O Debate Da Busca de Uma Identidade Latino-Americana. Os Movimentos de Vanguarda

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    VOLUME I, NMERO I - Fev-Mai 2002

    V O L U M E I N M E R O I Fevereiro - Maio 2002

    A R T I G O I

    O debate da busca de uma identidade latino-americana. Os movimentos de Vanguarda.

    Prof. M. A . Daniel Soares Filho

    Muito ouvimos falar de afirmao da nacionalidade e da busca de dar ao mundo a conhecer nossas caractersticas. Entretanto, esquecemos, algumas vezes, de entender como estamos inseridos em um contexto continental. Tal percepo nos facilita entender nosso processo de independncia cultural e principalmente nos abre as portas para um aprofundamento do que somos e onde estamos no contexto global.

    O objetivo deste trabalho discutir e apresentar alguns movimentos latino-americanos e a partir deste ponto poder compor um quadro do que Amrica latina hoje.

    Para tal, devemos comear por entender como a poesia no modernismo(1) hispano-americano entra em crise e de que maneira isto se refletir nos novos poetas.

    notria a dificuldade de se poder definir o que venha a ser modernismo e o quanto tambm tarefa difcil situar sua cronologia com total segurana. Entretanto, podemos delinear algumas de suas caractersticas a fim de desenvolver a questo das vanguardas.

    Em resumo, nossa proposta verificar de que forma o movimento do final do sculo passado possibilita o surgimento de novas expresses literrias do princpio do sculo XX. Dois grandes crticos literrios esto de acordo com a maneira de classificar o movimento modernista a partir de um texto de Federico de Ons, que revela o carter de crise universal, que estar refletida em vrios mbitos das expresses humanas (sejam elas, a arte, a religio, a poltica e etc.)

    Tanto a professora Jean Franco quanto o professor Luis Sinz de Medrano tomam como referncia a importncia do modernismo para os novos rumos da literatura. Diz Franco (1999) que El movimiento no produjo ningn manifiesto y un apresurado repaso a las antologas del modernismo revela la existncia de estilos ampliamente divergentes, que van desde el "parnasianismo" de ciertas fases de la obra de Rubn Daro, hasta el simbolismo o el romanticismo tardo de Jos Asuncin Silva.(p. 133)

    O professor e crtico Sinz de Medrano (1992) corrobora ao demonstra tambm "la amplitud del movimiento dentro, se entiende, del mundo occidental." (p.18).

    O movimento modernista ganhou dimenses maiores que a rea estritamente artstica. Na verdade, o sentimento de incerteza, a desestruturao da ordem social e a contestao da f religiosa que tomavam conta da vida de fim de sculo fizeram com que o modernismo traduzisse esta crise em termos estticos, onde "la crisis y el reposo, la contradiccin y la resolucin, se plasman en las imgenes." (FRANCO, 1999, p. 134).

    A busca da harmonia no verso, refletida na preocupao com a realidade esttica, com o preciosismo, a musicalidade, em fim, com a forma, trouxe superfcie o questionamento de tantos conflitos. Ao mesmo tempo que se buscou burilar a forma, "la adhesin de los modernistas a la belleza signific [...] una posicin de rebelda". (SAINZ DE MEDRANO, p. 22)

    Todavia, este procedimento atravs da palavra no poderia seguir mais adiante. A insistncia nesta busca do aprimoramento das relaes sociais atravs da literatura, fez com que os modernistas no fossem capazes de perceber, segundo o professor Medrano, que "lo que comenz siendo un desafo poda convertirse en un ritual anquilosado". E vai mais alm o critico espanhol, quando diz que com tal atitude "llegaron a sofocar la significacin real y la autntica imagen del modernismo, al querer prolongarlo cuando su misin estaba cumplida."(p. 22)

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    VOLUME I, NMERO I - Fev-Mai 2002

    Aberta a questo da crise, comea a busca de recuperao das formas. Agora no mais to somente atravs da harmonia dos versos. O conflito gerado faz com que o escritor se questione. At que ponto foi a forma perfeita que reconstruiu as relaes partidas? Quais teriam sido as colaboraes de tantas palavras?

