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    O DESENHO CONSTITUCIONAL E A PRESIDENCIALIZAO DO SISTEMA DE GOVERNO

    Gilberto PereiraObservatrio Poltico

    No incio do segundo semestre deste ano, Angola viveu momentos de grande entusiasmo e expectativa devido s eleies. Entusiasmo, por um lado, pela realizao das segundas eleies consecutivas, desenhando um espectro de provvel regularidade constitucional e poltica. E expectativa, por outro lado, pela realizao das primeiras eleies sob auspcio da nova Constituio da Repblica de Angola (CRA).Durante o perodo pr e ps elaborao da CRA, na sociedade angolana houve grandes discusses a favor e contra. Houve quem defendesse a elaborao de modelos tpicos de constituies (presidencial, Parlamentar ou Semi-presidencial), como tambm houve quem defendesse um modelo atpico. Entretanto, passado algum tempo depois das eleies gerais de 31 de Agosto, um facto poltico reacendeu este debate sobre CRA. O Presidente decidiu no dirigir a mensagem nao que, conforme a constituio e a explicao de alguns juristas, est legalmente obrigado a fazer (art. 118, CRA). Numa carta enviada ao presidente da Assembleia Nacional, o Chefe de Estado na vspera da abertura do ano parlamentar refere que no iria proferir qualquer mensagem sobre o Estado da Nao, visto que no dia 26 de Setembro de 2012 j havia se dirigido ao pas. No seu entender, passado to pouco tempo, "proferir outro discurso sobre esse tema seria fazer as mesmas afirmaes por outras palavras"1. Este acontecimento foi interpretado por alguns como uma atitude legal, mas por outros como uma violao da constituio, uma subalternizao do poder legislativo ao executivo, resultante da atual posio do Presidente na CRA. Tendo esse acontecimento como mote de partida, o presente texto procura de forma preliminar de que se reconhece algumas das reflexes aqui 1JORNAL DE ANGOLA. Chefe de Estado vai ao Parlamento. 13 de Outubro de 2012. Disponvel em: http://goo.gl/Vnj6K

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    desenvolvidas - examinar a posio do presidente quer no anterior (1992) como no atual (2010) sistema de governo. Assim, procura-se entender at que ponto a adopo de um novo sistema de governo ter alterado os poderes legislativos e no-legislativos do presidente. na relao causa (o novo sistema de governo) e efeito (alterao dos poderes do presidente) que reside o fulcro do presente trabalho. um texto essencialmente descritivo, argumenta que ter efetivamente havido uma mudana de sistema de governo quando comparado com o anterior, o que teve fortes consequncias nos poderes do presidente. O perodo temporal delimitado entre 1992 a 2010, datas em que se deram dois dos principais desenhos constitucionais em Angola.A escolha do sistema de Governo nas transiesEm cincia poltica, de um modo geral, o sistema de Governo visto como o modo pelo qual os diferentes rgos do aparelho poltico so divididos e distribudos, mormente o Executivo e o Legislativo, e como os governos desempenham as suas competncias no mbito de um sistema institucional"2. Com a terceira vaga de democratizao3, e sua acelerao com a imploso da Unio das Repblicas Socialistas Soviticas (URSS), muitos Estados, nomeadamente africanos, iniciaram longos processos de transies de regimes autoritrios monopartidrios para regimes democrticos multipartidrios. Os novos candidatos a democracias, no primeiro momento, confrontaram-se com duas escolhas fundamentais4. Alm do sistema eleitoral, os Estados em transio tiveram tambm de escolher o sistema de governo. Ou seja, o modo pelo qual os diferentes rgos do poder poltico deveriam estar divididos, e como seus governos desempenhariam, no mbito de um Estado, suas competncias.Na literatura, houve entre os estudiosos um srio debate sobre as vantagens e as desvantagens dos sistemas de governo existentes. Inicialmente o debate centrou-se entre o parlamentarismo e o presidencialismo. Os perigos de personificao do poder, tendncia de soma zero, polarizao da sociedade, entre outros, fizeram com que Juan Linz olhasse com desconfiana para o presidencialismo, e, ao contrrio, visse mais virtudes no 2 Pasquino, Gianfranco (2010). Curso de Cincia Poltica. 2 ed. Cascais: Editora Principia. 3 Huntington, Samuel (1991). The Third Wave: Democratization in the Late Twentieth Century, Norman, OK and London: University of Oklahoma Press.4Lijphart, Arend (1991). "Constitutional Choices for New Democracies. Journal of Democracy 2.1: 72-84. Last accessed: 31 Oct. 2012. http://muse.jhu.edu/.

