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SEGUE AO INFINITOREDE INTELIGENTE

CEMIG CRIA CABOS QUE TRANSPORTAM LUZ E INTERNET

CONTEMPORÂNEASO QUE É E COMO LIDAR COM A “PÓSVERDADE”?

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O SISTEMA FIEMG INVESTE EM CENTROS DE INOVAÇÃO E TECNOLOGIA PARA QUE A NOSSA INDÚSTRIA SEJA COMPETITIVA.

CENTRO DE INOVAÇÃO E TECNOLOGIA SENAI/FIEMG CAMPUS CETEC:

• R$ 150 milhões em investimentos.

• Um dos maiores investimentos em inovação em Minas Gerais.

• 3 Institutos SENAI de Inovação.

• 5 Institutos SENAI de Tecnologia.

• Gerência de Metrologia.

• Laboratório Aberto SENAI MG.

• O Campus CETEC abriga também o CSEM Brasil, a Sunew, a Biominas e o Centro de Engenharia e Tecnologia da Embraer MG.

INSTITUTO SENAI DE INOVAÇÃO – CENTRO EMPRESARIALDE DESENVOLVIMENTO E INOVAÇÃO DA INDÚSTRIA ELÉTRICA E ELETRÔNICA (ISI – CEDIIEE): • Maior laboratório de eletricidade de alta potência da América Latina,

em construção, localizado em Itajubá.

• R$ 450 milhões em investimentos.

• 9 laboratórios.

• 60 mil m² de área útil.

• Previsão de conclusão em 2018.

APOIANDOA INDÚSTRIAMINEIRA.

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O SISTEMA FIEMG INVESTE EM CENTROS DE INOVAÇÃO E TECNOLOGIA PARA QUE A NOSSA INDÚSTRIA SEJA COMPETITIVA.

CENTRO DE INOVAÇÃO E TECNOLOGIA SENAI/FIEMG CAMPUS CETEC:

• R$ 150 milhões em investimentos.

• Um dos maiores investimentos em inovação em Minas Gerais.

• 3 Institutos SENAI de Inovação.

• 5 Institutos SENAI de Tecnologia.

• Gerência de Metrologia.

• Laboratório Aberto SENAI MG.

• O Campus CETEC abriga também o CSEM Brasil, a Sunew, a Biominas e o Centro de Engenharia e Tecnologia da Embraer MG.

INSTITUTO SENAI DE INOVAÇÃO – CENTRO EMPRESARIALDE DESENVOLVIMENTO E INOVAÇÃO DA INDÚSTRIA ELÉTRICA E ELETRÔNICA (ISI – CEDIIEE): • Maior laboratório de eletricidade de alta potência da América Latina,

em construção, localizado em Itajubá.

• R$ 450 milhões em investimentos.

• 9 laboratórios.

• 60 mil m² de área útil.

• Previsão de conclusão em 2018.

APOIANDOA INDÚSTRIAMINEIRA.

84 anos

MINAS FAZ CIÊNCIADiretora de redação: Vanessa Fagundes Editor-chefe: Maurício Guilherme Silva Jr.Redação: Alessandra Ribeiro, Lorena Tárcia, Luana Cruz, Mariana Alencar, Maurício Guilherme Silva Jr., Roberta Nunes, Tatiana Pires Nepomuceno, Téo Scalioni, Vanessa Fagundes, Verônica Soares e Vivian TeixeiraDireção de arte: Felipe BuenoEditoração: Fatine OliveiraMontagem e impressão: Rona EditoraTiragem: 25.000 exemplaresCapa: Felipe Bueno

Redação - Av. José Cândido da Silveira, 1500, Bairro Horto - CEP 31.035-536Belo Horizonte - MG - BrasilTelefone: +55 (31) 3280-2105Fax: +55 (31) 3227-3864E-mail: [email protected]

Site: www.minasfazciencia.com.brInfantil: www.minasfazciencia.com.br/infantil Facebook: www.facebook.com/minasfazcienciaTwitter: @minasfazcienciaInstagram: @minasfazciencia

GOVERNO DO ESTADODE MINAS GERAISGovernador: Fernando Pimentel

SECRETARIA DE ESTADO DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E ENSINO SUPERIORSecretário: Miguel Corrêa Jr.

Fundação de Amparo à Pesquisado Estado de Minas Gerais

Presidente: Evaldo Ferreira VilelaDiretor de Ciência, Tecnologia e Inovação: Paulo Sérgio Lacerda BeirãoDiretor de Planejamento, Gestão e Finanças: Alexsander da Silva Rocha

Conselho CuradorPresidente: Virmondes Rodrigues Júnior Membros: Clélio Campolina Diniz, Esther Margarida Bastos, Eva Burger, Luiz Roberto Guimarães Guilherme, Marcone Jamilson Freitas Souza, Michele Abreu Arroyo, Nilda de Fátima Ferreira Soares, Ricardo Vinhas Corrêa da Silva, Roberto do Nascimento Rodrigues, Valentino Rizziioli

Para receber gratuitamente a revista MINAS FAZ CIÊNCIA, envie seus dados (nome, profissão, instituição/empresa, endereço completo, telefone, e e-mail) para o e-mail: [email protected] ou para o endereço: FAPEMIG / Revista MINAS FAZ CIÊNCIA - Av. José Cândido da Silveira, 1500, Bairro Horto - Belo Horizonte/MG - Brasil - CEP 31.035-536

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Difícil, chata, complicada. Esses são apenas alguns dos adjetivos normalmente associados à Matemática. Nos primeiros anos de escola, números e equações costumam assombrar os estudantes. Em situações do cotidiano, como na mesa de um bar, sempre tem aquele amigo que sente até calafrios quando é solicitado a fazer contas (“Deixa para Fulano, que fez Engenharia!”). Outros sentem vontade de chorar quando percebem que a matéria será cobrada em um concurso público.

Até mesmo na divulgação científica, a Matemática é vista com receio. Em pesqui-sa de audiência realizada com os leitores da Minas Faz Ciência no ano de 2014, essa “resistência” ficou clara. Quando perguntamos sobre os temas de interesse na área de Ciência e Tecnologia, Matemática aparece em último lugar entre 11 opções dadas – ape-nas 9% mencionam interesse em ler reportagens sobre a área. Para a equipe da revista, isso funcionou como um desafio. E o resultado é a reportagem especial desta edição, na qual as jornalistas Mariana Alencar e Roberta Nunes exploram as belezas e os desafios da Matemática.

A reportagem aborda as novas formas de ensino da disciplina nas escolas, a Ma-temática como campo de pesquisa no Brasil, o sucesso das Olímpiadas criadas há mais de uma década e, até mesmo, a presença feminina entre os grandes nomes da área – algo muitas vezes ignorado. Convido a todos à leitura e à descoberta de que, como diz o tema da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia (SNCT) desde ano, “a Matemática está em tudo”.

Outro destaque é projeto de pesquisa desenvolvido pela Companhia Energética de Minas Gerais, a Cemig, com o apoio da FAPEMIG. O trabalho buscou viabilizar a trans-missão simultânea de energia elétrica e comunicação de dados em banda larga – ou seja, levar luz e internet à casa das pessoas usando o mesmo cabeamento. Altamente inovador, o projeto traria, entre os benefícios, a possibilidade de aproveitar a rede já instalada e a redução de custo a longo prazo. Atualmente, a tecnologia está sendo testada, em escala maior, em espaço experimental na cidade de Sete Lagoas.

Conheça, também, trabalho desenvolvido na Universidade Federal de Minas Gerais que busca traçar a relação entre dependência do álcool e predisposição genética. Os testes realizados indicam a influência direta de um grupo de genes, o que pode abrir ca-minho para novos tratamentos terapêuticos e farmacológicos. Em outro estudo, relatado pelo jornalista Téo Scalioni, pesquisadores da Universidade Federal de Itajubá adaptaram um veículo aéreo não tripulado para investigar o potencial de energia eólica em regiões próximas a represas mineiras. O projeto foi apresentado ao público durante a mostra Inova Minas FAPEMIG 2016, e, pelo potencial inovador, escolhido para receber mentoria de especialistas e ser apresentado a possíveis investidores durante a Feira Internacional de Negócios, Inovação e Tecnologia – Finit.

Por fim, chamo a atenção para as mudanças no design da revista. Algumas estão evidentes, como a alteração na ordem de algumas seções; outras, os leitores não per-ceberão de imediato. De forma geral, Minas Faz Ciência ficou mais bonita, com páginas mais leves e ilustrações que dialogam com o texto. Mérito de nossa equipe de design! A turma do conteúdo não ficou atrás e também propôs novidades. Uma delas é a seção “Contemporâneas”, que discutirá, com a ajuda de especialistas, temas que recentemente monopolizaram os debates na grande imprensa e as conversas nas redes sociais. Para a estreia da seção, optamos por falar sobre a pós-verdade, verbete que foi considerado a palavra do ano de 2016 pelo Dicionário Oxford.

Boa leitura!

Vanessa FagundesDiretora de Redação

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4 MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/ABR/MAI 2017

ÍNDICE

ENgENhARIA E COmPuTAçãO Em trabalho multiprofissional, pesquisadores desenvolvem equipamento para exercícios fonoaudiológicos com a língua

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hIPERLINkBoas novas do projeto Minas faz Ciência na web e dica especial sobre um espacinho – também na rede – para responder às dúvidas das crianças

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CONTEmPORâNEAsO que há sob o véu da “pós-verdade”, eleita, em 2016, pelo dicionário Oxford, como palavra do ano?

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DIvuLgAçãO CIENTífICA Projeto leva discussões sobre ciência aos aglomerados da Serra e Cabana do Pai Tomás, em Belo Horizonte

10

ENTREvIsTAEspecialista em interatividade e inovação, Ronaldo Gazel comenta uso da gamificação em diversos ramos de atividade

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30 BIOLOgIAInédita técnica anticalvície age, até mesmo, em casos de tratamento quimioterápico

INOvAçãOEmpresa Méliuz investe em tecnologia de cashback, por meio da qual clientes compram produtos e recebem dinheiro de volta

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24

ECONOmIADeterminantes para formação de redes de copatenteamento no Brasil são investigadas em dissertação de mestrado

EsPECIALReportagem investiga universo da Matemática, das teorias e práticas de ensino aos desafios dos profissionais da área

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20 ENERgIACemig desenvolve cabos sinérgicos capazes de transportar, ao mesmo tempo, luz e internet banda larga

41 ENgENhARIAPor meio de veículos aéreos não tripulados (vants), especialistas da Unifei identificam potencial eólico em sistemas aquáticos mineiros

38 PsICOLOgIAPesquisa investiga elementos responsáveis pela construção e pelo fortalecimento de casamentos duradouros

35 mEDICINATese de doutorado da UFMG avalia prejuízos cognitivos provocados pela doença falciforme

13 sAúDEPesquisadores buscam avaliar relação entre composição genética e consumo abusivo de álcool

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MINAS FAZ CIÊNCIA tem por finalidade divulgar a produção científica e tecnológica do Estado para a sociedade. A reprodução de seu conteúdo é

permitida, desde que citada a fonte.

CIÊNCIA ABERTA

“Em todos momentos: no cafezinho da padaria, ao abastecer meu carro, nos espaços em que estou, ao planejar (tempo) para as tarefas do dia a dia”.Thayse MenezesVia Twitter

“Em todas as receitas de bolos: tem-po de forno, elaboração de custo de produ-to, cálculo do troco e de faturamento. Sem a Matemática, impossível”.Bolo Doce BoloVia Instragram

SilMontheiroVia Instragram

“Quando estou no ônibus, em pé, e fico imaginando os vetores de peso se de-compondo a cada curva ”.BrenoCBVia Instragram

“Quando penso em Matemática, a primeira coisa que me vem à mente é o tempo da escola. Naquela época, eu não era muito boa na disciplina. Hoje, ela sempre aparece nas pequenas coisas: afinal, quando nos programamos para fazer algo, isso exige pensamento mate-mático. No mais, trabalho com produção,

área na qual há planilhas, prestação de coisas etc.”.Bruna Sobreira, produtora culturalEntrevista ao programa Ondas da Ciência

“Lido com a Matemática de maneira muito frequente, pois gosto de fazer con-trole financeiro. Além disso, estou sem-pre anotando algo – e, quando possível –, somando, diminuindo, multiplicando. Cálculos matemáticos também são im-portantes em minha profissão, pois, para realizar modelagem e costura, é preciso usar medidas do corpo. Portanto, mesmo que para funções simples e básicas, uso, corriqueiramente, a Matemática”.Elisa Pazzini, designer de produtos e modelista Entrevista ao programa Ondas da Ciência

“Minha relação com a Matemática é muito sincera, pois, por meio dela, as coisas ficam muito claras – e podem ser explicadas. Por ser da área de Exatas, pre-firo as coisas calculadas e corretas. E falo isso por uma razão direta: a Matemática é capaz de nos garantir respostas. No mais, para onde olhamos, a Matemática se reve-la: numa quina de parede, lá está ela, no mais simples dos ângulos. Já no super-mercado, será preciso fazer contas. Enfim, no cotidiano, para onde quer que se olhe, a Matemática estará envolvida”.Frederico Vieira, engenheiro de computaçãoEntrevista ao programa Ondas da Ciência

a matemática

De

que

mod

o aparece em seu

dia a dia?

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6 MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/ABR/MAI 2017

ENTREVISTA

Quem acredita que games são equipa-mentos restritos ao universo de crianças e adolescentes deveria rever os próprios – e ultrapassados – conceitos. Hoje, a gamifica-ção – ou gamefication, no termo em inglês – é uma realidade, usada por organizações e indivíduos com vários e diferentes objetivos.

Sim, o crescimento do uso de jogos em resoluções de problemas tem sido ex-ponencial! Que o diga a enorme quantidade de trabalhos realizada, Brasil afora, pelo professor e palestrante Ronaldo Gazel, especialista em inovação e interatividade e proprietário da Gaz Games. Referência em novas tecnologias, ele é bastante con-vidado a falar sobre o desenvolvimento de experiências disruptivas, focadas em advergaming, ludificação e tecnologias emergentes – como realidade mista (Mixed Reality) e “internet das coisas”.

Nesta conversa com MINAS FAZ CIÊNCIA, Gazel reforça a ideia de que os games são fundamentais à ressignificação de modelos já ultrapassados de gestão em empresas. Além disso, destaca que a ga-

mificação, embora já existisse há bastante tempo, ganhou força nos últimos anos, e pode ser usada, até mesmo, para educação de crianças.

Hoje, fala-se muito em gamificação. Que conceito define tal prática, usada tanto no mundo corporativo quanto no dia a dia das pessoas?

Gamification, ou gamificação, é, ba-sicamente, um rótulo. Hoje, o mundo está cheio de rótulos, criados e eliminados em enorme velocidade. Por isso, não se pode ficar muito preso à semântica do termo. Diria que se trata de palavra que surgiu na-turalmente, porque, antes de se popularizar, já era usada. Cito como exemplo o univer-so educacional, que, explicitamente, tem elementos da gamificação, pois tudo se baseia em pontuação. Normalmente, você tem 100 pontos no ano, e, como se fosse um game, há a meta de alcançar algo acima de 60 pontos. Muitos podem considerá-lo um game meio chato, mas existem, nele, elementos da gamificação. Pode-se abor-

dar vários outros aspectos, como o score de um correntista de banco e os sistemas de pontuação com milhagens ou de recom-pensas em geral, usados por uma série de empresas. Tudo isso se relaciona aos jogos. Trata-se, basicamente, de um pro-cesso catártico, no qual você propõe uma experiência à pessoa, que não necessaria-mente será 100% prazerosa. Pode haver, até mesmo, dor – no sentido de a pessoa se sentir desafiada, por ter que se esforçar, ou mesmo sofrer um pouco, para conquis-tar seus objetivos. Contudo, que, ao final, ela seja recompensada. No Dotz [programa de fidelização], por exemplo, você ganha pontos para, um dia, trocar por algo. No entanto, minha impressão é de que esses modelos mais antigos não são suficientes para as atuais demandas por gamificação.

O que mudou? Existe o que se pode chamar de “gamificação moderna”?

Vários recursos modernos possibi-litam atrair mais a atenção das pessoas. Como no advergame, em que há uso das

Téo Scalioni

Jogos para a vidaEspecialista em gamificação, Ronaldo Gazel comenta uso de tecnologias lúdicas para aprimoramento de atividades em áreas como gestão e educação

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mecânicas dos jogos para trabalhar um produto específico, numa campanha de marketing. Isso já existia antes do termo gamificação. Nos anos 1990, também na área da educação, as pessoas passaram a ter acesso a CD- ROMs multimídia, com jogos para aprender espanhol ou inglês, com storytelling e personagens que aju-dam nos objetivos educacionais. Ou seja, não estou trazendo a gamificação, em primeira mão, a vocês, pois ela já existia. As pessoas, porém, nunca haviam lidado com isso. O que quero dizer é que todos esses movimentos foram consolidados, e, em 2010, uma designer americana, chama-da Jane MCGonigal, fez um TED [famoso modelo de apresentação de palestras], em que analisou o tempo que as pessoas levavam para jogar World of Graphs e o comparou ao tempo de construção de toda a Wikipédia. Parece que, em três ou qua-tro semanas, devido ao engajamento das pessoas, era possível construí-la. Acredi-to que, assim, ela pôde jogar na cara das pessoas o quanto sabemos sobre como os jogos engajam, mas, quando vemos os números, nos assustamos. Ela nos propôs a convocação das pessoas, em um movi-mento – que serve de ressignificação dos jogos – para outros ramos, em quaisquer áreas de atividade humana. Em outros ter-mos, ela propõe o uso dos recursos dos jogos para o bem, pois, se você olhar di-reito, a gamefication é um prato cheio para o mal. Afinal, também pode ser usada para manipular alguém.