    Atravs da linguagem, sua prpria arma, o homem comea a reconhecer a falibilidade da poesia, e conseqentemente de sua prpria existncia. Ao perceber a fratura interior originada da relao entre o signo lingstico e as coisas, os poetas procuraram acudir sua expresso atravs da metfora e da imagem. Destaca-se nesta busca a utilizao da imagem perceptiva muitas vezes desligada de seu significado primordial. Este ato mostra a tentativa de obter-se uma aproximao - em diversos sentidos - ao conceito intelectual intudo.

    Por estar certo de que a poesia falha ao tentar comunicar a realidade, o escritor perceber o conflito gerado com a linguagem e no com a realidade, que inclusive mostrando-se instvel, torna-se um alvo indecifrvel. A instabilidade e a incerteza da lrica do perodo que se inicia com o sculo XX radicam, em todos os casos, no difcil ofcio (o eco proposital) de ser poeta. A poesia toma para si a responsabilidade por atingir a preciso do signo, da mesma forma como tenta minimizar a falta de correspondncia entre o que se pensa e a forma com a qual se expressa este pensamento.

    Os movimentos de vanguarda iro ter no bojo de suas caractersticas um desacordo com a realidade inclusive esttica, at ento centro das preocupaes modernistas. O objetivo agora se manifesta atravs do rompimento da relao lgica entre a palavra e o objeto. Na verdade, o poeta reconhece na palavra uma existncia prpria, podendo ou no ter referencial no mundo externo criao potica.

    Hugo Friedrich ao descrever o papel de Rimbaud na poesia atual nos d um exemplo claro desta tendncia ruptura com a realidade:

    No se querer, certamente, avaliar poesia alguma, e muito menos a lrica, pela medida em que seus contedos de imagem, referidos realidade exterior, so ainda exatos e completos.[...] Ela [a lrica] se preocupa sempre menos com a relao das partes do discurso entre si e de sua ordem de valor no prprio discurso.(FRIEDRICH, 1978, p. 75)

    O escritor alemo ainda completa sua teoria revelando a maneira pela qual o crtico deve analisar a relao entre a lrica e a realidade:

    Tanto mais necessrio , portanto, para o crtico, tomar a realidade heuristicamente para o confronto; pois s ento se poder avaliar a extenso da destruio da realidade que agora se sucede, [...].(FRIEDRICH, 1978, p. 76)

    Esta desassociao da realidade conduz a duas vertentes mais ntidas. Claro est a ressalva que fazemos ao grande nmero de "ismos" que vemos surgir ao longo do incio de nosso sculo. A primeira - talvez a mais conhecida - cria o seu prprio mundo margem do modelo lgico-naturalista. A escritura ganha uma certa autonomia em sua forma e na funo das imagens. Podendo assim no estabelecer nenhum tipo de relao com o referencial de uma realidade aparente. Ao libertar-se desta obrigao poder gerar um mundo novo, que transcende o significado do que se cr estar vendo: "cada criao potica uma unidade auto-suficiente." (PAZ, 1982) .

    A outra manifestao potica transcendente prpria aparncia dos objetos, no sentido mais amplo da anlise, ou seja, traduz-se na busca da essncia destes objetos. Ao propor uma imerso, oferece-se a oportunidade de descobrir uma realidade at ento desconhecida, mas que existente e precisa ser despertada. A origem desta escritura parte da conscincia metafsica, um enfrentamento do eu e do no-eu. Questiona-se a existncia do mundo (formas e idias), o que acaba por conduzir o poeta ao limiar da noo de vazio. Uma vez mais a voz do escritor mexicano que nos resume esta concepo:

    La forma, al consumarse, se consume, se extingue. Es una transparencia: no queda nada por ver ni por decir. Homenaje de la palabra al silencio, de la presencia a la ausencia, de la forma al vaco (PAZ, 1966, p. 19)2

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    VOLUME I, NMERO I - Fev-Mai 2002

    Vanguarda na Amrica Latina: o Surrealismo antecipado no continente.

