O Delicto Passional - STFapesar do choque á modéstia: "Em o Amor e a ... sciente e...

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O Delicto Passional na

Civilização Contemporânea

ENRICO FERRI

0 Delicto Passional na

Civilização Contemporânea «Traducção e prefacio do professor Roberto Lyra, com as conclusões da Sociedade Geral das Prisões e do XVI.0 Congresso de Medicina Legal, em Paris.) , - **

1 9 3 4 ,IVRARIA ACADÊMICA — SARAIVA & C O M P. — EDITORES

.AROO DO OUVIDOR N. 15 (Antigo, 5-B) SÃO PAULO

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PREFACIO DO

Professor ROBERTO LYRA

SE ft EPEIT

ESTA CONFEKENCïA . . .

. . . não interessa apenas aos especialistas, aos profissionaes, mas, pela materia, pelo objecti-vo e, sobretudo, pelo autor, exige a leitura de todos.

Pela materia, porque agita, sem prejuízo da suggestão esthetica e do explendor literário, os dramas profundos da psychologia humana, pro­ject ando-a, ao vivo, através de todas as conseqüên­cias históricas, políticas, sociaes. Pelo objectivo, porque a razão de ser do Direito Penal provêm da cultura e da civilização. Pelo autor, porque Enrico Ferri representará, por muito tempo, a fascinação maior dentro na disciplina, quo converteu cm sciencia.

Setti escreveu que "si não houvesse paixão não haveria crime e, não havendo crime, não ha­veria Código". Portanto, evitar que o pensamento sciontifico de Enrico Ferri seja affeiçoado ás con­veniências da impunidade, contra os próprios fins da Escola Positiva, representa, além de serviço á verdade doutrinaria, o desprestigio da campanha

— s — em prol dos passionaes ou, de accordo com Setti, dos criminosos.

No Brasil, a vulgarização do Direito Penal se fas, principahnec.ite, da tribuna do Jury. Mais apparelhaoos, mais descnvoltos, mais suggestivos, os advogados influem na consciência geral e, açumpliciando Enrico Ferri ás suas theses even-tuaes, conseguem suecesso muitas vezosK. No cm-tanto, fora de suas defesas, em que Ferri se pro­nuncia como procurador de parte, n-ada autorisa a crigil-o em inspirador de alvarás do soltura. São delle estas palavras : "El hombre es responsable de sus delitos frente á la ley penal, como de sus er­rores econômicos frente* á las ley es del medio eco­nômico, de sus cidpas morales frente á Ias leyes de la opinion pública, etc,., no ya porque sea moral­mente ó intelectualmente libra, sino solo porque y en, cuanto que vive en sociedad. Ni más ni menos : quien vive en un ambiente dado, debe adaptarse á él, salir de él ó morir." "Para los locos, los mani­cômios; para los delincuentes, las cârceles, la de­portation, lo que se qniera; pero, em r&sumen, para todos, el apartamiento de aquel ambiente so­cial á que, con sus accionœs, mostrar on no estar adaptados." (1)

(1) "La Escuela Criminologica Positiva", La Es-pana Moderna, Madrid, pags. 104 e 132.

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Ev ar isto de M or aos, dedicando, a Magarinos Torres e a mim, p seu notável livro "Criminalida­de Passional" (2) , accontuou que, "no combate á these passionalista, me tenho mostrado adversário leal e polido, com quem discutir é sempre motivo para fdiz approximação". E' que não posso ad-mittir que os hwtadores da força physica deem aos intellectuaes lições de elegância e de compostura. Quando decidem a pugna, a primeira preoccupa-ção do athleta vencido, mais morto do quo vivo, s apertar a mão do vencedor.

No summario da primeira parte daquelle li­vro, Evaristo de Moraes destaca esse sub-titulo: "O Promotor Roberto Lyra ao lado dos reacciona-rios",. A' pagina 29 salienta em trecho que* a ne­cessidade de documentação obriga a transcrever, apesar do choque á modéstia: "Em o Amor e a Responsabilidade Criminal, de Roberto Lyra — trabalho que confirma o justo renome de um dos mais brilhantes e eruditos criminalistas da nova geração — se encontram, numa selecta impressio­nante, citações de autores que repellem, in totum,

(2) Livraria Acadêmica, Saraiva e Cia., S. Paulo, 1933, pag. 5.

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a idea da inimputabilidado dos passionaes, á ma­neira de Impallomeni. Em conferência, posterior­mente realizada, o autor se collocou, de vez, entre os sustentadores da these anti-passionalista."

Menos o meu ensaio "O Amor c a Responsa­bilidade Criminal" (3), que apenas representa, como, então, assignalei "a accumulação de mate­rial nem sempre accessivel aos estudiosos"', do que essa distineção do um Mestre, como Evaristo de Moraes, me confere, no assumpto, responsabilida­des especiaes. Afranio Peixoto, generosamente, já honrara com os seus estímulos os esforços ante­riores, recommendando-os pela "original apresin-tação dos factos e das ideas" e pelo " desicierato de esclarecer a consciência publica, pelos juristas a principio, depois á sociedade em geral". (Prefacio d'"O Amor e a Responsabilidade* Criminal").

Declino, porém, do papel de reaccionario, a que se referiu Evaristo de Moraes, pois rcacção é a actividade de todos os misoneistas na philoso-phia, na sciencia e na política. Trata-se, ao contra--rio, do acção contra o critério individiiaUsta na solução do problema. Justiça privada constitiíe lucta livre entre offensor e offendido, perante a indifferença do Estado c da Sociedade. A peior

(3) Livraria Acadêmica, Saraiva e Cia., S. Paulo» 1932.

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forma delia é julgar, tendo em vista ap&nas a si­tuação do criminoso, as suas condições, os seus in­teresses, as suas supplicas, as suas versões, de or­dem nitidamente pessoal, por mais verídicas c de­cisivas. E a justiça publica, atten dando a um as­pecto do crime, com o despreso da victima, de sua família, da sociedade, consagraria a vindicta pri­vada, legitimando-a, a posteriori, sciente e cons­cientemente.

A intervenção, quo me coube no debate, não resulta do ponto de vista do Promotor Publico que, aliás, na verdadeira concepção desse ministério, é, exactamente, o do cidadão. Para a tribuna do Jury levei, já, assentadas e militantes, as ideas da fundador do Conselho Brasileiro de Hygiene So­cial, ao lado do saudoso Desembargador Caetano Pinto de Miranda Montenegro, no momento Pre­sidenta da Corte de Appellação do District o Fede­ral, de Carlos Sussekind de Mendonça e de Low-renço de Mattos Borges. Os nossos Estatutos, a que se referiu Luiz Jiménez de Asiia (4), in-

(4) "II delitto di Contagio Venereo", Torino, 1929, pag. 65. Em carta que me dirigiu a 14 de Janeiro de 1927, Asúa escreve : "Mi muy querido amigo y companero : . . . "Gracias tambien por ei envio de su folleto sobre ei Consejo brasileno de Higiene Social que me será util para Ia edición italiana que estoy preparando en estos dias de

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elidam, entre os fins do Conselho, a campanha po-la repressão dos chamados crimes passionaes (art. 2.°, § 1.°, alínea I). Por isso mesmo, em "O Amor e a Responsabilidade Criminal"', salientei que, pu­blicando-o, procurava satisfazer "a uma das maio­res exigências da hygiene social" (pag. 7).

Outras razões justificam, hoje, o desenvolvi­mento daquella acção. Em visitas ás prisões desta Capital e de S. Paulo, como membro do Conselho Penitenciário do Districto Federal, encontrai, em cumprimento de penas altas, innnmeros delinqüen­tes dessa classe. A iniqüidade que, cm relação a essas, representa a absolvição dos demais respon­sáveis, favorecidos por melhores patronos e ou­tras circumstancias accidentaes, legitima as nos­sas directrises. Vale notar que, entre taes con-demnados, existem upassionaas", a cujo perfil, pa­ra ef feito da classificação e não da absolvição, nem faltou a tentativa seria de suicídio acto continuo á execução do crime.

mi libro "La lucha contra ei delito de contagio venereo". Cuando esté publicado en Italia le enviaré un ejemplar de esta edición. Le estrecha la mano su buen amigo siem-pre agradecido, Luiz Jimenez de Asúa".

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Emílio Mira y Lopés, psychiatra hespanhoî, c, apesar disso, infenso ao unilateralism o da con­cepção do phonomeno do crime, escreve estas pa­lavras de conciliação scient if icaj ". . . en la elec-ción de Ia pena — 3; sobre todo en la aplicacivn de Ia misma — deben colaborar los técnicos de Ia psi­cologia anormal, social, jurídica y pedagógica, si se quiere conseguir un ofcet o verdaderamcnte útil de Ia acción penal" (5).

Não é licito, pois, sem desfalcar a pena de seu conteúdo totalitário, qualquer ponto de vista par­ticular no estudo c na solução do problema.

Para Ingen-ieros u confundir Ia pasión con /q locura solo so permite metaforicamente, ablando en lenguage literário e figurado" (6). Mas, si a sciencia identifica as manifestações pathologicas da paixão, então, os respectivos pacientes escapam á acção da pena, propriamente dita, para incidir noutra tutella. Os loucos que matam não decoem desfruetar privilégios, pois os loucos que não ma­tam soffrem, pelo menos, a segregação. Contem-poraneamente, a lei penal saneciona a periculosi-dade pre-dolicto por meras presumpções, afigu-

(5) "Manual de Psicologia Juridica", Barcelona, Salvat, Editores, 1932, pag. 66.

(6) "Revista de Criminologia, Psiquiatria y Medi­cina Legal", de Buenos Ayres, volume II, pag. 266.

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rando-se ridículos os escrúpulos deante da pericu-losidade flagrante e extremamente objcctivada.

Dir-se-á que a paixão pôde, inopinadamenro, accender as suas chammas por combustão expon­tânea. Ha quem sustente ainda de delimitação im­possível as fronteiras physiologicas e pathologicas e que a psychologia normal accusa transes equiva­lentes aos da psychologia anormal. Um autor de­finiu essa situação como um mtervallo louco no In­cido á maneira do intervallo lúcido no louco. Toda essa argumentação resulta da confusão entre emo­ção e paixão.

O professor Rinaldo Pellagrini, no seu ulti­mo Tratado, precisa a distineção entre emoção e paixão, de que, aliás, se occupa Ferri, na confe­rência a seguir: uIntendiamo per passione uno st at o affettivo {di maggiore o minore continuitá) particularmente intenso e concentrato in un déter­minât o indirizzo; tali sono ram ore, Vodio, la ge­losia, il fanatismo politico e religioso, Vavarizia, Vambizione, etc Poor emozione, si intende un perturbamento fugace, momentâneo, dello stato somático e particularmente delVapparato cardio­vasculare e respiratório, cui instantaneamente succède un perturbamento psichico di différente dur at a" (7).