Como assim? Poderia citar exemplos?Há várias maneiras, pois o poder de

engajamento da gamificação é muito gran-de. É possível, por exemplo, estimular as pessoas a consumir cada vez mais produ-tos. Ou influenciar a própria natureza do universo onde o game está sendo jogado, de maneira a mudar cidades e/ou empre-sas. E o que dizer da manipulação de crian-ças? Como exemplo de algo fictício, pense numa promoção segundo a qual, para ver um novo episódio de algo, ou passar às novas fases de um jogo de RPG, você pre-cisará comprar novas caixas de sucrilhos. Cria-se, assim, uma gamificação, mas os

mecanismos não são muito legais. A Chi-na, por exemplo, estava com um plano de gamificação institucionalizada pelo gover-no. Isso culminará, na certa, em problema, pois a gamificação deve estimular a au-toinserção. Ela não pode ser obrigatória. A pessoa tem que entrar por vontade própria. Se um governo, ou uma empresa, passa a obrigar ao uso, não há mais um jogo. Pode-se desconfiar, pois coisa boa não é. A Über começou a usar ferramentas de ga-mificação com os seus motoristas, de ma-neira a desafiá-los e a incentivá-los a bater certas metas. No entanto, nada é obrigató-rio. Participa, apenas, quem quiser.

E como outras empresas têm usado

a gamificação?Como se trata de processo novo, as

empresas não querem se arriscar muito, justamente, devido ao caráter emergente da tecnologia. Elas têm procurado usar gamificação para ações pontuais, como um treinamento específico, uma mudança de gestão ou de software. Em vez de um diretor falar das vantagens de um novo sis-tema em PowerPoint, entra a gamificação. As organizações têm buscado humanizar o processo, por compreender que sua sobrevivência depende dessas mudanças. Não há mais suporte para os próprios funcionários contemporâneos que não conseguem manter o padrão e cumprir as tarefas repetidas. Antigamente, havia a perspectiva de prosperidade em ficar na mesma empresa por 15 ou 20 anos. Hoje, não temos perspectivas nem para um ano, e muito menos para cinco. Antes, há 30 ou 40 anos, o paradigma de tecnologia dessas pessoas resumia-se à máquina de escre-ver; depois, ao computador de tela verde. Hoje, tudo mudou. Vemos se descortinar, à nossa frente, a timeline do Facebook, onde amigos postam as últimas novidades da robótica e/ou da tecnologia. Hoje, os seres humanos se revelam bastante ansiosos, e, ao mesmo tempo, entediados, com tendên-cia à depressão. Nesse cenário, entra a ga-mificação, que não mais dissocia a vida do trabalho. Afinal, não há como ligar chaves on e off para momentos de criatividade e prazer. Por isso, as empresas têm encon-

“[Gamificação] é um processo

catártico, no qual você propõe

uma experiência à pessoa,

que não necessariamente será

100% prazerosa. Pode haver,

até mesmo, dor – no sentido

de a pessoa se sentir desafia-

da, por ter que se esforçar, ou

mesmo sofrer um pouco, para

conquistar seus objetivos.

Contudo, que, ao final, ela seja

recompensada”.

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trado, na gamificação, uma forma de vi-venciar o período de trabalho como se algo natural à vida. Os jogos têm, justamente, a capacidade de fazer com que o jogador, em segundos, se situe em todo o processo.

Mas como tudo isso funciona na prática? O funcionário não precisa analisar

relatórios, e-mails e conferir tabelas. Por meio do jogo, ele perceberá a quantidade de crescimento e de vitórias conquistadas. O game permite, ainda, o estímulo à capa-cidade de o indivíduo se motivar para agir imediatamente. Ele entra, olha suas con-quistas e compreende tudo melhor. E liga o jogo, ao entrar no trabalho, como se fosse algo bom. Outro ponto se refere à relação da falta de perspectivas futuras, de “coisas” mais organizacionais à gestão de tarefas e de horas de trabalho. Isso tem dado muito resultado. Algo interessante ocorre em re-lação às perspectivas dentro da empresa, no que diz respeito a cargos e salários. As pessoas sempre escutam algo sobre isso. Mas, em 99% das vezes, nada acontece. Você está dentro de uma empresa e tem, no máximo, três ou quatro níveis – coordena-dor, gerente, diretor –, e as coisas não são muito claras. Você não sabe direito a jorna-da e o trajeto a ser percorrido para chegar a essas vagas. Tudo é obscuro e a gente continua a viver numa boa. Ninguém parou para falar “Gente, puxa o freio de emergên-cia, vamos ressignificar a jornada toda, pensar direito, criar rótulos para perspec-tivas ainda não consolidadas”. A pessoa quer crescer na empresa, quer seguir a determinados caminhos, compreender as ramificações. E como entra a gamificação nesse universo? Imagine o Super Mario Bros, um clássico dos games. Nele, há um mapa, que é ótima maneira de ter feedback de algo, e conhecer fases já vencidas. As empresas têm começado a investir nisso: criam mapas, desenham territórios a serem conquistados e transformam aquilo em fa-ses de jogos, com metas, comportamentos e valores muito específicos, para que tudo faça mais sentido. Em meio àquele caos todo, a gamefication organiza as coisas. Resultado? A pessoa se sente bem em um mundo bem menos confuso.

De que modo as pessoas podem usar a gamificação em sua vida pessoal?

Conforme falei, trata-se de um mo-vimento que se tornou visível há cerca de três anos, mas, agora, parece, também, tangível. Hoje, há programas com os quais é possível organizar jornadas muito es-pecíficas para, por exemplo, emagrecer ou parar de fumar. Você deve aprender a desconstruir muito bem as desmotivações e os desafios, com muita clareza, e não varrer nada para debaixo do tapete. Além disso, deve saber o que é bom e ruim. Quais comportamentos você deseja esti-mular ou eliminar? A partir disso, o game te ajudará. Tudo isso pode estar numa in-terface web, em um sistema de pontuação, ou, para deixar tudo mais interessante, numa experiência transmídia. Você pode criar macrocondicionamentos, ou, mesmo, autobloquear seu Gmail, caso não consiga cumprir determinada meta ou tarefa. As pessoas têm que ter consciência das mo-tivações, do que pretendem e de até onde conseguem chegar. Falo, portanto, de uma leitura da própria zona de conforto.

E no que diz respeito às crianças?Com elas, é tudo mais legal, pois

você pode abstrair muito. Para as crian-ças, até um dinossauro voador faz sentido. Fizemos um projeto de gamefication para emagrecimento. E a experiência se reve-lou muito interessante, pois funciona da seguinte forma: tudo é metaforizado em um ambiente espacial, numa espécie de Star Wars, em que a própria criança tem a responsabilidade de gerar suas atividades, mas sempre acompanhada de um profis-sional de saúde, devidamente cadastrado. Além disso, os pais também têm uma in-terface para acompanhar o processo. No game, há estrelas e cometas. As estrelas são pontos, trocáveis por alimentos, de modo a que você componha a dieta. Já os cometas são atividades físicas, rever-tidas em estrelas. A criança pode comer, até mesmo, um McDonald’s, caso tenha a quantidade de estrelas para tal. Assim, o participante é estimulado a fazer as ativi-dades físicas, a receber cometas e os con-verter em estrelas. Com o celular, faz-se

check-in nos estabelecimentos pré-cadas-trados, como academia e aula de natação.

Como inserir, na gamificação, pesso-as distantes da tecnologia?

Indivíduos com mais de 50 anos, por incrível que pareça, formam a faixa etária mais interessante para aplicar a gamefi-cation, pois, geralmente, têm mais tempo livre para jogar. O perfil de quem não gosta de tecnologia nada tem a ver com idade. Há pessoas com 20 anos que também não têm afinidade, nem prazer, com games. Por isso, antes de lançar um jogo, é preciso compreender o perfil do usuário e sua per-sona. Assim, consegue-se balancear atri-butos, para que o jogo se torne atrativo. Ao invés da tela de um computador, pode-se usar um jogo de tabuleiro, que, no geral, é amado por jovens e velhos. A gamificação, enfim, é uma forma de gerir problemas e soluções, sob a ótica dos jogos, e não há, portanto, necessidade de sempre recorrer às novas tecnologias.

“Hoje, os seres humanos se revelam bastante ansiosos, e, ao mesmo tempo, entediados, com tendência à depressão. Nesse cenário, entra a gami-ficação, que não mais disso-cia a vida do trabalho. Afinal, não há como ligar chaves on e off para momentos de cria-tividade e prazer. Por isso, as empresas têm encontrado, na gamificação, uma forma de vi-venciar o período de trabalho como se algo natural à vida. Os jogos têm, justamente, a capacidade de fazer com que o jogador, em segundos, se situe em todo o processo”.

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10 MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/ABR/MAI 2017

ECoNomIa

Dissertação investigou determinantes regionais e estruturais das ligações nacionais e internacionais que formam redes de copatenteamento no Brasil

Vivian Teixeira

Inovação compartilhada

Uma nova tecnologia, um produto ou um processo ino-vador: qualquer desses itens pode ser registrado por meio de patente. Tal caminho assegura que o inventor tenha direito de ex-clusividade no comércio e na industrialização de seu invento por meio de uma Patente de Invenção (PI). Também há a possibilida-de de requerer o registro em caso de melhorias ou de fabricação de objetos de uso prático, como utensílios e ferramentas, sob a alcunha de patente de Modelo de Utilidade (MU).

Há alguns anos, havia, em torno das invenções, certa aura misteriosa, vivida, de forma solitária e isolada, por cientistas e instituições. O trabalho demandava longos anos de pesquisa, infraestrutura adequada e disponibilidade para realizar expe-rimentos e testes. Hoje, a preocupação com a proteção do co-nhecimento é grande, mas existe outra ótica: trabalhar de forma colaborativa.

A formação de redes de copatenteamento é uma das alter-nativas. Enquanto uma instituição se mobiliza em várias fren-tes, uma rede potencializa o esforço e reduz o tempo do pro-cesso. A estudante Raquel Reis ousou explorar o tema em sua dissertação de mestrado, intitulada “Redes de copatenteamento no Brasil: determinantes regionais e estruturais das ligações nacionais e internacionais”, defendida junto ao Programa de Pós-Graduação em Economia (PPGE) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).

A pesquisa contempla as ligações entre agentes em geral, e não apenas entre pesquisadores e empresas. O trabalho conside-rou que redes sociais de colaboração podem ser localizadas por meio da identificação de colaboradores (coinventores), durante a produção de patentes. “Com o trabalho, foi possível identificar se a mesma patente teve participação de um inventor originário de São Paulo e outro de Minas Gerais, e, até mesmo, se houve

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participação de inventores internacionais”, explica a pesquisadora.

Segundo Raquel Reis, as Redes são formadas por nós e laços – sendo os “nós”, neste caso, as regiões brasileiras de onde se originam as instituições (empre-sas, universidades e agentes) –, enquanto as ligações se referem à união entre os ato-res, durante o copatenteamento.

Para o pesquisador Eduardo Gonçalves, professor da Faculdade de Economia da UFJF e orientador da dissertação, a pesqui-sa da Raquel destaca a colaboração entre regiões no processo inventivo. “O trabalho mostra que a colaboração tem crescido em função da complexidade tecnológica das novas invenções, dentre diversos ou-tros fatores. Essa complexidade demanda interações entre agentes/instituições, para suprir competências técnicas necessárias às invenções contemporâneas”, afirma.

Por meio do estudo, foi possível ma-pear as regiões que se destacaram (veja tabela ao lado). Quando se observam as 15 cidades com maior número de ligações de região por patentes no Brasil, aparecem quatro cidades mineiras: Itabira, Lavras, Viçosa, Congonhas e Caratinga. Quando consideradas as ligações com agentes brasileiros e estrangeiros, aparecem os municípios de Lavras, Viçosa, Alfenas e Belo Horizonte. Quando o olhar é lançado ao número absoluto de patentes produzido, apenas Belo Horizonte surge entre as 15 primeiras, quando se consideram as liga-ções nacionais, e, também, as brasileiras e estrangeiras.

Regiões econômicasPara identificar as convergências,

o estudo explorou 482 regiões do Brasil e usou metodologia que necessitou, pri-meiramente, de informações organizadas em sua região de origem. Os dados foram recolhidos junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi), à Relação Anual de Informações Sociais (Rais), à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e ao Instituto Brasileiro de Geografia e Esta-tística (IBGE). Assim, pôde-se construir uma base de dados longitudinal para o período 2001-2011.

Ranking das 15 regiões brasileiras com mais ligações por patentes (2001-2011)

A tabela inclui a análise do número de ligações da região por patentes geradas em colaboração.

Regiões de influência das cidades (Regic)

Nº de ligações

internacionais por

patentes locais

Regiões de influência das cidades (Regic)

Nº de ligações

internacionais por

patentes locais

1º Itabira (MG) 545,0 Lavras (MG) 42,0

2º Lavras (MG) 347,0 Macaé (RJ) 8,5

3º Manaus (AM) 177,8 Viçosa (MG) 5,7

4º Viçosa (MG) 172,0 Guaratinguetá (SP) 4,3

5º Aracaju (SE) 169,8 Nova Prata (RS) 4,0

6º Congonhas (MG) 143,0 Alfenas (MG) 4,0

7º Ponta Grossa (PR) 127,0 Rio Verde (GO) 3,7

8º Santa Maria (RS) 126,0 Joinville (SC) 3,5

9º Ilhéus (BA) 124,0 Salvador (BA) 3,2

10º Macaé (RJ) 102,0 Limeira (SP) 2,7

11º Rio Claro (SP) 101,5 Araraquara (SP) 2,2

12º São Luís (MA) 93,5 Belo Horizonte (MG) 2,2

13º Caratinga (MG) 90,0 Campinas (SP) 2,1

14º Campina Grande (PB) 88,0 São Carlos (SP) 2,0

15º Piracicaba (SP) 66,0 Cruzeiro (SP) 2,0

Percentual

15 primeiros 43% 68%

Total de

ligações na

rede5737 135,2

Fonte: Elaboração própria

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12 MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/ABR/MAI 2017

A pesquisadora explica que, poste-riormente, realizou-se análise exploratória dos dados no espaço, técnica desenvolvida pela econometria espacial. O método usa procedimentos que possibilitam investigar a dependência dos dados no espaço, onde eles se inserem, assim como entender a influência de regiões vizinhas para o de-sempenho da região – o que torna possível averiguar de que modo os dados se aglo-meram, isto é, se criam clusters.

Numa última etapa, as estimativas foram realizadas por meio de técnicas de painel de dados, por meio do software Stata, e as medidas da rede pelo software Gephi. Raquel destaca que esses progra-mas de econometria espacial e de redes conseguem incorporar dados geográficos, a exemplo da distância entre os agentes. Além disso, o Stata se revela, no ver da pesquisadora, como software de fácil aces-so e bem usado na área.

Na visão de Eduardo, a etapa de análise do banco de dados apresentou-se como uma das dificuldades do processo. “Foi um desafio conseguir acesso à base de dados e recuperar informações relativas aos inventores, como ter certeza da cidade onde moravam e garantir a uniformização de nomes e CPFs envolvidos, para corre-ta tabulação junto ao programa estatístico Stata”, esclarece.

Raquel explica, ainda, que o enigma dizia respeito à possibilidade de conseguir identificar as ligações durante a produção da patente, pois os dados podem chegar sem certas informações. Neste sentido, fez-se um esforço para não perder dados. “Precisamos complementar, na internet, informações como o número da patente, que se refere à localização dos seus in-ventores. Outra dificuldade foi conseguir montar as redes adequadamente, para contabilizar cada agente e identificar, uma única vez, sua região de origem”, detalha.

PossibilidadesO trabalhou mostrou que a formação

de redes de copatenteamento pode forta-lecer as invenções por meio de competên-cia técnica diversificada reunida na equi-pe, conforme já ocorre em países como Estados Unidos, Alemanha, França, Itália e

Japão. De acordo com Eduardo, para que o Brasil avance, é preciso de políticas públi-cas voltadas à inovação, que contemplem agências públicas como a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), o Banco Nacio-nal de Desenvolvimento (BNDES) e as Fun-dações de Amparo à Pesquisa, dentre ou-tras. “É preciso fortalecer tais agências com programas que não sejam descontinuados. E com orçamentos compatíveis ao desafio de galgar degraus na competição tecnológi-ca, como todos os grandes países desenvol-vidos e emergentes o fazem”, acredita.

Para o pesquisador, há entraves clás-sicos à interação entre os diversos agentes envolvidos. Ele acredita que a Universida-de pode ter agenda de pesquisa diferente da indústria, mas há vários casos de su-cesso que poderiam ser reproduzidos. “A lei da Inovação, recentemente, avançou no sentido de facilitar a interação pesquisa-dor-empresa. Vejamos se trará resultados concretos”, pondera.

Uma das iniciativas que podem con-tribuir para a aceleração desse processo é o incentivo a Redes de Pesquisa em diversos níveis. A Rede Mineira de Propriedade Inte-lectual (RMPI) é apoiada pela FAPEMIG – no âmbito do Programa de Apoio a Redes de Pesquisa Científica, Tecnológica e de Inovação –, voltado, justamente, ao incen-tivo da criação, da manutenção e do forta-lecimento de redes de pesquisa científica, tecnológica e de inovação no Estado.

Para o coordenador geral da RMPI, Rodrigo Gava, a Rede apresenta um dife-rencial: sua principal missão não se re-laciona diretamente ao esforço científico ou ao efetivo avanço no desenvolvimento tecnológico. “Ela também atende às de-mandas das demais redes, uma vez que mantém presença por meio dos Núcleos

Na área industrial, podemos entender como cluster a concentração de ins-tituições diversas (empresas, órgãos de fomentos, universidades), que se comunicam por possuir caracterís-ticas semelhantes e coabitar certo local. Elas colaboram entre si e se tornam mais eficientes.

de Inovação Tecnológica (NITs) das Insti-tuições Científicas e Tecnológicas (ICTs) que fazem parte da RMPI, todas presentes em Minas Gerais, em um total de 26 mem-bros afiliados”, explica.

