O DIÁLOGO COM GRUPOS DE INTERESSE … · corrente teórica clássica do pensamento econômico....
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIROINSTITUTO DE ECONOMIA
MONOGRAFIA DE BACHARELADO
O DIÁLOGO COM GRUPOS DE INTERESSE(STAKEHOLDERS) NA INDÚSTRIA DE
PETRÓLEO E GÁS
PAULA RUBEA B. M. EBRAICOmatrícula nº 099114113
ORIENTADORA: Profa. Valéria Gonçalves da Vinha
MARÇO 2003
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIROINSTITUTO DE ECONOMIA
MONOGRAFIA DE BACHARELADO
O DIÁLOGO COM GRUPOS DE INTERESSE(STAKEHOLDERS) NA INDÚSTRIA DE
PETRÓLEO E GÁS
__________________________________PAULA RUBEA B. M. EBRAICO
matrícula nº: 099114113
ORIENTADORA: Profa. Valéria Gonçalves da Vinha
MARÇO 2003
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As opiniões expressas neste trabalho são de exclusiva responsabilidade daautora
Dedico este trabalho à mulheres muitoespeciais. Às minhas amadas tias Valéria eVerônica pelo apoio em todos os momentos dedificuldade, à minha prima Beatriz pelaadmiração e carinho de irmã, e é claro à minhamãe Mônica e minha avó Beth que através dosuor do trabalho e do amor infinito que medestinaram, foram as responsáveis por eu terchegado até aqui.
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AGRADECIMENTOS
Agradeço, de forma especial, à Valéria que mais do que professora eorientadora, foi uma grande amiga em vários momentos difíceis desta longatrajetória até a monografia. Eu não poderia retribuir sua paciência e carinho nemcom um grande texto, mas deixo esta mensagem de gratidão.
Ao Pedrinho, meu irmão, meu muito obrigado por você existir e trazertantas alegrias ao meu coração. Você ainda é muito pequeno, mas já éresponsável por me ensinar a amar da forma mais plena, a de uma mãe para umfilho.
Ao André, por seu companheirismo, grande incentivo acadêmico e poracreditar no futuro maravilhoso que teremos juntos. Mas principalmente, por seugrande amor e por permitir que eu o ame tanto.
Finalmente, agradeço a Deus por tudo.
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RESUMO
O trabalho descreve as estratégias de empresas do setor de petróleo egás visando evitar custos de mitigação de impactos ambientais e deadministração de conflitos entre grupos de interesse. As empresas do setorprocuram enquadrar - se em novos padrões de competitividade imposto pelaconvenção do Desenvolvimento Sustentável, tanto na sua dimensãoregulatória (ambiental e social), quanto no seu poder de articular e negociarinteresses diferenciados. Esta articulação tem sido mais eficiente quando sefaz utilizando - se de uma nova ferramenta de gestão social, denominadaDiálogo com Grupos de Interesse (Stakeholder Dialogue ou StakeholderEngagement ), destinada a captar as percepções e as expectativas dos atoressociais em relação às atividades de exploração e produção, criando um canalde comunicação entre a empresa e seus grupos de interesse (stakeholders ). A monografia faz ainda, uma discussão teórica entre Adam Smith e KarlPolanyi, e procura resgatar os conceitos introduzidos por Polanyi através daferramenta de diálogo com Grupos de Interesse (Stakeholders) como forma deinserir uma maior consciência social na atividade econômica.
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ÍNDICE
INTRODUÇÃO......................................................................................................................................................9
CAPÍTULO I - ADAM SMITH E KARL POLANYI EM DEBATE .........................................................11
I.1 - SMITH X POLANYI ............................................................................................................................................12I.2 - A CRIAÇÃO DO MERCADO ................................................................................................................................15I.3- OS CONTRAMOVIMENTOS PROTETORES .................................................................................................................16
CAPÍTULO II – A NOVA SOCIOLOGIA ECONÔMICA E O DIÁLOGO COM STAKEHOLDERS......17
II.1 - A NOVA SOCIOLOGIA ECONÔMICA – UM BREVE HISTÓRICO.................................................................................18II.2 - EMPRESAS RESPONSÁVEIS..................................................................................................................................20II.3 - A CONVENÇÃO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E O “ENRAIZAMENTO SOCIAL”.............................................20II.4 - O MODELO CHAMADO DE “CAPITALISMO DE STAKEHOLDERS”................................................................................21II.5 - A FERRAMENTA “DIÁLOGO COM STAKEHOLDERS” ..............................................................................................23
II.5.1 - Metodologia do Diálogo com Stakeholders: ..........................................24
CAPÍTULO III - A INDÚSTRIA DO PETRÓLEO E GÁS E O CASO DA SHELL...............................26
III.1 - A INDÚSTRIA DE PETRÓLEO E GÁS E A CONVENÇÃO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL. ....................................27III.2 - PRESSÃO SOCIAL PARA A TRANSFORMAÇÃO DO PARADIGMA - O CASO DA SHELL.................................................28
III.2.1 - Um breve histórico ......................................................................................29III.2.2 - A Transformação da Shell.........................................................................30III.2.3 - A Estratégia de Diálogo com Grupos de Interesse .............................31III.2.4 - Exemplo Camisea .........................................................................................32III.2.5 - Shell Brasil ......................................................................................................37
CONCLUSÕES....................................................................................................................................................41
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................................................45
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INTRODUÇÃO
O tema da monografia aborda a recente estratégia do setor de petróleo e gás
no sentido de envolver seus stakeholders 1 (grupos de interesse) num processo
de diálogo contínuo, de maneira a captar - lhes as percepções e expectativas
em relação aos riscos inerentes à atividade de exploração, visando evitar
custos de mitigação de impactos ambientais e a emergência de conflitos
sociais.
O Diálogo com Grupos de Interesse (Stakeholder Dialogue ) é uma ferramenta
de gestão social que busca adequar - se ao novo padrão de gerenciamento dos
recursos naturais imposto pela convenção do desenvolvimento sustentável,
tanto na sua dimensão regulatória (ambiental e social), quanto na articulação
de interesse entre os atores envolvidos. Esta ferramenta será aqui analisada à
luz do arcabouço teórico da Nova Sociologia Econômica.
O objetivo da monografia é mostrar que para lidar com o meio ambiente e
com as pessoas é necessário mais que medidas paliativas e indenizações por
perdas, é preciso entender que a atividade econômica está inserida dentro das
relações sociais e que o homem possui outras motivações além da aquisição
de bens materiais.
No primeiro capítulo, faremos uma discussão teórica para avaliar a
pertinência de utilizarmos a corrente da Nova Sociologia Econômica, mais
adequada para o nosso objetivo, contrapondo - a com a Economia Clássica e a
Neoclássica. Para tanto, faremos um debate entre Karl Polanyi, um dos autores
mais importantes da Sociologia Econômica, e Adam Smith, o responsável pela
criação da corrente clássica da economia.
No segundo capítulo, apresentamos a Nova Sociologia Econômica, fazendo um
breve histórico dos fundamentos desta corrente teórica e de seus autores.
1 Optamos por usar o termo stakeholder pois não encontramos similar em português. Em geral, étraduzido por “grupos de interesse”, que não traduz plenamente a idéia conforme concebida eminglês.
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Posteriormente, retomamos os principais conceitos introduzidos por Polanyi,
e apresentamos a metodologia do Diálogo com Grupos de Interesses
(Stakeholders), à luz dos conceitos polanyianos e da Nova Sociologia
Econômica, com as soluções discutidas por Polanyi para amenizar os efeitos
maléficos da economia capitalista moderna.
O terceiro capítulo explica a relevância da indústria do petróleo e gás para a
organização econômica moderna, indústria intensiva em recursos naturais
não renováveis, que envolve um alto risco econômico e, sobretudo, sua
natureza altamente poluidora. Desta forma, a utilização de um instrumento
de diálogo com a sociedade se torna fundamental para que as empresas do
setor possam se inserir no novo ambiente competitivo informado pela
“convenção do desenvolvimento sustentável” que objetiva reduzir ao máximo
a poluição ambiental, e internalizar práticas de responsabilidade social como
comportamento indispensável a toda e qualquer empresa. Para ilustrar,
apresentamos o exemplo da Shell no processo de adaptação da empresa a esta
convenção, e ao uso desta ferramenta.
Finalmente, o quarto capítulo resume as considerações gerais, e traz uma
interpretação pessoal sobre o tema desenvolvido.
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CAPÍTULO I - ADAM SMITH E KARL POLANYI EM DEBATE
A publicação de A Riqueza das Nações (1776) de Adam Smith funda a
corrente teórica clássica do pensamento econômico. Desta escola de
pensamento derivou a moderna escola neoclássica que analisa a esfera
econômica descolada do ambiente social, e possui como premissa básica a
maximização dos ganhos dos indivíduos através do comportamento
competitivo, comportamento este, que deriva da “propensão a intercambiar,
permutar ou trocar uma coisa pela outra” (SMITH, 1996, p.73) da natureza
humana.