(7) "Trattato di Medicina Legale e délie Assicura-

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Muito se fala, sobretudo pela voz dos gran­des advogados interessados na absolvição dos réos, nas tempestades da alma.

Após as forme* itas, lavado o céo e acalmadas as ondas pela acção sedativa do sol, magicamente, voltam á normalidade, sem deixar vestígios, os ele­mentos em fúria, como por um supremo milagre de heliothcrapia. Não ficariam signaes, também, da-qudlas tempestades, na alma.... Os phenomenos são, comtudo, différentes. A emoção pôde ser o minuto tempestuoso na superficie psychologica, a paixão, para os que apreciam essas imagens, seria o vulcão, cujas lavas se elaboram, sitbterraneamon-te, numa lenta accumulação. Ninguém sustentará, no cmtanto, que se alimentem esses vulcões ambu­lantes no coração das cidades, sobretudo d&pois de exteriorizada a sua acção destruidora.

Fora do terreno'mórbido, pois, as manifesta­ções criminosas da paixão são da alçada dos juris­tas. Para o louco, o Manicômio; para o crimino­so, a prisão. Não ha meio termo, salvo para o ef-feito da medida da pena ou da especialização pe­nitenciaria.

M. Ruiz Maya, director medico dos serviços psychiatricps de Córdoba (Hespanha), na "Psi--

zioni Sociali", vol. II, Parte Geral, pag. 1061 — Casa Edi­tora Dr. Antonio Milani, Padova, 1932.

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quiatria Penal y Civil", affirma, mesmo, que "ei psiquiatra no sabe, no pue de juzgar; su informe, su opinion, su juicio psiquiátrico no pueden tener un valor jurídico. Quede este sentado aqui, para lue go.

El psiquiatra no conoce las leyes, ignora el íntimo mecanismo del Der echo, desconoce los fun-damemtos sociales en que fueran incubándose los precept os jurídicos. A êl, interesa el indivíduo; sabe bastante, muçho, sin duda alguna, de sus derechos, pero de éstos en citant o enfermo, y su actuación se encaminará en todo caso a exigir de los demás la aportación de citant o a aquél pueda convenir según leys biológicas. No le interesan los demás, la sociedad, sino en cuanto puede ser causa más o menos directa de su anomalia y puede con­tribuir a anularia, aliviaria o modificaria. El juz-gador actúa, ejerce función en nombre de todos y para su defmsa, en contra de uno o frente a uno : el psiquiatra ejerce función en nombre de uno cer­ca de uno y en su def ensa, biológica, contra todos o frente a todos" (8) .

Desfarte, o psychiatra vê uma face do pro­blema o mesmo que, desmentindo o psychiatra Ruis

(8) M. Ruiz Maya, "Psiquiatria Penal y Civil", Ma­drid, Editorial Plus-Ultra, Introducción, pag. XVIII.

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Maya, acostume a visão scientifica ás perspecti­vas integraes não pôde solucionar e prover os in­téresses, também individuals, no que dis respeito á victima e á sua família, á família do réo empu­nhada na reforma moral do chefe ou membro transviado, e, predominantemente, á sociedade, cujo vulto amesquinha as demais cogitações.

Juliano Moreira sustentava : "mais do que os alienados perigosos são dignos de nosso interesse as suas victimas certas ou prováveis" ( 9 ) .

Por outro lado, o professor Georges Vidal en­sina: "L'impunité promise au crimnel passionel, malgré la gravité de l'attentat dont il est l'auteur, meurtre par oxemple, est insuffisante et dangereu­se pour la sécurité publique; elle est la conséquen­ce d'un caractère trop exclusivement individuel as­signé à la peine; on ne voit que le criminei actuel. on ne se préoccupe que de son avenir et de la pos­sibilité de sa récidive; on écarte la peine lorsqu'on croit pourvoir affirmer quo cette récidive n'aura pas lieu et que le cpupable est suffisamment cor­rigé par le remords. Cette manière d'envisager le rôle de la peina est trop étroite; on sacrifie le ca­ractère préventif général de la peine, general pré­vention, pour ne s'occuper que de son caractère

(9) Apud Heitor Carrilho, "Archivo Judiciário", vol. 15, pag. 31.

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préventif spécial et individuel, special pràventión; on oublie que la peine est un avertissement, une le­çon donnée par la loi, non pas seulement an coupa­ble mais à tous, le signe* de la désapprobation lé­gale qui doit s'adresser indistinctement à tous; l'impunité de l'acte tendrait à le faire considérer comme l'exercice d'un droit et à le fair o admettre comme licite et naturel" (10).

Portanto, o criminoso préoccupa "pelo seu futuro e pela possibilidade de sua reincidência". Donncdieu de Vabres exprimiu melhor ainda essa idéa : "La répression ne regarde pas le passé" (11).

Si, como quer M. Ruis Maya, "cl psiquiatra àesconoce los fundamentos sociales en quo fueran incubândosc los precept os juridkos", o seu discor-tino vertical, como o de todo especialista, pretere a extensão pela profundeza e se expõe, ainda, áquctto choque, a que se referiu Ingenieros, en­tre os advogados astuciosos e os medicos ingê­nuos (12).

Razão tinha o medico Ernest Du pré quando

(10) G. Vidal, ''Cours de Droit Criminel", Vème. Edition, Paris, 1916, pag. 57.

(11) H. Donnedieu de Vabres, "La Justice Pénale d'Aujourd'hui", Paris, Colin, 1929, pag. 4.

(12) Ingenieros "Criminologia", São Paulo, 1924, pag. 36.

entendia que "l'expert était un auxiliaire de la jus­tice, mais n'avait à se substituer au juge" (13).

Realmente, o psycjiiatra não aprecia a neces­sidade da pena como desaggravo da sociedade, co­mo intimidação, como exemplo, como ensinamento, como satisfação aos que soffreram as conseqüên­cias do crime. A die interessa o indivíduo {Ruiz Maya), mas o castigo obra, em essência, em pro-tecção ao criminoso (Levy - Valensi), donde a contradicção entre a pericia e os objectivos vitaes

| da lei. Por outro lado, fixando a fraqueza dos freios inhibitorios de um indivíduo, documenta-se a maior necessidade da pena, cujo rigor se recla­ma na razão din cta de falta de resistência aos im­pulsos, tanto vale dizer da temibilidade (Dupré).

Ingénier o s o Dupré focalizaram bem a visão unilateral da pericia technica, justificando, como exigência da defesa social, a autonomia da Justiça em face das filigranas cathedraticas. Talvez não exista, em caso concreto e da parte de julgador os, noção mais desassombrada do papel da magistra­tura, nesse particular, do que o Accordant do Tri­bunal de Appellação de Buenos Ayr es de 6 de Agosto de 1926, nostes termos:

(13) Ernest Dupré, "Patnologie de l'imagination et de 1'émotivité, "Payot, Paris, pag. XVIII.

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u.. . es necesario cstablecer de ant emano cúal debe ser el critério de apreçiación de la justicia en presancia de conclusiones pcriciales que solo tic-nen el valor que les de su exact a vinculaciôn con los hechos evidentes que rcsidtan dei processo mismo y con los princípios fundamentals de las ciências que estudian al nombre.

Que la psiquiatria, como Io han reconocido sus maestros más eminentes e indiscutidos, tiene por objeto ei estúdio de Ia actividad anormal de Ias facultados intelectuales, afectivas y sensibles del hombre. Ciência nueva, carece todavia de los si-guientes caracteres que den caracter de certidum-bre a sus conclusiones:

a) Cada autor le da un campo de acción di­verso, doutro de Ia enorme variedad de los fenô­menos psicorpatológicos.

'b) Cada nación ha asentado sobre bases di­ferentes sus estúdios psiquiátricos, haciendo nacer escuelas que se combaten encarnisadamente no sólf en Io que concierne a Ias relaciones entre Ia alie-nación y el organismo sino también a Ias causas de un fenômeno patológico cualquiora, por ejem-pio, Ia sugestión hipnótica.

c) No existe una terminologia única, como Ia que fundamenta otras ciências, de Io que residia que los autores emplean a veces palabras igualas para referir se a fenômenos o sintomas diferentes

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o emplean términos diferentes para designar fenô­menos o sintomas idênticos.

d) No existe una separación neta entre los diversos fenômenos entre si, ni entre* los diversos sintomas entre si,. Un fenômeno présenta sintomas que son comunes a muchos fenômenos de etiología opuesta y a su vc*s un sintoma unido a muchos otros sintomas no basta para clasificar aparte un fenômeno que carezea de un sintoma net anient e diferencial.

e) La psiquiatria moderna, conservando Ia misma terminologia en algunos casos, ha destruí­do ei valor de* ciertos estúdios publicados hace ape­nas poços anos, los cuales, sin embargo, sirven to­davia para present ar observaciones de casos clíni­cos interesantes que no han vuelto a repetirse ori­ginando este hocho que muchos peritos ccepten conclusiones que están completamente desprovistas de todo valor cientifico, nada más que porque un texto de psiquiatria conserva en sus citas Ia refe­rente ia ai caso, estudiado como caso, aunque no aprnebe la doctrina que ins per ô su present aciôn por ei clinico antiguo.

Que Ia lectura atenta de los grandes tratados de psiquiatria publicados en los últimos anos de-muestra concluyentemento Io que se acaba de afir­mar. Todos ellos nos dicen de una manera modes­ta y realmente cientifica, que no estando consti-

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tuída todavia ni siquiera la semiología de esta dis­ciplina, d psiquiatra debe limitar en Io posible su actividad ai estúdio lento y minucioso dei caso actual que tiene presente, en vez de querer inferir de Ia existência aislada de uno o dos sintomas, en casos que han dejado de estar actuando, estados pa­tológicos que no está en su mano reconstruir ni apreciar ciemtíficamente.