A RMPI atua em conjunto com os principais atores voltados ao estímulo e ao apoio à inovação no estado, como Ban-co de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG), Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais (Codemig), Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg), FAPEMIG, Instituto de Desenvol-vimento Integrado de Minas Gerais (Indi), Secretaria de Desenvolvimento Econô-mico, Ciência, Tecnologia e Ensino Su-perior (Sedectes) e Sebrae/MG, por meio de ações voltadas ao desenvolvimento do Ecossistema Mineiro de Inovação.

Para seu coordenador, a RMPI busca, por meio da oferta de cursos, treinamentos e parcerias, auxiliar a definição de políticas de proteção intelectual, a implantação dos núcleos de inovação tecnológica, a capaci-tação de recursos humanos, aptos a atuar na gestão da proteção do conhecimento, e a transferência de tecnologia.

Ele lista iniciativas que o trabalho em rede proporcionou na Universidade Federal de Viçosa (UFV). “Temos casos de vacinas que são exemplos de codesenvol-vimento com empresas privadas, em cuja titularidade também consta a FAPEMIG, pelo apoio às fases iniciais das pesquisas. Há, também, a maior rede de pesquisas [de melhoramento genético] para desenvolvi-mento de novas cultivares de cana para o setor sulcroalcooleiro”, cita Rodrigo.

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saúDE

Mariana Alencar

Alcoolismo é questão de gene

Resultados de pesquisa apontam novas possibilidades de tratamento para o vício

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Tomar uma cerveja com os amigos no fim do expediente é prática comum do brasileiro. Entretanto, o hábito esporádico do consumo de bebidas alcoólicas pode fazer com que a prazerosa ação de socia-lização se transforme, com o tempo, em um vício bastante perigoso. Compreender a predisposição dos indivíduos ao alcoo-lismo é essencial para que a população e os profissionais da saúde se articulem em relação ao consumo de álcool. Baseado em tal necessidade, um grupo de pesqui-sadores do Laboratório de Genética Ani-mal e Humana, ligado ao departamento de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em parceria com a Universidade Federal da Bahia (UFBA), tem buscado traçar a re-lação entre a dependência em etanol e a predisposição genética do indivíduo.

Para investigar o que leva uma pes-soa a perder o controle sobre o consumo de álcool, a partir do delineamento dos mecanismos genéticos e moleculares in-trínsecos ao vício, a pesquisa, ainda em fase inicial, já apresenta resultados satis-fatórios. Coordenadora do estudo, a pro-fessora Ana Lúcia Brunialti Godard explica que a primeira etapa da pesquisa, realizada com camundongos, mostrou relação direta entre o material genético da espécie e a de-pendência alcoólica.

Com foco no fenótipo de uso abu-sivo de álcool – termo empregado para designar as características apresentadas por um indivíduo, sejam elas morfológi-cas, fisiológicas e comportamentais –, os pesquisadores conseguiram evidenciar que há uma via biológica, a LRRK2, en-contrada no cérebro dos camundongos, que está envolvida com o processo de de-pendência (ou “adição”, vocábulo usado pelos pesquisadores).

Em linhas gerais, a metodologia do estudo teve, como base, uma abordagem direcionada. Ou seja, foi escolhida uma via biológica específica – sendo que cada uma é composta de determinados genes, com funções distintas –, a qual, a princípio, não

tinha relação com o álcool. “O objetivo era procurar uma rota cuja relação com o al-coolismo ainda não houvesse sido detec-tada, por meio do estudo de uma via sem aparente relação com a adição ao etanol”, afirma a professora do departamento de Biologia Geral do ICB.

Na primeira etapa da pesquisa, rea-lizada em 2016, a equipe coordenada pela pesquisadora expôs 80 camundongos, du-rante 16 semanas, a um modelo de livre es-colha entre três soluções: com água; e com concentrações alcoólicas de 5% e 10%. Posteriormente, o modelo foi dividido em quatro fases: de aquisição, em que animais ficaram expostos às soluções; de abstinên-cia, com a retirada das duas opções alcoó-licas; de reapresentação, quando a bebida foi novamente oferecida aos animais; e de adulteração com quinino, com a oferta de substância de gosto amargo.

A partir da observação comporta-mental, diante da exposição ao modelo,

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classificaram-se os 80 camundongos em três grupos diferentes. O primeiro compu-nha-se de animais que preferiram a água durante as 16 semanas do experimento. O segundo correspondia àqueles cuja preferência pelo etanol diminuiu signifi-cativamente após a adulteração da bebi-da. Por fim, os animais do terceiro grupo demonstraram preferência constante pelo etanol, ainda com adulteração do sabor da solução etílica.

Após a categorização dos camun-dongos, os pesquisadores buscaram identificar o que haveria de diferente no RNA de animais dependentes, ou não, de álcool, a partir do uso de parte do cére-bro responsável pela formação de hábito na espécie. Diante desse mapeamento, observou-se que os genes constituintes da via LRRK2 estavam desregulados entre os diferentes grupos de animais. Desse modo, a “via” tornara-se o importante substrato molecular responsável pela consolidação do consumo compulsivo, e sem controle, de etanol.

A primeira etapa da pesquisa foi fina-lizada em meados do ano passado. Agora, os pesquisadores têm novos desafios para consolidar a pesquisa, com o objetivo de realizar o tratamento terapêutico e farma-cológico dos dependentes de álcool. Para isso, novas etapas do estudo estão em an-damento. Uma delas é a verificação da via LRRK2 em peixes chamados “zebrafish”, mais conhecido como “paulistinha”.

A metodologia usada para essas espécies assemelha-se àquela empregada no experimento com camundongos. Os resultados encontrados nos peixes foram tão positivos quando no estudo com roe-dores. Ou seja, assim como em camun-dongos, os experimentos com zebrafish também apontaram a presença do LRRK2. “Nessa etapa, trabalhou-se com um con-junto de animais submetidos ao álcool durante 16 semanas. Depois de uma série de testes comportamentais, verificaram--se quais possuíam, ou não, preferência por etanol. Assim, identificou-se que o

LRRK2 é o gene importante no fenótipo da dependência ao álcool, assim como ocorreu com os camundongos”, explica a coordenadora do estudo.

Verificação em humanosO grande desafio dos estudos de

Ana Lúcia e de sua equipe é verificar como se dá a relação entre genética e alcoolismo em seres humanos, para que diagnóstico e prognóstico sejam desen-volvidos de maneira efetiva. Em parceria com a Universidade Federal da Bahia, os pesquisadores caminham em direção a uma resposta concreta.

As etapas iniciais do estudo de-monstraram que o caminho percorrido pelos pesquisadores está correto, e é apa-rentemente promissor, uma vez que a via biológica verificada nos camundongos e peixes nunca havia sido relacionada ao uso abusivo de etanol. Portanto, ela pode ser considerada uma nova possibilidade de entendimento e de ações de prevenção junto à população.

Entretanto, para que se possa de-monstrar tal envolvimento, são necessá-rios estudos de epidemiologia genética, que busquem a associação genética entre os vários genótipos – termo que se refe-re à constituição genética do indivíduo – evidenciados na via LRRK2 e o fenótipo de interesse em humanos. O cruzamento dos determinantes genéticos em fenótipos definidos, baseados em consenso interna-cional, representa uma das prioridades de investigação para compreensão das causas do alcoolismo.

Ana Lúcia explica que as evidências serão melhor compreendidas a partir do teste em humanos, que já tem sido rea-lizado. Na etapa atual do estudo, indiví-duos foram selecionados para responder a questionário sobre uso abusivo de eta-nol. “Recorremos a uma população-teste (pessoas que usam álcool de forma não controlada) e uma população-controle (indivíduos que não consomem abusiva-mente), para ver se há associação não alea-

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PRojETo: Alcoolismo – Validação de um modelo animal de dependência etílicaCooRDEnADoRA: Ana Lúcia Brunialti GodardInSTITuIção: Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)ChAMADA: Demanda UniversalVAloR: R$ 45.293,72

tória entre genética e dependência”, explica. A professora adianta que, até o mo-

mento, observa-se que os indivíduos de extremos – ou seja, que apresentam gran-de dependência ao etanol – têm o gene LKRR2. “Agora, queremos compreender o que leva o indivíduo a perder o controle sobre o consumo de álcool, e, a partir daí, apresentar alternativa preventiva em rela-ção ao vício. É necessário que se identifi-que um alelo do gene, para que possamos trabalhar a possibilidade de tratamento, de prevenção ao alcoolismo, e, até mesmo, à compulsão. Só assim é que poderemos pensar em elaborar novo protocolo de me-dicação para esses casos”, esclarece.

Cenário preocupanteApesar de suas consequências le-

gais, econômicas e sociais, o consumo excessivo e descontrolado de drogas, em particular, do álcool, é um dos principais fatores de risco para mortalidade precoce e incapacidade na população mundial. Estudo divulgado recentemente pela Orga-nização Pan-Americana de Saúde (Opas) mostra que o Brasil é o terceiro país das Américas em mortes de homens causadas pelo álcool. O documento também revela que o consumo de bebidas resultou, ape-nas em 2012, em mais de 300 mil mortes nas Américas, número que excede a po-pulação de muitas nações do Caribe, por exemplo. Isso significa que, em média, o álcool levou a cerca de uma morte a cada 100 segundos no continente americano.

No Brasil, a taxa de mortes atribu-íveis ao álcool – ou seja, que ocorreram porque a referida substância estava envol-vida – foi de 11,7 a cada 100 mil habitantes entre mulheres, e de 73,9 entre os homens, o que representa, respectivamente, quedas de cerca de 5% e aumento de mais de 20% em relação a 1990.

A partir de uma estratificação etária, os números relativos ao uso abusivo do etanol tornam-se ainda mais preocupan-tes. Estudos epidemiológicos sugerem que 19% dos adolescentes norte-ame-

ricanos abusam do consumo de álcool. Os dados brasileiros são mais escassos e indicam haver características regionais quanto ao uso de bebidas. A se conside-rar o uso na vida, segundo o “Levanta-mento domiciliar sobre o uso de drogas psicotrópicas no Brasil” (2001), em 107 grandes cidades do País, a prevalência foi de 48,3% entre jovens de 12 a 17 anos. No estudo, a prevalência de dependência ao álcool ficou em 5,2%.

Os dados verificados evidenciam a ur-gente necessidade do desenvolvimento e da implantação de políticas públicas que visem a tratar e a acolher os pacientes. É necessário, também, o desenvolvimento de estudos que possam esclarecer os mecanismos intrínse-cos à perda de controle sob a droga, uma vez que, no cenário brasileiro atual, ainda há muito desconhecimento sobre os aspec-tos que levam à dependência e à compulsão com relação às drogas – principalmente, ao álcool. Ana Lúcia Brunialti Godard acredita que a descoberta e a compreensão dos me-canismos genéticos intrínsecos ao vício e ao uso abusivo da substância serão importantes para políticas de diagnóstico, tratamento tera-pêutico e prevenção.

Para além do alcoolismoOutro ponto a ser averiguado pela

pesquisa diz respeito à relação entre com-portamentos alimentares compulsivos e genética. Isso tem sido feito na UFMG, por meio do uso de camundongos nos experi-mentos. Ainda em etapas preliminares, já se observa que o mecanismo molecular de compulsão por alimento tem similaridade ao do abuso de drogas – no caso, de etanol.

De acordo com Ana Lúcia, a partir da posse das informações referentes aos alelos de LRRK2 predisponentes, será possível investir em trabalho de preven-ção do comportamento compulsivo. Com base em tais informações, haverá melhor entendimento sobre a compulsão alimen-tar, e, também, sobre alvos para tratamento medicamentoso mais eficientes.

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INoVAção

Na onda do cashback

Startup Méliuz desenvolve tecnologia para reembolso de dinheiro a clientes

Téo Scalioni

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Já imaginou ir a uma sorveteira, con-sumir, não pagar e, ao final, ainda ganhar por isso? Pois é! Além de possível, tal cena tem se tornado prática comum em certos estabelecimentos comerciais espalhados pelo Brasil. Esse novo tipo de comércio acontece graças a um modelo que envolve tecnologia, fidelização e marketing. A po-lítica do “ganha-ganha-ganha” é boa para todos: estabelecimento, cliente e um “ter-ceiro ator”, responsável por realizar a ponte nas negociações. Trata-se de uma empresa de inovação, que consegue viabilizar, pro-pagar e controlar a operação.

No caso aqui analisado, a startup mineira Méliuz é a companhia precursora desse modelo de negócio, que envolve o chamado cashback (“dinheiro de volta”, em tradução livre). Por meio dele, a pessoa que compra diretamente de um estabele-cimento parceiro da empresa recebe, por meio de uma plataforma – antes, um apli-cativo; agora, máquinas em lojas físicas –, parte do dinheiro de volta, devidamente depositado em conta corrente.

Em resumo: a startup repassa parte da comissão que recebe de volta aos con-sumidores. O programa de recompensa deu tão certo que, apenas no ano passado, a empresa alcançou a marca de R$ 1 bilhão em vendas realizadas por seu canal, devol-vendo outros R$ 27 milhões aos clientes.

A Méliuz foi criada por Ofli Guimarães e Israel Salmen, que se conheceram na Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais (Face/UFMG). Com espírito empreendedor, tornaram-se sócios de outras empresas, até que, em 2011, tiveram a ideia da inovação e criaram a Méliuz. A startup surgiu da insatisfação de ambos – assim como de outros milhares de clientes – com programas de fidelização, das milhas aéreas ao acúmulo de pontos para troca por produtos. Os dois perceberam a dificuldade, para o consumidor, em fazer o resgate. No fim do processo, seus ganhos expiravam e/ou se perdiam.

Decidiram, então, investir em algo mais prático e menos burocrático, para compensar o cliente e devolver dinheiro, a ele, em sua conta. “Percebemos que a dor não era apenas nossa. As pessoas junta-vam pontos e, depois, tinham que tentar vendê-los. Foram criadas empresas para intermediar tal processo. Simplificamos

o processo, e recompensamos o cliente de forma rápida, com dinheiro”, esclarece Ofli, ao reforçar que, pela conta no aplicati-vo, o cliente pode conferir seu extrato com-pleto, e, quando chegar a R$ 20, resgata o dinheiro quando quiser.

O empresário reforça que o cashback não se refere a promoção, mas, sim, a dinheiro devolvido. Neste sentido, se a pessoa chegar a um estabelecimento e pedir o “desconto” anunciado na Méliuz, não conseguirá nada. Para isso, é necessário ter conta no aplicativo, para fazer a compra, e, em seguida, o resgate. “O retorno do dinheiro é feito por nossa plataforma”, afirma Ofli, ao reforçar, também, a importância da fidelização, já que quase 100% dos usuários voltam a comprar na mesma loja.

Ao todo, hoje, mais de 2 milhões de pessoas usam a plataforma. Além disso, há cerca de cinco mil lojas e estabelecimentos conveniados. Ofli lembra que, no começo, tinha dificuldade em fechar a parceria com as lojas. Por isso, o trabalho foi de porta em porta, até que alguns parceiros – como as Lojas Americanas, a Giuliana Flores e a Ingressos.com – acreditaram no negócio.

Agora, os empreendimentos é que procuram a Méliuz. Os empresários, então, negociam o valor em dinheiro a ser devol-vido, e a promoção é lançada. “Hoje, temos vários tipos de estabelecimentos, como re-des de supermercados, lanchonetes, aca-demias, sorveterias e postos de gasolina, dentre outros”, exemplifica.

Loja física

A Méliuz iniciou seu negócio apenas de forma online, por ser mais rápido, fácil de testar e barato. Hoje, porém, há um ata-lho para crescer e chegar ao mundo físico. A partir de 2016, a empresa passou a atuar no varejo, com um supermercado, e, ago-ra, investe pesado em Belo Horizonte e São Paulo – tanto que, na capital paulista, já são cerca de 40 colaboradores a difundir o negócio. Agora, um dos objetivos da em-presa é entrar com força no varejo físico.

Em tais estabelecimentos, a operação funciona da seguinte maneira: o consumi-dor pede para pagar as compras com a má-quina de cartão do Méliuz. O equipamento opera normalmente, para crédito e débito, com todas as bandeiras. Após a conclusão do pagamento, basta digitar o número do

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celular e, no comprovante, aparece o valor devolvido na transação.

Outra novidade é que, com o apli-cativo, a pessoa consegue ver, online, em um mapa, os lugares mais próximos dela a aceitar o Méliuz. Se precisar abastecer o carro, por exemplo, basta procurar o posto de gasolina parceiro.

Outra questão que também tem ajudado a divulgar a Méliuz são os su-percashbacks. Como já abordado aqui, trata-se do momento em que o estabele-cimento oferece desconto de 100%, ou de valor maior do que o próprio preço da ven-da. Assim, você vai a uma sorveteria, gasta R$ 10 e pode receber, de crédito, em sua conta Méliuz, o equivalente a R$ 12.

Bem... Mas qual a vantagem de promoções em tais moldes? “Elas são muito boas para lojas novas, que estejam começando e precisam ser conhecidas. Os comerciantes querem que as pessoas saibam de sua existência. Nada melhor, pois, que uma campanha dessas”, explica Ofli. Segundo o empresário, trata-se, em resumo, de nova maneira de divulgação: ao invés de investir em propagandas com outdoors, panfletos, com spots na rádio ou na televisão, a empresa investe na pro-moção inovadora.

Assim, consegue chamar a atenção, e o consumidor acaba por conhecer a loja in loco. “A iniciativa gera assunto na mídia, e se espalha, rapidamente, em grupos de WhatsApp, divulgando o estabelecimento. Certas lojas recém-inauguradas dão filas nos dias da promoção”, lembra Ofli, ao observar que, dessa maneira, também é possível mensurar, de forma mais efetiva, os resultados de uma campanha.

