prestação, em especial no tocante à sua exigibilidade e, nesta quadra, também da sua razoabilidade. 140Sobre a eficácia dos direitos fundamentais sociais e o artigo 5˚, § 1˚ da Constituição, ler SARLET, Ingo W. A eficácia dos direitos fundamentais. 8. ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 288-297. O autor ensina que a plena eficácia dos direitos de defesa, integrados principalmente pelos direitos de liberdade, igualdade, direitos-garantia, garantias institucionais, direitos políticos e posições jurídicas fundamentais em geral, que, preponderantemente, reclamam uma atitude de abstenção dos poderes estatais, não costuma ser questionada. Entretanto, o mesmo não se pode afirmar com relação aos direitos sociais prestacionais, que têm por objeto uma conduta positiva por parte do destinatário, haja vista que se travam as mais acirradas controvérsias envolvendo o problema de sua aplicabilidade, eficácia e efetividade. 141SILVA, José A. da. Garantias econômicas, políticas e jurídicas da eficácia dos direitos sociais. Anais do IV Simpósio Nacional de Direito Constitucional. Revista da Academia de Direito Constitucional, Curitiba, v. 3, n. 3, 2003, p. 311, passim.

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invocado a propósito de uma situação concreta nelas garantida, não pode deixar de

aplicá-las, conferindo ao interessado o direito reclamado, segundo as instituições

existentes como, por exemplo, o mandado de injunção, que torna todas as normas

constitucionais potencialmente aplicáveis diretamente.142

Ora, como se acabou de ver, a Constituição está voltada à realização dos

direitos sociais do homem. Mas, daí falar-se em existência digna desses direitos já é

outra coisa, até porque existem dados estatísticos que demonstram uma realidade

muito diferente da esperada.

Neste sentido, deve-se atentar para os dados a seguir:

É difícil admitir a dignidade da pessoa humana num país de grandes misérias, mormente quando este país é um dos principais produtores de alimentos do mundo, país em que os 10% mais ricos se apropriam da metade da renda nacional, os 50% mais pobres ficam com apenas 13,6% dessa riqueza, 1%, os ricos tem participação praticamente igual (13,13%), onde 65% vivem na pobreza ou miséria, dos quais 54% são crianças, 24 milhões de crianças vivem na miséria, 23 milhões na pobreza, 33% das famílias ganham menos que um salário mínimo, e este fica ao nível da ridícula quantia de 60 dólares mensais, país em que a mortalidade infantil aumenta na razão direta da queda dos salários, do desemprego em massa: na década de 80 eram 100 por 1000, hoje a taxa atinge cerca de 170 mortes para cada 1000 nascidos vivos.143

Por isto, percebe-se que não basta que um direito seja reconhecido e

declarado, é necessário garanti-lo, porque há muitas ocasiões em que este direito

será discutido e violado. E, diante de tais dados, ainda que sejam de 2003, é

possível, ao menos de início, apurar que a constituição brasileira tem demonstrado

que o texto constitucional não tem sido garantia necessária e suficiente de sua

efetividade.

Todavia, por outro lado, parece razoável afirmar que os direitos fundamentais

sociais não constituem mero capricho ou, até mesmo privilégio, no contexto do

constitucionalismo dirigente, mas, sim, premente necessidade, já que a sua

142SILVA, José A. da. Garantias econômicas, políticas e jurídicas da eficácia dos direitos sociais. Anais do IV Simpósio Nacional de Direito Constitucional. Revista da Academia de Direito Constitucional, Curitiba, v. 3, n. 3, 2003, p. 311-312, passim. 143Ibidem, p. 313-314.

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desconsideração e ausência de implementação fere os mais elementares valores da

vida e da dignidade da pessoa humana.

Perez Luño, ao analisar os temas-chave da Constituição Espanhola, na parte

em que trata da função de todos os direitos fundamentais no constitucionalismo

contemporâneo, refere que:

Los derechos fundamentales constituyen la principal garantía con que cuentan los ciudadanos de un Estado de Derecho de que el sistema jurídico y político en su conjunto se orientará hacia el respeto y la promoción de la persona humana; en su estricta dimensión individual (Estado liberal de Derecho), o conjugando ésta con la exigencia de solidariedad corolario de la componente social y colectiva de la vida humana(Estado social de Derecho).144

Como se percebe, o texto constitucional ainda representa o caminho na

garantia da dignidade do ser humano, sendo que o caminho, necessariamente,

passa pela efetivação dos direitos fundamentais positivados na Carta Constitucional,

com atenção especial aos direitos sociais, ora analisados.

Dentro deste contexto de que o texto constitucional representa o caminho na

garantia do ser humano, surge a necessidade de se analisar a dignidade como

marca identificadora da Constituição Federal de 1988, análise esta que se fará a

seguir.

1.4 A Constituição Federal de 1988 como marca identificadora da dignidade

Na atualidade, como já referido no decorrer desta pesquisa, é pacífica a

titulação da dignidade da pessoa humana por todos os homens, ou seja, pauta a

tendência dos ordenamentos em reconhecer o ser humano como o centro e o fim do

direito.145 É possível perceber que a preocupação com a dignidade humana tem

encontrado ressonância numa generalizada consagração normativa, geralmente no 144LUÑO, Antonio E. P. Los derechos fundamentales. 8. ed. Madrid: Tecnos, 2005, p. 20. 145Sobre a dignidade da pessoa humana na Constituição de 1988 consultar: LOPES, Mauricio A. R. A dignidade humana: estudo de um caso. Revista dos Tribunais. vol. 758, São Paulo, 1998, dez./1998, p. 115-117. O autor diz que uma busca temática nas principais constituições contemporâneas revelará que valores como liberdade, justiça, igualdade, dignidade humana, dentre outros, correspondem, idealmente, aos valores que ninguém poderia questionar sobre uma pretensão de possível universalidade. Universalidade esta que radica precisamente na eticidade de seus postulados.

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próprio texto constitucional, assumindo o status, de norma estruturante de todo o

ordenamento jurídico.

Todavia, observando-se a longa evolução por que passou a humanidade, vê-se

que tal nem sempre aconteceu. A escravidão, por exemplo, bastante arraigada nos

hábitos dos povos clássicos da Grécia e de Roma, implicava na privação do estado

de liberdade do indivíduo.146

Coube ao pensamento cristão, que acolheu o pensamento judaico, ampliou-o e

o universalizou, provocar a mudança de mentalidade em direção à igualdade dos

seres humanos. Essa luta, que teve seu lugar ainda no Império Romano, com a

proibição de crueldades aos escravos, imposta pelo Imperador Constantino,

continuara com o ressurgimento da escravidão, provocado pelas navegações,

somente cessando com o triunfar dos movimentos abolicionistas do século XIX. 147

No plano da ordem jurídica em sua totalidade, o princípio da dignidade da

pessoa humana pode ser considerado como produto da elaboração do liberalismo

burguês. Hoje, todavia, superou ele as delimitações individualistas148 e puramente

formais desse liberalismo e passou a constituir um ponto de apoio fundamental da

defesa dos direitos humanos, sob o prisma da igualdade material.149

A Constituição da República Italiana, de 27 de dezembro de 1947, pareceu

propender a esse respeito quando inseriu no seu artigo 3˚, no espaço reservado aos

princípios fundamentais, a afirmação de que "todos os cidadãos têm a mesma

dignidade social e são iguais perante a lei". Porém, a iniciativa pioneira nesse

manifestar é admitida como pertencente à Lei Fundamental de Bonn, de 23 de maio

146JÚNIOR, Edílson P. N. O direito brasileiro e o princípio da dignidade da pessoa humana. Revista de Direito Administrativo, Rio de janeiro, n.219, jan./mar. 2000, p. 237. 147Ibidem, p. 237-238. 148Sobre a concepção individualista ver: BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 60. Conforme preceitua o autor, por concepção individualista entende-se que primeiro vem o indivíduo, que tem valor em si mesmo, e depois vem o Estado, e não vice-versa, já que o Estado é feito pelo indivíduo e este não é feito pelo Estado. Nessa inversão da relação entre indivíduo e Estado, é invertida também a relação tradicional entre direito e dever. Em relação aos indivíduos, primeiro vêm os direitos, depois os deveres. Já em relação ao Estado, primeiro os deveres, depois os direitos. 149LOPES, Mauricio A. R. A dignidade humana: estudo de um caso. Revista dos Tribunais. v. 758, São Paulo, dez. 1998, p. 113.

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de 1949, responsável por solenizar, no seu artigo 1.1, a seguinte declaração: "A

dignidade do homem é intangível. Os poderes públicos estão obrigados a respeitá-la

e protegê-la". Tal preceito inspirou-se na Declaração Universal dos Direitos

Humanos, aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas de 10 de dezembro

de 1948.150

A propósito, de acordo com Jacintho, o momento em que a dignidade humana

passou a assumir sua verdadeira vocação está estreitamente relacionado ao

movimento de internacionalização dos direitos humanos ocorrido a partir da

Segunda Guerra, fenômeno decorrente da necessidade de se firmar o homem como

titular de uma dignidade que lhe é própria.151

No entanto, é de ser observado que na Carta das Nações Unidas, de 26 de

junho de 1945, já constava, segundo Sarlet152, que "Nós, os povos das Nações

Unidas, afirmamos com firmeza [...] nossa crença nos direitos fundamentais do

Homem, na dignidade e no valor da personalidade humana [...] e no compromisso

de renovadamente fortalecê-los [...]". É de ser observado, ainda, que o preâmbulo do

Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de 19 de dezembro de 1966

também afirmava que "o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros

da sociedade humana [...] compõem o fundamento da liberdade, justiça e paz

mundial, no reconhecimento de que esses direitos derivam da dignidade inerente

aos homens".

Todavia, percebe-se que apenas a partir da Segunda Guerra Mundial,

especialmente com a Declaração Universal de 1948 é que a dignidade humana

passou a assumir sua verdadeira vocação de norma condutora das condutas e das

prestações estatais.

Vários países da Europa, desta forma, introduziram em seus textos

constitucionais, cada um a seu modo, dispositivos ou consagrando diretamente a

150JÚNIOR, Edílson P. N. O direito brasileiro e o princípio da dignidade da pessoa humana. Revista de Direito Administrativo, Rio de janeiro, n.219, jan./mar. 2000, p. 238. 151JACINTHO, Jussara M. M. Dignidade humana: princípio constitucional. Curitiba: Juruá, 2006, p.84. 152SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Dimensões da dignidade: ensaios de filosofia do direito e direito constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p.90.

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dignidade humana ou não a positivando expressamente, mas consagrando direitos

que remetem diretamente a uma existência digna.

Nessa linha, a Constituição da República Portuguesa, promulgada em 1976,

acentuou, no seu artigo 1˚, que "Portugal é uma República soberana, baseada, entre

outros valores na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada

na construção de uma sociedade livre, justa e solidária".153

A Constituição Portuguesa, além de considerar a dignidade da pessoa humana

um princípio fundamental, em seu artigo 1°, também remeteu à lei o estabelecimento

de garantias efetivas contra a utilização abusiva ou contrária à dignidade humana,

de informações relativas às pessoas e famílias, em seu artigo 26,2, bem como a

obrigação de garantia da dignidade pessoal e da identidade genética do ser

humano, em especial nas áreas tecnológica e de experimentação científica. Estatui,

ainda, em seu artigo 62,7, letra “e”, o dever de o Estado, para a proteção da família,

regulamentar a procriação assistida de modo a salvaguardar a dignidade da pessoa

humana. O texto constitucional português ainda determina que as normas relativas

aos direitos do homem154 devem ser interpretadas e integradas em harmonia com a

Declaração Universal dos Direitos do Homem.155

E justamente a influência decisiva sobre o texto brasileiro de 1988 partiu da

Constituição Portuguesa de 1976, até mesmo sob o aspecto topográfico, haja vista

que há um paralelismo total da Carta Brasileira de 1988, notadamente pela redação

do artigo 1˚ que dispõe: "A República Federativa do Brasil, formada pela união

indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado

Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III

153JÚNIOR, Edílson P. N. O direito brasileiro e o princípio da dignidade da pessoa humana. Revista de Direito Administrativo, Rio de janeiro, n.219, jan./mar. 2000, p. 238. 154Ver BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro; Campus, 1992, p. 01. Segundo o autor, o reconhecimento e a proteção dos direitos do homem estão na base das Constituições democráticas modernas. A paz, por sua vez, é o pressuposto necessário para o reconhecimento e a efetiva proteção dos direitos do homem em cada Estado e no sistema internacional. Sem direitos do homem, diz o autor, reconhecidos e protegidos, não há democracia e, sem democracia, não existem condições mínimas para a solução pacífica dos conflitos. 155JUNIOR, N.N; NERY, R.M.D.A. (Org). Dignidade da pessoa humana: referenciais metodológicos e regime jurídico. Revista dos Tribunais, n. 21, p.85-111, jan./mar. 2005, p. 95.

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- a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre

iniciativa; V – o pluralismo político".

Além disso, o seu artigo 3˚ afirma que constituem objetivos fundamentais da

República Federativa do Brasil constituir uma sociedade livre, justa e solidária,

garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e a marginalização, reduzir

as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de todos sem preconceitos

de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Analisando o princípio da dignidade da pessoa humana na Constituição

Portuguesa, é de ser referido que, a despeito do seu caráter compromissário, a

Constituição Portuguesa confere uma unidade de sentido, de valor e de

concordância prática ao sistema de direitos fundamentais. E ela repousa na

dignidade da pessoa humana, proclamada no art. 1˚, como já referido, ou seja, na

concepção que faz da pessoa fundamento e fim da sociedade e do Estado.156

A Constituição Brasileira, por sua vez, reconhecendo a existência e a

eminência do princípio da dignidade da pessoa humana, transformou-a num valor

supremo da ordem jurídica, quando a declara como um dos fundamentos da

República Federativa do Brasil constituída em Estado Democrático de Direito. Se é

fundamento, “é porque se constitui num valor supremo, num valor fundante da

República, da Federação, do País, da Democracia e do Direito. A dignidade da

pessoa humana é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos

fundamentais do homem, desde o direito à vida.”157

Sua postura, portanto, na ordem jurídica mais do que a de sujeitos de direitos

positivados, deve ser a de condição de existência dessa mesma ordem, como

indivíduo dotado de liberdade e de consciência de si mesmo. A proteção à

dignidade, inserida como fundamento do Estado Democrático, nada mais é do que

pressuposto da própria participação social do indivíduo.

156MIRANDA, Jorge. A constituição portuguesa e a dignidade da pessoa humana. Revista de Direito Constitucional e Internacional, São Paulo, n.45, p. 81-91, out./dez. 2003, passim. 157SILVA, José A. da. Comentário contextual à constituição.São Paulo: Malheiros, 2005, p. 38.

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Desta feita, o reconhecimento constitucional do princípio da dignidade da

pessoa humana se espraia entre nós, em alguns segmentos, como uma reverência à

igualdade entre os homens; impedimento à consideração do ser humano como

objeto, degradando-se a sua condição de pessoa, a implicar na observância de

prerrogativas de direito e processo, na limitação da autonomia da vontade e no

respeito aos direitos da personalidade, entre os quais estão inseridas as restrições à

manipulação genética do homem e, por fim, a garantia de um patamar existencial

mínimo.158

Cittadino tem referido que a influência sobre o texto constitucional de 1988

partiu, além da constituição portuguesa, da constituição alemã159 e espanhola, que

serviram de atrativo natural ao constituinte brasileiro, na medida em que se

ocuparam em dicção minuciosa de toda sorte de temas que cativam a sociedade de

massas.160

Tal afirmativa realmente procede, até porque, como se sabe, o

constitucionalismo brasileiro, a partir de 1934,161 vem sofrendo forte influxo

germânico.

Ocorre, porém, que muito embora a Constituição de 1988 tenha sofrido

influência das Constituições Alemã, Espanhola e Portuguesa, foi ela a primeira a

tratar do princípio da dignidade humana, enquanto fundamento da República e do

Estado Democrático de Direito.

158JÚNIOR, Edílson P. N. O direito brasileiro e o princípio da dignidade da pessoa humana. Revista de Direito Administrativo, Rio de janeiro, n.219, jan./març. 2000, p. 240. 159Consultar SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Dimensões da dignidade: ensaios de filosofia do direito e direito constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 92-97. O autor apresenta a disciplina da dignidade humana no âmbito do direito comparado, trabalhando a evolução histórica alemã no que diz respeito aos seus textos constitucionais positivos. 160Sobre a influência do constitucionalismo Europeu e Norte-Americano, ver CITTADINO, Gisele. Pluralismo, direito e justiça distributiva: elementos da filosofia constitucional contemporânea. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000, p. 22-43. 161Ver BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 361-370. O autor distingue, com clareza, as três fases da história constitucional brasileira: a primeira, influenciada nos modelos francês e inglês do século XIX, teve sua realização com a Constituição de 1824; a segunda, inaugurada pela Constituição de 1891, representa uma aproximação com o exemplo norte-americano; a terceira, baseia-se na presença dos traços inerentes ao perfil alemão do século XX, cujo início fora marcado pela Constituição de 1934.

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A primeira referência ao tema da dignidade da pessoa humana pode ser

encontrada, ainda que de forma incipiente e em outro contexto, na Constituição de

1934, na qual se observava expressa referência no artigo 115, à necessidade de

que a ordem econômica fosse organizada de modo que possibilitasse a todos

"existência digna". Já a Constituição de 1937, até mesmo em função das suas

características autoritárias, não fazia qualquer referência ao tema, tendo sido

retomada a idéia anterior na Constituição de 1946, fazendo-se, entretanto, alusão,

em seu artigo 145, à garantia do trabalho humano como meio de possibilitar esta

existência digna.162

Neste sentido, são as palavras a seguir transcritas:

Mesmo que se considerasse essa Carta como vigente, a própria natureza do regime autoritário impediria que o regime dos direitos fundamentais tivesse efetivo vigor. Houve, no entanto, avanços, especialmente no que diz respeito à organização da Justiça do Trabalho, em que pese seu evidente paternalismo. Sua principal característica era o propósito veemente de fortalecimento do poder arbitrário, através de instrumentos igualmente arbitrários. Nessa linha de raciocínio, não surpreende que o elenco de direitos fundamentais tenha sido reduzido, e nada acionado, e muito menos que as liberdades naquela Carta referidas tenham servido de fronteiras ao poder.163

Como visto, na Constituição de 1937 não houve a consagração expressa do

direito à dignidade da pessoa, haja vista o período de autoritarismo político.

Quanto à Constituição de 1934, é de ser destacado que esta também não

adotou expressamente o princípio da dignidade humana, muito embora tenha

introduzido um capítulo dedicado à Ordem Econômica e Social que propugnava pela

existência digna. Não remanescem dúvidas, todavia, de que o centro nervoso da

Carta de 1934 era a instituição do Estado Social Brasileiro.164

Foi na Constituição de 1967 que pela primeira vez foi mencionada a dignidade

humana, em seu artigo 157, inciso II, porém, numa formulação principiológica,

estabelendo-se que a ordem econômica teria por fim realizar a justiça social, com 162MARTINS, Flademir J. B. Dignidade da pessoa humana: princípio constitucional fundamental. Curitiba: Juruá, 2003, p. 47-48. 163JACINTHO, Jussara M. M. Dignidade humana: princípio constitucional. Curitiba: Juruá, 2006, p. 119. 164Ibidem, p. 116-117.

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base em alguns princípios, dentre eles o da valorização do trabalho como condição

da dignidade humana.165

Fica fácil perceber, diante das redações das constituições anteriores, que a

noção de dignidade era mais restrita, haja vista a referência de que a ordem

econômica fosse organizada de modo que possibilitasse a todos uma existência

digna, ou, então, de que o trabalho humano era o meio para possibilitar a existência

digna. Agora, na Constituição em vigor, a noção de dignidade da pessoa humana é

bem mais ampla e central.

Na verdade, até a Constituição de 1988, os textos constitucionais brasileiros

não fizeram referência expressa à norma ou ao valor da dignidade humana, muito

embora, sob esta última forma, ele estivesse presente. Outra não pode ser a

conclusão no momento em que se depara com o texto da Constituição Imperial, que,

embora não lhe fazendo expressa menção, não deixa de fazer constar, no Título

próprio, dispositivos que prescrevem a garantia da liberdade, da inviolabilidade dos

direitos civis e políticos, a segurança individual, a legalidade, a liberdade de

expressão, de crença, a garantia do juiz natural, o direito ao trabalho.166

Consagrando expressamente, no título dos princípios fundamentais, a

dignidade da pessoa humana, como um dos fundamentos do Estado Democrático

de Direito, o constituinte de 1988 reconheceu categoricamente que é o Estado que

existe em função da pessoa humana, e não o contrário, já que o ser humano

constitui a finalidade precípua, e não meio da atividade estatal.

Passa-se, “a partir do texto de 1988, a ter consciência constitucional de que a

prioridade do Estado (política, social, econômica e jurídica) deve ser o homem, em

todas as suas dimensões, como fonte de inspiração e fim último”.167

165MARTINS, Flademir J. B. Dignidade da pessoa humana: princípio constitucional fundamental. Curitiba: Juruá, 2003, p. 47-48. 166JACINTHO, Jussara M. M. Dignidade humana: princípio constitucional. Curitiba: Juruá, 2006, p.113. 167MARTINS, op. cit.,p. 50.

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O Estado, portanto, que materializa dignidade é aquele que se põe como meio

para obtenção de um fim, a própria dignidade do ser humano. E quando assim o faz,

atua no sentido de buscar a sua legitimação através da participação ativa na

formação da sua vontade política. Desse modo, Estado de Direito e democracia e

direitos fundamentais são conceitos que andam de mãos dadas.168

Dentro desta sistemática, o Poder Público é obrigado a efetivar políticas

públicas que garantem a concretização de tal princípio constitucional. O Estado,

visto de uma forma geral, possui a tarefa primordial de preservar e garantir a

dignidade da pessoa humana, promovendo-a justamente através de ações positivas,

haja vista que sem o Estado seria praticamente impossível ao indivíduo, de forma

isolada, realizar as suas necessidades básicas, razão pela qual cabem a ele ações

positivas no sentido de propiciar aos indivíduos o pleno exercício e a fruição da

dignidade.169

Conceber, portanto, a dignidade da pessoa humana como fundamento da

República significa admitir que o Estado brasileiro se constrói a partir da pessoa

humana, o que implica reconhecer que um dos fins deste Estado deve ser o de

propiciar as condições materiais mínimas para que todas as pessoas tenham

dignidade.

Da mesma forma, conceber a dignidade humana como fundamento da

República significa que:

[...] a positivação e a enunciação de um catálogo de direitos fundamentais na Constituição brasileira não revela uma mera concessão do legislador constituinte (ou do poder estatal) ou uma simples 'graça do príncipe'. Ao contrário, representa o ponto culminante de um processo histórico, marcado por avanços e retrocessos, que levou os Estados a reconhecerem direitos ao homem pela simples razão de ser homem (pessoa humana), como expressão infungível de sua dignidade.170

168JACINTHO, Jussara M. M. Dignidade humana: princípio constitucional. Curitiba: Juruá, 2006, p.120. 169RITT, C. F.; SALLA, D. M.; COSTA, M. M. D. A dignidade da pessoa humana e as políticas públicas no direito brasileiro. Revista do Direito, Santa Cruz do Sul, n.24, p. 31-51, jul./dez. 2005. 170MARTINS, Flademir J. B. Dignidade da pessoa humana: princípio constitucional fundamental. Curitiba: Juruá, 2003, p. 73.

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Nesse contexto, a temática da dignidade da pessoa humana e dos direitos

fundamentais, enquanto suas concretizações históricas, passa a ocupar uma

posição central, uma vez que os direitos fundamentais são um elemento básico para

a realização do princípio democrático171, tendo em vista que exercem uma função

democratizadora.

Desta forma, entende-se que a Constituição Brasileira de 1988 avançou

significativamente rumo à normatividade do princípio quando transformou a

dignidade da pessoa humana em valor supremo da ordem jurídica, declarando-o, em

seu art. 1°, inciso III, como um dos fundamentos da República Federativa do

Brasil.172

Como se vê, o constituinte não se preocupou apenas com a positivação da

dignidade da pessoa humana, mas buscou, acima de tudo, estruturar a dignidade da

pessoa humana de forma a lhe atribuir plena normatividade, projetando-a por todo o

sistema político, jurídico e social instituído. Assim, com efeito, a Constituição de

1988 tem representado para a ordem jurídica brasileira um marco de ruptura e

superação dos padrões até então vigentes no que se refere à defesa e,

principalmente, no que se refere à promoção da dignidade da pessoa humana.

É importante observar, por oportuno, que, além da previsão contida no artigo

1˚, a dignidade da pessoa humana foi objeto de expressa previsão no texto

constitucional vigente em outros capítulos, seja quando estabeleceu que a ordem

econômica173 tem por finalidade assegurar a todos uma existência digna, como

171Sobre o princípio democrático consultar CANOTILHO, José J. G. Direito constitucional e teoria da constituição. 6. ed. Coimbra: Almedina, 2002, p. 287-331. O autor trabalha, dentre várias perspectivas, o princípio democrático e os direitos fundamentais, argumentando que os direitos fundamentais são um elemento básico para a realização do princípio democrático, ou seja, os direitos fundamentais têm uma função democrática, dado que o exercício democrático do poder significa a contribuição de todos os cidadãos para o seu exercício; implica participação livre assente em importantes garantias para a liberdade desse exercício, como o direito de associação, de formação de partidos, de liberdade de expressão; e, coenvolve a abertura do processo político no sentido da criação de direitos sociais, econômicos e culturais, constitutivos de uma democracia econômica, social e cultural. O autor faz referência, ainda, ao princípio democrático como princípio informador do Estado e da sociedade. Apresenta, neste sentido, como exemplos o controle de gestão, a gestão democrática das escolas, liberdade interna da empresa e a participação na administração local. 172MARTINS, Flademir J. B. Dignidade da pessoa humana: princípio constitucional fundamental. Curitiba: Juruá, 2003, p. 50. 173Sobre a ordem econômica na Constituição de 1988 consultar GRAU, Eros R. A ordem econômica na constituição de 1988. 6. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 231 e seg. O autor refere

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acontece no artigo 170, caput, seja quando, na esfera da ordem social, fundou o

planejamento familiar nos princípios da dignidade da pessoa humana e da

paternidade responsável, conforme artigo 226, § 6˚, além de assegurar ao idoso o

direito à dignidade, de acordo com o artigo 230174.

É de observar-se, por conseguinte, que a reiterada afirmação da dignidade da

pessoa humana não pode ser interpretada em outro sentido que não o de que os

diversos sistemas constitucionais devem ser interpretados como mecanismos de

operacionalização da dignidade da pessoa.

Todavia, mesmo que se deva admitir o princípio da dignidade da pessoa

humana como elemento fundante e informador de todos os direitos e garantias

fundamentais da Constituição de 1988, também é certo que haverá de se

reconhecer um espectro amplo e diversificado quanto à intensidade desta

vinculação.

Neste passo, impõe-se seja ressaltada a função instrumental integradora e

hermenêutica do princípio, na medida em que este serve de parâmetro para

aplicação, interpretação e integração não apenas dos direitos fundamentais e das

demais normas constitucionais, mas de todo o ordenamento jurídico.

É possível perceber que, cada vez mais, encontram-se decisões

jurisprudenciais valendo-se da dignidade da pessoa humana, previsto

constitucionalmente, como critério para o fundamento das controvérsias.

“Os Tribunais pátrios buscam sedimentar suas decisões utilizando o princípio

da dignidade da pessoa humana, considerado como fonte para as mais variadas

pretensões e controvérsias”.175

que a dignidade humana foi adotada pelo texto constitucional concomitantemente como fundamento da República Federativa do Brasil e como fim da ordem econômica, comparecendo, assim, duplamente. 174SARLET, Ingo. W. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 64. 175 GIORGIS, Teixeira. A dignidade humana e a jurisprudência, ADV – Seleções Jurídicas, Rio de Janeiro, p. 44, jan./2006.

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Assim, diante de tudo o que foi exposto, deve-se recordar que a atual

Constituição Brasileira, erigindo a dignidade da pessoa humana à condição de

fundamento do Estado Democrático de Direito176, deve ser considerada como sendo

uma Constituição da pessoa humana, por excelência, ainda que raras vezes este

dado venha a ser virtualmente desconsiderado.

Por fim, analisada a questão do princípio da dignidade humana como marca

identificadora da Constituição de 1988, é importante verificar, a partir de agora,

aspectos relevantes sobre o idoso, a fim de inseri-lo como sujeito de dignidade na

ordem constitucional.

176Ver CANOTILHO, José J. G. Direito constitucional e teoria da constituição. 6. ed. Coimbra, Almedina, 2002, p. 231. O autor refere que a teorização do Estado de direito democrático centra-se em duas idéias básicas: O Estado limitado pelo direito e o poder político estatal legitimado pelo povo. O direito é o direito interno do Estado; o poder democrático é poder do povo que reside no território do Estado ou pertence ao Estado.

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2 DA PESSOA IDOSA

O interesse pela proteção da pessoa idosa sempre existiu, em maior ou menor

medida. Mas, nos últimos anos, em razão do elevado aumento deste segmento

populacional, as questões que envolvem este setor têm se tornado cada vez mais

freqüentes, o que demanda uma maior atenção por parte da sociedade em geral.

Caracterizado ainda hoje como possuidor de uma população jovem, é

importante verificar que o Brasil vem assistindo a um aumento gradativo do

segmento que consegue atingir idades mais avançadas.

Segundo dados estatísticos177 "o Brasil conta com aproximadamente 15

milhões de pessoas com mais de sessenta anos, o que representa 8,6℅ da

população brasileira e, em 2025, deverá ter cerca de 32 milhões de idosos".

No entanto, o envelhecimento não se dá somente entre os brasileiros, é

universal, afetando todo o indivíduo, família, comunidade e sociedade. "Quer

tratemos com coragem, quer com disfarces(o mais comum) é um processo universal

e ninguém registrou sua patente."178

Dentro desta sistemática de um envelhecimento universal, é de ser destacada

a informação trazida por Martí:

[... ] a lo largo de los últimos años y desde distintos niveles, se han realizado em España diversos análisis sobre la estructura de la población, que permiten constatar lo que actualmente ya es un hecho en todos los países de nuestro entorno más próximo: el progresivo envejecimiento de la población. Además de esta constatación, que se produce como es obvio a ritmos distintos en función de las características de cada territorio, las diversas proyecciones realizadas permiten constatar que esta tendencia se mantendrá e incluso aumentará en las próximas décadas. El grado de consciencia respecto a la realidad de esta tendencia evolutiva, y la convicción de que el envejecimiento de la población es un fenómeno estructural que nuestra sociedad debe asumir en su globalidad, tenderá por lo tanto a generalizarse en los próximos años.179

177Dados apresentados por JÚNIOR, Miguel H. Análise preliminar do estatuto do idoso (Lei n˚ 10.741, de 1˚ de outubro de 2003). Revista de Direito Social, Porto Alegre, n.13, p 11-62, 2004, p. 11. 178DIAS, José F. S. Os novos tempos da velhice: reflexões, críticas e propostas. Santa Maria: O autor, 2004, p.44. 179MARTÍ, Jordi V. Envejecimiento y atención social: elementos para su análisis y planificación. Barcelona: Herder, 2000, p. 68-69.

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Assim, como se percebe, efetivamente o envelhecimento populacional é

universal e global,180 apresentando, inclusive, uma tendência evolutiva, resultado

este que é soma de um conjunto de fatores, dentre eles o próprio avanço da

medicina181.

Esta também é a posição sustentada a seguir:

Estudos demográficos revelam, de forma inconteste, que o número de idosos cresce em todos os pontos do globo. O fenômeno resulta, sobretudo da melhor qualidade de vida que os progressos científicos proporcionam à população em geral, reduzindo a mortalidade infantil e dando maior longevidade ao ser humano. De outra parte, o crescimento da população perdeu o impulso que a caracterizava até a metade do século passado. Em alguns países notadamente da Europa, o número de nascimentos já iguala e, não raro, é inferior ao de óbitos.182

Em suma, a exigência de uma maior proteção dos idosos jamais teria podido

nascer se não tivesse ocorrido o aumento não só do número de velhos, mas também

de sua longevidade, dois efeitos de modificações ocorridas nas relações sociais e

resultantes, como se acabou de ver, basicamente pelo progresso da medicina.183

Tendo em vista, portanto, que o envelhecimento é um processo universal, que

afeta a todo o indivíduo, é importante refletir sobre algumas designações da velhice,

principalmente no Brasil, até para que se possa deixar registrado, dentro do

possível, qual a forma conceitual que melhor se adecua com a proposta deste

trabalho.

180Sobre o envelhecimento global consultar: FERNÁNDEZ, L.V.D.; BARBARRUSA, T. G. Las personas mayores y su situación de dependencia em España: informe para la fundación consejo general de la abogacía española. Madrid: Dykinson, 2006, p.21-22. O autor refere que en la próxima década, en la mayoria de los países europeus (además de Estados Unidos, Canadá y otros países) se acentuará el proceso de envejecimiento, toda vez que se inicia la llegada al umbral de los 65 años de las generaciones del babyboom, nascidas tras las finalización de la segunda guerra mundial . 181De acordo com BEAUVOIR, Simone de. A velhice. Tradução de Maria Helena Franco Monteiro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990, p. 32, a medicina moderna já não pretende mais atribuir uma causa ao envelhecimento biológico: ela o considera inerente ao processo da vida, do mesmo modo que o nascimento, o crescimento, a reprodução, a morte. 182SAAD, Eduardo G. (Coord.) Conselho Nacional dos Direitos dos Idosos. São Paulo: LTr, 2002, p. 368-369. 183BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 76.

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2.1 Definição de Velhice

A velhice, como já referido, é um dos temas que mais ganharam importância

nos últimos anos, uma vez que o crescimento do contingente de idosos acaba sendo

um fator redirecionante dos interesses de pesquisa e de elaboração ou execução de

políticas públicas. Entretanto, se apresenta, sem sombra de dúvida, como um termo

impreciso, como se verá a seguir, o que leva a meditar um pouco sobre quem é o

idoso e o que é efetivamente a velhice.

A velhice pode ser definida como o estado ou condição de velho, a idade

avançada, que se segue à idade madura; ancianidade. E, o velho, como aquele que

não é jovem, novo; que tem muita idade, muito tempo de vida ou de existência, que

data de época remota; antigo.184

É de ser observado, porém, que a definição do que vem a ser "muita idade" é,

evidentemente, um juízo de valor e os valores que referendam esse juízo dependem

de características específicas das sociedades onde os indivíduos vivem, por

exemplo; logo, a definição de idoso não diz respeito a um indivíduo isolado, mas à

sociedade em que ele vive.

O envelhecimento humano também é analisado como sendo "um dos gigantes

da miséria, ao lado da doença, da invalidez, do desemprego e da morte. É causa

determinante do abandono do exercício da atividade profissional e mesmo da

diminuição da autonomia pessoal do homem".185

Ora, tais preceitos por óbvio não podem ser objeto específico de uma provável

conceituação do que venha a ser velhice, o que inclusive ficará evidenciado mais

adiante, no decorrer deste capítulo.

Deve-se deixar claro, desde já, que é difícil definir velhice. Uma tentativa de se

definir um indivíduo idoso pode se basear em argumentos de caráter biológico,

184HOUAISS, A.; VILLAR, M. de S. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. 1. ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 2.838. 185ROCHA, D. M. da.; SAVARIS, J. A. (Coords.). Curso de Especialização em direito previdenciário. vol. 2. Curitiba: Juruá, 2007, p. 153.

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partindo-se, assim, de uma noção biológica de velhice ou, mais precisamente, de

senilidade. É possível, então, em princípio, demarcar, através do padrão de declínio

de determinadas características físicas, o momento a partir do qual o indivíduo pode

ser, ou não, considerado velho.

Todavia, mesmo se utilizando deste argumento como delimitação, pode-se

referir que a questão é mais complexa, levando-se em consideração a

inseparabilidade do aspecto biológico186 do social.187 A medicina, as instituições

assistenciais, culturais e burocráticas, públicas ou privadas, ensaiam estabelecer

limites numéricos, sempre a começar dos 55 aos 65 anos, para caracterizar a

"terceira idade" e a velhice. O ponto central de dificuldade dessa definição forçada

reside no fato de os indivíduos serem, ao mesmo tempo, semelhantes e

diferentes.188

186Sobre o aspecto biológico do idoso ver: QUEIROZ, Jerônimo G. de. Direitos dos idosos. Revista da faculdade de direito da UFG, Goiás, vol. 09, p.63, jan./dez.1985. O autor refere que sob o aspecto biológico do avelhentado, acentua-se que lhe diminui no organismo a água e o oxigênio; decai o sistema de estímulos, o controle dos órgãos e as funções do organismo, diminuindo, também, a substância cinzenta do cérebro e da medula. E a conseqüência disso é a redução do consumo de oxigênio, redução do sangue bombeado pelo coração, redução da expulsão de ar dos pulmões e o acúmulo de proteínas deficientes deteriorando a capacidade fisiológica das células, enfraquecimento da capacidade dos sentidos, memória, inteligência, vontade, atenção, afetividade, percepção, pensamento, consciência, sono e linguagem, obrigando-o a um esforço enorme e constante de adaptação ao meio físico, familiar, profissional e social. 187Verificar CAMARANO, Ana A. (Coord.). Como vai o idoso brasileiro? Rio de Janeiro: IPEA, 1999, disponível em : www.ipea.gov.br/pub/td/1999/td_0681.pdf. Acesso em: 28 set. 2007. Diz a autora que o conceito de idoso, do ponto de vista instrumental, envolve também finalidades de caráter social. Na classificação de um indivíduo como idoso por formuladores de políticas predominam tanto os objetivos relacionados a sua condição em determinado ponto do curso de vida orgânica, quanto os relacionados ao seu posicionamento em um ponto do ciclo de vida social. Um exemplo de que as condições orgânicas dos indivíduos não são o único aspecto contemplado no uso do conceito de idoso são os regimes de aposentadoria que assumem que as mulheres são elegíveis como beneficiárias de pensões em idade mais jovem do que os homens, mesmo sabendo que na maioria dos países a longevidade feminina é maior do que a masculina e que a maior susceptibilidade feminina a certas doenças nas fases avançadas da vida não justificam diferenças significativas de elegibilidade. 188MOTTA, Alda B. "Chegando pra idade". In: BARROS, Myriam M. de. (Org). Velhice ou terceira idade? Estudos antropológicos sobre identidade, memória e política. Rio de Janeiro: FGV, 2003, p.227-228. A autora afirma que idades aproximadas, ou a mesma geração, não garantem características constitucionais, relativas a resistência física, saúde, inteligência, nem muito menos a qualidade de vida que a condição de classe enseja como, por exemplo, o acesso a conforto material, cuidados médicos, desgastes no trabalho. Como expressão disso, o envelhecimento não é um processo homogêneo, mesmo em cada indivíduo. Ver, também, QUEIROZ, 1985, p. 61, pois o autor diz que se, cronologicamente, idade é o número de anos vividos; e, se, biologicamente, idade é a proporção, intensidade da velocidade de viver, nem sempre há sincronismo entre as duas, pois ao lado dos longevos existem os retardados do desenvolvimento, os meninos-velhos e os envelhecimentos precoces.

