O Desafio de Desconstruir Os Intérpretes Do Brasil

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    26/11/2015 O desafio de desconstruir os intrpretes do Brasil. Entrevista com Jess Souza

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    Tera, 24 de novembro de 2015

    NOTCIAS Notcias

    O desafio de desconstruir os intrpretes do Brasil. Entrevista comJess Souza

    As sociedades, em qualquer parte do planeta, so montadas por ideias. Por isso a histria, a compreensodas suas origens e a forma como o inconsciente coletivo vai se formar to importante para determinar osucesso de uma populao. Qual a caracterstica da sociedade brasileira aprendida nas academias? Seformos buscar esta resposta nos grandes nomes da sociologia brasileira - em Srgio Buarque deHolanda, Gilberto Freiree Raymundo Faoro- o que veremos o conceito do 'homem cordial',

    violento e apaixonado em sua raiz, que contribuir para a criao de um Estado 'patrimonialista', que temcomo caracterstica no distinguir muito bem os limites entre o pblico e o privado. Por isso, tocomum a corrupo nas reparties pblicas brasileiras, tanto entre os pequenos funcionrios como entreos grandes polticos.

    Mas o socilogo Jess Souza, atual presidente do Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada (IPEA), estlanando um livro, chamado A tolice da inteligncia brasileira, que traz argumentos apontando que osgrandes intrpretes da sociedade brasileira estiveram durante todo esse tempo errados. Segundo Jesse, aacademia comprou um mito construdo pela elite e que necessita ser desconstrudo. Acompanhe a seguir,na entrevista (transcrita) que ele concedeu ao jornalista Luis Nassif, as defesas de sua obra.

    A entrevista de Luiz Nassif, jornalista, publicada por Jornal GGN, 24-11-2015.

    Eis a entrevista.

    Qual vai ser o foco central do seu livro?

    O foco central do livro uma ideia de que no fundo as sociedades so montadas por ideias e a gente nopercebe muito isso. Essas ideias se tornam naturalizadas. Mas como a gente gasta o dinheiro, como agente trata os outros, quais so as prioridades que a gente escolhe, quem a gente vai abandonar eesquecer etc, isso tudo depende de consensos que so compartilhados, alguns deles sem a instnciareflexiva, que so construdas por intelectuais.

    A ideia principal do livro que ns temos uma concepo que foi montadas por grandes intelectuaisentre ns, depois ela vai para as universidades, vai para as escolas,influenciar decisivamente o que o

    jornalista escreve no jornal, o que o juiz decide no tribunal etc. E essa concepo extremamenteconservadora, ela elitista, ela serve para legitimar os interesses mais privados em interesses pblicos.

    Quer dizer, voc est pegando, ento, os fundadores... o brasilianas brasileira vai entrar em xeque?

    Exatamente.

    Por exemplo, vamos pegar um dos pontos que o seu livro aborda que a questo da herana

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    portuguesa. Como voc v a construo?

    um mito, no fundo, que Gilberto Freiremontou. No tem problema nenhum o pas ter um mito. Querdizer, os Estados Unidostm um mito que extremamente importante, isso traz solidariedade, isso extremamente eficaz. importante as pessoas sentirem que esto no mesmo barco. S que o mitoamericano o mito do povo eleito, uma retraduo do mito judaico bblico. Ou seja, a voc s substituo Mar Vermelho pelo Oceano Atlntico. Ento voc passa o Oceano Atlntico e constri uma terra

    prometida, uma nova gente, eleita por Deus...

    E que vai levar a verdade para o mundo...

    Exatamente. Imagine a fora que isso d s pessoas comuns? E o nosso mito, montado por GilbertoFreire... ele pega ambiguamente, exatamente, um outro lado do corpo. Ns somos emoo, enquanto oamericano e o europeu o esprito, a racionalidade. Ns somos o corpo, o sexo, a emoo o sentimento.Ou seja, ns somos menos na hierarquia ocidental, construda pela Igreja Catlica... quer dizer, o espritodeve controlar o corpo, que inferior, o animal. Ento, ns somos animalizados como nao, assimcomo as classes inferiores so animalizadas. As classes superiores so as classes do esprito, as classesinferiores so do trabalho manual. A mulher vista como afeto, como sexo, como corpo. O homem comorazo... Todas as hierarquias que no so refletidas esto montadas nisso.

    O nosso mito o mito da inferioridade. E a gente se v, a gente idealiza nos Estados Unidos. Entotodos esses tericos, desde o sculo XIX, entre ns vo idealizar os Estados Unidos como paraso naTerra, a Terra sem corrupo, o que incrvel depois do escndalo que ns tivemos...

    S um parntese, ns gravamos um outro programa Brasilianas sobre essa questo da corrupo eda geopoltica, um dos debatedores trouxe um pouquinho do que que os Estados Unidos... OBrasil um paraso..

    uma brincadeira! Quer dizer o pessoal que faz isso, que legaliza a corrupo, o lobby, etc, faz [comque] o excedente econmico, planetrio v todo para os Estados Unidos [afirmando que] isso esperteza,

    isso a no corrupo... O grande tema inclusive da corrupo, porque isso est no centro da conceposobre o Brasil, quer dizer o Brasil montado como? Como aquele Homem Cordial, do Srgio Buarquede Holanda, aquele cara que movido por afetos que vai dar tudo para os amigos e a lei dura para osinimigos, e ele vai, digamos, criar esse amalgama do homem cordial que est localizado no Estado.