Empresa de tecnologia Atualmente, além de colaboradores

em São Paulo e de uma equipe de cerca de 100 pessoas que trabalham na sede da empresa, em Belo Horizonte – divididas entre as áreas comercial, financeira e de marketing –, a Méliuz conta com um Cen-tro de Engenharia e Tecnologia em Ma-naus, no Amazonas. Isso porque o grupo acredita que aquele estado tem uma das melhores instituições de tecnologia do Brasil – a Universidade Federal do Ama-zonas (Ufam). Por lá, são outros 40 co-laboradores, que trabalham para sempre

melhorar o desenvolvimento da plataforma e apresentar inovações.

No que se refere ao modelo de cash-back, a Méliuz detém 95% do mercado brasileiro. A startup se vê como empresa de tecnologia, o que a diferencia de outras que investem em serviço parecido, como grupos de fidelização existentes no merca-do. Ofli reforça que, atualmente, a tecno-logia não tem limites, e, por isso, vários modelos de negócios estão sendo revistos.

O empresário exemplifica com a Über, maior empresa de transporte do mundo, mas que não conta com nenhum carro próprio. Ele acredita que isso tam-bém acontecerá com as transações finan-ceiras. “O dinheiro está com os dias conta-dos. A tendência é que as pessoas andem cada vez menos com papel, e passem a fazer tudo com o celular”, diz.

Tal tendência pode ser comprovada no próprio resultado obtido pela Méliuz. Ao comparar os anos de 2015 e 2016, a empresa teve aumento de 250% no volume de compras feitas por meio de sua plata-forma. Os números devem aumentar, prin-cipalmente, com a entrada da empresa em lojas físicas, além do exponencial aumento de estabelecimentos conveniados.

ReconhecimentoEm 2015, a Méliuz recebeu inves-

timento do empresário francês Fabrice Grinda, que atua como investidor-anjo de startups com alto potencial. O investidor foi, também, um dos criadores da OLX e é parceiro da Alibaba e da Über. Também na-quele ano, a Méliuz recebeu investimento de outras quatro pessoas, entre as quais, Julio Vasconcellos, do Peixe Urbano.

Em 2016, os fundadores do aplicativo Méliuz foram aprovados no 63º Painel In-ternacional de Seleção (ISP), em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, e se tornaram Em-preendedores Endeavor. A organização, sem fins lucrativos, contribui para o crescimento de negócios de alto impacto ao redor do mundo – atualmente, 1.233 empreendedo-res, de 25 países, fazem parte da rede.

Em novembro de 2016, a Méliuz foi eleita, por voto popular, como “Startup do Ano” e ganhou o prêmio de Equipe Funda-dora, ambos concedidos pela Associação Brasileira de Startups – Startup Awards.

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ENERGIA

luana Cruz

Tudo junto (e organizado)Desenvolvida por especialistas da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig), rede inteligente integra luz e internet

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Rede é um termo muito usado na Mo-dernidade, como metáfora para conexões estabelecidas entre pessoas, computadores, comunidades e países. O que nos facilita compreender tal representação é a possibi-lidade de enxergar um circuito em funciona-mento, com capilaridade e ligações, assim como os cabos que levam energia às casas dos cidadãos. E se fosse possível associar, em uma mesma rede, e de modo sinérgico – em ação coordenada –, dispositivos exe-cutores de funções diferentes?

A partir do referido desafio, a Com-panhia Energética de Minas Gerais (Ce-mig) resolveu potencializar o uso das redes instaladas pela empresa, para experimentar a transmissão simultânea de energia elé-trica e comunicação de dados em banda larga. Sim: trata-se da possibilidade de, no mesmo cabeamento, transportar internet e luz à casa das pessoas. Para isso, seriam usados cabos condutores especialmen-te integrados, com fibras ópticas em seu núcleo. Por meio de projeto-piloto, a rede sinérgica já funciona em escala real na

UniverCemig, em Sete Lagoas, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. A tecno-logia é inédita no mundo.

Segundo Carlos Alexandre Meireles Nascimento, engenheiro de tecnologia e normalização da Cemig e um dos desen-volvedores do projeto, a vantagem de pôr a fibra óptica dentro do condutor de energia é garantir o acesso à internet junto à ex-pansão da rede elétrica. Isso reduziria em 30% o custo de investimento global em infraestrutura para “levar” a rede mundial às residências. “Hoje, no Brasil, o acesso à banda larga via fibra óptica é muito limi-tado. Com a nova tecnologia, a tendência é que as operadoras de telecomunicações explorem os ativos da rede elétrica de for-ma mais inteligente”, comenta.

Além disso, a rede inteligente (smart grid, na expressão em inglês) reduz a po-luição visual dos postes, que, atualmente, reúnem dezenas de cabos de forma desor-ganizada. Outro benefício, segundo Carlos Nascimento, é o aumento da eficiência na detecção de falhas, já que, na transmissão

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por fibra óptica, o sinal é transformado em luz. “Qualquer problema na rede será detectado e localizado a distância, na ve-locidade da luz. Atualmente, se um cabo rompe ou cai sobre a rua, por causa de um acidente, há um tempo para a detecção. Se a fibra óptica estiver no núcleo do cabe-amento, identifica-se o ponto de defeito com rapidez”, explica.

InovaçãoO condutor metálico especial foi

construído para manter as mesmas ca-racterísticas do tradicional, com variáveis mecânicas e elétricas. Trata-se do chama-do cabo sinérgico, com tecnologia OPDC (Optical Distribution Cable), que conta com caráter híbrido (ao unir o circuito metálico à fibra óptica.) “O ineditismo da tecnologia está no fato de que pusemos a fibra óptica na alta tensão. Para isso, desenvolveu-se um isolamento especial. Os chineses, por exemplo, põem a fibra óptica na parte externa do cabo elétrico e levam, juntas, a banda larga e a rede elé-trica. Mas essa não é a melhor solução”, detalha Carlos.

O projeto de rede sinérgica é uma parceria da Cemig Distribuidora com o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD), a Cemig Telecom e a indústria nacional especiali-zada (Furukawa, Balestro e Workeletro). O projeto foi financiado pelo programa de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) da Agência Nacional de Energia Elétrica (Ane-el) e pela FAPEMIG.

Para o CPqD, o projeto é importan-te devido ao caráter inovador, e, também, por ter envolvido vários interessados no desenvolvimento da nova tecnologia. “O conceito de redes sinérgicas é uma ino-vação que, no Brasil, transformou-se em realidade graças a iniciativas destinadas a atender às necessidades de mercado”, enfatiza Claudio Antonio Hortencio, pes-quisador do CPqD, ao destacar, ainda, a tecnologia de construção do novo cabo. “O acesso às fibras ópticas exige prote-ção elétrica, por meio de um dispositi-vo isolador [desenvolvido em parceira

com a Balestro, empresa de Mogi Mirim (SP)], um dos resultados inovadores do projeto”, afirma.

As pesquisas começaram em 2002, mas a execução da fibra óptica, no inte-rior do cabo, iniciou-se em 2014, quan-do engenheiros da Cemig visitaram uma feira tecnológica em Paris, na França. De acordo com Carlos Nascimento, havia um cabeamento parecido, desenvolvido pelos franceses, e a empresa mineira trouxe o desafio à indústria nacional. O condutor pode custar até 15% mais do que o tradi-cional, mas, segundo Nascimento, o valor será recompensado no investimento global em infraestrutura – quanto se pensa numa integração entre instalações da Cemig Dis-tribuidora e da Cemig Telecom. “O trabalho resulta de uma convergência de visões de ruptura tecnológica, com alto risco de insucesso no início. No entanto, criamos, hoje, nova empresa de distribuição de energia”, completa o engenheiro.

Dimensão socialDados da Agência Nacional de Te-

lecomunicações (Anatel) revelam que 38,92% dos domicílios brasileiros têm banda larga fixa. Em Minas Gerais, o per-centual é de 37,41%. As informações são de 2017 e mostram que internet de boa qualidade em casa ainda é privilégio de poucos. A energia elétrica, em contraparti-da, chega a 99,3% dos domicílios particu-lares permanentes, segundo o Ministério de Minas e Energia – a partir de estimativa de 2015, baseada no número de domicílios da Pesquisa Nacional de Amostra de Do-micílios (Pnad) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A ideia das redes sinérgicas é ex-pandir acesso à banda larga última milha (conexão nas residências). A solução da Cemig, porém, ainda não tem uso co-mercial. No espaço experimental, em Sete Lagoas, a Companhia substituiu um trecho da rede tradicional pela nova tecnologia. No local, a empresa monitora, por meio de uma central de controle, o quarteirão com a rede sinérgica. “Conseguimos pôr dois computadores trafegando a um giga por

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O que é rede sinérgica?O conceito de rede sinérgica deriva da palavra “sinergia”, que significa “as-sociação concomitante de vários dispositivos executores de determinadas funções, contribuindo para uma ação coordenada”. Trata-se do somatório de esforços em prol do mesmo fim. O conceito de redes sinérgicas surgiu dentro da visão do smart grid, cujos requisitos de comunicação são apri-morados pelo uso de fibra óptica. Configura-se uma rede sinérgica, basi-camente, a partir de um condutor metálico com fibras ópticas construídas em estrutura física única, para, ao mesmo tempo, conduzir energia elétrica e transmitir dados em banda larga.

PARTICIPAção DA FAPEMIGPRojETo: Projeto D566 – Redes Sinérgicas 1GCooRDEnADoR: Carlos Alexandre Meireles NascimentoInSTITuIção: Companhia Energéti-ca de Minas Gerais (Cemig)ChAMADA: Parceria FAPEMIG–Ce-mig: pesquisas na área do setor elétricoVAloR: R$ 2.007.780,00

segundo”, explica Carlos Nascimento. Para conectar o condutor sinérgico ao computador, é preciso montar um cabo de rede na ponta da fibra óptica, que poderá virar um ponto de conexão físico ou ser distribuído por roteadores.

Os próximos passos da pesquisa dizem respeito a testes exaustivos, para futura pa-dronização do equipamento, com objetivo de comercialização. A Cemig pretende expandir a ideia em dois anos. “Em nossa visão, quando o mecanismo estiver disponível no mer-cado, ele substituirá, completamente, a tecnologia wireless nas redes inteligentes do setor elétrico. Isso irá impactar, de forma definitiva, o rumo da indústria de telecomunicação e de tecnologias da informação”, completa.

Impactos tecnológicosAs redes sinérgicas devem estimular o desenvolvimento de novas tecnologias de ge-

ração, transmissão e distribuição. Afinal, serão exigidos, da indústria brasileira, novos mo-delos de equipamentos ópticos, condutores, fios, ramais e conectores, além de medidores de corrente e tensão.

Os serviços de distribuição e comercialização também são impactados, ao exigir ges-tão diferenciada. Em Minas Gerais, por exemplo, a Cemig é proprietária de grande parte do posteamento. A companhia tem convênio de compartilhamento dessa estrutura com as operadoras de telefonia, internet e TV a cabo, que possuem cabeamento próprio. Com o condutor sinérgico, a lógica de cabeamento será alterada.

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EspECIal

números Segredos, reflexões, limites e ferramentas da (sempre)

desafiadora MatemáticaMariana Alencar e Roberta nunes

Para muito

além dos

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De geração a geração, seu aprendi-zado é constante na vida escolar de um aluno. Para além do ensino nas escolas, também os pais costumam transmitir, aos filhos, noções sobre cálculos, estatísticas e probabilidades – o que parece ocorrer devido à exatidão desta área do conheci-mento, cujos métodos são aprendidos e disseminados, ao longo dos anos, sem grandes alterações. Por se tratar de “ter-ritório” do saber bastante antigo – e po-pular –, tem-se, mesmo, a impressão de que nada existiria, ainda, a ser descoberto. Mas, afinal: o que, hoje, não se sabe sobre a Matemática? E o que faz, exatamente, um pesquisador da ciência dos números?

Em função de sua excessiva abstra-ção, e de conceitos, por vezes, difíceis de explicar, o estudo da Matemática acaba melhor compreendido por especialistas, uma vez que sua aplicação se restringe ao ambiente acadêmico, com pouca in-fluência sobre o cotidiano das pessoas. Professora do departamento de Física e Matemática da Universidade de São João Del-Rey, Bárbara Lopes Amaral destaca a amplitude das investigações no referido campo do conhecimento: “Além de vas-ta, a Matemática é uma ferramenta. As pesquisas giram em torno da chamada ‘Matemática pura’ e, ao mesmo tempo, de suas aplicações em outros campos cien-tíficos. Em ambos os casos, fica difícil a percepção da pesquisa no cotidiano de uma pessoa que não é da área”.

Outro motivo para que a popula-ção – e, até mesmo, a comunidade cien-tífica – desconheça o que se pesquisa na Matemática brasileira é a falta de revistas científicas nacionais. Segundo Wenderson Marques Ferreira, professor do Departa-mento de Matemática da Universidade Fe-deral de Ouro Preto (Ufop), tal escassez faz com que os pesquisadores busquem, ape-nas, publicações estrangeiras. “Faltam, no Brasil, revistas com Qualis alto. Por isso, temos que publicar em veículos internacio-nais. Não acho que isso seja um problema, de fato, para nós, pesquisadores. Mas, talvez por esse motivo, as publicações da área percam visibilidade no País”, lamenta.

Crescente, o número de cursos de pós-graduação em Matemática no Brasil

influencia a relação entre pesquisadores e sociedade. Wenderson explica que, nos últimos 15 anos, em Minas Gerais, tal vo-lume aumentou consideravelmente, apesar de ainda faltarem pessoas dispostas a ingressar na área. “Existe grande lacuna entre a pesquisa de ponta e o ensino bá-sico, que, se fosse melhor, culminaria com o surgimento de mais pesquisadores. Infe-lizmente, porém, nossas educações básica, fundamental e média não têm bons resul-tados na área. Isso faz com que os alunos nem sequer enxerguem a Matemática como possibilidade de estudo”, destaca o professor, ao lembrar que, por vezes, os estudantes nutrem a ideia de que ser mate-mático é atuar, apenas, como professor. “O que, para um aluno em idade escolar, pode ser algo negativo”, analisa.

sistemas DinâmicosA partir de seu interesse pelo estu-

do da Mecânica Celeste, no século XIX, o matemático, físico e filósofo francês Jules Henri Poincaré (1854-1912) buscou com-preender a evolução do Sistema Solar. A abordagem usada pretendia a resolução – analítica ou numérica – das equações diferenciais do movimento. Para obter des-crição qualitativa e quantitativa do compor-tamento do sistema, propôs o uso de fer-ramentas provindas de outras áreas, como Topologia, Geometria, Álgebra e Análise. A proposta culminou com o surgimento dos chamados “Sistemas Dinâmicos” – como disciplina da Matemática –, com o intuito de desenvolver a teoria capaz de prever a evolução dos fenômenos naturais e hu-manos observados em diversos ramos do conhecimento.

Hoje, quase dois séculos após a proposta de Poincaré, a linha de pesquisa em Sistemas Dinâmicos ganha cada vez mais destaque no Brasil. Em linhas gerais, trata-se do campo responsável por estudar processos cuja evolução se baseia em leis Matemáticas – a exemplo de mecanismos encontrados na Física, na Química, na Biologia, na Economia, na Meteorologia, dentre outros ramos. O objetivo, portanto, é construir uma teoria Matemática desses processos, que permita compreender e prever sua evolução.

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Para tal, usam-se métodos compu-tacionais, e, também, aparatos dos mais diversos setores do saber matemático. No País, a área de Sistemas Dinâmicos conta com pesquisas avançadas e de alta quali-dade. Prova disso está na trajetória do bra-sileiro Artur Ávila, pesquisador do Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (Impa) e do Centre National de la Recher-che Scientifique, na França, que, em 2014, recebeu a medalha Fields, o mais alto prê-mio dedicado a estudiosos da Matemática.

Brasil no raio-XUm dos recursos usados para medir

a compreensão dos conhecimentos mate-máticos de um país são as medições de desempenho dos estudantes. O Progra-ma Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), lançado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econô-mico (OCDE), tem sido capaz de revelar a situação, em diversos países, nos últimos 15 anos. Apesar de o Brasil ser um dos que mais evoluíram na avaliação, mantém-se estacionado entre as piores colocações do ranking (veja box à página 27).

Desde 2000, o exame busca medir, trie-nalmente, a performance de estudantes de 15 anos em Matemática, Ciências e leitura. Na última edição, em 2015, dos 70 países parti-cipantes, o Brasil ficou em 66º lugar. Especia-lista em avaliações, Ocimar Munhoz Alavar-se, professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), comenta que a posição do País não é surpreendente, visto que está sendo comparado a países que não têm tradição de exclusão social. “Apesar da colocação, o Brasil tem melhorado seu desempenho. A cada geração de 15 anos, os alunos se aprimoram. No entanto, é preciso avançar muito”, ressalta.

A baixa proficiência dos alunos no Pisa pode estar relacionada a fatores como defasagem etária e de conhecimentos escolares, procedimentos pedagógicos de ensino da Matemática e desigualdade social. O exame avalia alunos de 15 anos de diferentes países, mas o Brasil tem um dos maiores índices de reprovação, sendo 11,1% nos anos finais escolares, segun-

do indicadores do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Aní-sio Teixeira (Inep). “Em outros países, os alunos de 15 anos que fazem a avaliação costumam estar no ensino médio, enquan-to, aqui, estão do oitavo ano em diante”, explica Ocimar Alavarse.