Segundo Karl Polanyi, a palavra economia pode ser definida de duas
formas: a economia substantiva e a economia formal. A economia substantiva
é aquela caracterizada pelas relações entre o homem e a natureza e entre o
homem e os outros homens, relações estas que garantem a sobrevivência da
espécie humana. A economia formal é caracterizada pela lógica, as regras que
se definem a partir das escolhas dos agentes, considerando os recursos
escassos.
As duas definições de economia, a substantiva e a formal, pode- se dizer
que não possuem nada em comum, a última deriva da lógica enquanto a
primeira deriva dos fatos.
Em sua pesquisa, Polanyi percebeu que o modelo de economia formal
nem sempre se verificou na história, já que nem todas as sociedades humanas
alocaram recursos escassos para incrementar a produção. Desta forma,
somente o significado substantivo pressupõe a presença da economia em
todas as sociedades humanas, verificando que na maior parte da história, a
satisfação da subsistência era estabelecida por laços de parentesco, religião e
outras práticas culturais quaisquer que não possuíam nenhuma relação com a
alocação de recursos escassos.
O modelo de economia formal predominante nas Escolas Clássica e
Neoclássica, que valoriza a predição e os instrumentos especializados em
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modelos matemáticos, deve ser questionado pois não aborda as diferenças
fundamentais entre as sociedades capitalistas e pré- capitalistas.
I.1 - Smith x Polanyi
O principal argumento utilizado por Polanyi para combater o
pensamento inaugurado por Adam Smith é a análise histórica dos sistemas
econômicos das sociedades pré- capitalistas para explicar as motivações do
homem enquanto ser social. Para Polanyi, quando Smith afirmou que a divisão
do trabalho depende da existência do mercado, justificando a propensão do
homem a barganhar e permutar, “pode- se dizer que nenhuma leitura errada
do passado foi tão profética do futuro” (POLANYI, 1980, p. 59). Isto porque,
segundo Polanyi, esta propensão à troca não havia se manifestado em escala
considerável nas comunidades 2 pesquisadas até a data de publicação de A
Riqueza das Nações .
Segundo Polanyi, a troca e o escambo nunca foram os determinantes da
vida social humana, a economia, assim como as outras esferas da vida social,
serviram para a organização da sociedade. A partir deste princípio é
sustentada a idéia de que “o sistema econômico será sempre dirigido por
motivações não econômicas”.
Para Polanyi, o ganho e o lucro não foram os impulsionadores da
economia nas sociedades anteriores ao mundo capitalista, assim a economia
de mercado é algo novo e único na história, isto é, nenhuma outra sociedade
anterior a nossa foi controlada pelo mercado auto- regulável através dos
preços e “embora a instituição do mercado fosse bastante comum desde a
Idade da pedra, seu papel era apenas incidental na vida econômica” (POLANYI,
1980, p. 59).
Sobre a divisão do trabalho, Polanyi discordava da suposição de Smith
de que era necessária a existência do mercado para viabilizar a divisão do
trabalho, uma vez que somente com um mercado relativamente grande seria
permitido ao homem dedicar - se a apenas uma tarefa, caso contrário, ele não
22 Estas Comunidades foram pesquisadas por Polanyi e estão em “A Grande Transformação”.
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teria como trocar o bem produzido por outros bens necessários à sua
subsistência. De acordo com Polanyi, a divisão do trabalho é um fenômeno
antigo que não possui qualquer ligação direta com a existência do mercado,
derivando de diferenças inerentes ao sexo, à capacidade individual e às
condições geográficas.
Nestas sociedades pré- capitalistas, não existia a noção de lucro nem de
barganha individual, ao contrário, o que se verificava era um esforço para
assegurar a sobrevivência do conjunto de seus membros, como forma de
preservar os laços sociais que os identificava enquanto coletividade, isto é, a
esfera econômica servia ao interesse social, não ao econômico.
“... a economia do homem, como regra, está submersa em suas
relações sociais. Ele não age desta forma para salvaguardar seu
interesse individual na posse de bens materiais; ele age assim
para salvaguardar sua situação social, suas exigências sociais,
seu patrimônio social. Ele valoriza os bens materiais na medida
em que eles servem a seus propósitos.” (POLANYI, 1980, p. 61)
Polanyi, então, se questiona sobre como garantir a ordem na produção e
na distribuição, sem a motivação do lucro, do princípio de trabalhar por
remuneração e, ainda, sem a presença de qualquer instituição separada e
distinta baseada em motivações econômicas. Para tal pergunta, Polanyi
responde com dois tipos de comportamento: a reciprocidade e a
redistribuição que eram colocados em prática através de padrões
institucionais: a simetria e a centralidade, desta forma para a compreensão
das sociedades humanas deve- se tratar a economia como um processo
historicamente instituído.
Polanyi 3 entendia a economia como processo historicamente instituído,
na medida em que ela era definida como a interação entre o homem e a
natureza (ambiente que o rodeia) e porque estas atividades que formam o
processo econômico estão concentradas dentro das instituições.
3 Ver em “The Economy as na Instituted Process”.
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A economia estaria enraizada em instituições econômicas e não
econômicas e estas seriam as responsáveis pelo seu funcionamento e
estrutura. Assim, para entender como a economia é instituída em diferentes
tempos e lugares é necessário o estudo dos tipos de comportamento humano
e seus padrões empíricos.
A reciprocidade garantiria a subsistência de um grupo familiar através
dos laços de parentesco. Através do padrão institucional da simetria que é
marcado pela dualidade, seria garantido um sistema de dar e receber de bens
e serviços, ainda que sem uma determinação superior ou um registro
determinado.
Já o comportamento da redistribuição foi verificado facilmente entre os
membros de uma tribo de caçadores que ao chegar o final do dia, tudo que
fora conseguido era reunido e entregue ao chefe da tribo, para posteriormente
ser redistribuído. O padrão institucional da centralidade forneceu a
possibilidade de uma divisão mais igualitária, através da existência de uma
autoridade instituída, este fato permitiria que os rendimentos irregulares
entre famílias e tribos fossem suavizados.
Para Polanyi, os princípios de reciprocidade e redistribuição são
verificados mesmo em sociedades não democráticas, como oligarquias. O
terceiro princípio chamado de domesticidade consiste na produção para uso
próprio do grupo, cujos excedentes poderiam ser vendidos, e daí derivaria o
princípio do intercâmbio.
A permuta, a barganha e a troca são princípios de comportamento que
dependem da existência do padrão de mercado para a sua efetivação. Polanyi
argumenta que a permuta estaria para o padrão de mercado assim como a
reciprocidade está para o padrão simétrico de organização, e a redistribuição
para a centralização, porém o padrão de mercado é o único capaz de criar
uma instituição específica, o mercado.
Polanyi destaca ainda que mesmo quando os mercados adquiriram
maior importância no século XVI, ainda não foi suficiente para o padrão de
mercado controlar a sociedade. Durante muitos séculos a troca e a permuta
conviveram com importância reduzida em relação aos princípios de
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reciprocidade e redistribuição, isto se verificou principalmente devido à
proteção exercida pelas cidades, que funcionavam como um sistema comercial
fechado e altamente regulado, com vistas a resguardar a economia doméstica
das modalidades de pirataria e roubo resultantes do comércio em uma esfera
externa.
Vale lembrar que “uma economia de mercado é um sistema econômico
controlado, regulado, e dirigido apenas por mercados; a ordem na produção e
distribuição dos bens é confiada a esse mecanismo auto- regulável” (POLANYI,
1980, p. 81), por isto, o controle do sistema econômico pelo mercado altera
toda a organização da sociedade que passa a ser dirigida em função do
mercado. Desta forma, a economia de mercado inaugurada no século XIX, teve
a peculiaridade de transformar toda a organização instituída, já que, pela
primeira vez na história, “ao invés da economia estar embutida nas relações
sociais, são as relações sociais que estão embutidas no sistema econômico”
(POLANYI, 1980, p. 72).
I.2 - A criação do mercado
Como já foi citado anteriormente, o mercado implica na existência de
instituições econômicas separadas, instituições que não foram necessárias
nas sociedades tribais, feudais ou mercantis. É nesse sentido que Polanyi
afirma que a sociedade que nasceu no século XIX foi singular, já que foi
impulsionada por motivações puramente econômicas.
A sociedade depois da instituição do mercado, deveria ser modelada de
forma a atender o funcionamento do mesmo segundo suas próprias leis. Este
mercado auto - regulável pressupõe que a ordem na produção e na distribuição
de bens e serviços é assegurada apenas pelos preços. A produção é
determinada pelo lucro daqueles que a organizam, lucro este que depende dos
preços; já a distribuição dos bens é feita através dos rendimentos, que
também são determinados pelos preços.