Que, si hay alguna disciplina que obliga a ser cauto es Ia psiquiatria. Un médico, frente a un enfermo que está inter esado en decir Ia ver dad, informado por miembros de Ia familia que» han recogido informaciones interesantes, ajeno en una palabra, a toda question de pena o castigo o recom­pensa, no podría indicar, de un modo verdadero y científico, cuál fué Ia intensidad o ei caracter de una enfermidad orgânica sucedida un ano antes, porque para establecerla en forma necesitaría co-nocer mil circunstancias de constitución biológica, de fisiologia, de ambiente, des resistência dei or­ganismo, de energia virulenta dei agente productor, etc., que ia ciência médica está muy lejos de cono-cer ni aun cuando esté en presencia misma dei caso auténticp de la enfermedad y del enfermo. Como es evidente, además Io que no pue de hacer ei mé­dico tampoco puede hacerlo Ia psiquiatria, cuando necesita resolver cuál fué Ia intensidad de un pro­cesso memtal de caracter patológico que determino

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en el pasado el acto de un hombre. Descartando el interés de evitar una pena o de merecer una re­compensa, la información apasionada de amigos y do enemigos, Ia enorme complejidad de Ias causas inconscientes, sub-cons cientes, conscientes que ri-gen Ia actividad de los impulsos intelectuales, mo­rales y afectivos, la falta de médios exact os de in­vestigation, Ia carência dû princípios científicos aceptados universalmente que permitam establecer Ia relación necesario entre una causa y un efecto, no hay un solo sábio en d mundo, llámase De Sanctis o Morselli, que se atreva a afirmar que es posible establecer por medio de Ia declaración de un hombre que acaba de cometor un homicídio, por medio de unos cuantos datos de su temperamento, de su constitution orgânica y por medio de nada más, y dejando de lado ei estúdio ponderado de todos los domás act os y acontecimientos de su vida entera, que ese hombre durante los poços minutos que transcurren entre ei homicídio y la inspection del c,omisario de policia ante quien no niega haber dado muarte al doctor Barcos, fs.. 18 vta., ha esta­do, por primera vaz en su vida, en un estado de hipermoción o de enjaenación mental o lo que sea, que obnubila totalmente su consciência y originando una amnesia total que cesa instantaneamente en el momento que el senor Juez, três horas despucs, fis. 5 vta., oye una exposition verbal límpida, clara,

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que no conserva un solo rastro de incoherencia pues rocuerda un panado que envuelve el revol­ver para evitar la rotura del bolsillo, recpnstruye su estado mental y emocional haciendo un estúdio introspectivo de ucomo se desarrollaba en su esp'%-ritu un caos, un desconcierto, que* lo sustraia a la noción real de las cosas", de como "penso en que esa misma noche, a la hora de la comida se cele­braria el triunfo en un festin de enomigos", pen-samicnto que lo precipito a no sabe que; pero ar-diendo todo contra quien le robaba a su hija"î Este es el caso planteado en los autos présentes.

Que si bien no es posible afirmar que ningún gran psiquiatra, de los que escribcn los libros en que después se rœogen los datos de comparación y análisis que usan los peritos en sus informes, se atreveria a llegar a esa conclusion, se* puede estable-cer de una manera catagórica por el conocimiento que dan esos mismos libros, que ningún autor en el mundo ha presentado jamás un \caso seme jante que permita parangonarlo con el de Kuffet. En pre-sewcja de esa laguna, en presencia de lo que es la vida de Ruffet antes y después dei hecho, el Tri­bunal tiene el derecho, aplicando las leyes de la sana lógica y los princípios científicos de la ciên­cia, no exotérica, sino positiva, dû la psiquiatria, de negar la fuersa probatória de todo dictamen pe­ricial que pretenda erigir en evidencia un estado

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de amnesia que contradite todas las constancias dû un expediente, todos los acontecimientos de una vida social y de una conduct a privada, toda Ia li­teratura científica de la materia considerada en su conccpto racional y moderno" (14).

Seja porque a psyquiatria não se permitia conclusões de seu próprio angulo visual, seja por­que, mesmo indiscutíveis e conséquentes, aquellas conclusões apenas collaborant numa phaso c den­tro de um sector na lucta contra o crime, o facto ê que o seu individualismo, o sen unilateralismo, o seu sentimentalismo justificam a insuspeita e ma­gistral affirmação de Ruis Maya: "No insistire­mos más. Las orientaciones médicas en d terreno de la criminologia son insuficientes; no respondeu a su fin". "Ciência vacilante Ia nuestra, por Ia in-seguridad de sus cimientos, no puede todavia aban­donar su papel de ciência auxiliar do! D cr echo convirtiéndose en dirigente" (15).

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Aliás, não basta ser jurista para apprehen-

(14) Apud Benjamin Garcia Torres, "La Emocion Violenta", Buenos Aires — Libreria Jurídica — 1926 — pags. 183 a 188.

(15) Obra cit., pag. 102.

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der, sob todos os aspectos, a criminalidade pas­sional, mas sociólogo criminal, na comprehensão de Ferri, isto ê, integrado na sciencia gorai da cri­minalidade, no seu sentido mais comprehensivo, base e resumo dos estudos a respeito e sua appli-cação (16).

Waldemar E. Coutts, professor da Universi­dade* do Chile e chefe technico da secção de hygie­ne social da direcção geral da Saúde de Santiago, nota que "a pesar de emplear ei término pasión liemos de advertir que excluímos dei análisisel de­lito pasional, por considerar Ias pasiones ajenas a Ia biologia y fruto exclusivo de Ia forma artificial en que vi vimos" (17).

Realmente, como confirma Georges Guilher-met, "le crime passionel commis par un pauvre berger gardant aux sommets dos montagnes un troupeau de moutons et frappant une chevrière co­quette, contiendra forcément quelquer élément so­cial" (18).

(16) "Principios de Direito Criminal", Livrarhi Acadêmica, São Paulo, 1931, pags. 75 e 77.

(17) "Tirania Sexual e Sexo Tiranizado", Morata, Editor, Madrid, 1929, pag. 158.

(18) "Le Milieu Criminel", Alfred Coste, Éditeur, Paris, 1923, pag. 12.

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Sem desprezar os dados da sociologia crimi­nal, os lojisladores, os administradores, os conse­lhos tcchnicos se incumbirão das novas directrices legaes, mas o Juiz não ha de esperar pelo resultado dos debates theoricos entre philosophos e moralis­tas. Ao contrario, convocado a uma tarefa immc-diata o urgente de defesa social, não pôde o magis­trado transigir com as idéas divergentes dcante dos factos.

Não se nega a existência da paixão, a sita in­fluencia, a sua capacidade para desequilibrar, para desesperar, para allucinar, para despersonalisar. Justamente por isso, não devemos abandonal-a á sua livre expansão, numa época em que os factures de perturbação se extremam e amiudam <?, ape-zar disso, a maioria, trabalhada, também, por iguaes ou peioros elementos orgânicos e mesologi-cos, consegue heroísmos. B. Di Tidlio explica que reago criminalmente a minoria com tendência ou capacidade para dèlinquir, isto ê, os perigosos.

Paixão da honra, a mais profunda, a mais de­licada, a mais tyrannica ê a da mãe que, para occul-tar a deshonra, mata o filho recém-nascido. Ape-zar disso, apezar de irromp&r em momento incom-paravel de d&sequilibrio psycjxologico e physiologi-co — o parto —, a lei pune, com a pena de "prisão cellular por três a nove annos", a mulher que "ma­tar recém-nascido", mesmo omissivamente.

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Duas lições d'ahi decorram: 1.° — a possibili­dade de dominar um instincto — e que instinctoí — o da maternidade, em attenção a um preconcei­to social •— a integridade da membrana hymen fora do casamento —; 2.° — a de qua á lei não embaraça aquelle choque tremendo entre o dever e o ideal da maternidade e a deshonra o a miséria, essa impedindo, praticamente, a nova vida desti­nada á inanição, pois os carinhos e as preces não lhe bastam.

Consideremos, agora, em relação ao mtio e á época, o sentido profundo do crime passional.

Seria anachronismo repetir os autores român­ticos que alijaram a mulher para a cosinha e a al-cova, entoando hymnos de glorificação... A acti-vidacie feminina fora do lar, obrigando a Igreja a transigir com os sous princípios e a alistar mulhe­res nas sachristiaspara votar, estabelece a intimi­dade dos sexos e altera a natureza de suas relações.

Leia-se em André Maurois, — "Le Passé et VAvenir de l'Amour", o prognostico sobre o futu­ro do amor: "E' provável que toda a desigualdade entre os sexos desappareça. A força physica não terá mais nenhum valor. As machinas, as mais po­derosas, podem ser conduzidas, já hoje, por uma miãher ou por uma criança. — Em todas as cou-sas as forças mechanicas substituem as forças cor-poraes. As mulheres de hoje conduzemi o seu carro;

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e se então tivermos guerras e exércitos, ellas dis­pararão os maiores canhões e destamparão os cy-lindros de que sahem os gases envenenados. Elias podem morrer como os homens; podem bater-se como os homens, pois que, armada de um revolver, uma mulher é mais forte do que* o mais forte cam­peão de "box". Sua força intellectual tende a tor­nar-se a mesma; ellas fazem os mesmos estudos que os homens; ganham a sua vida nas mesmas profissões". Accrascenta: "Na Russia, o governo interdiz o emprego dos vocábulos "amor" e "ter­nura", porque acha que essas paixões tirem a força destinada ás paixões políticas. Muitos espíritos no­vos desejam a morte do amor romanesco" — Sen­te-se, já, a decadência do amor sentimental, acon­selhando Maurois, como remédio, a instituição do amor-amizade.

O crime passional resulta do preconceito da propriedade e da irresponsabilidade da mulher, d'onde a noção da exclusividade da posse e da des-honra do homem pelos esbulho s e fraudes.

Mesmo que a mulher constituísse propriedade do marido ou promessa delia, com reserva de do­mínio, ao noivo, ninguém sustentará a legitimida­de desse* meio primitivo de garantil-a ou recupe-ral-a — a violência —. Seria a única propriedade assim protegida.

André Lorulot descreveu o determinismo dos

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crimes sexiiaes (19) e R. et Y. Allendy fixaram o conflict o dos instinct os e os problemas actuaes (20). Em dons livros recentes fornecem a certe­za axtrahida da vida de que o crime passional re­presenta aquelle "feu de cotichant", aquellc "or­gueil da pénis" de Léon Rabinowics (21).

O passional mata, porque ama. Mas, que é que ama, na mulher? Se a encerrasse, toda, no co­ração, não so voltaria apenas contra os esbulhado-res de sua propriedade, em crimes de masculinida-dc despeitada, mas, também, de cavalheirismo, de abnegação, de solidariedade. Apontom-me um caso em que a violência homicida resultasse, não do amor próprio, mas do amor á mulher, defenden-do-a de aggravos, de soffrimentos, de injustiças, de perseguições e dt perigos,.

Outras communhões moraes e intcllectuaes pódem existir entre o homem c a mulher, e essas são livres. A exclusividade* do destino nupcial é a confissão de que, na gênese dos desesperos passio-naes, anda uma única espécie de amor e essa acaba até psysiologicamentey Eterna c a outra modalida-

(19) "Crime et Société", Librairie Stock, Paris, 1923, pag. 119.

(20) "Capitalisme et Sexualité", Denoelet Steele, Pa­ris, 1932.

(21) "Le Crime Passionnel", Rivière, Paris, 1931.

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de, que se prolonga c se intensifica c se aprofunda através de toda a vida.