No entanto, o principal fator relacio-nado aos índices da avaliação internacio-nal é a desigualdade brasileira. Dados de 2015 mostram que o Brasil tem 2.486.245 crianças e jovens de 4 a 17 anos fora da escola – sendo que o Produto Interno Bruto (PIB) per capita, no País, corres-ponde a menos da metade da média de outros países da OCDE. Outro fator rele-vante é que o gasto acumulado por aluno brasileiro, entre 6 e 15 anos de idade, equivale a apenas 42% da média do gasto em nações da Organização.

O contexto impõe a necessidade de articulação política para tomada de deci-sões. Além disso, é preciso considerar as informações apontadas pelo Pisa. “A edu-cação não melhora se todos os anos fizer-mos novas avaliações, assim como subir na balança, diariamente, não provoca ema-grecimento. Ainda não temos uma cultura de uso desses dados para organização e elaboração de políticas de enfrentamento”, lamenta Alavarse.

Inovações no ensinoAs necessidades de novos métodos

de ensino da Matemática são cada vez mais perceptíveis nos ensinos básico, fundamental, médio e superior. O deba-te perpassa o uso de novas tecnologias, gamificação e recursos pedagógicos que possibilitem um ensino híbrido da disci-plina. Segundo a pesquisa “Nossa escola em re(construção)”, realizada pelo Instituto

Breve entrevista com o ma-temático Artur Ávila, vencedor, em 2014, da medalha Fields.

Qual a importância de des-mistificar a Matemática para a po-pulação brasileira?

É importante que as pessoas não a encarem como algo separa-do da realidade, e que tenham o reconhecimento de que, para além dos aspectos matemáticos, ela tem papel fundamental na vida de todos – até mesmo, no exercício correto da cidadania. Existe certa aceitação social, que é nociva, em torno do fato de as pessoas declararem não “ter jeito para Matemática”, e serem incapazes de fazer uma conta. Isso leva a um afastamento, e é ruim.

Que caminhos mudariam tal

realidade? O ensino é um deles?O ensino, naturalmente, tem

papel importante, mas, diante da dificuldade de fazer com que tudo melhore, é preciso ir além dele. Existe a influência da sociedade, que pode vir de casa, dos pais – e de como eles lidam com o assunto –, e de como motivar as pessoas a estarem abertas à Matemática. Além disso, há outras maneiras, como as Olimpíadas da área, que também cumprem bem esse papel.

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Devido ao Projeto Visitas, alunos da Escola Ana Alves Teixeira melhoram sua relação com a Matemática

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BRASIL Pisa 2000 Pisa 2003 Pisa 2006 Pisa 2009 Pisa 2012 Pisa 2015

Média Brasil 334 356 370 386 391 377

Média OCDE 496 500 494 495 494 490

Ranking 40º 40º 54º 57º 58º 66º

Nº de países 41 41 56 65 65 70

Fonte: OCDE

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Inspirare, a Matemática é o conteúdo que os estudantes mais desejam estudar. Eles almejam, no entanto, metodologias efi-cientes de ensino.

O estudo entrevistou 132 mil jovens acerca de seus desejos para uma escola dos sonhos. “Seja na formação inicial, seja na continuada, o profissional precisa estar aberto a conhecer esses recursos, a analisar as vantagens e desvantagens, a ter conhecimento das possibilidades e limites e a reconhecer aquilo que pode ser posto em prática em cada contexto”, acredita Kátia Stocco Smole, matemática e diretora do Grupo Mathema.

Em Minas Gerais, certos projetos destacam-se por buscar a desmitificação da Matemática como vilã, e apresentam recursos pedagógicos que promovem aprendizagens mais dinâmicas. Há 20 anos, o Projeto Visitas torna a disciplina mais divertida para os alunos, por meio de atividades criativas, prazerosas e desa-fiantes. Coordenada pela professora Aniura Milanés, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a iniciativa atende a mais de 4 mil alunos por ano.

Sem o modelo enrijecido da sala de aula, os estudantes do 6º ano da Escola Municipal Ana Alves Teixeira, do bairro Urucuia, divertiram-se com os jogos das

correntes, da estrela (Matix), da tgeometria em ação, dos sapos e dos palitos. Com o auxílio dos monitores do projeto, os alunos desenvolveram operações de lógica, dedu-ção, estratégia e operações matemáticas, além de realizar trabalho em equipe. Para Rafael Abner, 11, um dos integrantes do grupo vencedor do dia, o amor pela Mate-mática é antigo. “Sinto-me muito feliz por ter ganhado hoje. Eu amo Matemática! E acho que, além de muito bom, o conteúdo da escola é bastante útil, senão, não sabe-ria responder nada nas brincadeiras. Com os jogos, a gente pensa ‘de boa’ e faz tudo certinho; sem eles, ficamos muito preocu-pados e acabamos errando”, analisa.

Durante as atividades, a pedagoga Alessandra Vieira vibra com os acertos de cada aluno. “Participar do projeto é obser-var a cidade como um lugar de aprendiza-gem. E sair um pouco do formato da escola como único lugar de conhecimento”, con-clui. Além das oficinas, realizadas de terça a sexta-feira, o Projeto Visitas oferece pa-lestras, conferências e minicursos para for-mação de profissionais, com visão ampla sobre o ensino matemático. “Muita gente não vê a licenciatura como algo positivo, mas a apresentação dos jogos e do conteú-do abordado nas visitas estimula os alunos a gostar mais da disciplina. Ao ver esse

desenvolvimento, me sinto incentivado a continuar”, conta Leandro Augusto Araújo, estudante do 5º período de Matemática e monitor do Projeto.

RobóticaUnir o ensino de Matemática à robó-

tica tem possibilitado um aprendizado mais dinâmico, participativo e desafiador para alunos do Triângulo Mineiro. Isso é possível por meio do Núcleo de Pesquisa e Mídias na Educação, da Universidade Federal de Uber-lândia, que, há 20 anos, atua em diversas frentes educacionais. Professor e matemá-tico, Arlindo José de Souza Júnior acredita na relevância do estímulo da tecnologia para a aprendizagem. “Crianças e jovens partici-pam de campeonatos de robótica, e a gente percebe, nesse processo, um grande desen-volvimento intelectual, principalmente, em Matemática. Se eles se sentem desafiados, continuam a avançar no conhecimento, o que os beneficia muito”, resume.

Os estudantes aprendem a manipular, programar, desenvolver, implementar (e percorrer distâncias com) robôs. Para isso, usam-se os kits da Lego ou a robótica li-vre, produzida com materiais reciclados. De acordo com Arlindo, o desafio, agora, é am-pliar a proposta, para que mais alunos par-ticipem, e os docentes possam se envolver

O desempenho dos brasileiros em Matemática

Dados do Pisa matemática (2000 a 2015)

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mais. Como resultado de anos de pesquisa na área, várias teses e dissertações abor-dam a implementação dos projetos nas escolas públicas e a relevância educacio-nal de trabalhar com tal recurso. Eis mais um passo para a diminuição da distância do conhecimento acadêmico sobre a edu-cação matemática e a realidade das salas de aula, de forma a contribuir para todos.

Coisa de menino?Se compararmos o número de matrí-

culas em cursos presenciais, e a distância, na educação superior do País, percebe-se que a grande maioria deles é ocupada por mulheres. Contudo, de acordo com o censo do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), realizado em 2015, enquanto elas representam 70% das matrículas em gra-duações de Educação e Saúde, em cursos de Ciências, Matemática e Engenharia, o percentual cai para 30%.

Somado a isso, o último Pisa mostrou que as meninas de 15 anos se saem mal nas questões de Matemática e Ciências, mas muito bem em leitura. A avaliação também revela que, no Brasil, os alunos fizeram 15 pontos a mais do que as alunas em Mate-mática. Diante de tais dados, surgem ques-tionamentos relativos, principalmente, à origem das disparidades. Por que existem mais engenheiros homens do que mulhe-res? E por que os estudos matemáticos apa-rentam ser tão difíceis para elas?

Estudo divulgado, em 2017, pela Unesco, aponta que uma em cada cinco meninas terá dificuldade com a Matemá-tica no decorrer de sua vida escolar. A pesquisa, intitulada “The ABC of Gender Equality in Education: Aptitude, Behaviour, Confidence” [O ABC da igualdade de gê-nero na educação: atitude, comportamento e confiança, em tradução livre], demonstra que a origem da disparidade entre homens e mulheres, nas Ciências Exatas, começa ainda na infância.

Enquanto os brinquedos das meni-nas são voltados ao ambiente doméstico, os objetos dos meninos ensinam-nos, por exemplo, a construir coisas. Ou seja, para elas, há panelinhas de brinquedo, bijute-rias, maquiagens e bonecas, enquanto, a eles, são entregues carros e blocos de montar. O estudo afirma que, mais tarde,

na idade escolar, isso provoca um impacto nas disciplinas escolhidas pelos jovens para estudo, assim como em suas carreiras e no modo de expressarem a criatividade.

Outros elementos a impactar, direta-mente, o número de mulheres com pesqui-sas na área de Exatas são obstáculos como o assédio moral, a falta de ajuda do com-panheiro nas atividades domésticas e, até mesmo, o preconceito na própria família. “Gera-se um significativo prejuízo quando se perpetua a ideia de que existem profis-sões masculinas e femininas. Este é o pro-blema”, frisa Flávia Marcatto, professora do Instituto de Matemática e Computação da Universidade Federal de Itajubá. “Hoje, o pensamento é de que matemáticos são homens. Uma jovem chega em casa e diz aos pais: ‘Vou fazer Matemática’. Eles se assustam e perguntam: ‘Mas… isso não é coisa de homem? Não seria melhor fazer

outra coisa?’. A representação social é a de que o masculino é ‘mais fechado’, ‘mais bruto’ – portanto, muito próximo à rigidez da área. Parece existir um catálogo discri-minando o que as mulheres podem fazer, o que gera desprestígio da profissão ligada ao gênero”, conclui.

Durante os séculos, a participação da mulher no universo intelectual sempre foi restringida (veja box, à página 29, com a trajetória de importantes matemáticas da história). Ao pensar em nomes importantes das Ciências Exatas – e, especificamente, da Matemática –, as histórias reproduzidas e lembradas dizem respeito a pesquisa-dores do sexo masculino. Que o digam os teoremas aprendidos pelos jovens em idade escolar, que fazem referência, em sua maioria, a homens como Pitágoras, Ptolo-meu e Euclides, dentre outros.

Professora do Departamento de

Ars mathematicaA Matemática está presente no cotidiano de todas as pessoas, inclusive, nas

expressões artísticas. O holandês Mauritis Cornelis Escher (1898-1972) mostrou ao mundo que os conteúdos da disciplina -, especialmente, de Geometria – podem ser fascinantes quando bem aplicados ao campo das artes. O desenhista usou construções matemáticas para representação de objetos impossíveis, e explorou conceitos como o infinito, a reflexão, a simetria, a perspectiva, os poliedros estrelados e truncados e a tesselação ou mosaico.

Segundo fundamentos matemáticos, o mosaico é o equivalente a cobrir um plano com um padrão geométrico, de modo que não haja espaço entre eles, e não ocorra sobreposição. Isso só é possível com os triângulos equiláteros, os quadrados e os hexágonos regulares. Escher usou um triângulo e, por meio de modificações aqui e ali, conseguiu transformá-lo em um peixe com a mesma área. Desse modo, as figuras encaixam-se perfeitamente nas pavimentações do plano, e são muito intrigantes.

Pesquisador da UFMG, Bernardo Nunes Borges de Lima acredita que Escher tem o potencial de atrair a população para as curiosidades matemáticas. “A questão é o quanto ele pode incentivar a população a gostar mais da área, devido aos curiosos elementos percebidos pelas pessoas, mesmo que não saibam do que se trata”, aponta.

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Notáveis matemáticas

Matemática e Estatística da Pontifícia Uni-versidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), Elenice Zuin explica que, embora as mulheres possam estudar e se dedicar à área que desejarem, desde a Grécia Antiga, poucas tiveram seus nomes ligados à Ma-temática. Isso porque, historicamente, não era permitido que estudassem. “Durante muito tempo, foram mantidas escolas ‘para meninos’ e ‘para meninas’, com currículos diferentes. Os conteúdos de Matemática, para elas, se fixavam em menos da metade do que se designava a eles. A coeducação foi um processo lento. Um exemplo, no ní-vel superior, está ligado à Escola Politécni-ca de Paris, fundada em 1794, e exclusiva para o sexo masculino, com o intuito de formar matemáticos e cientistas”, explica.

Para compreender a disparidade en-tre gêneros nas Exatas, é preciso considerar uma conjugação de fatores sociais, históri-cos e culturais que levaram ou obrigaram as

mulheres a não ter a Matemática como meta profissional. “No Brasil, elas só tiveram direito ao voto em 1932. Hoje, ainda lutam por direitos civis, políticos e sociais. Além disso, nas universidades, e mesmo na edu-cação básica, por décadas, os professores da área eram engenheiros. Em todo o meu Ensino Básico, por exemplo, só tive homens como professores de Matemática e Física”, comenta Elenice Zuin.

Cridas e realizadas pelo Impa há 13 anos, as “Olimpíadas de Matemática” po-dem ser vistas, atualmente, como estímulo ao envolvimento feminino com as Ciências Exatas, em especial, com a Matemática. Elenice explica que as provas ocorrem anualmente no Brasil, e têm contribuído para que muitas garotas se interessem pela área. “Os alunos medalhistas têm a oportu-nidade de cursar, por um ano, o Programa de Iniciação Científica Jr., com bolsa do Conselho Nacional de Desenvolvimento

Científico e Tecnológico (CNPq). Minha sobrinha foi medalhista mais de uma vez, cursou o Programa de Iniciação Científica e despertou para a Matemática”, celebra.

A professora Bárbara Amaral também entende que ainda haja pouca inclusão de mulheres em estudos científicos de Mate-mática. “Cada vez que uma de nós rece-be um prêmio, é uma vitória para todas. Quanto mais diversidade, melhor”, analisa a pesquisadora, cuja tese de doutorado foi premiada, pela UFMG, em 2014, como a melhor da área de Exatas. Segundo Flávia Marcatto, a disseminação de informações em torno da questão de gênero, na internet, apresenta-se como caminho para a solução das disparidades. “Outra saída, a meu ver, é uma educação que discuta tais (des)igual-dades a partir de um cuidado maior, ao apresentar a disciplina nos anos iniciais da escolarização, para não associá-la à coisa bruta, masculina”, destaca.

Elas venceram preconceitos históricos e se tornaram grandes nomes da ciência dos números e das lógicas

Marquesa de ChâteletNascida no começo do século XVIII, Gabrielle-Émile Le Tonnelier de Breteuil, a Marquesa de Châtelet, teve papel importante na divulgação e no desenvolvi-mento do Cálculo Newtoniano. Aos 27 anos, ela passou a se dedicar

integralmente à Matemática, e escreveu vários artigos científi-cos e ensaios sobre Ciência e Filosofia.

Maria Gaetana Agnesi Contemporânea de Châtêlet, Agnesi foi a primeira a ter notorieda-

de oficial no meio científico de sua época. Ela estudou trabalhos dos irmãos Bernoulli e de Newton, Leibniz, Euler, Fermat e

Descartes. Também discutia Física, Lógica, Ontologia, Mecânica, Hidromecânica, Elasticidade, Mecânica

Celeste, Gravitação Universal, Química, Botâni-ca, Zoologia e Mineralogia.

Sophie GermainNascida no século XVIII, na França, Germain

foi matemática, física e filósofa, com contribui-ções à teoria dos números e da elasticidade. Ainda

jovem, estudou a teoria básica de números, cálculos e trabalhos de Leonhard Euler e Isaac Newton. Também

se aprimorou em Química, Física, Geografia, História, Psicologia e publicou dois volumes de trabalhos filosóficos.

Mary Fairfax Greig SomervilleNascida na Escócia, em 1780, Somerville não teve educação escolar antes dos dez anos. Entretanto, estudou o Principia de Newton, Astronomia Física e Matemática Superior. Pu-

blicou vários artigos sobre Física experimental e, a pedidos de amigos cientistas, traduziu, ao inglês, o fabuloso e obscuro tratado de Laplace, Mécanique Céleste.

Maryam MirzakhaniAtualmente com 37 anos, a iraniana é professora da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, e se dedica a estudos sobre superfícies hiperbólicas, sistemas dinâmicos e espaços de módulos. Ela foi a primeira mulher a receber a medalha Fields, considerada o Prêmio Nobel da Matemática.

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BIoloGIA

Tatiana Pires nepomuceno

fios de

Método pioneiro contra a calvície pode se revelar eficiente em casos de alopecia androgenética e

queda de cabelo pós-quimioterapia

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MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/ABR/MAI 2017 31

A alopecia, ou queda do cabelo, parcial ou generalizada, não é apenas um problema estético que, proporcionalmente, afeta mais homens do que mulheres. Trata-se, tam-bém, de doença inflamatória causada por vários fatores – dentre os quais, estresse emocional (crônico e ambiental), altera-ções do sistema imunológico, infecções, radiações, menopausa, excesso de meta-bólito ativo dihidrotestosterona (DHT) e alterações tireoidianas.

Segundo Bruna Duque Estrada, co-ordenadora do Departamento de Cabelos e Unhas da Sociedade Brasileira de Dermato-logia, a calvície afeta cerca de 80% dos ho-mens e 40% das mulheres no País – obvia-mente, com relevantes diferenças de gênero, tanto com relação a sintomas quanto aos níveis de queda. Ainda de acordo com Bru-na, existe o que se pode chamar de “faixa etária clássica” para que se comece a ficar calvo: no caso delas, entre 15 anos e após a menopausa; no que se refere a eles, entre 18 e 40 anos, com ocorrências registradas do problema em crianças de 8 a 10 anos.