15
Para assegurar a existência de uma economia de mercado deve- se
incluir o trabalho, a terra e o dinheiro que são elementos essenciais à
indústria. Estes três elementos também devem ser organizados em mercados,
porém esta organização em mercados é perigosa, já que o trabalho, a terra e o
dinheiro não são mercadorias, “... o trabalho e a terra nada mais são do que os
próprios seres humanos nos quais consistem todas as sociedades, e o
ambiente natural no qual elas existem. Incluí- los no mecanismo de mercado
significa subordinar a substância da própria sociedade às leis de mercado.”
(POLANYI, 1980, p. 84), já o dinheiro “é apenas um símbolo do poder de
compra e, como regra, ele não é produzido para a venda” (POLANYI, 1980, p.
85)
Para os elementos trabalho, terra e dinheiro, Polanyi atribuiu a
denominação de mercadorias fictícias, e assim, seria através desta ficção que
os mercados reais seriam organizados. Portanto, não deveria ser permitido
nenhum comportamento ou entendimento que viesse a comprometer o
funcionamento dos mecanismos de mercado “nas linhas de ficção da
mercadoria”. Ora, não seria possível, porém, admitir que apenas o mecanismo
de mercado regulasse o destino dos seres humanos e da natureza de forma
completa, as conseqüências para tal postulado seriam desastrosas para a
sociedade. De forma particular, o elemento trabalho, forma técnica de
denominar o ser humano na condição de empregado ou de empregador, seria
o mais afetado, já que o homem sob o efeito do abandono social viria a
sucumbir através de males como a perversão, o crime, a fome, e o vício.
I.3- Os contramovimentos protetores
Os chamados contramovimentos protetores são ações tomadas pela
sociedade, como forma de resguardar o homem e a natureza dos efeitos
maléficos do mercado e do controle da esfera econômica sobre as demais
esferas sociais.
Polanyi afirma que foi devido a estes movimentos que as sociedades
capitalistas conseguiram evitar o caos social. A sociedade, ao perceber que os
efeitos deletérios do mercado podem provocar a sua própria ruína, começam
16
a desenvolver formas de suavizar estes efeitos, um exemplo disto foi a
regulamentação do trabalho, quando a Inglaterra instituiu um conjunto de
direitos ao trabalhador como forma de protege- lo minimamente da pesada
carga de trabalho 4.
CAPÍTULO II – A No va Sociologia Econômica e o Diálogo co m
St akeholders.
No capítulo 1, discutimos as diferenças teóricas entre Adam Smith e
Karl Polanyi no que se refere à ciência econômica e a sua aplicação na
sociedade. Para os propósitos deste trabalho - que busca entender a interação
4 Polanyi desenvolve o conceito de contramovimentos protetores em “A Grande Transformação” efornece uma visão histórica sobre o assunto.
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entre o homem e o meio ambiente através de arranjos institucionais - ,
adotaremos a corrente teórica da Nova Sociologia Econômica (NSE) que resgata
os conceitos introduzidos por Polanyi, cujo principal pressupos to é a idéia de
que toda ação econômica está enraizada no ambiente social5.
II.1 - A Nova Sociologia Econômica – um breve histórico.
Quando A Riqueza das Nações foi publicada, ainda não havia ocorrido a
separação formal entre a Economia e a Sociologia. Foi a partir de David
Ricardo (1772- 1823) que a economia se tornou uma teoria dedutiva e
abstrata. A esta corrente, podemos chamar de corrente inglesa, que se opunha
à corrente histórica social da Alemanha.
Alguns destes economistas historicistas foram atraídos para a
sociologia, pelo simples motivo da sociologia ter mais afinidade com a
corrente histórica que com a corrente dedutiva abstrata. Desta forma, o
criador do termo sociologia, o primeiro sociólogo Auguste Comte, já em 1830,
criticou os economistas por darem tanta importância à abstração em
detrimento da abordagem empírica.
Finalmente, na virada do século foi fundada a Sociologia Econômica por
Max Weber e Durkheim. A definição de Sociologia Econômica que Weber e
Durkheim introduziram, defende que a perspectiva sociológica pode ser
aplicada ao fenômeno econômico. Os dois mais importantes trabalhos de
Weber foram Economia e Sociedade (1922) e História Econômica Geral (1919),
na realidade economia nunca fascinou Durkheim como educação, religião e
moralidade.
Porém, foi no século XX que os estudos em sociologia econômica foram
ampliados, conquistando, inclusive, alguns economistas de renome, com
destaque para a obra de Joseph Schumpeter neste campo do conhecimento:
Capitalismo, Socialismo e democracia (1942) e de Karl Polanyi, A Grande
Transformação (1944), que através de um estudo antropológico minucioso
constatou que a teoria econômica era aplicável não só às sociedades
5 Tradução do inglês social embeddedness.
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industriais, como defendiam os liberais, mas, também, nas sociedades pré-
industriais.
A Nova Sociologia Econômica que se iniciou nos anos 80 possui
pensadores como Mark Granovetter, Beth Mintz, Viviane Zelizer e Susan
Shapiro. Porém, iremos nos deter nos autores responsáveis por sistematizar
os três principais axiomas da NSE, Granovetter e Swedberg, cujas proposições
chaves são: 1) As ações econômicas são uma forma de ação social; 2) A ação
econômica é situada socialmente; 3) Instituições econômicas são construções
sociais 6 .
Para facilitar a compreensão, faremos uma distinção entre a Nova
Sociologia Econômica e a Economia Clássica e Neoclássica, que é a escola
dominante no pensamento econômico moderno.
A Escola Neoclássica tem como premissa que o agente econômico não é
influenciado por outros agentes (individualismo metodológico) e que suas
decisões econômicas são racionais, determinadas pelas suas preferências e
pela escassez de recursos. Logo, o mercado e a economia são as referências
básicas e a sociedade é considerada como dada no modelo neoclássico.
Para a Nova Sociologia Econômica, ao contrário, o agente é influenciado
por outros agentes que fazem parte da sociedade, suas ações possuem
motivações racionais dentre muitas outras não “racionais”. Diversamente do
que acreditam os defensores da economia clássica e neoclássica, as decisões
econômicas são feitas não somente a partir da escassez de recursos, mas,
também, considerando a estrutura social e o seu significado, é neste sentido
que a NSE defende que a ação econômica é uma modalidade da ação social.
Quando a NSE se refere à ação econômica como sendo socialmente
“situada”, significa que a ação econômica “está enraizada em redes de
relacionamentos pessoais e não em indivíduos atomizados” (VINHA, 2000, p.
159). Além disto, a economia é considerada como parte de um todo que é a
sociedade, e esta sim constituiria a referência básica da análise.
6 Ver em GRANOVETTER, M.S., SWEDBERG, R. (Eds.). The Sociology... Op. cit. “Introduccion”.
19
As instituições sociais, por sua vez, também são frutos de uma
construção social, já que as instituições resultam de um lento e gradual
processo de criação que se inicia com muitas dificuldades de “como fazer”,
até chegar ao estágio de “como são feitas”, neste sentido é necessário olhar
para a trajetória histórica de uma determinada instituição para compreendê -
la de forma completa.
II.2 - Empresas Responsáveis.
Polanyi vislumbrava que o surgimento de uma instituição regida por
interesses puramente econômicos, o mercado, geraria muitos desequilíbrios
sociais. Mas acreditava, também, que a sociedade criaria defesas
(“contramovimentos protetores”) para preservar, em algum grau, os princípios
que a regiam originalmente, isto é, antes da ascensão do mercado como
padrão institucional. Os “contramovimentos protetores” são aqui resgatados
para explicar o comportamento socialmente responsável de determinados
segmentos empresariais da sociedade industrial moderna.
Atualmente, observa- se que as empresas – particularmente, as grandes
e líderes de mercado - estão seriamente empenhadas em expressar idéias e
atitudes socialmente aceitas, e a comportar - se de forma a demonst rar
“reciprocidade” com os demais segmentos sociais e a contribuir para a
“redistribuição” dos benefícios gerados por suas atividades.
Este comportamento não é necessariamente simétrico, embora a rede
constituída em torno dessas relações possa funcionar como uma instância de
coordenação social, fazendo da empresa a instituição central, isto é, aquela
responsável por um aspecto do bem- estar coletivo. Na ótica da NSE, este
comportamento representaria um dos "contramovimentos protetores"
mencionados por Polanyi contra o sistema de mercado "auto- regulável".
II.3 - A Convenção do Desenvolvimento Sustentável e o “Enraizamento
Social”
O conceito de Desenvolvimento Sustentável vem sendo construído
desde a Conferência de Estocolmo, realizada em 1972, mas só viria a ser
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mundialmente conhecido quinze anos depois, durante a Comissão Mundial
sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. O relatório Nosso Futuro Comum
popularizou sua relatora, a Ministra da Noruega e Secretária Geral das Nações
Unidas, Gro Brundtland, sendo também conhecido como Relatório Brundtland.