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Portanto, o processo de envelhecimento189 ocorre de maneira diferente para

cada pessoa, pois depende do seu ritmo, época da vida, entre tantos outros fatores,

não se caracterizando, por óbvio, como um período só de perdas e limitações e sim,

de um estado de espírito decorrente da maneira como a sociedade e o próprio

indivíduo concebem esta etapa da vida.

Não se falará de envelhecimento enquanto as deficiências permanecerem

esporádicas e forem facilmente contornadas. Quando adquirem importância e se

tornam irremediáveis, então o corpo fica frágil e mais ou menos impotente: pode-se

dizer, sem equívoco, que ele declina.190

No entanto, é preciso deixar registrado aqui a existência de uma conotação

negativa do vocábulo velho. Conotação esta, que seguiu um processo semelhante

ao da França, mesmo que o objeto velhice só tenha entrado na cena brasileira há

bem pouco tempo, eis que datado dos anos sessenta. Ainda que houvesse outros

termos classificatórios para a velhice no uso corrente, o termo que designava a

pessoa envelhecida era, sobretudo velho, que, empregado de maneira geral, não

possuía um caráter especificadamente pejorativo, embora apresentasse uma

enorme ambigüidade, por ser um modo de expressão afetivo ou pejorativo, cujo

emprego se distinguia pela entonação ou pelo contexto em que era utilizado.191

Mais tarde, a noção idoso começa a aparecer, haja vista que "os ecos vindos

da Europa sobre a mudança da imagem da velhice chegam às terras brasileiras no

final da década de sessenta e, como na França, certos documentos oficiais, bem

como a grande maioria das análises sobre a velhice, recuperam a noção idoso..."192

189Ver SANTIN, J. R.; VIEIRA, P. S.; FILHO, H. T. Envelhecimento humano: saúde e dignidade. In: ______ (Org). Envelhecimento Humano: saúde e dignidade. Passo Fundo: UPF, 2005, p. 19. Os autores referem que o termo envelhecimento é um termo que conota movimento, que exprime o processo de envelhecer. Envelhecer, por sua vez, é estar a caminho para a velhice. Por isso, envelhecimento e velhice se confundem. 189PEIXOTO, Clarice. Entre o estigma e a compaixão e os termos classificatórios: velho, velhote, idoso, terceira idade...In: BARROS, Myriam M. de. (Org) Velhice ou terceira idade? Estudos antropológicos sobre identidade, memória e política. Rio de Janeiro: FGV, 2003, p.77. 190

BEAUVOIR, Simone de. A velhice. Tradução de Maria Helena Franco Monteiro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,1990, p. 19 191PEIXOTO, op. cit., p. 70.

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Como se percebe, a autora faz referência ao termo "recuperam a noção do

idoso", haja vista que, apesar deste termo sempre ter feito parte do vocabulário

português, não era palavra de muito uso, já que, como mencionado, a expressão

utilizada vinha sendo a de velho.

Também há a necessidade de se fazer menção à noção terceira idade, que, da

mesma forma, é usualmente empregada, constituindo simplesmente um decalque do

vocábulo francês adotado logo após a implantação das políticas sociais para a

velhice na França. Enquanto o idoso simbolizaria as pessoas mais velhas, o termo

terceira idade designaria, principalmente, os "jovens velhos", os aposentados

dinâmicos.193

Há quem defina o idoso utilizando-se da expressão terceira idade. Entretanto,

tal nomenclatura deve ser utilizada com ressalvas, de acordo com o transcrito a

seguir:

A expressão 3ª idade encontrou acolhida em toda a parte, mas há necessidade de tomar cuidado para que não seja atribuída à mesma significado de categoria específica e tratar os que a ela pertencem como tal e não como indivíduos, pois, em uma sociedade de categorias, os indivíduos devem comportar-se da mesma maneira, pré-estabelecida em suas regras ou estatutos e têm que se adaptar às normas.194

Da mesma forma, Rosa comenta que, "sinônimo de envelhecimento ativo e

independente, a terceira idade converteu-se em uma nova etapa da vida, a ser

vivida com dinamismo. Logo, a velhice não se confunde com terceira idade."195

Por outro lado, ao se fazer uma análise sobre o estigma do envelhecimento, "a

designação do termo "terceira idade" pode parecer depreciativa quando usada

193PEIXOTO, Clarice. Entre o estigma e a compaixão e os termos classificatórios: velho, velhote, idoso, terceira idade...In: BARROS, Myriam M. de. (Org) Velhice ou terceira idade? Estudos antropológicos sobre identidade, memória e política. Rio de Janeiro: FGV, 2003, p. 80. 194JUNQUEIRA, Ester D. S. Velho. E, por que não? Bauru: Edusc, 1998, p. 28. 195ROSA, Ana L. C. de. O envelhecimento na pós-modernidade. In: LEMOS, M.T.T.B.; ZABAGLIA, R.A. (Org.) A arte de envelhecer: saúde, trabalho, afetividade, Estatuto do Idoso. Rio de Janeiro: UERJ, 2004, p. 27.

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apenas para se referir a uma pessoa, mas não possui essa conotação quando

designativa de um estrato social importante."196

Já a terminologia velho, pode ser designada como "aquele que tem diversas

idades: a idade do corpo, da sua alma genética, da sua parte psicológica e da sua

ligação com sua sociedade".197

Com relação a quem seja efetivamente o velho, pode-se referir que:

É a mesma pessoa que sempre foi. Se foi um batalhador, vai continuar batalhando; se foi uma pessoa alegre, vai continuar alegrando; se foi uma pessoa insatisfeita, vai continuar insatisfeita; se foi ranzinza, vai continuar ranzinza. Sempre digo que o velho é um mais: tem mais experiência, mais vivência, mais anos de vida, mais doenças crônicas, mais perdas, sofre mais preconceitos e tem mais tempo disponível.198

O conceito de velhice, também é determinado como "uma construção social

realizada em um contexto cultural e histórico específico.199

Todavia, há quem entenda, por exemplo, que os termos velho e idoso podem

se confundir, mas idoso marca um tratamento mais respeitoso, tendo, assim, o termo

velho, uma conotação negativa ao designar, sobretudo, as pessoas de mais idade

pertencentes às classes populares que apresentam mais nitidamente os traços do

envelhecimento e do declínio.200

196MORANDINI, Jaqueline. A velhice: uma abordagem social e jurídica. In: PASQUALOTTI, A.; PORTELLA, M. R.; BETTINELLI, L. A. (Org.) Envelhecimento humano: desafios e perspectivas. Passo Fundo: UPF, 2004, p. 291. Esta autora entende que com relação ao sujeito que envelhece, freqüentemente há dúvida quanto ao termo mais adequado: velho, idoso, geronte, gerontino, velhote, ancião, mas, na realidade, segundo ela, nenhuma diferença significativa há quanto à preferência de designação de um termo ou outro, desde que não sejam empregados em sentido pejorativo. 197ZIMERMAN, Guite I. Velhice: aspectos biopsicossociais.Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000, p.19. 198Ibidem, p. 19-20. 199ROSA, Ana L. C. de. O envelhecimento na pós-modernidade. In: LEMOS, M.T.T.B.; ZABAGLIA, R.A. (Org.) A arte de envelhecer: saúde, trabalho, afetividade, Estatuto do Idoso.Rio de Janeiro: UERJ, 2004, p. 26. Da mesma forma, refere BEAUVOIR, 1990, p. 20 quando menciona que a velhice não poderia ser compreendida senão em sua totalidade; ela não é somente um fato biológico, mas também um fato cultural. 200PEIXOTO, Clarice. Entre o estigma e a compaixão e os termos classificatórios: velho, velhote, idoso, terceira idade...In: BARROS, Myriam M. de. (Org) Velhice ou terceira idade? Estudos antropológicos sobre identidade, memória e política. Rio de Janeiro: FGV, 2003, p. 78.

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Neri201, por outro lado, tem apresentado uma distinção entre idosos, velhice e

envelhecimento. Segundo a autora, os idosos seriam populações ou indivíduos que

podem ser assim categorizados em termos da duração do seu ciclo vital, que, de

acordo com convenções sociodemográficas atuais, são pessoas de mais de

sessenta anos, nos países em desenvolvimento, e de mais de sessenta e cinco

anos, nos países desenvolvidos. Já a velhice é tida como a última fase do ciclo vital

e é delimitada por eventos de natureza múltipla, incluindo por exemplo perdas

psicomotoras, afastamento social, restrição em papéis sociais e especialização

cognitiva. À medida que o ciclo vital se alonga, a velhice passa a comportar

subdivisões que atendem a necessidades organizacionais da ciência e da vida

social. Hoje é comum falar em velhice inicial, velhice e velhice avançada.

Por último, o envelhecimento é definido como o processo de mudanças

universais pautado geneticamente para a espécie e para cada indivíduo, que se

traduz em diminuição da plasticidade comportamental, em aumento da

vulnerabilidade, em acumulação de perdas evolutivas e no aumento da

probabilidade de morte. O ritmo, a duração e os efeitos desse processo comportam

diferenças individuais e de grupos etários, dependentes de eventos de natureza

genético-biológica, sócio-histórica e psicológica.202

Analisando-se o que até agora restara consignado, parece que apesar dos

mais diversos argumentos expostos, os termos se confundem, ficando difícil

defender uma ou outra nomenclatura. Neste sentido, é a manifestação exposta a

seguir:

É difícil, até mesmo, a escolha de qual o melhor vocábulo para definir aquele que envelhece. Devemos dizer velho, idoso ou ancião? Quem sabe seria melhor é definir por gênero: terceira idade, quarta idade, maturidade, melhor idade, idade da razão [...] Difícil missão! [...]203

Como se vê, vários são os vocábulos empregados. No entanto, o que parece

restar claro, diante das colocações feitas, é que não importa a nomenclatura

empregada, se idoso, velho, terceira idade ou, ainda, outras expressões menos

201NERI, Anita L. Palavras-chave em gerontologia. São Paulo: Alínea, 2001, p. 69. 202Ibidem, p. 69. 203BRAGA, Pérola M. V. Direitos dos idosos. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 39.

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usuais como, velhote, ancião, melhor idade ou geronte. O que importa, sem sombra

de dúvida, é utilizar a nomenclatura que for, sem intenção pejorativa, ou seja, com

entonação de dignidade, respeito e atenção pela vasta experiência que estas

pessoas acumularam em seus anos de vida.

Por isso, no decorrer dessa pesquisa, inúmeras definições serão empregadas.

Todavia, reconhece-se que a pessoa idosa é aquela com idade igual ou superior a

sessenta anos de idade, haja vista que o Estatuto do Idoso, Lei n˚ 10.741, de 01 de

outubro de 2003, em seu artigo 39, preceitua neste sentido, ainda que a legislação

brasileira já contivesse dispositivo semelhante, na Lei 8.842, de 1994, em seu artigo

2˚, em que também era considerada pessoa idosa aquela maior de sessenta anos.

O que se percebe, no entanto, é que todas as pessoas têm uma imagem de

velho, formada a partir da observação, da vivência ou daquilo que lhes é passado

pela família e pela sociedade.

Deve-se analisar em seguida, por oportuno, que este envelhecimento de que

se está tratando pressupõe determinadas alterações físicas, psicológicas e sociais

no indivíduo. Entretanto, sabe-se que tais alterações são naturais e gradativas,

podendo-se, inclusive, verificar em idades mais precoces ou mais avançadas, de

acordo com as características de cada indivíduo e de acordo com o seu modo de

vida. Muitas pessoas, no entanto, encaram a velhice como doença, como uma fase

de deteriorações.

Nesta linha de pensamento, é afirmado que:

Cada existência humana é única, cada homem envelhece de uma maneira particular. Uns saudáveis, outros não. Não há velhice e sim velhices. O envelhecimento deve ser considerado um processo tipicamente individual, existencial e subjetivo, cujas conseqüências ocorrem de forma diversa em cada sujeito. Cada indivíduo tem um tempo próprio para se sentir velho.204

204BRAGA, Pérola M. V. Direitos dos idosos. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 41.

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Entretanto, a velhice não é sinônimo de doença e, neste sentido, há referência

de que "a velhice não é uma doença, mas, sim, uma fase na qual o ser humano fica

mais suscetível a doenças".205

É notório que, à medida que a idade aumenta, cresce a possibilidade do

desenvolvimento mais acentuado de doenças, o que, obviamente, torna preocupante

para o próprio indivíduo e para a sociedade em geral, pois a doença leva,

sistematicamente, o idoso, a uma dependência, principalmente de ordem

econômica.

Há, com toda a certeza, uma relação de reciprocidade entre velhice e doença,

sendo que, esta última, acelera a senilidade e a idade avançada predispõe a

perturbações patológicas. No entanto, a velhice não se trata de uma doença.206

Nesta fase, inclusive, a pessoa não fica somente suscetível a doenças, mas,

também, às mais diversas perdas e crises.207 Segue esta linha de pensamento

Zimerman,208 quando faz referência que o envelhecimento social da população traz

uma modificação no próprio status de velho e no relacionamento dele com outras

pessoas em função de crise de identidade, provocada pela falta de papel social;

mudanças de papéis na família, no trabalho e na sociedade; perdas diversas, que

vão desde a condição econômica ao poder de decisão, a perda de parentes e

amigos e a diminuição dos contatos sociais, que se tornam reduzidos em função de

suas possibilidades, distâncias e circunstâncias financeiras.

Da mesma forma, são os argumentos a seguir expostos, com relação ao

envelhecimento social:

205ZIMERMAN, Guite I. Velhice: aspectos biopsicossociais. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000, p. 22. 206BEAUVOIR, Simone de. A velhice. Tradução de Maria Helena Franco Monteiro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,1990, p. 35-38. 207Sobre o tema envelhecendo e percebendo perdas, consultar exemplos práticos trabalhados por PORTELLA, M.R; PASQUALOTTI, A. Atenção aos idosos pobres e desvalidos: um olhar com relação às ações cuidativas dos agentes pastorais. In: SANTIN, J. R; VIEIRA, P. S; FILHO, H. T. (Org.) Envelhecimento Humano: saúde e dignidade. Passo Fundo: UPF, 2005, p. 139-141. Os autores comentam que as chamadas "perdas sociais" acontecem quando o idoso deixa de desempenhar um papel importante no trabalho, na família ou na sociedade. Além disso, os autores trabalham com as chamadas "perdas emocionais", que estão relacionadas às perdas de pessoas queridas, o que acaba ocasionando solidão e vazio. 208ZIMERMAN, op. cit.,p. 24.

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Tudo isso, ou sejam os aspectos biológico, psicológico e psicopatológico, tudo isso vai desaguar no chamado aspecto ou dimensão social. Ele se isola socialmente, ou pela rejeição familiar, ou pela empresarial, ou pela institucional ou pela própria sociedade; pela situação econômica crítica, ou diminuição dos rendimentos depois de uma doença física; ou por não ter se preparado para o envelhecimento; ou por não ter se atualizado cultural, científica ou tecnicamente; ou devido a tabus, preconceitos ou prenoções da sua comunidade; ou por ausência de uma ocupação cheia de significado; ou, finalmente, ou por falta ou deficiente segurança social a uma boa quantidade – qualidade de vida a que julga ter direito, mesmo como simples filho demossocial da mãe pátria.209

Ainda, com relação ao envelhecimento social, é de ser registrado que os mais

velhos, mesmo após a perda de prestígio, continuam sendo constantemente alvo de

inúmeras observações. E isso acontece por meio de estereótipos sobre a velhice, de

insinuações e ataques de todos os lados. Com isso não se quer dizer que, entre os

idosos, não haja perda de desempenho ou que a velhice não apresente sintoma

negativo. O peso das sanções, porém, é que está fora de toda a proporção com o

grau médio da diminuição da condição dos idosos.210

Além do envelhecimento social, é preciso considerar, também, a existência do

próprio envelhecimento econômico211 e, até mesmo, do envelhecimento mental,

orgânico.

Nesta seara, deve-se ter sempre presente que "los ancianos son, de esta

manera, um sector de la población que posee caracteres proprios y que requiere de

una protección que no siempre há de estar coligada a la previa incapacitación".212

Na verdade, ainda que se possa falar em um envelhecimento mental natural,

os idosos, na sua grande maioria, são pessoas plenamente capazes, com suas

209QUEIROZ, Jerônimo G. de. Direitos do Idoso. Revista da Faculdade de Direito da UFG, Goiás, vol. 9, p. 67, jan./dez. 1985. 210SCHIRRMACHER, Frank. A revolução dos idosos: o que muda no mundo com o aumento da população mais velha.Tradução de Maria do Carmo Ventura Wollny. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005, p. 73-77, passim. 211O envelhecimento econômico se deve principalmente em razão das baixas aposentadorias. Ver BEAUVOIR, Simone de. A velhice. Tradução de Maria Helena Franco Monteiro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,1990, p. 10. A autora sustenta que os velhos que não constituem qualquer força econômica não têm meios de fazer valer seus direitos: o interesse dos exploradores é o de quebrar a solidariedade entre os trabalhadores e os improdutivos, de maneira que estes últimos não sejam defendidos por ninguém. 212PÉREZ, M. A.; GALLEGO, E. M. A.; CELADA, YJ. R. (Coord). Protección jurídica de los mayores. Madrid: La Ley, 2004, p. 448.

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faculdades mentais em perfeito estado e, portanto, sem apresentar qualquer causa

de incapacidade213. Mesmo assim, os idosos necessitam de uma proteção especial.

Entretanto, ainda que haja a necessidade de uma proteção especial, tal

argumento jamais poderá servir de esboço para eventuais atos discriminatórios, haja

vista que são as mais diversas diferenças existentes entre os indivíduos que vão

formar a identidade do próprio ser humano. Nesta seara, são as palavras a seguir:

[...] las diferencias forman parte de la identidad de la persona. Son elementos que integran la identidad de cada persona: sexo, raza, etnia, religión, opiniones políticas, lengua, cultura. También, las situaciones vitales: ser niño, joven, anciano, enfermo, moribundo, etc. Son diferencias personales que contribuyen a configurar nuestra identidad.214

Apesar das diferenças fazerem parte da identidade do próprio ser humano, é

importante observar que a velhice, infelizmente, é sempre associada à decadência,

muito mais do que as propaladas sabedoria e experiência.

A velhice, como estigma, não está necessariamente ligada à idade cronológica.

Os traços estigmatizadores da velhice ligam-se a valores e conceitos depreciativos

como, por exemplo, a feiúra, a doença, já referida anteriormente, a desesperança, a

solidão, o fim da vida, a morte, a tristeza, a inatividade, a pobreza, a falta de

consciência de si e do mundo.215

Essa postura de insensibilidade ante a gama de problemas relacionados com o

envelhecimento reflete, principalmente, a absorção pela sociedade dos valores do

sistema capitalista que, na busca incansável do lucro, exclui do contexto social todos

aqueles que não podem mais se engajar na produção.

213PÉREZ, M. A.; GALLEGO, E. M. A.; CELADA, YJ. R. (Coord). Protección jurídica de los mayores. Madrid: La Ley, 2004, p. 146 e 449, passim. Dentro deste contexto, apenas não se pode ignorar, as enfermidades que acompanham a velhice. São enfermidades essencialmente do tipo degenerativo, como, por exemplo, o próprio Alzheimer. Se calcula que só uns 5% dos maiores de 65 anos sofrem desta enfermidade, percentual este, que se elevada a 20%, entre os maiores de 80 anos. Esta enfermidade ataca as células nervosas do cérebro, deteriorando, assim, a capacidade da pessoa de governar ou administrar suas próprias emoções, reconhecer erros, coordenar seus movimentos e, inclusive, recordar dos acontecimentos. 214FERNÁNDEZ, Encarnación. Igualdad y derechos humanos. Madrid: Tecnos, 2003, p. 20. 215BARROS, Myrian M. de. Testemunho de vida: um estudo antropológico de mulheres na velhice.In: (Org). Velhice ou terceira idade? Estudos antropológicos sobre identidade, memória e política. Rio de Janeiro: FGV, 2003, p.77.

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Assim, uma cultura, como a brasileira, que só têm olhos para aqueles que são

produtivos, capazes de gerar lucros, o envelhecimento é sinônimo direto de

improdutividade, o que resulta, por derradeiro, numa visão do idoso como objeto

descartável e obsoleto.216

Todavia, deve-se considerar que envelhecer com dignidade é, de fato, um

direito humano fundamental. E é um direito humano fundamental porque ser velho

significa ter direito à vida, significa dar continuidade a esse fluxo, que deve ser vivido

com dignidade. Dessa forma, caso se queira que a sociedade avance moralmente,

faz-se necessário que se reconheça a velhice como direito fundamental, levando-a,

enquanto tal, efetivamente a sério, respeitando-a, porque, dessa forma, as demais

fases da vida também serão protegidas, uma vez que uma velhice digna e longa

representa o coroamento de uma vida na qual o homem foi respeitado enquanto ser

humano.217

É importante noticiar, ainda, que a velhice, segundo Bobbio, pode ser

compreendida sob três perspectivas: a cronológica, a burocrática e a psicológica ou

subjetiva.218Enquanto que a cronológica é meramente formal porque estipula-se uma

idade e todos que a alcançarem são considerados idosos, independentemente de

suas características pessoais, a burocrática corresponde àquela idade que gera

direito a benefícios, como a aposentadoria por idade ou passe livre em ônibus

urbanos. Já, a psicológica ou subjetiva, é a mais complexa, uma vez que não

pressupõe parâmetros objetivos, dependendo do tempo que cada indivíduo leva

para sentir-se velho.

O autor219 acima mencionado tem feito uso da nomenclatura idoso, referindo

que o conceito legal de idoso pode seguir três critérios básicos: o cronológico, o

psicobiológico e o econômico-social. O critério cronológico define como idoso a

pessoa que tem mais idade do que um certo limite previamente estabelecido. Por se 216SANTIN, J. R.; VIEIRA, P. S.; FILHO, H. T. Envelhecimento humano: saúde e dignidade. In: ______ (Org). Envelhecimento Humano: saúde e dignidade. Passo Fundo: UPF, 2005, p. 12, passim. 217RAMOS, Paulo R. B. A velhice na constituição. Revista de Direito Constitucional e Internacional, São Paulo, n. 30, p. 193, jan./mar. 2000. 218A velhice compreendida sob três perspectivas é trabalhada por BOBBIO, Norberto. O tempo de memória: de senectute e outros escritos autobiográficos. Tradução de Daniela Versiani. 4. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1997, p. 18. 219Ibidem, p. 17.

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tratar de um critério objetivo, de facílima verificação concreta, geralmente é o

adotado pelas legislações, como, por exemplo, a que trata da aposentadoria por

idade220, do amparo assistencial221, além de outros diplomas legais.

O grande problema deste critério é justamente de não considerar as diferenças

pessoais e a larga faixa etária que está abrangida pelo conceito, principalmente se

for lavado em conta que, atualmente, são cada vez mais numerosas as pessoas

centenárias. Pode haver enorme diferença no estado de saúde de duas pessoas

sexagenárias, podendo uma delas ser doente e debilitada e a outra em pleno vigor,

perfeitamente lúcida. Certamente, há uma enorme diferença entre um idoso de 60

anos e um de 100 anos de idade, razão pela qual se torna difícil a aceitação de um

mesmo tratamento a ambos.

Pelo critério psicobiológico, deve-se buscar uma avaliação individualizada da

pessoa, ou seja, seu condicionamento psicológico e fisiológico. Logo, importante não

é a sua faixa etária, mas sim as condições físicas em que se encontra seu

organismo, além das condições psíquicas de sua mente. Esse critério traz consigo

uma grande carga de subjetividade, conferindo sempre incerteza a quem poderia, ou

não, ser considerado como idoso, o que por vezes poderia até gerar enorme

insegurança nas relações jurídicas.222

220Sobre a aposentadoria por idade consultar artigos 48 a 51 da Lei 8.213/91. Consultar, ainda, JÚNIOR, Miguel H. Direito previdenciário. 5. ed. atual. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 182-190. De acordo com o autor, a partir da Lei 8.213/91, o benefício previdenciário que tem por objetivo a proteção do inevitável e irreversível processo de envelhecimento, passou a denominar-se aposentadoria por idade. 221O amparo assistencial, mais conhecido como benefício assistencial, devido ao idoso e ao deficiente, na forma de prestação continuada, está previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal de 1988, que prevê a garantia de um salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou tê-la provida por sua família. A regulamentação se deu por meio da Lei 8.742, de 07.12.93(Lei Orgânica da Assistência Social), e do Decreto 1.744, de 08.12.95, que exigem o preenchimento dos seguintes requisitos: comprovação da deficiência ou da idade mínima de 65 anos para o idoso não-deficiente; renda familiar mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo; não estar vinculado a nenhum regime de previdência social; e, não receber benefício de espécie alguma. Posteriormente, o Estatuto do Idoso(Lei 10.741/2003), também, estabeleceu regras sobre a assistência social, em seus artigos 33 a 36, onde se manteve a idade de 65 anos. Sobre a assistência social consultar MORO, Sergio F. Questões controvertidas sobre o benefício da assistência social. In: ROCHA, Daniel M. da (Org.) Temas atuais de direito previdenciário e assistência social. Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2003, p. 143-160. 222BOBBIO, Norberto. O tempo de memória: de senectute e outros escritos autobiográficos. Tradução de Daniela Versiani. 4. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1997, p. 18, passim.

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Além do mais, há uma dificuldade extra, que é a fixação dos parâmetros físicos

e mentais a serem considerados na avaliação de quem seria, ou não, idoso. Assim,

fica difícil saber quem estaria em melhores condições psicobiológicas: se aquela

pessoa que raciocina, com extrema clareza, mas com grandes dificuldades de

locomoção e acometida por constantes crises de uma doença crônica, ou aquela

outra que, tendo embora freqüentes lapsos de memória e dificuldades de raciocínio,

ainda consegue se deslocar com facilidade, efetua caminhas diárias e não padece

de qualquer doença grave. Como se vê, portanto, na prática se torna muito difícil

uma adoção de critério puramente psicobiológico.

Por fim, o critério econômico-social considera, como fator prioritário e

fundamental, uma visão abrangente do patamar social da pessoa, partindo-se

sempre da idéia de que o hipossuficiente precisa de maior proteção se comparado

ao auto-suficiente. Em alguns aspectos, esse critério foi o eleito pelo direito positivo

brasileiro, como se observa, por exemplo, na Lei 10.741, de 01 de outubro de 2003,

em seu artigo 34, que dispõe sobre a garantia de um salário mínimo mensal aos

idosos, a partir de 65 anos, que não possuam meios para prover sua subsistência,

nem tê-la provida por sua família. A Lei 8.742, de 07 de dezembro de 1993, que

dispõe sobre a organização da Assistência Social, estabelece que é incapaz de

prover a manutenção de pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja

renda mensal per capita seja inferior a um quarto do salário mínimo.

Deste modo, como se percebe, o que foi levado em consideração foi tão

somente o patamar socioeconômico da pessoa para a concessão ou não do

benefício assistencial.

Outros autores têm analisado o conceito de velhice, da mesma forma

apresentada por Bobbio, ou seja, tendo como referência critérios, pontos de vista

distintos. Contudo, tendo em vista que estes critérios adotados são extremamente

subjetivos, poderá não haver uma concordância plena entre os autores, tanto na

denominação como na própria fundamentação destas dimensões.223

223Neste sentido, ver MARTÍ, Jordi V. Envejecimiento y atención social: elementos para su análisis y planificación. Barcelona: Herder, 2000, p. 31-33. O autor analisa o conceito de velhice, através do aspecto biológico, psicossocial, cronológico e cultural. Pelo aspecto biológico, o envelhecimento é um

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Beauvoir224 faz uma análise sobre os ensinamentos que a biologia, a

antropologia, a história e a sociologia contemporânea fazem sobre a velhice.

Todavia, refere que nenhum destes estudos permite de fato definir o que realmente

é a velhice. Pelo contrário, tais aspectos demonstram que existe uma multiplicidade

de aspectos, irredutíveis uns aos outros.

É impossível, segundo a autora225 acima mencionada, compreender a velhice

sem se reportar à gerontologia226, ciência que não estuda a patologia da velhice mas

processo fisiológico que começa com a concepção, ocasionando diversas transformações durante todo o ciclo de vida das pessoas. Assim, a idade biológica de um indivíduo se refere a situação da pessoas em relação com o seu ciclo de vida. As transformações biológicas, por sua vez, resultam, normalmente, de forma gradual. A segunda dimensão é a psicossocial, que também se trata de um processo variável, que é impossível fixar a partir de um determinado momento, mas que, atualmente, se estabelece por meio de decretos, fazendo coincidir os 65 anos com o início da aposentadoria. No contexto social, é de ser referido que existe, atualmente, uma forte indefinição em relação à função social que corresponde cada setor da população. Na atualidade, é cada vez mais evidente a necessidade de diferenciar as distintas situações resultantes de um grupo cada vez mais heterogêneo. Esta necessidade de diferenciação se reflete, da mesma forma, no nível cronológico. As diferenças entre terceira idade e quarta idade ou entre velhos-jovens e velhos tão somente arbitrariamente marcam o início da velhice. No que concerne ao aspecto social, é importante observar, ainda, que a atual estruturação da sociedade em ativos e passivos, juntamente com a atual indefinição com relação a função social deste setor da população a que ora está se referindo, têm provocado uma atitude coletiva basicamente negativa em relação à velhice. 224BEAUVOIR, Simone de. A velhice. Tradução de Maria Helena Franco Monteiro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,1990, p. 16-17 e 111. Diz a autora que tanto a biologia como a etnologia mostram que a contribuição positiva dos idosos para a coletividade é sua memória e sua experiência que, no campo da repetição, multiplicam suas capacidades de execução e de julgamento. O que lhes falta é a força e a saúde; é também a faculdade de se adaptar à novidade e, com muito mais razão, de inventar. 225Ibidem, p. 28, 30 e 47, passim. A partir de meados do século XIX a geriatria começa realmente a existir. Ela foi favorecida na França pela criação de vastos asilos onde se reuniam muitos velhos. A Salpêtrière era o maior asilo da Europa; abrigava oito mil doentes, dos quais entre dois e três mil eram velhos. Tornou-se, portanto, fácil coletar dados clínicos sobre os idosos. Pode-se considerar a Salpêtrière como o núcleo da primeira instituição geriátrica. É o americano Nascher que é considerado o pai da geriatria. Nascido em Viena, na época um centro importante de estudos sobre a velhice, ele foi para Nova Iorque ainda criança e ali estudou medicina. Visitando um asilo com um grupo de estudantes, ouviu uma velha queixar-se de diversas perturbações ao professor. A velha perguntou a ele o que se poderia fazer e Nascher respondeu que nada poderia ser feito, haja vista que sua doença era a idade avançada. Nascher ficou tão impressionado com a sua resposta que acabou se dedicando ao estudo da senescência. De volta a Viena, visitou uma casa de velhos e espantou-se com a longevidade e a boa saúde deles. Descobriu, por intermédio de seus colegas, que isso se devia porque eram tratados como os pediatras tratavam as crianças. Isto levou Nascher a criar um ramo especial da medicina que batizou de geriatria. Em 1909, ele publicou seu primeiro programa; em 1912, fundou a Sociedade de Geriatria de Nova Iorque e publicou em 1914 um novo livro sobre a questão. Porém, teve dificuldade em encontrar um editor, uma vez que o assunto não era considerado interessante. 226Ver NERI, Anita L. Palavras-chave em gerontologia. São Paulo: Alínea, 2001, p. 54. O termo gerontologia foi usado pela primeira vez em 1903 por Merchnicoff que compôs a partir do grego língua em que gero significa velho, e logia, estudo. Na ocasião, esse autor previu que ela teria crescente importância no decorrer do século XX, em virtude dos ganhos em longevidade para os indivíduos e as populações, provocados pelos avanços das ciências naturais e da medicina. Gerontologia é o campo multi e interdisciplinar que visa à descrição e à explicação das mudanças típicas do processo do envelhecimento e de seus determinantes genético-biológicos, psicológicos e

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o próprio processo do envelhecimento e que se desenvolveu recentemente, ao lado

da geriatria. Esta nova ciência desenvolveu-se em três planos: biológico, psicológico

e social e, em todos esses domínios, ela é fiel a um mesmo posicionamento

positivista; não se trata de explicar porque os fenômenos se produzem, mas de

descrever sinteticamente, com a maior exatidão possível, suas manifestações.

Diante de tudo o que fora exposto, é preciso deixar consignado que, para

Bobbio, a velhice passa a ser então o momento em que se tem plena consciência de

que o caminho não apenas não está cumprido, mas também não há mais tempo

para cumpri-lo, e devemos renunciar à realização da última etapa. A melancolia é

suavizada, todavia, pela constância dos afetos que o tempo não consumiu. A

descida é contínua e, o que é pior, irreversível: você desce um pequeno degrau de

cada vez, mas ao colocar o pé no degrau mais baixo sabe que nunca mais vai

retornar ao degrau mais alto.227

De qualquer forma, percebe-se que a velhice não é um fato estático, mas é o

resultado e o prolongamento do próprio processo de envelhecimento.

Desenvolvidas, desta forma, algumas reflexões sobre a velhice, no que diz

respeito ao seu aspecto conceitual, é preciso apenas reprisar, ao final deste estudo,

algo que já foi deixado claro ainda no início deste item, ou seja, de que várias

designações serão utilizadas no decorrer desta pesquisa, a fim de fazer referência

ao idoso.

Após apresentada uma breve reflexão conceitual sobre a velhice, é importante

que se traga algumas contribuições com relação à imagem do idoso através dos

tempos, para que se possa pensar, mais adiante, na situação do idoso no Brasil de

hoje.

socioculturais. Interessa-se também pelo estudo das características dos idosos, bem como das várias experiências de velhice e envelhecimento ocorrendo em diferentes contextos socioculturais e históricos. Abrange aspectos do envelhecimento normal e patológico. 227BOBBIO, Norberto. O tempo de memória: de senectute e outros escritos autobiográficos. Tradução de Daniela Versiani. 4. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1997, p. 31 e 34, passim.

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2.2 Incursões históricas sobre a velhice: a imagem do idoso através dos

tempos

Trabalhar alguns elementos históricos é de suma importância, principalmente

para que se possa contextualizar o estudo do direito dos idosos. O objetivo é

justamente evidenciar que a dificuldade em reconhecer o direito dos idosos remete

ao período anterior ao nascimento de Cristo.

Todavia, estudar a condição dos velhos através das diversas épocas não é

uma tarefa fácil, haja vista que "os documentos de que dispomos só raramente

fazem alusão a esse assunto: os idosos são incorporados ao conjunto dos

adultos."228

Além disso, é importante observar que é impossível escrever uma história da

velhice. A rigor, pode-se falar, por exemplo, de uma história da mulher, mas o velho,

enquanto categorial social, nunca interveio no percurso do mundo.229

De qualquer sorte, como já referido, é importante trabalhar alguns elementos

históricos sobre a velhice, a fim de verificar, inclusive, que a imagem da velhice é

incerta, confusa, contraditória, como já referido no item anterior, pois trata-se de uma

categoria mais ou menos valorizada segundo as circunstâncias.

Importante de início é saber que, até o século XIX, nunca se fez menção aos

velhos pobres, em razão de que estes eram pouco numerosos, não representavam

rigorosamente nada e a longevidade só era possível, quando sustentada, nas

classes mais privilegiadas. Assim, tanto a história como a literatura, passa por eles

radicalmente em silêncio.230

Na Grécia antiga, sabe-se que as sociedades se livravam das crianças

disformes ou mal nascidas. Entretanto, este fato não desemboca na idéia de que

228BEAUVOIR, Simone de. A velhice. Tradução de Maria Helena Franco Monteiro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,1990. p.109. 229Ibidem, p. 109-110, passim. 230Ibidem, p.111.

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algum dia tenham elas tentado eliminar os velhos, até porque, parece que na alta

Antigüidade, a idéia de honra ligou-se à de velhice.231

Encontram-se, na história e na literatura grega, inúmeros ecos e conflitos que

opuseram os jovens aos anciãos.

Os antigos deuses, ao envelhecerem, tornavam-se cada vez mais maldosos e

pervertidos ou, pelo menos, sua malevolência tirânica tornou-se cada vez mais

intolerável, e acabou por suscitar uma revolta que os destronou.232

Quase todos os deuses que reinavam na Grécia antiga eram jovens,

constituindo exceções apenas Caronte, o barqueiro dos infernos, que os gregos

representavam como um velho hediondo e algumas entidades marítimas como

Nereu, o bom e silencioso velho do mar, filho de Pontos e Géia, seu irmão Fórcis, o

velho que dominava as ondas e Proteu, o velho do mar, filho de Urano e Tétis.233

Os antigos gregos também manifestavam a sua atitude com relação à velhice

através de narrativas míticas.