Os sinais, na verdade, começam de-vagarinho, quase de forma imperceptível: a cada banho, o cabelo fica mais ralo; na escova de pentear, surgem mechas e me-chas. Assim ocorreu com Guilherme de Faria, engenheiro civil da Ferrovia Centro Atlântica (FCA), que percebeu indícios de calvície por volta de 2012. “No início, não

dei muita importância, pois o progresso da queda ocorre de maneira lenta e pou-co perceptível. Só depois de um ano é que iniciei tratamento, com uso oral de finas-terida, aplicação noturna de Minoxidil, in-gestão de um terceiro remédio manipulado e sessões de carboxiterapia. Atualmente, também faço tratamento homeopático”, conta ele, que, apesar do enorme esforço, não está satisfeito com o resultado: “Os fios pararam de cair, mas a parte calva per-manece sem crescimento perceptível”.

A esperança, contudo, vem de trem! E, conforme acontece com tal típico transporte mineiro – cujos vagões, em trajeto contínuo e constante, param em diversas estações, recebem e deixam passageiros, mas sempre chegam ao destino final –, também assim o é com a questão da calvície. A metáfora serve para ilustrar as idas e vindas do universo da pesquisa, que começou há 25 anos, quando o professor Robson Santos, doutor em Fisiologia e CEO da Labfar, estudava o uso da Angiotensina (1-7) para o tratamento de doenças cardiovasculares e metabólicas, como a diabetes mellitus.

Ocorre que, paralelamente, o profes-sor Frederic Frezard, do Departamento de Fisiologia e Biologia o Instituto de Ciên-cias Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (ICB/UFMG), pesquisava a utilização de lipossomas (gotículas de

gordura) com afinidade ao folículo pilo-so. Das duas linhas de pesquisa, surge a ideia de unir as tecnologias e inserir a Angiontensina (1-7) dentro do lipossoma, justamente, para desenvolvimento de um tônico contra a calvície. “Conseguimos atravessar o couro cabeludo e atuar direta-mente no folículo piloso, de modo a liberar a Angiontensina, que, por sua vez, libera o Óxido Nitro, um vaso dilatador”, explica Robson Santos.

De acordo com o professor, a com-binação da produção de Óxido Nitro com a redução de radicais livres, alinhada ao fato de a formulação cosmética usar lipídeos endógenos, faz com que o tônico capilar seja quase um “organo cosmético”. Tal fato é um dos principais diferenciais da tecno-logia, que, após testes, poderá ser usada por pacientes em tratamento quimioterápi-co ou de radioterapia.

Segundo Robson Santos, os testes clínicos em humanos já foram realiza-dos pela equipe do INCT, e os resultados revelaram-se positivos para fotossensibili-zação, promoção do crescimento e isenção de irritação. E quanto aos testes clínicos, realizados para o crescimento do cabelo em pacientes em tratamento quimioterápi-co? “Os testes clínicos em animais foram muito positivos. Por isso, o próximo passo será passar às análises em humanos. A previsão é que o tônico seja comercializa-do ainda em 2017”, afirma.

PARTICIPAção DA FAPEMIGCooRDEnADoR: Robson Santos InSTITuIção: INCT NanobiofarChAMADA: Programa INCTs (parce-ria MCTIC, CNPq, Capes e FAPs) VAloR: R$ 5.118.718,00.

Labfar é um spin-off do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) em Nanobiofarmacêutica (INCT-Nanobiofar), apoiado pela FAPEMIG.

No projeto, estão envolvidas as em-presas mineiras Alamantec, do grupo Labfar, e Yeva Cosmétiques.

Alimentação X Calvície

Outra linha de ação para evitar perda de cabelos diz respeito à qualidade da alimen-tação. A nutrição pode auxiliar tanto na prevenção quanto no tratamento da calvície. Segundo Edith Zulato, nutricionista esportiva do Conselho Regional de Nutricionis-tas de Minas Gerais, o déficit nutricional está diretamente relacionado ao retardo da fase anágena (de crescimento) e ao aceleramento da etapa telógena (ligada à queda do cabelo). “Usar alimentos com maior quantidade de vitamina e selênio, como as casta-nhas (amêndoas, pistache, noz, amendoim), e ingerir frutas e vegetais com betacaro-teno, como cenoura, mamão, manga e abóbora, são ações que ajudam o organismo a combater a calvície”, esclarece. Contudo, não é para exagerar no consumo de vitaminas. O equilíbrio na alimentação é fundamental, pois a hipervitaminose – ou envenenamento por vitamínicos – pode levar a quadros de intoxicação, e, por consequência, à queda dos cabelos. “O orga-nismo como um todo, o que inclui os pelos, é feito de nutrientes, mas temos que manter o equilíbrio. Nada de tomar vitaminas industrializadas sem real necessidade”, complementa a nutricionista.

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DIVulGAção CIENTíFICA

Roberta nunes

Ciência a mil mãosAções de divulgação científica nos aglomerados da Serra e Cabana do Pai Tomás, em Belo Horizonte, almejam construção coletiva de ideias e objetos

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MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/ABR/MAI 2017 33

Saraus culturais, sessões de cinema comentado, práticas de educação em saú-de e produção de brinquedos são alguns dos recursos a permitir, de maneira inte-rativa e descontraída, o compartilhamento de saberes acerca de ciência, tecnologia e inovação. Eis os instrumentos usados pelos professores Bráulio Silva e Cláudia França, do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (Cefet-MG), que, juntos, desenvolvem um projeto de popularização das práticas científicas nos aglomerados da Serra e Cabana do Pai To-más, em Belo Horizonte.

Desde 2016, o Centro Cultural Lá da Favelinha, na Serra, e o Grupo de Apoio à Criança e ao Adolescente, no Cabana, abri-ram suas portas para o fortalecimento do diálogo entre a ciência e a população. O Centro fica na Vila Fazendinha – uma das sete vilas da maior favela de Minas Gerais. O espaço foi idealizado em 2014, pelo rapper Carlos dos Anjos, mais conhecido como Kdu dos Anjos. Atualmente, oferece 15 ofi-cinas, entre as quais, balé, artesanato, pas-sinho, capoeira, danças, inglês, espanhol e rap. Já no bairro Cabana, o Grupo de Apoio, com gestão consolidada há mais de 20 anos, luta por melhores condições de vida para os moradores e tem se revelado impor-tante ponte para troca de conhecimento.

O uso de recursos imagéticos possi-bilita que se explore a imaginação e auxilia a abordagem de assuntos mais complexos. Já na primeira sessão de cinema comenta-do no Lá da Favelinha, é possível perceber olhares atentos e curiosos. Na chegada, Maurício Martins de Souza, de 11 anos, apresenta-se e cumprimenta, um a um, com aperto de mão. Na sala de exibição, puffs coloridos acomodam a todos. Logo em seguida, Nicole Barbosa, Raquel Abood e Júlia Guimarães, estudantes do ensino técnico do Cefet-MG, iniciam a atividade.

Os participantes leem, juntos, um resumo da história, trocam ideias sobre corpo humano, emoções, cérebro, e são estimulados a se ater a certas questões durante a sessão. Terminado o bate-papo, as luzes se apagam: chega a pipoca e se inicia o filme. A animação Divertidamente conta a história de Riley – garotinha que

passou por mudanças importantes em sua vida, assim que os pais mudam de cida-de. Dentro do cérebro da menina, estão as personagens-emoções do filme: alegria, medo, raiva, nojinho e tristeza.

Ao terminar a exibição, os jovens passam a discutir o que viram. De mãos le-vantadas, os participantes disputam a pos-sibilidade de opinar sobre o funcionamen-to das emoções. “Achei muito legal. Acho que deu para reconhecer o corpo humano, nem que seja um pouquinho”, destaca Maurício, que frequenta o Lá da Favelinha há mais de um ano. Ao perguntar a ele se gosta da disciplina de ciência na escola, a dúvida se revela: “Um tanto sim, um tanto não. Quando fala dos animais, da natureza e do corpo, acho bem legal. A parte chata é que a professora fica falando, falando, falando. Daí, cansa. Se você vier para cá, aprende de forma interativa. Lá, vai querer saber tudo e falar”, completa.

A proposta cinematográfica também serve de oportunidade a jovens do ensino médio e técnico. Para Julia Guimarães, 17, bolsista do projeto, “a parte mais legal foi conseguir falar de um assunto impor-tante, mas de maneira que todos consi-gam entender. Afinal, estávamos tratando de uma coisa complexa: o funcionamento do cérebro. Além disso, ter contato com crianças, e poder ensiná-las, é algo es-sencial para mim, porque quero isso para meu futuro”, confessa.

Brinquedos científicos Construir um objeto é um modo de

fazer com que tentativas e erros se tornem elementos divertidos e inspiradores. Por isso, o segundo passo do projeto busca desenvolver um boneco de tecido, que con-tenha os sistemas do corpo humano. Por meio dele, espera-se um aprendizado mais dinâmico. Para tal, a equipe visitou as co-munidades e discutiu o modo como a figura humana foi representada, da pré-história aos dias de hoje. Na ocasião, apresentaram--se trabalhos de Picasso, Basquiat, Botero e Leonardo da Vinci, com o intuito de revelar a liberdade da arte em representar a figura humana. A partir de tal provocação, crianças e adolescentes fazem desenhos de pessoas

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da comunidade, que servirão como base à construção do boneco.

Depois dessa etapa, os participantes das duas comunidades visitaram o Museu de Ciências Morfológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e obser-varam, de perto, as estruturas do organismo humano. “Eles estão trabalhando conosco. Quando terminar todo o processo, vamos transmitir as instruções às costureiras da comunidade, a partir do que discutimos. Queremos que a construção seja feita de forma colaborativa”, acrescenta Cláudia França. Para isso, recorreu-se a referências capazes de direcionar o trabalho, como os conceitos do The Tinkering Studio, do Ex-ploratorium Museum e do espaço Dóing – Oficina Aumentada, que convidam seus visitantes a criar, a fazer, a experimentar, a construir e a compartilhar objetos diversos.

Democratização do saberPara Bráulio Ribeiro, coordenador do

projeto, espaços sociais como os aglome-rados não se constituem apenas como am-bientes para legitimar a produção científica e tecnológica. Trata-se, na verdade, de lugares onde saberes oficiais precisariam de inserção verticalizada, por meio de pro-

dução diferenciada e ativa. Neste sentido, assume-se que o fazer científico e tecno-lógico do Cefet não pode ser visto como único ou exclusivo, disposto de forma su-perior, mas, antes, como lugar de saberes institucionalizados.

Por isso, a ação de conectar ciência, tecnologia e inovação em lugares distintos acaba por ser entendida como a possibi-lidade de democratização da produção intelectual, do acesso aos conhecimentos instituídos e da visibilidade de saberes que emergem fora dos espaços educativos formais. Na visão de Kdu dos Anjos, esse é o modelo de ensino-aprendizagem ideal: “Tentei estudar no Cefet, mas não conse-gui. Acho que, para as poucas pessoas que tentam, é massa que conheçam, desde cedo, o que é uma escola pública. É preci-so desconstruir esse funil para chegar lá. Entramos no Cefet para realizar um tanto de atividades, e estou muito feliz que isso esteja acontecendo”, completa.

PARTICIPAção DA FAPEMIGPRojETo: O CEFET-MG, do Cabana do Pai Tomás ao Aglomerado da Serra: conexões entre ciência, tecnologia e educaçãoCooRDEnADoR: Bráulio Silva ChavesInSTITuIção: Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (Cefet-MG)ChAMADA: Apoio à Organização e Execução de Ações de Popula-rização da Ciência, Tecnologia e InovaçãoVAloR: R$ 86.112,62

Tinkering significa reparar, manipular e construir de forma não especializada, por meio da experi-mentação.

Saraus estimulam troca de conhecimento entre moradores

Divu

lgaç

ão

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mEDICINa

Verônica Soares da Costa

Contra o (silencioso) algoz

da cogniçãoEstudo indica caminhos para tratamento de

jovens e crianças com QI comprometido pela falta de oxigenação típica da doença falciforme

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Umas das alterações genéticas mais frequentes no Brasil, a doença falciforme integra um grupo de disfunções caracteri-zadas pela predominância da hemoglobina S (HbS) nas hemácias. Segundo dados do programa de triagem neonatal em Minas Gerais (PTN-MG), a incidência no Estado é de 1 a cada 1.400 recém-nascidos. Nas pessoas com a doença, a hemácia adquire formato de foice e se autodestrói, processo chamado de falcização.

Tal quadro também obstrui o cami-nho do oxigênio no organismo, de modo a comprometer, globalmente, a saúde dos pacientes, e em diferentes níveis: “No co-ração, o problema pode levar ao infarto. No cérebro, ao AVC. Nos olhos, à cegueira. Trata-se de doença sistêmica, cuja crise pode ocorrer em qualquer parte do corpo, e, dependendo da dimensão, gera sequelas irreparáveis. Pessoas com anemia falcifor-me convivem com quadros intensos de dor e sofrimento”, explica a psicóloga Isabel Pimenta Spínola Castro.

Em sua tese de doutorado, Isabel dedicou-se a investigar grupos de jovens com anemia falciforme (HbSS), a mais comum e mais grave dentre os subtipos da doença. Além de psicóloga, ela é pro-fessora do Centro Universitário UNA, em Belo Horizonte, e, há 17 anos, trabalha no Núcleo de Ações e Pesquisa em Apoio Diagnóstico (Nupad), órgão complementar da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Mestre e doutora em saúde da criança e do adoles-cente, a pesquisadora foi impulsionada a investigar o tema a partir de seus contatos diários com as famílias no Centro de Edu-cação e Apoio Social do Núcleo de Ações e Pesquisa em Apoio Diagnóstico, coorde-nado por ela na UFMG.

A tese de Isabel – “Avaliação de siste-mas cognitivos na anema falciforme: estu-do comparativo de crianças e adolescentes com e sem infartos cerebrais silenciosos”, que contou com orientação do professor Marco Borato Viana, uma das maiores re-ferências em hematopatologia pediátrica no Brasil – é fruto de investigação de vasto fôlego. A pesquisa cruzou dados de deze-nas de crianças e adolescentes doentes e saudáveis, com idades entre 7 e 13 anos, e

“O Nupad tem como missão de-senvolver ações de extensão, pesquisa e ensino, de modo a que os profissio-nais da ponta também melhorem o atendimento e os resultados nas vidas dos pacientes. Todos os serviços de-vem estar integrados”, comenta Isabel Pimenta. Uma das ações já em anda-mento é o projeto “Saber para Cuidar – Anemia falciforme na escola” (http://www.cehmob.org.br/?page_id=222), coordenado pela professora. Com fi-nanciamento do Ministério da Educa-ção e ligado à Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversi-dade e Inclusão (Secadi), a proposta busca formar educadores para atender e dar suporte aos estudantes e às famí-lias, por meio da criação de uma rede de apoio ao professor, que poderá auxiliar o aluno nos cinco estados de maior incidência da doença no Brasil: Minas Gerais, Bahia, Rio de Janeiro, Pernambuco e Maranhão.O projeto também tem parceria com a Secretaria Estadual de Educação de Minas Gerais e capacitou cerca de 600 profissionais de Minas.

apresentou resultados inéditos na literatura científica nacional sobre o tema, de manei-ra a corroborar informações internacionais e a indicar novos procedimentos clínicos para tratamento e acompanhamento esco-lar de quem tem a enfermidade.

Perfil da enfermidadeA doença falciforme origina-se na

África, e chega ao Brasil, a partir do sécu-lo XVI, com a vinda dos negros, ao País, como escravos. Sua maior incidência coin-cide com o mapa da escravidão brasileira, sendo a Bahia e o Rio de Janeiro os esta-dos com maior número de casos, seguidos de Minas Gerais, Pernambuco e Maranhão.

Trata-se de enfermidade consanguí-nea – ou seja: mais comum entre pessoas que se relacionam dentro da própria famí-lia. Tal herança é autossômica-recessiva: tanto a mãe quanto o pai precisam ter a

mutação em seus genes, o chamado “traço falciforme”. Quando associados os genes com o traço, há 25% de chances de nas-cimento de uma criança com a doença, e 50% de possibilidades de o bebê adquirir o traço. Os outros 25% são de recém-nas-cidos saudáveis. “O traço falciforme não é a doença, embora o senso comum tenha difundido, erroneamente, que ele possa levar as pessoas a desenvolver um quadro mais grave”, esclarece Isabel.

O indivíduo com a doença terá crises de dor, decorrente do processo de falciza-ção, (hemácias em formato de foice), coti-dianamente, ao longo de toda a vida, ainda que tenha acompanhamento médico e siga, corretamente, as orientações. O quadro se intensifica em situações como febres, in-fecções e frio, e não há como blindar o indivíduo de circunstâncias que desen-cadeiam crises, sempre acompanhadas de intensa dor. “Esses indivíduos sentem dores o tempo todo, e elas variam de inten-sidade e gravidade, a depender da região do corpo. Desde o nascimento, há relatos de sofrimento. Somente nos primeiros seis meses de vida é que estão um pouco mais protegidos, pois nascemos com a hemo-globina de nossas mães – a fetal –, que se torna uma proteção”.

Implicações cognitivasCrianças e adolescentes com anemia

falciforme têm comprometimento cogniti-vo explicado pela própria fisiopatologia da doença – a redução de oxigênio no sangue leva a alterações cerebrais, que causam danos no funcionamento mental. “Acom-panho crianças que ficam muito tempo internadas, perdem aulas e conteúdos escolares, além de sofrer com a falta de atenção. Queria obter mais dados na pes-quisa do doutorado para entender melhor esse quadro”, explica a professora.

A pesquisa é um marco na literatura nacional sobre o tema por ter acompanha-do 64 crianças e adolescentes com anemia falciforme e outras 64 saudáveis, para fins comparativos. Isabel partiu da hipótese de que crianças e jovens com anemia falcifor-me têm mais dificuldades de aprendizado do que aqueles sem a doença. Triados e acompanhados pelo Nupad, e em tra-

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tamento pela Fundação Hemominas, os estudantes foram pareados por sexo, gê-nero e idade, com crianças saudáveis em situações socioeconômicas equivalentes, matriculadas em escolas públicas.