O crime passional ê, por excellencia e por na­tureza, premoiitado (22). Assim, a rigor, não se pleiteia irresponsabilidade ou inimputabiiidade> mas justificação: legitima defesa e não perturba­ção completa dos sentidos e da intelligencia. Nos casos de uxoricidio por infiddidade, sobretudo, es­sa, exaetamente, a these. Ou não foi consciente e voluntário e, então, não houve consciência da hon­ra ultrajada e vontade de reparal-a, aliás parado­xalmente^ tornando-se, ainda, assassino, o que pa­rece deshonra, o sup post o deshonrado, ou foi cons­ciente e voluntário, agindo o réo em estado normal de imputabilidade, reclamando a legitimação, a jus­tificação do act o. A mulher não é mais costella ou appendice,. Tom honra propria, como o homem. A deshonra da mulher não faz a do homem. Respon­sabilize-se, pois, a mulher pelos seus actos. Não nego o precpnceito em contrario, mas a Justiça Pe­nal deve combat d-o, quando leva ao crime. Não deve consagral-o, confirmal-o, desenvolvel-o. Do contrario, não seria rectificadora ou evolutiva, mas ret ar dataria ou regressiva. O Direito Penal é moi o coercitivo de hygiene social, de elevação da cons-

(22) Léon Rabinowicz, ob. cit., pag. 184.

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ciência publica, de compostura dentro das realida­des da vida e do mochanismo dos interesses.

O advogado Francesco Carnelutti assignala: "Sarebbe un conche Ia minaccia delia pena, isti-tuita precisamente per fungere da controstimolo a certi desideri, cedesse in quei casi in cut ve ne é próprio maggiore bisogno" (23). Por sua vez, Donnedieu de Vabres pergunta : "Le but de la me­nace pénale — moyen de coercition psychologiques — n'est il pas précisément d'oider l'homme á lutter contre ses passions"? (24).

O professor Ar y Franco, em aula na Facul­dade de Direito da Universidade do Rio de Jaaei-ro, affirmou:

"Para a Escola Positiva, as paixões são cau­sa dirimente da responsabilidade criminal, sendo que Ferri se dividia em paixões sociaes e anti-so-ciaes, nestas a tendência sendo para a desaggrega-ção da vida social, são egoistas, e naquellas o in­divíduo não attenta contra o interesse social, são altruístas.

"Para as primeiras, Ferri e seus adeptos sus­tentam que devem s or tidas como diriment es da

(23) "Teoria Générale del Reato", Cedam, Padova, 1933, pag. 182.

(24) "La Justice Pénale d'aujourd'hui", Colin, Pa­ris, 1929, pag. 74.

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responsabilidade, e já vimos que ao fazer sua clas­sificação de criminosos, o mestre italiano incluiu a categoria de delinqüentes por impulso ethico irrer sistivel, isto é, por paixão social; toda paixão que não attente contra os interesses da collectividade deverá considerar-se* social e, portanto, dirimente da responsabilidade penal por isso que levada pela affectividade ou impulsividade e não obede­cendo a um movei anti-juridicf), anti-social. No di­reito pe*nal brasileiro temos as opiniões de Afra-nio Peixoto, Roberto Lyra e outros contrários á paixão como dirimente, ao passo que Evaristo de Moraes e M agar in os Torres lhes são favorá­veis" (25).

Em primar o Io gar, para Ferri, "por crimi­noso passional não se deve mtender todo indiví­duo que commette o delicio, por vezes, num qual­quer estado passional". "Delinqüente passional — accrescmta Ferri — ê aquelle, antes de tudo, mo­vido por uma paixão social. P-ara constituir essa figura de delinqüente concorre a sua personalida­de, de precedentes illibados, cpm os symptornas psychic os — entre outros — da idade jovem, do motivo proporcionado, da eccecução em estado de commoção, ao ar livre e sem cúmplices, com expon­

do) "Direito Penal", Rio, 1934, pags. 275 e 276. O Delicto Passional — 2

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tanea apresentação á autoridade e com remorso sincero do mal feito, que frequentemento se expri­me corn o immediate) suicídio ou tentativa seria de suicídio" (26).

Mas, nesta cpnferencia, Fer ri sustenta, ex­pressamente, que só aos autores do crimes pratica­dos em legitima defesa, em estado de necessidade ou na execução da lei cabo a irresponsabilidade pe­nal. Por outro lado, exige condições e circumstan-cias outras, que não a qualidade da paixão, para ATTENUAR essa responsabilidade. De qualquer forma, proclama Ferri, "a paixão, por si só, não leva um homem ao crime."

Em nota, no livro "Princípios de Direito Cri­minal", mostra Ferri que obteve a condemnação de um passional, devido apenas aos seus precedentes e á occur rencia de alter cação com a victima. (27)

Portanto, nem Ferri, e muito monos a Escola Positiva, sustenta o valor da paixão mesmo social, por si só, como dirimente. Infelizmente, vae sendo relegada ao esquecimento a replica do Lombroso a Gabelli:

"Ademàs, no piensa que si nuestra escuda, por estar incompleta aún y sin armonisarse con

(26) "Princípios de Direito Criminal", Livraria Acadêmica, S. Paulo, 1931, pags. 262, 263 e 264.

(27) Ob cit., pags. 262 e 264.

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un código, da pie para esas artimanas abogades-cas". (28)

Por sua vez, Magarinos Torres não reconhe­ce na paixão, em si, capacidade para dirimir a res­ponsabilidade. Pelo contrario, proclamando, em­bora, a necessidade de sane goes individualizadas, adequadas, especiaes, na sua conferência sobre "O Amor no Banco dos Ré os", enaltece a "necessida­de de repressão" e exalta o rigor do Jury carioca na punição dos criminosos passionaes. (29)

Exceptuados, no momento, os trabalhos pro-fissionaes de advogados "habituées" do Jury o di­gnos de menção, como Mario Gameiro, Jorge Se-veriano, Costa Pinto, Romeiro Neto, á frente dos quaes se alistam Evaristo de Moraes o Mario Bu­lhões Pedreira e a que se contrapõem, na tribuna opposta, Soares de Mello, Carlos Sussckind de Mendonça, Abdon do Mello, Raul Rocha, a dou­trina brasileira, accorde com a estrangeira, nega á paixão a dignidade de d ir intente autônoma da responsabilidade.

BapAista Pereira, interpretando, authentica-mente, a disposição legal vigente, exclue do art.

(28) "La Escuela Crimologica Positiva", ob. cit.. pag. 23.

(29) "Revista de Direito Penal", vol. I, Fase. I, pag. 65.

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27, § 4.° da Consolidação das Lois P-enacs "as ex­plosons criminosas das paixões". (30).

Afranio Peixoto, Costa e Silva, Esmeraldino Bandeira, Lima Drummond, Viveiros de Castro, Rodrigues D or ia, Galdino Siqueira, Adalberto Garcia, Mello Mattos, Pires Porto, Plinio Bar retto, Virgílio Sá Pereira, Smith de Vasconcellos. Heitor Carrilho, Nelson Hungria, Luis Corrêa, citados no livro "O Amor o a Responsabilidade Criminal" e outros, que, posteriormente, alistarei* documentam a affirmação.

Na sua conferência, Ferri assenta, de forma inconfundível, a necessidade da coexistência dos saguintes requisitos para a caracterização do cri­minoso passional e, assim classificado o réo, ad-mitte a attenuaçao da responsabilidade penal : 1.° — A qualidade altrnistica e constructora da paixão; 2.° — A exclusão, pelas circumstandas do crime, da periculosidade á vista da publicidade, da fran­queza, do sentimento de pi&dade e de remorso ex­tremamente revelado pelo abandono de si mesmo e pela exchisiva preoecupação com a victima; 3.° — A ausência de poriculosidade pela prova do cara­cter e do temperamento em impeccavel condueta; 4.° — A idade propicia aos arrebatamentos passio-

(30) Apud Edgard Costa, "Repertório da Jurispru­dência Criminal", Rio, 1916, pag. 65.

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naes; 5.° — As circumstancias anteriores, conco­mitantes e postoriores ao crime, coincidindo no sentido de excepcionalisar o procedimento e de excluir a capacidade especifica para delinquir.

Ninguém, no entanto, que possa abrangor o mechanismo das paixões e a sua repercussão social sustentará o caracter altruistico e constructor de um amor, que aberra de sua finalidade, degenoran-do no trucidamento e no extermínio. Ainda que bom, nobre, generoso, na sua origem, o amor que se resuma nos caprichos sexuaes e abandona todos os outros aspectos da personalidade de uma mu­lher, perde esse caracter e se torna ante-sociah como o do deflorador e o do estuprador.

Evaristo do Moraes, no seu longo tirocinio profissional, teve innumeras oceasiões de reclamar a responsabilidade penal para as autoridades poli-ciaes, que se desmandavam em violências e atro­cidades. Como classificaria a paixão quo leva a taes excessos um delegado, um commissario, um investigador? Apurando crimes, descobrindo cri­minosos, varando as madrugadas em diligencias perigosas e exhanstivas, expondo-se aos odios e ás persoguições, a que movei obedecerão esses agen­tes da segurança publica? Negaria a qualidade de "saciai" (Ferri) á paixão que os anima na lida obscura, sem garantias nem compensações, e se desvirtua em arbitrariedades ou porversidades?

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Então, Evaristo de Moraes, por probidade scienti­fica, por fidelidade aos seus compromissos dou­trinários, teria, não de pleitear panas para os abu­sos da autoridade, mas de reconhecer, em favor de seus autores, o direito á absolvição, como passio­naes de melhor feição. Em conseqüência, teríamos de cancellar capítulos inteiros do Código Penal e converter em razão de absolver a razão de condem­nor ■— o desmando das paixões.

O pao ou a mãe que castiga iinnwderadamcnte o filho responde a processo criminal. Não se in­daga da culpa do filho, do caracter da paixão, do movei typicamentc, r e quint ad ameute social a que obedece a correcção domestica. O Juiz de Direito Cândido Mesquita da Cunha Lobo, quando Pretor Criminal, e dos mais notáveis, condemnou uma mãe que castigou o filho depois da pratica de um furto. Eis ahi a paixão social, numa de suas mais bellas modalidades, mas eis ahi, também, a pena. Em sentença recente, foi condemnado um commer­ciale que, para fugir á fallencia, falsificou a assi­gnatura de uma promissória. Eis ahi a paixão da honra, mas eis ahi, também a pena. Finalmente, no crime da prevaricação, a paixão é o próprio dólo — a affeição,. E ninguém se lembrou de conside­ral­a... Assim, nos arts. 100, 119, § 3.°, 179, 185, da Consolidação.