    Isso extremamente importante. O Estado passa a ser o demnio. No caso a teria uma elite incrustadano Estado. Isso vai ser montado por Srgio Buarque, vai ser revertido depois para a sua tese histrica,

    brilhantemente montada, apesar de falsa, de fio a pavio, por Raymundo Faoro- em Os Donos do Poder- [por] Fernando Henrique Cardoso, Roberto DaMatta- portanto nove entre dez dos grandes

    pensadores e interpretes do Brasil -. Isso vai inspirar partidos polticos, de esquerda e direita, [temascomo] limpeza do estado, etc.

    O contraponto a isso que o mercado, que se torna um reino de todas as virtudes. Isso uma construo.Obviamente no se pode se separar mercado e Estado. O Estado monta a infraestrutura para o mercado eo Estado vive do mercado, so duas instituies extremamente ligadas. A grande questo a a grandeapropriao privada do Estado...

    Do oramento...

    Exatamente... no Brasil o que a gente tem como idealizamos os Estados Unidos, como se naquelepas no houvesse a apropriao privada do Estado. claro que h! Matou-se milhes de pessoas noIraque por conta de interesses de grandes petroleiras. O Estado apropriado por pequenos grupos, nos

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    Estados Unidos.

    O ponto , se ele vai ser apropriado por uma pequena minoria, quer dizer, um punhado de grandesempresas, ou se ele vai ser apropriado pela maioria da populao. Quando voc demoniza o Estadoenquanto tal, voc pe essa questo como secundria. Essa questo fica s sombras. E a voc joga umaindefinio do que corrupo.

    Quer dizer, como a corrupo uma concepo extremamente vaga e ampla, ela fica sendo definida

    conjunturalmente. Ou seja: alguns partidos, alguns polticos... entre ns isso acontece sempre quandovoc tem governos de algum modo ligados aos interesses das classes populares: Getlio Vargas, Jango,Lula, agora Dilma... Ou seja, a nossa elite uma elite que quer mandar, sem necessariamente ter osvotos.

    Jess voc deu os mitos que a direita criou. Quais so os mitos que a esquerda criou nesse perodo,como voc definiria?

    Acho que a esquerda no conseguiu montar uma narrativa prpria. Por exemplo, caras como SrgioBuarquee Raymundo Faoro, so admirados pela esquerda. Isso tem a ver que a gente confunde muito a

    pessoa e a obra dela. claro que um cara como Raymundo Faoro, eu lembro, eu era adolescente na

    poca, era um campeo pelas Diretas Je tal, era um cara decente, inteligente. Quer dizer, isso apessoa dele. Por exemplo, o livro dele extremamente frgil e com a tese extremamente conservadora.Esse o ponto. E no caso voc monta uma narrativa que vai ser aceita, por todos, e ela tem um sentido

    poltico que extremamente regressivo, conservador e isso no percebido enquanto tal. E a tese cientificamente falsa.

    Quer dizer, a tese dominante entre ns que a chamada de personalismo e do patrimonialismo. Querdizer o brasileiro, nas suas relaes interpessoais, no caso o personalismo, seria um portugus. Ou seja,ele emotivo, sentimental, sensualizado. S que o Brasil era uma sociedade muito diferente de Portugaldesde o ano zero. Quer dizer, a gente pode gostar de bacalhau, falar portugus, torcer pelo Vasco daGama, mas no ser descendente de portugus. Isso uma relao de senso comum.

    A gente imagina: 'ah, meu av era italiano, ento eu sou italiano'. No! Depende quais so as instituiesque criaram voc. Que tipo de famlia tinha aqui, que tipo de justia, que tipo de produo econmica.Que tipos de relaes polticas. Isso tudo, num contexto da escravido, era muito distinto do que tinha emPortugal. Dizer que o Brasil continuidade de Portugal um absurdo, pr-cientfico, porque so asinstituies que constituem as pessoas enquanto tal, que tipo de famlia e, em grande medida, que tipo deadulto que voc vai ser, a escola, a justia, a poltica...

    A estrutura burocrtica em torno do que montado no Brasil, segundo os clssicos, seguindo omodelo portugus, a histria.. a prpria conformao da Igreja Catlica aqui, de certo modo nocriam semelhanas com o modelo portugus?

    Existe obviamente algumas semelhanas. A lngua muito importante nisso. Porque se voc tem amesma lngua voc vai importar certos tipos de coisas, o ordenamento jurdico etc. Claro, a relao vaiser de proximidade, mas a construo institucional, os estmulos institucionais para aquilo que vo,digamos, estimular que tipo de famlia, que tipo de filho, que tipo de pai, quer dizer, que tipo de relao

    poltica, sero diferentes. Em Portugal, a igreja era muito forte, era inclusive um tribunal de apelao.

    E, no Brasil, escravista, depois de expandir os domnios do Nordeste, do Brasil como um todo, o capelo[da igreja] era funcionrio do senhor de terra e gente. Ele [o capelo] tinha l suas dez mucamas igual osenhor [de engenho] tinha. Quer dizer, o poder religioso, que nessa poca era extremamente importante,

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    porque ele implicava em proibir que o senhor no poderia fazer tudo, no podia matar gente, no podiamatar filho, ou matar a mulher ou intern-la no hospcio, [no funcionava no Brasil, onde tudo isso]acontecia efetivamente, porque ele [o senhor] no tinha nenhum limite sua autoridade. Em Portugalisso no existia.