No grupo de pacientes doentes, Isa-bel detectou aqueles com infartos cerebrais silenciosos (ICS), quadro assintomático identificado por meio de ressonâncias magnéticas. A expectativa era de que essas crianças e jovens (32% dos pacientes) tives-sem desempenho pior do que as crianças com anemia falciforme sem ICS. No entanto, os resultados dos testes de QI demonstra-ram que não houve diferença significativa, mesmo entre aqueles que não tinham infarto cerebral. “Em comparação referente a todas as medidas cognitivas, porém, as crianças doentes apresentaram-se muito piores do que as saudáveis. É assustador e muito preocupante”.

Os testes de QI foram realizados a partir da Escala de Inteligência Wechsler, uma das mais usadas no mundo: “É um teste superdinâmico, com 12 subtestes re-alizados pela criança, como se participas-se de brincadeiras, com quebra-cabeça, contação de histórias e uso de habilidades cognitivas”, explica a pesquisadora. O tes-te resulta em três medidas de QI – total, verbal e não-verbal (capacidade de exe-cução) – e quatro índices fatoriais (agru-pamentos de habilidades): velocidade de processamento, organização perceptual, resistência a distração e compreensão ver-bal. “Para todas essas medidas, o grupo doente revelou-se muito, muito pior do que o saudável”, conta Isabel.

No estudo, também foram aplicados questionários socioeconômicos, a fim de considerar o pressuposto de que a inteli-gência sofre influência das condições so-ciais. As análises estatísticas demostraram que o grupo saudável tinha condição so-cioeconômica melhor do que aquele com crianças doentes, mas isso se explica pelo quadro de marginalidade das pessoas com doença falciforme, de maneira geral: “A enfermidade é comum em negros, pobres e excluídos sociais. As mães, com frequ-ência, param de trabalhar para cuidar dos filhos, que são muito dependentes. No total, 95% dessas famílias precisam de

algum tipo de benefício do governo para sobreviver”, detalha a pesquisadora.

Ainda assim, Isabel fez um cruza-mento de todos os dados de quem tinha mesmo nível socioeconômico e, também, a doença, para comprovar que a anemia falciforme leva a um desempenho pior em qualquer caso: “Ao controlar o nível socioeconômico nos testes estatísticos, confirmamos o quanto a doença interfere diretamente na cognição desses estudan-tes, mais do que a situação econômica das famílias”. Crianças e jovens com a enfermidade apresentaram, em média, QI 21 pontos inferior ao da média do grupo controle. “O resultado é muito pior do que imaginávamos e mostra que a doença afeta a cognição, embora de forma silenciosa e assintomática”, alerta.

A partir dos dados hematológicos das crianças, obtidos pelo acompanha-mento médico na Fundação Hemominas, foi possível identificar tendências im-portantes e propor novos tratamentos. O estudo identificou, por exemplo, que as hemoglobinas fetal e total se transforma-vam em fatores de proteção da condição de aprendizagem, o que resultou na reco-mendação da administração do quimiote-rápico hidroxiureia para todas as crianças com a doença. “O medicamento aumenta a hemoglobina fetal l, mas só era indicado a uma parcela da população considerada de maior risco. Vimos, porém, que o fator de

proteção que ele pode gerar é fundamental ao desenvolvimento cognitivo desses jo-vens e crianças”, esclarece.

A indicação da hidroxiureia, via He-mominas, para todos os doentes, está em processo de negociação, pois depende da alteração de protocolos médicos, mas será fundamental para diminuir o risco de infartos cerebrais silenciosos. O estudo também recomenda a realização de um protocolo de avaliação psicológica em lu-gares que tratam de doença falciforme, a fim de identificar o tamanho do problema e orientar as escolas sobre como lidar com esses alunos em sala de aula. “Quadros de depressão e ansiedade são muito comuns entre os doentes, e é preciso pensar em medidas de reabilitação e acompanhamen-to psicológico”, orienta Isabel.

A pesquisa é transversal e abre possibilidades para acompanhamento do mesmo grupo ao longo dos anos, a fim de qualificar os dados sobre o desempenho das crianças doentes. Os resultados serão importantes para planejar ações de reabili-tação e auxiliar as escolas na oferta de um melhor acompanhamento pedagógico. Em parceria com as Secretarias de Educação (estadual e municipais) de Minas Gerais, por exemplo, será possível mapear os es-tudantes com anemia falciforme, para que suas vidas escolares sejam monitoradas individualmente, a fim de minimizar os da-nos cognitivos causados pela doença.

*Grupo controle: crianças e adolescentes sem a doença falciforme

Cognição na doença falciformeCrianças e adolescentes dos 7 aos 13 anos sem episódios de AVC (diagnosticadas pelo Programa de Triagem Neonatal de MG)

Grupo controle*: 112,31

Com episódios de ICS(infartos cerebrais silenciosos)

QI Total90,95

31,2%

QI Verbal91,41

QI de Execução92,34

Grupo controle*: 113,97

Grupo controle*: 113,38

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PSIColoGIA

Roberta nunes

De mãos dadas ao tempo

Psicólogos da uFTM pesquisam processos de construção e transformação das relações de casais que estão juntos há mais de 30 anos

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MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/ABR/MAI 2017 39

Foi nas rodas de samba da juventude que Mirtes Helena – hoje, com 64 anos – e Sílvio Scalioni, 66, se apaixonaram. Pas-sados 42 anos dos primeiros embalos de companheirismo, os dois permanecem juntos. Em tempos de amores líquidos e de laços humanos frágeis, compreender tais casamentos de longa duração, sob a perspectiva psicológica, significa trazer luz às estratégias de manutenção de relacio-namentos. Para tal, sete pesquisadores da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), vinculados ao Laboratório de In-vestigações sobre Práticas Dialógicas e Re-lacionamentos Interpessoais (Prosa-CNPq), em parceria com pesquisadores da Univer-sidade de São Paulo (USP), buscaram ana-lisar processos de construção e transforma-ção inerentes às relações conjugais.

Quais os principais conflitos de um casamento? O que pode contribuir para sua manutenção? Por fim, que estraté-gias são usadas pelos casais? Para tentar responder a tais questões, os pesquisa-dores entrevistaram 32 cônjuges casados há mais de 30 anos, e que não passaram por qualquer tipo de separação. Do ponto de vista metodológico, aplicaram escalas e questionários, além de recorrer a ro-teiros de entrevistas e a técnicas como a de “história de vida oral”. O projeto é coordenado pelo psicólogo e professor Fabio Scorsolini-Comin, autor de livros como Casamento e satisfação conjugal: um olhar da Psicologia Positiva (Editora Annablume) e Aconselhamento psicoló-gico: aplicações em gestão de carreiras, educação e saúde (Editora Atlas).

A partir das pesquisas realizadas, foi possível perceber que existe um ponto em comum nos casais entrevistados: os filhos. Percebeu-se, portanto, que a parentalida-de, ao mesmo tempo em que pode causar potenciais conflitos, também representa um fenômeno importante, como com-plemento à relação de casal. “Esse dado também aponta que os filhos podem ser uma exigência para os casais longevos, de modo que ser pai e mãe são funções asso-ciadas, inequivocamente, à conjugalidade. Para os casais entrevistados, não se conce-be a ideia de um casal feliz sem a presença de filhos”, explica o psicólogo.

De acordo com Fabio, a informação leva ao raciocínio de que casamentos de longa duração podem alimentar valores tradicionais, de modo a abrir pouco espaço à experimentação de novos papéis e à pos-sibilidade de releituras acerca do que seja a família. “Obviamente, essas considerações devem ser recebidas com parcimônia, haja vista o fato de que são fruto de pesquisas qualitativas e cujos achados não podem ser generalizados para a população geral”, alerta. Importante ressaltar, também, que o casamento duradouro não anula a exis-tência de problemas. O pesquisador pon-tua que os casais precisam ser ouvidos e acolhidos, possivelmente, em serviços de saúde e em clínicas psicológicas.

Com mais tempo juntos do que se-parados, os pontos em comum auxiliaram a relação de Mirtes e Sílvio. Eles comparti-lharam objetivos na profissão, trabalhos de fins-de-semana, música, filhos, e, agora, a aposentadoria. “Tudo foi feito aos poucos. Nós nos formamos em 1974 e casamos um ano depois. Éramos duas figuras inocentes do interior, numa cidade grande. Tínhamos nossos valores e construímos a relação que temos hoje. Erramos algumas vezes e percebemos o que dava certo ou não. Acre-dito que, hoje, as pessoas têm um pouco de preguiça de construir, pois desejam tudo pronto”, acredita Mirtes.

Sílvio e Mirtes: parceria e companheirismo em áreas as mais diversas

Arquivo pessoal

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PARTICIPAção DA FAPEMIGPRojETo: Casamentos de longa duração na perspectiva da psicologia positiva: estratégias de manutenção do casamento, fontes de apoio, bem--estar subjetivo e satisfação conjugalCooRDEnADoR: Fabio Scorsolini--CominInSTITuIção: Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM)ChAMADA: Demanda UniversalVAloR: R$ 23.830,80

A percepção da esposa de Sílvio não está equivocada. De acordo com o artigo “Conjugalidade e casamentos de longa duração na literatura científica”, publicado em 2016 por pesquisadores do Prosa, a exacerbação do individualismo, na con-temporaneidade, afeta a visão de relaciona-mento afetivo, encarado, atualmente, como solúvel, e, em certos casos, tido por volátil. Daí a duração incerta dos relacionamentos modernos, posto que relacionada ao grau de satisfação de cada um. As relações acabam por se apropriar de características da mo-dernidade líquida, a exemplo da “solubilida-de dos afetos” abordada pelo sociólogo po-lonês Zygmunt Bauman (1925-2017). Isso porque há sempre uma novidade disponível no mercado – geralmente, com a promessa de que algo será melhor e mais completo. Desse modo, o estímulo ao consumo frené-tico encontra um equivalente na efemerida-de dos relacionamentos amorosos.

EstratégiasA análise dos dados da pesquisa

qualitativa não pode ser generalizada, mas aponta que as principais estratégias usa-das para manutenção do relacionamento conjugal dos entrevistados dizem respeito a ingredientes como compreensão, com-prometimento, doação, desenvolvimento de hábitos ou comportamentos indivi-duais, religiosidade ou espiritualidade, afetividade, necessidade de adaptação e humildade. “É importante compreender que esses elementos narrados pelos casais ocorrem de modo articulado, e não po-dem ser analisados isoladamente. O laço conjugal é mantido por estratégias desen-volvidas e transformadas tanto a partir de recursos pessoais como de noções com-partilhadas pelo par”, complementa Fabio Scorsolini-Comin.

Aspectos histórico-sociais também influenciam a dinâmica conjugal, da es-colha do par à construção da trajetória percorrida pelo casal. Na vida de Mirtes e Sílvio, vários dos elementos citados pela pesquisa estão presentes no dia a dia: cumplicidade, companheirismo e desen-volvimento de hábitos pessoais, por exem-plo, sempre foram fundamentais. Por isso, a banda Boca de Sino revelou-se relevante

em seu relacionamento, de modo a lhes possibilitar atividades de prazer.

As viagens – uma vez ao ano – e as idas semanais ao cinema são respiros na rotina. Além disso, a família sempre se mostrou como ponto de apoio. “Temos valores de família, muito agarrados, com filhos e netos. Valorizamos os momentos familiares, e sentamos juntos aos domin-gos, no Natal e na Páscoa. Fora isso, a gente se gosta muito e se conhece só pelo olhar”, complementa Mirtes.

Apesar da história do casal ter suas especificidades, a pesquisa mostrou que a participação da família e a religiosidade ou espiritualidade são apontadas nos relatos dos casais entrevistados como fontes de apoio para o casal. “Isso deve ser compre-endido dentro do contexto de realização da pesquisa, que é o de casais residentes em cidades interioranas dos estados de São Paulo e Minas Gerais e que frequentemente relatam pertencer a alguma religião”, acres-centa Scorsolini-Comin.

Relevância da pesquisaAtualmente, discute-se muito a conju-

galidade e o divórcio, mas pouco se estuda sobre os casais que, em sua maioria, pas-sam por várias fases da vida juntos. Dian-te disso, dar visibilidade a esses grupos é muito importante, para abordar novos nor-teadores estratégicos da vida a dois.

Os estudos ocorreram com o apoio do CNPq e da FAPEMIG. A relevância do

trabalho levou ao reconhecimento em di-ferentes esferas. Em 2015, o estudo sobre os recursos pessoais usados para a manu-tenção do matrimônio em uniões de longa duração recebeu menção honrosa no XI Congresso Latino-Americano de Psicotera-pia. Em 2016, a menção honrosa foi dada na Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Psicologia (SBP).

O próximo passo do grupo é iniciar a coleta de uma pesquisa quantitativa que vai investigar a religiosidade e a espiritualida-de em casamentos de longa duração. Esse foi um dos aspectos bastante mencionados nas entrevistas com os casais. O objetivo é compreender como esse recurso está as-sociado à satisfação nos relacionamentos.

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ENGENHARIA

Caçadores de ventos

Com auxílio de veículos aéreos não tripulados (vants), pesquisadores da unifei investigam

potencial de energia eólica em regiões próximas a represas mineiras

Téo Scalioni

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Nos últimos anos, as fontes renová-veis de energia – a exemplo da biomassa, da eólica e da solar – passaram a ter pa-pel fundamental no desenvolvimento das economias emergentes. No Brasil, mesmo com boa capacidade para tal exploração, o investimento em novas possibilidades é ainda escasso. No caso dos recursos energéticos oriundos dos ventos, por exemplo, o País conta com potencial de geração anual 600 vezes maior do que a própria demanda nacional. No entanto, a capacidade instalada representa, hoje, apenas 0,3% da energia elétrica nacional.

Com o pensamento na inversão desses números, e na melhoria do apro-veitamento de fontes renováveis, o proje-to “Uso de Vant para prospecção eólica em sistemas aquáticos”, realizado por pesquisadores da Universidade Federal de Itajubá (Unifei), busca estudar o com-portamento de ventos próximos a repre-sas mineiras. A iniciativa, que tem apoio da FAPEMIG, pretende avaliar o potencial de energia eólica em tais ambientes. Isso porque, conforme já apresentado em tra-balhos científicos, o aproveitamento em reservatórios hidrelétricos é promissor, devido a várias razões.

Uma delas diz respeito ao fato de os reservatórios construídos em regiões de planalto possuírem, normalmente, forma alongada, com relevo disposto ao longo do eixo principal. Isso introduz regiões de convergência para o vento sobre o lago, o que cria condições orográficas (de relevo) favoráveis ao aproveitamento eólico. Ou-tra vantagem é que, dada a proximidade com o sistema de transmissão, a integra-ção com a rede é facilitada.

Além disso, importante ressaltar que as fontes renováveis são complemen-tares. A energia gerada pelas turbinas eó-licas, em períodos de ventos favoráveis, pode contribuir para o gerenciamento do nível de água do lago, por meio da re-dução de geração hidrelétrica. Ou seja, a água “poupada” nesses períodos pode ser usada durante temporadas climáticas desfavoráveis – como a de seca prolonga-da, por exemplo.

Para realizar a medição do vento – o que pode ser feito a cerca de 100 metros de altura do leito da água –, utiliza-se o vant. Para quem não sabe ainda do que se trata, o termo vem de “veículo aéreo não tripula-do”, uma espécie de drone. Na pesquisa, ao invés dos quadricópteros, mais comuns e conhecidos, tem sido usado um hexo-cóptero, devido a sua maior estabilidade.

Os seis motores do hexocóptero trabalham em sincronia, de forma a com-pensar eventuais perturbações causadas pela turbulência. O controle de altitude é feito por um barômetro, e os motores operam de forma a manter a pressão e, consequentemente, a altitude constante. “As cargas úteis consistem de um ane-mômetro de alta qualidade [instrumento para medidas da velocidade do vento] e de um gravador de dados”, explica Arci-lan Trevenzoli Assireu, coordenador da pesquisa, ao lembrar que o anemômetro foi preso, pelo cabo elétrico de conexão, a quatro metros do vant. “Essa distância foi empiricamente obtida para que a esteira dos motores não influencie as medidas do anemômetro”, completa.

Arcilan conta que também se pode medir o vento, nesses locais, por meio da instalação de torres flutuantes na água, o que, no entanto, envolve grande difi-culdade, devido ao ambiente. A logística é complexa, e os custos, elevadíssimos. Por isso, a ideia de recorrer ao vant foi muito bem aceita, sendo pioneira no Bra-sil. “Esperamos gerar subsídios para os tomadores de decisão, quanto à instala-ção de parques eólicos em reservatórios hidrelétricos e grandes lagos”, frisa.

Em relação ao estágio da pesquisa, em novembro do ano passado, realizou--se ampla campanha no reservatório de Furnas, no município de Guapé (MG). O objetivo foi levantar diversas informações importantes sobre o vento naquela região. Na ocasião, mediram-se ventos a 100 me-tros de altura (altura típica de operação dos aerogeradores atuais), algo jamais realiza-do em sistemas aquáticos brasileiros.

As informações foram importantes para várias atividades já realizadas na re-

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gião, como práticas de voo livre, seguran-ça para navegação, piscicultura, e, tam-bém, é claro, iniciativas relacionadas ao levantamento do potencial eólico – o que permitiria conhecer a viabilidade da ins-talação de parques de geração de energia.

Desse modo, finalizaram-se as etapas científicas do desenvolvimento: testes de dimensionamento, alcance e condições de voo, além de validação dos dados e desenhos amostrais. As próximas etapas contemplam eventuais tratativas no sentido de converter conhecimentos adquiridos em produtos.