De acordo com este relatório, o desenvolvimento sustentável é definido
como aquele que permite à geração atual suprir as suas necessidades, sem
comprometer as condições de subsistência das gerações futuras.
Esta premissa transformou - se em convenção de mercado, aceita
universalmente, e ajudou a estabelecer um novo paradigma científico,
apoiado na visão holística de uma sociedade regida pela lógica ecológica
também, além da lógica do mercado. Mas foi ao longo da década de 90 que o
conceito de desenvolvimento sustentável popularizou - se no meio
empresarial, passando a se constituir numa poderosa estratégia de negócios.
Contudo, para que o paradigma do desenvolvimento sustentável realize
plenamente os seus fundamentos e princípios, é necessário existir um certo
grau de “enraizamento social” (social embeddedness) na empresa. A
conseqüência disto é que, quanto mais a empresa dialoga e convive com sua
comunidade, mais ela se compromete com o controle e a minimização dos
impactos ambientais gerados por suas atividades, e se envolve e apóia
projetos comunitários. Este diálogo, resultado do aprofundamento da sua
inserção na comunidade, aproxima a cultura empresarial da cultura popular e,
por conseguinte, harmoniza as respectivas agendas.
Assim, políticas de compensações, mitigações, programas sociais,
enfim, a política de administração de impactos sócio- ambientais, seriam
formas modernas de reciprocidade e redistribuição uma vez que implicam em
"tomar e dar" entre grupos de parceiros.
II.4 - O modelo chamado de “capitalismo de stakeholders”.
O uso do termo stakeholder começou a se generalizar recentemente, no
final da década de 80, cujo marco foi o trabalho de R. Edward Freeman
Strategic Management: a Stakeholder Approach , publicado em 1984.
21
O objetivo principal desta teoria era oferecer aos empresários e
executivos uma ferramenta para compreenderem os interesses e os desejos do
“outro” (isto é, dos stakeholders , definidos como os indíviduos afetados e/ou
interessados, direta ou indiretamente, pelos empreendimentos econômicos) e
aprender a lidar, estrategicamente, com eles e a gerenciar as diferentes
percepções e interesses. Nas palavras de Freeman: "the stakeholder approach
is about groups and individuals who can affect the organization, and is about
managerial behavior taken in response to those groups and individuals"
(FREEMAN, 1984, p. 48).
Para desenvolver tais estratégias, segundo ele, seria necessário
responder a três perguntas básicas sobre seus stakeholders:
1. Quem são eles? (seu perfil, atributos e características de comportamento)
2. O que eles querem? (refere- se aos seus interesses e metas)
3. Como eles tentarão atingir suas metas e satisfazer seus interesses? (esta
questão é relativa aos meios para se alcançar os fins)
Como uma figura de retórica, o “capitalismo de stakeholder” fornece
uma visão mais ampla e inclusiva do papel e das responsabilidades das
empresas na sociedade, além de apenas remunerar seus acionistas. O termo
apenas recentemente foi incorporado ao contexto legal, enquanto que o termo
shareholder (acionista) já é utilizado há muito tempo.
Os stakeholders de uma companhia têm poder porque carregam um
“stake ” (um bastão, de madeira ou metal), simbolicamente entendido como
uma poderosa arma capaz de destruir a empresa quando seus interesses não
são satisfeitos. Os chamados stakeholders voluntários são aqueles que
suportam alguma forma de risco em antecipação a alguma forma de ganho, ou
incremento de valor. São eles: os acionistas, os empregados, os fornecedores,
e os consumidores. E os stakeholders involuntários estão expostos ao risco
sem conhecimento prévio e sem garantia de benefício: o governo, as
comunidades e o meio ambiente.
22
II.5 - A ferramenta “Diálogo com Stakeholders” 7
O diálogo com grupos de interesse é uma metodologia participativa, de
consulta social, que mapeia e caracteriza o perfil de cada stakeholder e capta
sua percepção e as suas expectativas sobre uma determinada empresa e sua
atividade.
A coleta de dados é feita de forma sistemática, executada por uma
equipe multidisciplinar, orientada para obter, no menor tempo possível, e
evitando - se gastos excessivos, novas informações e hipóteses. Foi
desenvolvido como uma alternativa às tradicionais análises sobre a situação
social nos países em desenvolvimento, que envolvem coleta exaustiva de
dados e um grande número de pesquisadores, durante um longo período de
tempo, acarretando num aumento substancial dos custos de pesquisa.
Além disso, ao incorporar a consulta direta a indivíduos representa tivos
dos grupos e técnicas de dinâmica de grupo, faz emergir uma série de
demandas, expectativas e problemas não captados através dos canais fixos e
formais de comunicação.
Durante as dinâmicas coletivas, criam- se oportunidades para a
população local colaborar ativamente não só no levantamento dos dados, mas,
também, na construção da análise, aportando, a esta, particularidades do
sistema e “insights ” pessoais suscitados pela dinâmica coletiva.
O programa de consulta sistemática aos stakeholders fornece,
fundamentalmente, um quadro das tendências comportamentais e das
possíveis estratégias a serem adotadas pelos diferentes grupos de interesse
face a uma determinada situação. Neste sentido, é um instrumento apropriado
para captar a dimensão de subjetividade existente em todo e qualquer
processo de escolhas e de decisão estratégica dos atores sociais.
As técnicas de Diálogo com os Stakeholders passaram a ser cruciais,
não apenas na comunicação externa da empresa, mas, também, na formulação
7 INSTITUTO PRÓ-NATURA. Relatórios de Pesquisa Diagnóstico de Grupos de Interesse (Stakeholders) ePlanos de Comunicação Social. Empresas: BP, Shell, Kerr- McGee e Esso. 2001/2002
23
da estratégia corporativa, que, hoje, passa, necessariamente, na capacidade de
a empresa expressar seu compromisso com a sociedade.
II.5.1 - Metodologia do Diálogo com Stakeholders:
Objetivos:
• Manter todos os stakeholders da área de influência do empreendimento
permanentemente informados a respeito das operações em curso.
• Criar um canal de comunicação permanente entre a empresa e seus
stakeholders , construindo um ambiente de confiança entre eles.
• Desenvolver mecanismos que ajudem a promover a coexistência social
pacífica e colaborativa entre a equipe de trabalhadores e funcionários
da empresa e os habitantes das regiões onde atuam.
• Identificar os focos potenciais de conflito para apoiar uma ação
estratégica futura.
• Buscar o consenso em torno de questões polêmicas surgidas ao longo
do processo de diálogo.
Pressupostos
Os pressupostos desta metodologia estão diretamente relacionados com o
compromisso da empresa em adotar práticas corporativas de
responsabilidade social e ambiental. São elas:
• compromisso da empresa em adotar os mais elevados padrões de
qualidade técnica e ambiental, e a praticar sistematicamente o diálogo
com os seus stakeholders.
• Os stakeholders são considerados informantes privilegiados no
processo de monitoramento e avaliação da estratégia de comunicação.
24
• As comunidades locais devem ser encaradas como stakeholders
primários 8 assim como os órgãos reguladores, fornecedores e
contratados, devendo assim ocupar o mesmo patamar de importância e
atenção atribuída a esses.
• Ênfase especial deve ser dada aos setores que utilizam os mesmos
recursos ambientais usados no empreendimento (ex: pescadores,
quando se trata de extrair petróleo no mar).
Técnicas
Existe uma variedade de técnicas de consulta e diálogo que são
aplicadas de acordo com o grau de impacto (social e ambiental) da atividade e
com o tipo de relacionamento social já existente. Nas atividades iniciais de
exploração sísmica, por exemplo, quando não ainda não há evidência da
existência de óleo na reserva, nem o compromisso com a produção, portanto,
as técnicas de consulta restringem - se a contatar indivíduos e organizações,
entrevistá - los ou aplicar questionários, além de organizar reuniões amplas e
abertas nas quais participam todos os potenciais interessados na exploração
futura. Por parte da empresa, o principal é manter o compromisso com o
diálogo e com a disponibilização das informações relativas ao
empreendimento.
A primeira providência é realizar um mapeamento de todas as
instituições e organizações setoriais, organizações não governamentais, e
associações da sociedade civil, e a partir daí são selecionadas pessoas que
conhecem mais a comunidade ou a área em estudo, em geral as que vivem ou
produzem no local, para desenhar um mapa das organizações e instituições
que atuam na área, indicando a disposição e as formas de uso do espaço, o
grau de influência dessas organizações, e as dificuldades mais comuns.
A visão diagnosticada é representa tiva dos segmentos sociais
pesquisados e aponta para a necessidade de colocar medidas em ação que
favoreçam o diálogo e permitam a construção em parceria de um projeto de
8 O que distingui um stakeholder primário de um secundário é o grau de impacto que ele pode sofrerdo empreendimento em questão. Ou seja, ele estaria, assim, mais propenso a comportar- senegativamente, podendo criar conflitos de serem administrados pela empresa.