    Isso extremamente importante, l tinha mecanismos de controle. Entre ns o mandonismo imperou porconta disso. Isso no tem nada a ver com Portugal.

    A relao de Portugal com a escravido, com as colnias na frica, qual o paralelo, ou no-paralelo que tinha?

    Acho que so estudos que so empricos que poderiam mostrar isso... No a minha especialidade. Maso que acho, no caso brasileiro, que a gente comprou essa ideia porque ela tem hoje em dia um intuito

    poltico. Essas ideias s ganham a proeminncia que elas assumem efetivamente... As ideias so muitoimportantes, elas s vo ocupar o lugar central que elas ocupam hoje entre ns porque elas vo seassociar aos interesses dos poderosos. E quais so os interesses poderosos a, de uma elite muito pequenaque quer mandar no pas e legitimar isso?

    Ou seja, quem reclama hoje em dia da corrupo e diz que ela s do Estado? O que ela [elite] est

    querendo dizer que o que o Estado faz em educao, sade etc, as empresas podem fazer. Ento voctende a mercantilizar a sociedade como um todo, dizendo que o mercado o paradigma da eficincia,quando a gente sabe que o mercado apesar de eficiente extremamente desigual.

    E a regulao uma forma de proteo dos mais fracos e toda a forma de regulamentao aqui demonizada tambm. Mas gostaria de entender um pouco essa dinmica entre estado e sociedade.Voc tinha um estado patrimonialista, na repblica velha, onde ns no tnhamos uma democraciaconsolidada, a democracia que a maneira do povo interferir... De que maneira que desses choquesde conflitos e confrontos o Estado foi se transformando, dentro de limites, obviamente, no perodode Getlio [Vargas]?

    Isso extremamente interessante. Acho que Getliosoube aproveitar de forma extraordinria asambiguidades do moralismo da classe mdia. A a gente tem que perguntar, porque o moralismo tem asede, o suporte dela, a classe mdia? Isso histrico, desde os jacobinos, o fascismo... Seja de esquerdaou de direita, a classe mdia o suporte dessa viso. Porque ela sendo mdia, no fundo, tem umressentimento contra aqueles que esto acima (se eles esto acima porque roubaram). E, por outro lado,voc tem medo dos de baixo, de ameaarem sua posio, e voc diz o qu? 'Eu no estou l acimaeconmica e politicamente, mas eu tenho algo que ningum tem, que a honestidade'. Que nunca vai ser

    posta a prova porque voc no estar em situao de comando...Ento fcil! A voc demoniza essaelite, que voc acredita que esteja no Estado. E ela no est no Estado, ela est no mercado,especialmente entre ns. Mas voc externaliza esse mal e a classe mdia brasileira, por exemplo, ela hipcrita especialmente na sua verso mais conservadora porque ela explora os mais pobres entre ns.

    Imagine, a gente tem uma ral - usei esse termo no para insultar as pessoas, mas para montar uma coisaprovocativa. A grande singularidade brasileira no o patrimonialismo, porque o patrimonialismo, nessesentido de apropriao privada do pblico existiu em todo o lugar. A nossa singularidade efetiva, emrelao aos pases que a gente admira, o fato de que a gente construiu [nosso prprio tipo de

    patrimonialismo que] por alguma razo a nossa sociedade mantm. muito difcil a gente ter um Estadoreformador em uma sociedade conservadora, e ela conservadora em grande medida porque repete essascoisas [ligadas a cultura patrimonialista].

    O instituto da empregada domstica...

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    Exatamente isso. Peguemos esse caso que inclusive o emprego dominante no Brasil. Ento quando aclasse mdia usa o trabalho da empregada domstica ela est poupando o tempo dela para mais estudos,

    pra outros empregos etc, enquanto ela est roubando o tempo [da empregada]... O tempo extremamenteimportante, no s o dinheiro. O tempo extremamente importante no capitalismo porque tem umoutro elemento, um outro capital nas sociedade moderna que alm do lado do dinheiro, o lado docapital econmico, que o capital cultural. O conhecimento.

    O conhecimento na sociedade moderna to importante quanto o dinheiro, e a classe mdia ela

    privilegiada no fundo, ela se pe como se no fosse mas ela , porque ela monopoliza no o dinheiro...[Quem monopoliza o dinheiro] menos de 1% [da sociedade]... mas ela [a classe mdia] monopoliza oconhecimento, o capital cultural. E para o capital cultural voc tem que ter um tempo livre, ou seja, algo que voc tem que ter esforo, quer dizer o capital cultural altamente legitimado, dos grandes cargosdo mercado, advogado, economista etc, e do Estado tambm. No tem nenhuma funo do mercado oudo Estado que no exija o conhecimento. Isso garante classe mdia como sendo privilegiada para areproduo de mercado e de Estado.

    Ento voc tem no Brasil 70% que no nem classe mdia e nem rica, e essas pessoas so exploradas,especialmente os de muito baixo, pela classe mdia, que roubam o seu tempo e pagam muito pouco.Ento essa ral, a singularidade dela que so to abandonados que j chegam aos cinco anos na escola

    derrotados, porque a escola no o incio da competio. O incio da competio est desde o bero, dabarriga da me. Ento voc no tem os estmulos adequados para o sucesso escolar.