    O primeiro ponto a ser discutido a relevncia e influncia do pensamento da modernidade na Amrica Latina. Qual a importncia da modernidade dentro do contexto de incio de sculo neste Continente? Para tal, tomamos como referncia a Nicols Cassullo que em seu livro El debate Modernidad Posmodernidad nos diz:

    En Amrica Latina la discusin sobre la identidad de su biografa moderna adquiere especial relevancia desde este presente cubierto de incerteza, de agobios interiores y exteriores que metamorfosean su cultura . ( p. 61)

    Desta forma, a anlise que ora comeamos ter como vetor a questo do presente e da realidade vivida na Amrica Latina como eixo fundamental da caracterizao do conceito de moderno para nosso povo. Cassullo ainda acrescenta mais a diante:

    Si la conquista y la colonizacin ibrica consolidaron valores y utopismos premodernos de aquella Europa para quien fuimos 'la mayor novedad' de los nuevos tiempos, luego el siglo XIX incorporara, en Amrica Latina, las primaveras y los veranos de la modernidad. (p. 61-2). Ao considerarmos tais aspectos, podemos notar o quanto a efervescncia dos nimos latino-americanos vai aos poucos ganhando espao e, ao entrarmos no sculo XX conscientes de que preciso buscar um meio de identificar-nos como possuidores de uma cultura prpria, revelamos a todos nosso lugar no mundo. Um mundo diverso em tantas formas, em inmeras individualidades, em rostos diferentes, mas havia que buscar algo que nos unisse como um povo que busca identidade. O professor Jorge Schuwartz (1995) define os passos dos movimentos das primeiras dcadas deste sculo: "as nossas vanguardas literrias no sugerem outra forma se no a de um mosaico de paradoxos.(p. 19)"

    Como caracterizar ento os movimentos de Vanguarda na Amrica Latina? O contato com os novos ares da Europa e o intento de buscar o novo, vo trazer a discusso o que a novidade de nossos dias, e em que local encaixamos a "liberdade" da criao sem cair na esparrela do fictcio sem fundamentos. O escritor cubano Alejo Carpentier ( 3) d categoricamente o caminho a seguir, quando diz: "Hay que tomar nuestras cosas, nuestros hombres y proyectarlos en los acontecimientos universales para que el escenario americano deje de ser una cosa extica." Claro e evidente que Carpentier quer refazer aquela viso europia que desenhou a "cor local" americana, segundo referenciais de seu prprio continente. Mas alm disto, a voz do escritor quer revelar as inquietaes dos movimentos vanguardistas.

    O incio do sculo faz a "apologia do esprito novo". Talvez seja esta a maior caracterstica que uniu os diferentes "ismos" que vimos passar por aqui. Ainda segundo Schuwartz as vanguardas estticas representariam a ponta de lana do processo moderno de 'automatizao' da arte, na medida em que so movimentos anlogos diviso crescente do trabalho e especializao tcnica das sociedades industriais avanadas. (p.22). Sem nos desviarmos do conceito da esttica dos movimentos vanguardistas, o professor Schuwartz ainda explica a noo de liberdade dizendo ser.

    O senso da liberdade propicia, de um lado, a disposio de agir ludicamente no momento de criar formas ou de combin-las, e, de outro, amplia o territrio subjetivo, tanto na sua conquista de um grau mias alto de conscincia crtica (pedra de toque da modernidade), quanto na direo, s aparentemente contrria, de abrir a escrita s pulses afetivas que os padres dominantes costumam censurar. (p.23)