25
intervenção social. O valor dessas informações está no indicativo de
problemas e potencialidades que venham a fazer parte dos temas prioritários
de ação, como por exemplo, os programas de incremento à geração de renda
das populações tradicionais.
A realidade revelada no diagnóstico deve ser entendida, portanto, como
uma oportunidade para a empresa fortalecer sua opção estratégica de
conquistar o atributo de empresa socialmente responsável, encarando as
ações sócio- ambientais como investimento e não como custo, e os
stakeholders como informantes privilegiados e potenciais parceiros.
Além disso, esta metodologia fornece subsídios para orientar o
desempenho da assessoria de comunicação da empresa, e de seus
funcionários da base e da sede, sobre como responder aos seus stakeholders .
Contudo, o processo de diálogo é dinâmico, sendo necessário combinar outros
instrumentos de informação para refinar os procedimentos de monitoramento
e avaliação do Projeto de Comunicação Social, particularmente os diagnósticos
sócio- econômicos.
CAPÍTULO III - A INDÚSTRIA DO PETRÓLEO E GÁS E O CASO DASHELL
Devido à dependência da sociedade moderna na energia baseada em
hidrocarbonetos, principal combustível para o desenvolvimento industrial, a
indústria de Petróleo e Gás (P&G) desempenha um papel fundamental na
economia mundial. Porém, o alto padrão poluidor da indústria faz desta
indústria um foco constante de críticas por parte dos defensores do
desenvolvimento sustentável.
26
III.1 - A indústria de Petróleo e gás e a Convenção do desenvolvimento
sustentável.
O alto retorno econômico da indústria de Petróleo e Gás é acompanhado
por um elevado risco. Muitos poços podem apresentar - se inviáveis
economicamente depois do investimento ter sido feito. Desta forma, a
indústria de P&G apresenta uma natureza de longo prazo que irá obrigá- la a
tomar decisões estratégicas.
Nos anos de 1997 e 1998, os preços de petróleo caíram em 31%, queda
esta atribuída à globalização dos mercados pela busca de novas reservas de
hidrocarbonetos. Este movimento gerou a impossibilidade de cooperação para
a manutenção de altos preços pelos países participantes da OPEP
(Organização dos Países Exportadores de Petróleo) que, numa busca
desesperada para manter seus rendimentos dos anos 80 e 90,
sobrecarregaram o mercado mundial com mais barris de petróleo do que a
demanda podia absorver, contribuindo ainda mais para a queda de preços.
Face ao declínio dos preços, foi imperioso proceder - se à reestrutu ração
na indústria de petróleo e gás, no sentido de torná - la mais sensível às
variações da demanda, além de aumentar a diversificação em petroquímica e
em outras indústrias derivadas. Este novo cenário exigia mudanças
estratégicas, entre elas, a mais importante consistia em compreender os novos
anseios da demanda, como a incorporação da preocupação ambiental e social
de acordo com o paradigma do desenvolvimento sustentável.
Para os países mais desenvolvidos, o controle de reservas de
hidrocarboneto, juntamente com o seu abastecimento contínuo e barato, irá
garantir sua supremacia no cenário mundial, podendo, com isso, manter o seu
ritmo frenético de crescimento industrial. Já para os países em
desenvolvimento, o acesso a esta energia se torna de vital importância para o
processo de industrialização tardio que irá possibilitar o seu desenvolvimento
econômico. No entanto, a crescente preocupação com o meio ambiente e o
surgimento de tensões entre grupos ativistas e comunidades locais contra os
governos dos países em desenvolvimento e contra a atividade de exploração e
27
produção de petróleo, vem tornando a atuação da indústria de P&G nestes
países cada vez mais complexa.
A indústria de P&G é super poluente em termos ambientais em
praticamente todas as fases do seu processo de produção. Na exploração,
além do esgotamento dos estoques de recursos naturais, ainda há o risco de
derramamentos, perigo de explosão e contaminação por resíduos das
comunidades do entorno das operações de exploração e produção de P&G, já a
combustão de hidrocarbonetos é a fonte primária de gases do efeito estufa,
provocando chuva ácida e causando problemas de saúde à população.
Conseqüentemente, a indústria de P&G recebe críticas de todos os lados,
não só dos ambientalistas, mas também, de representantes das comunidades
mais pobres e dos governos populares. O intenso escrutínio social levou à
adoção de novos padrões de competitividade pautados na necessidade de se
identificar, previamente, os danos que a atividade gera ao meio ambiente e à
sociedade os quais se refletem nos negócios maculando a reputação da
empresa.
Do ponto de vista financeiro, as conseqüências podem ser
extremamente danosas, elevando os custos de mitigação dos impactos
ambientais, obrigando a empresa a pagar indenizações milionárias a
comunidades e indivíduos atingidos pela poluição, isto sem falar dos boicotes
organizados por grupos ambientalistas e a deterioração da imagem da
empresa.
III.2 - Pressão Social para a transformação do paradigma - o caso da Shell
As mudanças na indústria de P&G foram impulsionadas pela crise
econômica mundial e foram seguidas pelas exigências da demanda no sentido
de adequar as ações do setor energético aos princípios do desenvolvimento
sustentável.
Como resultado, começa a crescer a pressão social pela diminuição do
efeito poluidor da indústria baseada em hidrocarbonetos. A incorporação do
paradigma do desenvolvimento sustentável nas indústrias modernas consiste
na adoção de tecnologias menos poluentes, tanto no processo produtivo
28
quanto na expressão de um compromisso público corporativo, preocupado
com o meio ambiente e com os benefícios sociais distribuídos pela empresa.
Neste novo cenário competitivo, as indústrias do setor de P&G procuram
implementar novas estratégias empresarias que correspondam aos anseios da
demanda mais preocupada com a proteção ambiental e, por que não,
socialmente responsável?
O caso da empresa Shell ilustra bem a trajetória do setor de petróleo e
gás e a adaptação a este novo paradigma. Sob o impacto de dois desastres
ambientais de grande proporção, a empresa procurou identificar os anseios
da sociedade bem como priorizar a sustentabilidade ambiental e a
responsabilidade social.
III.2.1 - Um breve histórico 9
Em 1887, a Companhia Shell de Transporte e Comércio foi fundada no
Reino Unido e logo foi para o ramo de combustíveis, parafina comercial e
querosene dos poços de Bornéu. Em 1906, a Shell funde - se com a Royal
Dutch, devido ao esgotamento de suas reservas em Bornéu.
Atualmente, o grupo Shell compõe - se de três Companhias Holding:
Shell Petroleum NV, Shell Petroleum Inc. USA e Shell Petroleum Co. Ltd. UK,
além da subsidiária independente Shell Oil Company (EUA). Além disso, o
grupo possui as Companhias de Serviços (SERVCOS) que fornecem suporte
técnico para as Holdings e as Companhias operadoras (Opcos). O grupo Shell
atua em mais de 130 países, e é uma empresa completamente integrada, do
poço à origem das bombas - as operadoras trabalham na exploração e
produção de produtos de petróleo e renováveis, que são transportados em
oleodutos e navios- tanques operados pela Companhia – e ainda possui
refinarias nos países em que opera. Cabe lembrar que a Shell, além de
combustíveis e lubrificantes refinados do petróleo cru, utiliza 10% do óleo
confeccionado na produção de substâncias químicas e polímeros. O grupo
possui mais de 47 mil postos de serviço, que cresceram e acabaram por
9 MAY, Peter H., BARBOSA, A.H., ZAIDENWEBER, N., FERNANDEZ-DAVILA, P., VINHA, Valéria G. da.Corporate roles and rewards in promoting sustainable development: lessons and guidelines fromCamisea. Berkeley, CA: Energy Resource Group, Jan. 1999.
29
lançar - se no ramo de alimentos através das lojas de conveniência (posto
Sellect). A Shell é reconhecida mundialmente como uma das líderes no seu
ramo e, segundo pesquisas de opinião, é a preferida dos consumidores em 48
países.
A Shell apresentou os maiores lucros em ações ordinárias de 1988 até
1997, além de demostrar maior estabilidade que as outras seis maiores
Companhias, sendo rivalizada apenas pela Exxon até a sua fusão com a Mobil.
Para manter sua estabilidade e colocar - se sempre à frente das tecnologias
mais modernas, a Shell gasta em média mais de $715 milhões em P&D por
ano. Contudo, a empresa sofreu com uma queda dos lucros nos anos 90,
gerando uma revisão dos princípios e da estratégia operacional do grupo, com
o objetivo de captar os anseios da sociedade priorizando a sustentabilidade
ambiental e a responsabilidade social.