    Vi outro dia um estudo sobre os Estados Unidos, comparando vrios pases e que o fatorhereditrio, o fator famlia, respondia por 50% do sucesso dos americanos. Um fator deconcentrao fantstico, em outros pases era 20%. Esse estudo foi feito no Brasil?

    Foi. Esse foi o primeiro grande estudo emprico que ns realizamos, ficamos quatro anos estudando asgrandes profisses da ral. Ns dividimos em homens da ral, mulheres da ral. O que acho incrvel. Esse o dado social mais importante entre ns que completamente invisibilizado. Essa ral sequerreconhecida enquanto classe. Ela quase sempre percebida de modo muito estigmatizado na luta bandido

    x polcia, que a pior possvel, ento, ele traficante etc...

    E a no se percebe a perverso, a maldade social, que voc deixar pessoas no abandono, Da tem quever a funo do Estado. O que ns descobrimos? Que coisas como capacidade de concentrao, que agente imagina ser um dado to natural como ter dois braos e dois olhos no , [na verdade] um

    privilgio de classe, ou seja, voc ensinado de modo invisvel - porque o modo do exemplo da me,que conta a histria cheia de fantasia, o pai sempre lendo, um tio que sabe ingls. O estmulo disso para acriana avassalador. Ela quer imitar quem ela ama. Ns, seres humanos, somos montados imitando.

    Ns, indo entrevistar pessoas da ral, [vamos] o filho do pedreiro brincando com o carrinho de mo dopai, ou seja, est aprendendo a ser trabalhador manual, no usar a cabea, no usar a reflexo.

    E a, avassaladoramente, nas entrevistas, quando essas pessoas se tornam adultas, lembrando o tempo daescola, elas diziam 'eu ficava olhando trs, quatro horas a lousa, sem conseguir aprender'. Voc ficarhoras vendo a lousa, sem conseguir aprender porque no tem capacidade de se concentrar. Sem acapacidade de se concentrar voc no vai sair da escola como um analfabeto funcional. Isso heranafamiliar, como as classes se formam, que uma outra coisa que ns temos um outro consensoabsolutamente superficial, frgil e errado, que perceber as classes pela renda. Perceber as classes pelarenda no perceber as classes.

    Hoje a gente tem, com o Bolsa Famlia e outros programas, um aumento da escolarizao e,portanto, uma gerao de jovens que sabem mais do que os pais. Como funciona essa questo do

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    exemplo, internamente, como isso afeta as relaes familiares?

    Essa uma tima questo. Inclusive porque depois do estudo da ral, ns fizemos um estudo quechamamos de 'batalhadores brasileiros' e a a gente chegou concluso, pela anlise tambm daassociao familiar, entre outras coisas, que as classes populares entre ns, quer dizer se voc pensar quea antiga classe proletria ela est diminuindo muito, ela vai continuar apenas em alguns nichos.

    Est se criando agora uma nova classe de trabalhadora que tende a ser muito mais precarizada, sob vrios

    aspectos do que a antiga classe que se organizava em sindicatos. No fundo, a ascenso social foiextremamente significativa, histrica, fazia sessenta anos que no se fazia nenhuma mudana importantena relao de classes no Brasil. No foi de uma formao de uma nova classe mdia, porque a classemdia uma classe do privilgio, duplo privilgio de nascena, especialmente do privilgio de poderestudar. O pai de classe mdia compra o tempo livre dos filhos e da todos os estudos psquicos eemocionais...

    E cria as futuras relaes econmicas e sociais...

    Exatamente, ele cria um vencedor. Esse menino chega com cinco anos na escola como vencedor e vai servencedor no mercado de trabalho. Da o mrito individual mostra sua falcia. claro que existe mrito

    individual dentro de certo contexto de igualdade, mas a no existe nenhuma igualdade de condies. Ouseja, voc comea na classe mdia, voc treinado para ser um campeo e voc vai ser um campeo. E avai ter altos salrios, prestgios, etc.

    Nas classes populares entre ns, o que houve foi o qu? O que mostra a importncia da vontade polticaentre ns, que rara, uma vontade poltica que esteja habilitada a ver o interesse da maioria, dosesquecidos entre ns, 70%, que no so classe mdia e o que aconteceu nos ltimos dez ou quinze anosfoi que uma parcela pondervel dessa ral, que estava fora do mercado competitivo de trabalho... Por queestava fora? Porque este mercado exige que o trabalhador tenha conhecimento incorporado nele, senoele no consegue manejar robs etc. Cada vez mais o trabalhador, para entrar no mercado competitivo,ele tem que ter conhecimento incorporado, seno vai ter que vender energia muscular, que o que

    acontece com empregada domstica, com as profisses que a gente poderia chamar de profisses da raldos excludos.

    Com vontade poltica e um certo contexto econmico favorvel voc pde aumentar, fazer com que umaporo considervel dessa classe de esquecidos pudesse entrar no mercado de trabalho, na escola, na vidapoltica. Isso extremamente importante, especialmente a valorizao real do salrio mnimo,aumentando o poder de compra. Mas no s coisas econmicas, isso tem a ver tambm com a famliamais integrada, uma real compreenso do neopentencostalismo entre ns.

    O que temos que pensar que a grande maioria da populao brasileira sempre foi historicamenteesquecida, abandonada, no s pelo Estado, mas pela sociedade tambm Ela mau vista, ela criminalizada. Pores da classe mdia apoia a matana indiscriminada de pobres. Existe um dio declasse, um racismo de classe entre ns extremamente feroz, quer dizer, odeia-se os pobres entre ns. quando voc tem uma igreja que vai dizer: voc no lixo, voc filho de Deus. tudo o que a pessoaquer. Os seres humanos precisam de estmulo, de autoconfiana etc e essa classe cresceu na baixaautoestima. Este um fenmeno social.