    Outra observao que achamos prudente fazer diz respeito ao modo como os escritores latino-americanos resolveram as questes do material que serviria de base para a expresso da sua criao literria. O termo "vanguarda enraizada" muito nos auxilia a entender a dinmica do processo artstico do movimento. Entendemos como sendo "um projeto esttico que acha no seu prprio habitat os materiais, os temas, algumas formas e principalmente, o ethos que enforma o trabalho de inveno." (SCHUWARTZ, 1995, p. 25) A forma com que cada escritor toma para si o compromisso vai apresentar variaes, que no entanto no perderam de vista o material de que dispe sua realidade. O que se h que comentar, que diferentemente do que visto pelos europeus como conceito de real, no o ser pelos latino-

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    VOLUME I, NMERO I - Fev-Mai 2002

    americanos. Nossa realidade est povoada do mais simples cotidiano, dos ambientes humildes do interior ao mais vivaz mundo mtico das crenas que convivem no dia-a-dia dos homens destas terras. Da um grande labirinto das memrias arquetpicas de amor e morte que convivem com a esperana, os sentimentos e os medos, as lutas e as conquistas da gente que perpetua a sua prpria histria. Ser este o poo que alimentar as narrativas de todos os rinces do continente latino- mericano.

    Cabe-nos ir ms alm no conceito de realidade visto pelo prisma das relaes entre os homens. A professora e estudiosa de Vallejo Nadine Ly, da Universidade de Bourdoux, expande o entendimento de real superior quilo que se v to somente, "porque lo real", segundo a escritora, "lejos de ser el catlogo exaustivo e inerte de los seres u objetos que existen, resulta de la conjuncin de haces dinmicos de fuerzas o relaciones entre esos seres y objetos. Se convierte tal conjuncin, y tan potente, en dinmica oposicional, en lucha franca y constante con el deseo."( p. 168)

    Deste mundo completamente prprio que vimos ser a Amrica Latina que surgem tantos Borges, Carpentiers, Nerudas, Garcas Marques, Oswald de Andrades, Drumonnds e tantos outros. Os novos rumos do sculo possibilitaram entrarmos no mundo mtico do homem deste continente. Permitiu-nos ir mais fundo entre o fantstico e a realidade, sem que isto fosse afetado pela falta de reconhecimento. Em sntese, hoje a literatura da Amrica Latina se estabelece frente a qualquer outra produo artstica conquistando seu lugar de destaque na formao dos homens de nosso planeta. Sem sombra de dvidas, estas poucas linhas, que ora acabamos, so uma pequenssima homenagem a estes grandes escritores que deram um "rosto" nossa Amrica. Um rosto multifacetado, verdade, mas extremamente importante para entendermos o mundo em que vivemos e como nos fazemos respeitar por isto. Bibliografia

    CASSULLO, Nicols et al. El debate modernidad posmodernidad. Comp e prlogo de Nicols Casullo. Buenos Aires: Pontosur, 1989.

    FRANCO, Jean. Csar Vallejo. La dialctica de la poesa y el silencio. Buenos Aires: Sudamericana, 1984.

    ______ . Historia de la literatura hispanoamericana. 13 ed. Barcelona: Ariel, 1999.

    FRIEDRICH. Hugo. Estrutura da Lrica Moderna. Trad. textos: Marisa M. Curioni, poesias: Dora F. da Silva. So Paulo: Duas Cidades, 1978.

    LY, Nadine . Csar Vallejo: la escritura y lo real. Edicin preparada por Nadine Ly [et alt]. Madrid: 1988.

    PAZ, Octavio et al. Poesa en movimiento. Mxico: Siglo XX, 1966.

    ______.. Os signos em rotao .In.: O Arco e a Lira. Trad. Olga Savary. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982. p. 309-348.

    SAINZ DE MEDRANO, Luis. Historia de la literatura hispanoamericana (desde el Modernismo). 2 ed. Madrid: Taurus universitaria, 1992.

    SCHUWARTZ, Jorge. Vanguardas latino-americanas. Polmicas, manifestos e textos crticos. So Paulo: Ed da Univ. de S.Paulo. Iluminuras. FAPESP, 1995.