A lenda de Fílemon e Báucide põe em cena um casal de idosos, onde sua

generosa hospitalidade e sua fidelidade conjugal lhes valem uma longa velhice feliz

e uma metamorfose que eterniza seu amor. Também o mito de Tirésias estabelece

uma relação entre a idade, a cegueira e a luz interior. Tornado cego pela cólera de

Hera, Tirésias recebeu de Zeus, em compensação, o dom da profecia, dando

respostas infalíveis a todas as perguntas.234

Entretanto, as lendas mais significativas são as de Títono e Éson. A primeira

mostra que a decrepitude parecia aos gregos um flagelo pior que a própria morte.

Aurora, obtendo para seu esposo a imortalidade, esqueceu de pedir que esta fosse

acompanhada de uma eterna juventude, por mais que o alimentasse de ambrosia, 231BEAUVOIR, Simone de. A velhice. Tradução de Maria Helena Franco Monteiro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,1990, p.121. Neste sentido, a autora refere que gera, géron, palavras que designam a idade mais avançada significam também o privilégio da idade, o direito da ancianidade, a deputação. 232BRAGA, Pérola M. V. Direitos dos idosos. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 27, passim. 233BEAUVOIR, op. cit.,p.120, passim. 234Ibidem, p.121.

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ele caiu na decrepitude; solitário, miserável, encarquilhou-se e secou a tal ponto que

os deuses misericordiosos o transformaram em cigarra.235

Entre os filósofos gregos existia um conflito. Por um lado, a velhice trazia a

sabedoria, a capacidade de se tornar professor dos jovens, a possibilidade de ser

ouvido. Por outro, a velhice era sinônimo de fragilidade física.236

Em Esparta, por exemplo, "a velhice era honrada. Os homens viviam em

acampamentos até os sessenta anos. Depois dessa idade, eles eram libertados da

vida militar e precisavam manter o status quo”.237 .

Já em Atenas, as leis de Sólon conferiram todo o poder às pessoas idosas.

Estas, por sua vez, conservavam alguns poderes. Quando os filhos eram acusados

de maus procedimentos com relação a seus pais, como recusa de cuidados

necessários, pancadas e feridas, os juízes aos quais a questão era levada deviam

ter mais de sessenta anos de idade. Esta idade era também exigida aos exegetas

encarregados de interpretar o direito. Por outro lado, reconheciam-se em certos

velhos dos dois sexos faculdades sobrenaturais.238

Platão e Aristóteles239 refletiram sobre as conseqüências da velhice, porém, de

forma bem diversa. Enquanto para Platão a velhice era conhecimento, estando os

235BEAUVOIR, Simone de. A velhice. Tradução de Maria Helena Franco Monteiro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,1990, p. 121. 236BRAGA, Pérola M. V. Direitos dos idosos. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 29. 237BEAUVOIR, op. cit.,p. 29 238Ibidem, p.126 passim. 239Ver ARISTÓTELES. Ética a nicômaco. Tradução de Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2004, p. 179-180. De acordo com Aritóteles, entre as pessoas idosas e acriminosas é menos freqüente surgir amizade, pois tais pessoas são menos bem-humoradas e não encontram muito prazer na companhia umas das outras; e a boa disposição e a sociabilidade são consideradas as marcas principais de amizade, e são as suas causas. É por isso que, ao passo que os jovens são rápidos em fazer amizades, o mesmo não ocorre com os velhos: os homens não se tornam amigos daqueles cuja companhia não lhes agrada. Ver, também, PLATÃO. A república. Tradução de Albertino Pinheiro. São Paulo: Edipro, 2000, p. 10-14. Os velhos, segundo ele, tendo precedido no caminho por onde talvez tenha-se que andar, por certo podem informar a natureza desse caminho, se é áspero e difícil, se cômodo e suave. Ver, ainda, ARISTÓTELES. Arte retórica e arte poética. Tradução de Antônio Pinto de Carvalho. Rio de Janeiro: Tecnoprint, 1989, p. 130-131. Nesta obra, o autor refere que os velhos são mais inclinados ao cinismo do que à vergonha; como cuidam mais do honesto do que do útil, desprezam o que dirão aos outros. São pouco propensos a esperar, em razão de sua experiência, pois a maior parte dos negócios humanos só acarretam desgostos e muito efetivamente são malsucedidos. Os velhos vivem de recordações mais que de esperanças, porque o que lhes resta de vida é pouca coisa em comparação do muito que viveram.

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homens capacitados para governar após uma educação que deveria começar na

adolescência, frutificando-se plenamente aos cinqüenta anos, para Aristóteles a

alma, não era puro intelecto, tinha uma relação necessária com o corpo e o homem.

Assim, ele admitia que o sábio era capaz de suportar com magnanimidade

todas as vicissitudes. Todavia, considerava que os bens do corpo e os bens

exteriores eram necessários aos bens do espírito. O homem atingia, segundo ele, a

eqüidade com a idade, por volta dos cinqüenta anos, devido ao acúmulo de

experiências. Mas, o declínio do corpo acarretava o declínio do indivíduo como um

todo. Para Aristóteles, enquanto a juventude era calorosa e apaixonada, a velhice

era o oposto.240

Ainda que afastados do poder, na realidade, na Grécia antiga, como já

mencionado, não há registros de que pessoas idosas algum dia tenham sido

eliminadas. Ocorre, porém, que a história dos antigos romanos demonstra

exatamente o contrário.

Neste sentido, há quem comente241 ser provável que os antigos romanos

tivessem o hábito de se livrar dos velhos afogando-os, pois se falava em enviá-los

ad pontem, e os senadores eram chamados depontani. Mais tarde, porém, enquanto

os recém- nascidos continuavam a ser abandonados, não se cogitava mais de

atentar contra a vida dos velhos. Estes eram respeitados enquanto proprietários e,

entre os ricos, contavam-se inúmeros velhos, sendo que seus bens eram fonte de

prestígio. Por outro lado, o voto dos velhos tinha mais peso que o dos outros

cidadãos.

Refere, ainda, a mesma autora242 que a situação dos velhos também firmava-

se no interior de suas famílias, já que o poder do pai era quase sem limites. Ele tinha

os mesmos direitos sobre as pessoas do que sobre as coisas. Nesta época, um filho

que batia no pai, por exemplo, era considerado um monstro, de forma que não

pertencia mais à sociedade dos homens, sendo rejeitado do mundo e condenado à

240BRAGA, Pérola M. V. Direitos dos idosos. São Paulo: Quartier Latin, 2005, 30-32, passim. 241BEAUVOIR, Simone de. A velhice. Tradução de Maria Helena Franco Monteiro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,1990, p. 139-140, passim. 242Ibidem, p. 142, passim.

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morte. Além disso, se um jovem quisesse casar-se, era exigido não apenas o

consentimento do pai, mas também o do avô, se este ainda estivesse vivo, o que

demonstrava efetivamente que o patriarca conservava sua autoridade até o fim.

No século VII, a colonização de um novo mundo traz uma revolução

econômica e a classe que era inferior até então, a dos demiurgos, enriquece. A

cidade, chamada de polis, era sempre pequena, de cinco mil a dez mil cidadãos, e

se constituía de várias formas, independentemente de ser oligarquia, tirania ou

democracia. Nas oligarquias, os jovens não eram aceitos na magistratura, porque

sua ambição e o espírito de iniciativa eram temidos. Portanto, a velhice, em muitas

das cidades antigas, era uma qualificação. No entanto, individualmente, ela não era

respeitada.243

Entre os privilegiados, a condição dos velhos está ligada ao regime da

propriedade, da seguinte forma:

Quando esta não repousa mais na força, é firmemente garantida pela lei e institucionalizada, a pessoa do proprietário não é mais essencial e se torna indiferente; ela fica alienada à sua propriedade, através da qual é respeitada. Não se levam em conta as suas capacidades individuais, mas seus direitos. Pouco importa, portanto, que ele seja velho, débil ou até incapaz. Como a riqueza geralmente aumenta todos os anos, não são mais, portanto, os jovens, mas sim os idosos que ocupam o alto da escala social.244

Já na Idade Média, a situação dos idosos, em todos os setores da sociedade,

aparecia como extremamente desfavorecida, pois, tanto entre os nobres, quanto

entre os velhos camponeses, a força física prevalecia, sendo que os fracos, com

isso, não tinham lugar. A sociedade européia da Idade Média vivia em difíceis

condições e não se preocupava com os idosos, tampouco com as crianças, tendo

preocupação somente com os jovens, eis que estes sobreviviam às doenças da

infância e tinham atenção. 245

243BRAGA, Pérola M. V. Direitos dos idosos. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 28-29, passim. 244BEAUVOIR, Simone de. A velhice. Tradução de Maria Helena Franco Monteiro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990, p.125. 245BRAGA, op. cit.,p. 33, passim.

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Portanto, como se percebe, à semelhança da Antigüidade, na Idade Média,

também, a idéia de rejuvenescimento esteve sempre presente, sendo o tempo

considerado como uma causa de declínio.246

Os velhos, nesta época, foram mais ou menos excluídos da vida pública, uma

vez que eram os jovens quem conduziam o mundo. Até mesmo os papas, nesta

época, eram, na maioria, homens jovens. Na Alta Idade Média, inclusive a literatura

não se interessava pelos velhos.247

Até o século XIV, quando surge a burguesia, apenas o adulto, como já referido,

era considerado importante na sociedade. No entanto, ainda no século XV,

"podemos perceber, através da literatura francesa, a presença do pessimismo dos

séculos precedentes que continua a retratar a velhice como declínio de vergonha."248

Do antigo Egito ao Renascimento, o tema da velhice foi quase sempre tratado

de maneira estereotipada. A velhice era tida como o inverno da vida. A brancura dos

cabelos e da barba evoca a neve, o gelo, havendo, portanto, uma frieza do branco

ao qual se opõe o vermelho, o fogo, o ardor e o verde, que é a cor das plantas, da

primavera, da juventude. Aqui, também, o velho não interessa, havendo na

sociedade uma determinação, que é a de silenciar sobre ele.249

No século XVII, a sociedade era muito autoritária, absolutista. Deste modo, os

adultos que a regiam não abriam espaço para indivíduos que não pertencessem à

mesma categoria. A média de vida era de vinte a vinte e cinco anos. Metade das

246BEAUVOIR, Simone de. A velhice. Tradução de Maria Helena Franco Monteiro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990, p. 179. A autora refere que tanto na Idade Média quanto na Antigüidade, existia uma ligação mítica entre velhice e cegueira, uma vez que esta simbolizava o exílio ao qual as pessoas idosas era condenadas por sua vida demasiadamente longa: essas pessoas eram cortadas do resto dos homens. Por outro lado, o mito tinha sólidas raízes na realidade, pois como não sabiam operar catarata, muitos homens idosos eram efetivamente cegos. 247Ibidem, p. 157 e 169. A autora refere que Gregório I foi o primeiro verdadeiro chefe da Igreja Universal, tendo sido eleito papa com 50 anos de idade, ou seja, relativamente idoso. Mas, até o século VIII, os papas foram jovens romanos de boa família, destinados à Igreja porque eram pobres e órfãos. Mais tarde, como os papas possuíam riquezas materiais e um grande poder, os nobres passaram a cobiçar o trono pontifical. Na literatura a idéia de rejuvenescimento estava sempre presente. Uma fábula satírica afirmava que: "Logo não haverá mais homem velho de cabelos brancos, nem, também, mulher velha, encanecida e grisalha, ainda que tenha atingido a idade de 30 anos”. 248BRAGA, Pérola M. V. Direitos dos idosos. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 33. 249BEAUVOIR, op. cit.,p. 200-201.

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crianças morriam antes de completar o primeiro ano de vida e os adultos, entre os

trinta e quarenta anos de idade.250

A situação dos velhos em vários setores da sociedade aparece como

extremamente desfavorecida, tanto entre os nobres quanto entre os camponeses. A

juventude constituía uma classe de idade de considerável importância. A classe dos

velhos, desta forma, como já mencionado, não existia.

Ao fim da Idade Média, a vida permanecia precária e a longevidade, rara. Em

1380 Carlos V morre, com quarenta e dois anos de idade e recebe a reputação de

um sábio velho. Entretanto, neste período, a sociedade passa a evoluir, assistindo a

um renascimento da vida urbana.251

A diminuição dos índices de mortalidade em todas as faixas etárias, o que

provocou, em decorrência, o aumento de um maior número de pessoas atingindo a

longevidade, justamente se deu no século XVIII252, quando a Europa passou por

esta transformação social, com melhores condições de higiene, inclusive. Na França,

no final do século XVIII, houve um êxodo rural, que aumentou a população urbana

de um décimo para um quinto, fazendo com que, cerca de cinco milhões e meio de

pessoas passasse a morar na área urbana. Assim, a melhoria das condições

materiais favoreceu a longevidade e o tempo de vida ativa prolongou-se.

Nesta época, refere ainda a autora acima citada, os adultos se reconhecem no

velho que serão, sendo que o homem idoso adquire uma importância particular, uma

vez que simboliza a unidade e a permanência da família.

250BEAUVOIR, Simone de. A velhice. Tradução de Maria Helena Franco Monteiro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990, p. 206-207. Nesta época, segundo a autora, as pessoas se desgastavam muito rapidamente, por causa da dureza do trabalho, da subalimentação, da higiene precária. As camponesas de 30 anos eram velhas enrugadas. Entrava-se na vida pública aos 17 ou 18 anos de idade. Os quadragenários eram tidos como velhos tolos. Aos 50 anos não se tinha mais lugar na sociedade. A condição das crianças era, como a dos velhos, muito dura. Durante a Renascença, por exemplo, houve interesse por elas, pois tentou-se preservá-las da corrupção dos adultos. Mas, no século XVII, as crianças eram mantidas à margem da sociedade e criadas com severidade. Até os 20 anos chicoteavam-se os pajens e os estudantes, independentemente da classe social. Relegava-se toda a infância à categoria das mais baixas camadas da população. 251Ibidem, p. 174. 252Ibidem, p. 221-230, passim.

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Na verdade, foi somente no final do século XIX que os franceses passaram

efetivamente a dar um tratamento social à velhice, ao distinguirem os velhos dos

mendigos internados nos "depósitos de velhos" e nos asilos púbicos. Embora a

velhice tenha merecido, desde então, a atenção dos poderes públicos, ela só atraiu

o interesse das ciências sociais francesas há algumas décadas. Quanto ao Brasil, as

políticas sociais e o interesse do Estado nessa questão caminham a passos lentos, e

só recentemente certas áreas das ciências sociais despertaram realmente para o

estudo dessa temática.253

Como se percebe, nos séculos XVIII e XIX, a Europa se transforma e as

mudanças que ali se produzem têm influência considerável na condição dos velhos

e na idéia que a sociedade faz da velhice.

É importante considerar que muitas destas transformações acabaram sendo

nefastas para os velhos, pois, ao envelhecerem, os operários eram tidos como

incapazes de suportar o ritmo do trabalho. Desta forma, os que conseguiam

sobreviver, quando perdiam o emprego por causa da idade, ficavam reduzidos à

miséria.254

A partir do século XX, atravessa-se um período de profundas transformações

sociais e econômicas que incidem diretamente sobre os indivíduos, as relações

pessoais e a cultura. Esse período é confuso por nem sempre ser possível uma

253PEIXOTO, Clarice. Entre o estigma e a compaixão e os termos classificatórios: velho, velhote, idoso, terceira idade...In: BARROS, Myriam M. de. (Org.) Velhice ou terceira idade? Estudos antropológicos sobre identidade, memória e política. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2003, p. 70-72. A autora preceitua que na França do século XIX, a questão da velhice se impunha essencialmente para caracterizar as pessoas que não podiam assegurar seu futuro financeiramente, ou seja, o indivíduo despossuído, o indigente, pois as pessoas com certo patrimônio detinham certa posição social, administravam seus bens e desfrutavam de respeito. Com isso, vê-se que durante o século XIX, o único ponto comum que aproxima de forma regular a condição das pessoas de mais idade é justamente o seu estado de pobreza. A representação social da velhice é, assim, bastante marcada pela inserção do indivíduo de mais idade no processo de produção. A maior parte das pesquisas francesas sobre essa época descrevem as condições miseráveis da velhice trabalhadora. No final do século XIX, mais da metade da população urbana de mais de 60 anos não possuía pensão nem salário. A maioria dependia dos filhos ou das instituições de assistência pública. Mais de 40% dos asilos foram construídos no século XIX, contra 26,5% antes de 1.800; 23,3% entre 1.900 e 1.944 e 9,3% entre 1.945 e 1.970. Muitas dessas instituições foram criadas ou financiadas com fundos privados provenientes, em geral, de famílias de industriais ou banqueiros. 254BEAUVOIR, Simone de. A velhice. Tradução de Maria Helena Franco Monteiro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990, p. 236, passim. O trabalho não era protegido; homens e mulheres eram impiedosamente explorados. Ao envelhecerem, os operários ficavam incapazes de suportar o ritmo de trabalho.

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distinção entre o velho e o novo na realidade social, já que as mudanças não

ocorrem simultaneamente em todos os níveis. No entanto, caracteriza-se como um

processo de transição, indo além da modernidade, e para denominar esse período

vários termos têm surgido tais como: "sociedade de informação", "pós-

modernidade", "sociedade pós-industrial, entre outros”.255

Neste período, "[...] o abandono dos velhos incapacitados e sua condenação à

morte tornaram-se, certamente, mais raros do que no século XIX”.256

Com isso, poder-se-ia dizer que o estereótipo do idoso decrépito, doente e

senil, cedeu lugar, ainda que minimamente, a outro estereótipo, impensável há

algumas décadas, representado pelo idoso ativo, aquele que, ou continua a

trabalhar e a ser produtivo mesmo após a aposentadoria, ou viaja e se diverte

normalmente, desfrutando da vida.

A partir dos anos 60 do século XX, com a nova política social para a velhice, há

uma mudança na estrutura social, com elevação das pensões, que faz aumentar o

prestígio dos aposentados. Observa-se, na verdade, uma transformação no próprio

tratamento, bem como outra percepção das pessoas envelhecidas.257

Como mencionado no início, não fora esboçada uma história da velhice, mas,

sim, algumas atitudes das sociedades históricas para com os velhos, bem como as

imagens que elas forjavam deles. Neste âmbito, é importante, a fim de dar

seguimento ao presente estudo, analisar alguns aspectos sobre o perfil atual dos

idosos no Brasil.

255ROSA, Ana L. C. de. O envelhecimento na pós-modernidade. In: LEMOS, M.T.T.B.; ZABAGLIA, R.A. (Org.) A arte de envelhecer: saúde, trabalho, afetividade, Estatuto do Idoso.Rio de Janeiro: UERJ, 2004, p. 21, passim. 256BEAUVOIR, Simone de. A velhice. Tradução de Maria Helena Franco Monteiro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990, p.255. 257PEIXOTO, Clarice. Entre o estigma e a compaixão e os termos classificatórios: velho, velhote, idoso, terceira idade...In: BARROS, Myriam M. de. (Org.) Velhice ou terceira idade? Estudos antropológicos sobre identidade, memória e política. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2003, p. 73.

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2.3 O perfil atual dos idosos no Brasil

Atualmente, vive-se em uma época em que tudo parece ser descartável, onde

há tendência para o contrato temporário em todas as áreas da existência humana,

ocupacional, política, sexual, emocional, estabelecendo laços mais econômicos,

flexíveis e criativos que os da modernidade. Há uma intensificação das relações

sociais em escala mundial.258

Com relação ao público idoso, "um dos grandes problemas é que este grupo de

pessoas não têm conseguido se mobilizar e o grande motivo desta desmobilização é

que a atual geração de idosos vivenciou dois períodos de ditadura e, por essa razão,

não está acostumada a lutar por seus direitos".259

Nos próximos 20 anos, a população idosa do Brasil poderá ultrapassar os 30

milhões de pessoas e deverá representar quase 13% da população ao final deste

período. Em 2000, segundo o Censo260, a população de 60 anos ou mais de idade

era de mais de quatorze milhões de pessoas, contra quase onze milhões em 1991.

O peso relativo da população idosa no início da década representava 7,3%,

enquanto, em 2000, essa proporção atingia 8,6%. Dados mais recentes, do ano de

2003, acusam que o número de idosos era de aproximadamente dezesseis milhões.

Portanto, a proporção de idosos vem crescendo e, de acordo com dados do

Censo de 2000, mais rapidamente do que a proporção de crianças.261 Em 1980,

existiam cerca de dezesseis idosos para cada cem crianças; em 2000, essa relação

praticamente dobrou, passando para quase trinta idosos por cem crianças. A queda

da taxa de fecundidade ainda é a principal responsável pela redução do número de

258ROSA, Ana L. C. de. O envelhecimento na pós-modernidade. In: LEMOS, M.T.T.B.; ZABAGLIA, R.A. (Org.) A arte de envelhecer: saúde, trabalho, afetividade, Estatuto do Idoso. Rio de Janeiro: UERJ, 2004, p.26, passim. 259BRAGA, Pérola M. V. Direitos dos idosos. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 49, passim. 260CENSO demográfico 2000: Banco de dados agregados do IBGE. Disponível em: www.ibge.gov.br. Acesso em: 22 set. 2007. 261Ver FERNÁNDEZ, L. V.D.; BARBARRUSA, T. G. Las personas mayores y su situación de dependência em España: informe para la fundación consejo general de la abogacia española. Madrid: Dykinson, 2006, p. 34. Estes autores fazem referência a situação do idoso na españa. Neste sentido, é importante, a fim de fazer um comparativo, verificar que na España já há mais pessoas de idade do que crianças, jovens, de 0 a 14 anos de idade. Esta relação se acentuará cada vez mais, até que se apresente um quadro de duas pessoas de idade por cada um jovem de 15 anos, em 2040.

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crianças, mas a longevidade vem contribuindo progressivamente para o aumento de

idosos na população. Um exemplo é o grupo das pessoas de setenta e cinco anos

ou mais de idade que teve o maior crescimento relativo (49,3%), nos últimos dez

anos, em relação ao total da população idosa.

Diante dos dados estatísticos, percebe-se que, efetivamente, no mundo

moderno, a população idosa vem aumentando cada vez mais. "A própria existência

da velhice enquanto objeto individualizado de estudo deve ser analisada enquanto

produto da modernidade. O conceito de velhice é, assim, uma construção social

realizada em um contexto cultural e histórico específico".262

Analisando sob este ângulo, a velhice se situaria no mesmo patamar da

infância e da adolescência. Todavia, nem a juventude e nem a velhice são

concepções absolutas, mas interpretações sobre o curso da existência.

O estágio atual de pós-modernidade caracteriza-se pelo esfacelamento das

grades etárias e dos papéis sociais a elas destinados. No tocante ao

envelhecimento, as pessoas estão buscando durante todo o curso de vida (e não

apenas na juventude) a auto-expressão e a exploração da identidade. A própria

velhice foi desconstruída e suas manifestações, nos planos físico e cognitivo,

consideradas como características dessa fase do ciclo vital, passaram a ser

analisadas como anormalidades. O objetivo passa a ser considerado

envelhecimento saudável.263

E, é justamente em razão desse envelhecimento saudável, almejado hoje pelo

indivíduo idoso, que a própria expectativa de vida das pessoas, de acordo com

dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),264 aumentou de forma

significativa nos últimos anos, enquanto que a taxa de mortalidade tem reduzido, o

que demonstra que efetivamente tem havido um prolongamento da vida humana. 262ROSA, Ana L. C. de. O envelhecimento na pós-modernidade. In: LEMOS, M.T.T.B.; ZABAGLIA, R.A. (Org.) A arte de envelhecer: saúde, trabalho, afetividade, Estatuto do Idoso.Rio de Janeiro: UERJ, 2004, p. 26, passim. 263Ibidem, p. 29-30, passim. 264De acordo com o censo demográfico realizado em 2004, enquanto a expectativa de vida em 1990 era de 66 anos e meio, em 2004, alcançou 75 anos e meio. Por outro lado, a taxa de mortalidade, que em 1990 era de 6,95 pessoas a cada mil habitantes, reduziu em 2004 para 6,31 pessoas a cada mil habitantes. Estatística disponível em: www.ibge.gov.br. Acesso em: 22 set. 2007.

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Com relação ao aumento da expectativa de vida, deve-se considerar, ainda,

que "o prolongamento da vida humana é um ganho social coletivo, mas também

encerra em si um perigo, um risco, uma ameaça à reprodução da vida social, pois os

custos da aposentadoria e da assistência médica são vistos como indicadores da

inviabilidade de um sistema que futuramente não poderá arcar com os gastos de

atendimento [...]".265

Segundo projeções266, o número de pessoas com cem anos de idade ou mais

aumentará quinze vezes, passando de cento e quarenta e cinco mil pessoas em

1999 para dois milhões e duzentas mil em 2050. Os centenários, no Brasil,

somavam mais de treze mil em 1991, e em 2000, chegam a vinte quatro mil e

quinhentas pessoas, ou seja, um aumento de 77%. A cidade de São Paulo é a que

tem o maior número de pessoas com cem anos ou mais (4.457), seguido pela Bahia

(2.808), Minas Gerais (2.765) e Rio de Janeiro (2.029).

Na pós-modernidade atual, parece, ao contrário do que tem entendido Braga,

que além do idoso poder contar com um grupo mais numeroso de representantes,

"tornou-se um ator não mais ausente do conjunto de discursos produzidos a seu

respeito. A velhice ganhou legitimidade e se transformou em um problema,

integrando as preocupações sociais do momento”.267

Por conseqüência, parece que viver a velhice no contexto atual da pós-

modernidade pode tomar-se ao mesmo tempo uma experiência profundamente rica

ou extremamente ameaçadora.

Em 2000, quando fora realizado o censo, apurou-se que 62,4% dos idosos

eram responsáveis pelos domicílios brasileiros, observando-se um aumento em

relação a 1991, quando os idosos responsáveis representavam 60,4%. É importante

destacar, neste contexto, que no conjunto dos domicílios brasileiros (44.795.101),

8.964.850 tinham idosos como responsáveis e representavam 20% do contingente 265ROSA, Ana L. C. de. O envelhecimento na pós-modernidade. In: LEMOS, M.T.T.B.; ZABAGLIA, R.A. (Org.) A arte de envelhecer: saúde, trabalho, afetividade, Estatuto do Idoso.Rio de Janeiro: UERJ, 2004, p. 31. 266CENSO demográfico 2000: Banco de dados agregados do IBGE. Disponível em: www.ibge.gov.br. Acesso em: 22 set. 2007. 267ROSA, op. cit.,p. 30-31.

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total. Em 1991, essa proporção ficava em torno de 18,4%. A distribuição por sexo

revela que, em 2000, 37,6% dos responsáveis idosos eram do sexo feminino268,

correspondendo a 3.370.503 de domicílios, enquanto no início da década passada

essa proporção atingia a 31,9%. Destaca-se, ainda, que a idade média do

responsável idoso, em 2000, estava em torno de 69,4 anos (70,2 anos quando o

responsável era do sexo feminino e 68,9 para o idoso responsável do sexo

masculino).269

Como se percebe, domicílios chefiados por mulheres estão se tornando cada

vez mais freqüentes no Brasil.

Entre os domicílios sob a responsabilidade de idosos, os domicílios

unipessoais, isto é, aqueles com apenas um morador, totalizavam, em 2000,

1.603.883 unidades, representando 17,9% do total. Em 1991, a proporção era de

15,4%.

Na última década, houve aumento significativo no percentual de idosos

alfabetizados do País. Se em 1991, 55,8% dos idosos declararam saber ler e

268Ver VERAS, Renato P. (Org.). Terceira idade: alternativas para uma sociedade em transição. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1999, p.36-43. O autor analisa, de forma específica, a mulher idosa, dizendo que as mulheres são responsáveis, em grande parte, pelo trabalho doméstico, por fração substancial da educação dos filhos, e, na maioria das vezes, pelo aumento da renda familiar, mas apesar de contribuírem durante toda a vida para o bem-estar de suas comunidades, elas freqüentemente terminam desamparadas, justamente numa das fases mais delicadas de suas vidas: a velhice. A dimensão dos problemas com que elas se deparam na terceira idade se amplia se for levado em conta o fenômeno chamado de "feminização da velhice". A pobreza é tida como uma das companheiras amargas da velhice. Apesar da heterogeneidade dos idosos, uma característica recorrente na maioria das sociedades é a de que as pessoas idosas são, em geral menos aquinhoadas economicamente que os adultos mais jovens da população. As idosas tendem a ser mais pobres que os idosos. Ao longo de suas vidas, as mulheres geralmente têm menores possibilidades de ganhar e economizar dinheiro, pois sua força de trabalho é ainda menos valorizada e sua participação no mercado de trabalho formal menor que a masculina. Outro dado importante é que os viúvos ainda se casam com maior freqüência do que as viúvas. Em quase todos os países o número de viúvas é maior que o número de viúvos. As taxas de novos casamentos de homens depois dos 60 anos são maiores do que entre as mulheres. A tendência dos homens de se casarem com mulheres mais jovens faz com que um número maior de mulheres idosas fiquem sem companheiro no final da vida. O fato de o casamento após os 60 anos não ser comum e de os homens ainda terem muito mais probabilidade de o efetivarem do que as mulheres, deve-se a fatores principalmente culturais: a sociedade aceita como natural um senhor idoso receber afeto e ter a companhia de uma mulher no final da vida, e, dependendo de sua situação financeira, o casamento poderá acontecer com uma mulher bem mais jovem, de 50, 40, ou menos anos. O fato inverso, porém, ainda ocorre em menos escala, ou seja, as mulheres raramente se casam com um cônjuge mais jovem. 269CENSO demográfico 1991: Banco de dados agregados do IBGE. Disponível em: www.ibge.com.br. Acesso em: 22 set. 2007 e CENSO demográfico 2000: Banco de dados agregados do IBGE. Disponível em: www.ibge.gov.br. Acesso em: 22 set. 2007.

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escrever pelo menos um bilhete simples, em 2000, esse percentual passou para

64,8%, o que representa um crescimento de 16,1% no período. Os dados fazem

parte do Perfil dos Idosos Responsáveis pelos Domicílios no Brasil e mostram que,

apesar dos avanços, ainda existem 5,1 milhões de idosos analfabetos no País.

Ora, se mais de 5 milhões de idosos são analfabetos, significa que o direito à

educação não lhes está sendo assegurado. É preciso, então, em razão disso, a fim

de que se possa cumprir a determinação da Carta de 1988, contida nos artigos 205

e 208, I, de que todos têm direito à educação, iniciar, o quanto antes, um conjunto

de ações voltadas não somente a alfabetizar essas pessoas, como também politizá-

las, de maneira que sejam efetivamente inseridas em seu ambiente.

Em relação ao gênero, os homens continuam sendo, proporcionalmente, mais

alfabetizados do que as mulheres (67,7% contra 62,6%, respectivamente), já que até

os anos sessenta tinham mais acesso à escola do que as mulheres.

No caso dos idosos responsáveis pelo domicílio, os índices também

melhoraram no período de 1991/2000, com aumentos significativos, tanto na

proporção de alfabetizados, como no nível de escolaridade desses idosos.

Quanto ao número de anos de estudo dos idosos responsáveis pelo domicílio,

o resultado do Censo 2000 revela, ainda, uma média muito baixa - apenas 3,4 anos

(3,5 anos para os homens e 3,1 anos para as mulheres). Na comparação com 1991,

houve aumento nesta média para ambos os sexos, mas o crescimento relativo na

média das mulheres foi maior do que o dos homens: 29,2% e 25,0%,

respectivamente. Niterói (8,2), no Rio de Janeiro, e Águas de São Pedro (7,3), em

São Paulo, têm a maior média de anos de estudo dos idosos no País e Novo Santo

Antônio e Barra D´Alcântara, ambos no Piauí, empataram com a menor média (0,2).

Apesar dos avanços, a proporção de idosos com escolaridade mais alta ainda

é pequena. Em 1991, 2,4% dos idosos tinham de cinco a sete anos de estudo, em

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2000, essa proporção passa para 4,2%. Para aqueles que concluíram pelo menos o

ensino médio, a proporção passou de 7,5% para 10,5%, um aumento de 40%.270

É de ser observado, ainda, que a proporção de chefes com educação superior

à do seu pai decresce monotonicamente de 80% no grupo entre 15 e 20 anos para

27% entre 60 e 65 anos. Esse movimento indica uma aceleração da expansão do

nível educacional dos chefes quando comparada com a geração dos seus pais e

mães nos últimos 40 anos. Por outro lado, a proporção de cônjuges com nível de

escolaridade superior ao dos seus pais apresenta um crescimento de 55% nos

grupos entre 15 e 20 anos para 60% nos grupos entre 25 e 30 anos, decrescendo

logo em seguida, atingindo aproximadamente 20% entre 50 e 55 anos. Essa

evidência sugere que a taxa de expansão da escolaridade dos cônjuges entre as

gerações se acelerou durante os últimos 30 anos.271

Com relação ao rendimento dos idosos, também percebe-se elevação. De

1991 a 2000, o rendimento dos idosos cresceu 63%, passando de uma média de

quatrocentos e três reais para seiscentos e cinqüenta e sete reais, sendo que, no

geral, os homens ganham mais do que as mulheres.272

270Ver NERI, M.; NASCIMENTO, M.; PINTO, A. O acesso ao capital dos idosos brasileiros: uma perspectiva do ciclo da vida. Rio de Janeiro: IPEA, 1999. Disponível em: www.ipea.gov.br/default.jsp. Acesso em: 29 set. 2007. Segundo os autores, a escolaridade dos chefes de domicílios mais velhos é inferior à dos mais jovens. É importante ressaltar que os primeiros estágios do ciclo de vida dos chefes não devem ser considerados, pois até os 25 anos em média os indivíduos ainda estão estudando e acumulando capital humano. A média de anos de estudo dos chefes alcança o pico entre 30 e 35 anos e decresce monotonicamente a partir desse ponto. Entre os chefes com mais de sessenta anos de idade essa estatística corresponde a 2,8. Assim, os mais idosos apresentam não só um menor nível educacional, como também uma menor taxa de expansão em relação às gerações mais novas. 271Ibidem. Note-se, segundo estes dados, que a proporção de pessoas com grau de escolaridade estritamente superior ao da mãe ou ao do pai é menor entre os últimos grupos etários. Esses resultados mostram que a taxa de mobilidade de expansão educacional foi menor entre os idosos. 272Ver sobre o perfil financeiro dos idosos em NERI, M.; NASCIMENTO, M.; CARVALHO, K. Ciclo de vida e motivações financeiras(com especial atenção aos idosos brasileiros). Rio de Janeiro: IPEA, 1999. Disponível em: www.ipea.gov.br/default.jsp. Acesso em: 29 set. 2007. Segundo esta pesquisa, que dividiu os indivíduos em três grupos: 18 a 29 anos, período em que estão entrando no mercado de trabalho e começam a adquirir bens e acumular ativos; 30 a 49 anos, auge profissional e, portanto, intensificação do processo de acumulação de ativos; e mais de 50 anos, onde os idosos se inserem, quando inicia o processo de aposentadoria. Esta pesquisa mostra que em 1987, 53% dos adultos possuíam algum ativo financeiro. Essa estatística aumenta à medida que se caminha para grupos mais velhos, ou seja, de 48% entre os mais jovens para 57% entre os mais velhos. Também mostra que o ativo financeiro popular no Brasil é a caderneta de poupança: 82% dos indivíduos que possuem algum ativo financeiro têm caderneta de poupança. Os poupadores com mais de 50 anos são os que mais a utilizam (87%). A alta proporção de aplicadores em caderneta de poupança entre a população significa que pouco se perde quando se restringe o espectro de ativos financeiros a esse ativo. Uma primeira explicação para a popularidade das cadernetas reside nos baixos pisos de mínimos de renda

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Embora os dois últimos Censos tenham revelado que a renda média do idoso

ainda é menor do que a da população de dez anos ou mais de idade, seu

crescimento foi maior, atingindo 63% entre 1991 e 2000 contra 42% da população

de dez anos ou mais. Essa tendência repete-se na desagregação por áreas urbanas

e rurais, com destaque para essas últimas que apresentaram um crescimento no

rendimento médio dos idosos de quase 77%.

Essa diferença no crescimento do rendimento entre áreas urbanas e rurais

reflete a desigualdade na distribuição dos rendimentos. Segundo os resultados do

Censo 2000, a renda dos idosos na área rural representa cerca de 40% da urbana,

proporção similar a encontrada em 1991. Os dados revelam que não houve melhora

significativa na última década. Observa-se que, entre as Unidades da Federação, há

uma grande diversidade socioeconômica no País.

Em geral, os estados cujas áreas rurais são mais desenvolvidas, como os do

Sul, de São Paulo e da fronteira agrícola dos cerrados (região Centro-Oeste e

Rondônia), têm rendimentos médio urbano e rural para os idosos bastante próximos.