    Voc diria ento que os neopentecostais foram os que mais entenderam esse fenmeno?

    Sem dvida alguma...

    Porque os partidos polticos, como o PT que era o partido nibus, perderam um pouco dessa

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    caracterstica...

    Exatamente... claro que os neopentecostais fazem com o discurso religioso o que possvel fazer como discurso poltico tambm, mas no houve uma compreenso disso. Quer dizer dessa grande massa, nosindicalizada, no organizada.

    Para a gente pegar um pouquinho dessa diferenciao, voc mesmo, no seu trabalho mostra que asclasses sociais no so condies econmicas. Agora quando a gente pega o que voc chama de ral,

    tem uma elite na ral. Como se forma essa elite dentro desse segmento? Temos lideranascomunitrias, lideranas em rea de reciclagem. Como se forma? E esse pessoal tende a manter asolidariedade de classe ou tende a buscar escales superiores de classe social?

    extremamente interessante sua questo e a gente viu isso no estudo dos batalhadores, que a gente estchamando de batalhadores, porque no fundo seria a nossa classe trabalhadora precria, que no snossa, ela existe na Rssia, na China, na ndia, etc. Ou seja, sempre que existe um grande contingente

    populacional disposto a fazer de quase tudo por muito pouco.

    O batalhador o que busca a acesso pelo trabalho, ou o que...?

    o que busca a ascenso pelo trabalho, pela formao e pelo estmulo religioso.Vocs chegaram a quantificar o que representa esse contingente?

    O que a gente tenta montar, que difcil porque no s um dado econmico, mas a gente poderiamontar algo assim: o Brasil tem quatro classes, uma que manda em tudo, manda na economia, na

    poltica, na informao, que que tem essa teoria para proteger seus interesses que demonizar o Estadoe o mercado ser o mximo. Ento voc pode privatizar a Petrobras, botar no bolso recursos que so doBrasil inteiro, legitimar isso, e o termo da corrupo serve em grande medida para isso. preciso a genteseparar a coisas, claro que o combate corruo uma virtude republicana imprescindvel, ela deve serfeita sempre. Agora a manipulao dela, a dramatizao dela manipulao poltica e bvia.

    s pegar um grande corrupto que foi Getlio Vargas que terminou com um apartamento...(risos)

    Pois ! [risos] Um mar de lama que est acontecendo novamente agora. Essas coisas se repetem e era issoporque ele defendia os interesses dessa maioria esquecida. Esse o grande crime. Mas [alm dessa] essaelite, 1%, a gente tem uma classe mdia no sentido europeu e americano do terno, entre 25% e 30% nomximo. Ento voc tem 70% de pessoas que esto, de algum modo excludas. Desses 70%, 40% seriamessa classe trabalhadora precria e 30% ou um pouco menos, essa ralde excludos que tem que vendero corpo, vender a energia muscular e no o conhecimento.

    Quando a gente pega um pouco o mercado de consumo, a classe mdia tenta emular o consumo da

    classe A, e a gente tem um mercado de opinio tambm que, digamos, trabalhado como umproduto tambm. Ento tenho que pensar: se vou na minha empresa tenho que pensar como amaioria, tenho que pensar como o chefe... Voc chegou a fazer um estudo sobre o mercado deopinio e os efeitos da cartelizao nesse mercado de opinio?

    Isso extremamente interessante, no fizemos ainda um estudo sistemtico disso. Acho que em parte oque a gente est fazendo agora vai nos ajudar a ter uma ideia disso. E eu acho que extremamenteimportante o que voc diz, porque, por exemplo, a classe mdia minoritria, mas uma classe decisiva,ela que exerce o poder. Quer dizer esse 1% que detm a propriedade, detm no s a propriedadeeconmica, como o poder poltico, detm os meios de informao etc... Mas no ela que exercita essa

    prtica. A prtica do poder a classe mdia que faz, ou seja, o jornalista que escreve, o juiz que decide,

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    o professor universitrio que d aula, etc. So todos de classe mdia e ela que vai fazer uma funosuperior, formar opinio etc. Ela faz a cabea da sociedade como um todo.

    E a classe mdia, como nenhuma classe , no homognea, heterognea, mas entre ns - e esse oponto mais interessante nisso -, a classe mdia feita de tola tambm. Porque essa demonizao doEstado s interessa a esse menos de 1%. E a classe mdia que paga servio, como voc bem sabe, decelulares por exemplo, que o mercado que d o valor que 5 vezes mais do que eu tinha em Berlimhalguns anos atrs, s que o meu funcionava efetivamente, eu no precisava ligar duas ou trs vezes... o

    carro entre ns, a taxa de lucro duas ou trs vezes maior do que em outros pases... A gente tem ummercado extremamente concentrado, monopolizado, superfaturado e que vende classe mdia. Ou seja aclasse mdia depois sai rua para defender os interesses desses 1% que as expoliam economicamente.Essa a grande jogada.

    Se voc tem uma ideia, uma construo de ideias, que voc pode manipular as pessoas agirem contra osseus reais interesses, ento voc tem tudo.