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    parlamentarismo5 como melhor sistema de governo. Scott Mainwaring6 explica que os problemas do presidencialismo residem na sua combinao com o multipartidarismo. Lijphart7, por sua vez, defendeu a adopo do parlamentarismo nas novas democracias. Ao debate juntaram-se Shugart e Carey8 defendendo que o semi-presidencialismo properly crafted poderia ser uma possvel alternativa aos perigos dos outros regimes. Assim, entre as vantagens e desvantagens das diferentes opes de sistema de governo, as escolhas estiveram ligadas ao Presidencialismo, ao parlamentarismo e ao Semi-presidencialismo. Entre muitos dos Estados, africanos em particular, houve uma tendncia em adoptar-se o Semi-presidencialismo como sistema de governo. Por exemplo, os Pases Africanos de Lngua Oficial Portuguesa (PALOP)9, optaram, alegadamente por influncia de Portugal, pelo semi-presidencialismo. Esta opo deriva da possibilidade deste sistema de governo poder, segundo alguns autores, adequar os poderes do Presidente e do Parlamento, tentando, com isso, eliminar alguns dos vcios dos dois sistemas puros: o presidencialismo e o parlamentarismo.Sntese dos sistemasO sistema presidencialista tem, frequentemente, como principal caracterstica ideia de separao de poderes. Est-se diante desse sistema, quando h a eleio por sufrgio universal do Chefe de Estado (chefe do governo) e do Parlamento; a independncia do executivo face ao Parlamento e a impossibilidade mtua tanto de dissoluo do Parlamento pelo Presidente, quanto de deposio deste ltimo pelo primeiro, salvo excepes (impeachment). Neste sistema, tal como na ideia original estado-unidense de separao de poderes, dois rgos de soberania, ambos de carcter representativo, esto desenhados para contrabalanarem-se, medida que so independentes quanto sua origem e ao exerccio dos seus poderes constitucionais. Ou seja, enquanto um encarregado de delinear, mediante a funo legislativa, as linhas gerais da aco poltica (o parlamento); o outro fica

    5 Vide Linz, J. J. (1990). The Virtues of Parliamentarism. Journal of Democracy, 1(4), 84-91; (1990). The Perils of presidentialism. Journal of Democracy, 1(1), 51-69. 6 Mainwaring, Scott (1993). Presidentialism, Multipartidarism, and Democracy: the difficult combination. Comparative Political Studies, v. 26, n 2, pp. 198-228. 7 Lijphart, Arend. op. cit. p. 818 Shugart e Carey apud Elgie, R. (2004). Semi-presidentialism: Concepts, consequences and contesting. Political Studies Review, 2(3), 314-330. p 3149 Sobre o Semi-presidencialismo nos PALOP, vide Lobo, M., & Amorim, O. (Eds.). (2009). O Semipresidencialismo nos pases de lngua portuguesa. Lisboa: Imprensa de Cincia Sociais.

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    com a incumbncia de dar execuo s leis (o Presidente)10 de forma independente. O sistema presidencialista, nessa ordem de ideias, foi construdo na base de dois pilares importantes: o princpio da independncia no exerccio das suas funes entre os rgos de soberania e o princpio da separao dos poderes. A separao aqui aludida, no significa completo distanciamento, ao contrrio representa, em certa medida o judicial, separate institutions sharing power, concebidas para no concentrarem poderes numa nica instituio. Noutro extremo, o sistema Parlamentarista pode ser caracterizado da seguinte forma: um Chefe de Estado que no eleito directamente, podendo ser um monarca ou um presidente eleito indirectamente; um Primeiro-ministro que chefe do governo eleito directamente por voto popular, que responsvel politicamente perante o parlamento; e o reconhecimento do parlamento como sede do poder. Um dos pilares desse sistema a assumpo de um equilbrio de poderes resultante da estreita relao existente entre o Parlamento e o Governo11. O poder, neste caso, est dividido entre um Presidente com poderes formais, que no responsvel politicamente perante nenhum rgo, e um Governo dirigido pelo Primeiro-Ministro com poderes reais em termos de ao executiva e de gesto administrativa, mas que responsvel politicamente perante o Parlamento, podendo este - eleito directamente pelo povo - controlar a aco governativa. Ou seja, [] esta responsabilidade poltica do Governo perante o Parlamento que constitui o trao fundamental do sistema parlamentar []12. No entanto, no contacto entre alguns aspectos dos sistemas presidencialista e parlamentarista que emergiram os primeiros sistemas mistos (semipresidencialistas). O modelo semipresidencialista surge como uma alternativa que busca reunir as qualidades desses sistemas puros, evitando ao mximo os seus vcios, por exemplo: concentrao de poderes numa s figura, possibilidade de crises institucionais entre o executivo e o legislativo (presidencialismo), ou instabilidades governativas (parlamentarismo). No semipresidencialismo, o poder executivo partilhado por um Presidente da Repblica que o chefe de Estado, eleito pelo voto direto do povo, e por um