III.2.2 - A Transformação da Shell
Em 1995, a Shell enfrentou duas crises que detonaram as mudanças
necessárias à implementação das diretrizes do Desenvolvimento Sustentável
no grupo. A primeira se deu quando a poderosa ONG Greenpeace ocupou a
plataforma de Brent Spar, no Mar do Norte, para impedir o seu afundamento;
e a outra se deu quando o governo nigeriano enforcou o ativista Ogoni de Ken
Saro- Wiwa e oito aliados.
A decisão da empresa de afundar uma plataforma já considerada
obsoleta foi tomada após vários estudos técnicos constatando que não haveria
nenhum perigo à operação. Entretanto, neste momento houve a invasão do
Greenpeace, colocando em questão sua real segurança.
O outro foco da crise partiu da Nigéria, onde a Shell criou uma
companhia para explorar petróleo, que é a maior produtora do País. A
empresa opera no Niger Delta, área sensível do ponto de vista ambiental, que
vive um conflito étnico histórico. Na região, vivem 7 milhões de pessoas de 20
diferentes etnias.
Em 1995, o ativista Ogoni Ken Saro- Wiwa, e mais oito aliados, foram
enforcados pelo governo nigeriano quando tentavam receber alguma
30
compensação pela extração de petróleo das concessões nas suas terras e pelos
graves impactos ambientais decorrentes das operações de petróleo e das
práticas de sabotagem.
Estes incidentes coincidiram com um momento de reflexão interna da
Shell e com o projeto que ficou conhecido internamente pela sigla TINA
("There is no alternative") que consistiu em uma revisão dos princípios da
empresa baseada nas expectativas da sociedade, em todos os aspectos do
negócio.
Os incidentes ocorridos geraram várias manifestações contra a empresa
como boicotes, clamor público e atos de violência, os quais, de certa forma,
contribuíram para a implementação e fortalecimento da TINA. Além disso, a
empresa fez várias pesquisas em empresas de consultoria de prestígio, como
a MORI, as quais identificaram que a Shell era acusada de não trabalhar em
parcerias com as comunidades, desconsiderando suas opiniões.
Em 1997, através da "Declaração de Princípios Gerais de Negócios", a
sede da empresa determinou como cada uma das companhias que compõem o
Grupo Shell deveria conduzir seus assuntos. A partir desse momento, a Shell
comprometeu - se a apoiar os direitos humanos, fornecendo a atenção
apropriada às áreas de saúde, segurança e meio ambiente, visando sempre o
desenvolvimento sustentável.
O conceito de desenvolvimento sustentável contido neste documento
engloba três aspectos: econômico, social e ambiental, e os seus princípios
são: 1- gerar lucros, 2- desenvolver produtos de “valor” para os
consumidores, 3- proteger o meio ambiente, 4- gerenciar os recursos naturais
(ex: energia, terra e água), 5- respeitar e proteger as pessoas, trabalhar com os
stakeholders, 6- beneficiar as comunidades.
III.2.3 - A Estratégia de Diálogo com Grupos de Interesse
Nos dias de hoje, a maior preocupação com o meio ambiente e o
desenvolvimento das tecnologias de informação, que permitem que fatos e
acidentes isolados rapidamente sejam difundidos pelo mundo, tornam o
ambiente de negócios de qualquer empresa muito mais complexo. As
31
empresas passam a ter que se preocupar não apenas com as demandas de
seus acionistas (de obtenção de lucros), mas, também, com uma gama maior
de grupos que de alguma forma são afetados pelas suas operações.
Para identificar a demanda desses “novos atores” é necessário dialogar,
ouvindo o que estes têm a dizer e informando o que a empresa pretende
fazer. A Shell identificando este cenário e seguindo suas novas regras,
estabeleceu que em qualquer um dos seus novos projetos as opiniões da
comunidade afetada; dos governos locais; dos grupos de interesses como um
todo, deveriam ser ouvidas, assimiladas, pesadas e a partir deste diálogo,
baseado em relações de confiança e respeito construídas ao longo do tempo,
as decisões deveriam ser tomadas.
Ao agir dessa forma, diversos agentes, além da própria Shell, estão
engajados no projeto em questão, o que faz com que as chances de sucesso se
tornem muito maiores e, no caso de surgirem problemas, as
responsabilidades passam a ser compartilhadas. A fim de consolidar esta
conduta e tornar públicas suas decisões e sua performance, permitindo aos
diversos agentes comparar as promessas com os atos concretos, a Shell
elaborou os Relatórios Shell para a Sociedade.
No entanto, os resultados previstos no referido documento não
acontecem rapidamente, ao contrário, são lentos e prevêem alguns anos até
que os primeiros frutos sejam alcançados. Esta demora em produzir
resultados se deve ao fato de os princípios do Desenvolvimento Sustentável
precisarem ser difundidos, e internalizados, entre todos os funcionários,
mudando a cultura interna no cumprimento de suas tarefas. Somente quando
as mudanças estiverem totalmente internalizadas na cultura da empresa, os
resultados serão notados.
III.2.4 - Exemplo Camisea
O campo de gás de Camisea no Peru localiza - se no interior da floresta
amazônica peruana, no Vale da baixa Urubamba. Trata - se de uma área
habitada por aproximadamente 10.000 pessoas, espalhadas em mais de 35
aldeias, representando sete culturas nativas diferentes.
32
A Shell chegou na região no início dos anos 80 durante uma campanha
de exploração que levou à descoberta de um depósito de gás de “classe
mundial” (11 trilhões de pés cúbicos de gás natural e 640 milhões de barris
em condensados líquidos). Durante a exploração, a Shell foi acusada de abusar
dos direitos humanos, pondo em risco a saúde das populações indígenas
desprotegidas devido ao isolamento, e prejudicando o frágil ambiente natural
da floresta tropical. Tais abusos, registrados ao longo de toda a bacia
amazônica, mobilizaram protestos de organizações ambientais e de direitos
humanos no Peru e nos países industrializados.
Em 1996, a Shell junto com a Mobil, voltou à região num novo
empreendimento, já buscando aplicar o novo paradigma do Desenvolvimento
Sustentável, iniciado com o processo de transformação interna que foi
motivado pelos gravíssimos conflitos ocorridos na Nigéria e no Brent Spar.
Camisea surgiu, assim, como uma oportunidade de desenvolver um processo
de aprendizagem na Shell, permitindo à companhia pôr em discussão novas
abordagens destinadas a administrar as frágeis e controversas relações sociais
encontradas em áreas sensíveis como a Amazônia peruana.
A oportunidade de desenvolver o processo de aprendizagem nesta
região foi aproveitada, e a Shell lançou um programa abrangente de
consultoria e participação de stakeholders que possibilitou a tradução efetiva
de assuntos emergentes em decisões técnicas e planejadas.
A empresa estabeleceu boas relações de vizinhança e firmou contratos
com as comunidades indígenas locais. Além disso, adotou estratégias de longo
prazo para geração de Capital Social e projetos de desenvolvimento
sustentável, visando contribuir para a capacitação local autônoma, e planejou
entregar um benefício líquido às comunidades locais durante 40 anos.
A SPDP (Shell Peruana), comprometida com a adoção de práticas sociais,
reuniu uma equipe de executivos experientes em atuar em ambientes
sensíveis. Como resposta à herança negativa da campanha anterior, a
administração da SPDP assumiu, desde o início, um compromisso de que
Camisea operaria tão discretamente quanto possível. Seu acampamento básico
e o seu pessoal ficariam completamente isolados das comunidades; os
33
trabalhadores do empreendimento deveriam portar um Passaporte de Saúde
certificando sua inoculação contra doenças e enfermidades que poderiam
atacar os nativos, e decidiu - se que infrações contra esta decisão seriam
punidas com demissão sumária.
Com o objetivo de proteger as comunidades indígenas da competição e
do conflito em torno dos recursos da região, foi decidido pelo grupo que não
seriam construídas estradas para o vale do Urubamba e para o corredor de
exportação de gás, evitando o fácil acesso de colonos ou madeireiros à frágil
região. Ao invés de estradas, o transporte de todo o equipamento e materiais
para a base de operações seria feito por rio e helicóptero. Os nativos, porém,
demonst raram um grande transtorno quanto ao uso do aerobarco para
transpor te no rio, o barco foi denominado de "aerobarco demoníaco" pelas
comunidades por sua aparência e seu som estridente, por fim, a empresa
encontrou meios para evitar um desconforto que poderia ter adiado
seriamente o projeto.
Todas essas heterodoxas políticas e decisões de planejamento do
projeto resultaram de consultas às comunidades locais, realizadas pelos
chamados "Agentes de Ligação com a Comunidade" (CLOs) durante as rodadas
de conversações. Nelas, os CLOs apresentavam as características do
planejamento e identificavam os problemas locais para receberem assistência
da companhia. A Shell negou - se a adotar uma política puramente
compensatória, evitando transações de dinheiro vivo em favor de
investimentos na comunidade com ampla distribuição de benefícios, como
postos de saúde, treinamento e bolsas de estudos. A companhia também fez
esforços para fortalecer e legitimar as organizações locais, como o Clube de
Mães, autorizando - as a receber fundos e administrar projetos locais em favor
das mulheres e de suas famílias.