    Eu lembro quando vieram essa manifestaes de rua, esquerda e direita, algumas pesquisas queforam feitas... Perguntavam: 'o que voc acha do Estado'. Resposta: o pessoal descia o cacete. Emseguida perguntavam: 'o que voc acha da sade e da educao?'. E, ento, a resposta dos

    entrevistados que tinham que ser de graa esses servios... Essa alienao da classe mdia universal?

    Eu no acho, acho que tem uma politizao nisso... Em pases europeus, as classes que so, digamos, queesto no protagonismo poltico, normalmente so as classes trabalhadoras, mas entre ns a classemdia. extremamente interessante isso.

    Aquela caricatura que se fazia do bolivarianismo, cubanizao e tudo, hoje comea a caminharpara o alvo central realmente que a social democracia e o Estado de bem estar. Acha que h umaameaa mundial por efeito no Brasil contra o Estado de bem estar?

    Eu acho que tem uma campanha para isso e essa campanha tem a ver, em grande medida, com essasemntica. Como a gente no sabe... por exemplo, as pessoas pensam "a luta de classe uma coisamarxista, louca", e acho que as pessoas tendem a achar que luta de classes o cassetete, a polcia

    baixando pau no povo. No assim, a luta de classe , normalmente, silenciosa.

    O que a luta de classes? Todos os recursos materiais e ideais de uma sociedade eles so escassos.Beleza escassa, apartamento escasso, carro escasso, reconhecimento escasso... Ideal ou material,todos os recursos so escassos e tem uma luta por eles. E tem classes que monopolizam essa luta. Isso aluta, quando voc condena outras classes.

    O privilgio de nascimento d classe mdia, e obviamente aos mais ricos, todos os privilgios desde o

    bero, no h sequer competio por eles, mas da voc tem que montar, tem que esconder esse processotodo, como se no houvesse lugar, como se no houvesse confronto. A ento voc tem que criar umconflito que dramatizado, teatralizado.

    Entre ns ele tem a chancela dos nossos intelectuais que engolem esse racismo inteiro de achar que osEstados Unidos paraso, como se no acontecesse nada disso l. claro que acontece l, na Alemanha,na Frana, tudo o que acontece aqui. Mas aqui isso usado e dramatizado de um outro modo. Ademonizao do Estado serve para isso. A nica coisa que importa demonizar o Estado. Especialmentequando ele est de alguma maneira a servio das classes populares e esquecidas.

    Como voc v nesse quadro de instabilidade, e luta contra a corrupo, o papel do Ministrio

  • 7/23/2019 O Desafio de Desconstruir Os Intrpretes Do Brasil

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    26/11/2015 O desafio de desconstruir os intrpretes do Brasil. Entrevista com Jess Souza

    http://www.ihu.unisinos.br/noticias/549398-o-desafio-de-desconstruir- os-interpretes-do-brasil-entrevista-com-j esse-souza?tmpl=component&print=1&page= 9

    Pblico, da Polcia Federal, dos justiceiros de uma maneira geral?

    Antes de tudo isso um papel, obviamente, extremamente importante. So rgos importantes paramanter a transparncia nos negcios do Estado e pblico. uma virtude extremamente importante. O queeu acho que poucas pessoas veem no fundo que, por exemplo, ns temos essa elite que montou um

    pensamento e tal, e que hoje em dia monta todos os conflitos a partir dessa oposio absurda, entreEstado e mercado, onde o mercado o cu e o Estado o inferno, porque ela quer ficar s ela com oEstado... uma elite que quer mandar mesmo que ela no tenha voto. Como voc manda sem ter voto?

    Esse o ponto, e entre ns e na Amrica Latina inteira voc sempre teve um histrico de golpes deEstado, toda vez que chegava governos populares de esquerda no poder.

    Quer dizer, entre ns tivemos Getlio Vargas, que o golpe adiou em dez anos porque ele cometeu umsuicdio, foi forado a isso. E depois viria a ser um homem de uma vida modesta, no tinha nada... masfoi criado como que um mar de lama, uma coisa muito prxima do que est acontecendo hoje em dia...Depois veio Jango, aonde houve efetivamente o golpe dos militares, e voc esta tendo agora um novo.

    Houve uma modernizao do golpe de Estado, no fundo. Porque o golpe de Estado ele precisa ter osinteresses na elite que esto sendo ameaados, especialmente, por exemplo, quando voc est em umapoca econmica [frgil]. Ento essa elite tem interesse em no perder nada, [mas para isso] voc tem

    que acionar [o debate entre a populao] de duas formas, porque voc indo contra as urnas ou de pessoasque tem grande popularidade [tem grandes chances de ver seu projeto de golpe dar errado].

    Como que voc, numa democracia, que deve servir para todos, deslegitima a soberania popular? Asoberania popular a base de toda a constituio de todo o Estado democrtico moderno, no existenenhuma outra justificativa pra voc obedecer algum que no seja pela soberania popular.

    Como voc atalha isso? Quando voc cria figuras que vo incorporar dramaticamente, voc fabrica, umteatro da poltica e da manipulao por poltica. Tem que criar instituies que incorporariam umaespcie de interesse geral acima dos partidos. Isso estava no Brasil constitucionalmente, isso era atributodos chefes militares, eles podiam decidir isso. Agora para no ser uma quartelada de alguns e de ser um

    golpe com o apoio popular, voc precisava que uma parte expressiva da imprensa conservadora tocasse obumbo para isso. Numa coisa seletiva, s contra o seu inimigo que voc quer matar.