Por outro lado, o rendimento na área rural nos estados das regiões Norte e Nordeste

representa, em média, menos que a metade do urbano. Esse resultado é

influenciado pelos altos índices de pobreza na área rural encontrados nesses

estados.

exigidos para a sua abertura. Por outro lado, a preferência pela caderneta de poupança entre os idosos pode ser compreendida pelo fato de que apenas 2% dos indivíduos com mais de 50 anos justificam por uma "não posse de cadernetas" o fato de preferirem outro ativo, justificativa apresentada por aproximadamente 38% dos poupadores entre 18 e 35 anos. A popularidade das cadernetas de poupança entre os mais velhos pode ser explicada por dois motivos: primeiro, estes não participaram tão ativamente das inovações do mercado financeiro, como fundos de ações operações em mercado aberto etc. Em segundo lugar, eles tendem a ser mais conservadores, preferindo a caderneta de poupança por ser uma das aplicações financeiras mais seguras. O principal objetivo para a maioria dos poupadores ao abrir uma caderneta de poupança é utilizar o dinheiro poupado em uma emergência(44%). Essa motivação se apresenta mais forte para os poupadores com mais de 50 anos (51%). Dessa forma, a maioria dos indivíduos declarou que poupa para se proteger de incertezas de renda. A segunda maior motivação para os poupadores é economizar para o futuro, que, conforme esperado, é ligeiramente maior entre os mais jovens(30%) do que entre os mais velhos (28%). Quanto à intenção de investir na caderneta de poupança no futuro diminui quando se caminha para grupos de idade mais velhos, entre os indivíduos na faixa de 18 a 29 anos. Esta proporção corresponde a 78% contra 63% entre os indivíduos com mais de 50 anos. Os mais jovens são os que depositam dinheiro na poupança com mais freqüência. O principal motivo entre os mais velhos para não depositar na caderneta de poupança é o fato de não sobrar dinheiro (93%), enquanto a preferência por outras aplicações é um dos motivos relevantes para os mais jovens (21% contra 2% entre os mais velhos).

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Entre os estados, o Distrito Federal e o Rio de Janeiro têm os maiores

rendimentos médios para os idosos, oscilando entre um mil e setecentos reais e um

mil e dezoito reais, respectivamente, seguidos pelos demais estados da região

Sudeste e Sul. Já os estados do Nordeste têm os menores rendimentos, com

destaque para o Maranhão, onde os idosos recebem, em média, duzentos e oitenta

e sete reais.

Em geral, o estudo da distribuição dos rendimentos entre os idosos

responsáveis pelos domicílios indica uma pequena melhora no período analisado:

enquanto em 1991 mais da metade dos idosos responsáveis do País (52,1%)

recebia até um salário mínimo, em 2000 esta proporção cai para 44,5%. O Censo

2000 também revelou um considerável aumento da população idosa que recebia em

média mais de cinco salários. 273

Analisando-se cada área isoladamente, observa-se que, se em 1991 45,8%

dos idosos responsáveis que viviam na área urbana recebiam até um salário

mínimo, em 2000 esta proporção passa para 39,8%. No mesmo período, a

proporção de idosos recebendo mais de cinco salários aumentou sete pontos

percentuais. Já na área rural, a proporção de idosos responsáveis que recebiam até

um salário mínimo passou de 72,3% em 1991 para 65,0% em 2000.

Embora a renda proveniente do trabalho seja, em geral, responsável pela maior

parte da renda familiar, no tocante aos idosos, o mesmo não acontece. No caso dos

273Ver MARTÍ, Jordi V. Envejecimiento y atención social: elementos para su análisis y planificación. Barcelona: Herder, 2000, p. 80; 94-95. Na Espanha, também em 2000, em torno de 50% das pessoas com mais de 65 anos tinham ganhos econômicos inferiores ao salário mínimo; uns 30% ganhos compreendidos entre uma e duas vezes o salário mínimo, e 20% superiores ao dobro do salário mínimo. Com o objetivo de buscar saber algumas características específicas deste grupo populacional, em função do seu ganho com relação ao salário mínimo, a população com mais de 65 anos de idade foi distribuída em três grandes grupos. A população com mais de 65 anos de idade e com ganhos inferiores ao salário mínimo, é constituída por pessoas que se encontram em uma situação econômica mais precária, se concentrando, em sua grande maioria como usuários dos setores públicos. A população com mais de 65 anos de idade, com ganhos compreendidos entre uma e duas vezes o salário mínimo, são pessoas que possuem condições econômicas suficientes para os gastos da vida cotidiana, mas não para pagar os preços do mercado da maioria dos serviços disponíveis. São, portanto, um grupo que carrega consigo a denominação de rico para fazer uso dos serviços públicos e, ao mesmo tempo, pobres, para fazer uso dos serviços oferecidos pelo setor privado. Por fim, a população de mais de 65 anos de idade com ganhos superiores a duas vezes o salário-mínimo, são pessoas que possuem um suporte financeiro capaz de suportar os preços de mercado.

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idosos homens, os dados da PNAD274 mostram que, em 1999, os rendimentos de

aposentadoria representavam o principal componente da renda (54,1%), enquanto o

rendimento do trabalho respondia por apenas 36%. Já para as idosas, quase 80%

da renda era formada pelos rendimentos de pensão e aposentadoria.275

Isto se deve, com toda a certeza, em razão de que os idosos são vítimas

preferenciais da discriminação no mercado de trabalho. Essa discriminação é tão

intensa que o próprio mercado chega a envelhecer as pessoas precocemente, ou

seja, aquela de quarenta anos ou menos que já não encontra emprego com tanta

facilidade.

O Censo Previdenciário, que já recadastrou 16.620.982 (dezesseis milhões,

seiscentos e vinte mil e novecentos e oitenta e dois) aposentados e pensionistas do

Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), confirmou a existência de

491.216(quatrocentos e noventa e um mil e duzentos e dezesseis) brasileiros,

beneficiários da Previdência Social, com mais de 90(noventa) anos e 159(cento e

cinqüenta e nove) têm mais de 110(cento e dez) anos e, em alguns casos, ainda são

os únicos membros da família com renda garantida todos os meses.276

O Censo Previdenciário, que começou em novembro de 2005, atualizou os

dados cadastrais do INSS e permite mostrar com segurança as diversas faixas

etárias de beneficiários, o que facilita o planejamento de políticas públicas para os

idosos de todo o País. Segundo o Censo do Ministério da Previdência, que ainda

está em andamento, o faixa etária com maior número de beneficiários é a que vai

dos 70 anos aos 74 anos (2.728.542). Em segundo lugar está a faixa de 65 a 69

274PERFIL DOS IDOSOS RESPONSÁVEIS PELOS DOMICÍLIOS. Desenvolvido pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/25072002pidoso.shtm. Acesso em: 22 out. 2007. 275Segundo FERNÁNDEZ, L. V.D.; BARBARRUSA, T. G. Las personas mayores y su situación de dependência em España: informe para la fundación consejo general de la abogacia española. Madrid: Dykinson, 2006, p. 53. Na españa, os principais rendimentos das pessoas idosas procedem basicamente de três fontes: de seu patrimônio, das pensões e outros benefícios, e, ainda, do direito a alimentos. Em españa, em 2001, quase nove de cada dez idosos (87,2%) residem uma habitação de sua propriedade. Entre as mulheres, observa-se que 86,4% habita em uma moradia própria. 276MINISTÉRIO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. Desenvolvido pela Previdência Social. 2007. Apresenta informações sobre o Censo Previdenciário. Disponível em: http://www.previdencia.gov.br?agprev/agprev_mostraNoticia.asp?Id=28121&ATVD=1...Acesso em: 04 set. 2007.

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(2.710.768); depois vêm os segurados que têm entre 75 e 79 (2.316.712); 60 e 64

(2.036.549), 80 a 84 (1.563.676) e 55 a 59 (1.405.262).277

É importante verificar, por outro lado, ainda que não se trate de um dado

estatístico nacional, que uma pesquisa do Instituto de Geriatria e Gerontologia da

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, realizada no ano de 2006,

mostra que a maioria dos porto-alegrenses da terceira idade realizam sozinhos as

tarefas do dia-a-dia278 e estão satisfeitos com a sua qualidade de vida.279

É de ser destacado, ainda, que não é entre adolescentes desinformados e

jovens de rotina sexual movimentada que a Aids mais cresce no Brasil. A população

mais velha se tornou, no novo milênio, aquela em que os casos de infecção pelo HIV

277MINISTÉRIO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. Desenvolvido pela Previdência Social. 2007. Apresenta informações sobre o Censo Previdenciário. Disponível em: http://www.previdencia.gov.br?agprev/agprev_mostraNoticia.asp?Id=28121&ATVD=1...Acesso em: 04 set. 2007. 278Analisar, como forma de fazer um comparativo, FERNÁNDEZ, L. V.D.; BARBARRUSA, T. G. Las personas mayores y su situación de dependência em España: informe para la fundación consejo general de la abogacia española. Madrid: Dykinson, 2006, p. 71; 77; 140-141. No ano de 1999, na Espanha, o número total de pessoas com incapacidade para os atos da vida diária alcançava 2.486.322. Deste número, 64,14% tinham 65 anos ou mais. A previsão para o ano de 2010, é de que o total de pessoas incapazes para as atividades da vida diária seja de 2.782.590, onde destes, 67,85% terão 65 anos ou mais. Para 2015, a expectativa é de que os números cheguem a 3.504.562, onde os maiores de 65 anos representem 70,13%. O autor indica, ao final, que uma de cada quatro pessoas de mais de 65 anos de idade precisa de algum tipo de ajuda para a realização das atividades da vida cotidiana. Aproximadamente sete de cada dez pessoas com mais de 65 anos de idade que precisam de algum tipo de ajuda para a realização das atividades diárias, recebem esta ajuda do setor informal. Na atualidade, somente três de cada dez pessoas que precisam de ajuda ou atenção, a recebem mediante algum tipo de serviço profissional. 279GONZATTO, Marcelo. Idosos e independentes. Jornal Zero Hora, Porto Alegre, 12 jul. 2006. Caderno Geral, p. 28. De acordo com a matéria, o retrato dos idosos porto-alegrenses revelado por dados preliminares de uma pesquisa mostra homens e mulheres independentes, ativos e satisfeitos com sua qualidade de vida. O levantamento indica que quatro entre dez pessoas da terceira idade fazem sexo regularmente na Capital, mas também serve de alerta para os perigos da obesidade. O projeto Idosos de Porto Alegre, do Instituto de Geriatria e Gerontologia (IGG) da PUCRS com apoio do Hospital São Lucas, ouviu 1.164 idosos selecionados com base em critérios estatísticos de janeiro a julho de 2006. Uma das conclusões prévias é que a população com mais de 60 anos é menos dependente do que sua idade permite imaginar. As respostas indicam que 68,2% dos entrevistados vivem com independência, dispensando auxílio para tarefas do dia-a-dia como alimentar-se, vestir-se e locomover-se. Outros 21,5% manifestam dependência moderada. A conclusão é de que um em cada 10 idosos precisa de ajuda freqüente para viver. O percentual de pessoas que sofrem necessidade severa de amparo, exigindo presença constante de outra pessoa, não chega a 1%. Essa disposição se reflete na qualidade de vida. Respondendo a um questionário em que podiam dar notas de 4 a 20 para seu grau de satisfação, a avaliação da qualidade de vida e saúde ficou com 14,7, e um quarto dos entrevistados obteve total superior a 17,3. Motivados por mudanças culturais e avanços científicos como o viagra, a parcela mais vivida da população demonstra apetite para o sexo. Dos entrevistados, 37,5% afirmaram manter relações sexuais freqüentemente. O que causou preocupação, na verdade, foi o índice de obesidade observado entre as mulheres, mais propensas a ganhar peso na velhice: 75%. Outro dado inquietante é o alto consumo de medicamentos.

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mais avançaram. Desde 2002, as notificações acima dos 50 anos de idade são mais

numerosas do que na faixa etária dos 13 aos 24 anos. Em 2005, foram registrados

4.153 casos de infecção por HIV na população acima dos 50 anos, quase três vezes

mais do que em 1995. Nas outras faixas etárias, a epidemia aumentou apenas 1,3

vez.280

Outro dado importante que precisa ser destacado aqui é que, no Brasil, a taxa

de acesso do chefe de domicílio à casa própria quitada, de forma geral, aumenta

monotonicamente à medida que se caminha para grupos mais velhos. O acesso a

moradia por tipo de financiamento entre os chefes de domicílios idosos, com mais de

sessenta anos de idade, é dividido aproximadamente da seguinte maneira: 83%

moram em casa própria já paga e 14% moram em casas alugadas ou cedidas.

Essas estatísticas para o restante da população correspondem, em média, 66% e

27%, respectivamente.281

Cerca de 77% das famílias chefiadas por idosos com mais de 60 anos de idade

possuem filtro e 97% geladeira. No caso das demais famílias, essas estatísticas

correspondem em média a 66% e 93%, respectivamente. Por outro lado, produtos

considerados de luxo e introduzidos mais recentemente não foram completamente

assimilados pelos idosos.282

De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de

1996, o acesso a serviços públicos em geral aumenta com a idade. Entre o grupo

com mais de sessenta anos, 97% têm acesso a água canalizada, 90% a esgoto e

94% a coleta de lixo. O acesso para os demais grupos de idade em média é de 95%

para água canalizada, 84% para esgoto e 90% para coleta de lixo.

280MELO, I.; LISBOA, S. O HIV envelhece. Jornal Zero Hora, Porto Alegre, 23 set. 2007. Caderno Geral, p. 44. De acordo com a matéria, a multiplicação do HIV entre idosos colocou as autoridades e organizações que atuam na prevenção em alerta. Nos últimos meses, voluntários do Grupo de Apoio à prevenção da Aids(Gapa-RS) passaram a percorrer bailes da terceira idade da Capital, onde distribuem material impresso com orientação sobre a doença, entregam camisinhas e, usando modelos de plástico dos órgãos sexuais, mostram na prática aos idosos como colocar os preservativos masculino e feminino. A ação é apoiada pela Secretaria Estadual da Saúde. 281Ver: NERI, M.; NASCIMENTO, M.; CARVALHO, K. Ciclo de vida e motivações financeiras(com especial atenção aos idosos brasileiros). Rio de Janeiro: IPEA, 1999. Disponível em: www.ipea.gov.br/default.jsp. Acesso em: 29 set. 2007. 282Ibidem.

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No que tange à participação dos idosos em atividades políticas, percebe-se

que as taxas de filiação formal para campanhas políticas são pequenas, alcançando

valores mais expressivos nos grupos intermediários de idade (5% em média). Para

os idosos essa estatística corresponde a 2,9%, contra cerca de 4% em média entre

os demais grupos etários. A baixa taxa de filiação pode ser resultado de altos

requerimentos para uma filiação política em termos de participação efetiva. A taxa de

participação daqueles que são membros de partidos também é menor entre os

idosos, uma vez que entre os filiados, com mais de sessenta anos de idade, apenas

21% participam de atividades em partidos políticos, para os demais grupos etários

esse percentual corresponde a aproximadamente 37%.283

Segundo a classificação de cor do IBGE, 41% da população adulta não idosa

declaram-se brancos, 37% pardos e 14% da cor preta. Entre os idosos, metade

declara-se de cor branca (51%), 31% pardos e 12% da cor preta. Com relação à

religião, a predominância da católica (62% na população não idosa) se acentua

entre os idosos (73%). A evangélica é maior entre os não idosos (26%) do que entre

o total de idosos (21%), mas entre as idosas é 11 pontos percentuais (26%) mais

alta que a observada entre os homens idosos (15%).284

Entre adultos não idosos285, 80% passaram a maior parte da vida em cidades e

apenas 14% no campo. Já entre os idosos apenas metade passou a maior parte da

283NERI, M.; NASCIMENTO, M.; CARVALHO, K. Ciclo de vida e motivações financeiras(com especial atenção aos idosos brasileiros). Rio de Janeiro: IPEA, 1999. Disponível em: www.ipea.gov.br/default.jsp. Acesso em: 29 set. 2007. Este fator deve-se principalmente em razão de que o percentual de chefes que apresentam simpatia por algum partido político também decresce com a idade, ou seja, 17% dos chefes com mais de sessenta anos contra 22%, em média, entre os demais. Uma questão curiosa é que entre os chefes de domicílio com idade superior a sessenta anos, 75% sabem o nome correto do presidente da república e 62% sabem o nome correto do prefeito, governador e presidente, contra 83% e 68%, respectivamente, entre os demais. 284CENSO demográfico 2000: Banco de dados agregados do IBGE. Disponível em: www.ibge.com.br. Acesso em: 22 set. 2007. 285IDOSOS NO BRASIL: VIVÊNCIAS, DESAFIOS E EXPECTATIVAS NA 3ª IDADE. Disponível em: http://www2.fpa.org.br/portal/modules/news/article.php?storyid=1643. Acesso em: 22 out. 2007. A Fundação Perseu Abramo, por meio de seu Núcleo de Opinião Pública, em parceria com o SESC Nacional e SESC São Paulo realizou de 01 a 23 de abril de 2006 a pesquisa Idosos no Brasil – Vivências, desafios e expectativas na 3ª idade. Os resultados foram apurados a partir de questionários respondidos por 3.759 brasileiros e brasileiras, distribuídos nas cinco regiões do país. O cientista político Gustavo Venturi, do Núcleo de Opinião Pública da Fundação, que coordenou a pesquisa "Idosos no Brasil - Vivências, desafios e expectativas na 3ª idade", destacou algumas constatações do estudo, tais como: o estudo apresenta um perfil sócio-demográfico dos idosos no país e registra percepções da velhice e auto-imagem da pessoa idosa. Desvenda o desconhecimento dos direitos dos idosos e as demandas por saúde, acessibilidade, educação, tempo livre etc. E ainda

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vida no meio urbano (51%), 38% viveram mais tempo no meio rural e 10% dividiram

seu tempo de vida entre a cidade e o campo.

A pesquisa acusa, ainda, que a maioria da população idosa (73%) sabe da

existência do Estatuto do Idoso, porém quase sempre apenas por ouvir falar (61%).

O desconhecimento total é maior entre os idosos (27%) que entre os não idosos

(18%). Questionados sobre quais direitos o Estatuto do Idoso não poderia deixar de

ter, três em cada quatro idosos (77%) citam espontaneamente algum direito social,

com destaque para o direito à saúde (45%), seguido pelo direito à aposentadoria ou

pensão (30%).286

A violência287, desrespeito ou mau trato é algo presente na vida dos idosos,

muito embora, espontaneamente, só 15% relatem alguma ocorrência. Entre os

homens há maior percepção de violência (18%, contra 13% entre as mulheres). Os

relatos variam de casos de violência urbana como assaltos e estupros, cometidos

por desconhecidos, à violência doméstica física, como espancamentos e atentados

contra a vida, ou psíquica, com humilhações sistemáticas, cometidos por familiares,

passando pela violência institucional de desrespeito aos direitos dos idosos,

cometida por agentes públicos em hospitais, mercados e principalmente no

transporte público.288

Dentre as formas de violência sugeridas, as mais sofridas pelos idosos foram

ofensas, tratamento com ironia, gozação, humilhação ou menosprezo devido à idade

(17%), ficar sem remédios ou tratamento adequado quando necessário (14%); a

apresenta uma radiografia das relações familiares, dos laços afetivos, moradia e percepções da morte. Nos últimos anos, a Fundação Perseu Abramo (FPA) fez pesquisas nacionais para traçar o perfil da nossa juventude e das mulheres, além de uma detalhada pesquisa sobre o racismo. Durante o lançamento da última pesquisa, o presidente da instituição, Hamilton Pereira, lembrou que "o mercado não tem solução para a proteção dos idosos. Este tema não pode ser o da competição, mas o da solidariedade". 285PERCEPÇÕES DA VELHICE E AUTO-IMAGEM DA PESSOA IDOSA. Disponível em: http://www2.fpa.org.br/portal/modules/news/article.php?storyid=3517. Acesso em: 22 out. 2007. 286Sobre a violência contra o idoso ver BRAGA, Pérola M. V. Direitos dos idosos. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 59-69. A autora, ao trabalhar a questão da violência contra o idoso, menciona que, ao contrário do que possa parecer, o problema da violência contra o idoso começa exatamente na falta de trabalho. 287PERCEPÇÕES DA VELHICE E AUTO-IMAGEM DA PESSOA IDOSA. Disponível em: http://www2.fpa.org.br/portal/modules/news/article.php?storyid=3517. Acesso em: 22 out. 2007.

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recusa de algum trabalho ou emprego por causa da idade ou ser ameaçado/

aterrorizado (7% cada) e serem submetidos a violência física ou lesão corporal

(5%).289

A grande maioria dos idosos possui alguma doença290 (81%), tendo-se

reportado 16 enfermidades que atingem pelo menos 5% da população idosa. Dentre

elas a hipertensão atinge quase metade da população brasileira idosa (43%).

Problemas de visão e de coluna são comuns a 26% e 23%, respectivamente, e 13%

sofrem de diabetes, problemas cardíacos ou têm colesterol alto.291

Com os transportes públicos 21% dos idosos encontram dificuldades, o que

corresponde a 1/4 da população idosa usuária, uma vez que 19% dos idosos

afirmam não usar transporte público. A altura dos degraus dos ônibus é a principal

dificuldade apontada (8%), mais reclamada entre as mulheres (11%, contra 4% entre

os homens) e variando de 9% entre as que possuem entre 60 e 69 anos a 16% entre

as com 80 anos ou mais. Outras dificuldades percebidas são o fato de os ônibus não

pararem para os idosos e o mau atendimento que motoristas e cobradores dedicam

aos idosos (5% cada). 292

É de ser observado, ainda, que praticamente a totalidade dos idosos (94%)

sabe que as pessoas a partir dos 65 anos têm direito a usar transporte público

gratuitamente, no entanto somente metade deles (46%) faz uso deste benefício.293

Embora quase a totalidade da população idosa afirme já ter visto um

computador (90%, contra 98% dos não idosos), apenas 10% costumam utilizar

289PERCEPÇÕES DA VELHICE E AUTO-IMAGEM DA PESSOA IDOSA. Disponível em: http://www2.fpa.org.br/portal/modules/news/article.php?storyid=3517. Acesso em: 22 out. 2007. 290Ver FORTES, Vera L. F. Insuficiência renal crônica em idosos: breves reflexões. In: PASQUALOTTI, A.; PORTELLA, M. R.; BETTINELLI, L. A. Envelhecimento humano: desafios e perspectivas. Passo Fundo: UPF, 2004, p. 256- 268. Segundo a autora, a incidência da doença renal crônica no Brasil preocupa o Ministério da Saúde, uma vez que, de 2002 a 2003, houve um acréscimo de 32% nos procedimentos de diálise, sendo 56% dos casos de insuficiência renal crônica decorrentes de hipertensão arterial e diabetes. 291DEMANDAS SETORIAIS(SAÚDE, ACESSIBILIDADE, EDUCAÇÃO, FORMAÇÃO, INFORMAÇÃO, APOSENTADORIA, TEMPO LIVRE, LAZER E ATIVIDADES FÍSICAS).Disponível em:http://www2.fpa.org.br/portal/modules/news/article.php?storyid=3520. Acesso em: 22 out. 2007. 292Ibidem. 293Ibidem.

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computador294 sempre (3%) ou ao menos eventualmente (7%) – ao passo que a

maioria dos não idosos (55%) usa computador sempre (24%) ou de vez em quando

(31%). Em relação à Internet ocorre algo semelhante: a maioria da população idosa

afirma saber o que é (64%, contra 92% dos não idosos), mas apenas 4% costumam

navegar na rede sempre (1%) ou ao menos eventualmente (3%) – enquanto quase

metade dos não idosos (45%) usa a Internet sempre (21%) ou de vez em quando

(24%).295

Entre as atividades de lazer mais realizadas, assistir TV é uma prática quase

unânime entre os idosos brasileiros (93%). Ouvir rádio faz parte do lazer de 80% dos

idosos e cuidar de plantas é prática de cerca de dois terços deles (63%) e mais

realizada entre as mulheres (72%, contra 52% entre os homens). Cerca de metade

dos idosos tem o hábito de ler (52%) e 43% cuidam de animais.296

Outras atividades como cantar, jogar (dominó, cartas ou xadrez), ou mesmo as

atividades manuais como bordado e tricô mobilizam ainda parcela razoável de

idosos (23%, 19% e 16%, respectivamente), sendo a prática do canto e das

atividades manuais acentuada entre as mulheres, enquanto os jogos são mais

praticados pelos homens.297

Com relação às atividades físicas, a metade dos idosos brasileiros costuma

fazer caminhada (51%), atividade mais praticada entre os homens (57%, contra 46%

entre as mulheres). Entre os 51% de idosos que costumam fazer caminhadas, a

maior parte (22%) o faz todos os dias, 6% de 3 a 5 vezes por semana e 13% 1 ou 2

vezes por semana. Os homens praticam caminhada diariamente duas vezes mais

294Ver PASQUALOTTI, Adriano. Pessoas idosas, cérebro e computador: ambientes de aprendizagem e os processos de conhecimento. In: ____. Envelhecimento humano: desafios e perspectivas. Passo Fundo: UPF, 2004, p. 73-94. O autor refere que um trabalho executado pelo idoso com o auxílio do computador é enriquecedor pelo fato de oportunizar a construção de conhecimento e a aprendizagem contínua, despertando seu interesse e pensamento crítico. 295DEMANDAS SETORIAIS(SAÚDE, ACESSIBILIDADE, EDUCAÇÃO, FORMAÇÃO, INFORMAÇÃO, APOSENTADORIA, TEMPO LIVRE, LAZER E ATIVIDADES FÍSICAS).Disponível em:http://www2.fpa.org.br/portal/modules/news/article.php?storyid=3520. Acesso em: 22 out. 2007. 296Ibidem 297Ibidem.

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que as mulheres (30%, contra 15%). E, entre ambos, a prática da caminhada diminui

conforme aumenta a idade.298

O alongamento faz parte das atividades físicas de 12% dos idosos, 9% andam

de bicicleta e 8% fazem ginástica. As mulheres praticam o alongamento um pouco

mais do que os homens (14%, contra 9%) e entre os homens idosos 18% têm o

hábito de andar de bicicleta, enquanto só 2% das mulheres idosas têm essa

prática.299

O benefício de desconto de 50% na entrada de cinemas, teatros e espetáculos

musicais para pessoas que possuem 60 anos ou mais é do conhecimento de

metade dos idosos brasileiros (52%), mas somente 12% já utilizaram esse benefício.

Os homens com idade mais avançada são os que mais o desconhecem (72%) e as

idosas utilizam esse direito mais do que os homens (14%, contra 9%).300

Analisados, desta forma, alguns referenciais estatísticos sobre a situação do

idoso no Brasil de hoje, passa-se, a seguir, a trabalhar o idoso como sujeito de

dignidade na ordem constitucional.

2.4 O idoso como sujeito de dignidade na ordem constitucional brasileira

Inicialmente, é importante referir, fazendo um estudo retrospectivo das

Constituições Brasileiras, que, enquanto a preocupação do legislador em proteger a

infância e adolescência existe desde a Carta Magna de 1934, a preocupação com o

idoso somente passou a ser tratada como direito fundamental na Carta Magna de

1988, em vigor.

As Constituições Brasileiras, anteriores a de 1988, não privilegiaram o direito a

uma velhice digna a todos os cidadãos. Trataram, quanto muito, da velhice apenas

na Ordem Econômica e Social, e somente a partir de 1934. Não se preocupando os

298DEMANDAS SETORIAIS(SAÚDE, ACESSIBILIDADE, EDUCAÇÃO, FORMAÇÃO, INFORMAÇÃO, APOSENTADORIA, TEMPO LIVRE, LAZER E ATIVIDADES FÍSICAS).Disponível em:http://www2.fpa.org.br/portal/modules/news/article.php?storyid=3520. Acesso em: 22 out. 2007. 299Ibidem. 300Ibidem.

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governantes brasileiros com os direitos humanos fundamentais, a maior parte da

população sequer chegou à velhice, pois as condições de vida no país eram as

piores possíveis.301

A Constituição Política do Império do Brasil, outorgada em 1824302, não fez

qualquer alusão à velhice. Nenhum dos seus 179 artigos dedicou uma palavra à

proteção dessa fase da vida, mesmo usando terminologia alternativa como ancião

ou idoso. O mesmo, praticamente, aconteceu com a Constituição da República dos

Estados Unidos do Brasil, promulgada em 1891303. Essa Constituição, no seu artigo

75, apesar de ter feito referência à possibilidade de aposentadoria do servidor

público, fê-lo apenas tendo em vista a invalidez, e não a idade. Ainda nessa mesma

Constituição, na parte das Disposições Transitórias, o artigo 6˚ tratou da

possibilidade de aposentadoria por tempo de serviço, mas, ainda assim, somente

para magistrados que tivessem mais de 30 anos de serviço público.304

301RAMOS, Paulo R. B. A velhice na constituição. Revista de Direito Constitucional e Internacional, São Paulo, n. 30, jan./mar. 2000, p.198-199. Segundo o autor, nem sequer a tecnologia médica, que ajudou a envelhecer artificialmente grande parte da população, teve espaço no país neste período. 302Ver ROCHA, Daniel M. da. O direito fundamental à previdência social: na perspectiva dos princípios constitucionais diretivos do sistema previdenciário brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 48-50. O autor, ao apresentar uma evolução constitucional da Previdência Social, faz alusão a Constituição de 1824, dizendo que ela germinou embebida na ideologia liberal do século XVIII, cujos traços mais relevantes são as idéias de que, partindo de um direito natural preexistente, os homens constituem um Estado baseado no consenso para a salvaguarda dos direitos naturais; da necessidade de separação dos poderes; da tolerância religiosa; e do direito de resistência contra os tiranos.No âmbito dela, o papel reservado ao Estado consistia em legislar, gerir o próprio patrimônio, prover as despesas, realizar serviços públicos, organizar a sua defesa interna e externa e a da população e reprimir os crimes contra a pessoa e o patrimônio. Nesse contexto, as constituições da época anelavam limitar a intervenção estatal ao mínimo possível, pois os cidadãos livres e iguais poderiam estabelecer adequadamente as suas próprias regras nas relações entabuladas entre si. A Carta foi outorgada em um país que se esforçava por fazer a transição entre sua herança colonial para uma monarquia institucional, em condições bastante desfavoráveis como atraso político, econômico e social e despreparo de sua elite, incapaz de enxergar além do próprio umbigo e no qual o processo de industrialização será consolidado muito mais tarde. 303Ibidem, p. 50-54. A Constituição de 1891, a mais concisa que o Brasil já teve (91 artigos e mais 8 disposições transitórias), inspirou-se, basicamente, no constitucionalismo americano, cujo modelo federalista se pretendia implantar no Brasil. Nessa Carta ainda não houve preocupação de disciplinar a ordem econômica e social. A declaração de direitos contemplada nessa Lei Fundamental preocupava-se em tutelar a liberdade, a segurança individual e a propriedade. Na constituição, a previdência social principiou por atender os trabalhadores dos serviços públicos. No seu artigo 75, pela primeira vez, previu a concessão de aposentadoria para quem se invalidasse a serviço da nação. Esse dispositivo, provavelmente, foi inspirado na Constituição Francesa de 1799. Em que pese a restrição subjetiva e limitação prestacional, tratou-se de relevantíssimo precedente em matéria de proteção social no Brasil. 304RAMOS, op. cit.,p.199. O autor refere que se houve alguma preocupação com a velhice na Constituição de 1891, essa preocupação esteve voltada apenas para garantir os interesses de uma parte da burocracia e não os de toda uma população, até mesmo porque quem tinha chance de chegar a essa vida eram apenas os integrantes da elite, especialmente a burocrática.

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Diferentemente das Constituições anteriores, a Constituição dos Estados

Unidos do Brasil, promulgada em 1934305, abriu um título dedicado à Ordem

Econômica e Social, no qual dispôs, no artigo 121, §1˚, que a legislação do trabalho

deveria garantir assistência previdenciária, mediante contribuição igual da União, do

empregador e do empregado, a favor, inclusive da velhice. Entretanto, mesmo com

esse dispositivo, a velhice com dignidade, bem como o próprio chegar à velhice,

continuou não sendo reconhecido como direito de todos, mas tratado apenas como

direito de segmentos sociais que atuavam em setores determinados, como, por

exemplo, indústria, comércio.306

A Constituição dos Estados Unidos do Brasil, decretada em 1937307 não alterou

essa situação, dispondo, no seu artigo 137, praticamente da mesma forma que a

Constituição anterior. As Constituições Brasileiras posteriores, promulgadas em

1946308 e 1967, esta última emendada em 1969, também, não alteraram a

305ROCHA, Daniel M. da. O direito fundamental à previdência social: na perspectiva dos princípios constitucionais diretivos do sistema previdenciário brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 54-59. A influência mais marcante da Carta de 1934 proveio da Constituição de Weimar, provocando uma inserção mais significativa dos direitos sociais do ordenamento brasileiro. O Estado passa a assumir determinados compromissos no que tange à organização da sociedade, dispondo-se a amparar os cidadãos que não conseguem, apenas pelo seu próprio esforço, obter uma colocação no mercado que seja apta a lhes assegurar uma situação compatível com a dignidade humana. A atuação estatal em face do problema social, em linhas gerais, manifesta-se pela limitação da liberdade contratual e da autonomia da vontade e pela transformação do direito de propriedade que de absoluto fica condicionado a sua função social. Nela, tratou-se em um Título próprio, pela primeira vez, da ordem econômica e social cuja organização deveria assegurar a todos uma existência digna. No pórtico do capítulo dos direitos individuais surgiram nitidamente, pela primeira vez, os direitos sociais. Na seara dos direitos previdenciários, cabe assinalar que a Carta de 1934 já previa a participação tríplice no custeio para viabilizar o atendimento dos riscos sociais na alínea h, do §1˚ do artigo 121: “...e instituição de previdência, mediante contribuição igual da União, do empregador e do empregado, a favor da velhice, da invalidez, da maternidade e nos casos de acidente do trabalho ou morte.” Essa Carta foi a primeira a estabelecer um limite etário para o exercício da função púbica, impondo que fossem aposentados compulsoriamente os funcionários que atingissem sessenta e oito anos de idade (art. 170, § 3˚). 306RAMOS, Paulo R. B. A velhice na constituição. Revista de Direito Constitucional e Internacional, São Paulo, n. 30, jan./mar. 2000, p. 199. 307Ver ROCHA, op. cit.,p. 59-62. Pela sua própria natureza ideológica a Carta de 1937 era concisa no concernente aos direitos individuais. Não havia previsão nos direitos e garantias individuais dos direitos sociais. Estes foram inseridos de forma tímida basicamente na ordem econômica. Os direitos previdenciários eram tratados juntamente com os preceitos pertinentes aos direitos trabalhistas. Previa-se um período de repouso antes e depois do parto para a gestante, sem prejuízo do salário, a instituição de seguros de velhice, invalidez, de vida e para acidentes do trabalho, bem como o dever das associações de trabalhadores de prestar assistência no referente às práticas administrativas ou judiciais relativas aos seguros sociais e de acidentes do trabalho. A disciplina das aposentadorias dos funcionários públicos traçada pela Constituição anterior restou mantida no artigo 156. 308Ibidem, p. 63-67. Nesta Carta ficou assentado que a ordem econômica deveria ser organizada consoante os princípios da justiça social. Pela primeira vez ficou consignado competir à União legislar sobre previdência social, porém era permitido aos Estados suplementar a legislação da União nesta matéria. No artigo 157 da Lei Maior, os direitos trabalhistas e previdenciários ficaram albergados, os

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abordagem da matéria sobre a velhice, ou seja, não a encararam como problemática

social relevante e nem como direito humano fundamental, dispondo, em seus artigos

157; 158, XVI e 165, XVI309, respectivamente, que a legislação do trabalho deveria

voltar-se à melhoria das condições do trabalhador, dentre elas contribuição da

União, do empregador e do empregado a favor da velhice.310

Por outro lado, como decorrência do seu espírito inovador, a Constituição da

República Federativa do Brasil, promulgada em 1988, trouxe em seu corpo inúmeras

normas sobre a velhice. Com toda a certeza, a quantidade significativa de normas

tratando dessa fase da vida decorreu não só do envelhecimento populacional, que

tem provocado uma revolução demográfica no Brasil nas últimas décadas, como,

aliás, já visto no decorrer desta pesquisa, mas, principalmente, da sensibilidade do

Constituinte para o fato de a velhice tratar-se de um direito humano fundamental.

A atual Carta Magna Brasileira recebeu expressivas influências externas,

assimilando diversas características típicas do constitucionalismo aberto, de traço

marcadamente comunitário. Pode-se apontar, dentre essas características, o

fenômeno da constitucionalização de inúmeras categorias de direito privado,

conferindo-lhes caráter supralegal, mediante estabelecimento de uma principiologia

com eficácia normativa e dirigente sobre os diversos microssistemas jurídicos

situados na esfera infraconstitucional, o que se verifica com relação ao direito de

família, proteção da infância e juventude e do idoso, o direito de propriedade, a

quais consagraram, respectivamente, período de repouso antes e depois do parto para gestante, sem prejuízo do salário e do emprego; assistência aos desempregados, previdência contra as conseqüências da doença, velhice, invalidez e morte. No Título VII, ao lado das aposentadorias por invalidez e compulsória, acrescentou-se a aposentadoria voluntária aos trinta e cinco anos de tempo de serviço. Começa também a ser ampliado o contingente de pessoas protegidas pelo seguro social obrigatório. A extensão da previdência para os trabalhadores rurais ocorreu mediante a criação de um sistema paralelo, de caráter assistencial, tendo no FUNRURAL (Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural) seu órgão executivo. 309ROCHA, Daniel M. da. O direito fundamental à previdência social: na perspectiva dos princípios constitucionais diretivos do sistema previdenciário brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 67-71. Formalmente, a Constituição previa os mesmos direitos e garantias individuais da anterior. Também restaram mantidos os direitos sociais atinentes ao período de repouso antes e depois do parto para a gestante, sem prejuízo do salário e do emprego; previdência contra as conseqüências da doença, velhice, invalidez, e da morte. Dentre as inovações, percebe-se a primeira referência ao salário-família e à aposentadoria da mulher aos trinta anos de trabalho com salário integral. O regime do FUNRURAL acabou aperfeiçoado e implementado efetivamente pelas Leis Complementares n˚ 11, de 25.05.71, e 16, de 30.10.73. 310RAMOS, Paulo R. B. A velhice na constituição. Revista de Direito Constitucional e Internacional, São Paulo, n. 30, jan./mar. 2000, p. 199.