Dumas Filho e seus disc.ipulos se tornaram

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responsáveis pelo cultivo da mentalidade que erige, em instrumentos da piedade publica, os algozes des­sas verdadeiras escravas brancas arrebatadas á vida em plena mocidade, numa época assignalada pela crescente liberdade no amor.

Combate-se o divorcio, mas se consent o na peior forma d elle, que é a dissolução do vinculo conjugai pelo assassinio, extendendo, muitas vezes, entre o matador e os seus próprios filhos orpha-nados, como um abysmo, o cadaver do. uma mãe! E, tudo isso, em holocausto a preferencias carnaes, a privilégios sexuaes de quem não soube conservar ou conquistar o amor. Eça de Queiroz definiu ad-miravelmente a obra do Dumas Filho : "Elle ê ob­servador como outros são trapeiros. E' de noite com uma lanterna e um gancho, cosido com os mu­ros conjngacs, apanhando e fisgando em segredo tudo que cahe da alcova, cravos, panos revolvidos, cuias velhas, farrapos reveladores — quo elle vae colligindo a sua sciencia. Sabe pelo que esgaravata no lixo. E' doutor em roupa suja".

E' essa roupa suja, são esses detrictos que costumam levar á Justiça, desviando-a de sua mis­são altaneira e dominadora. No entanto, os passio­nais do cérebro e do coração, os inventores, os des­cobridores, os precursores, os propagandist as, os idealistas, os que lutam, os que protestam, os que estudam, os que trabalham, os que imaginam, os

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que cream, os que visam as conquistas superiores, os que amam, não a uma pessoa, para fins do al-cova, mas a uma sciencia, a uma arte, a um pais, a uma sociedade, á humanidade, á civilização, esses soffrem penas cada vez maiores.

A leitura desta confarencia ha de valer pela documentação de que o grande nome de Enrico Ferri não pódc paranymphar liber alidades, pois o seu pensamento corresponde ao systhema repres­sor da escola positiva e á certeza de que, segundo as suas proprias expressões, "o direito de matar deve ser eliminado da civilização contemporânea"'.

Rio — Junho — 1934.

ROBERTO LYRA

Conclusões do XVI Congresso de Medicina Legal de Paris

Os crimes passionaes (o homicidio passional;

Relator: tír. Levy-Vùlensi (de Paris).

A justiça moderna substituiu, em materia pe­nal, a noção metaphysica do castigo pela noção uti­litária de defesa. A sociedade não pune, não se vinga, defende-se e a penei age como eliminação, emenda, exemplo.

Esta concepção de justiça torna menos impe­riosa a noção de responsabilidade invocada pelos magistrados e regeitada pela maioria dos medicos legistas depois de* Gilbert Ballet*

Em materia de crime passional puro, a elimi­nação e a emenda são pouco importantes, sendo excepcional a reincidência, si bem que assignalada. Resta o cwemplo; o relator, discordando de alguns, crê firmemente na efficada da pena para comba­ter uma criminalidade essencialmente contagiosa.

Os factures essenciaes do crime passional são : 1.°. A opinião publica educada pela impren­

sa, pela literatura, pelo romance; o sensualismo e

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o romantismo teem, na esptcie, um papel nefasto. Resulta d'ahi uma noção exagerada dos direitos do amor o uma espécie de reprovação contra aquel-les que os difficidtam: pães, esposos, etc.. . O ri­dículo, de que se cerca o marido enganado desde Brantôme, Boccacio, La Fontaine, Molière, toma esses autores responsáveis por um certo numero de dramas passionaes.

2°. A facilidade, para o passional, de ar­mar-se.

3.°. A indulgência escandalosa do Jury, ins­tituição contra a qual se insurge o relator, e, par­ticularmente, o direito, que tom o tribunal popular, de declarar sem culpa o assassino que confessa ou sobre cuja culpabilidade não pôde existir duvida alguma.

O autor é partidário da pena pesada e tomou-como épigraphe do seu relatório estes dois artigos do novo Código Penal Italiano :

"Art, 574: Quem quer que haja causado a morte de um homem será punido com pena nunca inferior a 21 annos de raclusão". Art. 93: "Os es­tados omotivos e passionaes não excluem nem di­minuem a imputabilidade"'. O único favor, que a autor concede aos criminosos passionaes, é um re­gimen especial, poupando-os da promiscuidade com os criminosos de direito commum.

O autor não acceita a limitação do crime pas-

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sional, segundo a concepção popular, aos dramas de amor. Para eüe, é passional todo crime onde o elemento de cupidez falta ou não é exclusivo. En­tre os crimes passionaes, cita somente os mais im^ portantes: o homicídio politico, o homicidio de amor e o homicidio de ódio.

No ponto de vista medico legal psychiatrico, o relator distingue, no artigo 64 do Código Penal: o constrangimento e a demência.

O constrangimento, no sentido jurídico do termo, applica-se a uma força exterior, moral ou psychica, mas, a rigor, poderia indicar a força ir­resistível, invocada por todos os passionais. O re­lator, contrariando a maior parte dos autores, não crê na irresistibilidade do acto homicida-passional e conclue com Galien: "Não se pode, de momento, transformar-se em um homem brando, mas é pos­sível comprimir a incongruência da paixão". Não sa pôde reprimir o amor ou o ódio, mas é possivd deixar de matar, porque se ama ou porque se odeia. Aliás, ou esta pretendida força irresistível é pathologica e caracteriza a demência, ou é de or­dem psychologica e o perito, si pôde, rigorosamen­te, diagnostical-a aos pirados, não pôde fazer delia um estado, em suas conclusões.

O crime passional é, as mais das vezes, pre­meditado. O periodo de premeditação curto é chaio de hesitações legitimas. O assassino se enfurece

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contra a sua victima; depois do crime, fica, ás ve­zes, obnubilado, muitas vezos alliviado, sobretu­do, quando se trata de altruísmo ou de ódio. Os arrependimentos são vistos, freqüentemente, nos crimes de amor c o suicídio, ou a sua tentativa, se registram em 30 % dos casos.

O criminoso passional é, theoricamente, antes do crime, um homem normal. Na realidade, po­rém, trata-se, as mais das vezes, de desequilibra­dos e, principalmente, de hyper emotivos.

O autor faz numerosas observações de crimes políticos, de amor, de ciúme e de ódio.. Algumas, em relação a processos celebres. A propósito de cada variedade, elle separa o característico, invo­cando a literatura e a historia. Allude, também, aos crimes emocionaes (cólera, medo).

O autor chesga, assim, ao objecto de seu re­latório : o diagnostico entre o crime passional puro e o crime do delirante passional, diagnostico esse que apresenta, por vezes, diffictddades insuperá­veis.

O relator l&mbra as discussões da Sociedade Medico-Psychologica (1926-1927) e da Socieda­de de Medicina Mental da Bélgica (1930). Resul­tou dessas discussões a attribuição aos delirantes passionaes dos caracteres distinetivos seguintes : constituição paranoica, idéa delirante inconstante, monstruosidade da affronta allegada, despropor-

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ção entre o movei invocado e a reacção, monodeis-mo, estado obcessional. O autor insiste, com o Pro­fessor Claude, sobre este ESTADO OBCESSIO­NAL integrado na personalidade do sujeito, não parasitário, por conseguinte, commum, aliás, ao passional e ao delirante passional. Elle crê que é,. sobretudo, neste ultimo, e não sempre, que ao es­tado obcessional se acerescenta o impulso — ob-cessão ao assassinio.. E' esta tendência impulsiva que explica o longo pariodo de premeditação com lueta anciosa c allivio depois do crime. E' verdade que o Professor Claude assignala este allivio de­pois do crime passional puro.

O autor apoia a sua opinião sobre cinco factos tirados da historia e oppõe os delirantes Ravaillac, Damiens, Louvei, aos passionaes Cãrlota Corday e Raul Villain. O diagnostico é, particualrmente> difficil nas formas que o autor chama de "mé­dias" : estado passional puro em um paranóico, por exemplo. Um paranóico não deve, necessariamen­te, ser considerado irresponsável. A constituição paranoica começa por um caracter para terminar por um delírio. O perito tem de apreciar em qua grão se acha o paciente.

O delirante passional tem seu lugar no asylo. Deverá ahi permanecer até o fim de* sens dias, se­gundo o voto de Christian ? Depende do caso em

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espécie, mas o medico alienista deve ser do uma prudência exagerada.

Os passionaes puros vão para a prisão. Tal­vez pudessem elles encontrar lugar nos asyloò-prisões. O relator, a este propósito, lembra, em li­nhas geraes, o systema penitenciário belga.

A prophylaxia do crime passional deve, antes de mais nada, ser penal; depois social {reeducação da opinião, limitação da venda de armas do fogo ) ; por ultimo, medica {internação preventiva dos pas­sionaes tidos como perigosos).

DISCUSSÃO

Sr. Heuyer {de Paris) não admitte o crime passional politico. Só os crimes de amor, de ciúme são verdadeiros crimes passionaes. O medico não se deve pronunciar sobre o act o criminoso mesmo; só o criminoso é de sua competência. O passional puro não reincida. A prophylaxia do crime pela collaboração do commissario de policia e do medi­co seria, não raro, muito ej'ficas.

Sr. Dide {de Toulouse) julga que o crime passional é algumas vezes uma expressão excessi­va de egoísmo baseado sobre a vaidade e o exa­gero da personalidade e ewplica a inadaptação do indivíduo ás necessidades da vida collectiva.

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Sr. Claude (de Paris) precisa o papel exacto do medico-legist a no curso de uma instrucção ju­diciaria.

Sr. de Clerambault — pensa que não é o amor que mata. Os crimes de amor são crimes de orgu­lho. O passional reincide; negal-o é tirar argumen­tos da insufficieiicia de nossos meios de informa­ção ulterior. Assim os eróticos reincidem sempre; as mesmas molas dão as mesmas detonações. O autor condemna a instituição do Jury.

Sr. Ceillier (de P.-aris) procura rehabilitar a paixão que mesmo no odio tem a sua bellezal A, paixão como a emoção é physiologica, é uma func-ção vital, não so corrompe senão pela intervenção viciosa de uma idea falsa, de um elemento, por con­seguinte, extranho, á sua propria natureza. O amor não mata; são os amorosos sãos e fortes que me­nos matam; a paixão só se torna perigosa para um fraco ou um orgulhoso, a menos que o sujeito ma­nifeste uma tara mental,

Mr. Porot (de Alger) estuda, do ponto de vista medico-legal, as reacções criminosas produ­zidas pela xenophobia, nas colônias, e trás duas observações pessoaes.