    E a voc pega a opinio pblica, especialmente dessa classe mdia conservadora, que explora os pobres,mas que quer pousar de campeo da moralidade. Ela pe essa moralidade pr-fabricada de uma elitesupostamente incrustada no Estado e expulsa o mal de si. Ento se sente essa coisa infantil, ingnua deachar 'eu sou bom, os outros que no so bons', 'eu sou honesto, todos os outros so ladres'. etc. Evoc consegue montar isso e chamar os militares para fazer o jogo.Hoje em dia essa presena dos militares est deslegitimada - as corrupes nos governos militares,fizeram com que isso no fosse mais possvel. Ento h uma modernizao do golpe, o golpe se torna

    jurdico. Voc tem que incensar figuras que representariam, juzes etc, que representariam-se bem, acimados partidos, acima dos interesses. Essa a grande ingenuidade. A tolice est a. No tem ningum acimado bem e do mal. Todas as pessoas tm interesse, esses interesses so partidrios, so econmicos, so

    polticos.

    Ou uma coisa que a imprensa oferece tambm que a consagrao...

    Exatamente.

    Voc pode ou retalhar, ou consagrar. O holofote um fator de induo monumental. Agora Jess,quando a gente v o enfraquecimento, um poder que tem a Presidncia da Repblica. A

  • 7/23/2019 O Desafio de Desconstruir Os Intrpretes Do Brasil

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    26/11/2015 O desafio de desconstruir os intrpretes do Brasil. Entrevista com Jess Souza

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    Presidncia tem o poder do discurso ainda, tem instrumentos legais. O que garante o poder dapresidente um discurso, uma narrativa. O Brasil perdeu um pouco esse discurso?

    Eu acho que em grande medida, tanto a direita quanto a esquerda entre ns um pouco refm dessediscurso, quer dizer que demoniza o Estado. E acho que entrou nessa coisa tambm, tanto que RaymundoFaoro citado por cada uma dessas pessoas, apesar de ser o grande cara que vai montar essa idealizaodos Estados Unidos, do mercado como sendo a nica fora ativa. Isso extremamente complicado... anarrativa extremamente importante. Ento voc no tem uma contranarrativa. Voc s sofre a pancada

    com ela, e voc fica na defensiva. O livro um pouco uma tentativa de mostrar essa necessidade.Voc falou do Raymundo Faoro, do Srgio Buarque, do Gilberto Freire. E os demais intrpretes?

    O Fernando Henrique Cardosoreproduz isso. O tema do patrimonialismo uma falcia. No tem nadaa ver com o conceito de Max Weber, que era um conceito histrico, que exige uma srie de pr-condies que no existiu no Brasil. Ento o conceito cientificamente muito mal aplicado no livro, querdizer eu no vou entrar em detalhes tcnicos aqui, mas no livro est explicado em detalhe por que falso

    por que frgil, por que superficial.

    Mas a grande questo , sendo to frgil, to errneo, to superficial, por que to eficaz? Esse o

    ponto. E a voc tem a chancela da cincia. A cincia extremamente importante, as ideias, as pessoasno percebem isso. Antes era o prestgio da igreja, da religio, em tempos atrs que definia o que eraverdade e erro, hoje conferido para a cincia. Ento o que esses intelectuais dizem vai influenciar a vidanas suas diversas esferas. Ento a gente tem que prestar ateno a esse debate.

    Muitas vezes um bordo que se coloca aqui tem uma origem num estudo... Manoel Bonfim, vocchega a analisar?

    No, porque no caso eu quis pegar o pessoal que tem efeitos hoje, que criou realmente... O Brasil notinha at Gilberto Freire, inclusive, uma narrativa que fosse convincente.

    Nem Oliveira Viana?

    Apesar de ser extremamente importante, ele no conseguiu montar isso... Isso foi o Freire. Freire umaespcie de pai espiritual brasileiro, mas o que Freirefez foi uma coisa muito ambgua, ligada mesmo aum romance nacional, criar uma identidade nacional brasileira que no existia antes. O problemtico quando Srgio Buarquepega isso e tenta transformar isso em cincia. Um mito, uma histria, era umconto de fadas para adultos.

    A Srgio Buarquevai transformar isso na cincia brasileira. Enquanto tal, sede em So Paulo e isso vaiser a leitura dominante do Brasil sobre si mesmo e que uma leitura extremamente de complexo de vira-lata, ns somos os ltimos, somos corruptos, ineficientes, ladres. Como se houvesse gente a, o alemo,

    o americano, que no fosse.

    Quem atuou na contramo nesse perodo, que trouxe ideias que se contrapunham a isso?

    Essa narrativa to dominante que ela abrange a todos, inclusive caras como Florestan[Fernandes] que o cara que foi o meu leme, o cara com o qual discutia, porque ele quebra uma tradio entre ns dessahistria de Portugal-Brasil, que muito frgil, e tenta perceber o Brasil como sendo um elo dentro docapitalismo mundial. O que muito mais razovel.