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defesa do consumidor, preservação do meio ambiente, política agrícola e

fundiária.311

À luz desse preceito, a cláusula de igualdade insculpida no artigo 5˚, caput, e

inciso I, da atual Constituição, deve ser interpretada de modo que os desiguais

sejam tratados de forma desigual.312 Atento a este aspecto, o texto constitucional

destinou dispositivos específicos de proteção ao idoso.

A Constituição Federal de 1988, ao considerar e garantir os direitos

fundamentais do ser humano, expressamente consagrou normas e princípios

essenciais para sua proteção, bem como e, especialmente, a proteção do idoso. O

texto constitucional afirma expressamente, em seu artigo 3˚, inciso III, que a

cidadania e a dignidade da pessoa humana são fundamentos do Estado

Democrático de Direito e que constitui objetivo fundamental da República Federativa

do Brasil, dentre outros, promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça,

sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.313

A afirmação de que a República Federativa do Brasil fundamenta-se na

cidadania e na dignidade da pessoa humana orienta toda a atuação do Estado e da

sociedade civil em direção à efetivação desses fundamentos, diminuindo, com isso,

o espaço de abrangência da concepção de que as pessoas, na medida em que

envelhecem, perdem seus direitos. Esse dispositivo constitucional, portanto, aponta

311ALVES, Cleber F. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: o enfoque da doutrina social da igreja. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 126-127, passim. 312Ver WOLKMER, A. C.; LEITE, J. R. M. (Orgs.). Os "novos direitos no Brasil": natureza e perspectiva. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 137-138. O autor ao analisar os idosos e o princípio da isonomia(artigo 3˚, I), refere que a Constituição Federal de 1988 determina que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros a inviolabilidade do direito à igualdade. Quando a Carta de 1988 determina que todos são iguais perante a lei, não indica uma igualdade formal. Ela aponta, especialmente, para uma igualdade material. Chega-se a essa conclusão a partir de uma leitura sistemática da Constituição, que prevê ações concretas voltadas a assegurar a dignidade a todos os seres humanos. 313Ver RAMOS, Paulo R. B. A velhice na constituição. Revista de Direito Constitucional e Internacional, São Paulo, n. 30, jan./mar. 2000, p. 200. O autor refere que dentro da nova ordem jurídica construída, a presença dos dispositvos como o artigo 3˚ e o artigo 5˚, que preleciona que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, representaram um grande avanço no discurso constitucional sobre a velhice, especialmente porque no artigo 3˚ foi explicitamente gravado que a República deve promover o bem de todos, sem preconceitos de qualquer natureza. Dispositivos semelhantes não estiveram presentes em nenhuma das constituições anteriores.

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no sentido de assegurar a cidadania, que é uma decorrência da garantia da

dignidade da pessoa humana, durante toda a vida.314

É importante analisar, também que o artigo 3˚, caput, da Constituição vigente,

elege como objetivos fundamentais da República Federativa por ela criada, a

erradicação da pobreza e da marginalização, a redução das desigualdades sociais e

regionais e a supressão de todas as formas de desigualdades, inclusive as

decorrentes da idade.

A idade tem sido motivo de discriminação na sociedade brasileira. Entretanto,

assinala-se que tal condição não poderia servir de critério para uma eventual

discriminação, muito menos para atuação dos atos da vida, pois não torna um ser

humano menos cidadão que o outro. Desta forma, assegurar a dignidade do idoso é

fundamental para que seja alcançado um verdadeiro Estado Democrático de Direito.

Nesta linha de pensamento, ao trabalhar a questão da igualdade sem distinção

de idade, é de ser referido que:

A idade tem sido motivo de discriminação, mormente no que tange às relações de emprego. Por um lado, recusa-se emprego as pessoas mais idosas, ou, quando não, dão-se-lhes salários inferiores aos dos demais trabalhadores. Por outro lado, paga-se menos a jovens, embora para a execução de trabalho idêntico ao de homens feitos.315

Desta forma, ainda que se saiba que a realidade seja distinta, os preceitos

constitucionais têm salientado que a idade não pode ser objeto de qualquer tipo de

preconceito.

No tocante à individualização da pena, dispõe o artigo 5˚, inciso XLVIII, que o

idoso deve cumprir pena em estabelecimento penal distinto. Com isso, exige-se que

os estabelecimentos destinados ao cumprimento da pena sejam diferenciados em

função da natureza do delito, da idade e do sexo do apenado.

314WOLKMER, A. C.; LEITE, J. R. M. (Orgs.). Os "novos direitos no Brasil": natureza e perspectiva. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 133. 315SILVA, José A. da. Comentário contextual à constituição. São Paulo: Malheiros, 2005, p.79.

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Todavia, “essas exigências constitucionais só se tem aplicado em relação ao

sexo, separando os estabelecimentos prisionais em femininos e masculinos. Os

demais fatores não têm sido atendidos”.316

Dentre os direitos e garantias fundamentais e direitos sociais, reconhece a

Constituição Federal, em seu artigo 7˚, como direitos dos trabalhadores urbanos e

rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social a aposentadoria

e a proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de

admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil.

O artigo 40, § 1 ˚, inciso II e III, determina que o servidor será aposentado

compulsoriamente aos setenta anos, ou, voluntariamente, desde que cumprido

tempo mínimo de dez anos de efetivo exercício no serviço público e cinco anos no

cargo efetivo em que se dará a aposentadoria, observadas as seguintes condições:

a) sessenta anos de idade e trinta e cinco anos de contribuição, se homem, e

cinqüenta e cinco anos de idade e trinta de contribuição, se mulher; b) sessenta e

cinco anos de idade, se homem, e sessenta anos de idade, se mulher, com

proventos proporcionais ao tempo de contribuição.

O artigo 203 do mesmo diploma determina que a assistência social será

prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade

social, e tem por objetivos a proteção à família, à maternidade, à infância, à

adolescência e à velhice, bem como a garantia de um salário mínimo de benefício

mensal317 à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir

meios de prover a própria manutenção ou tê-la provida por sua família.

Cabe ressaltar, aqui, que a assistência social não é caridade, mas um direito

social de tantos quantos não disponham de meios para a satisfação das

necessidades básicas, aquele mínimo social sem o qual a dignidade da pessoa

humana em geral fica totalmente prejudicada.

316SILVA, José A. da. Comentário contextual à constituição. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 150. 317O pagamento de um salário mínimo como benefício mensal é titulado na Lei da Previdência Social(Lei 8.213/91) como Benefício Assistencial, mais conhecido como LOAS. Entretanto, para que o idoso tenha direito a este benefício, a lei impõe determinados requisitos, dentre eles, a renda familiar per capita deve ser inferior a um quarto do salário mínimo.

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Além disso, ainda analisando este dispositivo constitucional, a própria proteção

da família, tem seus reflexos na proteção do idoso, como se observa através desta

referência, que diz “[...] a família tem papel importantíssimo para a manutenção de

vida digna do idoso, sendo, inclusive, assim tratada pela Constituição Federal. Por

isso a preocupação deste escrito em salientar a necessidade de proteção da família

como forma de proteção ao idoso”.318

Quanto à garantia de um salário-mínimo mensal:

[...] é direito fundamental da pessoa humana a que corresponde o dever do Estado, mediante o estabelecimento de política de Seguridade Social que proveja os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento a quem dela necessitar, independentemente de contribuição.319

Por sua vez, o artigo 229 determina aos filhos maiores o dever de ajudar e

amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, estabelecendo, também,

através do artigo 230, que a família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar

as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua

dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.

Analisando rapidamente a norma contida neste último dispositivo

constitucional, verifica-se que, “conquanto tenha ela indiscutível alcance social,

revela ainda persistir a disposição do nosso legislador em minimizar a

responsabilidade do Estado pela assistência do idoso”.320

Isto se deve segundo a distribuição dos encargos assumidos pelo caput do

artigo 230, que coloca à família, em primeiro lugar, o ônus de propiciar aos seus

membros de idade mais avançada um final de vida condigno.

Todavia, ainda que seja certo incumbir em primeiro lugar à família o ônus de

propiciar ao idoso um final de vida condigno, e que da mesma forma é justo exigir da

318NETO, Antonio R. Proteção Legal do Idoso no Brasil: guia para o profissional do direito e para o idoso. São Paulo: Universalização da Cidadania, 2003, p. 57. 319SILVA, José A. da. Comentário contextual à constituição. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 781. 320OLIVEIRA, Ceres M. M. de. Os direitos dos idosos. Revista do Ministério Público do Estado da Bahia, Salvador, n. 2, 1991, p.145.

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sociedade sua parcela de contribuição, ou seja, colaboração, não se deve,

compreender que tal responsabilidade somente em caráter supletivo seja atribuída

ao Estado, haja vista que é do Estado o encargo de promover programas eficientes

de assistência à velhice desvalida através de instituições e estabelecimentos

adequados a propiciar amparo aos idosos.

Os programas de amparo aos idosos, de que trata a Constituição Federal, no

artigo 230, §1˚ serão executados preferencialmente em seus lares.

Por fim, a própria Constituição garante aos maiores de sessenta e cinco anos a

gratuidade dos transportes coletivos urbanos, de acordo com o que preceitua o

artigo 230, § 2˚ da Constituição.

Como se percebe, o idoso não foi esquecido pelo constituinte321. Ao contrário,

vários são os dispositivos que mencionam a velhice como objeto de direitos

específicos, como do direito previdenciário, do direito assistencial, dentre outros.

Entretanto, procurou-se destacar alguns artigos que parecem merecer referência

especial, por serem objeto específico da pessoa em sua terceira idade.

321Segundo ensinamentos de RAMOS, Paulo R. B. A velhice na constituição. Revista de Direito Constitucional e Internacional, São Paulo, n. 30, jan./mar. 2000, p. 194-195, ao todo, na atualidade, 12 (doze) constituições modernas trazem em seus textos normas de proteção à velhice. São elas: Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 1988; Constituição da República Popular da China, adotada em 1982, na V Sessão da V Assembléia da República Popular da China; Constituição da República de Cuba, de 1976; Constituição Espanhola, sancionada por Sua Majestade, o Rei, ante as Cortes, em 1978; Constituição da República de Guiné-Bissau, aprovada em 1984, pela Assembléia Nacional Popular; Constituição da República da Itália, de 1948, com as emendas de 09.02.1963, 27.12.1963 e 22.11.196; Constituição Política dos Estados Unidos Mexicanos, de 1917, com emendas publicadas em 08.02.1985; Constituição Política do Peru, promulgada em 1979; Constituição de Portugal, de 1976; Constituição da Confederação Suíça, promulgada em 1974, com emendas de dezembro de 1985; Constituição da República Oriental do Uruguai, aprovada em 1966, com emendas de 1967 e Constituição da República da Venezuela, promulgada em 1961, com emendas de 09.05.73. Deve-se ressaltar que apenas um país africano trata da velhice em sua Constituição, Guiné-Bissau, fato que indica a situação dos direitos humanos, como um todo, nos países desse continente, marcados, em regra, pelas guerras, fome e corrupção. Na Europa, continente no qual a velhice, tanto enquanto problema social relevante como direito fundamental, primeiro se colocou, somente a Espanha, Itália, Portugal e Suíça tratam dela em suas Constituições. Na América, somente alguns países latinos tratam da velhice em suas Constituições: Brasil, México, Peru, Uruguai e Venezuela. De todas as Constituições do continente europeu, a que melhor aborda o direito à velhice é a portuguesa, de acordo com o autor, haja vista que essa Constituição, ao longo dos seus artigos 64,67 e 72, estabelece um conjunto de obrigações ao Estado, não só com o objetivo de garantir assistência social aos velhos, mas fundamentalmente com vista a assegurar-lhes efetiva participação na vida social, fato que representa, em relação à concepção inicial da idéia de velhice, o reconhecimento dos velhos enquanto sujeitos de direito, o que significa o primeiro passo em direção à efetiva inclusão desse segmento na sociedade em que vive.

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A finalidade maior, diante da previsão destes dispositivos constitucionais é,

sem dúvida, garantir a dignidade do idoso, que se apresenta na sociedade brasileira

tão defasada. Esta proteção constitucional do idoso determina, acima de tudo, que a

política da terceira idade não deve basear-se apenas na prestação de apoios

materiais, embora isso seja de vital importância para a segurança econômica e

social das pessoas idosas, mas também na adoção de medidas sociais e culturais

tendentes a superar o isolamento e a marginalização social.

Com relação a este aspecto do isolamento da pessoa idosa, é de ser

observado que:

[...] os aspectos biológicos, psicológicos e psicopatológicos, tudo isso vai desaguar no chamado aspecto ou dimensão social. Ele se isola socialmente, ou pela rejeição familiar, ou pela empresarial, ou pela institucional ou pela própria sociedade; pela situação econômica crítica, ou diminuição dos rendimentos depois de uma doença física; ou por ter se preparado para o envelhecimento; ou por não ter se atualizado cultural, científica ou tecnicamente; ou devido a tabus, preconceitos ou prenoções da sua comunidade; ou por ausência de uma ocupação cheia de significados [...].322

É de ser referido, também, que o texto constitucional prevê, por óbvio, outros

direitos fundamentais, que não foram elencados de forma específica ao idoso, mas

que aplicáveis a todo cidadão como, por exemplo, o direito à educação, previsto no

artigo 205; o direito à cultura, previsto nos artigos 215 e 216; a valorização do

trabalho e o primado do trabalho como base da ordem social, nos artigos 170 e 193,

respectivamente.

Igualmente, é de ser lembrado que a Emenda Constitucional n˚ 26, de 14 de

fevereiro de 2000, inseriu o direito à moradia no rol dos direitos fundamentais

constantes no artigo 6˚ da Constituição. Este direito à moradia, não é

necessariamente o direito à casa própria, mas a garantia a todos de um teto para

abrigar a sua família de modo permanente. Além disso, não se pode esquecer que o

conteúdo do direito à moradia envolve, além da faculdade de ocupar uma habitação,

322QUEIROZ, Jerônimo G. de. Direitos do Idoso. Revista da Faculdade de Direito da UFG, Goiânia, v.9, p. 61-74, jan./dez. 1985, p. 67.

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a exigência de que esta moradia tenha dimensões adequadas, condições de higiene

e conforto.323

Nesse contexto, buscando a efetividade dos princípios constitucionais, é

importante destacar, que foi implementada no Brasil a Lei n˚ 8.842, de 04 de janeiro

de 1994324, que dispõe sobre a Política Nacional do Idoso.325 A referida norma adota

como princípios basilares garantir ao idoso os direitos de cidadania efetiva na

sociedade, de forma a garantir um envelhecimento digno às pessoas com mais de

sessenta anos de idade.

Segundo seu artigo 1˚, a política do idoso tem por objetivo assegurar seus

direitos sociais, criando condições para promover sua autonomia, integração e

participação efetiva na sociedade. Traça ela os princípios e diretrizes da política do

idoso, a organização e gestão dessa política, que incumbe ao Ministério responsável

323JÚNIOR, Marco A. S. O estatuto do idoso e os direitos fundamentais. Revista de Direito Social, Porto Alegre, n. 13, p. 56, 2004. 324O Decreto n˚ 1.948/96 regulamentou a Lei n˚ 8.842, de 4 de janeiro de 1994, que dispõe sobre a Política Nacional do Idoso. Disponível em: http://direitodoidoso.braslink.com/05/dec1948.html. Acesso em: 12 set. 2007. 325O Decreto n˚ 4.227, de 2002 cria o Conselho Nacional dos Direitos do Idoso – CNDI, a quem compete supervisionar e avaliar a Política Nacional do Idoso; elaborar proposições, objetivando aperfeiçoar a legislação pertinente à Política Nacional do Idoso; estimular e apoiar tecnicamente a criação de conselhos de direitos do idoso nos Estados, no Distrito Federal e nos Municípios; propiciar assessoramento aos conselhos estaduais, do Distrito Federal e municipais, no sentido de tornar efetiva a aplicação dos princípios, diretrizes estabelecidos na Lei 8.842, de 4 de janeiro de 1994; zelar pela efetiva descentralização político-administrativa e pela participação de organizações representativas dos idosos na implementação de política, planos, programas e projetos de atendimento ao idoso; zelar pela implementação dos instrumentos internacionais relativos ao envelhecimento das pessoas, dos quais o Brasil seja signatário; e, elaborar o seu regimento interno. Disponível em: http://direitodoidoso.braslink.com/05/dec4227.html. Acesso em: 12 set. 2007. O Decreto n˚ 5.109, de 17 de junho de 2004 dispõe sobre a composição, estruturação, competências e funcionamento do Conselho Nacional dos Direitos do Idoso – CNDI. Este Conselho é um órgão colegiado de caráter deliberativo, integrante da estrutura básica da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, tem por finalidade elaborar as diretrizes para a formulação e implementação da política nacional do idoso, observadas as linhas de ação e as diretrizes conforme dispõe a Lei n˚ 10.741, de 1˚ de outubro de 2003 – Estatuto do Idoso, bem como acompanhar e avaliar a sua execução. Disponível em: http://direitodoidoso.braslink.com/05/dec5130_04.html. Acesso em: 12 set. 2007. Nos dias 18 e 19 de Maio de 2005 foi realizado no Auditório Queiroz Filho do Ministério Público do Estado de São Paulo o Simpósio Nacional sobre Instituições de Longa Permanência para Idosos com o tema "Envelhecer com dignidade: um direito humano fundamental". O evento foi promovido pelo Conselho Nacional dos Direitos do Idoso – CNDI, pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público de Defesa dos Direitos dos Idosos e Pessoa com Deficiência – APID – e ainda pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia de São Paulo – Comissão de Instituições de Longa Permanência para Idosos. Os participantes do Simpósio aprovaram um documento denominado "Carta de São Paulo" que tem no seu conteúdo a defesa da dignidade dos idosos que vivem nas instituições asilares. Disponível em: http://portaldoenvelhecimento.net/acervo/artieop/Geral/artigo257.htm. Acesso em: 12 set. 2007.

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pela assistência e promoção social, e ainda estabelece as ações governamentais

necessárias à implementação dessa política.

Isto de deve, principalmente, pelo fato de que o Brasil é um país que está

envelhecendo e, pela primeira vez, está se encaminhando para ter a maioria da

população idosa, conforme dados do IBGE já informados neste trabalho. Assim,

mais do que nunca, torna-se necessário regulamentar as questões referentes à

velhice, não só no que se refere aos seus direitos, mas também, em relação a outros

aspectos.

Sendo assegurado ao ser humano dignidade durante toda a sua existência, ele

terá, por exemplo, mais saúde, maior tempo útil de produtividade e de participação

social, o que aliviará a carga da Previdência Social e da Assistência Social. É

preciso pensar assim imediatamente, porquanto do contrário chegará um momento

em que o número de idosos aposentados e necessitados seja maior que o número

de pessoas em atividade capazes de atender suas próprias necessidades e as

daquelas que já não estão presentes na cadeia de produção.326

Diante de todas essas observações e constatações, a Organização das

Nações Unidas (ONU) não poderia ter deixado de traçar Princípios327 e um Plano de

326WOLKMER, A. C.; LEITE, J. R. M. (Orgs.). Os "novos direitos no Brasil": natureza e perspectiva. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 136. 327Os Princípios das Nações Unidas para o Idoso estão previstos na Resolução n. 46/91 Aprovada na Assembléia Geral das Nações Unidas, em 16/12/1991. São eles: independência, que engloba o acesso à alimentação, água, moradia, a vestuário, à saúde, apoio familiar e comunitário, oportunidade de trabalhar ou ter acesso a outras formas de geração de renda, poder determinar em que momento deverá afastar-se do mercado de trabalho, ter acesso à educação permanente e a programas de qualificação e requalificação profissional, poder viver em ambientes seguros adaptáveis à sua preferência pessoal, que sejam passíveis de mudanças e poder viver em sua casa pelo tempo que for viável. Participação, que significa permanecer integrado à sociedade, participar ativamente na formulação e inplementação de políticas que afetam diretamente seu bem-estar e transmitir aos mais jovens conhecimentos e habilidades; aproveitar as oportunidades para prestar serviços à comunidade, trabalhando como voluntário, de acordo com seus interesses e capacidades; e, poder formar movimentos ou associações de idosos. Assistência: Beneficiar-se da assistência e proteção da família e da comunidade, de acordo com os valores culturais da sociedade; ter acesso à assistência da saúde para manter ou adquirir o bem-estar físico, mental e emocional, prevenindo-se da incidência de doenças; ter acesso a meios apropriados de atenção institucional que lhe proporcionem proteção, reabilitação, estimulação mental e desenvolvimento social, em um ambiente humano e seguro; ter acesso a serviços sociais e jurídicos que lhe assegurem melhores níveis de autonomia, proteção e assistência; desfrutar os direitos e liberdades fundamentais, quando residente em instituições que lhe proporcionem os cuidados necessários, respeitando-se sua dignidade, crença e intimidade. Deve desfrutar ainda o direito de tomar decisões quanto à assistência prestada pela instituição e à

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Ação Internacional do Envelhecimento328, que devem ser seguidos por todos os

países que almejam o adjetivo de civilizados, porque o atendimento aos direitos dos

idosos é essencial para a afirmação dos direitos humanos em todas as etapas da

vida.

Verificada, assim, a postura do idoso como sujeito de dignidade humana na

ordem constitucional, passa-se, a partir do capítulo seguinte, a fazer uma análise

sobre um dos direitos fundamentais da pessoa idosa, que é o direito ao transporte,

direito este que, uma vez alcançado, torna o idoso mais digno, de forma a

possibilitar, inclusive, uma maior inclusão deste na sociedade em que vive.

qualidade de sua vida. Auto-Realização: Aproveitar as oportunidades para total desenvolvimento de suas potencialidades e ter acesso aos recursos educacionais, culturais, espirituais e de lazer da sociedade. Dignidade: Poder viver com dignidade e segurança, sem ser objeto de exploração e maus tratos físicos e/ou mentais; ser tratado com justiça, independente da idade, sexo, raça, etnia, deficiências, condições econômicas ou outros fatores. Disponível em: www.ufrgs.br/bioetica/onuido.htm. Acesso em: 02.09.2007. 327Este Plano foi resultado da II Assembléia Mundial do Envelhecimento realizada de 08 a 12 de abril de 2002, em Madri, promovida pela ONU. Nesse encontro internacional, foi formulado o documento intitulado Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, disponibilizado no Brasil pelo Conselho Nacional dos Direitos do Idoso e pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República. Disponível em: www.presidencia.gov.br/estrutura_presidencia/sedh/Id_idoso_ enfr/. Acesso em: 02 set. 2007.

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3 O DIREITO AO TRANSPORTE

Dentre os mais diversos direitos fundamentais elencados pela Constituição

Federal, encontra-se o transporte329 que, na esfera da terceira idade, principalmente,

apresenta uma importância grandiosíssima.

329Sobre os aspectos históricos do direito ao transporte verificar MENDONÇA, Fernando. Direito dos transportes. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 05-06. O autor refere que desde a força braçal e os primeiros troncos de árvores primitivamente usados, até os modernos meios de transporte, medeiam dois longos períodos. O primeiro, anterior à primeira Revolução Industrial e, o segundo, posterior a esta revolução, representados por fases de lenta evolução no passado e de vertiginoso desenvolvimento no presente. Quanto aos transportes terrestres, o primeiro meio de transporte teria sido a mulher, a quem cabia o encargo de conduzir os objetos domésticos e as crianças. Isto ocorria, em decorrência de uma divisão de trabalho que era praticada na época, e não por comodismo de seu companheiro. Ao companheiro cabia o encargo de defesa contra ataques inesperados, bem como a provisão alimentar pela caça, razão pela qual precisava ter os movimentos livres. De qualquer modo, percebe-se que o primeiro meio utilizado foi a própria força humana, ocorresse esta pelo deslocamento de objeto nos braços, ombros ou cabeça, ou ao puxar e empurrar algum instrumento. Posteriormente, representando uma evolução na história dos transportes, têm-se registros de que o transporte de coisas e de pessoas passou a se dar através do emprego de animal irracional. Diversos eram os animais utilizados em montaria, carga ou tração. Pode-se elencar o cachorro, que talvez tenha sido o primeiro quadrúpede utilizado no transporte, o elefante, o boi, o camelo, a rena, o búfalo, dentre outros. Mais tarde, a roda surgiu como representação de uma nova fase no desenvolvimento dos transportes. Graças a ela, os veículos adquiriram velocidade e exigiram menor força de tração, em razão da eliminação do atrito direto com o solo. Nesta fase, partiu-se das primeiras carroças e carros de bois para os atuais e possantes caminhões e, no transporte de pessoas, das primitivas serpentinas, dos carros de bois com cobertura, coches, aos modernos e confortáveis ônibus. Mais tarde, com a invenção da máquina a vapor, um dos acontecimentos que produziram a primeira Revolução Industrial do século XVIII, ingressou-se no segundo período da história do transportes. Como um dos empregos da força resultante do vapor surgiu a locomotiva, máquina destinada a puxar carros sobre trilhos, que viria a revolucionar os meios de transportes, possibilitando o deslocamento de pessoas e cargas a grandes distâncias, por meio de comboios que percorriam extensas linhas férreas. A cobrança de pedágio e a falta de comodidade dos veículos que transitavam pelas outras estradas contribuíram para a predominância das ferrovias durante muito tempo. No começo deste século, o automóvel constituiu-se em um sério concorrente do trem, tomando-lhe a primazia nos transportes terrestres, em decorrência dos preços inferiores aos cobrados nas ferrovias e, também, pela independência de movimentos. A primeira locomotiva a vapor para carga pesada apareceu no início do século XIX, aproximadamente em 1801, graças a Richard Trevthick, sendo inaugurada, em 1814, por George Stephenson a primeira estrada de ferro, entre Darlington e Stockton. Em 1929, surgiu a locomotiva mais perfeita, com maior velocidade, aproximadamente trinta e dois quilômetros por hora. No começo do século XX, por volta de 1905, surgiu a locomotiva elétrica e, em 1925, a diesel-elétrica. Posteriomente, as a gás-turbo-elétricas. E, hoje, temos as eletromagnéticas e as aeromagnéticas, que são locomotivas que usam o campo magnético para deslocamento, sem atrito com os trilhos. Não se pode esquecer dos rios e dos mares, que constituíram as estradas líquidas através das quais se realizou, em todos os tempos, vigorosos comércios, o que vem ocorrendo ainda hoje, pois um grande número dos transportes internacionais se realizam por mar. A primeira utilização da água como via de transporte teria ocorrido quando o homem descobriu que podia usar pedaços de tronco de árvore para manter-se flutuando. Com toda a certeza, atar os troncos uns aos outros constituiu uma grande evolução no transporte aquático. Com a escavação do tronco surgiu a canoa, que, aos poucos, lentamente, foi sendo aperfeiçoada, vindo a surgir novas forças propulsoras como o remo, a vela, o vapor e a combustão. Em 1807, Robert Fulton lançou o Chermont, inaugurando a navegação hidroviária a vapor. Em 1819, o Savannah foi o pioneiro da navegação marítima a vapor, atravessando o Atlântico em dezoito dias. Povos diversos dedicaram-se aos transportes marítimos para o exercício do comércio como, por exemplo, cretenses, fenícios e gregos. Por fim, é de ser observada, a existência dos transportes aéreos. Foi em 1910 que foi construído o primeiro Zeppelin, com uma velocidade média em torno de 55 Km e capacidade para trinta passageiros. Apesar do êxito

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O idoso tem direito ao convívio familiar e é notório que as dificuldades

financeiras acabam, em muitos casos, por impedir que possa utilizar-se de serviços

de transporte330 para visitar a própria família. Com a centralização dos serviços de

saúde nas capitais e cidades de maior porte, o transporte também tem reflexo direto

na questão da saúde.

É de ser reconhecido, por oportuno, que o transporte se afigura como

instrumento material para o exercício constitucional da condição do idoso no país,

haja vista que é meio de acesso ao trabalho, ao lazer, à cultura, à educação.

obtido nos primeiros anos deste século com o aeroplano, foi somente após a I Guerra Mundial que passaram a se desenvolver os transportes comerciais aeroviários, que passaram a concorrer com a navegação marítima, especialmente no tocante ao transporte de passageiros. 330Sobre a classificação dos transportes ver MENDONÇA, Fernando. Direito dos transportes. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1990, p.9. Conforme as modalidades, dividem-se em terrestres, que são os que se realizam por terra firme, subdividindo-se estes em rodoviários, feitos por estradas de rodagem; ferroviários, feitos através de estradas de ferro; e, recovagem, transporte que se efetiva de modo primitivo, no lombo dos animais, por tropeiros. Dividem-se, ainda, em aquáticos ou aquaviários, que são os transportes realizados por via líquida, isto é, por mares, rios, lagos e canais. Estes, por sua vez, se subdividem em marítimos e hidroviários, conforme ocorram nos mares ou em águas interiores, como rios, lagos, canais. Podem, por fim, ser aéreos ou aeroviários, que se realizam através do ar, sem dependência da superfície terrestre. No que concerne à forma, os transportes se classificam em modais, intermodais, segmentados ou sucessivos. Enquanto os modais se realizam mediante a utilização de uma só modalidade, os intermodais se realizam quando ocorrem duas ou mais modalidades. Já, os segmentados ocorrem quando são contratados separadamente os diversos transportadores, que realizarão o deslocamento da pessoa ou da coisa ao seu destino. Por fim, os sucessivos se realizam quando há um contrato único de transporte, com sua realização por vários transportadores. Podem, também, ser classificados quanto à área em que são executados, podendo ser nacionais ou domésticos, quando se realizam dentro dos limites do território brasileiro; interestaduais, quando ultrapassam a fronteira do território de um Estado-Membro da Federação; intermunicipais, quando se fazem entre municípios; e urbanos, quando servem à população de uma cidade. Podem, ainda, ser internacionais, na medida em que se realizam através do território. Tendo em vista a direção, os transportes podem ser horizontais, quando os pontos de partida e de destino se situam paralelamente ao horizonte; ou, verticais, quando os pontos de partida e de destino se situam em linha perpendicular ao plano horizontal, como os elevadores, por exemplo. Levando em conta, ainda, a finalidade do transporte ou o objeto da prestação do respectivo contrato, este pode ser de pessoas, de coisas, que têm a finalidade de levar mercadorias, animais, encomendas e valores ou, ainda, mistos, quando simultaneamente conduzem pessoas e coisas. Sob o ponto de vista da possibilidade de utilização, dividem-se em públicos, quando postos à disposição de todos; particulares ou privados, quando se destinam à utilização exclusiva de seus respectivos donos e, oficiais, que são aqueles que o Estado utiliza em seu serviço. Considerando a organização do transportador, podem ser comerciais ou civis. A primeira hipótese ocorre quando o transporte é realizado por pessoa, seja física ou jurídica, organizada em empresa; e, a segunda hipótese se dá quando o transporte é realizado individualmente por pessoas sem organização empresarial, como ocorre, por exemplo, com os motoristas autônomos de táxis e com os entregadores de encomenda. Os transportes também podem ser classificados sob o aspecto da prestação do serviço. São tidos como regulares os que obedecem a datas, horários e pontos intermediários ou de escala prefixados e como irregulares, os não sujeitos a tal disciplina. Por fim, quanto à finalidade do transporte ou o objeto da prestação do respectivo contrato, este pode ser de pessoas, quando a destinação é conduzir seres humanos de um lugar a outro; de coisas, quando a finalidade é levar mercadorias, animais, encomendas e valores, e, mistos, quando se pretende conduzir simultaneamente pessoas e coisas.

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Os transportes contribuem, na verdade, para uma integração nacional e

internacional. Constituem, com certeza, fator decisivo para essa integração, de

forma a unir fisicamente os diversos grupos populacionais, por meio da

movimentação de professores, alunos, jovens, crianças, idosos e outros segmentos.

Negar isto “implica restringir o alcance e mesmo o significado dos direitos e

garantias previstas, resultando em explícito retrocesso social à ordem federativa que

constitui nossa Democracia”.331

Não se pode olvidar que o idoso tem pouco espaço numa sociedade

competitiva e consumista, ficando, muitas vezes, condenado ao abandono e à falta

de oportunidade. Por isso, o acesso ao transporte, como um direito humano em si

mesmo, na medida em que constitui no próprio direito à vida, significa,

especialmente para este segmento social, a positivação da condição de cidadão.

Como visto, o direito fundamental ao transporte é um dos tantos direitos que

possibilitam à pessoa idosa inserção social, de forma a viver dignamente. Por isso, é

importante analisar alguns aspectos fundamentais sobre o direito ao transporte da

pessoa idosa.332

O presente capítulo abordará, por derradeiro, algumas das principais Leis no

Brasil e as decisões proferidas por tribunais para garantir aos idosos a utilização

gratuita de transporte público.

331LEAL, Rogério G. Dimensões eficaciais do direito ao transporte gratuito do idoso no Brasil: estudo de um caso. Revista Trimestral de Direito Público, Porto Alegre, n. 32, p. 275, 2005. 332Ver WOLKMER, A. C.; LEITE, J. R. M. (Orgs.). Os "novos direitos no Brasil": natureza e perspectiva. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 141. Os idosos, assim como os demais seres humanos, necessitam de momentos lúdicos a fim de que possam recuperar as energias gastas no quotidiano. O lazer é fundamental para que as pessoas controlem suas tensões e possam viver pacificamente com as outras. Todavia, o direito ao lazer exige do Estado um conjunto de ações com vistas a torná-lo possível. Sem que parques, praças e demais locais estejam devidamente adaptados para receber todas as pessoas, o direito ao lazer não será de fato assegurado. Por outro lado, é imprescindível garantir o direito ao transporte adequado às pessoas, especialmente às idosas, a fim de que cheguem mais facilmente aos locais de lazer, quando existentes. Para isso, é preciso assegurar que o direito dos idosos à gratuidade no sistema de transportes urbanos seja efetivamente respeitado.

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3.1 O direito ao transporte da pessoa idosa

A Constituição Federal de 1988, no artigo 230, § 2˚, prevê gratuidade do

transporte público às pessoas com mais de sessenta e cinco anos, como se

depreende pela transcrição a seguir:

art. 230 – A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida. § 2˚ - Aos maiores de sessenta e cinco anos é garantida a gratuidade dos transportes coletivos urbanos.

Seguindo o preceito constitucional, o Estatuto do Idoso também assegura aos

maiores de sessenta e cinco anos gratuidade dos transportes coletivos públicos

urbanos e semi-urbanos.

Com a promulgação do Estatuto do Idoso, em 2003, foram abrangidas medidas

de proteção ao idoso em estado de risco pessoal, a política de atendimento por meio

da regulação e do controle das entidades de atendimento ao idoso, o acesso à

justiça com a determinação de prioridade ao idoso e atribuição de competência ao

Ministério Público para intervir na defesa do idoso e qualificando, nos crimes em

espécie, novos tipos penais para condutas lesivas aos direitos dos idosos e,

principalmente, disciplinando os direitos fundamentais previstos na Carta Magna,

como, por exemplo, os direitos à vida, à liberdade, ao respeito e à dignidade, bem

como aos alimentos, saúde, educação, cultura, esporte, lazer, profissionalização,

trabalho, previdência social, assistência social, habilitação, transporte, entre outros.

Analisando o Estatuto do Idoso, é de ser referido que “do ponto de vista legal,

trata-se de um relevante instrumento normativo, visando assegurar e disciplinar os

direitos desta importante parcela da população que cresce dia a dia [...]”.333

No que tange à gratuidade do transporte, prevista no Estatuto, cabe lembrar

que “não vale para os serviços seletivos e especiais, quando prestados

333JUNIOR, Luiz M. G. Estatuto do idoso – Lei Federal 10.741/2003 – aspectos processuais – observações iniciais. Revista Dialética de Direito Processual, São Paulo, n.12, p.129, 2004.

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paralelamente aos serviços regulares como, por exemplo, ônibus especiais, táxis,

etc“.334

Este acesso à gratuidade, prevista no Estatuto, depende apenas de

apresentação de algum documento pessoal que faça prova da idade. Neste sentido,

é a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, como se

vê pela Ementa transcrita a seguir:

“AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SOLICITAÇÃO DE APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTO DE IDENTIDADE EFETUADO POR FISCAL DE TRANSPORTE COLETIVO PARA COMPROVAR A CONDIÇÃO DE IDOSO PARA UTILIZAÇÃO DE TRANSPORTE COLETIVO GRATUITO NÃO GERA, POR SI SÓ, DANO MORAL INDENIZÁVEL. RECURSO IMPROVIDO. 1. Há que se manter, por seus fundamentos, decisão que concluiu no sentido da improcedência de pedido indenizatório calcado na alegação de desrespeito e retenção de carteira de identidade por parte de fiscal de empresa de transporte coletivo. 2. Não se mostra abusiva a conduta de fiscal que, ao efetuar procedimento rotineiro no sentido de verificar, junto aos usuários, os requisitos para concessão da gratuidade do transporte, peça documento comprobatório da idade. 3. [...]. 4. [...]“.335

Como se observa, a gratuidade do transporte fica totalmente adstrita à

comprovação da idade, através de um documento, sem que isto, inclusive, venha a

gerar qualquer tipo de direito indenizatório.

Após a promulgação do estatuto, trazendo disposições específicas sobre a

gratuidade dos transportes, a estimativa, segundo o Ministério dos Transportes é

que onze milhões de pessoas tenham direito ao benefício.336

O Estatuto determina que nos veículos de transporte coletivo, devem ser

reservados dez por cento dos assentos para os idosos, devidamente identificados 334NETO, Antonio R. Proteção legal do idoso no Brasil: guia para o profissional do direito e para o idoso. São Paulo: Universalização da Cidadania, 2003. p. 287. 335BRASIL. Segunda Turma Recursal Cível. RI n. 71000764407: Rel. Clóvis Moacyr Mattana Ramos. 07 de dezembro de 2005. Disponível em: www.tj.rs.gov.br. Acesso em: 17 abr. 2007. 336PONTIERI, Alexandre. Estatuto do idoso – lei n˚ 10.741 e transporte interestadual de passageiros. Revista da Ordem dos Advogados do Brasil, Rio de Janeiro, n.79, p. 13-18, jul./dez. 2004.