Conclusões sobre a communicacão de León Rabinowícz na Sociedade Geral das Prisões de Paris

Em longo debate, de que participaram Lévy-Valensi, Heuyer, Henri Claude, Hugueney, Don-nedieu de Vabres, Paul Matter, o autor do "Le Crime Passionnel", Léon Rabinowícz, sustentou:

"Em todos os casos, ha três catego­rias de delinqüentes passionaes que se dasenham nitidamente : a forma psycho-pathica, a forma occasional e a forma pseudo-passional. Si para a repressão da primeira se impõe o regimen individua­lizado das medidas de segurança, para as duas outras ê preciso appellar para um systhema de penas rigorosas".

O Présidente Mennesson, resumindo os de­bates, concluiu : "Em materia penal, quer se trate de crime passional ou outro, é preciso sempre, pa­ra tornar a justiça exacta e precisa, a analyse do crime, do criminoso e do inteires se social. E' nes­sas condições que, graças aos magistrados, aos pro­fessores, aos medicos, podemos applicar uma pena que sanccione, como merece, cada caso passional submettido á jurisdicção repressiva".

O DELICTO PASSIONAL NA CIVILIZAÇÃO CONTEMPORÂNEA

O delicto passional na civilização contemporânea

O assumpto, que escolhi para a prelecção de hoje, foi determinado pela gritante coincidência de alguns processos nos Tribunaes do Jury italianos, nos últimos mezes do anno passado e, também, pela ma­teria especial do curso este anno — a psj^chologia e a anthropologia criminaes.

Discorrendo sobre o delicto passional na civiliza­ção contemporânea, pretendo limitar-me, rigorosamente, como sempre, ao sereno ambiente da discussão sclenti-fica, pois não possuo elementos suffi cientes, nem di­reito intell actual para discutir aquelles processos parti­culares que mais inflammaram a opinião publica. Uma vez que, nos Tribunaes de Milão, de Salerno e de Campobasso, foi pronunciada a ultima palavra, appli-cando, desse ou daquelle modo, a lei, não temos di­reito nem meios de reabrir o debate — ainda que psy-chologico — sobre os protagonistas dos dramas huma­nos que tiveram mais ou menos igual destino.

Recebi, ante-hontem, uma carta do esculptor Ci-fariello. Sabendo que trataria, hoje, do delicto passio­nal na civilização contemporânea, suppoz elle que eu

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quizesse, «ex-professo», occupar-me da sua causa, opi­nando sobre o resultado do seu processo. -Embora não conheça meus trabalhos scientificos, declara-se meu sincero admirador e plenamente convencido de que «sa­berei hoje reconstituir e escancarar, deante da opinião publica, a verdade dos factos e da consciência hu­mana».

Assegurei que não é do meu intento entrar na discussão do veredictum dos jurados. Cada um de vós applicará aos processos referidos a exposição calma e theorica que farei dos princípios scientificos sobre o delicto passional.

A obra da sciencia é, evidentemente, diversa da dos debates forenses e da discussão publica na im­prensa quotidiana durante o desenrolar dos dramas jndiciarios. Por isso mesmo, elevo a minha argumenta­ção ás altas espheras do pensamento scientifico, tanto mais quanto a sciencia tem precisamente esta suprema finalidade: arrancar do nosso espirito as impressões eventuaes para subordinar á bússola do pensamento positivo a observação methodica e systematica dos fa­ctos humanos e sociaes. Desse ponto de vista, em face mesmo dos recentes processos de delictos chama­dos passionaes, confirmo a doutrina que, desde os seus primeiros annos, a escola criminal positiva, pela ana­lyse psychologica do homem delinqüente, formulou, a respeito, sob os aspectos anthropologico e juridico.

E' notório, de facto, que Lombroso, desde a pri­meira edição do seu «Uomo Delinqüente», emquanto

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englobava as múltiplas figuras de criminosos communs e ordinários, digamos assim, em- um só typo, teve o cuidado de distinguir, neste mundo doloroso e temível, uma pequena phalange que, então, chamou delinqüen­tes de impeto ou de paixão. E si a sciencia e os fa-ctos, por iniciativa minha e com o assentiment o do fundador da anthropologia criminal, vieram a classifi­car o mundo criminal em outras categorias, o delin­qüente passional permaneceu como uma figura typica, autônoma, de característicos bem precisos e constan­tes, reclamando, assim, uma applicacão especial das conclusões jurídicas e sociaes que a nossa escola ex-trae da realidade.

De qualquer forma, os passionaes também per­tencem á grande legião dos delinqüentes.

O delicto deve, em regra, receber uma fancção juridico-social — salvo casos excepcionaes, dignos de perdão — embora différente a fôrma dessa sancção, segundo a gênese anthropolog.ca e social, em cada classe de criminosos. Somente os actos com a appa-rencia exterior de delicto, mas de substancia conforme o direito, as leis e as normas da vida, podem escapar á punição. Constituindo, materialmente, a suppressão ou a offensa de um direito humano, determina-os e justifica-os de todo causas jurídicas, e, apezar da ap-parencia, entram no grande circulo das acções moraes, sociaes, legitimas.

Alludo, por exemplo, aos actos de violência in­dividual e collectiva praticados em legitima defesa.

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em estado de necessidade ou na execução da lei. São estas as hypotheses pelas quaes, segundo nossa con=-ciencia scientifica, é admissível a irresponsabilidade le­gal e penal.

Em todos os outros casos, exista ou não aliena­ção mental, exista ou não o Ímpeto da paixão, o delicto constitue um acto anti-social e anti-humano, que pôde ser, em diversos gráos, julgado, medido, sanc-cionado, mas que constitue sempre uma desgraça na sociedade civil, desagregando os vínculos da solidarie­dade humana.

Naturalmente, a graduação da responsabilidade vae do máximo ao mínimo. Pôde occorrer uma ra­zão, que a consciência commum acolhe instinctiva-mente, muitas vezes fora de propósito, dispensando piedade a determinados réos. D'ahi a conclusão juri­dica de que a pena então applicavel escape da forma verdadeira e propria de repressão penai para subsistir somente a reparação civil do damno causado ou o exilio do autor, como, por exemplo, nos casos de pai­xão política.

De qualquer forma, porém, é claro, como affir­mação moral e como affirmação juridica, que, fora das causas precisamente justificativas, a violação de um direito deve sempre encontrar sancção na cons­ciência moral da sociedade e na applicação legal das regra? jurídicas.

E' exactamente aqui que se exerce a funcção especifica da escola criminal positiva, porque o pro-

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blema da connexão moral e jurídica entre a paixão e o delicto é, naturalmente, tão antigo quanto a hu­manidade.

A propria escola clássica criminal produziu o thesouro de sabedoria de seus grandes autores na ten­tativa da solução deste problema. Penso, porém, que, não pela menor capacidade intellectual de seus pensa­dores, mas pela deficiência do methodo empregado, não o tenha conseguido completa e positivamente. Na applicação pratica da lei, mais ou menos inspirada naquella doutrina scientifica, surgem aberrações, em­bora se trate do mais clamoroso processo, quando a atmosphera se inflamma pela victima ou pelo delin­qüente, na discussão ou na preoccupação sentimental e intellectual do publico. A escola clássica fixou a sua attenção — como habitualmente se faz do sen­so commum na observação vulgar — no gráo de ve-hemencia da paixão em si e não no critério dis­tinctive Chegou-se, mais ou menos directamente, á conclusão de que, quando o Ímpeto da paixão fôr, na realidade, tão forte, tão véhémente, que constitua a situação de uma antiga forma legislativa, de que tanto se abusou — força irresistivel — não pôde sub­sistir responsabilidade ou imputabilidade penal

Carrara, grande reorganizador da escola clássica italiana, continuou o desenvolvimento theorico desse critério, ajuntando-lhe um outro, que, apparentemente, deslocou o angulo visual da doutrina scientifica.

Carrara distinguia, como é notório, as paixões

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raciocinantes das paixões cegas e admittia que aqut-1-las, ao contrario dossas, não isentavam nem attenua-vam a responsabilidade.

Seriam paixões raciocinantes as que permittem, no sobresalto da alma, aquillo que, commumente, se chama o uso da razão, a livre intelligencia, como, exemplifica: a cupidez, o ódio, a vingança. Seriam, ao contrario, cegas aquellas paixões que, segundo a expressão e a experiência communs, supprimem o uso da razão, como, exemplifica: o amor, o ciúme, o te­mor, o medo. Mas, evidentemente, a theoria de Car­rara não resolve o problema, porque, quando se ob­serva a realidade, deparamos paixões cegas entre as que Carrara denomina raciocinantes e vice-versa.

A paixão, por si só, não leva um homem ao de­licto. Certamente, em grande parte dos delictos pas-sionaes, ella entra como impulso, manifesto ou intimo\ e profundo, de toda a estructura orgânica ou psy-chica; mas, não basta para fazer de um homem um delinqüente, assim como a loucura. Do contrario, to­dos os alienados mentaes seriam criminosos.

A observação scientifica documenta que, na gê­nese do crime, além da alienação mental, actuam, naturalmente, circumstancias de ambiente exterior, fa­miliar, social, communs a todos os delictos, occor-rendo, também, predisposições pessoaes e anthropolo-gicas no campo orgânico e no campo psychico, pelas quaes se explica como a alienação mental chegue a ser o ultimo impulso que completa a gênese natural

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do delicto e fal-o passar do terreno da idea á violên­cia do excesso muscular.

Pois bem, o mesmo se dá com a paixão. Si todos os enamorados tivessem de vir a ser delinqüen­tes, o mundo estaria povoado délies. Não basta, pois, a paixão do amor para produzir o delicto. O amor é, por certo, digno da apothéose que teve atravez dos séculos. E' a suprema e eterna lei da conservação da espécie, dos instinctos que se attrahem para repro­duzir as gerações. E' o grande inspirador de todas as manifestações da vida. Não fosse a febre, a scen-telha que, ha millenios, produz lampejos na alma hu­mana, a Arte teria fallido no campo do pensamento e do sentimento. Mas, si o amor faz jús á mais com­pleta, á mais absoluta e á mais enthusiastica apo­théose, quando leva á creação e á conservação da espécie, tal apothéose não lhe compete quando, a ber­rando, conduz á destruição da vida.

A escola criminal positiva, por iniciativa minha, desprezou o exame do gráo da paixão para, sobretudo, apurar a sua qualidade. Encontrei no cárcere assas­sinos que commetteram carnificinas hediondas, impei-lidos pela cupidez, pelo ódio, pela vingança e que agiram, verdadeiramente, sob «impulso irresistível». Não nos importa a vehemencia da paixão, mas a sua qua­lidade em relação ás leis e ás necessidades permanen­tes da vida social e da vida humana.