Além da FAPEMIG, a pesquisa é apoiada por instituições como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a Unifei, a Universi-dade Federal de Santa Catarina (UFSC) e a Universidade Estadual do Norte Flumi-nense (UENF). As contrapartidas institu-cionais passam de R$ 500 mil, investidos em instrumentação e em aparatos usados em etapas de validação do sistema.

Interesse pelas águas Embora a pesquisa seja realizada nas

proximidades de represas hidrelétricas, a exploração da energia eólica em sistemas aquáticos também pode ser feita em gran-des lagos, rios e oceanos. “Eu mesmo vim da Oceanografia, mas o projeto científico me deixou mais próximo do reservatório, de modo a despertar meu interesse em co-nhecer melhor o regime de ventos nesses ambientes”, conta Arcilan. Segundo o co-ordenador da pesquisa, as primeiras aná-lises têm confirmado a expectativa quanto ao grande potencial para energia eólica na região. “Veio a certeza de que muitos ambientes têm condições favoráveis para instalação de parques eólicos”, acredita.

Em 2016, o projeto foi selecionado a participar da Feira Internacional de Negó-cio, Inovação e Tecnologia (Fnit), realizada, em novembro, na capital mineira. No ver de Arcilan, a participação foi muito provei-tosa, e funcionou, perfeitamente, como elo entre o setor de desenvolvimento e a área de aplicação e de geração de negócios.

Drones X vants

Qual a diferença entra um vant e um drone? Tecnicamente, nenhuma. (O drone, aliás, é um vant.) Ambos são veículos não tripulados, com hélices, controlados por alguém. A diferença relaciona-se às finali-dades de uso: enquanto um está associado ao lazer, outro (vant) conta com fins comer-ciais ou científicos, a exemplo das inves-tigações da Unifei acerca de prospecção eólica em ambientes aquáticos.

Outra diferença está no fato de que vants necessitam, durante o voo, de car-ga útil embarcada, que não seja essencial para que o veículo voe: uma pizza, uma câmara ou mesmo o anemômetro respon-sável por realizar a medição dos ventos.

PARTICIPAção DA FAPEMIGPRojETo: Uso de Veículos Aéreos não Tripulados (VANTs) para pros-pecção eólicaCooRDEnADoR: Arcilan Trevenzoli AssireuInSTITuIção: Universidade Federal de Itajubá (Unifei)ChAMADA: Demanda UniversalVAloR: R$ 48.424,11

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ENGENHARIA E CoMPuTAção

Equipe multiprofissional transforma exercícios fonoaudiológicos em jogos digitais que tornam tratamentos mais estimulantes e eficazes

Alessandra Ribeiro

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Fonoaudiólogos, engenheiros e cientistas da computação trabalharam jun-tos no desenvolvimento de um aparelho que promete tornar as sessões de fonoau-diologia mais atrativas, especialmente para as crianças. Trata-se do T-station, espécie de manete que se encaixa na boca do pa-ciente e permite que ele interaja com jogos enquanto exercita a língua. A tecnologia é um estímulo para adesão ao tratamento de disfunções que afetam processos como a deglutição e a fala, já que os exercícios são considerados, por muitos, bastante repeti-tivos e cansativos.

Apresentado na Mostra Inova Minas FAPEMIG, em novembro de 2016, em Belo Horizonte, o equipamento já obteve ao menos duas premiações: o Grande Prêmio UFMG de Teses, no grupo Ciências Exa-tas, da Terra e Engenharias, para a autora Renata Maria Moreira Moraes Furlan; e o segundo lugar geral na competição “Idea--to-ProductLatinAmerica 2015” (I2P).

Antes de chegar ao joystick, os pes-quisadores desenvolveram um primeiro instrumento, para medir a força da língua. A avaliação permite perceber, por exemplo, o quanto a força cai depois que a pessoa sofre um acidente vascular cerebral (AVC) – ou aumenta, na medida em que a terapia progride. Tradicionalmente, o exame é feito pelo fonoaudiólogo, com o auxílio de uma espátula, ou do próprio dedo.

Em seguida, realizou-se uma adap-tação para medir a força dos lábios. Sen-sores biocompatíveis (próprios para entrar em contato com o corpo humano) possi-bilitaram mensurar, separadamente, a força feita pelos lábios inferior e superior e pelas musculaturas à direita e à esquerda. Os pesquisadores desenvolveram, ainda, um dispositivo próprio para monitorar a suc-ção de recém-nascidos, e, assim, observar se os bebês conseguem, ou não, sugar o leite adequadamente.

O T-Station permite aos profissionais definir, com precisão, a medida da força a ser realizada pelo paciente, monitorar o tempo da contração muscular e o número de repetições, além de gerar um relatório com dados relacionados ao desempenho

da pessoa em tratamento. “A adesão dos fonoaudiólogos é muito positiva para os equipamentos de medição e reabilitação de força, pois, na prática clínica, a avaliação ainda é realizada de maneira qualitativa. O emprego do teste quantitativo permite registrar o progresso do paciente ao lon-go dos processos”, destaca Renata Furlan, autora da tese responsável pela criação do T-Station, pesquisa que teve, como coorien-tadora, Andréa Rodrigues Motta, professora do Departamento de Fonoaudiologia da Fa-culdade de Medicina da Universidade Fede-ral de Minas Gerais (UFMG).

O trabalho foi orientado pelo professor Estevam Las Casas, da Escola de Engenha-ria da UFMG, para quem o método tradi-cional empregado pelos fonoaudiólogos dá margem para que dois profissionais com diferentes níveis de treinamento cheguem a diagnósticos diferentes. “Pensamos que seria interessante desenvolver algo para ter medida objetiva, numérica, e facilitar a comunicação em equipes nas quais um dentista e um fonoaudiólogo, por exemplo, trabalham com o mesmo caso”, conta.

Trabalho multiprofissionalLas Casas destaca o diálogo cons-

tante da Engenharia Biomecânica com a área da saúde, o que inclui cursos como Odontologia, Fisioterapia, e, até mesmo, Veterinária. Antes mesmo de chegar aos consultórios, porém, a pesquisa já se reve-lava multiprofissional. Renata Furlan cur-sou, por exemplo, a disciplina “Desenvol-vimento de Jogos Digitais”, oferecida pelo Departamento de Ciência da Computação (DCC) da UFMG. “Com o auxílio de outros alunos, criaram-se protótipos de jogos a serem testados juntamente ao dispositi-

A letra “T” do nome remete à palavra tongue, que significa lín-gua, em inglês.

A língua desempenha papel importante nas funções de mastiga-ção, deglutição, sucção e fala. Sua fraqueza pode acarretar prejuízos funcionais, além de alterações orto-dônticas e estéticas.

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PARTICIPAção DA FAPEMIGPRojETo: Desenvolvimento de um protótipo para reabilitação da força da línguaInSTITuIção: Universidade Federal de Minas GeraisCooRDEnADoR: Estevam Las CasasChAMADA: Demanda UniversalVAloR: R$ 34.198,50

vo desenvolvido pela Renata”, conta Luiz Chaimovicz, professor do DCC.

Cada vez mais, projetos de diversas áreas necessitam da expertise da Ciência da Computação. “Exemplo disso está no uso de algoritmos sofisticados de tomada de decisão e arcabouços para o processa-mento massivo de dados nas mais diferen-tes áreas do conhecimento, recursos que têm permitido a obtenção de resultados importantes”, ressalta.

Pesquisadores de outras instituições também foram envolvidos nos projetos, a exemplo do engenheiro eletricista Márcio Falcão Santos Barroso, professor da Uni-versidade Federal de São João del-Rei – que participa do desenvolvimento dos equipamentos e dos sistemas de aquisição dos dados – e do engenheiro mecânico Cláudio Gomes da Costa, da Fundação Centro Tecnológico de Minas Gerais (Cetec), especialista em Metrologia. “A

contribuição dos pesquisadores tem sido fundamental, não apenas à calibração dos instrumentos, mas, também, ao projeto e à construção dos equipamentos. No caso do T-station, foi importante o tra-balho de Guilherme André Santana, alu-no de pós-graduação em Engenharia de Estruturas da UFMG”, afirma Renata.

Mais de 400 pessoas, dentre crian-ças, adultos e idosos, já fizeram uso dos dispositivos. No caso específico do T-Sta-tion, os testes envolveram 20 adultos e 8 crianças, no Ambulatório de Fonoaudio-logia do Hospital das Clínicas da UFMG. A patente do produto foi depositada em 2013, e a fabricação em larga escala de-pende, agora, de questões burocráticas, como a obtenção de certificações da Agên-cia Nacional de Vigilância Sanitária (An-visa). Segundo o professor Estevam Las Casas, algumas empresas já manifestaram interesse em produzir o aparelho.

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Os jogos computacionais foram desenvolvidos por meio do software Ga-memaker® e consistem em alvos que aparecem na tela, representados por

imagens de frutas, a serem alcançadas pelo usuário, representado pela imagem de uma mão, por meio da movimentação da peça de comando com a língua. Para

treino de força, o jogador deve tocar o alvo e manter a posição da peça de coman-do pelo tempo estipulado previamente. O fonoaudiólogo pode controlar parâmetros

como grau de dificuldade, tempo de sustentação do movimento, tipo de contração muscular, sentido e direção do movimento, força e número de repetições.

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Ciência nas redes

Novidade no ar

Mas por quê?!

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CoNTEMPoRÂNEAS

Muito antes da ascensão das redes sociais digitais, quando Do-nald Trump ainda era adolescente, a filósofa alemã Hannah Arendt já elaborava, na obra Verdade e Política, sua crítica à permanente ameaça da dissolução do conceito de fato. Em linhas gerais, a autora defen-dia que a mentira sempre fora considerada um instrumento legítimo e necessário, de modo a ser usada como substituta de instrumentos mais violentos em ações políticas. Quase 50 anos após tal teorização, a ideia de que um acontecimento objetivo tenha menos força do que a crença pessoal – no que se refere à capacidade de moldar a opinião pública – ganha destaque, em discursos midiáticos, sob a alcunha de “pós-verdade”.

Eleita “palavra do ano de 2016” pelo dicionário Oxford, o termo “post-truth” (em inglês) ganhou visibilidade a partir das análises so-bre dois importantes acontecimentos políticos: a eleição de Donald Trump, como presidente dos Estados Unidos, e o referendo que de-cidiu pela saída da Grã-Bretanha da União Europeia, fato internacio-nalmente conhecido como “Brexit”. Na ocasião, acadêmicos e mídia tradicional afirmaram que mentiras, boatos e informações duvidosas foram elementos estratégicos muito bem usados, com o intuito de apelar para as emoções do eleitorado e radicalizar as opiniões da po-pulação. No Brasil, as últimas eleições presidenciais e as recentes in-

Mariana Alencar

Além de antiga, a palavra do ano de 2016 revela-se prática

comum na política

vestigações da Operação Lava Jato fizeram com que a aplicabilidade do vocábulo fosse exaustivamente explorada, por meio de blogs, páginas de Facebook e mensagens que circularam (e ainda circu-lam) pelo aplicativo WhatsApp.

Em análise mais ampla, a revista inglesa The Economist afirmou que há tendência de o mundo contemporâneo substituir fatos por indícios; e percepções, por convicções. Segundo a pu-blicação, a sociedade tem deixado de lado avaliações dicotômicas entre certo e errado, verdade ou mentira, para dar lugar a uma era de avaliações fluidas, baseadas em sensações, e não em evidên-cias. Entretanto, o conceito de pós-verdade e a visão que defende a superação de dicotomias representam, para certos pesquisadores, um grande equívoco. Segundo eles, afinal, o termo não é novo, nem representa uma tendência da atualidade, uma vez que não existem fatos objetivos, pois todo acontecimento, enquanto evento percebido pelo homem, é subjetivo.

Segundo o professor Carlos Alberto de Carvalho, professor do departamento de Comunicação Social da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), na prática jornalística, acontecimentos não se revelam neutros, nem objetivos. Trata-se, antes, de fatos sociais, sujeitos às crenças presentes nas próprias formas de in-terpretação de cada um deles. “No jornalismo, trabalhamos com a noção de acontecimentos, que são socialmente ‘apanhados’ por narrativas e discursos. Todo fato social é sujeito a interpretações múltiplas, que podem se basear não em elementos concretos, mas em crenças, sejam políticas, religiosas, culturais etc.”, explica.

Em contrapartida, sob a ótica da Filosofia, a busca por um conhecimento verdadeiro, por uma verdade objetiva, é atrapalha-da por elementos como preconceito, ideologia, opinião e crenças.

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“No mundo atual, percebemos um excesso de informações, mas pouca preocupação em buscar a verdade [preceito básico dos es-tudos filosóficos]. Porém, o homem que não usa o pensamento racional torna-se impossibilitado de enxergá-la”, defende Aroldo Marques, professor de Filosofia da Pontifícia Universidade Cató-lica de Minas Gerais (PUC Minas).

O entendimento da verdade como algo objetivo transfor-ma-se quando o termo é inserido no campo da política. Marques explica que o conhecimento e a verdade são fatores mutáveis, e, ainda que a Filosofia trabalhe com princípios universais, na política, ela se condiciona a questões culturais e ideológicas. “Ao falar de política, tratamos de conflito, de jogo de interesses. Por isso, é quase impossível pensar em ‘objetividade’”, analisa.

mentira bem contadaNa era das redes sociais, em que informações circulam,

pelo mundo, em poucos minutos, faltam tempo e disponibili-dade aos profissionais do jornalismo para que sejam capazes de checar todas as notícias veiculadas nas redes. Eis o momen-to em que boatos, ou notícias falsas, relativos a certo fato não ocorrido, ganham força e, assim, fazem emergir, como elemento fundamental à prática jornalística e à formação da opinião públi-ca, o conceito de pós-verdade.

Na política ou no cotidiano dos cidadãos comuns, por-tanto, informações sem base real adquirem popularidade, com velocidade assustadora. Manchetes como “Lula declara que Sergio Moro não viverá para vê-lo preso”, “Ladrões distribuem chaveiros com rastreadores”, “Silvio Santos removeu um tumor na testa” ou “Ministro Gilmar Mendes manda cancelar o BBB17” circularam via Facebook, Twitter e/ou Whatsapp, nas últimas se-manas, e geraram comentários passionais sobre os assuntos. Tais notícias, porém, foram checadas e declaradas como falsas por sites especializados.

Fundado em 2014, o site Aos Fatos é uma dessas platafor-mas responsáveis pela checagem de assuntos que circulam pela web. Fundadora do portal, a jornalista carioca Tai Nalon explica que, apesar de comum no jornalismo, o “fact-checking” [checa-gem de fatos, em tradução livre] foi sendo abandonado, devido ao excesso de notícias que circulam nas mídias. “Com as redes sociais, tornou-se ainda mais necessária a checagem do que se publica. Montamos, então, um projeto inspirado no modelo do Chaqueado [site especializado da Argentina]. Como, atual-mente, vivemos um momento de crise política, nas próximas eleições, o desenvolvimento, a ascensão e as consequências da ideia de pós-verdade serão fatores importantes, assim como a verificação de fatos se mostrará imprescindível”, defende.

A jornalista explica que certos boatos são complexos de desmentir, por ganha força, por exemplo, no WhatsApp. “Nele, é um desafio averiguar a veracidade do boato, pois fica difícil conhecer sua origem. Também não há muito como saber o po-tencial da dispersão das informações propagadas. E, por vezes, elas são perigosas, complicadas e vão além da política. Cabe ao usuário ter cuidado”, alerta.

Nem verdade, nem mentiraCom humor, Ralph Keyes nos leva a uma turnê por um

mundo onde o conceito de honestidade já não é absoluto, mas mutável e fluido. Para o autor, na era da pós-verdade, além de verdades e mentiras, há uma terceira categoria, a das declarações ambíguas.

LIVRO: The Post-Truth Era: Dishonesty and Deception in Contemporary LifeAUTOR: Ralph KeyesEDITORA: St. Martin’s PressPÁGINAS: 325 ANO: 2004

Linguagem, verdade e poderEm seu último romance, o escritor inglês George

Orwell aborda o futuro da sociedade, em que as pessoas são manipuladas e dominadas por um estado autoritário. No universo fictício da obra, um novo idioma – a novilíngua ou novafala – foi desenvolvida não por meio da criação de novas palavras, mas pela “condensação” e pela “remoção” dos vocábulos e de seus sentidos, com o objetivo de res-tringir o escopo do pensamento. Um clássico da literatura, o livro aparece como reflexão acerca dos excessos deliran-tes de formas de poderes incontestadas.

LIVRO: 1984AUTOR: George OrwellEDITORA: Companhia das LetrasPÁGINAS: 416ANO: 2009

“Não existe justiça; há, apenas, par-tes satisfeitas.”

Exibida e produzida pelo streaming Netflix, a série norte-americana House of Cards narra a história de Frank Underwood (Kevin Spacey), congressista ambicioso e as-tuto que é traído pelo presidente que ajudou a eleger. Com a ajuda da esposa, de uma jornalista ambiciosa e de outro político, Underwood inicia um plano para minar adversá-rios e conquistar, em alguns anos, justamente, a presidên-cia dos Estados Unidos.

SÉRIE: House of CardsGÊNERO: Drama políticoELENCO: Kevin Spacey, Robin Wright, Michael Kelly e entre outros ANO: 2013

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A sábia ciência perguntou ao poema:– O que se oculta nos seus versos?O universo, respondeu o poemaCom cara de quem inventa. A ciência ciente de sua sapiênciaIndagou:– Mas o universo cabe num poema?Ora, é só unir o verso como na somaDe dois mais dois não são quatro,São cinco, entendeu Dona Ciência? Se a água que cai do céuVeio antes da terra,De onde vem a faltaQue a gente temQuando o amor é presente? A ciência do poemaCertificou de tudo,Mas, porém, contudo e com asaÉ melhor não duvidar de nada.

A CIêNCIA DO POEmA

Mário Alex Rosa

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MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/ABR/MAI 2017 51

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