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com a placa de reservado preferencialmente para idosos, de acordo com o artigo 39,

§ 2˚.

Nesta seara, é importante referir que a Lei 10.048, de 08 de novembro de

2000, já garantia ao idoso, em seu artigo 3˚337, que as empresas públicas de

transporte e as concessionárias de transporte coletivo reservassem assentos

devidamente identificados aos idosos, gestantes, lactantes, pessoas portadoras de

deficiência e pessoas acompanhadas por criança de colo.

Segundo esta lei, as pessoas portadoras de deficiência física, os idosos com

idade igual ou superior a sessenta e cinco anos, as gestantes, as lactantes e as

pessoas acompanhadas por crianças de colo têm atendimento prioritário338, de

acordo com o que preceitua o artigo 1˚.

No sistema de transporte coletivo interestadual deverá haver a reserva de duas

vagas gratuitas por veículo para idosos com renda igual ou inferior a dois salários

mínimos ou desconto de cinqüenta por cento, no mínimo, no valor das passagens,

para idosos que excederem as vagas gratuitas, com renda igual ou inferior a dois

salários mínimos.339

Esta questão do transporte coletivo interestadual prevista no artigo 40 foi

regulamentada pelo Decreto 5.130, de 07 de julho de 2004, publicado no Diário

Oficial da União, Seção I, de 08 de julho de 2004, página 5, revogado,

posteriormente, pelo Decreto 5.934, de 18 de outubro de 2006.

Este Decreto, por sua vez, veio definir no artigo 2˚, II, o que vem a ser serviço

de transporte interestadual de passageiros, definindo como aquele que transpõe o

limite do Estado, do Distrito Federal ou de Território.

337Art. 3º - As empresas públicas de transporte e as concessionárias de transporte coletivo reservarão assentos, devidamente identificados, aos idosos, gestantes, lactantes, pessoas portadoras de deficiência e pessoas acompanhadas por crianças de colo. Disponível em: http://www.usp.br/drh/novo/legislação/dou2000/leif10048.html. Acesso em: 25 set. 2007. 338Ainda de acordo com esta lei, as repartições públicas e empresas concessionárias de serviços públicos estarão obrigadas a dispensar atendimento prioritário, por meio de serviços individualizados que assegurem atendimento diferenciado e atendimento imediato às pessoas mencionadas no artigo 1˚. 339Previsão contida no artigo 40 do Estatuto.

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Para fins do disposto no Decreto 5.934, o idoso, segundo o artigo 2˚, é a

pessoa com idade igual ou superior a sessenta anos e o serviço de transporte a que

este tem direito, conforme o artigo 3˚, §1˚, são os serviços de transporte rodoviário

interestadual convencional de passageiros, prestados com veículos de

características básicas, com ou sem sanitários, em linhas regulares; os serviços de

transporte ferroviário interestadual de passageiros, em linhas regulares; e, os

serviços de transporte aquaviário interestadual, abertos ao público, realizados nos

rios, lagos, lagoas e baías, que operam em linhas regulares, inclusive travessias.

Essa medida340 “é muito importante, pois beneficia em muito aqueles idosos

que vivem em condições mais simples e muitas vezes têm parentes residindo em

outros Estados da Federação.”

Através do artigo 6˚, §1˚ e 2˚ este Decreto regulamentou também que, no ato

da solicitação do bilhete341 de viagem do idoso, ou desconto do valor da passagem,

o interessado deverá apresentar documento pessoal com foto que faça prova de sua

idade e apresentar um dos seguintes documentos para a comprovação da renda.

Dentre os documentos aceitáveis, encontram-se a carteira de trabalho e

Previdência Social com anotações atualizadas; contracheque de pagamento ou

documento expedido pelo empregador; carnê de contribuição para o Instituto

Nacional do Seguro Social342; extrato de pagamento de benefício ou declaração

fornecida pelo INSS ou outro regime de previdência social público ou privado; ou,

ainda, documento ou carteira emitida pelas Secretarias Estaduais ou Municipais de

Assistência Social ou congêneres.

340PONTIERI, Alexandre. Estatuto do idoso – lei n° 10.741 e transporte interestadual de passageiros. Revista da Ordem dos Advogados do Brasil, Rio de Janeiro, n. 79, p. 13-18, jul./dez. 2004, p. 14. 341Este bilhete de viagem do idoso, conforme preceitua o artigo 3˚, § 6˚ é intransferível e deverá ser emitido, de acordo com o artigo 5˚ e § 1˚ , em pelo menos duas vias, sendo que uma das vias será destinada ao passageiro e não poderá ser recolhida pela transportadora. A segunda via do bilhete deverá ser arquivada, permanecendo em poder da empresa prestadora do serviço nos trezentos e sessenta e cinco dias subseqüentes ao término da viagem. 342Note-se que o Poder Público, mesmo após a existência de Decretos e Resoluções, não estabeleceu uma forma segura de comprovação da renda máxima auferida pelo passageiro que pretenda usufruir da gratuidade, já que, ao aceitar a comprovação por meio de carnê de contribuição do INSS, permite que qualquer autônomo que recolha sobre um ou dois salários mínimos possa se beneficiar da gratuidade, independentemente de sua real situação financeira. Este é o entendimento do Excelentíssimo Senhor Ministro Edson Vidigal, Relator da AgRg na Suspensão de Segurança n˚ 1.404-DF. Disponível em: www.stj.gov.br. Acesso em: 09 ago. 2007.

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É importante verificar, que o § 2˚do artigo 3˚ do Decreto 5.934, de 18 de

outubro de 2006, dispõe o seguinte:

§ 2˚ - o idoso, para fazer uso da reserva prevista no caput deste artigo, deverá solicitar um único "Bilhete de Viagem do Idoso", nos pontos de venda próprios da transportadora, com antecedência de, pelo menos, três horas em relação ao horário de partida do ponto inicial da linha do serviço de transporte, podendo solicitar a emissão do bilhete de viagem de retorno, respeitados os procedimentos da venda de bilhete de passagem, no que couber.

Este parágrafo tem sido objeto de crítica por parte dos estudiosos e, até

mesmo, por parte dos próprios interessados, haja vista que condiciona a gratuidade

à solicitação da passagem com, no mínimo, uma antecedência de três horas em

relação ao horário de partida.

Tais críticas dizem respeito especialmente ao fato de que esta determinação

estaria afrontando o artigo 230 da Constituição Federal, acima transcrito, além de

afrontar o próprio Estatuto do Idoso. 343

Condicionar o idoso a fazer uso da reserva do bilhete de viagem com

antecedência de, pelo menos, três horas em relação ao horário de partida do ponto

inicial da linha de serviço de transporte é o mesmo que colocá-lo em desvantagem,

ferindo a absoluta prioridade disciplinada no artigo 3˚ da Lei 10.741/2003, que prevê

a obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do poder público assegurar

ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à

alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à

liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.344

Por outro lado, há alegações por parte das empresas de ônibus, no sentido de

que tal medida servirá de parâmetro para que saibam, com antecedência de, pelo

menos três horas, se algum idoso irá ou não embarcar, para que possam

comercializar as passagens em não havendo passageiros nestas condições.345

343PONTIERI, Alexandre. Estatuto do idoso – lei n° 10.741 e transporte interestadual de passageiros. Revista da Ordem dos Advogados do Brasil, Rio de Janeiro, n. 79, p. 13-18, jul./dez. 2004, p. 15-16. 344Ibidem, p. 16-17. 345Ibidem, p.17.

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Resta claro, então, que, de um lado, existe o ponto de vista das empresas que,

de alguma forma, até parece salutar e, de outro, aparece o idoso que, com toda a

certeza, está recebendo tratamento absolutamente prejudicial em relação aos

demais adultos.

As empresas de transporte vêm alegando, em razão da previsão de gratuidade,

desequilíbrio econômico, requerendo, assim, a suspensão de tal obrigatoriedade,

com base no artigo 167, inciso II da Constituição Federal. Mas não se pode

esquecer que a Constituição Federal de 1988, como mencionado no início deste

capítulo, no artigo 230, § 2˚, já vinha garantindo aos maiores de sessenta e cinco

anos a gratuidade dos transportes coletivos urbanos.

Os tribunais brasileiros vêm enfrentando questões deste porte346, como se verá

mais adiante, quando da análise jurisprudencial, onde justamente há um confronto

entre o direito do idoso à gratuidade ao transporte e o desequilíbrio econômico-

financeiro das empresas de transporte.

As empresas prestadoras dos serviços, em cumprimento ao que dispõe o artigo

5˚, §2˚ do decreto acima mencionado, deverão informar à Agência Nacional de

Regulação dos Transportes Terrestre e Aquaviário, na periodicidade prevista em

seus regulamentos, a movimentação de usuários titulares do benefício, por seção e

por situação.

No dia marcado para a viagem, o idoso, conforme artigo 3˚, §5˚, deverá

comparecer ao terminal de embarque até trinta minutos antes da hora marcada para

o início do percurso, sob pena de perda do benefício.

346Nos autos do AgRg na Suspensão de Segurança n˚ 1.404-DF, o Ministro Edson Vidigal afirmou que o serviço de transporte coletivo rodoviário se realiza por ações de empresas mediante contratos de concessão, permissão ou autorização firmados com o Poder Público. São, portanto, contratos administrativos nos quais, desde a celebração, deve estar prevista a forma de ressarcimento, pelo Estado, das despesas da empresa na execução do serviço público. Se a gratuidade do transporte coletivo interestadual não estava prevista quando da contratação com as empresas prestadoras do serviço, recomenda a lei que seja feito um aditivo contratual como modo legal de estabelecer, mediante nova negociação, a forma de ressarcimento às empresas das despesas decorrentes do transporte gratuito assegurado pela lei. Disponível em: www.stj.gov.br. Acesso em: 09 ago. 2007.

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Caso o idoso queira fazer jus ao desconto mínimo de 50% previsto pelo

estatuto, o decreto estabelece que o idoso deverá adquirir a passagem obedecendo

ao prazo máximo de seis horas de antecedência da partida, para viagem com até

quinhentos quilômetros de distância.

Para trechos com distância acima de quinhentos quilômetros, o decreto

determina que a compra do bilhete deverá ser feita pelo idoso com, no máximo, doze

horas de antecedência do horário previsto para o início da viagem.

Considerando o artigo 6˚, §2˚, inciso V, do Decreto n˚ 5.934, que atribui às

secretarias de assistência social ou congêneres, a emissão de documento ou

carteira347 para idosos que não possuem documentos comprobatórios de renda, é de

ser observado que a Resolução n˚ 4, de 18 de abril de 2007, veio justamente para

impor a adoção de procedimentos uniformes na emissão do documento ou carteira,

a fim de proporcionar ao idoso igualdade de condições de acesso à gratuidade de

vagas e desconto de, no mínimo, 50% no valor das passagens de viagens

interestaduais nos modais rodoviários, ferroviários e aquaviários, em todo o território

nacional.

Deve-se registrar, por oportuno, que a legislação local também poderá dispor

sobre a gratuidade de transporte às pessoas com idade entre sessenta e sessenta e

cinco anos.348

Dessa maneira, a legislação municipal ou estadual poderá estender a

gratuidade, sem que ocorra violação ao texto constitucional, que assegura o direito

347De acordo com os artigos 3˚, 4˚ e 5˚ da Resolução n˚ 4, de 18 de abril de 2007, as carteiras serão confeccionadas pelas secretarias, conforme modelo elaborado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS, que será disponibilizado no sistema Suasweb da REDESUAS, por meio das senhas que os municípios dispõem. Cabe ao órgão responsável pela emissão da carteira garantir sua numeração única nacional por meio do Número de Identificação Social – NIS, a partir da inclusão do idoso no cadastro Único de Programas Sociais do Governo Federal – CADÚNICO. A carteira deverá ser fornecida ao idoso no prazo de 45(quarenta e cinco) dias, a contar do cadastramento no CADÚNICO. A carteira terá validade de dois anos, em todo o território nacional, a partir da data de sua expedição, podendo, após este prazo, ser revalidada. Resolução disponível em: http://www.portaldoenvelhecimento.net/direito/direito46.htm. Acesso em 31 ago. 2007. 348Isto ocorre, em razão do Estatuto, no artigo 39, § 3˚, prever expressamente que no caso das pessoas compreendidas na faixa etária entre 60(sessenta) e 65(sessenta e cinco) anos, ficará a critério da legislação local dispor sobre as condições para o exercício da gratuidade nos meios de transporte.

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aos maiores de sessenta e cinco anos, sem proibir diminuição da idade mínima da

gratuidade.

No entanto, diante de tal preceito legal, parece que caberá às entidades

coletivas de proteção ao idoso, bem como aos órgãos públicos como o Ministério

Público, por exemplo, e organizações não-governamentais exercerem pressão, com

o intuito de ver consagrada tal conquista para a cidadania dos idosos.

Em Porto Alegre349, a Lei 5.624, de 1985, estabelecia a isenção do pagamento

de tarifas de transporte coletivo do município para pessoas com mais de sessenta

anos de idade, que tivessem ganhos mensais de até três salários mínimos.

Como se observa, aqui há um exemplo de lei local que estende aos maiores de

sessenta anos a gratuidade nos transportes coletivos.

O autor anteriormente referido, diz, ainda, que para fazer jus ao benefício,

falando aqui especificadamente da cidade de Porto Alegre, os usuários devem

apresentar uma carteira confeccionada pela Secretaria Municipal de Transportes,

especialmente para este fim, sendo que a Secretaria, após receber o requerimento

do interessado, tem o prazo de trinta dias para confeccionar a carteira e entregá-la

ao requerente.

O Decreto n˚ 6.862, de 1979, dispõe sobre a preferencialidade em lugares

sentados, nos veículos de transporte coletivo urbano, determinando que as

empresas permissionárias de transporte coletivo urbano do município de Porto

Alegre coloquem, junto ao primeiro banco, tanto do lado esquerdo como do lado

direito, placa com os seguintes dizeres: “Pede-se aos senhores passageiros que

tenham a gentileza de reservar estes assentos dianteiros ao uso preferencial de

pessoas idosas ou portadores de defeitos físicos, bem como de senhoras

gestantes“.

349NETO, Antonio, R. Proteção legal do idoso no Brasil: guia para o profissional do direito e para o idoso. São Paulo: Universalização da Cidadania, 2003, p. 301-302, passim.

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Posteriormente, as Leis 4.454, de 19 de setembro de 1978 e 6.442, de 11 de

setembro de 1989, foram alteradas pela Lei 7.820, de 19 de julho de 1996,

regulamentadas pelo Decreto n. 12.243/99, que deram novo ordenamento ao

benefício de gratuidade no sistema de Transporte Público de Passageiros de Porto

Alegre.

A partir de então, são considerados titulares do benefício legal de gratuidade

no sistema de transporte público de passageiros de Porto Alegre, dentre outros,

pessoas com idade igual ou superior a sessenta anos, que tenham ganhos mensais

de até três salários mínimos.350

Os beneficiários legais, segundo a legislação, deverão embarcar pela porta

dianteira dos ônibus, mediante a apresentação de carteira de identificação, sendo

que os três primeiros assentos dianteiros do lado esquerdo dos ônibus deverão ser

identificados para o uso preferencial de passageiros idosos, deficientes físicos e

visuais, senhoras gestantes e pessoas obesas. Este, como se vê, é apenas um

modelo exemplificativo de legislação local, que dispõe sobre a gratuidade nos

transportes para as pessoas a partir da faixa etária dos sessenta anos, conforme

prevê o próprio estatuto.

Já em São Paulo351, estão isentos do pagamento de tarifa em todas linhas

urbanas de ônibus e trólebus operados pela SP Transporte, bem como pelas

empresas particulares que sejam permissionárias de serviço de transporte coletivo,

todos os homens com mais de sessenta e cinco anos e as mulheres com mais de

350Segundo NETO, Antonio R. Proteção legal do idoso no Brasil: guia para o profissional do direito e para o idoso. São Paulo: Universalização da Cidadania, 2003, p. 302, além das pessoas com idade igual ou superior a sessenta anos, que tenham ganhos mensais de até três salários mínimos, são considerados titulares do benefício legal de gratuidade no Sistema de Transporte Público de Passageiros de Porto Alegre: os portadores de deficiência mental, física, auditiva e visual permanente que tenham renda mensal própria igual ou inferior a três salários mínimos, comprovem utilização do Sistema de Transporte Coletivo e que estejam cadastrados pelas suas entidades representativas junto à Empresa Pública de Transporte e Circulação; crianças e adolescentes matriculados ou vinculados à Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor – FEBEM e que comprovadamente utilizam o Sistema de Transporte Coletivo; crianças e adolescentes matriculados ou vinculados à Fundação de Educação Social e Comunitária – FESC e que comprovadamente utilizam o Sistema de Transporte Coletivo; e, os portadores do vírus da AIDS que já tenham desenvolvido a doença e sejam atendidos pela SMS – PMCDS – AIDS que tenham renda mensal própria igual ou inferior a três salários mínimos, comprovem a utilização do Sistema de Transporte Coletivo e estejam cadastrados pelas suas entidades representativas junto à Empresa Pública de Transporte e Circulação. 351Ibidem, p. 293-297, passim.

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sessenta anos, em razão do que dispõe o Decreto Municipal 19.386 de 1983, que

estabeleceu o procedimento para isentar de pagamento de tarifa nos ônibus as

pessoas com mais de sessenta e cinco anos de idade, garantindo-lhes transporte

gratuito.

Posteriormente, com a Lei 11.381, de 1993, é que fora concedida a isenção de

tarifa às mulheres com mais de sessenta anos, ou seja, como se vê, reduzindo a

idade mínima das mulheres para o benefício. Aos homens foi mantida a idade de

sessenta e cinco anos para a concessão da isenção da tarifa.352

No Estado do Rio de Janeiro, desde 26 de setembro de 1995, através da Lei n˚

2.440, era obrigatória a prioridade no embarque e desembarque nos transportes

coletivos intermunicipais para as pessoas maiores de sessenta e cinco anos.

De acordo com as regras existentes, 10% dos assentos em ônibus e

microônibus deverão ser reservados e identificados com a frase "reservado

preferencialmente aos idosos". Além disso, os idosos têm direito à gratuidade nos

veículos que operam o serviço convencional ou em microônibus, quando estes

estiverem incorporados às frotas das empresas que servem a linhas com

características urbanas.353

352NETO, Antonio R. Proteção legal do idoso no Brasil: guia para o profissional do direito e para o idoso. São Paulo: Universalização da Cidadania, 2003, p. 297-298. O autor refere que em São Paulo existe a Lei n. 12.633, de 6 de maio de 1998, que dispõe sobre a criação do Programa Permanente de Treinamento e Reciclagem para motoristas, cobradores e fiscais de empresas de ônibus direcionados a pessoas idosas. A lei obriga que as empresas de transporte coletivo por ônibus, no Município de São Paulo, implantem o Programa Permanente de Treinamento e Reciclagem para motoristas, cobradores e fiscais, objetivando a melhoria do tratamento dispensado aos idosos na prestação de seus serviços. O Programa deverá contemplar, no mínimo, um curso de treinamento inicial, que deverá ocorrer por ocasião da admissão do funcionário, recebendo certificado ao final de cada curso, cuja cópia deverá permanecer no seu prontuário, à disposição da fiscalização. A empresa deverá remeter cópia de seu Programa ao Grande Conselho Municipal do Idoso, sendo que a inobservância da Lei implicará na aplicação de multa equivalente a 1.000 UFIRs, por funcionário não submetido ao Programa previsto nesta lei. As empresas ainda estão sujeitas à aplicação de multa quando os motoristas desrespeitarem os direitos das pessoas idosas, segundo a Lei n. 11.487, de 11 de março de 1994. No caso de motoristas cometerem infrações (não atendimento a sinal de embarque e desembarque nos pontos de parada; não abrir a porta para a entrada no coletivo; colocar o veículo em movimento antes do usuário ter completado o embarque e o desembarque), desrespeitando os direitos do idoso, fica obrigada a respectiva empresa de transporte coletivo por ônibus, do Município de São Paulo, empregadora do infrator a recolher aos cofres públicos multa equivalente a 1/30(um trinta avos) do salário-base do motorista, a cada ocorrência. 353Informações disponíveis em: http://www.portaldodoenvelhecimento.net/artigos/artigo2692.htm. Acesso em: 31 ago. 2007.

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Em Belo Horizonte há a isenção de pagamento de tarifa aos maiores de

sessenta e cinco anos, doentes renais crônicos, pessoas com deficiência física,

mental, auditiva ou visual, empregados das empresas subconcessionárias do

transporte público por ônibus, Policiais Militares, menores de cinco anos no colo,

Carteiros e Mensageiros da Empresa de Correios e Telégrafos, Oficiais da Justiça

do Trabalho, Oficiais da Justiça Federal e Agentes de Inspeção do Ministério do

Trabalho.354

De conformidade com o artigo 41 do Estatuto355, aos idosos também é

assegurada a reserva, nos termos da lei local, de 5%(cinco por cento) das vagas nos

estacionamentos públicos e privados, as quais deverão ser posicionadas de forma a

garantir a melhor comodidade ao idoso.

Apesar da existência de tal regra, na verdade, o que se vê com mais freqüência

é a reserva de vagas em locais públicos e privados para deficientes físicos, em

locais a lhes garantir melhor comodidade. Ao idoso, todavia, parece que a regra

ainda não emplacou.

O Estatuto assegura, ainda, a prioridade no embarque, conforme orientação do

artigo 42 da lei, que dispõe que é assegurada a prioridade do idoso no embarque no

sistema de transporte coletivo.

No município de São Paulo, por exemplo, como já visto, de acordo com a Lei

11.487, há multa pelo desrespeito ao idoso em transporte coletivo.

Analisadas, desta forma, as principais questões sobre o transporte da pessoa

idosa, far-se-á, a seguir, uma análise jurisprudencial de decisões do Tribunal de

Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, do Superior Tribunal de Justiça e do

Supremo Tribunal Federal, a fim de verificar se a Carta Magna tem, por si só, força

normativa suficiente, capaz de garantir a gratuidade dos transportes coletivos

354NETO, Antonio R. Proteção legal do idoso no Brasil: guia para o profissional do direito e para o idoso. São Paulo: Universalização da Cidadania, 2003, p. 303-304. 355Art. 41 – É assegurada a reserva, para os idosos, nos termos da lei local, de 5% (cinco por cento) das vagas nos estacionamentos públicos e privados, as quais deverão ser posicionadas de forma a garantir a melhor comodidade ao idoso.

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públicos urbanos a pessoa idosa, fundada no princípio da dignidade da pessoa

humana, mesmo após a promulgação do Estatuto do Idoso.

3.2 Análise jurisprudencial

A jurisprudência tem uma importância prática, haja vista que é por meio dela

que se pode depreender como decidem os tribunais diante de um caso concreto,

pois normalmente existem precedentes que nos dão, de forma quase total, um

indicativo de como as demandas e os litígios vêm sendo solucionados, caso por

caso.

Modernamente, é aplicado o nome de jurisprudência ao conjunto de decisões

dos tribunais, ou a uma série de decisões similares sobre uma mesma matéria. No

direito antigo, significava a sabedoria dos prudentes, os sábios do direito. Significava

a Ciência do Direito, e ainda hoje pode ser empregada nesse sentido. Mas, como um

conjunto de decisões, forma-se mediante o trabalho diuturno dos tribunais. É o

próprio direito ao vivo, cabendo-lhe o importante papel de preencher lacunas do

ordenamento nos casos concretos.356

Uma análise jurisprudencial, neste sentido, em um trabalho científico, é

deveras importante no momento em que já se tem um certo domínio, ainda que não

de forma total, sobre um determinado assunto, a fim de buscar saber justamente

como vem se posicionando a justiça frente a esta determinada matéria.

Muitas regras, por exemplo, inseridas no Estatuto do Idoso, com a sua

vigência, passaram a ser questionadas no âmbito judicial, principalmente no que

tange ao direito ao transporte do idoso, objeto específico desta pesquisa, e, assim, a

Justiça vem procurando uniformizar as decisões a respeito de casos idênticos.

Por isso, no momento em que se faz uma análise constitucional do direito ao

transporte da pessoa idosa, como princípio da dignidade da pessoa humana, é

importante verificar qual o posicionamento da jurisprudência do Tribunal de Justiça

356VENOSA, Sílvio de S. Direito civil: parte geral. 6. ed. atual. São Paulo: Atlas, 2006, p. 21.

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do Estado do Rio Grande do Sul, do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo

Tribunal Federal, antes e depois da promulgação do Estatuto do Idoso.

Tal análise tem como objetivo justamente buscar saber se a Constituição

Federal de 1988, por si só, tem força normativa suficiente, capaz de garantir a

gratuidade dos transportes coletivos públicos urbanos a pessoa idosa, fundada no

princípio da dignidade da pessoa humana.

3.2.1 Julgados do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

Como já fora referido durante o trabalho, a Constituição Federal de 1988 prevê,

em seu artigo 230, § 2˚, a gratuidade do transporte coletivo urbano aos maiores de

sessenta e cinco anos.

Analisando-se as jurisprudências abaixo transcritas, é possível verificar qual o

posicionamento do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, com base

no regramento previsto pela Constituição Federal, no que tange ao transporte

gratuito à pessoa idosa.

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TRANSPORTE COLETIVO URBANO GRATUITO AOS MAIORES DE 65 ANOS. EXIGÊNCIA DE INSERÇÃO DA IDENTIDADE CIVIL DA EXPRESSÃO MAIOR DE 65 ANOS. PEDIDO DE EXCLUSÃO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. LEGITIMIDADE. NULIDADE DA SENTENÇA. 1. O Ministério Público possui legitimidade ativa ad processum para defender interesses individuais homogêneos (Lei n. 7.347/85, art. 21; CDC, art. 81, parágrafo único, III, e 82, I). O art. 127 da CF, quando fala em interesses sociais e individuais indisponíveis, diz apenas que, em relação a eles, o legislador ordinário não pode excluir o Ministério Público, e não que este possa atuar tão-só na defesa deles, a ponto de o legislador ordinário não poder legitimá-lo para outras situações, como é o caso dos interesses individuais homogêneos. 2. Ainda que a decisão singular padeça de vício, nada obsta que, sendo o pedido improcedente no mérito, seja examinado este, dando-se por prejudicada a preliminar de nulidade do ato sentencial. Exegese do art. 249, § 2˚, do CPC. 3. Se a CF-88 assegura transporte coletivo urbano gratuito ao maior de 65 anos (art. 230, § 2˚), em contrapartida o titular do direito deve se sujeitar ao modo que o torna exeqüível. 4. Nesse sentido, é razoável a exigência de identidade administrativa ou de identidade civil. Se a primeira se mostrou inviável por causa das fraudes, a

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opção do administrador público pela segunda, com a inserção da expressão maior de 65 anos, nada tem de ilegal nem de constrangedor, mas, ao invés, está amparada no Decreto Federal 89.963/90, que prevê tal expressão em campo próprio, expedido com base no § 2˚ do art. 4 da Lei Federal 7.116/83, o qual tem caráter regulamentar em relação ao direito assegurado pelo art. 230, § 2˚, da CF, a fim de torná-lo exeqüível, nas circunstâncias em que é exercido, sem causar transtornos ao serviço nem prejudicar os demais usuários. 5. Rejeitada uma preliminar, apelo provido, e prejudicados a outra preliminar e o reexame necessário.357

É importante verificar neste julgado, originário da cidade de Rio Grande, que os

aposentados desta cidade, segundo informado pelo relator do processo, tinham

transporte gratuito desde 1986. Os homens, a partir dos sessenta e cinco anos e, as

mulheres, a partir dos sessenta anos.

Com a Constituição Federal, lembra o relator Irineu Mariani, o transporte

coletivo urbano gratuito passou a ser constitucional aos maiores de sessenta e cinco

anos.

Pela legislação municipal, a forma de identificar o usuário titular do direito era

um documento chamado passe. Ocorre, porém, que começaram a acontecer

fraudes, como a troca de fotografia, por exemplo. Assim, o modo encontrado para

eliminar as fraudes, foi exigir que os beneficiários providenciassem na Carteira de

Identidade Civil a inscrição “maior de sessenta e cinco anos”.

Por isso, em sede de primeiro grau, fora ajuizada uma ação civil pública, que

fora acolhida para excluir a inscrição e obstar exigência de identificação que não

pela identidade civil normal e a condenação pelo Estado à restituição da taxa

cobrada a quem tinha solicitado nova identidade com tal inscrição, bem como uma

indenização por danos morais a quem teve de se submeter a longas filas de espera

na feitura do documento.

357BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação Cível. AC n. 597.108.596: relator. Desembargador Irineu Mariani. 28 de abril de 1999. Disponível em: www.tj.rs.gov.br. Acesso em: 16 set. 2006.

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Todavia, analisada a questão em segundo grau, o relator referiu que, com a

garantia constitucional, que é norma auto-aplicável de transporte urbano gratuito, o

Governo Federal editou um Decreto, o de n˚ 89.963, de 1990, tornando possível,

quando fosse o caso, a inscrição da expressão “maior de sessenta e cinco anos”

logo acima do local destinado à assinatura.

Além disso, de acordo com o relator, o ambiente dentro de um ônibus urbano,

quando não é agitado pela alta rotatividade, nunca chega a ser tranqüilo a ponto de

permitir que o cobrador fique, por exemplo, à vista de um documento qualquer,

fazendo cálculos para ver se a pessoa tem ou não tem mais de sessenta e cinco

anos de idade.

Assim, segundo ele, para que o beneficiário possa exercitar esse direito, de

modo que não venha prejudicar a normalidade do serviço, ou o normal fluxo de

passageiros, é necessário, ou, no seu entender, no mínimo razoável, a adoção de

um sistema pelo qual o seu titular exiba algum documento, no qual conste a

condição exigida para o passe livre.

Em suma, segundo o relator do processo, devia efetivamente existir um

sistema de pronta identificação, não havendo como o judiciário, no presente caso,

proclamar qualquer ilegalidade ou estabelecer qualquer censura, de forma que o

feito, no mérito, restou improcedente.

Além desta decisão, anterior ao Estatuto do Idoso, outra jurisprudência do

Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul reconhece a gratuidade do

transporte urbano ao idoso, com base constitucional, no princípio da dignidade da

pessoa humana, como se verá abaixo.

ADMINISTRATIVO. GRATUIDADE DO TRANSPORTE COLETIVO URBANO PARA IDOSOS E DEFICIENTES FÍSICOS. RESTABELCECIMENTO. POSSIBILIDADE. INOCORRÊNCIA DE QUEBRA DA EQUAÇÃO ECONÔMICA INICIAL. TARIFA FIXADA NA IMPLANTAÇÃO DO TRANSPORTE GRATUITO. CUSTAS DEVIDAS. 1. A GRATUIDADE DO TRANSPORTE URBANO COLETIVO PARA MAIORES DE SESSENTA E CINCO ANOS -2 DO ART-230 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, DE 05/10/1988, CONSTITUINDO NORMA

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AUTO-APLICÁVEL, NÃO NECESSITANDO, POR ISSO, DE LEI LOCAL PARA IMPLANTÁ-LA E REGULÁ-LA. 2. NÃO OCORRE O ROMPIMENTO DO EQUILÍBRIO DA EQUAÇÃO ECONÔMICO-FINANCEIRA ESTABELECIDA POR CONTRATO ADMINISTRATIVO ENTRE PERMISSIONÁRIOS E PODER CONCEDENTE, COM A REEDIÇÃO DA GRATUIDADE DO TRANSPORTE COLETIVO PARA OS MAIORES DE SESSENTA E CINCO ANOS E OS PACIENTES DE DEFICIÊNCIA FÍSICA QUE, SOB A MESMA TARIFA, FOI EXTINTA E POUCO DEPOIS RECRIADA. 3. TEM O MUNICÍPIO, DENTRO DA ESFERA DE SUAS ATRIBUIÇÕES CONSTITUCIONAIS E INFRACONSTITUCIONAIS, COMPETÊNCIA PARA IMPLANTAR OU RESTABELECER O TRANSPORTE COLETIVO URBANO GRATUITO PARA DEFICIENTES FÍSICOS, POR SE TRATAR DE ATO LEGAL DA COMPETÊNCIA DOS MUNICÍPIOS PARA ORGANIZAR E DISPOR SOBRE SERVIÇOS PÚBLICOS DE INTERESSE LOCAL DE CARÁTER ESSENCIAL, COMO É O CASO DO TRANSPORTE DE PASSAGEIROS POR TÁXI-LOTAÇÃO. 4. EM MANDADO DE SEGURANÇA, EMBORA OS HONORÁRIOS DE ADVOGADO NÃO SEJAM DEVIDOS, POR FORÇA DAS SÚMULAS N. 512 E 105, DOS COLENTOS STF E STJ, AS CUSTAS O SÃO. 5. APELO IMPROVIDO. SENTENÇA REFORMADA, EM REEXAME, EM PARTE.358

Neste julgado, determinados permissionários de serviços de transporte urbano,

na modalidade táxi-lotação, apelaram da decisão proferida pelo Juiz de Direito da 2ª

Vara da Comarca de Esteio, que julgou parcialmente procedente o mandado de

segurança impetrado contra ato do Prefeito Municipal de Esteio para suspender, em

parte, os efeitos da lei Municipal n˚ 2.772/98 e Decreto Municipal n˚ 2.007/98,

especificadamente em relação aos deficientes sensoriais e mentais, até que fosse o

benefício contemplado com a correspondente alteração da tarifa ou outra maneira

de contraprestação aos permissionários.

Tudo isto, com o intuito de restabelecer o equilíbrio econômico financeiro da

relação contratual Poder Público-Permissionário de serviço público, revogando em

parte a liminar concedida anteriormente, bem como manter, na íntegra, o benefício

de isenção tarifária no transporte de táxi-lotação da cidade, em relação aos maiores

de sessenta e cinco anos de idade e portadores de deficiência física, obedecendo-se

aos preceitos do Decreto 2.007/98 sobre identificação e cadastramento.

358BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação Cível. AC n. 599243342: relator. Desembargador Celeste Vicente Rovani. 16 de junho de 1999. Disponível em: www.tj.rs.gov.br. Acesso em 16 set. 2006.

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Entendeu o magistrado que, em relação aos maiores de sessenta e cinco anos

de idade e deficientes físicos, a isenção já existia, afastando-se somente a extensão

da isenção que abrangeu os deficientes sensoriais e mentais, eis que em relação a

estes não houve a consideração do benefício legal quando da fixação do valor da

tarifa paga pelo transporte.

Em suas razões, sustentaram os recorrentes que a edição da referida lei e

decreto posterior implicam na quebra do equilíbrio econômico-financeiro do contrato

administrativo, eis que altera cláusulas objetivas do contrato, onerando os

permissionários, sem o conseqüente reajustamento da tarifa cobrada pelo serviço.

Requereram a reforma do julgado, alegando a ilegalidade da Lei 2.772/98 por

conter vício de iniciativa, já que a Câmara Municipal não teria competência para

legislar a respeito, por envolver matéria relativa a serviço público, de restrita

atribuição do poder executivo. Afirmaram, ainda, que a legislação municipal não

pode criar novas formas de extinção de permissões de serviços públicos.

O relator do processo, Desembargador Celeste Vicente Rovani, assinalou em

seu voto que a gratuidade do transporte urbano coletivo para maiores de sessenta e

cinco anos é garantia constitucional, contemplada pelo § 2˚ do artigo 230 da

Constituição Federal, de 05 de outubro de 1988, constituindo norma auto-aplicável,

não necessitando, por isso, de lei local para implantá-la e regulá-la.

Não há, pois, que se questionar a lei e o decreto anteriormente referidos, no

que tange ao transporte gratuito das pessoas com mais de sessenta e cinco anos de

idade, já que tais diplomas nada mais fazem do que dar cumprimento à norma

constitucional de eficácia plena.

Percebe-se, pois, que a norma constitucional, nesta seara do transporte à

pessoa idosa, vinha sendo rigorosamente observada, servindo de referencial nos

julgados, como também se observa na decisão transcrita a seguir.

MANDADO DE SEGURANÇA. LEI MUNICIPAL QUE DEFERE ISENÇÃO E REDUÇÃO DE TARIFAS A PESSOAS COM MAIS DE SESSENTA

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ANOS, CONSIDERANDO TAMBÉM SEUS SALÁRIOS MÍNIMOS, COMO GANHOS DE TRABALHO. Direito líquido e certo fulcrado no inciso II, do art. 167 da anterior Constituição Federal - do fato puro e simples de a lei estabelecer tarifas que assegurem o equilíbrio econômico e financeiro do contrato, não se pode concluir, necessariamente, que o legislador, na sua regra pragmática, arredou a possibilidade de concessão de isenção ou redução tarifária. A equação do equilíbrio, na forma de como almejado, diz com um resultado e, neste, perfeitamente inserível a isenção que, aliás, é princípio tributário, dando o mesmo poder de isentar a quem pode tarifar. Na nova Carta Constitucional fala-se, agora, em política tarifária, o que consubstancia sistema de regulamentação, coordenação e fiscalização do complexo tarifário, onde perfeitamente introduzível viabilidade de casos de isenção e redução de tarifas. Inexistência de direito líquido e certo, deduzido meramente de norma diretiva constitucional que nem chegou a ter respaldo de legislador ordinário federal. PROVIMENTO CONCEDIDO.359

Este acórdão diz respeito a uma permissionária de serviço de transporte

coletivo urbano da cidade de Pelotas, que impetra mandado de segurança contra ato

do Prefeito Municipal, que instituiu isenção tarifária em favor do passageiro com

mais de sessenta anos de idade e regulamentou a cobrança do vale transporte,

beneficiando escolares e operários.