Quando me coube a felicidade de trazer á velha sciencia a distincção entre paixões sociaes e anti-so-

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ciaes só para as primeiras admitti a attenuação da responsabilidade. Chamo paixões anti-sociaes as que tendem a desagregar as condições normaes da vida humana, individual e collectiva, segundo as exigências da solidariedade e sociaes as que, normalmente, favo­recem e cimentam a vida fraterna e solidaria e que, por aberração momentânea, acompanhada ou não de um verdadeiro desequilíbrio pathologico, conduzem aos excessos do delicto. Eis porque a vingança, o ódio, a cupidez não podem dirimir ou diminuir a responsabi­lidade penal. Não porque sejam paixões raciocinantes. Ha indivíduos e mesmo collectividades que são vinga­tivos por sobrevivência do barbarismo primitivo, — chegando a perder o uso da razão, deante do senti­mento da vingança pessoal, de sangue ou de familia. Entretanto, para a consciência social, a vingança, o ódio, a cupidez são paixões prejudiciaes á harmonia geral, assim como o amor, a honra e a paixão polí­tica contribuem, em regra, para o desenvolvimento e a consolidação da vida social e do progresso hu­mano.

O delicto passional na civilização contemporânea deve ser julgado, de accordo com os seguintes crité­rios fundamentaes :

I — A QUALIDADE DOS MOTIVOS; II — A PERSONALIDADE DO AUTOR.

Estes critérios são inseparáveis e se completam. Do modo de agir da personalidade, dos seus antece-

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dentes, das condições do meio em que nasceu, cres­ceu e agiu, se conclue a classificação moral e legal do acto criminoso.

Ha delictos que são expressão e effeito de egoisno anti-social; outros, porém, revelam egoísmo, por assim dizer, social, porque não collide com as normas da vida, tanto quanto o egoismo anti-social, comprehen-dido na vingança, no ódio e na cupidez.

Por outro lado, ha delictos que resultam de uma aberração de altruísmo.

O amor não é a única paixão que qualifica o delicto passional, tanto na linguagem jurídica, como na linguagem commum, mas as paixões mais ligadas á etiologia do crime são : o amor, a honra, a fé reli­giosa ou política. Essas, normalmente, exercem uma funcção util na sociedade e só aberram em determi­nadas condições mesologicas ou anthropologicas (1).

Convém assignalar que a palavra — amor — não basta para caracterizar a gênese physio-psychica de um delicto ou mesmo de uma acção generosa.

Existe no amor uma parte mais vil, isto é, o que se chama amor sensual, ou amor sexual — base phy-sica da qual se eleva toda a eflorescencia de senti-

(1) Substancialmente é também este o critério seguido por Tamowpky, Les Jemmes homicides. Elle classifica como causas passionaes : a obtusidade do senso moral, desvio do senso gene-ico, a occasião e a3 desordena neuro-p3ychicas.

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mentos, de emoções, de ideaes, que representam os as­pectos nobres.

Destaquemos, no emtanto, desse phenomeno o amor materno, que, embora encerrando, evidentemente, uma serie de emoções, pôde transformar-se em uma serie de paixões, substancialmente diversas daquellas que trabalham no terreno vibrante e palpitante do amor sexual.

No amor sexual é impossível, porém, conceber o delicto como aberração do altruísmo. Um litterato disse, com toda a razão, que o amor é um egoismo a dois. Não se pôde excluir essa característica.

Todos os delictos determinados pelo amor sexual pertencem á segunda categoria, já assignplada, isto é, ao egoismo social.

O amor materno se desvirtua, ás vezes, realmente. Pôde uma mãe, para salvar o filho, não na imminencia de perigo material, porque, então, agiria licitamente, mas no desvio do seu sentimento e do seu pensamento, commetter um delicto, que seria sempre uma aberra­ção de altruísmo, comquanto reclame, em regra, uma forma de sancção moral e legal.

Assim se deve dizer, por exemplo, de alguns de­lictos politicos, quando do campo da idéa que jamais constitue crime, por mais herética e heterodoxa que seja, se passa para o facto. Não devemos esquecer dos sup-postos delinqüentes politicos, que, sob a bandeira do ideal, escondem o egoismo. Mas, estes são, anthropo-gica e psychologicamente, meros delinqüentes communs.

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Mesmo que seja uma illusão, a antecipação de um erro ou de uma verdade, o psychologo, o mora­lista, como o jurista e o legislador, não podem, nem devem esquecer nunca que, quando a acção humana vae de encontro á ordem material constituída com a convicção de favorecer á collectividade e á humani­dade, os seus autores não se confundem na bolsa dan-tesca dos criminosos communs e vulgares, que não nos merecem respeito ou piedade.

Alludindo a esta categoria de delinqüentes pas-sionaes, não posso desviar o pensamento da Russia actual, onde o império de leis excepcionaes, applica-das por tribunaes militares com abolição das garan­tias constitucionaes, causa carnificinas horríveis, inau­ditas. Executam-se milhares de homens que, muitas vezes, não violaram o direito, e, que o fizessem, foram victimas de uma aberração do sentimento altruistico. São nobres creaturas, muitas vezes, que se immolaram em holocausto ao melhoramento progressivo da so­ciedade.

Ha mais de meio século, um grande homem de Estado inglez lançava, perante o mundo civil, o seu anathema a um governo, que ensangüentava nobilis-sima parte da nossa Italia, chamando-o: «negação de Deus». Hoje, ao contrario, o mundo civil assiste, com a cumplicidade do silencio, ao espectaculo doloroso das execuções capitães díaria3, de 3 ou 4 homens, nos quaes a sciencia, muitas vezes, vê antes um martyr do que um delinqüente.

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Isso recorda aquella forma do pretenso delicto passional, que é ainda desgraçadamente freqüente, con­tra a mulher supposta ou realmente adultera.

Sabemos que as antigas legislações penaes enca­ram o adultério, de ponto de vista opposto ao da ci­vilização contemporânea.

O Código Manú (livro 8.°; qualificava o adultério como o delicto máximo, porque contribuía para a des­truição da «ordem fixa das castas sociaes», que consti­tuem a base rigida de toda a constituição social indiana.

Nas leis romanas, o direito de matar a mulher adultera era reconhecido mais para o pae, que para o marido, pois a morte daquella representava a defesa da honra familiar, eixo da constituição social. No nosso Código existe um dispositivo especial, no artigo 377, que diminue extraordinariamente a pena commi-nada ao cônjuge de um ou de outro sexo, ao pae e aos irmãos que commettam o crime ao surprehender o flagrante adultério. Esse artigo se refere á duplice categoria de delictos passionaes que a psychologia cri­minal descreveu mais precisamente: — é preciso, po­rém, distinguir o delicto passional, como que a explo­são de um raptus imprevisto e quasi inconsciente, do delicto que é, ao contrario, a manifestação final de uma verdadeira e propria paixão. Sabemos que, no mundo psychico humano, existem dois grandes veios de phenomenos psychicos: phenomenos da vida de re­lação entre o indivíduo e o ambiente, chamados intel-lectuaes, e phenomenos da vida orgânica ou vegeta-

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tiva, que se denominam sentimentaes. Na primeira categoria, passamos da sensação á percepção, á idéa, emquanto que, na segunda, evoluímos do sentimento á emoção, á paixão. A emoção é o contragolpe phy-sio-ps3'chico momentâneo de um sentimento provocado j;or uma sensação, emquanto a paixão, como diz T. Ribot, corresponde á idéa fixa no campo intellectual. A emoção é o estado agudo, explosivo; a paixão, o estado chronico, permanente.

Quando apreciamos ura delicto determinado pelo amor ou pela honra offendida, si occorreu durante a explosão momentânea de um raptus mais ou menos consciente, temos o verdadeiro, próprio e preciso typo de delinqüente emotivo. Quando, porém, o delicto é resultante de uma paixão, atravez mesmo de um pro­cesso de premeditação, temos, então, o verdadeiro, próprio e preciso typo do delicto passional.

Esta a distincção entre o delicto emotivo e o passional. Um é determinado pela descarga nervosa de uma tempestade psychologica momentânea, — im­provisada e imprevista; o outro, ao envez, é a con­clusão de toda uma evolução de gráos de resistência e de aberrações. Mas um do outro só se differenciam mediante o nosso critério fundamental: a personali­dade do delinqüente, os seus precedentes, ò seu com­portamento, o seu modo de agir, durante e depois de delicto. Taes são os elementos de diagnostico neces­sários para completar a figura jurídica e moral deste typo humano.

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O verdadeiro e próprio delicto emotivo é aquelle que se diria reafigurar a antiga força irresistível, da qual se abusou nas legislações anteriores ao nosso có­digo penal, si bem que, em alguns casos, representem, de facto, uma real.dade humana.

Taes delinqüentes apresentam, habitualmente, os seguintes caracteres constantes estabelecidos pela an-thropologia criminal: são homens jovens, na idade em que o incêndio e a erupção vulcânica da emoção e da paixão attingem ao paroxysmo; perpetram o de­licto, ás claras, seio pieparação, como dizia um grande psychiatra inglez: como o estouro de uma machina explosiva; são de sensibilidade sempre superior e mais intensa que o normal e de aguda emotividade que, segundo os estudos de Lange e Mosso, parece partir dos centros cardíacos, quasi confirmando a intuição popular: «são pessoas de «coração terno» ou de «co­ração grande».

Taes homens teem precedentes illibados, conducta honesta em todas as attitudes na existência. A junte-se, ainda, a tudo isso, o seu comportamento immediata-mente depois do delicto, um symptoma pathognomo­n i c que falta, quasi sempre, nos famosos uxoricidas por surpresa ou suspeita de adultério, que usurpam, ás vezes, o titulo de passionaes. Quero referir-me ao suicídio consecutivo ao excesso de sangue, ou, pelo menos, a tentativa seria e grave de suicídio.

E' a reacção vulcânica e incoercivel do senso moral, suffocado, momentaneamente, pelo raptus da

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emoção amorosa, pelo desespero lancinante da alma, mas que, uma vez consummada a descarga nervosa no excesso criminoso, retoma todo o controle da ener­gia propria e sente horror ao acto commettido. Si a morte não se segue á tentativa de suicidio, os emoti­vos, mesmo durante o processo, se preoecupam muito mais com a victima do que conisigo mesmo, em-quanto que o contrario succède com os pretensos passionaes.

J á o entrevira o grande psychologo Shakes­peare, no seu typo clássico de delinqüente passional — Othello.

Naquelles que allegam ainda o bárbaro direito de matar a mulher adultera, nunca encontrei a tenta­tiva de suicidio e, muito menos, os suicídios consum-mados.

Pelo contrario, é notório que, alguma-i vezes, o marido enganado — quando verdadeiro emotivo — não podendo dominar o naufrágio de sua felicidade domestica, chega ao suicidio, sem tentar o uxoricidio, pela passagem graduai do homicídio ao homicídio -suicidio e ao suicídio e, podemos acerestentar, á dôr inerte e passiva que Sighele já esclareceu.