ONGs nacionais e internacionais começaram, a partir de então, a
assumir um papel mais pró- ativo no planejamento do desenvolvimento
sustentável regional. Uma Verificação de Saúde Básica no início do projeto
focalizou a atenção nas deficiências existentes nos serviços sociais e de saúde
locais, estimulando a discussão sobre oportunidades adicionais para
34
intervenção. A colaboração iniciada com o governo regional levou à
preparação de um diagnóstico sócio- econômico regional e um plano de
desenvolvimento sustentável do vale do Urubamba, assegurando um adicional
compromisso público e de ONGs nesta direção.
Finalmente, o Conservation Biology Institute do Smithsonian Institute,
há muito em atividade na vizinha Reserva de Manú, dedicou - se à avaliação da
biodiversidade e monitoramento, criando uma base de conhecimento
excepcional, que veio a somar um valor adicional e visibilidade aos esforços
do projeto. Este programa de biodiversidade não só alimentou um processo de
Avaliação de Impacto Ambiental Adaptável, mas também teve a virtude de
prover um campo de treinamento prático para jovens cientistas nacionais.
Também motivou os nativos que foram contratados como guias a recuperar e
valorizar seu conhecimento indígena, ameaçado pelo ataque da civilização
moderna.
Com relação ao uso da metodologia de diálogo com stakeholders , o
programa de consulta do Projeto Camisea, que começou em 1994, propunha -
se a ser ininterrupto, e foi um componente chave no planejamento (incluindo
a Avaliação de Impacto Ambiental) na construção do gasoduto e nas
operações em campo. O valor total das atividades, incluindo pagamento de
salários, girou em tornou de 1 milhão de dólares, mas calcula- se que estes
reverteriam em benefícios da ordem de 50 milhões de dólares.
Para a equipe de relações comunitárias da SPDP, a consulta era
entendida como um contínuo fluxo de informação entre os grupos de
interesse e a empresa. As metas a serem alcançadas no Projeto Camisea foram
assim definidas: fornecer informação detalhada sobre o empreendimento;
identificar expectativas; comunicar o compromisso da empresa em gerar
benefícios sociais; demons trar a sensibilidade da empresa para temas sócio-
ambientais; apoiar a participação dos stakeholders no desenho do projeto e no
processo de tomada de decisões; orientar acordos de compensação e apontar
ações para a geração de Capital Social; contribuir para a capacitação da
liderança local e assegurar que a empresa mantivesse sua "licença social para
operar".
35
Após o desastroso episódio do Brent Spar, a Shell tomou consciência de
que o sucesso de empreendimentos desta magnitude dependia do
envolvimento, consentimento e colaboração de grupos e indivíduos direta e
indiretamente afetados. Neste sentido, a estratégia adotada pela SPDP
(“everyone as a stakeholder ”) consistia em manter indivíduos e grupos
permanentemente informados em todas as fases do projeto, e em incorporá -
los no processo de tomada de decisões de modo a beneficiar - se do expertise
individual e coletivo.
Ao adotar esta estratégia, a empresa tinha consciência da sua
inexperiência em técnicas de stakeholder approach. Com o objetivo de iniciar
um processo de desenvolvimento local sustentável, a Shell, assumia o risco de
abrir suas operações ao monitoramento da sociedade. Entretanto, este risco
pareceu insignificante diante do temido cenário de amargar um desastre
financeiro no caso de suas operações sofrerem atraso ou cancelamento em
virtude do clamor popular.
Os passos do processo de consulta do projeto Camisea foram: 1)
Identificação e contato com todos os stakeholders ; 2) Disseminação e
intercâmbio de informação em material de fácil assimilação, publicados em
inglês e espanhol e no website do projeto; 3) Promoção e facilitação do diálogo
através de workshops participativos organizados em diferentes níveis (local,
nacional e internacional) e envolvendo todos os segmentos; 4) Incorporação
das demandas e sugestões dos stakeholders no processo de tomada de
decisões.
Consecutivos workshops foram organizados em Lima, Londres e
Washington no período e Novembro de 1997 a Março de 1998, com o objetivo
de identificar potenciais críticas ao projeto, coletar sugestões e angariar apoio
dos formadores de opinião. Todas as recomendações daí originadas foram
incorporadas ao programa de consulta.
A colaboração com as ONGs peruanas foi considerada crucial para o
sucesso do processo de consulta, por agregar expertise e informações sobre a
biodiversidade, a cultura e a dinâmica das comunidades locais. A Rede
Ambiental Peruana (RAP), formada por 39 ONGs, foi contratada pela SPDP
36
para conduzir uma avaliação e monitoramento independentes sobre os
procedimentos da empresa e os impactos sócio- ambientais do projeto. Foi a
primeira experiência da entidade de parceria com uma empresa, nos seus 10
anos de existência. Os benefícios desta rica experiência foram inúmeros. Além
do aprendizado e aperfeiçoamento profissional, a RAP teve a oportunidade de
aproximar - se mais do seu público alvo, as comunidades nativas, e do
conhecimento aportado pelas instituições de pesquisa e universidades
nacionais e internacionais, como o renomado Smithsonian Institute, através
de atividades desenvolvidas conjuntamente.
Em 1998, a Shell decidiu suspender seu investimento no campo de gás
da Camisea, porém, tanto os grupos indígenas quanto os grupos ambientais
envolvidos reconheceram a qualidade do projeto e manifestaram sua
preocupação com outros que venham a assumir o desenvolvimento da
Camisea, temendo que estes não façam um trabalho tão bom. Além disso, a
empresa concluiu que a despesa incremental marginal incorrida neste esforço,
mais do que se pagou como seguro contra atraso na conclusão do projeto,
descontentamento local e sabotagem potencial.
III.2.5 - Shell Brasil
Acompanhando a decisão do Grupo Shell, a subsidiária brasileira vem
se adaptando a esses novos princípios. Um dos resultados foi uma mudança
substancial na sua política de investimentos sociais, com o objetivo de
reforçar o comprometimento do grupo Shell com o desenvolvimento
sustentável. Em meados da década de 90, a Shell Brasil substituiu o apoio
maciço ao marketing cultural pela estratégia de engajamento social, ou seja,
aumentou sua participação em projetos à comunidade e ao meio ambiente.
A iniciativa de contemplar um maior número de setores sociais com
uma distribuição mais abrangente de investimentos já vem sendo adotada
pela empresa em vários lugares do mundo. A Shell está dando maior ênfase ao
meio ambiente, educação e programas comunitários através de projetos de
capacitação para o trabalho e geração de renda de forma sustentada.
Desde então, a empresa lançou uma série de projetos sociais; tais como
o "Saber Dividir", que apóia o trabalho voluntário de seus funcionários,
37
permitindo que estes dediquem 8 (oito) horas por mês em ações comunitárias.
A primeira ação é contribuir para as campanhas de doação trimestrais, cujos
temas são escolhidos pelos próprios funcionários, outra forma de
participação é a de transmissão de experiência e conhecimento trabalhando
como consultores junto a colégios e organizações não- governamentais com as
quais a empresa já tem parceria.
O projeto "Ostras de Mandira" - pelo qual recebeu o Prêmio Eco na
categoria Educação/ Preservação Ambiental de 1999- visa explorar, de forma
sustentável os recursos naturais de uma área de manguezal no município
paulista de Cananéia, que gera renda para a comunidade local. A parceria com
o Centro de Integração Social através do Trabalho, no qual a Shell investe R$
20.000 por ano, pretende propor cursos de corte e costura, cabeleireiro,
manicure, etc.
Em 1999, decidiu inserir nos contratos com as usinas uma cláusula
condicionando a compra do produto à não utilização de mão- de- obra infantil
por parte do fornecedor, atitude pioneira no setor de distribuição de
combustíveis.
Na área ambiental, a preocupação com o impacto de suas atividades
levou a empresa a patrocinar a recuperação do manguezal do Jequiá, e o Plano
de Auxílio Mútuo da Baía de Guanabara.
Segundo os representantes da empresa, um dos principais obstáculos
enfrentados ao longo deste processo de transformação tem sido a resistência
cultural dos funcionários, expressa pela dificuldade em internalizar novos
princípios e práticas. Muitos deles se engajam no programa de voluntariado
mais preocupados com a avaliação do chefe do que com os benefícios
associados. Por outro lado, considerando que o processo está apenas no
início, a empresa ainda não recebeu o retorno das comunidades beneficiadas,
ignorando os resultados e o grau de satisfação desses grupos com os
investimentos realizados.