Alega a impetrante que os benefícios instituídos rompem o equilíbrio

econômico-financeiro de sua empresa, violando direito líquido e certo estabelecido

em norma constitucional, artigo 167, II, da Constituição Federal. Reclama do

possível beneficiamento duplo dos usuários com mais de sessenta anos, que teriam

acesso ao vale transporte. Em primeiro grau, fora concluída pela procedência da

ação. Todavia, a Prefeitura Municipal de Pelotas, irresignada, apela da decisão.

Em análise, o relator evidenciou não haver nos autos prova do alegado em

relação ao desequilíbrio econômico-financeiro. Assim, a isenção e redução poderiam

efetivamente constituir-se em uma renda menor, menos lucro, mas tais argumentos

não justificam um desequilíbrio econômico-financeiro, que desestabilize a empresa,

pondo em risco a consecução do serviço.

359BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação Cível. AC n. 589007236: relator. Desembargador Manoel Celeste Dos Santos. 08 de março de 1989. Disponível em: www.tj.rs.gov.br. Acesso em: 18 set. 2006.

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Além disso, de acordo com o relator, a Constituição contempla a garantia de

gratuidade, nos transportes coletivos urbanos, ao idoso com mais de sessenta e

cinco anos, de acordo com o § 2˚ do artigo 230.

Diante das decisões transcritas acima, rapidamente analisadas, é de ser

observado que o preceito constitucional referente ao transporte da pessoa idosa

vinha servindo de referência, de tal forma que não há como negar a intenção maior

do constituinte de proteger o idoso, já que não se pode perder de vista que a velhice

é de extrema importância para a disseminação de uma nova racionalidade,

destinada a valorizar essa fase da vida do ser humano, na qual também o respeito à

dignidade humana deve sempre estar presente.

Neste sentido, “a Constituição Federal brasileira de 1988 visou, com os

dispositivos citados, à proteção do idoso, procurando, assim, garantir a sua

dignidade enquanto pessoa humana, a qual deve ser preservada em todas as fases

de vida do indivíduo”.360

Uma vez analisados os julgados proferidos antes da promulgação do Estatuto

do Idoso, passa-se, a seguir, a fazer uma análise das decisões proferidas

posteriormente à vigência da Lei n. 10.741, de 2003.

É sabido que o Estatuto do Idoso vem sendo objeto de análise na Justiça

Gaúcha, principalmente no tocante à parte que dispõe sobre o transporte da pessoa

idosa, como se verá pelas Ementas transcritas abaixo.

MANDADO DE SEGURANÇA. TRANSPORTE COLETIVO. PERMISSÕES. TRANSPORTE GRATUITO A PESSOAS COM MAIS DE 65 ANOS DE IDADE. PRECEITO CONSTITUCIONAL. OBSERVÂNCIA DO ARTIGO 39, DO ESTATUTO DO IDOSO E DE LEI MUNICIPAL. EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO DO NEGÓCIO. MANUTENÇÃO. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. TRANCAMENTO DO INQUÉRITO CIVIL. DESCABIMENTO. MANUTENÇÃO DA SEGURANÇA.361

360SANTIN, Janaína R. A dignidade da pessoa e os direitos sociais do idoso no Brasil.In: SANTIN, J. R; VIEIRA, P. S; FILHO, H. T. (Org.) Envelhecimento Humano: saúde e dignidade. Passo Fundo: UPF, 2005, p. 93. 361BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Mandado de Segurança. MS n. 70012131439: relator. Desembargador Arno Werlang. 26 de outubro de 2005. Disponível em: www.tj.rs.gov.br. Acesso em: 18 set. 2006.

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Trata-se de um mandado de segurança impetrado por várias empresas de

transporte, em razão de terem sido notificadas para comparecimento junto ao

Ministério Público para o fim de firmar compromisso de ajustamento de conduta nos

autos de inquérito civil que visa à apuração do cumprimento pelas empresas

permissionárias do disposto no artigo 39, da Lei Federal n. 10.741/03 e de Lei

Municipal, que dispõe sobre a obrigatoriedade de reserva de assentos e gratuidade

no transporte de pessoas maiores de sessenta e cinco anos.

As empresas entendiam ser impossível o cumprimento de tal exigência, tanto

que se negaram à assinatura do compromisso, haja vista entenderem pela

preservação do equilíbrio econômico-financeiro, além de alegarem que seu percurso

para linhas era rural.

Fora deferida parcialmente a liminar para o fim de que a autoridade apontada

como coatora se abstivesse de exigir dos impetrantes o cumprimento do que dispõe

a lei municipal e o estatuto do idoso, artigo 39.

O relator, em seu voto, refere que a Constituição Federal, no artigo 230,

parágrafo 2˚, impõe a gratuidade a idosos nos transporte coletivos urbanos e o

Estatuto do Idoso, no seu artigo 39, da mesma forma, buscando não ferir a Carta

Maior, igualmente faz a ressalva de transportes coletivos urbanos e semi-urbanos.

O relator refere, ainda, que as impetrantes resistiam à concessão da gratuidade

sob o argumento de que restariam economicamente prejudicadas. Todavia, o

cumprimento da lei não pode acarretar prejuízo, não pode significar desequilíbrio

econômico-financeiro de negócios jurídicos em detrimento de uma das partes,

havendo, então, de ser buscada uma maneira justa e eficiente de lhe dar

cumprimento.

No caso em análise, o relator não reconheceu o direito líquido e certo das

empresas de transporte de continuar operando no sistema de transporte de

passageiros sem a obrigatoriedade de observar a gratuidade a passageiros maiores

de sessenta e cinco anos.

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Além desta decisão, também deve ser observada a transcrita abaixo:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RECONHECIDO QUE O TRANSPORTE COLETIVO É INSTRUMENTO MATERIAL PARA O EXERCÍCIO CONSTITUCIONAL DA CONDIÇÃO DO IDOSO. NEGADO PROVIMENTO AO AGRAVO.362

A decisão acima referida trata-se de um agravo de instrumento interposto por

Expresso Dunas Brancas Ltda, em face de decisão proferida nos autos de uma ação

civil pública, que deferiu a liminar postulada pelo Ministério Público, no sentido de

que fosse cumprido o disposto no Estatuto do Idoso (art. 39, da Lei n. 10.741/03), no

que tange à gratuidade nos transportes coletivos públicos urbanos e semi-urbanos,

aos maiores de sessenta e cinco anos. Fora fixada multa de R$ 10.000,00(dez mil

reais), para cada ocasião em que fosse negado a um idoso o referido direito.

Salientou a agravante, que o § 2˚ do artigo 230, da Constituição concedia a

gratuidade somente na utilização do transporte urbano e que nenhuma das linhas

que detinha eram urbanas.

O relator do processo, Desembargador Rogério Gesta Leal, ao analisar o

Estatuto do Idoso como norma jurídica cogente em face do caso concreto,

reconheceu que o Estatuto do Idoso efetivamente se apresenta como um

instrumento normativo que vem ao encontro do que dispõe, dentre outras normas

constitucionais, o artigo 231, da Carta Política, quando assevera que a família, a

sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua

participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-

lhes o direito à vida.

No particular, envolvendo matéria que diz respeito ao transporte para os

idosos, o texto constitucional é perene, eis que, no próprio artigo 230, § 2˚, temos a

disposição de que aos maiores de sessenta e cinco anos é garantido a gratuidade

dos transportes coletivos urbanos. Da mesma forma, preceitua o artigo 39 do

Estatuto do Idoso. 362BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Agravo de Instrumento. AG n. 70010810844: relator. Desembargador Rogério Gesta Leal. 14 de julho de 2005. Disponível em: www.tj.rs.gov.br. Acesso em: 22 set. 2006.

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Nesta direção, de acordo com o desembargador, urge reconhecer que o

transporte coletivo se afigura como instrumento material para o exercício

constitucional da condição do idoso no país, haja vista ser um meio de acesso ao

trabalho, ao lazer, à cultura, à educação.

Desta forma, reconhece o julgador, que o centro neural da lide diz respeito a

um direito e prerrogativa constitucional e infraconstitucional dos idosos, que não

pode ceder diante de forçada interpretação restritiva de que o transporte urbano

realizado pelo agravante, limita-se à área urbana do município, descrita em lei local,

até porque tal hermenêutica sequer resiste ao cotejamento do próprio microssistema

do Estatuto do Idoso, quando prevê, em seu artigo 40, regras para a gratuidade no

transporte interestadual, portanto, deixando claro que transporte urbano é o que diz

respeito ao trânsito no âmbito dos limites territoriais da municipalidade,

independentemente da zona em que ele ocorra.

Outra decisão existente, neste mesmo sentido, também trata de um recurso de

agravo de instrumento interposto por uma empresa de transporte contra decisão

proferida nos autos de uma ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público,

determinando que a empresa concedesse a gratuidade de passagens aos maiores

de sessenta e cinco anos de idade, fixando multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais)

para cada ocasião em que fosse negado a um idoso a gratuidade de passagem.

O relator Vasco Della Giustina, em análise ao recurso, refere que: “[...] não se

pode olvidar que a gratuidade de transporte urbano coletivo para maiores de

sessenta e cinco anos é, acima de tudo, garantia constitucional, contemplada no art.

230, § 2˚ da Constituição Federal”.363

Diz, ainda, que não há que se falar em quebra do equilíbrio econômico-

financeiro estabelecido por contrato administrativo celebrado com o Poder Público,

porquanto acima dos princípios capitalistas está a proteção aos direitos sociais e o

supremo princípio da prevalência dos direitos humanos.

363É de ser observado que na parte dispositiva o Relator não fez menção ao artigo 39 do Estatuto do Idoso, referindo-se, apenas, ao dispositivo constitucional.

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Assim, com base neste discurso, o voto foi pelo parcial provimento ao agravo,

apenas no sentido de minorar a multa para R$ 500,00 (quinhentos reais) para cada

ocasião em que fosse negado a um idoso o direito reivindicado por meio desta ação

civil pública.

A presente decisão restou ementada da seguinte forma:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. SÃO JOSÉ DO NORTE. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. GRATUIDADE DO TRANSPORTE COLETIVO URBANO PARA MAIORES DE SESSENTA E CINCO ANOS DE IDADE. POSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DO ART. 39 DA LEI N˚ 10.741/03(ESTATUTO DO IDOSO). AGRAVO DE INSTRUMENTO PARCIALMENTE PROVIDO.364

Por fim, também com fundamento justificado em previsão constitucional e

infraconstitucional, o Desembargador Cláudio Baldino Maciel julgou recentemente,

em dezembro de 2006, a apelação cível n° 70014800734, que restou ementada da

seguinte forma:

APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATO DE TRANSPORTE TERRESTRE. AÇÃO COLETIVA DE CONSUMO. TRANSPORTE GRATUITO. IDOSOS. PREVISÃO CONSTITUCIONAL E INFRACONSTITUCIONAL. ESTATUTO DO IDOSO. LEI MUNICIPAL. INDENIZAÇÃO. POSSIBILIDADE. MULTA. MANUTENÇÃO. PREQUESTIONAMENTO. Diante da impossibilidade de classificar o transporte em questão como exclusivamente intermunicipal ou municipal, deve prevalecer o caráter preponderante, que é o urbano, conceito este que, no caso dos autos, abrange não apenas o deslocamento municipal, como também, o intermunicipal, uma vez que a atividade é desenvolvida em zona urbana contígua e conta com expressivo número de paradas no perímetro dos municípios da liga. Deste modo, incidem as disposições contidas no estatuto do idoso, lei n°. 10.741/04, e na legislação municipal que, na forma prevista por aquele primeiro diploma, tratou da gratuidade do transporte urbano destinado aos idosos com idade entre sessenta e sessenta e cinco anos. Presente a cobrança indevida, a qual, inclusive, é expressamente vedada por lei, impõem-se a manutenção da decisão que reconheceu o dever de indenizar, sob pena de, assim não procedendo, favorecer o enriquecimento sem causa da ré, o que vem repelido pela lei civil de 2002, em seu art. 884. Descabe o afastamento da multa cominatória fixada na sentença diante da expressa previsão contida no art. 461, § 5° do Código de Processo Civil quanto à sua aplicabilidade. Não é encargo do julgador manifestar-se sobre todos os fundamentos legais apontados pelas partes, nem mesmo para fins de prequestionamento. Basta que a prestação jurisdicional seja motivada, com a indicação das bases legais que dão suporte a sua decisão.

364BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Agravo de Instrumento. AG n. 70010912145: relator. Desembargador Vasco Della Giustina. 03 de agosto de 2005. Disponível em: www.tj.rs.gov.br. Acesso em: 22 set. 2006.

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Apelo provido.365

Percebe-se, pois, que apesar de constar na primeira parte da ementa que o

embasamento vinha ao encontro da previsão constitucional e infraconstitucional, na

parte explicativa da ementa, fica clara a tendência de se valorizar a norma contida

no Estatuto do Idoso, até porque, em nenhuma oportunidade, constou a referência

contida no artigo 230, § 2°, da Lei Maior.

365BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação Cível. AC n. 70014800734: relator. Desembargador Cláudio Baldino Maciel. 21 de dezembro de 2006. Disponível em: www.tj.rs.gov.br. Acesso em: 02 out. 2007. Neste julgado, a Harter Ltda, nos autos da ação coletiva de consumo proposta pelo Ministério Público interpôs recurso em face da sentença através da qual foi julgada procedente a demanda e condenada a requerida a abster-se quanto à cobrança de passagem relativamente aos maiores de sessenta anos no transporte coletivo urbano, sendo, ainda, vedada a prática de qualquer ato discriminatório dos beneficiários na execução do serviço concedido pelo poder público. A condenação abrangeu também a indenização aos usuários que utilizaram o transporte prestado pela ré e pagaram indevidamente pelo mesmo. Houve fixação de multa no valor correspondente a dois salários mínimos a incidir a cada cobrança indevida ou discriminação praticada pela demandada para com os idosos a quem se refere o comando sentencial. Conforme relato constante na inicial, Deolinda Correa Büttow aviou reclamação junto ao Parquet e contra a ré relativamente aos serviços de transporte público urbano por esta prestados, afirmando que a mesma não estaria observando a disposição legal que garante a gratuidade aos idosos. Tal fato fez com que o Ministério Público instaurasse “Peças de Informação”, o que culminou na presente demanda. A apelante(Harter Ltda) suscita a preliminar de ilegitimidade passiva, uma vez que a ação tem por objeto a abstenção quanto à cobrança de passagens decorrentes do transporte urbano de passageiros com idade igual ou superior a sessenta anos, sendo que a mesma não realiza tal tipo de transporte, limitando-se a efetuar o deslocamento intermunicipal de pessoas mediante concessão do Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem – DAER. Indica, ainda, inexistirem elementos capazes de permitir a identificação se o passageiro irá desembarcar nos limites do município de Pedro Osório ou se irá até Cerrito. Aponta a existência de irregularidades nas “Peças de Informação n°s 39/003”, as quais embasam a presente demanda. Afirma que naquela oportunidade, muito embora tenha sido oficiado o DAER para que se manifestasse acerca do percurso, que a empresa investigada desenvolve no município de Pedro Osório, não houve manifestação do órgão, a qual é imprescindível ao deslinde da controvérsia. Demanda, assim, o arquivamento do processo. Adotando o princípio da eventualidade, postula que em não sendo acolhida a alegação anterior, seja determinado que o DAER passe a integrar o pólo passivo da ação. Menciona que ao conceder gratuidade fora das hipóteses previstas na Constituição Federal e da Lei Estadual n°.10.928/97 está sujeita à cominação de multas por parte do departamento concedente ou mesmo à caducidade do contrato de concessão. O Desembargador Cláudio Baldino Maciel(Relator) negou provimento ao recurso, tendo sido acompanhado no voto por seus colegas. Segundo ele, a matéria dos autos se refere à prestação de serviço de transporte público, suas limitações geográfico-territoriais e a regulação incidente no caso relativamente aos idosos que utilizam tal serviço. Não há como definir, segundo o desembargador, no caso dos autos, se o transporte em questão é urbano ou intermunicipal. Por esta razão, deve prevalecer a natureza preponderante, que é simplesmente a urbana. Deste modo, é dever da empresa suportar os ônus daí resultantes. Quanto à indenização devida aos passageiros de quem foi cobrada indevidamente a tarifa, o desembargador relator refere que uma vez editado o Estatuto do Idoso, destinado a complementar a norma constitucional posta no artigo 230 e, sobrevindo lei municipal nos termos previstos naquele primeiro diploma, incumbia à ré atender as disposições ali constantes e, com isso, isentar de pagamento de tarifa os idosos transportados que contassem com idade igual ou superior a sessenta anos. Assim, existindo uma cobrança indevida e vedada por lei, a manutenção de tal ganho implicaria enriquecimento sem causa da ré. Quanto à multa, entendeu que descabe o seu afastamento.

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O que se observa, com base nas decisões acima transcritas, é que as decisões

proferidas posteriormente à promulgação do Estatuto do Idoso, cujo viés principal é

justamente o artigo 39 deste diploma, não representam necessariamente uma

inovação com relação àquelas proferidas com base no dispositivo constitucional,

leia-se aqui, o artigo 230, § 2˚, uma vez que tal regramento já estava previsto na

Constituição Federal.

Todavia, igualmente nos julgados posteriores ao Estatuto, identifica-se uma

preocupação muito grande com relação à pessoa idosa, no sentido de preservar a

sua dignidade, pois esta como se sabe, não está na dependência de suas

características externas, da classe social a que pertence, de seu gênero, idade ou

cor, do cargo que ocupa, dos bens materiais que ostenta, de sua popularidade ou

utilidade para os demais.

Uma vez analisadas algumas decisões proferidas pelo Tribunal de Justiça do

Estado do Rio Grande do Sul, passa-se, a partir de agora, a fazer a mesma análise,

porém como base em decisões jurisprudenciais pelo Superior Tribunal de Justiça.

3.2.2 Julgados do Superior Tribunal de Justiça

No Superior Tribunal de Justiça ainda que em menos número do que no

Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, também existem decisões a

respeito da matéria aqui apresentada, como se vê pelas ementas abaixo transcritas:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. APELAÇÃO. TRANSPORTE PÚBLICO. GRATUIDADE AOS IDOSOS. FONTE DE CUSTEIO. NECESSIDADE. OMISSÃO EM RELAÇÃO À DISPOSIÇÀO DE LEI COMPLEMENTAR MUNICIPAL. EMBARGOS DECLARATÓRIOS. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 535 DO CPC CARACTERIZADA. PREJUDICADAS AS DEMAIS QUESTÕES. I – O acórdão recorrido, proferido em autos de apelação em mandado de segurança no qual se discutia a necessidade de fonte de custeio para a gratuidade de transporte coletivo para os idosos, deixou de abordar, embora ventilado em sede de embargos declaratórios também, o tema relacionado à previsão disposta na Lei Complementar Municipal n˚ 09/99, relevante ao deslinde da controvérsia. II – Caracterizada, assim, a afronta ao artigo 535 do Código de Processo Civil, prejudicadas as demais questões abordadas no presente apelo, deve o feito retornar ao Tribunal de origem para análise da referida questão.

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III – Recurso provido.366

Da mesma forma, deve-se analisar a decisão seguinte:

CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO ORDINÁRIA. ESTATUTO DO IDOSO. RESERVA DE VAGA GRATUITA EM TRANSPORTE COLETIVO RODOVIÁRIO INTERESTADUAL. SERVIÇO PÚBLICO PRESTADO POR EMPRESA PRIVADA PERMISSIONÁRIA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. INEXISTÊNCIA DE INTERESSE DE ENTE FEDERAL DECLARADA PELA JUSTIÇA FEDERAL. SÚMULA 150/STJ. INCIDÊNCIA. 1. Ação ordinária proposta em face de empresa permissionária de serviço público de transporte coletivo interestadual, objetivando a reserva de vaga gratuita para idoso, ex vi da Lei 10.471/2003 (Estatuto do Idoso). 2. A competência cível da Justiça Federal é definida ratione personae, sendo irrelevante a natureza da controvérsia posta à apreciação. Não configurando, em qualquer dos pólos da relação processual, a União, entidade autárquica ou empresa pública federal, a justificar a apreciação da lide pela Justiça Federal, impõem-se rejeitar a sua competência. 3. Deveras, tratando-se de relação jurídica instaurada em ação entre a empresa permissionária de serviço público e o usuário, não há interesse na lide do poder concedente, no caso, a União, falecendo, a fortiori, competência à Justiça Federal. 4. Ademais, sequer cabe à Justiça Estadual sindicar do potencial interesse da Justiça Federal para julgamento da demanda, ante o teor da Súmula 150, do STJ. 5. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo de Direito da 1ª Vara Cível de Lajeado – RS, o suscitado.367

Cuida-se de conflito negativo de competência suscitado pelo Juízo da Vara

Federal de Lajeado, em face do Juízo de Direito da 1ª Vara Cível de Lajeado, nos

autos de ação ordinária ajuizada por Orlanda Jane Cajé de Oliveira em face de

Pluma Conforto e Turismo S/A, objetivando a reserva de vaga gratuita em veículos

366BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial. RE n. 824.518: relator. Ministro Francisco Falcão. 09 de maio de 2006. Disponível em: www.stj.gov.br. Acesso em: 02 out. 2007. Trata-se de recurso especial interposto pela Aviação Dedo de Deus Ltda, visando reformar decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Alega a recorrente afronta ao artigo 6˚ da LICC, pois o Decreto n˚ 3.111/04, editado pelo Prefeito de Teresópolis concedendo gratuidade nos transportes coletivos urbanos aos idosos, desrespeitou o instituto do ato jurídico perfeito, na medida em que alterou contrato de permissão anteriormente assinado, trazendo, a título de comprovação da alegada divergência, acórdão prolatado por este Superior Tribunal nos autos do Agravo Regimental na Suspensão de Segurança n˚ 1.414/DF. O Excelentíssimo Senhor Ministro Luiz Fux, em seu voto, destacou que muito embora a questão de mérito gravite em torno do § 2˚, que, efetivamente, não é uma norma programática, essa regra constitucional tem normatividade suficiente, no sentido de que aos maiores de sessenta e cinco anos é garantida a gratuidade dos transportes coletivos urbanos. 367BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Conflito de Competência. CC n. 47.229: relator. Ministro Luiz Fux. 08 de março de 2006. Disponível em: www.stj.gov.br. Acesso em: 02 out. 2007.

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da empresa demandada que realizem viagens interestaduais, com fulcro no Estatuto

do Idoso.

A ação foi ajuizada perante o Juízo Estadual, que declinou da competência sob

o fundamento de que a Agência Nacional de Transportes Terrestres e Departamento

Nacional de Estradas de Rodagem são órgãos públicos de natureza federal e que a

passagem pretendida é de âmbito interestadual, entendendo que a competência

para apreciar o feito era da Justiça Federal. Por outro lado, o Juízo Federal

entendeu pela ausência de interesse da União para figurar no feito, razão pela qual

não seria sua a competência.

Segundo o Ministro Luiz Fux, relator do processo, na hipótese dos autos, a

ação foi ajuizada contra pessoa jurídica de direito privado, permissionária de serviço

público de transporte coletivo interestadual, pretendendo reserva de vaga gratuita

para idoso, ex vi do Estatuto do Idoso.

A união, entidade autárquica ou empresa pública federal não figura, em

qualquer dos pólos da ação, inexistindo, portanto, motivo a justificar a apreciação da

lide pela Justiça Federal, devendo-se fixar a competência da Justiça Estadual.

Dando continuidade, é de ser analisada a decisão que segue, também fundada

no Estatuto do Idoso:

AGRAVO REGIMENTAL – GRATUIDADE DE TRANSPORTE TERRESTRE INTERESTADUAL AO IDOSO – SUSPENSÃO SEGURANÇA – INDEFERIMENTO – MANUTENÇÃO DO EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO DO CONTRATO – LESÃO À ORDEM PÚBLICA NÃO CONFIGURADA.

1. Não se examina um pedido de suspensão lesão à ordem jurídica, cuja análise fica resguardada às vias recursais ordinárias.

2. Ao estabelecer um serviço de transporte de natureza assistencial em favor dos idosos de baixa renda o legislador exigiu, como condição de eficácia do dispositivo, a edição de legislação específica para regulamentar sua execução na integralidade. Diante da inexistência de legislação específica não há que se falar em eficácia do dispositivo legal.

3. O serviço de transporte coletivo rodoviário se realiza por ações de empresas mediante contratos de concessão, permissão ou autorização firmados com o Poder Público. São, portanto, contratos administrativos nos

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quais, desde a celebração, deve estar prevista a forma de ressarcimento, pelo Estado, das despesas da empresa na execução do serviço público.

4. Mesmo nos contratos administrativos, ao poder de alteração unilateral do Poder Público contrapõe-se o direito que tem o particular de ver mantido o equilíbrio econômico-financeiro do contrato, considerando-se o encargo assumido e a contraprestação pecuniária garantida pela administração.

5. A Constituição Federal exige que nenhum benefício ou serviço da seguridade social seja criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio.

6. Não havendo lesão a quaisquer dos bens jurídicos tutelados pela norma de regência, é de ser negada a suspensão requerida.

7. Agravo não provido.368

Em ação cautelar preparatória movida pela Associação Brasileira das

Empresas de Transporte Terrestre de Passageiros, com vistas à suspensão da

obrigatoriedade de suas associadas, empresas permissionárias da Agência Nacional

de Transportes Terrestres, realizarem o transporte de passageiros idosos, até efetiva

regulamentação do Estatuto do Idoso. O Juiz Federal da 14ª Vara de Brasília

concedeu liminar determinando que a ANTT e a União se abstivessem de praticar

qualquer ato tendente a punir as associadas da autora no que toca ao cumprimento

da reserva de vagas para idosos, prevista no Estatuto.

O Excelentíssimo Senhor Ministro Edson Vidigal, relator do processo, relatou

que não se está em negar o benefício da gratuidade concedido pelo Estatuto do

Idoso, mas, tão somente, a observar as exigências para a sua exeqüibilidade.

Do mesmo modo, é a decisão a seguir:

ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. MEDIDA CAUTELAR. GRATUIDADE DO TRANSPORTE TERRESTRE INTERMUNICIPAL AO IDOSO. EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO DO CONTRATO. SUSPENSÃO DE SEGURANÇA. EFEITOS. TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA CONCESSIVA DO MANDAMUS. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA 211/STJ. DISSÍDIO PRETORIANO. FALTA DE SIMILITUDE FÁTICA. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICA. SÚMULA 7/STJ. 1. Para que se considere preenchido o requisito do prequestionamento a causa deveria ter sido decidida à luz dos dispositivos apontados por

368BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental na Suspensão de Segurança. AgRg n. 1.404: relator. Ministro Edson Vidigal. 25 de outubro de 2004. Disponível em: www. stj.gov.br. Acesso em: 09 ago. 2007.

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violados. Malgrado tenham sido aviado embargos de declaração com o fim de vê-los examinados, a agravante não apontou, no recurso especial, malferimento ao art. 535 do CPC. Tal circunstância atrai aplicação da Súmula 211 desta Corte. 2. Não há similitude fática entre os arestos confrontados, já que o acórdão recorrido solucionou a controvérsia com fundamento em legislação estadual e o paradigma com base em diploma federal. 3. Este Tribunal Superior, na via especial, não poderia adentrar no mérito de circunstâncias de fato que são necessárias para que seja concedida suspensão de segurança, nos moldes do art. 4˚ da Lei n˚ 4.348/64. Óbice do disposto na Súmula 7/STJ. 4. Agravo regimental improvido.369

Outra decisão foi proferida pelo Superior Tribunal, porém, com base

constitucional, como se vê a seguir:

PROCESSO CIVIL. ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA ATO JUDICIAL. SÚMULA 267/STF. CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO. TRANSPORTE DE PASSAGEIROS. ATUAÇÃO COMO LONGA MANU DO ESTADO. INTERVENÇÃO COMO ASSISTENTE SIMPLES. ART. 52, CPC. 1. O mandado de segurança não é sucedâneo de recurso, sendo imprópria a sua impetração contra decisão judicial passível de impugnação prevista em lei, consoante o disposto na Súmula n˚ 267 do STF. 2. A decisão liminar de órgão fracionário dos tribunais enseja agravo, impassível de ser substituído pelo mandado de segurança. Admitido o writ e denegado, é lícito ao Tribunal Superior, em recurso ordinário, com ampla devolutividade, aferir a carência de ação pela impropriedade da via eleita ab origine. 3. Nos regimes de concessão de serviços públicos as entidades concessionárias representam uma longa manu do Estado, certo que as decisões proferidas contra este vale para aquelas. A concessão, como evidente, não pode ser efetivada com sacrifício dos comandos constitucionais que regulam o agir do poder concedente. Destarte, na concessão, a transferência dos serviços, opera-se com as limitações que atingem o poder concedente, pelo princípio de que memo plus iuris transfere ad aliu potest quam ipse habet (ninguém pode transferir mais direitos do que tem). Impondo a Constituição Estadual, por reprodução da Carta Federal (art. 230, CF), limites à concessão, estes devem ser

369BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental na Medida Cautelar. AgRg n. 9.780: relator. Ministro Castro Meira. 16 de fevereiro de 2006. Disponível em: www.stj.gov.br. Acesso em: 09 ago. 2007. O relator do processo, Ministro Castro Meira, refere que o Tribunal de origem limitou-se a se manifestar acerca do lapso temporal que deve se estender à suspensão da segurança com fundamento na Súmula 626 do STF, bem como resguardou a gratuidade do transporte com fundamento na legislação estadual do Estado da Bahia. Inexiste, assim, ato do governo local conforme pretende a agravante. A matéria versa sobre lei local, especificadamente sobre a Lei Baiana 9.013/04, Decreto 9.072/04 e Resolução Agerba 11/03. O acórdão recorrido solucionou a controvérsia com fundamento em legislação estadual e o paradigma com base em diploma federal (Estatuto do Idoso).

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respeitados, sem admissão de oposição pela concessionária em razão do próprio regime de submissão que se lhe impõe. 4. O concessionário age vinculadamente ao poder concedente, subsumindo-se às determinações emanadas deste poder, em sentido amplo, donde as decisões proferidas em face do concedente obrigam também o concessionário. 5. Em conseqüência, tratando-se de concessão de serviço público – transporte de passageiros – não há litisconsórcio necessário entre a entidade e o Estado, senão a possibilidade de intervenção do concessionário no feito como assistente simples, sujeitando-se aos limites estabelecidos para essa modalidade de intervenção de terceiro. 6. O assistente assume o processo no estado em que se encontra, sujeitando-se às preclusões operadas em face do assistido no juízo e foro preventos na forma do art. 109, do CPC. 7. Deveras, o impedimento à quebra do equilíbrio econômico-financeiro do contrato é dever do Poder concedente, cuja responsabilidade não pode ser persequível nem em mandado de segurança autônomo substitutivo de ação de cobrança, via interditada pela Súmula 269 do STF, nem pelo viés da intervenção litisconsorcial. 8. Recurso improvido.370

3.2.3 Julgados do Supremo Tribunal Federal

No Supremo Tribunal Federal, muito poucas decisões existem a respeito. Uma

datada de 1989, restou ementada da seguinte forma:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEGITIMIDADE ATIVA DE UM DOS AUTORES: adequação da causa à sua finalidade estatutária. Interpretação teleológica do dispositivo constitucional. Tese nova que deve ser submetida à instrução e ao contraditório, tanto mais quando a outra Associação requerente detém, em princípio, o requisito para interpor a ação (CF, art. 103, inc. IX). MEDIDA CAUTELAR. Isenção – concedida pelo legislador constituinte estadual – de tarifa nos transportes coletivos, urbanos e fluviais, a usuários deficientes, idosos, policiais em serviço e estudantes da rede oficial durante o período letivo. Âmbito de validade das Constituições dos Estados em face da autonomia que os Municípios recolhem da própria Lei Fundamental da União. Questão jurídica relevante. Irreparabilidade dos prejuízos, porém,

370

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Ordinário. RO n. 14.865: relator. Ministro Luiz Fux. 08 de outubro de 2002. Disponível em: www.stj.gov.br. Acesso em: 02 out. 2007. Neste julgado, o Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Nova Iguaçu e outros impetraram mandado de segurança contra o Desembargador Presidente do 5˚ Grupo de Câmaras Cíveis do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro que, nos autos do mandado de segurança impetrado pela Associação do Clube da Maior Idade do Rio de Janeiro em face do Secretário de Estado de Transportes do Estado do Rio de Janeiro, concedeu a ordem determinando que a autoridade coatora expedisse instrumento legal ordenando que as empresas concessionárias de transporte garantissem aos cidadãos, maiores de 65 anos de idade, o direito de viajarem gratuitamente.

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dos usuários e não dos argüentes, a impedir a concessão da liminar. Cautelar indeferida.371

Neste julgado, argüindo a inconstitucionalidade do artigo 255, da Constituição

de 05 de outubro de 1989, do Estado do Amazonas, a requerente Associação

Nacional das Empresas de Transporte de Passageiros do Estado do Amazonas,

propõe a presente ação direta de inconstitucionalidade de ato normativo estadual e

requer, liminarmente, medida cautelar, que suspenda os efeitos do dispositivo

impugnado (artigo 102, I, a, da Constituição).

Na inicial, referiram que o artigo 255 da Constituição do Amazonas, ao isentar

do pagamento de tarifas nos transportes coletivos, urbanos ou fluviais, os deficientes

de locomoção, os policiais em serviço, os idosos maiores de 65 anos e os alunos da

rede escolar oficial, no período letivo, ofende o artigo 30 da Constituição Federal,

que dá aos Municípios, no seu inciso V, a competência para legislar sobre o

transporte coletivo.

Figurando como requerida, a Assembléia Legislativa do Estado do Amazonas,

o relator Ministro Célio Borja votou no sentido de que a possível irreparabilidade do

prejuízo em que incorreriam os prestadores de serviço de transportes ou os seus

usuários, em decorrência da recusa ou da concessão da cautelar e do êxito ou

fracasso da ação é patente, pois os passageiros isentos que pagassem o preço

tarifado não o recuperariam, se improcedente a ação, salvo a emissão de

documento comprobatório do pagamento; mas, se, porventura, procedente a ação, o

transportador poderia cogitar de alguma forma o ressarcimento dos preços não

cobrados em razão da negativa cautelar.

Com isso, o pedido cautelar restou indeferido, uma vez que não fora

vislumbrado o vulto do prejuízo para as empresas de transporte.

Outra decisão, mais recente, trata-se de um pedido de Suspensão de

Segurança feito ao Supremo, onde a Agência Nacional de Transportes Terrestres

questionou liminar em Mandado de Segurança concedida pelo Tribunal Regional da

371BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade. n. 107-8: relator. Ministro Célio Borja. 19 de outubro de 1989. Disponível em: www.stf.gov.br. Acesso em: 09 ago. 2007.

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1ª Região à Associação Brasileira das Empresas de Transportes Terrestres de

Passageiros. O Mandado de Segurança havia suspendido o direito ao transporte

gratuito para idosos.372

O Ministro Gilmar Mendes citou, em sua decisão, o artigo 230 da Constituição

Federal, que diz que o Estado, a sociedade e a família têm o dever de amparar as

pessoas idosas e ressaltou que a questão a ser definida pela Agência Nacional de

Transportes Terrestres relativa ao equilíbrio tarifário das empresas é uma questão

que exige providência administrativa, tendo em vista o disposto no artigo 175

combinado com o artigo 37, XXI da Constituição Federal de 1988.

Citou, ainda, o artigo 40 do Estatuto do Idoso, que determina a reserva de duas

vagas gratuitas por ônibus para idosos com renda igual ou inferior a dois salários

mínimos. Estabelece, também, desconto de 50% no preço das passagens para os

demais idosos que excederem as vagas gratuitas.

Uma outra decisão373 também recente, que merece ser referida, trata-se de

uma ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pela Associação Nacional das

Empresas de Transportes Urbanos – NTU contra o artigo 39, caput, da Lei 10.741,

de 2003, que garante, como já visto, a gratuidade dos transportes coletivos públicos

urbanos e semi-urbanos aos maiores de sessenta e cinco anos.

O Tribunal, por maioria, julgou improcedente o pedido formulado em ação

direta de inconstitucionalidade, salientando que a norma do § 2˚ do artigo 230 da

Constituição Federal de 1988 é de eficácia plena e aplicabilidade imediata. Além

disso, o caput do artigo 230 prevê que a família, a sociedade e o Estado têm o dever

de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade,

defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.

372PASSAGEM ZERO: Gilmar Mendes autoriza transporte gratuito a idoso. O Estadão, São Paulo, 05 jan. 2007. Disponível em: http://conjur.estadao.com.br/static/text/51798,1. Acesso em: 23 out. 2007. 372BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade. n. 3768/DF: relatora. Ministra Cármen Lúcia. 19 de setembro de 2007. Disponível em: http://direitoempauta.blogspot.com/2007/09/stf-constitucional-dispositivo-do.html. Acesso em: 24 out. 2007.

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Asseverou-se que o direito dos idosos ao transporte gratuito não é um fim em

si mesmo, e que a facilidade de seu deslocamento físico pelo uso de transporte

coletivo deve ser assegurada como garantia da qualidade digna de vida para os que

não podem pagar ou já colaboraram com a sociedade em períodos pretéritos.

Realizada a análise jurisprudencial, faz-se necessário neste momento estudar

a força normativa da Constituição Federal de 1988, uma vez que o objetivo desta

pesquisa é justamente examinar se esta tem por si só força normativa suficiente

capaz de garantir às pessoas idosas o direito ao transporte, com base no princípio

da dignidade da pessoa humana.

3.3 A força normativa da Constituição Federal de 1988

É importante que se relembre, ainda que de forma bastante rápida, a

dificuldade da introdução da idéia de uma constituição normativa no continente

europeu. E isso se deveu, no campo intelectual, às idéias de Ferdinand Lassale.

Em 16 de abril de 1862, Ferdinand Lassale374 proferiu, numa associação

liberal-progressista de Berlim, sua conferência sobre a essência da constituição.