    Agora o erro desse pessoal mais esquerda perceber o capitalismo s do modo econmico. Ou seja, ocapitalismo s troca de mercadorias, inclusive o Florestanincorre nisso. Isso tambm est explicado

  • 7/23/2019 O Desafio de Desconstruir Os Intrpretes Do Brasil

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    26/11/2015 O desafio de desconstruir os intrpretes do Brasil. Entrevista com Jess Souza

    http://www.ihu.unisinos.br/noticias/549398-o-desafio-de-desconstruir- os-interpretes-do-brasil-entrevista-com-j esse-souza?tmpl=component&print=1&page= 1

    em detalhes no livro... O capitalismo, muito mais do que isso, no s o modo produo econmica, omodo de produo moral, mantm sistemas de classificao, diz quem est acima, quem superior, quem inferior. O capitalismo no fundo, como todo o sistema, mente. Ele diz que o mais justo, o maisigualitrio. Mas ele tem hierarquias, que tem a ver, por exemplo, com o esprito e o corpo, uma classeque trabalha com a mo e ela inferior, ela prpria se percebe que todos os outros vo olhar para elacomo inferior...

    O prprio conceito da vanguarda do proletariado...

    Exatamente... a classe que trabalha com o esprito vai ser olhada com admirao. Ou seja, tm todosesses elementos morais que so extremamente importantes, so classificaes que devem ser levadas emconsiderao se a gente quer compreender o mundo como ele . E essas leituras economicistas que somais da esquerda, mais influenciadas pelo marxismo, apesar de serem muito melhores do que oculturalismo conservador, tambm so mancas...

    E Celso Furtado chegou a fazer alguma sntese quando ele inclui a cultura como um fator deanlise, ou foi muito tmido tambm nessa rea?

    Tenho grande admirao por ele, mas nessa rea... no nota. Porque essa leitura dessa coisa portuguesa

    entre ns muito forte. As pessoas aceitaram isso. O que muito preocupante. Se voc por exemplo pegauma determinao como a feita pelo DaMatta que aceita por todos, ou seja, tem o Brasil seria asociedade do jeitinho, de quem conhece pessoas influentes etc...

    E a ento, por conta disso, [uma sociedade] pr-moderna, distinta dos Estados Unidos. Isso no tem omenor sentido. O Brasil, a hierarquia feita a partir do controle relativo do capital econmico e docapital cultural, como em qualquer lugar, como na Frana, na Alemanha, e o jeitinho existe nos EstadosUnidos, na Frana, na Alemanha. Ou algum imagina que se voc no conhece, no tem relaes, issono vai ser extremamente importante para o destino individual dessas pessoas? Ns construmosfalaciosamente, fantasiosamente, uma singularidade brasileira completamente falsa para efeitos polticos

    Vi h uns 5 anos uma pesquisa sobre o modo de pensar do novo brasileiro enaltecendo o jeitinho,enaltecendo a resistncia e a esperana como valores. Voc acha que pode ocorrer uma mudananesses paradigmas proximamente?

    Eu acho que pode, Nassif, e essa uma excelente questo. A gente est com o jogo em aberto. Acho quehouve mudanas importantes na sociedade brasileira. Essa ascenso que os governos petistas ajudaram aconstruir, misturou as cartas. claro que tem muitos perigos nisso, e um dos grandes perigos entre ns a falta de uma esfera pblica plural, ou seja, to importante quanto um voto para a democracia que oeleitor possa ser confrontada por opinies contrrias e ele prprio construir a sua opinio. Isso autonomia, to importante quanto o voto. Porque seno o voto no escolha, o voto manipulado. Querdizer, o eleitor tem que ter as diversas opinies do espectro poltico, passveis de serem expostas a ele.Esse um ponto que o Brasil precisa melhorar muito.

    Eu acho que est havendo um movimento, est ainda canalizado, sobre o controle das foras maisreacionrias, mais conservadoras entre ns, mas isso no implica que ele ser assim para todo o sempre.Acho que temos espao a para contradio. E eu acho que essa classe que ascendeu a classe maisimportante, tanto em termos econmicos como em termos polticos. Como ela est em mudana, est selocalizando...

    E ningum decifrou ainda..

    E ningum decifrou ainda. Na pesquisa que ns fizemos, ela em termos poltico, estava muito dividida

  • 7/23/2019 O Desafio de Desconstruir Os Intrpretes Do Brasil

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    26/11/2015 O desafio de desconstruir os intrpretes do Brasil. Entrevista com Jess Souza

    entre uma orientao, digamos demrito etc, de uma coisa pessoal, sem nem ter conscincia da ajuda querecebeu em termos poltico. Especialmente no Nordeste, h uma compreenso de que o [Programa] BolsaFamlia tinha construdo uma economia onde no existia nada, que comeou a haver uma demanda, queaquela ascenso de l [ fruto de aes polticas] - porque l foi muito maior o crescimento do que o restodo Brasil - enquanto o Brasil estava crescendo a 5%, essa regio estava crescendo a 10%, a padreschineses. Nas outras regies as pessoas tendiam a ver mais como efeito individual e a ligava muito mais igreja.

    O aprofundamento da democracia um processo irreversvel ou est sob ameaa?Acho que est sob ameaa, claro. No existe nada irreversvel na vida, a no ser a morte e eu acho quetem um espao de luta nisso que a gente precisa ter uma postura crtica tambm quanto a essas ideias quedominam as nossas cabeas, da direita a esquerda. Elas nos fazem de tolos efetivamente, nos fazem agircontrrios aos nossos interesses, como se esse 1% tivesse, de algum modo, sequestrado a inteligncia,no s a dos grandes intelectuais, mas sequestrado a inteligncia do povo brasileiro, que passa a compraruma legitimao de interesses que s servem a essa minoria. Esse o tema do livro.