38
Com a incorporação de preocupações sociais e ambientais, a Shell Brasil
investe cerca de US$ 800 mil dólares por ano. 10 Apesar do grande esforço para
que o sistema HSE- MS (Health, Safety and Environment) fosse implantado em
todo mercado, quase 30% do total investido pela Shell Brasil no setor destina -
se à adequação da resolução n. 273 do Conselho Nacional de Meio Ambiente
(CONAMA), que visa estabelecer os padrões mínimos de proteção ambiental
para o funcionamento dos postos e que é utilizado como base para as
legislações ambientais estaduais.
Apesar de todo o esforço da Shell Brasil e do Grupo no sentido de
envolver seus stakeholders para permitir que o cuidado com as questões
sociais e ambientais seja realizado de forma preventiva, ainda ocorrem muitos
acidentes. Um bom exemplo é o caso ocorrido em Paulínia, São Paulo,
amplamente divulgado pela mídia. A contaminação das chácaras do bairro
Recanto dos Pássaros, vizinho à antiga fábrica de agroquímicos da Shell, foi
detectada em 1993 através da avaliação ambiental que a Shell mandou
realizar. A empresa comunicou as autoridades ambientais e ao Ministério
Público de São Paulo a contaminação do lençol freático, e a partir de então a
empresa passou a fornecer água para todos os moradores do bairro e
começou a comprar sua produção de hortifrutigranjeiros.
É claro que estas ações não foram satisfatórias para a comunidade local,
e devido à impossibilidade de se chegar a uma posição de consenso com as
autoridades municipais, que contemplasse bases técnicas minimamente
aceitáveis e às conseqüentes ações judiciais em andamento, a Shell decidiu
comprar as propriedades dos moradores que desejassem sair do local antes
do término das ações judiciais.
Este acidente grave mostra que os resultados da prática de diálogo com
os grupos de interesse não acontecem de forma imediata à sua implantação, e
de que é necessário consolidar uma cultura de diálogo e participação
previamente ao início do empreendimento, que no caso de Paulínia não foi
feito, uma vez que a comunidade só foi chamada a participar do processo no
momento em que o acidente já tinha ocorrido.
10 Informação fornecida pela Gerente de Desenvolvimento Sustentável da Shell- Brasil, SimoneGuimarães, durante palestra realizada em novembro de 2001.
39
Desta forma, a comunidade não se sente segura com relação à conduta
da empresa, e a empresa, por sua vez, não conhece a comunidade em questão,
assim, o diálogo é prejudicado ou até impossibilitado, e a solução só é
possível através do recurso judicial, aumentando os gastos e atrasando os
resultados.
40
CONCLUSÕES
No primeiro capítulo, a discussão teórica entre Adam Smith e Karl
Polanyi é fundamental para definirmos nosso objeto de estudo. Ao
discutirmos o uso de um instrumento de diálogo na relação entre as empresas
do setor de petróleo e gás e os seus stakeholders estamos considerando que a
atividade econômica em questão está mergulhada em relações sociais que
exigem cuidado e atenção e que tratam de interesses, muitas vezes,
divergentes. Portanto, a escolha teórica da corrente da Nova Sociologia
Econômica se justifica pela abordagem social e não estritamente econômica
que o diálogo com stakeholders pretende fornecer.
Polanyi repudia a sociedade moderna capitalista que tem no mercado
sua principal e absoluta instituição. Ele se vale de uma grande pesquisa
histórica para afirmar que o homem possui motivações não econômicas e,
desta forma, mesmo para a esfera econômica de sua vida, o homem utiliza
interesses que não são financeiros e sim relacionados com suas relações de
parentesco e entre o homem e a sua comunidade. São estas relações que, em
última instância, garantiriam a produção e a distribuição dos bens sociais
antes do advento do mercado, através dos princípios de reciprocidade e
redistribuição.
Na sociedade atual, no entanto, os interesses pessoais e a motivação
econômica orientam a grande parte dos estudos da área econômica, dominada
pelos princípios da escola neoclássica e, em certa medida, a vida do homem
também é dirigida de acordo com estes interesses, pelo fato de estarmos
inseridos numa sociedade onde o padrão institucional “mercado” predomina,
tornando todas as relações entre o homem e o meio ambiente
comercializáveis. Vivemos, assim, no “Império” da barganha, onde predomina
o auto- interesse.
Retomando os princípios introduzidos por Polanyi, tentando aplicá- los
no dias atuais e na sociedade capitalista, a Nova Sociologia Econômica tenta
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conferir uma abordagem social a uma esfera que anteriormente era
considerada como de interesses estritamente econômicos, que são as relações
entre a empresa e o meio ambiente que incluí, além da preocupação ecológica,
o cuidado com as comunidades que serão diretamente afetadas pela atividade
da empresa.
O diálogo com stakeholders é um instrumento que fornece subsídio para
esta abordagem mais global e não somente econômica. O diálogo com os
chamados grupos de interesse consiste na abertura de um canal de
comunicação entre a empresa e os demais grupos que de alguma forma serão
afetados com a atividade da empresa, que detecta as expectativas e interesses
de cada parte, além de fornecer informações preciosas para a atividade da
empresa.
Se considerarmos a indústria de petróleo e gás, intensiva em recursos
naturais não renováveis, e extremamente poluidora do meio ambiente, e se
ainda fizermos uma retrospectiva histórica pelo número de acidentes
ambientais e pelo não cumprimento dos direitos humanos que ela já
ocasionou, verificamos a pertinência do uso de uma ferramenta de diálogo
que ofereça a sociedade uma segurança maior com respeito à atividade em
questão.
É clara a importância para a sociedade moderna da indústria de P&G,
combustível indispensável para o nosso atual padrão de desenvolvimento. Por
muitas vezes, a importância primordial do combustível fóssil para a
sociedade, justificou os problemas ambientais gerados pela atividade, porém
com a convenção do desenvolvimento sustentável surge um novo marco, onde
a demanda mundial começa a ser mais exigente e menos “compreensiva” com
a forma que estavam sendo tratados o meio ambiente e a sociedade em geral,
a chamada responsabilidade social e a preocupação ecológica trouxeram uma
nova realidade, e as empresas do setor começaram a ter que lidar com isso.
A partir de então, foram procuradas muitas alternativas para a
indústria de P&G se adequar a este novo cenário competitivo, e uma das
ferramentas mais utilizadas foi o diálogo com stakeholders .
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Nosso estudo de caso mostra a experiência da Companhia Shell, desde o
momento de crise ocasionada por dois grandes acidentes, o afundamento da
base de Brent Spar no Mar do Norte e a morte de Ken Saro Wiwa e oito aliados
pelo governo da Nigéria, quando lutavam por alguma participação nas
atividades da Shell na região, até a sua transformação e o início do diálogo
com os diferentes grupos da sociedade.
A partir da transformação da Shell inserindo - se nos princípios do
desenvolvimento sustentável, a maior preocupação é entender como está se
processando a internalização dos princípios do Diálogo com os Stakeholders
no interior da empresa, e verificar qual seu peso e importância na constituição
das vantagens comparativas entre as indústrias do setor.
Ao servir para identificar e antecipar potenciais crises antes de
eclodirem, mapeando os temas polêmicos e aplicando técnicas de resolução
de conflito, esta modalidade de comunicação contribui, decisivamente, para o
encaminhamento de soluções negociadas entre as partes. Esta é uma das
razões pelas quais quanto mais cedo tem início o processo de consulta, mais
útil ele será para detectar "sinais de perigo" ou algum fator - surpresa capaz de
comprometer o empreendimento.
Ainda é muito cedo para verificarmos de forma definitiva como está se
dando dentro da empresa esta mudança e, também, se realmente a utilização
deste instrumento de diálogo com Stakeholders gera benefícios econômicos à
empresa. Porém, o projeto de exploração de gás na Camisea no Peru, nos
permite tirar algumas conclusões.
A experiência de Camisea, na Amazônia Peruana é o caso emblemático
da Shell depois de sua transformação no sentido de ouvir a resposta dos
diferentes grupos sociais sobre o seu trabalho. As comunidades indígenas
eram protegidas por poderosas ONGs e pelo governo local, desta forma só um
trabalho muito cuidadoso com as comunidades indígenas poderia viabilizar a
atividade econômica na região. Apesar de ter sido considerado um sucesso
este foi apenas um passo do longo caminho a ser percorrido.
Devido ao caráter pioneiro da experiência e ao complexo meio cultural e
ambiental, no início do empreendimento não havia "respostas certas”, as
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lições foram aprendidas ao longo do caminho. Estas lições são de ampla
reprodução e permitem a todos os participantes desenvolver sua capacidade
de identificar e combater conflitos sócio- ambientais, não apenas durante o
planejamento mas, também, ao longo do processo de implementação dos
principais projetos de desenvolvimento de recursos naturais. Acima de tudo, a
conclusão que pode ser tirada da experiência de Camisea, mostra que o mais
importante é criar uma situação de aprendizagem colaborativa entre a
sociedade civil, o governo e a empresa privada.
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