Segundo sua tese fundamental, questões constitucionais não são questões jurídicas,

mas sim questões políticas. Esse documento chamado constituição não passava,

nas palavras de Lassale, de um pedaço de papel.

Como opositor das idéias de Lassale, Hesse cria a idéia de vontade da

constituição, que acaba remetendo à sua força normativa. No entanto, Hesse

374Consultar LASSALLE, Ferdinand. O que é uma constituição? Tradução de Hiltomar Martins Oliveira. Belo Horizonte: Líder, 2002, p. 48. Segundo Lassale, a essência da Constituição de um país é o somatório dos fatores reais de poder que vigoram nesse país. Colhem-se estes fatores reais de poder, registram-se em uma folha de papel, se lhes dá expressão escrita, e a partir deste momento, incorporados a um papel, já não são simples fatores reais de poder, mas que se erigiram em direito, em instituições jurídicas, e quem atentar contra eles atentará contra a lei e será castigado.Consultar, também, LASSALE, Ferdinand. A essência da constituição. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2001, p.17-18. O autor questiona o seguinte: Mas que relação existe com o que vulgarmente chamamos Constituição? Com a Constituição jurídica? Não é difícil compreender a relação que os conceitos guardam entre si. Juntam-se esses fatores reais do poder, os escrevemos em uma folha de papel e eles adquirem expressão escrita. A partir desse momento, incorporados a um papel, não são simples fatores reais do poder, mas sim verdadeiro direito – instituições jurídicas. Quem atentar contra eles atenta contra a lei e por conseguinte é punido.

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entende que para chegar a esse status, há que se compreender a gênese da norma

constitucional que, segundo ele, são sobretudo relações de poder.375

Segundo o pensamento do próprio Hesse:

Concluindo, pode-se afirmar que a Constituição converter-se-á em força ativa se se fizerem presentes, na consciência geral – particularmente, na consciência dos principais responsáveis pela ordem constitucional - , não só a vontade de poder (Wille zur Macht), mas também a vontade de Constituição (Wille zur Verfassung).376

Essa idéia de vontade da Constituição origina-se de três vertentes diversas.

Baseia-se na compreensão da necessidade e do valor de uma ordem normativa

inquebrantável, que proteja o Estado contra o arbítrio desmedido e disforme. Reside,

igualmente, na compreensão de que essa ordem constituída é mais do que uma

ordem legitimada pelos fatos. Assenta-se também na consciência de que, ao

contrário do que se dá com uma lei do pensamento, essa ordem não logra ser eficaz

sem o concurso da vontade humana. Essa ordem, enfim, adquire e mantém sua

vigência através de atos de vontade.377

Isto quer dizer, em palavras mais simples, que a feitura de uma constituição é

fruto de pressão dos mais diversos grupos sociais. Assim sendo, não se pode

olvidar, jamais, de seu caráter político, fruto das forças da sociedade em um

determinado momento.

No momento em que se estuda a força normativa da constituição e, tendo por

base um dos objetivos desta pesquisa, que é buscar saber se a Constituição Federal

de 1988 tem por si só força normativa suficiente capaz de garantir aos idosos o

direito ao transporte, com base no princípio da dignidade da pessoa humana, é de

suma importância que se avalie acerca da sua força normativa especificadamente.

375HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1991, p. 19. 376Ibidem, p. 19. 377Ibidem, p. 19-20.

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Para isso, no entanto, parece necessário verificar, inicialmente, ainda que de

forma breve, aspectos referentes à classificação da Carta Magna como democrática

e aspectos concernentes a sua supremacia.

Conforme o critério adotado para distinguir as constituições, diversas são as

possibilidades quanto as suas classificações378.

Podem ser classificadas, quanto ao conteúdo, como materiais379, quando

dispõem sobre aspectos fundamentais da estrutura do Estado, assim como sobre os

limites de atuação do poder estatal, ou, como formais, quando há normas

formalmente constitucionais inseridas no texto constitucional.

Com relação à forma, elas podem ser escritas, quando as regras estão

codificadas em um texto único ou, não escritas, na medida em que não estão

codificadas em um texto único, mas resultam de leis esparsas, da jurisprudência,

assim como dos próprios costumes.

Quanto ao modo de elaboração, podem ser dogmáticas ou históricas.

Dogmáticas quando elaboradas por um órgão Constituinte, que incorpora no texto

constitucional os valores políticos e ideológicos predominantes em um determinado

momento histórico380. Por outro lado, históricas, quando forem produto de uma lenta

evolução histórica, baseando-se em costumes, convenções, precedentes

jurisprudenciais e textos esparsos.381

No que diz respeito à origem, as constituições podem ser populares,

democráticas, promulgadas ou votadas, quando elaboradas por um órgão

constituinte composto de representantes legitimamente eleitos pelo povo como, por

exemplo, a Constituição Brasileira de 1988382. Podem ser, ainda, outorgadas383, na

378No presente trabalho as classificações apresentadas são as propostas por PINHO, Rodrigo C. R. Teoria geral da constituição e direitos fundamentais. 2. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 11. 379Exemplo de Constituição puramente material é a Inglesa. 380Também, neste caso, pode-se denominá-las de positivadas. 381Quando baseadas em costumes, convenções, jurisprudências, pode-se dizer que são costumeiras. 382Também servem de exemplos as Constituições Brasileiras de 1891, 1934 e 1946. 383São exemplos as Constituições Federais Brasileiras de 1824, 1937, 1967 e 1969.

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medida em que são elaboradas sem a participação de representantes legitimamente

eleitos pelo povo, sendo impostas pelo governante.

No que tange à estabilidade, podem ser rígidas, flexíveis ou plásticas e semi-

rígidas ou semiflexíveis. A primeira hipótese se configura quando é exigido um

procedimento especial de alteração dos produtos constitucionais mais rigorosos que

o das demais normas infraconstitucionais384.

Serão flexíveis ou plásticas quando suas normas alteram-se com o mesmo

procedimento das leis ordinárias. E, por fim, serão semi-rígidas ou semiflexíveis

quando contêm uma parte flexível e outra rígida.

Também podem ser classificadas quanto ao modelo, como constituições-

garantia, constituições-balanço e constituições-dirigentes. No primeiro caso385, a

constituição estrutura e delimita o poder do Estado, estabelecendo a divisão de

poderes e assegurando o respeito aos direitos individuais.

No segundo caso, a constituição registraria e descreveria a ordem política,

econômica e social existente, refletindo a luta de classes no Estado. Assim, a cada

novo estágio no rumo da construção do comunismo, uma nova constituição seria

promulgada.

E, por fim, no terceiro caso386, a constituição, além de estruturar e delimitar o

poder do Estado, inscreve um plano de evolução política, diretrizes a serem

seguidas por ele.

É importante noticiar, ainda, que há a classificação quanto ao tamanho ou

extensão que podem ser: sintéticas ou concisas387 e analíticas ou prolixas388. Em

sendo sintéticas ou concisas, as constituições somente dispõem sobre os aspectos 384Exemplo: Constituição Americana, onde uma emenda constitucional para ser aprovada precisa de maioria de 3/5, enquanto uma Lei ordinária é aprovada por maioria simples. 385Exemplo: Constituição Americana. 386Exemplo: Constituição Federal Brasileira de 1988. 387Exemplo: Constituição Americana com trinta e três artigos, sete do texto originário e vinte e seis de emendas Constitucionais. 388Exemplo: Constituição Federal Brasileira de 1988 que teve a aprovação de várias emendas constitucionais.

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fundamentais da organização do Estado, bem como sobre seus limites, em poucos

artigos. Por outro lado, em sendo analíticas ou prolixas, as constituições dispõem

sobre diversos aspectos da organização do Estado, abrangendo questões que

poderiam ser objeto de leis ordinárias, em inúmeros artigos.

Para finalizar a classificação proposta, ter-se-ia, também, a classificação

quanto à dogmática, podendo, deste modo, serem ortodoxas ou simples389 e

ecléticas390, complexas ou compromissárias. Enquanto estas seriam influenciadas

por ideologias de tendências diversas, resultando de uma fórmula de compromisso

entre as forças políticas existentes em um determinado momento histórico, aquelas

seriam influenciadas por uma só ideologia.

Diante da classificação exposta, é possível perceber e, em decorrência,

classificar a Constituição Brasileira de 1988. Neste sentido, ter-se-ia que, quanto ao

conteúdo, é de natureza formal; quanto ao modo de elaboração, dogmática; quanto

à origem, democrática; quanto à estabilidade, rígida; quanto ao modelo, dirigente;

quanto ao tamanho, analítica; e, por fim, quanto à dogmática, é eclética.

Na verdade, a Constituição Federal de 1988 “é a mais democrática de todas as

constituições brasileiras, em primeiro lugar, porque foi a que sofreu maior influência

do povo em sua elaboração.”391

Este pensamento, posto por Moraes, reflete, sem sombra de dúvida, na

expressão contida no Preâmbulo da Constituição de 1988, que é a parte que

precede o texto articulado da Constituição, como se vê a seguir:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.392

389 Exemplo: Constituição Soviética. 390 Exemplo: Constituição Federal Brasileira de 1988. 391MORAES, Alexandre. de. Os 10 anos da Constituição Federal. São Paulo: Atlas, 1999, p. 490. 392SILVA, José A. da. Comentário contextual à constituição. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 21.

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Analisando-se o Preâmbulo da Constituição, vislumbra-se que efetivamente

quem estabeleceu a Constituição foram os representantes do povo brasileiro,

reunidos em Assembléia Nacional Constituinte, ou seja, no exercício do poder

constituinte originário, com o propósito de estabelecer uma constituição para instituir

um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e

individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e

a justiça.

Percebe-se que a Assembléia Nacional Constituinte se propôs a instituir um

Estado Democrático, cujo objetivo maior era instituir um tipo diferente de Estado

Democrático, com nova destinação – qual seja, a de assegurar os valores supremos

de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos.

Ao analisar a Constituição Federal de 1988, como constituição democrática, é

de ser referido que:

Geralmente a constituição democrática congrega um pluralismo393 de interesses, por ser resultado de um amplo consenso na sociedade. Esses interesses são, a princípio, contraditórios, mas cabe ao intérprete adequá-los de modo a atingir o espírito da unidade, como propriedade e função social da propriedade. Com base nos princípios fundamentais, gerais e

393Ver SAMPAIO, J. A. L.; CRUZ, A. R. de S. (Coord.). Hermenêutica e jurisdição constitucional. Belo Horizonte: DelRey, 2001, p. 47-53, passim. De acordo com os ensinamentos postos nesta obra, o tema do pluralismo é um tema tipicamente moderno. O pluralismo emerge no mundo social exatamente quando a unidade e a homogeneidade da concepção acerca do que seja a vida boa, decorrente da presença de um único centro comunitário, é substituída pela pluralidade de projetos de como alcançá-la, que aglutinam grupos de indivíduos, e que convivem e disputam em uma sociedade em que vários planos individuais e grupais de ação são integrados por um ato voluntário. O termo pluralismo implica, em primeiro lugar, a disputa entre vários grupos pela primazia dos centros decisórios políticos, centrais ou periféricos. Podemos, ainda, acrescentar uma outra característica essencial para entendermos a configuração democrática das constituições pluralistas: a tentativa de um determinado grupo alcançar o controle do centro decisório e de mantê-lo como forma de realizar, e de não raro impor seu projeto. Exatamente por causa da pretensão inerente aos vários grupos de se tornarem hegemônicos, uma sociedade pluralista só pode subsistir, enquanto sociedade pluralista, se for, também, uma sociedade tolerante, haja vista que somente desta forma é possível a coexistência de projetos distintos sobre como realizar a vida boa e, mais que isto, somente em uma tal sociedade é possível que tais projetos se atualizem na maior medida possível. O pluralismo não é, de fato, uma mera coexistência de concepções divergentes, mas uma convivência desses projetos realizados e atualizados da melhor forma exeqüível. Se um projeto não puder ser realizado de forma alguma, por limitações impostas pelo grupo que assume o poder central, então os projetos minoritários estão fadados a desaparecerem, e com eles o próprio pluralismo. Esta concepção, aliás, estrutura a Constituição Brasileira, que afirma o pluralismo em seu preâmbulo. Evidentemente, a defesa do pluralismo é uma característica do Estado Democrático de Direito, paradigma que a Constituição Brasileira prescreve não só como modelo de Estado, mas também como projeto para a sociedade.

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setoriais, ele procurará interpretar a constituição como um todo harmônico e sistemático.394

Esta classificação, que delimita a Constituição Federal de 1988 como

democrática, parece ressaltar a própria supremacia da Constituição, pois provém de

um poder constituinte originário395, de natureza absoluta, o que resulta em uma

sobreposição das normas constitucionais em relação a todas as demais normas

jurídicas.

Dantas tem trabalhado o valor da constituição, voltando-se à defesa de sua

eficácia, isto é, ao fato de que os princípios e normas nela consagrados sejam

realmente ocupantes de uma posição de destaque dentro do ordenamento jurídico-

positivo do Estado, características das Constituições escritas.

Neste sentido, a partir do instante em que se fala no valor normativo da

constituição396 alude-se à constituição como lex superior, quer porque ela é fonte da

produção normativa quer porque lhe é reconhecido um valor normativo

hierarquicamente superior que faz dela um parâmetro obrigatório de todos os atos. A

idéia de superlegalidade formal justifica a tendencial rigidez das leis fundamentais,

traduzida na consagração, para as leis de revisão, de exigências processuais,

formais e materiais, agravadas ou reforçadas relativamente às leis ordinárias.397

De outro lado, a parametricidade material das normas constitucionais conduz à

exigência da conformidade substancial de todos os atos do Estado e dos poderes

públicos com as normas e princípios hierarquicamente superiores da constituição.398

394VIEITO, Aurélio A. V. Da hermenêutica constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 98. 395Sobre o Poder Constituinte Originário consultar ZIMMERMANN, Augusto. Curso de direito constitucional. 2. ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2002, p. 127-128. 396Sobre o valor da Constituição consultar DANTAS, Ivo. O valor da constituição: do controle de constitucionalidade como garantia da supralegalidade constitucional. 2. ed. rev. aum. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, páginas iniciais. Segundo o autor, no momento em que se faz referência ao valor da constituição se está, na verdade, voltado à defesa de sua eficácia, isto é, ao fato de que os princípios e normas nela consagrados sejam realmente ocupantes de uma posição de destaque dentro do ordenamento jurídico-positivo do Estado. 397CANOTILHO, José J. G. Direito constitucional e teoria da constituição. 6. ed. Coimbra: Almedina, 2002, p. 884. 398Ibidem, p. 884.

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Da conjugação destas duas dimensões, ou seja, da superlegalidade material e

formal da constituição deriva o princípio fundamental da constitucionalidade dos atos

normativos, ou melhor, os atos normativos só estarão conformes com a constituição

quando não violem o sistema formal, constitucionalmente estabelecido, da produção

desses atos, e quando não contrariem, positiva ou negativamente, os parâmetros

materiais plasmados nas regras ou princípios constitucionais.399

A Constituição Federal de 1988 precede logicamente as outras normas

existentes no ordenamento jurídico, posto que é fundamento de todas as leis. Como

uma Constituição Democrática, admitiu a participação popular no processo

legislativo, como já visto, de modo que a produção das leis e atos normativos em

geral encontraram justificativa em valores debatidos pela própria sociedade.

Assim, partindo da idéia de que a Constituição é fundamento de todas as leis e

que nela estão inseridos os valores maiores eleitos pela sociedade, é possível

perceber, que estes valores são supremos.

Neste sentido, as normas de grau inferior que entrarem em conflito com a Lex

Magna, dão ensejo a que se promova o controle de constitucionalidade400, para

garantir a força normativa da Constituição.401

399CANOTILHO, José J. G. Direito constitucional e teoria da constituição. 6. ed. Coimbra: Almedina, 2002, p. 884. 400Ver DANTAS, Ivo. O valor da constituição: do controle de constitucionalidade como garantia da supralegalidade constitucional. 2. ed. rev. aum. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 105 e seg. O autor, ao estudar o controle de constitucionalidade das leis e atos no direito brasileiro vigente, faz referência expressa à CF/88 e aos mecanismos atuais de controle de constitucionalidade. Com aprovação e vigência da CF/88 o controle de constitucionalidade sofreu inúmeras modificações, todas elas no sentido justamente de dar uma maior defesa do texto da Lei Maior. A criação de novos institutos como a inconstitucionalidade por omissão, ação declaratória de constitucionalidade e ação de descumprimento de preceito fundamental, as novas atribuições que foram conferidas pela Constituição ao STF como decorrência das novéis ações e a amplitude da legitimação ativa para a propositura da ADIN explicam a freqüência com que, a partir de 1988, têm sido propostas, junto àquele pretório grande número de ações diretas de inconstitucionalidade. A CF/88, ao fixar a competência originária do STF, determina em seu art. 102, que compete ao STF, a guarda da Constituição, cabendo-lhe processar e julgar, originariamente a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal. De outro lado, o controle incidental previsto no mesmo art. 102, inciso III da Lei Maior. Por meio da EC 3/93, se deu a criação de um novo instituto denominado de argüição de descumprimento de preceito fundamental. Lado a lado com a argüição incidental por meio de exceção e a ação direta de inconstitucionalidade, o ordenamento jurídico admite a ação de inconstitucionalidade por omissão, inserida no ordenamento jurídico pela ANC de 87-88. 401

ZIMMERMANN, Augusto. Curso de direito constitucional. 2. ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2002, p. 138

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É importante verificar que de um modo geral:

[...] a constituição de um país expressa as relações de poder nele dominantes: o poder militar, representado pelas Forças Armadas, o poder social, representado pelos latifundiários, o poder econômico, representado pela grande indústria e pelo grande capital e, finalmente, ainda que não se equipare ao significado dos demais, o poder intelectual, representado pela consciência e pela cultura gerais. As relações fáticas resultantes da conjugação desses fatores constituem a força ativa determinante das leis e das instituições da sociedade, fazendo com que estas expressem, tão somente, a correlação de forças que resulta dos fatores reais de poder; Esses fatores reais do poder formam a Constituição real do país.402

Assim, ao se falar em força normativa da constituição, "é de se admitir que a

constituição contém, ainda que de forma limitada, uma força própria, motivadora e

ordenadora da vida do Estado".403

Procurando definir o que vem a ser o princípio da força normativa da

constituição, Canotilho preceitua que:

Segundo o princípio da força normativa da constituição, na solução dos problemas jurídico-constitucionais deve dar-se prevalência aos pontos de vista que, tendo em conta os pressupostos da constituição (normativa), contribuem para uma eficácia óptima da lei fundamental. Conseqüentemente, deve dar-se primazia às soluções hermenêuticas que, compreendendo a historicidade das estruturas constitucionais, possibilitam a actualização normativa, garantindo, do mesmo pé, a sua eficácia e permanência.404

Por outro lado, é de ser registrado que a Constituição não configura apenas

expressão do ser, mas também de um dever ser; ela significa mais do que o simples

reflexo das condições fáticas de sua vigência, particularmente as forças sociais e

políticas. A força condicionante da realidade e a normatividade da Constituição

podem ser diferenciadas; elas não podem, todavia, ser definitivamente separadas ou

confundidas.405 Desta forma, seguindo este preceito:

[...] a Constituição jurídica tem significado próprio. Sua pretensão de eficácia apresenta-se como elemento autônomo no campo de forças do qual resulta

402HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1991, p. 09. 403Ibidem, p. 11. 404CANOTILHO, José J. G. Direito constitucional e teoria da constituição. 6. ed. Coimbra: Almedina, 2002, p. 1.212. 405HESSE, op. cit., p. 15, passim.

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a realidade do Estado. A Constituição adquire força normativa na medida em que logra realizar essa pretensão de eficácia.406

Nesta seara, ao trabalhar a força normativa da constituição, Hesse preleciona

que "embora a Constituição não possa, por si só, realizar nada, ela pode impor

tarefas. A Constituição transforma-se em força ativa se essas tarefas forem

efetivamente realizadas [...]".407

Deste modo, em sendo a norma constitucional emanada pela vontade popular,

o intérprete sempre que possível deve conferir o máximo de efetividade no momento

de sua aplicação. "Afinal, a interpretação do ordenamento jurídico deve

primeiramente ser feita à luz do texto constitucional, que dispõe das principais

normas jurídicas reguladoras do Estado”.408

Alguns pressupostos são responsáveis, ou seja, permitem à Constituição

desenvolver de forma ótima a sua força normativa. Esses pressupostos referem-se

tanto ao conteúdo da Constituição409 quanto à práxis constitucional. Com relação ao

primeiro, é de ser referido que, quanto mais o conteúdo de uma Constituição lograr

corresponder à natureza singular do presente, tanto mais seguro há de ser o

desenvolvimento de sua força normativa.

No que se refere ao segundo pressuposto, há de ser acentuado, que constitui

requisito essencial da força normativa da Constituição que ela leve em conta não só

os elementos sociais, políticos e econômicos dominantes, mas que incorpore o

estado espiritual de seu tempo. 410

Com relação ao conteúdo, a Constituição pode ser vista pelo seu caráter

material ou formal de sua existência. O importante é salientar que "o conceito de

406HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1991, p. 15-16. 407Ibidem, p. 19. 408ZIMMERMANN, Augusto. Curso de direito constitucional. 2. ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2002, p. 138. 409Com relação ao conteúdo da Constituição Brasileira de 1988 consultar PINHO, Rodrigo C. R. Teoria geral da constituição e direitos fundamentais. 2. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2001 e BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. 410HESSE, op. cit.,p. 20, passim.

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Constituição em sentido material não depende de formalização jurídico-positiva, ou

formalização solene das regras constitucionais”.411

Por outro lado, segundo o conceito de Constituição formal, pode-se dizer que:

[...] este visa a atender um conteúdo normativo expresso, estabelecido mediante um conjunto de regras jurídicas estruturais e organizadoras dos órgãos supremos do Estado. Difere-se, outrossim, do caso da Constituição formal, porque neste caso nós temos a existência estatal reduzida à sua expressão jurídica formalizada através da codificação solene das normas constitucionais.412

De qualquer forma, "se pretende preservar a força normativa dos seus

princípios fundamentais, deve ela incorporar, mediante meticulosa ponderação, parte

da estrutura contrária. Direitos fundamentais não podem existir sem deveres [...]".413

Portanto, "a intensidade da força normativa da Constituição apresenta-se, em

primeiro plano, como uma questão de vontade normativa, de vontade de

Constituição”.414

Em caso de eventual conflito, por exemplo, a Constituição não deve ser

considerada a parte mais fraca. Ao contrário, existem pressupostos realizáveis que,

mesmo em caso de confronto, permitem assegurar a sua força normativa.415

Ocorre, porém, que nem sempre os responsáveis pelo cumprimento do que

dispõe a Carta Magna procuram efetivamente assegurar a sua força normativa

deixando, em muitos casos concretos, que a lei infraconstitucional, ocupe o

destaque que deveria ser dado à Constituição Federal.

Neste sentido, é o entendimento que se segue:

411ZIMMERMANN, Augusto. Curso de direito constitucional. 2. ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2002, p. 107. 412Ibidem, p. 108. 413Ibidem, p. 21. 414HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1991, p. 24. 415Ibidem, p. 27, passim.

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É preciso, antes de tudo, para que a Constituição tenha força normativa, que os agentes responsáveis pelo seu cumprimento efetivamente a levem a sério, orientando suas ações e decisões pelos princípios e objetivos constitucionais, todos incumbidos de fazer com que todos os seres humanos tenham direitos iguais a uma vida digna.416

Por certo, não se pode largar ao esquecimento o fato de que a Constituição

escrita surgiu justamente para tornar de todos conhecido de todos que os direitos

humanos são, em razão de sua própria condição de fundamentais, imprescritíveis e

inalienáveis, e que a função de todo e qualquer governante é atuar no sentido de

fazer com que esses direitos sejam, de fato, respeitados, porque só dessa maneira a

sociedade avançará moralmente.

Corroborando esta afirmação, Ramos tem escrito que "ora, se a função de

cada coisa é o seu fim, a função da Constituição escrita, que traduz o grande pacto

social na modernidade, é garantir os direitos fundamentais do homem [...]".417

Todavia, é sabido que a Constituição, na grande maioria dos países, não passa

realmente, como sustenta Lassalle, de um pedaço de papel, ou seja, de mera peça

ornamental na arena das relações de força, porquanto não funciona como efetivo

instrumento de limitação do poder, na medida em que as forças políticas não a

prestigiam enquanto marco do processo civilizatório.

Por outro lado, não se pode negar que todos aqueles que na modernidade

ascenderam ao poder buscaram a legitimação do exercício do seu comando na

constituição escrita, o que demonstra, no mínimo, o prestígio desse documento

político, mesmo entre aqueles que, de fato, ignoram-no. Como prova disto, basta

observar que a constituição escrita sempre esteve presente na retórica dos

ditadores, maiores violadores dos direitos fundamentais.418

416RAMOS, Paulo R. B. A velhice na constituição. Revista de direito Constitucional e Internacional, São Paulo, n. 30, jan./mar. 2000, p. 201. 417Ibidem, p. 193. 418Ibidem, p. 193.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao se concluir este trabalho, onde se busca verificar se a Constituição Federal

de 1988 tem, por si só, força normativa suficiente capaz de garantir a gratuidade dos

transportes coletivos públicos urbanos à pessoa idosa, fundada no princípio da

dignidade da pessoa humana, mesmo após a promulgação do Estatuto do Idoso, de

acordo com o entendimento jurisprudencial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio

Grande do Sul, do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal,

pode-se afirmar que a Constituição Federal de 1988, como constituição democrática,

prevê valores eleitos pela própria sociedade, de forma que estes valores, tidos como

supremos, são representados, por sua vez, pelo princípio da dignidade da pessoa

humana e pelo respeito aos direitos fundamentais.

A Constituição Federal de 1988, caracterizada como democrática, assume um

papel de destaque, na condição de norma diretiva fundamental, assegurando a

realização de valores constitucionais como, por exemplo, os direitos sociais, direito à

alimentação, ao trabalho, à saúde, ao transporte.

A despeito do seu caráter compromissário, a constituição confere uma unidade

de sentido, de valor e de concordância prática ao sistema de direitos fundamentais,

que, por sua vez, repousa na dignidade da pessoa humana como norma (princípio e

valor) fundamental para a ordem jurídico-constitucional brasileira.

Analisando-se a força normativa dos princípios, percebe-se que a Constituição

Federal de 1988, em seu artigo 1°, aponta cinco fundamentos da organização do

Estado Brasileiro, que devem ser interpretados como os principais valores na

organização da ordem social e jurídica brasileira. E, dentre eles, está o princípio da

dignidade da pessoa humana, que não foi incluído no rol dos direitos e garantias

fundamentais, mas à condição de princípio (e valor) fundamental.

O dispositivo constitucional, no qual se encontra enunciada a dignidade da

pessoa humana, contém não apenas mais de uma norma, mas que esta(s), para

além de seu enquadramento na condição de princípio (e valor) fundamental. É (são)

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também fundamento de posições jurídico-subjetivas, isto é, norma(s) definidora(s) de

direitos e garantias, mas também de deveres fundamentais.

Neste contexto, percebe-se que o dispositivo que reconhece a dignidade como

princípio fundamental encerra tanto normas que outorgam direitos subjetivos de

cunho negativo, ou seja, a não violação da dignidade, como também condutas

positivas no sentido de proteger e promover a dignidade.

No momento em que o estudo recai sobre a dignidade da pessoa humana

como princípio constitucional, tem-se que atentar para o fato de que pode vir a

ocorrer uma eventual tensão entre princípios. E, nestes casos, a solução não se

dará com a exclusão do sistema do princípio desprestigiado naquela situação

concreta, mas com uma ponderação do peso que cada um deles obtém como fator

decisivo no caso real.

Sabe-se que as regras, ao contrário, no caso de antinomia, a solução se dará

sempre no plano da validade destas. Ou seja, o ordenamento não admite o

antagonismo, motivo pelo qual apenas uma delas tem que sobreviver, devendo, para

tanto, ser reputada como válida.

A título de pressuposto teorético, adota-se, na presente pesquisa, a

argumentação de que as normas são classificadas em princípios e regras e que o

reconhecimento da condição normativa da dignidade, assumindo feição de princípio,

e até mesmo como regra constitucional fundamental, não afasta o seu papel como

valor fundamental geral para toda a ordem jurídica.

A dignidade da pessoa humana, como pressuposto de todos os demais

direitos, ou tem sido objeto de previsão constitucional, como na maioria dos países,

ou, como na França, onde não há uma previsão legal, tem sido alegada nas

decisões jurisprudenciais, na solução de casos concretos. No entanto, seja de uma

forma ou de outra, este princípio tem sido invocado na busca de que todo ser

humano tenha seus direitos respeitados.

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Embora conscientes de que a dignidade tem também um conteúdo moral,

parece que a preocupação maior do legislador, ao instituir tal princípio como um dos

fundamentos da República do Brasil, foi justamente a de ordem material, ou seja, a

de proporcionar às pessoas condições para uma vida digna, um mínimo existencial.

Deste modo, reduzir a uma fórmula abstrata e genérica tudo aquilo que

constitui o conteúdo possível da dignidade da pessoa humana, em outras palavras,

alcançar uma definição precisa do seu âmbito de proteção ou de incidência, não

parece ser possível.

Além disso, é de ser considerado que o conceito de dignidade da pessoa

humana está em constante desenvolvimento, razão pela qual não há como

conceituá-lo de maneira fixista. É, justamente em virtude da carga de abstração que

se encerra neste princípio, que, muitas vezes, parece mais fácil desvendar o que a

dignidade não é do que expressar o que ela efetivamente é.

No entanto, é reconhecido, nesta pesquisa, por dignidade da pessoa humana a

qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano, que o faz

merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da

comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres

fundamentais que assegurem à pessoa contra todo e qualquer ato de cunho

degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais

mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação

ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão

com os demais seres humanos.

O que se percebe, por derradeiro, é que onde não houver respeito pela vida e

pela integridade física e moral do ser humano, onde as condições mínimas para uma

existência digna não forem asseguradas, onde não houver limitação do poder, enfim,

onde a liberdade e a autonomia, a igualdade e os direitos fundamentais não forem

reconhecidos e minimamente assegurados, não haverá espaço para a dignidade da

pessoa humana e esta, por sua vez, poderá não passar de mero objeto de arbítrio e

injustiças.

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No momento em que o texto constitucional afirma expressamente que a

cidadania e a dignidade da pessoa humana são fundamentos do Estado

Democrático de Direito e que constitui objetivo fundamental da República Federativa

do Brasil, dentre outros, promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça,

sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, resta claro que o idoso

não foi esquecido pelo constituinte.

Diante disso e, de outros tantos dispositivos constitucionais dedicados à

pessoa idosa, considera-se que envelhecer com dignidade é, de fato, um direito

humano fundamental. E é um direito humano fundamental porque ser velho significa

ter direito à vida, significa dar continuidade a esse fluxo, que deve ser vivido com

dignidade.

Por isso, caso se queira que a sociedade avance moralmente, faz-se

necessário que se reconheça a velhice como direito fundamental, levando-a,

enquanto tal, efetivamente a sério, respeitando-a, porque, dessa forma, as demais

fases da vida também serão protegidas, uma vez que uma velhice digna e longa

representa o coroamento de uma vida na qual o homem foi respeitado enquanto ser

humano, até porque caracterizado ainda hoje como possuidor de uma população

jovem, o Brasil vem assistindo a um aumento gradativo do segmento que consegue

atingir idades mais avançadas.

Vários são os vocábulos empregados, a fim de caracterizar e conceituar o

idoso. No entanto, o que parece restar claro, diante das colocações feitas, é que não

importa a nomenclatura empregada, se idoso, velho, terceira idade ou, ainda, outras

expressões menos usuais como, velhote, ancião, melhor idade ou geronte. O que

importa, sem sombra de dúvida, é utilizar a nomenclatura que for, sem intenção

pejorativa, ou seja, com entonação de dignidade, respeito e atenção pela vasta

experiência que estas pessoas acumularam em seus anos de vida.

Todavia, reconhece-se que a pessoa idosa é aquela com idade igual ou

superior a sessenta anos de idade, haja vista que o Estatuto do Idoso, Lei n˚ 10.741,

de 01 de outubro de 2003, em seu artigo 39, preceitua neste sentido, ainda que a

legislação brasileira já continha dispositivo semelhante, na Lei 8.842, de 1994, em

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seu artigo 2˚, em que, também, era considerada a pessoa idosa aquela maior de

sessenta anos.

Atualmente, vive-se em uma época em que tudo parece ser descartável, onde

há tendência para o contrato temporário em todas as áreas da existência humana,

ocupacional, política, sexual, emocional, estabelecendo laços mais econômicos,

flexíveis e criativos que os da modernidade, havendo, assim, uma intensificação das

relações sociais em escala mundial.

Ocorre, porém, que não pode cair no esquecimento o fato de que o idoso é,

antes de tudo, ser humano e cidadão e, assim, deve ser contemplado com todos os

instrumentos asseguradores da dignidade humana aos brasileiros, sem qualquer

distinção. Deste modo, o direito ao transporte, como direito fundamental, é uma

forma de a pessoa idosa buscar a sua inserção social, de forma a viver dignamente.

O direito ao transporte para o idoso está previsto na Constituição de 1988, no

artigo 230, §2˚, que prevê a gratuidade do transporte público às pessoas com mais

de sessenta e cinco anos. Seguindo este preceito constitucional, o Estatuto do

Idoso, no artigo 39, também assegura aos maiores de sessenta e cinco anos a

gratuidade dos transportes coletivos públicos urbanos e semi-urbanos.

A finalidade maior da previsão dos dispositivos quer constitucionais quer

infraconstitucionais, no tocante ao direito ao transporte, é, sem dúvida, garantir a

dignidade do idoso, que se apresenta na sociedade brasileira tão defasada. Esta

proteção do idoso prega, acima de tudo, que a política da terceira idade não deve

basear-se apenas na prestação de apoios materiais, embora isso seja de vital

importância para a segurança econômica e social das pessoas idosas, mas também

na adoção de medidas sociais e culturais tendentes a superar o isolamento e a

marginalização social.

Apesar de ter ficado registrado, no decorrer da pesquisa, que praticamente a

totalidade dos idosos sabe que as pessoas a partir dos 65 anos têm direito de usar

transporte público gratuitamente, e, que, no entanto, somente metade deles (46%)

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faz uso deste benefício, é importante deixar consignado aqui que o transporte, na

esfera da terceira idade, principalmente, apresenta uma importância grandiosíssima.

O idoso tem direito ao convívio familiar e é notório que as dificuldades

financeiras acabam, em muitos casos, por impedir que possa utilizar-se de serviços

de transporte para visitar a própria família. Com a centralização dos serviços de

saúde nas capitais e cidades de maior porte, o transporte também tem reflexo direto

na questão da saúde.

É de ser reconhecido, por oportuno, que o transporte se afigura como

instrumento material para o exercício constitucional da condição do idoso no país,

haja vista que é meio de acesso ao trabalho, ao lazer, à cultura, à educação.

Não se pode olvidar que o idoso tem pouco espaço numa sociedade

competitiva e consumista, ficando, muitas vezes, condenado ao abandono e à falta

de oportunidade. Por isso, o acesso ao transporte, como um direito humano em si

mesmo, na medida em que constitui no próprio direito à vida, significa,

especialmente para este segmento social, a positivação da condição de cidadão.

No momento em que se faz uma análise da jurisprudência do Tribunal de

Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Superior Tribunal de Justiça e Supremo

Tribunal Federal, no que tange ao direito ao transporte da pessoa idosa, é possível

observar que, na verdade não houve uma mudança de paradigma nas decisões,

uma vez que a Constituição Federal já vinha, antes mesmo da edição da Lei 10.741,

de 2003, alcançando aos idosos o direito ao transporte, de maneira a lhes garantir a

dignidade humana.

Assim, tendo em vista que o preceito constitucional referente ao transporte da

pessoa idosa vinha servindo de referência, não há como negar a intenção maior do

constituinte de proteger o idoso, já que não se pode perder de vista que a velhice é

de extrema importância para a disseminação de uma nova racionalidade, destinada

a valorizar essa fase da vida do ser humano, na qual também o respeito à dignidade

humana deve sempre estar presente.

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Todavia, ainda que as decisões proferidas posteriormente à promulgação do

Estatuto do Idoso, cujo viés principal é justamente o artigo 39 deste diploma, não

representam necessariamente uma inovação com relação àquelas proferidas com

base no dispositivo constitucional, haja vista que, da mesma forma, há uma

preocupação muito grande com relação à pessoa idosa, no sentido de preservar a

sua dignidade, pois esta como se sabe, não está na dependência de suas

características externas, da classe social a que pertence, de seu gênero, idade ou

cor, do cargo que ocupa, dos bens materiais que ostenta, de sua popularidade ou

utilidade para os demais, verifica-se que a Constituição, por si só, não é suficiente

para assegurar aos velhos, idosos, anciãos, como queira se chamar aos integrantes

desse segmento, os seus direitos, no que se refere ao transporte coletivo público.

O que, entretanto, fica claro, é que há uma tendência muito forte no que se

refere à supervalorização da legislação infraconstitucional, o que acaba gerando,

como contraponto, uma “baixa constitucionalidade”, ou seja, uma desvalorização dos

preceitos constitucionais.

Na medida em que a base de fundamentação continua sendo a constituição,

porém, complementada com a lei ordinária, resta explícita a intenção de causar um

esvaziamento da substancialidade do texto constitucional.

Todavia, não se pode perder de vista que a Constituição afigura-se como o

instrumento político-jurídico mais importante da organização social, sendo que sua

superioridade hierárquica é amplamente reconhecida. Para tanto, é essencial que

haja uma crença na constituição, que haja a convicção de que os valores por ela

expressos são legítimos, de forma que a sociedade e os operadores do direito

devem adotar a Constituição, assumi-la como ordenamento integrador e essencial.

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