Depois da analyse das qualidades juridico-mo-raes e do diagnostico da personalidade do delin­qüente, disporemos de meios e do direito scientifico de dizer que, em certos casos, nos quaes o homem acredita ter o direito de matar a mulher, só porque surprehenda ou creia no adultério, intervém, não a

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vehemencia de uma paixão, como o amor, mas a ma­nifestação de um egoismo possessorio, que representa, na civilização contemporânea, a sobrevivência bar­bara do domínio e da cppressão marital sobre a mu­lher escrava e besta de carga, cujo corpo, na phan-tasia recta ou desequilibrada do esbulho, se deva fazer voltar ao antigo senhor com a violência. Antes a sup-pressão que a perda da posse exclusiva.

Tudo isto está fora de quanto a sc.encia ad-mitte como Ímpeto pasoional excusavel. Poderá ex.s-tir, em alguns casos, a concorrência, mais ou menos grave de desequilíbrio mental, uma forma mais ou menos visivel de verdadeira e propria loucura e, en­tão, passaremos a outro campo de considerações. Mas, emquanto este elemento clinico de ] syehopa-thologia não estiver em causa, tratando-se só da re­lação entre paixão e delicto, deveremos afürmar bem alto que o direito de matar não é uma faculdade que a civilização possa conceder a alguém.

E, para confirmar esta proclamação moral, basta recordar-vos a lição de Dante, que acolheu, no seu Inferno, os adúlteros Francesca e Paolo, mas, Gian-ciotto, o marido-homicida, estava ainda mais abaixo délies, na «bolsa de Caim».

E, si é verdade que a lição de Jesus á adultera foi caneellada no mundo moderno com a palavra ins-t;gadora de um grande litterato com o — «Tuez-lá», de Alexandre Dumas — é, também, verdade que, na arte contemporânea de Simone de Brieux, echoou o

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grito de protesto contra o pretenso direito de matar a mulher infiel.

Pensamos que, nem mesmo a sociedade, excluído o caso de legitima defesa, também garantida ao indi­víduo, tem o direito de matar. Por isto, somos contrá­rios á pena de morte. E' extranho que, emquanto se faz, na Italia, por exemplo, uma tão gloriosa campa­nha para tirar ao Estado o direito de matar no pa-tibulo, remanesça essa sobrevivência do barbarismo para o indivíduo, no direito de matar a mulher que diz amada por si ou por ou trem. Não podemos ad-mittir essa contradição. O adultério pôde ser, e é, uma desventura, mas, si não pôde ter algum remédio ou correctivo na lei penal, deve encontral-o naquella instituição do direito civil que dá ao espirito humano a dignidade da propria existência, mesmo na infelici­dade — o divorcio (1).

Felizmente, assistimos a uma diminuição progres­siva de todos os crmes de sangue no nosso paiz.

Basta dizer que, jquando entrou em execução o nosso Código Penal, o numero medio de homicidas denunciados em um anno, na Italia, era, aproxima­damente, de 4.000 e, de dois annos a esta parte, se­gundo as ultimas estatísticas, esta media decresceu para 2.800.

(1) No mesmo ponto de vista, veja-se uma eloqüente mo-nographia de Alfredo Sandulli : — c In tema di adultério », Nápo­les — 1909.

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E' este — sej t dito entre parenthesis — o ar­gumento decisivo contra os defensores da pena de morte a favor da qual falam, muitas vezes, sob a impressão eega de um delicto feroz. O anno passado, no nobre paiz — a França — a maioria parlamentar cedeu, também, a este impressionismo, offerecendo, ao mundo civil, o espectaculo doloroso de repudio de todos os louros da sua cultura com a reconstituição da gui­lhotina.

A França, que é a guarda avançada do mundo contemporâneo, nos apresentava, ha dias, o quadro selvagem de quatro execuções capitães, provocando uma erupção de lama das camadas mais profundas, porque nada ma;s que a falta de respeito p-na vida humana desenfreia na alma o instineto brutal que ap-proxima do animal afastando do homem.

Pois bem, na Italia, a abolição da pena de morte não impediu a diminuição da criminalidade nas suas formas mais sanguinárias, pelo contrario, essa parece decrescer sempre, pelas proprias tendências da civili­zação moderna em estancar as fontes dessa violência. A criminalidade de sangue é a expressão do egoismo violento e abusivo, do individualismo mediavel, que ainda serpenteia, profundamente, nas vísceras da nossa sociedade. Em nossa civilização industrial, a applica-ção das machinas no trabalho quotidiano irradia em torno todas as normas da disciplina solidaria Cada machina utilizada no grande phalansterio da industria moderna não é senão o órgão de um ser vivo e pai-

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pitante. Assim também, no immonso organismo hu­mano e social, cada indivíduo representa uma pessoa autônoma, egoisticamente capaz de abusos , contra o direito de outrem em utilidade propria, mas representa, também, um annel na grande cadeia de solidariedade dos viventes para o melhoramento dos destinos huma-Bos. O direito de matar é sempre inadmissível mesmo no caso, dito passional, da honra.

Assim como o amor está á mercê do contra­bando, que chamei egoísmo possessorio, também a honra se presta a contrabando, desvirtuando-a no seu sen­tido de dignidade humana e social.

Felizmente, a civilização, mesmo no nosso paiz, chegou a exercer influencia. Assim, o habito dos duel­los se vae tornando sempre mais raro e, no espirito do? nossos legisladores, calou o conceito da efficacia pratica da suggestão feita pela escola criminal posi­tiva quando, ha vinte annos atraz, invocamos os Tri­bunais de honra obrigatórios, como grande remédio preventivo para a aberração do ponto ãe honra, que é o duello — violência sobrevivente dos barbarismos me-dievaes. Para os crimes chamados passionaes, deter­minados pelo amor, fiquemos crrtos de que, no cami­nho da nossa civilização industrial, — que deu ao trabalho pacifico e fecundo a grande missão de en-r :izar na alma a fé nos seus direitos e nos seus de-veres — conquistemos, também, o senso do respeito á \ ida humana. Essa a grande conquista da civili­zação contemporânea, pela qual attiagiremos á gra-

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dual e — auguro-o — rápida eliminação dessa forma barbara de criminalidade que só mesmo um sentimen-talismo cego e interesseiro pede levar á aberração da apothéose.

Com certeza, a marcha da civilização não é tão rápida e recta como aspiram as nossas almas, mas, em todo caso, é necessário mesmo nas gargantas de retorno da enxurrada do progresso c;vil vêr a lei ge­ral da gravidade que leva para o oceano (1).

A civilização atravessa uma phase de transição que palpita e vibra de contradições e leva á apothéose do amor, como á apothéose do direito de matar a mulher adultera, pelo preconceito vindo do passado como triste hereditariedade, mas que o futuro can-cellará como radioso ideal da verdide e da justiça dos homens.

Assim é que assistimos ti flutuação contradicto-ria da nossa civilização quando, por exemplo, para erguer, ainda, o no.̂ so pensamento á dôr infinita do recente cataclysmo, vimos elovar-ee uma chamma ad­mirável e enthusiastica da solidariedade, além das al-

(1) A propósito, a recente guerra mundial produziu, a par de actos de nebre heroismo e sacrifício, uma erupção de instmetos de violência sanguinária, que ainda se sente mesmo depois da volta á paz. Mas esta maior freqüência de homicídios, em todos os pai-aes envolvidos na guerra, não representa senão uma garganta de retorno e já se entrevê a retomada gradual da civilização humana que vive não de violência, mas de humana solidariedade. (Esta nota foi acerescentada na 2." edição).

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dei as, além das regiões, além das barreiras políticas e na-turaes como affirmação de uma alma humana cosmo­polita, internacionalmente fraterna que, agora, como o crepúsculo que pronuncia a alba e a aurora luzente, af-firma-se sempre mais nobre, sempre mais enérgica, sem­pre mais admirável. E, apezar disto, no mesmo momento em que a civilização dá um exemplo tão grande, tão puro, de solidariedade fraterna sentis ser pejar o ve­neno da ameaça e das previsões de guerra que (mesmo fora das inflações interessadas de quem julga sempre util e próprio espantar a gente e fazer crer na guerra imminente) - deveriam ser na civilização européa uma impossibilidade moral e social, poiitica e internacional.

Esta é a razão da civilização em que vivemos, época cinzenta de transição, onde a solidariedade fra­terna se afana no desabafo de tanta desventura e por traz vemos o escarneo da sobrevivência barbarica, na ameaça da guerra fraticida.

Idêntico é o nosso pensamento e o nosso juizo, no que diz respeito ao delicto passional. Ceder ao ímpeto da paixão, sem experimentar o freio inhibito-rio da solidariedade humana, é desventura que impõe á consciência moral do povo, antes mesmo do que á lei, a propria saneção suffocadora.

Foi, tambsm, com a alma amargurada que as­sistimos, em alguns processos, a thc-atralidude e a in-consciencia de uma parte da multidão perder todo o senso e toda a bússola moral no julgamento de fa­ciès sanguín-irios. E', porém, com grande fé e com

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grande conforto que sentimos, na imprensa quotidiana e nas outras expressões da consciência publica, os si-gnaes de discussão e de desapprovação e a affirma-ção da nova consciência, pela qual asseguramos, ainda e sempre, que a vida humana é uma serie e uma ca­deia de direitos e de deveres. Esta a única força be­néfica do progresso civil e da justiça : o direito de matar é violência barbara que devemos proscrever da civilização contemporânea (1).

ENRICO FERRI.

(1) E em verdade esta affirmação vae se diffundindo cada vez mais. Deu disto recente exemplo o advogado Enrico Gonza­les, que, declarando-se sequaz da nova escola criminal positiva, sustentou essa ordem de ideas em uma bella conferência na Uni­versidade Popular de Milão (Janeiro, 1909). — E a educação é verdadeiramente necessária como revelou, justamente, Giacinto Francia (I complici di Cifariello nel Pensiero — Junho, 1908). São os prejuízos populares sobre a falada honra conjugal que ie-vam ao fatal uxoricidio, ao qual depois (como dizia Carrara por mim citado na Sociologia Criminal — 4.a edição, pag. 93) os ju­rados casados accordam uma impunidade, que não é, de certo, des­interessada. Affirmava Carrara que, para vencer nas causas de uxo­ricidio, mais vale excluir do Jury todos os solteiros que a sapieneia do direito,

Prefacio do Professor Roberto Lyra 5 Esta conferência 7 Conclusões do XVI Congresso de Medicina Legal de Paris. 41

Conclusões sobre a communicação de Léon Rabinowicz na Sociedade Geral das Prisões de Paris 49

O delicto passional na civilização contemporânea 53

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